Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Havendo número regimental, declaro aberta a 26ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil. Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública temática desta Comissão, com a participação de integrantes dos movimentos sociais e pesquisadores, para debater a violência institucional e o racismo contra a juventude negra. Na audiência de hoje, teremos a participação de oito convidados, os quais já começo a convidar para que venham à mesa principal, a fim de usar a palavra. Começo convidando a Pastora Waldicéia Silva, ativista do Movimento Negro e coordenadora do Coletivo de Mulheres das Organizações Religiosas do DF. (Palmas.) Convidamos o Sr. Jorge Bezerra de Arruda, Gerente de Planejamento e Gestão Participativa da prefeitura da cidade do Recife, membro do Programa de Combate ao Racismo da PCR e coordenador regional do Nordeste no Instituto Afro-Origem. (Palmas.) Seja bem-vindo. Convidamos Marcos Fábio Rezende Correia, historiador e fundador do Coletivo de Entidades Negras na Bahia. Nossas palmas também. (Palmas.) Convidamos o Sr. Carlos Alberto Ivanir dos Santos, Babalawo Ivanir dos Santos, representante do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas. (Palmas.) Seja bem-vindo, Comandante Ivanir, velho de guerra. Convidamos David Raimundo dos Santos, o nosso querido Frei Davi, frade franciscano. Nossas palmas para ele - da Ordem dos Frades Menores, na Província da Imaculada Conceição do Brasil, em São Paulo, e fundador do Projeto Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes). (Palmas.) Convidamos a Srª Maria Aparecida da Silva Bento, Cida Bento, representante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. São duas Mesas... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Na próxima Mesa... Hélio Santos está na próxima Mesa. Está certo? E a Srª Zélia também, na próxima Mesa... E Maria Aparecida da Silva Bento. Cida Bento também na próxima Mesa. Então, a nossa Mesa está completa. Vamos iniciar o nosso debate, dizendo que a Senadora Lídice da Mata, por questão de voo, não se encontra aqui, e o Senador Lindbergh já se encontra a caminho do Senado. Eu tive a honra de ser convidado para vir aqui substituí-los. Eu vi a relação e disse: "Mas são todos parceiros meus... Estou indo para lá correndo". (Risos.) É com alegria que eu presido esta reunião. Eu estava presidindo a sessão do Senado e pedi ao Senador Capiberibe que ficasse lá, para que eu pudesse ter a alegria de presidir esta reunião, pela qualidade de todos os convidados. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O.k. Não se preocupe, porque eu já faço isso aqui. Eu presido nesta sala, todo dia, a Comissão de Direitos Humanos. É tanta audiência pública, que o pessoal chega a dizer: "Paim, de segunda a sexta há audiência pública?" Então, vai ser nos mesmos moldes que eu adoto na Comissão. São dez minutos para cada um. Quando chegar ao nono minuto, a campainha toca. O.k.? Então, de imediato: Pastora Waldicéia Silva, ativista do Movimento Negro e coordenadora do Coletivo de Mulheres das Organizações Religiosas do DF. Com a palavra. Aperte o botão, e acenderá uma luzinha verde. Já acendeu. Ela sabe mais do que eu. Já está prontinho aqui. Vá lá. A SRª PASTORA WALDICÉIA SILVA - Auerê, axé, As-Salamu Alaikum, shalom, a paz do Senhor, a paz de Cristo, e boa noite a todas e a todos. |
| R | Eu gostaria de agradecer o honroso convite para estarmos aqui nesta audiência pública, parabenizar pela temática que estaremos debatendo nesta noite. Gostaria de começar falando que nós, do Movimento Social Negro no Brasil, passamos por três fases que foram fundamentais para que nós chegássemos onde chegamos hoje como negras e negros neste País. A primeira fase foi a fase em que a nossa preocupação era denunciarmos as manifestações de discriminação, de preconceito e de racismo dos quais éramos vítimas, diariamente, em todos os setores da sociedade civil, inclusive na sociedade eclesiástica. Depois passamos por uma fase de luta pela criação de legislações que dessem fundamentação teórica para o que nós reivindicávamos como mulheres negras e homens negros neste País. E foi nessa fase que conseguimos, por exemplo, em 2003, a criação da Lei nº 10.639, que alterou, na verdade, a Lei nº 9.394/95, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, obrigando a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira em todos os componentes curriculares da educação básica das escolas públicas e privadas do País. Conseguimos a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2003; conseguimos o Decreto nº 4.887, que normatizou a titulação das terras das quilombolas e dos quilombolas deste País, e dali para cá nós viemos tendo uma série de legislações, como o Estatuto da Igualdade Racial, que nos dá embasamento teórico para a luta que empreendemos diariamente na sociedade. Hoje eu digo que nós estamos em um período, como movimento social negro, em que precisamos estar lutando pela operacionalização dessas leis. Por quê? Quanto à Lei nº 10.639, que alterou a LDB, a Ministra Nilma Lino, em 2010, apresentou o resultado da pesquisa dela nas 27 unidades da Federação, e ela comprovou que em nenhuma das 27 a história e cultura africana e dos afro-brasileiros estavam no currículo das escolas públicas. A pesquisa está aí, o MEC nos fornece com a maior facilidade. O Decreto nº 4.887, que prevê a titulação das terras dos quilombolas, de 2003 para cá, se formos entrar no sítio do Incra e fazermos a conta da quantidade de quilombos - que, segundo o pesquisador Girolamo Domenico, são 3.224 -, a quantidade de quilombos que foram titulados é pífia, isso depois de 12 anos do decreto. E por aí vai, há outras legislações que nós conquistamos, mas cuja operacionalização não aconteceu. Então nós, hoje, do Movimento Social Negro, estamos na luta pela operacionalização dessas legislações. |
| R | Por quê? Porque elas têm tudo a ver com a violência institucional. Enquanto nós não conseguirmos colocar no currículo de todos os componentes curriculares, de todas as escolas públicas e privadas deste País a história e cultura da África e dos afro-brasileiros, teremos diariamente que assistir à violência institucional acontecendo em cada parte deste País. E vou concluir esta minha fala focando a violência institucional que está acontecendo hoje no Sistema Socioeducativo. Eu vou falar do Distrito Federal, que eu conheço. Fui assessora especial do gabinete do Governo Agnelo, trabalhando na Secretaria de Estado da Criança, e fiquei assustada em ver a violência institucional que vem acontecendo com os nossos adolescentes e jovens que permanecem até 21 anos dentro do Sistema Socioeducativo do Distrito Federal. O Sinase, que é o Sistema Nacional Socioeducativo, que deveria estar em prática principalmente nas unidades de internação, diz que o adolescente e o jovem só perdem o direito de ir e vir quando vão para uma unidade de internação, mas eles precisam ter todos os direitos sociais garantidos: saúde, educação, lazer, cultura, a visita dos familiares sem estar passando pelos vexames que essas mães e esses pais passam para visitarem seus filhos. No entanto, nós assistimos... As cenas a que a gente assiste dentro das unidades de internação são muito semelhantes às cenas dos quadros do Debret. Atendentes de reintegração social, homens negros em sua grande maioria, conduzindo adolescentes negros - porque a pesquisa da Codeplan diz que a maioria dos adolescentes que estão no Sistema Socioeducativo do Distrito Federal hoje são negros e negras - de mãos para trás, sem poder olhar nos olhos de ninguém, sem o direito ao que o Sinase preconiza, numa verdadeira violência institucional. E nós vemos poucas pessoas tratando dessa temática. Assim, eu gostaria de trazê-la hoje aqui. A situação dos adolescentes e dos jovens em relação à violência institucional é terrível hoje? É. O Distrito Federal, por exemplo, está em quarto lugar em assassinato de jovens negros no País. É terrível? É. Mas nós precisamos tratar lá na fonte, lá na origem, colocando a história e a cultura da África, das afro-brasileiras e dos afro-brasileiros no currículo. Precisamos garantir a essas adolescentes e a esses adolescentes que acabam no Sistema Socioeducativo os direitos sociais, e eles serem tratados conforme o Sinase preconiza. E precisamos também estar na luta pela operacionalização de todas as leis que nós conquistamos de 2003 para cá, a partir do Governo do Presidente Lula. A gente precisa deixar isso bem escuro. Então, se nós não nos atentarmos para esses detalhes como movimento social negro, a nossa luta terá sido vã, porque o que nós estamos percebendo? Estamos num verdadeiro retrocesso. Com todas essas legislações, nós estamos num verdadeiro retrocesso. (Soa a campainha.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Um minuto. A SRª PASTORA WALDICÉIA SILVA - Obrigada. Num verdadeiro retrocesso em relação às conquistas que nós tivemos. O Distrito Federal hoje juntou, primeiro juntou, acabou com a Seppir - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Distrito Federal, acabou com a Secretaria de Estado da Mulher, juntou tudo num balaio de gato com direitos humanos e, não satisfeito com esse balaio de gato, agora acabou de juntar também a Sedest, que era Desenvolvimento Social e Trabalho. Então, numa única Secretaria, trabalho, igualdade racial, mulheres, direitos humanos e desenvolvimento social. Quer dizer, como vamos operacionalizar as legislações que nós conquistamos nesses anos todos com esses retrocessos? Então, eu termino a minha fala deixando essa reflexão e convidando todas e todos que puderem estar conosco na Conferência Livre de Mulheres Negras que nós estamos realizando, vai começar às 19 horas, no Varjão, que é a região administrativa com a terceira maior quantidade de mulheres negras do Distrito Federal, 68,6% de mulheres negras e nós estaremos realizando lá a Conferência Livre de Mulheres Negras das Organizações Religiosas, vamos estar discutindo o papel da mulher negra, discutindo o trabalho da mulher negra nas regiões administrativas do DF, onde o Estado não chega e quem acolhe a mulher negra são essas mulheres das organizações religiosas, vamos estar discutindo a situação das mulheres negras no Distrito Federal e tirando um manifesto no final que vai ser encaminhado à comissão nacional da Marcha das Mulheres Negras e à comissão organizadora da Conferência Distrital de Políticas para as Mulheres. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Pastora Waldicéia Silva do Coletivo de Mulheres das Organizações Religiosas do DF que ficou dentro do tempo previsto. Passamos de imediato a Marcos Rezende, historiador e fundador do Coletivo de Entidades Negras da Bahia. Em seguida, o Ivanir. O SR. MARCOS FÁBIO REZENDE CORREIA - Boa tarde a todas e a todos, agradeço ao Senador Paulo Paim que está presidindo a Mesa desta CPI que faz esse debate tão importante que é sobre o assassinato de jovens negros e também a questão da violência institucional e o racismo contra a nossa juventude. O Coletivo de Entidades Negras é uma entidade que surge na Bahia e que hoje está em 17 Estados do Brasil. Um dos debates que nós temos como central é essa questão do aqui chamado de extermínio da juventude negra, mas que nós compreendemos numa dimensão de genocídio da juventude negra. Nosso olhar é que o Estado brasileiro, sistematicamente, mata jovens negros e mata com todo um aparato estudado, estruturado para tal. Coloco isso baseado em alguns elementos que vão, desde o final da escravidão e toda política que foi montada pelo Estado brasileiro para que se inclusive justificasse a morte desses jovens. Eu queria começar inclusive não voltando muito no tempo, mas relembrando algumas das notícias que nós tivemos nos jornais nos últimos tempos. Nós tivemos, no Rio de Janeiro, uma operação chamada Operação Verão em que, antes mesmo de os jovens negros chegaram nas praias, somente pelo risco do que poderia acontecer caso eles chegassem já se prendiam jovens. Então, esse direito constitucional de ir e vir, esse direito de você poder fazer isso já era desrespeitado. Antes dessa Operação Verão, se nós voltarmos um pouco, nós vamos ver a criação das UPPs também com o mesmo tipo de violência, que é o monitoramento de entrada e saída de pessoas nas comunidades, baseado numa política de segurança pública. |
| R | Nós temos, inclusive, que debater para quem é a segurança - porque, para alguns, é uma política de insegurança pública - nessas comunidades denominadas pacificadas. Quando um País se considera uma Nação que caminha com todos os campos de cultura, línguas, saberes, fazeres - enfim, que fizeram com que esse País fosse o que é ou o que dizem que é - e assume ou ousa dizer que existe uma pacificação em determinado setor dentro dele, significa que há um problema dentro desse País, dando uma ideia de que se vive uma guerra civil - porque uma determinada parcela desse País não tem direito sequer a ir e vir. Saindo um pouco do Rio de Janeiro, nós vimos uma matéria extensa sobre a corrupção da polícia em Maceió, em que alguns carros da polícia prenderam pessoas, tomaram dinheiro, achincalharam, agrediram, bateram naqueles que eram denominados marginais. Também vemos na mídia, cotidianamente, em jornais sensacionalistas - jornais que passam diariamente, assistidos por milhões de pessoas -, notícias de jovens negros presos expostos a um julgamento público diário, com todo o tipo de desrespeito à Constituição e aos direitos humanos - e isso sendo tratado como um pormenor, sem o devido cuidado. Nós não vemos isso acontecer com outras personalidades. Quando nós vemos jovens sendo expostos, e os repórteres dizendo: "Fala o que você fez, fala o que você é", como se isso fosse um nada, isso demonstra o grau de violência contra essa juventude negra que nós estamos vivendo . Ultrapassando isso, nós vamos ver opiniões públicas, de âncoras de jornais, com relação à violência que acomete jovens - como foi o caso de uma âncora de um jornal nacional de uma rede de televisão, que se pronunciou quando um jovem negro foi acorrentado a um poste no Rio de Janeiro, relembrando-nos a imagem de Debret, como foi colocado aqui pela pastora. Ela tratou isso com a maior naturalidade e disse: "Já que não há justiça, pode-se fazer isso com as próprias mãos. Isso faz parte da nossa tradição". Realmente isso faz parte da tradição brasileira. Nós é que queremos nos enganar, dizendo que não. Porque a tradição brasileira com os negros, homens e mulheres, é uma tradição justamente de aviltamento, desrespeito e genocídio. Nós pudemos ver isso também através de dados estatísticos, quando nós olhamos, por exemplo, que em 2010, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, morreram, aqui no Brasil, através de homicídio, 49.932 mil pessoas. Esse número é muito maior do que o de muitas guerras que nós vemos no noticiário. Dessas 49.932 mil pessoas que morreram; 74,6% eram jovens negros; aproximadamente 30 mil tinham idade entre 15 e 19 anos; 91,3% do sexo masculino. Ora, a partir do momento em que esse jovens são assassinados em uma idade em que eles ainda estão estudando ou estão começando a pensar em trabalhar ou em constituir família ou já constituíram família, e não têm como viver mais, porque foram assassinados, nós temos um problema, que é problema do genocídio. Como é que ficam com essas mulheres - as mães, esposas e filhas? Então, existe uma desestruturação familiar, quando o Estado assume ou deixa de assumir a sua verdadeira função, que é de cuidar dos seus cidadãos. Nós vamos chegar a 2014 e ver que a quantidade de jovens negros que morreram, se comparada aos brancos, é três vezes maior. Então, nós temos três vezes mais mortes de jovens negros do que de brancos. |
| R | Pior do que isso, não estou dizendo que é ruim não, mas é pior do que ter um aumento três vezes o número de mortes de jovens negros. Ah, existe uma redução da morte de jovens brancos, ou seja, o Estado está dizendo que ele sabe cuidar de quem ele quer cuidar, tanto negros quanto brancos. O negro ele sabe como ele quer cuidar, matando; e o branco, ele sabe como ele quer cuidar, deixando vivo. E para não - eu estou aqui olhando o reloginho, Senador, porque eu sei que o tempo é curto e o debate é comprido e longo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Tempo. A nossa querida pastora estava me informando que ela vai ter que sair depois da sua fala. O SR. MARCOS FÁBIO REZENDE CORREIA - O.k. E como é que se estrutura no Brasil essa justificativa para o extermínio, o genocídio da juventude negra? Uma das formas de se estruturar isso é através de uma justificativa da guerra às drogas. Existe uma justificativa que é um senso comum de que as drogas são um prejuízo para a sociedade. Entre isso, aparece a Cracolândia com a quantidade do que seriam os zumbis, as pessoas que perderam as suas vidas para as drogas. Aparece um jovem com um rifle ou com um fuzil em determinada comunidade. Isso vai se fixando no imaginário das pessoas. O José Murilo de Carvalho até escreve um livro falando sobre a formação das almas e a criação do imaginário do nosso País e isso faz parte desse imaginário hoje que foi se criando do que representa a favela, do que representa uma comunidade periférica, de que é um lugar violento, de que é um lugar onde as pessoas matam as outras e, no intuito de defender a vida dessas pessoas... (Soa a campainha.) O SR. MARCOS FÁBIO REZENDE CORREIA - ... quando você está combatendo as drogas para que as pessoas não morram, você já está matando as pessoas, alegando que você está cuidando justamente de se evitar que se propague a questão das drogas. Então, nós temos uma questão também, é que pessoas que morrem? Porque um helicóptero carregado de cocaína foi preso com mais de 400 quilos e nós não vimos ninguém morto, ninguém preso e não vimos nada acontecer de forma a dar exemplo ao que deveria ser feito em casos de uma dimensão como essa? Isso demonstra quem se quer prender ou matar e quem se quer deixar livre. Ou nós vamos querer aqui que as drogas cheguem nessas comunidades nas bolsas da mulheres ou dentro do bolso desses jovens? Só se fôssemos ingênuos o suficiente. Ou como chegam ao Brasil? Nós sabemos como isso se dá. Então, o debate que nós queremos estabelecer aqui - para concluir, Senador e demais ouvintes, tanto da Mesa como da plateia, não plateia, mas plenária -, um dos problemas que nós temos aqui é que, primeiro, há um cientista, um neurocientista Carl Hart, que esteve aqui no Brasil recentemente, ele faz um debate dizendo que esse estrago que se coloca nas drogas é uma mentira, de que as drogas acabam com todas as pessoas, o núcleo familiar, todo mundo que usa crack fica viciado na primeira vez é uma mentira. Então, estudos científicos já demonstram que isso é uma farsa, que esse discurso não pode mais ser utilizado como um discurso central para fazer tais atos; segundo, a guerra às drogas tem justificado a morte de milhares de pessoas no nosso País, amparado, inclusive, pelo sistema através dos autos de resistência, que é algo que é altamente questionável e parece, muitas vezes, que é mais importante do que a vida das pessoas. Os autos de resistência precisam deixar de existir imediatamente. É responsabilidade também desta CPI trazer isso à tona e fazer um debate mais aprofundado de que todas as mortes têm que ser primeiro estudadas, chegar a um grau final do que aconteceu, para aí, sim, inocentar a pessoa ou não. Aqui no Brasil é o contrário, basta alegar o auto de resistência e muda-se um pouco o cenário. E, por fim, nesse debate sobre a guerra às drogas, o auto de resistência e o tráfico, o que nós percebemos é que são justamente determinados setores da juventude, setores negros de periferia, jovens do sexo masculino, que estão perdendo a sua vida, estão tendo as suas vidas ceifadas sob a alegação de se construir um País livre das drogas. E aí se estabelece um último debate aqui, que eu acho importante nesse tempo de fala, que é o que são drogas? |
| R | O que são drogas? Anualmente, o Brasil, através do Sistema Único de Saúde, gasta bilhões de reais com pessoas que usam álcool, cotidianamente, e vidas também são ceifadas por pessoas como essas, que acabam sendo absolvidas nos tribunais. Vejam o caso do filho do Eike Batista, Thor Batista. É bom citar - em locais como este, até para sermos processados - os nomes desses jovens brancos alcoólatras ou assassinos que são absolvidos. Muitas vezes, é um bom motivo. Vemos o uso do álcool e também o uso de cigarro, cotidianamente. Milhões ou milhares de brasileiros estão com câncer. Essas são drogas liberadas. Então, o que são verdadeiramente drogas? O que não são drogas? Esse é um assunto que eu gostaria de deixar aqui para discutirmos em outro momento. Agradeço a oportunidade. Encerro a minha fala. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Marcos Rezende, historiador e fundador do Coletivo de Entidades Negras, na Bahia, que deu um belo depoimento. Fique tranquilo, porque se manteve no tempo. Nós somos rígidos, mas nem tanto. Dois ou três minutos a mais, não há problema algum, para todos os nossos convidados. A pastora quer se despedir, porque ela vai ter que sair. A SRª PASTORA WALDICÉIA SILVA - Gente, eu gosto muito de um debate, principalmente com uma Mesa qualificada como esta, mas há mulheres negras nos esperando no Varjão para uma conferência livre, preparatória para a Marcha de Mulheres Negras. Vamos escurecer a Esplanada dos Ministérios no dia 18! (Palmas.) Vamos estar lá discutindo a nossa situação e nos posicionando. Eu não gostaria de deixá-las esperando. Queria que vocês me perdoassem. Estamos à disposição para um novo debate, se assim entenderem. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Pastora Waldicéia. Rapidamente, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial informa que acontece, hoje, às 19h, a abertura da Semana da Consciência Negra e o lançamento da campanha Novembro pela Igualdade Racial, no Museu Nacional, no Setor Cultural Sul, Lote 2, próximo à rodoviária do Plano Piloto. Vou ler uma pergunta, e quem quiser responder vai ter a oportunidade de fazê-lo nas próximas falas. Carlos Murilo Santos Carvalho, de São Paulo, pergunta: "Gostaria que fosse discutida a situação dos índios no desastre de Mariana, Minas Gerais, bem como que fosse levantada a hipótese do racismo ambiental nesse caso. Sugiro também que as reuniões da CPI ocorram também nos Municípios de São Paulo." Babalaô Ivanir dos Santos, do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas. O SR. CARLOS ALBERTO IVANIR DOS SANTOS - Primeiro, boa noite a todos. Quem me conhece sabe que faço uma retrospectiva numa CPI como esta, porque minha vida pessoal sempre esteve ligada... Fui aluno do SAM e da Funabem. É nessas instituições que se conhece a política institucional do racismo. Uma coisa é falar em tese, outra coisa é saber, com a experiência pessoal, o que representa o racismo institucional. Como agora estou fazendo pós-graduação em História, nós temos que observar, primeiro, o que foi a Lei do Ventre Livre. Na Lei do Ventre Livre, criou-se o primeiro internato para cuidar dos ingênuos - as pessoas se esquecem disso. A política de institucionalização no Brasil começou com isso. Há uma escola chamada João Alfredo, no Rio de Janeiro, que existe até hoje, lá na 28 de Setembro - data da lei -, em Vila Isabel. Depois, em 1941, é criado o SAM (Serviço de Assistência ao Menor), justamente com o argumento de ou prevenir delinquência, ou cuidar de delinquentes. Uma coisa sempre está ligada a outra, ou seja, um cidadão preto e pobre era considerado, em potencial, perigoso. Essa foi a política nacional construída. Esse órgão era ligado, inclusive, ao Ministério da Justiça. |
| R | Lembro que, num debate, isso eu já era aluno do SAM - eu já era aluno do SAM, vivi os últimos dias do SAM, fui aluno do SAM - e observando o grande debate naquele período, acontece um crime de que pouca gente se lembra, que é quando assassinam o filho do Odilo da Costa Filho, que era um grande intelectual cristão, católico, cujo filho foi assassinado num assalto em Santa Teresa, esse debate todo apareceu naquele momento. Diminuir a maioridade penal, baixar a maioridade penal, todo o debate. Houve o golpe militar, cuja primeira medida foi criar a Funabem, Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor. E eu, que estava em um colégio em Teresópolis, consegui ser transferido para um colégio no Rio. Então, a institucionalização do racismo deu-se em práticas sociais no País, políticas sociais nacionais. E lembro que, depois disso, saí da Funabem, em 1973, criei a Associação dos ex-Alunos da Funabem, eu e alguns companheiros, e já levantamos a questão da diferença que existia na sociedade brasileira entre o menor e a criança, porque, naquela época, era o Código de Menores. Então, você tinha uma criança, que é isso um pouco que o Marcos hoje disse, que criança é loirinha dos olhos azuis, esse era o discurso da época, tomava leite ninho, usava fraldas Johnson's e brincava com brinquedo Estrela, e você tinha os menores, que eram uma ameaça social, que eram negros, geralmente, descalços, com o nariz escorrendo, que não eram considerados crianças. Nessa experiência da Associação dos ex-Alunos, vimos justamente uma coisa que me chamava a atenção: por que, na Funabem, onde fui criado e, depois, na Associação, 99,9% dos alunos eram negros, eu, coincidentemente, em 1979, passei para a universidade e estudei na Notre Dame, que era uma faculdade de elite, e, lá, 99% eram brancos. Alguma coisa estava errada! Alguma coisa estava errada! Essa é minha experiência. Lá, era uma coisa, aqui, é outra, o que estava acontecendo? Lembro que, naquele período, em 1987, ou melhor, antes disso, em 1984, vivi uma experiência que era um grupo de ex-alunos da Funabem, que eu acompanhava, e não eram infratores, as pessoas esqueciam que, na Funabem, a grande maioria dos alunos não eram infratores, 97% não eram infratores, eram filhos de empregada doméstica, mulheres populares, que não tinham onde botar o filho, acabavam internando, para poder trabalhar, iam cuidar dos outros, tirar da rua, não era isso? Somente 3% eram infratores, mas a imagem que se passava para a sociedade era a de que todos eram ou seriam infratores, por causa das escolas de infratores, como Padre Severino, João Luiz Alves, que eram, de fato, de infratores. E, assim, era no Rio Grande do Sul, em São Paulo, a Fameb, na Bahia, o Seam, mas vários. Então, essas instituições são muito claras, há que se entender isso. Bom, mesmo assim, um grupo de alunos que faziam a chamada descuido, eles desaparecem, e começo, então, a entender, o que era grupo de extermínio, porque eles desaparecem na Baixada Fluminense, e não eram infratores. A partir daí, recebi o mandato da Defesa da Criança Internacional, um órgão internacional, para fazer um relatório. Todo mundo esquece que houve um relatório, o primeiro relatório feito justamente nesse período sobre o extermínio de crianças e adolescentes no Brasil, feito a partir de Volta Redonda, Caxias, Nova Iguaçu e o Rio de Janeiro. Fiz o relatório, que, quando veio à tona, criou um escândalo, porque mostrava que existia uma política sistemática de extermínio e dizia que 77% eram de negros. Este relatório virou uma revista - eu até ia trazer uma, não deu para trazer -, fizemos uma tradução em inglês, e andamos no mundo todo fazendo uma denúncia sobre isso. Foi a primeira vez que houve uma denúncia contra o Brasil com relação ao extermínio. Quem é do Movimento Negro sabe que, em 1991, então, fizemos uma campanha chamada Não Matem Nossas Crianças. Lembram-se disso? O Movimento Negro fez essa campanha para o Ceap, com o apoio do Unicef, e começou a trazer à tona para a sociedade esse fenômeno. Foi denunciado a partir disso, embora todos os documentos do Movimento Negro, em qualquer momento, sempre falassem da questão da violência contra a juventude negra. |
| R | Isso não nasceu agora, isso é anterior. Essa campanha veio por pressão de vários órgãos internacionais. Eu andei o mundo todo falando sobre isso, o mundo todo. Lembro-me de que o Embaixador do Brasil na Suécia passou por um constrangimento em uma atividade em que Bibi Andersson estava. Aí veio o primeiro grupo que foi organizar o Estatuto. As pessoas não sabem disso, até então se tinha um código de menores, que era um código de controle. Aí veio o Estatuto. Fui da primeira comissão que elaborou o Estatuto. Era a Associação dos Ex-Alunos da Funabem, a Pastoral do Menor, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Essa é a história. As pessoas se esquecem. Então, a primeira resposta que houve, naquele momento, com relação à campanha do extermínio foi o Estatuto. Assim que o Collor assumiu teve que ir à ONU apresentar o Estatuto como uma lei. Certo? Depois disso, se você observar...A discussão era: o Estatuto é bom para a Suécia, para a Suíça, para a Europa e não para o Brasil. Porque não se discutiam os direitos que essa parcela da juventude tinha à escola, à moradia, à saúde, a uma vida decente. Era a maioria negra, tanto que hoje o debate é o mesmo, não é diferente. O fenômeno continua: o assassinato dessa juventude e o debate demagogo que é feito de se baixar a maioria penal. Estou falando porque é história, isso não começou ontem. Essa é uma questão ideológica. Existe um texto que fala do uso ideológico da criminalidade, há um texto que fala sobre isso. Isso é usado de forma....Inclusive como foi feito pré-64 - e hoje é a mesma coisa -, para você ganhar os setores médios da população. A imagem que você tem de quem ameaça e tal é a dos pobres, dos negros. Na verdade, ao invés de você discutir se são potenciais criminosos....Você não discute a dívida que o Estado e a sociedade têm com essa parcela da população. Esse é um debate ideológico e não é fácil de ser enfrentado publicamente. Como é muito caro à minha vida pessoal... Porque passei por isso e sei o que é o estigma. Nunca fui infrator, mas o fato de ter passado pela Funabem, para muita gente, é como se você, se não foi, poderá ser um dia. Essa é uma das formas mais eficazes de controle social: é estigma. Isso está em Goffman. Na verdade, em todo esse debate está envolvida uma carga ideológica. Não é só o simbolismo. (Soa a campainha.) O SR. CARLOS ALBERTO IVANIR DOS SANTOS - O simbolismo faz parte, mas faz parte de uma construção que tem a ver com controle social. Então, mais do que você discutir as condições em que vive essa grande parcela da população e os direitos que o Estado e a sociedade não trazem para eles com políticas sociais, é mais fácil você colocá-los numa posição de que ou são ou serão bandidos. Aí é onde entra a questão da suspeição. Então, a minha contribuição nesse debate tem a ver com isso. Estou vendo de novo... Chamo a atenção, ainda, para que em 1988 houve uma CPI, lá na Câmara dos Deputados - o senhor era Deputado -, justamente baseada nesse relatório sobre o qual falei. Foi um relatório que entregamos à Deputada Benedita, na época, que havia sido recém-eleita Deputada Federal pelo Rio de Janeiro. Ela foi ao Ceap, conversou conosco, pegou o relatório e o apresentou como ato do seu primeiro mandato, que foi uma CPI. Quem presidiu foi Rita Camata. Então, estou dizendo que nós geramos o movimento social, essa preocupação que, na verdade, virou uma CPI. Espero que esta CPI traga também algumas coisas novas. Não precisa inventar a roda, basta aplicar o Estatuto sem mudar uma vírgula dele - isso é demagogia -, criando as condições econômicas e sociais para essa população. Esse que é o debate. O resto é um debate que, no fundo, para nós da comunidade negra, não é novo, desde o advento da Lei do Ventre Livre. A Lei do Ventre Livre tinha um artigo que falava o quê? Educação para os ingênuos. Então, para encerrar, em... Logo depois da República, 1890, é descoberta uma carta, recentemente, dos libertos de Vassouras, escrita justamente em 1890, a Rui Barbosa. Eles diziam o seguinte, na carta: "Há de se cumprir o artigo da Lei do Ventre Livre que promova a educação dos ingênuos, se essa lei não for cumprida os nossos filhos virarão uma horda de mão assassina no futuro." |
| R | Então, está ligado à questão da educação que não foi dada para essa população. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse foi o Babalaô Ivanir dos Santos, do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas. Eu sei que ele, Ivanir, e o Marcos têm que se retirar por uma questão de voo para a Bahia. Então, a gente só quer agradecer muito a presença de vocês, o debate continua e uma salva de palmas a ambos, que deram uma grande contribuição. (Intervenção fora do microfone.) (Palmas.) Se não fosse a construção de vocês nós não faríamos nada aqui dentro. Parabéns a ambos. Vamos, agora, passar a palavra para o Jorge Arruda, que é do Programa de Combate ao Racismo da cidade de Recife. Frei David senta aqui do meu lado agora e o Jorge senta aqui. O SR. JORGE BEZERRA DE ARRUDA - Então, boa noite a todos e a todas. Senador, representando toda a comissão, eu agradeço o convite aqui que me foi feito. Nós estamos nesta labuta, Senador, desde os anos da implementação da Lei nº 10.639, quando líamos os seus documentos - é importante dizer isto - e ela começou na cidade de Camaragibe, da qual eu sou filho, lá com toda a equipe de Paulo Santana, essa coisa toda. Então, a lei dez mil começa no Nordeste, com todo o respeito aqui ao Sul, ao Sudeste e ao Brasil todo, mas ela é minutada dentro daquela cidade de 250 mil habitantes. Então, é honroso dizer isso. Eu fiz uma fila, eu combinei com a coordenação que nos convidou para que a gente pudesse enviar o texto, que é um texto longo. Nós tivemos só 10 minutos, é importante dizer isso, para que a gente possa enviar para a Comissão a contribuição do texto que eu preparei e até sexta feira eu mando por e-mail para toda a equipe, já falei isso com o Leandro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Dez minutos com a tolerância devida. O SR. JORGE BEZERRA DE ARRUDA - O.k. Então, pegando pela fala da pastora, ela vem trazer para a gente a questão da denúncia. Todos esses documentos que denunciavam este racismo institucional, esta violência dentro das escolas. Eu tenho 30 anos de função pública na escola, eu sou de escola, da educação infantil ao terceiro grau. Estou também dando aula em história da África e vejo um policial, aluno meu, reforçando, quando eu falei em mulher negra e em jovens negros ele disse: “É para morrer mesmo, professor.” Ele disse assim, na sala de aula agora. Recentemente eu terminei essa disciplina de História da África, pois eu dou aula em duas disciplinas no curso de História da África e eu fiquei assim parado, cinzento, um negro ficar cinzento é demais, mas fiquei ali preocupado com o meu aluno em um curso de pós-graduação dizendo isto e sendo policial, quer dizer, todo negro é ladrão. E nós, implementando o Programa de Combate ao Racismo Institucional na cidade do Recife, em 2014, a gente vamos transversalizando em todas as áreas este olhar desde o policial ao guarda de trânsito. Um exemplo, em 2007 nós formamos 20 mil policiais, que ali, na sala de aula ali, de 20 ou 30, um dizia: “Eu tenho 20 anos de policial e fui racista até hoje.” Então, quer dizer, você, 20 anos, matando e maltratando o negro, só porque tem ali o seu jeito de ser e de agir diferente. Ele dizia: “Quando eu via um capoeirista na rua, um jovem, eu já abordava, eu abordava, a gente chama, dando um baculejo diferente.” Quer dizer, o olhar é racista. A pastora colocou para a gente. Então, a criação da lei dez mil... Eu só posso falar desse lugar porque sou da área de educação, eu não sou da área de saúde nem da advocacia, Mas a Lei nº 10.639, tão bem decantada pelo Senador e ex-Deputado Federal, e eu bebi também na fonte dos escritos do Senador Paim... Mas é preciso que neste relatório se diga que não é aula de candomblé. Porque alguns professores... |
| R | Porque alguns professores - eu ando o Brasil, Senador, e eu queria que registrasse aí, que eu ando o Brasil todo - não é companheiras aqui - e eles dizem assim: "Não, não pode não, porque é aula de umbanda e de candomblé." Não é! E eu vou desmistificando e desmitificando que não é aula de candomblé, nem de umbanda e nem de Jurema. Porque eu venho do Nordeste e salve a Jurema Sagrada! Nem é aula de catolicismo: é a aula de história e cultura africana e afro-brasileira. Então a gente precisa, neste relatório tão rico que será com esta Comissão, adentrar sim - porque temos especialista aqui do meu lado, Senador - que é a questão dos parâmetros curriculares nacionais. Todo mundo viu aqui. Eu venho da área da educação e desde 1996 existe o parâmetro curricular nacional que falava da questão cultural, da sexualidade na sala de aula, e ninguém ali estava se incomodando. Mas quando falou no histórico e cultura africana - inclusive em seu livro que eu leio sempre -, aí mexeu, porque não é questão da religião, é o racismo! Então, nosso jovem de periferia - porque eu sou de terreiro -, nós temos 1.880 terreiros em Recife, área metropolitana. Convido o Senador a um dia nos visitar. Então essa lei precisa ser operacionalizada. Eu pego pela fala da pastora e ratifico: é preciso que a gente implemente urgentemente. Porque essa violência institucional. É um professor... O senhor manda aqui um pacote de livros, pode mandar para uma escola. Se houver um diretor agnóstico ou muito racista, ou ele, diretor de escola, de outra tradição religiosa, ele joga fora os livros. É preciso que se puna, que o MEC também reveja e veja isso, porque eu já ouvi o diretor dizer: "Aqui eu não quero esse livro, guarda lá." E nem abriu, porque havia os orixás dentro do livro da Lei nº 10.639. Falar de defesa social e relações étnico-raciais. Tivemos a oportunidade - inclusive, saudando aqui o companheiro Mário Theodoro - de trabalhar com vários delegados de polícia. E um policial delegado disse, em um curso de 60 horas: "Eu fui racista e homofóbico até hoje neste curso", na universidade ele disse para a gente. Um curso de 60 horas que nós demos sobre defesa social, relações raciais e enfrentamento ao racismo e juventude negra, junto com a Seppir Brasília. Então é preciso que a gente foque na formação. Esse relatório saia dizendo: "Olha, precisa focar na formação inicial e continuada". E o genocídio da juventude negra - que o Marcos aqui tão bem colocou. Que é a questão... Eu venho de um Estado, vocês viram, não é novidade, Cabo de Santo Agostinho tem muito negro morrendo. Saíram as pesquisas e vocês viram. Então o que é que se fez? Imediatamente - eu não estou aqui dando receita, mas assim, nós somos negros em movimento, lemos Mário Theodoro, lemos o senhor, lemos Zélia, lemos todo mundo. Então a gente vai ali e se embasa epistemologicamente e oferecemos ao Cabo um curso de defesa social focada para a juventude negra e genocídio. Porque se você não prepara os 1.500 policiais que o Governador nomeou há 15 dias, não adianta andar na rua esse policial, porque ele vai dar a mesma formação - o inconsciente está ali adentrado, nós somos negros, não prestamos, negro não presta, lugar mais violento onde jovem morre. A questão da violência de 49.932 mortos em 2010, não é diferente, é de 15 a 19 anos. Quer dizer, e este negro, se for de capoeira - eu estou dizendo porque sou de Olinda também, sou de Recife. Ao capoeirista descendo a Ladeira da Sé, o olhar é diferenciado desse gestor, ele vai abordar! E ele diz mesmo em uma reunião: "Eu abordo diferente." Porque está ali, no inconsciente coletivo de toda a nossa sociedade que é negro e não pode ser doutor. Ele é negro e ele é marginal. A marginalidade - quando olha para a gente, quando olha para a beleza negra da nossa negra aqui, a minha beleza negra, não se lembra da nossa beleza negra, da tecnologia, do poder do negro, de tudo que a gente construiu no Brasil: lembra-se da senzala! Quando olha para a gente, está lá no subjetivo: recorta a senzala. Então, é muito difícil mas possível a gente acreditar. História da África, foi colocado aqui pelo nosso companheiro Ivanir. É preciso que a gente possa justamente tirar essa ideologia do fracasso - que eu quero aqui dizer. Olhar para a gente é ver o fracasso. E por que essa abordagem diferenciada? Por que essa negação da nossa história, da nossa cultura? Por que a gente paga um preço imenso? Até para entrar aqui no Senado também: qual é o olhar que colocaram para o Frade? Não é? O olhar cristocêntrico, me dê agô, meu querido Frade, aqui nosso querido irmão, Educafro. E o olhar que olham para a gente? Entendam o que eu quero dizer aqui: no subjetivo. Enquanto ele não é reconhecido, o Senador é negro primeiro, primeiro é a negritude que chega. |
| R | E Paulo Freire vai dizer, nos seus escritos, nos seus achados, que ele comentava com um colega no seu terraço, dizendo da questão de um colega que ia chegando. Então, a pessoa dizia: ele é fulano, é doutorando, é não sei o quê. Quer dizer, ele precisa dar toda a justificação para que a pessoa seja acolhida. Então, nós, negros e negras que construímos este País, precisamos, sim, desse relatório, que é bem poderoso, para que a gente possa erradicar essa questão da violência contra a juventude negra. Nós temos, ali, em Recife, Senador, o Programa de Combate ao Racismo Institucional, que foi instituído à luz dos achados de Mário, de todas as ministras que passaram na Seppir Brasília,... (Soa a campainha.) O SR. JORGE BEZERRA DE ARRUDA - ... de toda a equipe, porque a gente vai bebendo dessa fonte. E o Estado de Pernambuco, agora, também por conta dessa violência exacerbada, construiu durante oito anos, e o Governador vai instituir, no dia 26, também o Programa de Combate ao Racismo Institucional dentro do Estado. Acho que é importante dizermos que há também avanços que precisam estar ali registrados, mas solicitar que cada cidade da Federação possa, sim, ter, se não um organismo de igualdade racial, ao menos um lugar de discussão na instituição porque a violência é tamanha, e nós estamos num lugar privilegiado. Eu, gestor, que estou aqui representando a minha cidade, como negro, mas quantos negros há na nossa gestão? Eu sou um funcionário de carreira há 30 anos, e uma colega de trabalho - já estou dentro do meu tempo - dizia: "Você entrou aqui pela cota? O governador não tem racismo. Você é assessor dele." E passa lá na sala e diz: "E essa turma aí da cota?" É muito terrível dizer isso, mas isso acontece. Essa violência é cotidiana. Nós pagamos um preço porque viemos da África. Mas salve a África! Salve o Quilombo dos Palmares! Salve o Educafro! Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Jorge Arruda, do Programa de Combate ao Racismo da cidade de Recife, que falou aqui que leu nossos livros, mas ele que nos deu uma aula aqui. Essa humildade só os grandes têm. O pessoal confunde humildade com fraqueza. Humildade, para mim... Os grandes líderes, para mim, são humildes, fortes e firmes como você foi. Parabéns! Deu um show aqui. Frei David. O Frei David não é novidade. Ele é nosso parceiro, um dos nossos líderes, fala aqui pela Educafro, e já acertamos aqui a outra audiência da... O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - ... redução da menoridade penal. Já está definida a audiência. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Os autos de resistência... O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Autos de resistência também é outra audiência que está bem encaminhada com o Senador Paim, ou seja, são audiências que vêm de frente para reforçar a luta do povo negro. E, nessa linha, Senador Paim, eu já quero antecipar, partilhando com nossos irmãos duas notícias boas, porque a gente está sempre cheio de notícias ruins. A primeira notícia boa: os 50 universitários da Educafro que tiveram audiência com o presidente da OAB nacional. Ali foi entregue uma carta à OAB nacional, solicitando dez pontos para que a OAB nacional seja mais inclusiva em todos os aspectos. E um deles foi que nós mostramos para a OAB nacional que - por mais que ela seja nossa parceira - nunca indicou um negro para desembargador. E nós criamos uma fórmula, Senador, de como, em cada Estado do Brasil, a OAB possa, para cada três listas quíntuplas, indicar uma lista de negros. Essa e outras propostas foram acolhidas e serão votadas em caráter simbólico na próxima reunião da OAB nacional. (Palmas.) Eu pergunto ao Senador se dá para a assessoria tirar cópia para todos que estão aqui presentes. Acho importante partilhar essas boas notícias porque a gente sofre muito com más notícias sempre para o nosso povo negro. E ter uma notícia boa assim, para nós, é motivo de entusiasmo. Senador, a segunda notícia boa é - confesso que eu mesmo não esperava que fosse ter essa notícia ainda em 2015. Senador, nós estamos trabalhando intensamente... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Frei David. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Pois não. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É o seu prestígio, Frei David; não só o seu prestígio, como também o do Jorge. A próxima Mesa solicitou se não era possível eles virem já, neste momento, à mesa, ficam aqui conosco e continuam na fala. Nunca aconteceu isso. Esse é o prestígio de vocês dois. |
| R | Por mim é que não é. Vocês é que são... Então, eu convido a Cida Bento, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Seja bem-vinda, aqui, Cida. (Palmas.) Hélio Santos, do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá - ele está chegando; e Zélia Amador, da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Chamar mais quem? Não há problema nenhum. Chamamos mesmo. Mais alguém? O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Está a caminho. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O Hélio está a caminho. Está bem. A palavra volta para o Frei David. Vamos marcar novamente o seu tempo. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Isso, obrigado. A segunda notícia, Senador Paim, é muito forte mesmo. Eu até estou me preparando para dar essa notícia legal. Nós temos um projeto caminhando na Câmara sobre a questão do auto de resistência. Infelizmente, os Deputados contrários ao povo negro apensaram projetos macabros ao projeto do auto de resistência, de modo que o nosso projeto do auto de resistência está condenado para sempre a nunca sair da gaveta. Eu dou meus pêsames a todos nós, negros e negras, porque fomos traídos por Deputados de direita que mataram o projeto do auto de resistência. Só que Deus escreve certo por linhas tortas, e aí vem a boa notícia agora: procurando outros caminhos, conseguimos grandes avanços. O Conselho Nacional do Ministério Público, agora, no dia 22 de setembro, aprovou, na 18ª sessão, uma resolução que é obrigatória para todos os Ministérios Públicos do Brasil, cujo conteúdo é cinco vezes mais qualificado e mais forte do que a lei que seria aprovada do auto de resistência. (Palmas.) Já está em ação. Aqui está a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, que é cinco vezes mais vigorosa do que o projeto de auto de resistência que está engavetado na Câmara. Eu te peço que tire 50 cópias para o pessoal que já chegou e para os que estão vindo para eles terem esse material na mão e fazerem dele ferramenta para a nossa transformação. Senador, nessa mesma linha, eu peço ao senhor e aos demais membros da Comissão desta CPI que enviem um requerimento para o Conselho Nacional do Ministério Público perguntando como é que está a aplicação dessa resolução, uma vez que foi aprovada no dia 22 de setembro. Com certeza, foi pedido a nós um certo segredo, por quê? E aqui eu vou abrir o jogo. Porque havia uma pressão violenta de policiais militares, associações nacionais, e de delegados das associações nacionais contra a resolução aprovada no Conselho do Ministério Público. Havia uma pressão grande para não deixar isso na prática, mas, agora, já está consolidado. Eu, então, estou no direito de, em primeira mão, anunciar aqui à Nação que há essa resolução. Solicito que seja encaminhado um requerimento para o Conselho Nacional do Ministério Público para dizer como está a aplicação dessa resolução. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Se você me permitir, nós faremos esse requerimento, mas com dois eixos: primeiro, cumprimentando o Ministério Público. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Verdade. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E, segundo, perguntando como está a aplicação, O.k.? O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Senador, o senhor sempre estratégico. Parabéns! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não, juntos. Estamos caminhando juntos. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Aí eu peço, então, que coloquem o eslaide, por favor, para sermos bem diretos e focados na nossa explanação. Agradeço, portanto, a toda a equipe da CPI, àqueles Senadores que não puderam estar presentes, mas dizer que, para nós, negros... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O Hélio Santos já chegou. Então, nossas palmas. Grande Hélio Santos. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Oba! Cadê o Hélio Santos? (Palmas.) Portanto, já estamos, então, com o Hélio Santos entre nós, grande intelectual da comunidade negra. CPI, Senado Federal. Extermínio de jovens negros. Todos lembram dessa foto que foi marcante e que mostrou como a polícia trata o negro ao longo da história. Quase nada mudou. Em 2012, 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil; mais de 30 mil eram jovens com 15 a 29 anos de idade; 77% dos assassinados eram negros; menos de 8% dos casos foram - olhem só - apurados pelo Ministério Público. O que fizeram os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para punir os culpados e para fazer o Ministério Público agir? |
| R | Extermínio do dentista negro, Flávio Oliveira, em fevereiro de 2004. Aí está a foto da mãe do dentista dando entrevista, ali está ela junto com a Educafro, buscando indenização para essa situação de violência. Era um jovem que, recém-formado dentista, foi confundido pela polícia, "confundido" entre aspas, e a polícia o assassinou como se fosse ladrão. E o mais grave, como é que foi o fato? A polícia recebeu uma queixa de que houve um roubo. Segundo o assaltado, o ladrão correu pela rua tal, em Santana, bairro de Santana, São Paulo, então, o policial foi correndo para a rua tal e, atrás, vinha o comerciante que foi assaltado, um senhor de idade que não podia correr tanto quanto os policiais. Quando os policiais que correram na frente, veem um jovem fechando um carro e saindo, o policial não pensa duas vezes, atira no jovem. Quando vem o comerciante correndo atrás e fala: não, é engano, não é esse, esse não é o assaltante. Os policiais mandam o cara calar a boca, ir embora, mandam calar a boca. Vão ao carro da Polícia, pegam uma arma raspada, botam na mão do Flávio; vão ao carro da Polícia, pegam droga, botam no carro do Flávio, e, ali, registrou-se o auto de resistência. Então, gente, auto de resistência é isto: a polícia usando o direito de matar. No Brasil, muitos acham que não existe, mas existe, sim, pena de morte, só para alguns. Como exemplo do cenário de matança de jovens negros no Brasil, analisemos os crimes de maio de 2006, em São Paulo. Quase 500 vítimas foram assassinadas pela polícia e, lógico, além de outras assassinadas por quadrilhas, naquele crime de maio. Novamente, o que o Estado de São Paulo e a Nação fizeram para punir os culpados? Portando, ontem houve essa realidade. Como é que se deu o crime de maio de 2006? A polícia extorque? Quem? O PCC e familiares do PCC. Atenção, estou dando a letra aos bois. A polícia extorquiu o PCC e os familiares do PCC. O PCC revida: 59 policiais são assassinados pelo PCC. O Estado, através da polícia, contra-ataca e, para compensar, palavra pesada e muito estranha, os 59 policiais mortos, os policiais matam, 500 civis são executados sumariamente. Dos mortos, mais de 400 eram negros. Atenção, dos mortos dos crimes de maio do Governo de São Paulo, mais de 400 eram negros. Senador, nem 6% dos mortos tinham ao menos uma passagem pela polícia, Senador, nem 6%. Detalhe: 124 registrados falsamente como auto de resistência, encobrindo o extermínio. Hoje, o que mudou? Mais de 90% dos inquéritos, até hoje, não prosperaram, estão nas gavetas do Ministério Público. Por que o Ministério Público de São Paulo não ofereceu a denúncia? O Ministério Público é nosso irmão, lutamos tanto contra a PEC 37. Nós, negros, saímos às ruas, aqui, invadimos a Câmara e o Senado, apanhamos, 50 jovens negros da Educafro apanhamos aqui dentro, em defesa da PEC 37, defendendo o Ministério Público, e este não tem feito o seu papel de defender o povo negro como deveria. Das quase 500 mortes, fora a morte dos policiais, quantas foram investigadas até o fim pelo Mistério Público? Dessas quase 500 mortes, das que chegaram aos tribunais do Estado, quantas foram julgadas? Duas ou três apenas. Inaceitável! O Tribunal de Justiça de São Paulo também muito omisso quando a vítima é o negro. O Tribunal de Justiça, meu irmão Nalini, Presidente do Tribunal, por favor, mude esse Tribunal, para ser mais do povo, e não só da elite. Como sabemos, nem mesmo na ditadura militar matou-se tanta gente quanta na matança dos crimes de maio de São Paulo de 2006. Barbaridade, sem punição do Estado de São Paulo. O Ministério Público de São Paulo, o Governador, a Procuradoria Geral da República, o que fizeram? |
| R | Fizeram lá audiências públicas, mas deu em quê? Até hoje nada. Cobramos do governador, e eu peço mais uma vez a esta CPI que cobre do governador de São Paulo, que cobre do Ministério Público de São Paulo requerimento prestando contas de como está a averiguação desses crimes de maio de 2006, onde mais de 500 irmãos nossos foram assassinados, e a maioria negros. (Soa a campainha.) O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Queremos mais decisões como a do julgamento do PM de São Paulo, André Pereira da Silva, que foi condenado pelo assassinato de três jovens negros. Por que não foram todos os assassinos dos demais jovens levados a julgamento, o que estamos aqui denunciando? E o problema continua, para nossa tristeza. Os índices de assassinatos cometidos pelo Estado brasileiro como um todo e em cada unidade da Nação são abusivos por parte dos homens e mulheres que deveriam cuidar de nossa segurança. Como exemplo, podemos citar o assassinato do jovem Kaique. Ele cometeu erros, mas não tão graves como o dos que roubaram o Metrô de São Paulo, desviando grandes somas de dinheiro. Ele, Kaique, cometeu erro não tão grave como os roubos da Petrobras; ele, Kaique, cometeu erro não tão grave como os roubos da CPTM, e assim vai. Por que os ricos que cometem erros maiores têm outro tratamento, mesmo sendo seus roubos mais danosos à sociedade? Vejam uma cena muito forte - vejam uma cena muito forte - de um auto de resistência forjado - de um auto de resistência que foi forjado. Aconteceu em 2015, agora recentemente, o sangue ainda escorre pelo chão de São Paulo, na PM de São Paulo. A Polícia, após matar o jovem Kaique, posta no WhatsApp uma foto do jovem Kaique morto. Aí está a foto do jovem Kaique. Olhem vocês a posição do braço dele, do jovem morto, do Kaique. Como é que ele foi assassinado? Ele, sabendo que a Polícia estava atrás dele, escondeu-se dentro de um armário de uma vizinha, dentro do armário do quarto da vizinha. A polícia enche o armário de tiros e ele é assassinado dentro do armário. Em seguida, a polícia arrasta o corpo dele, coloca no chão, bate uma foto e manda para o WhatsApp dos policiais. E entre os policiais há um policial católico, cristão, sério, ético, honesto, que me mandou a foto mostrando o drama que ele está vivendo na Polícia, está vendo coisas que ele não pode denunciar, senão ele é a próxima bola da vez. E aí, de repente, ele observa que um policial comunica ao policial assassino e fotógrafo: olha, você não preparou a cena do crime; no WhatsApp isso. Então, observem vocês o que vai acontecer agora, no WhatsApp, onde os policiais alertam ao autor do crime de que ele não havia preparado a cena do crime. Vamos ver. Urgentemente preparam a cena. Vejam o que é o autêntico auto de resistência. Transformou-se em pena de morte só para negros e pobres, será? Minutos depois o policial assassino posta a nova foto com as cenas montadas. Observem que o braço do Caíque já está para trás, e não estava, e observem que colocam uma arma raspada ao lado de Caíque, e isso é registrado como auto de resistência. A coisa é grave, muito grave, e nós, cidadãos do Brasil inteiro, do mundo inteiro, que queremos justiça, não podemos nos calar diante desses inúmeros jovens assassinados. Se eles estão fazendo algo errado, com certeza é porque falta oportunidade. Se os ricos roubam a Petrobras, roubam a CPMT, roubam o Metrô, não é por falta de emprego, é por falta de vergonha mesmo. A sociedade civil aplaude os bons policiais. Temos muitos bons policiais, graças a Deus, como esse jovem católico, sério, não por ser católico, mas por ser uma pessoa ética, que nos mandou as fotos e nos possibilitou fazer esta denúncia aqui no Senado, esta que é uma Casa do povo, Casa que defende os pequenos, e queremos isso. Esta audiência pública vai gerar mais força para que os bons policiais façam como fez o Sargento Marcos Akira, que, em janeiro de 2015, lá em São Paulo, denunciou - denunciou!- os 17 policiais membros do grupo de extermínio que atua na Zona Leste de São Paulo. |
| R | A gente até gostaria de pedir ao Senador que fosse dirigida uma mensagem para esse Sargento Marcos Akira e aos demais bons policiais, parabenizando-os pela coragem de fazer a coisa certa. Os Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, todas as cinco forças precisam rever suas práticas. Precisamos que vocês, Poderes, defendam mais o povo negro. Na condição de sociedade civil, queremos ver indenizadas todas as famílias das vítimas dos crimes de maio de 2006 e dos demais jovens assassinados no Brasil com o mesmo empenho com que foram indenizados os parentes das vítimas da ditadura militar. Eu tinha aqui um texto também falando da questão do assassinato de mulheres negras, mas vou deixar para as mulheres negras falarem sobre esse tema. Seguindo. Como apontou a Relatora da CPI da Violência contra a juventude negra, a Deputada Rosangela Gomes, a Comissão já possui dados que indicam uma matança generalizada no Brasil. O que falta para os culpados serem punidos, presos? E que medidas serão tomadas para que essas atrocidades não mais ocorram? Portanto, eu quero parabenizar a Deputada Rosangela pelas conclusões, mas falta ainda que a coisa seja colocada em prática. Precisamos ver todas as forças vivas do Estado brasileiro na defesa dos jovens negros. A Educafro é a favor da desmilitarização da polícia; entendemos que esse é um dos fatores do mal. Desmilitarização da polícia é o único caminho para uma mudança eficaz, diz o diretor da Educafro, que cita os estudos do britânico Stephen Graham. Nossas mais profundas condolências aos pais das vítimas dos terríveis crimes de maio e aos demais parentes das vítimas das matanças de jovens negros no Brasil. Queremos, sim, dar a nossa energia, a nossa voz, as nossas oportunidades de estar em um plenário como este para defender vocês, pequenos, quebrados, humilhados, negros irmãos do Brasil. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Frei David, que falou pela Educafro, meus cumprimentos pelo trabalho feito com policiais. Como pediu V. Exª, eu peço à secretaria que a gente providencie mensagem para os bons policiais. Vamos agora à Cida Bento, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Uma boa noite a todos e a todas, eu queria destacar primeiro a importância desta CPI, parabenizar os Senadores. Eu queria começar conversando um pouco sobre o racismo institucional, primeiro lembrando que as instituições buscam sempre se repetir, padronizar. Então, o que a gente vem observando nos últimos relatórios que trazem essa questão da violência é um momento de violência, de brutalidade, de mortes dos jovens negros e uma diminuição da de jovens brancos. O Frei David trouxe dados mostrando a não apuração dos crimes, então, a gente tem algumas coisas a pensar sobre como as instituições do Judiciário, como é que as instituições têm funcionado com relação ao tema racial. E eu queria provocá-los a pensar um pouco sobre a importância de a gente pensar na condição - espere aí um pouco, eu estou um pouco perdida aqui nas falas, está vindo alguma fala de algum canto aí e aí eu me desorganizo aqui -; eu queria provocá-los a pensar um pouquinho... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS. Fora do microfone.) - Inaudível. A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Ah, está bom, eu espero, Senador, desculpe-me. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS. Fora do microfone.) - É o pessoal que quer que eu faça um comentário sobre a audiência... A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Eu queria provocá-los a pensar um pouquinho sobre essa questão do racismo institucional, porque ele não é só para dentro das instituições, mas para fora também. E aí, como vários que me antecederam falaram da institucionalização da Lei nº 10.639, da LDB altera por ela, eu pensei em uma situação vivida recentemente com o programa Juventude Viva, e eu queria destacar que o racismo institucional pode ser dar também entre nós, não só aqueles racistas lá da direita, aqueles racistas do outro lado, mas entre nós. |
| R | Temos visto. Eu presenciei. Quer dizer, no Programa Juventude Viva, diretamente ligado a essa questão que estamos trabalhando, vimos uma situação em uma cidade aqui em que um grupo de psicólogos brancos de uma organização não negra reconheceu publicamente que não mexe, não entende nada de preto, mas era quem iria, vamos dizer, receber os recursos do Programa Juventude Viva e tratar dos familiares dos jovens negros, das famílias que tiveram jovens chacinados. Então, ali pudemos observar uma coisa que estava naquele tempo dos racistas, mas que está entre nós, nos espaços mais progressistas, onde temos nossos parceiros, em que, de repente, o recurso governamental para um programa importante como o Juventude Viva pode passar de cá para lá em uma coisa de tráfico de influências e não atender àquilo que precisamos que seja atendido. Então, eu queria trazer essa dimensão do racismo institucional, onde as relações entre as pessoas, não importa em qual campo, se dão de tal maneira que, depois, o resultado é: a gente não entende por que a política não está funcionando. Eu quero trazer também a questão da Lei nº 10.639. Os companheiros falaram muito sobre isso. Se a gente fizer hoje um balanço da implementação da Lei nº 10.639, a gente pode observar que os mais vultosos recursos não foram para as organizações do movimento negro, em diferentes partes do País, que criaram essa política. Por que estou trazendo essa questão? Acho importante a gente pensar sobre a questão do racismo institucional e pensar um balanço das políticas que podem influenciar esse quadro, conforme a gente observou nas falas anteriores. Então, eu quero já engatar trazendo a questão da branquitude. Eu sou uma pessoa que estudou, que trabalhou com isso, que foca muito isso quando estou trabalhando o racismo institucional. (Intervenção fora do microfone.) A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Não, eu espero. É porque, quando falam do meu lado, tenho dificuldade. Eu me desconcentro. Então, queria trazer essa questão da branquitude como uma questão importante. Se a equipe que está trabalhando com esse tema são pessoas brancas, que estão, vamos dizer, no protagonismo principal, há a importância de se trazerem especialistas negros não só agora, neste momento, mas, principalmente, na fase de feitura, elaboração, concepção dos relatórios. Eu quero discutir que branquitude não é transparência. Branquitude é um posicionamento político ideológico, assim como negritude, assim como masculinidade. Por mais sensíveis que sejam as pessoas, é de fundamental importância - estou falando para o Leandro, estou falando para a Lídice, estou falando para as pessoas que estão na frente desse processo -, como é fundamental que especialistas negros estejam durante todo o processo, trabalhando até o relatório final. Eu queria destacar algumas coisas: primeiro, a importância de se reconhecer a violência da brutalidade que a gente está vivendo com jovens negros hoje. E há alguns conceitos como esse de transição da justiça, que diz o seguinte: em algumas situações que sociedades viveram de grande violência, alguns pontos, alguns caminhos têm que ser seguidos em situações como essa. E a gente tem que se perguntar, como o Frei David estava perguntando, o que está acontecendo, quando 6%, 8% dos casos não foram para frente, não foram investigados. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - São 92% arquivados. A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Então, esse conceito de justiça em transição para as sociedades que estão vivendo situações de muita violência nos diz o seguinte: que o Estado tem que investigar e punir, tem que revelar a verdade, tem que oferecer reparação, reformar as instituições e afastar os violadores. |
| R | Eu entendo que esses quatro pontos o Estado brasileiro tem que seguir e nós temos que exigir isso. Nós temos um Judiciário! Neste caso específico da juventude negra é tão grave a omissão desses 8%! É muito delicado. É algo que, vamos dizer, a sociedade civil precisa pressionar cada vez mais. Pensar a questão das mulheres negras, as mães, os parentes das vítimas, as comunidades, eu acho que tem que ter uma reparação mesmo. E, trazendo um pouco também, novamente, o que o Frei David trouxe, a gente tem trabalhado, pelo Conselho Federal de Psicologia, em um grande programa chamado Clínica do Testemunho, um programa psicossocial que trabalha com os familiares e as vítimas da ditadura, de tortura. É um sistema que você pode ter no País inteiro, porque não é só o acolhimento da dor, mas, naquele espaço em que as mães se reúnem, muitas coisas são discutidas. E hoje o Conselho Federal de Psicologia está fazendo isso em São Paulo e no Rio de Janeiro, com profissionais e instituições sérias. A gente quer fazer isso com as mães de Maio, mães de Jacareí, mães de Osasco, mães, enfim, dos jovens que foram assassinados. Então, a reparação é parte importante desse processo pelo Estado e pelas instituições da sociedade civil. Eu queria destacar que São Paulo e cidades do Nordeste são lugares aonde a CPI precisa ir. Há lugares do Nordeste, como Alagoas e Recife, onde jovens negros são oito vezes mais assassinados do que brancos. Em Recife, são onze vezes mais. Então, a gente precisa que a CPI vá a esses lugares. Como a gente encontra força na sociedade civil? São lugares onde há movimento negro vivo. A gente pode articular isso. Agora, São Paulo, sem dúvida nenhuma, é onde a gente tem tido recorrentes chacinas, onde a gente tem tido denúncias de dados que estão sendo maquiados. Nós tivemos, recentemente, o assassinato, a chacina de uma testemunha. Lembra-se disso, Frei? E é o Estado que, numericamente, tem mais negros no Brasil. Então, a gente precisa que a CPI vá para São Paulo, ouça São Paulo. Eu gostaria de finalizar dizendo que acho importante que a gente pense como criar um fórum permanente de acompanhamento, de monitoramento. A gente teve tantas CPIs... Eu sei que isso não vai acontecer. Mas, para que uma CPI não se acabe em pizza, como uma CPI pode, até o final, assegurar, vamos dizer, a seriedade que a gente vem observando? Uma Mesa como esta e como a que nos antecedeu que têm pessoas vivenciando a situação - eu espero. Até perguntei para a equipe - acho que para o Leandro -: as mães de Maio, as mães de Jacareí têm sido ouvidas? Quer dizer, se a CPI está ganhando esse grau de seriedade - espero que isso vá até o final; insisto nisso -, quer dizer, quem faz o relatório, a equipe, precisa ter a presença de pessoas com experiência até o final, com o pé na estrada - não é só experiência, mas experiência de viver essas questões. E um fórum que possa monitorar esse processo durante e depois da CPI, os seus desdobramentos, um fórum da sociedade civil e dos órgãos do Judiciários, que possam acompanhar a implementação e o monitoramento das políticas que a gente entende que, em algum momento, vão ser geradas para mudar essa situação de extermínio da juventude negra. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem! Essa foi Cida Bento, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Parabéns pela palestra! Agora, passamos para o Sr. Hélio Santos, do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá. O SR. HÉLIO SANTOS - Boa tarde! Eu queria agradecer a oportunidade de estar aqui, nesta quebra, Senador Paim, da indiferença, da invisibilidade e da inercialidade que este tema sempre teve. É necessário externalizá-lo, mostrá-lo. |
| R | Eu queria falar um pouco, acho que não preciso denunciar esse escândalo internacional, eu vou tentar caminhar um pouco no sentido de pensar algumas coisas para esta CPI importante, no sentido de pensar políticas públicas, que ainda não foram implementadas no Brasil em relação a esse tema. A questão racial no Brasil - V. Exª sabe, Senador Paim - se dá num quadro um pouco sofisticado, mesmo apesar de, já nos anos 70, nós já tínhamos Nelson do Valle Silva e Rosenbaum calculando o preço que um engenheiro pagava por ser negro no Rio ou em São Paulo, nós já quantificávamos o racismo. Apesar disso, apesar de três estudos mais recentes importantes que escancaram isso: um é o Relatório Anual das Desigualdades Raciais, feito pelo Prof. Marcelo Paixão, que trabalha com seis vetores: taxa de morbimortalidade, acesso à saúde, enfim, já é um estudo tradicional. Um outro estudo do Ipea, coordenado pelo Dr. Mário Theodoro, que está presente, quando completou-se 120 anos da Abolição. Esse é um estudo referente que escancara isso e também o PNUD 2005. Ou seja, a Comissão tem nesses três materiais dados de sobra. Todos eles apontam à necessidade de se pensar um modelo de desenvolvimento que considere a questão racial. Nós temos o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência (IVJ), que é de 2014, e mostra que, dados de 2012, cerca de 23 mil jovens negros morrem por ano. Isso dá um média diária de 63 pessoas. Morreram 63 ontem; hoje, quando fechar meia-noite, 63 terão morrido, e amanhã mais 63, e sempre. Em dez anos, 23 mil por ano, nós temos 230 mil mortes. Não é necessário ser um demógrafo para entender o impacto, homens jovens que não procriaram e que deverão procriar, o impacto disso nas curvas de população. Então, o conceito de genocídio, ele faz sentido sim. Ele é necessário porque é o que acontece. Celso Furtado, que é uma referência importante na minha geração, diz que todo brasileiro, toda brasileira deveria perguntar a si mesmo, por que o nosso desenvolvimento se deu de uma maneira tão injusta, tão desigual? Ele insiste. E mais adiante, nessa entrevista que ele deu pouco antes de morrer ele disse: "Eu não sei a resposta". Interessante, instigante, porque Celso Furtado para mim é o precursor das ações afirmativas. Ele foi o primeiro a dizer: "Olha, não pode tratar todas as regiões igualmente". Isso é apenas para mostrar que um homem progressista, um dos maiores intelectuais deste País, que este teve, referência da minha geração na Academia, ele próprio não conseguiu ver. Quer dizer, ele cuidou do Nordeste entendendo que o Nordeste tinha que ter um tratamento diferenciado e não viu quem estava dentro, que é a população negra. Então, eu penso que Celso Furtado, essa referência, diz que o Brasil não experimentou desenvolvimento, mas apenas se modernizou parcialmente. Ele é, sem dúvida alguma, na minha avaliação, o precursor, a pessoa que pensou em tratamento diferenciado. A preocupação do Governo Federal, Senador Paim, não foi capaz de proporcionar políticas públicas que deem conta de reduzir essa chaga. São políticas heterodoxas, que fogem dos padrões que a Academia gosta tanto: universalismo e focalismo. Universalismo, que se pensam políticas amplas, e Focalismo, políticas focalizadas. Eu penso que, aqui, nós temos que universalizar com foco. Pensar em políticas que dizem respeito a toda a sociedade, como saúde, educação, habitação, geração de renda, mas com foco em determinadas situações. Os jovens que morrem precocemente não vêm de Netuno, eles vêm de um tipo específico de família, que eu chamo de família de risco. Diversas são as mazelas que oneram a família negra brasileira: a pobreza endêmica, que grassa sobre ela, é uma das mais severas. Os subprodutos da pobreza: autoestima rebaixada, falta de instrução, saúde precária, violência, uso de droga barata, perspectivas de gravidez precoce, tudo aquilo que degenera o grupo familiar. |
| R | Quais são as características dessa família de risco? Uma delas são famílias dirigidas por mulheres. Essa é a principal característica. Outra: parte significativa dessa família é formada por crianças e jovens, o nível de instrução é baixo, os integrantes dessas famílias estão desempregados ou subempregados e vivem em regiões precárias: submoradias, favelas. Então, esse universalismo precário que o Brasil sempre adotou foi incapaz de reduzir essas iniquidades. Não é razoável que mulheres precocemente envelhecidas, com proles imensas, tenham que dar conta de famílias carentes de tudo. E reparem que nós tivemos dois espaços importantes: a Secretaria de Políticas para Mulheres e a SEPPIR. A mulher negra perdeu duas vezes nessa reforma ministerial terrível, que abalou toda a minha geração e várias pessoas da minha geração. Eu fiquei um mês fora do meu blog. Cida, são 30 anos de um grupo lutando. E as mulheres negras, que também são feministas, essas então ainda mais, porque elas perderam duplamente, pois ajudaram nessa construção e se perdeu. Isso também mostra que esse status de ministério é muito importante para que se possa pensar políticas. Na verdade, trata-se de proteger o nosso futuro. Então, eu o denomino, na falta de outro nome, Paifar - Programa de Apoio Integral à Família de Risco. Um programa como esse, ele trafega, Senador, na contramão do que sempre foi feito, pensar em política de apoio integral à família de risco. Eu queria também pensar nos cinco vetores que devem ser trabalhados: saúde física e mental, capacitação profissional, educação, geração de renda, cultura e esporte, e tem que ser também política integrada. O Governo Federal não pode perder de vista os 27 Estados e mais 5.600 Municípios. São políticas de Estado de máxima urgência. Eu vi, por exemplo, o Senador falando de São Paulo. Eu não posso me esquecer: em 1984, eu visitando o comandante da Polícia Militar... Frei Davi, o problema é institucional. Quer dizer, os Estados que estão numa posição pior, são do Nordeste, como a Paraíba. A Bahia, há mais de 8 anos, é governada pelo PT e isso não mudou nada! Não mudou por que é institucional! É institucional! Portanto, isso mostra... Eu considero a democratização brasileira, Senador Paim, parcial. Em 1986, na Comissão Arinos, que discutiu um modelo da Constituição, eu instiguei, estimulei o jurista Saulo Ramos, que mais tarde foi Ministro da Justiça do Governo Sarney, e nós propusemos, naquele modelo constitucional, as polícias passarem a ser uma coisa una. Hoje, sinceramente, eu não sei se é isso. Eu não sei se é isso. Pede-se que nós somemos a Polícia Civil à Polícia Militar, mas a Álgebra ensina que quando você une duas categorias negativas, você resulta uma coisa pior. Eu não posso me esquecer que, em 1978, quando se criou o MNU, foi com base no assassinato de um jovem feirante pela Polícia Civil, que foi seviciado numa delegacia em São Paulo. Então, é lógico que a Polícia Militar por trabalhar com o policiamento ostensivo... (Soa a campainha.) O SR. HÉLIO SANTOS - Eu quero fechar; mais um minuto. Enfrentar um racista é sempre um problema, mas enfrentar um racista armado, isso torna tudo muito mais difícil. O Brasil tem que entender que tem que investir. A juventude masculina negra... O Brasil investe naqueles que têm vocação para o futebol. Quando eu vejo o capitão do Paris Saint-Germain, vou lembrar o nome dele... (Intervenção fora do microfone.) O SR. HÉLIO SANTOS - ...Thiago Silva. Todos os colegas de infância dele, quase todos morreram. Ele vem de uma região conflagrada do Rio. O que leva um brasileiro da periferia do Rio ser capitão de um dos times de futebol mais sofisticados do mundo? Mas, se ele não tivesse habilitação para o futebol, a mãe dele iria dizer: "Olha, você não vai ser cobrador de ônibus como o seu irmão". O Brasil investe em homens negros, se eles têm talento para o futebol. O Ronaldo Fenômeno ficou um ano na Toca da Raposa se alimentando, tinha uma nutricionista, comendo e treinando. |
| R | Este jovem, com 18 anos, vai para a Holanda e, em cinco anos, fala, além do português, o holandês, o espanhol, o italiano. Volta muito rico e diz - isso pelo menos ele não precisará dizer -: "Eu passei fome, eu sei o que é isso." Investiu na Cidade de Deus, construiu uma... É lógico que ele não é um ativista. Os jogadores de futebol, os artistas, os negros de projeção no Brasil não são ativistas. Mas a verdade é que o Brasil perde talento de todo tipo. Portanto, uma política de apoio integral à família de risco é importante e outro tipo também de ação afirmativa, Cida, que são políticas afirmativas localizadas. Como nós sabemos onde os negros estão? Temos que identificar essas regiões. O BNDES permite hoje, por um simples programa, identificar regiões conflagradas, em que se pode dizer que ali só há negro; ali não há negro. É preciso invadir essas regiões não com a polícia, mas com políticas trasnversalizadas: saúde, educação e muita coisa na área de esporte e também na área da cultura. O que importa é que nós temos que investir hoje nessas famílias para os jovens que estão na adolescência e na pré-adolescência. A ideia é que nós possamos, daqui a cinco, seis anos, dependendo dos resultados desta CPI, mudar isso. Mas, com a inercialidade dessas mortes, não terminamos: hoje, quando der meia-noite, 63 homens negros terão morrido de forma violenta no Brasil. O importante é entender que os governos não dão conta, os governadores são reféns das PMs. Quem não se lembra de Antonio Anastasia, Jaques Wagner, Sérgio Cabral acuados pelas suas polícias militares? Portanto, a questão da Polícia Militar é uma delas, mas, sozinha, ela não explica, porque há grande mortalidade de outra forma; só com investimento desse tipo. Eu corri, porque é necessário correr, mas quero agradecer esta oportunidade. Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse foi o grande líder Hélio Santos, que é uma referência para todos nós. Meus cumprimentos pela palestra. Agora Zélia Amador, que é da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros. Vamos lá, Drª Zélia. A SRª ZÉLIA AMADOR DE DEUS - Boa noite a todas e todos! Eu queria saudar o Senador e dizer que é de grande importância a gente estar aqui discutindo, a CPI, estar ouvindo quem está no ativismo, quem milita no Movimento Negro, quem está trabalhando há algum tempo nesse processo de democratização da sociedade brasileira. Eu acho que o Movimento Negro, ao longo do tempo, tem sido muito generoso com esta sociedade, que lhe é muito hostil. A sociedade é hostil, mas, apesar da hostilidade, o Movimento Negro tem respondido com grande generosidade, lutando para que esta sociedade deixe de ser hostil e seja, de fato, uma sociedade democrática, em que todos possamos viver bem. Então, a gente pode começar pensando nessa questão do genocídio da população negra que, para nós do Movimento Negro não é extermínio, é genocídio mesmo; para nós do Movimento Negro isso tem a ver com toda uma história que vem sendo acumulado nesta sociedade. É um território que viveu 400 anos de escravidão; um território que espoliou a população negra sempre, e, nos 127 anos de abolição, não se deu por conta que os males feitos a essa população precisam ser reparados. E esses males, se não reparados, porque os males são tantos, as mazelas são tantas, e esses males, portanto, precisam ser reparados. |
| R | Quando a gente luta por políticas de ação afirmativa, as políticas de ação afirmativa são formas de reparação desses males, são estratégias, de fato, de reparação desses males. E uma das estratégias - há outras - são as políticas de ação afirmativa, são essas estratégias. Ora, há uma sociedade, uma Nação, a Nação brasileira, que nasce sob a égide do racismo e, portanto, as instituições dessa Nação são todas eivadas de racismo; o racismo passa por dentro dessas instituições; a própria formação de nacionalidade brasileira foi uma formação feita por meio do racismo. Basta a gente ver, por exemplo, a literatura, como elemento de formação da nacionalidade. Esta Nação nasce em 1822, e o movimento literário é o romantismo. E o que acontece no romantismo? Cria-se um herói indianista, que é a representação do Brasil, e o negro, que é a maioria da população na sociedade à época, se esconde-se e é tirado de cena. Quer violência maior do que essa? Aquele de quem é utilizada a força de trabalho para construir os ciclos econômicos, aquele que é a maioria da população fica de fora do processo de formação da nacionalidade. E, quando é colocado, é colocado como uma degeneração, é colocado como uma aberração, algo que vem para minar, para sujar aquilo que poderia ser limpo, que é a sociedade branca, tanto que, quando você vai pegar a literatura do início de Nação brasileira, você vai ver que a defesa do fim da escravidão não é para redimir os africanos escravizados, não é para isso; a defesa do fim da escravidão é para modernizar a economia do País, é para isso. A defesa do fim da escravidão ocorre, porque a escravidão é um atraso econômico. Não é pela desumanidade que ela traz para aqueles que são escravizadas - não é por isso! Então, está lá na raiz. Por isso a violência contra a população negra e contra a juventude negra é estrutural. Ela faz parte do nosso imaginário. Por isso essa sociedade fica tão quieta quando tantos jovens morrem. Ela acha que é normal, ela tolera. A sociedade tolera. O Estado constituído tolera. Ora, só um exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial. Essa é uma sociedade que acha que os negros não são sujeitos de direitos. Por isso, o Estatuto da Igualdade Racial levou tanto tempo para ser aprovado, e, quando é aprovado, é mutilado e tem que sair conforme as cabeças brancas querem que ele saia. É como se fosse sempre uma dádiva do branco conosco, só permito aquilo que eu quero, aquilo que é possível. Então, na verdade, o que a gente está vendo, essa violência estrutural, essa violência que precisa - e acho que esta CPI tem que apontar para isso - para a necessidade de políticas públicas... O Hélio já apontou, e eu acho que são muito importantes políticas públicas específicas para resolver essa questão. Mas, ao mesmo tempo, também esta CPI tem que apontar para que, por exemplo, políticas públicas da educação, para que a educação seja descolonizadora, porque a educação neste País não é uma educação para libertar as pessoas da opressão e para libertar os negros da opressão. |
| R | Continua sendo uma educação colonizadora, uma educação que embranquece, por isso, a gente tem a LDB alterada pela Lei nº 10.639, de 2003, e pela Lei nº 11.645, de 2008, exatamente, para tentar descolonizar a educação. O trabalho é muito grande, mas eu acho que esta CPI pode apontar para isso. Esta CPI tem que dizer que todas as políticas que se voltem para a juventude têm que ter uma abordagem racial. A rigor, todas as políticas públicas neste País tem que ter abordagem racial e tem que ter abordagem racial, porque a suposta política universal não tem alcançado, não tem tido eficiência no sentido de alcançar a população negra. E nessa linha o que está em jogo quando é a juventude que morre para além do genocídio, para além da limpeza étnica? O que está em jogo é o futuro, é o futuro que está em jogo. Para além disso, é o futuro que está em jogo e o futuro desta sociedade e não só o futuro dos negros, o futuro também de quem não é negro. Essa é uma sociedade patológica, essa é uma sociedade doente, uma sociedade em que mais da metade se pensa, tudo é voltado no cotidiano para fazer com que mais da metade dessa população se sinta inferior e a outra parte se acha, se sinta superior, acha que pode tudo, acha que, inclusive, que está acima da lei. Então, acho que esta CPI tem que apontar para isto: para a patologia dessa sociedade, dessa sociedade que tolera que a gente jogue talentos no lixo, dessa sociedade que tolera que jovens negros sejam vítimas cotidianas da violência, dessa sociedade que cala quando sabe que as grandes vítimas dessa violência são mulheres negras que sofrem, que sofrem a dor da morte de seus filhos. Essa sociedade acha normal, sempre foi assim. Essa é a sociedade que eu herdei de meus pais, que eles, por sua vez, herdaram dos seus pais, meus avós, que, por sua vez, herdaram dos meus bisavós. Então, a gente vai tolerando, a gente vai aguentando, achando que tudo é normal e deixando que essas coisas aconteçam na nossa frente. Essa questão da violência, a violência contra a juventude negra é uma violência estrutural, é uma violência que tem raízes na escravidão, que a gente não conseguiu superar e não conseguiu superar, porque achamos que é normal, porque toleramos, porque não achamos que o negro é sujeito de direito, não achamos que a gente é capaz de chorar essa morte. Então, quem chora são negros, negros que choram a morte. Não mexe com mais ninguém da sociedade. Então, essa história, por exemplo, da droga, de dizer, de criar todo um imaginário de que matando negro está livrando a sociedade da droga. Ora, a droga é um dos crimes mais lucrativos do mundo e, com certeza, um dos crimes mais lucrativos do mundo não passa pela mão da população negra. A população negra também é vítima desse crime. Então, esta CPI tem que pensar nessas coisas e tem que pensar em ter políticas públicas que atinjam diretamente o foco. Não podem ser políticas que fiquem longe do foco. Todas as políticas têm que ter uma abordagem racial muito clara, e elas têm que atingir o foco. Só assim a gente pode ter sucesso. Muito obrigada. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Zélia Amador, da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros. Toda vez que vejo Mário Theodoro no plenário, eu acabo dando a palavra para ele também como convidado. Disse-me o Frei Davi que o Caio também é técnico em políticas públicas do DF. É isso? Então, se ambos quiserem usar o tempo de cinco minutos. Naturalmente, vou olhar para as três mulheres à nossa direita, e se uma delas quiser usar da palavra... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Então já está escalada. Por favor, Mário Theodoro. Em seguida... O SR. MARIO LISBOA THEODORO - Obrigado, Senador. Fico muito honrado de poder fazer algumas observações sobre essas duas Mesas, que, para mim, são Mesas muito caras. São Mesas que eu escuto sempre com muita parcimônia. Essas Mesas sempre têm alguma coisa para enriquecer o nosso conhecimento com relação à questão racial. São pessoas, todas elas que aqui falaram, por quem eu tenho um respeito intelectual muito grande. São minhas fontes de consulta. E desse ponto de vista eu estava muito satisfeito de estar ouvindo, e aqui para mim é ser um prazer ouvir Cida, Zélia, Hélio, Frei Davi, Jorge Arruda, Marcos Resende, Ivanir. Enfim, de todos que por aqui passaram eu gosto muito. Mas eu queria fazer justamente uma observação com relação ao que foi falado de maneira geral. É um ponto recorrente: tratar o tema da violência como um dos subprodutos de uma questão maior que a questão do racismo no Brasil. O racismo como ideologia, que está colocada, que está vivenciada pela sociedade brasileira e que, ao mesmo tempo, o racismo dá a forma e o conteúdo da nossa desigualdade. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. E, mais do que isso: a economia diz que quando a gente crescer acabamos com a desigualdade. Nós conseguimos crescer, e muito, sem acabar com a desigualdade, não é Prof. Hélio? Ao contrário. O nosso crescimento é um crescimento com exclusão. É um crescimento que se dá produzindo desigualdade. Esse enigma do Brasil, esse paradoxo brasileiro só se explica introduzindo-se a questão racial. Talvez o Prof. Celso Furtado, nosso decano e nosso grande economista, não tenha tido essa percepção, que para nós hoje é muito evidente. Só se explica um País desse tamanho, com uma economia desse tamanho, com uma pujança e um crescimento desse tamanho sem distribuir, ao contrário, gerando pobreza mesmo no momento em que cresce, quando a gente entende a força e a centralidade do racismo no Brasil. Então, eu até convido meus amigos, fico, às vezes, conversando com colegas na universidade, dizendo que o racismo tinha que ser estudado por todos os setores, por todos os segmentos das ciências sociais, porque estrutura o Brasil. Não levar em consideração racismo no Brasil significa que a gente não está entendendo nada do que está acontecendo ou que estamos entendo muito pouco. Então, eu queria com isso só saudar mais uma vez na Mesa, falar da satisfação que é estar aqui ouvindo todos os meus colegas, sorvendo de novo sempre essa grande qualidade de informação e de reflexão que se tem. É uma satisfação muito grande tê-los aqui. Muito brigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse é Mário Theodoro. Por isso ele é o número um na consultoria do Senado. Eu vou passar a palavra agora a Vanda de Souza Vieira, do Movimento Negro Unificado do Espírito Santo. Vanda de Souza Vieira. A SRª VANDA DE SOUZA VIEIRA - Eu sou uma carioca que está há 12 anos no Estado do Espírito Santo. |
| R | Quero, primeiro, falar da minha alegria em rever Cida, Hélio, Mário Teodoro, enfim, Ivanir, que já saiu, Frei David, e novamente reafirmar a nossa militância na luta contra o racismo, porque efetivamente é isso que fazemos o tempo inteiro e é isso que, pelo visto, vamos fazer por muito tempo mais. Infelizmente, as boas notícias que Frei David nos traz não são suficiente para que possamos descansar um pouco. Quero dizer que ouvi aqui algumas situações. Moro em um Estado que mais mata mulher, que mais mata jovem negro, que mais mata o segmento LGBT, que encontrou um helicóptero com quase 500 quilos de cocaína e essas pessoas estão todas soltas. Daqui a pouco, é capaz até de a cocaína ser liberada, para ser vendida. Também cometeu a mesma coisa que aconteceu no Rio de Janeiro, matou um jovem negro no meio da rua, um jovem doente mental, de periferia, sob a alegação de que ele havia tentado estuprar uma jovem, o que já foi comprovado que... Mas mesmo que tivesse acontecido isso, porque também é este o ponto, todos aqueles que matam dentro de uma situação de violência também devem ser exterminados? Se é isso, para que servem as leis? Se é isso, para que servem as prisões? Se instituímos e se alimentamos, fortalecemos, não nos posicionamos contrários quando acontecem crimes dessa natureza, como militante do Movimento Negro Unificado, como bem lembrado aqui pelo Prof. Hélio Santos, esta é uma entidade que sempre esteve à frente. Fomos, com certeza, das entidades, a primeira a falar sobre genocídio da juventude negra. Atualmente, esta bandeira do extermínio contra a juventude negra é encaminhada por um companheiro da ex-militante do MNU da Bahia. Agora, com a bandeira do feriado nacional de 20 novembro, resgatando a figura de Lélia, sempre, 21 anos sem Lélia Gonzalez, uma grande militante do Movimento Negro, uma grande militante responsável por trabalhar o feminismo negro de forma internacional. Quero dizer que há uma coisa que me incomoda profundamente como educadora, sou das Letras e da Filosofia, que é o "cumpra-se". Nós nunca tivemos, nas bandeiras voltadas para o enfrentamento ao racismo, o "cumpra-se". Tivemos isso na Lei Maria da Penha. Como se faz a lei pegar? Essa foi uma discussão que as mulheres fizeram em relação à Lei Maria da Penha. E a própria Secretaria de Política para as Mulheres teve uma ação nesse sentido e, mais do que isso, várias outras legislações complementares para dar conta de todas as questões que foram surgindo posteriores à criação da Lei Maria da Penha, até chegar atualmente ao feminicídio. Não temos isso. Nunca tivemos isso. Não temos uma campanha pelo "cumpra-se", pelo cumprimento do Estatuto da Igualdade Racial, pelo cumprimento da Lei do Racismo, pelo cumprimento do ECA, que nos interessa, nós somos responsáveis para que o ECA... Porque é a nossa juventude que é atingida por ele, e nunca tivemos isso. Temos várias outras ações, mas elas estão todas soltas, elas nunca ficam concentradas de uma determinada maneira para que falemos nelas seguidamente, para lembrar às pessoas que elas existem, que elas precisam ser cumpridas. E estamos findando a década dos afrodescendentes sem efetivamente conseguir mostrar mudanças de número, como houve na década da mulher, de 1975 a 1985. Vamos fechar a década do afrodescendente sem...Vamos fechar não, estamos iniciando, mas, enfim, se não conseguirmos, na verdade, fazer uma cobrança disso, se a nossa preocupação for sempre com as novas leis, eu me pergunto se efetivamente vamos conseguir chegar a algum lugar, principalmente do ponto de vista educacional, porque educação neste País, desde o seu início, uma educação positivista, uma educação que sempre viu os pobres, na verdade, para usos eleitorais, e tem sido assim. Depois, uma educação tecnicista que permanece, uma visão de educação tecnicista de que o pobre tem que trabalhar, tem que ter profissão. |
| R | Além de aprendizagem profissional, trabalho com correção de monografia, portanto, esses temas aparecem na minha frente semanalmente, as pessoas estão estudando, querem respostas e não estão conseguindo respostas efetivas para esses temas. Uma proposta que eu gostaria de deixar aqui, como militante do MNU, é que precisamos, na verdade, nos juntarmos muito rapidamente para o "cumpra-se" de todas as leis que estão relacionadas a nós. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem! (Palmas.) Antes de encerrarmos, passaremos a palavra a Silva de Mendonça, do Movimento Unificado do Rio de Janeiro, e, depois, para o Caio. A SRª SILVA DE MENDONÇA - Como o senhor disse, quero externar o meu prazer de estar participando, de uma forma espontânea, desta CPI. Mais recentemente, estive no Rio de Janeiro, na OAB, a convite do Senador Lindbergh, ouvindo as mães dos jovens negros que foram assassinados na cidade do Rio de Janeiro. Quero tomar a bênção, para mim isso é muito importante, às mais velhas e aos mais velhos, e dar uma boa-noite às mulheres e aos homens, nesta plenária, que deveria estar lotada, mas não cabe a mim aqui fazer essa avaliação. Nasci e vivo em Duque de Caxias, Senador, com uma história de militância. Duque de Caxias é uma cidade da Baixada Fluminense, o segundo PIB do Estado do Rio de Janeiro, com uma população que não chega a um milhão de habitantes, ficando atrás da cidade do Rio de Janeiro com quase sete milhões de habitantes; o oitavo, décimo PIB deste País, mulher negra que sou com profundo pesar e tristeza. Não é um discurso sofrível, mas com uma realidade que não é diferente das outras mulheres e mães. Nessa CPI, no Rio, ouvimos as mulheres na cidade do Rio de Janeiro, mas cada uma de nós tem alguma história, neste País, de perda e de distanciamento dos nossos jovens. Tive o desprazer de, há sete anos, não eu particularmente, mas quem sofre muito é sua mãe, a Vivian, que perdeu o meu sobrinho, com 22 anos, sem o corpo para enterrar. Um menino que tinha passado por uma experiência extremamente negativa de roubo de carros e que aceitou retomar o seu caminho; e nós, familiares, acompanhamos esse processo, mas não sabemos exatamente quem... E acompanhamos até hoje, sem resultado, o corpo desse jovem, Luiz Henrique de Jesus Mendonça, para que fosse, no mínimo, sepultado. Sou uma privilegiada por estar aqui hoje e até estar na militância, porque me dói profundamente ver os rostos e os sofrimentos e as dores e as angústias das mulheres negras que, quando não perdem os seus filhos, ficam desoladas ao verem os adolescentes negros deste País. O senhor não tem ideia, Senador, Frei Davi, Cida, Zélia, Hélio, e todos que estão aqui, como me dói olhar um jovem neste País! E o que me vem à cabeça é pedir a Deus, aos ancestrais, aos santos, aos guias, que protejam aqueles jovens, porque o Estado não nos dá essa resposta - é dor mesmo! -, para que cheguem nas suas casas de alguma forma vivos e bem. Não consigo mais viver numa militância e é isso que venho, sem que o Estado dê resposta quando a nossa companheira Cida fala em reparação, em reformular as instituições e praticar políticas públicas que não incluam, mas que façam com que essa juventude negra, empobrecida, principalmente, seja sujeito transformador da sua história. |
| R | Quando falei da cidade onde nasci, eu estava um dia, para finalizar, numa praça onde acontecia um show à noite, no mês de junho, um tempo frio, e apareceu um menino que aparentava uns dez anos, vendendo doces, balas, numa caixa e me disse que, na cidade onde ele morava, 52% revelaram-se negros ou pardos e, desses 52%, 49% mulheres eram chefes de família. Aquela criança estava ali vendendo as suas balas. Conversando com ela, entre outras coisas, ela me disse que gostaria de um dia aprender a tocar violino. Pensei e resolvi ajudar. Mas, como é um violino? É um violino pequeno que a gente põe no ombro, disse esse menino. Uma cidade tão rica sem um conservatório, uma escola de música... Eu acredito nesse processo transformador a partir da cultura, das artes, do envolvimento integral com a saúde dessas famílias, do refazer a sua identidade espiritual e afetiva, mas, principalmente, e é por isso que eu não vou desistir de militar, porque quero que essa sociedade negra, principalmente, amplie a sua unidade, refaça o seu conceito de consciência, construa com os Poderes e os Governos políticas públicas e, principalmente, assumam o poder. Para finalizar, eu acho que a gente sempre precisa ter um momento lúdico. Por favor, dê-me mais dois minutos para que eu possa cantar: Ave Mulher, cheia de graça, estamos juntas, bendita cada mulher. Bendito fruto das tuas mãos, do teu trabalho, tua expressão. Nem santa nem puta, mãe de todos os Deuses que povoam a terra e herdarão o Planeta. Estamos juntas, transgressoras, hoje, aqui, agora, hora das nossas vidas. Amém. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu cheguei para ouvir a Silva cantar. O Senador Paulo Paim, a quem queremos agradecer muito, tem outro compromisso e precisa sair. Muito obrigado, Senador. O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Parabéns a todos! (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Silva, que surpresa! Você, de Caxias, cantando aqui. Eu não sabia que você estava aqui agora. A SRª SILVA DE MENDONÇA - Viemos para a marcha. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Para a marcha de quarta-feira. Passo a palavra ao Dr. Caio Marcelo, que é da Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho... Desculpe-me, Caio, a letra está ruim, eu estou sem conseguir enxergar. Com a palavra o Dr. Caio Marcelo. O SR. CAIO MARCELO DE ABREU MACHADO VALENTE - Boa noite a todos! Saúdo os nossos irmãos negros! Primeiramente, queria dizer que toda a minha história para chegar até aqui, rapidamente falando, foi fazendo um projeto com a população de rua. Com esse projeto, andando por seis anos em locais vulneráveis, viajando pelo Brasil, pude perceber que mais de 70% são negros. Mas, por que será que é assim? Foi aí que comecei a estudar um pouco a história da África, quando tive a oportunidade, o prazer, de conhecer o Frei Davi, tive a oportunidade de me aprofundar nessa temática com ele. Depois, conheci o Dr. Mário, conheci várias pessoas que trazem uma energia que dá para contagiar outros. |
| R | Como resumo, essa luta política, que acaba que aquilo ali fica um trabalho de formiguinha, nas ruas, nas noites, nas madrugadas, acaba que a gente começou também a se aproximar um pouco da cultura urbana, se aproximar um pouco da questão da intolerância religiosa. Então, o pacote começou a crescer e, com esse crescimento, eu acabei virando conselheiro de direitos humanos pela população de rua, mas lá eu pude ver mais ainda a diversidade. Com isso, a gente pôde perceber o tanto que as coisas são debatidas, mas não são vocalizadas onde devem ser vocalizadas. Quando a gente tem, por exemplo, essa questão do genocídio da população negra, às vezes parece que são pessoas conversando com elas mesmas, e não tem uma vocalização. Então, a gente precisa fazer isso ressoar em ambientes e locais que realmente sejam lugares de decisão. Quando a gente fala de cultura urbana - geralmente, a gente sabe que é a aba reta, é o bermudão -, quando a gente tem esse elemento como potencial criminoso, e quando a gente tem, mais ainda, para mostrar que é um jovem negro, isso eu acho que não cabe mais neste momento, em 2015. E esse papel que a gente discute tanto, da polícia... Eu sou nascido e criado no DF. A primeira coisa que a gente tentou fazer aqui no DF foi potencializar os grupos que existem nos locais vulneráveis, para que esses grupos fizessem a prevenção. A gente teve muitos relatos desses grupos estarem juntos e, por acaso, haver uma repressão, e essa repressão ser feita por quê? Porque não há um reconhecimento do comando com aquele grupo, que está ali para prevenção de crime e violência. Então, a gente começou esse trabalho em alguns locais. Já conseguimos algum avanço, mas essa sensibilização também é importante, a gente poder, primeiro, dizer para o Estado que aquele grupo que está ali naquela área vulnerável não está ali como criminoso ou como potencial criminoso. Ele está ali como prevenção. Isso é muito bacana, e a gente acaba aproximando os artistas, geralmente do rap, do hip hop, da cultura urbana. Essas pessoas conseguem vocalizar, nas áreas vulneráveis, até mesmo o próprio conhecimento, a cultura que lá não tem. É muito fácil eu pegar o carro, pegar uma viatura e passar, e ele já vai ficar em uma posição como se ele fosse o potencial criminoso, mas não é. Então, se a gente estimula o diálogo, o conhecimento, a gente consegue ter um avanço, como a gente está tendo. Para não estender muito, o que a gente vê mesmo é a falta de oportunidade, é a questão de empoderar as pessoas, os jovens, para a questão do que é a juventude, do que vai ser amanhã o nosso adulto, o nosso idoso, e os que vêm antes também. A gente tem que potencializar esse processo, de descobrir quem somos nós e de dizer que a diferença brasileira não é diferença, é diversidade. Se as pessoas começarem a entender que isso tudo parte da diversidade, e não da diferença, a gente vai acabar com a intolerância, a gente vai acabar discutindo mais as questões fundamentais. Essa fusão que houve no Distrito Federal... A Secretaria ficou com Desenvolvimento Social, Trabalho, Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Quem conduz essa Secretaria, o Secretário Adjunto, é o Carlos Alberto, que é um negro; o Subsecretário de Direitos Humanos é o Coracy, que é outro negro; Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo é outro negro; e da Mulher também é outro negro. É um espaço que a gente conseguiu construir dialogando, e que tem esse empoderamento. Eles mesmos falam: "A gente não é cota". A gente está aqui como um comum para dizer que às vezes é muito chato ter esse estigma, de "eu estou ali naquela posição porque eu sou cota". Esse é outro debate que a gente vai enfrentar, que a gente tem que enfrentar. Para fechar, como eu sempre falo, falo na rua, falo em todo lugar, a grande frase do Malcom X: "a criação mais perigosa do mundo é um homem sem nada a perder". Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Antes de encerrar, se alguém quiser fazer alguma complementação, eu queria dizer que, antes da elaboração do nosso relatório, a gente queria tomar a liberdade de fazer consultas aos senhores, que estiveram aqui neste debate de hoje também. Eu confesso, Frei Davi, que a gente começou com esta CPI e a gente sabia o absurdo de o Brasil ser o campeão mundial de homicídios. A gente conhecia as estatísticas que mostravam 2012, 56 mil assassinatos, mais de 50% de jovens, 77%, jovens negros das periferias. |
| R | Mas uma coisa é a gente saber dos números, outra coisa é a gente começar a rodar este País, conversar com as pessoas. Tivemos uma audiência no Rio de Janeiro, na sexta-feira, a Silvia estava lá, na audiência - sexta-feira, vão fazer 15 dias agora na próxima sexta -, uma audiência muito forte, porque a gente escutou os especialistas, as pessoas envolvidas, mas quando você coloca para falarem as mães das vítimas, mulheres conscientes de duas segregações que existem neste País com muita força, segregação de classe e de raça, porque aqui, nessa discussão, entram vários temas correlatos. Essa política de guerra às drogas está matando nossa juventude. Eu digo aqui, nós temos a polícia que mais mata e a que mais morre também. Morreram, em 2013, 490 policiais, uma boa parte também de jovens negros, que estão lá, na polícia. É porque é uma política insana, que não resolve o problema das drogas, que cada vez mais é um problema de saúde pública, do Poder Público de estabelecer políticas de comunicação forte. Agora, do jeito que está sendo feito, porque essa guerra às drogas também é seletiva no Território, porque, eu digo, tem traficante em Copacabana, tem traficante em Ipanema? Tem traficante, mas ninguém coloca um caveirão nas ruas de Copacabana para prender aqueles traficantes! (Palmas.) O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Então, a política de guerra às drogas acontece de forma seletiva no Território, nas comunidades mais pobres. Eu tenho visto coisas, por exemplo, a gente vê lá, no Rio de Janeiro agora, e houve uma decisão do Supremo, na semana passada, muito ruim nesse sentido, que é o tal do mandato de busca e apreensão coletivo, que é o seguinte, que é outra coisa. Se você imaginasse isso numa região de classe média alta do Rio de Janeiro, ninguém consegue entender, mas você dar um mandato de busca e apreensão em todo o Complexo da Maré é você oficializar aquela política conhecida como política pé na porta. Agora, eu estou muito impressionado com os números e eu acho o seguinte, o meu medo no relatório, eu não quero errar, por isso, quero discutir, na questão ligada a esse debate racial, muito com os senhores aqui, para não errarmos nisso aqui, porque nós temos que, cada vez mais, é engraçado, a gente vê até em rodas de pessoas ditas de esquerda, esclarecidas, quando começam a dizer "não, o preconceito no Brasil não é tão... O preconceito racial..." Eu estive numa roda de pessoas, numa conversa, esse final de semana, em que veio esse debate. Eu disse: "Mas como não?" E citei o caso do Rio de Janeiro, do episódio dos arrastões e, fruto daqueles arrastões, aquele grupo de pessoas que faziam ginástica numa academia de Copacabana, que saíram, numa espécie de justiceiros, pararam um ônibus da Zona Norte, que ia em direção à Zona Norte, entraram no ônibus e disseram assim: "Olha um ali". O que é que era "um ali"? Era um jovem negro de 17, 18 anos, que teve que pular a janela, e foi pego e foi agredido. O mais grave é que depois foram descobrir, aquele jovem nem na praia tinha passado. Mas aquilo era um fato de quê? Criminalizar, de cara, o jovem negro. E o mais grave é que a gente vê, infelizmente, uma parte da sociedade apoiar essas coisas. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - É a mídia. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Apoiarem esse discurso, comprarem esse tipo de discurso, entendeu? Eu acho que o nosso relatório aqui, Frei David, não pode errar em ser contundente em cima da questão do racismo. Inclusive estou pensando aqui em algumas medidas e falo, isso não é a Dilma, não é o Governo da Dilma, não é governo A, não é governo B, não é isso, mas eu acho que a gente tem que ter uma medida mais dura, responsabilizando o Estado brasileiro. Tem que olhar para o mundo. Eu acho que as pessoas têm que sentir vergonha disso. Isso faz vergonha a tudo, isso passa pelos partidos, passa por tudo. Nós estamos tendo um extermínio no Brasil. Esse é o fato. Nós temos que gritar para as pessoas. Sei que vai ter muita gente que vai achar ruim, mas nós temos que dizer. Só dessa forma, eu acho, que a gente pode aqui... É preciso ações emergenciais. Então, a gente teve tanto avanço neste País em várias áreas, mas nessa a gente está preso ainda a padrões do passado, a uma polícia militarizada, distante da vida das pessoas, com uma prática de guerra. Essa política, essa lógica da militarização é formado para combater a guerra. Não tem conceito de policiamento comunitário, de policiamento de proximidade não sobrevive a esse tipo de organização policial que nós temos aqui no País. |
| R | Então, a reforma da Segurança Pública. Eu sou autor de uma PEC, a PEC 51, que fala de desmilitarização, carreira única, ciclo completo, porque também, Frei Davi, só no Brasil existe uma coisa: você tem uma polícia que faz o trabalho ostensivo e preventivo e uma outra Civil, que faz o trabalho de investigação. Isso só existe no Brasil. Toda polícia tem ciclo completo no mundo inteiro. O cara começa o trabalho e ele faz ali a investigação. Hoje, o que o policial militar pode fazer? Ele não pode fazer investigação. Sabe o que ele pode fazer só? Prisão em flagrante. Como só se pode fazer prisão em flagrante, você só consegue pegar aqueles crimes mais visíveis que estão ali. É o tráfico de drogas, inclusive essa legislação que foi aprovada em 2006 já se mostrou um grande absurdo, porque muita gente achava que essa legislação ia melhorar a situação, no entanto, nós triplicamos a população carcerária em relação aos casos de drogas. Das mulheres em especial. Algo em torno de 90% das mulheres nos presídios estão em cima de tráfico de drogas. Aí é muito difícil você distinguir o pequeno varejista do grande traficante e do consumidor, onde entra novamente o racismo, porque, se você pega um jovem de classe média com maconha, ele é usuário. Se você pega um jovem negro da periferia, ele é traficante. É assim que tem acontecido na prática. E a nossa população carcerária hoje é a terceira do mundo. E nós pegamos esses que estão metidos com drogas nesse estágio inicial e colocamos dentro desse presídio onde eles vão entrar em facções, onde a gente sabe como é grave a situação. Eu queria, inclusive, alertar aos senhores e ao Frei David, de quem sou um admirador de longa data, que temos um debate sobre a redução da maioridade penal. E aqui no Senado, que sempre foi a Casa mais conservadora, mas a Câmara está tão esquisita que o Senado virou a Casa mais progressista do Brasil. É aqui que a gente tem barrado. Foi aqui que nós barramos o financiamento empresarial. Na Câmara, eles aprovaram. E aqui a gente derrotou. Então, aqui, em relação à maioridade penal, nós temos maioria para impedir que passe. Mas... (Palmas.) Aqui não passará. Agora eu tenho uma preocupação, porque passou no Senado um outro projeto que eu considero... Esse dia eu saí daqui arrasado do Senado, porque nós fizemos, eu e a Senadora Lídice, na verdade, eu e Lídice, começamos o contraponto desse debate, mas aumentaram o tempo de internação no ECA de três para 10 anos, Frei David. Isso vai para a Câmara. E a gente tem que mexer lá, porque isso é absurdo. Quem conhece esses institutos socioeducacionais nos Estados, na sua realidade, sabe que aqui não reabilita ninguém, do jeito que está. Pelo contrário. São máquinas de moer gente, de destruir sonhos e esperanças. Então, estou fazendo um apelo aos senhores, Frei, tem que se movimentar lá na Câmara dos Deputados para que essa loucura não prospere. É uma loucura. Sem uma base, sem nenhum estudo. Daqui veio como se fosse uma alternativa a redução da maioridade penal. Não é. Para quem chegou atrasado, como eu cheguei, já estou falando até demais. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Devia completar falando isso aqui. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O Frei David está falando aqui de uma audiência pública, no dia 8 de dezembro, às 9 horas, redução da maioridade penal. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É verdade. O convidado principal será o Desembargador Paulo Rangel, autor do único livro brasileiro sobre esse tema. Então, está marcado para o próximo dia 8 de dezembro, dia do meu aniversário. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Seu aniversário? O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Meu aniversário, 8 de dezembro. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Estará conosco aqui? O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Estarei. Eu pergunto alguém ainda tenha alguma coisa a falar. (Pausa.) O SR. HÉLIO SANTOS - Eu queria. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Vou passar a palavra ao Dr.Hélio Santos e, depois, para o Frei David. O SR. HÉLIO SANTOS - Prezado Senador Lindbergh Farias, eu, na minha fala, não deixei de cumprimentar e de louvar esta Mesa, uma Mesa com as Drªs Zélia Amador de Deus, Cida Bento e Frei David, representa o que nós temos de melhor no movimento negro brasileiro. Então, estar aqui é realmente privilégio. |
| R | O senhor deu o número correto, Senador: 77%. São dados de 2012. E isso representa 23 mil jovens negros mortos por ano. Então, o senhor traz o número certo: são 63, dia sim dia sim, como se diz em Minas. Então, isso é uma coisa que realmente desfalca o Brasil. Mas, apenas para complementar o que não pude dizer na minha primeira intervenção: nós tivemos eleições gerais no ano passado e esse tema não veio com a força que demanda. A verdade é que o Estado brasileiro, como o senhor também falou e como antes também foi dito, não se esmerou em políticas que zelam pelo seu futuro. E, aqui, a sua fala Zélia, bem como as das companheiras que se manifestaram, dão conta da ausência desse zelo. Todo esse esforço aqui é para que esse menino de 10 anos, que quer estudar violino, não seja um forte candidato a ser exterminado, porque, hoje, na rua, à noite, vendendo bala, ele é um grande candidato a isso. Então, o nosso esforço é em relação a esse futuro. Eu havia dito, antes de o senhor chegar, Senador, como o Brasil investe em homens negros com habilitação para o futebol. E quem joga bola, todo mundo que correu atrás de uma bola sabe que, para jogar futebol, é necessário senso de antecipação, velocidade de raciocínio, criatividade, enfim, tudo aquilo que caracteriza um gênio. E, portanto, quem joga bola poderia, também, cuidar de outras coisas. Então, eu penso que essas políticas públicas... E nós temos de pensar, nesta CPI, Senador, em políticas públicas heterodoxas, diferenciadas do que foi feito até então. O senhor falou no sentido de envergonhar o Brasil, e é isso mesmo! Eu sou um dos que crê na necessidade de internacionalizar essa denúncia. Eu não tenho muita coisa mais a denunciar, mas é preciso internacionalizar essa denúncia. Os governantes brasileiros têm que sofrer vergonha como na ditadura militar. Quando um general presidente ia ao exterior, ele sofria pressão da sociedade local. Nós temos de fazer isso. Internamente, eu não vejo isso acontecer. A postura de um governador tem sido insuficiente para reduzir a violência da Polícia Militar, porque os governadores são reféns. Então, nós temos de pensar em políticas heterodoxas, mas internacionalizar esse tema, para que o Brasil tenha, externamente, de dar conta do que acontece aqui. Foi um prazer ter estado aqui com essas pessoas. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Nós é que agradecemos a sua presença, Dr. Hélio Santos. Passo a palavra, agora, à Drª Zélia Amador, que quer também fazer uma consideração. A SRª ZÉLIA AMADOR DE DEUS - É bem rápida, Senador. Eu acho que o Brasil ainda não se envergonhou pelo fato de ser chamado de racista. A gente fez um processo, durante o período da ditadura militar, de envergonhar o Brasil perante a comunidade internacional sobre os atos autoritários que aconteciam aqui dentro. Agora, sobre a questão racial, pelo contrário, a imagem que o Estado brasileiro vende para o exterior é a de que aqui existe uma perfeita democracia racial, tão perfeita que a Unesco ficou interessada em promover uma pesquisa para entender que perfeição de democracia racial era essa. Ora, um Estado que só assume para a comunidade internacional a existência de racismo e da discriminação racial em 2001, começando portanto nesta década, neste século, ainda não se envergonhou. Assim, eu acho que a gente precisa fazer com que se envergonhem. Nenhum crime de racismos teve repercussão internacional! Então, não basta a gente dizer que é extermínio. Na verdade, é genocídio! É limpeza étnica! E a gente tem que dizer isso com todas as letras para todo o mundo. E, aí, é vergonha para o Estado brasileiro, mas é vergonha também para esta sociedade que tem sido tolerante e conivente. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito bem, Drª Zélia! Muito bem! Eu vou passar a palavra, agora, à Srª Cida Bento; e, depois, ao Frei David, que vai encerrar esta audiência pública. A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Eu só queria lembrar que o massacre de Srebrenica, onde 8,5 mil muçulmanos foram mortos, a Comunidade Internacional entendeu que era um genocídio. Aqui, o Hélio Santos, temos tido 23 mil jovens negros mortos por ano, ou seja, nós temos três vezes mais, em termos de ocorrências, aquilo que levou a Comunidade Internacional a entender que era um genocídio. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Aqui há um consenso entre todos os senhores de que se trata de um genocídio? O SR. HÉLIO SANTOS - Sim. A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Sim. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Em todo o movimento negro está... A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Sim; genocídio. Essa é a conotação de limpeza étnica mesmo! A segunda coisa que eu queria ressaltar, rapidamente - e esqueci de dizer isso quando da minha intervenção, mas, quando o Senador traz esse tema de maneira tão viva, eu me recordo - são os esforços que nós temos de fazer para mudar a representação da juventude negra na mídia. Hoje, nós temos vários programas, em São Paulo - o Hélio Santos sabe -, a tarde inteira, mostrando a polícia entrando na favela e matando jovens negros, mostrando estes como bandidos e fazendo uma apologia a essa violência. Então, como é que a gente poderia, de alguma maneira, trazer essa preocupação para a CPI? Como é que o Ministério Público... Como é que a gente interrompe esse processo? Isso é quase que legitimar a violência da polícia cotidianamente. São tardes inteiras - não é, Hélio? Todas as tardes... (Intervenção fora do microfone.) A SRª MARIA APARECIDA DA SILVA BENTO - Ah, não sabia. E a última coisa: eu nasci em São Paulo, e esta CPI precisa ir a São Paulo. Em São Paulo nós temos tido chacinas recorrentes. Então, a CPI precisa ir até lá. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Nós vamos precisar, Cida, em São Paulo, da ajuda de vocês para mobilizar a sociedade. Nós, aqui, estamos tendo dificuldades - eu e a Senadora Lídice - de, sozinhos, montarmos isso. Estamos tentando envolver outros Deputados Federais que atuam nessa causa - Erundina, Paulo Teixeira - para vermos se conseguimos fazer algo de peso em São Paulo. Então, se vocês puderem nos ajudar também nessa estruturação, eu acho que seria fundamental. Frei Davi, para encerrar a nossa audiência. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Senador Lindbergh, parabenizo a sua atuação e a sua coragem de falar com palavras destemidas. Seguindo a linha da Cida Bento, eu proponho que V. Exª, como membro desta Comissão e Relator, convoque todos os presidentes das emissoras de TV brasileiras para uma audiência aqui nesta CPI da matança de jovens negros, até para que eles avaliem o que eles podem fazer para ajudar a acabar com o uso irresponsável da imagem da juventude negra. (Palmas.) Ora, que se use a imagem dos ladrões da classe média alta da mesma maneira! Mas usar só a do negro pobre é injusto! Então, como Senador comprometido, que V. Exª convoque todos os presidentes das televisões brasileiras para uma audiência pública aqui nesta Casa. A segunda coisa, Senador, é para solicitar, com alegria - e, no começo da audiência, eu coloquei duas grandes boas notícias -, que esta Comissão dirija um ofício ao presidente da OAB Nacional, parabenizando-a, porque a OAB Nacional está em vias de atender dez reivindicações da comunidade negra, entre elas a respeito do famoso quinto constitucional. A OAB reconhece que tem o poder de fazer desembargadores, mas que ela nunca fez um desembargador negro. E a OAB decidiu assumir isso, determinando que, para cada três listas, uma seja de negros. Então, isso vai ajudar muito a melhorar a imagem do negro na sociedade e, consequentemente, o crime do negro vai ter, esperamos nós, o mesmo tratamento que o crime de um branco tem. Então, fica aqui essa solicitação de que se dirija um ofício desta Comissão para parabenizar a OAB. Terceira cosia - e é outra boa notícia, Senador... Não só de dores, mas também a comunidade negra tem feito lutas para poder celebrar momentos bons. Tivemos um trabalho intenso no Conselho Nacional do Ministério Público, e por que esse trabalho intenso? Porque, infelizmente, o nosso projeto sobre os autos de resistência, que tramita na Câmara, recebeu, de parte dos Deputados da bancada da bala, o apensamento de vários projetos macabros, de modo que o nosso projeto sobre os autos de resistência está condenado, para sempre, a não sair das gavetas da Câmara. E, ai, então, para tentar furar o bloqueio, um grupo de negros corajosos estivemos no Conselho Nacional do Ministério Público; e, para nossa surpresa, Senador, a resolução que aquele Conselho Nacional já aprovou sobre os autos de resistência é de três a cinco vezes melhor do que o projeto nosso. |
| R | E aí já está aprovado. Passo para a sua mão aqui agora e estou solicitando que inclua, que anexe à CPI da matança este relatório. E aí há duas coisas. Este relatório foi aprovado já faz um tempo, só que alguém do conselho falou: "Frei David, não divulgue ainda, porque a associação dos policiais militares está querendo brecar esse trabalho e a associação dos delegados quer brecar esse trabalho". Então, depois que estivermos articulados internamente para que não haja um retrocesso, o senhor pode divulgar. E já há essa segurança jurídica ou segurança social, e esse relatório já pode ser divulgado. Já foi tirada cópia para todos os membros... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A resolução é de 22 de setembro, não é? O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Exatamente isso. Está muito forte, muito bem elaborado, muito bem amarrado, e agora merece um elogio o conselho. Eu solicito, ou melhor, já foi aprovado aqui, pelo Sr. Presidente antecessor, um ofício elogiando o CNMP, e agora eu solicito que esse documento seja anexado ao relatório por que o Senador está responsável. O outro ponto, Senador, que eu queria partilhar é o seguinte: no eslaide que nós trouxemos, colocamos delineadas duas fotos do jovem Caíque, negro, de periferia. Assim que a polícia matou esse jovem, que estava escondido dentro do armário; a polícia o arrastou do armário, jogou no chão, bateu uma foto e mandou para o WhatsApp da polícia, entre eles. Caiu na mão de um policial ético. Esse policial mandou para mim a foto. Em seguida, me vem outra foto, onde o policial fala: "Frei, infelizmente, um policial do mal comunicou a esse policial do mal que ele não preparou o ambiente. E aí, Frei, olhe a segunda foto." A segunda foto está aí em exposição. A segunda foto é o jovem morto; o braço dele mudou-se de posição; e colocou-se do lado uma arma raspada. Ou seja, a famosa cena do crime montada do auto de resistência. Desse modo, a gente pede a esta Comissão, a esta CPI que dirija uma carta ao Governador de São Paulo e ao Ministério Público de São Paulo, o Márcio Rosa. Ali está a foto do jovem, Senador: a primeira foto, ele morto após sair do armário. Em seguida, no WhatsApp, um dos policiais alerta o autor do crime que ele não havia preparado a cena. Aí, o policial prepara a cena, faz outra foto e manda por WhatsApp. Isso é a conotação mais límpida - e é duro falar isso -, que dá o contorno exato do auto de resistência, que é a foto seguinte. Minutos depois, o policial assassino posta nova foto com a cena montada. Observem o braço do cadáver, em outra posição, e ao lado um revólver raspado. Então, esse caso, eu solicito, encarecidamente, que façam um requerimento ao Governador de São Paulo, bem como ao Ministério Público de São Paulo, que é o Mário Rosa, solicitando a ele como é que foi encaminhado esse caso e se os autores estão presos ou não por esse caso aí. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Determino já à Secretaria da Comissão que prepare os ofícios para o Governo do Estado de São Paulo. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Concluindo, Senador - vi que o senhor é um homem muito corajoso -, vou fazer um pedido aqui que eu acho um pedido difícil demais, e eu quero que o senhor seja sincero e fale: "Frei, é impossível". Veja só, Senador: o senhor acompanhou muito bem que as vítimas da ditadura, todos os seus parentes foram indenizados. As vítimas da ditadura - classe média alta, na maioria absoluta -, foram indenizados os seus parentes. Nossa proposta é que esta CPI determine a imediata indenização dos parentes de todas as vítimas dos policiais na atual democracia brasileira. Entendemos que, dessa maneira, botando a mão no bolso, botando a mão no dinheiro do Governo para devolver ao povo, é uma maneira de o Governo levar mais a sério o trabalho de respeitar o jovem negro, dando a ele todo o trâmite normal, que é ser julgado e ser preso, como é dado aos ricos. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Frei David, pela participação. Eu, além desse requerimento para o Governo do São Paulo, que já determinei à Secretaria da Comissão que prepare, acho muito boa a ideia... A gente estava discutindo o que fazer aqui sobre a mídia e não tinha achado o formato. Eu acho que o Frei David deu aqui um formato, que é chamar institucionalmente as empresas. Virá o presidente ou não, mas vai ter que vir alguém da direção dessas empresas. Agora, nesse dia, seria importante a gente ter a presença aqui dos senhores também. |
| R | O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Eu estou querendo trazer um ônibus. Se V. Exª marcar com antecedência, eu trago um ônibus. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Mas um ônibus com alguém que possa falar e cobrar também. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Isso. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Alguém que viva o problema em si. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Isso. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu acho que esta é uma Comissão, essa é uma audiência que a gente pode fazer, e resolve aquele problema: nós estávamos querendo marcar uma audiência sobre isso, mas não tínhamos achado... É melhor chamar as TVs de forma institucional, não é? O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Isso. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Segunda coisa: esse ofício para a OAB também, o Presidente Marcus Vinícius... O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Marcus Vinícius... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... que é um grande amigo nosso, inclusive eu vou ligar para ele parabenizando-o. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Ótimo! O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Estamos tendo eleições da OAB no Brasil inteiro, hoje, amanhã, estamos tendo eleições, inclusive várias nas seccionais da OAB. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - E o candidato mais forte é fortemente comprometido com o tema do negro, para nossa alegria. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro, é. Então o que acontece é o seguinte, inclusive, já entrando nesse último ponto, das indenizações, a OAB do Rio, que eu acho que na época... A OAB do Rio hoje é presidida pelo Felipe Santa Cruz, mas na época, eu acho que era o Wadih, eu não sei... Mas lançaram uma campanha sobre os desaparecidos da democracia. É. Porque no Estado do Rio de Janeiro, é o seguinte: nós temos uma média de 6 mil homicídios por ano, mas temos uma média também de 6 mil desaparecimentos. Não é só o caso do Amarildo, que é o caso mais conhecido. Seis mil! E a OAB tinha começado uma campanha, porque ela tinha lutado contra a ditadura, os desaparecidos da ditadura, mas os desaparecidos da democracia. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Da democracia! Muito boa... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Então eu concordo com essa tese de a gente, no relatório, falar de indenização. Eu volto a dizer que eu queria depois consultá-los com o relatório em mãos. Eu quero entrar também nessa polêmica de extermínio, genocídio. Quero conversar, ter conversas paralelas. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Dizer extermínio mesmo. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É. Sobre isso aqui, não é? Quais são os pontos que argumentam, outros para dizer "não". Esse é um tema em que eu acho que a gente tem que ser muito firme. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Ligue o som, porque está sendo transmitido ao vivo pela TV. O SR. HÉLIO SANTOS - O impacto que acontece nas curvas demográficas é que mostra que realmente é genocídio. Vinte e três mil por ano, Senador, em dez anos, são 230 mil. Homens jovens, que ainda não procriaram, o impacto nas curvas demográficas é... Isso é genocídio. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Então eu queria dos senhores mais subsídios sobre isso. Se pudessem aqui entregar ao Diego e ao James mais subsídios para a gente entrar nesse ponto. E com certeza o tema das indenizações não é nenhum problema para a gente. O problema é depois materializar, não é, Frei David? Isso, na proporção que tem; mas a gente, na CPI, compra essa briga junto com os senhores com muita felicidade. Em relação ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), eu acho que essa decisão aqui é muito boa. Nós estamos fazendo uma parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público sobre outro tema, porque infelizmente os ministérios públicos estaduais não investigam os tais autos de resistência. Na verdade, nós temos no Brasil, o número de investigações sobre homicídios é... Apenas 8% dos casos são investigados. Eu não falo de resolvidos não. Aqui é um sistema que não funciona. Por isso que eu volto a dizer, quando falei da PM que não investiga, da Polícia Civil, é um sistema que não funciona. Mas no caso de autos de resistência, o número é alarmante. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - É alarmante. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É alarmante. O Prof. Michel Misse, lá do Rio de Janeiro, fez um estudo em cima do caso do Rio de Janeiro, do ano de 2011, e analisou que de 220 autos de resistência, não mais que 10 se transformaram em investigação. Só um, em denúncia. Então nós estamos fazendo uma reunião aqui, em que talvez fosse importante a presença de um dos senhores também aqui, porque vai ser uma reunião com umas 30 pessoas das entidades da sociedade civil, especialistas, com o Conselho Nacional do Ministério Público. Marcamos com o Conselheiro Fábio George, que está organizando isso lá, que é uma figura que tem boas posições sobre isso. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Fantástico! Corajoso! O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E daí tentar surgir, a partir do Conselho Nacional do Ministério Público, um esforço de sensibilizar os Ministérios Públicos Estaduais, que, às vezes, têm uma ligação muito grande com o Governo Estadual e acabam não entrando nisso. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - São independentes, independentes. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Aqui, é preciso fazer alguma coisa. Então eu acho essa posição muito boa do Conselho Nacional do Ministério Público, e a gente está colocando fé no Ministério Público Federal, no Conselho Nacional do Ministério Público, para que a gente mude a realidade dos Estados. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Exatamente. |
| R | O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Inclusive, estive, na sexta-feira, com o Átila Roque, da Anistia Internacional, conversando com o Procurador-Geral do Rio de Janeiro, o Procurador Marfan Vieira, sobre o caso de um garoto, o garoto Eduardo Jesus, que foi morto no Complexo do Alemão por um tiro policial. O garoto estava em frente à casa dele, com o telefone celular... A SRª ZÉLIA AMADOR DE DEUS - De dez anos, e a mãe agora foi... O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A D. Terezinha, que está viajando. Estive com D. Terezinha na semana passada. O mais grave é que a Delegacia de Homicídios da Polícia Civil decidiu encaminhar ao Ministério Público a decisão de que foi em legítima defesa. Fomos lá conversar com o Procurador-Geral e dissemos: "Mas como em legítima defesa, se não houve tiroteio ali perto? Existia uma criança de dez anos, com um telefone celular, no batente de sua casa. Como justificar legítima defesa?" Na reunião, estava lá outro Promotor, Dr. Homero. Foi uma reunião muito interessante, porque eles disseram que as chances de o Ministério Público arquivar aquilo eram quase nulas, que eles vão tocar o processo para frente. Ao mesmo tempo, ele me disse que o Ministério Público do Rio de Janeiro, nesta semana, ia publicar uma resolução, obrigando todos os casos ditos nos autos a serem investigados. Se for isso, se sair isso... O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Está em sintonia com isso aqui. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Está em sintonia... O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Aqui manda isso. Aqui manda isso. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Está em sintonia com a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público. E eu terei o maior prazer em anunciar aqui, quando tivermos essa resolução - ouviu, Diego, disseram que ela ia ser publicada hoje -, para podermos falar sobre isso, para forçar os outros Ministérios Públicos também a tomarem a mesma posição. Então, senhores, agradeço muito, aqui, este debate. Lamento ter chegado já no final, mas esse trabalho não acabou. Queremos consultar os senhores nessa definição, e espero os materiais, os textos sobre genocídio. Que cheguem em abundância, para que possamos fazer um bom relatório e definir em que termos vamos fazer essa abordagem. A SRª ZÉLIA AMADOR DE DEUS - Pode entregar ao Leandro? O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Podem entregar direto para o Leandro também. Vou encerrar, aqui, a reunião. Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e os convidamos para a próxima reunião, a ser realizada na próxima segunda-feira, dia 23 de novembro de 2015, às 10h, em Lauro de Freitas, na Bahia, no Cine Teatro. Declaro encerrada a presente reunião. (Palmas.) (Iniciada às 17 horas e 34 minutos, a reunião é encerrada às 20 horas e 26 minutos.) |
