Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Havendo número regimental, declaro aberta a 24ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil. Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública para discutirmos o tema: Criminalização da Juventude. Estão presentes os seguintes convidados, que, desde já, peço para comporem a Mesa: Sebastião Correia dos Santos, representante do Viva Rio; Wesley Teixeira Silva, representante do Amanhecer contra a Redução, que tem feito importantes mobilizações pelo País afora e fez uma mobilização no Rio de Janeiro, gigantesca, contra a redução da maioridade penal; Vinícius Miguel, representante da Anced; e Mário Volpi, Coordenador do Programa de Adolescência e Cidadania da Unicef. Esclareço que esta audiência será realizada em caráter em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania - se a TV puder colocar embaixo; a TV Senado já vai colocar embaixo -, e do Alô Senado, através do número 0800-612211. Com o fim de organizar o tempo disponível para a audiência pública, sugiro que cada candidato tenha até dez minutos para a sua exposição. Mas, estamos abertos para mais, se a exposição for maior, não se preocupem. Lembrando, mais uma vez, o tema desta audiência pública é: Criminalização da Juventude. Eu só queria comunicar a todos que, na sexta-feira passada, fizemos uma audiência pública desta CPI no Rio de Janeiro, na sede da OAB. Foi uma audiência muito importante, porque tivemos a participação de especialistas, de Parlamentares, mas eu diria que o ponto forte foram as mães das vítimas da violência, dos jovens assassinados. Foi muito forte tudo aquilo que escutamos. Por isso, estamos pensando em fazer uma publicação específica do Senado com a fala das mães. É importante a clareza delas quanto à segregação de classe, de raça, que existe no País e que é vivida no cotidiano. |
| R | Depois conversamos com a Terezinha, mãe do Eduardo de Jesus, aquele garoto de 10 anos que foi morto no Complexo do Alemão com um tiro de um policial numa operação. A Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, na investigação, alegou que os policiais agiram em legítima defesa. Isso está, agora, com o Ministério Público. Nós não podemos aceitar a decisão da Polícia Civil de que foi legítima defesa. Do outro lado, havia um garoto de 10 anos que estava com um celular na frente da sua casa, na porta da sua casa. Então, essa alegação, para nós, não tem sentido. Por isso, liguei, na própria sexta-feira, para o Procurador-Geral de Justiça, Marfan Vieira, do Rio de Janeiro. Está marcada, inclusive, para a próxima sexta-feira, às 11 horas da manhã, uma audiência com o Procurador-Geral. Estamos chamando as entidades, eu queria chamá-lo, Tião, para ir, o pessoal da Anistia Internacional vai participar também, a D. Terezinha não vai participar porque viajou para denunciar esse caso, vai circular por vários países da Europa. É um caso tão importante e tão emblemático que acho que o Ministério Público não vai arquivar, tem tudo para tocá-lo para a frente. Não dá para aceitar isso. Só para citar os números, somos os campeões, em números absolutos, de homicídios no mundo. Em 2012, tivemos 56 mil assassinatos, mais da metade são de jovens, e mais de 70% destes são negros, têm cor, sim, jovens negros das periferias brasileiras. Eu falava, inclusive, na minha intervenção na CPI do Rio de Janeiro, que há tratamentos diferentes. Essa política de guerra às drogas que existe acontece de forma diferenciada no território. Você tem tráfico em Copacabana, em Ipanema, no Leblon, mas nunca vimos um caveirão entrando numa operação como aquelas nesses bairros da zona sul, mas, nas comunidades mais pobres, o que acontece é justamente isso. Às vezes, entra a polícia com um caveirão, dando tiro para tudo que é lado em confronto, e a quantidade de vítimas inocentes que acabam sendo atingidas é enorme. Então, há, sim, um tratamento diferenciado no território da cidade, há, sim, um tratamento diferenciado, de acordo com a classe social e com a questão racial também. É impressionante o estigma. Falei também, na audiência do Rio de Janeiro, sobre outro episódio que viveu o Rio de Janeiro depois do arrastão nas praias de Ipanema, a reação que existiu por parte de setores da população. Moradores de Copacabana pararam um ônibus - vale dizer, inclusive, que, neste caso concreto, o garoto não tinha nem ido à praia -, entraram em um ônibus, viram um jovem negro de 17 anos e partiram para agredir. Aquele jovem nem tinha ido à praia, ou seja, não tinha participado de arrastão algum, mas havia uma criminalização já que identificou um jovem negro como suspeito, como criminoso, como bandido. E o pior é que estamos vendo no Rio de Janeiro uma regressão tamanha! Vocês sabem que foi Brizola que colocou, foi uma decisão política dele, ônibus ligando a zona norte à zona oeste do Rio, aos diversos bairros, às praias, para que o povo pudesse ter acesso à zona sul, ir para a praia, como todo carioca gosta de fazer no final de semana. Estamos vivendo um momento tão esquisito que estamos tendo uma regressão disso. A Prefeitura do Rio de Janeiro, infelizmente, está, agora, fazendo um plano, desviando centenas de rotas para impedir que uma parcela da população chegue à praia nos finais de semana. Que cidade democrática é essa?! Que conceito é esse?! É o tipo de coisa que tem que nos indignar. Então, acho que esta Comissão tem um trabalho muito importante. Já fizemos várias audiências públicas pelo País afora, estamos construindo um trabalho aqui que considero bem feito, um relatório que, acho, pode ajudar. Sempre digo que a CPI é mais um instrumento aqui, nesta mobilização de vários setores da sociedade pela redução do número de homicídios no País. Não dá para encarar isso como... Avançamos tanto em tantas outras áreas: na erradicação da miséria, na inclusão de uma parcela grande da população na classe média, mas nós não conseguimos avançar nesse ponto. |
| R | Existem vários temas correlatos nesse debate que a gente tem feito: a discussão sobre a reforma da segurança pública, a desmilitarização. É preciso construir um outro tipo de polícia, porque vale dizer também que os policiais são vítimas e nós temos a polícia que mais mata, mas a que mais morre também; perdemos 490 policiais em 2013, e isso é um número que não existe em nenhum outro país do mundo ou que chegue perto. Então, nós temos um sistema que está matando a nossa juventude, está matando os policiais. E quando eu questiono muito essa política de guerra às drogas é porque ela não está obtendo os resultados. O que se obtém, na verdade, são resultados em cima de morte, de perdas de vida. Então, esta CPI é mais um ato aqui do Parlamento para se associar a essas entidades que fazem essa campanha. Esse pacto tem que sair, esse pacto pela redução do número de homicídios aqui do nosso País. Então, vamos começar a audiência pública - é quase como se eu tivesse feito já uma fala aqui. Eu queria perguntar aos senhores: quem quer começar aqui? Fazemos de forma democrática ou eu passo já para o Tião? O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - Pode ser. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Então, eu já vou passar para o Tião Santos, que é um conhecido lutador nessa área, nas batalhas, representante do Viva Rio. Com a palavra, Tião Santos. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - Boa noite ao Senador Lindbergh, boa noite os meus companheiros de Mesa, boa noite aos telespectadores. É uma honra estar aqui neste plenário, nesta CPI, e dizer que o Viva Rio, quando foi criado, em 1993, foi porque nós vivemos naquele momento na cidade um grande aumento da violência, especialmente retratado por duas grandes chacinas, a de Vigário Geral e a da Candelária. Então, por esse motivo, a cidade, como um todo, as forças vivas da cidade do Rio de Janeiro resolveram se juntar numa união inédita: juntamos pessoas de favela, pessoas do asfalto, juntamos a Firjan com a CUT. Enfim, nenhum sociólogo acreditava que aquele movimento tão plural pudesse dar certo porque era muita gente diferente misturada. Mas a causa era a causa mais importante, que era diminuir a violência no Rio de Janeiro. Felizmente, os números na cidade do Rio de Janeiro vêm diminuindo. Eu sei que, nas comunidades, essa realidade é outra. E eu queria falar especialmente de um lugar do Rio de Janeiro que o Senador Lindbergh conhece muito bem, que é a Baixada Fluminense. Eu, hoje, Senador, faço parte do Fórum Grita Baixada, um fórum que foi criado em 2005, quando o senhor era prefeito daquela cidade, e onde nós tivemos uma grande chacina, a maior chacina que o Brasil vivenciou em 2005, com 29 pessoas assassinadas numa única noite, um assassinato feito por operadores de segurança, por policiais militares do Rio de Janeiro. Desde aquele momento, a cidade de Nova Iguaçu, onde o senhor era prefeito, e a cidade de Queimados ficaram marcadas no mundo inteiro por essa grande chacina. Então nós, a partir daí, criamos um fórum para lutar pela segurança pública, para tentar diminuir os índices de violência na região da Baixada Fluminense. E, a partir daí, toda a nossa ação tem sido para diminuir essa violência que hoje nós estamos vivendo. O que acontece especialmente no Rio, na Baixada, é que, com o advento das UPPs na cidade do Rio de Janeiro, na capital, nós vimos, de certo modo, certa mobilização do tráfico de drogas indo para parte da cidade, parte do nosso Estado que não tinha essa grande massificação e presença do tráfico armado como a gente vê hoje. Na Baixada Fluminense não foi diferente e não está sendo diferente. Nas Unidade de Polícia Pacificadora, as UPPs, quando elas surgiram e foram colocadas em algumas comunidades da cidade do Rio de Janeiro, logo no início, a gente observou, Senador, que alguns índices apareciam como se houvesse tido aumento da violência naquelas comunidades. Por exemplo, aumentou muito número de... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - De desaparecidos. |
| R | O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - ... de desaparecidos, aumentou muito o número de violência contra a mulher, aumentou muito o número de desacato à autoridade. Por que aumentou? Porque, naquela época, não era comum qualquer pessoa da comunidade enfrentar o chefe do tráfico, enfrentar o traficante para reclamar disso ou daquilo que estava vivendo de violência na sua comunidade. Ninguém era louco de enfrentar o chefe do tráfico; ele mandava, e acabou! Quando entrou a polícia, esse espaço de reivindicação, de discussão e de denúncia pôde acontecer na cidade. Na Baixada está acontecendo o contrário - é exatamente o contrário! Na Baixada, com esse deslocamento do tráfico para as regiões da Baixada, para a região metropolitana da cidade, o que a gente observa é que, embora os índices venham diminuindo na capital e mesmo no Estado do Rio de Janeiro, nos lugares onde o tráfico e a milícia têm se implantado, o que acontece é que as pessoas não têm coragem de denunciar. Então, aparentemente, parece que o índice diminuiu. Se você pegar todos os índices lá do ISP (Instituto de Segurança Pública) do Estado, você verá que houve uma redução de violência na Baixada, mas, na prática, não houve. No dia 10 de julho de 2015, nós levamos a CPI da Câmara dos Deputados que está tratando do mesmo tema para fazer uma audiência pública na Baixada Fluminense, lá no Centro de Direitos Humanos, que você conhece muito bem, Senador. E, nessa audiência pública, todos os relatos que nós ouvimos foram extremamente assustadores, porque, embora os índices do ISP dissessem uma coisa, o relato das pessoas era totalmente outro. Relatos de grupo de jovens que foram assassinados de uma única vez em Duque de Caxias - em Belford Roxo, perdão! Entrou o caveirão, como você acabou de dizer aqui, numa comunidade em que estava havendo um baile funk, e esse caveirão cercou a comunidade para poder pegar, possivelmente, traficantes... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Tião, explica o que é o caveirão porque muita gente não conhece. É uma coisa muito própria lá do Rio. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - Caveirão é um carro de combate e de defesa que a Polícia Militar e a Polícia Civil usam, blindado, para entrar nas comunidades. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eles têm poucas aberturas, um espaço pequeno em que ficam o fuzis dos policiais que estão ali dentro. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - É como se fosse um tanque de guerra, só que tem pneu de borracha e não tem aquelas esteiras que têm os tanques de guerra. Mas é igualzinho. Esse caveirão entrou na cidade de Belford Roxo, nessa comunidade onde estava havendo um baile funk, cercou essa juventude, matou 18 jovens. Colocaram esses jovens dentro do caveirão e foram embora. Eu pergunto: isso foi divulgado em algum lugar? Alguém viu essa notícia circular no Brasil? O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - Não. Então, além dessa denúncia que foi feita naquele dia, lá no Centro de Direitos Humanos, a pessoa que fez essa denúncia, que é uma pessoa séria, um padre daquela região, disse mais: esses jovens não apareceram porque existe um cemitério clandestino na Baixada Fluminense; existe um cemitério clandestino em Belford Roxo; existe um cemitério clandestino em Nova Iguaçu, no Km 32; existe um cemitério clandestino em Mesquita; e as pessoas são enterradas ali sem ninguém saber. Por isso tem crescido muito o número de pessoas desaparecidas na cidade do Rio de Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro, porque é para onde estão sendo.... (Interrupção do som.) O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - ... e estão sendo jogadas. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Só para complementar: está havendo uma média de 6 mil desaparecimentos por ano. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - Exatamente, exatamente. Bom. E os relatos continuaram. Esse foi o relato de Belford Roxo. Em São João de Meriti, cidade que o Senador Lindbergh também conhece, um padre começou a observar que está havendo muitas missas de sétimo dia de jovens que estavam sendo assassinados na comunidade. Aí o padre começou a perguntar para a comunidade quantos jovens tinham sido assassinados e por que estava crescendo tanto esse número de pessoas assassinadas, as missas de sétimo dia. E pediu às mães que fossem até à paróquia para levar o nome do seu filho que foi assassinado. Somente numa semana, 80 mães apareceram, denunciando que 80 jovens foram assassinados nos últimos anos naquela comunidade - apenas em uma comunidade! |
| R | Outra cidade da Baixada, Duque de Caxias, foi alvo de uma das denúncias que houve de enterro de jovens em cemitérios clandestinos. Em Nova Iguaçu existe um problema seriíssimo, que o nosso Senador conhece muito bem, no Km 42, de milícias. Boa parte da cidade de Nova Iguaçu, hoje, está dominada pelas milícias; as comunidades estão sujeitas a toque de recolher, porque a milícia, certas horas do dia ou da noite, não permite que ninguém saia de casa. Ali, as mortes são todas executadas e silenciadas, e as pessoas têm medo de denunciar, porque a milícia ameaça a quem denunciar - isso em Nova Iguaçu. Em Seropédica há outro problema com milícia, só que lá é pior. Há uma denúncia de parte dos comerciantes, Senador Lindbergh, de que todos eles têm de pagar uma taxa para a milícia e, se não pagarem, eles são espancados, muitos deles são assassinados e o comércio tem que ser fechado. E a milícia tomou conta não só de parte da comunidade, mas também, em alguns lugares, até dos próprios setores públicos da cidade. E isso é um absurdo! Todo mundo sabe disso, as pessoas denunciam isso, mas esse problema não é, de certo modo, resolvido lá na nossa região. Queimados é uma das cidades da Baixada Fluminense com o maior índice de violência contra a mulher. Hoje saiu uma pesquisa que mostra que esse índice aumentou em 54%, nos últimos dez anos, apesar da Lei Maria da Penha; mostra que houve um aumento de 20% de mulheres negras violentadas; e uma redução de 12% desse tipo de agressão contra as mulheres brancas. Esse é o retrato da violência contra a mulher hoje. E Queimados é uma das cidades do Estado do Rio de Janeiro com o maior índice de violência contra a mulher, certamente mulheres jovens também. Bom; depois dessa CPI que nós fizemos - e eu passo aqui à mão do Senador os resultados dessa CPI que a Câmara dos Deputados nos encaminhou, com todos os detalhes que foram colocados nesse dia -, nós tivemos uma conversa com o Deputado Marcelo Freixo, que é o Relator da CPI dos Autos de Resistência na cidade do Rio de Janeiro. Na verdade, nós pedimos ao Deputado para abrir uma CPI sobre a morte de jovens na Baixada Fluminense, mas ele nos disse o seguinte: "Olha, eu já estou Relator de uma CPI sobre os autos de resistência, e pode ser que, com essa CPI, a gente consiga abrir a CPI do assassinato de jovens na Baixada Fluminense". E ele ouviu todas essas denúncias mais uma vez. Então, eu acredito que, a partir desses relatos feitos aqui na CPI, aqui em Brasília e nos Estados por onde a CPI tem andado... Vi, pelo Jornal do Senado, que foi agora à Amazônia, onde houve uma grande audiência pública, em decorrência dos 30 jovens que foram assassinados nos últimos dias em Manaus. Enfim, aonde quer que a CPI tenha ido, muito se fala dos números que essa triste realidade vivida pelo nosso País nos mostra. Eu acho que o papel desta CPI, além de levantar todos esses números - e é óbvio que é preciso ter pesquisa, que é preciso ter dados -, é fazer propostas concretas para mudar e combater essa realidade. E não há como mudar essa realidade, primeiro, se não houver o compromisso do Governo Federal com esse tema. O Estado brasileiro tem que ter compromisso com esse tema! O Ministro Eduardo Cardozo, da Justiça, há dois meses e meio, foi ao Rio de Janeiro e fez o lançamento do Pacto Nacional pela Redução de Homicídios, no Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso há dois meses e meio, mas eu pergunto: por que se demora tanto para colocar em prática um plano como esse, que foi tão discutido, debatido por diversas entidades, com governadores, com especialistas, depois de centenas de reuniões para ser elaborado? Pessoalmente, eu acho que não vai resolver, mas é um bom e importante caminho para reduzir a violência no Brasil. Mas por que isso ainda na saiu do papel? |
| R | Então, eu acho que a CPI tem o dever de cobrar do Governo Federal que tire do papel - eu sei que esse projeto está na Casa Civil - e coloque em prática esse pacto nacional, porque já se levou muito tempo para construir, foram muitas reuniões, muitas conversas, muito diálogos, e, enquanto isso, a gente percebe que, cada dia que passa, mais jovens são assassinados, mais mulheres são violentadas. Então, essa é uma oportunidade de a gente combater tanta violência em nosso País. Acho que é importante que os resultados dos trabalhos desta CPI sejam encaminhados para os organismos internacionais de direitos humanos. É fundamental que o mundo saiba qual é a nossa realidade em relação à questão da segurança pública e da violência, especialmente contra a juventude, em particular contra a juventude negra. Então, o resultado desta CPI tem que ser encaminhado aos órgãos de direitos humanos de todo o mundo. Por fim, eu proponho que haja uma investigação pela Polícia Federal, especialmente na Baixada Fluminense, no que diz respeito à questão do tráfico de drogas e à questão dos cemitérios clandestinos. A questão das drogas, eu creio, é um tema que a CPI não vai ter como não abordar, como não tratar, porque boa parte dessa violência vem da questão das drogas, do tráfico de drogas. Eu estive, Senador, no Uruguai quando aquele país estava discutindo a questão da regulamentação da maconha. E lá conversei com alguns especialistas e com alguns ministros de estado que me explicaram o porquê de o Uruguai ter resolvido fazer essa lei para regulamentar o uso da maconha. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Tião, permita-me interromper. Sabe quantas pessoas morreram, no ano passado, em virtude de conflitos ligados a drogas no Uruguai? Nenhuma! É um dado que, à luz da realidade brasileira, impressiona. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - Sim; enquanto morre uma pessoa por overdose, 30 jovens morrem no Brasil por questões relacionadas ao envolvimento com o tráfico de drogas, por conta dessa guerra insana que a gente vive cotidianamente. E eu soube que, no Uruguai, na verdade, essa questão da regulamentação das drogas fazia parte de um plano nacional para reduzir a violência; não era apenas uma questão solta ou de alguém que acordou um dia e achou que tinha que regulamentar a maconha naquele país, não. Era um projeto nacional para diminuir a violência no país, entre elas a ligada à questão das drogas. Nós, do Viva Rio, defendemos - e, publicamente, aqui no Congresso, estamos lutando por isso - a descriminalização do uso de drogas. Não é possível que a nossa juventude seja tratada como criminoso porque está fumando um baseado de maconha. Aliás, a nossa juventude não! Se o jovem é de classe média, de Ipanema, é usuário; se ele é de comunidade, da Baixada Fluminense, de Duque de Caxias, de Belford Roxo, do Complexo do Alemão, ele é traficante. E nós estamos enchendo as nossas cadeias com jovens que são usuários, que poderiam estar se tratando se quisessem, ainda porque muitos nem dependentes são. Ao contrário, são jogados nas prisões brasileiras. Aliás, em 2006, quando foi feita a mudança na Lei de Drogas, nós tínhamos cerca de 46 mil pessoas presas por envolvimento com drogas; hoje, esse número já passa de 126 mil pessoas envolvidas com drogas que são presas. Ou seja, aumentou o número de pessoas presas. Então, esse é um tema que tem de ser enfrentado. Se a gente não enfrentar esse tema, se o Governo não enfrentar esse tema, se a sociedade brasileira não enfrentar esse tema, certamente, a questão da violência contra os jovens não vai ser resolvida. Eu acho que é uma questão de educação também, de oportunidade para a juventude, de empregabilidade. Enfim, esses são temas muito importantes, mas, hoje, o que é mais premente é a questão da violência que mata, que tira a vida, que ceifa vidas e que torna o nosso País uma vergonha quando você percebe que esse número cresce cada vez mais. Ainda há pouco, o companheiro dizia aqui, ao meu lado, que os números que ele consegue ver, que ele estava vendo, são assustadores, porque, ao invés de esses números diminuírem, cada vez mais, esses números aumentam. Então, eu creio que a CPI tem esse papel de levar ao Brasil, de levar ao Governo, de levar à sociedade brasileira alguma solução que possa, de fato, diminuir a violência contra a juventude em nosso País. Muito obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Sebastião Santos. Eu queria até falar aqui que eu acho que nós temos pouco tempo até encerrarmos os nossos trabalhos aqui na CPI, mas eu, ouvindo você falar sobre a situação da Baixada, queria conversar contigo sobre a possibilidade de a gente realizar também uma audiência lá. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Excelente! O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Talvez a gente não precise mobilizar aqui todos os Senadores. Eu vou lá com a equipe aqui do Senado, porque, de fato, como o Tião disse, eu conheço aquela realidade. Talvez seja o território, no Brasil, onde mais sejam assassinados jovens. O SR. SEBASTIÃO CORREIA DOS SANTOS - No Rio, com certeza. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E, no Brasil, é difícil haver algo como aquilo. Então, eu queria conversar com você, assim que terminarmos aqui, e com os membros da Comissão a respeito, porque eu acho que seria importante a gente escolher uma cidade central lá... Com o trabalho que vocês fazem ali, vocês já têm essas contas todas, e, assim, a gente poderia organizar um evento como esse. Em relação ao Pacto pela Redução dos Homicídios, penso que esse é o nosso desafio. Nós também estamos nesse trabalho de interlocução com o Governo. Eu acho que essa é a grande conquista que nós podemos ter. Temos que pressionar para sair logo. Queria dizer, também, que está marcada agora, para o dia 17 de novembro, uma reunião com o Ministério Público Federal, pois é o Ministério Público que tem o poder de controle externo sobre a atividade policial, em particular os Ministério Públicos estaduais. Ocorre que, infelizmente, essas investigações não acontecem. O Professor Michel Misse revelou que, num dado ano, de 220 casos de autos de resistência, apenas um virou denúncia. Então, esse é um ponto em relação ao qual a Comissão pode ter resultados, e eu agradeço ao Ministério Público Federal, na pessoa do Conselheiro Fábio George, que é do Conselho Nacional do Ministério Público, pelo interesse em, a partir dessa reunião do dia 17, fazer com que o Ministério Público Federal inicie uma campanha envolvendo os Ministério Públicos estaduais para que passem a ser investigados esses assassinatos decorrentes da intervenção policial em algumas áreas. A gente quer a investigação! Ninguém quer a condenação, mas a investigação, que é o que não acontece hoje. Essa reunião, também, eu reputo muitíssimo importante, porque o envolvimento do Ministério Público Federal, na minha avaliação, pode fazer toda a diferença para que os Ministérios Públicos estaduais entrem em ação nesse papel. Então, eu agradeço muito a sua fala, que foi muito relevante. Eu passo, agora, imediatamente, a palavra ao Wesley Teixeira Silva, que é representante do Amanhecer contra a Redução. O SR. WESLEY TEIXEIRA SILVA - Boa noite a todos da Mesa; boa noite, Senador Lindbergh! Eu fico muito emocionado ao fazer uma fala, hoje, nesta audiência quando eu penso quantos jovens negros devem ter sido ouvidos por esta Comissão e, sobretudo, por pensar que nós somos sobreviventes. Estou falando aqui como um dos que não morreram. Eu sou morador do Complexo da Mangueirinha, que é uma comunidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que é essa região da qual a gente estava falando. Eu costumo dizer que, na Baixada, agora, em Caxias, estão instalando unidades de polícia permanentes, e, aí, as comunidades passam a ser chamadas de "complexos". Eu morava no Morro do Sapo e, agora, moro em toda uma região chamada de Complexo da Mangueirinha. Mas complexo é tudo aquilo que eu não consigo entender, e, ali, é o que mais existe, porque a gente não consegue entender a ausência do Poder Público. O Poder Público é ausente na educação; a que existe é uma educação extremamente repressiva. As escolas, hoje, no Estado do Rio de Janeiro, parecem prisões; elas nos formam ou para prisões, ou para ocupar os piores postos de trabalho no mercado. E, aí, quando a gente fala de jovem, a gente consegue identificar a juventude no Brasil: a juventude é aquela que ocupa os piores postos de trabalho e é aquela que mais morre. É muito triste conseguir identificar a juventude por meio desses dados: uma educação que é baseada em grades, uniformes e horários, e não é baseada na emancipação. Apenas cerca de 20% da juventude que está no Ensino Médio ingressa em uma universidade. Esse é um dado triste. É uma educação que não dialoga com a cultura. A gente fala de criminalização da juventude, mas ela não começa... A criminalização termina com a morte do jovem, mas ela começa, por exemplo, quando a cultura da periferia é criminalizada como fazem com o funk. Os bailes funk, no Estado do Rio de Janeiro, têm sido invadidos e as equipes de som têm tido a sua aparelhagem metralhada no Rio de Janeiro. A gente não pode aceitar isso! E a escola não dialoga com essa cultura; então, há uma ausência. |
| R | Dizer que a polícia mata em um território... Então, essa violência de que nós estamos falando não é generalizada. Ela é justamente no território que ninguém vê, no território em que não vai haver Olimpíada, no território que não está na referência do projeto, mas a gente já não está nessa referência há muito tempo. Quem mora nesse território não mora ali porque quis, não foi excluído de morar na frente da praia porque quis, não é? Não tem acesso à praia porque foi jogado para lá, porque passa duas horas no trânsito para ir para o seu local de trabalho, porque são os negros que moram nesses locais, que foram abolidos numa suposta abolição na história, que é vista assim, mas que não nos aboliu, que não nos concedeu terra. É por isso que nós moramos nesses lugares precarizados, e esses lugares não são vistos. Existem as barreiras invisíveis da nossa cidade. O Poder Público não entra em nada disso, mas a gente o conhece. Dizer que eu não conheço o Poder Público seria desonestidade minha. A gente conhece o Poder Público. O Poder Público entra como política de segurança, ou melhor, política de violência, que é o que a gente tem sofrido. O jovem, como a gente já viu aqui, dessas comunidades é privado de direitos. A gente começa em casa, aprende a ouvir um "não" da mãe. Chega, na escola, como eu, que militei no movimento estudantil na minha cidade, a descobrir que poderia ter direitos, que a gente tem direitos. E quando você descobre que tem direitos, você quer ir buscá-los. Então você se depara com: "Não, você não tem direitos; você precisa, para ter direitos, ter condições." Essa é uma resposta muito triste. O "ter", enquanto a gente viver nessa sociedade baseada nisso... Não é justo o que fazem com os nossos jovens. Eu descobri a saída para o meu "ter direitos", que é a luta, mas muitos jovens, nesse momento, são disputados pelo tráfico de drogas, esses jovens são exterminados pela milícia, isso é muito triste. Essa política de segurança, ela é pacificadora agora, não é? Pacificadora como é a que leva o mesmo nome em Duque de Caxias, minha cidade, o pacificador que reprimiu - olha que coisa comparativa engraçada -, que reprimiu revoltas populares, que exterminou muita gente e enxerga o nosso território como inimigo. Talvez para alguns - aí eu vou falar aqui - nós sejamos inimigos mesmo, porque nesses territórios, falando dessa política de segurança, ela é militarizada. E aí eu gostaria de dizer que, quando a gente fala aqui, e isso foi bem falado - eu estava na audiência do Rio de Janeiro, depois a gente foi para Duque de Caxias, onde o Fórum Grita Baixada fez uma audiência sobre política pública para a juventude no mesmo dia, à noite -, quando a gente fala que a PM mata dentro das favelas, a gente não está falando que é uma falta de conduta de um policial militar, não. Isso é uma política de extermínio, é uma ideologia baseada no racismo que se apoderou das nossas estruturas e que tem que ser mudada estruturalmente. A gente precisa desmilitarizar a polícia. Não é razoável a gente olhar o território e as pessoas nele como nossas inimigas. Inclusive, porque nesses territórios é onde estão precisando de proteção e aí não é de uma proteção militarizada. Nesse território, como ele falou, as mulheres estão morrendo; é nesse território que estão acontecendo os casos de homofobia. Graças a Deus, como a gente falou da cultura, os saraus da Baixada esses dias estavam justamente lembrando a morte, o assassinato de um jovem LGBT por homofobia. Esse tipo de proteção não se garante com UPP, esse tipo de proteção não se garante colocando caveirão dentro da favela. Então, mudar a lógica da polícia é importante. A guerra às drogas é uma justificativa. Então, se nós a queremos, vamos... Eu acho realmente que nós temos que acabar com o tráfico de drogas, como disse o Delegado Zaccone. Nós temos que acabar com o tráfico de drogas. E acabar como? Legalizando a venda, a comercialização da maconha e de todas as drogas, inclusive, para a gente poder tratar aqueles que têm necessidades, fazem uso e precisam de tratamento. Essas pessoas precisam ser vistas pelo olhar da saúde pública e não pelo olhar da militarização. Nesses locais de conflito, quem morre, morre com alguma coisa. Eles morrem com armamentos e aí são criminalizados. A gente agora vive a rede social. Cada vez que morre alguém... |
| R | As mães falaram isto muito: este debate realmente não pode ser um debate feito por números, ele tem que ser um debate aquecido, um debate aquecido com as lutas e com as dores das pessoas. Não consegui ficar até o final, justamente pelo sentimento colocado pelas mães. Como a gente falou, elas disseram isto: "Meu filho não nasceu na criminalidade, não nasceu um jovem fraudulento, ele se tornou assim". Elas falaram dessa lógica e isso me comoveu muito. Quando morre um jovem, por um auto de resistência, por exemplo, a primeira coisa que colocam nas redes sociais são fotos de fuzis, de jovens adolescentes portando armas. Não se faz um debate sincero sobre isso. Esse foi o argumento da Secretaria de Segurança, no Rio de Janeiro, quando a gente vê que essas armas estão vindo das empresas de segurança privada, que não são fiscalizadas. Essas armas vieram dos paióis das Forças Armadas, da PM, 18% dessas armas. Desses 18%, 78% vieram da PM, isso tudo comprovado. Esses dados todos estão na CPI, por exemplo, do Armamento, feita no Rio de Janeiro. A CPI das Armas, feita no Rio de Janeiro, já dizia isso. E por que não se fiscalizam as empresas? Porque os donos dessas empresas, muitas vezes, estão no poder. Contra esses, somos inimigos, realmente, como a gente estava falando. A gente começa a identificar quem eles querem matar e quem são os nossos inimigos, a partir daí. É uma mentira quando se fala desses armamentos, de novo, porque não são armamentos de grande porte, arma pesada, que estão matando a nossa juventude. Oitenta e um por cento dos homicídios foram cometidos com armas de curto calibre, não foram as armas pesadas, as armas fechadas, aquelas que são de uso restrito. O que fazem com essas armas? Estamos agora criminalizando a juventude, sendo que, quem concedeu, quem colocou a arma foi o Estado. Sempre que a gente começa a fazer esse debate, a gente fala de quem tem que ser condenado. O Estado hoje deve pagar a sua pena, deve estar sob condenação histórica e atual. O caminho é o contrário. A gente vê agora esses inimigos, porque posso dizer que são eles, talvez com a figura política, talvez com outra cara, quando a gente vai, por exemplo, à Câmara dos Deputados e vê a tentativa de aprovação da redução da maioridade penal. Faço parte do Amanhecer, estou aqui representando essa organização, que é uma campanha que surgiu justamente nesse momento, quando, na Câmara, retomam um projeto que não é novo, é antigo, de 1993, sobre a redução da maioridade penal. Esse debate vai a público pela mídia, porque a mídia começa a fazer esse debate. Antes, nós, do Movimento Negro, já fazíamos, mas não era um debate geral, e se tornou hoje um debate geral. A mídia vai dizer que é a juventude que está matando. Só que não é; é a juventude que está morrendo. A gente vê que, nos índices, nos números, 10% dos crimes são cometidos pela juventude. Desses 10%, 2% são crimes contra a vida. Desses índices, a gente não fala, são esses os números contrariados. Os números que a gente vê são contrários a nós, juventude: números de aumento de homicídio, números de aumento de estupro, mas os números é que nós somos 2% dos que cometem crimes, que vão para no Degase, que já são punidos. A mídia faz um discurso de que não há punição; há punição, sim. Inclusive, poderíamos dizer além, como uma mãe na audiência disse: dentro da favela, há, sim, hoje, a pena de morte. Não há pena de morte no estado penal, mas, dentro da favela, que é um estado de exceção, existe, sim, pena de morte. Existe hoje o encarceramento da nossa juventude. Hoje a nossa juventude menor de idade, um adolescente, um humano, porque a outra noção que querem tirar é do outro ser próximo, é algo distante, é o menor, quando a gente diz que ninguém chama assim o seu irmão, o seu filho - o menor -, a gente chama de adolescente. Então, os adolescentes hoje vão parar no sistema socioeducativo, que prevê três anos no interno, três anos no semi-interno e três anos em liberdade assistida. Na sua maioria, vão parar no interno. Então, hoje a juventude já é penalizada. E quando são maiores, vão para as cadeias do Brasil, cadeias que precisam ser revistas. |
| R | Então, quando falamos de propostas, quando falamos de juventude, não podemos deixar de falar do sistema carcerário, que precisa ser revisto. Que sistema carcerário é esse que temos? Somos a terceira maior população do mundo, e a mídia reforça um discurso de que não se é punido no Brasil. Não se é punido porque, quando se fala de bandido, olhamos para o jovem negro da periferia. Bandido é quem descumpre a lei? Quem excede a lei? Infelizmente, teríamos que prender a metade dos seus amigos, aqui, não é? A metade dos companheiros, porque eles respondem a processos penais e não são presos. Enfim, o são os jovens negros novamente, e reafirmar isso é muito importante. Somos a terceira maior população carcerária do mundo, já estamos com presídios superlotados, e a solução que querem nos oferecer é prender mais. Fomos para as ruas, dissemos "não", fizemos festivais, ocupamos espaços com sarais. Eles estão mexendo com a juventude errada. A juventude deu um lindo recado. A Amanhecer contra a Redução fez um festival no Rio de Janeiro, lotou, com mais de 30 mil pessoas, a Praça XV, foi muito bom. Isso reverberou. Ocupamos 400 praças no Brasil inteiro. Elas eram ocupadas pela juventude que não aceita a redução da maioridade penal como solução. E aqui vamos dizer que há o problema da violência, nós não negamos isso, bem como não negamos o medo que a população sente. É por isso que estamos aqui. Somos aqueles que querem pensar soluções, mas a solução não pode ser a criminalização. Quando você vê que 70% dos nossos presos voltam a cometer crimes, vê que alguma coisa está errada com o sistema. O Degase, que é um sistema que visa a recuperação, já tem as suas dificuldades. Quem visita o Degase sabe que aquele espaço tem cheiro e tem uma experiência própria, que fica marcada. Quem visita esse espaço sabe disso. O Degase já é um espaço precarizado, mas, mesmo assim, 20% apenas desses adolescentes voltam a ser reincidentes. Tem que se pensar uma política para esse adolescente. Onde ele fica? Ele vai ficar nesse mesmo local onde mora? Ele vai voltar para lá? Ele vai ser preso? O que vai acontecer com ele? Essa lei da redução foi vetada, em primeira instância, depois voltou de novo, foi aprovada, e hoje está aqui no Senado. A pressão do nosso movimento deve continuar. Eu queria fechar, até porque o tempo é uma coisa importante. A cada tempo que estamos aqui, a cada tempo em que estou falando, novas vítimas estão se formando, novas mães estão chorando, ficando doentes, como vimos lá, novas mães estão sendo condenadas a uma pena eterna, que é a perda do seu filho, que não volta mais. Encerro - trouxe, mas não está aqui - com um poema que eu iria ler, do Solano Trindade, um poeta negro da Baixada, vou tentar lembrar: Todos os dias na minha rua passa um menino pro céu num caixãozinho todo azul - de tosse? - de febre? - de que foi que ele morreu? De fome de necessidade por todas essas coisas passa menino pro céu... O céu é no fim da minha rua é um buraco onde se bota o caixãozinho tão bonitinho todo azul! Nunca vi nenhum subir subir subir de asinhas. Só se acontece isso com os meninos de Copacabana mas para os de Caxias o céu é mesmo um buraco... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Wesley, muito boa a sua intervenção, a poesia no final. Depois, se você achar esse poema, passe para mim, eu o quero também. Quero dizer que vocês fizeram uma luta bonita, mobilizaram muita gente nessa campanha contra a redução da maioridade penal . Devo dizer a você, Wesley, que aqui, no Senado Federal - não é, Senadora Lídice? -, nós temos uma correlação de forças que nos faz pensar que esse projeto não passa. Estamos atentos, vigilantes. Esse assunto está parado, o Presidente do Senado Federal deu uma declaração dizendo que não há prioridade na tramitação. Agora, quero chamar vocês para uma outra discussão. Foi aprovado aqui, no Senado Federal, com a nossa resistência, somos contrários, eu e a Senadora Lídice, nós dois fizemos parte desse embate, um projeto do Senador José Serra, que está na Câmara, e acho que vocês têm que se mobilizar, que aumenta o tempo de internação, no ECA, de três para dez anos. Quem conhece a situação, sem falar do Degase e de todos esses lugares, dessas instituições sabe que é uma loucura. |
| R | Então, acho que vocês podem - vocês estão com esse movimento organizado - se mobilizar em cima desse projeto na Câmara. Não dá para deixar isso passar. Ficamos apavorados com uma situação dessas, de aumentar de três para dez anos o tempo de internação nessas casas que, como sabemos, não oferecem recuperação, pelo contrário. Quero chamar aqui, para assumir a Presidência, a nossa Presidente, Senadora Lídice da Mata. Lídice, o Tião Santos já fez intervenção, falou muito da Baixada Fluminense, da minha cidade de Nova Iguaçu. Estou me dispondo a organizar - irei lá - uma audiência pública ou uma diligência... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Passo aqui a Presidência para a nossa Presidente, Senadora Lídice da Mata. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Acho importantíssimo você ir lá. O SR. WESLEY TEIXEIRA SILVA - E sobre esse projeto, aqui, no Senado Federal, a resposta deles é sempre a privatização. Novamente, querem ganhar com a nossa morte, mas não vamos deixar não, Senador, vamos entrar na luta. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passo a palavra agora ao Sr. Vinícius Miguel, representante da Anced. Depois, passo a palavra ao Mário. Obrigada. O SR. VINÍCIUS MIGUEL - Boa noite a todas e todos aqui. Eu gostaria, antes de tudo, de fazer um brevíssimo introito. Meu nome é Vinícius Miguel. Sou um dos coordenadores - temos uma coordenação colegiada - da Anced, que é a Associação Nacional do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente. É uma rede, um pool de organizações de centros de defesa, que são as nossas unidades-base, e temos mais de 30 unidades espalhadas por todo País, fazendo as diversas atividades de advocacy e de litigância estratégica, de defesa de crianças e adolescentes com conflito com a lei ou vítimas da criminalidade, da violência nas mais diversas formas. Feita essa brevíssima introdução e já deixando o indicativo de que, se alguém tiver algum interesse de fazer uma busca sobre a Anced no sistema de busca, facilmente poderá ter acesso a mais informações, eu gostaria de parabenizar a Senadora Lídice e o Senador Lindbergh pela realização desta audiência pública, em particular, mas, de modo muito mais ampliado, pela realização desta CPI, que, não tenho a menor dúvida, é a mais importante CPI em funcionamento nas duas Casas Legislativas no atual momento. Registro que não tenho dúvidas disso porque é uma CPI que se preocupa com grupos vulneráveis, grupos minoritários, grupos em posição absolutamente desfavorável por conta de questões sistêmicas e estruturais e que tampouco são notados e percebidos pelo Parlamento. Acho que esta é uma ocasião muito singular, e todos os elogios e louvores meus seriam insuficientes para descrever a grandeza do trabalho desta Comissão. Ademais, ela tem ainda mais importância nesse contexto de retração e retirada de direitos, de retrocessos sociais e de avanços conservadores, uma maré agourenta contra pobres, contra minorias, contra indígenas, contra quilombolas, contra um conjunto de oprimidos e explorados não só no Brasil, mas no contexto latino-americano. Nesse sentido, embora pareçamos poucos, eu não poderia deixar de registrar não só pessoalmente como em nome da Anced os elogios à Senadora Lídice e ao Senador Lindbergh, que têm assumido essa posição de frente nesta Comissão. Então, em nome de todos os nosso bravos e bravas combatentes, o nosso muito obrigado. Bom, tentarei ser breve. Estruturei a minha apresentação, que espero seja minimamente uma contribuição para os trabalhos da CPI, em dois momentos, um de introdução e um de propostas. Como introdução, como o Wesley tão belamente colocou, hoje um estado de exceção surge como regra e como parâmetro de normatividade principalmente para os territórios empobrecidos. |
| R | Nessa maré conservadora, não poderíamos deixar de registrar todas essas propostas legislativas de criminalização da liberdade de expressão, de redução da maioridade penal, de ampliação do tempo de internação, de mais tipos penais e de todas as ordens, aprovados sistematicamente pelas Casas Legislativas, e de um olhar de pânico institucionalizado, criando uma paranoia e uma histeria coletiva na sociedade, muito distantes de uma conjuntura de ocupação militar estrangeira, como a Palestina, não emersos em trágicas guerras como a Síria e o Iraque, no entanto, não podemos celebrar a distância de um quadro desalentador. Não tão desalentador como os quadros de escassez sistêmica de alimentos, de desastres ambientais, casos de ocupação estrangeira ou guerra civil como mencionados, o Brasil vive sua própria guerra civil, a sua própria tragédia. Temos um paradoxo, muito bem posto, de como promover a dignidade humana em uma era de extremos. Somos um País que, embora muito tenha avançado, ainda convive com profundas desigualdades e assimetrias sociais. Não podemos perder de vista que a negação de direitos sociais, econômicos e culturais, a pobreza extrema e a miséria também assassinam a juventude. Isso é algo que jamais podemos perder de vista. Eu não me sentiria bem se não registrasse ainda duas ocasiões, dois elementos muito centrais: primeiro, a falência absoluta do sistema punitivo, como o Senador Lindbergh mencionou. Hoje, neste exato momento, o sistema socioeducativo do Estado do Ceará está em bancarrota: inúmeras rebeliões e assassinatos, denúncias de tortura, e isso é simplesmente algo representativo, significativo do que é o sistema punitivo contra a juventude. O Ceará não é o único caso. Outro caso que também eu não dormiria em paz se deixasse passar esta oportunidade de registrar é o assassinato de outros grupos de crianças e adolescentes também sobejamente desprezados: a juventude quilombola e a juventude indígena. Sou de e moro em Porto Velho, Rondônia, e muitas vezes essas peculiaridades e diversidades sociorregionais são ignoradas quando se discute a temática de um assassinato e o extermínio da juventude. Bom, nesse caso, temos uma sociedade do espetáculo em que a violência surge como mediadora social. O sofrimento é mais e mais pedido, obviamente, o sofrimento imposto, como o Wesley tão bem anotou, a uma população absolutamente desprezada, excluída de políticas sociais e desassistidas pelo Estado, Estado esse que se apresenta como uma grande estrutura capaz de promover uma nova forma de violência. Além da violência social, a violência de Estado, retroalimentando uma paranoia coletiva e uma síndrome do pânico, não como uma psicopatologia individual e um caso à parte, mas algo generalizado e socialmente enraizado. A hipertrofia do cárcere como instrumento de gestão da miséria nesse quadro de luxúria punitiva parece coroar todo esse cenário. Queremos mais e mais prisões, mais e mais cadeias. Queremos mais e mais punições para todos aqueles que acabamos de eleger como inimigos da ocasião, como inimigos do momento. E aí, já partindo para alguns achados, eu gostaria de encaminhar isso como um breve relato por escrito para esta Comissão. O restante dessa receita da morte é um acesso de armas, uma conjuntura de álcool, privação de direitos e de lazer, ausência de cultura. Nesse cenário, a violência e a morte são, sim, um espetáculo. Há ausência de accountability, de mecanismos de controle das forças de segurança. O PL 4.471, que versa sobre o fim dos autos de resistência, encontra-se paralisado, estancado. Há uma incomunicabilidade dos órgãos de segurança, que acarreta um conjunto contraditório de medidas sem uma atuação pautada em inteligência e investigação, mas, sim, em um modelo belicoso, de guerra, que manda jovens pobres, que são policiais, para matar e serem mortos por outros jovens que não são policiais e que caíram nas garras do crime. Neste exato momento, falamos de um amesquinhamento do direito de defesa quando inexistem estruturas suficientes para o atendimento dos hipossuficientes. Não há Defensoria Pública, não há advocacia pro bono em larga escala, não há nomeação de advogados dativos, e isso estimula uma política de hiperencarceramento e dificulta a responsabilização não só do Estado como de atores individuais que tenham cometido ilícitos contra a juventude. E há, de modo muito mais amplo, impunidade e negativa do acesso à justiça. |
| R | Parte final, se me permite, Presidente. Eu rascunhei algumas mudanças, encaminhamentos, como eu chamaria. No desenho institucional, nós precisamos ampliar o controle de armas de fogo, principalmente, focalizando o tráfico internacional. Sou de uma região de fronteira, Rondônia, o Brasil é um país fronteira, há uma fronteira seca, fronteira molhada, com todos os cantos. Falamos do tráfico de drogas, mas pouco falamos do tráfico de armas, armas de alto poder de fogo que ingressam ilegalmente em nosso País, e não há uma estratégia articulada de enfrentamento e há pouca comunicação entre os órgãos de defesa nacional e de segurança pública sobre isso. Não temos mecanismos de uma cultura de paz e de não violência, com a promoção de valores do diálogo e de uma educação em direitos humanos, inclusive, com o fomento de organizações da sociedade civil, da imprensa e universidades. Não temos uma estratégia ou uma política que fomente métodos desencarceradores, como a justiça restaurativa e terapêutica ou formas de responsabilização que não visem, exclusivamente, à inserção do indivíduo no sistema prisional. E aí não podemos deixar de lembrar, sempre e toda vez, que o cárcere é uma caríssima fábrica de tormentos e de degradação do ser humano. Precisamos pensar ainda mais em canais que permitam a recepção de denúncias, o escoamento de notícias de violações de direitos e avaliações de políticas. E aí, já que falamos do extermínio da juventude, de algo que pense o protagonismo da juventude. Em termos de segurança pública, é necessário discutir e pensar em diálogo com as estruturas de segurança, com a universidade e com a sociedade, no aumento do tempo preparatório para o ingresso na carreira dos integrantes de segurança, com uma melhor formação, uma melhor capacitação. É necessário, além do tempo preparatório inicial, o investimento em programas de formação continuada, também com ativa participação da sociedade e de universidades. É necessário assegurar um acompanhamento terapêutico com redes de apoio e medidas de escoamento da tensão decorrentes do trabalho para os agentes de segurança, quiçá por meio da promoção de cultura e lazer para esses mesmos; assegurar a efetividade e transparência nas corregedorias e ouvidorias com permanente acompanhamento e monitoramento social. Quase nenhuma corregedoria ou ouvidoria das estruturas, seja de administração penitenciária, de justiça penal ou de segurança pública fomentam ou estimulam a participação da sociedade e disponibilizam, de modo proativo, dados sobre o que é feito. E, se esses dados não são disponibilizados à sociedade, à imprensa e à universidade, pouco podemos avaliar, monitorar, criticar e pautar esse tema. Precisamos sensibilizar os agentes de segurança, a partir de revisão periódica de procedimentos e táticas. Parece que são elementos que levam à profunda exclusão. O Parlamento, a sociedade, a universidade não dialogam, não avaliam, não discutem com os agentes de seguranças seus procedimentos e táticas. E essa impermeabilização, essa ausência de diálogo tem levado a uma espécie de isolamento e de insulamento dos grupos de segurança e da sociedade. E aí, em temos finais, precisamos ampliar o acesso à Justiça, aumentando o quadro de defensores públicos, pensando ainda na efetivação da participação da sociedade, via escolha democrática da ouvidoria, dessas defensorias, algo já previsto em lei e que em nenhum lugar do País é efetivado. Fomentar a contratação de defensores dativos com remuneração compatível à honorabilidade da advocacia. Promover a articulação e mobilização da sociedade civil, para a promoção de defesa de direitos, podendo aí contar com o financiamento dos fundos de direitos. Aproximar - e isso é muito importante - os integrantes do parquet, de todos os ministérios públicos e da magistratura dos cidadãos, rompendo esse paradigma do Estado juiz em sua torre, completamente isolada da advocacia, do Parlamento e da sociedade. E aí, finalmente, não perder de qualquer modo, do horizonte, que a questão é completamente distante de soluções fáceis; ao contrário, é dotada de grande complexidade. A imutabilidade da sociedade é uma patologia e uma ideologia, adoece mentes e obscurece a percepção social, mas que possamos ser contagiados por uma doença incurável - e eu acho que é por isso que estamos aqui nesta CPI hoje -, e essa doença incurável é a esperança, que é capaz de estancar hemorragia de mártires da humanidade e propor uma sociedade melhor. Muito obrigado. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Vinícius, que fez um levantamento muito importante e analítico de todo o processo que nós estamos vivendo nessa situação de violência a juventude, além de apresentar propostas de encaminhamento que vão no sentido da criação de uma cultura de paz. |
| R | Vou passar a palavra para Mário. Antes, porém, vou ressaltar a importância do que Lindbergh falou há pouco. Ele sugeriu um encaminhamento. Quando eu vinha do aeroporto para cá, pude ouvir uma parcela da fala de Sebastião, que é um velho parceiro - viu, Lindbergh? - de uma mobilização nossa, que vem desde a Câmara até o Senado, de encontros quinzenais, às vezes, mas, principalmente, mensais, comandados pelo Paulo Teixeira, na discussão de toda a legislação da política antidrogas no Brasil. Eu queria sugerir, em função da importância das colocações de Sebastião, em relação à situação da Baixada, justamente pelo fato de termos um relator que, além de dedicado, é do Rio de Janeiro, que pudéssemos fazer uma diligência com uma audiência, uma oitiva local do Senador Lindbergh, porque a nossa pauta de audiências públicas já está se complicando. Hoje tivemos uma enorme dificuldade de negociação para a mudança das audiências. Por uma circunstância local, tivemos de mudar a audiência do dia 13, em Salvador, para o dia 23, uma segunda-feira, e mudar a audiência de Cuiabá para o dia 27, e, ainda não marcamos a de São Paulo. Então, precisamos chegar a dezembro com esse quadro de audiências, pelo menos, finalizado. Nesse meio tempo, dá para fazer outra oitiva no Rio de Janeiro, até pela circunstância especial do Rio de Janeiro e de São Paulo, em relação ao infeliz laboratório de violência que temos nessa região, uma região que inicia toda essa experiência de política de segurança, de intensidade de violência no Brasil, de envolvimento dos índices de violência contra a juventude e que, mais recentemente, consegue ter um debate também mais aprofundado, que começa a apresentar propostas que podem ser levadas por outros Estados, mas que, em si mesmo, guarda particularidades. Tivemos a audiência do Rio de Janeiro, como foi destacado aqui pelo representante do Amanhecer contra a Redução, o Wesley, que foi de uma riqueza emocional muito intensa, justamente porque teve a participação das mães das vítimas. O depoimento de cada uma daquelas mulheres que perderam seus filhos leva a uma necessidade de ação mais destacada naquela região. Por isso, o nosso Relator tem toda a legitimidade de aprofundar esse estudo de área na região e apresentar, no seu relatório, uma ênfase sobre um território do Brasil que tem experiência diferenciada em relação à situação de segurança pública, de violência contra a juventude, de organização da sociedade para combater a violência, de organização da juventude também nessa direção, que acho que merece um aprofundamento maior. Então, vamos encaminhar, Lindbergh, para que a gente encontre, esta semana, a data para marcar essa oitiva lá na Baixada. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Sem querer tomar tempo, Senadora, ali são territórios que têm uma história de cultura de grupos de extermínio. Não é, Tião Santos? Pouca gente lembra, mas, na década de 80, existia o famoso Mão Branca, que atuava muito fortemente na Baixada Fluminense, e, inclusive, o extermínio de que o Tião falou, mas esse feito por policiais, Senadora Lídice, a morte de 29 pessoas na chacina de 2005. |
| R | Eu tinha acabado de ser eleito, não tinha um ano à frente da Prefeitura de Nova Iguaçu, foi dia 31 de março, e, no meu terceiro mês à frente da Prefeitura de Nova Iguaçu, houve o massacre. Mataram 29 pessoas entre Nova Iguaçu e Queimados. Eu era prefeito, e eu fui avisado dos primeiros corpos que apareceram, e eu fui às ruas, e eu achei corpos ali. Fui, inclusive, com o Bispo de Nova Iguaçu, Dom Luciano Bergamin, porque as pessoas estavam apavoradas. Eu fui à Polícia Militar, Senadora Lídice, ao Comando da Polícia Militar, isso de noite, de madrugada, e a Polícia Militar não tinha o que fazer. O que eu fiz ali, naquela noite, foi acordar Dom Luciano, um Bispo que tem um trabalho maravilhoso - a história da Igreja Católica na Baixada Fluminense tem o Dom Adriano Hipólito, que tem uma história muito bonita -, e a gente só teve a fazer uma coisa: percorrer as cidades com Dom Luciano, os vários pontos, a cerâmica, onde morreram seis. Crianças foram mortas naquela chacina, uma chacina covarde, feita por elementos da própria Polícia Militar. O caso foi elucidado e foram condenados, inclusive. Então, falei isso porque sei da realidade, sei que, de fato, é muito importante. Eu dizia antes que talvez não haja um território que tenha tantas pessoas vitimadas pela violência como a Baixada Fluminense. Então, acho que seria um grande equívoco a gente não fazer isso lá. E eu o farei por determinação da Presidência. Já estamos acertando a data com o Tião Santos. Muito obrigado, Senadora Lídice. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada. Damos então, finalmente, a palavra ao querido amigo Mário Volpi, coordenador do programa de adolescência da Unicef. O SR. MÁRIO VOLPI - Obrigado, Senadora Lídice. Quero cumprimentá-la, cumprimentar o Senador Lindbergh, meus colegas aqui, Vinícius, Wesley, Sebastião. Eu queria lembrar que, em 1991, o Brasil teve, na Câmara dos Deputados, também, uma CPI que investigou, na época, o chamado extermínio de adolescentes. É interessante como esse vocabulário mudou. Hoje a gente está tratando da violência letal contra adolescentes, dando um termo técnico, quase clínico, para um problema político de uma gravidade imensa para a sociedade brasileira. Naquela ocasião, naquela CPI, eu coordenava o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de rua. É interessante que, naquela época, um educador do movimento no Rio de Janeiro, Volmer do Nascimento, fez uma denúncia de três juízes que estavam envolvidos no extermínio de adolescentes. Esses três juízes nunca foram presos, nunca foram julgados. Dois deles foram presos por pertencerem à tal máfia do INSS, se vocês se lembram daquela época, o que mostra que o roubo de um recurso público, de dinheiro, causou a prisão deles, mas a morte de adolescentes, de jovens não causou a prisão deles. Então, vocês vejam como nós temos, historicamente, no Brasil, um problema sério em identificar responsabilidades e punir os criminosos. Nesse caso, na época, surgiram quatro grupos que eram responsáveis pelo homicídio, pelo chamado extermínio de adolescentes. Eram os policiais civis e militares, as disputas territoriais, algumas vezes pelo tráfico, algumas vezes por outros tipos de crimes, os grupos que funcionavam com a faxada de segurança privada e os grupos que, na época, nós chamávamos de "justiciamento" e hoje ganhou o nome moderno de milícia. Esses quatro grupos foram identificados a partir de pesquisas, de levantamentos e se fez um grande plano de enfrentamento do extermínio de adolescentes que tinha três pilares: a investigação, a responsabilização do agressor e a reparação às famílias da vítima, um plano que, como vocês sabem, nunca foi executado, um plano que falhou em função de alguns temas que a gente pode retomar agora nessa ideia de ter um pacto. O que mudou de 1991 para cá? Primeiro, aumentou o número de homicídios. Naquela época se falava de mais de 10 homicídios por dia, hoje nós temos mais do que 24 homicídios por dia. Então, nós tivemos um aumento expressivo, um aumento inaceitável de homicídios contra adolescentes e jovens. |
| R | E vulgarizou-se o fenômeno. Hoje o fenômeno não gera a mesma indignação que gerava. Ele entrou para as páginas, nem digo de polícia, como estava na época; ele até, como hoje os jornais quase não têm mais aquela página policial, saiu dos editoriais, é um tema que está fora do debate público. E ele demandou... Nós tivemos uma mudança total. No começo, se pensava em atacar diretamente o fenômeno, e hoje o grande discurso é o da prevenção da violência, como se cuidar dos adolescentes melhor, se colocar os adolescentes da favela para fazerem oficina, jogar bola fosse resolver o problema do extermínio deles. É como se dissessem assim: "Precisamos cuidar melhor desses meninos, porque eles estão se envolvendo com coisas que não devem". E nós precisamos considerar que a prevenção do extermínio de adolescentes, do homicídio de adolescentes não se dá pela garantia do direito do adolescente à prática do esporte, à educação. Esse é um direito que ele tem independente de ser ameaçado de morte ou não. Não se pode, pela necessidade, usar o pretexto de que se a gente não fizer alguma coisa esses meninos vão ser mortos. Esse direito é um direito imanente ao fato de serem seres humanos. Não podemos entrar nesse discurso de que nós vamos fazer a prevenção. Nós precisamos atacar os agressores. O enfrentamento do homicídio contra adolescentes implica uma política que tem como centro a proteção dos direitos humanos e a mudança radical da política de segurança pública. Não é através... É importante dizer que eu não quero aqui fazer um discurso contra as oficinas pedagógicas que a Unicef apoia em todo o Brasil, contra o esporte como forma de proteção. Essas ações todas são importantes, mas nós estamos fazendo isso há mais de 25 anos e os homicídios de adolescentes aumentaram. Por quê? Porque nós não temos a responsabilização do autor do homicídio. E é esse o eixo que nós queremos buscar quando estamos tentando construir algumas respostas. O outro tema que também mudou é que esse tema não entrou - e aqui o Sebastião, que acompanha mais essa discussão, e o Senador também podem falar claramente sobre isso -, não entrou na agenda de nenhum secretário de segurança pública deste País. Não está na agenda dele combater o homicídio de adolescentes. Ele tem outras preocupações, desculpem a ironia. Então, é muito importante resgatar essa responsabilidade. E é muito interessante como os diferentes atores sociais - a mídia e, às vezes, até nós das organizações de direitos humanos -, quando há um homicídio de adolescentes, vão falar com a Secretaria de Direitos Humanos, com a Comissão de Direitos Humanos, com o Ministro de Direitos Humanos e não vão falar com o Secretário de Segurança. Quem é que tinha que proteger a vida daquele adolescente? Quem é o órgão? Se nós temos um problema de educação, com quem vamos discutir? Com o Ministro da Educação, com o Secretário de Educação, com os gestores públicos responsáveis pela política de educação. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Quarta-feira, desculpe-me interromper, nossa audiência pública aqui será com secretários de segurança. Com o do Rio - não é, Senadora Lídice? -, com o da Bahia e com o do Ceará. O SR. MÁRIO VOLPI - Exatamente. Eu acho que é muito importante reposicionar essa temática. Eu acho que, nesta CPI, se nós conseguirmos, acho que nós vamos conseguir muita coisa com esta CPI, nós precisamos recolocar o foco na política de segurança pública do País. Não dá para resolver o problema do homicídio de adolescentes com as políticas complementares. Elas são importantes, nós não podemos nos privar delas, mas o foco precisa estar recolocado na política de segurança pública. E nós precisamos... Um quinto item que mudou muito de 1991 para cá é que o racismo está mais evidenciado, embora ainda haja grupos no Brasil que negam o racismo, por serem racistas, obviamente. Mas o País demorou muito tempo para admitir o racismo. O País demorou e está demorando muito tempo para admitir que não é possível enfrentar o racismo sem reparação. E há essa política toda, essa discussão toda sobre as cotas. Cada vez que a gente traz essa discussão dizem que não é solução, que não é assim, não sei o quê, e ninguém fala qual é a solução. |
| R | Eu acho que o Brasil tem uma dívida muito grande com o povo negro. O impacto do racismo na infância, além desse impacto mais visível que é o homicídio de adolescente, é o abandono escolar, é a negligência dos programas de saúde, é a exposição das crianças negras à violência. Nós, o País perde primeiro por violar o direito humano dessas crianças e desses adolescentes e, segundo, por não aproveitar o potencial enorme que todas essas crianças têm para o País. Então, eu diria que esses cinco elementos que mudaram no contexto remetem à necessidade de um novo conjunto de propostas para enfrentar hoje o homicídio de adolescentes. E eu queria aqui colocar alguns desses itens. O primeiro deles é que nós não vamos avançar no enfrentamento do homicídio de adolescentes porque há um preconceito em relação às vítimas em função do desconhecimento de quem elas são. Nós temos muito poucos estudos, muito pouca divulgação de quem são esses garotos que estão morrendo. Em função do preconceito social, há uma perspectiva de uma parte da sociedade que imagina que, se esse garoto foi assassinado, alguma coisa ele deve ter feito. E como nós não conseguimos responder que ele não fez nada, a não ser em alguns casos isolados, não porque eles tenham feito alguma coisa, mas porque nós não recolhemos essa informação, não sistematizamos e não fazemos um trabalho sério de divulgar para a sociedade, o que nós estamos fazendo é matar vítimas totalmente inocentes. E mesmo que elas não fossem inocentes, não se justifica a morte delas. Então, um primeiro foco que eu gostaria de trazer é a necessidade de conhecer as vítimas, de dar um rosto, uma identidade, o contexto no qual elas viviam, a escola que frequentavam, o trabalho que elas faziam, a família à qual elas pertenciam. E os depoimentos que me antecederam aqui são muito importantes para resgatar essa dimensão - e me desculpem falar dessa forma -, a dimensão humana dessas vítimas. Nós não podemos esquecer esse fundamento essencial. Aqui então, baseado nesses temas, eu queria trazer algumas propostas que já estão circulando, mas para efeito de nós organizarmos um pouco as perspectivas de onde se poderia caminhar. Obviamente que nós temos que caminhar para a desmilitarização da polícia. Não há possibilidade de avançar sem discutir seriamente esse modelo militarizado de polícia, com tribunais específicos, no qual um crime tão grave como o homicídio fica impune. O outro tema que foi tocado aqui, mas que nós precisamos retomar é o fim dos autos de resistência. O auto de resistência é uma coisa antidemocrática, não permite a transparência. Infelizmente, há um estudo feito no Rio de Janeiro, se não me engano, pelo ex-Secretário de Segurança, Jorge da Silva, um grande estudo que mostra que, por muitas vezes, o próprio Ministério Público, que tinha a obrigação de fiscalizar aquele inquérito, concorda com a conclusão do arquivamento, porque aquele policial defendeu os interesses da sociedade ao eliminar um bandido. Além de não fazer o seu papel de defender a Constituição, justifica um homicídio, trazendo e reforçando uma visão estigmatizada sobre as vítimas que está muito presente na nossa sociedade. O terceiro ponto é: nenhum homicídio, isso se nós conseguíssemos fazer essa campanha no Brasil, esse é meu sonho desde 1991, nenhum homicídio de adolescente sem inquérito instaurado, sem a designação de um delegado para presidir esse inquérito, para levantar as provas, para juntar, para encaminhar, sem um acompanhamento sistemático desse inquérito. Um estudo, como eu já disse, aprofundado do perfil das vítimas é importante conhecer, mas também do perfil do agressor, do perfil do criminoso. |
| R | E uma força-tarefa de alto nível dos secretários de segurança para implementar uma política de zero homicídio sem inquérito, uma política que mobilizasse o País inteiro, que trabalhasse com um sistema atualizado permanentemente para garantir que nós tenhamos o conhecimento hora a hora dos homicídios cometidos e da instauração desse inquérito. Eu não quero, de forma alguma, minimizar as demais políticas que têm impacto nesse tema. Mas o que nós aprendemos, nesses 25 anos da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, é que não dá para fazer coisas laterais sem atacar o centro do problema. E o País não tomou a decisão política ainda de atacar o centro do problema. Então, eu queria trazer essa contribuição e queria agradecer à Senadora Lídice da Mata por esta oportunidade. Acho que temos como aprofundar cada uma dessas propostas. Acho uma iniciativa importante o pacto que foi feito, mas está faltando no pacto uma coisa muito importante: quem é responsável por cada atividade, que vai colocar o orçamento para que aquela atividade aconteça e quem vai acompanhar a execução daquela atividade para ver se o resultado é satisfatório para aquilo que a sociedade quer, que é uma sociedade de mais paz, de mais respeito à vida. O SR. VINÍCIUS MIGUEL (Fora do microfone.) - Com prazos e metas. O SR. MÁRIO VOLPI - Exatamente, com prazos, com metas, esses detalhes. Mas o mais importante é saber: nós vamos enfrentar a questão da inexistência de inquérito para investigar homicídio? Vai haver uma estratégia sobre isso? Vai haver recursos para que esse inquérito seja instaurado? Eu acho que é esse o tema que eu queria trazer a vocês, como contribuição da Unicef. E dizer também que a Unicef se dispõe a colaborar nesse processo, não apenas com esta Comissão, mas com o próprio plano, com a Secretaria de Direitos Humanos, com o Ministério da Justiça. Acho que é importante que o País, em algum momento, faça uma declaração clara de vontade política de enfrentar o extermínio de adolescentes, como se dizia em 1991, ou o homicídio de adolescentes, essa morte inaceitável dos nossos adolescentes e jovens. Muito obrigado. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Acho que realmente a Unicef, por toda experiência que tem no acompanhamento dessa questão no Brasil, nos trouxe uma série de contribuições fundamentais para nortear o nosso trabalho de construção do relatório e até para debater na próxima audiência pública e poderem interagir mais com os secretários de segurança na definição de metas e abordagens dessa questão. Na outra audiência no Rio de Janeiro, também se levantou em outro formato, essa questão da responsabilização. Termina o Estado reduzindo a questão a identificar um indivíduo só como responsável e não tem uma atuação de ir além do indivíduo, que tem que ser responsabilizado e punido, também da investigação e da adoção de uma política de responsabilização do Estado. Eu creio que esses elementos todos poderão estar contidos no nosso relatório e permitir que a gente possa sair disso também com um relatório que possa ser debatido com o Governo Federal na adoção de medidas que sejam indicadoras para as secretarias de segurança do Estado de uma pauta, de uma meta. Eu não acredito que nada disso nós possamos conquistar sem uma política nacional. Enquanto for uma política regionalizada, sem que nós tenhamos mecanismos de acompanhamento e de responsabilização hierárquica de definições que envolvam Estados, Municípios e a sociedade, dificilmente nós poderemos alcançar. Isso só será feito se nós tivermos uma política de cima para baixo e de baixo para cima, se encontrando, com objetivos muito claros. |
| R | Quero saudar, pela contribuição e pela fala, o representante da Unicef, companheiro Mário Volpi, e solicitar ao Relator que possa indicar a sua necessidade, se deseja usar da palavra ou se podemos encerrar aqui. (Pausa.) De forma que, já usando de sua prerrogativa de Relator para abusar um pouco dos nossos expositores, considero que a fala de V. Exª foi no sentido de encerrarmos esta audiência, agradecendo a participação e a contribuição de cada um dos senhores aqui presentes hoje. Nesse sentido, declaro encerrada a presente reunião, convocando para a próxima quarta-feira, às 14h30, a outra audiência desta semana com os Secretários de Segurança Pública de três Estados: Bahia, Rio de Janeiro e Ceará, quando também trataremos da questão do desarmamento como foco importante deste momento de discussão de uma política de segurança para o nosso País. Muito obrigada. (Iniciada às 19 horas e 48 minutos, a reunião é encerrada às 21 horas e 17 minutos.) |
