23/11/2015 - 27ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Bom dia. Agradeço às senhoras e aos senhores que atenderam o nosso convite para participarem desta audiência pública.
Eu quero iniciar, porque nós estamos, formalmente, em uma audiência do Senado Federal. Portanto, havendo número regimental, eu declaro aberta a 27ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 11, de 2015, de minha autoria, aprovado por esse colegiado.
Esta audiência pública é a sexta de um círculo de audiências que esta Comissão realiza em diversas cidades do Brasil, a fim de tomar conhecimento, investigar e debater o problema do assassinato de jovens no País.
Antes de iniciarmos, gostaria de agradecer a toda a equipe do Cine Teatro Lauro de Freitas, que, gentilmente, cedeu espaço e colabora com a realização desta audiência.
Estão presentes os seguintes convidados, que, desde já, peço para comporem a Mesa. Explico que nós gostaríamos de ter um espaço maior, e, dentre os agradecimentos que faço, quero agradecer o empenho do Vereador Manoel Carlos, mais conhecido como Carlucho, do PSB, que nos ajudou a construir esta audiência aqui no Município.
Lauro de Freitas está, como Simões Filho, entre os Municípios onde mais cresce a violência contra o jovem. Era nossa ideia não a realizarmos em Salvador, justamente, porque tenho recebido muitas correspondências de cidadãos, tanto de Lauro de Freitas quanto de Camaçari e de Simões Filho, reclamando de que as comissões da Câmara e do Senado, quando vêm à Bahia, limitam-se a ficar em Salvador.
Então, achei importante estendê-las aos Municípios. Nós, geralmente, realizamos essas audiências fora de Brasília, na sexta-feira. Esta, portanto, é realmente extraordinária, porque acontece na segunda-feira, pois, sexta-feira passada foi dia 20 de novembro, e nós decidimos não realizá-la em tal data, para não concorrermos com as atividades que todas as cidades realizaram de manifestação e de rememoração do dia 20, Dia da Consciência Negra.
Assim, vou também fazer uma explicação e apresentar a vocês o Senador Humberto Costa, Líder do PT no Senado Federal, parceiro nosso no trabalho desta Comissão. (Palmas.)
A Câmara de Vereadores daqui, Humberto, é muito pequena e não possui um auditório deste tamanho. Nós sabíamos que não comportaria a audiência, por isso, tentamos auditórios particulares até, finalmente, chegarmos a este auditório do Estado, aqui no Município. Eu quero agradecer, portanto, aos responsáveis e ao Governo do Estado da Bahia.
Queria explicar que eu vou chamar pessoas, mas nem todas se sentarão à mesa, porque nós só temos dez cadeiras. Então, nós vamos funcionar como mesa estendida, tendo a primeira fila com os representantes da Mesa, literalmente, porque queremos que essas pessoas também façam uso da palavra.
Registro a chegada do Relator da nossa Comissão, o Senador Lindbergh Farias, a quem peço para compor a Mesa. (Palmas.)
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Nós vamos usar a mesma metodologia, Lindbergh, que usamos no Rio de Janeiro. Temos entidades aqui. O Cedeca trouxe duas mães que nós queremos ouvir, e que estão dispostas a falar. Nós vamos tentar fazer uma fala da Mesa e uma fala da entidade ou de alguém da mesa estendida.
Quero iniciar, portanto, convidando para compor a Mesa o Prefeito da cidade, Sr. Márcio Araponga Paiva, que nos recebe gentilmente em sua cidade. (Palmas.)
Convido o Tenente Coronel Jaime Pinto Ramalho Neto, Diretor de Superintendência de Prevenção à Violência da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia. (Palmas.)
Srª Maria Helena Lordelo de Salles Ribeiro, Juíza de Direito Titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lauro de Freitas. (Palmas.)
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, Deputado Marcelino Galo. (Palmas.)
Deputada Federal, ex-Prefeita do Município, Moema Gramacho, também integrante da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados. (Palmas.)
Srª Márcia Calazans, consultora da ONU e pós-doutoranda em Violência, Democracia e Segurança Cidadã. (Palmas.)
Já preenchemos as cadeiras? (Pausa.)
Pedindo que permaneçam na mesa estendida, na primeira fila, vou registrar os nomes e, se alguém da Mesa tiver que sair por alguma razão, os que estão na mesa estendida vão tomando lugar aqui.
Sr. Yulo Oiticica, Ouvidor Geral do Estado, ex-Deputado Estadual, Presidente, por mais de quatro anos, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. (Palmas.)
Coronel Sérgio Luiz Baqueiro dos Santos.
Sr. Waldemar Oliveira, Coordenador Executivo do Cedeca. (Palmas.)
Vereador de Salvador, Sílvio Humberto, Presidente da Comissão de Educação do Município de Salvador. (Palmas.)
Vereador Manoel Carlos dos Santos, Carlucho, de Lauro de Freitas. (Palmas.)
Prof. Jorge Sales, Secretário de Educação do Município de Simões Filho. (Palmas.)
Peço que, se houver outro representante de Simões Filho, também envie o nome aqui para a Mesa.
Waldemar, por favor, há mais uma cadeira aqui, peço que você a ocupe; pela importância do trabalho do Cedeca nessa questão do acompanhamento das mortes de crianças e adolescentes em nossa cidade, peço que você possa integrar a Mesa.
Quero registrar a presença do querido amigo Zulu Araújo, Presidente da Fundação Pedro Calmon. (Palmas.)
Vou fazer o seguinte. Como já estamos começando com certo atraso...
Por favor, vejo ali, na terceira fila, uma delegada representando a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Civil. Peço que chegue à primeira fila, Delegada Cleuba Regina Teles. Há um lugar reservado ali.
Coronel Sérgio Luiz Baqueiro dos Santos, que está aqui sentado à frente, que é Comandante do Policiamento Regional da Baía de Todos os Santos, representando a Polícia Militar do Estado da Bahia, aqui também presente entre nós. (Palmas.)
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Registro ainda que o Ministério Público estadual foi convidado a enviar representante para participar desta audiência. Contudo, após diversos contatos da Secretaria desta CPI, o órgão agradeceu o convite, alegando que os promotores já tinham compromissos previamente agendados. Pela segunda vez, o Ministério Público faz-se ausente numa audiência da CPI, no Rio e na Bahia, assunto que teremos que tratar com o Conselho Nacional.
Com o fim de organizar o tempo disponível desta audiência, sugiro que cada convidado tenha entre cinco a dez minutos para sua exposição. Como não estamos no Senado, temos dificuldade do controle do tempo conforme lá fazemos. Então, vamos ter que usar nossos relógios mesmo, nossos cronômetros dos celulares, para que possamos garantir a fala de todos. Lembro que, além dos que compõem a Mesa, os convidados da mesa estendida, da primeira fila, também vão falar aqui.
Quero registrar a presença de Luiz Macedo, Presidente da Limpec, a companhia de limpeza da Prefeitura de Camaçari. (Palmas.)
Registro a presença de Rodrigo Hita, coordenador da Defesa Civil estadual. (Palmas.)
Vamos iniciar. Depois, no intervalo, eu vou registrando a presença de outros tantos amigos e conhecidos e de importantes autoridades.
Registro a presença de dois vereadores; não os vejo daqui, mas são eles Naide Brito, nossa Vereadora do PT de Lauro de Freitas, e Santinho, representando o Vereador Lula Maciel. Não vi Lula aqui. (Palmas.)
Registro a presença do Presidente da Câmara, Rosalvo Batista. Muito obrigada por sua participação, Vereador. (Palmas.)
Vamos iniciar, então, a nossa audiência. Vamos ver quem vai falar primeiro. Vamos organizar aqui a Mesa.
Estão me lembrando aqui da presença do Sr. Carlos Alberto Silva Júnior, Ouvidor Nacional da Igualdade Racial da Presidência da República. Quero saudar a presença dele, que terá a palavra no momento oportuno. (Palmas.)
Eu vou iniciar passando a palavra ao nosso Prefeito, que é o nosso anfitrião.
O SR. MÁRCIO ARAPONGA PAIVA - Primeiro, eu quero saudar a todos. Por ser uma audiência pública, ficamos aqui mais à vontade para termos os efeitos necessários nesse assunto, que é um assunto que desagrada a todos, não só ao Estado da Bahia, mas ao Brasil todo.
Eu saudarei a todos, primeiro, em nome da nossa Senadora, em nome dos Senadores Humberto Costa e Lindbergh Farias. Sejam todos bem-vindos à cidade de Lauro de Freitas.
Eu dizia ao Senador aqui que, nos últimos dez anos, aumentou muito a densidade demográfica do nosso Município, duplicou a população, que, em praticamente 12 anos, saiu de 80 mil para 180 mil habitantes. E arrumar essa situação, com todos os problemas que já temos de desigualdade social, num Município que cresce cada vez mais, é um desafio.
Nós sabemos que a questão da violência é uma questão que é tratada como estatística, e isso é que nos incomoda. Antigamente, dizíamos: "Ah, faleceu por homicídio". Hoje, não; nós avaliamos os números por uma sigla do Pacto pela Vida, e criticamos esses números ou, às vezes, parabenizamos pela diminuição dos homicídios, quando são números alarmantes.
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Então, a nossa juventude hoje está perdendo, sim; está perdendo uma guerra, e essa guerra Senadora, tem que ser... A senhora traz um assunto importante. Nós precisamos, sim, tirar isso do papel, e nós temos o Relator aqui, o Senador Lindbergh.
Senador, o senhor tem um grande desafio. Os nossos jovens estão sendo mortos, como em um genocídio. Se formos avaliar, a questão é: desigualdade social e políticas públicas. O Governo precisa, sim, entender que é preciso investir não em assistencialismo, mas em oportunidade para os jovens! É preciso dar oportunidades.
A questão racista é uma questão milenar que está intrínseca. Não há como esconder que 95% dos jovens que morrem - ou mais, às vezes - são pretos, pobres e moram nas periferias. (Palmas.)
Tem que se trazer essa discussão sobre o racismo! Podem olhar as estatísticas. As estatísticas estão aí. Nessa hora, é que nós devemos, com o Governo Federal, o Governo do Estado e a Prefeitura, formatar políticas públicas; valorizar a família; investir na família; mas, acima de tudo, discutir, de forma aberta e olhando nos olhos dos jovens, dizendo que vamos oportunizar.
Chega de genocídio dos nossos jovens! Ficamos muito tristes com essa situação. Eu fico muito triste por estar Prefeito de Lauro de Freitas, que é a quinta cidade em número de homicídios no Brasil. Esse é um título que levamos com muita, muita tristeza.
Quero parabenizar a todos. É bom estar aqui ouvindo, mas precisamos, sim, dar um basta! Só se dá um basta investindo em políticas públicas e trazendo-as para a realidade, o dia a dia. Devemos deixar a discussão, que também é importante, mas principalmente, as ações.
Não podemos achar que a polícia é culpada, porque a questão do sentimento de segurança é importante. A polícia tem o seu papel. Temos que exigir do Judiciário leis mais rígidas para coibir a questão da violência, da impunidade. Precisamos fazer tudo isso, mas precisamos também valorizar a nossa juventude, que é a única questão que hoje nos faz ficar muito preocupados.
No mais, agradeço a todos e parabenizo pela grande festa no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Quero dizer que nós estamos no caminho certo, mas precisamos tirar do papel e efetivar políticas públicas para melhorar o nosso Brasil.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço a palavra do Prefeito.
Eu vou passar a palavra, para iniciar, digamos assim, o debate... Eu vou liberar a quem quiser que tire o paletó, porque esta iluminação esquenta muito o palco, o local onde nós estamos, e dificulta para quem está aqui.
Eu vou passar a palavra a Waldemar Oliveira, Presidente do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, a principal organização, na Bahia, que acompanha e trata a questão dos assassinatos e da violência contra crianças e adolescentes no nosso Estado. Depois, então, passo a palavra ao Coronel Sérgio.
O SR. WALDEMAR OLIVEIRA - Bom dia a todos e todas.
Queria, a princípio, louvar por esta iniciativa a CPI do Senado que investiga os assassinatos de jovens do nosso País, por ter incluído a Bahia, o nosso Estado, nesse rol de Estados a serem visitados. Quero me referir à nossa Senadora Lídice da Mata, no nome de quem eu saúdo todos os componentes da Mesa e os demais companheiros que aqui estão, nesta primeira fileira.
Senadora, creio que a senhora já conhece os dados que envolvem a questão dos assassinatos de jovens aqui no nosso Estado, já conhece a sua gravidade, mas creio que os demais Senadores não os conheçam com tanta nitidez.
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Nós estamos falando de um Estado, o Estado da Bahia, que tem 12 dos 30 Municípios com maior número de homicídios. É quase metade, quase 50%. Pernambuco não tem nenhum, Paraíba não tem nenhum, Rio Grande do Norte não tem nenhum, São Paulo não tem nenhum, Rio de Janeiro não tem nenhum. A Bahia tem 12. A Bahia tem o primeiro Município em homicídios no Brasil, tem o quinto, que aqui já foi citado pelo prefeito, lamentando-se por ser o quinto, e está aqui o nosso companheiro Jorge, que também deve lamentar muito, o Município de Simões Filho, por duas vezes, primeiro lugar no Brasil. Isso é muito grave. Isso é muito grave! Isso diz o quanto nós temos mergulhado nessa violência! Não vou dizer aqui, porque o prefeito já se referiu a isso, quem são as vítimas. As vítimas desse genocídio têm cor e classe social. São os nossos jovens negros da periferia. Não vou aqui repetir.
Meus amigos, em dez anos, de 2003 a 2013, nós tivemos um aumento de 232% de homicídios no nosso Estado. Não são 23. Fossem 23, eu já diria ser um número, um percentual muito elevado, que devia ser objeto da nossa preocupação, mas são 232%. Quer dizer, é um percentual assombroso, que exige dos governos ações enérgicas, ações preferenciais. E eu, sinceramente, não identifico isso. Não consigo identificar. O que vejo é a polícia responsabilizar agora... Quero dizer que o Cedeca completa 25 anos agora, no dia 3 fevereiro, e, desde o início, nós tivemos como foco principal o combate aos homicídios. Então, não estamos falando de algo que nós lemos no jornal. Não. Nós estamos acompanhando passo a passo e temos aqui algumas mães que foram vítimas dessa violência, alguns pais que foram vítimas dessa violência. Temos dezenas de pais, o Cedeca acompanha dezenas de processos, uma boa parte deles envolvendo policiais militares.
E é bom que se diga que a nossa polícia é responsável por um grande número de homicídios. É preciso dizer que nossa polícia tem sido, ao longo desses anos, profundamente violenta. A polícia hoje, infelizmente, e eu disse isso ao Governador... O Cedeca realiza um trabalho em seis bairros na nossa cidade, Nordeste de Amaralina, Fazenda Grande do Retiro, Sussuarana, Mata Escura, Plataforma e Bairro da Paz. Eu tenho 71 anos de idade, tenho mais de 50 nessa luta. Eu disse ao Governador Rui Costa há uns três ou quatro meses atrás: eu tive contatos com lideranças comunitárias, com professores, e eu nunca vi a nossa população tão amedrontada, tão amedrontada como colhi agora. Nunca vi. Com medo dos marginais e com medo da nossa polícia, infelizmente. Eu acho que essa coisa chamada auto de resistência, Senadores, tem de cair! (Palmas.)
Não é possível se manter essa coisa chamada auto de resistência! Porque é esse famigerado auto de resistência que dá lugar, que justifica os assassinatos, que justifica várias chacinas no nosso Estado, na nossa cidade.
Eu quero destacar aqui uma delas, que foi uma das maiores, a chamada chacina do Cabula, onde doze jovens foram assassinados, foram fuzilados por nove membros da Polícia Militar. Foram assassinados, foram encurralados e assassinados, e até agora, infelizmente... E, do outro lado, diz-se que houve uma troca de tiros. De um lado, doze mortos, quatro feridos, e do lado da polícia, um policial ferido de raspão. Quer dizer, isso é impossível que ocorra... (Palmas.)
É querer nos fazer de bobos! E, para nossa desdita, o Ministério Público faz uma representação, incriminando, justificando, expondo com clareza, com minúcias, como ocorreu, como foi planejada essa chacina; foi planejada muitos dias atrás e foi executada com perfeição, o juiz acolhe e infelizmente uma juíza, para nossa profunda decepção - profunda decepção -, disse que, após os policiais terem sido vítimas de violência física e moral, agiram de forma moderada - está escrito. Meus amigos, matar 12 pessoas, com tiros a curta distância, de cima para baixo, é agir de forma moderada? Infelizmente, a nossa ilustre juíza cometeu esse absurdo.
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Então, Senadora, eu sempre digo aqui: quem quiser ter uma pequena noção de como é essa violência vá à Quinta dos Lázaros. Para quem não conhece, é o nosso cemitério mais popular. Vá na segunda-feira, e verá lá duas dezenas, em alguns casos, três dezenas de jovens mortos, sob a alegação de que é pela droga. Isso é preciso ser desmistificado! Não é a droga só! (Palmas.)
Não é a droga só! Nessa coisa de querer responsabilizar, o juiz diz: "Ah, é a droga; morreu, tinha envolvimento com droga". É preciso dizer que isso é mentira! Isso é mentira! Não é isso. É também isso. É também o envolvimento com droga, e nós não vamos esconder aqui que nossa juventude, infelizmente, tem esse envolvimento. Nossa juventude, por vezes, torna-se presa fácil dos narcotraficantes porque não tem outra oportunidade.
Essa questão da violência praticada por policiais é combatida há muito tempo. No início, eu ia para as reuniões e só encontrava lá delegados ou comandantes de policiais; felizmente, nos últimos anos, nós temos assistido a uma participação de setores outros do governo. Contudo, evidentemente, é preciso haver ações mais ousadas. É preciso que sejam dadas a esses jovens possibilidades, oportunidades de terem outra vida! É preciso que haja uma alternativa que não o tráfico de drogas! É preciso que isso seja assegurado.
É preciso que nós tenhamos, além dessas ações da polícia, que estabeleceu aquelas coisas regionalizadas, que nós construamos realmente uma polícia cidadã, uma polícia que não use a violência, que não use sua força para torturar, como foram torturados... Infelizmente, não está aqui o pai de um menino que foi sequestrado, junto com mais cinco, assassinado, e até hoje não se tem notícia de quem foi. Nós suspeitamos. Temos todas as razões em dizer que foi a Polícia Militar, porque, dias antes, tinha ocorrido o assassinato de um policial. Infelizmente, a polícia não possibilitou provas.
Quero dizer aos Srs. Senadores e a todos os que aqui estão que é vergonhosa - vergonhosa! - essa questão da impunidade, meus amigos. De cada 100 jovens que são assassinados, apenas 9 autores são identificados! Apenas 9 autores são identificados, 5 vão a júri, e 3 desses são inocentados. Então, o que nós temos? De cada 100 jovens que são assassinados, apenas 2,7% vão pagar pelo seu crime na penitenciária. O resto está aí solto, porque 91% matam e não são nem sequer identificados. Esse é um dado que é preciso que os governos...
E aí creio, estou convencido disto, Senador: o Governo Federal tem de ter uma ação! O Governo Federal tem de ajudar os governos estaduais nisso! Nós não podemos continuar convivendo com este dado, meus amigos, de se ter um parente assassinado. Aqui são dezenas! Eu poderia trazer aqui 50 mães que tiveram seus filhos assassinados e que não sabem nem sequer quem os assassinou. Isso é terrível.
Por isso, nós continuamos nessa luta. Por isso, o Cedeca está lá, enfrentando o problema, sofrendo, por vezes, represália, mas estamos nessa luta e temos a confiança de que, deste trabalho que V. Exªs estão realizando aqui, sairão ações efetivas no sentido de reduzir, se não de acabar - o que é difícil, no sistema capitalista -, essa violência. Reduzir a violência substancialmente e possibilitar às mães que sejam felizes, vendo seus filhos crescerem e dando-lhes netos.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero já anunciar, Waldemar, que, através do Cedeca, dois familiares vão usar da palavra.
Como eu disse antes, eu vou conceder a palavra sempre intercalando os oradores. Então, vou passar a palavra ao representante da Polícia Militar, o Tenente Coronel Jaime Pinto; depois, dou a palavra a um representante da família da vítima. Depois, voltamos para a Mesa, para que possamos continuar mesclando as falas.
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Volto a registrar que essa primeira parte da mesa aqui é a mesa estendida, que também vai usar da palavra. Nós tínhamos convidado para fazer a representação da Defensoria aqui, hoje, a Srª Vilma Reis, que foi a Defensora eleita. No entanto, ela não pôde participar, passou aqui rapidamente, mas temos a presença do Defensor Público Gilmar Bittencourt, que peço que permaneça na audiência para que nós possamos dar-lhe a palavra.
Quero passar a palavra agora para o Tenente Coronel Jaime Pinto Ramalho Neto, Diretor da Superintendência de Prevenção à Violência da Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
O Waldemar está saindo da mesa. Quero convidar o Vereador Sílvio Humberto para ocupar o seu lugar. (Palmas.)
Assim, a gente vai revezando.
Registro a presença do Vereador Augusto César, Líder do Governo na Câmara Municipal de Lauro de Freitas. (Palmas.)
Ricardo Vieira, Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Lauro de Freitas, e Wellington Rosário, Secretário de Promoção da Igualdade Racial de Lauro de Freitas.
A pedido da Secretaria da Mesa, informo que o veículo Ônix OVG 2032 está impedindo a saída de outro carro. Se estiver aqui o proprietário deste Ônix OVG 2032, por favor, viabilizar a liberação do carro.
Quero registrar também a presença aqui da socióloga Vanda de Sá Barreto e agradecer toda a colaboração que tem dado ao nosso trabalho na Comissão. (Palmas.)
Depois, vamos ver se conseguimos que Vanda queira nos dar o prazer de ser ouvida aqui por nós.
Com a palavra, o Coronel Jaime Pinto Ramalho Neto.
O SR. JAIME PINTO RAMALHO NETO - Um bom dia a todos e todas. Quero saudar a Senadora Lídice, Presidenta desta Comissão, os Senadores Humberto e Lindbergh e o Deputado Marcelino Galo e, na pessoa deles, saudar a Mesa, mas, com destaque, a colega Vanda, que é socióloga, colega porque eu sou antropólogo, também formado pela UFBA e também estudo violência urbana.
Quero registrar a oportunidade de estar aqui, em nome do Secretário Maurício Barbosa, e salientar que a violência tem tomado, no nosso Brasil, o sentido de uma epidemiologia, o que significa que ela transita na perspectiva da saúde pública, não só pelas pessoas que morrem, mas em virtude dos jovens que são dependentes químicos, que têm reproduzido e sido submetidos a uma série de situações que afetam as suas famílias. Esse é um aspecto para o qual é importante chamar a atenção.
Por outro lado, não podemos dizer que, quanto à violência, haja um fator determinante para a sua solução. Ela tem uma perspectiva multicausal, portanto, é imprescindível que haja políticas públicas estruturantes para que a juventude não seja vitimada da forma como está acontecendo.
E ainda por outro lado, quero chamar a atenção: nessa dimensão da violência, nós temos os policiais de todos os níveis, policiais militares, civis, rodoviários federais, que também são vitimados e executados. A Presidenta da Comissão deve ter tomado conhecimento de que, semana passada, uma policial militar nossa foi executada - executada na realidade - com um tiro na testa e veio a óbito, naturalmente, por conta da gravidade do ato.
Esse cotidiano também dos policiais, Senador Lindbergh, passa pela mesma perspectiva do Rio de Janeiro, dessa violência que nos afeta. E isso modifica também o estado psicológico desses policiais. Então, é preciso também ter essa dimensão para não transformarmos os profissionais de segurança pública em algozes nessa dimensão que a violência tem tomado no País.
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É preciso reconhecer também que existem atos ilegítimos praticados por policiais, e nós citamos os autos de resistência. Precisamos repensar uma forma, precisamos assegurar ao policial que ele, no exercício de sua atividade, de seu labor, tenha garantia jurídica, não que ele deixe de responder a processos, mas que ele tenha a garantia jurídica de atuação.
Nesse sentido, quero deixar o meu posicionamento aqui à disposição da CPI, para qualquer encaminhamento ao Sr. Secretário e qualquer outro esclarecimento para debatermos com as pessoas que estão aqui.
Quero saudar o Waldemar, que estava aqui, companheiro representante das ONGs; o Zulu, amigo nosso; o Coronel Baqueiro, que está aqui representando a Polícia Militar; a Drª Cleuba.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Tenente, só para tentar entender, porque há particularidades, às vezes, de Estado para Estado. O caso do Rio de Janeiro é um caso que nós conhecemos. A juventude tem sido vítima do tráfico, da milícia, às vezes, do confronto com a polícia; mas existe uma disputa grande ali em cima da questão das drogas. Qual é a avaliação da Polícia sobre o crescimento desses números aqui na Bahia?
Eu estou surpreso, Senadora Lídice da Mata, por estes dados: primeira cidade do Brasil em número de homicídios de jovens: Mata de São João, aqui da Bahia; segundo lugar, Simões Filho, também da Bahia; terceiro, Santa Rita (PB); quarto, Ananindeua (PA); quinto, Lauro de Freitas (BA); sexto, Itabuna, também na Bahia; sétimo, Porto Seguro (BA). Eu queria tentar entender esses números. Qual é o diagnóstico dos senhores para essa questão? Por que o número aumentou tanto nesse último período? O que houve?
Eu acho que é importante, Senadora Lídice, nós tentarmos entender o porquê dos números de cada lugar.
Se o senhor puder me explicar um pouco sobre isso, eu agradeço.
O SR. JAIME PINTO RAMALHO NETO - Segundo nossa percepção, Senador, nós vivenciamos na Bahia o efeito Rio de Janeiro da década de 90. O que significa isso? A popularização da cocaína que houve no Rio de Janeiro naquela década e, depois, o ingresso do crack ocasionaram esses efeitos que têm ocorrido. Como estudioso de violência urbana, eu tenho a perspectiva... Não estou falando aqui em nome, especificamente, da SSP como um todo; é uma visão minha como estudioso do que temos percebido. A popularização dessas drogas, cuja capilarização chegou inclusive ao interior da Bahia, abriu um mercado de trabalho para a juventude, para pessoas que não têm uma perspectiva, pelo processo de desigualdade social estruturante, e acarretou esses fenômenos.
Por outro lado, o senhor citou a cidade de Simões Filho. Lá existe um fenômeno muito importante, que foi combatido por nós, da segurança pública: os grupos de extermínio. Nós fizemos um trabalho específico e identificamos que havia ações de extermínio. E aí me permitam dizer que, quando fiz minha graduação em Antropologia, falei sobre grupos de extermínio. Isso fez parte inclusive do relatório da ONU; quando a Relatora Asma Jahangir veio aqui, o Prof. Pinheiro, na época, estava articulando isso, e, naquele momento, nós começamos a identificar isso. Começamos a fazer investigações, não só do ponto de vista da inteligência policial, e descobrimos policiais envolvidos, que foram presos.
E o fenômeno da milícia já está chegando à cidade. Assim, nós temos de ter um conjunto de informações para que possamos, aos poucos, fazer um trabalho de inteligência.
Além disso, é preciso destacar que a Polícia Militar, especificamente, tem feito um trabalho social nas bases comunitárias. Elas têm funcionado na perspectiva de evitar, frear o acesso da juventude à droga.
Se nós percebemos que essa violência é multicausal, há uma perspectiva que nós temos de pensar: a do acesso à renda possibilitada a partir do narcotráfico. Não significa que toda morte seja por narcotráfico. Por exemplo, se há um jovem que namora com uma menina que é de outra facção, e, de repente, ela muda de namorado, isso não tem nada que ver com o tráfico de drogas; tem a ver com uma relação interpessoal.
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Então, é preciso entender que tipos de crime são instrumentais, são comunitários, para compreender essa questão e, aí, aprofundar os dados qualitativos para termos essa dimensão.
Espero que essas breves informações esclareçam o seu questionamento.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - O nosso Relator, o Senador Lindbergh, pode e deve interromper qualquer um dos expositores para buscar informação que ajude na construção do seu relatório.
Quero chamar a atenção para o fato de que ouvimos os secretários de segurança em Brasília, e os dois secretários do Nordeste enfatizaram muito a ideia de que o crescimento da violência no Nordeste brasileiro se dá com a migração do tráfico de drogas para o Nordeste do Brasil. São dados que devem ser confirmados ou contestados nos diversos depoimentos aqui.
Eu quero chamar para usar a palavra agora, para fazer seu depoimento aqui o Sr. Joel Castro, pai de um menino assassinado, cujo nome é também Joel, do Nordeste de Amaralina, se não me engano. (Palmas.)
Use a tribuna. Fica melhor.
O SR. JOEL CASTRO - Bom dia a todos e a todas; bom dia à Mesa.
Senadora, muito obrigado por tratar do assunto em Brasília, o caso do garoto Joel.
Bom, pessoal, quem não conhece o caso do menino Joel, por favor, levante a mão, porque acho que todos estão acompanhando. Tenho uma resposta para dar a vocês. Saibam que, até agora, nada! Estou aguardando. Até agora, não deu em nada! Está na causa? Estou pedindo a Deus que um dia saia esse júri, mas, sábado, fez cinco anos o caso do garoto Joel.
Joel queria viver e não teve a oportunidade de viver pela imprudência de um policial que diz que é policial. Até hoje estou aguardando a Justiça.
Joel estava dentro da casa dele - dentro da casa dele - se ajeitando para dormir. Nem assim esses homens o deixaram sossegado.
Vivo no Nordeste. Sou nascido e criado no Nordeste. A gente não tem paz e sossego. A gente não sabe, atualmente, quem dá segurança para a gente. A gente fica no meio.
Peço à Mesa e a todos que têm o poder que tanto para o meu caso quanto para os outros casos venham dar explicações à sociedade, porque o caso Joel foi para o mundo todo, e até hoje a lei não manda resposta para a sociedade. É uma falta de respeito! (Palmas.)
Sabem quanto eu ganhei do Governo do Estado da Bahia? Nada! Nada de nada!
Aviso a vocês que o que estou querendo - e acho que não só eu, mas todos que acompanham - é que a Justiça dê uma resposta. Espero essa resposta. Já se foram cinco anos, vai chegar a seis, ou vai chegar a dez, mas vou aguardar e vou cobrar.
É só isso.
Obrigado. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Registro a presença de Wellington Rosário dos Santos, Secretário Municipal de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Simões Filho; de Antônio Rosalvo, Presidente da Câmara de Lauro de Freitas - não, esse já registrou -; de Claudemir Nonato, representante da APLB e da CTB, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, de Salvador; de Cláudio Souza de Araújo, Presidente do Malê Debalê, Salvador.
Vou dar a palavra à Srª Márcia Calazans, passando para o lado de lá da mesa, Psicóloga, Consultora da ONU e pós-doutoranda em Violência, Democracia e Segurança Cidadã.
A SRª MÁRCIA CALAZANS - Bom dia a todas e todos. É um prazer estar aqui nesta manhã e poder compartilhar uma pesquisa que tem sido desenvolvida junto ao núcleo...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sugiro que a senhora use aquele microfone da tribuna ou outro, porque esse está muito baixo. Está ruim.
A SRª MÁRCIA CALAZANS - Melhorou?
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Melhorou.
A SRª MÁRCIA CALAZANS - Certo.
Eu estive, em 2010, 2011, pelo PNUD, aqui e em Salvador, na Bahia, especificamente, fazendo uma pesquisa cuja intenção era propor uma política pública de redução de letalidade policial e vitimização policial. À época, houve uma pressão dos organismos internacionais no que confere aos indicadores na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro em relação às mortes produzidas pela polícia, especificamente a Polícia Militar, e também à vitimização desses policiais, ou seja, assim como há grandes mortes, um número significativo de mortes produzidas pela polícia, os policiais também morrem - ainda que em proporção infinitamente menor do que os cidadãos, a sociedade civil.
A partir desses resultados, em 2011 - final de 2011 e início de 2012 -, nós começamos a desenhar a proposta de uma pesquisa junto à Universidade Católica de Salvador e ao CNPq no que diz respeito à organização social dos territórios e os homicídios dos jovens negros em Salvador.
Temos um banco de dados sistematizado de 2007 até 2015, metade de 2015. Na verdade, há uma frequência no que diz respeito a esses dados. Nós trabalhamos analisando os boletins de ocorrência. Essas mortes se mostram localizadas, desde 2007, nos mesmos lugares.
Como são identificados esses lugares? A partir da Política Nacional de Segurança Pública, os governos dos Estados criaram as Áreas Integradas de Segurança Pública, onde a Política de Segurança Pública se efetiva.
A Bahia criou um decreto em 2007 definindo quais seriam as Áreas Integradas de Segurança Pública. Nesse decreto está bem claro, num parágrafo, que uma das funções dessas áreas é permitir que ocorra com eficácia e eficiência a ação policial.
Em 2012 há um novo desenho dessas áreas integradas, mas elas, mais ou menos, continuam as mesmas, mudando os números - AISP 1, AISP 2, AISP 3.
As Áreas Integradas onde ocorrem essas mortes estão localizadas em Tancredo Neves e Periperi. Periperi reúne aproximadamente - considerando a circunscrição administrativa - 16 bairros, e Tancredo Neves reúne mais ou menos 21 bairros. A média... O número total bruto de homicídios nesses períodos em Salvador fica em torno de 1.500, com pouquíssimas variações de 2010 até 2014. Quarenta por cento desses homicídios se localizam nessas áreas. O perfil dos mortos é: jovens negros entre 15 e 29 anos, com esse CEP bem definido, pertencente à Área Integrada de Segurança Pública Tancredo Neves ou Periperi. Então, fica muito evidente...
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Nós trabalhamos analisando a Política Nacional de Segurança Pública, a questão das criações das bases comunitárias, a política de saúde, a questão da mobilidade de transporte coletivo.
Em se tratando de Salvador, fica muito evidente que, em termos de política, por exemplo, na área da política educacional, leva quem grita mais alto. Por exemplo, como é que as escolas estão distribuídas dentro dessas áreas integradas? Em Tancredo Neves, que é uma área que reúne 21 bairros, existem dois bairros nos quais consideramos que há um conglomerado de escolas públicas, tanto estaduais quanto municipais. Os demais bairros ficam descobertos, ou as crianças e esses jovens têm que se deslocar até esses únicos dois bairros, onde há essa concentração.
Bom, em se tratando da saúde, também conseguimos identificar que não só por causas externas os jovens, sobretudo os jovens negros, morrem por homicídio, e os jovens brancos têm morrido por acidentes de carro, o que também já nos traz uma informação relevante de um recorte de classe, que acaba produzindo mortes externas por causas diferentes, mas, no Nordeste, especificamente na Bahia, há um número relevante de jovens negros que morrem por causas naturais. Isso também é um pouco assustador, porque ninguém consegue associar morte de jovens por causas naturais. Esse é um fato na Bahia.
Há uma série, vamos dizer, de conflitos presentes nessas políticas, e aqui, especificamente falando da política de segurança pública, que é o nosso mote de estudo dentro do núcleo, nós acabamos nomeando de necropolítica racial criminal, ou seja, essas mortes estão sendo distribuídas de forma desigual, e é um tanto assustador também falar em mortes distribuídas de forma desigual, mas, desde 2007, essas mortes se concentram no mesmo local. Ainda que a política de segurança não consiga fazer o enfrentamento, muito menos ter impacto sobre esses números, ela vem corroborando para que esses homicídios aconteçam. Por exemplo, já foi citado aqui o caso do Cabula, o caso do menino Joel, enfim, infinitos casos têm acontecido com frequência na Bahia, sobretudo na cidade de Salvador, onde o produtor dessas mortes são agentes do Estado.
Se pegarmos a morte desses jovens, sobretudo os homicídios dolosos, tratamos esses casos como morte física, mas, em se tratando das mortes simbólicas da juventude negra, nós conseguimos identificar uma frente de avanço em relação a essas mortes desde a morte simbólica, ou seja, a questão das bases comunitárias. Por que um jovem que mora no Calabar tem que pedir autorização para a base comunitária para fazer sua festa de aniversário e poder tocar um funk, quando, numa boate na Pituba, até as 5h da manhã, tocam funk a todo volume, e é uma classe média, branca, que frequenta aquele local? (Palmas.)
Na verdade, é uma música que não nasce, vamos dizer assim, no meio cultural dessa categoria social, dessa juventude. Então, essa política, além de tudo, é uma política destruidora, que comete mortes simbólicas da juventude negra.
Essa pesquisa não só envolve uma base secundária de dados, mas envolve também grupos focais, entrevistas com mães desses meninos que foram mortos, a própria juventude, como um ator principal e participante ativo na pesquisa e na perspectiva da sociologia da experiência. Eles produzem dentro da pesquisa. Estamos com um documentário produzido por jovens do hip hop e um CD gravado por esses jovens.
Portanto, há uma política que tenta cercear administrativamente, nessa concepção de território administrativo, a mobilidade dessa juventude, inclusive tirando transportes coletivos que ligam a periferia à orla. Isso é muito claro na pesquisa, ou seja, o trem que liga a periferia só funciona até sábado no horário de trabalho. Ele tem a função estrita de trazer e levar o trabalhador. Porém, no final de semana, no domingo, na hora do lazer, ele não funciona. (Palmas.)
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Ou seja, a periferia tem que ficar encarcerada na periferia. Ela não pode circular na orla, assim como foi recentemente a alteração das linhas de transporte coletivo que ligam a juventude, vamos dizer assim, no final de semana, à orla para usufruir a praia. Isso aparece muito claro na pesquisa. Porém, ainda que haja toda essa motivação de cerceamento dessa juventude negra na periferia, nós conseguimos identificar que, além de a política tentar isso, esse jovem que, sobretudo, passa dessa faixa etária ou ainda está nessa faixa etária tem se colocado como uma grande frente de resistência de sobrevivência nessas localidades. E aí isso aparece a partir dos pontos culturais.
Nós temos diversos palcos do hip hop espalhados na cidade, quando esses jovens conseguem constituir uma rede de apoio com o jovem de Cajazeiras, o jovem de Itapuã, o jovem que está no Campo Grande, o jovem de Sussuarana, ou seja, eles compartilham os palcos do hip hop.
Então, ao contrário do que a gente identifica, de uma política que tem se tornado uma política genocida - e aí sim, pensando nos encaminhamentos -, podemos pensar em que medida está presente, dentro deste debate, dentro dessa temática, rever a política atual de segurança pública. Porque ela é bem clara no que está prescrito e no que está ocorrendo no campo, vamos dizer assim, nessa questão das distribuições desiguais, desde a política e em relação às mortes.
Em relação aos resultados da pesquisa, neste primeiro momento, é nisso que nós já avançamos. Estamos, agora, para 2016, lançando esse documentário que foi feito, produzido por esses jovens.
Pensar Salvador. A população tem o mesmo número da população da cidade de Buenos Aires. Hoje nós temos, para cada 100 mil habitantes, 33 mortes por homicídio produzidas na cidade de Salvador. Em Buenos Aires, não chega a seis. Não se trabalha com auto de resistência na Argentina tampouco; todas as mortes produzidas como homicídios dolosos são investigadas como homicídios dolosos. Não é o nosso caso aqui. E a taxa de esclarecimento não chega a 5%. Então, há que se avançar muito nesse debate em relação às mortes que vêm sendo produzidas. E aí eu volto a dizer: não somente as mortes do corpo de fato, mas as mortes simbólicas, e na frente que se colocou.
Se nós pegarmos os dados do Sinase, hoje a taxa de encarceramento de jovens negros triplicou, e ainda há uma outra variável que se coloca, bem relevante, que é de meninas: está aumentando a taxa de cumprimento de penas de medida socioeducativa de meninas negras. As taxas de encarceramento de adultos também, que correspondem a uma população eminentemente negra. As mortes por causas naturais no Nordeste estão voltadas para quem? Para a juventude negra. E as mortes por causas externas, sobremaneira, também são de uma população de 15 a 29 anos, homens negros, que têm CEP bem definido.
Então, fica claro que existe uma estratégia de produção de uma morte simbólica e de uma morte de fato, uma morte física. Nesse sentido, nós temos várias publicações. Se vocês tiverem curiosidade, podem acessar. Elas estão todas disponibilizadas na internet, com a produção de um livro, a produção de alguns dossiês e o próprio relatório de pesquisa. O núcleo também tem reuniões abertas, onde ele compartilha, divulgando esses dados, sobretudo para o movimento social, entendendo que, às vezes, por questões de logística, a universidade tem dificuldade de fazer esse enfrentamento. Mas nos colocamos com a possibilidade de parceria com os movimentos para fazer o enfrentamento a essa realidade.
E, sobremaneira, o que vem nos chamando a atenção - e aí, num momento de fala com alguns meios de comunicação - é como os meios de comunicação têm corroborado para a criação de um estigma da juventude que mora nessa localidade. Ou seja, eles são duplamente estigmatizados, a ponto de levar à sua morte física.
O que nos interessa é como essa juventude vem construindo a sua identidade nessas localidades, quando eles é que vêm construindo possibilidades de resistências para fazer um enfrentamento a essas mortes, muitas produzidas pelo próprio Estado, e os meios de comunicação reproduzem um estigma, como se toda a juventude ou todo morador dessas comunidades fossem bandidos. Não raro, a gente vê essa fala nos programas de televisão ao meio-dia e no final da tarde. Inclusive, o núcleo está com uma reunião estratégica com o Ministério Público e com a Defensoria para entrar com uma ação em relação a isso, entendendo que, enfim, há quase um julgamento antes do processo em si acontecer.
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Aqui eu gostaria de voltar a afirmar que não só a questão de podermos identificar onde esses homicídios estão acontecendo, mas nos interessa, sim, poder ver como esses jovens estão construindo suas identidades nessas localidades, e eles é que vêm construindo estratégias de enfrentamento a partir dos pontos culturais, ou seja, o hip hop, a música, a cultura local. Ainda assim, essa cultura, hoje, tem se tornado objeto de uma discriminação, de uma repressão das suas práticas culturais dentro das suas comunidades.
Era isso.
Obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Registro a presença de Sueli Nascimento, Presidente do Conselho de Defesa da Mulher de Lauro de Freitas; de Vera Leonelli, da Juspopuli, escritório de direitos humanos; de Daniel Brito, Superintendente do Gabinete de Gestão Integrada Municipal de Lauro de Freitas; de Carlinhos Miau, da FABS (Federação das Associações de Bairros de Salvador), diretor; do Vereador Nivaldo Doria, do PCdoB de Simões Filho; de Aline Espinheira da Costa, Defensora Pública de Candeias - seja muito bem-vinda à região metropolitana! -; de Pedro Melo, Ouvidor Geral da Polícia Militar em Lauro de Freitas; e também de Valdir Silva, Coordenador da Asprolf (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Lauro de Freitas).
Vou passar a palavra agora ao Vereador Sílvio Humberto. Enquanto isso, peço que a Secretaria providencie que se aproxime a mãe de uma vítima, a Srª Lúcia Silva Simões, que fará um depoimento em plenário. Teremos mais alguns familiares de vítimas que serão ouvidos de forma sigilosa pelo Senador Lindbergh, que é o Relator da CPI.
Portanto, Vereador Sílvio Humberto, com a palavra.
O SR. SÍLVIO HUMBERTO - Bom dia a todos. Cumprimento a Mesa, na pessoa da Senadora Lídice da Mata, que preside esta Comissão Parlamentar de Inquérito, de investigação, e cumprimento os demais presentes nesta audiência.
Para mim não é confortável, Senadora, e acho que para todos que estão aqui, tratar mais uma vez desse tema; para mim, sobretudo, que venho do movimento negro.
Neste mês da consciência negra, nós sabemos que, quando falamos do assassinato de jovens, já começamos perdendo a disputa pela narrativa do problema, porque, na verdade, não são os jovens. Ponto. É jovem, negro, da periferia. Já se falou muito aqui do diagnóstico. Estamos cansados de tantos números. Os números estão aí, infelizmente. São muitos números. A quem cabe resolver isso? Quando nós perdemos, logo de início, e dizemos que é só jovem, o racismo já ganhou mais uma vez. (Palmas.)
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Assim como ganhou na CPI da Câmara, que apareceu o que, para nós, era novo: genocídios simbólicos - que diabo é isso? De simbólico não tem absolutamente nada; tem morte da juventude negra, alvo. E mais do que isso: quando ali as pessoas falam da juventude, reconhecem o papel estruturante do racismo, de uma das suas manifestações, e, ao mesmo tempo, alguns daqueles que estão lá defendem a redução da maioridade penal. Eu, realmente, não consigo entender. (Palmas.)
Eu fico com a sensação de que nós estamos com a torneira aberta - como bem lembrava o Ministro Thomaz Bastos, na época Ministro da Justiça -, a torneira aberta e, embaixo, nós estamos enxugando a água, sem querer fechar a torneira.
Se sabemos por que a juventude negra morre, precisamos entender por que os jovens brancos vivem. Por quê? (Palmas.)
Por que não acontece, aqui em Lauro de Freitas, ali em Salvador - e quando nós falamos de chacina... Eu tenho 52 anos. Felizmente - vou falar felizmente porque eu sou um defensor da vida, alguém que trabalha diariamente para preservar a vida e, simplesmente, da juventude -, tenho 52 anos e eu nunca ouvi falar, na cidade de Salvador, por exemplo: jovem branco vítima de chacina. Nunca; a não ser na época da ditadura. Tirando a ditadura, ao longo desses anos aí, quando foi que jovens brancos morreram, ao longo desses anos? Tirando acidente automobilístico, o chamado acidente de trânsito, ou acidente aéreo, tirando isso, jovem branco não morre na cidade de Salvador, Lauro de Freitas, Simões Filho.
E aí as pessoas dizem pra gente: "Mas vocês são a maioria". Nos 27 Estados da Federação nós não somos maioria. Apenas no Paraná esse índice supera o da juventude negra; só no Paraná. Nos outros 26 Estados nós somos o alvo preferencial.
Como é que se resolve isso? O que cabe ao Estado nos seus diversos níveis - Governo Federal, governo municipal e governo estadual?
Sabemos que esse modelo de política de segurança pública não tem dado certo. Conseguimos alguma coisa aqui e acolá, mas não tem dado certo, porque não tem resolvido isso aí. (Palmas.)
E vou acrescentar algo que é um agravante: temos, pelo menos nos últimos doze anos, buscado incluir a juventude negra. Os dados que a Profª Márcia traz aí, de 15 a 29 anos, são da faixa etária em que essa juventude tem caído, como se diz na linguagem. É justamente esse o número, é essa faixa etária que agora começa a entrar nas universidades. As pessoas dizem pra gente: "A saída é a educação." Nunca entraram tantos jovens negros nas universidades, mas continua: nunca morreram tantos jovens negros. (Palmas.)
Por que isso acontece? Porque bastava... Diziam para a gente assim: "Você foi educado, você foi bem comportado, tem o cabelo no lugar, etc., etc., o seu problema está resolvido; você não vai ser nem abordado, nem vai tomar o baculejo da polícia." Não é verdade. Não é verdade, porque é o racismo que estrutura. Até você provar que é educado, você já virou estatística, e isso independentemente de você ser filho do policial militar, filho do oficial da Polícia Militar, filho do juiz.
Antes falavam para a gente, e era fácil distinguir: "Vocês não sabem com quem vocês estão falando." Hoje você, de fato, não se sabe com quem se está falando. Porque a gente não sabe. Você pode ser um oficial da Polícia Militar; você tem coronéis que são negros - o que era raro, antes -; você tem advogados negros, que são muitos; procuradores; e a gente continua com esse número aí.
Eu tenho um sobrinho que mora aqui perto, em Piatã. Vou relatar isso porque ele pulou uma poça de água para poder entrar em casa e cinco minutos depois entraram dois policiais no condomínio procurando saber se havia entrado alguém estranho. Aí minha irmã, ouvindo uma conversa, saiu para dizer: "O estranho que entrou foi esse menino com os cabelos assim, espetados, que faz Engenharia Mecânica?" Estou falando isso porque minha irmã, como proteção, disse: "Você vai usar a camisa da UFBA, escrito Engenharia Mecânica, porque ela se transforma numa segunda pele, para evitar que vire estatística". (Palmas.)
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Com isso, individualmente, com as nossas famílias, estamos aprendendo a lidar e vimos lidando, ao longo dos anos, com essa violência institucionalizada a partir do Estado em que o corpo negro não conta absolutamente nada. Toda violência sobre o corpo negro é possível. E quando nós chegamos à eliminação física, a essa contínua eliminação física, ela é uma sucessão de nãos. Até quando dão um sim estão nos negando.
A gente precisa começar a entender a quem cabe essa responsabilidade, para a gente não ficar mais aqui gastando as palavras. Palavras são importantes - eu sou político agora, partidário, fazendo esse debate, buscando vencer no campo das ideias -, mas como a gente materializa para além do campo das ideias?
Eu acho que a gente deveria, o Estado, começar a potencializar o que as comunidades já fazem. Um exemplo: eu recebi aqui uma reivindicação. A gente estava falando, aqui, do hip hop, mas caberiam, nas diversas cidades, e ajudariam a reduzir, a mitigar os efeitos da violência, por exemplo, casas de hip hop. (Palmas.)
É uma reivindicação que está aí há anos e, às vezes, gente... Eu sou economista de formação. Dinheiro - a gente está falando de inflação, de tudo isso aí, de ajuste fiscal -, dinheiro não vai pra Marte; dinheiro muda de mão. São decisões políticas. Preferem construir uma estrada, e não fazer uma casa de hip hop. (Palmas.)
A gente precisa... São decisões políticas que vão matando a nossa juventude diariamente. A gente precisa dizer: qual é a opção política? Nós queremos cidades - e aí eu estou generalizando -, cidades acolhedoras para a nossa juventude. A gente sabe quando a cidade já não é acolhedora, e nós decretamos isso aí. Isso que está acontecendo aqui, Senadora, é porque as cidades simplesmente não acolhem os nossos jovens. Não acolhem. (Palmas.)
Nossos jovens não contam.
Aí, quando acontece o caso de um jovem estar dando certo, nós fazemos assim, o que deveria ser uma regra é uma exceção: jovem negro da periferia se formou engenheiro. Só para lembrar: nós estamos no século XXI. Isso não poderia ser uma exceção, gente! E ainda estamos tratando como exceções. A gente precisa começar a dar um basta nisso; mas dar um basta com ações concretas.
As pessoas que me conhecem sabem que eu sou alguém otimista por definição. Sempre trago a ideia de que é possível, através do diálogo, eu aposto sempre nisso, convencer o outro. Mas esse convencer o outro não pode estar chamando a pensar a juventude.
Aí o Governo Federal comete um equívoco, quando resolve juntar todas as secretarias e achar que vai fortalecer, transformando num Ministério de Direitos Humanos e Igualdade, com uma sigla impronunciável, um atraso em termos dessas políticas públicas que nós conseguimos ao longo desses doze anos. Isso pode significar um efeito em cadeia em todo Município, para as mulheres, para a igualdade racial, e vai redundar em mais isso aqui. Imagine. Ruim do jeito que está, imagine sem essas políticas públicas!
Então, acho que a gente precisa começar a chamar para um tipo de reflexão pensando no que o Estado tem de fazer, conversando. Eu já fui até mais resistente a conversa com a Polícia Militar. Eu venho de uma formação... Eu sou universitário, ou seja, doutor, desde os 20 anos de idade, numa época em que poucos parecidos comigo chegavam. Então, esse embate de ser abordado pela polícia na cidade de Salvador é algo por que eu passei e que meus amigos brancos, colegas, nunca experimentaram. Dentro de uma postura política, estive sempre dizendo, usando meus cabelos, como eu tinha muitos: "Meus cabelos são enrolados, mas as minhas ideias não são". (Palmas.)
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O SR. SÍLVIO HUMBERTO - E isso vinha também, Senadora, de uma postura como jovem negro que aprendeu como lidar com isso. Para muitos dos meus amigos usavam drogas recreativas, eu sempre dizia: "Eu não vou cair nessa armadilha, porque na hora não sobra nada para vocês. Eu tenho uma responsabilidade com a minha comunidade até de forma inconsciente, com minha família. Não vou nessa viagem, porque essa viagem para vocês é só uma continuidade, uma coisa da juventude, e para mim pode significar o fim de um sonho coletivo". (Palmas.)
E a gente precisa entender isso, porque, quando a gente está conversando com a nossa juventude, como Presidente da Comissão de Educação em Salvador, com a juventude, com as crianças, e dizemos assim: "Olhe, três coisas vão mudar a sua vida: estudar, estudar e estudar." Mas não posso falar só estudar, estudar e estudar, Senador Lindbergh, se não ofereço as condições para que isso aconteça. Isso precisa deixar de ser retórica.
A nossa população tem que começar a entender, bem como a sociedade civil, os empresários, sobretudo, que eu não posso achar que, quando um jovem vai lá procurar um bendito de um emprego, alguém olha e diz assim: "Você não preenche o perfil." E, quando você vai ver o perfil, não é um perfil de jovem, não. Nesse perfil está dito: "Se você é negro da periferia, você fica de fora." Aí, depois, vocês vêm e dizem: "Sabe qual é a solução que eu vou te dar? Redução da maioridade penal."
Então, eu não posso fazer o debate em relação às drogas, porque não é guerra às drogas, mas contra quem está atrás das drogas. (Palmas.)
Isso, porque há pessoas. E eu não posso fazer esse debate sem discutir a inserção produtiva dessa juventude, gente! É piada!
Os meninos estão lá no movimento e se perguntam: qual é a alternativa que está se oferecendo do ponto de vista econômico?
A gente precisa acabar com uma coisa: as pessoas aprenderam a incluir no discurso, no diagnóstico, a palavra "racismo", mas, para nós, isso não é só uma palavra, não, gente; para nós, isso é algo que a estrutura determina a quem vive e quem morre. (Palmas.)
É preciso ter essa compreensão, porque, na hora dos diagnósticos, na hora das alternativas, eu não posso dizer: "Olha, determinada empresa vai se instalar em Salvador, vai se instalar em Lauro de Freitas, sem fazer o recorte étnico racial." E vão dizer: "Não, é para o povo." Esse povo precisa entender, na hora da inclusão, e dizer; "É para as pessoas negras na sua maioria." Sem esse recorte racial, eu não vou conseguir resolver isso, eu vou estar, mais uma vez, embaixo, enxugando a água com a torneira aberta.
Então, para sinalizar, em termos de propostas, a gente tem que investir maciçamente em educação e garantir oportunidades. Mas não é o discurso da educação, não. É necessária uma educação que, de fato, valorize essa juventude; que invista em ciência, tecnologia e inovação, aprendendo que, quando eu falo de ciência, tecnologia e inovação, eu não posso achar que todo cientista tem que parecer com o Einstein, botar a língua para fora, soltar o cabelo e ser branco; eu preciso considerar que o cientista pode ser André Rebouças, Milton Santos, Kabengele Munanga e tantos outros. (Palmas.)
Isso faz uma diferença enorme!
E eu estou falando dessas coisinhas, mas tenho que garantir, por exemplo, apoio à rede das bibliotecas comunitárias, porque, se eu achar que política de segurança pública é só um papel da polícia, e eu vou resolver isso com mais armas, o resultado é esse aí.
Já chega! (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço o depoimento de Sílvio e quero registrar também a presença do suplente de Deputado Estadual Ângelo Almeida, de Feira de Santana, de delegações do Município de Dias d'Ávila, Camaçari, Simões Filho, São Francisco do Conde e demais entidades de Lauro de Freitas.
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Enquanto isso, companheiros, eu vou chamar aqui, para o seu depoimento, a Srª Lúcia Silva Simões, que vai fazer o depoimento como familiar de vítima.
E, logo depois, ouviremos a Deputada Moema Gramacho.
A SRª LÚCIA SILVA SIMÕES - Bom dia! Obrigado a todos.
Estou aqui atrás de justiça pelo que a polícia fez com o meu filho. Meu filho foi buscar uma chuteira na Santa Cruz e foi abordado em frente ao colégio e à igreja. Os homens nem documento pediram; a Polícia Militar nem documento pediu; e deram vários tiros no meu filho. E estou aqui com a minha dor pedindo justiça, porque vai fazer mais de um ano isso.
E eu estou aqui com a minha dor, com a minha tristeza, só tendo apoio do Cedeca. Só é esse o apoio que estou tendo; não estou tendo apoio de ninguém. E não estou tendo resposta, mas eu quero a resposta pela morte do meu filho.
Eu tinha seis filhos. Agora, eu só tenho um, porque o mais velho a polícia levou para ela. E, aí, como é que eu fico? Assim com a minha dor.
Quando a polícia entra no Nordeste, o meu filho de 7 anos diz: "Mainha, Mainha, a polícia, a polícia!" E eu: "Entra, meu filho! Entra meu filho!" Quer dizer, o povo está assustado com a 4011 no Nordeste, porque a 4011 no Nordeste está fazendo terror com as comunidades. (Palmas.)
Eu já não estou aguentando mais. Eu só quero justiça e que a polícia venha dar paz às mães. Ela só faz as mães chorarem. Por que isso? Existe a delegacia para quê? É para pegar os jovens e levar para a delegacia, e não agir com as próprias mãos.
Cadê a justiça agora? O meu filho já foi. Eu estou aqui sentindo a minha dor, a tristeza e a perda do meu filho.
Só isso que eu tenho para falar. (Palmas.)
Obrigada por ter me dado esta oportunidade, Senadora Lídice da Mata e todos os que estão aqui na Mesa, a Cedeca, que está me dando a maior... Só o Cedeca está me dando apoio pelo meu sofrimento; está sofrendo junto comigo. Isso, porque, quando eu chego lá, eu passo toda a situação.
Os meus filhos têm medo agora é da polícia, da Polícia Militar, que chega às comunidades, xingando mãe de família. Não sabe quem está envolvido, e quem não sabe é vagabundo, fala vários palavrões. Como é que a polícia chega à comunidade assim, xingando os idosos, em mãe de família, dando tapa na cara da gente? (Palmas.)
Como é que pode? Eu mesma moro no Nordeste e já levei tapa da Polícia Militar. Como é que pode?
A polícia está lá para trabalhar, para defender a gente ou para matar os nossos filhos, os nossos adolescentes? Como é que pode um negócio desse?
Obrigada pela oportunidade. Agradeço a todos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, Lúcia, pelo seu depoimento. Muito obrigada. Receba o nosso abraço, da nossa CPI. Está certo?
Depois, o nosso Relator vai conversar também um pouco mais com você. E nós vamos acompanhar junto com o Cedeca a situação de cada uma dessas mães de vítimas.
Passo agora a palavra à Deputada Moema Gramacho. (Palmas.)
A SRª MOEMA GRAMACHO (PT - BA) - Bom dia a todas e a todos!
Eu quero cumprimentar e parabenizar a CPI, e assim cumprimento a nossa Presidenta. Temos muito orgulho de ter uma mulher presidindo esta CPI. Ela que já foi prefeita da Capital; ela de quem também tive o prazer de desfrutar da sua companhia como Deputada estadual por dois mandatos; e, agora, estamos juntas lá no Congresso na Comissão Mista de Violência contra a Mulher. De modo que tenho um orgulho muito grande de vê-la presidindo esta Comissão.
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Cumprimento também os Senadores aqui presentes, Lindbergh e Humberto Costa, e parabenizo-os por estarem correndo o País, tratando de uma questão tão importante para a vida dos nossos jovens brasileiros.
Cumprimento o Sr. Prefeito Márcio Araponga Paiva e cumprimento, assim, todos os servidores da Prefeitura de Lauro de Freitas. Quero cumprimentar a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, na pessoa do Presidente da Comissão Direitos Humanos, Deputado Marcelino Galo.
E peço desculpas aos demais, mas cumprimento todos os representes das instituições aqui presentes e o faço na pessoa de Waldemar, nosso grande Waldemar, do Cedeca, um histórico defensor das nossas crianças, dos nossos jovens e adolescentes.
Parabéns, Waldemar! Sempre na luta!
Assim, cumprimentando todos os presentes, queria dizer que começo me solidarizando com todas as vítimas aqui representadas pela família de Joel e de Jonilsson, de Salvador; mas também me solidarizo com as vítimas de Simões Filho, de Lauro de Freitas, de toda a Região Metropolitana de Salvador, da Bahia e do Brasil.
Acho que isso é o mínimo que nós podemos fazer neste momento. As saídas, aparentemente, não são fáceis, mas nós precisamos continuar perseguindo essas saídas para acabar com isso que nós chamamos de um grave crime contra os jovens brasileiros, que são os assassinatos de nossos jovens, de forma precoce, tendo suas vidas ceifadas de forma abruta, precoce e de forma selvagem em muitos momentos.
Quero aqui dizer que, se a situação está ruim - e temos que considerar a realidade de que ela está ruim -, pode ficar muito pior se não fizermos alguma coisa, porque o que se apresenta por aquela Câmara, da qual, infelizmente, neste momento, estamos fazendo parte, sem condições ainda de mudança - e precisamos do apoio da população para fazê-lo -, é uma Câmara extremamente retrógrada, uma Câmara que pauta a redução da maioridade penal, mas que não pauta acabar com os autos de resistência, onde a Polícia sentencia e executa sumariamente os nossos jovens.
É a violência chamada "normal" - mas nada deveria ser normal - e uma violência também institucional no País inteiro. Mas nós precisamos acabar com os autos de resistência. E a Câmara não pauta isso.
É a Câmara que pauta fazer um "parlashopping" e que também está pautando não aprovar um fundo de enfrentamento à violência contra a mulher, condicionando a aprovação desse fundo à aprovação de uma emenda que diz que esse fundo não pode ser utilizado para as vítimas de aborto por estupro. Quer dizer, querem regredir a uma situação pior do que a do Código Penal de 1940! É uma regressão assustadora!
Então, essa Câmara, que pauta a terceirização, Senadores, é uma Câmara que não pauta o cuidado com as famílias, o cuidado com as pessoas e com jovens vítimas de violência.
Portanto, isso é o que estamos vivendo, e nós precisamos mudar essa realidade.
Eu queria falar um pouco da Bahia. Quero dizer que temos consciência do esforço que tem sido feito nos últimos anos, mas também temos consciência de que precisam ser feitas algumas mudanças, inclusive, no maior e melhor programa, que precisa ter modificações, que é o Pacto pela Vida.
Eu fui Secretária de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza; acompanhei o Pacto pela Vida por dentro, e nunca vi um governador - na época, o Governador Jaques Vagner e, agora, o Governador Rui Costa - participar de uma reunião do começo ao fim, discutindo os problemas da violência em nosso Estado.
Agora, eu e o Secretário Elias sempre reivindicamos que o Pacto pela Vida, além do assento do Ministério Público, da Assembleia Legislativa, da Defensoria, dos policiais civis e militares, tinha de ter presente também, na mesma sala, a representação da sociedade, a representação do Nordeste de Amaralina, como vimos falar aqui; a representação de Itinga, o maior bairro aqui de Lauro de Freitas; a representação lá dos jovens de Porto Seguro. Essa é a participação social no Pacto pela Vida, que pode efetivamente ajudar na construção das diversas políticas que devem ser integradas.
Eu tive a oportunidade de implantar, Senadora Lídice da Mata, quando fui Secretária, a Orquestra Neojibá para fazer parte do Pacto pela Vida nos bairros mais carentes, levando a cultura, levando a música para os bairros mais carentes.
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Enfim, há muitas coisas sendo feitas, mas, mesmo assim, ainda não são suficientes. Aqui, quando fui prefeita, tivemos a oportunidade de, em parceria com outros Municípios, ganhar um prêmio da ONU. Eram 2 milhões para investir em cursos. E investimos em cursos de qualificação, criamos a oficina de reciclagem de computadores, por meio do nosso Secretário de Educação Carlucho, Vereador aqui está presente, e implantamos as escolas abertas nos finais de semana, para a integração comunidade/escola.
Fizemos todo um trabalho com o Segundo Tempo, com o Mais Educação, porque a gente entendia o quanto era importante fazer essa integração entre educação, cultura, esporte, lazer e as políticas sociais.
Ainda também com o Governo do Estado, implantamos em Lauro de Freitas a UNIS, o Programa Vida Melhor, com inclusão socioprodutiva, para fazer com que os nossos jovens tivessem oportunidade. Mas, ainda assim, a gente sabe que não é suficiente. Lauro de Freitas caiu do oitavo para o quinto lugar no Brasil, e nós precisamos reverter isso. Precisamos ter mais integração entre Municípios, Estados e Governo Federal.
Nós temos ainda de fazer, efetivamente, com que haja uma política de combate à droga nas fronteiras! Nós precisamos trabalhar com uma política efetiva de combate às drogas. A droga não entra de jegue; a droga entra de avião; a droga entra pelas mãos dos grandes, e nós precisamos deixar de criminalizar os nossos jovens e os nossos negros, os nossos das camadas mais pobres.
É claro - e ouvi aqui o Vereador falar - que nunca se abriu tanta vaga na universidade pública. Na Bahia, passamos 60 anos com uma universidade federal só. Hoje, temos seis novas universidades. Nunca se pôde ter tantos negros nas universidades através das cotas para negros, do Fies, do ProUni e de mais universidades públicas, mas ainda não está sendo suficiente.
Então, precisamos, efetivamente, estudar o que está acontecendo. É bom também lembrar que tem aumentado a violência na Bahia, mas a Bahia nunca deixou de ser antes um Estado violento. Quando fui Presidente da Comissão de Direitos Humanos na Assembleia, por duas vezes, dividindo e alternando com o Deputado Yulo, nós víamos que os jovens negros eram enterrados como indigentes, nem a causa mortis era avaliada. Então, havia uma subnotificação dos assassinatos. Os jovens eram assassinados, eram levados para o IML e eram enterrados sem nome! E eram centenas de jovens que eram assassinados.
Então, a Bahia sempre teve esse viés da violência. E eu digo que é uma violência racista, e a gente precisa combater isso, porque estamos no meio da Consciência Negra, mas quantos e quantos jovens não foram assassinados nesse mês da Consciência Negra?
E nós precisamos discutir isso com a Polícia, porque a Polícia, na Bahia, embora também majoritariamente negra, mesmo assim, também mata. E nós precisamos discutir a mudança desse perfil cultural racista. Nós precisamos também discutir que estamos fazendo crescer uma cultura de ódio, e a Câmara também está propondo e se dispondo a aumentar, cada vez mais, essa cultura de ódio quando, inclusive, muitos dentro da Câmara pregam a homofobia, e nós estamos vendo aí os nossos homossexuais sendo assassinados simplesmente pelo ódio que se tem contra os homossexuais, com os jovens homossexuais estão sendo assassinados.
Portanto, nós precisamos, para finalizar, nobre Senadora, também falar da família. A família também precisa acompanhar mais seus filhos. Não adianta ter escola em tempo integral, não adianta a integração entre cultura, esporte e lazer e a família, os pais, depois que o menino ou a menina sai da escola em tempo integral, não sabem aonde eles vão. Então, a família não pode terceirizar os seus filhos; a família tem de acompanhar. É responsabilidade do Estado, sim, mas também é responsabilidade da família. Integrados escola e família, devem estar juntos, para salvar os nossos jovens.
E não podemos deixar de falar da comunicação. Aqui, na Bahia, há programas, no horário de almoço, em que, em vez de nós estar comendo, estamos vendo se dar dinheiro para assistir o programa, vendo arrastar as pessoas como se fossem mercadoria, pagando para ver assassinatos, pagando para ver as fotos. Eu considero que não podemos achar isso normal.
Não podemos deixar de nos indignarmos. Vivemos na era da "coisificação" do homem e da mulher e da humanização do mercado. É comum ouvir falar que o mercado está tenso, que o mercado está nervoso, que o mercado está preocupado, mas na hora em que morrem os jovens é "morreu mais um", como se fosse uma estatística fria e calculista.
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Nós precisamos fazer com que a comunicação... Não sou fã de censura, não! Lutei a minha vida inteira contra a censura! Fui uma das que, na Assembleia Legislativa, buscou federalizar os crimes contra jornalistas, porque, na Bahia, jornalista que falava engolia bala, jornalista que denunciava os donos da Bahia engolia bala! Eu poderia citar aqui inúmeros jornalistas que foram assassinados. Não acho que deve haver censura, mas também não acho que deve haver programas que estimulem e banalizem a violência, como vemos no cotidiano.
A gente precisa trabalhar para que possa haver mais interação entre os entes, os Municípios, os Estados e o Governo Federal. Precisamos humanizar a Polícia. Também não podemos criminalizar somente a Polícia, precisamos discutir as estruturas da Polícia, precisamos discutir a qualificação da Polícia, precisamos discutir como vamos transformar a Polícia efetivamente numa Polícia cidadã e comunitária. Não bastam as bases comunitárias. É preciso haver as bases comunitárias, mas deve haver também integração das bases com as políticas públicas. E, para isso, deve haver parceria entre Municípios, Estados e Governo Federal.
Precisamos garantir mais escolas de tempo integral, precisamos garantir mais políticas públicas culturais e sociais, mas precisamos também, cada vez mais, dar celeridade à investigação e à punição! Não dá para o pai de Joel chegar aqui e falar que há cinco anos aguarda uma posição. Não dá, não dá! A lei tem de ser diferenciada. A lei tem de servir para todos, mas também tem de ser diferenciada. Para determinados casos, tem de haver prioridade, tem de haver celeridade na investigação e na punição! Cada um que fica impune gera espaço para que haja um novo assassinato.
Portanto, eu também queria me somar aqui à nobre pesquisadora, quando fala que, em Lauro de Freitas e em Simões Filho, muitos jovens daqui são assassinados e que também muitos corpos são encontrados aqui, que vêm da capital, pela proximidade com a capital. Na realidade, Lauro de Freitas é uma cidade muito próxima da capital, sem os recursos da capital. Portanto, tem todos os problemas que a capital tem. E ainda trazem problemas da capital para cá. Já estou concluindo. Mas não tem a condição que a capital tem. Mas isso não pode servir de justificativa para que nós não continuemos lutando, cada vez mais, para acabar com essa violência que tem matado nossos jovens.
Finalizo. Acho que a cultura tem a ver com tudo que estamos trabalhando aqui. Finalizo, dizendo que, na Bahia, em Lauro de Freitas, já implantei, quando fui Prefeita, a Lei Antibaixaria. Foi o primeiro Município a implantá-la. O Estado da Bahia já implantou a Lei Antibaixaria. Tenho um projeto de lei no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados, para implantar a Lei Antibaixaria. Também precisamos acabar com a cultura de pregar a violência. No caso da Lei Antibaixaria, trata-se de não deixar recursos públicos serem utilizados para macular a imagem da mulher, para pregar a violência ou para depreciar a mulher. (Palmas.)
Em vez de músicas como Gaiola das Popozudas, Um Tapinha Não Dói e outras, a gente podia cantar Gilberto Gil: "A paz invadiu o meu coração, de repente me encheu de paz [...] eu pensei em mim, eu pensei em ti, eu chorei por nós [...]." (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, nossa Deputada Federal Moema Gramacho.
Passo a palavra agora à Drª Maria Helena Lordelo de Salles Ribeiro, Juíza de Direito Titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lauro de Freitas.
A SRª MARIA HELENA LORDELO DE SALLES RIBEIRO - Bom dia a todos!
Saúdo a Mesa, na pessoa da Senadora Lídice da Mata; todos os presentes; as autoridades aqui presentes; a população.
Na verdade, eu gostaria de informar que tenho muito pouco tempo aqui, na Comarca. Assumi a titularidade da Vara há um mês somente. Percebo que a violência aqui é crescente, preocupante. Principalmente, jovens são mortos na periferia, em Itinga, em Portão, na região. Essa é uma preocupação constante do Judiciário.
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Na Vara da Infância, não temos de ficar só na aplicação das medidas socioeducativas, mas, principalmente, na prevenção. Isso nós queremos fazer junto com o Conselho Tutelar, com o Conselho Municipal de Educação, com as crianças.
Vamos tentar ir às escolas, porque, neste pouco período em que passei na Vara, percebi que os adolescentes não frequentam as escolas. Pelo menos aqueles que estão respondendo a algum processo infracional estão fora da escola. Sempre pergunto o motivo, e alguns deles falam sobre a violência na própria escola, falam da violência praticada pelo colega, falam do grupo que quer pegá-lo. Isso os afasta da escola. Então, temos de ficar próximo a essas escolas, temos chegar a essas famílias. Temos de conversar com esses adolescentes e de buscar entender o motivo dessa violência que os aflige e que vitimiza esses jovens, que têm de estar dentro da escola. Então, temos de buscar alternativas. Eles ficam por muito tempo ociosos. Quando eles saem da escola, eles ficam nas ruas e ficam ociosos, e isso não é bom. Isso não é bom para ninguém, não é bom para a família, não é bom para eles mesmos, pois eles vão ficar sem formação.
Então, precisamos estar atentos. Vamos ficar atentos a isso, trabalhando algumas atividades esportivas, buscando alguns trabalhos de algumas instituições que atuam com jovens, para nós inserirmos esses jovens. Acho que o Vereador falou muito bem sobre inclusão, sobre família. É preciso tirar esses jovens das drogas.
Então, o Judiciário, neste momento, precisa e vai chegar próximo a esses jovens, não só para aplicar medida socioeducativa, mas, principalmente, para impetrar ações de prevenção. Está bom?
Era isso que eu gostaria de falar. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada.
Quero registrar a presença da Deputada Estadual Fabiola Mansur, a quem agradecemos. (Palmas.)
Agrademos a presença de Clóvis Marques, Capitão da Polícia Militar; de Marinho Soares, Professor de Direito, Pesquisador em Segurança Pública e também Assessor da Fundação Pedro Calmon; de George Félix de Oliveira, Superintendente da Sudics, da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.
Vamos passar a palavra, dando continuidade à nossa reunião, à Srª Evani Conceição Brito.
Estou colocando os familiares para falarem logo nesta fase, porque estamos aproveitando a presença do nosso Relator e dos Senadores que vão ter de sair da reunião mais cedo, daqui a pouco.
Portanto, passo a palavra à Srª Evani Conceição Brito Dias, mãe de uma vítima.
A SRª EVANI CONCEIÇÃO BRITO DIAS - Bom dia!
Hoje, não estou aqui na condição de mãe de Ângelo e de Damasceno. Estou aqui representando muitas mães que, como eu, perderam seus filhos por causa de policiais truculentos, pessoas que se dizem policiais, mas que, realmente, como creio, não são policiais. Inclusive, eles estão presos. A morte de meu filho não foi relacionada, em momento nenhum, a esses policiais.
Meu filho estava trabalhando em um restaurante por volta de 10h, de 10h50, por aí. Ele estava preparando as quentinhas que ele entregava no aeroporto, quando dois policiais entraram, identificaram-se como policiais e levaram meu filho. Disseram para o outro que trabalhava com ele: "Você fica como contato." E pediram R$10 mil em meia hora para a família de Ângelo, porque Ângelo tinha um passado. A família lutou para botar uma portinha para ele vender quentinha. Não era um restaurante. Ele vendia quentinha, para tirar o sustento das duas filhas. Era ótimo pai.
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Levaram meu filho. Ligaram, ligaram, ligaram e pediram R$10 mil. A gente não tinha R$10 mil. Somos trabalhadores. Eu sou empregada doméstica! Trabalho de dia e trabalho de noite para tirar o sustento da minha família.
Levaram meu filho. A gente conseguiu R$3,9 mil, pedindo a um, pedindo a outro. O dinheiro do aluguel, o dinheiro da luz, tudo mais que eu tinha juntado deu R$3,9 mil. Ele estipulou que o rapaz que estava trabalhando com ele levasse o dinheiro, dizendo que ia soltar meu filho. Rodou com meu filho num carro grafite. Quem viu a reportagem viu que eles usavam um Gol grafite e um Gol preto. Levaram meu filho. Por volta de uma hora da tarde, eles pegaram o dinheiro e disseram: "Daqui a meia hora, solto o rapaz." Pegou o celular do rapaz que entregou o dinheiro. Disse: "Me dê seu celular aí!" Levou o celular que estava com meu filho e desapareceu com meu filho numa quarta-feira do dia 26 de agosto de 2015.
Aí fomos procurar meu filho, porque ele não apareceu. Fomos à delegacia, fomos ao IML, fomos ao Hospital Geral do Estado e não achamos meu filho nem morto nem vivo. Isso foi em Itapuã, especificamente em Nova Brasília. Fomos à delegacia de Itapuã, e nos mandaram para a DHPP. Disseram para esperarmos 24 horas. Já viram caso de vítima de sequestro em que se tem de esperar por 24 horas para se fazer uma queixa? Foi sequestro! Ele estava desaparecido. Fui à DHPP, e o primeiro policial que me atendeu, quando eu disse que era policial, falou: "Minha senhora, você não pode dizer que é policial! A senhora pode ser presa. Como a senhora sabe que era policial?" "Eles se identificaram como policiais. Até então, eram policiais." "Policial não usa esse carro." "Está bom." Fui chamada lá em cima, em outro setor. Era uma diferença! Parecia que eu tinha mudado de país. A investigadora conversou comigo muito bem. Ela conversou comigo direitinho. À medida que eu ia contando o que tinha acontecido com meu filho, eles falavam: "Esse caso aconteceu tal dia em outro bairro." Eu estava tão nervosa que não pude gravar os bairros em que aquilo tinha acontecido.
A pessoa foi sequestrada porque tinha um passado! Meu filho foi preso, foi condenado a cinco anos e pegou três anos e dez meses de cadeia! Ele não devia mais nada. O que devia ele estava assinando, de três em três meses, direitinho. Ele estava trabalhando direitinho para sustentar as filhas dele. E é arrancado!
Na sexta-feira à noite, meu filho foi achado no IML com um tiro na cabeça. Vamos ver como foi isso? Como foi isso? A moça do IML disse: "Seu filho foi entregue aqui na quinta-feira, à meia-noite." Quando meu filho foi achado, no mesmo dia, na quarta-feira, fomos para o jornal local. Ele foi achado onde? Em Camaçari. Meu filho foi pego em Itapuã e foi achado em Camaçari, atrás do Consulado da Bélgica.
Ele foi executado por policiais, esses que a gente paga! Eu os paguei para matarem meu filho! Paguei não só o resgate que eles pediram! Pago quando compro arroz, quando compro feijão, quando compro farinha. Vá ver lá quanto pago de imposto? (Palmas.)
Quem paga esses policiais para matarem meu filho? Eu os paguei para matarem meu filho, como muitos outras mães e muitos outros pais pagaram para eles matarem seus filhos.
E o jogaram lá. Fizeram uma manobra tão grande para eu não achar meu filho, para ele ser enterrado como indigente. Meu filho foi achado sem roupa. Ele foi pego com roupa e com documento! Os documentos não apareceram. Quase não consigo o atestado de óbito do meu filho porque ele não tinha documento. Meu filho quase foi enterrado como indigente, porque eu nunca ia imaginar que ele estava em Camaçari. Como eu ia imaginar, se ele foi pego em Salvador, que ele estava em Camaçari? E como ele foi achado pela Polícia às quatro e meia da tarde e a gente só veio a saber disso na sexta-feira, à noite? Ele foi achado na quarta-feira mesmo, às quatro e meia da tarde, já sem vida. É o que diz o jornalzinho lá de Camaçari.
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Por que isso não passou em outros lugares? Meu filho foi apenas uma pessoa que sumiu, que desapareceu; não foi dado como morto. A família sabe que ele morreu, mas para a sociedade ele sumiu, desapareceu. Por que tinha um passado? Por que cometeu alguma coisa no passado? Cumpriu, pagou pena e foi executado. E alguém me diz assim: "Tem que haver pena de morte no Brasil". Mas pena de morte para pobres e negros? (Palmas.)
Pelo amor de Deus, gente, vamos abrir o olho! Tem que haver projetos, tem que reeducar, o Governo tem que investir na periferia; não é pegar o Pacto pela Vida... Que pacto pela vida? Respondam-me: que pacto pela vida é esse que pega policiais e bota na comunidade para oprimir a comunidade? (Palmas.)
Eu tenho um filho que saiu para trabalhar 5h da manhã, um jovem, com a marmita do lado, e um policial pega a marmita - é baculejo, porque o pobre tem que ser baculejado mesmo indo trabalhar, quem sabe no lugar da comida ele não tem uma arma, - abre, joga a marmita e diz: "Vá pegar". Pensa na cabeça desse jovem. E, aí, eu tenho que ser uma mão psicóloga para poder convencer o meu filho que ele tem que fazer a diferença; e, depois, ele vê o irmão dele morto dessa forma.
Vai ver o coração desse jovem, a mente desse jovem. A minha família foi destruída. As filhinhas dele ficaram - uma de um ano, nem isso, ia completar um ano, e a outra tinha dois anos. E o que é que eu vou dizer para as filhas dele depois? Seu pai morreu porque era um marginal?
E quantos marginais que há de colarinho branco? Que são presos hoje e soltos amanhã? (Palmas.)
Digam-me aí! Eu trabalho em casa de gente chique. Eu vou à casa de gente chique e vejo dizer assim: "Tem que limpar a sociedade". Matando os pobres? Que injustiça! É muito lindo isso, é muito fácil - é muito fácil. Dizer assim: "Eles tinham que morrer". Ele tinha que ser julgado se ele devia. Ele tinha que pagar, porque para isso foi feito cadeia. Então, abre as cadeias, detona. Joga uma bomba nas cadeias e acaba, se é que os pobres têm que morrer, porque as cadeias foram feitas para isso.
"Tem que aumentar a maioridade penal." Tem? Tem. Mas de pretos e pobres, porque rico, filhinho de papai, vai ser sempre menor de idade, vai sair sempre "de boa", como dizem aí. Sabe por que isso acontece muito? Vou dizer, são três coisas: a primeira, a ganância; a segunda, a certeza da impunidade... (Palmas.)
Porque, se eles tivessem certeza de que iriam pagar, seria diferente, mas eles têm certeza de que até vão ser presos, mas que, de alguma forma, eles irão sair numa boa. E quem morreu foi quem perdeu a vida. E as famílias é que ficaram destruídas. A família é que perdeu mais uma vez.
Eu vim aqui hoje, eu poderia falar lá dentro, porque eu tenho outros filhos, mas eu preferi estar aqui, mostrando a minha cara, pelas outras mães que não puderam estar aqui hoje. Eu estou aqui representando as mães que não puderam estar aqui hoje e que também perderam o seu filho desse mesma forma. (Palmas.)
Eu acho que está na hora do Governo abrir os olhos - governo em geral, desde o Federal, ao Estadual, ao Municipal, desde a Presidente... Porque falam: "Ah, a Presidente, a Presidente...", mas se esquecem de que Governo é feito com Presidência, Deputados, Vereadores e outras mais cadeiras. Todo mundo ganhando milhões!
Sabe quanto é que eu ganho trabalhando durante o dia e a noite? No máximo, eu tiro R$1 mil por mês, ficando até oito dias sem ir em casa, sem vem meus filhos, sem ver meus netos. Sabe quantos dias há que eu vi minha neta? Eu não sei. Ela não tem pai, e eu não posso ver minhas netas todos os dias, porque eu tenho que trabalhar para comer.
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Vocês sabem como é que a polícia - perdoe-me, mas é assim mesmo - faz com os pobres na hora do baculejo? No dia que eu estava indo para casa, depois do sepultamento do meu filho, houve um baculejo no ônibus. E o policial - porque meu filho olhou para o lado - pegou o pescoço do meu filho e fez assim... E eu disse: "Epa, não faça assim com o meu filho, não". Precisa ver como ele falou comigo: "Minha senhora!" Não vou nem falar as coisas que ele falou, o policial. É para isso que a gente paga o policial? Não, não é para isso, não. É assim que vai acabar com a violência? Eu tenho certeza que isso só vai aumentar mais e mais a violência.
E eu agradeço por vocês terem me ouvido. Eu não tenho mais nada a falar. (Palmas.)
Eu deixo agora para a sociedade refletir nas minhas palavras. Para o Governo refletir nas minhas palavras; para o Governo refletir que pobre é gente. Os policiais dizem assim - e digo porque ouvi um jovem que atropelou um motoboy na rua comentar: "Vai dar nada não; ele mora em uma comunidade em que todos são ladrões".
Eu posso ser chamada de ladra? Não posso, porque eu trabalho 24 horas por dia. Como eu posso ser chamada de ladra se há dia em que falta leite na minha casa, mesmo eu trabalhando 24 horas por dia; se há dia em que falta carne na minha casa, mesmo eu trabalhando 24 horas por dia? E eu não vou lá usurpar nem tirar de ninguém, como muitos políticos fazem ganhando milhões - milhões! (Palmas.)
Não são R$1 mil por mês trabalhando 24 horas. Trabalham algumas horas e ganham milhões!
E estão de cara limpa, não têm vergonha na cara. E a gente tem que votar, é obrigatório votar. "É assim porque todo mundo vota." Mas não é obrigatório votar? Eu posso não votar? Eu quero que alguém me responda: eu posso não votar? E eu tenho que votar em branco? Por que eu tenho que votar em branco?
Agora, o que eu peço são representantes sérios em todas as áreas do Brasil, não só na política, porque a corrupção também não é só na política, é na polícia, em outras áreas, na medicina.
É bom estar aqui, porque posso até relatar uma coisa. Meu cunhado sofreu um AVC, foi internado no Menandro de Farias e, logo em seguida, mandado para casa. Teria que fazer uma tomografia, mas como no Menandro de Farias não havia tomógrafo, foi mandado para casa doente, com risco de morrer, ficar aleijado.
Eu disse à minha sobrinha: "Leva no Geral do Estado. Mas ela levou no Roberto Santos. Para que serve o Roberto Santos, gente? É para atender, porque a gente paga. Você sabe o que alguém disse a ela lá? "Tudo agora é AVC." Como é que se diz isso a uma filha vendo o seu pai podendo ter uma crise ali e morrer, ou ficar torto, um pai de família, para o resto da vida, trabalhador. "Tudo agora é AVC. Leva ele à UPA." Chega na UPA, leva ele para casa.
Quando, em alguns dias, a gente conseguiu arranjar alguém, porque para internar é assim, você tem que conhecer alguém dentro do hospital, para internar o seu paciente. Internou, fez a tomografia. "Sr. Renato, o senhor teve um AVC". E fica como isso, gente? "O senhor teve um AVC". Como é que ele estava aguentando um coágulo na cabeça?
Porque é pobre, gente. O médico, a gente paga, se sacrifica, porque, para pagar o INSS, tira-se uma parte do nosso salário. Se alguém não sabe, quando eu recebo o meu salário, já está descontado o dinheiro do médico. Ou não está?
E o médico olha para a cara de quem paga o INSS e diz: "Tudo agora é AVC". A gente chama Samu, e o cara diz assim: "Tudo agora tem que chamar Samu".
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Isso tudo tem que mudar, nós estamos no século XXI. A país de primeiro mundo, desse jeito a gente nunca vai chegar. Enquanto os políticos em vez de pensarem em governar um país pensarem em encher o bolso, a gente não vai nem engatinhar, nem sair do berço, quanto mais chegar a país de primeiro mundo. Enquanto políticos só pensarem em se dar bem, como é que a gente vai estar lá na primeira página do The New York Times? (Palmas.)
É. Lauro de Freitas, maioria de jovens na faculdade, maioria de jovens são médicos, advogados, doutores. Não deixam nem nossos jovens estudarem. Jovem não pode nem vestir roupa, tem que comprar um short lá no balaio, que vista hoje, rasga amanhã, porque se a polícia pegar um jovem com uma roupa boa: "É ladrão. Como conseguiu?" Não sabem que a gente paga em oitocentas vezes. Quem é mãe sabe que a gente compra roupa para nossos filhos em oitocentas vezes no cartão.
Eu não vou cair não, não se preocupe, tem uma mão maior que está me segurando aqui. Eu pedi orientação a Deus. Eu disse, ali sentada naquele banco: Deus, me segura com teu Espírito Santo e que eu não venha falar coisas vãs, e que não seja eu, Senhor, falando ali, mas que seja tu, falando da necessidade do povo brasileiro, povo que está cansado de sofrer, povo que está cansado de trabalhar e passar fome.
E principalmente aqui na Bahia, porque a gente ainda houve aquelas brincadeirinhas que baiano vive deitado numa rede. Esse meu cunhado acorda três horas da manhã para ir para a Ceasa. Cadê a rede dele? Ele nem dorme.
Então, é muito doloroso a gente ver um Brasil desse. Eu quero ver, antes de morrer, um país diferente, um país da igualdade social. O racismo aqui no Brasil não é tão somente de raça, de cor, o racismo aqui é social. Se não tem dinheiro, você não entra em lugar nenhum. (Palmas.)
Se você é preto, mas tem dinheiro... Pelé aí. Pelé é de que cor mesmo? Pois é. O racismo não é totalmente de cor de pele, mas de grana, dinheiro. A ganância.
Não se preocupem que eu não vou cair, sei que tem alguém aqui me segurando.
O racismo é esse aí, a ganância. As pessoas querem mais e mais. E para levar para onde? Para onde vocês vão levar tanto dinheiro? Caixão não tem gaveta não.
O meu filho morreu, mas todo mundo vai morrer. Não vai levar para lugar nenhum.
Então vamos levar o nosso nome. Vamos preservar o nome.
Poxa, aquele político, você viu, lutou pela sociedade. Isso vai ser para a vida toda, como o Nelson Mandela. Ele morreu, mas está lá nas redes sociais o feito dele. É isso que tem que ser política. É ser lembrado pelo feito.
Lula, por exemplo, se ele tivesse feito a diferença, seria diferente. Veio de não sei onde, era pobre, ou era rico, mas ele fez a diferença. Ele chegou lá na Câmara e mudou tudo, mudou leis. Acho que o Brasil não precisa mais de leis. O Brasil só precisa de uma coisa, que a lei seja cumprida para todos.
Precisam se cumprir leis. São tantos juízes fazendo greve. Greve de que, se os processos estão lá acumulados? Me diga aí, greve de que mesmo, se os processos estão lá acumulados?
Tem que ser justo. Justiça, o nome já está dizendo. Que justiça é essa?
Está aqui o meu apelo.
Agradeço a todos e tenham um bom dia. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero registrar a presença do Marv - Movimento de Apoio e Respeito à Vida, de Lauro de Freitas; registrar a presença de Júnior Gonçalves, o presidente. Esse é um movimento educacional de importância nessa cidade; registrar a presença de membros da Posse PCE Hip Hop; registrar a presença de Cláudio Reis, Superintendente da Supir, Superintendência de Promoção da Igualdade Racial, de Lauro de Freitas.
Vou transmitir a vocês as desculpas da Deputada Moema Gramacho, que se retira para pegar o voo dela.
Vou chamar a próxima pessoa que vai falar, o Sr. Carlos Alberto Silva Júnior, Ouvidor Nacional da Igualdade Racial, da Presidência da República.
Quero avisar ao Cel. Sérgio Luiz Baqueiro dos Santos que depois do Sr. Carlos Alberto ele poderá usar da palavra.
Quero lembrar a você, Carlos Alberto, se possível, que deve manter-se dentro do tempo, em razão do adiantado da hora. O nosso Relator viaja às 14 horas, e eu permaneço com o Senador Humberto Costa.
O SR. CARLOS ALBERTO SILVA JÚNIOR - Serei muito breve, Senadora.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - São cinco minutos, no máximo.
O SR. CARLOS ALBERTO SILVA JÚNIOR - Bom dia a todos e todas!
Inicialmente, quero agradecer a oportunidade, Senadora, de fazer esta fala aqui. Quero transmitir o abraço da Ministra Nilma Lino Gomes, a Ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e Direitos Humanos, que não pôde estar presente por compromissos em Brasília, mas pediu que eu viesse representá-la aqui.
Quero saudar esta Mesa em nome de V. Exª e dizer que o Ministério está à disposição da CPI para contribuir com informações e dados que acharem necessário. Eu vou dispensar as saudações formais para ir direto ao assunto.
Muito se fala sobre o fenômeno que acontece hoje. Mas, no Ministério, nós entendemos que o racismo é um fenômeno ambíguo, porque ele nasce a partir da sua negação. E percebemos hoje, cada vez mais, que cada vez que a gente vem negando o racismo, vem visibilizando o racismo, ele vem se sofisticando e vem cada vez mais causando mortes na nossa sociedade. Haja vista os dados já trazidos aqui tanto pelo Mapa da Violência de 2006, no qual se diz que, ser jovem e negro neste País, de 15 a 29 anos, significa ter três vezes mais chance de morrer do que um jovem branco. A mulher negra tem aumentada em 54% as chances de sofrer violência no nosso País, apesar de tantas políticas públicas que este Governo, em 12 anos, implementou.
Já entraram, como o próprio Sílvio Humberto, que me antecedeu, falou - tive a honra de trabalhar na Câmara de Vereadores, no primeiro mandato do Vereador Sílvio Humberto - 150 mil jovens negros na universidade. Ou seja, temos jovens negros na universidade, mas são perceptíveis, e a gente precisa cada vez mais debater e refletir sobre isso, ou seja, os procedimentos operacionais padrões da Polícia do Estado da Bahia, como também das polícias de todo o Brasil.
Eu vou citar apenas um exemplo, e a Comissão deve ter ciência dele, no Município de Guarulhos e no Município de Campinas, em São Paulo, existia uma ordem expressa do comandante de Polícia dessas duas cidades no sentido de que um indivíduo jovem e negro seria preferencialmente abordado naquelas comunidades, sobretudo nos bairros nobres das comunidades. E isso é simplesmente um absurdo e nós não podemos culpar única e exclusivamente o sargento, o cabo ou aquelas pessoas que estão fazendo a rota, se aquela é uma política daquela instituição. E isso acontece no Estado da Bahia.
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E eu sou daqui, por isso falo com total tranquilidade. Sou nascido e criado no Cosme de Farias e, ao chegar à adolescência, mudei para Amaralina, para o Nordeste de Amaralina. E é perceptível a forma de tratamento que é dado para as pessoas que transitam no Nordeste de Amaralina para as pessoas que moram no bairro da Pituba. São bairros limítrofes, para quem não conhece.
Em 2013 eu já estava em Brasília, mas eu vi na semana que teve uma operação policial no bairro do Nordeste de Amaralina, onde 12 jovens negros morreram. E o que acontece, Senador Humberto Costa? No outro dia, a imprensa dizia assim: "Traficantes em combate com polícia tombam no Nordeste de Amaralina."
Eu só quero dizer uma coisa: se eles fossem traficantes, nós não sabemos, porque muitos não tinham nem passagem na polícia, mas, se eles fossem, e quero admitir aqui publicamente, não daria autorização à Polícia Militar do Estado da Bahia executar essas pessoas. (Palmas.)
Porque ser traficante nesse País não muda a nossa Constituição, não muda o nosso Código Penal, para permitir a pena de morte para essas pessoas.
Então, precisamos refletir sobre isso. E cada vez mais, com o próprio racismo institucionalizado na sociedade, eu já caminho para a finalização, Senadora, vem causando um frisson na sociedade, que autoriza a carne mais barata da feira, como já foi cantado em verso e prosa aqui pela Elza Soares, é sempre a mais barata da feira. E é permitido usar do nosso corpo. E o pior, a sociedade aceita isso como um fato corriqueiro. Porque se a gente falar que no bairro da Pituba 12 jovens foram mortos porque estavam fumando o seu baseado, vamos dizer isso, na imprensa no outro dia sai: "Polícia Militar, em abordagem equivocada, fere jovens brancos por estarem se divertindo."
Porque é assim que é feito. O tratamento dado à juventude negra desse País é um tratamento dado para a morte. Ou você mata esses jovens, ou você encarcera esses jovens. Preferencialmente você mata.
O que percebemos dentro dos mapas? Tem um mapa do encarceramento aqui, 75% das pessoas que estão encarceradas são jovens e são negros.
Então, não é possível que a única política pública para a periferia seja a política da segurança pública. Não é possível mais ter isso. Porque os jovens têm talento e mais de trezentos mil jovens foram mortos nesse País em dez anos. Quantos Milton Santos a gente perdeu, Sílvio Humberto? Quantos cirurgiões que poderiam ter achado a cura da aids, a cura para o câncer nós perdemos? Quantos talentos perdemos para o aparato policial estatal? E precisamos refletir sobre isso.
Enquanto não tivermos uma política que perpasse a cultura, a educação, e que, cada vez mais, possamos superar esse racismo evidente na nossa sociedade, esses jovens continuarão morrendo. E isso nós não queremos mais.
Para finalizar, o Governo Federal vem trazendo políticas. E disponibilizaremos tanto à Presidenta quanto ao Relator todas as políticas que viemos fazendo para tentar minimizar esse extermínio que foi descrito como simbólico na comissão da Câmara, mas que nós percebemos no nosso cotidiano, a população negra vem percebendo esse racismo no seu cotidiano, para que isso venha ser minimizado cada vez mais, e que isso não possa ocorrer e que esses jovens não passem a ser apenas estatística. Porque é duro ficar ouvindo as três mães que estavam aqui, porque eu percebo, Sílvio Humberto, que poderia ter sido a minha mãe.
Hoje, eu não tenho 52 como o Sílvio Humberto, eu tenho 31, saí da juventude há pouco tempo e vim de um bairro pobre, eu andava de ônibus e tomei baculejo de policial. Então, poderia ter sido eu que por uma abordagem equivocada poderia ter morrido e minha mãe poderia estar aqui nessa audiência pública falando sobre morte.
Então, para finalizar, não podemos reproduzir isso e achar que isso é corriqueiro na nossa sociedade e que essa morte de jovens negros pode ocorrer única e exclusivamente porque eles estão no tráfico ou porque eles ali não tinham perspectiva nenhuma ou porque nos bairros deles têm bandido. Também nas comunidades, na periferia existem pessoas direitas, existem pessoas que vêm contribuindo para o avanço de diversos segmentos da nossa população.
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E ser do tráfico ou usufruir do comércio do tráfico não autoriza a Polícia Militar ou o aparato estatal a fazer o extermínio da nossa juventude negra.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Para usar a palavra agora, o Cel. Sérgio Luiz Baqueiro dos Santos, Comandante do Policiamento Regional da Bahia de Todos os Santos, também representando a Polícia Militar da Bahia.
O SR. SÉRGIO LUIZ BAQUEIRO DOS SANTOS - Boa tarde a todos!
Senadora Lídice, em sua pessoa cumprimento todos da Mesa e todos os presentes.
Desde já, agradeço, em nome da Polícia Militar da Bahia, em nome do Exmo Sr. Cel. Anselmo, Comandante-Geral, esse convite para participar deste importante trabalho. Sabemos que ele já vem caminhando há certo tempo e que tem o objetivo muito claro de desmistificar o que realmente está por trás desse numero insuportável de vidas ceifadas por ano.
Eu sou o Cel. Sérgio Baqueiro, como foi anunciado, aqui representando o Cel. Anselmo, mas comando uma região que corresponde a um terço da cidade de Salvador, com 1,2 milhão de pessoas vivendo em uma das áreas mais pobres da cidade, uma área que evoluiu de forma totalmente irregular, uma área onde o Estado, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, tem muitas dificuldades para chegar e prestar seus serviços. Trata-se de uma área que, por ter também uma geografia complexa, com muitas encostas, facilita que os traficantes optem por se instalar nesses locais.
Essa área que comando, essa região que comando, a Bahia de Todos os Santos, sai do Campo Grande e vai até São Tomé de Paripe e volta por Valéria, São Caetano e Liberdade. É uma área muito extensa. Aqueles que moram em Salvador e estão aqui sabem do que eu estou falando.
Tenho a honra de, há 35 anos, pertencer à Polícia Militar da Bahia. Sei que os depoimentos citados aqui, muitos deles falavam diretamente de minha corporação. Mas eu não posso deixar de defendê-la, porque se há uma instituição que bem ou mal está por 24 horas nas ruas é a Polícia Militar. E a população sabe disso, a população mais carente sabe disso, sabe porque, quando ela procura um socorro imediato, ela não vai achar de imediato médicos, ela não vai achar de imediato ambulâncias. O único braço do Estado que ela encontra é a Polícia Militar, que muitas vezes faz partos. E os senhores e as senhoras já viram isso em fotografias difundidas pela imprensa. Sei que erramos, mas erramos porque trabalhamos, erramos porque estamos lá.
Os senhores, ao me verem adentrar aqui o recinto, me identificaram facilmente, pois o nosso uniforme nos identifica. E por isso estamos sendo mortos em determinados locais e em determinadas situações, ou seja, nós estamos expostos, como estamos expostos aqui para recebermos as principais críticas, mesmo sabendo que a questão dos crimes contra os jovens tem comprovadamente uma ligação muito, muito e muito superior com o tráfico. Mas as pessoas e muitas vezes as comunidades, por medo, não podem colocar isso, não se sentem à vontade para colocar isso. Peço que aqueles que não têm ainda o número, anotem o número do Disque Denúncia, porque precisamos esclarecer realmente quem é o verdadeiro inimigo. E eu juro para os senhores que não é a Polícia.
A Senadora foi prefeita de Salvador e pode muito bem rememorar o que era Salvador na época em que foi prefeita e o que é hoje. Eu nasci no bairro do Uruguai, morrei no bairro de Roma quase a minha vida toda, morrei durante dois anos em Paripe.
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E, para aqueles que são de fora, esse é um dos bairros que compõem a Aisp 5, junto com Periperi, Coutos, Lobato e outros. Eram bairros que, quando tive minha juventude, não eram assim, não sei se porque, na época, se investia mais em esporte e quem participava de esporte não adentrava o mundo da droga. Hoje são bairros completamente transformados pelo tráfico, e, por mais que o problema pessoal das pessoas que aqui relataram de forma muito coerente, muito precisa, por mais que os seus problemas tenham sido relacionados a policiais que falharam por imprudência ou mesmo por não honrarem a farda que vestem e não respeitarem a sociedade que os instituiu, por mais que isso ocorra, peço aos senhores que, para essa CPI, ainda que seja à parte, coloque a realidade do que é o mundo da droga hoje nos seus bairros, porque precisamos enfrentar o problema e não vamos enfrentá-lo enquanto não entendermos o que o crack representou nesses bairros, em especial nos bairros periféricos.
Falo em especial, porque hoje já está, infelizmente, alcançando da roça até os bairros nobres das nossas cidades, e, se não adotarmos uma postura como sociedade, não teremos a sociedade no futuro como a conhecemos.
Minha corporação adentra todos os dias essas áreas, e temos percebido, ao longo de 2015, já vamos aí para 2.311 jovens mortos, na Bahia, entre janeiro e outubro de 2015. É uma situação complicadíssima!
Senhores, ao adentrarmos esses bairros, estamos vendo acontecer algo que não acontecia antes, e quem mora aqui em bairro periférico sabe disso mais do que eu: estamos vendo facções, vendo quadrilhas armadas enfrentando, e enfrentando forte, não é coisa pequena, não. E os senhores aqui, em Lauro de Freitas, não estão longe disso, não, quando olham determinadas ações, principalmente Itinga, Portão; em Salvador, percebemos muito isso na Aisp, no subúrbio ferroviário, em Valéria, quadrilhas com dez, 15 marginais, armados ao mesmo tempo, diga-se de passagem, bem armados. Só este ano, apreendemos, na Liberdade, duas metralhadoras. Onde, antigamente, víamos tanta arma assim, e com esse tipo de arma?
Vivemos num País que tem fronteiras com diversos outros países, temos uma dificuldade de fiscalização do Governo Federal nessas fronteiras, porque elas são muito grandes. Temos, na Bahia, um espaço de mar muito grande também, isso tudo facilita tráfico de tudo quanto é forma. A Bahia faz divisa com diversos Estados também, não é uma situação fácil.
Sei que o tempo é curto, mas o que eu queria deixar para os senhores era um depoimento de que somos também moradores dessa mesma cidade que os senhores, sofremos também, e gostaria de resumir as minhas palavras numa colocação que o Tenente Coronel Ramalho fez aqui, mas gostaria de complementar. Todo dia 2 de novembro, Dia de Finados, nos reunimos na Vila Militar do Bonfim, para prantear os nossos companheiros que tombaram em defesa da sociedade, e ficamos tristes, porque nenhum órgão desses, quando morre um cidadão, lembra que esse policial também é um cidadão. Isso é muito raro, é uma mágoa que carregamos, porque assistimos em outros países que ao fato de que, quando morre um policial que defende a sociedade, essa sociedade entende isso por mais que não goste das instituições, por mais que não goste da Polícia Militar, da Polícia Civil, da Polícia Federal, mas, naquele momento, é importante lembrar que aquele cidadão morreu por você.
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Gostaria de encerrar minhas colocações, exceto se tiver alguma oposição da Mesa, citando o nome do Soldado Denisson, que morreu este ano na cidade de São José da Vitória. Foi um crime bárbaro, extremamente hediondo, em que ele, percebendo que havia algo errado na agência dos Correios - uma cidade policiada por dois policiais -, avançou e foi fazer uma abordagem. A pessoa que o recebeu, o vigilante, abriu a porta mas não podia dizer nada, não podia nem dar um dica para ele de que os marginais estavam dentro da agência.
Ele ainda colocou a arma na mão, em cima do coldre, mas não chegou a sacá-la. Ao adentrar, o vigilante abriu a porta, sem sinalização, e, quando entrou para ver o que era, já foi recebido a tiros; mesmo caído, mesmo já ferido e perto da morte, ainda foi chutado, foi arrastado de uma forma muito brusca. Sentimos essa perda, porque poderia ter acontecido com qualquer um de nós.
Mais recentemente, todos os senhores acompanharam a soldado Dulcineide, mas conhecida como Dulce, mais conhecida pelo seu sorriso, que hoje faz falta aos companheiros que com ela trabalharam. A soldado Dulce, em Pituaçu, estava trabalhando num posto de saúde, atendendo pessoas, fazendo mais do que o seu trabalho. Ela poderia estar lá encostada numa parede com uma arma em condições de uso, mas não, estava participando do dia a dia do posto, fardada, ostensiva. A última cena que aparece dela, por incrível que pareça, a última cena que a câmara interna pegou dela foi um sorriso, cumprimentando as pessoas que estavam ali sendo atendidos. E, de imediato, quatro marginais atacaram o posto, um deles foi direto para cima dela e efetuou dois tiros, um na cabeça e outro no pescoço, sem nenhuma chance de defesa.
Gostaria, em nome desses dois policiais, Soldado Dulcineide e Soldado Denisson, que os senhores nos ajudassem também com orações para essas pessoas que morreram em prol da sociedade.
Obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço o depoimento do Coronel Sérgio Luiz Baqueiro.
Quero registrar a presença da Agência de Comunicação do Subúrbio, Agência Cipó, projeto da juventude negra e participação política.
Vocês devem ter percebido, falam duas pessoas na Mesa, mudamos a Mesa e vamos trocando com a Mesa estendida. Estava aqui na primeira fila. E também fazendo um revezamento entre as pessoas, tanto familiares de vítimas, também com representações da sociedade.
Quero chamar agora para falar Ricardo Andrade, do movimento hip-hop e do movimento negro de Lauro de Freitas, por cinco minutos. Depois, ouviremos a palavra do nosso Relator, Senador Lindbergh. (Palmas.)
O SR. RICARDO DE ANDRADE - Olá, boa tarde a todos e a todas.
Saúdo a Mesa, na pessoa da Senadora Lídice da Mata e do Prefeito do Município Márcio Paiva. Saúdo a plateia na pessoa da Srª Ivone, que já depôs tempos atrás.
Senadora, na verdade, vimos acompanhando a CPI e, quando fomos informados de que ela aconteceria aqui no Município, ficamos na verdade com uma dúvida muito grande no sentido de participar ou não. Quando falo participar ou não, não é não acreditar, não é uma questão de falta de crença, mas é um pouco do acúmulo que vimos acumulando ao longo desse período observando na luta do movimento negro etc e tal.
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Fui formado pelo Movimento Negro Unificado. Atualmente, componho o CEN, que é o Coletivo de Entidades Negras. Hoje, estou atuando na Supir, que é a Superintendência de Promoção da Igualdade Racial.
Falar de segurança pública é muito difícil, porque falamos em nome de Luiz Carlos Sandro Bispo, Nunes Barbosa, Carlos Santos, Moisés Brandão, Ângelo Damasceno, Rogério Muniz, Ricardo Oliveira, Josué Pita, Leandro Santana, Kelly Cyclone, France Tairine. Se eu for ler todos, vou ficar aqui até o final do dia, e não vamos conseguir dar conta da quantidade de jovens que morrem nesta Cidade, neste Município, neste Estado, nesta Nação.
O que me traz aqui, na verdade, para fazer uma reflexão muito rápida, é que, quando discutimos segurança pública, temos de sair desse polo de periferia e Polícia, como se fosse uma guerra unilateral, onde, de um lado, alguém mata; e, de outro, alguém morre.
Isso é apenas uma ponta. Na verdade, existe uma indústria da violência, existe uma indústria do crime. Há organizações que lucram com a morte de jovens negros, e isso precisa estar nesta CPI.
Há gente, ganhando dinheiro com esta violência. Se hoje pegarmos a quantidade de agentes de segurança pública, aqueles pagos com o dinheiro do Estado, é três vezes menor do os que são pagos pelo setor privado. Ou seja, se a segurança pública der certo, alguém vai perder dinheiro no setor privado.
Então, precisamos entender quem são os donos dessas empresas de segurança, que hoje já fazem parte daquelas que mais lucram no Brasil. Existem empresas de segurança aí, que já estão no ramo das que têm os maiores lucros no Brasil.
Essas empresas não têm interesse nenhum de que a segurança pública funcione de verdade, porque, quando a segurança pública funciona, eles deixam de ganhar dinheiro.
Então, isso precisa ser debatido nesta CPI. Talvez, eu não tenha condições aqui de dizer com todo o fundamento, até porque não é a minha área, mas existem muitos agentes de Estado - e aí estou falando na linha de coronéis -, que estão por trás dessas empresas de segurança. É preciso investigar.
Temos de pegar as dez maiores empresas e ver a sua árvore. Quem é o dono dessas empresas? Se o cara que é pago para fazer uma segurança pública também é dono de uma empresa de segurança privada, é óbvio que a segurança pública não vai funcionar, porque vão deixar de ganhar dinheiro do outro lado. (Palmas.)
É importante avaliar isso, porque, senão, vamos ficar aqui, enxugando gelo, enxugando gelo... Nossa mães, todos os dias, enterrando seus filhos, e a gente, debatendo, debatendo... Quando disse, no início, que não sabia se vinha ou não foi por causa disso. Suli insistiu muito: "Ricardo, vá, é importante, leve as famílias!" Mas é sobre esse debate, Suli, que a gente tem de se debruçar, porque a morte dos jovens negros está ligada ao capital.
Existem pessoas, ganhando dinheiro quando os jovens morrem. É isso que precisa ser discutido aqui.
Quanto à questão, Coronel, que o senhor fala, das mortes dos policiais, não temos dúvida, porque até os policiais que morrem são negros também. A maioria dos policiais brancos não estão no enfrentamento das comunidades, até pela própria hierarquia da Polícia.
Ou seja, o racismo consegue colocar um jovem negro da periferia em confronto com um policial negro, que também saiu da periferia. (Palmas.)
É isso que tem de ser debatido aqui. Não é a briga de Polícia contra bandidos, contra traficantes. É o racismo, atuando na sua forma mais perversa, colocando jovens negros contra policiais negros. E isso precisa ser debatido.
É o racismo que está em debate aqui. E precisamos debater o racismo.
Aí, só para finalizar, quero dizer aqui que o Vereador Sílvio Humberto colocou com muita propriedade, e nos sentimos muito contemplados na fala dele, porque faço parte do Movimento Hip Hop. Esse movimento salvou a minha vida. Esse movimento salvou a vida deste MC aqui. Tínhamos tudo para compor o crime. Tínhamos todas as ferramentas à nossa porta. Quando abríamos a porta, a primeira coisa que tinha, quando saíamos de casa, era boca de fumo, que dá um dinheiro imediato, mas foi o Movimento Hip Hop, que chegou e disse que havia coisa para fazer.
Quando dizemos isso, trazemos para este momento a Casa de Hip Hop, de Lauro de Freitas. Temos o espaço, sim, e já solicitamos ao Sr. Prefeito. Já há uma data. Talvez o Jorge tenha mais propriedade para dizer isso, mas já discutimos o Orçamento 2016, que é para equipar aquela Casa.
Aquela Casa vai funcionar, vai trazer vida e alimentar de esperança o coração dessa juventude que está aí.
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Mais uma vez, digo: "Êa! É nóis! Caveira, escorpião". É uma realidade sim. Ela está aí. Se não formos capazes de disputar com propriedade essa juventude, eles vão, sim, somar-se a essas facções que estão aí.
Precisamos converter - talvez essa seja a palavra - essa juventude, essa galera mais jovem. Isso se faz com investimento, com dinheiro.
É por isso, Prefeito, que temos insistido com o senhor debater este Orçamento de 2016, porque a Casa do Hip Hop, com certeza, vai ser um referencial de política pública para a juventude deste Município, do Estado e do Brasil.
É isso aí.
Obrigado a todos e a todas. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passo a palavra ao Senador Lindbergh Farias, que é nosso Relator.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Boa tarde, pessoal.
Vou fazer uma fala agora, porque vou ter de ir ainda ao Rio de Janeiro e à Brasília. Tudo hoje. Primeiro, quero dizer que a existência desta CPI foi iniciativa da Senadora Lídice da Mata. Ela coletou assinaturas, porque a lógica desta CPI é fazer parte de um movimento pela redução dos homicídios no Brasil.
Em 2012, 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Somos recordistas mundiais. Nenhum outro país chega perto do Brasil nesses números absolutos. Destes 56 mil, mais da metade são jovens; e, destes, 77% são jovens negros, moradores das periferias brasileiras.
O que queremos com esta CPI é despertar o Brasil para este tema. Agora, confesso a vocês que comecei, falando sobre esses números mais gerais, mas, quando viajamos pelos Estados e conversamos principalmente com as mães, com as vítimas dessa violência toda, e vê a força do depoimento dessas mães, que sabem distinguir. Há uma natureza diferente no território, na classe social e na raça. (Palmas.)
É impressionante como essas mulheres sempre fazem depoimentos muito fortes e sabem claramente, Senador Humberto Campos, a diferença de tratamento que existe em determinados territórios, pela cor da pele e pela classe social.
O que estamos vendo é uma política de extermínio e de encarceramento também. Triplicamos a nova de Lei de Drogas, que saiu de 2006, infelizmente, pessoal. O resultado tem sido o encarceramento em massa de setores da nossa juventude. Aí, há uma diferença concreta em cima de estudos, de professores universitários que apresentaram pra gente e de cientistas do tema, mostrando a diferença de abordagem entre um jovem de classe média é pego com uma pequena quantidade de droga e um jovem negro, morador da periferia é pego com uma pequena quantidade de droga.
O jovem negro da periferia vira traficante na hora. É enquadrado. É um tratamento completamente diferente do jovem de classe média.
Aí, são vários pontos conexos. O primeiro deles é o fracasso dessa política de guerra às drogas. Fracasso Absoluto! Temos que desnudar isso para o País, porque não está diminuindo em nada o consumo de drogas, mas o centro da atividade militar, aqui na Bahia e em qualquer lugar do País, é o combate ao tráfico de drogas.
Nessa guerra, todos estão perdendo. A Polícia está morrendo. No ano de 2013, morreram 490 policiais. É o maior número do mundo. Essa juventude está sendo exterminada pelo tráfico, pela milícia e também pela Polícia.
Então, se não entendermos que este modelo de política de guerra às drogas está levando a um extermínio no País... Este era um tema, Senador Humberto, que eu e a Senadora Lídice não dominávamos, até começarmos a ver os fatos.
Isso não está dando certo. Temos de encontrar uma saída para esse debate. Dou o exemplo do Uruguai, que comemorou, no ano passado, um fato que foi o seguinte: nenhuma pessoa foi morta, no Uruguai, no ano passado, relacionada a tráfico de drogas. Nenhuma pessoa! Essa é uma virada muito grande.
(Manifestação da plateia.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Sei que este não é um debate fácil, para se fazer na sociedade, mas temos de entender que o que está acontecendo não está dando certo de forma nenhuma.
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Droga tem de ser combatida, na minha avaliação, com política de comunicação. É uma questão de saúde pública, que tem de ser enfrentada. Não se resolve o problema do consumo de drogas, utilizando a força policial e o aparato nesta guerra maluca, que está exterminando uma parte grande da nossa juventude.
Agora, é inconcebível - e vamos ter uma reunião com o Conselho Nacional do Ministério Público -, não dá para aceitar mais a lógica dos autos de resistência.
Eu estava com uma senhora, D. Rosane, que quis fazer um depoimento privado. Toda família tem o direito de ter o seu caso investigado, para serem esclarecidas quais foram as circunstâncias, porque, desculpem-me, estamos cheios de exemplos, neste Brasil inteiro. E agora há uma CPI dos autos de resistência, acontecendo na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, de casos de filmagens, de alteração do cenário do crime, de colocar armas nas mãos de uma vítima, que morreu e foi executado ali, para tentar dizer que houve troca de tiros.
Então, este é um direito de cada família: saber como foram mortas as suas vítimas. Tenho certeza de que, por mais que exista resistência, vamos acabar com essa lógica desses autos de resistência por este Brasil afora, porque isso é um absurdo! (Palmas.)
Aí, há outro problema: a cultura do extermínio. Infelizmente, sei que há policiais bons - e essa guerra, volto a dizer, está vitimizando os policiais -, mas há uma cultura do extermínio, que passa por uma lógica de que bandido bom é bandido morto e de que aqueles têm de ser exterminados.
Existem setores da Polícia que fazem parte desta cultura - cultura do extermínio. E a cultura do extermínio é cruel! Uma mãe, lá no Rio de Janeiro, dizia pra gente: "Que história é essa, que não tem pena de morte? Tem pena de morte sim." No complexo da Maré, no Rio de Janeiro, diziam: "Tem pena de morte, e sem julgamento!"
Se houver alguma suspeita em cima deles, eles são assassinados! O mais grave desse episódio todo... Vou citar, que é terrível, porque o que temos é extermínio, encarceramento para essa juventude negra e segregação, o que aconteceu no Rio de Janeiro há pouco tempo.
Houve o caso dos arrastões nas praias. Primeiro, sabem qual foi a posição da Prefeitura depois dos extermínios? Retirar os ônibus que iam da Zona Norte e da Zona Oeste para as praias. Cento e tantas linhas de ônibus, Senador Humberto Costa, foram tiveram as suas rotas alteradas, para impedir que aquele jovem, um jovem negro, chegasse à praia, partindo de um pressuposto claro de que era um jovem, no mínimo, suspeito. Se não um criminoso; no mínimo, suspeito!
Mas o que aconteceu de mais grave foi que, depois de um desses arrastões, uma turma de jovens que faziam exercício numa academia de Copacabana decidiu fazer justiça com as próprias mãos. Eles decidiram parar ônibus. E pararam ônibus que não vinha da praia, mas que ia em direção à Zona Norte, a região mais pobre do Rio de Janeiro.
Eles pararam o ônibus e disseram: "Olha ali um!" Quem era esse "um"? Era um jovem de 17 anos, negro, que não tinha ido à praia, que não tinha participado de arrastão algum. Esse garoto pulou pela janela. Aí pegaram e deram uma surra nele!
Depois, esse garoto disse: "Eu não participei. Eu não estava na praia. Não estava em lugar algum!" Mas há uma coisa por parte de uma sociedade, que é encarar aquele jovem negro, morador da periferia, como suspeito, como criminoso.
É um processo... E concordo com o Movimento Negro, que discute algumas coisas, inclusive, temos de nos aprofundar neste relatório, pois há uma discussão sobre se é política de extermínio ou de genocídio nesse caso, mas o fato é que uma parcela importante da sociedade encara esse jovem negro, como criminoso, como suspeito, e as autoridades policiais também compram esse discurso.
Acho que o tema é muito complexo. Queria só encerrar, parabenizando a Senadora Lídice da Mata, não porque ela está aqui na Bahia. A Senadora Lídice da Mata é aquela Parlamentar das causas justas no Congresso Nacional. (Palmas.)
Entramos em todas que a Lídice entra.
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Sinceramente, depois de viver esta CPI, ela teve um impacto grande em mim também, porque temos de tirar esses casos da invisibilidade.
Não sei como vamos fazer no relatório, Humberto, mas temos depois de criar algo... E não falo para um governo específico, porque avançamos em tantas coisas, por exemplo, no processo de inclusão, mas nisso aqui não conseguimos avançar.
Temos de fazer um relatório que, de certa forma, envergonhe os governos, um relatório em que todos digam: "Puxa! De fato, não dá para aceitar isso!" Temos de construir um relatório que tenha esse sentido de mostrar que é preciso todos se juntarem, para fazer um pacto pela redução dos homicídios neste País. Isso é possível!
O Ministério Público, por exemplo, não estar aqui é um absurdo! É papel do Ministério Público o controle externo da atividade policial. Ele é que tem de abrir investigação, mas, se ele não abre investigação, não há nada, não tem como prosseguir.
Então, temos de envolver todos esses atores.
Há uma outra discussão, que não quero aprofundar-me aqui, que é sobre a reforma do nosso sistema de segurança pública. Sou autor da PEC nº 51, que fala de desmilitarização, de uma outra polícia dos cinco complexos. Muita gente pensa que, quando se fala de desmilitarização, pensa que se trata de uma polícia fraca. Não é nada disso.
A SWAT norte-americana não é uma polícia militar. Falo da desmilitarização porque a Polícia hoje tem uma preparação voltada para o enfrentamento da guerra. Ela não tem condições, hoje, e não está preparada para entrar numa comunidade, onde é necessária uma outra lógica de policiamento, um policiamento comunitário, policiamento de proximidade.
Aqui, há um outro problema, existente só no Brasil. Uma Polícia que está nas ruas faz um trabalho de investigação. No Brasil, isso não acontece. No Brasil, a Polícia Militar faz o trabalho em relação ao policiamento ostensivo e preventivo e é a Polícia Civil que faz a investigação, uma outra Polícia. Inclusive, elas não se bicam. E temos este número: somente 8% dos homicídios, no Brasil, são não resolvidos - mas investigados. E o que faz o policial militar na rua? Ele não pode investigar. Ele só pode fazer uma coisa: prender em flagrante.
Aí, fica mais fácil, são os crimes mais simples, como tráfico de drogas, porque eles não podem fazer o trabalho mais importante, que é o de investigação.
Senhores, encerro aqui a minha participação, dizendo que vamos fechar esse trabalho da CPI até março. Sinceramente, acho que dá para avançarmos, porque o temos visto é tão absurdo, tão bárbaro!
E aqui entra também o trabalho da mídia: a invisibilidade. Quando morre um jovem negro da periferia, isso não sai em lugar algum. Ele já é tratado como criminoso. É uma diferença tremenda.
Quando eu falava da política de guerra às drogas - e encerro, dizendo isso - no Rio de Janeiro, em Copacabana, Ipanema e Leblon, existe tráfico em tudo quanto é lugar. Agora, alguém imagina a hipótese de uma incursão violenta da Polícia em Copacabana, Ipanema e Leblon? Ninguém!
Agora, quando se fala nas regiões mais pobres... Lá, no Rio de Janeiro, há uma coisa chamada "caveirão", que é como um tanque de guerra, só havendo espaço para o fuzil. Aquilo é de uma letalidade gigantesca. Então, olhem como é a diferença por território: nessas regiões mais ricas, é um procedimento; nas regiões e comunidades mais pobres, o procedimento é outro, completamente diferente.
Espero que façamos um bom trabalho nesta CPI. Quero entender - e a Senadora Lídice da Mata vai ajudar-nos muito nisso - por que existem esses números aqui na Bahia, pois, de fato, são números que impressionam. Entre as dez cidades mais violentas, com mais morte de jovens, há seis da Bahia. Temos de entender a particularidade disso aqui.
Agora, vou procurar, depois, também, nosso Governador e todo mundo aqui, porque acho que tem de ser um compromisso único. Essa história de auto de resistência não podemos aceitar. Temos de fazer pressão aqui para que isto, aqui na Bahia, vire uma coisa concreta. Se houver homicídio, tem de haver investigação, seja quem for o autor do mesmo.
Muito obrigado, Senadora Lídice da Mata. Não vou poder ficar até o final, mas está tudo gravado. Cada depoimento vai ser levado em conta. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada ao Senador Relator Lindbergh Farias, que tem dado uma grande contribuição ao trabalho da nossa CPI. Lamentamos muito que ele tenha que sair, mas estamos com atividades muito intensas. Lindbergh vai para o Rio, depois para Brasília, ainda hoje. Ele cumpriu toda a função dele aqui, ouvindo, e ainda temos a parte que está sendo gravada e que ele poderá ouvir em Brasília.
Quero passar a palavra agora à Delegada Cleuba Regina Teles, do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil da Bahia. Logo após, o Deputado Marcelino Galo. Depois de Marcelino, outra pessoa que não está na Mesa, mas que seja das organizações.
A SRª CLEUBA REGINA TELES - Bom dia a todos, eu sou Cleuba Teles, conforme disse a Senadora Lídice da Mata, a quem cumprimento em nome de todos das Mesa.
Sou diretora adjunta do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa. Este departamento foi criado em 2011, com o objetivo de apurar crimes de homicídios na região de Salvador e também atingindo a área da RMS, que é Camaçari.
Senhores, no ano de 2011 também foi implementado o programa Pacto pela Vida. Temos percebido, com esse programa, que a redução de ações de forma continuada vem permitindo que esses números venham entrando em declínio. São números baixos, digamos, para a política que se implementou. Mas as ações coordenadas com a sociedade civil organizada e organizações não governamentais e outras entidades ligadas aos direitos humanos vêm permitindo que esses avanços venham sendo conquistados.
Pelo Departamento de Homicídios, vi aqui a fala de algumas mães. Sensibilizo-me, porque também sou mãe. No tocante ao que se ventilou aqui acho que é de suma importância esta CPI, porque é necessário que essa voz seja ouvida.
No que tange ao Departamento, trouxemos alguns dados relativos aos anos de 2012, 2013, 2014. O que percebemos, senhores, é que realmente houve um declínio na morte de jovens no que se refere à área de Salvador. Percebemos que, apesar do que foi citado aqui, ou seja, de que os jovens negros são a sua grande maioria, o que os dados estatísticos coletados pelo Departamento nos levam a outra realidade. Temos aqui na área da 1ª DH Atlântico, jovens negros, no ano de 2015, o número é menor do que os jovens de cor parda. Então, esse somatório de risco nos faz crer que esse dado levantado aqui não foi coletado de forma fidedigna.
Mas isso nos preocupa? Preocupa-nos, porque, de certa forma, a nossa preocupação não é com a raça, não é com a classe social. O Departamento de Homicídio se preocupa com a apuração de que uma vida foi ceifada. E é este trabalho de polícia judiciária que queremos que seja ventilado aqui. É nosso trabalho importante. Aqui, eu empenho minha palavra em nome do Departamento, como gestora, que independentemente de classe social o Departamento apura o homicídio.
E quando vejo esta mãe falando que não foi bem tratada dentro do Departamento do qual faço parte, entristece-me.
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E neste momento aqui eu digo que nos colocamos à disposição para mostrar dados, coleta, qualquer outra informação que seja necessária para a verdade dos fatos.
Então, o Departamento está com um elo entre vocês da sociedade e a busca da verdade. Neste momento, digo, senhores, que é importante que os dados que vamos apresentar sejam vistos por todos, porque, doutora, não queremos que o número de homicídios em Salvador seja velado. O trabalho do Departamento é apurar todo e qualquer homicídio que ocorra em Salvador, chegando à verdade dos fatos.
Quando vejo o pai de Joel dizendo que busca justiça, percebo que falta o Judiciário fazer o seu papel, porque o trabalho de polícia judiciária foi feito, inclusive já com denúncia pelo Ministério Público.
Como o Senador Lindbergh falou, existem policiais ruins e policiais que fazem seu trabalho, assim como em todas as profissões.
Finalizando, gostaria de acrescentar que o Departamento de Homicídios está à disposição desta CPI para coleta, para informação, para qualquer outro dado que seja necessário.
Obrigada a todos e tenham um bom dia.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada.
Vamos dar a palavra agora ao Deputado Marcelino Galo, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
O SR. MARCELINO GALO - Boa tarde, já se alongando esta reunião importantíssima, fundamental. Quero aqui cumprimentar a Presidente desta CPI, Senadora Lídice da Mata, comprometida com as causas mais relevantes da sociedade brasileira, uma mulher que nos orgulha e que dignifica a representação do Senado deste Estado. Cumprimento também o Senador Humberto Costa, dou as boas-vindas a ele ao nosso Estado. Enfim, cumprimento toda a Mesa e todos vocês.
Eu diria a vocês que não me sinto feliz por participar, mas é extremamente necessário, urgente, mobilizar a sociedade para discutir um tema tão importante.
A segurança pública se esgotou neste País, chegamos ao limite, poderíamos dizer que faliu. Este sistema precisa ser revisto, precisa ser reestruturado. É necessário que haja um pacto federativo para tratar da segurança pública.
Então, isso precisa ser construído na democracia. Seria quase impossível discutir democracia sem segurança pública ou segurança pública sem democracia, da mesma forma que discutimos na nossa Comissão na Assembleia Legislativa, que é a Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública.
Não existe contradição, se os operadores da segurança pública não tiverem consciência, não forem preparados para exercer a sua função no sentido de garantidor dos direitos humanos, isso será muito difícil.
Então, essa mudança é necessária, é muito importante, é fundamental que o Brasil comece a fazer isto, mobilizar a sociedade de fato, para que possamos ter força o suficiente para modificar este sistema. Aqui na Bahia, esta Comissão tem tido várias iniciativas.
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Uma delas, fundamental, é que fizemos uma indicação, através da Comissão, ao Governador Rui Costa, para que sejam revistos e implementados os cinco complexos de polícia do nosso Estado, feitas outras modificações, implantadas as audiências de custódia - também muito importantes nesse sentido - e discutidos os termos circunstanciais de ocorrência, para que a Polícia Militar possa, inicialmente, pelo menos, executar nos casos de baixa periculosidade.
Então, é isso o que estão fazendo. Essa discussão está centrada na Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública. Nós participamos da CPI da Câmara Federal, que aqui esteve, na Bahia, e realizou uma audiência na Assembleia Legislativa.
Estamos à disposição da Comissão do Senado para fazer um trabalho conjunto, no sentido de que a gente possa avançar para resolver uma questão tão crucial e premente da sociedade brasileira.
Então, era isso. Parabéns à Senadora Lídice da Mata. A Comissão Direitos Humanos está à disposição da Comissão da senhora. Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço enormemente a participação da Assembleia Legislativa, do Presidente da Comissão Direitos Humanos. Não tenha dúvida de que nós vamos utilizá-la, vamos buscar ajuda para construir o relatório, o mais completo possível, no final deste nosso trabalho.
Quero chamar, para fazer uso da palavra, o Marinho Soares, que é professor de Direito e especialista em segurança pública, e chamar a Deputada Fabíola para sentar aqui à mesa e ficar mais visível.
Peço aos companheiros que estão no corredor para conversarem lá fora, para não interferir aqui na fala.
Marinho, com a palavra, por 5 minutos.
O SR. MARINHO SOARES - Boa tarde a todos e a todas. Eu gostaria de agradecer à Senadora Lídice da Mata a oportunidade. Em nome dela, cumprimento todas as autoridades presentes. Vim aqui para falar um pouco, em cinco minutos, sobre de segurança pública.
Eu me sinto muito confortável, apesar do quadro trágico da segurança pública, de poder falar. Primeiro, pela minha formação militar. Eu sou oficial do Exército. Segundo, não menos importante, por eu me intitular do movimento negro.
Então, vi que o Senador Lindbergh aqui perguntou por que cinco Municípios, dos dez mais violentos, estão na Bahia. Eu vejo aqui o nosso Deputado Marcelino Galo, Presidente da Comissão de Direitos Humanos. A resposta que eu digo é a seguinte: Rio de Janeiro - já que ele falou do Rio. Ele foi Prefeito de Nova Iguaçu, de Anchieta, Mesquita, Queimados, Belford Roxo, cidades superviolentas. Tráfico, Coronel, nós temos em toda cidade.
Uma coisa crítica que temos que discutir - pena que a Deputada Moema não está mais presente -, antes de falar em desmilitarização, é sobre a questão dos direitos humanos dos policiais. Eu, como professor de Direito Penal e Constitucional, sempre que falo dos direitos militares, vejo que o militar pode ser preso sem autoridade competente, sem estar no flagrante delito e pior, não precisa de habeas corpus. Isso fora os direitos políticos e sociais que são cerceados.
Mas voltando aqui, especificamente ao Estado da Bahia, nos termos o CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais). E, Senadora Lídice, eu acho que isso tem que ser revisto pelo seguinte: a questão do auto de resistência não entra no CVLI, porque não se trata de crime, já que estaria em questão de legítima defesa.
Então, são duas coisas que nós temos que questionar - eu sempre faço a analogia: nós estamos em um pacto pela vida, em que nós queremos acabar com todas as mortes todas. E todas as mortes incluem também as mortes do Pacto pela Vida.
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Nós temos que entender que fenômeno é esse, em que a nossa polícia mata e também morre. É claro que isso é proporcionalmente e diretamente ligado, ou seja, quanto mais morre gente da sociedade, mais morre policial.
Então, a primeira coisa que tem que ser discutida é isto: por que a questão do auto de resistência não faz parte do pacto pela vida? Se o nosso querido Vereador Sílvio Humberto estivesse aqui, eu sempre falo para ele o seguinte: a sensação que eu tenho é que nós negros não prestamos nem para ser estatística. É mais ou menos assim: eu quero acabar com os homicídios, ou melhor, com o roubo e com o que acontece na minha casa.
Eu sei muitos dos roubos se dão pela questão da entrada do bandido pela porta. E eu vou lá, boto grade na porta do fundo, nas janelas, mas, principalmente, na porta que entra, eu não coloco.
Então, quando fala isso... Eu sou oficial do Exército, formado pela Aman, e sempre digo: o militar está ali para cumprir missão. E a impressão que nós temos - até porque eu participo das reuniões - é que isso não interessa ao Governo do Estado. Então, essa é a questão principal que tem que ser discutida. Tem que ser discutida, porque o auto de resistência não serve nem para o CVLI.
Nós temos que discutir, Deputado Marcelino Galo... E é um governo nosso de esquerda, do qual me intitulo também parte e o qual eu ajudei a construir... Por que nós discutimos? E, principalmente, nós não podemos só dizer que a culpa está no tráfico.
Enquanto a gente não reconhecer as nossas deficiências de segurança pública, nós não vamos a lugar nenhum. Enquanto isso, nós fazemos reuniões e mais reuniões para discutir mais do mesmo e para querer entender uma coisa que todo mundo sabe: por que a juventude negra morre de forma exagerada neste País.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Convido para usar da palavra, por cinco minutos, o Patrick Carvalho, do Movimento Nacional de Pessoas em Situação de Rua.
O SR. PATRICK CARVALHO - Boa tarde a todas e a todos. Que bom que ainda estamos aqui - já estamos entrando pela tarde. Saúdo a Mesa na pessoa da Senadora Lídice. É uma pena que esteja um pouco esvaziada esta sessão. Entendo que os Parlamentares, gestores têm agenda, inclusive muito extensa. Mas é importante também que estejam aqui - ou pelo menos a sua assessoria - para acolher os nossos depoimentos, as nossas críticas.
Já foi muito dito - eu não vou me prolongar muito -, mas eu quero pontuar dois pontos: eu quero reforçar o apelo pelo fim dos autos de resistência. Porque as autoridades militares podem, sim, ser usadas por policiais honestos e dignos, em defesa da sociedade, quando estão no embate e há uma troca de tiro com pessoas que sabemos que não são santas e também não são nenhum demônio, mas que estão lá. Quando há a troca de tiro, a polícia precisa se defender e defender a sociedade.
Porém, os autos de resistência não estão sendo usados com essa destinação. Estão sendo usados, sim, para justificar a morte prematura, o extermínio da juventude negra.
O Congresso, como a Deputada Moema pautou, não leva essa pauta adiante, porque é um Congresso imundo, que está cheio de ratos da extrema direita, dos partidos da direita, homofóbicos, fundamentalistas, evangélicos, que não levam essas pautas adiante, Senadora. Isso é um absurdo!
Eu acompanho a luta da senhora desde o ano passado e me recordo que a senhora recebeu o representante do Conselho Nacional de Juventude, Alessandro Melquior, que agora está na Coordenadoria LGBT da Prefeitura de São Paulo, com o companheiro Haddad.
Essa luta pelo fim dos autos de resistência tem que seguir adiante. Também a luta pela não redução da maioridade penal. Outro ponto que ocorre é que se tem tentado pôr a culpa no tráfico de drogas, nas drogas. Não!
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A culpa, como o Senador Lindbergh falou, está na guerra às drogas, que está vencida, ultrapassada. Precisamos discutir, mesmo com esse Congresso conservador, a descriminalização e a regulamentação da produção, do cultivo, do comércio, do uso da maconha. Basta de guerra às drogas. Não há como fechar fronteira. A maconha vem de Pernambuco também, do Polígono, do Paraguai. É feita aqui na Bahia. É feita e prensada em qualquer lugar. Temos que pautar esta matéria também.
Eu aqui represento também o MNPR (Movimento Nacional de Pessoas em Situação de Rua). Vou fazer um breve recorte. São pessoas vítimas de toda sorte de violência policial da Guarda Municipal, e, como dos jovens negros, essas mortes continuam impunes sem investigação, sem nada.
Enfim, Senadora, quero fazer um apelo - penso que o público não vai se importar, tampouco a Mesa - sobre violência também. Vou precisar de somente 30 segundos. É sobre a violência governamental com a Chapada Diamantina, que queima a 32 dias. O nosso Governador Rui Costa diz que tem agido muito pela Chapada. Não tem agido pela Chapada.
Desde Paulo Souto, César Borges, dois mandatos de nosso Governador Wagner e agora Ministro, e de Rui Costa, que veio da Casa Civil, a Chapada não conta com equipamento de prevenção e combate a queimadas. Os reforços chegaram apenas seis dias. O Vale do Capão, Senadora - seu filho Bruno é meu colega na Faculdade de Ciências Sociais -, queima até hoje, o Morro Branco, o Vale do Pati, a chama está quase chegando ao Vale do Pati. É uma violência absurda! É uma omissão absurda, um descaso!
Por que peço isso aqui? Não tem uma relação direta com a temática, mas é porque é difícil termos acesso a fóruns com a presença de gestores, Senadores, autoridades públicas em geral. Fica meu apelo também pela Chapada Diamantina e pelo fim de toda sorte de violência, principalmente contra os jovens negros, que hoje são o tema principal.
Eu me desviei um pouco do assunto. Mas eu queria muito falar da Chapada, que é algo que está preso aqui no peito. Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - O.k.! Muito obrigada pelo seu depoimento.
Vou passar a palavra ao Jorge Sales, Secretário de Educação do Município de Simões Filho que está aqui entre nós.
O SR. JORGE SALES - Boa tarde a todos!
Quero cumprimentar a Mesa em nome da Senadora Lídice da Mata, agradecendo o convite para participar desta audiência pública. Na pessoa dela, cumprimento todos que compõem esta Mesa.
Durante esta audiência, ouvi atentamente todos, e algumas coisas me inquietaram profundamente.
Desde o início aqui, repetimos reiteradamente o assassinato de jovens negros da periferia. De repente alguém justifica, dizendo que o número de jovens pardos mortos foi menor que o número de jovens negros. Nós precisamos mudar esse discurso e dizer que quem morre são os jovens negros e pardos das periferias, porque os pardos estão também dentro desse contexto da falta de oportunidade, de condições de vida e que essencialmente moram nas periferias das nossas cidades.
Outra questão que aqui foi suscitada é que, no meu Município, a violência advinha de grupos de extermínio. Ali foram presos e desmontados esses grupos. Nós continuamos na mesma posição de violência dentro do Estado, porque mudar de primeiro para segundo não significa absolutamente nada.
Então, tenho a impressão, Senadora, muitas vezes, de que procuramos o culpado, mas acho que precisamos, sobretudo, encontrar as causas dessa violência que extermina tantos jovens negros e pardos da nossa periferia.
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Enquanto ficarmos imputando essa responsabilidade ao tráfico de drogas, justificando que há grupos de extermínio, encontrando justificativas, o que sentimos, como negros, é que os negros, quando morrem, vamos encontrar uma justificativa para sua morte, e não vamos encontrar efetivamente a causa que levou à morte desses negros.
Como o Secretário de Educação do Município segundo mais violento do nosso Estado, eu tenho a sensação de impotência porque o Município, por mais que invista em educação, por mais que tente fazer da educação um vetor que tire os nossos jovens da vulnerabilidade, nós precisamos, Senadora, mudar, inverter a lógica do jogo, porque, hoje, de tudo o que o país arrecada para a educação, apenas 18% vêm para o Município. E nós temos como responsabilidade cuidar de 14 anos da educação básica do nosso País, cinco anos da educação infantil, cinco anos de séries iniciais e cinco anos de séries finais da educação básica, com apenas 18%. O restante fica entre o Governo do Estado e o Governo Federal. Se não mudarmos a lógica dessa distribuição, a educação, que, segundo todos, desde os maiores acadêmicos até as pessoas simples da sociedade, é capaz de mudar a realidade dessa sociedade, nós não conseguiremos, porque não se pode fazer educação sem recursos e os Municípios não têm condições financeiras de bancar 14 anos do ensino básico com apenas 18% repassados pelo Governo Federal.
Essas são as reflexões que nós temos a fazer. Gostaria, Senadora, que isso fosse levado em consideração na hora em que fosse feito o relatório, porque a educação como vetor para minimizar a violência neste País precisa ser melhor distribuída e, da forma vigente, nós temos uma situação praticamente irreversível e a educação não fará diferente.
Muito obrigado. É um grande prazer poder estar aqui neste momento.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço ao Sr. Jorge Sales, Secretário do Município de Simões Filho.
Voltar a lembrar e agradecer as presenças dos Vereadores de Lauro de Freitas, destacadamente,Manoel Carlos, o Carlucho, que foi um dos organizadores deste evento; Naide, César, José Augusto, que estiveram aqui.
Passo a palavra ao Senador Humberto Costa.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Boa tarde a todos e a todas.
Antes de comentar uma questão, quero fazer aqui um reconhecimento ao trabalho da Senadora Lídice da Mata à frente desta CPI que investiga a morte de jovens negros no Brasil, mas também o reconhecimento do trabalho que ela desenvolve no Senado Federal, sempre identificada com as melhores causas sociais e políticas da população brasileira. É um privilégio para a Bahia ter uma Parlamentar com as qualidades que tem a Senador Lídice da Mata.
Queria fazer apenas um comentário.
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Sou Relator, num primeiro momento, de um projeto de lei que cria e regulamenta a audiência de custódia. É de um Senador do PSB do Estado de Sergipe, Antônio Carlos Valadares, e é uma das propostas cujo objetivo é reduzirmos o encarceramento no Brasil e eliminarmos as prisões desnecessárias, exatamente para que nós possamos desafogar o próprio sistema prisional brasileiro, que hoje se encontra numa situação de absoluto colapso, e também de tratarmos de forma diferente os crimes, de acordo com a sua gravidade.
Então, por esse projeto, que na verdade já é uma ação que vem sendo implementada pelo Poder Judiciário, juntamente com vários governos estaduais, já são mais de 17 Estados onde há audiência de custódia, aquelas prisões efetuadas em flagrante tenha um prazo para que haja a apresentação do preso ao juiz responsável por aquela jurisdição, que vai definir se aquela prisão realmente tem fundamento ou não, se pode liberar aquele preso, dada a não gravidade do eventual crime praticado, bem como determinar o uso de tornozeleiras eletrônicas para o monitoramento daquele preso. Isso é algo que está dando certo, muito certo, em vários Estados brasileiros, particularmente em São Paulo, onde começou, e tem reduzido muito a prisão desnecessária de pessoas que não teriam necessidade desse apartamento da sociedade.
Nesse projeto, eu, na condição de Relator, também coloquei um fim à prática do auto de resistência. Lá nós colocamos que qualquer que seja a razão, a justificativa, a alegação, nenhum crime, especialmente os praticados por policiais, poderá deixar de ter apuração. Então pode haver a alegação de que houve resistência e houve um tiroteio, mas isso não eliminará a necessidade de uma apuração, de um inquérito policial, para identificar se aquilo de fato aconteceu ou não.
Só para vocês terem uma ideia, no dia de hoje, eu já tentei aqui olhar novamente qual foi o site onde saiu essa informação, por conta da grande quantidade de mortes de pessoas vitimadas por policiais no Estado de São Paulo, inclusive várias vezes com câmeras de segurança identificando, os fatos que foram relatados aqui, um indivíduo sendo executado, outro executado e depois uma arma colocada nas suas mãos. Então o Governo de São Paulo estabeleceu que nenhuma morte em que se alegue auto de resistência deixará de ser investigada. E exigiu a presença do delegado da Polícia Civil, a exigência da presença da Polícia Civil e do Ministério Público.
Pois bem, hoje, essa matéria mostra uma redução drástica no número de mortes em que há envolvimento de policiais, porque como foi dito aqui, é óbvio que há situações em que tem que ser dado o enfrentamento, a legítima defesa, de si próprio e da sociedade; mas nós sabemos que, do mesmo jeito que há policiais que cumprem fielmente a sua tarefa, a sua responsabilidade, há outros que se aproveitam dessa condição para produzir opressão sobre as pessoas ou até mesmo para praticar livremente crimes que a sociedade rejeita.
Então acho que é interessante nós depositarmos os nossos olhos sobre essa experiência de São Paulo, até para que nós possamos reduzir as resistências que possa haver, no que diz respeito ao fim do chamado auto de resistência.
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Então eu queria só dar esse testemunho, pedir esse apoio, porque esse projeto vai ser votado no Senado em breve, houve já um pedido de urgência, e vai para a Câmara. E sem dúvida é preciso o apoio de todos aqueles segmentos da área de direitos humanos, os segmentos da própria área de segurança pública, porque esses fatos - e muitos foram aqui relatados - terminam minando a legitimidade dos órgãos de segurança pública diante da própria população. Tudo que não deveria acontecer numa sociedade era as pessoas terem receio do policial que em tese está ali para garantir a sua própria segurança.
Então, era isso que eu queria colocar.
Obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada ao Senador Humberto Costa, que tem sido um grande parceiro desta audiência pública. Nós realizamos a audiência em Recife e mais uma cidade do interior de Pernambuco, onde ele está conduzindo pessoalmente o trabalho de organização da CPI lá.
E eu queria fazer um registro: nós estamos ainda com um grande número de pessoas inscritas. É claro que, a partir de determinado momento, as falas diminuíram; mas quero voltar a registrar que o tempo é importante, porque nós precisamos terminar a CPI, o Senador vai viajar, e nós precisamos tomar providências para o desenvolvimento do nosso trabalho, levar isso para Brasília etc.
Estamos à disposição de ouvir as pessoas todas que estavam inscritas, mas nós não vamos abrir novas inscrições. Nós já reduzimos a quase um terço as pessoas que estavam participando desde o início e gostaríamos de poder terminar esta reunião ainda com a maioria das pessoas que até agora estão aqui presentes. Vamos avançando para o horário de almoço. Há gente que veio de Salvador para a audiência. Portanto, vamos dar seguimento.
Eu queria chamar o Dr. Gilmar Bittencourt, Defensor Público de Lauro de Freitas que representa a Defensoria. (Palmas.)
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Estamos todas inscritas, Terezinha. Nós estamos seguindo uma metodologia desde o início, certo?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - O.k. Pode falar.
O SR. GILMAR BITTENCOURT - Saúdo a Mesa, a Senadora Lídice da Mata, o Senador Humberto Costa, o Deputado Estadual Marcelino, o Coronel Baqueiro, o Coronel Ramalho, de muitas discussões e muitos trabalhos em conjunto. As demais pessoas presentes, saúdo todas as mulheres e todos os homens aqui presentes, todas as pessoas que compareceram neste momento importante.
Vou falar muito brevemente, até porque, secundando um pouco a Drª Maria Helena, que aqui estava, eu também tenho pouco tempo aqui em Lauro de Freitas. Vou falar muito rapidamente de um tema sobre o qual na verdade tenho muito o que dizer. Em primeiro lugar, quero discutir que a gente vai ter que passar por cima do fato de que nós herdamos uma discussão sobre segurança pública da ditadura militar, que legou, por exemplo, não termos sequer respostas sobre as pessoas que desapareceram durante a ditadura militar. E até então os governos que secundaram essa ditadura não conseguiram dar respostas minimamente razoáveis, Senadora Lídice, do que aconteceu.
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Em segundo lugar, realmente a gente reconhece realmente, como Defensoria Pública, as possibilidades de avanço, aquilo que aconteceu, mas não posso deixar de exteriorizar a minha profunda frustração, e é algo muito pessoal, não é institucional, porque sou oriundo do Bairro de Pernambués, em Salvador, onde fiz Faculdade de Direito, passava por problemas, que continuam e só agravam, aprofundam, naquele bairro.
O terceiro ponto, e é o ponto no qual pretendo me estender um pouquinho mais, naquilo que não é proposta da Defensoria, mas que a Defensoria Pública tem vários fóruns apresentados. Nós saímos, recentemente, da proposta de uma lei básica da Polícia Militar. A Defensoria, através da Defensora Geral, apresentou propostas à Assembleia, Deputado Marcelino, inclusive de alteração da estrutura da Polícia, propondo, inclusive, Ouvidoria externa, como nós temos, na Defensoria Pública do Estado da Bahia. Acho que se poderia criar possibilidades, não resolveria todos os problemas, mas, sem dúvida nenhuma, teríamos possibilidades interessantes. Propusemos também a ideia da carreira única, junto com outras. Infelizmente, nenhuma dessas propostas sequer chegou a ser discutida.
O quarto ponto, e é o ponto que entendo um pouco mais, infelizmente, a gente discute muitos nesses espaços, mas alguns fatos parecem continuar sendo reincidentes em relação a isso. Falo com muita tranquilidade, com muita propriedade, como alguém que fez defesa de policial militar dentro da Corregedoria da Polícia, Coronel Baqueiro, por anos. Não foram dois meses, cinco meses, sete meses, como aqui em Lauro de Freitas, onde estou há oito meses, foram anos, de alguém que é filho de policial militar. Portanto, estou falando de dentro. Cansei de tomar café no antigo 6º Batalhão, conheço com propriedade o que está acontecendo hoje.
Infelizmente, nós temos uma estrutura que foi montada e esse discurso de que nós temos bons policiais, nós estamos individualizando. Na verdade, é a estrutura que está montada, que está consolidada. A prática reflete o que acontece hoje em Lauro de Freitas, com muita clareza. Existe um projeto de Governo criado para fazer a via metropolitana, cantada em verso e prosa, que vai resolver o problema da Cidade de Lauro de Freitas, que vai resolver o problema da região metropolitana. Desculpe-me, Governo do Estado, pois estão contando uma grande mentira para todos nós em Lauro de Freitas! O projeto é péssimo, estruturalmente é malfeito, vai dar péssimos resultados! Nós já denunciamos isso em vários espaços, tentamos negociar com a Bahia Norte/Norberto Odebrecht, que tem hoje, seu presidente preso na Polícia Federal. Não estou fazendo nenhuma difamação contra ninguém, todo mundo sabe disso, a estrutura é essa. Essa empresa roda todos os lugares para dizer que estamos impedindo a construção.
O projeto, estruturalmente, é ruim, o projeto é caro, está orçado em R$ 200 milhões, e não vai ficar em menos de R$ 400 milhões no final - isso está evidente! O Governo do Estado mantém esse projeto, inclusive contra a vontade de todos os bairros de Lauro de Freitas, ninguém quer mais essa via metropolitana naquela região, e o Governo do Estado a mantém.
Por último, entra a polícia. Eu falei de tudo isso, parece que saí do foco, mas não, eu estou dentro do foco. Falou-se muito em Polícia Militar, mas a comunidade vai à delegacia e diz das invasões que está sofrendo, as agressões. A delegacia não abre uma ocorrência. Uma liderança da comunidade, na quinta-feira, foi convidada a prestar esclarecimentos, porque a Bahia Norte foi lá e prestou queixa. Então, estruturalmente, como essa polícia está organizada? Coronel, a Defensoria Pública é um parceiro institucional da Polícia Militar, o senhor sabe muito bem disso. Eu mandei um ofício, e digo isso com vergonha, para a Polícia Militar sobre a Conferência da Juventude, de que participei, a que assisti. Inclusive, estava lá com o Coronel Ramalho, nós estávamos lá. Eu mandei um ofício com sugestões que não foram minhas, foram tiradas na Conferência. Está lá no envelope que não foi encontrado o Comandante daqui. Está no envelope.
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Os Correios e Telégrafos do Brasil não encontraram o comandante daqui. Eu vou mandar de novo esta semana, deve ter sido um erro. Então, é difícil ficar falando, individualizando as coisas.
Eu vou concluir dizendo que confesso que, em relação a esse tema, espero, até porque, realmente, ter uma CPI com V. Exª, ter uma CPI com o Senador Humberto... Aliás, nós temos aqui uma Defensora que é do seu Estado, que é, inclusive, sua eleitora, que admira muito V. Exª. Uma CPI com o Senador Lindbergh Farias é algo que nos dá alguma esperança, mas confesso que estou extremamente decepcionado com o que está acontecendo hoje, com a forma como está sendo trabalhado, com as discussões, com o nível de conservadorismo, inclusive aqui no Estado da Bahia. Estou extremamente preocupado também quando termina, na esfera federal, com o mínimo de esperança que nós tínhamos em relação ao Judiciário, que é a Secretaria de Reforma do Judiciário.
E esse nome que nos trazia esperança e que se está apagando.
É só isso. Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Falará agora Ana Lúcia Santos, Presidente da Associação Quilombo Quingoma.
A SRª ANA LÚCIA SILVA SANTOS - Boa tarde a todos e a todas. Saúdo a Mesa em nome da Senadora Lídice da Mata.
Eu venho aqui com o coração muito triste, muito preocupada, porque essa questão da violência contra a juventude é terrível! A gente vê hoje diagnósticos, mas nada de resultados. A gente está cansado de ser notícia, manchete em jornal, de dar ibope às emissoras sensacionalistas, que ganham dinheiro às custas da miséria e da morte de jovens negros. Eu sou uma mulher negra, eu não sou parda, e defendo o povo negro, que é o que mais sofre neste País.
Eu venho denunciar a violência que está acontecendo no Quilombo Quingoma, um dos primeiros quilombos do Brasil, se vocês não sabem, porque foi para cá que foram trazidos os primeiros escravos que chegaram nessas terras. Foi para o Quingoma, o primeiro quilombo de resistência. Em 1893, eles foram massacrados por fazendeiros que não se conformaram com a abolição - ninguém sabe disso, porque as histórias contam outras versões. São nossos ancestrais, nossos mais velhos, que sabem disso. Até hoje o nosso povo vem sofrendo.
Eu venho falar em nome de Rejane, uma jovem quilombola que não pôde estar aqui hoje porque está trabalhando, defendendo o pão de cada dia de sua filha, que foi intimada pela Concessionária Bahia Norte, dizendo-se ameaçada por nós. Quem são os violentos? São eles, que estão invadindo o nosso território, são eles, que estão ameaçando os nossos jovens. São eles, que querem fazer uma rodovia dentro do nosso quilombo, do nosso território, dos nossos ancestrais. Eu venho defender aqui a nossa ancestralidade. Respeitem o nosso povo! Já chega de tanto massacre! Continuam massacrando até hoje! Pelo amor de Deus! Já chega disso! A gente só serve para ser morto? Obrigados a trabalhar como escravos, pois até hoje os jovens quilombolas estão sendo escravos nos sítios, nas fazendas. Só nos são relegados os trabalhos mais terríveis! O que é isso, minha gente? Fala-se muito, eu já escutei absurdos de representantes nossos que estão lá nas Câmaras!
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Já escutei absurdos de governantes, já escutei absurdos de quem está lá para defender, para nos proteger. No entanto, eu me sinto extremamente insegura. Minha residência foi invadida no dia 13 de setembro de 2013 por 10 homens armados, com o intuito de me amedrontar, de me tirar da minha terra, de me tirar da minha identidade, de me tirar do meu quilombo. Até hoje ninguém sabe quem foi. Foi crime de mando. Quem mandou? Quem mandou pessoas lá, bandidos para me tirar do meu lugar? Quem mandou? Alguém grande mandou. Quem foi? Porque ninguém ia lá de graça, entrar numa casa tão humilde, tão simples como a minha. Moro só eu, meu esposo e meu filho especial. E nós fomos ameaçados de ter a cabeça cortada com machado para não fazer zoada. E às 6h da manhã, chegou a viatura lá. E quando eu cheguei para relatar, desesperada, o que tinha acontecido, eu vejo um sorriso irônico nos lábios de um policial, que estava lá para me defender, para ouvir a minha queixa e para ser solidário comigo. E, no entanto, ele deu risada. Entraram lá! "Ah, não tenho o que fazer." Quer dizer, então, como é que estão as nossas famílias?
Eu fiquei muito feliz de ver a fala daquela senhora, porque a gente não precisa ser doutor para falar bonito, não. E ela falou bem. Ela deu um show aqui. E eu me senti representada, porque essa mulher é uma mulher de fibra, inteligente, corajosa, sendo empregada doméstica. Nós temos notório saber. Nós somos mulheres sérias. Nós defendemos nossas famílias. Nós damos educação aos nossos filhos. Quem deseduca é o Estado.
Quem deseduca é o Estado. Não é a gente, não. A culpa de tudo é da família? Não é da família, não. A culpa de tudo é de quem não dá educação de qualidade, é que não dá saúde de qualidade, é que não dá segurança, porque hoje a gente sai de casa e não sabe se volta, porque é abordado por policiais incapacitados, que ameaçam. Eu já fui ameaçada por um policial porque estava defendendo o meu território. Fui ameaçada porque eu queria registrar aquele ato. Ele tomou o celular da minha mão e apagou. Então, isso é terrível, gente.
E eu venho aqui dizer também do aliciamento das meninas do quilombo, da violência sexual que acontece. Porque nossas meninas são vistas como coisas que eles querem usar. Hoje em dia, as famílias lá do quilombo têm que tirar suas meninas de lá, têm que mandar para o interior, para a casa da vó, porque, quando começam a ficar mocinhas, os sitiantes, os que vão lá só passear com os seus cavalos mangas-largas ficam tomando conta, querendo pegar nossas meninas. Eles só vão lá final de semana, passear com seus cavalos e usar os nossos jovens. E ainda ameaçar de morte porque nós somos famílias que vivemos lá acuadas, acuadas pela Concessionária Bahia Norte. Eu falo mesmo. Podem me intimidar, podem me intimar, como intimaram Rejane. Eu vou e digo na cara porque eu não tenho medo.
Me pediram para fazer um depoimento restrito, mas eu venho cá e vou falar, porque já chega disso. Eu estou cansada. Estou cansada desse sofrimento. Estou cansada de ver Rejane chorar.
Outro dia eles, eles iam atropelar Rejane, Raquel e a filhinha de um ano. Quando a gente foi para o Ministério Público, o Ministério Público disse para a gente que não era competência deles, não. Que eles não defendem nem fazem nada para quilombola. O que é isso? Então, para que diabo está lá esse Ministério Público se não defendem a gente? E a gente fica vulnerável aí o tempo todo.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada pela colaboração, pela contribuição à nossa CPI, com a fala emocionante da D. Ana Lúcia.
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Usará da palavra Tom Zé, do Coletivo Consciência Ancestral.
Por cinco minutos, rapidinho. Vamos lá, companheiro. Tem muita gente para falar ainda.
O SR. TOM ZÉ DA BAHIA - Boa tarde. Eu não preciso de cinco minutos. Serei tão rápido. Queria somente saudar a nossa Senadora, o nosso Presidente do PSB, Manoel Carlos dos Santos. Somente para registrar que eu mandei, através da nossa Deputada Moema Gramacho, um projeto para a juventude chamado Coletivo Consciência Ancestral. Fico feliz que essa moça traz um assunto sobre Quingoma, em Lauro de Freitas, e Rejane, essa jovem que trabalha nesse sentido lá.
Então, a questão da ancestralidade. Sou um dos fundadores do Movimento Negro. Falo aqui, na presença Arigilson e esse assessor de Lídice estava aqui agora, cujo nome esqueci.
Então, nós sempre defendemos a questão do Movimento Negro. Então, eu queria trocar essa expressão para Movimento Ancestral. Este é o nosso maior problema, a questão da ancestralidade. Nós temos que saber qual é a nossa ancestralidade. Veja só aqui quanta gente falando, querendo se expor, de repente ninguém traz a essência da necessidade do que queremos ouvir, como ouvimos essa moça, como ouvimos Ricardo Andrade e ouvimos aquela senhora falando sobre o seu clamor.
Então, nós temos, gente, que ver, conhecer, tirar essa expressão "negro". O Movimento Ancestral, porque, quando lá nos campos de futebol, certo, questionarem sobre se você é macaco, tudo bem, você está criticando a África. Mas, quando disserem que você é macaco, estão criticando a ancestralidade afro-brasileira, essa civilização que é nossa, que é do Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, Tom Zé, que é um grande lutador aqui de Lauro de Freitas, uma liderança política importante do nosso Município.
Passo a palavra à Deputada Fabíola Mansur, que, juntamente com Marcelino, já está com a ameaça da perda de...
A SRª FABÍOLA MANSUR - Quero rapidamente saudar a nossa Senadora Lídice da Mata por trazer, no mês da Consciência Negra, uma importante CPI, que foi requerida e é presidida por ela. Eu quero aproveitar e saudar o nosso Senador Humberto Costa, estendendo a todos os Parlamentares que tiveram aqui. E quero saudar sobretudo o Legislativo de Lauro de Freitas, na pessoa do Vereador Carlucho, saudando também os movimentos sociais, o Movimento Negro, que aqui esteve, a Polícia Militar do Estado da Bahia.
Eu quero dizer que o primeiro sucesso desta CPI é visibilizar e a gente entender que há segregação racial, que há extermínio da juventude e que há uma necessidade de a gente apurar a política de segurança pública e como se combate a violência no nosso Estado, no nosso País.
Quando a gente tem um aumento dos homicídios entre jovens, e aí eu estou falando muito claramente, Senador Relator desta CPI, Senador Lindbergh, que já nos colocou que ocorreram 56 mil homicídios ao ano, entre os quais 46% de jovens. E desses 46%, 77% de juventude negra. Contra fato não há argumento. Nós estamos exterminando a nossa juventude. Nós precisamos modificar a política de segurança pública. Nós precisamos fazer mais inclusão para esses jovens através da educação, através da cultura, que é libertária. Mas nós precisamos - e aí eu acho que é foco desta CPI também - discutir os modelos que estamos utilizando e que são gerando esses homicídios.
A violência assola a sociedade brasileira. E é um desafio para todos nós. Também nos envergonha nós sermos, além do maior país em número de homicídios, Senadores, sermos também o maior em número de homicídios de policiais. Não está funcionando. E é claro, é complexo. Há várias soluções, que aqui já foram colocadas, desde a fiscalização das nossas fronteiras até o fim do auto de resistência, como foi mencionado pelo Senador Humberto Costa.
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Quero dizer que no auto de resistência a vítima é que é julgada, não há uma investigação das cenas do crime, que não são periciadas, que não são investigadas. Isso realmente é uma violência aos direitos humanos, à cidadania, é uma violência à vida, ao futuro dos jovens, que está incerto.
Temos projetos que estão tramitando naquela Casa, nas duas Casas. E quero cumprimentar o Senado que também, Senadora Lídice da Mata, orgulha as mulheres deste País, orgulha os políticos sérios deste País, pelas suas causas, pelas causas justas, sobretudo pela causa em defesa da justiça social, pelo combate ao racismo, em defesa da igualdade, que orgulha as mulheres, pois também nos envergonha no mapa da violência - e aí quero saudar a Ana Lúcia, que colocou isso muito bem, do Quingoma - onde nós somos vítimas. E a Bahia está entre os Estados que mais vitima as suas mulheres.
Precisamos, com esta CPI e o trabalho que se finda em março, tentar pautar no Senado Federal e a Câmara para votar dois projetos importantes, Senador Humberto Costa, Senadora Lídice da Mata: a desmilitarização da polícia. Precisamos capacitar os nossos policiais, como já foi descrito aqui. Precisamos entender que não é uma tática de guerra, que temos inimigos, que vamos matar. A política de combate às drogas passa também por essa compreensão. E temos também o projeto tramitando pelo fim do auto de resistência.
Esses dois projetos poderiam, se o Presidente daquela Casa, Deputado Eduardo Cunha, que hoje é investigado por corrupção e de lá não sai, e que nós mulheres estaremos fazendo, na quarta-feira, na Assembleia, um ato para retirada de Eduardo Cunha, que vitima por várias coisas, não só pelos projetos que ele pauta, projetos-bomba, como também pelo que ele deixa de pautar. Há projetos que tramitam naquela Casa, naquela Câmara Federal, que poderiam, sim, colaborar para os índices de violência se reduzirem. Mas, em vez disso, ele pauta projetos conservadores que são um retrocesso na vida dos cidadãos brasileiros. E ele não tem na sua ficha nenhuma credibilidade e nenhuma legitimidade para pautar a sociedade brasileira. Ele precisa sair de lá, claro, se houver provas, e me parece que já foi aceito. Isso não é objeto desta CPI, mas é importante que se diga.
Esta CPI, Senadora, trouxe mais visibilidade. Essa situação de homicídios que assola a nossa juventude negra, negando-lhe o seu futuro. E assola a nossa juventude, e eu digo juventude negra porque 77% estatisticamente é maioria absoluta - isso é inquestionável. Ao visibilizar, Senadora, ao trazer para o debate, trazer para uma cidade como Lauro de Freitas, que, infelizmente, junto com Simões Filho, junto com Mata de São João, Porto Seguro e Itabuna, está entre as mais violentas do nosso País, trazer soluções debatidas com os movimentos sociais, soluções debatidas e ouvidas com o movimento negro, com o movimento de mulheres, com a defensoria, com as várias instituições.
Mas nós também sabemos, Senadora e Senadores, que, com o seu jeito peculiar de fazer política com seriedade, com honestidade, saberá também concretizar os resultados, diminuindo a violência, diminuindo esses índices e podendo sugerir mais inclusão através da educação, da qual a senhora é uma defensora, através da cultura, da qual a senhora também é uma defensora. E a gente vai poder estar aqui depois de março com esses projetos votados, com mais orçamento para a juventude e, quem sabe, com projetos de 5% do fundo partidário para elegermos afrodescendentes para todas as casas legislativas.
Enfim, tenho certeza e confio, ao parabenizar esta iniciativa, ao parabenizar esta CPI, saberemos que esta primeira de várias CPIs, de várias reuniões que já tivemos, mas a primeira reunião na Bahia saberá levar para o Senado, saberá pautar e dar celeridade as soluções que foram aqui encaminhadas.
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Eu queria, junto com o Deputado Marcelino Galo, que integra a Comissão de Direitos Humanos, dizer que, na Assembleia Legislativa, existe mais uma voz para combater essa violência contra a nossa juventude e mais uma voz para tentar incluir, através de políticas para a nossa juventude, todos os jovens baianos.
Obrigada pela oportunidade de estar aqui com vocês. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, Deputada.
Passo a palavra à Terezinha Barros. Depois da Terezinha, teremos mais dois inscritos e encerramos a nossa audiência. O nosso Senador, inclusive, já está se retirando porque vai viajar.
Terezinha, sei que abusamos da paciência de todos aqui e da sua também, porque o número de pessoas para falar é muito grande. Mas ainda assim vou lhe pedir a garantia dos cinco minutos.
Obrigada.
A SRª TEREZINHA BARROS - Com certeza e com respeito.
Quero cumprimentar a Srª Senadora e elogiá-la pelo belíssimo trabalho que está fazendo e que já fez na Comissão Parlamentar de Inquérito com relação à morte e violência contra as mulheres. Quero afirmar, Senadora, que o diagnóstico está pronto, esse diagnóstico que está sendo evidenciado em cada reunião de comissão, em cada espaço de discussão.
Ontem mesmo, a 1h da manhã, eu estava ouvindo no Senado a discussão que veio ainda este mês sob a Presidência do Vice-Presidente desta Comissão, Senador Paulo Paim, porque a Senadora está em outra atividade. Então, é uma Comissão que está intensa.
Mas quando eu digo que o diagnóstico está pronto é porque, no dia 18, dez mil mulheres estiveram em Brasília declarando o que está acontecendo. Veja que mensagem de declaração. E as providências dessa marcha continuam, porque nós queremos providências, e providências que foram colocadas em uma reunião entre o Senado e essas mulheres. Nós tivemos em reunião com a Presidenta Dilma. Ela nos recebeu juntamente com as mulheres da Irmandade Boa Norte. Foi realmente muito emocionante quando a Presidenta Dilma disse: "Nós estamos fazendo, mas queremos também a colaboração da sociedade civil."
Nós empretecemos a universidade, mudamos de cor, mas é preciso qualidade, e qualidade em todos os aspectos. E focar isso de maneira sistêmica. Não adianta focar a defesa pública, ou seja, tanto a civil quanto a militar. Por quê? Embora exista minha resistência à forma que ela atua, ela não é a única responsável. É preciso que nesta Comissão, Senadora, saiam indicações de uma resposta sistêmica, onde haja um tripé que avance e com tempo determinado, tal qual esta Comissão, que tem 180 dias para dar conta. E que o Governo vote, mas não tem focado no racismo institucional. Se cada instituição em educação, cultura, saúde e segurança pública não atuarem e também o sistema produtivo, a burguesia está cada vez mais rica e não contribui para isso. Então, se não envolver todos esses elementos nas indicações, não vamos ter respostas e respostas imediatas.
A minha esperança nessa marcha, onde havia 40% de mulheres velhas estiveram presentes brigando pelos seus filhos mortos. Parem de matar os nossos filhos! Tinha um percentual de 50% mais ou menos de juventude, alguns homens também nos apoiaram.
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Então, a minha esperança é que essa indicação seja uma indicação do resultado do relatório, que faça uma abordagem sistêmica de atuação, com prazo determinado, com metas e com foco no racismo institucional que comanda toda essa bandalheira que está aí.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Terezinha, que foi nossa Secretária de Políticas Públicas para as Mulheres, a primeira Secretária deste Município. Eu me lembro muito bem, acompanhei bem o trabalho dela, quando era Deputada estadual aqui na Bahia e Deputada Federal também.
O Abisolon ainda está aí?
Rapidamente, companheiro, dois minutinhos, porque temos mais uma pessoa do Ministério Público que vai fazer um... Sempre quando vai chegando ao fim, a gente vai diminuindo o tempo, precisamos que realmente seja... É claro que eu tinha que puxar um pouco a sardinha, tratava-se de uma mulher, eu não ia deixar falar menos do que você.
O SR. ABISOLON - Quero abraçar todos, dizer que sou sargento da Polícia, estou na reserva. Minha especialidade é trabalhar fardado e desarmado. Moro há 19 anos no Bairro do Beiru. A senhora já saiu daqui. Então, quando ela falou do meu bairro, da minha família, dos meus netos, ela não sabe que está aqui presente também o coronel, todo o pessoal... Só peço o seguinte, que saia uma proposta em que a Polícia Militar da Bahia e do Brasil sejam proibidas de entrar armadas nas escolas. Na época de 1964, o Exército invadiu as universidades. Agora, na Bahia e no Brasil, a Polícia Militar tem uma ronda escolar armada.
Rapidinho aqui. Eu fiz um relatório para o Governador, mostrando a violência sobre a criança e o adolescente. Solicitei que o bairro onde moro, Beiru Tancredo Neves, o Colégio Zumbi dos Palmares voltasse a abrir, como antigamente, para a os policiais militares trabalhassem, sábado e domingo, com a juventude. Sabem o que aconteceu? Um relatório da Secretaria do Governador proibiu que entrassem.
Quero passar aqui, para a Senadora levar para Brasília: será que toda criança negra, parda ou branca da periferia merece o Proerd, só porque é americano? Isso é uma vergonha! A minha Polícia Militar tem 190 anos. A partir de mim, temos condições e capacidade de criar um programa baiano de segurança humana e social. Isso daqui é uma denúncia. O Senador do Rio de Janeiro pediu propostas diferentes. Com todo o respeito ao PSB, é possível um Estado ficar parasita do Governo de Pernambuco, copiando o Pacto pela Vida? É possível que a polícia da Bahia tenha que ir a São Paulo copiar as bases de polícia comunitária, pegar policiais de 200, 300 mil habitantes, colocar no bairro com 20 mil pessoas e depois fazer propaganda que o Estado da Bahia tem um ponto de referência, que é o Bairro da Paz.
Agora, está gravado no Senado, que eu assisti, o Secretário de Segurança Pública falou que o Bairro da Paz é mais ou menos assim: pegou policiais de 600 mil habitantes, colocou para 70 mil habitantes. Dia de sábado, na Assembleia Legislativa, mostrou o Bairro da Paz. Que lógica é essa?
Está aqui, vou ler, um manifesto da Ouvidoria: o cidadão Abisolon questiona a criação das bases comunitárias e, ainda mais, que o Estado da Bahia é o segundo Estado mais violento com as crianças negras. Sabem por que estou aqui com esses dois minutos? Porque estou representando os negros, a referência da maioria da Polícia Militar. Quando cheguei aqui, há 20 anos, eu disse para a comunidade: gente, vocês que são da periferia, lideranças comunitárias, escutem o soldado que mora perto de vocês, escutem o sargento. Aqui, sou o único representante da Polícia Militar, em 2009, já estou na reserva há cinco anos, na Conferência Nacional de Segurança Pública.
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A Deputada Fabíola falou nos movimentos sociais. Os movimentos sociais não têm esse material, aí fica tudo de goela abaixo, tudo que vem de lá para cá.
Senadora, o nosso pedido é em nome dos praças da Polícia Militar do Estado da Bahia: deixem de nos fazer de bucha de canhão, nós da Bahia e de todo o Brasil.
Um convite. O Colégio Edvaldo Fernandes vai abrir todos os sábados de dezembro, janeiro e fevereiro, vamos dar um curso de formação de polícia humanitária. Até quando vamos ser parasitas dos Estados Unidos com polícia comunitária?
Minha continência. Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Abisolon, que tem sido sempre presente em todas as nossas reuniões e movimentos que dizem respeito à luta pelos direitos humanos na Bahia, velho companheiro de batalha.
Muito obrigada.
Quero passar a palavra para justificar, até pela forma como tratamos a questão, a um representante do Ministério Público, que chegou há pouco para justificar a ausência.
O SR. FABRÍCIO PATURY - Boa tarde a todos. A gente tem que justificar qualquer inocorrência, qualquer equívoco do Ministério Público, porque a nossa obrigação é sempre estar ao lado e ombreado com a sociedade, em todos os casos, mormente num caso extremamente sensível como esse. Quem viria era o Procurador-Geral, que teve que ir às pressas para Brasília, comunicou ao Procurador de Assuntos Jurídicos para vir, que foi chamado, por obrigação legal, a compor o Conselho da Magistratura e pensou que viria alguém do terceiro substituto. Então, nós ficamos acreditando que o Dr. Geder estava, e o Dr. Geder acreditando que teria vindo uma terceira pessoa. Foi um ruído de comunicação. Na mesma hora em que tivemos o conhecimento viemos apresentar.
Quero deixar que, para todos nós, é fundamental esse assunto, é fundamental a temática. O Ministério Público estará sempre ombreado à sociedade, em todos os cantos que dela precisar, porque nós representamos exatamente essa demanda social. Peço desculpas reiteradas pela ausência, pelo ruído, mas quero deixar claro que o Ministério Público se fará sempre presente, não só pelo clamor da CPI, mas pelo clamor social, no que for necessário e pertinente.
Depois, doutora, se fosse possível, até em nível de contribuição com a temática, eu trabalhei 12 anos na área criminal, hoje estou na área dos crimes cibernéticos - eu estava, inclusive, na CPI passada -, é inacreditável que, em todos os crimes, o nosso País, seja da área cibernética, seja da área do tráfico, seja em qualquer área, o negro e o jovem é majoritariamente a vítima. Isso não pode ser nunca uma mera coincidência. Fiquei sete anos trabalhando à frente da vara de tóxicos. O que a gente denota é a convocação do jovem negro como soldado do tráfico, não porque ele acha que deve, mas pela falta de oportunidade, de condições, da devida educação, falta do Estado prover aquelas pessoas que estão ali, em lugares mais carentes que o Estado não abraça adequadamente. A Teoria Broken Windows, a Teoria das Janelas Partidas diz o seguinte, uma tese muito simples: se você tem um lugar em que as janelas dos carros não estão partidas, ninguém depredará esse carro; mas, se essas janelas estão partidas, ninguém tem respeito a esse veículo e a depredação acontecerá. Como esperar dos jovens negros pobres demanda outra que não os mesmos desejos e anseios de todos que têm condições e alguma questão financeira. O jovem quer o tênis, o jovem quer namorar, o jovem quer ter condições de fazer o que qualquer outro jovem faz. Onde vai buscar esse dinheiro? Ele vai ser um soldado do tráfico não porque é predestinado a isso, mas porque o Estado brasileiro tem um débito incomensurável com essa sociedade, majoritariamente pobres e negros. Aí, esse jovem negro, pobre, de 19 anos, querendo namorar, vendo todos os colegas tendo tudo, vai também se aliar à criminalidade para obter financeiramente essas condições. Claro, não é o único fator. O fator é multifacetário. São milhões de causas que levam à criminalidade, mas, para o jovem negro, é porque o jovem é jovem, ele quer as mesmas coisas do que qualquer jovem de sua idade.
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Ele precisa, na sociedade consumista, na sociedade que impõe certas condições, correr atrás dele, e ele se joga, e acaba sendo impelido, então.
O Estado é o responsável; o Estado coloca na mão do jovem o revólver; o Estado coloca na mão do jovem o crime; e o Estado tem que assumir também isto: a responsabilidade de dar a devida condição para que esses jovens possam também se desenvolver como jovens, sem que caiam nos braços dessa marginalidade, principalmente no tráfico, no qual 70% não têm a mínima condição de descortinar o autor. Isso, porque são soldados que são - vou falar da minha experiência no interior... Geralmente são avocados jovens de outras cidades, para que não sejam reconhecidos na cidade na qual vai matar, porque, por ordem superior, na disputa de boca pelo débito do tráfico ou pelo dinheiro, ele é obrigado a ter que cometer um ilícito e um crime em outro lugar, onde o pagamento é com a vida.
Não é possível cobrar débito de tráfico ou débito de drogas no juizado especial. E como é que se faz para cobrar esse débito? Cobrando com a vida, com o custo vida.
E aí os assassinato proliferam, as mortes ficam sem condições, porque a sociedade é temerosa, e não testemunha. E quem é que, ao fim e ao cabo, está aí? O negro, o pobre que está lá na sua condição de hipossuficiente. Então, é mais ou menos para enriquecer o debate.
E gostaria de dizer que nós estamos atentos também aos autos de resistência, sim. Queríamos muito que houvesse uma troca dessa nomenclatura, porque auto de resistência juridicamente não existe. É um termo sofisticado para explicar o inexplicável em algumas situações, porque simplesmente, se há uma necessidade de o policial matar, porque está efetivamente sob um excludente de ilicitude, uma legítima defesa, um estado de necessidade ou até mesmo um excludente de culpabilidade, temos um homicídio justificado, e isso ajudaria bastante a colocar o que efetivamente é. Um homicídio será justificado se for justificado.
E criamos os autos de resistência como um guarda-chuva a algo que é homicídio. E parece que é menos, mas não é menos. Foi um homicídio.
E por que esse homicídio aconteceu? Aconteceu, porque o policial foi atacado. Se foi, está justificado. Mas quem, então, fez aquele jovem atacar o policial?
Então, se a gente mudasse a nomenclatura e dissesse: "Foi um homicídio justificado para o policial, que também quer voltar para a sua casa, que também é negro e também tem direito de ter a sua vida." Mas o Estado é corresponsável, porque colocou aquele menor no confronto com policial também.
Então, facilitaria bastante colocar os devidos pingos no is. Então, é apenas a contribuição.
Também nos crimes cibernéticos, não é diferente. As injúrias raciais são diárias, os crimes de preconceito e ódio são diários. E essa é nossa luta diária, porque sempre e sempre abraçaremos ciclicamente a questão da educação, da pobreza, da história e do preconceito.
Então, é a contribuição Ministério Público. Estamos atentos, sim. E, de novo, peço desculpas pela nossa mora, estaremos sempre, Deputada, aqui à frente, Senadora, à frente e ao lado do que for necessário pelo Senado, pelo Congresso e por toda a sociedade.
Obrigado pelo tempo de fala. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Foi importante para esclarecer a ausência que nós teríamos do Ministério Público.
E eu quero aproveitar para, com a presença do Ministério Público e de um representante da Polícia Militar, acrescentar questões que, em outras audiências públicas, nós já detectamos, e são importantes que essas instituições possam levar em conta. Nas apresentações feitas pelas Secretarias de Segurança Pública, incluindo a do Estado da Bahia, na CPI, nós constatamos que nas pesquisas feitas, dentro dessas Secretarias, a respeito das mortes, dos homicídios, é respondido raça ou cor, preta, parda ou branca. E, quando se dá o resultado final, a Secretaria sempre divulga que pardo é maior do que o negro.
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Nós consideramos que isso é um erro grave, porque não existe cor parda. Na verdade, na referência de cor parda existente no Brasil, inclusive no IBGE, havia uma subnotificação, uma intenção de não registrar a presença dos negros na sociedade. Isso é um debate que já ocorreu, que já está superado. Se tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil continuarem usando esse tipo de referência, isso levará a um confronto com pesquisadores que hoje já fazem isso com um nível de metodologia muito mais avançado, que deixa muito clara a presença majoritária dos negros como vítimas dos homicídios no Brasil.
Já fiz essa recomendação em outra reunião. Quero refazer isso aqui, porque acho fundamental que até o Ministério Público também possa acompanhar, nas suas próprias investigações e pesquisas, que há um movimento, no País, para fazer com que as pessoas assumam a sua cor. E o Poder Público tem que estar comprometido com isso. Não dá para revelar de outra maneira essa questão.
A nossa CPI, claro, tem o mérito, e muitos dizem isso, de dar voz, de tornar visível parcela da população que permanece invisível em nosso País - os pobres, os negros. Esse é um mérito que ela tem, mas ela não se limita a isso. Nessa discussão da CPI do Assassinato de Jovens, é importante que nós não tenhamos uma caracterização de que a CPI está contra a Polícia Militar, está contra a Polícia Civil, porque houve denúncia de confrontos ou mesmo de mortes cometidas por policiais.
A discussão em si da violência, do grande número de assassinatos no Brasil, 56 mil em 2013, demonstra que nós precisamos debater a política de segurança pública no Brasil. E isso envolve nós enfrentarmos - e estamos enfrentando neste debate - as relações que isso tem com a política de enfrentamento às drogas, como ela se dá em nosso País, se ela vem acontecendo e sendo eficiente naquilo que pretendia, que era diminuir o consumo de drogas no Brasil.
Podemos constatar que isso está acontecendo? Nem no Brasil, nem no mundo essa resposta foi positiva. Foi negativa. Envolver a reformulação da política de segurança pública e das polícias, não porque é a CPI ou porque o Congresso Nacional tirou das nossas cabeças essa discussão, mas porque, dentro da Polícia Militar, dentro da Polícia Civil, hoje há um grande questionamento sobre o formato e o nível de organização dessas polícias.
O debate sobre a reestruturação e a desmilitarização da Polícia Militar nasceu, dentro da Polícia Militar, por aqueles que refletem sobre sua própria prática, sobre sua própria existência. São intelectuais da Polícia Militar, são pessoas, são coronéis, são tenentes que estudam a sua própria organização que colocaram para o Brasil, através de Deputados, essa proposição. Ela não nasceu da cabeça de nenhum Deputado que quisesse estar contra a Polícia Militar, mas sim da própria reflexão da Polícia Militar.
Também a ideia de modificação da Polícia Civil nasce dentro da Polícia Civil. Não há modelo, pelo que nós temos debatido na polícia, que nos garanta uma eficiência maior. Há polícias eficientes que são militarizadas na América Latina, como há polícias que são eficientes e são desmilitarizadas, como acontece nos Estados Unidos e em outros lugares do mundo.
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No entanto, não é difícil constatar que, nos locais onde há um rigor maior em relação ao armamento, como é o caso da Polícia no Reino Unido, há um número menor de mortes. Portanto, em relação ao uso da arma, ao uso do armamento, ao enfrentamento dessa discussão dentro das polícias e fora delas, na sociedade brasileira, a nossa CPI e outras que tratam da questão da violência contra a mulher demonstram a necessidade de nós tratarmos com mais rigor e com maior profundidade essas questões.
É preciso cobrar das polícias e do Estado brasileiro, já que se fala no enfrentamento do tráfico de armas, não apenas discutir-se o tráfico de drogas.
Aliás, quem estiver atrás de comprar uma pistola e for ao centro da cidade de Salvador consegue - eu posso garantir que consegue - num preço razoável. Eu nunca tentei, porque não sou de armamento, mas conheço a movimentação. A polícia sabe, mas tem que ser capaz de coibir.
É mais importante ainda nós refletirmos sobre o fato de que o Brasil é um grande fabricante de armas. Muitas das mortes se dizem serem feitas com armamento pesado - é verdade, pois, dentro das comunidades, nós estamos vendo jovens, adolescentes armados com armamento pesado -, mas há também grande parte de armas pequenas, todas fabricadas no Brasil. E o Brasil não só fabrica como exporta armas para outras partes do mundo. É preciso debater essa questão no momento em que o Congresso Nacional tenta flexibilizar o porte de armas no Brasil, no momento em que recebemos dezenas de categorias do funcionalismo público federal e estadual que consideram pauta de reivindicação sindical o armamento.
Essas questões dizem respeito à nossa CPI. Nós estamos buscando com que esse relatório reflita isso, mas eu quero deixa claro que, mesmo que o essencial do nosso trabalho seja sugerir proposições que estão colocadas no âmbito do debate da violência no Brasil, a questão essencial que a CPI deve deixar registrada para a sociedade brasileira é a existência do racismo no Brasil, e um racismo institucional que permite que se defina que há territórios suspeitos e não suspeitos. Eu vi o relato do Coronel da Polícia Militar, com todo o respeito. As comunidades não são invadidas apenas por haver traficantes na comunidade, uma vez que há traficante também dentro de edifícios em grande parte de cidades no nosso País, como no Rio de Janeiro, em Salvador, em São Paulo. Quem é que disse que não há traficantes em bairros de classe alta? Aliás, se se investiga como se compra imóvel no Brasil, pode-se analisar se aquela pessoa que está comprando imóvel tem realmente renda, se não está apenas fazendo uma lavagem de dinheiro em nome do tráfico de droga, para ali estar registrado o alto traficante. Isso já foi referenciado aqui. O território que é atacado da forma violenta como é ocupado é ocupado, porque é onde moram os negros pobres deste País. E o suspeito é sempre um jovem negro. Ele é um suspeito, porque é jovem, negro e pobre. E é contra isso que esta CPI se coloca. Nós precisamos não só revelar isso à sociedade, mas às polícias. A Polícia Militar precisa discutir essa questão do racismo dentro da Polícia Militar. A Polícia Civil, o Ministério Público, o Poder Judiciário, essas estruturas do Estado brasileiro precisam identificar as manifestações de racismo institucional existentes dentro dela, ou então nós não vamos conseguir avançar numa relação diferenciada na sociedade que possa modificar esse quadro.
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Eu queria deixar essa observação final, que são os pontos que nós estamos trabalhando. O Senador Lindbergh aqui colocou, e há um grande debate no movimento negro, se são ações de extermínio da juventude negra, ou se se trata de um genocídio tecnicamente caracterizado. Esse debate nós também vamos travar na CPI, assim como temos audiências já programadas para debater o papel da Imprensa brasileira na discussão do racismo na sociedade brasileira e também o tema da violência sobre os jovens.
Eu compreendo que há muitos companheiros que gostariam de falar ainda, mas nós temos um tempo. Por favor, companheiro, você deseja falar? É porque nós estamos encerrando. Eu vou lhe dar a palavra por dois minutos, caso contrário não tenho como encerrar a sessão, e eu preciso encerrá-la, pois se trata de uma sessão formal do Senado Federal que acontece aqui hoje, já sem a presença dos Senadores.
O SR. ADAÍLTON AGRA - Obrigado pelo direito que a senhora está me dando. Estamos falando aqui muito do assassinato de jovens.
Meu nome é Adailton Agra, sou gerente da Secretaria de Desenvolvimento Social de São Francisco do Conde. Nós estamos trabalhando com a valorização do agente de proteção da criança e do adolescente. Estamos trabalhando a prevenção. Nós precisamos trabalhar a prevenção.
As prefeituras do nosso Estado precisam criar o Plano Municipal de Convivência Familiar e Comunitária. Não há fiscalização e nós precisamos - o Ministério público está aqui - demandar essa situação. Nós estamos muito preocupados com o programa Municipal Socioeducativo, que pune, mas precisamos ter o plano Municipal de Convivência Familiar, de prevenção. Nós temos escolas sem professores no Estado. Nós precisamos dar o direito à educação à criança e ao adolescente, que nós não temos. Então, nós precisamos investir em educação. Nós precisamos alertar o Poder Judiciário de que existe uma lei de organização judiciária, inclusive lá no art. 260, da vigilância de crianças em logradouros públicos. Nós estamos fazendo aqui, no Juizado da Infância e Juventude, onde atendemos 2 mil pessoas no ano de 2014. Isso tem que ser levado em conta, para servir de parâmetro para o Plano Municipal de Convivência Familiar e Comunitária.
Nós estamos aqui falando de assassinato de negros. Nós não temos espaços de lazer, mas temos um lazer que é sexo, luxúria e bebida alcoólica. Nós temos uma lei federal que proíbe a venda de bebida alcoólica. A venda é criminalizada, mas nós não temos fiscalizações nos bares por ninguém. Então, como é que criamos leis para conter a criminalidade?
A juventude negra vem cerceada do direito de se expressar, ela vem ser cerceada do direito de liberdade. Estou falando de crianças e adolescentes. O art. 16 do Estatuto já demanda o direito de expressão. Os grêmios estudantis não existem. Precisamos urgentemente trazer o Estatuto à baila, para que toda a sociedade conheça o Estatuto da Criança e do Adolescente. A sociedade não conhece, as escolas não conhecem, o Poder Público não conhece. A família de crianças e adolescentes desaparecidos vão à delegacia registrar, e mandam esperar 24 horas.
Gostaria de pedir aqui ao Ministério Público aqui que largue uma circular na Segurança de Segurança Pública, para dizer aos delegados do interior, aos agentes públicos, aos agentes de polícia do interior que registrem o desaparecimento de crianças e adolescente imediatamente, atendendo a Lei 11.529, de 2007.
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Nós temos um trabalho, Senadora. Nós somos do tempo da panela vazia da época. Estive com a senhora nessa militância e digo à senhora: nós não temos uma política séria de prevenção no Estado. O estatuto é rasgado e jogado no lixo. O Estatuto da Criança é jogado na lata do lixo, como se fosse qualquer coisa.
Eu quero encerrar minhas palavras dizendo à senhora que nós temos aqui, em Lauro de Freitas, projetos do Juizado da Infância e da Juventude, mas não temos estrutura, como estrutura não tem o CMDCA do Estado. Nós precisamos valorizar o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente não botando lá presidentes que trabalham a favor da política do prefeito, e sim da sociedade, da comunidade.
Na Bahia, nós precisamos dizer isso ao Ministério Público, há conselhos tutelares que não têm nem sede, não têm respeito. Precisamos estruturar o Juizado da Infância e da Juventude.
E ao Ministério Público, eu quero fazer aqui uma reivindicação: que os juízes de todas as comarcas criem um quadro de agentes de proteção, não aquele policialesco, mas o protetivo que está previsto na Lei de Organização Judiciária, para cumprir o primeiro artigo, investigar a conduta dos pais. Precisamos chamar os pais à responsabilidade - art. 260 da Lei nº 10.845, de 2007.
Gostaria de me expressar mais, porém o político tem mais vez, porque está no mandato. Mas eu sou povo e o povo... Eu quero agradecer a condição que a senhora me deu, que a Constituição me deu de me expressar e de valorizar o trabalho do Juizado da Infância e da Juventude de Lauro de Freitas.
Deus abençoe!
E precisamos de espaço de lazer. Na escola parque, acabou o campo de futebol e nós não temos lazer. O negro não tem lazer, porque levantaram os espigões e ele ficou imprensado na favela. Só chega lá arma letal. A política pública do Estado não chega.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada pela sua contribuição e colaboração.
É fundamental. Alguns companheiros já mencionaram antes a necessidade de políticas preventivas. Isso é fundamental.
Gostaria de reafirmar que, no caso das mortes de jovens, agradecendo a sua parceira, não basta política preventiva. A política preventiva atua para que novas mortes não ocorram. Nós precisamos que sejam investigadas as que já aconteceram. Não podemos conciliá-las com a impunidade.
A ideia de que vamos prevenir, vamos justificar com política de tempo integral na escola, com tudo isso, é fundamental para criar uma nova realidade no Brasil, mas, independente disso, nós temos que punir aqueles que mataram e assassinaram jovens, adolescentes. Sem a política de punição, a impunidade indicará o caminho da continuidade do crime sobre jovens negros em nosso País.
Muito obrigada.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e o apoio da equipe do Cine Teatro, convidando-os para a próxima audiência pública da Comissão, a ser realizada nessa sexta-feira, dia 27 de novembro, às 10h, na Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, em Cuiabá.
Declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 10 horas e 26 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas.)