Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco/PMDB - MS) - Havendo número regimental, declaro aberta a 14ª Reunião da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher. A presente reunião destina-se à realização de uma audiência pública para debater a situação da violência sexual contra as mulheres nas universidades do País e à apreciação de alguns requerimentos na segunda parte. Importante dizer que este é um requerimento que foi solicitado pela nossa Relatora, Deputada Luizianne Lins. Ela já está a caminho. Houve um problema com o voo, atrasou um pouquinho, mas em menos de dez minutos ela estará conosco. E ela vai, com muito prazer, presidir esta audiência pública. Mas nós já iniciaremos os trabalhos, para não atrasarmos ainda mais. É importante, ao dar as boas-vindas às senhoras e aos senhores convidados e também àqueles que irão fazer as suas apresentações, dizer que esta audiência pública será realizada em caráter interativo. O que significa que é possível a participação popular através dos nossos veículos aqui do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, tudo junto, e do Alô Senado, através do número 0800 61 22 11. O requerimento que foi aprovado, da Deputada Luizianne Lins, tem aqui como justificativa que as instituições de ensino superior são espaços privilegiados de conhecimento. Historicamente, foram criadas para difundir o conhecimento e os valores humanísticos, mas vêm também sendo espaço de muita violência, infelizmente. Os casos de violência sexual nas universidades sempre aconteceram de forma velada, mas ultimamente percebemos que, a cada dia, vem aumentando. E sabemos que as estatísticas sobre agressões sexuais em universidades brasileiras não existem, mas os casos se repetem por todo o País. Agressões cometidas pelos próprios estudantes e por pessoas de fora da universidade, que entram no campus por falta de segurança. Entendemos que a universidade também tem que ser ouvida e, se for o caso, responsabilizada. Segundo dados encaminhados pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, estima-se que a cada doze segundos uma mulher é estuprada no País. E aqui vêm alguns dados a respeito da violência que, infelizmente, acomete as mulheres no Brasil. E ela, portanto, faz os convites aqui às autoridades que estão presentes. Sem mais delongas, portanto, eu gostaria de convidar nessa primeira rodada de discussão, para compor a Mesa, a Sra Aline Yamamoto, Secretária-Adjunta de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Secretaria de Políticas para Mulheres. Seja bem-vinda. (Palmas.) |
| R | O Sr. Paulo Gabriel Soledade Nassif, que é Secretário de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação. Seja muito bem-vindo. (Palmas.) A Srª Eva Alterman Blay, nossa ex-Senadora da República, a quem, com muita satisfação, eu convido para compor a Mesa. Hoje, é doutora e professora da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Seja bem-vinda, Senadora. (Palmas.) E, por fim, a Srª Andréa Pacheco de Mesquita, assistente social e professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Bem-vinda. (Palmas.) De acordo com o Regimento Interno desta Casa, do Senado Federal, e também da Câmara dos Deputados, a Presidência adotará as seguintes normas: Como são muitos os nossos palestrantes, estaremos ouvindo aqui os nossos convidados, estaremos dando, em um primeiro momento, um tempo máximo de dez minutos de exposição, porque, em seguida, nós abriremos a fase de interpelação pelas Srªs Deputadas e Srªs Senadoras, para que possamos aqui ter um debate e não ficar só em um monólogo. A palavra será dada aos Parlamentares pela ordem de inscrição, que, a partir de agora, já está aberta. E neste momento, antes de passar a palavra à primeira da lista, eu gostaria apenas de comunicar não só aos membros desta comissão, mas também a todos aqueles que estão nos vendo pela TV Senado e nos ouvindo pela Rádio Senado, que ontem saiu o novo Mapa da Violência Contra a Mulher no Brasil. Infelizmente, os números são assustadores. Todo o avanço que tivemos no início da implantação da Lei Maria da Penha, que acabou de completar nove anos, ela começa a se perder, no sentido de que os números voltaram a aumentar. E aí não cabe a discussão aqui, neste momento, é claro, se aumentou a violência ou se aumentou o denuncismo. Na grande realidade, o importante é que existe um número assustador e esse não depende de coragem das mulheres no sentido de denunciar. Ou seja, demonstra realmente o grau de violência do País em relação às suas mulheres, em relação ao número de assassinato de mulheres. Dos 83 países pesquisados, nós somos o quinto país no que se refere a esse tipo de violência. A maioria desses casos é dentro dos próprios lares, cometidos pelos próprios familiares. Um terço da violência contra a mulher é cometida por parceiros ou ex-parceiros e um número que nós iremos aqui, na comissão, no momento oportuno, abordar com muita seriedade e que nos preocupou muito foi que, enquanto a média da violência contra a mulher branca caiu na média de 9%, o aumento da violência contra a mulher negra aumentou mais de 50%. Então, esse é um número que não pode ficar oculto. É preciso que nós, da comissão, tomemos providência; e iremos tomá-la no momento oportuno. É que eu não poderia deixar passar isso em branco, uma vez que o Mapa de 2015 saiu exatamente ontem, Deputada Maria do Rosário. E os números realmente nos entristecem e são generalizados. E nas capitais é interessante: com aumento expressivo nos menores Municípios deste País. Mas, neste momento, o assunto é a violência contra a mulher nas universidades. Esse é um assunto realmente preocupante porque também o Mapa da Violência aponta que a grande faixa de vulnerabilidade da mulher é na adolescência, principalmente na faixa etária dos 18 anos de idade. Isso realmente, nesse aspecto, faz com que esta audiência pública seja muito bem-vinda. Ela vem em boa hora. Tenho de parabenizar a nossa Relatora, que já está chegando no máximo em cinco minutos. Eu pergunto à Mesa se alguém quer começar as falas ou se eu posso já passar, de imediato, pela ordem em que as anunciei. Posso, então? (Pausa.) Passo a palavra, neste momento, à Secretária-Adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a Srª Aline Yamamoto. A SRª ALINE YAMAMOTO - Boa tarde a todas e a todos aqui presentes. Eu gostaria primeiramente de parabenizar esta comissão por trazer um tema tão importante para ser discutido aqui, nesta audiência pública, que é a questão da violência sexual, em especial, nas universidades. |
| R | Cumprimento todos os meus colegas de Mesa em nome da Senadora Simone, que é a Presidente desta Comissão, e todas as Parlamentares presentes, todas as pessoas que vieram participar desse debate aqui conosco. A minha fala vem muito no sentido de a gente refletir sobre o cenário de violência que a gente tem no nosso País, em especial a violência sexual contra as mulheres, meninas, adolescentes, que, infelizmente, os dados apontam. No passado, o Ipea fez um estudo estimando que cerca de 527 mil pessoas são vítimas de estupro ao ano no Brasil. Isso significa que a gente tem, conforme os dados do Fórum de Segurança Pública, a anuário que foi publicado em relação a dados de 2014, e também lembrando de 2013, nós temos aproximadamente 50 mil casos de estupro que são denunciados, são levados ao Sistema de Segurança e Justiça. Isso representa, então, menos de 10% dos casos estimados. Então, um dos grandes problemas quando a gente fala de uma sociedade desigual, quando a gente fala de violência sexual, a gente está falando de uma cultura do estupro, uma cultura que naturaliza a violência sexual contra as mulheres, em que as mulheres são objetificadas, são objetos de posse, um corpo a ser possuído, a ser dominado, e, como a gente vê nos relatórios do mapa da violência, muitas vezes a serem descartados. Então, essa é a gravidade do cenário que a gente fala no Brasil, e, quando a gente pensa sobre notificação, se a gente fala de cerca de menos de 10% dos casos de violência sexual de estupro que são levados ao Sistema de Segurança e Justiça, o que acontece com os outros 90%? O outro dado que está no registro também do Sinan, que também foi analisado pelo Ipea, é que das 527 mil pessoas vítimas de estupro, 89% são do sexo feminino, são meninas, adolescentes, mulheres. Esse dado nos surpreende, porque justamente deriva dessa cultura patriarcal e machista de violação, de controle do corpo das mulheres. Outro dado que traz muita reflexão é que 70% dessas pessoas vítimas de violência sexual são crianças e adolescentes. Dessas crianças, 24% sofreram violência sexual de familiares, de pais e padrastos, e 32% de amigos ou pessoas conhecidas. A violência sexual é um fenômeno que atinge especialmente mulheres, meninas, tem uma incidência altíssima em crianças e adolescentes, e, conforme a faixa etária vai subindo, diminui o número de índice de agressores de pessoas conhecidas, e cerca de 61% das mulheres adultas vítimas de violência sexual o são por pessoas desconhecidas. Todo esse fenômeno faz a gente refletir também um outro dado, que também é muito conhecido da população brasileira, que é o direito à segurança. Diversas pesquisas mostram que as mulheres têm mais medo de estar no espaço público, isso porque o principal medo que está conectado a andar em uma rua, de transitar no espaço público é o assédio, o assédio sexual, é a violência e o risco de ser estuprada. Isso causa, nas mulheres, e aqui falo de nós mulheres, acho que um homem não sabe qual é a sensação de caminhar por uma rua escura, onde não há outras pessoas e o medo que é de ser violentada. Isso é uma violação dos direitos humanos, isso é uma violência que acomete uma parcela muito grande das mulheres no nosso País e das mulheres no mundo, já que outro dado das Nações Unidas é que uma de cada cinco mulheres sofre ou vai sofrer, ao longo da vida, algum tipo de violência sexual. Recentemente, nós observamos, com um caso que veio à tona da jovem do Programa MasterChef, que, a partir daí desencadeou uma série de reações nas redes sociais usando a #primeiroassédio, e inclusive isso veio à tona mostrando como a maioria das mulheres já passou por um a situação de assédio sexual no espaço público, por pessoas conhecidas ou desconhecidas. |
| R | Portanto, quando a gente fala de violência sexual nas universidades não é um fato novo nem desconhecido, porque as mulheres sofrem violência e assédio em todos os espaços, no espaço de trabalho e nas universidades também. O que é preciso reforçar - e aí o que a gente tem observado na reação de alguns casos que vieram à tona na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nos casos de que a gente tem conhecimento aqui na própria Universidade de Brasília - é que as universidades têm falhado no seu empenho de responsabilizar os agressores dessa violência. O que é mais comum é que isso é fruto dessa cultura da naturalização da violência que culpa a mulher pela própria violência. Colocam em dúvida a credibilidade do relato da mulher, a culpam pelas roupas que estava usando. Se o acontecimento foi no âmbito de uma festa é como se ela fosse responsável por aquela violência porque, no fundo, ela queria. Então, todos esses discursos estão permeados por esse cenário de impunidade que não compreende o próprio fato de que mulheres e meninas têm vergonha de levar os casos para o sistema de segurança. Quem é julgado, nesses casos de violência sexual, são as mulheres, são as meninas e não seus agressores. O que eu queria destacar em relação às ações? A gente tem tido muita preocupação, obviamente, com esse cenário de violência sexual. A gente tem, no âmbito do Governo Federal, desde 2007, o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Em 2013, a Presidenta sancionou o programa "Mulher, viver sem violência". Nesse programa há um eixo que é fundamental e que está voltado especialmente para a questão da organização e da humanização do atendimento às mulheres vítimas de violência sexual. Essa é uma iniciativa que nós desenvolvemos em estreita parceria com o Ministério da Justiça e com o Ministério da Saúde, partindo da perspectiva que considerando que meninas e mulheres, quando sofrem uma violência, buscam preferencialmente o sistema de saúde para atendimento em saúde e que a gente tem um cenário, ainda, muito limitado de equipamentos de segurança pública - e falo de institutos de medicina legal para realizar as perícias médicas nesses casos de violência. O programa é para possibilitar que, a partir de uma parceria com sistemas de justiça e com o sistema de saúde, possamos capacitar profissionais médicos para que possam fazer a coleta de vestígios quando uma mulher busca assistência no serviço de saúde. Que isso seja feito de forma a preservar a cadeia de custódia. Então, é fundamental que os médicos estejam capacitados, que os serviços de saúde especializados recebam, portanto, equipamentos adequados para fazer essa coleta de vestígios e para fazer a guarda desse material. A gente sabe que a taxa de subnotificação é muito grande e que a mulher tem um prazo de 6 meses para decidir se vai levar adiante uma ação penal ou não, esse material poderá ficar guardado e poderá ser, posteriormente, enviado para a análise da perícia, se a mulher ou adolescente assim o desejar. Essa é uma ação que a gente vem desenvolvendo. Nesse âmbito, já foram diversas normativas e leis que foram aprovadas para viabilizar esse atendimento de saúde. Vou mencionar rapidamente que, em 2013, em março de 2013, no mesmo momento em que houve o anúncio do programa "Mulher, viver sem violência", houve o Decreto nº 7.958, assinado pela Presidenta, que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e de saúde; em 1º de agosto de 2013, a Lei nº 12.845, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual; a Portaria nº 485, do Ministério da Saúde, que redefine o funcionamento dos serviços de atenção às pessoas em situação de violência sexual no âmbito do SUS; a Portaria nº 288, de 25 de março de 2015, que estabelece orientações para a organização desse serviço, desse atendimento de vítimas de violência sexual pela segurança pública e pela saúde e, mais recentemente, a Portaria nº 1.662, de 2/10/2015, do Ministério da Saúde, que define critérios para a habilitação, realização desse procedimento de coleta de vestígios que mencionei no Sistema Único de Saúde pelo SUS. |
| R | Então, esse bojo, esse conjunto de normas, leis, decretos e portarias tem conformado essas ações que o Governo Federal considera prioritário para enfrentar e acolher e combater a impunidade nos casos de violência sexual e que - para finalizar, porque meu tempo se esgotou -, infelizmente, correm o risco de retroceder quando falamos do Projeto de Lei nº 5.069, que foi aprovado na Câmara dos Deputados. Então, com essa importância, nesse cenário grave, eu enalteço a realização desta audiência. Há muito ainda a ser feito para combater essa cultura do estupro no nosso País. Temos buscado, por todos os mecanismos de saúde e segurança pública, evitar e minorar a revitimização das mulheres que sofrem uma violência que é brutal e desumana. Obrigada. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. PMDB - MS) - Nós é que agradecemos à Srª Aline pelas informações. Obrigada por ter se atentado ao tempo. Nós, se for necessário, dar-lhe-emos mais tempo ao final. Agimos assim para que todos possam ser ouvidos e os Parlamentares possam fazer suas indagações também. São importantes os números apresentados pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, ainda que subnotificados, principalmente no enfoque das nossas crianças e jovens, e essa preocupação também da Secretaria com o posicionamento das universidades a respeito. Antes de passar a palavra ao Sr. Paulo Soledade Nacif, eu gostaria de convidar para presidir os trabalhos desta audiência pública a autora do requerimento, Deputada Federal, nossa Relatora Luizianne Lins. Passo, portanto, a Presidência à Deputada Luizianne. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Boa tarde a todos! Queria justificar que cheguei atrasada em função de problema de voo mesmo. O aeroporto ficou fechado um tempo. Então, todos os voos atrasaram e eu fiquei angustiada, pois estamos numa expectativa muito grande deste momento, tanto pelo fato de ser mulher, feminista e ter atuado sempre na defesa das mulheres, da luta feminista, como também pelo fato de ser professora universitária e estar acompanhando esses casos que, no Brasil, têm sido muito angustiante para todas nós, mulheres, professoras, alunas, principalmente no ambiente universitário, embora saibamos que esse é um quadro generalizado na vida das mulheres. Portanto, precisamos pontuar que a ideia é que esta audiência pública não só traga essas situações, mas também informações e decisões concretas para superar este quadro. Eu acho que o mais importante é sairmos daqui com medidas muito concretas. Depois que a gente é prefeita de uma cidade, como eu fui, de 2,6 milhões habitantes, queremos resultado concreto, como é que transformamos essa angústia, essas situações em políticas públicas, pontuando coisas concretas que possam avançar no combate a este tema. Vamos chamar o Sr. Paulo Gabriel Soledade Nacif, Secretário de Educação Continuada de Alfabetização, Diversidade e Inclusão. O SR. PAULO GABRIEL SOLEDADE NACIF - Boa tarde a todos e a todas! Lamento que os homens ainda tenham tão pouco interesse neste assunto, que é profundamente nosso também. Saúdo a ex-Prefeita e Deputada - também Senadora, seguramente - Luizianne, a Senadora Simone Tebet, a Deputada Moema Gramacho, pelo meu Estado. |
| R | Estamos aqui representando o Ministro Aloizio Mercadante. Acabei de chegar, há poucos minutos, de uma audiência na Câmara, onde também representava o Ministro e em que se debatia a presença da questão de gênero nos planos nacionais de educação e nos planos estaduais e municipais. Foi um debate muito intenso, muito respeitoso, mas com um vínculo muito forte, também, com esse debate que se realiza no Senado. Seguramente, os dados são assustadores. Acho que o estabelecimento de pontes fundamentais para que a questão de gênero seja debatida nas universidades, com respeito a toda diversidade e a todas as concepções, é algo fundamental, e precisamos conquistar isso. Esse medo do debate sobre gênero é algo que tem um determinado campo, e o mundo inteiro tem revelado isso. Existem diversos estudiosos que se preocupam, profundamente, com isso. É evidente que o MEC cumpre, integralmente, todas as decisões do Congresso Nacional. Nesse caso, a retirada do conceito de gênero e orientação sexual é um dado, mas quero ressaltar que, em alguns lugares, existe uma preocupação muito grande com esse movimento. Ainda neste final de semana, lia um texto de um cientista político que dizia que é bom tomar cuidado porque esse caminho dessa ideologia de gênero, às vezes, permite que atores evitem discursos racistas, machistas e, ao mesmo tempo, finjam ser defensores da democracia. Claro que isso ocorre em uma determinada situação. É um estudioso da Bélgica, da França. Não têm nada a ver com o Brasil, mas eu sinto a necessidade de estabelecemos pontes para que essa questão, como a violência sexual contra mulheres, seja debatida em todos os âmbitos. Seguramente, tenho experiência, porque, nos últimos nove anos, fui reitor da Universidade Federal no recôncavo da Bahia e vivenciei isso de forma muito intensa. A universidade foi criada pelo Presidente Lula e, agora, já tem dez mil estudantes. Todas essas questões vivenciamos profundamente. Sabemos que esse não é um fenômeno isolado das universidades. Trata-se de uma realidade presente na sociedade. Tem grande incidência no ambiente familiar das vítimas e também na escola, no trabalho, no lazer e na rua. O Mapa da Violência que a Senadora Simone abordou foi divulgado ontem e registra que 5,3% dos homicídios de mulheres no Brasil são cometidos por familiares; desse total, 33,2% são parceiros ou ex-parceiros. Entre 2003 e 2013, o número de homicídios de mulheres passou de 3.937 para 4.762, um aumento de 21% nesse período. As 4.762 mortes, em 2013, último ano do estudo, representam uma média de 13 mulheres assassinadas por dia. Acho que é importante, inclusive, repetir esses dados, não obstante tenham sido apresentados, para mostrar a dimensão dos nossos desafios. Embora a educação não seja a única responsável pela transformação dessa realidade, sem dúvida, é apontada como uma estratégia fundamental para um projeto de sociedade livre da discriminação e violência. Essa realidade, por exemplo, foi retratada na redação do Enem, também motivo de muita controvérsia, hoje, pela manhã, na Câmara, com o tema da persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira. Ao falar sobre o Enem, Maria da Penha, em uma entrevista, ressaltou que sua proposta “seria a de investir na educação para conscientizar as pessoas de que as mulheres, em seus relacionamentos, têm que ter seus direitos humanos respeitados. A educação trabalha nesse sentido, do respeito ao outro”. Explicou ainda que deseja que "haja uma mudança da cultura machista, com a criação das políticas públicas onde a mulher possa denunciar, possa ser protegida, e o seu agressor possa ser punido. A finalidade da lei é exatamente punir o agressor. A gente não quer punir o homem, a gente quer punir o homem que não respeita sua mulher". |
| R | Também diversos especialistas elogiaram o tema da redação por considerar a atualidade e relevância de os jovens conhecerem e discutirem os índices de violência contra mulher. Eu acho que são vários os tipos de violência que as mulheres sofrem pelo simples fato de serem mulheres. Destaca-se a violência sexual, que ainda é recorrente nos dias de hoje. Seguramente, apesar de tudo, sabemos que esse é um fenômeno de toda a sociedade, como bem colocado no requerimento da Deputada Luizianne Lins. A gente deve discutir especificamente na universidade, porque sabemos que essa é uma estrutura fundadora da cultura ocidental. A universidade fui fundada, inclusive, em um momento de crise, com muita intenção de se preservar toda uma cultura. De todo modo, a gente sempre sabe que a base da universidade, em todo o mundo, foi a cultura. No entanto, a gente também há que considerar que a universidade brasileira tem se afastado dessa postura de cultura. Muitas vezes a gente tem uma estrutura formadora inculta - não é? -; ou uma incultura, como diria o professor Naomar Monteiro de Almeida Filho, ex-Reitor da UFBA. Um aluno faz a seleção, entra na universidade, passa cinco anos numa faculdade somente focado na sua formação profissional, sem qualquer incentivo para explorar a diversidade, a multiplicidade que deveria ser características de uma instituição universitária. Nesse sentido, eu acho que faltava debater a universidade como uma instituição de cultura em toda a sua amplitude. Acho que se pode lançar luzes nesse debate, que é algo fundamental. O MEC buscou fazer isso, por exemplo, no Reuni. Ainda ontem, foi publicada a Lei Antibullying, a Lei nº 13.185. São diversos mecanismos. Vale registrar que, notadamente, a nossa diretoria de educação para direitos humanos, cuja diretora, Prof. Cláudia Dutra, ali está, acompanhada da brava Camila, que é a coordenadora de educação em direitos humanos. Nós temos uma série de ações na Secadi, como o prêmio construindo a igualdade de gênero, junto com a SPM. Temos vários cursos de formação continuada de professores da educação básica, em que a participação de professores e alunos da universidade sempre ocorre, como promotores disso. Nós temos uma linha no ProExt, que é o Programa de Extensão Universitária E, ainda, temos editais do Programa Mulher e Ciência. Além disso, vale registrar, também, o estabelecimento de diretrizes nacionais para educação em direitos humanos. Na verdade, quem deveria estar aqui nesta Mesa, possivelmente, seria o Secretário de Educação Superior, o Prof. Jesualdo, da Universidade Federal do Ceará, mas ele tinha uma viagem já agendada há bastante tempo. Mas a gente tem um trabalho muito em conjunto. Ele me disse e fez questão de ressaltar que esse é um tema que ele considera fundamental e que, agora, neste momento pós-greve,... (Soa a campainha.) O SR. PAULO GABRIEL SOLEDADE NACIF - ... quando ele assume, efetivamente, o diálogo com a universidade, de forma mais abrangente, seguramente ele buscará colocar essa temática como algo fundamental nas universidades. Então, agora, como essa é a minha primeira oportunidade de intervenção, eu coloco-me à disposição das senhoras e dos senhores. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Quero agradecer ao Sr. Paulo Gabriel Soledade Nacif. E quero agradecer, também, a presença de todas vocês, em especial, das nossas Parlamentares - Senadoras e Deputadas - e da nossa Presidente Simone Tebet, uma grata surpresa nessa luta, uma mulher, muito interessante e importante, que tem demonstrado muito compromisso com esta Comissão, com o seu mandato e, também, com a luta das mulheres. Simone, muito obrigada por tudo! Quero agradecer, também, a presença da Deputada Maria do Rosário, nossa militante de direitos humanos, que já foi secretária; e também da Deputada Elcione Barbalho... (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Está bom. Nossa vida é assim - correndo aqui -, mas ela, daqui a pouco, volta. Quero agradecer, também, à nossa querida Deputada Moema Gramacho, que é uma grande lutadora, de Salvador, Bahia, e que está aqui conosco; à Regina, nossa Senadora do Piauí; e à nossa companheira Governadora, Senadora, Deputada hoje, a nossa Benedita da Silva, que, também, está aqui conosco. Quero agradecer a presença de todos vocês que estão fortalecendo essa luta. |
| R | Bom. Eu não sei se todas e todos estão acompanhando, mas a gente está vivendo um momento - vocês devem estar vendo pela imprensa - tanto de ação como de reação. As mulheres têm tomado, recentemente, um protagonismo muito interessante na luta de todos os direitos no Brasil. Não só pelos direitos que elas estão perdendo, porque, segundo os próprios semanários que a gente tem visto - agora, no aeroporto, eu estava vendo os semanários e eles indicam esta Câmara como a mais reacionária da história do Congresso Nacional -, nós estamos vendo se esvair pelas mãos direitos dura e longamente conquistados. E eu estou fazendo aqui esse preâmbulo para chamar aqui para falar uma companheira que eu tenho muita vontade de conhecer pessoalmente porque, desde quando ainda não era nem vereadora - e eu fui vereadora muito jovem -, já escutava a história, porque eu acompanhava o Ser Fêmea muito jovem, a luta no Parlamento pelos direitos da mulher. E eu queria, exatamente, chamar uma pessoa que fez história nesta Casa que é a Drª Eva Alterman Blay, que é professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ex-Senadora desta Casa e que deixou muitas marcas na defesa e na luta das mulheres na conquista dos direitos que hoje a gente tem e pelos quais a gente tem que lutar para a gente não regredir. Então, muito prazer e muita alegria em tê-la aqui conosco! A SRª EVA ALTERMAN BLAY - Muito obrigada. Suas palavras são muito amorosas. Faltou dizer que eu sou feminista. Eu acho que isso é absolutamente importante! Não, é preciso dizer! É preciso repetir insistentemente porque nós mulheres, por esse último PL que a Luizianne acabou de colocar,... Foi muito difícil para nós vermos a nossa palavra reconhecida como verdadeira. Então, se uma mulher vai ao médico, ou vai a um posto de saúde, ou vai a uma delegacia, e diz: "Fui estuprada.", não tem que discutir se ela está falando a verdade ou não: ela está falando a verdade! (Palmas.) Porque é tão duro - é tão duro! -, foi tão difícil nós alcançarmos esse direito de abrir a boca e falar o quanto estamos sendo agredidas, que nós temos mais é que preservar esse direito. Em tudo o que foi falado aqui, que eu concordo inteiramente. Eu só queria acrescentar mais algumas coisas, que é o seguinte: faltou dizer que, quando uma mulher é agredida sexualmente, ela tem só 72 horas para receber medicamentos para ela não se tornar sexualmente doente, para ela não ter Aids, para ela não ter nenhuma doença sexual. E são só 72 horas. Então, não tem nada que ficar indo em delegacia para fazer... Não, tem que ir imediatamente para obter o medicamento ao qual ela tem direito como cidadã. Isso nós conquistamos e nós não podemos abrir mão disso! Bom. Isso posto... Eu fico muito raivosa, mesmo, de ver que corremos o risco. Mas nós não vamos voltar atrás! Esse conservadorismo não vai vencer! Agora, me pediram para estar aqui, hoje, como representante da Universidade de São Paulo. Eu queria, mesmo, que o reitor estivesse aqui porque eu acho que era obrigação, mesmo, da autoridade maior da universidade - da maior universidade da América Latina - estar aqui para defender os direitos das mulheres. E dos homens, porque nós, quando defendemos os direitos da mulher, estamos defendendo, ao mesmo tempo, os dos nossos homens - nossos filhos, nossos pais, nossos maridos, nossos amantes, nossos companheiros. Quer dizer, estamos defendo o direito de todos os cidadãos. Bom. Muito bem. |
| R | A Universidade de São Paulo, os senhores precisam entender, tem um papel fundamental em todo esse processo. Por isso que eu voltei e nunca deixei de trabalhar na universidade, porque ela tem um papel formador. Só que todos os escândalos que nós estamos vendo ultimamente de agressões no campus da universidade precisam ser entendidos como o seguinte: a universidade, no caso, a Universidade de São Paulo, tem 55 mil alunos - não é pouco, é uma cidade -, tem mais 5 mil professores, então, já deu 60 mil, mais cinco mil e tantos funcionários, mais o pessoal que circula por lá, mais o equipamento que lá funciona e que é aberto ao público. Temos trabalhos, por exemplo, para crianças que têm problema de asma, natação. E mil cursos de extensão. Então, a universidade não é uma coisa separada da sociedade, ela é o microcosmo da sociedade, com todas as suas qualidades e defeitos. O grande problema que nós enfrentamos, e aí é a sociedade inteira que tem que se responsabilizar por ele e forçar que se resolva... "Ah, é porque não tem segurança". Não tem mesmo. Não tem segurança suficiente. Agora, felizmente, aumentou o número de profissionais, de PMs qualificados que estão lá. Mas precisou morrer um rapaz, morrer um aluno praticamente na porta da minha sala. Precisou morrer um outro na raia, por droga. Quer dizer, tudo o que acontece lá acontece na sociedade toda, inclusive os estupros. Inclusive, aquilo que aconteceu na faculdade de Medicina não pode ficar impune, porque forma-se aquele espírito de corpo dos médicos, como poderia formar dos sociólogos ou dos engenheiros. Eles querem se autoproteger, mas não pode. Nós temos que ter dentro da universidade todo um caminho para enfrentar esse problema. "Ah, mas vai denegrir a universidade!". Não vai, não. Vai mostrar que a universidade tem problemas, como o resto da sociedade. Bom, não preciso dizer que nós também temos lá os problemas econômicos, problemas salariais e problemas políticos, político-partidários, que são muito graves. Por exemplo, vamos supor que nós formemos uma ONG de estudantes, sei lá, da Arquitetura, ou da Sociologia, ou da Psicologia, e tal. O ideal seria um congraçamento dessas ONGs. Só que aí há uma interveniência de alguns aspectos político-partidários. Então, gente, não é fácil. Há toda uma tendência, um processo em que a gente tenta organizar tudo isso. Mas é preciso levar em conta que há outros interesses, como no resto da sociedade, que interferem sobre o caminho da universidade. Eu tinha feito uma série de anotações que perdi, mas, só para recuperar esse processo, vejam, estamos falando de problemas de sexualidade, de agressão sexual hoje. Só que eu sou professora lá há 40 anos. Sabem o que se roubava 40 anos atrás? Papel higiênico. É ridículo? É. Mas se roubava. Era a pobreza. Era funcionário, era aluno. E não era por brincadeira. Era por necessidade mesmo. Se você deixasse um lanche lá, era surrupiado, porque alguém iria comer. A universidade viveu muitos momentos. Ao longo do tempo, depois do papel higiênico, passaram a roubar o quê? Material de escritório; depois, os computadores; depois, as grandes quantidades de computadores, e assim por diante. Depois entraram as drogas. E aí há um outro mundo que nós temos que enfrentar, porque ataca os alunos, ataca professores, formam-se aquelas máfias. E como você trabalha isso dentro da universidade, isolando a universidade? Não se isola. Ela está ligada a tudo. Então, essas coisas são extremamente delicadas. E nós temos que trabalhar isso com o devido cuidado, o que está sendo feito, com bastante dificuldade. |
| R | A boa notícia que trago é que, agora, estamos trabalhando junto com a ONU Mulheres. Aquele programa HeForShe (Eles por Elas) está sendo implantado. A ONU Mulheres está nos ajudando a reorganizar, mas especificamente dentro deste quadro de violência sexual nas universidades. Agora, estão no começo disso, porque esse é o último grande problema que estamos enfrentando. É interessante, porque a gente volta a um trabalho de 20, 30 anos atrás, que foi treinar a polícia para perceber os casos de violência sexual. Eu mesma, a Maria Amélia Azevedo e outras companheiras nos reunimos e treinamos o policiamento da USP. Vocês pensam que a violência se dá à noite? Não é. Basicamente, é durante o dia, até na hora do almoço. O cara chega - pode ser gente de fora - agarra a menina e finge que está namorando, mas, na verdade, não está. Ele está querendo se aproveitar dela, estuprar, etc. Quando você treina o policial para perceber esse gesto, ele percebe claramente, porque ele já se livrou daquela ideia de que a menina está de saia curta ou está de short. Ele está percebendo que aquele abraço está um pouco forçado demais. E a gente pegou casos em flagrante. Isso ligado à Delegacia da Mulher, que tem que ser permanentemente retreinada, porque ninguém nasceu feminista. A gente vai ficando feminista. Isso que a Simone de Beauvoir falou é muito verdade. A universidade é modelo em todo esse treinamento, mas ela é um modelo que vai se construindo para, depois, se difundir ao longo da sociedade. Bom, enfim, eu sou muito otimista nos resultados, mas sou pessimista no trabalho. Por quê? Não imaginem vocês que a gente vá encontrar um ambiente como aqui nesta sala, com, aparentemente, todo mundo muito favorável a ouvir e a concordar com o que estamos denunciando. Não é assim. Vocês vão encontrar colegas, professores, alunos, funcionários muito hostis. Por que eles são hostis? Porque se está tirando o poder deles. Está-se tirando aquele poderzinho barato que eles têm dentro de casa de agredir a mulher ou a filha, aquele poder de agredir uma aluna, de dominar. Esse poder está sendo absolutamente questionado. Então, a gente tem que também desconstruir essa hostilidade para fazer com que a gente possa modificar todo esse ambiente. Aí acho que a universidade vai poder trazer, dentro desse novo programa feminista internacional, em convênio com outras universidades do mundo que estão fazendo exatamente a mesma coisa, um novo momento em que a gente possa vir aqui e dizer: olha, avançamos, avançamos muito e estamos conquistando um novo patamar. Agora, para terminar, queria falar uma palavra só para a Benedita. A Benedita, uma vez, me salvou aqui no Senado. Eu havia participado de uma comissão para discutir - não era para fazer aprovação nada - a questão do aborto. Aí comecei a ser muito hostilizada por todos os lados. Vinha gente fazer procissão aqui nos corredores. Além de tudo, eu sou judia, mulher, feminista. Tinha tudo. Começaram a forçar muito a barra. Aí a Benedita chega para mim - você não se lembra, mas eu me lembro - e diz assim: |
| R | "Chama a segurança." Eu disse: Imagina. Para que eu vou chamar a segurança? Ela disse: "Chama a segurança." E eu não chamei, mas ela chamou. Foi o que me salvou, porque, senão, aquele dia... Era, simplesmente, para discutir o aborto - discutir, não era aprovar -, para saber qual o melhor caminho. Ela me salvou. Então, quero, publicamente, agradecer a ela. Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Dando continuidade à nossa audiência, eu queria agradecer, primeiro, às nossas companheiras, às colegas comprometidas aqui com esta Comissão: Raquel Madeira, Gabriela Vale, Carolina Mendonça, Vivian Zolin, Gigliola Mendonça e Elaine Rodrigues. Antes de passar a palavra para a nossa próxima fala, a Profª Andréa Pacheco, Assistente Social e Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), nós vamos, rapidamente, deliberar sobre alguns requerimentos que estão sendo apresentados aqui. Passamos à deliberação dos requerimentos apresentados. ITEM 2 REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 35, de 2015 - Não terminativo - Requer a realização de Audiência Pública, no âmbito da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência Contra a Mulher, para debater sobre mulheres brasileiras que sofrem mutilações por companheiros. Autoria: Senadora Vanessa Grazziotin e outros Em votação. (Pausa.) Votação na Câmara dos Deputados. As Srªs e Srs. Deputados que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovado. A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS. Fora do microfone.) - Eu queria fazer uma pergunta. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Pois não. A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Eu cumprimento a Senadora e a Mesa. A minha pergunta é sobre as pessoas que integrarão essa mesa de debates, porque fiquei extremamente tocada e acredito que é muito importante que existam pessoas que possam fazer depoimentos inclusive. Deparei-me com essa possibilidade. Nem sempre é possível uma vítima de violência falar. Muitas vezes, nós temos, inclusive, que estabelecer mecanismos de proteção ao contrário da visibilidade. Mas, a partir do momento em que existe essa possibilidade, eu gostaria de sugerir o nome de uma pessoa que viveu um processo muito duro e fez um depoimento muito significativo à Assembleia Legislativa gaúcha no ano passado para compor essa mesa, como uma pessoa que tem transformado a sua dor e o seu sofrimento em um grito contra as mutilações que as mulheres sofrem. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Está presente aqui, Deputada? A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Eu poderia apresentar à Mesa? A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Sim. A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Está certo. Farei isso. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Porque vamos terminar essa rodada da Mesa e vamos recompor, porque também temos outras palestrantes que vão falar, mas fica, a priori... A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Fica protegida? A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Totalmente. A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Então, apresentarei à Comissão, posteriormente, o nome dessa pessoa, que acho que será muito relevante. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Perfeito. Inclusive, só lembrando a todos e a todas que eu, a Deputada Maria do Rosário e outras Deputadas e Senadoras vamos, na quinta-feira, a Canoas. Quem acompanha o trabalho desta Comissão deve saber que a gente aprovou um requerimento devido a um crime bárbaro praticado contra uma mulher, que, felizmente, conseguiu sobreviver. Ela teve os pés e mãos amputados pelo ex-companheiro, que está preso. Porém, ainda se sente ameaçada. É um problema muito dramático. É uma menina de 19 anos, que, apesar de tudo o que o sofreu, está muito animada, querendo viver. Eu tenho dito muito para as minhas companheiras aqui que a gente tem que falar de vida nesse momento de pessoas que querem recompor, apesar de tudo, a sua própria vida. Então, estaremos em Canoas na quinta-feira. A Deputada Maria do Rosário, do Rio Grande do Sul, vai nos acompanhar. Passo ao segundo requerimento. ITEM 3 REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 36, de 2015 - Não terminativo - Requer a realização de Audiência Pública, no âmbito da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência Contra a Mulher, para debater sobre mulheres brasileiras em situação de prisão. Autoria: Senadora Vanessa Grazziotin e outros Portanto, neste momento, queria submeter à votação no Senado Federal. As Srªs e Srs. Senadores que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Se aprovado, também na Câmara dos Deputados. Em votação na Câmara dos Deputados. As Deputadas que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovado. ITEM 6 REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 39, de 2015 - Não terminativo - Requer a realização de Audiência Pública, a fim de possibilitar ao Ministério da Justiça, por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a apresentação técnica do primeiro relatório nacional sobre a população penitenciária feminina do país, Infopen mulheres, divulgado no último dia 05 de novembro pelo Ministério da Justiça. Autoria: Senadora Vanessa Grazziotin e outros |
| R | Portanto, vamos também submeter, aqui, à votação. As Deputadas e Deputados que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.) As Senadoras e Senadores que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.) Aprovado. Temos, também, um requerimento de minha autoria, que requer a realização de ato solene para homenagem o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. (Pausa.) Desculpe. Mudando aqui. Na verdade, é o requerimento de Canoas. ITEM 4 REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 37, de 2015 - Não terminativo - Requer a realização de audiência pública na cidade de Canoas - RS, com a finalidade de discutir a violência contra a mulher na região e políticas públicas no enfrentamento à violência contra a mulher. Autoria: Deputada Luizianne Lins As Deputadas e Deputados que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.) As Senadoras e Senadores que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.) Por fim, o requerimento da Senadora Simone Tebet sobre o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. ITEM 5 REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 38, de 2015 - Não terminativo - Requer a realização de ato solene para homenagear o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. Autoria: Senadora Simone Tebet e outros As Deputadas e Deputados que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.) As Senadoras e Senadores que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.) Surgem, aqui, alguns outros requerimentos: ITEM 1 REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 34, de 2015 - Não terminativo - Requer realização de diligência à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, para solicitar medidas de segurança contra violência que ocorre em bailes funk e pancadões, na periferia de São Paulo, contra meninas adolescentes. Autoria: Deputada Keiko Ota ITEM 7 REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 40, de 2015 - Não terminativo - Requer a realização de audiência pública para discutir o abuso sexual de meninas e mulheres no meio esportivo. Autoria: Deputada Carmen Zanotto e outros Em votação no Senado. Senadores e Senadoras permaneçam como estão, caso aprovem. (Pausa.) Deputados e Deputadas, na Câmara Federal. (Pausa.) Então, passada essa questão dos requerimentos, vamos, agora, ouvir a palavra da nossa Prof. Andréa Pacheco de Mesquita, que é assistente social e professora do curso de Serviço Social, da Universidade Federal de Alagoas, da Ufal. A SRª ANDRÉA PACHECO DE MESQUITA - Primeiro, dizer que é um prazer estar nessa Casa, a Casa do povo, a nossa Casa, discutindo uma questão bastante problemática, mas, ao mesmo tempo, urgente, que é a questão da violência sexual nas universidades. Ao longo da história, as universidades... Às vezes, a gente pensa na universidade como uma casta, que está acima do bem e do mal, como se não fizesse parte da sociedade, mas, na verdade, ela é exatamente o resultado, ela é parte da sociedade, e com todos os problemas. Foram apontados dados da violência, pela Secretária, no Mapa da Violência. É claro que esta violência não acontece só na rua. Esses números também estarão dentro da universidade. Pode passar. A primeira coisa que precisamos, urgentemente, discutir é a cultura do estupro. Vivemos nesta cultura e, desde criança, brincamos com os nossos filhos, com as nossas filhas, naturalizando as hierarquias e os papéis de gênero na nossa sociedade. Quando alguém é preso porque estuprou alguma mulher, a primeira coisa que se diz é que, quando ele chegar ao presídio, vai ser mulherzinha. Então, o que é ser mulherzinha? Somos nós? Mulherzinha quer dizer que é estuprada? Uma coisa é igual à outra? Vamos fazendo uma violência simbólica, uma violência cultural, uma violência que é construída em todos os espaços. Quando o filho chega a casa dizendo que apanhou e que perdeu a briga, dizemos: "Ah, virou mulherzinha?!" Então, a mulher é quem apanha, é quem é estuprada? Entre vários outros ditados, eu trouxe só um: "prendam as suas cabras porque o meu bode está solto". O que estamos dizendo com isso? Estamos permitindo a violência sexual contra as meninas. Estamos ensinando os nossos filhos a serem estupradores e as nossas filhas a serem violentadas. Pode passar, por favor. |
| R | Então, vejam, na universidade, temos algo que é bastante contraditório e que vai se casar, formando, hoje, estes dados e esta realidade que aí estão colocados: primeiro, temos uma cultura do estupro e um silêncio dentro das universidades. Essa cultura do estupro se dá a partir de uma culpabilização, humilhação e perseguição da vítima. Na verdade, nas mulheres que sofreram violência, a primeira coisa que se olha é a roupa que vestiam, o local onde estavam. Então, porque não podemos...? Por que a minha roupa é um convite? Só mulheres de saia curta são estupradas? Ou as que estão com outras roupas? Não é a roupa, não é porque eu estava à noite andando, porque eu fui ao banheiro sozinha. Então, vamos estar sempre tendo que ter alguém do nosso lado para nos proteger? É essa a lógica? Onde está a cidadania feminina? Onde está a nossa igualdade na sociedade? Essa cultura que coloca essa mulher nessa condição faz com que ela se depare, dentro da universidade, com a cultura que invisibiliza, silencia e deslegitima o problema. Digo isso porque, no Estado de Alagoas, na minha universidade, na qual sou professora, já houve vários casos, mas nunca chegam nem ao espaço da mídia, nem ao jurídico. É sempre abafado no interior da universidade porque não se quer sujar a imagem da universidade. Enquanto isso, colocamos as nossas mulheres, as nossas meninas nessa condição de violência. Por exemplo, no curso de Física, várias vezes vi os alunos saindo, colegas professores saírem meia-noite, uma hora, duas horas da manhã, porque ficam no laboratório. Quer dizer: o curso de Física não pertence às mulheres? Porque ela vai sair sozinha da universidade. Então, são alguns questionamentos que precisamos responder. Tudo isso vai se constituir numa permissão social para que essas mulheres sejam violentadas. Então, a violência sexual vai ter uma base direta na violência de gênero, na construção dos papéis de homens e mulheres na nossa sociedade, nas hierarquias sociais, no que a nossa grande feminista Safioti falava, que é o poder do macho. Pode passar, por favor. Então, vejam, a entrada na universidade começa com um trote. O trote não é uma brincadeira, não é algo fora da realidade, mas uma manifestação de todos os preconceitos e de todas as violências que acontecem no meio social, sejam de gênero, de raça ou de sexualidade. Peguei alguns casos, mas é muito difícil falar de casos, porque, como se diz, isso é realmente silenciado, invisibilizado. Em 2012, na UFPR, o curso de Direito fez um manual de sobrevivência para os estudantes de Direito sobre como se dar bem na vida amorosa, utilizando a legislação brasileira, enfim, colocando que o homem tem direito mesmo sobre a mulher. Na UFMG, uma aluna foi amarrada com correntes, pintada de marrom, chamada de Chica da Silva e obrigada a desfilar por toda a universidade. Pode passar, por favor. Na Unesp, Bauru, há esse leilão da Relações Públicas, todo mundo sabe, no qual as calouras são leiloadas. No curso de Direito, inclusive, na Universidade Federal de Alagoas, houve um leilão, mas foi de uma prostituta para passar uma noite com uma mulher. Foi uma rifa, rifaram mesmo, num curso de Direito, um curso universitário. Em 2014, na UFMG, a música cantada pela bateria da Engenharia da Universidade diz: "Não é estupro, é sexo surpresa", contra a qual algumas alunas foram contra e estão se manifestando. Na USP de Ribeirão Preto, com a bateria, cantam músicas que dizem: morena gostosa, loirinha bunduda, preta imunda. Isso acontece há 25 anos, não estou falando de hoje. Então, existem culturas que precisam ser preservadas, existem culturas que precisam ser desconstruídas, principalmente a cultura patriarcal, homofóbica e racista que ainda é presente na nossa sociedade capitalista contemporânea. Pode passar, por favor. Então, vejam, a universidade, que tem a função social de produzir e socializar conscientemente para a transformação da sociedade, não pode ser uma mera fábrica de diplomas, mas tem que estar diretamente relacionada à formação de profissionais críticos que respondam às demandas sociais. Para isso, temos que ter um caminho que vá contra uma formação sexista, marxista - aliás, machista; marxista sempre -, machista, racista e homofóbica porque, se não, estaremos apenas distribuindo diplomas e formando homens violentos, estupradores, etc. |
| R | Pode passar. Nesse sentido, a gente se pergunta: o que fazer? Acho que temos três caminhos objetivos: o primeiro é o caminho jurídico, que seria transformar esses processos, não deixar para lá, transformar esses casos que acontecem, não esconder, mas, através do jurídico, criminalizar os agressores. O social, que é a prevenção e o apoio às vítimas, porque precisam de cuidados. E o cultural, que é romper com essa cultura do silêncio, machista, de culpabilização das vítimas. Pode passar, por favor. Nesse sentido, a gente traz como algumas propostas: primeiro, essa lógica de punir o estuprador e não a vítima, porque sempre é a vítima, por isso é difícil denunciar, sempre é colocada a culpa na vítima: "você que saiu com saia curta", "você que saiu à noite", "você que estava sozinha", "você que tal". Então, sempre a responsabilidade ainda é da mulher. Então, a proposta é que se tenham nas universidades comissões ou órgãos de investigação e pesquisa sobre a violência contra as mulheres nas universidades. E aí uma questão que a gente já vem vendo há séculos, que é a do assédio sexual e a do assédio moral, tanto dos técnicos nas universidades, dos professores, quanto também dos estudantes. O assédio sexual e o assédio moral são a porta de entrada para a violência sexual. Também há a ideia de ter órgãos de apoio que possam receber e encaminhar as denúncias de violência, receber essas vítimas, assegurar assistência médica e psicológica com acompanhamento especializado e a mulher não ter seu comportamento alterado ou reprimido. Não é isso que a protege do agressor. É o agressor que deve alterar o seu comportamento, esse agressor que deve deixar de ser machista, de ser patriarcal e saber que nós não pertencemos a eles, que os nossos corpos são nossas regras. Pode passar, por favor. Eu queria terminar com Simone de Beauvoir, uma velha jovem feminista. Pensar essa violência sexual nas universidades é assumir, em um primeiro momento, que isso é um fato real. A universidade não está fora da sociedade. E precisamos, sim, fazer um enfrentamento direto, um enfrentamento cotidiano, transformando nossas ações mínimas, porque, mesmo sendo feminista, construindo-se dentro desse projeto feminista, a gente cai nas armadilhas do machismo, porque a gente foi criada assim, porque a sociedade, as escolas, as igrejas, as religiões, os partidos políticos nos formam machistas. Então, é uma construção e desconstrução cotidiana, dando, desde pequenos, o mesmo tratamento à nossa filha e ao nosso filho, e não dando poder aos meninos desde criança. Então, queria dizer, lembrando Simone de Beauvoir: que nada nos defina, que nada nos sujeite, que a liberdade seja a nossa própria substância. É só isto que queremos: igualdade, liberdade, respeito, que possamos andar livres com os nossos corpos, com as nossas mentes, com os nossos corações e somente sermos felizes numa sociedade justa e igualitária que tanto almejamos. Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada, Professora Andréa, por sua fala muito importante para nós. Quero agradecer, por essa primeira rodada da Mesa, o Paulo, representante do Ministério da Educação; Aline Yamamoto, Secretária Adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; a nossa querida Eva Alterman Blay, que já foi Senadora, é Doutora e Professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP; e Andréa Pacheco de Mesquita, que é Assistente Social e Professora da Universidade Federal de Alagoas. Primeiramente queria citar as nossas companheiras que chegaram aqui: Deputada Christiane Yared; Margarida Salomão, que foi Reitora da Universidade de Juiz de Fora, está aqui presente, sempre abrilhanta todos os debates acadêmicos e é feminista, portanto alia as duas questões em curso; a nossa querida Conceição, que está mais bonita do que nunca, superando todas as dificuldades, ficando cada vez mais bela, que é nossa Deputada Federal; o nosso querido Jean Wyllys, Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, pelo PSOL - obrigada pela presença, tem sido aqui um combatente conosco, dos poucos homens presentes aqui na nossa Comissão. Aqui e acolá aparece um lutador aqui. Agradeço a todos vocês. |
| R | Para continuar a composição da Mesa, chamo: Srª Tâmara Terso, que é Secretária-Executiva do Conselho Nacional de Juventude da Secretaria Nacional de Juventude; Srª Luciana Loureira, Procuradora da República e Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal, do Ministério Público Federal, da Procuradoria-Geral da República; Srª Sônia Marise, Diretora de Diversidade da Universidade de Brasília, responsável pela Coordenadoria da Mulher; Srtª Luíza Ribeiro, representante do Coletivo Feminista Geni da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), aluna do curso de Medicina, uma das fundadoras desse coletivo; e a Srª Nalu Farias, Presidente da Marcha da União das Mulheres e uma das feministas que me inspirou a vida toda. Vamos agora para uma grande discussão, certamente patrocinada por estas mulheres que estão aqui. Chamo, primeiramente, a Tâmara Terso, Secretária-Executiva do Conselho Nacional de Juventude, para fazer suas considerações. A SRª TÂMARA TERSO - Boa tarde a todos e a todos. É um enorme prazer estar presente neste debate sobre o empoderamento das mulheres e a denúncia de violência contra as mulheres, que encaminhou boa parte da minha militância. Faço parte do Conselho Nacional de Juventude como Secretária-Executiva. E deixo aqui o abraço das mais de 50 entidades que compõem o nosso Conselho Nacional de Juventude. A invisibilidade das mulheres nos espaços de poder, nos espaços públicos, da fala pública, para nós é um debate importante, que tem tudo a ver com a normatização da violência contra a mulher na nossa sociedade, a falta de espaços públicos, a falta das mulheres nos espaços de poder, o conceito do machismo organizando as nossas vidas, a vida política, a vida econômica e social da sociedade brasileira, e mundial, legitimando essa violência. O Conselho Nacional de Juventude vem há muito tempo denunciando essas ações que ocorrem na sociedade, e a universidade não está a salvo desses espaços. A universidade, que é colocada historicamente na sociedade como algo à parte da sociedade brasileira, é reflexo de muitas violências, sejam elas sexual, racismo, contra homossexuais, lésbicas. Isso é legitimado nas universidades, nos espaços sociais das universidades, nos currículos, quando não temos espaço para debater esses temas da violência contra a mulher, do empoderamento da mulher nos currículos. E no último período, o Conselho Nacional de Juventude vem se debruçando neste debate. A gente vem passando por um enfrentamento nos Estados, nos Municípios, dos planos municipais, dos planos estaduais de educação, que tiveram uma forte presença de um debate reacionário contra o debate de gênero nos currículos, nos espaços educacionais. Nós, do Conselho Nacional de Juventude, principalmente as jovens mulheres, vimos denunciando esse tipo de ação, principalmente de correntes neopentecostais, de correntes religiosas que impedem que esses debates sejam feitos nas escolas, nas universidades, que estejam presentes nos currículos, essa questão de gênero, impedindo que tenhamos profissionais que façam com que esse debate venha à tona do ponto de vista de denúncia dessa violência que existe e do ponto de vista de encontrar caminhos para solucionar esse que é um enorme problema. Ontem a gente viu ser lançado o Mapa da Violência 2015, que tem como foco a questão da violência contra a mulher, com os números alarmantes, como sermos o quinto país do mundo onde se matam mais mulheres. É um tema em que se deve debruçar a sociedade, o Senado, a Câmara Federal e também as universidades. Nós formamos jovens hoje que têm este tipo de rito de passagem quando estão entrando na universidade: trotes extremamente violentos, que têm nas mulheres, nas mulheres negras principalmente, o seu alvo. |
| R | Isso também se reflete no mapa da violência, quando a gente vê que o número de mulheres negras vítimas de homicídio cresce nos últimos 10 anos e o número de homicídio das mulheres brancas diminui. Nisso também há um corte racial focado, que dá a entender - e quem passou por isso, eu como mulher negra também vejo isso cotidianamente - uma exacerbada sexualização dessa mulher negra. Então se as mulheres, em geral, já são vistas como posse dos homens, pelo conceito machista, pela sociedade sexista em que a gente vive, as mulheres negras, então, são extremamente vitimadas nesse processo de violência sexual. E isso também está presente nas universidades. Eu que venho de uma universidade de uma das capitais mais negras do Brasil, que fica na Bahia, me deparei com bastantes casos como esse na minha graduação, na Universidade Federal da Bahia, como militante do movimento estudantil. E, no Conselho Nacional de Juventude, a gente continua se deparando com casos como esse. Então, a nossa fala vem muito no sentido de disputar esse processo que a gente vem vivendo, de participação na política, de construção de currículos empoderadores e espaços de denúncia, porque é uma violência silenciada. Para uma mulher chegar a vir a público e fazer essa denúncia é muito difícil, e as universidades se negam a produzir estes espaços de escuta, espaços onde essa denúncia ganhe eco. Muitas vezes, essas universidades, por privilegiar o espaço de tentar não organizar um sentimento ruim contra elas, por tentarem se cobrir e colocar aquele espaço ainda como excelência, distante de todas essas violências, preferem não escutar essas denúncias. É por isso que a gente vê também crescer um número enorme de coletivos auto-organizados de mulheres nas universidades para denunciar trotes machistas, denunciar as violências sexuais. Uma organização bem basilar nesse debate, bem fundamental nesse debate, vem sendo, por exemplo, as organizações do movimento estudantil, que vêm colocando esse debate no tema - diretoria de Mulheres da UNE, da Ubes. O movimento estudantil vem colocando esse tema como um tema fundamental no último período para ser debatido, incentivando esse coletivo de mulheres a ser organizado nessas universidades, mas é óbvio que a direção dessas universidades precisa, necessita colocar esse tema como um tema prioritário. Quando você olha para essas direções dessas universidades, elas ainda hoje refletem esse não lugar das mulheres. Você vê poucas mulheres nos espaços de direção dessas universidades, o que também reflete essa falta de atenção às temáticas de gênero, às temáticas raciais. E também se coloca que existem poucos espaços para negras e negros nessas direções. O Conselho Nacional de juventude vem ajudando nessa denúncia, incentivando essa organização nas universidades, incentivando a criação de conselhos nos Estados e Municípios, que é um espaço importante também para que, naquele espaço, sejam organizadas mulheres e temáticas em relação ao enfrentamento dessa violência, para que a disputa dentro das Câmaras Municipais, dentro das Assembleias Legislativas, também se dê, porque essa é uma violência que precisa de muitos esforços para que seja combatida na nossa sociedade brasileira. Nesse último período, a gente vê que os temas da política, de fato, não privilegiam o debate quanto à violência contra mulher, não privilegiam o debate da participação da mulher na política. A gente vê, por exemplo, esta Casa legitimando projetos que vão de encontro à vida dessas mulheres; projetos que impedem que essas mulheres não interrompam uma gravidez proveniente de estupro; projetos que não ajudam as mulheres a se organizarem do ponto de vista da autonomia econômica; projetos que, hoje, legitimam a morte dessas mulheres também - a morte lenta, que a gente costuma denunciar, das mulheres que fazem parte de famílias que perdem seus filhos na luta, no debate do genocídio da juventude negra. |
| R | Então, para nós é fundamental continuarem denunciando essa violência, principalmente a violência sexual, e abrindo espaço para que essas mulheres possam se auto-organizarem, se organizarem no espaço de poder, porque esse debate da participação social e da criação de espaços para denúncia, da criação de elementos políticos que vão romper com essa lógica da violência sexual e da violência contra mulher, de um modo geral... (Soa a campainha.) A SRª TÂMARA TERSO - ... para nós, tem de estar organizado e imbricado, porque, sem mulheres nos espaços públicos para debater sobre suas vidas, sem mulheres nos espaços públicos para falar o que sentem, o que passam e como podem romper com essa lógica, nós não poderemos, de fato, combater essa violência, porque, mais uma vez, nós vamos reproduzir homens falando pela vida das mulheres, espaços masculinizados e hostis e espaços que impedem que essas mulheres possam se organizar e dar o seu grito, denunciando essa violência. Então estamos aqui, somos parceiras nessa luta. Obrigada a todas e todos. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada pela sua participação. Foi muito importante ver desse ponto de vista das mulheres jovens, que estão atuando diretamente no movimento de juventude, que sabem que isso é uma questão muito presente, infelizmente, ainda nas nossas vidas. Eu vou chamar, então, a Nalu Faria, que é Presidente da Marcha Mundial das Mulheres e que, não sei se todo mundo conhece, hoje é um dos movimentos mais importantes, em nível global, das mulheres que se manifestam e que não necessariamente estão organizadas em partidos políticos, mas hoje compõem o movimento na sociedade civil que tem feito muita história, e é um dos movimentos responsáveis por essa onda feminista que, felizmente, está combatendo essa possibilidade de regressão que estamos tendo. E, como eu disse, é uma das minhas inspiradoras. Então, Nalu Faria, com a palavra. A SRª NALU FARIA - Boa tarde, companheiras e companheiros. Quero agradecer muito à Luizianne pelo convite e também parabenizá-la pela iniciativa. Acho que, hoje, realmente, pelas falas que me antecederam e por outras que virão, temos que aproveitar este momento para fazer esse reconhecimento público do esforço de cada uma de nós na luta contra a violência. Claro que eu quero cumprimentar, em especial, a Luíza, que falará depois de mim, porque ela também deu uma contribuição extremamente importante, inovadora, neste processo. Eu estava pensando justamente que, ao mesmo tempo em que nós estamos falando aqui de opressão e de impunidade, porque também essa opressão segue existindo, pois há uma impunidade, estamos falando de dor, de medo, de vozes silenciadas e também de resistência, de luta e de construção de práticas de libertação. Eu acho que esse elemento de que nós não estamos paradas e que nós estamos em resistência, em luta, é muito importante para encararmos esse debate, inclusive encararmos os dados desse mapa que foi apresentado ontem. Eu vou justamente começar resgatando um pouco a nossa experiência na Marcha Mundial das Mulheres, com esse tema da organização das jovens nas universidades, da marcha para além das universidades e de como apareceu esse tema da violência. Eu, por morar em São Paulo, acabei muitas vezes acompanhando processos justamente da Universidade de São Paulo. Muito antes, inclusive, de existir a Marcha, eu me lembro de um dos processos que nós acompanhamos, que foi de uma denúncia de violência sexual no movimento sindical da USP, em que as companheiras da CUT nos pediram ajuda para fazermos parte de um coletivo, de uma comissão para fazer uma investigação, a fim de trazer todos esses elementos do debate interno. E assim sucessivamente. Durante anos e anos, eu participei da calourada da USP, onde sempre havia discussões das opressões. Discutimos com o movimento estudantil essa questão da auto-organização das mulheres, e essa questão muda a partir de 2003, quando conseguimos, a partir da Marcha Mundial das Mulheres e de uma ação proativa que fizemos de como dialogar com as jovens, particularmente, naquele período, mostrar para as jovens que o machismo seguia existindo, que os nossos corpos continuavam sendo controlados, porque naquele momento a gente vivia uma realidade em que se dizia que não - principalmente nos espaços como o espaço da universidade -, que o feminismo não era mais necessário, que as mulheres já haviam construído a igualdade e que nós, as feministas, éramos pessoas conservadoras, moralistas e assim por diante. |
| R | Então, foi um momento bastante peculiar, quando sabíamos que a violência continuava existindo, que o assédio continuava existindo, mas tínhamos dificuldade para que esse tema viesse à tona. De fato, assim que as jovens começaram a ter mais esse debate, no início, com a construção do comitê da Marcha Mundial das Mulheres lá - mas logo em seguida, não só pela nossa ação, por ação de outras questões que existem no mundo, como por exemplo o feminismo na internet -, os coletivos dentro da USP começaram a se multiplicar. Eu me lembro de que, na própria calourada de 2004, já apareceram no manual do calouro do DCE da USP, entre as questões que falavam às pessoas que estavam entrando na USP, orientações de como conseguir uma prostituta na rua ao lado da USP, e que por R$5,00 você podia se aliviar. Era assim que se falava naquela época. A primeira pergunta que me fiz foi: se este é o manual dos calouros, como se sentem as mulheres que entram aqui? E isso continuava, justamente demonstrando... Tentando fazer as mulheres se sentirem, como a Helena Hirata fala, como estrangeiras naquele lugar, como se ali não fosse o seu lugar. Aí, claro que foram aparecendo todas as manifestações de machismo na universidade, de que a companheira anterior já falou: os trotes, essa questão de rifar prostitutas no Encontro Nacional dos Estudantes. As companheiras que se organizavam na marcha e nos outros coletivos começaram a denunciar, começaram a colocar essas questões; e mais questões foram aparecendo. Também juntou com esse processo da UNE, e eu acho que hoje nós temos uma outra... Não é à toa que se desvenda. E a gente descobre que o que acontece em determinada universidade acontece há 15 anos, que isso que está acontecendo hoje aconteceu sempre, só que estava invisibilizado. Então, o que significa isso? É claro que tem a ver com a cultura do estupro, como nós falamos. Mas tem a ver com práticas que são organizadas a partir do que são as representações das mulheres, tendo como base a representação das mulheres, entre santas e profanas, mas também que, ao mesmo tempo, todas as mulheres estão sendo testadas - se são santas ou se são profanas - e que, de alguma forma, são todas coisificadas. Ao mesmo tempo, também é para definir qual é o lugar da mulher na sociedade. Hoje, os coletivos que estão na universidade, em geral, estão tratando de dois temas, os coletivos de jovens: um é esse tema da violência, porque todos estão falando da violência; e o outro é o lugar delas na universidade, o lugar delas na produção acadêmica, a invisibilidade das mulheres nesse processo. Uma questão que eu acho muito interessante é que essas jovens estão resgatando, na história da produção desse conhecimento - atualmente conhecido como conhecimento moderno científico -, a presença, mas também a exclusão das mulheres. E é muito interessante, porque se chega às mesmas conclusões a que nós já chegamos no movimento de mulheres, quando conseguimos demonstrar que as mulheres participaram de todas as lutas, que nós não éramos, nunca fomos, aquelas acomodadas que ficavam em casa, esperando o que o provedor nos trazia - muito pelo contrário, na grande maioria das vezes somos a principal provedora -, mas que também participamos de todos os processos de luta. E as jovens, hoje, estão resgatando. Quem estava lá, no começo, no início da Matemática moderna? Quem estava no início da computação? E por que as mulheres não continuaram? Por que, mesmo aquelas que estiveram, muitas vezes foram ocultadas? Então, também, se a violência é um mecanismo de controle sobre o corpo das mulheres e a sexualidade das mulheres, é também um mecanismo de controle sobre o seu projeto de vida e o seu lugar na sociedade, a ideia de que elas não podem, realmente, participar dos mesmos espaços. Então, eu acho que hoje, nesse momento, como a Luizianne já disse que nós estamos em grandes mobilizações, aqui no Brasil, das mulheres, lembro que eu fiquei muito feliz quando eu vi que, em Madri, também, centenas de milhares de mulheres ocuparam as ruas. Então a gente pode estar, realmente, construindo um novo processo de ascenso da mobilização das mulheres. |
| R | Neste momento, nós estamos aí, nas ruas, contra o retrocesso, com um projeto de que eu nunca consigo aprender o nome, o 6069, esse projeto que já foi falado, mas também, hoje, as jovens e os jovens estão ocupando escolas estaduais em São Paulo contra o projeto de reforma das escolas estaduais. E as jovens secundaristas estarão chegando a Brasília depois de amanhã, para o Congresso dos Secundaristas. Nós estamos tendo um processo de organização das mulheres no território das universidades, mas também nos outros territórios - no território das periferias, nos territórios do funk, em todos os lugares, justamente nesse processo de construção de uma grande luta para transformar o mundo e transformar a vida das mulheres, como nós dizemos. Acho que o chamado que nós fazemos à universidade, assim como fazemos a todos os espaços da sociedade, é que não oculte, porque a violência e a discriminação das mulheres não são só um aspecto comportamental e cultural - elas têm uma base material, e elas também têm práticas institucionais que as sustentam. Nós temos - como estamos falando de universidade - de conseguir que a universidade seja um território livre de violência. E nós temos de conseguir que... (Soa a campainha.) A SRª NALU FARIA - ... a sociedade como um todo considere a violência algo inaceitável. Nós já falamos tanto aqui da naturalização da violência, da culpabilização das mulheres pela violência, como já foi dito aqui - por que estava lá? Por que não foi ela... Por que não evitou a violência? E, se nós estamos falando da impunidade, nós temos de, ao identificar os mecanismos que mantêm a violência, atuar para desmantelá-los e, com isso, realmente transformar a violência em algo inaceitável. Acho que, se hoje nós temos esse processo de mobilização e a alta organização das jovens, é mais um motivo para a resposta da universidade ser proativa, para que essas jovens se sintam acolhidas, apoiadas e possam seguir em frente com esse processo de luta. Obrigada. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Passo a palavra para a Luciana Loureiro. Eu queria só introduzir aquela sugestão da Deputada Maria do Rosário, sobre a Bárbara Penna, no requerimento que nós aprovamos aqui, de mulheres brasileiras que sofrem mutilações por parte dos companheiros. Eu queria colocar em votação. No Senado, Senadores e Senadoras; na Câmara Federal, Deputados e Deputadas; permaneça como está quem concorda com a inclusão do nome de Bárbara Penna no requerimento. Só lembrando, ou, pelo menos, esclarecendo, essa nossa companheira, Bárbara Penna, foi vitimada num crime que ocorreu no dia 7 de novembro, quando o réu, que na verdade era o marido, incendiou o apartamento onde viviam ela e dois filhos: uma menina de dois anos e um menino de 4 meses. As duas crianças morreram sufocadas pela fumaça. Um vizinho de 76 anos, que tentou auxiliar as vítimas, também não resistiu e faleceu após inalar o ar contaminado. Ela, Bárbara Penna, foi atirada pela janela após ter parte do rosto queimado, mas sobreviveu depois ficar quatro meses internada em estado gravíssimo. Portanto, o nome dela está incluído para a nossa audiência pública. A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Eu agradeço, Deputada, a V. Exª e a todas as colegas. Eu ouvi falar; é uma menina com extrema força de vida; chora e sofre a perda de seus filhos, e denunciou que tem sofrido muitas pressões por parte de pessoas em torno daquela pessoa que praticou a violência contra ela. Então, acredito que o convite possa significar também uma possibilidade de apoio extremo a uma pessoa que merece, que empresta seu rosto e seu sofrimento às vítimas brasileiras. Agradeço à Comissão por incluí-la na audiência, como muito bem solicitado aqui pela Senadora Vanessa Grazziotin e pela Senadora Simone, nesta Comissão presidida, neste momento, por V. Exª. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada, Deputada Maria do Rosário. Só lembro o seguinte: considerando que essa mulher foi atirada pela janela, ficou quatro meses internada em estado gravíssimo e está aí pra contar a história, eu acho que esta Comissão... Como relatora, eu tenho insistido muito que a gente tem de chorar nossas vítimas. A gente tem de enfrentar esse debate, mas a gente também tem de empoderar as mulheres que estão querendo reconstruir suas vidas, como é o caso daquela jovem de Canoas, de 19 anos, e da Bárbara. Na hora em que ela foi atirada pela janela, eu entendo que ela criou asas e voou. Portanto, nós temos de alimentar esse voo. |
| R | Assim, está aprovado o requerimento. Quero, agora, passar a palavra à Srª Luciana Loureiro, a quem, desde já, agradeço pela presença, Procuradora da República, Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, em Brasília. A SRª LUCIANA LOUREIRO - Boa tarde! Obrigada, Deputada Luizianne Lins, na pessoa de quem eu saúdo toda a Mesa, toda a Comissão, e, desde logo, agradeço pela oportunidade de participar e debater esse tema em nome do Ministério Público Federal e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que é o nosso órgão de cúpula que coordena a atuação em direitos humanos de todos os Procuradores da República do País. O tema da violência de gênero e da violência contra a mulher, especificamente, não precisamos citar aqui, apresenta dados estarrecedores, segundo o Mapa da Violência divulgado ainda ontem. Mas mais estarrecedores, talvez, sejam os dados, ainda muito velados, sobre a violência contra a mulher, especialmente a violência sexual, praticada no âmbito das universidades brasileiras. Algum tempo atrás, houve uma CPI no âmbito da Assembleia Legislativa de São Paulo que levantou alguns números, alguns dados, e emergiu dali um dado muito preocupante: nos últimos dez anos, teriam sido cometidos, nos campi da USP, cerca de 112 estupros. Esses dados, obviamente, são questionáveis, porque, se o problema é invisível e continua sendo invisibilizado, essas estatísticas, simplesmente, não existem ou não são confiáveis. Esses números podem ser até muito maiores e o problema pode ser muito mais profundo. Daí que a minha contribuição aqui é no sentido de tentar chamar um pouco à responsabilidade entidades e órgãos que nós entendemos têm uma parcela de responsabilidade nisso e que têm uma parcela de poder que não está sendo exercido no sentido de combater essa violência. Como já foi dito, as universidades são espaços privilegiados de construção do saber, de compartilhamento do saber e de construção de uma sociedade do conhecimento que deve ser pluralista por excelência, mas, infelizmente, ainda há, nas universidades, uma cultura de subordinação e de opressão da mulher, uma cultura que ainda domina vastos espaços sociais, principalmente a família tradicional brasileira, e que ainda tem se revelado muito presente nesses espaços. Em outras palavras, tem se deslocado a cultura em que os mecanismos estruturantes da violência eram restritos ao ambiente doméstico ou da que se praticava na rua para o espaço das universidades, quase como que acompanhando o processo de conquista que a mulher tem realizado nesses espaços. Então, onde há mulher existe violência. Assim, o que antes se podia pensar como violência simplesmente doméstica ou familiar, hoje, esses mesmos mecanismos de violência se refletem e conduzem a agressões de todo tipo no espaço da universidade. Por isso, a publicidade que as organizações defensoras de direitos das mulheres estão dando a esses casos de agressão sexual, de estupro e de violência sob todos os aspectos no âmbito das universidades é muito importante. Convido, pois, toda a sociedade a refletir acerca dos mecanismos de enfrentamento desse problema. A pior constatação a que se pode chegar diante desses variados e numerosos relatos de crimes sexuais sofridos por estudantes dentro das universidades é, infelizmente, a da completa ou quase completa falta de responsabilidade dos órgãos de cúpula das direções das universidades no tratamento do problema. Em primeiro lugar, parece-nos que as universidades precisam acordar para a gravidade de compactuar com a omissão e a leniência no trato desses crimes; elas precisam se convencer de que a prática da violência sexual dentro do seu ambiente ou, ainda que fora do seu ambiente, em atividades mantidas, promovidas ou de algum modo apoiadas por elas, como festas de calouros, por exemplo, ainda que em espaços fora dos campi, não pode ser tratada como falta disciplinar de menor importância. Assim, a primeira contribuição que as universidades podem dar no enfrentamento dessa questão é, talvez, a alteração ou a revisão de seus estatutos ou regimentos disciplinares, a fim de definir claramente que tais condutas são passíveis de punição rigorosa e também para definir sansões de fato gravosas para os praticantes desses fatos, independentemente da possibilidade, que nós sabemos existir, de eles serem punidos civil ou criminalmente no âmbito externo. |
| R | O fato é que uma conduta caracterizada como crime, como o estupro, o atentado violento ao pudor, entre outros, no Direito Penal brasileiro, jamais pode ser vista como uma conduta de menor importância no âmbito disciplinar ou que mereça uma sansão disciplinar simplesmente leve ou de média gravidade. Isso é decorrência do princípio da ultima ratio do Direito Penal e da lógica da responsabilização crescente de acordo com os níveis do direito sancionador. Algo que é ilícito no âmbito civil pode não ser ilícito no âmbito penal, mas, certamente, algo que é um ilícito penal não pode ser visto como não ilícito disciplinar ou como algo que mereça uma punição pouco severa. Eu digo isso porque eu fiz uma pesquisa rápida, no dia de ontem, nos regimentos disciplinares das universidades Brasil afora, pelo menos aqueles disponíveis na internet, e percebi que poucos são aqueles em que existe uma tipificação mais clara ou mais precisa de atos de violência sexual passíveis de aplicação da sansão mais grave ao estudante, que seria o desligamento da universidade. Eu destaco o regimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que me pareceu bastante preciso. Ele diz, expressamente, que a prática de estupro ou atentado violento ao pudor, por estudantes, por docentes, enfim, por quaisquer pessoas ligadas à universidade contra outros docentes ou contra outros estudantes é passível de desligamento. E, pelo lado negativo, destaca-se o regimento da USP, que é bastante lacônico e vago, aludindo apenas a atos contrários à moral e aos bons costumes, sem qualquer precisão e, pior, sem qualquer definição da sansão que seria aplicável a esse tipo de conduta, se é que o estupro ou o atentado violento ao pudor, na visão da autoridade que vai aplicar a sansão, seriam atos contrários à moral e aos bons costumes, uma vez que essa apreciação acaba sendo muito subjetiva. Isso é bastante importante na perspectiva da punibilidade dos autores desses fatos, porque, se o regimento disciplinar for muito vago ou for impreciso, as possibilidades de defesa ou de não responsabilização adequada são muito grandes. A possibilidade de controvérsia a respeito de se uma conduta se enquadra ou não num tipo de infração disciplinar dá margem a muita discussão, e as possibilidades de defesa acabam contribuindo para a impunidade. Então, eu acho que este seria um primeiro ponto: as universidades precisam revisar imediatamente os seus regimentos disciplinares e fazer com que eles realmente se tornem concretos. O regime disciplinar de uma instituição não existe por acaso; ele existe para ser cumprido. Então, é preciso que se tenha a coragem de fazer essas revisões e, mais do que isso, de prever todo o processo administrativo e que ele seja célere, eficaz, mas, principalmente - o que é outra queixa dos coletivos feministas -, que, nesse espaço de discussão do processo disciplinar no âmbito das universidades, a vítima seja ouvida, com privilégio, num espaço privilegiado, porque toda a prova de delitos sexuais tem que ser construída, ao menos no primeiro momento, sobre a palavra da vítima, porque são crimes, são delitos que, normalmente, não têm testemunhas ou têm provas de difícil coleta por todas as circunstâncias envolvidas. Outra demanda desses coletivos feministas é que, normalmente, nesses processos, a própria vítima não tem acesso a esses processos, o que a inviabiliza ainda mais, além da dor de ter sofrido a agressão e a violência. (Soa a campainha.) A SRª LUCIANA LOUREIRO - Para além disso, eu também entendo que as universidades precisam criar mecanismos de prevenção, como já foi dito aqui, de apoio e de assistência às vítimas. Primeiro, para que elas não sejam vitimizadas duplamente: uma vez que sofreram a violência, não se encontrem amparadas ou apoiadas minimamente para denunciar o fato e, depois, para prosseguir no ambiente acadêmico, inclusive, às vezes, convivendo com o próprio agressor. |
| R | De repente, esses regimentos disciplinares poderiam até prever medidas cautelares, assemelhadas, quem sabe, às da própria Lei Maria da Penha, tais como afastamento, suspensão cautelar ou até medidas de restrição para que o suposto agressor não possa estar nos mesmos espaços em que as vítimas estão, a fim de que as vítimas não sejam convidadas, como muitas vezes acontece, a deixar os cursos. Assim, serão triplamente vitimizadas, uma vez que elas sofrem a violência, não se encontram amparadas para denunciar os fatos e fazer com que aquilo tenha alguma consequência e, também, acabam tendo de desistir do seu curso superior porque não suportam conviver com o agressor no mesmo espaço, sem ter nenhum tipo de apoio ou de atenção. Mas, para terminar, haja vista que o meu tempo já está acabando, embora eu tenha ainda uma série de coisas a dizer, nós podemos deixá-las para o debate depois. Outro órgão que eu acho que tem uma certa parcela de responsabilidade e que pode contribuir no que tange à violência cometida nas universidades, fomentando esse processo de mudança de cultura e, principalmente, de mudança de orientação das reitorias no sentido de, muitas vezes, não quererem investigar esses fatos para não darem visibilidade a eles e não mancharem a imagem da instituição, é o MEC, através, quem sabe, do Conselho Nacional de Educação ou da própria Secretaria de Diversidade ou da Secretaria de Educação Superior. É possível que, por exemplo, essas entidades que não tratam adequadamente dessa questão sejam, por exemplo, objeto de uma avaliação criteriosa no ciclo avaliativo que o MEC promove em todas as instituições de ensino. Assim, as instituições que tratam esse problema jogando-o para baixo do tapete deveriam ser mal avaliadas. Então, é preciso que se institua algum tipo de mecanismo, de parâmetro de avaliação que contemple essa realidade. E isso pode ser feito independentemente de legislação; é uma regulamentação infralegal. Isso pode ser feito com uma certa facilidade pelo MEC. Eu acho, pois, que essa iniciativa fomentada a partir do MEC tem um peso político muito importante, por se tratar da nossa agência, do nosso centro de onde emanam as normas gerais sobre educação. Só para terminar, queria aqui registrar que esse contexto de violência não é só do Brasil. Ultimamente, em setembro, saiu uma nota no The New York Times, dizendo que mais de 80 universidades americanas estão sendo objeto de investigação promovida tanto pelo Departamento de Educação, que equivaleria ao nosso MEC aqui, com o auxílio da Polícia Federal americana, justamente por não processarem ou não apurarem devidamente os casos de crimes sexuais ali ocorridos. E, assim como aqui, lá também houve a divulgação de um dado de que cerca de 27% das estudantes americanas já teriam sofrido assédio sexual ou violência sexual no âmbito das universidades. Então, é preciso que alguém tome essa iniciativa, seja o MEC, com os instrumentos de que pode lançar mão, sejam as próprias universidades dentro de sua autonomia - e não há autonomia universitária que assegure que o espaço universitário, o espaço acadêmico seja um espaço de perpetuação de violência, tampouco de violência e de desrespeito aos direitos humanos. Então, agradeço, mais uma vez, e parabenizo os Srs. Deputados, as Srªs Deputadas, os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras, bem como a todos os convidados que aqui estão por tocarem nessa temática e faço votos de que não esmoreçam contra essa maré conservadora que tenta tomar conta do Congresso Nacional em detrimento das conquistas em direitos humanos que foram obtidas por nós nos últimos tempos. Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada. Nosso lema é "esmorecer jamais" - ouviu, Luciana? Nós estamos caminhando para o fim da nossa audiência, e eu gostaria de passar a palavra, agora, à Srª Sônia Marise, Diretora de Diversidade da Universidade de Brasília, responsável pela Coordenação da Mulher. |
| R | A SRª SÔNIA MARISE - Sou a Profª Sônia, da Universidade de Brasília, sou da Faculdade de Educação. Há dois anos, recebi a incumbência e a missão de pensar uma política de ação afirmativa na questão da diversidade a partir de alguns fatos ocorridos na Universidade de Brasília. Eu me senti muito contemplada na primeira e na segunda mesa. Quero dizer que saio um pouco aliviada, como Diretora de Diversidade, porque tive que lidar com todas essas questões e situações de ordem jurídica, política, econômica, moral dentro da Universidade. Então, eu gostaria, primeiramente, de dizer que, quanto à primeira mesa, considero três pontos importantes, porque penso que a Universidade de Brasília não é diferente. Temos hoje 43 mil estudantes, 2,7 mil professores, 2,3 mil técnicos administrativos. Portanto, é uma cidade, com todos os problemas que uma sociedade tem de convívio e respeito às diferenças. Quero dizer, então, que a Universidade de Brasília também é a reflexividade desse trato da questão da mulher e da questão da diversidade em âmbito nacional. Estamos hoje em uma crise moral, em uma crise política, em uma crise econômica, mas estamos aprendendo muito com elas. As crises estão nos ajudando a trabalhar a partir dos movimentos sociais e a pensar a política de diversidade da Universidade de Brasília. Então, o primeiro aprendizado é que esperávamos que, por dentro da Universidade, esse movimento se desse, mas estamos percebendo que, discutindo diversidade em uma universidade, estamos nos amparando e nos fortalecendo muito com os movimentos: os movimentos de estudantes, movimentos sociais, pressões externas que a sociedade tem feito para pensar um espaço mais educado para lidar com as diferenças. Esse é um primeiro ponto que eu gostaria de reafirmar perante esse grupo e essa Mesa. O segundo ponto é que realmente nos demos conta de que, para essa temática, estamos focados muito mais nas queixas e nos sintomas. Temos feito muito pouco ainda, é como se ficássemos apagando incêndios dento da Universidade, e não temos tido tempo de focar em uma política preventiva, educativa, como espaço de formação dentro da Universidade. O terceiro ponto é que toda produção das ciências e das verdades da universidade é ainda uma ciência sem cidadania. Ela ainda usa o patriarcado com uma tecnologia do poder dos homens. E isso está expresso em vários cursos e em várias ações, quando vamos lidar com a diversidade, tais como as questões indígenas, as questões dos negros e negras dentro dos programas que a universidade implementa. Muitas vezes, não há permanência desses grupos e permanência com dignidade desses grupos por falta de políticas nessas várias dimensões. Então, esses três pontos, que foram abordados aqui na primeira e segunda Mesa, estão colocados e postos dentro da Universidade de Brasília. Esse cenário nos leva a pensar: em quais ações hoje a Universidade de Brasília tem investido diante desse quadro e diante dessas questões? No campo do ensino, da pesquisa e da extensão, já têm sido criados vários núcleos de pesquisa entre as mulheres, de dados de ações contra as mulheres. Na área de ensino, a qualificação do currículo hoje tem prestado conta de algumas legislações que devem estar na formação dos estudantes. Do ponto de vista da extensão, há algumas temáticas, com bolsas para estudantes, para trabalharem. Há também as cotas, a rigorosidade que a universidade usa, o próprio recurso do PNAES, utilizado para diversidade. Então, algumas ações já têm sido desenvolvidas dento da Universidade. Agora vou falar do lugar onde estou, que é o campo da gestão. No campo da gestão, essa diretoria foi criada há dois anos para discutir - olha que interessante - a diversidade. Ela foi criada para pensar políticas preventivas para lidar com as diversidades, as diferenças, tornando a universidade mais educada para essa questão. |
| R | Dentro dessa diretoria, temos quatro coordenações: a coordenação da questão indígena - hoje, temos 54 indígenas dentro da Universidade; a coordenação que trata nos negros - o Programa Fratitude; a que trata da questão LGBT, da orientação sexual; e a que trata dos direitos da mulher. No entanto, percebemos que, apesar de programas singulares e diferenciados dessas questões, as mulheres perpassam por todas elas. Portanto, o primeiro dado que trago, como Diretora da Diversidade nesses dois anos de experiência foi a falta de integração das políticas que, transversalmente, alcançam mulheres. Temos mulheres indígenas, mulheres quilombolas, mulheres lésbicas, e, no entanto, esses grupos não dialogam. Quando temos as programações, as atividades, vemos que são feitas para os próprios grupos. Esse é um ponto que detectamos como desafio dessa Diretoria, ou seja, como fazer essa "dialocidade", essa integração de políticas em uma área e em uma produção de ciência completamente compartimentalizada dentro da Universidade. Esse é um outro ponto. Agora, algumas experiências da Diretoria da Diversidade têm sido interessantes. A primeira delas: o trote é proibido. Então, criou-se uma comissão de boas-vindas para a primeira semana. Nessa comissão de boas-vindas, nós, que pertencemos à comissão, propomos algumas ações aos calouros. É muita gente jovem que entra na Universidade. Para os calouros, na primeira semana, da Diretoria da Diversidade, trabalhamos ações educativas e preventivas, com as legislações, com o próprio trato LGBT, que hoje tem sido um dos pontos mais sérios da Universidade. Dentro da comissão, temos tratado dessa questão institucionalmente, como momentos dentro das duas primeiras semanas dos calouros, para eles saberem que existem indígenas, qual a política desses indígenas, como eles se sentem dentro da Universidade. Da mesma forma, os LGBT, negros, quilombolas. Então, temos, pelo menos nas primeiras duas semanas, mostrado para esse jovem que entra na Universidade que existem diferenças, que existe uma diversidade que precisa ser respeitada. O segundo ponto é a Ouvidoria. Foi criada uma comissão dentro da comissão de ética. Chega à Ouvidoria, vai para a comissão de ética. Também nos deparamos com temas que foram colocados nesta Mesa, ou seja, há uma rede de acolhimento, uma política mais integrada de informação para acolher aquela vítima. Sentimos falta disso. Então, chega à Ouvidoria, vai para a comissão, mas não há um trato diferenciado dessa questão; ela entra como qualquer outra questão que é colocada na Ouvidoria. A Diretoria da Diversidade tem sentido essa dificuldade no sentido de tratar a questão da mulher como um ponto singular que precisa ter um acolhimento principalmente às vítimas. Outro ponto que a Universidade tem trabalhado bem refere-se a ações mais preventivas. Vocês sabem, aparece na mídia com muita intensidade, casos. Tivemos, na rede de engenharia, um grupo de jovens que fez um cartaz "caiu na Redes é estupro". Qual foi a atitude que a Universidade tomou? Eles vieram para a Diretoria da Diversidade, foi feito um trabalho com esses jovens e com suas famílias. E, aí, eles passaram, naquele semestre, trabalhando em um dos programas de inserção e de pesquisa... (Soa a campainha.) A SRª SÔNIA MARISE - ...com relação à questão da mulher. Portanto, temos, também, trabalhados com esses ditos opressores de vários níveis, de vários tipos de violências, inclusive a violência simbólica, e temos trazido esses jovens para trabalhos comunitários, dentro do ensino, da pesquisa, da extensão, dos PIBICs, das ações afirmativas que os PIBICs têm. Essa tem sido uma saída. E trabalhamos com os coordenadores e diretores de unidades para que, quando cuidam das suas unidades e coordenações, façam um trabalho direcionado para uma política mais tutorial para aqueles grupos da diversidade, para que eles tenham um lugar de referência e se sintam mais seguros dentro da Universidade. |
| R | Temos hoje a Maloca, que é o lugar de referência dos indígenas, onde eles fazem uma política pedagógica de enfrentamento inclusive da discriminação que sofrem dentro dos cursos. Temos o CCN (Centro de Convivência Negra), para que, com o Programa Fratitude, quando aquele negro ou aquela negra entra na Universidade, sinta-se amparado pelos seus colegas. Daí tiramos várias ações que podemos desenvolver dentro das coordenações de curso e diretorias de unidades. De modo geral, a Universidade tem, em certa medida, tomado algumas decisões junto à gestão, para lidar com o tema, mas com muitas dificuldades e com muitos desafios. Se eu pudesse fazer um balanço geral, como Diretora da Diversidade hoje, eu diria que ainda temos um espaço bastante discriminatório com relação aos grupos da diversidade, perpassando, evidentemente, pelas questões das mulheres. A última pesquisa que estou coordenando agora no Pibic é sobre a situação das mulheres trabalhadoras que são mães na Universidade. São dados extremamente preocupantes. A evasão das mulheres na Universidade é muito maior do que a evasão dos meninos, dos homens. Por quê? Porque elas não têm nenhum apoio para deixar seus filhos. Agora, esta sendo criada, está sendo pensada, na Diretoria da Diversidade, a creche. Vai haver um edital para que essas mulheres concorram a essas creches e deixem seus filhos. Um dos grandes problemas desses grupos de mulheres tem sido mulheres muito jovens, que são mães solteiras ou não têm com quem deixar seus filhos. Elas chegam de outra cidade para o vestibular da Universidade e não podem ter seus filhos na casa do estudante; elas não sabem o que fazer. A Universidade não tinha até agora uma política para acolher essas mulheres que são mães. A partir dos dados dessa pesquisa, será implementada, em 2016, a política de creche para as mulheres que são hoje jovens mães da Universidade, estudantes. Assim vamos diminuir essa evasão que temos observado nesse campo. Há outras questões, não sei se estou no meu tempo. (Intervenção fora do microfone.) A SRª SÔNIA MARISE - Já terminou? A gente se empolga, não é? Fica empolgada e sensibilizada com o tema. Estou à disposição na Diretoria da Diversidade. Agradeço muito por estar aqui hoje, em um aprendizado muito bom e me sentindo até um pouco mais segura de saber que muitas das coisas que estamos enfrentando, muitos dos fatos que estamos enfrentando dentro da Universidade são questões mais universais. Pensamos, às vezes, que é um pouco de incompetência do próprio grupo, que não está sabendo gerir, mas estamos percebendo que as coisas são mais sérias e mais profundas do que imaginávamos. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Vamos para a última fala da Mesa, para ouvirmos depois as Deputadas que se queiram colocar e depois encerrarmos a nossa audiência, porque há pessoas que vieram de fora, vieram especificamente para esta audiência pública e daqui a pouco vai ter que voltar. Eu gostaria de chamar então a estudante Luíza Ribeiro, que representa o Coletivo Feminista Geni da Faculdade de Medicina da USP. Ela é aluna do curso de medicina, uma das fundadoras do Coletivo. Acho interessante dizer que esse Coletivo, embora tenha começado lá, está tomando dimensão nacional. Então, é importante saber que essas jovens estudantes estão protagonizando um momento muito importante da história brasileira. Queremos reforçar isso, agradecendo a presença e ouvindo a Luíza Ribeiro. A SRª LUIZA RIBEIRO - Obrigada. Primeiro, eu gostaria de parabenizar a iniciativa da Deputada e dizer que estou muito honrada de estar aqui com todas essas feministas fenomenais. Tive sorte de não ser vítima de violência, mas sou e fui testemunha da coragem de muitas colegas e amigas da Faculdade de Medicina e de outras faculdades. Acompanhei de perto o processo da CPI dos Trotes das universidades paulistas. A minha fala vai ser dividida em: primeiro, uma visão geral; depois, o caso da USP. O que vimos é que a cultura da Faculdade de Medicina tem uma questão estrutural de opressões, especialmente as faculdades públicas. É um vestibular concorrido, há então uma sensação de onipotência do ingressante. O ingressante acha que já passou e que, agora... O difícil foi passar. Ou seja: todo mundo que entra na Faculdade de Medicina - quer dizer, não é todo mundo que entra - sai. |
| R | Já ouvi um professor falando que a Faculdade de Medicina da USP era a melhor faculdade da galáxia. Então, é esse o ambiente em que convivo, em que fundamos esse Coletivo. Também é importante dizer que acho que o Geni foi pioneiro em algumas questões, como ter levado isso para o foro da CPI e de ter uma mídia, naquele momento, muito interessada, mas nascemos em um ambiente em que já havia movimentos feministas crescentes e atuantes, que é o da Universidade de São Paulo, tanto como o Coletivo Dandara da Faculdade de Direito, a Frente Feminista. Enfim, o Geni não foi o primeiro. Também queria saber onde está o nosso reitor Zago. Seria interessante que ele estivesse aqui para ouvir a minha fala, mas acho também que não vou falar nenhuma novidade para ele. Voltando, nessas faculdades, há uma questão muito forte da hierarquia. Podemos identificar questões, na verdade, fascistoides, fascistas, como o culto ao símbolo, a massificação, a perda da individualidade e um forte culto à tradição. Quando fizemos denúncias ou quando queríamos mudar alguma coisa na faculdade, sempre a desculpa ou o motivo pelo qual não poderíamos mudar nada era o da tradição. O enredo é comum. Há agressões e estupros ocorridos. Normalmente, ocorriam por agressores internos, alunos ou funcionários da faculdade. Aconteciam em festas. Na maioria das vezes, as vítimas, bem, as sobreviventes estavam ou bêbadas ou tinham sido dopadas pelos agressores, pelo agressor, sempre com acobertamento. Houve um caso na USP em que o próprio médico disse para a vítima que ele não queria que ela sujasse o nome de uma instituição de dentro da faculdade. O prontuário dela foi perdido. Esta é uma particularidade muito perversa da faculdade de medicina, pelo menos das públicas, as que têm os hospitais-escola: a faculdade de medicina não acaba aos 6 anos. Essas pessoas são internas e, depois, viram residentes e, depois, viram preceptoras e, depois, viram médicas assistentes e, depois, viram professoras e, depois, viram diretoras das faculdades. Então, é realmente bem tradicional. Na faculdade, quando as aulas começam e o professor vai se apresentar, ele, normalmente, fala da turma que ele foi: "Sou da turma 101." Ele fala o nome dele e "fui da turma 62", "fui da turma 63". Então, o ambiente preza essa tradição. Depois que ocorre o estupro, o que vimos que aconteceu? Esses casos foram ignorados até a CPI. Muitas meninas foram aos diretores, aos professores, e, de fato, não houve visibilidade. O nosso diretor da faculdade chegou a dizer que faltava hombridade às vítimas para procurá-los. Além de ser uma péssima escolha de palavras, e acho que a área de relações públicas dele precisa ser melhorada, tiveram hombridade de ir até ele, mas não aconteceu nada. Depois da CPI, de fato, ocorreram comissões sindicantes, comissões processantes, mas o que foi visto é que houve erros brutais, tanto de Direito Administrativo como, enfim... nem sei do quê... de noção, de bom-senso. Uma das vítimas foi impedida de ir com advogado na primeira reunião, provas não foram anexadas ao processo dela, além de ela ter que frequentar a faculdade junto com o agressor. O agressor não foi retirado de lá, não havia sido suspenso. Nesse caso específico, depois da pressão, por ter saído na mídia, pela sociedade civil especialmente, com a força das meninas e mulheres da Marcha Mundial, esse aluno em questão foi suspenso por seis meses e, agora, por mais um ano. Acho que isso é muito importante em todas as faculdades, além do mais para a USP. |
| R | O estatuto é absurdo, é de 1973. Seria engraçado se não fosse trágico mesmo. Não há nada que diga respeito a crime sexual e esse aluno específico foi suspenso mas não foram reconhecidos os seus crimes sexuais. Só foi reconhecido o que ele disse que fez. Então, as denúncias feitas por três estudantes não foram consideradas. O número que você citou de 112 casos nem é na USP inteira, é no quadrilátero da saúde. Quem conhece São Paulo, Dr. Arnaldo, Dr. Enéias, são as faculdades de Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fono e Medicina. São 112 casos, sendo 12 casos em 10 anos só ali. Considerando que 10% dos casos são notificados, a gente imagina a USP inteira. O que sempre acontece? Há essa revitimização: as meninas, muitas vezes, têm que contar de novo os seus relatos na frente dos agressores; há um silenciamento por parte da comunidade, por parte dos alunos, por parte dos professores, salvo algumas maravilhosas exceções. Para terminar, eu queria muito discutir a violência no currículo médico. Fico me perguntando por que precisou ser da medicina. Por que a medicina está tão em foco? Nós somos uma cultura de bacharéis e, então, há essa cultura do doutor e o médico ainda tem um papel muito elevado em termos de status econômico e social na sociedade brasileira. Não acho que ele faz valer o status que tem. Acho também que é um custo muito grande, que o que a sociedade paga para que eu estude lá é muito maior do que o que a minha família poderia pagar. É uma questão do poder sobre o corpo. Esses alunos vão ser médicos, vão lidar com o mais frágil do ser humano. Esses alunos, depois, vão estar lá - bem, espero que não - e talvez sejam os que vão cometer violência obstétrica nos nossos mesmos hospitais universitários. Enfim, acho que há essa questão de por que tanto a medicina. A questão da violência, como a gente faz, já que a gente tem que reparar as vítimas? Como a gente educa esses futuros médicos? Existe o tal currículo oculto e a gente precisa reconhecer que existe. Para além do currículo oficial, que aparece no manual da Fuvest, há um currículo que é formado pelos centros acadêmicos, pelas atléticas, pelos comentários de professores, pelos hinos machistas de baterias, pela inserção das mulheres em programas de residência, pela não inserção de mulheres em programas de residência, pela sempre separação de gêneros. É sempre: o médico e a enfermeira. Enfim, coisas que parecem pequenas mas que não são. E também porque a gente, como alunas de medicina, não aprende a tratar essas vítimas de violência sexual. Eu tive aula de propedêutica ginecológica, que seria como examinar, e a gente não fala de violência sexual, a gente não fala de como essa vítima vai chegar a nós e como vamos ser, na verdade, o primeiro encontro dessa vítima. Eu acho que é um tema que precisa ser discutido de novo. Acho que a USP se diz parte da sociedade, mas, ao mesmo tempo, não é, porque nós somos a elite que está lá dentro. A Faculdade de Medicina foi uma que foi contra as cotas. Se por um lado ela se diz parte da sociedade, por outro ela não se diz. Então, já que somos tão pioneiros, já que somos a melhor faculdade da galáxia, da América Latina, eu acho que é nosso dever pegar esse ônus e não ter que dividir necessariamente com o resto da sociedade, porque eu acho que a sociedade já tem nos dado bastante. Sermos pioneiros mesmos. Acho que não é questão de falar que vai sujar o nome da faculdade. Já está sujo, gente, não se preocupem. Os pacientes não estão felizes também com o atendimento que os médicos têm dado. Então, não se preocupem que isso já foi feito. Acho que é isto: ser pioneiros mesmo, não esconder, enfrentar esse problema de frente e ter coragem que essas meninas... Eu sou mais velha, tenho 29 anos, é o meu segundo curso. Eu olho para essas meninas e penso: são meninas de 18 anos, 19 anos, que estão fazendo internato, fazendo terapia, tudo, meninas supercorajosas que vão se formar e que vão ser as futuras profissionais de saúde. |
| R | Acho que a gente deve isso a elas e a todos os futuros pacientes, especialmente quem são os nossos futuros pacientes? Mulheres pobres, mulheres negras, que vão ser atendidas por esses médicos e isso não pode continuar acontecendo. Agradeço a todos e, por favor, continuem olhando para a gente, porque é só com a pressão de fora é que vai mudar essa universidade e as outras universidades. Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Agradeço a fala da Luíza, que acho vem num momento certo, dessa onda feminista. Tomara que as mulheres, cada vez mais, tomem as ruas, contra todo tipo de opressão, inclusive na política, Deputada Maria do Rosário. Foi pedido aqui, temos duas Deputadas e uma Senadora inscritas, a gente já vai encerrar, não vai dar tempo de voltar para a mesa. Então, fiquem à vontade para desfazer a mesa; algumas palestrantes têm que viajar e também fiquem à vontade para sair. Eu queria agradecer às que vieram de fora: Nalu Faria, Presidente da Marcha Mundial das Mulheres; Andréia Pacheco, que é assistente social e professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas; Luíza Ribeiro, representante do Coletivo Feminista Geni, da Faculdade de Medicina da USP; e todas as outras, mas especialmente porque elas de fato tomaram um voo para virem aqui dar esse depoimento ao vivo e em cores. Quando realizamos alguma audiência e quando estou facilitando ou encaminhando a reunião, eu sempre acho que precisamos dar um salto, alguma coisa precisa acontecer, porque achamos importante trazer à tona a discussão, dar visibilidade, mas é importante também que as coisas aconteçam, que a vida aconteça. Já vou pegar a proposta da Luciana, antes de passar a palavra às Deputadas para materializar, já proponho que a gente componha uma comissão - as Deputadas e Senadoras que quiserem - para ir ao MEC falar com o Ministro da Educação e relatar esta audiência e apresentar uma questão-chave mesmo: a pontuação das universidades. Temos aqui uma Deputada que foi reitora, a nossa Margarida Salomão, de uma universidade grande, importante e pública. Como a gente não pode dar a mesma fórmula, estabelecer a mesma regra ou conduta que vai resolver de A a Z o problema do estupro nas universidades, a gente precisa dar alguns passos. E acho que a gente pode, pelo menos, verificar a constitucionalidade dessa proposta, já que vem de uma operadora do Direito, mas acho que viável que a gente vá ao Ministro da Educação do Governo da Presidente Dilma a fim de conseguir algum espaço para trabalhar essa questão; de repente, o próprio Ministro tem alguma possibilidade de nos ajudar e sugerir alguma coisa. O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Deputada Luizianne. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Pois não. O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Uma sugestão em relação a esse encaminhamento: seria interessante convidar a Ministra Nilma Lino, da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial, da Secretaria de Direitos Humanos e da Secretaria de Políticas para as Mulheres, para que acompanhasse essa delegação que vai até o Ministro da Educação. É fundamental que haja esse diálogo entre o Ministério da Educação e o Ministério encarregado de combater as discriminações, inclusive a violência contra a mulher. Seria interessante que o encontro fosse feito com os dois Ministérios. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Boa sugestão, Deputado Jean Wyllys. A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Eu só faria um adendo para que se fizesse, então, uma primeira audiência com a Ministra Nilma e agendasse com ela, para que ela não apenas acompanhe, mas que se empodere essa Pasta, ela que é uma mulher negra, que vem de uma universidade, que foi reitora também. Ou seja, que ela não apenas nos acompanhe, mas se faça uma audiência com ela também. O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - A minha sugestão foi justamente nesse sentido. Como a ideia era falar com um Ministro, pensei em incluir uma Ministra para acompanhar e intervir. Mais interessante. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Está acatado, Deputado Jean Wyllys, só esclarecendo que a nossa Ministra foi convidada, não pôde vir e mandou a Secretária Executiva, que estava aqui presente. Certamente, vai ser acatada essa sugestão, que acho é extremamente importante para que a gente dê um passo à frente, sempre na perspectiva de avançar. Obrigada, Deputado Jean Wyllys. Agora, as Deputadas: Deputada Maria do Rosário, Deputada Margarida Salomão, Deputada Erika Kokay e a Senadora Regina Sousa. A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Eu quero cumprimentar todas as mulheres que, nesta audiência, fizeram seus pronunciamentos; e a Relatora desta Comissão, Deputada Luizianne Lins. Quero destacar que esperamos mais das universidades e mais do Ministério da Educação nesse terreno. Esperamos mais porque é necessário fazer mais. Não se trata de não reconhecer o que está sendo feito, o que está sendo produzido. Ao contrário, a gente sabe que definições foram tomadas, que encaminhamentos foram feitos. |
| R | Aqui as universidades falaram também e isso foi muito importante. Mas é preciso ir além daquilo que está sendo feito porque a situação é grave e porque ela está integrada a uma violência estruturalmente composta na sociedade brasileira. E as universidades podem fazer muito para ajudar a sociedade brasileira no enfrentamento dessa violência. Se não podem fazer tudo, podem fazer muito. Eu até me filio muito à posição que a Nalu apresentou aqui na reunião de pensar amplamente a questão de gênero e a produção mesmo. A Deputada Margarida Salomão, que foi reitora, certamente ela vai poder nos ajudar mais nisso, mas eu fico pensando justamente na visibilidade da produção científica das mulheres, no comando das universidades pelas mulheres, nos programas instituídos nas universidades. Até porque nós não vamos poder ter uma disciplina acadêmica que trate desse tema. A violência não pode ficar presa a uma disciplina ou a um programa, já que ela é multifacética e tem que ser trabalhada em todas as experiências de vida de uma instituição. Então, eu queria referir aqui, até do ponto de vista feminista, que nós não estamos trabalhando com papeis sexuais, na minha perspectiva. Não estamos trabalhando tampouco com funções, mas com o conceito de gênero, que é permeado pela violência em que, numa abordagem mais ampla, devemos perceber que essas instituições universidades, assim como o Congresso Nacional e as demais instituições, têm uma cultura e constituem uma representação do feminino e do masculino que elas trabalham para conservar e nos conservar num polo de desvalorização e reféns dessas circunstâncias de violência. Nós precisamos enfrentar isso. E eu acredito que aqui foram apresentadas excelentes sugestões, que poderiam até na ata e no estudo do que uma ou outra falou, do que as instituições estão produzindo e, para além, produzir de conjunto de sugestões que a Relatora organize para levarmos, como disse o Deputado Jean Wyllys, ao Ministério da Educação, aos Conselhos de Direitos Humanos, ao Conselho de Educação, ao Conselho Nacional de Direitos da Mulher, para que debatam, por exemplo, esses estatutos que não podem, na perspectiva da autonomia universitária, estar sem perceber, invisibilizando essa violência, que é institucional. Não é a violência de um jovem, ainda que ele tenha que ser responsabilizado, ou de um homem ou outro. Quando acontece dentro das instituições, como dentro deste Congresso Nacional, Deputada Luizianne, essa instituição tem que responder para que essa violência não seja institucionalizada e permitida. Aqui na Câmara dos Deputados, nós vivemos uma contradição muito forte e que é parte de um movimento absolutamente violento. De um lado, o Estatuto da Família, um projeto de lei sendo votado que quer impedir o exercício da amorosidade e da livre sexualidade, como família inclusive, entre adultos; e por outro lado, temos o Projeto de Lei nº 5.069, do Deputado Eduardo Cunha, que quer a liberação da violência e punição da vítima! Eu considero extremamente importante o que foi dito aqui pela Senadora e Professora Eva Blay, quando disse que é preciso 72 horas como tempo máximo limite para que alguém não venha a estar adoecida pelas circunstâncias da violência que sofre, além do adoecimento psíquico que a violência sexual produz. No entanto, o Deputado Eduardo Cunha e a Comissão de Constituição e Justiça querem que as meninas, que as mulheres não sejam mais atendidas nas unidades de saúde sem antes passarem pelas delegacias! Querem voltar ao antigo regime em que a vítima de estupro que denunciasse era passível de ser condenada pela ousadia da denúncia. Não percamos de vista que o estupro passou a ser crime contra a pessoa e não mais crime contra os costumes só em meados do ano 2000, a partir de iniciativas do Parlamento brasileiro. |
| R | Então, faço uma saudação a essa reunião. Assisti a cada depoimento porque me tocou profundamente cada um. Faço uma saudação porque vocês foram aqui representativas desses movimentos que estão nas ruas, que escrevem: meu corpo, minhas regras. Que escrevem sobre liberdade nos seus corpos, significando essa liberdade com palavras de ordem escritas com tinta sobre seus corpos, que são utilizados como objeto da violência sexual. Portanto, ao cumprimentá-las, quero dizer que esta Comissão está com a relatoria nas boas mãos da Deputada Luizianne Lins, que, creio, fará um relatório sensível a essas questões humanas, mas também firme para oferecer posições claras contra a violência. E, por fim, peço o apoio de vocês também... (Soa a campainha.) A SRª MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - ...diante do Projeto de Lei da Senadora Gleisi Hoffmann, de nº 1.322, de 2011, por cujo relatório tenho responsabilidade, ao lado da Deputada Érika Kokay, de defender, no caso como Relatora, na Comissão de Constituição e Justiça, e que constitui, na Lei Maria da Penha, a ação como incondicionada, e que termina e proíbe definitivamente o que já nem seria necessário, mas que estamos fazendo, na 9.099... Proíbe totalmente que a 9.099, como lei, seja usada como subterfúgio para não responsabilizar aqueles que cometem a violência doméstica contra mulheres. E esse projeto de lei está em risco, porque grande parte dos Deputados da CCJ, hoje, não quer que a ação seja incondicionada, quer que as mulheres sejam pressionadas para retirarem a denúncia que fazem contra os seus algozes, e quer o uso da transação penal no sentido de que uma cesta básica seja o preço da violência praticada contra a mulher. Hoje, lamentavelmente, a própria Lei Maria da Penha, na Câmara dos Deputados, está em risco na medida em que esse projeto venha a ser rejeitado, o que não permitiremos. Mas nós precisamos dessa sociedade mobilizada. Muito obrigada e parabéns pela audiência. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Bom... (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Só ressaltar que eu tive a alegria também de ter, quando fui prefeita de Fortaleza, a Maria da Penha como a nossa coordenadora de mulheres naquele momento. E a gente fica muito feliz de estar vivendo esse processo de avanço. Agora, estamos revisando e cada vez mais aperfeiçoando, porque se começarmos a pensar somente a partir de 2006, com a promulgação da Maria da Penha a gente passou a ver a questão da violência contra a mulher num outro patamar. A gente não; eu digo o senso comum. E imagine que antes de 2006 era tratada muitas vezes como uma questão doméstica, interior, dentro da casa. É absolutamente brutal chegarmos num momento desse. Normalmente, eu resumo dizendo o seguinte: duvido que iriam agredir gente do mesmo tamanho ou do mesmo porte físico. Geralmente a agressão se dá muitas vezes como um ato de covardia. Então, é uma realidade com a qual ainda temos de conviver, no século XXI. Foi falado aqui da Ministra Nilma, a qual está presente aqui no Senado, na reunião da bancada feminina que já deve estar começando a acontecer agora, às 17 horas. Ela já chegou. Portanto, vamos concluir a fala das Deputadas e da Senadora e, logo em seguida, quem quiser pode ir para a sala da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, com a presença da Ministra Nilma. A Senadora Regina Sousa e logo em seguida a Deputada Margarida Salomão. A SRª REGINA SOUSA (Bloco/PT - PI) - Boa tarde a todas as convidadas. Parabéns pela exposição. Pena que a gente tem um tempinho limitado, mas é que corremos... Tenho de ir para o plenário agora. Já estão chamando. Também a outra mesa que participou antes... Eu queria, primeiro, fazer um convite. Dia 19, nós teremos audiência pública na Comissão de Direitos Humanos sobre a situação da mulher negra no Brasil. Tem a marcha e no dia seguinte teremos essa audiência pública. Sintam-se todos e todas convidados e convidadas. |
| R | Não só a questão da violência física, mas todo tipo de violência contra a mulher negra. A gente fez uma audiência pública porque a morte neonatal cresceu também no meio das mulheres negras. Então, é inexplicável esse negócio. Estudantes de Medicina, isso dá um estudo, uma tese. Também queria dizer que eu não canso de falar do Enem. Eu acho que não há mais quem segure. Ninguém mais vai impedir que se discutam nas escolas estes temas - igualdade racial, intolerância religiosa, homofobia -; é agora que os estudantes vão exigir, porque foram pegos de surpresa. Então, não há câmara municipal, assembleia legislativa que vá impedir isso que vimos na elaboração dos planos, a mobilização para impedir que a palavra gênero apareça. Há gente que tem fobia da palavra gênero aqui no Senado. Na hora em que se fala nisso, enlouquece. Mas aquilo foi muito bom: sete milhões de cabeças pensando nesse tema da violência, tentando escrever. E ali havia gente que sofreu, gente que praticou, gente que denunciou, gente que viu e não denunciou. Espero que os que praticaram tenham se dado muito mal na prova. E quantos milhões - deve haver muito mais de sete milhões - continuam discutindo depois. Aqui houve gente que disse que era o Enem bolivariano... (Soa a campainha.) A SRª REGINA SOUSA (Bloco/PT - PI) - Eu queria, inclusive, abraçar cada membro da comissão que organiza o Enem, que elabora as provas. Acho que foi uma coisa que deu mais debate do que tudo o que nós debatemos antes sobre esse tema. Só isso já valeu bastante. Mas a gente já falou aqui de muita coisa. Primeiro, não falamos do acontecido. E a gente tem que ver o que faz para não mais acontecer. E não é só segurança. A gente sabe disso. Não é colocar mais segurança, porque há uma segurança em uma esquina e, na outra, está acontecendo. Então, tem que ver. Aí acho que a questão da educação das crianças em casa é fundamental. Quer dizer, vão se criando alguns valores. Alguém aqui passou até um vídeo sobre a questão de que homem não chora. Diz-se isso para um menino. Levanta para cair de novo quando cai, principalmente o menino. Ouve-se demais a frase: homem não chora. Desconfio que é por isso que o homem tem mais força que mulher, porque ele reprime o choro e vai ganhando força física. Só pode ser isso, porque vão se construindo essas coisas. A mulher até a gente considera evoluída. A gente ouve demais dizer: não faz isso, porque vou dizer para o seu pai. Está empoderando o homem, dizendo que o homem tem poder sobre ela. Não tem sobre o filho. Ela diz para o menino: não faz isso, te aquieta, fica quieto, senão, vou dizer para o teu pai quando ele chegar. Ou, então, quando o menino faz qualquer traquinagem, negocia com o menino, negocia não dizer para o pai. Quer dizer, está empoderando o masculino. Então, essas coisas todas acontecem. E também a música que ele ouve, as histórias que a família conta para ele, tudo isso vai influenciar na pessoa que ele vai ser. Quando chega à escola, ele já vai com alguma coisa formada também. Então, a gente precisa também dar atenção a essa parte da educação das crianças em casa, porque a gente pensa que não influencia. Quando a criança vê o pai brigar com a mãe, a gente pensa que isso não influencia, mas tudo isso vai formando a cabecinha. E também dizer mais uma coisa sobre o exemplo aqui da Profª Eva quando ela era Senadora, sobre o que aconteceu com ela porque propôs um debate sobre o aborto. Dizer para ela que já foi, mas continua aqui. Nós tivemos, recentemente, uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos em que um Parlamentar trouxe um batalhão de mulheres fundamentalistas com bonecos, com feto, com não sei o quê, acho que para assustar a gente. Estavam desfilando nos corredores com os bonecos, com os fetos sangrando, essas coisas. Então, continua a mesma mentalidade do tempo em que ela era Senadora. Acho até que está pior, porque temos uma bancada aqui que não é fácil. Então, é o desafio de a gente debater todo dia. Por isso que a gente faz muita audiência pública. O pessoal diz: "Vocês fazem muita audiência pública." Mas precisa, porque as pessoas estão assistindo pela televisão, estão vendo. Isso vai ajudar na discussão. Nós fizemos uma audiência pública sobre violência obstétrica, e uma das questões que saíram era: o que esses estudantes de Medicina estão aprendendo, estão discutindo nessa questão? Porque é aquela coisa de o médico, a médica, o enfermeiro, a enfermeira dizer: "É, na hora de fazer, você não gritou!" Isso é violência. Não deixar uma pessoa acompanhar, segurar na mão, isso é violência. Então, contra a lei. Mas ninguém deixa. Ah, não tem espaço. Não é negócio de espaço não. Pode ser em pé, segurando, mas as mulheres nem sabem que têm esse direito. |
| R | Então, a gente tem toda essa tarefa também, de divulgar que elas têm, que há alguns direitos que a gente precisa exigir que sejam cumpridos. Era isso. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada, Senadora Regina Sousa. Passo, agora, a palavra para a Margarida Salomão e, para finalizar, depois, a Deputada Érika Kokay. A SRª MARGARIDA SALOMÃO (PT - MG) - Quero cumprimentar todas as oradoras que participaram, de uma forma tão efetiva, da audiência desta tarde, particularmente a Relatora desta Comissão e que preside esta reunião, a Deputada Luizianne Lins. Quero dizer que essa discussão hoje travada é absolutamente tempestiva. Só para efeito de ilustração, os alunos de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora estão promovendo, para o dia 28 de novembro, uma festa com o nome Dopamina - segundo eles, uma homenagem ao neurotransmissor. O que é interessante é que eles já foram denunciados por um coletivo de mulheres, também de Juiz de Fora: Maria Maria, da Marcha Mundial das Mulheres. Então, eles já foram alvo de denúncia, estão tendo de explicar, mas até agora, que eu saiba, nem desativaram a festa e nem mudaram o nome. Eu, então, queria dizer que um fato muito relevante é que esse processo que estamos discutindo primeiro dessacraliza a universidade como um espaço asséptico, um espaço imune à prática de violência. A universidade é violenta. Primeiro, ela é violenta pela exclusão a que ela foi sujeita por tantos séculos. Em segundo lugar, ela é violenta porque é o lugar em que se consolidam as ideologias dominantes. Por essa razão, só, ela é violenta; mas ela tem sido mais violenta nos últimos anos, na medida em que ela tem mudado socialmente. Hoje, na universidade, há mais mulheres do que homens - como alunas e como professoras. A maioria das pessoas que vivem na universidade, que estudam... (Soa a campainha.) A SRª MARGARIDA SALOMÃO (PT - MG) - ... na universidade, que exercem a universidade são mulheres - fora do lugar. Isso, naturalmente, já é uma provocação. Então, eu queria dizer mais: que eu considero particularmente grave essa tolerância, ou essa emulação da violência na formação para a saúde. Porque é exatamente desse tipo de profissionais que nós vamos esperar, proximamente, que atuem contra a violência. Mas se são eles mesmos que a naturalizam, se, como a Luiza disse, esse não é um assunto de estudo... A rigor, nas áreas de saúde você tem tido uma biologização da formação e uma redução do debate social, que objetifica o paciente como corpo, mas um corpo dominado, e não um corpo que tem autonomia para se exercer. Então, penso... Como reitora, eu tive a oportunidade de abrir, na nossa universidade, uma casa de parto. Vejam vocês, uma coisa suprapartidária, que era um programa, à época, promovido pelo Ministro José Serra, Ministro da Saúde. Tivemos essa casa de parto, que era o maior sucesso. Quem eram os funcionários e os formadores, as formadoras? Eram enfermeiras e enfermeiros com doutorado. Bastou acabar a minha gestão, fecharam a casa de parto, em grande parte por indução da Faculdade de Medicina. Aí você tem um outro debate e uma outra disputa sobre o ato médico, sobre o que é médico no ato de prestação de serviços de saúde. Sou inteiramente a favor de que nós tenhamos esse debate com a Ministra Nilma, que vamos ao MEC. O MEC precisa dizer com clareza que a questão de gênero é pauta do MEC. O MEC não pode se submeter à lógica obscurantista e reacionária que prevalece neste Congresso Nacional, particularmente na Câmara dos Deputados. Nós não podemos baixar a cabeça. |
| R | No Plano Nacional de Educação, para facilitar a sua tramitação, nós deliberamos combater as discriminações sem nomear a discriminação de gênero. Mas, como hoje muito bem lembrou a Deputada Dorinha, do DEM, de forma alguma ficou implícito que a questão de gênero não devesse ser tratada como uma prioridade de política educacional. No caso das universidades, eu acho que isso ainda é mais grave, porque a universidade surgiu como um projeto que, neste século, completará mil anos, com um projeto de emancipação, com um projeto civilizatório. Então, nós não podemos suportar que haja violência dentro da universidade, que haja violência contra a mulher dentro da universidade e que não se tenha, como condição de formação, o combate a essa violência. Então, quero dizer que devemos tratar desse tema acrescentando uma focalização, que é a questão da área de saúde; tratar da violência contra a mulher como tema na formação de profissionais para a área de saúde. Eu acho que, fazendo isso, nós aumentamos o grau de consciência da sociedade nesse campo. Obrigada. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Gente, só lembrando, a Ministra Nilma e a Ministra Eleonora estão, até às 18h, na reunião da bancada feminina. E, para encerrar, agradeço a participação de todas e todos os que vieram aqui, foi uma audiência extremamente importante e participativa, mas agradeço também a Aline, que esteve aqui conosco e veio substituindo a Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, do Ministério das Mulheres; o Paulo Gabriel, que é do Ministério da Educação. Lembrando que nós vamos constituir aqui o requerimento para duas questões específicas: uma é esta audiência com o Ministro para tratar diretamente da questão da pontuação das universidades em relação também a essa questão de gênero. Eu achei excelente essa sugestão da Deputada Margarida, até porque a Margarida foi reitora de uma grande universidade, portanto ela lidou com todas essas questões de perto, que é exatamente essa questão de a gente ver formas de o Ministério absorver essa discussão de gênero cada vez mais e participar ativamente disso. Então a gente vai encaminhar, na próxima reunião, esses requerimentos. Quero agradecer a Tâmara também, que é Secretária do Conselho Nacional da Juventude, além de ser uma negra maravilhosa, atuante, militante, combativa. Eu já estive com ela em outros momentos e acho que é a cara das novas mulheres - aliás, não vou dizer novo feminismo, não é uma questão de moda -, dessa afirmação que hoje a gente está vivenciando e que a gente quer incentivar muito; a Sônia Marise, Diretora da Diversidade da Universidade de Brasília, que também trouxe questões muito concretas, e eu acho que foi muito importante a sua participação, até porque estamos aqui, no território; a Luciana Loureiro, que é Procuradora da República. Creio que cabe também, Luciana, a gente entrar em contato para ver a constitucionalidade para chegar com algo concreto, para que o Ministério abrace; a Nalu Faria, que é Presidente da Marcha Mundial das Mulheres; a Andréa Pacheco, que é professora da Ufal e também uma militante feminista, assistente social, e a Luiza Ribeiro, que representa o Coletivo Geni da Faculdade de Medicina da USP. Ambas tiveram de sair porque está no horário do voo delas e se comunicaram aqui com a gente. Por fim, a gente vai passar a palavra a Deputada Erika Kokay e, logo em seguida, encerrar a nossa audiência. Deputada Erika Kokay. A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Eu queria parabenizar pela realização da audiência, que é absolutamente importante, porque eu penso que nós temos uma égide, nessa altura da história da humanidade, pautada em um binômio muito perigoso e que atinge, de forma muito violenta, a mulher no seu corpo e na sua própria vida, que é o medo e a culpa. Nós vemos uma sociedade em que o medo é disseminado, ou seja, é destruir a nossa posição ou capacidade de nos sentirmos inteiros e não nos sentirmos ameaçados. Todos os dias você liga a televisão e alguém vai dizer que você precisa ter um plano saúde, você precisa ter um seguro, você precisa ter isso, você cultua o medo, espetaculariza a violência, que é uma forma de você não perceber as violências cotidianas. Quando você espetaculariza, você não identifica as violências que você mesmo sofre. E a culpa? As mulheres são muito imputadas com as ditaduras da perfeição, têm de ser perfeitas; perfeita como mulher; perfeita como dona de casa; perfeita como amante. Perfeitas, perfeitas, perfeitas, perfeitas. |
| R | E perfeitas quando ocupam postos culturalmente ocupados por homens; não podem errar, se erram, erram porque são mulheres. Então, a culpa é um instrumento de dominação invisível, ela corrói internamente. As mulheres se sentem culpadas porque são vítimas de violência, porque, se são vítimas de violência, algo fizeram. E vão carregando essa culpa e essa culpa vai impedindo o desabrochar da própria humanidade. Então, nós vivemos isso: o binômio culpa e medo, culpa e medo. E isso provoca um crescimento das soluções fáceis, das soluções mágicas, que é o fundamentalismo. O fundamentalismo provoca soluções fáceis. Você pune, amordaça e coloca grades, que se resolvem os problemas da sociedade. Estimula cercas, porque as cercas resolvem o problema da sociedade. Ou, então, você entra numa lógica fundamentalista religiosa, porque você chega ao reino do céu e não tem que viver os dilemas da nossa própria humanidade, que traz sempre muitos dilemas, porque o ser humano é ser querente e convive com o outro, precisa do outro. Então, nesse quadro, dar visibilidade a uma violência que acontece dentro das universidades é absolutamente fundamental. Até então, a universidade, como sacralizada, dizia Margarida, bem pontuado o termo, mas sacralizada porque ali é o universo em que você dialoga com a cultura, com a ciência, com a arte. Como é que você permite a coisificação do ser humano, a coisificação das mulheres, as mulheres não serem donas do seu próprio corpo? Isso é tão violento! E está se expressando aqui na Câmara, nesses fundamentalismos que vão tirando um ao outro para dançar e vão fazendo um baile macabro no Congresso Nacional. É um baile macabro de retirada de direitos. A Lei Maria da Penha, por exemplo, que é uma conquista da sociedade, porque desnaturaliza a violência, identifica a violência, ou seja, violência sexual é violência, violência patrimonial, enfim, as violências que não deixam, necessariamente, a marca na pele, as mutilações metafóricas ou simbólicas. A gente se horroriza com mais de 110 milhões de mulheres, meninas, que são "cirurgiadas", para que não tenham clitóris, ou seja, para que não possam ter direito ao prazer. Mas há uma castração simbólica, em que a mulher não é dona do seu próprio corpo, seu dono é instrumento do outro, é esvaziada enquanto pessoa e se transforma no espelho do desejo do outro. Então, veja, pontuar que essa violência está dentro das universidades, onde se discute o desenvolvimento da ciência, da cultura e da arte, é absolutamente fundamental para desnaturalizá-la. A Lei Maria da Penha está atacada, no Estatuto da Família - não vamos ter tempo para desenvolver sobre isso -, no Projeto nº 5.069, todos os dias ela é atacada, inclusive nesse projeto em de que a Deputada Maria do Rosário é Relatora. Todos os dias é arrancado um pedaço da Lei Maria da Penha. Ela está sendo desfigurada de tal forma que, quando percebermos, a legislação vai deixando as crateras muito profundas, no sentido da Lei Maria da Penha. Quando a gente está discutindo estupro dentro das universidades, estamos discutindo gênero. Nós não somos discriminadas porque nascemos mulheres; somos discriminadas porque se fez uma construção de gênero subalterna. Ou seja, essa construção de gênero penaliza a humanidade, porque diz que homem não pode ter ternura, homem não pode chorar, tem que ser o provedor, e que as mulheres são frágeis. Você "biologiza" as desigualdades. Ao biologizar, você naturaliza. Então, é preciso desnaturalizar. Por isso, Deputada Luizianne, acho muito bom que você esteja nesta Casa, é uma referência nacional em políticas públicas, quando ocupou a Prefeitura de Fortaleza. Mas é muito bom que você esteja aqui nesta Casa e que possamos dar visibilidade e apontar caminhos de superação, para eliminar a biologização, a naturalização e para que, simplesmente, nós, mulheres, possamos ter nosso corpo, porque o nosso corpo não nos pertence. Encerro lembrando que, se a gente vir a história da sexualidade, por muito tempo, houve essa biologização. Por muito tempo, as mulheres que não podiam falar delas mesmas ou representar o próprio desejo, porque não podiam ter direito ao desejo nem podiam nominar o desejo, elas tiveram, naqueles que detinham o poder sobre o corpo, nos médicos, e, antes, naqueles que detinham o poder sobre os pecados, nos padres, os canais para falar delas mesmas. Nós precisamos abrir os espaços de escuta |
| R | Nós precisamos abrir os espaços de escuta. Portanto, dentro de tudo isso, tem que ter espaço de escuta e de fala das mulheres. As mulheres não têm espaços de fala e de escuta. Se vamos aliar tudo isso, é muito importante que possamos elaborar, na estratégia de saúde da família, introduzir os espaços de escuta e de fala, para que possamos representar e identificar as diversas violências que sofremos e, a partir daí, ao desnaturalizá-las e identificá-las enquanto violência, possamos combatê-la. Parabéns, Deputada Luizianne Lins. Só acho que a senhora não deveria estar aqui se pudesse ser de novo Prefeita de Fortaleza, prefeita da minha cidade, porque foi ali que nasci. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Eu sei, Deputada, o Ceará é um celeiro de pessoas extremamente comprometidas, como V. Exª. Eu tenho que puxar a sardinha para o meu Estado. Antes de encerrarmos os trabalhos, proponho a aprovação das Atas da reunião passada e desta reunião. Os Deputados e Deputadas que concordam permaneçam como estão. As Srªs e Srs. Senadores que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.) As Atas foram aprovadas, serão encaminhadas à publicação. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião, agradecendo a presença de todos e todas. Obrigada. (Iniciada às 15 horas e 2 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 52 minutos.) |
