06/11/2015 - 23ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Bom dia a todos os companheiros e companheiras, amigos e amigas, senhores convidados e convidadas que estão hoje entre nós.
Havendo número regimental, declaro aberta a 23ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de investigar, no prazo de 180 dias, o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 8, de 2015, de autoria do Senador Lindbergh Farias, aprovado pelo Plenário deste Colegiado. Esta audiência pública é a quinta de um ciclo de audiências que esta Comissão realiza em diversas cidades do Brasil, a fim de tomar conhecimento, investigar e debater o problema do assassinato de jovens no País.
Estão presentes os seguintes convidados, que desde já peço para compor a Mesa: Dr. Ronaldo Cramer, Vice-Presidente da OAB. (Palmas.)
Está presente.
Sr. Pehkx Jones Gomes da Silveira, Subsecretário de Educação, Valorização e Prevenção, representando a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. (Palmas.)
D. Terezinha, mãe do garoto Eduardo, assassinado em abril pela PM. (Palmas.)
Deputado Marcelo Freixo. (Palmas.)
Dr. Alexandre Teixeira, titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, da Comarca de Petrópolis, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. (Palmas.)
Como a nossa Mesa, claro, é uma Mesa com limite de tamanho, nós consideramos e queremos registrar a presença, num conceito de Mesa estendida, do Sr. Michel Misse, Professor da UFRJ; do Coronel Ibis Pereira, representante da Polícia Militar do Rio de Janeiro; da Deputada Federal Benedita da Silva, minha querida amiga; do Sr. Alexandre Ciconello, representante da Anistia Internacional; do Dr. Robert Muggah, diretor do Instituto Igarapé; do Dr. Ignacio Cano, Professor da UERJ; do Delegado Gilbert Stivanello, representante da Polícia Civil do Rio de Janeiro; do Deputado Federal Wadih Damous; do Delegado Zaccone; do Sr. Ronilso Pacheco Da Silva, representante do Viva Rio; do Dr. Emanuel Queiroz Rangel, representante da Defensoria Pública do Rio de Janeiro; do Dr. André Nicolitt, Juiz de Direito; da Srª Ana Paula Lisboa, da Agência de Redes para a Juventude; das Deputadas Jandira Feghali e Rosangela Zeidan; da Srª Raquel Willadino, diretora do Observatório de Favelas; do Sr. Raul Santiago, representante do Papo Reto; de Lidiane Malanquini, da Associação Redes da Maré; de André Resende, representante do Amanhecer Contra a Redução; de Marianna Lopes, representante do Coletivo Enegrecer.
Ademais, esclareço que o Procurador-Geral de Justiça do Estado foi convidado a participar do evento ou indicar um representante; contudo, após diversos contatos da Secretaria desta Comissão, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro não indicou ninguém para comparecer a esta audiência. Esperaremos, até o fim das nossas atividades aqui no Rio, que o Ministério Público possa comparecer ou enviar alguma representação.
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Antes de iniciarmos, gostaria de agradecer ao Presidente da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Felipe de Santa Cruz, e ao Vice-Presidente, Dr. Ronaldo Cramer, que, gentilmente, cederam o espaço e a estrutura para realizarmos esta audiência pública.
Agradeço também aos colaboradores da OAB, que nos auxiliam na condução deste evento.
Informo que esta audiência pública está sendo transmitida ao vivo pela Internet e será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que têm interesse em assistir e participar, com comentários ou perguntas, podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do 0800-612211.
Com o fim de organizar o tempo disponível nesta audiência pública, passo a palavra, inicialmente, aos membros da mesa, com o tempo de 10 minutos, no máximo, para que cada um faça a sua colocação. Peço a gentileza de que todos sejam zelosos com o tempo para que possamos ouvir o máximo de pessoas que participam desta importante audiência.
Passo a palavra, rapidamente, ao nosso Relator e propositor desta audiência pública na cidade do Rio de Janeiro.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora Lídice, na verdade, eu vou falar mais tarde. Eu só queria dizer que vamos ter uma mesa rotativa, ou seja, nós iremos chamar as pessoas para a mesa.
Queria citar a presença do Deputado Estadual Eliomar Coelho e do Vereador Jefferson Moura e queria afirmar que o nosso maior interesse é escutar os familiares das vítimas.
Eu queria pedir à assessoria que colocasse uma mesa ali para a inscrição dos familiares das vítimas que quiserem falar, porque a gente quer intercalar sempre com os familiares.
O primeiro a falar agora é o representante da OAB, o vice-presidente Ronaldo Cramer - não é, Presidente?
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Exatamente.
Com a palavra o Sr. Ronaldo Cramer.
O SR. RONALDO CRAMER - Bom dia. Cumprimento a Mesa, na pessoa da Presidente da CPI, Senadora Lídice da Mata, o meu querido amigo, Senador Lindbergh.
Para nós, da OAB do Rio de Janeiro, é uma honra receber um evento como este. Ontem, eu estava num evento de campanha - nós estamos em campanha para as eleições do dia 16 de novembro - e foi com muito orgulho que eu disse, naquele esse evento, que a nossa Seccional, a nossa OAB, pela presidência do hoje Deputado Federal Wadih Damous, quando assumimos, em 2007, nós transformamos esta casa numa casa da sociedade. Esta casa deixou de ser uma casa da advocacia, uma casa que discute apenas os problemas da advocacia e passou a ser também uma casa da sociedade, que abriga os eventos que a sociedade quer discutir, quer levar para a discussão, eventos como este, que tratam de temas muito importantes, muito relevantes para nós, muito caros para nós.
Este é um tema com o qual nós já trabalhamos em algumas comissões da nossa Seccional; a nossa Comissão de Direitos Humanos é atenta em relação a este tema. E. como eu disse, a minha palavra aqui será como anfitrião. Eu não pretendo externar uma fala muito grande, porque, como disse o Senador Lindbergh Farias, a audiência pública de hoje é para ouvir os parentes das vítimas, para ouvir esses relatos importantes para a Comissão.
Mais uma vez, eu digo que é uma honra receber esta CPI, Senador Lindbergh. Parabéns pela iniciativa desta audiência pública, que faz com que a sociedade e as suas entidades conheçam o trabalho desta importante Comissão Parlamentar de Inquérito.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu agradeço ao Presidente.
Desculpem-me, mas antes de chamar o próximo, Vice-Presidente da OAB, Ronaldo Cramer, eu chamo o nosso Deputado Federal Wadih Damous, ex-presidente da OAB, para ocupar o lugar do nosso representante da OAB.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passo a palavra ao Dr. Pehkx Jones, que aqui representa a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro.
O SR. PEHKX JONES GOMES DA SILVEIRA - Bom dia, Srª Senadora Lídice da Mata, Sr. Senador Lindbergh Farias, por meio de quem cumprimento os demais componentes da mesa e, especialmente, este seleto auditório.
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Honra-nos muito estar aqui para discutir e, principalmente, ouvir o debate que, quero crer, será muito produtivo para que para que possamos continuar avançando na política de segurança pública e na política social do Estado do Rio de Janeiro especialmente.
O Secretário Beltrame, como já anunciei antecipadamente para a mesa, lamenta não estar conosco aqui hoje por uma agenda coincidente, mas ele estará em Brasília semana que vem, na quarta-feira, com esta CPI. Mas ele pede para deixarmos aqui a nossa contribuição e, principalmente, a reflexão que é de suma importância para a política de pacificação que iniciou lá em 2008, 2009, e que, nós acreditamos, precisa, sim, ser observada com carinho. E, especialmente, o recorte que gostaríamos de deixar aqui, já que estamos falando de assassinatos, é o instrumento que produz a morte, especialmente a arma de fogo.
Então, nós gostaríamos de apresentar - e esta apresentação o Secretário já fez numa comissão especial também em Brasília, que está tratando do Estatuto do Desarmamento - que a polícia, hoje, no Rio de Janeiro, apreende pelo menos fuzil por dia, em média. E é importante que a gente possa fazer essa reflexão dizendo o seguinte: as apreensões de fuzis, entre 2014 e 2015, mais precisamente até junho, julho de 2015 - e isso já aumentou tão consideravelmente, não consegui nem atualizar de ontem para hoje - permanece mais ou menos a mesma. O fenômeno que nos assusta, cada vez mais, é que granadas, armas, instrumentos de guerra - o fuzil também é um instrumento de guerra - têm um volume considerável apreendido. E nós estamos coletando informações de que essas granadas estão sendo utilizadas inclusive para assaltos dentro de coletivos.
Esse é o Fuzil Ponto 50 apreendido recentemente com o pessoal do Comando Vermelho, com o Fu da Mineira. Isso para demonstrar que se trata de um instrumento de guerra, de longo alcance, de alto poder destrutivo da vida, que é o que nos aflige, com certeza.
Essas são as armas que têm entrado no Estado do Rio de Janeiro. São armas de exterminação em massa. Vamos assim dizer.
Essa granada foi apreendida com jovens em Niterói, dentro de um ônibus, para fazer um assalto.
Fizemos aqui apenas um diagrama para mostrar o alcance dessa Ponto 50 que foi apreendida. Ela alcança um raio de dois quilômetros. Num centro urbano, qualquer parede ele transpassa e faz um estrago considerável.
Nós queríamos mostrar quem é o público que está manejando esse armamento. São jovens, e, aí, nós já passamos a CPI a estatística do Instituto de Segurança Pública, mostrando claramente como tem sido essa questão. Diminuiu consideravelmente a mortalidade no Estado do Rio de Janeiro, mas ela ainda é alta. Hoje, o Rio de Janeiro está entre os 15 Estados com Municípios de maior índice de letalidade. E o Instituto de Segurança Pública mostra que a maioria absoluta dos mortos são jovens homens entre... Por exemplo, em 2011, foram 3.697 homens, enquanto, no mesmo ano, foram 335 mulheres. Em 2014, foram 420 mulheres e 4.301 homens mortos por armas de fogo no Rio de Janeiro.
A questão da cor. Em 2011, foram 2.033 pessoas brancas; 806 pessoas negras; e 1.989 pessoas pardas.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PEHKX JONES GOMES DA SILVEIRA - É a catalogação que temos no Instituto de Segurança Pública, por uma questão metodológica.
Então, em 2014, foram 1.072 brancos; e negros, 1.113; e pardos, 2.263. Então, é a catalogação que o ISP faz ao longo dos últimos dez anos. Isso realmente nos preocupa. E o Secretário Beltrame pediu para que a gente reforçasse a esta CPI e, principalmente, ao Senado que essa questão das armas se torna o fator principal para discussão, para o debate em torno da violência letal.
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Então, a sugestão do nosso Secretário é que o Congresso Nacional, o Senado Federal, as comissões especiais que estão tratando disso tratem a posse de armamento de guerra como crime hediondo. E a nossa alegação é que ele é um crime hediondo porque depõe contra o Estado democrático. Apenas as Forças Armadas e as polícias teriam autorização constitucional para manusear esse tipo de armamento. Nós, inclusive, desejamos que as polícias nem tenham esse armamento. Temos que evoluir para isso. Mas para evoluir para isso precisamos considerar isso um crime hediondo, porque depõe contra o Estado democrático e contra as instituições republicanas. Então, essa é a orientação.
E, a partir disso, nós teremos a evolução de que a polícia também se desarme, que o espírito se desarme, que possamos fazer políticas públicas sociais, que o Estado possa entrar nas comunidades, possa entrar em qualquer lugar e garantir à sociedade as políticas públicas efetivas.
Então, nosso agradecimento especialmente à Polícia Civil e à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que têm nos apoiado muito nessa política, mas precisamos, especialmente do Governo Federal, do Município e da sociedade civil organizada, apoiar a política de pacificação e, principalmente, precisamos dar um basta nas armas no Estado do Rio de Janeiro.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Eu queria fazer uma sugestão à Secretaria de Segurança para que ela pudesse, nas estatísticas, computar negros somados a pardos... (Palmas.)
... para que possamos ter, realmente, um dado real daquilo que é o retrato da violência no Brasil. Se somarmos negros e pardos, teremos um retrato fiel daquilo que é a violência no nosso País. As outras estatísticas já demonstram 3 para 1 em relação a negros e brancos. (Palmas.)
O SR. PEHKX JONES GOMES DA SILVEIRA - Está registrado. Nós vamos falar com o Instituto de Segurança Pública. Não tenha dúvida de que vamos fazer esse movimento para atender o pedido de V. Exª.
Eu vou pedir licença em razão da rotatividade.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Agradecemos ao Dr. Pehkx Jones e chamamos aqui o Delegado Orlando Zaccone para tomar assento à mesa.
Estou à espera da lista dos familiares das vítimas também, porque queremos fazer esse rodízio dos familiares das vítimas.
Senadora Lídice.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com a palavra o Deputado Marcelo Freixo, a quem quero agradecer a disponibilidade de estar aqui entre nós hoje.
O SR. MARCELO FREIXO - Bom dia a todos e todas. Eu só queria que o Subsecretário ouvisse o que vou dizer, Pehkx. Eu não vou usar dos dez minutos. Eu não ia usar nem um. Eu vou ceder o meu lugar aqui para uma das mães. Eu acho que são elas que devem dizer. Eu havia preparado um monte de números aqui, que são importantes, é evidente, mas eles podem esfriar uma relação que não pode ser feita assim. A fala hoje tem que ser das mães. A fala hoje tem que ser das vítimas, que vão poder falar. A fala delas tem muito mais legitimidade do que a minha. E eu vou ceder. Mas fui muito provocado aqui pelo representante da Secretaria de Segurança e não posso não responder.
Pehkx, eu fui Presidente da CPI que investigou o tráfico de armas e munições. Há tempo que o Secretário Beltrame cria essa cortina de fumaça no Rio de Janeiro, falando das fronteiras e da ameaça dos fuzis. É evidente que isso existe. É evidente que esse é um problema, mas vocês sabem mais do que eu que o que vocês dizem não é verdade. As pessoas não são vitimadas fundamentalmente pelas armas de guerra. As pessoas são vitimadas pelas armas curtas, pelas armas que o Estado não tem o controle, porque não quer controlar. Todos os estudos - todos os estudos! - mostram, categoricamente, que são armas curtas produzidas nacionalmente, que o Estado não tem o controle, que vitimam as pessoas. Até quando vocês vão mentir? Não dá! (Palmas.)
Não dá! Eu não estou dizendo que não existam as armas de guerra, que não exista problema na fronteira, que isso não aconteça, que não existam essas armas. Não estou dizendo isso. Só estou dizendo que mais de 80% das mortes não acontecem por essas armas. Vocês sabem disso. Se não sabem, estudem. São pagos para isso. Sabem disso. Até quando vai se criar essa cortina de fumaça para gerar um medo, essa neblina? Porque aí a gente não tem responsabilidade, a gente não tem nenhuma responsabilidade. É como se o responsável fosse algo distante, que estivesse na fronteira. Não é. Temos responsáveis e sabemos quem eles são. Vocês não fiscalizam as empresas privadas de segurança, que, aliás, boa parte delas tem como donos gente da Secretaria de Segurança Pública, só que usam laranjas. Ou não é verdade?
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Quem são os verdadeiros donos das empresas de segurança privada, das quais ninguém controla o armamento? Por que não investigam isso? Porque, talvez, tenham que investigar alguém que esta muito próximo.
A gente precisa romper com a hipocrisia, porque aqui tem muita mãe que perdeu filho, e, aí, a gente não tem o direito de continuar criando cortina de fumaça. Não dá! (Palmas.)
O SR. MARCELO FREIXO - Há tempo que eu estou querendo dizer isso para vocês.
Desculpem-me; eu juro que eu não ia falar, mas dessa vez não deu.
E quero dizer que eu acabei de assumir uma CPI, a terceira - uma delas foi a do tráfico de armas e munições -, e eu vou encaminhar para vocês os resultados dos trabalhos da CPI do Tráfico de Armas e Munições, porque lá há muita coisa que, certamente, vai no sentido contrário ao que vocês estão dizendo.
E a gente acabou de assumir a CPI dos Autos de Resistência. É uma CPI das mais importantes, porque, ao contrário do que se vende, ou seja, de que a segurança pública do Rio está melhorando, os autos de resistência vêm aumentando. O índice aumentou no ano passado e está aumentando neste ano. Neste ano nós já estamos com uma média que se aproxima de dois autos de resistência por dia. Qual é a polícia do mundo que acha normal e que não se manifesta sobre isso, que mata duas pessoas por dia oficialmente - oficialmente?
É verdade que a gente tem uma polícia que morre muito também; é verdade. E é a mesma espiral: homens de preto, matando homens pretos, quase todos pretos. Essa é a tragédia que a gente naturaliza; é a mesma espiral dos chamados territórios de guerra, que não interessam à sociedade de mercado, que não interessam à cidade balneário dos grandes eventos. Vocês escolheram que território vigiar e que território jogar para a barbárie.
Tem consequências o que está acontecendo. A gente precisa ser sincero. A segurança pública não pertence a um governo, pertence a todos, enfim.
E eu quero convidar a todos que participem efetivamente da CPI dos autos de resistência. A gente vai se reunir todas as quintas-feiras, pela manhã, na Assembleia Legislativa. As audiências serão abertas e vocês estão absolutamente convidados, para que possam, junto com a gente, fazer essa CPI chegar aonde tem que chegar.
O primeiro depoimento será do Procurador-Geral, o Ministério Público, que a gente quer chamar à responsabilidade de ser um fiscalizador da polícia.
Então, é um recado também. O primeiro depoimento, já na quinta que vem, é do Dr. Marco Faviero, assim como da Presidente do ISP, porque a gente também quer entender melhor esses dados. Então, já estão convidados para a próxima quinta-feira, às 9 horas da manhã.
E, por fim, eu quero chamar a atenção para os nossos mortos-vivos, para os jovens mortos-vivos, porque a tendência da gente... (Palmas.)
O SR. MARCELO FREIXO - A tendência da gente é falar do número de homicídios, que é gravíssimo, que é muito alto, que tem cor, sim, que tem endereço, que tem território, mas eu acabei de fazer uma audiência pública, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, sobre o Degase, e ali a gente tem os nossos zumbis, ali a gente tem os nossos mortos-vivos, que a gente não contabiliza como mortos, mas estão mortos.
Eu quero dizer para vocês que, em 2010, o Degase recebia, por dia, 10 jovens. Hoje, está recebendo 25 jovens por dia - 25 jovens por dia! São 25 jovens por dia!. Isso é inacreditável.
Qual é a escola do Estado ou do Município que está conseguindo dialogar com 25 crianças por dia? Não estão, mas vocês acham que o lugar de determinados jovens não é no banco da escola, é no banco dos réus, e o Degase está de portas abertas para essa juventude que se transforma em zumbis.
É disso que a gente está falando, e o Poder Judiciário tem responsabilidade sobre o que está acontecendo na segurança pública, e eu espero que a gente consiga, com essa CPI, também chegar ao Poder Judiciário, que, repito, tem enorme responsabilidade sobre isso.
Enfim, eu teria outras coisas para dizer, mas eu tenho outros momentos, outras chances.
Eu queria quebrar o protocolo - perdão, Lindbergh - para chamar a Ana Paula para me substituir aqui, porque ela tem muito mais a falar do que eu.
Ana Paula. (Palmas.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito bem.
Vem para cá, Ana Paula.
Muito obrigado, Marcelo Freixo.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nós queremos também agradecer a presença grande de muitas mães de vítimas que estão aqui, que vieram ao encontro do nosso convite. Uma parte delas está sentada justamente na primeira fila, ali, da ala à nossa direita, no nosso Plenário, e à esquerda da Mesa, que vai ser ouvida aqui, agora, com a fala da D. Paula e também da D. Teresinha.
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Eu vou pedir desculpas à D. Paula, porque já estava acertado passar a palavra à D. Terezinha, mãe de Eduardo, assassinado em abril pela Polícia Militar. Logo depois, eu passo à senhora.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu só queria anunciar a presença do Vereador Reimont. Eu havia esquecido.
Muito obrigado pela presença.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Por favor, D. Terezinha.
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Bom dia a todos. Sei que todos já sabem quem sou eu. Não preciso nem falar porque todo mundo já sabe. Eu agradeço ao pessoal que me convidou para vir aqui e poder falar da minha dor para vocês. E esse resultado da investigação que foi dado eu não aceito, porque eles disseram que tinha sido em legítima defesa. Eu só pergunto: defesa de que, se meu filho era uma criança que estava na porta de casa. E eles chegaram simplesmente e deram um tiro no meu filho e acabou com tudo.
Eles vêm alegar que foi legítima defesa e que teve troca de tiros com bandido. Não teve troca de tiros. É muita mentira desses policiais.
Quero dizer que não aceito essa investigação. Para mim, essa investigação é podre e eu não aceito. E vou lutar com unhas e dentes... (Palmas.)
... e quero esses policiais punidos porque eles tiraram o meu bem precioso dos braços. E vou lutar até o fim para vê-los atrás das grades, nem que seja um ou dois, porque não sei qual dos dois atirou em meu filho, se foi o Marcos Vinícius ou se foi Rafael Monteiro. Não sei, mas Deus sabe qual dos dois. E vou lutar com unhas e dentes, porque quero vê-los punidos. Se eles devem, vão ter que pagar.
Outra coisa que quero dizer é que vou pedir uma nova investigação, mas espero que não seja esse delegado que faça essa nova investigação, porque não aceito mais ele no meu caso, pois ele mentiu para mim, ele disse para mim... Ele pegou na minha mão e disse: D. Terezinha, eu resolvi o caso Amarildo, coloquei 12 policiais na cadeia, o seu caso não vai ser diferente. Eu vou punir esses policiais." E ele me dá um resultado imundo e podre. Não aceito. Quem foi punida aqui fui eu, que vou ficar o resto da minha vida sem ver meu filho. E eu não aceito.
E o Governador do Estado deu uma nota na televisão falando que o Estado fez tudo o que podia. O Estado não fez tudo o que podia, porque o Estado ainda me deve. O Estado ainda me deve, então ele não fez tudo o que podia. E eu estou no Rio de Janeiro, se for possível eu volto para cá de novo, e vou lutar por justiça para o meu filho.
E o meu filho não vai ficar sem justiça, porque eu prometi a ele que eu ia lutar por justiça e vou lutar até o fim da minha vida. Vou viajar para fora do Brasil, com a Anistia Internacional, vou levar esse caso para fora do Brasil e vou detonar com o Estado do Rio de Janeiro. Esse é o meu foco. Meu nome não é mais Terezinha Maria de Jesus. Meu nome é justiça. E vou lutar, vou lutar até o fim da minha vida... (Palmas.)
... custe o que custar. Esses policiais que tiraram o meu filho dos meus braços vão pagar muito caro. Vou vê-los atrás das grades e não vai demorar muito, com fé em Deus. Tenho muita fé em Deus, em Jesus Cristo, em Nossa Senhora Aparecida.
É isso o que eu tenho que falar. (Palmas.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - D. Terezinha, só quero falar que, antes de começar a reunião, nós estávamos reunidos, o Deputado Marcelo, Deputado Adir, que já está tentando marcar uma reunião com o Procurador-Geral. Esse caso não é um caso qualquer.
Vocês conhecem o Eduardo Jesus, de 10 anos, que, no Complexo do Alemão, em abril, foi morto. Houve uma decisão esta semana da delegacia de homicídios no sentido de arquivar o caso. Então, já estamos tentando ainda para hoje, no mais tardar segunda-feira, para ir uma comissão de parlamentares conversar com o Procurador-Geral e exigir a reabertura dessa investigação. Vamos ficar em contato com a senhora e dando notícias se marcarmos a reunião ainda para hoje.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sua sugestão será acatada certamente pelo nosso Senador Lindbergh.
Vou dar a palavra à Srª Paula para que a gente continue. Depois daremos continuidade com outros convidados.
A SRª ANA PAULA GOMES DE OLIVEIRA - Bom dia a todos. Antes de me apresentar aqui e falar de quem sou mãe, quero falar para a Terezinha e para todas as mães que estão aqui, familiares de vítimas, que juntas somos fortes. Temos que nos unir e ir contra esse discurso de que nada vai acontecer. Temos que mostrar que a vida dos nossos filhos tinha sentido, a vida dos nossos também era importante. E estamos juntas, Dona Terezinha.
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A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Com certeza. (Palmas.)
A SRª ANA PAULA GOMES DE OLIVEIRA - Meu nome é Ana Paula, sou moradora da favela de Manguinhos. Sou a mãe do Jonathan. Era um jovem de 19 anos que, no ano passado, no dia 14 de maio do ano passado, meu filho foi assassinado com um tiro nas costas, por policiais da UPP de Manguinhos. Meu filho não foi a primeira vítima em Manguinhos. Sete meses antes, havia sido assassinado Paulo Roberto, espancado até morte, um jovem de 18 anos. Em Manguinhos, já houve cinco vítimas da UPP.
Com certeza, muitos que estão aqui não me conhecem, porque o caso do meu filho, como a maioria dos casos, não teve uma grande repercussão na grande mídia, mas estou aqui em nome do meu filho, em nome do Jonathan. Sou a mãe do Jonathan, sou sim, com muito orgulho! E estou aqui para gritar a minha dor, a minha indignação junto com todas as outras mães, para dizer que não aceitamos que nada aconteça. Não aceitamos não ter resposta da Justiça, não ter resposta do Estado.
Se para uma grande parcela da sociedade a vida na favela não vale nada, estou aqui para dizer o contrário. A vida na favela vale tanto quanto uma vida em um grande condomínio de luxo! A vida de nossos filhos tem valor! (Palmas.)
Estou aqui para dizer, o caso do meu filho teve uma investigação, o caso do meu filho chegou a um tribunal de justiça. Já teve uma audiência adiada, porque o advogado do policial não compareceu. O caso do meu filho, a última audiência...Ele foi morto no ano passado, já houve três audiências. Na última audiência, era para serem ouvidos dois policiais, que são as testemunhas de defesa. Mas um policial não compareceu e, por causa disso, ainda está nesta audiência de audição. E o juiz marcou a próxima audiência para o ano que vem, mas ainda não há uma data marcada.
Geralmente, quando se mata na favela, quando se morre na favela, o morto é investigado, porque o morto é colocado como criminoso. Sempre! E nós, enquanto mães, enquanto familiares, não temos direito a um luto, diferente dos outros lugares. Não podemos, não temos direito a luto, não temos como ficar ali o tempo todo chorando, porque somos obrigadas a correr atrás e procurar, e esfregar na cara do Estado, mostrar para a sociedade que nossos filhos foram vítimas, sim!
E temos que fazer este papel, porque eles matam nossos filhos, tiram um pedaço da gente, é um pedaço da gente que se vai. E temos que fazer este papel de investigar, o papel de provar. Por que temos de provar? Por que, gente?
Convoco aqui todas as outras mães que tiveram filhos mortos, independente se eram bandidos ou não. Há pena de morte no Brasil? (Palmas.)
Nas favelas, há! Para nós que somos negros, mães de favelados, existe pena de morte.
E estou aqui e gostaria que todas as outras mães, mesmo que os filhos tenham sido bandidos, tenham sido criminosos, não há pena de morte! Então, todo mundo tem direito a julgamento! Todo mundo tem direito a um julgamento! Esse extermínio tem que parar. Esse extermínio tem que continuar, a gente está aqui para gritar. Não aceitamos. Quantos criminosos há aí em grandes condomínios de luxo? Fazem investigação de inteligência, não disparam um tiro!
A pessoa representante do Estado que estava aqui, não sei o nome, falou que muitas das mortes estão acontecendo, que este extermínio está acontecendo, porque os armamentos estão nas favelas, os armamentos estão nas mãos dos jovens. Mas como esses armamentos chegam às mãos desses jovens? (Palmas.)
Como?! Esses jovens não vão lá nas fronteiras buscar os armamentos.
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Então, a minha visão hoje, a visão que tenho é a de que deixam chegar esses armamentos à favela, deixam chegar as armas e as drogas à favela, para terem a desculpa para matar o nosso povo, para terem a desculpa para matar os nossos filhos. (Palmas.)
Nós não aceitamos. Eu quero o mínimo. Eu quero resposta do Estado. E não é porque o caso do meu filho não teve grande repercussão.
Vou ser a voz do meu filho, enquanto eu viver. Eu vou ser a voz do Jonathan. Eu quero justiça, porque justiça é o mínimo que esse Estado me deve. É o mínimo! (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço o depoimento da Srª Ana Paula e reafirmo o compromisso da nossa CPI com a investigação de todos os casos, inclusive do caso do seu filho.
Passo a palavra ao Deputado Federal Wadih Damous.
O SR. WADIH DAMOUS (PT - RJ) - Bom dia a todos.
Senadora Lídice da Mata, Senador Lindbergh Farias, acho que realizar esta audiência pública aqui, na OAB... É exatamente aqui que ela deveria ser realizada.
Acho que não há local mais simbólico do que este plenário. Tantas vezes presidi reuniões como esta, porque esta aqui é a casa que aprendeu a defender a democracia, a defender a ordem jurídica do Estado democrático de direito.
É por isso que o meu local de trabalho hoje é exatamente o local onde se está produzindo, no plano legislativo, o que há de pior do ponto de vista de atentados ao processo civilizatório, de atentados à democracia.
Lá, na Câmara dos Deputados, se aprovou a redução da maioridade penal; lá se vai aprovar o Estatuto da Família, que é um hino à homofobia; lá se está aprovando o Estatuto do Desarmamento, para dar posse de arma a Parlamentares, por exemplo, e para diminuir a idade mínima de quem pode portar arma de 25 para 21 anos, e outras barbaridades mais.
Então lá, assisto, muitas vezes impotente, com meus colegas de bancada, como a Benedita e diversos outros valorosos companheiros e companheiras, lá estamos assistindo à conformação do estado de exceção.
A violação, que já acontece na vida real, de castração de direitos e garantias fundamentais, está se tornando lei. Aos poucos a exceção vai tomando conta da nossa Constituição, vai tomando conta do nosso ordenamento jurídico.
Outro dia, na Comissão de Constituição e Justiça, da qual sou membro, se aprovou um projeto de lei que criminaliza a vítima de estupro, que criminaliza a mulher vítima de estupro.
Então, comandada por um Deputado que não reúne mais a menor condição moral de continuar presidindo a Câmara dos Deputados, vamos ali inaugurando, consolidando uma pauta reacionária, a pauta da barbárie, a pauta do atentado - de atentados aos direitos humanos. E é isso que estamos vendo hoje, na Câmara dos Deputados.
É por isso que, toda vez em que venho aqui, me dá muita saudade, porque aqui é a casa da civilização, e onde estou hoje é a casa da barbárie, é a casa do atentado à democracia.
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Então, não conheço ainda o relatório da CPI, mas tenho certeza de que esse relatório vai mostrar, efetivamente, o que significa, em números, em quantidade, a criminalização da pobreza. Esse é outro aspecto do estado de exceção permanente em que nós vivemos: o extermínio de jovens negros, normalmente moradores das nossas favelas, e isso como política de Estado.
Nós, que enfrentamos uma ditadura que tinha como política de Estado a tortura é o assassinato de presos políticos, hoje, em plena democracia, vemos esse mesmo Estado praticar aquilo que se praticava na ditadura; agora, não mais sobre dissidentes políticos, mas sobre a nossa juventude.
Isso é como se disséssemos à nossa juventude: "O que nós temos a oferecer a vocês é a penitenciária, é cadeia, é assassinato, é auto de resistência. É isso o que nós temos para oferecer a vocês". E isso é inaceitável!
E, por falar em penitenciária, basta visitar uma, basta ver quem são os hóspedes das nossas penitenciárias para saber do que estamos falando. Ou seja, o racismo existe e a criminalização da pobreza opera a vapor aqui no Brasil. Portanto, cabe a nós resistirmos como estamos fazendo aqui hoje.
O resultado de toda a CPI deve servir para a formulação de políticas públicas. Eu traço um quadro muito desfavorável lá da Câmara, do Parlamento em geral, mas há companheiros e companheiras que resistem. Lá temos um grupo de trabalho, coordenado pelo Deputado Paulo Teixeira, que trata exatamente da questão dos autos de extermínio, para nós terminarmos os autos de extermínio.
Então, há vida civilizada lá; porém. infelizmente, hoje, nós somos uma minoria a quem cabe apenas resistir. Mas vamos resistir! Vamos resistir no plano da política, onde uma escalada fascista, hoje, tenta perpetrar um golpe de Estado, agora não mais nas casernas, mas no Parlamento brasileiro. E tudo isso vai integrando o que chamamos da conformação do estado de exceção.
Então, o que nos cabe, hoje, é defender a democracia, é defender a legalidade, é defender políticas públicas calcadas nos direitos e garantias fundamentais, calcadas na defesa do processo civilizatório, porque o que está acontecendo, hoje, é uma regressão a conquistas que foram obtidas a custo de muito sangue, de muito suor e de muitas lágrimas, da perda de muitos militantes políticos que lutaram contra a ditadura até a garotos como Eduardo de Jesus, cuja família não pode ver sequer a possibilidade de se fazer justiça.
Eu vou sair agora daqui e vou tentar um contato com o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Marconi Vieira, para levar não só o nosso inconformismo, mas exigir legalmente que esse inquérito tenha andamento, até porque o delegado, por si só, não pode arquivar inquérito, sobretudo em uma situação como essa, em que houve, efetivamente, o assassinato de um garoto, e isso não pode ser considerado legítima defesa, porque já há... (Palmas.)
... elementos suficientes que mostram que não foi legítima defesa coisa nenhuma. Foi, sim, a política de extermínio que é a conduta em que, infelizmente, as nossas forças de segurança publica ainda pautam a sua atuação.
Então, quero aqui parabenizar o Senador Lindbergh e a Senadora Lídice da Mata. É muito importante o que estamos fazendo aqui hoje, isto é, tentar preservar o processo civilizatório. E eu fico muito orgulho de que esta audiência esteja acontecendo na minha casa, na casa dos advogados, na casa daqueles que sempre defenderam a democracia e a ordem jurídica do Estado democrático de direito.
Parabéns, Lindbergh; parabéns Senadora Lídice da Mata. (Palmas.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Deputado Wadih Damous.
Chamo para se sentar aqui, no lugar do Wadih o Dr. Roberto Muggah, que é representante do Instituto Igarapé. Depois, o próximo a ser chamado aqui para compor a mesa é a Srª Maria de Fátima, que é mãe de Hugo Leonardo, da Rocinha.
Depois, vou chamar aqui, para falar. o Coronel Ibis, o Michel Misse... Quem estiver compromisso é bom avisar porque eu vou colocando aqui.
Depois, o nosso... O representante da Polícia Civil, também.
Por favor, Dr. Robert Muggah.
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passar a palavra, enquanto os convidados estão vindo à mesa, para o Sr. Alexandre Teixeira.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA DE SOUZA - Bom dia a todos!
Senadora Lídice da Mata, Senador Lindbergh, é com satisfação, não satisfação de estar aqui para discutirmos a questão da violência contra jovens, mas da oportunidade de poder me manifestar. Estou aqui representando o Presidente do Tribunal de Justiça, o Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho.
Eu também vou me apresentar à plateia e aos componentes da Mesa, eu sou Juiz da Vara da Infância e Juventude de Petrópolis, sou Juiz de Direito há 18 anos, completo em janeiro, e quis o destino ou Deus que eu estivesse nesse período, como Magistrado, sempre lidando com questões da Infância e da Juventude.
Nesse debate que já se iniciou, a própria fala do Deputado Marcelo Freixo, sobre o Judiciário ter responsabilidade, é evidente que tem. Todos temos, todos nós aqui. E talvez, Senadores que compõe a CPI, e terão a palavra final e algum documento para mostrar para a sociedade... O que nós estamos fazendo? O que podemos fazer para reverter esse quadro?
Eu falo isso por experiência. Eu não sou um estudioso do direito; eu sou um operador do direito. O Coronel Ibis, que aqui representa a Polícia Militar, tive a satisfação de trabalhar com ele em Petrópolis quando comandou o 26º Batalhão. Vendo o dia a dia, tenho sempre angústias e frustrações, porque essas famílias que hoje estão aqui com um grito de justiça, muitas, eventualmente, passaram pela Vara da Infância. E eu, Juiz, vi, diariamente, essas famílias em uma situação de risco social e vi o jovem envolvido com o cometimento de atos infracionais.
E é uma verdade, estamos aqui em uma situação que não são só os negros, porque as comunidades não são feitas só de negros...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA DE SOUZA - Eu sei, como sei também que a maioria quase que absoluta, esmagadora, que a Justiça julga e condena são pobres. Pobres, também!
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA DE SOUZA - Eu sei; são negros, mas são pobres. Porque, nas comunidades, não há somente negros.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA DE SOUZA - Eu sei, mas não é isso que eu estou falando. Eu estou querendo dizer a angústia de você ver... Porque o Judiciário julga, primeiro, quem a Polícia Militar prende; o que a Polícia apura; e o que Ministério Público representa, quando menor infrator, ou o que o Ministério Público denuncia, quando maior de idade. É isso que Judiciário julga. Então, o nosso problema está no início.
Quem que a Polícia está prendendo? Porque que é que só prende negro e pobre? Olha só, eu estou do lado de vocês. Eu vou terminar e vou dizer porque eu estou do lado de vocês. Porque nós não temos as políticas públicas efetivas neste País. O Judiciário tem responsabilidade? Tem. E todos nós teríamos que ter a capacidade de sentarmos aqui e criamos uma pauta mínima de atuação. Como tratar a violência? Como combater?
Porque eu sou Juiz esse tempo todo em Petrópolis - em Petrópolis, sou titular desde 2001 -, mas fiz um trabalho na Vara da Infância e Juventude aqui, na Praça XI - a Vara do risco social, não é a Vara do infrator, - durante um ano.
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Então, eu pude trabalhar as duas realidades. Qual é a realidade? Estou falando de Petrópolis, que é uma cidade que está a 60km do Grande Rio. E a realidade do Rio de Janeiro? Deparei-me com uma realidade totalmente diferente; totalmente diferente.
O que nós vivemos no Rio de Janeiro é o caos social. É o caos; é uma guerra. E uma sociedade perplexa, as autoridades quase que incapazes de atuar. Talvez o trabalho da CPI seja... Teria de ter, talvez, Senador, na minha humilde opinião, duas frentes de ação - tratar o que são os grandes centros, que é uma realidade diferente das cidades menores -, como fazer com que essa violência não se espalhe e como tratar a causa.
É inconcebível, hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente, com mais de 20 anos, não ter suas políticas todas implementadas. É inconcebível que uma mãe que precise de uma vaga de creche tenha de recorrer ao Judiciário - alguém que precise de uma escola, um atendimento médico, e o Juiz ter de dar a liminar. A pessoa está lá no Pronto-Socorro, o laudo diz: é grave, precisa de uma UTI neonatal, precisa de uma UTI, e tem de ir ao Judiciário! E nem assim sai. Porque hoje foi isso. No início, dava-se a tutela, ia lá e cumpria. Hoje não tem, porque nem a rede privada comporta. Cadê as políticas?
Agora, cadê a política para fazer - desculpa, Ana Paula, que é a mãe do Jonathan. Eu não sei se o Jonathan tinha ou não envolvimento, e mesmo que tivesse, e mesmo que tivesse, por que o Estado não ofereceu uma oportunidade para o Jonathan? Ou o menino Daniel de Jesus? Por que não tivemos essa capacidade? E não temos, Senadores! Não temos.
Hoje se discute a questão do Senai. Estou aqui falando mais como Juiz da Infância do que como Presidente, então estou falando eu, Alexandre Teixeira, cidadão. Por que o Senai... Quando o garoto está em conflito com a Lei, e tem o diagnóstico - ele precisa de uma qualificação, uma inclusão no mercado de trabalho, mas ele tem baixa escolaridade -, o Senai não tem cursos para essa população que tem escolaridade baixa? O Senac, o Sesc? Por que hoje esses órgãos, que seriam de função social, não fornecem essa ferramenta, para dar uma oportunidade? Porque hoje, a verdade é a seguinte: o tráfico é o maior problema que nós temos de violência no Estado do Rio.
Hoje, fala-se em 25 no Degase por dia. Hoje, na minha Vara - eu tenho o risco social e tenho o infracional -, o problema de 90% dos adolescentes que estão internados é o tráfico. O garoto desce, pega um ônibus, vai aqui no Parque União, compra uma cápsula de cocaína por R$5; quando ele chega em Petrópolis, ele está vendendo essa cápsula por R$20. Ele desce com R$800, como eu peguei um garoto semana passada. Eu falei: "Oitocentos reais. Você ia fazer quanto com isso?" "Quatro mil" "Para quê?" "Para comprar uma moto." Esse é o fascínio da droga.
Como vamos discutir liberação de droga sem discutir a regulamentação da venda? Vamos empoderar o traficante? Porque a gente faz a venda, autoriza o uso, e vamos deixar o traficante? Estou falando isso, Senador Lindbergh, sei que o senhor conhece Petrópolis, esteve lá na sua campanha para Senador, e do atual Prefeito. Eu, como Juiz, estou assustado. Hoje não há uma apreensão de pessoas vendendo drogas em Petrópolis que não tenha um adolescente envolvido. E estou falando de coisa que há dois, três anos eu não tinha. Então, é essa violência que estamos vivendo.
Por que a gente não oferece uma oportunidade? Acho que nós teríamos de tratar. Combater a violência; é evidente que nós precisamos combater. Descobrir. Agora, a gente tem de tratar a causa. Temos de oferecer oportunidades para essa juventude. O garoto, hoje, vai para a escola e... Olha, eu vim de família humilde, estudei em escola pública, fiz minha faculdade com o que seria o Fies hoje - era o Crédito Educativo, na minha época. Hoje, a gente tem uma escola pública; você pega um garoto no oitavo ano e ele mal lê.
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Que formação estamos oferecendo? Cadê a qualificação? Acho que temos de tratar disso; oferecer oportunidades; lógico, sem se furtar às responsabilidades que o Judiciário possa ter de não dar uma resposta rápida, imediata, para essas questões.
Como a Srª Ana Paula aqui falou, a audiência já está para o ano que vem. Por que a pauta já está para o ano que vem? Está o da senhora e de várias outras pessoas. Por que é que o Congresso está reduzindo a maioridade? Está, porque a sociedade também está querendo isso. A violência chegou a um ponto em que ninguém acredita mais na estrutura estatal. Há gente fazendo justiça com as próprias mãos. A gente tem uma polícia que vai para o enfrentamento - eu vou encerrar, Senadora - sem uma qualificação.
Então, se eu pudesse, hoje, deixar alguma coisa aqui, seria um pedido, Senadora Lídice e Deputado Marcelo Freixo: cobrar a efetivação das políticas públicas, porque hoje a gente tem, no Estado... O Degase é ruim. Hoje, um adolescente que tiver envolvimento com droga, em grau de vício, precisando de tratamento, ele consegue no Degase, mas nós não temos clínicas para internação, se isso for detectado num risco social. Isso chega a ser um absurdo.
Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Eu agradeço ao Dr. Alexandre Teixeira, titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Petrópolis, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Obrigado pela sua presença e contribuição aqui em nossa discussão.
Como havíamos combinado antes, nós vamos dar uma fala à mesa e a uma mãe. Então, eu queria chamar a Srª Maria de Fátima, mãe de Hugo Leonardo, da Rocinha, para o seu depoimento. Além disso, quero pedir o apoio de todos os que vão falar, para que a gente fique aí entre cinco e dez minutos. Não podemos ultrapassar esse tempo, em função justamente de garantir um maior número de falas entre os presentes.
Muito obrigada.
A senhora pode sentar-se aqui, por favor.
Enquanto ela se prepara para falar, porque ela está um pouquinho emocionada, eu vou passar a palavra ao Dr. Orlando Zaccone e, depois, volto para a senhora, porque a senhora...
Deem um pouquinho de água a ela aí, por favor.
O SR. ORLANDO ZACCONE - Bom dia a todos e a todas.
Quero cumprimentar a Senadora Lídice da Mata e o Senador Lindbergh Farias - respectivamente Presidente e Relator, na ordem desta CPI -, agradecer o convite e cumprimentar a todos os presentes, nas pessoas da Terezinha, da Ana Paula, da Deise, de todas as mães que estão presentes, familiares de vítimas, e, em nome delas, eu cumprimento a todos também presentes.
Quero dizer que é uma honra para mim, como delegado de política, ter este assento e esta oportunidade de falar sobre o tema da violência do Estado. Eu não chamo mais de violência policial e eu vou dizer por quê.
Em 15 anos, como delegado de polícia, eu consegui pautar, na minha prática, ações que me legitimaram a ter um reconhecimento, muitas vezes, das mães, das vítimas, da sociedade civil, de alguns setores progressistas do meio político e de autoridades também. Eu não estou sozinho. Quando eu vejo o Coronel Ibis Silva, eu vejo que temos policiais que estão comprometidos com a mudança dessa realidade. Então, também não sou só uma ilha. E existem muitos que não têm, talvez, a visibilidade que eu e o Coronel possamos ter.
Quero cumprimentar também o Delegado Gilbert Stivanello e agradecer a presença da Polícia Civil, que é algo importante. Ele é assessor de Relações Institucionais da Polícia Civil. Então, temos que trazer esse debate também para dentro das instituições.
Mas o que eu queria colocar é que aquilo que me credenciou foi um trabalho acadêmico também, e não só a ação prática. Como delegado, estive envolvido em algumas situações de autos de resistência, como no caso do Borel.
A Dalva não está presente... A Dalva está aí? Não.
Bom; trabalhei com as mães das vítimas do Borel em 2003. E, desde lá, também, estive no momento inicial da investigação do caso Amarildo. Mas estive numa pesquisa, em nível de doutorado, na UFF - Universidade Federal Fluminense, estudando os autos de resistência. E eu posso garantir: não é um desvio de conduta de policiais; é uma política, de Estado, de extermínio. (Palmas.)
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E isso tem que ficar muito claro. Por quê? Porque nós temos que avançar nos nossos sentimentos de justiça.
Não podemos mais - e acho que os familiares das vítimas têm todo o direito de buscar a reparação, através da responsabilidade penal, dos policiais que vão além daquilo que o ordenamento jurídico autoriza em termos de ação violentas -, temos que chamar o Estado para essa responsabilidade, porque tudo que o Estado quer é individualizar a culpa somente no policial. Estamos cortando na carne, ele agiu errado...
E como se dá essa lógica para o Estado? Primeiro, essa política contempla sentimentos que estão não só nos gabinetes das autoridades jurídicas, do Promotor de Justiça que arquiva o auto de resistência, fundamentando - e foi isso que estudei no doutorado - a legítima defesa pela condição do morto: morava numa favela e tinha uma folha de antecedentes criminais. Isso é legítima defesa para o poder jurídico. E estudei mais de 300 processos em que vi os promotores fundamentando a legítima defesa pela condição de quem morreu.
Mas esse sentimento não está só no gabinete do promotor, porque o promotor não vem de Marte, o delegado de polícia não vem de Marte; viemos dessa sociedade. Esse sentimento está na sociedade. Nenhum de nós levantará a voz ao ver. pela televisão, uma ação de execução de um traficante com algum nome do tipo Gangan, Matemático. Já pensou? Um cara desse é maluco, não é? "Estou aqui para defender o Matemático..." Não vai existir isso, porque essas ações de execução em relação a pessoas identificadas como inimigos do Estado é legitimada, e esse inimigo hoje é o chamado traficante de drogas.
Quando se mata uma criança, se chega ao cúmulo de tentar legitimar essa violência, construindo, na figura de um jovem, que não é nem adolescente, mas uma criança - dez anos -, como inimigo. Hoje se tenta construir, como inimigo, uma criança de dez anos, e o que está em jogo no Brasil hoje não é a violência praticada a partir de ações policiais; o que está em jogo é em relação a quem essa violência é dirigida, porque a questão é a seguinte: se não conseguir provar que o pedreiro era traficante, que o dançarino era traficante, os policiais vão para a cadeia; então, prender policial não pode ser política para resolver isso, porque, se fosse, já estaríamos resolvendo, e não estamos.
Ora, é lógico que não estou aqui defendendo a não punição de policiais; o que estou aqui defendendo é que, como um fórum político, temos que buscar soluções políticas para resolver essa questão. E quais são, na minha humilde opinião - uma contribuição que eu gostaria de deixar a esta CPI - as ações concretas, políticas, que não sejam simplesmente individualizar a culpa e dizer que a culpa foi um desvio de conduta de um policial. Esses policiais são treinados e chamados diariamente não só pelos seus comandantes, não só pelo Estado, mas pela mídia, pelos programas. Essa violência, com esses números assustadores dessa violência do Estado, faz uma espetacularização dessa violência que hoje legitima âncoras de programa policial a serem candidatos a prefeito da maior cidade do Brasil. E vamos controlar ou não vamos controlar o que se fala na mídia? (Palmas.)
Portanto, estamos também que ampliar o debate. E qual é a contribuição? E serei breve dentro do meu tempo de exposição. Bom, duas coisas são importantíssimas para que possamos resolver e dar uma chance para esses jovens que são jogados nessa máquina de moer pessoas, conforme Darcy Ribeiro já nos revelou. Primeiro, vamos acabar com o tráfico. Como se acaba com o tráfico? Legalizando a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas, (Palmas.)
Porque, nesse ponto, realmente, o Dr. Alexandre Teixeira tem razão: só descriminalizar a conduta do usuário e manter um mercado na ilegalidade vai aumentar essa tragédia.
É muito importante que possamos ver a legalização das drogas como um marco de redução dessa violência, porque, se o presidente da Ambev entrar nesse ambiente, será saudado como personalidade, e o é, porque ele é presidente da maior empresa do Brasil antes da Lava Jato - maior do que a Petrobras, antes da Lava Jato, a Ambev. E ele vende drogas! O Estado fomenta políticas para consumo de drogas. Ritalina, droga pesadíssima, ministrada para crianças. Portanto, temos que acabar com essa hipocrisia. Isso é uma hipocrisia, a proibição das drogas. (Palmas.)
A legalização das drogas pode salvar vidas.
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E a última coisa que acho que é uma ação imediata política: temos que chamar À responsabilidade civil o Estado para toda ação em que um agente do Estado provoque a morte de alguém. Responsabilidade civil objetiva já prevista na Constituição Federal, que nunca é acionada por conta desse dispositivo da legítima defesa, que veio à tona com o atual relatório da Delegacia de Homicídios, mas que é uma constante. Eu estudei autos de resistência arquivada, no período de 2003 a 2009, e segundo Michel Misse, que está aqui presente e vai falar ainda, em 2005, mais de 99% dos autos de resistência foram arquivados em menos de três anos. Todos os que foram instaurados em 2005 até 2008 estavam arquivados, e arquivados com um único fundamento: legítima defesa.
Então, isso faz parte de uma política. Agora, quando essa legítima defesa é dirigida àquele inimigo que é construído... E temos que tomar cuidado, principalmente porque a proibição é o vetor de extermínio da juventude negra no Brasil.
A proibição das drogas. Não faço parte do Movimento Negro, mas conclamo todos aqueles que estão na luta do movimento negro a colocar com pauta importantíssima a legalização das drogas, porque isso vai, sim, efetivamente, conter o extermínio da juventude negra.
Então, é isso.
Agradeço a oportunidade. Fico à disposição de vocês.
Um abraço.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Agradeço o nosso amigo, Delegado Orlando Zaccone.
Gostaria de chamar o Professore Michel Misse para assumir o lugar do Zaccone
Passo, imediatamente, a palavra a Maria de Fátima, que é mãe de Hugo Leonardo.
A SRª MARIA DE FÁTIMA DOS SANTOS SILVA - Bom dia. Sou Maria de Fátima, sou mãe de Hugo Leonardo, que foi executado na favela da Rocinha.
Meu filho era um negro, estava desempregado. Não teve o direito dele de ir e vir no local aonde foi nascido e criado. Eu moro na favela da Rocinha há 50 anos. Nunca tive problemas com ninguém lá na favela. Meu filho, desde pequeno, ia para a feira, ia para a escola, fazia o dinheiro dele na feira, ia para casa. E assim foi crescendo, mas sempre foi acuado pela polícia, sempre, desde pequeno. E eu só me dei conta agora, depois que executaram ele.
Ele estava desempregado, ele era usuário, usava a maconha dele, era o direito dele, ele gostava, tinha o dinheiro para ele poder, mesmo desempregado, ele trabalha dentro da favela fazendo carreto, subindo e descendo com compras. As pessoas quando chegavam com as mudanças, ele carregava mudança às vezes até de madrugada a fazer o dinheiro dele.
Uma vez ele foi preso, ele pagou. Esse Major Edson, sem-vergonha, racista, sujou o nome do meu filho como traficante.
Mas como ia dizendo, o meu filho sempre foi um menino solto dentro da comunidade aonde ele nasceu.
Ele trabalhava, só que na época que ele foi executado, estava desempregado. Depois que essa UPP entrou lá, todo dia ele apanhava, ele era cortado com gilete. O que tivesse na mão da polícia, a política machucava o meu filho. E eu não entendia, quando ele chegava lá em casa: "mãe, faz um miojo aí para mim", que ele estava machucado no rosto, eu não entendia. "Eu estava bêbado, estava drogado, eu caí". Eu falava: "menino, para com isso que essa droga está acabando, vai acabar contigo, vai te matar. "Ah, mãe, não esquenta não".
E foi indo, foi indo. Isso acontecia todos os dias. Aí, nesse belo dia, 17 de abril de 2012, às 4h20min da tarde, enquanto eu passava a camisa do meu marido, escutei dois tiros. Mas jamais ia pensar que era nele, jamais! Olha... Foi aí, quando o telefone tocou e eu atendi, que veio a notícia.
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Meu filho estava na rua, onde um traficante fica zanzando, ou seja, vai ficar de frente com policiais todo o dia. Mas ele sabia que ali era o local dele. Ele podia ficar à vontade. Mas, mesmo quando não estava na rua, meu filho era torturado dentro de casa. Se eles não achavam meu filho na rua, eles iam à casa do meu filho para torturá-lo. Eu me pergunto: por quê? Porque é negro, desempregado, favelado. Ele não tinha o direito de, nem dentro de casa, estar em paz!
Não sei que justiça é essa, não sei que policiais são esses que entram na favela para dizerem que vão melhorar. Vão melhorar o quê? Melhora o salário deles. E prejudicam a nossa saúde, porque matam um filho nosso, matam um negro nosso. Acabam com a nossa família, acabam com a nossa saúde, acabam com a nossa vida. A minha vida virou um tormento, ninguém me ajuda. (Palmas.)
Ninguém me procurou para saber se meu filho era mesmo isto que está escrito aqui. Disseram que era um grupo de traficantes - nunca vi isto - no meio da rua, na frente de um monte de policiais, que entraram para dentro do beco e que aí começou o tiroteio. Onde? Não houve tiroteio! No que está escrito aqui, só há uma verdade; o resto é mentira! Aí vou ter de provar que isso era mentira! Eu é que tenho de provar isso, eu é que tenho de sair de casa para provar isso.
Ninguém me procura para me dar assistência. Estou doente, estou desempregada, estou passando necessidade. Os amigos é que estão me ajudando, por causa dessa Justiça safada, que não presta para nós da favela! Só quer nos afundar, só quer acabar com a gente que mora na favela!
Nós somos seres humanos, como os filhinhos de papai que ficam na porta da PUC nos fins de semana cheirando e fumando as drogas deles. (Palmas.)
Mas eles são jovens da classe média. Eles podem, eles podem tudo! A classe média, a classe rica, a classe branca podem fazer qualquer coisa, mas a gente não. Nós não temos nosso direito de viver. Por que negro não tem direito? Tem! É só lhe dar oportunidade! Mas ninguém vai lá dentro da favela para procurar melhorar. Na parte em que moro, não existe nada para as crianças. Não há nada para os adolescentes na parte da favela em que moro. Moro no 199. Moro na Estrada da Gávea, 199.
Meu filho foi assassinado na porta de uma creche, de joelhos. Ainda perguntou, quando levou o primeiro tiro: por que está fazendo isto comigo? Nem ele mesmo sabia por que ia morrer. Entenderam?
Fico me perguntando: cadê esse Estado que não me procurou, não me deu assistência, não procurou saber direito da vida do meu filho? Nem todos que moram na favela ou que são pretos são bandidos, são traficantes! Isto está aqui! Eu quero a arma! Não fizeram exame no local em que mataram meu filho. Não foi uma troca de tiros. E aí? Como é que fica? Como é que a gente fica? Porque mora na favela não presta? Presta, sim! Presta!
Ajudem, procurem as famílias, deem assistência! Mas esse Estado não quer saber disso. O Estado só quer ir limpando: "Se não está fazendo nada, é bandido. Vamos matar! É mais um, é mais um." Ainda fica ameaçando a família. Quando vê a família, fala: "Estou de olho! Estou de olho em você!"
Só resolvi sair quando mataram o Amarildo, porque eu estava vendo a injustiça que estava sendo feita. Tomei coragem. Eu me arrependo de, no dia em que fizeram isso, eu não ter saído. Mas eu perdi o chão! Vivi muito tempo só dopada, dopada! Ficava dopada, sem entender por que isso aconteceu, sem entender. Mesmo que ele fosse um bandido, um traficante, se ele estava desarmado... Deste 38 aqui eu nunca soube! Isso ninguém me mostrou. Ninguém me chamou para mostrar isso na delegacia nem em lugar nenhum.
Então, peço a vocês ajuda em tudo. Estou recebendo ajuda dos meus amigos que estão aqui, que estão fazendo vaquinha para pagar meu aluguel, uma cesta básica. Para eu vir para cá, para eu sair, eu tenho de pedir dinheiro dos outros emprestado. E não é todo mundo... Há dias em que dizem: "Ah, não tenho, não!"
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Vocês não sabem o que é isso! O meu filho me ajudava com arroz, com feijão; com alguma coisa ele me ajudava e bancava a filha dele, mas ele não pode mais. Hoje seria o aniversário dele. Se eu usasse droga, eu ia comemorar muito, tomando minha cerveja e fumando um baseado. (Palmas.)
Era disso que ele gostava. Ia, ia mesmo! Ia lá na boca comprar e comemorar o aniversário do meu filho, porque o corpo dele se foi, mas ele está aqui comigo. E eu não vou parar de lutar por justiça, por causa dessa injustiça, safada, que fizeram! Enquanto eu tiver forças, eu vou.
Eu quero justiça para os nossos negros, favelados, e pretos, desempregados. São gente. Eles não têm que ser mortos assim, puxados por um lençol e desovados. Ainda bem que deixaram no Miguel Couto, mas também era 4h20 da tarde. Não tinha como eles darem sumiço no corpo, e foi na porta da creche. Não tinha como, porque, se tivesse, pelo beco em que eles levaram meu filho, que foi pelo Umuarama, esse Major Edson, sem-vergonha, que falou que meu filho era um traficante, não levaram o corpo do meu filho por onde era para levar. O pessoal tentou fazer manifestação, e até grávida apanhou; sprays de pimenta, balas de borracha, teve de tudo lá. Não deixaram. Ainda acuaram a minha família. Tudo bem, mesmo se ele fosse bandido, que o levassem preso, mas não matar, porque eu, que sou mãe, seu eu pegar um filho, acorrentar, queimar com um ferro para punir, o que vai acontecer comigo? Eu não vou para trás das grades? E por que ele tirou a vida dele, que nunca fez nada, nunca deu um arroz, nunca deu um lápis para ele ir para a escola? (Palmas.)
Ele tem o direito de dar dois tiros e pronto? Fica por isso mesmo? Não! Eu quero a ajuda de vocês para isso aqui.
Minha filha foi à 15ª, porque foi chamada, há uns quatro meses, e até hoje não me chamaram mais. O delegado suspendeu. Até hoje não acontece mais nada.
Estou doente, estou nervosa, estou tudo, estou uma pilha! Eu preciso de dinheiro para pagar meu aluguel. Quem vai me dar? Vamos fazer vaquinha. Eu trouxe meus artesanatos para vender, para comprar o material que está faltando. Preciso de dinheiro para comprar a cesta básica, para não ficar com fome, e comprar meus remédios também. Vamos fazer uma vaquinha aí para eu pagar minha passagem para voltar. (Palmas.)
Este Estado não faz nada! Então, estou vivendo assim. Até no Facebook eu peço. Pedi no Facebook um celular, peço cesta básica, peço tudo! Peço mesmo, não tenho vergonha. Vergonha é o que esse Major Edson fez, de sujar o nome do meu filho como traficante. Assassinado, não; ele foi executado, executado!
Eu quero prova e quero ajuda.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada.
Esse foi o depoimento emocionante da D. Maria de Fátima, mãe do Hugo Leonardo, da Rocinha.
Eu quero chamara para a Mesa o Coronel Ibis.
Enquanto ele chega à Mesa, passo a palavra novamente à Dona Terezinha. Ela pediu para fazer uma referência que se esqueceu de fazer.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Dona Terezinha, antes, só queria falar algo do Coronel Ibis, que está vindo, porque aqui há tanta crítica à Polícia Militar! Só para dizer que o Coronel Ibis pensa como nós. Vocês vão ver pela fala dele. É um dos que lutam internamente pela mudança na estrutura dessa Polícia. Acho que é importante a fala dele.
Dona Terezinha.
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Eu só esqueci de falar para vocês, porque estou bastante nervosa, depois que recebi a notícia dessa investigação horrorosa, que, no dia do assassinato do meu filho, , porque ele foi executado também.
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Eu me deparei com os policiais na escada da minha casa, eu agredi o policial da tropa de choque e disse a ele: "Você matou meu filho, seu desgraçado". E ele respondeu assim: "Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar, porque eu matei um filho de bandido".
Imediatamente, ele falou com outros policiais:" Vamos colocar logo uma arma na mão da criança para incriminar logo ele e tirar o nosso da reta". E eu respondi a ele: "Se vocês colocarem essa arma na mão do meu filho e ela tiver bala, eu te mato; e, se não tiver, eu jogo na sua cara; bote pra você ver". E eu me agarrei com o policial, o amigo do meu filho tentou tirar eu de cima do policial, mas não conseguiu porque, naquela hora, eu me senti uma onça; eu não me senti uma pessoa humana, senti-me uma onça defendendo a minha cria.
Eu quero dizer que esse policial tentou incriminar meu filho de vários jeitos. Ele colocou uma foto na internet de outro garoto, dizendo que era meu filho que estava com fuzil na mão; depois disse que meu filho era filho de bandido, que tinha matado meu filho porque ele era filho de bandido - meu filho não era filho de bandido. Também falou que meu filho estava com uma pistola na mão - meu filho estava com o celular dele na mão; na hora, o celular caiu, e, no outro dia, o vizinho achou e me entregou. Eles tentaram capturar esse telefone e não conseguiram.
E por que o delegado, Dr. Rivaldo Barbosa, não apresentou essa arma que esses policiais estavam? "De quem é essa arma?" - essa pistola que eles carregam para incriminar as vítimas inocentes. É assim que eles fazem: eles carregam uma pistola, eles matam os inocentes e depois colocam para incriminar o inocente, para dizer que o inocente era bandido.
Meu filho não era bandido. Meu filho era uma criança de 10 anos, que estudava; estava no 5º ano e estudava o dia inteiro; entrava no colégio às 7h da manhã e só saía às 5h da tarde, porque eu ia buscar; eu levava e buscava o meu filho no colégio. Eu lutei muito para limpar a imagem do meu filho, mas eles sujaram a imagem do meu filho. E agora vêm dizer que foi legítima defesa. Defesa de quê? Meu filho era uma criança. Meu filho não estava trocando tiro com eles. Meu filho só era uma criança. Ele saiu de dentro de casa, de dentro do quarto, para morrer na porta da minha sala; o cérebro do meu filho ficou espalhado na minha varanda, dentro da sala, e grudado na parede da sala.
É isso que eu queria dizer pra vocês. Eu tinha esquecido de falar, e eu continuo dizendo: eu não aceito essa investigação; eu quero uma nova investigação e não aceito ser feita pelo Dr. Rivaldo Barbosa. Eu não aceito. Eu quero outro delegado investigando a morte do meu filho, porque isso não vai ficar impune, porque eu não vou deixar! (Palmas.)
O Estado disse que já tinha feito tudo por mim, mas ele não fez nada! Ele está me devendo ainda. Devendo a investigação da morte do meu filho. E eu quero botar em pratos limpos. Eu não vou deixar isso acontecer. Não vai ser mais uma história.
Era isso que eu queria falar pra vocês.
Muito obrigada, gente. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, D. Terezinha.
Vou passar a palavra ao representante do Instituto Igarapé, Sr. Robert Muggah.
O SR. ROBERT MUGGAH - Bom dia a todos e todas.
Sr. Senador Lindbergh, Senadora Lídice da Mata, demais autoridades, senhoras e senhores, famílias das vítimas, é uma honra poder participar desta audiência pública. Como vocês sabem, não sou brasileiro, mas me casei com brasileira e tenho uma filha brasileira.
Esse é um tema que toca todos nós, e a mim também. Eu acredito que todos aqui concordam em que a garantia do direito à vida é a responsabilidade mais central do Estado. Homicídios são a maior violação e negação desse direito.
Eu gostaria somente de começar, chamando a atenção para o fato de que faz pouquíssimo tempo, apenas uma década, que começamos a entender melhor esse tipo de crime internacionalmente. Ainda que muito países coletassem informações sobre assassinatos, as Nações Unidas, organização internacional que se preocupa com temas relacionados à paz e à segurança internacionais, recusavam-se a divulgá-las. Por quê? Os governos, incluindo o Brasil, temiam que esses números afetassem sua reputação, afetassem investimentos e que poderiam prejudicar o turismo, por exemplo.
Apesar disso, em 2008, finalmente as Nações Unidas publicaram, pela primeira vez, dados nacionais sobre homicídios. Essa publicação teve grande repercussão e abriu as portas para uma discussão global sobre o tema que antes era um tabu.
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Mas, então, o que sabemos hoje? Em 2012, aproximadamente, 437 mil pessoas foram vítimas de homicídios dolosos em todo o mundo. Cerca de 56 mil eram brasileiros ou brasileiras, o que representa 10% do número total de homicídios no mundo. Repito: um em cada dez assassinatos no mundo ocorrem no Brasil. Nenhum outro país chega perto desse número. É um escândalo! Mais de 75% das vítimas de homicídios no Brasil são homens, 50% de todos os homicídios envolvem adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos, e a maioria, negros. Mais de 70% são cometidos por armas de fogo. Morte por armas de fogo é a primeira causa de morte de jovens negros no Brasil, na frente de acidentes de carro, câncer e todas as outras causas. Já é uma redução expressiva da expectativa de vida desta população.
Mas o que podemos fazer sobre isso? Eu acho que novas tecnologias nos ajudam um pouco a entender melhor como as pessoas são afetadas pelos homicídios, revelando padrões de vitimização. Ferramentas de visualização de dados, por exemplo, como o Observatório de Homicídios, que mostra a distribuição dos homicídios nos 26 Estados e nas principais cidades brasileiras, são fundamentais. Essa ferramenta aqui, que congrega dados compilados pelas Nações Unidas, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Mapa da Violência, entre outros, revela as diferentes dinâmicas dos homicídios no País. O Observatório também permite fazer comparações com outros países e, assim, ver os mesmos dados por novos ângulos. Por exemplo, 15 das 50 cidades mais violentas do mundo são brasileiras. Algumas delas possuem taxas de homicídios mais elevadas do que o Afeganistão, Iraque, Honduras, El Salvador e outros países com as maiores taxas de homicídio do mundo.
A gente vive, agora, dentro do Brasil, uma guerra não declarada.
Novas tecnologias também podem ajudar a compreender melhor como esses homicídios estão concentrados em determinadas áreas e afetam determinados grupos. No Rio de Janeiro, 80% de todos os quase 4 mil a 5 mil homicídios a cada ano estão concentrados em menos de 5% do território, e são os jovens, como vocês todos sabem, jovens e negros que estão fora do mercado formal de trabalho que são suas principais vítimas.
É importante também ressaltar que não podemos pensar em políticas de prevenção de homicídios sem antes conhecer a fundo as evidências, levantando dados confiáveis sobre sua distribuição. Infelizmente, a disponibilidade e a qualidade dos dados aqui no Rio ainda são muito ruins. Instituições chaves de segurança pública, como a Polícia Militar e a Polícia Civil, não compartilham nem entre si, quem dirá com o público em geral, dados básicos sobre homicídios e apreensões de armas de fogo. E as bases de dados dessas organizações ainda sofrem grandes problemas na entrada dos dados, em suas baixas digitalizações. O Instituto Igarapé está trabalhando com o secretário de segurança pública e outros órgãos não governamentais para desenhar sistemas que possam aprimorar os processos de coleta, digitalização e interpretação de dados em tempo real.
Um dos problemas do Rio de Janeiro é a prevenção de mortes decorrentes de ação policial e os casos de desaparecimentos que envolvem agentes das forças de segurança pública recorrentes no Estado. Estamos trabalhando com diferentes organizações, incluindo a Polícia Militar e outros parceiros, para elaborar tecnologias voltadas à redução de violência policial. Atualmente, estamos testando - agora - um aplicativo de código aberto que está sendo usado no celular dos policiais da CPP da Tijuca, na UPP Santa Marta e da Maré, que permite a gravação e o acompanhamento do policial em tempo real.
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Também estamos elaborando outras tecnologias que detectam quando o policial remove a arma do coldre. Esperamos que isso resulte em maior controle do uso da força e crie um melhor senso de responsabilidade. Além disso, a gente trabalha também com outras ONGs como Sou da Paz, em São Paulo, elaborando uma nova ferramenta de visualização de dados que ajudam no rastreamento do tráfico de armas por meio de registros de número de série. Obviamente que a tecnologia não é a solução para todos os males, mas podemos pensar que ela pode contribuir para mudar atitudes, comportamentos, impactando positivamente na redução de homicídios.
Finalizando a minha fala e considerando esse contexto de ameaça ao Estatuto do desarmamento, eu também gostaria de ressaltar que não há como falarmos sobre políticas públicas de combate à violência contra jovens sem falar sobre a regulação responsável de armas e munição.
Uma das formas mais eficientes para reduzir homicídios de jovens é o investimento em uma política de regulação responsável de armas de fogo.. A grande maioria da literatura de saúde pública e criminal sobre prevenção da violência na América Latina e na América do Norte reforça a tese de que a maior regulação de armas, não a sua flexibilização, contribui para a redução da violência.
Infelizmente, há um terrível movimento para enfraquecer o Estatuto do Desarmamento, que indico como responsável por salvar mais de cinco mil, vinte mil vidas, muitas delas no Rio. Lembremos quais são as armas envolvidas na maior taxa de crimes no Rio: não são os fuzis, mas os revólveres e pistolas fabricados por companhias brasileiras. Essas mesmas companhias estão publicamente financiando os políticos que tentam ampliar o acesso e a circulação de armas e munição nacionalmente. Também não podemos nos esquecer de que uma grande parte das armas de fogo que hoje são usadas para matar jovens no Rio de Janeiro são armas legais que foram roubados de seus donos, vendidas de maneira ilegal por seus proprietários incluindo o setor de segurança privada ou foram desviadas dos arsenais das polícias.
Precisamos entender como e por que isso aconteceu. Manter armas legais em circulação, sem entender essa dinâmica, contribui com o acirramento desse ciclo. Concluindo, afirmo com Alexandre, Orlando e outros que também precisamos acabar com uma política da guerra às drogas que justificam boa parte dos assassinatos de jovens negros.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Dr. Robert Muggah.
Eu queria chamar, para o lugar do Dr. Robert Muggah, a Mônica Cunha, mãe de Rafael da Silva Cunha, 20 anos que foi morto entre a favela do Rato Molhado e Jacarezinho.
Muito obrigado pela sua presença aqui.
Antes de passar para o Sr. Michel Misse e depois para o Coronel Ibis, que são especialistas que acho que vão dar importantes contribuições, eu queria falar um pouco sobre a CPI. Primeiramente, a importância dessa audiência porque acho que esta audiência está sendo uma das melhores, principalmente porque estamos dando voz às vítimas, às famílias aqui.
As falas foram sempre muito fortes em termos da consciência da política de segregação de classe e racial. E vou entrar no ponto que o Delegado Zaccone falou aqui: essa política de guerra às drogas, além de tudo é seletiva nos territórios porque temos traficante em Copacabana, em Ipanema, no Leblon. Agora, ninguém nunca viu uma operação policial com caveirão, uma operação policial agressiva e invasiva nessas áreas.
Há um corte de classe e um corte de raça nesse tema. Os números são impressionantes. Temos rodado o Brasil, eu e a Lídice: em 2012 foram 56 mil assassinatos, mais de 50% jovens, mais de 70% jovens negros moradores das periferias. Quando é auto de resistência mais ainda, quando você vai ver mortes por policiais, 79% são jovens negros. Aí é onde vem com mais força ainda tudo isso aqui.
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Você veja, o Freixo tem razão quando fala que não é só questão dos homicídios. Fiquei impressionadíssimo - e o pior que você vê uma parcela grande da população apoiando - com o que aconteceu depois dos arrastões: aquela cena em Copacabana de moradores parando o ônibus, entrando no ônibus, e viram um jovem negro, aquele jovem, depois foi visto, não estava nem na praia, não tinha participado de arrastões e nem na praia estava, mas entraram no ônibus e viram o jovem negro, o garoto teve que pular pela janela e foi espancado.
Essa é a realidade. E mais grave ainda, pergunto: que cidade é essa que estamos construindo? Porque a resposta, depois, à sociedade, o que é que foi? A alteração das linhas dos trajetos dos ônibus para impedir que, no final de semana, se chegasse às praias. É reforçar o estigma: jovem, negro, morador da periferia é criminoso, é bandido. É esse clima, é uma regressão porque foi Brizola, Lídice da Mata, que dizia: "Olha, eu estou colocando um ônibus direto para as praias". E estamos aceitando isso, e há uma parcela da população que aplaude. Então, não é - o Freixo tem toda razão - homicídio, mas é uma discriminação, uma segregação essa coisa de mudar a linha, o trajeto de ônibus. É uma política segregacionista, higienista. É isso que eles estão querendo fazer.
E tem mais: estamos enfrentando um momento, estamos vendo no Congresso Nacional o seguinte: o Senado sempre foi a Casa mais conservadora que existia, mas esta Câmara está tão ruim, não é, Lídice da Mata, que o Senado está virando um espaço mais progressista...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ...porque eles aprovaram essa política de redução da maioridade penal porque eles estão matando e querem continuar encarcerando em peso a juventude pobre, negra e moradora da periferia e, felizmente, no Senado a gente mudou a correlação de forças, e acho difícil. No Senado, esse projeto não vai passar. (Palmas.)
Agora, eu queria...
Por isso que eu quis falar antes do Michel Misse e do Coronel..
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - E tem o desarmamento também.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E nem o Estatuto do Desarmamento. Montamos lá um bloco progressista que tem uns 30 Senadores. (Palmas.)
Eles podem ter maioria, mas, para aprovar esse projeto, eles precisam de maioria qualificada.
Agora, eu quis falar antes porque marcamos para o dia 17 de novembro uma reunião, lá em Brasília, com o Ministério Público Federal porque é papel do Ministério Público abrir a investigação em cima das autoridades policiais.
Eu peguei o número do Michel Misse, não sei em que ano, em que ele falava que, dos 220 casos de mortes decorrentes da atividade policial, só um tinha virado denúncia; o resto tinha ficado de lado. Hoje, é muito clara a ausência do Ministério Público. Eles não estão colocando isso como prioridade, não estão colocando isso como prioridade. Então, eu acho o seguinte: essa reunião do dia 17 vai ser com o Ministério Público Federal, e vai ser uma conversa com o Dr. Rodrigo Janot porque ele está concordando em fazer uma campanha nacional para fazer os Ministérios Públicos estaduais mudem seu posicionamento, que é de braços cruzados, com qualquer investigação.
Para essa reunião, que é uma reunião técnica, é importante irmos porque eu e a Senadora Lídice estamos participando, estamos visitando os Estados e conhecendo um pouco o tema, mas não temos a capacidade técnica - por isso estamos convocando vocês - para estar nessa conversa com o Ministério Público. É preciso haver pessoas que digam: "olha, não está acontecendo nada disso, está acontecendo assim, assim, assado" para tirarmos uma linha de ação.
Por fim - não quero me alongar -, estou convencido de que temos que lutar pela reforma da polícia, nós temos que tratar o tema da desmilitarização com seriedade... (Palmas.)
Eu fui o autor da PEC 51. Fiz junto com nosso amigo Luiz Eduardo Soares - foi ele quem fez o projeto e nós apresentamos - essa PEC que trata da desmilitarização da polícia, do ciclo completo, da carreira única. Não dá, essa Polícia que está aí hoje é treinada dentro da estrutura de guerra ao inimigo, de confronto. Não há nenhuma lógica na ação de policiamento de proximidade, de policiamento comunitário. É a polícia pronta para a guerra. Isso é uma loucura.
As nossas Polícias Militares são forças de reserva das Forças Armadas, está assim na Constituição. Então, acho que o problema da guerra às drogas é fundamental. Enquanto não desmontarmos isso, vamos ter que continuar essa máquina. Nós temos no Brasil, vale dizer, a polícia que mais mata e que mais morre também porque morreram 490 em 2013. Então, temos que mudar essa lógica de política de guerra às drogas e entrar fundo nessa defesa da mudança da Polícia Militar, levantando bandeiras, como a desmilitarização.
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Eu queria passar imediatamente ao professor Michel Misse. Fiz questão de falar antes para provocar alguns pontos que acho fundamentais.
Prof. Michel Misse, com a palavra.
O SR. MICHEL MISSE - Obrigado, Senador Lindbergh Farias. Bom dia a todos. Bom dia à Senadora Lídice da Mata, Presidente desta CPI, e a todos os presentes.
Eu já estive em uma audiência desta CPI em Brasília e apresentei os dados das inúmeras pesquisas que eu tenho realizado nessa área, há 40 anos. O que eu vou fazer aqui agora é apenas um depoimento, não vou apresentar mais dados. Eles estão disponíveis, acessíveis pela internet para qualquer interessado no site da própria CPI.
A primeira questão que se coloca é: quem é "matável" no Brasil? Você poderia se perguntar: "Eu sou 'matável'?" Alguém aqui poderia fazer essa pergunta, que eu acho que seria muito importante, pois seria o primeiro ponto de reflexão, a partir do qual nós poderemos desenrolar esse aparente nó que é esse enorme volume de homicídios que ocorrem no Brasil - um dos mais elevados do mundo.
Há pouco tempo, os chefes de polícia dos Estados Unidos se reuniram para tomar uma decisão de política criminal para reduzir o encarceramento em massa nos Estados Unidos Estados. Os Estados Unidos apresenta um dos maiores índices do mundo de encarceramento. Os chefes de polícia estavam preocupados com o volume de encarceramento.
Eu queria saber quantos chefes de polícia no Brasil se reuniram para discutir o enorme volume de assassinatos em massa que ocorrem no País. Qual a preocupação que a sociedade brasileira tem efetivamente com isso? Qual é a preocupação real que os brasileiros têm com o volume de pessoas que são assassinadas por ano no Brasil - muito mais do que qualquer guerra que ocorra neste momento no mundo?
Se nós nos perguntarmos quem é "matável", nós até podemos chegar a um razoável perfil - e ele já foi apresentado aqui. São, em geral, jovens do sexo masculino, na sua maioria pretos ou pardos, com baixa escolaridade, moradores de áreas de baixa renda. Essas são as pessoas "matáveis" no Brasil.
Agora, nós não sabemos quem é que as mata - ou sabemos muito pouco sobre quem é que as mata. Nós pesquisadores temos alguma ideia. Nós calculamos, por exemplo, que uma parte importante dos autores dessas mortes são policiais. Eu digo importante, porque nós temos que nos basear apenas nos dados oficiais - e os dados oficiais são aqueles que são registrados pelo próprio policial, que chega e afirma: "Olha, eu matei" ou então que é flagrado matando.
Mas, a partir de um conjunto de informações produzidas pela sociedade, nós sabemos que existem inúmeros grupos de policiais e ex-policiais em atividade ou já fora de atividade que exercem atividades de vigilância privada e participam de grupos de extermínio em todos os Estados brasileiros.
Esses grupos de extermínio têm - ou aparentemente conseguem ter - algum tipo de proteção oficial, porque eles raramente são investigados e incapacitados de atuar. Se nós somarmos o volume desses grupos de extermínio com o volume de mortes oficialmente admitidas pela polícia, nós chegamos a 20% do total de homicídios no Brasil. É claro, isso é uma ilação, é apenas um cálculo. Nós não temos dados suficientes para demonstrar isso.
Como é que nós podemos avançar na produção, na melhoria, na qualidade, desses dados, para que a gente possa efetivamente saber onde atuar?
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Nós precisamos saber, por exemplo, quantas pessoas desaparecidas não reapareceram depois de três anos. Quem é que pode nos informar isso? Naturalmente aquela instituição que registra o desaparecimento, que é a Polícia Civil.
Como é que a Polícia Civil atua nessa área? Dado o volume de ocorrências que a Polícia Civil precisa, por lei, investigar e instaurar inquérito, ela alega muitas vezes que não tem capacidade de apurar o que não é ainda um crime, o que é, na verdade, apenas uma informação de que houve um desaparecimento. No entanto, o volume de desaparecidos tem aumentado constantemente, ano a ano, e nós pouco sabemos sobre o seu paradeiro.
Nós queremos saber, por exemplo, a idade das vítimas dos autos de resistência. Essa informação não é prestada. Eu mesmo fui vítima de uma informação falsa, oferecida pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, que depois teve que revisá-la e teve que admitir que não se sabia a idade da maioria das vítimas de autos de resistência.
Ora, como é que você não sabe a idade? O Instituto Médico Legal não é capaz de determinar, até do ponto de vista biomédico, a idade do cadáver? Se não se sabe a idade, é porque provavelmente está nessa faixa de 17, 18 anos. Então, o volume de crianças e adolescentes mortos, nos autos de resistência, é muito maior do que o que os dados oficiais indicam.
Nós pesquisadores queremos ter acesso ao sistema penitenciário. O sistema penitenciário está fechado. Nós não temos acesso nenhum a pesquisa dentro do sistema penitenciário. Isso é inadmissível, é incompreensível. O que o sistema penitenciário quer esconder que os pesquisadores não podem ter acesso?
Todas essas questões - e eu já vou encerrando - indicam que o Brasil, as instituições policiais, o Ministério Público, o sistema de Justiça Criminal no Brasil estão imersos naquilo que eu chamo de lógica do flagrante. A única coisa efetivamente apurada no Brasil é aquilo que foi flagrado, aquilo que não exigiu maior apuração.
Por isso mesmo, a maioria dos presos condenados no Brasil são condenados por tráfico e por roubo. E a maior parte deles em flagrante, produzido, em geral, pela Polícia Militar. Quer dizer, é uma situação...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Vale dizer, Prof. Michel, desculpe a interrupção, que só no Brasil existe isto: não há o ciclo completo. Em todos os lugares, a polícia que está na ponta faz o trabalho de investigação - aqui, não. Investigação é Polícia Civil. O que é que o policial militar pode fazer? Só prender em flagrante.
O SR. MICHEL MISSE - É.
Então, nós temos, enfim, encerrando... A lógica do flagrante é curiosa. No homicídio raramente você consegue fazer um flagrante. Então, o homicídio, basicamente o crime mais grave, é o menos apurado, é aquele que menos produz condenações.
Enfim, o tempo é curto. O Senador Lindbergh já falou um pouco do que eu gostaria de reforçar: a necessidade de se pensar na modernização da polícia brasileira. Não é possível mais... E não é só da polícia, eu digo do sistema criminal todo.
Porque nós não temos um sistema, nós temos um arquipélago. Cada segmento desse sistema tem o seu próprio saber, as suas próprias regras práticas, e a comunicação entre as partes não existe - é muito informal quando existe.
Então, é preciso institucionalizar essas várias partes do sistema e, no caso especificamente da polícia, é preciso uma reforma radical. A proposta de emenda à Constituição apresentada, por exemplo, pelo Senador Lindbergh Farias é uma alternativa importante. Há outras que estão em tramitação no Congresso. É muito relevante que se coloque isso.
É claro que também a legalização das drogas é outro ponto fundamental para que nós saiamos desse poço sem fundo.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Prof. Michel. Nós já tivemos a oportunidade de tê-lo em Brasília, mas, certamente, teremos que ouvi-lo muito mais vezes.
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Quero chamar. para substituir na mesa o Prof. Michel - sem expulsá-lo, mas apenas, para o processo de revezamento - o Delegado Gilbert Stivanello, representante da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Passo a palavra ao Cel. Ibis, que tem sido um grande colaborador desta nossa CPI.
Muito obrigada.
O SR. IBIS SILVA PEREIRA - Obrigada, Senadora Lídice da Mata, Senador Lindbergh, boa tarde às mães que compareceram a esta importante, mas dolorosa audiência, serei muito breve e procurarei ser objetivo. Eu já estive em Brasília e já disse parte do que eu gostaria de dizer, eu ainda estou na ativa, não posso falar tudo o que eu gostaria de dizer.
O Prof. Michel Misse foi muito feliz na sua fala, e quero pegar um pouquinho, a partir do final da fala dele. Os números do Brasil são horrorosos. A polícia brasileira mata uma pessoa a cada três horas. Morre um policial por dia no Brasil, um policial por dia, sem contar os mutilados. A Polícia do Rio de Janeiro tem uma quantidade de mutilados e de cadeirantes que é assustadora. Um brasileiro morre a cada dez minutos. O número de brasileiros mortos, em 2014, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança, que este ano aconteceu aqui no Rio de Janeiro, foi maior do que o número de soldados norte-americanos mortos durante a Guerra do Vietnã. Em um único ano, morreram mais brasileiros do que em 20 anos da Guerra do Vietnã.
Parece-me que temos duas grandes causas de que precisamos tratar: a primeira delas é que não temos no Brasil um sistema de justiça criminal que funcione. O sistema de justiça criminal no Brasil não funciona, porque ele não existe. O Prof. Michel Misse foi muito feliz ao compará-lo com um arquipélago. Nós temos órgãos que funcionam exatamente como arquipélagos, eles não se comunicam.
Não temos um sistema de justiça criminal no Brasil. E não temos porque há 27 anos descumprimos a Constituição. Esta Constituição que aí está é a primeira a ter um capítulo sobre segurança pública, com todas as coisas que precisam ser melhoradas, com a confusão que o Texto constitucional ainda faz em segurança interna e em segurança pública, mas há 27 anos esse capítulo espera regulamentação.
O que foi criado em 1988 foi muito mais herdado do sistema anterior do que propriamente criado, mas há 27 anos que não foi instituído. Há 27 anos de omissão. Como é que podemos formular uma política de segurança, alguma coisa digna desse nome, se não temos sistema de justiça criminal? O resultado prático disso é que não temos políticas de segurança. Temos ações até bem-intencionadas, que chamamos de política de segurança, mas que efetivamente não mereceriam esse nome, porque falta o principal que é um sistema. Se não temos sistema, não podemos formular política.
O outro problema que vejo é que me parece que, por trás dessa matança que se pratica, debaixo desse sol, está a herança da sociedade escravocrata que talvez não tenhamos deixado de ser. (Palmas.)
Nós somos um povo corrompido por séculos dessa violência infame. E o que é pior: se olharmos a Constituição de 1824, a primeira Constituição que tivemos, vamos descobrir uma coisa impressionante: as penas de açoite eram proibidas.
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Senador, a primeira Constituição que tivemos proibia a pena de açoite. Estava escrito, como hoje está escrito que deveríamos instituir o sistema que criamos. Permaneceu letra morta. Olha que coisa interessante, pena de açoite era proibida. Isso impediu algum senhor de engenho de açoitar seus negros? Basta ver as gravuras de Debret.
Olha que coisa curiosa: temos a capacidade impressionante de fazer diagnósticos precisos. Positivamos as soluções. Boa parte das soluções desse problema já estão escritas, já são leis que simplesmente não cumprimos. Parte das respostas que esta CPI busca, parte delas já está no Estatuto da Juventude. Já estão lá. É uma lei de 2013. Pega o art. 2º, ele é uma receita para as políticas públicas de juventude neste País, que não temos.
Então, o que está faltando? É política e vontade. Mais de 50% da nossa sociedade acredita que bandido bom é bandido morto. Está na pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança. Mais da metade da população aplaude que tenhamos ações militarizadas da segurança pública.
Em 2010, houve a ocupação do Morro do Alemão. Como é que foi a ocupação do Alemão? Colocamos as Forças Armadas dentro do Território brasileiro e assistimos a isso sentados nas nossas poltronas. Passou num domingo. Está dando errado porque começou errado. Nós somos uma República democrática, que se diz Estado democrático de direito, mas que admite que as Forças Armadas do seu País sejam usadas com CLAnf, armamento de guerra, para invadir parte do seu Território nacional. Se contássemos isso para qualquer democracia séria, consolidada, ninguém acreditaria.
Então, quero dizer que comungo desse desejo de fazer uma reforma profunda no sistema de justiça criminal. Podemos pensar na desmilitarização da polícia, não temos nenhum problema em discutir esse assunto. Agora, não vai adiantar desmilitarizar a polícia, se não desmilitarizarmos o sistema de justiça criminal e as políticas de segurança ou o que chamamos de política de segurança, senão não vamos sair do lugar.
Uma boa tarde a todos e muito obrigado por essa oportunidade. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Convido para usar a palavra a Srª ...
(Interrupção do som.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ...morto entre a favela do Rato Molhado e Jacarezinho. Antes, no entanto, de ela usar da palavra, eu convido a substituir, a vir à mesa o Dr. André Nicollit, Juiz de Direito.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - No outro bloco - estamos alternando familiares - temos o Emanuel, Vereador Jefferson, Nicodemos e André, nessa ordem.
A SRª MÔNICA CUNHA - Boa tarde a todos e a todas, vou pegar uma fala da minha amiga e parceira Ana Paula, que foi brilhante, em dizer: "Eu sou mãe, com muito orgulho e tive muita honra de parir o Rafael da Silva Cunha, que se tornou um adolescente autor de ato infracional. Ele não nasceu autor de ato infracional, e, sim, se tornou. E, em 2006, este Estado me tirou, assassinando o meu filho meu filho, assassinando-o, de joelho e mão para cima, entre as favelas do Rato Molhado e Jacarezinho, que ficam nos bairros de Engenho Novo, enfim, por aquela localidade.
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Eu pari, com muito orgulho, três filhos homens. Apesar de o meu filho do meio ter se tornado autor de ato infracional, eu não entendia e não aceitava essa situação para mim. Por mais que a sociedade falasse e o Estado, ao acautelar o meu filho, também me apontasse como mãe de bandido, eu nunca botei esse emblema no meu peito, porque eu não era mãe de bandido. Quando o meu filho nasceu, o médico não disse para mim que eu estava parindo um bandido. Então, aquela placa no peito não me servia.
Por conta disso, eu vi a necessidade de fundar um movimento, chamado Movimento Moleque, no Estado do Rio de Janeiro, que existe há 12 anos - vai completar no dia 10 de dezembro de 2015. Esse movimento foi fundado em 2003 por mim e pela minha parceira, que está ali tirando fotos, Rute Sales. Nós tivemos os nossos filhos acautelados pelo Estado, mas, graças a Deus, fomos parceiras, sim, na luta, na implementação das medidas socioeducativas dentro deste sistema chamado Degase, que é o Departamento Geral de Ações Socioeducativas. Graças a Deus, o filho dela é um homem e está trabalhando. Nós conseguimos fazer dele, de fato, um cidadão renovado para a sociedade. Agora, meu filho o Estado me tirou. Meu filho não teve a oportunidade de criar seu filho, de estar aqui presente, de se tornar um homem de fato e de ter consciência daqueles atos infracionais que ele cometeu, porque o Estado não lhe deu essa chance.
Depois disso, eu comecei uma luta por querer entender a situação. Eu mergulhei, eu me engajei, porque, se a Constituição de 1988 diz que todos nós temos direitos, que direitos são esses? Que "todos nós" é esse, cara pálida? Não, não somos todos nós. Eu vim a entender que não somos todos nós. Pelo menos nós que moramos dentro de comunidades e favelas e somos negros não temos o mesmo direito do pessoal que mora no asfalto em Ipanema, no Leblon e na Barra da Tijuca. Esses direitos não são iguais.
Então, resolvi lutar e entendi que, só com o empoderamento desses familiares, dessas mulheres, de mães, como nós - poucas estão aqui, mas, infelizmente, há muito mais... O Estado do Rio, como já falaram vários aqui, a todo momento, produz mãe de vítima. Enquanto estamos aqui - a reunião começou às 10h -, com certeza, a esta hora, já deve haver, pelo menos, duas ou três mães que já são mães de vítimas, de filhos mortos, ou mutilados, ou encarcerados. E queremos justiça!
Então, é por isso que estamos lutando e pedindo justiça. O direito que queremos e que, com certeza, temos é o de ser mãe e de poder criar nossos filhos para que se mantenham vivos. Cometer atos infracionais não é normal, não é bonito, e mãe não pare nem cria para isso. Agora, é preciso haver justiça, mas não uma justiça que os mate. Não é porque o meu filho se tornou autor de ato infracional que ele tinha que ser assassinado. Isso está errado. Eles não me deram a chance nem a ele de entender essa situação. Sabemos que esses vínculos, em algum momento, foram rompidos, tanto que ele foi parar lá dentro. Agora, não me deram a chance de recuperá-lo. Não me deram a chance! Isso é triste. Só me deram a chance de me tornar uma mulher doente, depressiva, com síndrome do pânico, como todas que estão ali.
Então, o Estado, além de produzir vítimas, produz mulheres zumbis, porque perdem noites de sono, tomam antidepressivos.
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São mulheres novas, que poderiam ainda produzir para o seu Estado, mas ficam incapazes de trabalhar, de produzir o seu sustento. Quando a Fatinha falou daquela situação, pedindo ajuda, isso é real, é fato. Tiram a possibilidade de essa mulher trabalhar, porque ela se torna uma mulher doente. Nas empresas privadas, se alguém não está servindo, o patrão manda embora - não há conversa fiada. E aí? O que nós vamos fazer? O que o Estado faz?
Então, nós queremos justiça, sim, Senador, de todas as formas: tanto financeira como psicossocial. Queremos a reparação, que já está mais do que atrasada, para todas nós e para as outras que estão aí. Há muitos outros casos.
Neste ano, no dia 5 de dezembro, faz nove anos que o meu filho foi assassinado, e eu não admito. Eu quero justiça, sim! Eu não vou morrer antes de ver justiça. Mas eu não quero só a justiça em relação ao policial civil que matou o meu filho. Eu quero a justiça do Estado, eu quero a justiça do País. (Palmas.)
Porque eu não pari filho para ser assassinado. Eu não admito continuar vivendo sem o meu filho. Eu pari três filhos e tenho que continuar vivendo com dois, porque assim o Estado ordenou, a isso o Estado me obrigou, mas essa situação não é permissível. Nós temos que barrar essa situação de uma vez por todas.
Então, justiça já! Reparação já para todos esses familiares!
Muito obrigada!
Boa tarde.
ORADORA NÃO IDENTIFICADA - E à memória dos nossos filhos.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Srª Mônica Cunha. Estou muito agradecida pelo seu depoimento.
Quero chamar a Srª Irone Santiago, mãe de Vitor Santiago, da Maré, para participar da nossa Mesa.
Enquanto isso, eu passo a palavra ao Delegado Gilbert Stivanello, para que se pronuncie por até cinco minutos.
Reforço a todos a ideia de que queremos ouvir o máximo de pessoas que aqui estão.
Muito obrigada.
O SR. GILBERT STIVANELLO - Bom dia a todos.
Bom dia, Senadora Lídice de Mata, Senador Lindbergh, na pessoa quem cumprimento toda a plateia.
Sou Assessor de Relações Institucionais da Polícia Civil e, antes de fazer a colocação que eu trouxe aqui, gostaria de fazer duas pequenas ressalvas a colocações e conteúdos anteriores.
A primeira delas é para dizer ao pesquisador Dr. Misse que a Polícia Civil investiga, sim, desaparecimento. Existe uma delegacia especializada que, antes, era um núcleo da DH e, hoje, é uma delegacia especializada que existe exclusivamente para essa finalidade: a Delegacia de Descobertas de Paradeiro. É lógico que toda a comunicação de desaparecimento pode ser feita em qualquer delegacia, mas migra para essa unidade, que detém, sim, as estatísticas de todos os desaparecimentos. É questão de atualização de informação. A delegacia está sediada na cidade da Polícia. Ela existe, e os dados são acessíveis. Só esclareço que, quanto à questão de estatísticas, o Governo do Estado criou um órgão, que é o ISP. Esse instituto concentra as estatísticas. Então, a Polícia Civil não as fornece diretamente, mas o sistema impõe o registro. Quando nós fazemos qualquer registro que seja sobre uma vítima, os dados dessa vítima têm que compor a qualificação no registro. Pelo que eu entendo, esses registros são acessíveis ao ISP para os levantamentos.Pode caber organizar a apresentação ao público, mas reitero que a delegacia existe e que os dados estão lá. Está tudo inserido no contexto dela.
A segunda colocação que eu gostaria de fazer... É uma pena a Srª Terezinha não estar aqui, porque eu gostaria que ela ouvisse, mas vou pedir que transmitam também isto a ela.
Nós estamos na casa da OAB, uma casa de conhecimento jurídico, na presença de magistrados, de defensores públicos, de pessoas com elevado conhecimento jurídico que poderiam me corrigir, caso algum equívoco houvesse. Que fique claro para todos que a Polícia Civil não arquiva procedimentos. A Polícia Civil não arquiva investigação, porque ela é proibida por lei de fazê-lo, e os procedimentos, hoje, entram todos num sistema que é auditado e acessível pelo Ministério Público.
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O que a lei, hoje, determina é que, quando uma investigação não se entenda por uma culpabilidade de alguém, que não se impute a alguém a autoria, essa investigação, mesmo assim, é encaminhada à Justiça, o Ministério Público vai analisá-la e pode concordar ou não, pode determinar que ela retorne para outras diligências, pode determinar a complementação. Se o Ministério Público entender que deve ser arquivado realmente, o Ministério Público é quem tem que representar por isso, vai demandar isso, e, aí, o magistrado vai se pronunciar. O juiz ainda se pronuncia e, se o juiz não concordar, isso ainda vai ao Procurador de Justiça, ao PGJ, Procurador-Geral de Justiça.
Então, o procedimento não funciona com o arquivamento simples e em delegacia. É importante que as pessoas saibam disso. Há casos em que, como cada investigação é conduzida por um delegado, que tem autonomia para formar a convicção dele, mas esta convicção não vai vincular o promotor, o juiz, todos mais que se manifestem a posteriori. Então, ela segue sim para o Judiciário, pode sim ser revista e está sujeita a controle externo. É importante, então, que saibam aqui, por exemplo, que o procedimento não está arquivado e não vai ser visto por um promotor. Vai sim! O procedimento é encaminhado à Justiça, é importante as pessoas compreenderem isso.
E vou dizer uma coisa agora, aqui: graças a Deus, que funciona assim, sabem por quê? Porque vários doutrinadores, eu poderia citar Montesquieu, Alexis de Tocqueville, uma série deles, todos eles colocam que o maior inimigo da democracia é a concentração de poder. Quando o poder fica muito concentrado em uma instituição, esta pode atropelar a democracia. Quando o poder é dividido, você permite que uma instituição fiscalize a outra. É um sistema de freios e contrapesos, que se chama, e as instituições se fiscalizam. Por que isso? Por que nenhuma instituição é feita só de acertos, todos são humanos, erros podem acontecer e, para isso, precisamos de um sistema em que uma instituição possa controlar a outra, de maneira que o cidadão, quando se sinta lesado, tenha a quem recorrer sempre.
Então, o que informamos aqui é: não acompanhei a investigação específica do caso da D. Terezinha, como não acompanhei várias outras, não tenho a onipresença, mas, sempre que um cidadão entenda que o direito dele não foi alcançado ali, tem a quem recorrer. E o caso do filho da Srª Terezinha não é um caso que acabou, não é assim, não funciona dessa forma. É importante que a população tenha esse conhecimento e que se compreenda a relevância das instituições terem, sim, o poder fragmentado.
Hoje, temos um sistema em que a polícia militar realiza o trabalho ostensivo, a polícia civil trabalha investigando, o Ministério Público controla a investigação, fiscaliza, denuncia, e o juiz se manifesta, e há tribunais. É importante sabemos isso, para que as pessoas não pensem que o direito delas acabou pelo meio do caminho. Há caminhos, sim, há o que andar.
Vou fazer uma colocação porque já recebi um bilhete de um minuto e ainda estou fazendo um preâmbulo do que antes se falou. E o que eu queria trazer aqui para todos é um pouquinho da experiência pessoal, de fazemos um exercício que se chama alteridade, que é se colocar no lugar do outro. Isso não é porque eu venha aqui fazer a defesa de algo, não. É para os senhores entenderem o que pode, como pode e o caminho que tem que ser tomado muitas vezes para se melhorar.
Bom, estou há 11 anos na Polícia Civil, como delegado. Comecei a trabalhar na Delegacia de Bonsucesso. E, lá, vivíamos ainda num sistema antigo da investigação de homicídios. Os senhores sabem como funcionava na prática? Vou contar para os senhores. Era mais ou menos assim: eu ficava numa delegacia com um milhão de problemas no balcão, confusão, um monte de coisas chegando ao mesmo tempo, imprensa ligando e todo tumulto, tudo acontecendo junto, quando vinha um comunicado: aconteceu um homicídio em tal localidade, o corpo se encontra lá.
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Aí, eu tinha que parar, olhar para os policiais que estavam ali registrando as ocorrências e escolher dois: venham comigo. Esses dois, quando paravam de registrar, a população que estava no balcão, já olhava feio. Poxa, estou na fila, ainda vai tirar dois! Eu tinha que ligar para o Instituto de Perícia e falar: preciso de um perito no local. E combinar com ele para me encontrar lá. Aí, eu pegava esses dois policiais e saía sob olhares feios do público que estava lá. Seguíamos, quando chegávamos ao local, o que encontrávamos? Eu olhava ali, está aqui o cadáver. Aí, eu falava: foi aqui que ele morreu? Não, foi lá. Ué, mas por que ele está aqui? Ah, porque já tiraram. Aí, daqui a pouco, um agente do Estado já vinha: Doutor, ele é o João de não sei quê e tal. Mas, como o senhor sabe disso? Ele me entregava a carteira de identidade. Eu falei: onde o senhor encontrou essa carteira? Ah, já procurei no bolso dele. E a população remexendo tudo, o morto fora do lugar, tudo um caos. E cadê o perito? Liga para o perito. Não, o perito está atendendo outra ocorrência, o perito não chegou. Daqui a pouco, vem uma ligação para mim: doutor, tem um flagrante aqui, na delegacia, um flagrante complicado. E outra ligação: olha, está dando confusão no balcão, olha isso, olha aquilo, a delegacia está pegando fogo. E o tempo passava, aquele caos, eu tinha que retornar, o perito não chegou, e eu chegava à unidade de volta. Aí, pergunto aos senhores: como se investigam homicídios dessa maneira? Foi essa polícia que encontrei quando cheguei. A desestruturação completa. E pergunto para os senhores, com toda honestidade: como os senhores também fariam nessa situação, se chegassem e encontrassem um quadro desse?
Olha, lembro-me, há alguns anos, quando um grupo de delegados conversou com o nosso chefe e disse: não podemos tratar o homicídio da forma como é tratada, isso tem que mudar. E houve um movimento interno de delegados pedindo, clamando, para que uma mudança fosse feita. Foi levada a proposta para se criar uma nova DH, que invertesse essa lógica, porque a verdade é que éramos muito cobrados para diminuir o roubo a transeunte que dava aquela sensação ao cidadão de que estou sendo roubado, meu carro, tal, mas o homicídio, ninguém cobrava, ninguém dava importância.
A própria Polícia Civil enxergou isso, e foi cobrado. Quando se criou a nova DH, foi um esforço, e acreditem, houve resistências e muitas, houve muitas. A DH, hoje, tem uma estrutura que, para cada dia, tem uma equipe de plantão. Esta equipe conta com dois inspetores que vão lá para levantar informação, dois oficiais de cartório que vão lá para tomar os termos no local, porque a pessoa, depois, fica com medo, muda de ideia, arrepende-se; conta com um médico legista, um perito criminal e com um papiloscopista. A equipe vai direto ao local, recolhe tudo lá, a mudança até de preservação acontece, só que isso começou a dar muito resultado, as pessoas veem pela imprensa, há vários casos que foram sendo elucidados, mudou-se de patamar. Só que isso veio para a capital, foi um briga para que chegasse...
Já estou quase finalizando.
...à Baixada, ou a Niterói, ou a São Gonçalo, não chegou ao Estado todo. E uma coisa curiosa que havia nisso era o seguinte: isso valia para o homicídio, mas o auto de resistência continuava do lado de fora. O auto de resistência - hoje, até nome mudou, hoje, é o homicídio decorrente de intervenção policial - ficava de fora disso. Então, onde ele ficava? Ele ficava naquele sistema lá de há dez anos atrás, aquele sistema que não pode funcionar. Ele continuava ali. Recebemos contato da anistia internacional, outras entidades, que clamaram por isso. E há pouco tempo, isso é recente, a atribuição dos homicídios decorrentes de intervenção policial foi migrada para a DH, porque tem uma estrutura totalmente diferenciada para esse tipo de investigação.
Qual é a nossa expectativa em relação a isso? Que a elucidação melhore muito, só que precisamos, e é muito valioso que haja esse tipo de mobilização. Os senhores podem não acreditar o quanto é importante ter esse povo aqui mostrando essa necessidade, porque essa é uma diretriz que o Governo tem que abraçar.
Hoje, o Governo já aceita falar em criar nova DH no norte fluminense, em outros setores, o Governo já está enxergando isso, mas porque o povo está clamando, porque há esse tipo de mobilização. Sem ele, o progresso não vem. Então, a verdade é a seguinte: a Polícia Civil quer se estruturar, quer oferecer o melhor. Erros podem acontecer, mas se olhar o macro, o nível de melhora tem sido consistente.
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Com a estruturação das DHs pelo Estado será muito melhor.
Então, nós agradecemos fortemente aos senhores por essa mobilização. E pedimos que ela não cesse porque é fundamental para que nós possamos progredir.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada.
Perdoe-me a contenção do tempo, mas é que é indispensável para que possamos prosseguir.
Ao dizer isso, quero agradecer a todos aqueles que vieram e que acolheram o nosso convite. Peço desculpas para poder passar imediatamente a direção desta Mesa ao Senador Lindbergh porque tenho de sair para viajar. Estou preparando a próxima audiência lá na Bahia. Tenho de viajar e chegar a tempo de tomar as providências necessárias. Peço que me desculpem! Nós, eu e Lindbergh, temos tentado acompanhado todas as audiências que têm acontecido em cada Estado, mas sempre nós revezando, se não fica impossível a nossa presença também em nossos Estados.
Agradeço. Quero dizer que esta foi uma das audiências mais importantes que tivemos. O relato das mães é insubstituível. Dão conta e visibilidade a um drama que não é pessoal, mas uma tragédia da sociedade brasileira que nós estamos permitindo, infelizmente. É como alguém, uma mãe, me disse há muito tempo, quando houve o assassinato de um jovem de classe média na Bahia. Houve uma manifestação de rua. Ela me disse que iria à manifestação, mas que se fosse haver manifestações todas as vezes em que matassem um jovem na periferia, haveria manifestações diariamente porque essa era a realidade do povo pobre e negro do nosso País.
Portanto, a nossa CPI tem responsabilidade com essa realidade, tem compromisso com isso. O nosso Relator, tenham certeza, retratará isso em seu relatório da forma mais fidedigna possível. Quero, juntamente com Lindbergh, estudar outras maneiras para que possamos também levar essa fala dramática das mães do Rio de Janeiro para viabilizar a sua fala em Brasília.
Quero agradecer a todas as mães que estão aqui e dizer-lhes que nós somos absolutamente parceiros nessa dor, solidários com a dor de cada uma de vocês que expõe à sociedade brasileira a dor de todas as mães de nosso País, porque é a dor da maioria das mães desse Estado e do nosso País.
Muito obrigada por terem me dado a oportunidade de compartilhar com vocês este dia de hoje.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Quero agradecer à Senadora Lídice. Esta mulher é uma lutadora, pessoal. Foi dela a ideia de criar esta CPI. Entrei depois, para ser o Relator. Mas quem conhece a história de Lídice da Mata....Quero dizer a vocês que de todas as causas progressistas lá no Senado Federal ela está à frente. Tenho o maior orgulho - e isso é verdade - de ser amigo dela e de estar participando com ela desta CPI.
Antes de passar para a Irone, que vai ser a próxima a falar...Já estamos caminhando para o fim. Vamos escutar o resto das mães. Agora, queria chamar, também, o Dr. Emanuel Queiroz, que é representante da Defensoria Pública e Jefferson Moura, que é Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal.
Irone, a palavra está contigo.
A SRª IRONE SANTIAGO - Não sei se é bom dia ou boa tarde! Meu nome é Irone Santiago. Como todos estão vendo aqui. Sou moradora do Complexo de Favelas da Maré.
No dia 12 de fevereiro, lá na Maré, o Exército se fazia presente naquela comunidade porque os nossos governantes acham que precisamos de pacificação. Lá havia vários tanques de guerra, coisas que eu achava desnecessária porque não estamos em guerra.
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No dia 12, meu filho foi acometido por esse Exército. Meu filho levou dois tiros de fuzil 762: um perfurou a sua perna, e ele teve a sua perna esquerda amputada; o outro pegou no tórax, lesionando seu pulmão. Perdeu parte do pulmão e lesionou a medula. Meu filho se encontra em cima de uma cama, paraplégico e com muitas necessidades, necessidades para as quais este Governo, os nossos governantes não estão nem aí. Ninguém faz nada.
Esta semana recebi uma notícia. Me ligaram dizendo que não ia ter mais ambulância para pegar o meu filho e levar ele ao médico. Faço o quê? Eu trabalhava. Eu não posso mais trabalhar porque agora meu filho depende de mim. Meu filho tem feridas pela perna, tem uma escara muito grande porque ficou muito tempo internado, 98 dias, no Getúlio Vargas.
Procuro respostas daqui, procuro respostas dali. Em todos os espaços que me chamam, que me convidam, eu vou para denunciar este Governo que, para mim, é um Governo fascista, mentiroso. Entendeu? Além de matar os nossos filhos, nos mata aos poucos porque eu também estou morrendo. Meu filho não está morto, graças a Deus o meu filho não morreu, mas eu me encontro doente, porque fico doente de ver meu filho em cima de uma cama.
Essa corzinha, que é parda...Ah, porque é preto, é branco. Sou preta. Não existe cor parda. Não sou lápis de cor, entendeu? Não sou um lápis de cor. (Palmas.)
Lápis de cor é que tem cores. Então, venho para falar, para expor. Não quero ser mais um. Não quero que meu filho seja mais um na estatística deste País.
Lá no Complexo da Maré estou vendo todo o mundo só falando da Polícia. A polícia fez isso, a polícia, a polícia, a polícia. E do Exército, que ninguém fala da atuação dele? Para mim, na minha opinião, o pior lugar em que ele atuou foi no Complexo da Maré.
Eu venho aqui, vou a qualquer lugar e falo o que eles fizeram no Complexo da Maré, em Imbuí e no Alemão. Lá na Maré, além de pessoas mutiladas, várias pessoas foram mortas. Mas isso não está no relatório, não vejo no relatório de ninguém. Aonde eu vou não vejo. Cadê o relatório do Exército? Só se fala da Polícia Militar. Eles fazem e ainda bombardeiam que o seu filho era um bandido, que era isso, que seu filho era aquilo, mas ninguém foi lá me perguntar o que era o meu filho. Meu filho estava fazendo um curso, lá no Senac, que ia concluir agora. Por quê? Porque sou favelada, moro na favela ,sim, mas a gente sabe...Nós sabemos que temos de lutar para mudar as nossas condições. Meu filho estava lutando para isso. Meu filho trabalhava e estava fazendo esse curso, que ia concluir agora em novembro. Teve o seu direito de ir e vir, como a minha amiga a Fatinha já tinha falado, tirado, como também tive o meu. Estou aqui porque deixei minha nora tomando conta do meu filho. Tenho uma neta de três anos.
Não vejo ninguém falando da atuação do Exército. Gostaria que tivesse, no relatório de vocês, a atuação do Exército Brasileiro, que é péssima. Acho que não havia necessidade de termos oito tanques andando dentro do Complexo da Maré. Não moro no Iraque, não moro no Irã.
Outra coisa, alguém perguntou se queríamos pacificação? Alguém perguntou? Ninguém veio me perguntar se eu queria pacificação. O senhor é polícia, é polícia militar. O senhor escolheu a sua profissão. Eles são militares, como falaram do soldado que levou um tiro e morreu. "Ah, o meu marido era policial e morreu no Complexo da Maré."
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Eu não tenho culpa. Eles escolheram a profissão. O senhor escolheu ser policial, o meu filho não escolheu levar tiro. Ele não escolheu levar tiro! (Palmas.)
Eu agradeço muito a Deus por o meu filho estar vivo, mas eu quero uma justiça que se faça, porque o meu filho está lá em cima de uma cama, cheio de necessidades, e eu não tenho de onde tirar. Não tenho. O que eu recebi do posto foi um pouquinho de gaze, um soro e um esparadrapo, e eu faço o quê com isso? Meu filho tem uma escara desse tamanho assim nas costas. Tenho as fotos ali. Entendeu?
As pessoas caem de pau matando: "Ah, porque era bandido, era traficante." Não era. O meu filho não era um bandido. E ainda se fosse, como disse a minha companheira Ana Paula, ainda se fosse.
Em nosso País as pessoas falam que não existe pena de morte, mas tem sim. O meu filho só foi assistir ao jogo, Flamengo com Goytacazes, nesse dia e não voltou mais para casa. Por quê? Porque ele teve o carro fuzilado. Fuzilado por esse exército brasileiro. Disseram que eles estavam lá para nós proteger. Nos proteger de quê?
Eu moro no Complexo da Maré há 47 anos. Eu nunca nem tranquei a minha porta para dormir, nunca! Porque eu nunca tive a minha casa invadida por bandido ou por ninguém. Agora, com eles lá, a casa da gente era invadida a toda hora, você tinha os seus direitos desrespeitados. Porque nós, que moramos na favela, não somos respeitados, porque eles acham que porque somos pretos - porque eu não sou parda -, o meu cabelo é loiro, é pintado, porque eu quero assim, entendeu? (Palmas.)
Porque eu quero assim, mas eu sou negra. Lá na minha certidão está escrito parda, mas eu não sou parda não, porque parda é pardal, um lápis de cor, eu não sou não.
Então, eu exijo justiça! Eu exijo uma justiça, porque não adianta ficar discutindo aqui em uma mesa, em todos os lugares que você vá discutem: “Ah, porque a polícia matou não sei quantos. Ah, porque isso ou ah, porque aquilo.” E o que está se fazendo? Quantos já foram lá na minha casa ver o estado do meu filho?
O Superintendente da Pessoa com Deficiência, o Sr. Marco Castilho, foi lá na minha casa. Ele viu as minhas necessidades, mas cadê? As minhas necessidades estão sendo atendidas? Eu gostaria de saber se as minhas necessidades estão sendo atendidas? E quem é? Onde vai constar, em que relatório vai constar o caso do meu filho? Porque ninguém sabe que o Vitor Santiago existe, ninguém sabe, mas o meu filho existe e eu estou aqui para gritar e para falar por ele.
E eu exijo que a justiça seja feita, porque o meu filho não pediu para levar tiro. Ele não escolheu. Ele só quis sair para assistir a um jogo, como todo jovem e teve o seu direito tirado. E ele encontra-se em cima de uma cama.
Eu preciso de medicamentos, eu preciso de fralda, eu preciso pagar a passagem para estar saindo para os cantos. Cadê? Quem vai me dar isso? O meu filho precisa de uma boa alimentação, porque nós sabemos muito bem que o nosso... O meu filho foi aposentado pelo INSS, mas nós sabemos que é uma miséria o que se paga neste País a uma pessoa com necessidades especiais, como o caso do meu filho agora.
Um jovem bonito, está aqui. Um jovem muito bonito, o meu filho, muito bonito, cheio de planos e projetos e foi tirado por esse governo maldito.
Aí vem esse tal de Pezão: “Ah, porque a família da D. Terezinha foi indenizada.” Vem cá, indenizada? E quem é que vai devolver o filho dela? Ana Paula, o filho levou um tiro pelas costas, como outras mães que estão ali e quem vai fazer o quê?
Não adianta a gente fazer uma CPI, não adianta fazer um blá-blá-blá. Vamos agir, o povo tem que reagir. O povo tem que fazer alguma coisa para mudar a situação do nosso País, porque nós não aguentamos mais.
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Eu, mãe de Vitor Santiago, estou revoltada. Eu estou muito revoltada de olhar o meu filho em cima de uma cama.
E ninguém, não tem o que fazer. Eu faço o quê? Eu faço os curativos do meu filho, porque além de mãe eu virei uma enfermeira, tudo isso tive que aprender, porque o Estado mutilou o meu filho, mas ele não botou... Vai uma enfermeira uma vez por semana, isso quando ela vai, quando ela não tem os problemas dela lá e eu que assumo essa parte de enfermagem.
Sou mãe, sou dona de casa, sou eu para tudo. E quem vai responder por isso? Será que consta no relatório de alguém o nome do Vitor Santiago? Essa pergunta eu quero deixar e eu quero resposta para isso, porque eu não vim aqui para ficar enchendo linguiça, não. E vim aqui porque eu quero resposta - só isso que eu tenho para dizer. Eu quero resposta!
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, D. Irone.
E saiba que no relatório da CPI a gente vai tocar nesta questão do Exército, porque...
A SRª IRONE SANTIAGO - Eu acho bom.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... se a gente falava sobre uma polícia militar que age dentro da lógica da guerra, imaginem a presença do Exército, que toda a formação é para a guerra, dentro de uma comunidade.
E eu quero dizer outra coisa também. Da mesma forma, você veja, imagina se... Porque está acontecendo uma coisa no Rio de Janeiro que é muito grave, a existência de mandato de busca e apreensão coletivo.
A SRª IRONE SANTIAGO - Mandato onde? Porque na favela não existe isso.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não, você entra com... Não, ele dá uma mandato só, o juiz, e ele entra com o pé na porta de todas as casas.
A SRª IRONE SANTIAGO - Na favela não existe mandato, eles entram, pronto e acabou.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não, não este é o mandato individual. É mais grave, eles criaram uma figura nova, na qual o juiz dá um mandato de busca em toda a comunidade da Maré e aquilo dá direito, em tese, de entrar em todas as casas.
E eu volto a perguntar: imagina isso em Copacabana, Ipanema e no Leblon? Se podia existir?
E como se fossem dois territórios aqui.
A SRª IRONE SANTIAGO - É bom também falar, Senador Lindbergh, porque foram tiradas 70 linhas de ônibus por conta de arrastões na praia. Porque para quem é da zona oeste eles querem construir esses piscinões, para você tomar banho de merda, porque é tomar banho de bosta. Entendeu? (Palmas.)
Você vai para lá para você não ir para a Zona Sul.
Agora, põe um caveirão dentro da favela, vai botar um caveirão, bota lá na praia, não estão incomodando? Bota um caveirão na praia já que o povo está incomodando lá, bota um caveirão na praia. Bota um caveirão lá na Barra, dentro de um bairro nobre, bota?
Ah, mas é feio! Estamos entrando em um ano de Olimpíadas. Ah, então tem que aparecer tudo muito bonitinho. Muito bonitinho para o gringo ver. Na favela vamos botar muro, vamos fazer isso, vamos oprimir.
E tem mais, porque me parece o Exército brasileiro está para voltar. Agora, que desgraça que vai ser o Exército brasileiro de novo no Complexo da Maré. Era tiroteio todo dia, todo dia!
Bota lá na Zona Sul, caramba! Pega o caveirão e bota em um condomínio lá na Barra. Bota na beira da praia, se estão incomodados. (Palmas.)
Bota, bota, bota em Miami, mas não bota. Eles querem botar, eles querem acabar com a classe menos favorecida, que somos nós, pobre, preto e favelado.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Dona Irone. Muito obrigado e parabéns pela fala.
Queria chamar Márcia Jacinteiro.
A SRª IRONE SANTIAGO (Fora do microfone.) - Jacintho.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Já foi? Desculpa, estava escrito aqui Jacinteiro. Jacintho, escreveram errado. Que é mãe de Hanry da Silva Gomes, que é do Lins.
Eu vou passar agora, eu vou chamar depois o pessoal também do Amanhecer contra a Redução. Peço até desculpa, André, porque a gente estava aqui com a lista.
A Ana Paula também, da Agência Redes de Juventude.
E eu quero passar imediatamente para o Dr. André Nicolitt, que é juiz de direito, para fazer uma fala.
Como o tempo está passando, eu sei que todo mundo... se a gente pudesse tentar fazer cinco minutos, no máximo, eu sei que é difícil.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu sei, eu sei pessoal, só que...
Olha, a gente está deixando aqui o seguinte, deixa eu te falar. Todas as mães hoje aqui vão falar. Eu já disse isso desde o começo.
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A gente está ouvindo todo mundo. O ponto forte disso aqui são as falas das mães. Agora, é lógico que a gente tem que limitar um pouco o tempo, porque senão a gente não sai daqui hoje e vai ter um plenário muito esvaziado. Não é pela minha presença não, porque eu fico aqui até a hora que for, mas eu acho que todo mundo quer falar no momento em que as pessoas estão aqui. Então, é bom a gente ordenar um pouco, porque as coisas têm que ser ordenadas também aqui para funcionar.
Então, eu estou pedindo a todos que tentem falar em determinado tempo, para que a gente consiga acabar com o auditório ainda com uma presença significativa.
Dr. André Nicolitt.
O SR. ANDRÉ NICOLITT - Bom dia a todos. É um prazer estar aqui participando deste debate importante sobre um tema tão sensível. Eu vou procurar ser breve. Eu não falo como representante do Poder Judiciário, apesar de ser juiz. Acho que um colega já me antecedeu aqui. Eu não participei da fase da manhã porque estava em um compromisso na UFRJ, discutindo exatamente essa questão tão importante que são as violações dos direitos fundamentais.
Então, a minha fala é como integrante de um Poder, de um sistema de justiça criminal, mas também como um professor, crítico desse sistema. E gostaria de aproveitar esse momento em que nós estamos aqui com vários representantes de organizações, movimentos sociais, para apontar uma diretriz um pouco diferente do que, muitas vezes, está na pauta dessas questões. Nós temos as reivindicações dos movimentos das mulheres em razão das violências domésticas; do movimento LGBT em função da homofobia etc. Então, os anseios dos movimentos sociais, dos movimentos de direitos humanos, são muito grandes em relação às graves violações de toda ordem. O movimento negro, que já teve conquistas de criminalizar o racismo lá trás. E nós sabemos muito bem que, apesar da criminalização, não saímos de onde sempre estivemos.
E a primeira mensagem então que eu queria dar - quando eu vejo as pessoas vítimas do sistema clamando por justiça etc -, é de que não se protege direitos humanos com o Direito Penal. Não se protege direitos humanos com sistema penal. O sistema penal - no qual eu convivo por dentro, de perto - é uma máquina de produzir sofrimento! Ele é uma máquina de moer vidas!
(Manifestação da plateia.)
O SR. ANDRÉ NICOLITT - E não é qualquer vida - falávamos hoje lá na UFRJ de manhã. É o que o Agamben - filósofo italiano - diz: "Vida nua! Vida desprotegida!" O sistema penal é feito para moer essa vida. Nós integramos um poder que é formado por apenas 14% de negros e pardos, porque, se formos falar só de negros - e o critério é autodeclaração - é apenas 1,4% de juízes no Brasil que são negros. E que encarceram 68% de negros! Quase 70% da população carcerária brasileira são de negros.
Então, nós vivemos a mesma lógica do sistema penal imperial: em que nós tínhamos brancos privando negros de liberdade! E é esse o sistema penal que se reproduz hoje. Mas isso se reproduz em todos os sentidos, porque são homens que praticam violências domésticas e que vão para a cadeia, mas homens negros e pobres. São policiais que praticam violações de direitos humanos que também, como todos nós, são negros e pobres, mal preparados, mal remunerados, que servem como fiéis cegos de uma seita em um estado de guerra de "nós contra eles". São pobres coitados que não conhecem o que está por trás, a matriz oculta desse sistema perverso.
Então, eu vim aqui para dizer não de um sistema de leis ou de um sistema penal, mas eu vim aqui para falar de uma ideologia, de uma ideologia que se apoderou de nossos Poderes instituídos e de nossas instituições, e que produz esse massacre. Produz duas coisas: a morte e o encarceramento dos nossos jovens, ou seja, de 18 a 25 anos são jovens pobres, negros, que habitam as nossas cadeias.
Então, o Direito Penal não serve para absolutamente nada! Não serve para aplacar as nossas dores quando nós somos vítimas; não serve para combater o racismo, do qual nós somos vítimas. O Direito Penal não serve para nada!
Então eu, como integrante desse sistema, tenho uma postura de resistência a tudo isso. E a todo o discurso que vise ampliar esse sistema penal: seja para punir PM, seja para punir homens envolvidos em violência doméstica, seja para punir quem agride homossexuais.
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Porque eu não acredito nisso! Porque nós temos já a criminalização do racismo. E como é que funciona hoje, para vocês terem ideia, a estatística em relação ao racismo? Nós temos, por exemplo, no Estado do Rio, de 2013 a 2015, aproximadamente 13 mil sentenças condenatórias por furto e 3 mil sentenças absolutórias por furtos, roubos etc. Absolve-se muito menos por esses crimes patrimoniais e se condena muito mais. Por quê? Quem são esses condenados? Negros, pobres etc. E a tutela penal que o direito deu ao negro? Nós temos aproximadamente, nesse período, 40 sentenças condenatórias por crime de racismo contra 60 sentenças absolutórias. Na lógica do racismo absolve-se muito mais do que se condena. Na lógica patrimonial condena-se muito mais do que absolve. Isso demonstra o quê? Que não adianta ter uma lei que criminaliza, que aumenta a pena do racismo, que o torna imprescritível, se o sistema ainda continua desigual, capitalista, racista, de juízes brancos prendendo negros, pobres e favelados!
(Manifestação da plateia.)
O SR. ANDRÉ NICOLITT - De uma ideologia que se utiliza do Direito Penal e do sistema penal para matar e segregar.
E qual é o hoje, Senador, o maior instrumento da matança e da segregação que nós não queremos discutir e não temos discutido? É a legalização das drogas! A guerra às drogas! Esse argumento de guerra às drogas, porque nós podemos beber uísque - que é uma droga -, nós podemos fumar cigarro - que é uma droga -, mas algumas drogas o sistema capitalista resolveu proibir para atender a interesses da indústria bélica, da indústria de armas, da indústria farmacêutica, do capitalismo internacional e, com isso, para que muita gente lucre com segurança, com arma - que, agora, a pauta conservadora do Congresso está querendo implementar. Olha que loucura! Isso serve a quem? Quem tem interesse em ampliar a indústria bélica?
Eu não quero discutir mais punição para o policial - porque eu estou solidário às dores de todo mundo. Mas a questão é muito mais séria, porque esses caras não sabem o que estão fazendo, estão ali mal treinados. Eu quero saber é quem está ganhando dinheiro colocando armas no mercado para tirar a vida dessas pessoas. É isso que a gente tem que discutir. Quem está alimentando essa guerra às drogas, proibindo as drogas, matando nossas crianças e encarcerando quem não morre!
(Manifestação da plateia.)
O SR. ANDRÉ NICOLITT - Então, eu queria convidar os movimentos sociais e as lideranças políticas para criar uma discussão de unificar as lutas dos movimentos sociais em torno de um tema que é de maior importância para nós hoje, que é a legalização do consumo, do comércio, da produção das drogas no Brasil, como única forma de conter as mortes, de conter o grande encarceramento e de evitar tanto sofrimento, porque os males produzidos pela guerra às drogas são muito maiores do que o uso ainda que abusivo das drogas.
Hoje o cigarro é uma droga lícita e o seu uso está freneticamente sendo controlado e diminuído. Então, nós temos outros mecanismos de conter eventual uso abusivo de drogas que não o Direito Penal, que só serve para matar e encarcerar a juventude pobre e negra do nosso País.
Esta era a contribuição que eu queria trazer para essa tarde.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Que maravilha, Dr. André.
Eu queria chamar, agora, para falar o Emanuel Queiroz Rangel, depois vai ser a Márcia Jacintho. E chamar o Nicodemos, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, para sentar no lugar do Dr. André.
Com a palavra o Dr. Emanuel.
O SR. EMANUEL QUEIROZ RANGEL - Boa tarde a todos, Senador Lindbergh, a todos os presentes.
Atuo hoje como Coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública, represento aqui o Dr. André Castro, Defensor Público-Geral. E tenho a minha vida profissional atuando na defesa criminal. E é muito interessante observar que atuei no Tribunal do Júri, na capital, possivelmente possa até ter feito uma defesa de algum agente estatal que cometeu algum dos delitos de que alguém tenha sido vitimado aqui, de alguma família que tenha sido vitimada.
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E o discurso que nós utilizamos na defesa... Observem, não me envergonho do discurso, porque lá sou um instrumento também de garantia do direito de defesa, mas o discurso que nos vem, para exercer esse direito de defesa, pela história contada, pelo nosso assistido nos casos, sempre passa pela questão de afirmar o que foi dito pelas senhoras.
Qual é o discurso que um defensor público vai lá fazer, que é alimentado pelo acusado? "Olha, a vítima estava vinculada ao tráfico de drogas, a vítima tinha uma arma, a vítima atirou em mim." E, senhores, pasmem, muitas das vezes, os representantes da sociedade carioca aplaudiam e absolviam o cidadão que estava ali sendo acusado.
Para mim, pessoalmente, que tenho - e assumo aqui - o compromisso com o direito de defesa daquele cidadão, saía satisfeito com a realização do meu trabalho, mas era duro dormir em casa, como se fosse um advogado do diabo. Era duro dormir em casa e é muito duro dormir em casa.
Esse depoimento é um depoimento que sempre incomoda, porque sempre vemos a família da vítima. E observo e insisto, mais uma vez, jamais abriremos mão do direito de defesa de quem quer que seja e vamos exercê-lo como defensores públicos da melhor forma, mas é muito duro, como ser humano, como cidadão, colocar a cabeça no travesseiro.
Avanço para os senhores dizendo que, em outubro de 2011, tínhamos aqui, no Estado do Rio de Janeiro, 28 mil pessoas presas. Hoje temos, nos nossos cárceres, quase 44 mil. Em dados precisos do mês passado, 43.897. Aumentamos em 52% o número de pessoas presas, no Estado, em quatro anos. E qual a sensação de segurança que os senhores possuem? Aumentou a sensação de segurança?
Senhores, esse discurso vazio desse "politivismo" é direcionado exatamente, como disse aqui o Dr. Nicolitt, contra os senhores. Ele é exatamente voltado contra os senhores, contra a sociedade. Por quê? Um dado clássico de agora, do primeiro recorte das audiências de custódia do Estado do Rio de Janeiro, do dia 18 de setembro ao dia 14 de outubro. Os senhores sabem, das 186 pessoas que foram levadas à audiência de custódia, na sua autodeclaração de cor, qual a cor da pele dessas pessoas? Dr. Nicolitt, 68% eram o quê? Eram negras.
A Justiça Penal - não acreditem na Justiça Penal - é seletiva, porque ela é um instrumento desse modelo capitalista que domina este mundo. Não acreditem nisso. Essa é a nossa luta, porque a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro fez uma opção muito clara. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro aprendeu com o tempo.
E essa frase recebemos do Júlio Calçada, que foi o representante, no Uruguai, da Agência Reguladora da Cannabis. Ele nos disse que, na sociedade uruguaia, três crimes graves ocorreram ligados às drogas, e o Governo decidiu o que fazer. Se fosse aqui, no Brasil, iria aumentar a pena, iria transformar em crime hediondo, iria fazer... A sociedade uruguaia, o Governo uruguaio parte do seguinte prisma: senhores, a antítese de insegurança não é segurança. A antítese de insegurança é a convivência.
Nós temos que conviver e temos leis, como disse o Coronel Ibis aqui, que amparam uma convivência, que amparam que as pessoas possam se emancipar e seguir num caminho social, num caminho do bem-estar. Não achem mesmo - essa experiência na Defensoria Pública nos diz isso - que insegurança vai se resolver com violência.
A Defensoria Pública também, agora finalizando, meu tempo é curto, está discutindo fortemente a política de drogas. Há um grupo de trabalho discutindo isso. Promoveu um curso de dez aulas sobre isso.
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E a Defensoria Pública do Rio de Janeiro se posiciona a favor da regulamentação do comércio das substâncias ditas ilícitas. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro já manifestou isto publicamente: é contra a redução da maioridade penal. A Defensoria Pública já também se manifestou publicamente contrária a uma distensão no controle de armas. É fundamental o controle de armas.
E, para finalizar, já foi dito aqui que há uma necessidade também de influenciarmos, Senador, no Poder Judiciário. O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, tem uma súmula - súmula é como o juiz deve interpretar -, a Súmula nº 70, como disse o André, que diz o seguinte: "O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação". Ou seja, basta que dois policiais compareçam ao juízo e digam: "Olhe, esse cidadão aqui, Lindbergh, estava com uma arma de fogo". E ele vai ser condenado criminalmente, mesmo que existam outros meio de prova para se amparar e se discutir sobre outra coisa.
Mas é mais grave. Esse exemplo do Judiciário... O que é mais triste e ouvir aqui o Senador falar do mandado coletivo: ontem o Supremo Tribunal Federal jogou no lixo a garantia da inviolabilidade do domicílio de todos nós. O Supremo Tribunal Federal fez uma interpretação do dispositivo constitucional permitindo que se invada a sua casa e, a posteriori, justifique-se o motivo da invasão. Pasmem, o guardião da Constituição da República fez isso ontem. Senhores, infelizmente o Supremo Tribunal Federal autorizou o pé na porta, e todo mundo já sabe aqui onde o pé na porta acontece. É lamentável!
Espero que avance, espero que, daqui a dez anos, não estejamos mais discutindo esse assunto tão triste como estamos discutindo hoje.
Muito obrigado pela paciência. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Dr. Emanuel. Muito obrigado mesmo pela fala, pelo conteúdo.
Eu queria, antes de passar para a Márcia Jacintho, chamar aqui o André Resende, que é representante do Amanhecer contra a Redução, essa turma que fez uma mobilização muito grande aqui, no Rio de Janeiro e no País, contra a redução da maioridade penal.
Depois da Mesa, nós vamos ter ainda inscritos os últimos. Depois disso, das famílias, a Ana Lúcia, a Fátima Pinho e a Deize de Carvalho. E vamos ter ainda, fora os que estão aqui, o André e a Ana Paula. Com essas inscrições, fechamos essa audiência pública.
Com a palavra, Márcia Jacintho.
A SRª MÁRCIA JACINTHO - Acredito que já é boa tarde.
Sei que o tempo não cura nossa dor. E, toda vez em que eu me encontro num lugar desse, eu revivo todo aquele momento em que eu procurava meu filho para ir à escola e, lamentavelmente, em tantas buscas, eu o encontrei no IML, com um único tiro no coração à queima-roupa. De quem? Se seu filho é estudante, você sabe a educação que deu, sabe quem é. Como? Aí vêm as perguntas. Como?
Aí veio o confronto, intenso tiroteio, uma arma 38, seis ou sete elementos tratados, então, como traficantes. Eu, assim como a fala da Paula hoje, vou dizer, em primeiro lugar, que eu não tenho nenhum pingo de prazer de estar aqui, mas sinto necessidade de estar, porque eu tenho uma palavra para fortalecer as minhas companheiras, as minhas amigas de dor, já que eu sei da dor de cada uma, para que nunca desistam.
A voz da Paula é a voz de quando eu comecei a gritar. Esta aí a D. Teresa. Eu respeito todas as mães. Eu também, quando vi o meu filho de 16 anos, que tinha um sonho e foi morto covardemente... E o pior de tudo, como a Paula falou, é que nós temos que suportar, passar por cima da dor e fazer o papel que a polícia civil tinha que ter feito e não fez.
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Então, para mim teoria aqui não serve para nada, porque quando eu tive acesso ao inquérito...vai-se ao local, ouça-se testemunha, ouçam-se familiares da vítima, mas nada disso aconteceu. Quem era aquela vítima? Não importa se era branco, preto, pobre, veio de onde, favela qual? Morro do Gambá, alto da comunidade, seis ou sete elementos, traficantes. Pronto, acabou! O comandante do 3º Batalhão assinou embaixo, junto com aqueles vermes, o Ministério Público, o Poder Judiciário - como foi dito aqui - já que não serve para nada, está fazendo o que o fórum? Ganhando nosso dinheiro em vão, recebendo salário público, que é do nosso bolso, se não serve para nada!
Um defensor público disse para mim, na minha cara - e não vou dizer o nome dele - que não iria dar em nada, sabe por quê? Porque a bala entrou e saiu. Não tinha como fazer a prova de balística, mas estava lá o traficante morto. Eu tive que descer da favela, largar o meu serviço, largar tudo, desmaiando, passando mal, perguntando por que, caindo, levantando e dizendo que não podia morrer.
Quando li o inquérito escrito traficante, para justificar o álibi forjado daquele bando de bandidos, que eram 11, fardados e aquela bala que eu paguei e que todas nós pagamos e que matou o meu filho.
(Manifestação da plateia.)
Esse Estado homicida, assassino, genocida, racista e preconceituoso, criminalizador da pobreza e muito mais coisas. Para mim aqui não é o liberar maconha que vai resolver. Vai fazer o que com os armamentos que já estão lá? Vão liberar as armas? Libera a maconha, já que todo mundo fuma mesmo, quem fuma, fuma. Não tenho nada contra. Nunca fumei, nem vou fumar, não gosto nem do cheiro e nem de cigarro, mas cada um faz da sua vida o que quiser.
Aí vai fazer o que com aquelas armas, com aqueles fuzis que já estão lá? E os que já estão sendo mortos nas ruas por assalto, vai fazer o que com eles? Eles não estavam fumando maconha, eles estavam assaltando. Vamos deixar de hipocrisia, vamos deixar de procurar história para um Estado homicida e botar todo mundo na cadeia: botar a Dilma, o Pezão, esses canalhas todos na cadeia.
É isso que tem que fazer.
O que acontece? Nós mães ficamos por último a falar, estamos aqui angustiadas, porque isso continua acontecendo. A maioria que deveria ouvir, apesar disso aqui estar gravado, tem 12 anos que estou gritando, colocando na mídia e quem quiser achar o meu nome lá acha a minha causa lá. Eu, de muitas mães, fora o que não foi falado aqui, sete mães que já morreram, definharam tanto, clamando pela tal justiça, que deveria acabar esse fórum. Já que não existe para nada, que não serve para nada, deveria acabar com tudo isso.
Na verdade, o senhor me desculpa, mas até em Brasília, porque quando fico vendo o que o Cunha está fazendo, o Renan Calheiros está fazendo, o Bolsonaro, essa turma toda que deveria estar na cadeia há muitos anos - não tenho rabo preso com ninguém, não devo nada a ninguém, quem paga as minhas contas sou eu, eles nunca colocaram arroz ou feijão na minha casa, não devo nada a essa raça - estão ganhando milhões e milhões e não tem dinheiro na Suíça, mas está tudo lá bloqueado. Eu estou aqui hoje, doente, até trouxe o pedido para fazer eco, ergométrico, coração, desmaiando, parando no hospital, porque ainda tem isso. O que sobra de nós mães depois da perda dos nossos filhos?
Sou hipertensa, ontem estava com a pressão 18 por 10, o médico ficou admirado, porque eu só estava sentindo uma dorzinha na nuca e me perguntou o que aconteceu e falei que deu saudade do meu filho. Eu queria saber como ele seria hoje, aos 29 anos, porque ele tinha 16 anos. É isso, doutor, o que tenho.
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Fui parar no hospital Marcílio Dias, desmaiada, carregada por um amigo, que me jogou no carro e não sei, não vi, porque sinto saudade no aniversário dele, no dia das Mães, no Natal. Nós éramos uma família muito unida. Eu nunca dependi do Estado para nada, mas aquela bala que matou o meu filho eu paguei, todas nós pagamos.
Não estou aqui para falar mal da polícia. Estou aqui para falar mal de um sistema chamado corporação militar, que deveria também acabar, junto com o governador e com o secretário de segurança, que é um homicida...
(Manifestação da plateia.)
Era lá que ele deveria estar, porque quando ele fala que não pode fazer omelete sem quebrar os ovos, um secretário de segurança desse deveria estar preso, porque ele deve ter nascido de chocadeira, porque ele não me respeitou como mãe, nenhuma de nós. O meu filho não era um homem que saiu de uma galinha, porque não sou uma galinha, eu sou uma mulher. Sempre trabalhei, estudei, tive que voltar a estudar, comecei até a fazer o primeiro período de Direito, para conhecer bem os trâmites dessa tal chamada justiça, para, então, depois de cinco anos e nove meses - eu iria falar aqui para tantas mães que não conseguiram - eu consegui a tal chamada justiça. Qual a justiça que eu consegui? Limpar o nome do meu filho, que era o meu orgulho.
Para mim, era o orgulho que eu tinha na vida, porque ele eu não tenho mais. Mas falei: vou gritar por você e vou limpar o seu nome e ver escrito cidadão do bem. Tenho esse papel comigo, que o juiz me deu, Dr. Sidney.
(Manifestação da plateia.)
Além de trazerem a dor de uma mãe, fazer a mesma lutar por justiça. Trago de volta memória o nome do cidadão Hanry Silva Gomes de Siqueira.
Por isso, estou aqui para falar para todas as mães: não desistam, não esperem só pela polícia civil, ministério público ou defensoria. Façam, porque muitas coisas erradas que estavam no inquérito eu ligava para o promotor dizendo: Doutor tem um aqui que disse que não estava no dia e que ele não fazia parte, que tinha outro, o senhor viu? Ele disse: "D. Márcia, eu não vi." E eu: realmente, o senhor tem um montão de inquéritos e eu só tenho esse.
Eu chegava lá - aí eu já não era mais uma negra qualquer, mãe de bandido, porque comecei a comprar umas roupinhas de advogada, que nem advogada era, porque estava estudando: "Oi, doutora, sua carteirinha." Muda o sistema. Já não é mais a negra qualquer, mãe de bandido. Eu falei: ainda não sou doutora e sempre tive acesso para entrar no Ministério Público para falar com o promotor responsável, para mostrar a ele o que ele não tinha tempo de ver. Não era porque ele não queria, mas era muito inquérito - e hoje muito mais.
Doze anos e dez meses eu só estou vendo, cada dia, mais e mais. Sabe o que o meu cardiologista falou para mim: "D. Márcia, para de assistir um pouquinho essas reportagens, porque isso lhe faz mal." Tive um princípio de infarto quando soube que os dois policiais envolvidos no meu caso, já respondendo processo, tinham sido promovidos.
Eu botei a camisa com a foto do meu filho e entrei dentro do terceiro batalhão e fui falar com o comandante. Ele me ouviu. Eu falei: e aí, comandante? Eles estão suspensos, não estão nas ruas. Mas foram promovidos? Quer dizer que é igual à época do Garotinho, do sistema faroeste: quanto mais matar mais ganhava, né? Quer dizer que é promovido, porque matou meu filho e muitos por aí afora? E ele: "D. Márcia, está na justiça e se eles tiverem que ser condenados vão ser com promoção e tudo." Em 2008 mesmo, eles foram condenados e expulsos da PM.
(Manifestação da plateia.)
E vou dizer uma coisa. Pasmem vocês. O bandido, tem miliciano trabalhando, ganhando normalmente, qual é o problema? Vai ser miliciano sem eu e você pagarem. Não vejo caveirão onde tem milícia, não vejo atuação de polícia, não vejo helicóptero dando tiros com armas pesadas, que diz que não pode andar na comunidade.
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Inclusive eu já perguntei isso para o secretário: por que se são policiais militares, civis e bombeiros que estão na ativa, não sei por que eles ainda são milicianos. E isso é notório para todo mundo aqui. Eu não estou falando nada absurdo. Sei muito bem e respondo pelo que eu estou falando. Todo mundo sabe disso, não é verdade?
E pasmem, todos, que a Delegacia de Homicídios... porque eu não acredito em polícia investigando polícia porque, para mim, existe corporativismo. Porque, senão, não precisava de eu fazer o papel deles, nem a Paula, nem as outras mães. Senão, a gente não precisava ajudar eles, precisava? Não, se não existisse o corporativismo.
Então, o que acontece... Fora que eu ia na delegacia... Eu acordava de manhã, eu tinha que ir em algum lugar. Eu ligava para o delegado, eu tinha que perturbar alguém. Aquela dor, aquela revolta, eu tinha que jogar em cima de alguém.
E o que acontece? O promotor, coerente e não corporativista, ali ele não queria prender o policial ou absolver a vítima, que já estava morta também, não podia responder mais. Ou, então, o que ele fez? Ele, que eu já tinha pedido a Homicídios para levantar a ficha criminal dos policiais porque a do meu filho eles levantaram também. Levantaram.
Aí, o bandido, que na época tinha 15 anos e era office-boy, ele foi assaltado e deu queixa na 1ª DP. Eu falei: engraçado, André, o bandido foi dar parte na polícia, na delegacia, por que não prenderam ele?. Ele ficou de boca aberta para mim. E falei assim: e seus colegas? Você levantou a ficha dos seus colegas? "Não, D. Márcia, aqui eu não tenho compromisso com essas coisas. Vai vir a verdade." Está bom, faz de conta que eu acredito.
No dia da audiência, quem estava lá viu: Marcos Alves da Silva, o primeiro PM, tinha sido condenado em 1998 por 157. Em 2008, ele foi promovido. Nunca deixou de trabalhar, nunca foi preso, então não existe também Poder Judiciário. Acabem com o fórum, por favor, gente! Vamos fazer uma CPI para acabar com o fórum? Pelo amor de Deus! E o outro, bêbado, cheio de cachaça, respondia a um processo de tentativa de homicídio depois de um porre. E o bandido era o meu filho, de 16 anos. Essa é a nossa polícia, esse é o nosso sistema.
E eu estava sempre com... Eu esqueci o nome dele, que na época era o corregedor, dentro do quartel geral da PM, porque eu estava sempre ali. Eu esqueci o nome, acho que era Raul... E ele: "Não, D. Márcia, estou vendo." Ia lá naquela corregedoria lá do Méier.
Engraçado, nunca me mostraram que eles respondiam a processo e um tinha sido condenado. Já viu policial assaltante? Essa é a missão de um policial? Meu filho nunca tirou nada de ninguém. Então, tudo isso me indignava a cada dia mais e mais a correr atrás e limpar o nome do meu filho.
E, agora, o que sobrou para mim hoje é a minha saúde. Eu tento trabalhar e tenho que parar porque eu não consigo dar seguimento à minha vida, que era muito boa, obrigada, antes de o Estado do Rio de Janeiro fazer isso comigo, porque matou o meu filho e 50% de mim levou com ele.
Então, para mim, tem que pegar o Governo Federal, estadual, municipal. Tem que pegar a Secretaria de Segurança, o Poder Judiciário e tacar fogo, acabar com essa raça toda. Porque, na verdade, eu não confio e não acredito em mais nada nem em ninguém, a não ser em Deus. Só Ele porque foi por Ele que eu consegui justiça e limpar o nome do meu filho, que está fazendo muita falta para mim. E creio que está fazendo muita falta para as minhas amigas aqui.
E, quando eu saí, vi assim lá na capa do jornaleiro, tive que comprar. Acho que todo mundo viu isso aqui: "PM confunde um skate com um fuzil". Aí, colocaram aqui: de repente, vai confundir uma maçã com uma granada. Está aqui.
Eu não sei que formação o senhor tem, a polícia tem. Está aqui. O outro morreu por causa de uma furadeira. A gente sabe, todo mundo, lá no Andaraí. O outro morreu por causa do macaco hidráulico. Esse, graças a Deus, do skate não morreu. E foi na Zona Sul, mas foi de raspão.
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Graças a Deus, pelo menos aqui não foi uma vítima fatal.
Cuidado, moradores de favela, quando estiverem comendo uma maçã. Vocês podem ser confundidos e ganhar um tiro de fuzil. É muito triste, para a gente que é mãe, carregar essa dor daqueles que tinham o dever de assegurar a vida do meu filho.
O meu sonho também foi morto porque eu fui para uma faculdade, fiz o primeiro período de Direito, mas me decepcionei. Quanto mais eu lia, mais eu me decepcionava, principalmente quando foi tirado do meu filho o direito de ir e vir.
Então, eu pensei: o que eu vou fazer? Eu vou me formar?. Eu tenho uma causa. Eu soube, li e peguei... Uma professora falava ali da tese, que tinha que fazer o errado virar certo. Eu não posso fazer isso. Eu sei que o cara matou, ele é um assassino. Eu vou ter que dizer que não, coitadinho, coitado. Eu vou ter que fazer uma tese para poder inocentar um assassino? E eu, que perdi um filho executado?
Nunca mais eu voltei àquela sala e nunca mais voltarei. E o sonho do meu filho de ser um jogador de futebol também morreu com ele. E o próprio Luiz Fernando Pezão, Governador do Estado, estive com ele na campanha dele... Porque na campanha eles procuram a gente. Época de campanha, de eleição, meu Deus do céu, beijam até os catarrentos da favela. Beijam aqueles molequinhos todos cheios de ferida e de catarro, ele beijam. É uma hipocrisia só.
Além da reparação, porque o Estado também foi condenado, está ainda em Brasília, engavetado porque não cabe mais recurso do Estado. Porque a própria Justiça que condena é a mesma que dá direito de recorrer. Eu nunca vi isso! O pobre não recorre em liberdade! Mas o assassino, policial, ele recorre em liberdade porque os meus recorreram em liberdade.
E o Estado, até hoje, nada por mim fez. Eu voltei à psiquiatria, voltei ao psicólogo, para poder controlar, cuidar da minha saúde, da minha pressão, pelo SISREG. Depois de nove meses, eu consegui ser chamada e pedindo a Deus para não morrer. É um sistema para morrer mesmo: SISREG. É um sistema para morrer porque pobre tem que morrer, na porta do hospital, na porta da Upa, da Clínica da Família e no sistema e à bala! Porque elimina-se o problema, não cura nem cuida.
O Governo não está aí para cuidar de nós ou para poder resolver problema, não. Porque já começa pela educação, que é de quinta categoria. Então, o nosso sistema foi feito para matar e, realmente, não existe polícia, existe um sistema para matar. E eles são treinados para matar e têm um alvo: somos nós.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Agradeço muito a Márcia Jacintho. Queria chamar Ana Lúcia de Oliveira, que é mãe de Michel Antônio de Oliveira, aqui para assumir o lugar da Márcia.
E eu estou deixando com as famílias o tempo mais livre aqui porque é um momento de desabafo. Não, você pode falar à vontade, Márcia. Agora, com o pessoal que não é das famílias, eu vou controlar o tempo mais forte agora porque, de fato...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não, foi ótima a sua fala. Eu estou falando aqui que eu vou passar para o nosso grande Vereador Jefferson Moura, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal. Pedir desculpa ao Ronilso, do Viva Rio. Ronilso, estava aqui na lista. Vou chamar já, logo depois. Depois que falar aqui, vou chamar você e o André.
Então, Jefferson.
O SR. JEFFERSON MOURA - O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que me preocupa é o silêncio dos bons - Martin Luther King.
Senador Lindbergh, Ana Paula, D. Terezinha, Márcia, que acabou de falar. Vocês, mulheres guerreiras, que fazem da dor da perda dos seus filhos força para lutar, dão voz a uma causa, trazem para este espaço e para além dele, parabéns, força! Vocês são um exemplo para todos nós.
Lindbergh, Senador, companheiro, você, como Relator nesta CPI, eu acho que tem uma tarefa dupla. É uma CPI nacional.
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Mas eu estou convencido de que, na cidade maravilhosa, olímpica, de São Sebastião do Rio de Janeiro, nós temos, em especial de 2010 para cá, um laboratório onde o exercício da ação policial - e aqui o Coronel Ibis é exemplo de resistência, é exemplo daqueles que discutem e compreendem exatamente qual é o papel da Polícia - mas, no Rio de Janeiro, quando a Polícia e a política se juntam, eu estou convencido que hoje, de 2010 para cá e hoje na cidade do Rio de Janeiro, nós temos a institucionalização do crime de ódio, nós temos a institucionalização, por parte do Estado do Rio de Janeiro, da Prefeitura do Rio de Janeiro, do crime de ódio contra a pobreza.
Isso se apresenta na orientação da intervenção policial militar nas favelas do Rio de Janeiro, na pena de morte que existe, se apresenta em como se trata o problema de moradia na cidade do Rio de Janeiro, em como se trata os pobres que lutam por moradia, isso se expressa naqueles que precisam sobreviver com a dignidade do seu trabalho nas esquinas e calçadas da cidade do Rio de Janeiro... Isso se expressa quando o Prefeito dessa cidade diz que menores que estão nas ruas não são da rua, têm que ser tratados como caso de polícia. Ele não diz nada em relação a Eduardo Cunha, seu companheiro, não diz... Isso não é caso de polícia! Ele não diz nada, nada, da ausência de creches para uma mãe trabalhadora deixar o seu filho ou da ausência da educação integral, da educação em horário integral na cidade do Rio de Janeiro. Isso não está colocado.
Foi aqui na cidade do Rio de Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro que as forças militares entraram no Alemão. Foi aqui na cidade do Rio de Janeiro que elas acabaram de sair da Maré. E nada, nada foi resolvido. Se olharmos as estatísticas agora, primeiro semestre, um aumento de mais de 22% de assassinatos, um aumento de mais de 22% de mortes executadas por policiais em serviço. Então, nos limites do tempo desta audiência, eu gostaria, me permita sugerir a possibilidade de termos um capítulo neste relatório para discutir a institucionalização do crime de ódio contra a pobreza na cidade do Rio de Janeiro.
Isso não é uma questão menor. Às vésperas da Olimpíada, quando se discute um legado de futuro, a gente percebe claramente que no presente dessa cidade não há legado nenhum sendo construído no que diz respeito à vida, no que diz respeito aos direitos humanos, no que diz respeito ao respeito à dor de cada uma das que aqui estão relatando, estão apresentando o seu relato.
Obrigado, D. Terezinha, Ana Paula, obrigado a todas vocês pelo exemplo de coragem.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Jefferson Moura, nosso Vereador, Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Eu queria chamar o André, que é da Comissão de Direitos Humanos da OAB aqui para assumir, depois o Ronilson, a Ana Paula e nós vamos aqui no final deste bloco o Alexandre... Cadê o Alexandre, da Anistia Internacional?
Obrigado Alexandre.
E eu vou passar agora para o Nicodemos, para fazer uso da palavra.
O SR. CARLOS NICODEMOS - Boa tarde a todos e a todas, Senador Lindbergh, demais militantes, às mães. Com a satisfação de tentar cumprir o dever de trazer um tema no conjunto de capítulos relacionados a esta CPI, a gente comparece aqui em nome do Movimento Nacional de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, que reúne um conjunto de organizações não governamentais que trabalha na defesa dos direitos humanos de maneira ampla.
Muito já foi dito, especialmente na parte que fundamenta esta política institucionalizada de assassinato de crianças e adolescentes no Brasil. Esta é uma CPI federal, do Senado, e certamente o tema assassinato é corolário ao tema do extermínio de crianças e adolescentes. E a gente sabe a repercussão que tem essa palavra, especialmente no campo internacional, mas a gente gostaria de reforçar que é um posicionamento institucional de que o que nós temos hoje, a título de política de Estado brasileiro, de forma secular, é uma ação de extermínio de crianças e adolescentes com números assustadores e que tem implicações numa superestrutura secular que traz muitos desafios para todos nós, não só no campo da segurança pública, mas também no conjunto das políticas públicas de maneira ampla e geral.
Acho que muito já foi dito aqui e o nosso esforço, o esforço da equipe da Organização de Direitos Humanos Projeto Legal que preparou um dossiê.
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E quero entregar em mão agora à CPI, de modo que possa integrar objetivamente o relatório, e ser apreciado e considerado. Nosso pleito é abrir um capítulo relacionado ao objeto da CPI, que é o assassinato de jovens, no que diz respeito ao sistema socioeducativo.
Nós temos, hoje, constatado que aquilo que foi dito anteriormente por muitos que aqui passaram como um processo de criminalização da juventude, esse processo da criminalização da juventude é resultado de uma negativa, de um conjunto de ausência de políticas públicas. Esse processo de criminalização da juventude tem por reflexo levar um número enorme de jovens ao aprisionamento e tem também como resultado a questão do assassinato desses mesmos jovens que vão sendo levados, por uma condição de vulnerabilidade social, a esse processo de criminalização. Dentro disso é que nós gostaríamos de destacar hoje uma nova conformação que se deu, que é o cruzamento daquilo que se tem como a lógica da criminalização no aprisionamento, da responsabilidade do Estado nesse aprisionamento em que a lei diz que tem como objetivo a ressocialização desses jovens, quando na verdade o que resulta muitas das vezes é o assassinato desses próprios jovens.
Então, se aquele processo de criminalização resultava, de um lado, na questão do aprisionamento e, de outro, na letalidade do assassinato, a gente tem agora uma terceira etapa que é o aprisionamento, o Estado que aprisiona e o Estado que mata nesse processo de aprisionamento. E é sobre isso que nós gostaríamos que destacar.
Queremos dizer, Senador Lindbergh que, no ano de 2013, foi feito um levantamento nacional e se constatou a existência de 29 óbitos de jovens no sistema socioeducativo de todo o Brasil. Isso corresponde à morte de dois jovens por mês no Brasil nesse sistema socioeducativo.
Esse sistema socioeducativo que, pela lei agora aprovada, completando três anos, Lei nº 12.594, que institui o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), aponta um outro caminho a título de política nacional de atendimento socioeducativo a esses jovens. E aquilo que testemunhamos hoje numa votação ilegal do Congresso Nacional, propriamente na Câmara de Deputados, propondo a redução da maioridade penal tende a aprofundar, diante da ausência de implementação dessa lei, um processo de assassinato de jovens dentro do sistema socioeducativo no Brasil. E que pode ser traduzido como um corpo sem alma, um corpo de instituições que não têm um projeto político pedagógico, que não têm uma proposta de ressocialização e integração e que resulta hoje na tortura, no medicamento, na letalidade e na morte contra esses jovens.
Então, esse dossiê que nós entregamos a V. Exª, esperamos então que abra um capítulo sobre a questão do assassinato de jovens no sistema socioeducativo, traz como proposta a criação de um programa de proteção para os adolescentes num sistema socioeducativo próprio, traz a responsabilização dos agentes públicos por improbidade administrativa no caso de condutas omissivas que podem vulnerabilizar a vida de jovens, traz a necessidade de criar uma lei que indenize as famílias dos adolescentes que são vítimas de assassinato dentro do sistema socioeducativo. Aí há uma questão objetiva, que não precisa nem ser apurada, que esses jovens estão acautelados, estão tutelados pelo Estado e o Estado tem o dever de zelar pela vida deles. E, no momento que tira, o Estado tem uma responsabilidade objetiva aí. Isso está na lei e isso pode ser assegurado independentemente de processo judicial.
E vou terminando dizendo que, entre outros pontos, há necessidade de varas especializadas, a questão da responsabilização, da notificação compulsória de torturas com a prática de adolescentes.
A gente tem aqui uma mãe, que é a Deize, de um caso emblemático no Rio de Janeiro, que é o caso do Andreu, ela poderá falar melhor sobre isso, que é um dos poucos casos em que a Justiça está conseguindo dar uma resposta e que traduz bem uma prática homicida por parte de um Estado que deveria ressocializar e integrar, quando na verdade está matando essa juventude.
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Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Nicodemos, muito obrigado. Eu queria chamar o Ronilso, do Viva Rio, para se sentar no lugar do Nicodemos.
E passo, agora, a palavra à Ana Lúcia de Oliveira, para fazer a sua fala. Ela é mãe de Michel Antônio de Oliveira da Silva.
A SRª ANA LÚCIA DE OLIVEIRA - Boa tarde a todos e a todas. Meu nome é Ana Lúcia de Oliveira. Meu filho, Michel Antônio de Oliveira da Silva, morto dia 5 de abril de 2008, na comunidade Piscinão de Ramos. Lá é milícia. Ele foi morto pela milícia. Eles levaram o Michel às 17h. Eu estava em casa, mas eu não sabia. O Michel estava com a filha dele. Nesse dia ele estava de folga. O Michel trabalhava. Ele estava de folga nesse dia e estava com a filha dele. A filha dele tinha três anos de idade. Ele deixou a filha dele na sogra dele, e assim eles levaram o Michel. Deram um tiro no Michel, jogaram o Michel dentro d'água, amarraram. Eu acho que era para ele não subir, né?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª ANA LÚCIA DE OLIVEIRA - Dentro d'água. Dentro d'água, na praia. Ele apareceu lá na Ilha do Governador, depois de nove dias. Eu o achei na Mem de Sá. Michel já estava em estado de decomposição. Quando eu cheguei lá, eles disseram assim: "Mãe, não vai olhar. A senhora é mãe". Eu falei: eu vou olhar, porque eu sou mãe e eu tenho que reconhecer meu filho. Aí eu fui. Quando eu cheguei lá, eu não aguentei. (Pausa.)
(Manifestação da plateia.)
A SRª ANA LÚCIA DE OLIVEIRA - Antes de eu ver, antes de enterrar o Michel, eu fui um dia lá... Eu sempre andava - eu e Deus - para lá e para cá para ver se eu conseguia achar. A primeira vez que eu fui foi na 21ª DP, para dar queixa de que meu filho tinha sumido. Eles falaram que iam procurar, mas falaram que depois que fizesse um mês que não achasse, encerrava o caso. Então, eu, como sou mãe, falei: não, eu tenho que achar meu filho. E só, procurando, procurando, procurando. E todo dia eu ia para a Mem de Sá, todo dia, todo dia. Nesse dia, eu fui. Estava chovendo muito. Aí a moça falou assim: "A senhora hoje não pode ver". Eu falei: poxa, eu estou aqui de manhã, de tarde e de noite. Deixa eu ver. Fui para o computador. Quando ela abriu o computador, vi o chaveirinho que eu dei ao meu filho, em que estava escrito "Jesus" e falei: é meu filho!. Ela falou: "Como é que você sabe que é seu filho?" Eu falei: esse chaveirinho eu dei ao meu filho no dia do aniversário dele. Aí ela falou: "Então, você corre para os Direitos Humanos, e vai lá para você conseguir fazer o DNA". Eu fui, procurei o Dr. Leonardo Rosa, e ele mandou eu ir lá de novo, ao IML. Eu fui, andando para um lado e para o outro, para poder resolver as coisas do meu filho. Consegui ir lá, consegui ir à Acadepol, fazer o exame do meu filho, porque o meu filho estava em estado de decomposição. Eu não consegui ver o rosto do meu filho. Eu não consegui ver o rosto do meu filho. Meu filho queria ser um jogador! Meu filho trabalhava, deixou uma filhinha de três anos. O que aconteceu com meu filho eu não desejo para ninguém, nem para o pior inimigo meu. Eu não desejo, porque, quando a pessoa ama, quando a pessoa tem amor, você tem que ter amor pelo ser humano, não importa quem ele seja. Você tem que ter o amor. Então, eu não desejo. Eu não quero que a mãe deles venha a passar o que eu estou passando, o que eu estou sofrendo, porque, desse dia para cá, eu não tive mais saúde, nem eu, nem minha família, os meus filhos.
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Até os meus filhos sofrem até hoje. Eu tenho mais dois filhos. Eu não quero também que venha a acontecer com os meus dois filhos, como eu não quero que venha a acontecer com esses que fizeram com o meu filho. A única coisa que eu peço, porque isso pertence a Deus, é a justiça. A justiça eu peço, e vou continuar pedindo, nem só por meu filho, como ainda pelos jovens que estão aí. Por mais que tenha acontecido, ainda continua acontecendo. Há tantos jovens aí por quem a gente tem que lutar. Eu peço também a todos que continuem pedindo por esses jovens. Não venham a desistir, porque a união é a força, e nós precisamos dessa força.
Tantas mães aí também! Eu falo por essas mães. Também quero trazer lembrança da Marilene, quero trazer lembrança de várias mães que já se foram. Marilene foi uma mãe que passou 20 anos e não conseguiu. E outras mães também, que conseguiram o quê? Transmitir uma doença. Isso é o que ela conseguiu, e não conseguiu apoio.
Então, eu não quero que isso venha acontecer mais, e eu peço que vocês realmente possam fazer algo por esses que estão aí, por esses jovens, porque muitos jovens precisam de apoio da gente. Muitos jovens precisam, que chegam a bater... Outros dizem assim: "O jovem não tem trabalho porque ele não quer". Eu vejo lá na minha comunidade: muitos precisam de um apoio e eles desistem porque muitos não querem dar, porque é negro, porque é pobre. Muitos não dão oportunidade. E sabemos que todos nós somos seres humanos, todos nós temos que estar em uma união só e ter o amor por todos.
Então, que nossos filhos venham a ter nome, e não número. É isso que eu peço a todos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Ana Lúcia. Eu queria chamar Fátima Pinho, que é mãe de Paulo Roberto Pinho, de Manguinhos, para subir no lugar de Ana Lúcia.
Eu acho o seguinte, pessoal: a gente, que está participando disso aqui hoje, tem o dever de entrar com tudo nessa causa, nessa batalha. Tudo que a gente escutou hoje, tudo, está sendo gravado, pessoal. Isso aqui vai entrar na mídia do Senado, vai estar no relatório, mas de fato é um chute no estômago de todo mundo. Eu acho que isso tem que ter consequências práticas. Eu vejo aqui tanta gente militando, que milita em outras causas. De fato, a gente viveu no Brasil uma transição democrática, avançou em tantas áreas, mas nessas áreas nós não avançamos. Nós temos que reconhecer que ainda continuamos com a cultura herdada da ditadura militar, de massacre, de extermínio, da nossa juventude mais pobre. Eu espero, de fato, que esse dia de hoje... Está todo mundo aqui, um bocado de gente sem almoçar, até esta hora, mas é porque, de fato, está sendo uma audiência com uma força muito grande.
Essa juventude que está aí tem feito movimentos, foi fundamental. Organizaram um dia, no Rio de Janeiro, em que foram mais de dez mil jovens. Eu acho que para vocês é muito importante esse depoimento também, do outro lado. Vocês, que estão nessa luta contra a redução da maioridade penal, devem tentar se lincar cada vez mais - não é, André? - com essa juventude da periferia, essa juventude negra, esse cara que está na ponta, sofrendo com essa política de encarceramento e com essa política de extermínio.
Eu passo para o André Resende, do Amanhecer Contra a Redução.
O SR. ANDRÉ RESENDE - Boa tarde a todos!
Como o Lindbergh falou, eu faço parte do movimento Amanhecer Contra a Redução, que foi um movimento que surgiu após a ofensiva, principalmente da Câmara dos Deputados, contra a juventude, pela redução da maioridade penal. A gente, em um primeiro momento, queria... Ouvia-se falar muito pela mídia que a redução da maioridade penal era quase unanimidade entre a sociedade, o que é mentira. O Lindbergh também citou o festival que a gente fez em junho, que levou 25 mil pessoas, no mesmo momento, na Praça 15, que estavam lá pela cultura e contra a redução da maioridade penal.
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Então, nesse primeiro momento, queríamos mostrar que tinha muita gente no País, principalmente os jovens, que eram contra a redução da maioridade penal.
A partir do momento em que conseguimos esse espaço, propusemo-nos a debater o futuro dessa juventude. É uma juventude que é muito mais assassinada do que assassina; então, é uma juventude que é muito mais vítima do que criminosa, se formos ver os dados. Infelizmente, é uma juventude que não é levada a sério como deveria, é uma juventude que não tem direito, não tem acesso, em grande parte, à educação, à cultura, ao lazer, ao afeto, ao carinho. Então, é complicado crescer num ambiente como esse e tornar-se uma pessoa que responde e que age de forma "correta" - entre aspas.
Infelizmente, as pessoas que mandam no País tratam a juventude quase como um jogo de futebol, que foi o que vimos no dia 1º de julho deste ano, depois do golpe do Presidente da Câmara dos Deputados. A reação de quem votou a favor da redução da maioridade penal era quase como de um gol. E, naquele momento, depois de um dia histórico, que tinha sido o dia anterior, eles simplesmente rasgaram a Constituição, rasgaram tudo e criaram ali um ambiente, uma atmosfera de vitória, em que, na verdade, estávamos perdendo, e perdemos todos os dias tantos jovens para esse sistema racista, capitalista e tudo isso que já foi falado aqui.
Enfim, acho que é mais ou menos isso sobre a juventude. Achamos importante que se dê o espaço para um jovem, como eu, estar aqui, mas acho que o espaço tem que ser cada vez mais dos jovens. A juventude chegou a um momento em que ela quer propor, em que ela quer protagonizar, em que ela quer ter voz e não quer mais só ouvir falarem por ela. E, quando ela propõe, ela quer propor, ela não quer só se defender. Não dá mais para mantermos; queremos avançar, queremos chegar mais para a frente. Não queremos mais defender um ECA completamente equivocado para não reduzirmos a maioridade penal; queremos propor políticas públicas, queremos propor espaço, queremos propor futuro.
Então, acho que é mais ou menos isso. A prioridade aqui é das mães, é de quem viveu isso na pele. Eu acho, então, como membro do Amanhecer, que é com isso que eu podia contribuir.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu quero chamar aqui Ana Paula Lisboa, da Agência de Redes para a Juventude, para substituir aqui o André, preparar-se para falar.
E passo imediatamente para o André Barros.
O SR. ANDRÉ BARROS - Obrigado, Lindbergh.
Bom, eu quis falar pelo seguinte... Primeiro, era só, na abertura, eu acho que, na realidade, a escravidão e a ditadura militar devem ser ensinadas nas escolas do Brasil. Acho que isso é uma questão fundamental para começarmos a mudar o Brasil.
Falando da ditadura militar, na realidade, naquela época, o auto de resistência, tudo isso que acontecia, eram coisas secretas, eram decisões secretas. E agora as pessoas ainda falam do mal da democracia, mas a democracia é importante, porque o que era secreto tem que aparecer. Por exemplo, eu acho que essa questão do assassinato do Eduardo de Jesus, um menino de 10 anos de idade, apareceu porque estamos em uma democracia, e a polícia tinha que dar uma resolução àquela situação.
Então, acho que esse caso é emblemático, e esse caso tem que ser tomado como uma guerra, inclusive porque é uma vergonha a mídia brasileira, o jornalismo em geral se calar diante disso, dessa decisão. Ela, na realidade, não é uma decisão do delegado; ela representa uma mentalidade que existe, da Polícia, do Ministério Público, do Judiciário, uma mentalidade, em geral, que é perversa.
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Por quê? Porque eles estudam o Direito, eles conhecem as instituições e manipulam o Direito e as instituições, propositalmente. Não é ele eles sejam ruins. Obviamente, há maldade nisso, mas uma maldade racionalizada. É uma coisa estruturada.
Então, qual é a decisão? A decisão diz que a polícia agiu em legítima defesa. A legítima defesa realmente... Se uma pessoa vem me atacar com uma faca, e eu pego uma faca e dou uma facada nela e mato essa pessoa, eu não pratiquei um crime, porque eu agi em legítima defesa. Isso não é crime. Certo? Então, isso é um instituto do Direito racional. É cabível.
Então, o que eles alegam? Eles construíram uma situação. Quer dizer, agora, nas favelas, nas comunidades onde eles querem combater, onde eles dizem que combatem o tráfico armado de drogas, a polícia, ao entrar na favela, se houver uma troca de tiros e a polícia errar o tiro, então ela não pratica crime nenhum. Se ela errar o tiro e matar uma pessoa, ela não pratica crime nenhum. Quer dizer, eles querem, juridicamente, justificar essa situação.
E aí está realmente, juridicamente, no ordenamento de decisões jurídicas, consagrado o quê? A pena de morte nas favelas do Rio de Janeiro. Então, essa decisão do delegado representa várias decisões que já ocorreram mais ou menos assim, dessa forma, só que em autos secretos. Agora, nós estamos numa democracia, onde todo julgamento é público, porque a sociedade tem o direito de julgar se a Justiça está ou não fazendo justiça. Então, nós temos o direito de esculhambar as decisões judiciais, porque ela é pública, exatamente porque nós temos o direito de julgar se a Justiça está ou não fazendo justiça.
Num caso desses, quer dizer... Inclusive, eles usam mais ou menos os instrumentos da ditadura militar. Só que agora, em uma democracia, esses instrumentos aparecem. A perícia desse caso tem que ser questionada! Como é que eles podem, se a polícia vinha de cima e trocava tiros, segundo eles, com traficantes, traficantes de chinelo, que não deixam herança, que estavam na laje, como podem ter acertado uma criança de dez anos que, segundo a mãe, estava sentada? Uma criança de dez anos deve ter... Ela disse até que o filho dela era mais alto, mas uma criança de dez anos tem 1,2m ou 1,3m. Se vinha de cima... Quer dizer, isso tudo é o quê? Nós já sabemos! As perícias realizadas na ditadura militar são altamente questionadas, a perícia não tem autonomia...
Então, eu quero dizer o seguinte: essa decisão é perigosíssima, e nós temos que bater de frente com essa decisão, porque a mídia... Inclusive, a Anistia Internacional disse que é uma aberração jurídica. Não é uma aberração jurídica! Todos nós temos que interpretar. Nós temos o direito de interpretar. Ela é um escândalo, é um absurdo, é uma excrescência! Então, repetindo, a questão é esta: a polícia entra... Olha só que absurda a decisão! A Polícia entra nas favelas, troca tiros com os traficantes armados, erra o tiro, atinge uma pessoa, e isso vai ser considerado o quê? Uma excludente de antijuridicidade. Quer dizer, vai-se considerar que o policial não praticou crime nenhum, porque a legítima defesa é isso. Legítima defesa não é crime. Eu posso matar uma pessoa em legítima defesa, pois eu não vou ter praticado um crime.
Então, essa é a questão: eles querem colocar... Então, essa interpretação é clara, todo mundo tem condições de entender, todos nós temos condições de entender. Agora, terminando, a polícia vai entrar na favela, e, sob a justificativa de que está trocando tiro com bandidos armados, se errar o tiro e matar uma pessoa, não vai ter praticado crime nenhum. Quer dizer, eu não vou mais tomar uma cerveja na favela!. Eu não vou tomar nem mais uma cerveja lá!
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Eles querem institucionalizar. É um pensamento... É por isso que eu digo, terminando, que é uma coisa perversa, porque são pessoas que estudaram, que dominam os institutos jurídicos e constroem uma decisão completamente absurda. É uma aberração essa decisão! Essa decisão tem que ser denunciada!
E o Ministério Público... Estamos de olho no Ministério Público, porque esse inquérito não pode ser aberto de novo, não. Esse inquérito vai ao Ministério Público, que é o titular da ação penal, e ele, nas denúncias, diz que, na hora de denunciar, rege o princípio do in dubio pro societate: ele está ali em defesa da sociedade e, portanto, tem que denunciar, tem que acusar.
Então, nós estamos de olho no Ministério Público, que vai receber esse inquérito e tem que oferecer a denúncia. Ele tem que denunciar os policiais por homicídio doloso qualificado, e os policiais têm que responder por isso no Tribunal do Júri. E, na minha concepção, o conselho de sentença do Tribunal do Júri deveria ser constituído, inclusive, de moradores das favelas. É óbvio!
(Manifestação da plateia.)
O SR. ANDRÉ BARROS - (André Barros) Claro! A questão é que eles querem tirar esse julgamento, esse fato, que é claro... Todo mundo conhece o fato, todo mundo pode julgar esse fato. Eles querem que esse fato não seja julgado pelo Tribunal do Júri.
Então, esse caso do Davi de Jesus, aliás, Eduardo de Jesus - eu achei tão bonito ele ser "de Jesus" que coloquei até o Davi -, esse caso do Eduardo de Jesus é um caso, é uma guerra, e nós temos que abraçar e denunciar esse caso e dizer para essa mídia brasileira que é uma vergonha que ela não esteja questionando essa decisão, não esteja... Esse é um caso emblemático. É público esse caso. Todos nós podemos interpretar esse caso; a polícia não é dona da interpretação, muito menos o Judiciário. E nós, a sociedade tem o direito de julgar se a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário estão fazendo justiça. É por isso que a Justiça é pública. E esse é um direito de todos nós.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, André.
Chamo Marianna Lopes, representante do Coletivo Enegrecer, para substituir o André.
Já estamos chegando ao final. Ainda falta a Fátima, ainda falta a Deize... Mas já estamos chegando ao final.
Vou passar imediatamente a palavra para a Fátima Pinho. Ela é mãe de Paulo Roberto Pinho, de Manguinhos.
A SRª FÁTIMA PINHO - Boa tarde a todos!
Meu nome é Fátima, como o Presidente acabou de falar, e sou mãe de Paulo Roberto Pinho de Menezes.
Meu filho, no dia 17 de outubro, foi morto pela polícia da UPP de Manguinhos, após ter sido perseguido, por reclamar de abordagem agressiva. Então, eles acharam que o meu filho era o problema da favela e resolveram eliminar o problema. Até que ele cruzou com o meu filho de madrugada e deu um fim no problema, sendo que o problema lá são eles lá dentro da comunidade, não é o meu filho, nem o filho da Ana Paula, nem eram outros meninos que foram mortos pela UPP.
Então, vou resumir um pouco o que aconteceu com o meu filho no dia 17 de outubro, quando eu o perdi.
Era por volta de duas e meia da madrugada, mais ou menos, quando uma vizinha, desesperadamente, bateu no meu portão gritando: "Corre, vizinha! Corre, vizinha, que os policiais estão batendo muito no Nego e vão matar o Nego lá no beco!" Todo mundo conhece meu filho lá como Nego. Aí eu fui correndo pensando que o meu filho estava algemado esperando a viatura para poder levar ele para delegacia. No momento em que eu cheguei lá no beco, tinha muito, muito policial no beco. Empurrou a minha filha dizendo que a minha filha não iria entrar no beco. Aí eu falei: "Eu vou entrar, porque eu sou mãe dele. O meu filho está aí dentro. Eu vou entrar!" Aí eu entro e vejo os amigos dele todos em pé, os policiais todos em pé, e meu filho caído no chão, porque o meu filho foi espancado, com o rosto batido na parede, o rosto ralado. De tanto eles baterem no meu filho e sufocarem o meu filho, meu filho desmaiou. Eu cheguei lá e o meu filho estava caído no chão. Eu abaixei e falei: "Nego, não faz isso comigo! Não faz isso comigo, Nego!" Levantei a cabeça do meu filho, e o meu filho deu dois suspiros e não voltou mais à vida, porque ali mesmo o meu filho perdeu a vida.
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Por que eles tiraram a vida do meu filho? Por que o meu filho questionou a abordagem do irmão dele uma hora antes de meu filho ser morto, porque ele viu pegarem o irmão dele, porque ele sabia que o irmão dele iria sofrer a mesma violência que ele sofria no dia a dia na favela, depois que o meu filho foi preso por um policial da UPP aqui na Lapa. Ali começou a perseguição ao meu filho. Onde ele passava, ele era parado, xingado e humilhado.
Então, eu falei: "Meu filho, você vai continuar passando, porque você é morador, você vai passar aqui comigo." E ele : "Mãe, o policial toda hora me para, toda hora me para!" E eu falei: "Não vai te parar!" Mas ele parou o meu filho, humilhou o meu filho. Meu filho tirou a roupa e disse: "O problema é teu comigo? Então, vamos tirar a diferença, porque eu sou homem! Vamos cair na mão, então!" Ali começou um inferno.
Esse policial saiu da favela, mas mostrou aos amigos dele quem era o meu filho. Então, o meu filho podia passar dez vezes que nas dez vezes ele era parado, era agredido. Quando a gente via um tumulto, a gente podia contar que era o meu filho que estava brigando com eles, porque o meu filho não aceitava tapa na cara, o meu filho não aceitava chute no saco, o meu filho não aceitava chute na canela. Ele dizia: "Mãe, eu sou sujeito homem. Você nunca bateu na minha cara, e eles não vão bater na minha cara também, não. Eu não vou deixar eles baterem na minha cara. Eu não vou ficar oprimido, aceitando as coisas que eles vão fazer comigo, não! Não vou aceitar!"
Então, no dia 17 de outubro, eles eliminaram o meu filho. Foi a maneira que eles fizeram para poder acabar com ele. Entendeu?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª FÁTIMA PINHO - Em 2013.
Então, o meu filho foi passar pelo beco... Foi o comentário que os meninos falaram para mim que, no dia 17 de outubro, ele foi passar pelo beco, e o menino falou assim: "Olha, Nego, os policiais estão fazendo abordagem no beco. Beco escuro, sem nenhuma iluminação. Os policiais estão agarrados com um menino aqui no beco. Você precisa tomar cuidado!" E o meu filho: "Não, a gente não está devendo nada a ninguém. A gente não está usando nada. A gente vai passar no beco, sim. A gente vai dormir. A gente vai passar pelo beco." "Abre o olho, estou avisando você! Abre o olho, porque eles estão danados!" E ele falou: "Não, a gente não está devendo nada, não. A gente não está com nada. A gente vai passar, sim."
Quando ele passou, cercou os meninos, parou o meu filho, e falou assim: "Você mexeu comigo." E o meu filho: "Não, senhor. A gente não mexeu com o senhor, não. E sem violência, meu senhor; sem violência!" Quando meu filho falou isso, ele já agarrou no casaco do meu filho. Estava chovendo, meu filho estava de casaco. Agarrou no casaco do meu filho e começou a sessão de espancamento do meu filho, até meu filho vir a óbito, lá no beco de Manguinhos, porque o meu filho questionou. Tanto que o problema deles era mais com o meu filho que os outros meninos que estavam em volta não sofreram nada. Quem sofreu foi o meu filho. Entendeu?
Eu tive o prazer de chegar... Ele me esperou chegar para dar o último suspiro no meu braço. O último suspiro no meu braço.
Hoje eu sou obrigada a conviver lá com eles no dia a dia. Falam que vão dar tiro na janela, porque eu fico mesmo vigiando eles. "Se você continuar na janela, eu vou dar um tiro na janela." E eu: "Então, você dá, porque é isso que vocês sabem fazer."
Logo depois, no mesmo dia em que o meu filho foi morto, o meu outro filho foi ameaçado de morte: "Ou você cala a boca ou vai para o saco preto como o seu irmão foi!" E o meu filho nem sabia que o irmão dele tinha morrido.
Eu sabia que ele já estava morto. Ali mesmo veio aqui no meu coração para fazer uma oração para ele, porque aqui ele não volta mais. Então, fiz a oração para o meu filho, e todo mundo já sabia que o meu filho estava morto.
Levamos para a UPA. A UPA não me deixou ficar junto com o meu filho, mesmo sabendo que ele estava falecido. Só quem entrava eram os policiais. A família não podia falar nada, porque só os policiais que ficavam entrando, e a família não podia estar presente. Depois de uma hora e pouco, mais ou menos, disseram que o meu filho veio a óbito. Mas só quem tinha acesso à sala em que o meu filho estava eram os policiais.
Meu filho não sabia que o irmão dele tinha morrido e foi ameaçado duas vezes, tanto lá na Coreia, onde havia uma base, como na porta da UPA, pelos mesmos policiais que ameaçaram ele de madrugada.
É isto que eu tenho para dizer para vocês.
Agradeço muito pela oportunidade. Infelizmente, o dia a dia que a gente passa na favela é esse. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Fátima.
Eu queria chamar a Deize de Carvalho, que é a última mãe, que é a mãe do Andreu.
Eu queria passar imediatamente a palavra para o Ronilso Pacheco da Silva, que representa aqui o Viva Rio.
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O SR. RONILSO PACHECO DA SILVA - Boa tarde a todos e todas!
É sempre difícil falar depois dos relatos das mães.
Como muito já foi dito, e eu acho que está todo mundo bem cansado também, acho que há muita coisa para a gente guardar e refletir sobre elas, eu vou tentar ser bem objetivo com três pontos bem básicos que fui coletando a partir das falas. E os três pontos eu acho que tem muito mais a ver com a CPI, na verdade, do que como uma fala para o público geral, a não ser o primeiro, que tem a ver, inclusive, com os relatos das mães, que acho que são sempre relatos difíceis de ouvir e meio que neutralizam grande parte das outras questões que nós ouvimos de dados, de estatísticas e quantidades. Eu acho que cada relato desse meio que neutraliza um pouco do que ouvimos, porque são relatos que envolvem muita dor e envolvem muito afeto, o que, muitas vezes, nós, na pesquisa e nas nossas reflexões, não temos.
Agora, esta CPI tem um mérito que eu considero interessante. Eu acho que a Mônica, que acompanha tantas audiências - eu já ouvi muitos também... Mas eu acho que o mérito dela foi ter ouvido muitas mães. Eu, particularmente, nunca participei de uma em que tivesse ouvido tantos.
No entanto, com essa introdução, e aí acho que vem um recado, para a gente... A gente vem aqui, ouve esses relatos, sente-se impactado, dói muito, mas a gente vai embora e acabou, mas cada mãe dessas vai voltar para sua realidade, para o seu contexto, na maioria das vezes, ou sempre, no mesmo território onde tudo aconteceu e conviver com eles. (Palmas.)
E eu acho que cada relato desses para uma mãe é meio que conviver com essa dor, trazer essa dor de novo. E aí eu acho que a gente pode pensar, e a CPI pode pensar nisto também, no quanto, para cada mãe, ao fazer esse relato de novo, a cada ano, não é reviver essa dor sem nenhum efeito prático diante disso.
A Senadora falou de levar as mães, inclusive, para Brasília, para poderem falar lá também, e eu continuo me perguntando se vale continuar repetindo, revivendo, sentindo a mesma dor, falando do mesmo relato, seja onde for, com o passar dos anos, vendo que absolutamente nada muda.
A Mônica, que é com quem eu tenho mais contato, está nisso há mais tempo, está nisso há... Há quantos anos a Mônica repete o mesmo relato, a mesma coisa? E, olhando para trás, o que mudou efetivamente na vida da Mônica em termos de auxílio, em termos de apoio, em termos de assistência? Absolutamente nada.
Então, eu acho que vale a gente pensar nesses relatos e em quais são os efeitos reais que esses relatos podem trazer para a CPI e, sobretudo, para as mães, porque a gente precisa de uma ação efetiva, prática, na vida dessas mães, porque a luta é muito difícil, a luta é extremamente difícil. Então, o primeiro ponto é esse do quão importantes são esses relatos.
O segundo ponto diz respeito à responsabilização do Estado.
A CPI precisa apontar para uma responsabilização efetiva do Estado, para que ele não seja uma coleção de relatos e depoimentos que, na prática, no fim, no relatório, não vai resultar em nada, para não repetir, Senador, a mesma frustração que grande parte da sociedade, do movimento negro em particular, teve com a CPI sobre o extermínio da juventude negra, que apresentou um relatório extremamente pífio diante de todos os resultados e daquilo que foi ouvido.
Levarmos em consideração, por exemplo, um relatório que fala do extermínio de juventude negra em que há mais citações de obras de Fernando Henrique Cardoso do que de Abdias Nascimento, por exemplo, é complicado, é extremamente contraditório.
Então, você tem anos de relatos de depoimentos. Quantas mães falaram? Quantos testemunhos foram dados? E o relatório não é efetivo, não há nenhuma responsabilização.
O Estado se esconde por trás de muitas faces, e a polícia é só uma delas. Mas o Estado se esconde por trás de muitas faces e não é responsabilizado efetivamente por tudo isso que acontece. Então, há de se pensar...
Aliás, há tempos que eu acho que não deveria haver uma CPI sem que ela trouxesse à reboque uma comissão da sociedade civil composta por pessoas que são afetadas pelo tema para fiscalizar e cobrar os resultados e o avanço da CPI. (Palmas.)
Porque é uma coisa sem sentido. É um monte de audiências, um monte de depoimentos, um monte de relatórios, e aquele relatório não faz efetivamente nada. A conclusão a que a gente vai chegar é que muitos jovens negros são mortos no Brasil. Isso a gente já sabe, não é preciso de CPI.
Então, uma responsabilização efetiva do Estado é extremamente necessária.
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E, por último, em audiências, eu tenho um hábito estranho de contar palavras. Eu pego umas palavras e foco para ver onde elas estão no núcleo do assunto. E aqui eu contei, antes de sair para carregar meu celular - depois não contei mais, porque eu perdi algumas falas -, que 47 vezes foi dita a palavra "negro" e 38 vezes foi dita a palavra "preto". Apesar disso - este é o terceiro ponto - o racismo não é uma pauta central dentro deste debate. Isso diz muito sobre a nossa dissimulação de tratar de um assunto onde o racismo tem um efeito central, mas é discutido sempre a reboque, como se ele fosse um coadjuvante e não um protagonista, apesar da nossa história.
Então, uma sugestão também para a CPI é que o racismo entre como uma pauta central, que ele seja levantado como uma pauta central, porque ele é central. (Palmas.)
O SR. RONILSO PACHECO DA SILVA - Ele não é um coadjuvante, não é uma coisa simples, ele é extremamente marcado dentro da nossa sociedade.
E quando penso nisso, há um exemplo que sempre me vem à cabeça. Vocês podem pensar comigo. Eu sempre imagino que, se a Anistia Internacional fizesse uma pesquisa na Alemanha e descobrisse que, em Berlim, dos 30 mil jovens que foram assassinados, 77% eram judeus, a Merkel já estaria na rua há muito tempo. Se fizesse uma pesquisa no sistema carcerário da Alemanha e descobrisse que 70% dos jovens encarcerados eram judeus, a Merkel já estaria na rua há muito tempo, porque os judeus iriam parar aquele País, ela teria que dar um jeito, se virar. Isso não pode ser uma fatalidade. Isso é algo sistemático, e queremos saber por que isso acontece.
Então, como conseguimos silenciar diante do fato de que tantos negros morrem, de que tantos negros são encarcerados e o racismo não é nada? O racismo é só um detalhe? O racismo é essa coisa subjetiva que um tem e o outro não tem? Não existe o racismo do Estado? Não existe o racismo estrutural? Não existe o racismo institucional?
Então, o racismo tem que ser uma pauta extremamente relevante dentro de toda essa discussão.
Eu queria trazer, Senador, tentando ser objetivo e rápido, principalmente estes dois pontos que são extremamente importantes: como esta CPI pode contribuir para uma responsabilização do Estado pelo que acontece? E como o racismo pode sair da periferia do assunto para entrar no centro do assunto? Como ele pode passar a ser um ponto importante a ser discutido? Não para contarmos quantos jovens negros e brancos morreram, porque isso já sabemos. Você pega qualquer estatística, vai lá no Google e vê que qualquer instituição vai apresentar esse relato. A gente até se assusta quando vê os números. Mas, diante disso, como é que, efetivamente, podemos colocar o racismo como pauta central a ser discutida? Como é possível ele estar lá na ponta diante de todo esse extermínio que acontece cotidianamente?
E termino dizendo que, embora eu concorde com o Zaccone - por mim ele legalizava as drogas amanhã; já seria um adianto -, não se iludam: onde o racismo está estruturado - porque o racismo não é um fator, mas uma estrutura -, você pode legalizar todas as drogas amanhã e nada mudará. O Estado, se é racista, arruma outra forma de matar. (Palmas.)
O SR. RONILSO PACHECO DA SILVA - Então, não tem a ver com a questão das drogas. Por isso, o racismo é central. Então, decidir pela legalização das drogas é um adianto, está muito bom, mas onde o racismo arruma-se outra forma de matar e de deixar morrer, o que é extremamente importante.
Então, é isto, sob a forma de três recados.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado. Muito boa a sua fala.
Eu queria até, Ronilso - está ali o Diego, do meu gabinete, com quem estamos trabalhando no relatório -, convidar você para nos ajudar na confecção do relatório nessa fase final. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A sua fala contribui muito.
Nós podemos, Diego, já fazer esse contato.
Nós temos outras pessoas nos ajudando. O Luiz Eduardo está nos ajudando... Há uma turma que está nos ajudando nesse relatório.
Antes de passar para a Ana Paula, quero mencionar outra ideia que eu tive.
Foi muito forte, foi muito impactante o depoimento das mães, dos familiares. Acho que essa é uma peça importante para começarmos a reverter a situação, para denunciar o que está acontecendo. Podemos, se for o caso, conversar com vocês para, com a fala de vocês, tentarmos fazer um livro, uma publicação, que sairia pelo Senado, para divulgar isso.
Hoje, tivemos inúmeras falas aqui, mas as falas contundentes foram as falas das mães. Então, depois, quero conversar com vocês. Isso pode ser feito depois. A gente roda lá no Senado. Há uma gráfica lá que roda um bocado de bobagens. A gente bota para rodar agora uma coisa como essa para divulgar. Sobre isso, podemos conversar depois que sairmos daqui.
Eu queria chamar o Alexandre, da Anistia Internacional, para compor a Mesa.
Estamos na nossa rodada final.
Passo a palavra para esta jovem lutadora aqui, que é da Agência de Redes para Juventude, lá da Favela da Maré também, esta moça bonita, que é Ana Paula Lisboa.
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A SRª ANA PAULA LISBOA - Boa tarde!
Agradeço o convite. Para mim, é muito especial estar falando nesta audiência pública desta CPI, que é tão importante neste momento.
Primeiro, eu queria dizer que, para mim, é muito grave estar ali sentada e só ver mulheres pretas sentadas nessas cadeiras. Isso, para mim, é muito grave, porque eu sou de uma geração que tentou estar em outro lugar. Sou da primeira geração a entrar na universidade, sou da primeira geração da minha família que não foi empregada doméstica... Então, só ver mulheres pretas sentadas nessas cadeiras e contando suas histórias, para mim, é muito grave, porque é um problema de representatividade.
Não posso deixar de falar também sobre o meu trabalho.
Eu trabalho na Agência de Redes para Juventude desde 2011, desde o início, sou coordenadora lá. A nossa premissa é trabalhar com o jovem cuja origem social está dentro das favelas. A gente começou em 2011. A primeira UPP foi instalada em 2008. Então, a gente estava ali bem no início.
Trabalhando em favelas que têm a experiência da UPP, a gente nunca chama os territórios onde trabalha de territórios pacificados; a gente sempre chama de territórios que têm a experiência da UPP, porque pacificação é uma coisa muito diferente. Percebemos bem isso.
Além disso, passei grande parte da minha adolescência no Morro São João. Eu vi a instalação de uma UPP acontecer enquanto estava lá. E hoje moro no Complexo da Maré, onde há toda a questão da ocupação do Exército. Aí, dentro da Agência, a nossa relação com a juventude é para tentar mudar a relação da cidade com essa juventude, buscando, basicamente, empreendedorismo, financiamento e projeto de vida.
Comecei esse trabalho em 2011, mas duas coisas que aconteceram neste último ano me fizeram questionar muito meu trabalho dentro da Agência e meu lugar no mundo enquanto mulher preta e tudo mais. A primeira coisa que aconteceu se relaciona muito com o que a gente está dialogando aqui e, por isso, para mim, foi muito difícil... Aliás, a palavra nem é "difícil". Eu pensei muito em aceitar o convite para estar aqui representando a Agência, porque represento a Agência, mas também me represento.
Em 12 de fevereiro de 2014, meu irmão foi assassinado. Foi exatamente no dia do seu aniversário de 19 anos, lá no Morro São João. Toda a minha família passou por esse histórico apresentado aqui. Eu já morava na Maré. Então, eu me desloquei para lá e vi toda aquela situação. A gente teve muita sorte, porque isso aconteceu às 7h da noite, muito perto da casa da minha irmã, e, como eu tenho uma família muito grande nesse território, todo mundo chegou muito rápido e o corpo não foi removido. Meus tios cuidaram para que as cápsulas do chão não fossem removidas, a gente fez questão de esperar a perícia chegar, e ninguém mexeu no corpo antes da perícia. Ainda assim, nada aconteceu. Meu pai está muito nesse lugar, mais do que minha mãe, que sofre muito hoje com todas essas doenças que já foram citadas aqui, com síndrome de pânico, depressão, enfim. Além disso, a gente ainda tinha a minha cunhada, esposa do meu irmão, grávida de oito meses. Então, era todo um contexto trágico, era muita coisa para cuidar, e a gente resolveu, então, focar naquilo de que a gente achava que podia dar conta, que era o nascimento do Éverton, que nasceu um mês depois.
Mas é muito grave - isso também foi muito citado aqui - a relação, no território, da minha família e de todas essas famílias com a polícia, que continua lá, porque os assassinos do meu irmão continuam trabalhando lá. A minha mãe e o meu pai continuam morando lá e, então, veem essas pessoas no dia a dia.
Foi dito aqui mais cedo que "a gente sabe quem morre, mas não sabe quem matou". Não! Essas famílias sabem quem matou, sabem exatamente quem foi que deu o tiro, mas, no entanto, nada é feito. Acho isso muito grave. (Palmas.)
Um ano depois - a gente estava reconstruindo a vida -, exatamente no dia 12 de fevereiro deste ano, o Vítor, filho da Irone, teve o carro fuzilado na Maré. O Vítor é amigo de infância do meu marido, e meu marido acompanhou tudo. Meu marido reconheceu o corpo do meu irmão no necrotério. Eu, obviamente, não ia deixar isso por conta dos meus pais e nem eu tinha estrutura física para isso. Então, a gente passou todo o dia no IML. Além disso, também foi muito forte para ele o que aconteceu com o Vítor. A gente estava em casa e, às 4h ou 5h da manhã, toca o telefone, e soubemos que o carro do Vítor havia sido fuzilado. E o Vítor era alguém assim... A gente imaginava isso acontecer com muitos amigos, nunca com o Vítor, porque o Vítor era um maluco que nunca tinha colocado um baseado na boca, que nunca tinha olhado para o lado. A gente não conseguia acreditar que isso tinha acontecido com o Vítor, e isso no alto dos seus 29 anos. Este ano, há algumas semanas, comemoramos os 30 anos dele lá na casa deles. Foi muito emocionante estar lá.
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A partir disso, desse questionamento do meu trabalho, a partir desses dois fatos, fora todos os outros fatos que já conheço, já vi e já presenciei, eu comecei a entender que não adiantaria a Agência de Redes para Juventude, a Cufa, o AfroReggae ou sei lá que outro projeto do mundo se o jovem não estiver vivo para fazer parte desse projeto. É incoerente pensar num financiamento na área em que a gente trabalha, da educação e da cultura, se não há jovens vivos para fazer parte disso. É maluquice!
Hoje, penso muito, até dentro do que o representante do Viva Rio trouxe também - acho que também é uma fala minha para colaborar para isso tudo - que há três pontos que estão muito além da segurança pública. A gente já sabe que polícia não resolve.
Dentro do trabalho que a gente tem na Agência, há, primeiro, a representatividade. Então, estou lá, enquanto mulher negra, coordenando esse projeto, e a Elaine está aqui, enquanto mulher negra, fazendo parte disso também. Então, é importante ter representatividade em todos os lugares para o jovem ver que é possível estar em outros lugares. Representatividade importa, e a gente sempre tem que trazer isso.
É preciso incentivar o empreendedorismo e, dentro disso, o empreendedorismo num lugar de projeto de vida também, para ele poder, desde a escola, planejar a vida. Eu sempre brinco que aprendi a Fórmula de Báscara e não a usei até hoje, e não vou usá-la. Então, eu tenho que aprender também... Tenho que estar dentro da escola pensando no meu projeto de vida, dentro da universidade ou fora dela. E aí, dentro disso, a gente precisa de cota. Negro, pobre e favelado precisa ter cota para estar em todos os lugares. (Palmas.)
A SRª ANA PAULA LISBOA - Não adianta ele achar que, naturalmente, vai chegar à escola, ao ensino médio e vai, naturalmente, para a universidade ocupar outros lugares. Não, ele precisa de cota desde o Pedro II até a UFRJ. Isso é muito importante.
Para finalizar, eu queria falar também de um assunto que, provavelmente, não vai ser tratado dentro da CPI, mas que é um caso muito grave que acontece nesses territórios, que diz respeito às meninas.
Os que mais morrem são os meninos, mas as meninas estão sendo assediadas, estupradas e coagidas nesses territórios pela polícia. Isso é muito grave. Isso também precisa ser tratado como caso de polícia, porque isto também é uma morte: estar ali naquele território e ter que ouvir coisas ou sentir que você não é dona do seu próprio corpo. São xingamentos... Às vezes, é preciso entrar na porrada mesmo com um policial para fazer valer o seu direito e o lugar onde você está.
Enfim, era esta a minha contribuição, para representar a Ana Paula e também a Agência, para fazer valer esta CPI, para trazer mais contribuições para o trabalho que desenvolvemos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Ana Paula. Que bela fala a sua!
Ela sempre fala assim, pelo menos na vezes em que a ouvi.
Eu queria passar para a Marianna Lopes, do Coletivo Enegrecer.
A SRª MARIANNA LOPES - Boa tarde a todos!
Meu nome é Marianna Lopes e sou do Coletivo Enegrecer.
A primeira coisa que eu queria falar é que eu estou cansada. Eu estou cansada de andar na rua e ter medo, eu estou cansada de, todos os dias, ficar com medo quando meu irmão sai à noite. Eu não tenho medo de o meu irmão ser assaltado e perder o celular dele. Que perca! Melhor! Eu tenho medo é de o meu irmão morrer. É disso que eu tenho medo.
Eu não sou como a maioria das mulheres aqui, pois não perdi um parente. Eu falo que não é uma ação do Estado; para mim, é uma omissão do Estado. Minha... (Palmas.)
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A SRª MARIANNA LOPES - Eu não tenho nenhum parente que sofreu isso, mas ver a minha mãe, todos os dias, com medo... Ela tem até mais medo que o meu irmão saia do que eu, porque é aquela coisa: perder a vida. Mas, como você falou, nós, como mulheres negras, sofremos o assédio e, também como mulheres negras, fazemos a luta, muitas vezes, solitária. Aqui, eu vejo vocês, solitárias, como mulheres negras. E aí como se faz? Como podemos mudar isso?
Estou cansada de andar dentro de um mercado, dentro de um shopping, sendo seguida. Dói, dói, muitas vezes. Dói lembrar da escola, que é um lugar repressivo. O primeiro lugar onde se sofre o racismo é dentro da escola. Depois disso, se sofre, constantemente, o medo, o medo de morrer.
Eu vejo que o jovem negro, que a mulher negra é suspeita sempre. No Brasil, há a presunção de inocência, mas, na verdade, há a presunção de culpa. Ninguém pensa que somos inocentes, que talvez não tenhamos culpa nisso, que talvez, realmente, estejamos só passando no local... Não. Nós somos culpados, nós somos esquecidos dentro das cadeias. Somos invisibilizados dentro das cadeias.
Eu, agora, dentro da universidade, vejo que pouca coisa muda, porque eu vejo que estar dentro da universidade é o caminho, realmente, de... Por exemplo, eu sou estudante de Direito da UFF e eu acho que dentro do Judiciário talvez seja o melhor local para estar para eu realmente mudar e ajudar o meu povo, para eu olhar para eles com a justiça que merecemos. Só que a universidade continua, mesmo ali dentro, invisibilizando o povo preto, invisibilizando a produção acadêmica, a produção de textos acadêmicos, invisibilizando até mesmo a capacidade e o potencial dessa juventude que está entrando na universidade.
Eu queria falar para vocês que vocês são mulheres fortes, apesar de tudo que vocês passaram, apesar de entender que a população negra adoece, porque isso é adoecer a população. A saúde da mulher é esquecida, porque as mulheres pretas são as que mais morrem dentro da saúde, são as que mais morrem quando vão dar à luz. E aí eu queria falar para vocês que vocês me inspiram, porque vocês são fortes. E é assim que eu quero ser, como vocês, fortes.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Antes de passar para a Deize, eu queria agradecer a presença do Sorriso, que é o Secretário de Juventude do PT, do Tiago, que é o representante da Benedita, que esteve aqui hoje, no começo, e da Nieli, da CUT, que está aqui também.
Eu passo para Deize de Carvalho, que é mãe do Andreu, do Projeto...
A SRª DEIZE DE CARVALHO - Do Projeto Legal, porque eu estou como mãe e também hoje sou assistida pelo Projeto Legal.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Está bem.
A SRª DEIZE DE CARVALHO - Boa tarde a todos!
Hoje, eu ser a última me lembrou de uma situação da minha infância. Como eu era a mais gulosa, eu sempre era a última a comer. Eu sempre chegava primeiro, quando minha começava a fazer o doce. Quando eu sentia o cheiro do doce de abóbora, eu sempre era a primeira a chegar, mas eu era a última a comer. A minha avó sempre falava que os últimos serão os primeiros. E o finalzinho era melhor, porque eu comia o resto do tacho todinho e acabava me lambuzando toda. Para mim, o final sempre é mais gostoso.
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Eu queria trazer atenção, Senador Lindbergh, para o sistema socioeducativo, como o Deputado Marcelo Freixo trouxe mais cedo, em relação a esses adolescentes que têm sido torturados e mortos dentro do sistema socioeducativo. Eu vou trazer um caso recente, que aconteceu no dia 17 de julho de 2015, em que 16 adolescentes foram espancados por agentes do sistema socioeducativo, que se chamam agentes de disciplina. Além do caso desses 16 jovens, que está sendo investigado como prática de tortura - a Polícia Civil está investigando esse caso -, há casos - eu quero chamar a atenção do Senado para isto - que não têm visibilidade. Esses crimes cometidos dentro do sistema socioeducativo não têm visibilidade.
Conforme foi falado aqui, esse morto... O Secretário de Segurança trouxe um eslaide que chocou, no início, porque isso me trouxe a interpretação de querer legitimar as ações violentas que o Estado pratica, de querer justificar a morte desses jovens dentro da comunidade, porque também há as mortes dentro do sistema, onde esses adolescentes estão sob a tutela do Estado, estão sob a sua proteção. Então, é dever do Estado proteger esses jovens, mas, ao contrário, isso não acontece, eles são mortos, são mortos silenciosamente dentro do sistema socioeducativo.
Eu quero chamar atenção aqui para o fato de que não é só arma de fogo que mata, não é só o fuzil que mata, pois, muitas vezes, também matam a palavra, o estupro, conforme foi falado, e objetos que trazem a morte, como cadeiras, paus, mesas, cocos dentro de um saco, a tortura física e psicológica dentro do sistema. Também é um sistema que mata, são armas que matam.
Eu vou chegar ao caso do meu filho, para que o Senador venha a entender. O meu filho já morreu, não vai voltar, e nada vai reparar a dor que eu sinto, a saudade do meu filho, nada vai me trazê-lo de volta, mas hoje eu estou nesta mesa não pelo Andreu, mas por outros jovens que estão dentro do sistema e estão morrendo silenciosamente, o que não traz a mídia, porque é muito fácil a mídia divulgar menor infrator, mas ninguém procura saber o que está acontecendo por trás dos bastidores, apesar de saberem, sim. Sabem, só que não fazem nada.
Além desses 16 adolescentes que foram espancados, o que a Polícia Civil está investigando, há um adolescente de 14 anos que ficou em coma durante cinco dias. Alguém ouviu falar desse caso? (Pausa.)
Nem vai ouvir falar, não é? Um menino de 14 anos foi espancado. Independentemente de o adolescente ter cometido ato infracional ou não, esse adolescente estava sob a guarda do Estado. Era dever do Estado proteger esse adolescente de 14 anos, assim como as meninas que estão sendo estupradas dentro do sistema socioeducativo, e não há uma CPI para isso, não é divulgado isso ou nada do que acontece dentro do sistema socioeducativo. Eu rotulo o sistema socioeducativo como "sociotortura", porque esse sistema não ressocializa ninguém. E aí eu vou entrar no caso do Andreu.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Deize, só um segundo.
Prof. Ignacio Cano, foi aprovado agora, no Senado - eu e a Lídice lideramos um grupo de Senadores que votou contra, mas foi aprovado -, o aumento de internação de três para dez anos, no ECA. Para dez anos! Quem conhece a realidade do sistema sabe que aumentar de três para dez anos é uma coisa bárbara! Isso é tão grave quanto a redução da maioridade!
A SRª DEIZE DE CARVALHO - Infelizmente, são mais jovens que vão para aquele lugar, que vão passar mais tempo, que vão ser abusados sexualmente, porque quem pede a redução da maioridade penal não vai ter os seus filhos mortos, não vai ter os seus filhos torturados. Quem está pedindo a redução da maioridade penal e que aumentou a pena desses adolescentes não vai ter o seu filho com o pescoço quebrado, com a mandíbula deslocada, não vai ter o seu filho com o corpo perfurado por cabo de vassoura, não vai ter o seu filho com a cabeça dentro de um saco plástico, não vai ter o seu filho com a cabeça dentro de uma privada...
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Eu estou indo para os Estados Unidos esta semana para denunciar esse sistema socioeducativo, para dizer que o caso do Andreu não é um caso isolado, não, que tem acontecido. Eu, como mãe, tenho de provar que o Estado cometeu esse homicídio. Eu tenho que provar, tenho que pedir exumação do cadáver do meu filho para poder mostrar as lesões que o meu filho sofreu naquele lugar, porque o legista foi corporativista. Nesses casos, deveria haver um legista independente, de fora do Estado, dentro do IML. Quando chega o corpo de um adolescente que cometeu um ato infracional ou de um morador que foi executado dentro da favela, o legista é corporativista, sim. Infelizmente, os legistas omitem os fatos que acontecem com os nosso filhos. Digo "nossos filhos" porque as nossas dores, as dores das mulheres são as mesmas. O legista omitiu que o Andreu teve traumatismo craniano, mas não disse de que foi proveniente o trauma que ele teve no crânio, de uma pancada ou de uma queda. O legista omitiu que o Andreu teve corte contundente, mas não disse de que foram provenientes esses cortes, nem quantos cortes foram. O legista omitiu que o Andreu teve descolamento da retina dos olhos, mas não disse que foi provocado o deslocamento dessa retina, que ele teve hemorragia das meninges. Ele não relata por que ele teve essa hemorragia das meninges.
Hoje, eu estou como estagiária no Projeto Legal - eu estou falando como mãe do Projeto Legal -, porque existe o caso do Cristiano, que, com 17 anos, foi assassinado dentro do sistema socioeducativo no mesmo ano em que morreu o Andreu. O Andreu morreu no dia 1º de janeiro de 2008 e o Cristiano foi assassinado no dia 3 de outubro de 2008. O caso do Cristiano também não foi divulgado.
Eu chamo a atenção deste Senado para poder ver esses adolescentes que estão passando por essa situação, porque o Estado deveria dar lazer, cultura e educação no sistema socioeducativo, mas o Estado não quer ter essa obrigação. Infelizmente, o Estado não quer ter essa obrigação. O Estado quer punir, quer matar e quer destruir a vida dos familiares, porque, quando há um órgão federal, que é a FIA, com um projeto de criança e adolescente que não entra dentro dessas unidades do sistema socioeducativo e não procura promover para esses meninos a primeira vaga de emprego, eles estão, cada dia mais, matando silenciosamente esses jovens. A FIA poderia agir em parceria com o Estado, mas não faz isso.
Quando o meu filho entrou no sistema socioeducativo, foi por causa de um sonho, que se tornou um pesadelo. Como a mãe Ana falou aqui, o meu filho Andreu iria completar 24 anos no dia 3 de novembro. Para mim, novembro, dezembro, janeiro não existem, Dia das Mães não existe mais. Quando eu lembro, no dia 3 de novembro, eu me lembro de uma criança que nasceu com saúde, saudável, de uma criança que foi amada, esperada por mim e pela minha família. Vão passando os dias e, hoje, quando chega o aniversário do meu filho, eu tenho de lembrar do dia em que meu filho foi exumado para poderem ver os restos mortais do meu filho, com a costela quebrada, com o pescoço visivelmente quebrado, com a mandíbula deslocada. Hoje, quando chega o Natal, na minha casa, desde janeiro de 2008, nós arrancamos todos os enfeites de Natal. Na minha casa, na casa da minha mãe, dos meu familiares, não se coloca um enfeite de Natal, porque, hoje, Natal, final de ano, para minha família, lembra dor, lembra sofrimento, lembra tristeza. Eu não tenho motivo para comemorar Natal. Não tenho. Final de ano? Primeiro dia de janeiro? No dia 1º de janeiro, os seis agentes continuam trabalhando dentro do sistema socioeducativo. Um deles foi promovido, passou num concurso público e está hoje como coordenador do Pedro II, em Realengo.
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Isso acontece porque o próprio Estado legitima essas ações violentas. Se esses agentes fossem realmente punidos pelo que fizeram, ele não estaria legitimando que outros agentes hoje... São, no total, 43 envolvidos em prática de tortura e homicídios no sistema socioeducativo. O Estado legitimou essas ações. Quando não se pune um funcionário público...
Eu, como mãe, não tenho vergonha de dizer isso, porque eu fui criticada. Quando o meu filho, desde os sete anos, começou a dizer "eu vou crescer, vou virar bandido e vou matar quem matou meu irmão", ele já estava anunciando uma tragédia futura. O que aconteceu? Aos dez anos, meu filho começou a praticar furto. E eu, no meu desespero, o que foi que eu falei para o meu filho? "Eu não quero outro Andreu dentro da minha casa, porque eu tenho que chorar e lamentar todos os dias. Olhe o que aconteceu com o seu irmão!" Eu, no meu desespero, fui lá, aqueci a colher e encostei na mão do meu filho. Eu fui punida severamente, respondi e não devo nada ao Estado. Paguei por isso. Mas quem torturou e matou o Andreu continua trabalhando e recebendo salário, enquanto toda a minha família está destruída, enquanto toda a minha família não tem estrutura mais. A minha filha tentou suicídio três vezes, porque o Estado não só matou o Andreu. Eu digo que foi o Estado, porque foi o Estado que matou quando se recusou a acionar o pai dele nos Estados Unidos. Ele queria... Sabe qual era o sonho do meu filho? Um abraço do pai. Foi um abraço que o levou à morte.
Eu perguntei para ele: "Meu filho, por que você fez isso?" Aí você imagina, como mãe ou como pai, ele virar para você e dizer assim: "Mãe, a vontade de conhecer meu pai é maior do que o amor que eu sinto por você". E eu, como mãe, tive que ouvir do meu filho que a vontade de ele dar um abraço no pai dele era maior do que tudo que eu tinha construído para ele. E, naquele dia, no dia 1º de janeiro... Eu lembro que o meu filho esteve internado 45 dias no hospital, quando era bebê, com um ano de idade. E quando ele saiu de um dreno no pulmão, porque ele teve pneumonia muito forte e, então,teve hemorragia num pulmão. E naquele dia eu vi tudo se repetir. Parece que a coisa voltou para mim, tudo num único ano que foi marcante. Eu pude ver meu filho na maca, estendendo as mãozinhas para mim com um ano de idade. E eu estava ali para segurar a mão do meu filho e dizer assim "eu estou aqui", como se estivesse ali, dando uma força para ele.
Mas, naquele dia, por trás daquele muro, eu não estava lá. Aqueles homens não pensaram que a mãe do Andreu sofreria durante sete anos, porque, para mim, é como se fosse ontem. Eu conto cada dia. São 2.556 dias de dor, de saudade, de vontade de ouvi-lo falar de novo para mim, mesmo que tenha doído naquele dia, "mãe, a vontade é maior". Eu sinto falta do cheiro do meu filho, eu sinto falta dos abraços do meu filho, eu sinto falta quando vou arrumar a comida para os meus outros filhos, por saber que o Andreu não está ali. Eu passei três anos da minha vida - três anos! - tentando esperar. A minha realidade de que meu filho estava morto só caiu para mim quando eu vi os restos mortais dele. Eu falei assim: "Agora acabou. Agora acabou".
E quantas mães estão sendo mutiladas? Quantas mães?
Eu sou solidária, Terezinha, a você, mas não me surpreendeu o que aconteceu com o seu filho. Não me surpreendeu a resposta que o Estado lhe deu, porque foi a mesma coisa com o Maicon, um menino de dois anos. Agora está prescrevendo o crime. Uma criança de dois anos na linha de tiro. Infelizmente, esse pai, o Zé, não teve a resposta, uma coisa que foi a fundo. Está aí a resposta que o Estado deu para ele: "A criança estava na linha de tiro".
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Espero que o Eduardo não seja mais um e que todos também procurem lutar para que o caso do Maicon não venha a prescrever. Eu também vou aos Estados Unidos falar sobre a situação dessa criança, porque não é fácil para uma mãe enterrar um filho. O natural das coisas é os filhos enterrarem os pais, não os pais enterrarem os filhos. Eu falo que os mortos têm voz porque o corpo do Andreu fala por si, daquilo que ele sofreu.
Eu gostaria muito... Hoje, não está aqui a mãe de um policial, a Rose Vieira, que também teve o seu filho assassinado. Eu senti falta dela aqui. Eu pensei que ela houvesse sido convidada. Eu senti falta dela aqui. Porque a dor da mãe da favela é a mesma dor da mãe de um policial que é morto em combate. A dor da mãe desse policial não é diferente. A dor é a mesma. E nós, mães de favela, não queremos também ver essas mães diante da mídia chorando e se lamentando ao dizer que a Comissão de Direitos Humanos não faz nada por elas. Não faz nada, porque o Estado joga esses policiais também dentro da favela para serem exterminados. Quando você vê um policial mutilado, como está o filho da Irone, em cima de uma cadeira de rodas, que assistência esse policial tem? Eles são tão vítimas quanto nós neste Estado, este Estado violento e sangrento.
É hora de vocês, como porta-vozes da polícia, dizerem para esses familiares se juntarem a nós, familiares de comunidades, porque a dor dela é a mesma nossa, porque nós geramos filhos, não geramos marginais e não geramos bandidos. Nenhuma mãe gera um filho para empunhar uma arma, nenhuma mãe gera um filho para tê-lo, como eu tive, assassinado, para ser marginalizado diante da mídia como menor infrator. Ninguém procura saber a história desses meninos.
Que venham a voltar esses olhos para esses casos dentro do sistema socioeducativo, conforme foi entregue o relatório a V. Exª e que nós, mães, não venhamos a fazer como o Estado faz, se matando, porque é isto que o Estado está fazendo com os policiais ao botá-los dentro da favela: ela os está matando Tiram a vida dos nossos filhos. E tem algo de muito podre atrás dessa redução da maioridade penal.
A cena que eu vi de você, Terezinha, me comoveu muito naquele dia. Se eu estivesse naquele lugar, no setor do Padre Severino, eu faria a mesma coisa. Eu iria voar, sabe? Eu iria voar.
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Eu me arrependo de não ter batido mais nesse policial. Eu me arrependo muito por não ter batido bastante nele, infelizmente.
A SRª DEIZE DE CARVALHO - Eu tenho certeza de que a mãe desse policial não queria que ele se tornasse um assassino. Eu tenho certeza de que, assim como nós não queríamos ver os nossos filhos mortos, a mãe dele tem até vergonha de saber que ele matou uma criança que poderia ser filha dele.
Estas são as minhas palavras.
Eu agradeço. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado.
O Alexandre, que representa a Anistia Internacional, vai encerrar, mas, antes, eu queria chamar o Prof. Ignacio Cano rapidamente, Professor, só para dizer que tivemos aqui um debate. O Coronel Ibis ainda está aqui, o Michel Misse esteve aqui, como vários outros... Não dá para citar todos os que estiveram aqui. Nós tivemos depoimentos muito fortes dos familiares.
Estou falando isto porque precisamos muito do Ignacio Cano. Nós marcamos para o dia 17 de novembro, Ignacio, uma reunião com o Conselho Nacional do Ministério Público, com a presença do Dr. Rodrigo Janot e de representantes do Conselho Nacional do Ministério Público, porque o Ministério Público Federal decidiu entrar firme para começar uma campanha para os Ministérios Públicos estaduais tomarem iniciativa em relação a essas mortes praticadas por autoridades policiais. Pelos números que o Michel Misse trouxe, como você sabe, pouquíssimos viram denúncias e apurações de verdade. Nós estávamos precisando muito...
O Michel Misse vai viajar. Não sei como está a sua agenda, Ignácio. Esse é um debate que vamos fazer, mas precisamos, nesse debate, também de um componente técnico muito forte para explicar a eles o que está acontecendo embaixo, nos Ministérios Públicos estaduais. Foi sintomático não ter vindo um representante do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro a uma audiência como esta. Eu até lamento que o pessoal da Comissão não tenha ligado antes, para eu ter ligado para o Procurador-Geral, o Marfan, para forçar. Seria muito importante que eles tivessem vindo. É atribuição do Ministério Público investigar.
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Eu queria que você falasse rapidamente antes de eu passar para o Alexandre.
Vocês não têm noção de como foi impactante esta audiência pública.
O SR. IGNACIO CANO - Boa tarde a todos!
Eu estou meio constrangido, porque vim discretamente e fiquei num canto. Peço desculpas por não ter podido vir antes, mas, brevemente, quero parabenizar esta CPI pela iniciativa, que vai na contramão dessa tradição do descaso que a sociedade brasileira tem para com aqueles que morrem, que, na sua grande maioria, têm um perfil de classe social, de cor e de lugar de habitação muito determinados. Então, como quem morre é pobre em geral, pardo ou preto em geral, morador da periferia em geral, isso não gera comoção pública, apenas quando a vítima é escancaradamente inocente, escandalosamente inocente. Fora esses casos, em geral, a reação social e do aparato do Estado é uma reação de descaso. Então, esta CPI é muito bem-vinda como uma tentativa de se contrapor a esse descaso tradicional das mortes violentas em geral e, especificamente, das mortes cometidas por agentes públicos.
Nesse sentido, farei alguns pequenos comentários.
Em primeiro lugar, já que o Senado está muito próximo do Governo da República, quero frisar a importância de que esse pacto nacional pela redução dos homicídio saia. Sabemos que há muitas questões urgentes em Brasília, sabemos que há uma crise econômica e política muito complicada, mas não há nada mais importante do que a vida dos nossos jovens. Então, apesar das dificuldades políticas, não há justificativa para que esse pacto, com o qual o Governo Federal vem acenando há vários meses, ainda não tenha saído do papel. O Senado, nesse sentido, pode cumprir uma função importante de persuadir, de convencer o Governo Federal da necessidade e da urgência de que recursos federais, estaduais e municipais sejam gastos para tentar diminuir essa sangria que o Brasil vive.
Os dados mostram que, num período de sete anos, mais de 40 mil jovens menores de idade, com entre 12 e 18 anos, são assassinados neste País.
Esse é um processo que não pode continuar. Não podemos aceitar com naturalidade. Se o País conseguiu vencer a hiperinflação, esse problema é mais urgente, mais grave, e o País tem que lhe dar a importância que ele merece.
O segundo ponto que me parece extremamente urgente é a necessidade de se criarem políticas de redução da letalidade policial, das mortes acontecidas na atuação dos próprios aparatos do Estado. Nesse sentido, a ausência do Ministério Público é sintomática.
O Ministério Público do Rio vem manifestando, historicamente, uma posição de omissão em relação a esse problema.
Houve, há alguns anos, uma solicitação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ao Ministério Público do Rio para que criasse metas de redução da letalidade policial. A resposta do Ministério Público do Rio foi a seguinte: primeiro, essa é uma esfera administrativa que excede a nossa competência. Mas, se não fosse, o Ministério Público do Rio diria "vocês têm que entender que os policiais estão submetidos a muitos riscos e têm que lutar contra esses marginais". Portanto, o Ministério Público do Rio, no papel, fazia toda uma defesa dessa política do confronto que tantas mortes vem causando.
Recentemente, o Ministério Público conseguiu um TAC, Termo de Ajustamento de Conduta, com o Governo do Estado em relação à Polícia Militar no qual coloca a criação de uma comissão de controle externo como uma contrapartida do Ministério Público, uma coisa que deveria ter sido criada há muito tempo pelo próprio Ministério Público e não poderia ser pensada como uma contrapartida.
Então, a criação de medidas de redução da letalidade policial para que esses policiais matem menos e morram menos é urgente para o nosso Estado e para o nosso País.
Nesse sentido, creio que o Senado pode ter um papel muito importante na conscientização da Secretaria de Direitos Humanos e da própria Presidência da República quanto à urgência de que isso venha a ser feito.
No ano passado, morreram nas mãos dos policiais brasileiros mais de três mil pessoas. Essa é uma cifra que excede muito o número total de homicídios de muitos países. Então, é urgente que todas as esferas, com o Poder federal entre elas, deem um passo à frente nesse sentido.
Nós temos hoje, no Rio, uma nova CPI sobre as mortes pela polícia. É um momento ímpar que podemos aproveitar para tentar reduzir o tamanho desse problema que custa tantas vidas em nosso Estado.
Obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Prof. Ignacio Cano.
Alexandre, você vai encerrar a nossa audiência pública.
O SR. ALEXANDRE CICONELLO - Vou encerrar seguindo um pouco a fala do Ignácio.
Acho que cada um que está nesta sala tem a responsabilidade de que nenhuma família mais passe pela dor que essas mães aqui relataram no dia de hoje. Cada um de nós, nas suas atribuições institucionais, nas suas famílias, tem de colocar a redução de homicídios no Brasil como prioridade na agenda. Não é possível que, em um país como o nosso, praticamente 60 mil pessoas, todos os anos, sejam assassinadas.
Nesse sentido, é lamentável que até hoje o Governo Federal não tenha lançado devidamente... Houve um lançamento pífio, no Rio de Janeiro, com o Ministro da Justiça, do Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. Mas, pelas informações que temos hoje, a Presidenta da República Dilma está segurando, não está lançando esse pacto, que era uma coisa que vinha sendo trabalhada desde a primeira gestão da Presidenta.
Ou seja, não é uma prioridade das autoridades. Isso tem a ver com o racismo, que o representante do Viva Rio coloca. É como se esse tema fosse menos importante, porque as vítimas, quem está morrendo, são os jovens, são os jovens negros. É como se essas vidas fossem menos importantes. Por isso, não vira uma prioridade para os políticos e para os gestores estabelecer um pacto pela redução de homicídios e uma política de segurança pública em que o foco seja a preservação de vidas e a redução de homicídios de todos, e não a guerra às drogas.
Como já ouvi o próprio Coronel Ibis falar, numa política de guerra às drogas, não há como preservar vidas. Numa política em que o foco é a guerra, não há como preservar vidas.
Aliado às questões estruturais da sociedade brasileira de racismo e de criminalização da pobreza, a gente vê que é na favela que realmente o cidadão e a cidadã recebem essa política, na verdade, com todas as mortes que foram relatadas aqui.
Quando a gente fala das mortes causadas pela polícia, em termos estatísticos, isso significa que, no Rio de Janeiro, de 15% a 20% do total de homicídios são provocados pela polícia em serviço. É um número altíssimo em termos escala.
E, para uma família, para uma pessoa que perde seu filho pelas mãos de um agente do Estado que deveria estar ali para proteger; que perde o filho na mão daquele policial que tem a missão, a atribuição de preservar a vida, de garantir a segurança, isso é muito revoltante.
A gente está falando - e é o que foi falado aqui, ao longo do dia - da letalidade policial dentro da letalidade em geral, do número de homicídios no Brasil, que é algo muito grave e cuja redução deveria ser priorizada.
E a fala do Subsecretário, hoje, pela manhã - e o Deputado Marcelo Freixo também foi muito enfático -, foi muito lamentável por apresentar um eslaide com vários jovens com armas na mão, com fuzil, e falar como se os jovens fossem responsáveis pela sua própria morte, mais uma vez criminalizando esses jovens pela sua própria morte.
É muito importante o controle de armas, são muito importantes o controle dos fuzis e o trabalho que a polícia tem feito em relação a isso, mas não dá para jogar a responsabilidade nas fronteiras ou para os próprios jovens. Se houvesse vontade política, se a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, se o Secretário tivesse vontade política para acabar ou reduzir o número de mortes provocados pela polícia, haveria condições de fazer isso, com mudança de procedimentos, com vontade política, com uma série de medidas nesse sentido.
Daí, novamente, falas como a do Governador Pezão e do próprio Secretário de Segurança colocando as organizações de direitos humanos, polarizando esse sentimento que há na sociedade com relação à polícia, às organizações de direitos humanos, aos familiares, são muito lamentáveis, como se os direitos humanos não fossem para todos e todas, inclusive para os policiais, que são vítimas. Os policiais, na ponta, também são vítimas dessa política de guerra às drogas, que põe a vida de todos em risco.
E nisso acho que há a responsabilidade de cada um e de cada uma. Pensando no Congresso Nacional, colocando o Senado dentro do Congresso, o próprio Estatuto do Desarmamento, que foi aprovado numa comissão especial, que libera mais armas na sociedade... E mais armas significam mais mortes.
Há, hoje, uma sobrerrepresentação corporativa de policiais no Congresso Nacional - e isso é muito grave -, com visões muito conservadoras e corporativas da segurança pública.
E não é só a questão do Estatuto do Desarmamento, pois há uma proposta de emenda constitucional, de autoria do Deputado Sargento Gonzaga, que permite que a Polícia Militar faça investigação, o que é terrível. Há várias discussões... Mesmo a PEC do Senador Lindbergh, que fala do ciclo completo, da desmilitarização... A gente precisa discutir uma reforma institucional na segurança pública, que tenha como palco a preservação das vidas. O que estamos vendo, hoje, no Congresso, é um risco grave de termos retrocessos importantes, como foi também a prematura extinção da CPI que havia na Câmara com relação ao assassinato de jovens negros.
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Há coisas que podem ser feitas também no âmbito de cada instituição. A Polícia Militar, no Rio de Janeiro, tem muito que pode ser feito para controlar o uso da força letal por parte dos policiais, ter protocolos claros, transparentes, de como a polícia pode usar a força letal, em casos excepcionais. As operações policiais em favelas da cidade são uma aberração, com tanques de guerra e fuzis numa comunidade altamente povoada.
Hoje, a polícia tem, sim, poderes de vida e de morte.
Os autos de resistência.
A Anistia Internacional lançou um relatório, em agosto, que teve como uma de suas conclusões que os autos de resistência, esse registro que diz que o policial matou, sim, aquela pessoa, mas em legítima defesa, são uma cortina de fumaça para encobrir execuções extrajudiciais cometidas por policiais.
Analisamos todo um bairro no ano passado. Todas as mortes ocorridas em Acari. Foram dez autos de resistência. Dos nove casos que a Anistia analisou, em nove deles havia indícios de execução. O policial estava escondido na casa de algum morador e atirou contra uma pessoa que passava na rua. Ou o individuo estava rendido e falou "perdi", e o policial falou "perdeu nada; quero sua alma" e o executou.
Então, estamos dizendo que há um registro que, depois, é legitimado na investigação da Polícia Civil, é legitimado pelo Ministério Público, que tem sido muito omisso, e também pelo Poder Judiciário.
Enquanto a Polícia Militar pode, sim, fazer várias coisas no seu âmbito, a Polícia Civil, lamentavelmente, com a decisão agora da Divisão de Homicídios de falar, ampliando esse entendimento de que, também no caso do Eduardo, o policial agiu em legítima defesa, isso significa que qualquer morador de favela pode ser morto pela polícia e que isso vai ser, posteriormente, legitimado tanto pela investigação quanto pelo Ministério Público.
Então, esse poder... Quando se fala que há resistência na polícia, que há um constrangimento hoje na polícia com relação à CPI do Senado ou ao relatório da Anistia, quando o Ignacio lança também uma pesquisa na Academia, mostrando dados e evidências do que está acontecendo, desde a década de 90, de que há indícios de execução, nesses chamados autos de resistência, limitar o que a sociedade precisa. Que o poder hoje de vida e de morte, que o policial detém em razão de todas essas falhas sistêmicas, possa ser limitado.
Qualquer tentativa de limitação de poder gera resistências. E falo, tanto para o Senador, quanto para o Ibis ou aqueles aliados dentro dessas instituições que veem esse absurdo e querem mudar, que não se pode recuar um segundo. Resistências vai haver.
Quando as mulheres agora se colocam contra a violência contra a mulher e fazem todo esse movimento e os homens começam a agir de forma machista, é porque ninguém quer perder o poder. Os homens não querem perder, hoje, o poder que têm sobre as mulheres. E a polícia não quer, parte da polícia, perder o poder que tem hoje de vida e de morte das pessoas, que é o mesmo poder também que permite que o mau policial possa exigir um arrego, porque ele pode matar, que possa ser corrupto. É o mesmo desvio de conduta que deve ser combatido.
O que estamos dizendo aqui é que queremos a legalidade, que o policial aja dentro da legalidade. Não é isso que vem acontecendo, e as instituições estão com diversas falhas e não estão fazendo com que isso realmente ocorra na prática.
Então, é muito necessário que a Polícia Civil tenha sua responsabilidade. O Ministério Público é extremamente omisso. Acho que, de todos os Poderes, ele é, talvez, o mais invisível. O Ministério Público tem não só o poder da investigação, mas também o de fazer o controle externo da atividade policial. Isso está na Constituição. É preciso que uma força externa controle, exerça o poder sobre a polícia. Não é só a polícia que tem que fazer isso.
Vimos, agora, o Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal pedindo exoneração por uma ação extremamente violenta que a polícia fez contra os professores no Distrito Federal, a qual não teve autorização nem do governador, nem do próprio Secretário de Segurança.
Seria muito interessante se todo mundo lesse essa carta de demissão do Secretário Arthur Trindade, que diz que a Polícia Militar se acha autônoma, que a cadeia de comando foi violada e que há uma questão de gestão, que a Polícia Militar não estava se colocando sobre a gestão civil da Secretaria de Segurança Pública. Se isso acontece no Distrito Federal... Talvez, no Rio, hoje, a gente tenha uma cúpula da Polícia Militar mais avançada.
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Então, para cada Estado você tem questões muito graves e de falta de controle dessa corporação, e a sociedade precisa, cada vez mais, exigir que a Polícia aja dentro dos seus limites legais.
E, por último, o próprio Judiciário. A gente tem o caso da Edméia, mãe de Acari, uma referência para todas essas mães que estão aqui. Em 1990, 11 jovens foram sequestrados e mortos por grupos de extermínio ligados ao 9º Batalhão da Polícia Militar daqui, do Rio de Janeiro. Um ex-deputado estadual e ex-comandante da PM está sendo acusado pela morte da Edméia, que, pela luta por justiça para seu filho, foi assassinada em 1993. Até hoje - a gente está falando de 1993 - esse caso está no Judiciário e ainda está em primeira instância. Não houve nem o júri. A gente está falando de 22 anos. Quando você tem essa morosidade dentro do Judiciário, você faz com que esses maus policiais continuem na corporação, porque a corporação também não afasta, não exclui... Eles ficam anos na corporação, são promovidos, e, depois de todo esse tempo, é muito difícil fazer justiça. Muitas testemunhas já morreram, já se mudaram, a gente tem um sistema judiciário também com várias falhas... Então, a gente está falando de uma cadeia envolvendo a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Ministério Público, o Poder Judiciário e os governos - Secretaria de Segurança Pública e Governo Federal -, que precisa priorizar a redução de homicídios no País e o fim dessa letalidade da polícia.
Que a gente possa ter orgulho da polícia. Que ela possa ser uma corporação da qual tenhamos orgulho e que possamos nos sentir seguros em sua presença, e não ameaçados, sentindo que a polícia vai, na verdade, promover algum tipo de violação ou ameaça, como ocorre especialmente nas favelas e periferias deste País.
Bem, é isto.
Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Alexandre.
Eu queria agradecer a todos que ficaram, resistentes, até esta hora aqui. Esta audiência pública começou às 10 da manhã. Eu queria agradecer à equipe do Senado, que trabalhou muito bem na construção desta audiência pública, à Tânia, da Liderança, que veio para cá nos ajudar; ao meu amigo Taian, que veio de Nova Iguaçu, e quero agradecer de forma especial pela presença dos familiares das vítimas. A gente queria, depois, até bater um papo aqui para ver como serão os próximos passos. Eu sei que vocês já têm uma luta, que é de vocês, que é autônoma, que está aí, mas a gente queria construir um elo para ver os próximos passos da CPI, o que é que a gente pode fazer em alguns casos. Nós falamos muito hoje, mais cedo, sobre o caso do Eduardo de Jesus e a decisão da Delegacia de Homicídios. A gente está tentando já, com o Adir, marcar com o Procurador-Geral. Seria muito importante que a Anistia Internacional, que a Terezinha estivesse, que a gente fizesse esse movimento em conjunto.
Esta aqui é uma reunião oficial do Senado. Para encerrar, temos que dizer isto toda vez.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos, o apoio da equipe da OAB, e os convidamos para a próxima audiência pública da Comissão, que vai ser realizada no dia 9 de novembro, segunda-feira, no Senado Federal, para debatermos o tema da criminalização da juventude, com representantes do Unicef, do Amanhecer contra a Redução, do Viva Rio e do Anced.
Muito obrigado a todos.
Declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 10 horas e 40 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 44 minutos.)