Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Declaro aberta a 121ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública nos termos do Requerimento nº 183, de 2015, de nossa autoria e de outros Senadores, para debater o tema "A relação da redução da menor idade penal com a justiça social". Essa audiência pública será realizada em caráter interativo com a possibilidade de participação popular. As pessoas que têm interesse em participar com comentários e/ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, link: www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado através do número 0800-612211. Nós temos para este debate dez convidados. Então, faremos duas Mesas. Sei que alguns ainda não chegaram. Abro sempre às 9h. Enquanto esperamos a chegada dos outros convidados, lerei o nome dos convidados. Depois montaremos a primeira Mesa com os que chegaram primeiro. Convidados e que provocaram também a audiência: Frei David Santos, Diretor Executivo de Educafro; Ângela Cristina Santos Guimarães, Secretária-Adjunta e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Juventude da Presidência da República; Irapuã Santana Silva, Representando o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal; Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, autor do livro sobre autos de resistência; Renato Ferreira, advogado; Fábio George Cruz da Nóbrega, Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público; Sandra Lia Simón, Subprocuradora-Geral do Trabalho; Sebastião Vieira Caixeta, Chefe de Gabinete do Procurador-Geral do Trabalho. Quero convidar já para a Mesa os convidados especiais na abertura de nossos trabalhos a Drª Sandra Lia Simón, Subprocuradora-Geral do Trabalho; e o nosso amigo e sempre presente aqui Dr. Sebastião Vieira Caixeta, que representa também o Procurador-Geral do Trabalho. Combinamos que eles fariam a apresentação neste momento da cartilha, que é um trabalho muito bem elaborado, eu recebi cópia, cujo objetivo é ajudar as pessoas conhecerem a realidade e os direitos básicos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Fui convidado para o lançamento da cartilha, mas não pude estar presente. Então, solicitei se eles poderiam vir aqui explicar, aproveitando o nosso sistema de comunicação aqui do Senado, pois com esta apresentação, via TV, via internet, via Rádio Senado, no mínimo 2 milhões de pessoas ficam conhecendo um pouco mais esse trabalho brilhante que eles fizeram. E aqueles que já tomaram conhecimento estão tecendo uma série de elogios, e eu resolvi socializar essas informações também aqui via Senado, já que vocês estão fazendo, claro, pelos veículos que vocês têm acesso mais diretamente. |
| R | Então, eu passo de imediato para a Drª Sandra para falar sobre esse trabalho. Depois, deste momento, nós teremos outra audiência pública. Drª Sandra com a palavra. A SRª SANDRA LIA SIMÓN - Certo. Em primeiro lugar, eu quero agradecer pelo convite do nobre Senador Paulo Paim, cujo trabalho é digno de nota e de consideração por todos aqueles que atuam na área trabalhista. A legislação do trabalho vem sempre sofrendo achaques por parte de alguns setores que não querem fazer a contrapartida do capital com o trabalho. Então, é importante que tenhamos no Parlamento uma pessoa do gabarito do Senador Paulo Paim, que sempre leva, então, esse lado da relação capital-trabalho, lado do trabalho, em grande consideração. Vou fazer aqui rapidamente a apresentação do nosso gibi; não é nem uma cartilha, é um gibi. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Melhor ainda, gibi é o que a gente mais lê. Até eu leio gibi. A SRª SANDRA LIA SIMÓN - Exatamente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E cartilha você fica olhando... A SRª SANDRA LIA SIMÓN - Exatamente foi essa a intenção. Então, primeiro para situar, já que esse evento está sendo transmitindo, para situar a função do Ministério Público do Trabalho, que a nossa função é buscar o trabalho digno nas relações de trabalho e, para isso, nós temos - como são muitos os segmentos econômicos -, nós temos que utilizar mecanismos diferentes para buscar dignidade no trabalho em cada segmento econômico. E um segmento econômico que tem nos chamado muito a atenção é o segmento telemarketing, porque ele vem crescendo muito, as empresas têm lucros enormes, mas, lamentavelmente, não há contrapartida para os trabalhadores deste segmento. Então, agora o Ministério Público do Trabalho vai de fato concentrar sua atuação sobre o segmento do telemarketing, e não é que nós não atuemos nesse segmento. Nós temos a nossa atuação bastante consolidada. A única diferença é que, por enquanto, essa atuação é pulverizada. Então, existem várias investigações e várias ações propostas no País inteiro. E agora o que nós vamos fazer é uma concentração dessa atuação. E também vamos fazer uma concentração de atuação, concentrando as irregularidades encontradas no setor. Então, nós vamos juntar três coordenadorias nacionais do Ministério Público do Trabalho: a de combate a fraudes, Conafret, que eu tenho a honra de ser a coordenadora nacional, porque nós vamos buscar a regularização que nós consideramos a regularização da situação formal desses trabalhadores. Isso, porque nós entendemos que eles são subordinados diretamente às empresas prestadoras de serviço. Qualquer um de nós que já se utilizou de serviços de telemarketing e de banco, por exemplo, sabe que muitas vezes um operador tem mais poder que um gerente: ele negocia taxas, negocia aplicações, ele faz coisas que, muitas vezes, o gerente nem mais faz. Da mesma forma, quando utilizamos telemarketing, o atendimento via telemarketing para empresas de telecomunicação, e nós podemos renegociar totalmente o contrato que a gente tem com uma operadora de TV a cabo, por exemplo, com o próprio atendente. Então, por conta disso, nós entendemos que existe uma subordinação direta entre operador de telemarketing e a empresa que contratou esse serviço. Também vamos focar nesse primeiro aspecto: o combate à fraude na regularização do contrato. O segundo aspecto, que, na verdade, ele se entrelaça com o terceiro aspecto, é o que a gente chama de assédio moral e de condições de trabalho no que diz respeito à saúde e segurança. Por quê? Porque nós percebemos que nesse segmento existe o que se chama de assédio moral organizacional. Ele é mais grave do que o assédio moral individual, que também existe, porque no próprio método de produção, no próprio meio de produção, existem algumas diretrizes que incentiva, por exemplo, a competição entre os trabalhadores, que faz com que os trabalhadores sejam atingidos e expostos perante os seus colegas, se eles não atingem metas, que são metas muito duras, inclusive, de se atingir ,e faz também com esses trabalhadores sofram penalidades por assuntos banais, por exemplo, o tempo para ir ao banheiro é mínimo e é totalmente cronometrado e há um número de vezes que é possível ir ao banheiro, e, por conta disso, o trabalhador acaba se hidratando de uma forma que não é adequada, exatamente para evitar a ida ao banheiro. |
| R | Então, isso também causa várias doenças do trabalho, que são originárias das condições de trabalho. Da mesma forma que, muitas vezes, a posição que o trabalhador fica nessa situação é uma baia muito pequena e também faz com que ele sofra outro tipo de doença no trabalho. Então, aqui também vamos trabalhar com duas coordenadorias, que é a Coordigualdade, que é aquela que combate o assédio moral, e a Codemat, que é a que luta também pela segurança e medicina no trabalho. Então, o nosso objetivo vai ser, de fato, ter essa atuação coordenada, estratégica, concentrada e pegando, em cada uma dessa nossa atuação, as três possíveis irregularidades: a fraude na relação de trabalho, a questão do assédio moral e a questão das regras de medicina e segurança do trabalho. Para isso, o nosso Procurador-Geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, na sexta-feira passada, já criou um grupo de trabalho composto por membros do Ministério Público do Trabalho. Nós teremos seis meses de prazo para apresentar um relatório conclusivo sobre esse projeto que se iniciou agora com a portaria, mas que está se iniciando por esses dias. E a nossa função, como Ministério Público do Trabalho, não é apenas repressiva em relação a identificar as fraudes e usar instrumentos para combater essas fraudes. A nossa função também é de conscientização. Por isso, nós fizemos o lançamento dessa nossa cartilha. Ela, na verdade não é uma cartilha; é mais divertida, porque é um gibi, é uma história em quadrinhos. Ela vem de um projeto do Ministério Público do Trabalho chamado MPT em Quadrinhos, e este especificamente é sobre o telemarketing. Então, a ideia de utilizarmos esses temas em quadrinhos é exatamente para que o cidadão saiba, de uma forma lúdica, que ele também pode se socorrer do Ministério Público do Trabalho se ele se sentir identificado com a situação por que o nosso herói aqui passa. Em todas as histórias em quadrinhos nós temos heróis e os nossos heróis aqui são trabalhadores que percebem que existe alguma coisa errada no seu dia a dia no trabalho. Então, eles vão verificar o que é possível fazer para melhorar essa situação. Então, dou oficialmente ao Senador Paulo Paim um exemplar. Esse é o nº 22. Nós temos vários temas tratados por essa série MPT em Quadrinhos, que começou com os nossos colegas do Ministério Público do Trabalho do Espírito Santo e acabou atingindo toda a nossa instituição. Eles podem acessados, além de alguns que vamos distribuir aqui, em um site www.quadrinhosmpt.mp.br e também existe um perfil no Facebook, que é MPT em Quadrinhos. Assim, toda pessoa que quiser pode fazer a impressão direto de lá e divulgar eletronicamente, o que fica muito mais fácil. Então, era isso que eu queria colocar aqui para o nosso Senador, Presidente da nossa Comissão de Direitos Humanos, e nos colocando sempre à disposição. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Drª Sandra. É uma bela iniciativa e é bom ver que não é o primeiro exemplar. Eu me lembro de outros que vocês lançaram também nesta Comissão sobre doenças ocupacionais, descontos, contribuições, órgãos de defesa do trabalhador, trabalho escravo contemporâneo, trabalho infantil, trabalho doméstico, enfim, há uma série deles. Quem quiser é só ligar que vocês mandam uma quantidade para eu distribuir na minha base. Tomara que fosse assim, com essa facilidade. Se mandassem para mim, teria de ser uns 200 mil, mais ou menos. (Risos.) A SRª SANDRA LIA SIMÓN (Fora do microfone.) - Esse é o problema. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Vocês estão liberando é a impressão, não é? Se eu quiser imprimir, eu posso? A SRª SANDRA LIA SIMÓN (Fora do microfone.) - Exatamente. Alguns exemplares nós temos. Muitas vezes, quando firmamos multa, usamos essa multa para fazer mais exemplares. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Isso é muito bom. Se tiverem para mandar para nós; não digo para mim, mas para a Comissão, os Senadores, com certeza, vão levar para os seus Estados e vão distribuir. A SRª SANDRA LIA SIMÓN - Certamente, vamos checar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Se tiverem uma quantidade lá, nós nos encarregamos, pelo menos, de distribuir. É claro que é importante também a sua informação de que nós podemos reproduzir. A SRª SANDRA LIA SIMÓN - Sim, com certeza. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Está bem. Só vou colocar ao lado: "Senador Paulo Paim avaliza e quer que seja cumprido." Isso é só para informar, não é propaganda minha, não. (Risos.) Muito bem, parabéns pelo trabalho! |
| R | O Dr. Sebastião Vieira Caixeta, que seguidamente está conosco, quando é convocado, convidado, sempre se faz presente, e fala aqui também em nome do Procurador-Geral do Trabalho. O SR. SEBASTIÃO VIEIRA CAIXETA - Senador Paulo Paim, quero agradecer novamente a honra de poder comparecer a esta importante Comissão do Senado da República e faço-o em nome do Procurador-Geral, que infelizmente pediu que eu justificasse, Senador, mas ele está com um compromisso externo, não pôde hoje aqui comparecer. Aqui queria muito, ele que também já participou de vários eventos aqui, porque aqui é a Casa da defesa dos direitos humanos e não há nenhuma outra Comissão tão associada à atuação do Ministério do Público do Trabalho, como esta, porque nós, Ministério Público do Trabalho, temos a incumbência constitucional da defesa dos direitos humanos na área trabalhista. Então, somos efetivamente o Ministério Público social e, portanto, temos o dever de estarmos aqui sempre que nos for aberto espaço. Peço permissão também para cumprimentar o nosso Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Dr. Carlos Eduardo de Azevedo Lima, que também sempre se faz presente aqui na linha de defender a implementação e a promoção desses direitos humanos, uma vez que é Presidente da associação de classe que congrega os membros do Ministério Público de todo o País. Cumprimento todos os presentes, aquelas pessoas que nos escutam pelos diversos canais disponibilizados por esta Casa. Quero aqui, Senador, fazer referência e passar às mãos de V. Exª a portaria que instituiu o grupo de trabalho referido pela Drª Sandra Lia, que vai fazer este trabalho articulado entre membros do Ministério Público, as nossas coordenadorias nacionais, para enfrentar este problema muito sério que é a situação dos trabalhadores que labutam diariamente no telemarketing. Identificamos uma série de adoecimentos nessa área e uma série de violações que já foram mencionadas pela Drª Sandra Lia. Como cabe ao Ministério Público do Trabalho fazer esta defesa, ela tem que ser feita sempre o mais articulada possível, porque, por meio de um trabalho efetivamente coordenado, e é esta orientação do Dr. Ronaldo Curado Fleury, nosso Procurador-Geral, as intervenções do Ministério Público do Trabalho sejam cada vez mais articuladas, em prol de um resultado efetivo e relevante para a sociedade, que é a quem sempre temos que prestar conta. Então, passo às mãos de V. Exª esta portaria e também peço permissão para trazer outras iniciativas recentes do Ministério Público do Trabalho. A administração do Dr. Ronaldo Curado Fleury tem buscado olhar a promoção de direitos fundamentais, direitos humanos, tanto no âmbito externo, quanto no âmbito interno, na constatação de que nós que temos o dever de defender as condições de trabalho dos trabalhadores do setor privado como um todo, também temos que olhar para nosso âmbito interno e que não pode valer aquela máxima de que "casa de ferreiro, espeto de pau". Temos, portanto, um olhar da administração em relação a essas questões, como é o caso do assédio moral, que está sendo combatido no âmbito da nossa instituição. A vigilância sobre esse tema se faz necessária cotidianamente. E também, Senador, trazemos aqui uma portaria que enfrenta um tema ainda polêmico, mas que precisa de ter um reconhecimento do Estado, que é o direito dos travestis e dos transgêneros. E o Dr. Ronaldo, dentro do Ministério Público do Trabalho, regulamentou o uso do nome social e a possibilidade de a pessoa se identificar de fato de acordo com sua identidade de gênero. Trago aqui, portanto, a V. Exª esta portaria, que é uma portaria que coloca o Ministério Público do Trabalho na vanguarda do reconhecimento desses direitos. |
| R | E, por fim, Senador, trago também uma recente portaria criada pelo Procurador-Geral do Trabalho que institui força-tarefa para um trabalho coordenado entre os diversos membros do Ministério Público, envolvendo os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, a fim de dar uma resposta, um acompanhamento adequado com relação a essa tragédia envolvendo a empresa Samarco, que todos nós vimos com muita tristeza no dia a dia, no noticiário, os danos ambientais trazidos e ainda impossíveis de serem avaliados neste momento. Isso requer uma atuação muito firme, coordenada e articulada dos diversos ramos do Ministério Público brasileiro. E o Ministério Público do Trabalho... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Permita-me um aparte? O SR. SEBASTIÃO VIEIRA CAIXETA - Claro, Excelência. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Isso é coisa lá do plenário, e eu como Presidente faço isso aqui também. Deixe-me eu apenas aproveitar o lance da sua fala. Todos os assuntos são fundamentais e todos são muito importantes, mas especificamente em relação ao que aconteceu em Mariana. Teremos aqui, na próxima segunda-feira, a pedido, inclusive, de setores dos direitos humanos, uma audiência para debater esse tema. Não era a minha intenção fazer audiência, pois logo que houve o acidente, ou melhor, quando foi cometido aquele crime, eu, de imediato, entrei com um pedido, mas depois a Comissão de Infraestrutura e a Comissão de Meio Ambiente também entraram, e eu deixei que fosse feito por lá. Mas alguns setores do Espírito Santo, já que estive fazendo um debate lá da terceirização e também do negociado sobre o legislado, fizeram uma reunião comigo e pediram que eu mantivesse a audiência. Então, será na próxima segunda-feira. E eu queria de pronto já os convidar para estar aqui, quando discutiremos a questão Mariana nesta Comissão, na próxima segunda-feira às 9h. Seria muito importante, pela iniciativa tomada, pois será um debate firme com a presença de inúmeros setores. Portanto, gostaria de convidá-los para estarem presentes aqui. E pode continuar. O SR. SEBASTIÃO VIEIRA CAIXETA - Sem dúvida. Agradecemos o convite e, desde já, confirmamos a presença. E depois informamos qual o Procurador mais adequado. E a nossa intenção no Ministério Público do Trabalho, Senador, porque é uma tragédia ambiental, mas também uma tragédia humana, pois envolve milhares de vidas, e vidas que se perderam, vidas de trabalhadores, e pessoas que estão no desespero sem terem a perspectiva, a segurança do seu sustento... Então, a atuação do Ministério Público do Trabalho, em primeiro lugar, vai nessa linha de garantir... Nós conseguimos na última sexta-feira, os colegas do Ministério Público do Trabalho de Minas e do Espírito Santo, firmar um termo de ajuste de conduta, que ainda é, evidentemente, um termo emergencial e parcial, porque não temos condições de avaliar todos os danos neste mormento, mas um termo de ajuste de conduta que dê segurança aos trabalhadores tanto os diretos quanto os terceirizados ligados às empresas que prestam serviço nessa área ligada à Samarco, para que eles tenham a garantia... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Há um grande número de terceirizados. O SR. SEBASTIÃO VIEIRA CAIXETA - Há um grande número de terceirizados. E o acordo garante emprego, pelo menos até a realização de um acordo coletivo, até o ano que vem, a esses trabalhadores. É ainda uma segurança emergencial, mas é claro que o trabalho continua, daí a instituição da força-tarefa que envolve Procuradores de Minas e do Espírito Santo, que também estão atuando, Senador. E trago aqui também outro termo de ajuste de conduta, que não é de iniciativa somente do Ministério Público do Trabalho, mas também do Ministério Público Federal. Vejo aqui o nosso Conselheiro Fábio George, do Conselho Nacional, eu o cumprimento, que está também atuando em força-tarefa junto com o Ministério Público do Estado do Espírito Santo nessa necessária atuação conjunta do Ministério Público brasileiro a fim de que possamos dar uma resposta efetivamente adequada aos anseios da sociedade, na compreensão de que essa tragédia trouxe danos ambientais, mas também atingiu inúmeras famílias. Então, passo aqui a V. Exª. |
| R | E já, desde pronto, fica aceito o convite para que a gente possa continuar a debater, a trazer as informações do Ministério, e a prestar contas aqui da nossa atuação nesta importante Casa, o Senado Federal. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Parabéns pelo trabalho da cartilha e da amplitude, aqui, quanto à orientação sexual de cada um, quanto ao assédio moral e, consequentemente, quanto ao assédio sexual, porque sabemos também que existe. E as portarias vão nesse sentido. E a questão de Mariana: Mariana foi considerado, não só por mim, mas por inúmeras pessoas que atuam nesse campo de direitos humanos, o maior crime ambiental acontecido no Brasil em todos os tempos. O SR. SEBASTIÃO VIEIRA CAIXETA (Fora do microfone.) - E não foi acidente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E não foi acidente. Por isso que eu uso a palavra crime. Não é? Além da morte de pessoas, houve a vida que morreu na beira dos rios e que estourou lá na praia. Eu vi lá na praia do Espírito Santo algo chocante: milhares de peixes que morreram. E aquelas pessoas que dependiam, na costa, dos rios para sua sobrevivência ficaram numa situação desesperadora. Quando eu estive lá na audiência pública para o debate da terceirização, e iam negociar sobre o legislado, houve depoimento lá que fizeram nós retomarmos a ideia de termos uma audiência pública na ótica dos direitos humanos e do crime cometido em Mariana. Então, contamos com vocês. O SR. SEBASTIÃO VIEIRA CAIXETA (Fora do microfone.) - Perfeito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu agradeço muito a presença de ambos aqui fortalecendo o trabalho de todos nós e de todo o povo brasileiro. Até a próxima segunda-feira! Nós combinamos de fazer duas Mesas, como havíamos acertado. Podia recolher esse material para nós. (Pausa.) Eu queria começar chamando para a Mesa o Dr. Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, escritor e autor do livro sobre autos de resistência. Seja bem-vindo, Dr. Paulo! (Palmas.) Convido também Fábio George Cruz da Nóbrega, Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público. Seja bem-vindo! (Palmas.) O Dr.Anderson Pereira de Andrade, Procurador de Justiça do DF. Está aqui também. Seja bem-vindo! (Palmas.) E, nesta Mesa, ainda, Irapuã Santana Silva, assessor do Ministro Luiz Fux, que já chegou - está aqui conosco já. Depois, vamos para uma segunda Mesa com mais quatro convidados. Aqui, eu digo que os primeiros são os primeiros, e os últimos são os últimos. (Risos.) Os que chegaram primeiro estão na primeira Mesa, e os outros entrarão na segunda Mesa. Eu pediria aos convidados, como o Frei David, que sentassem aqui na primeira fila de mesas, de preferência, para que a gente... Eu vou fazer uma rápida introdução para as pessoas que estão assistindo pela TV Senado, pela internet, e também pelo sistema de comunicação da Agência Senado, com o intuito de situá-los sobre o debate de hoje. Em 19 de agosto passado, a Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno de votação, a Proposta de Emenda à Constituição nº 171/1993, que reduz a maioridade penal para 16 anos, em caso de crimes hediondos, de homicídio doloso, e de lesão corporal seguida de morte. A PEC, agora, está em tramitação aqui no Senado, em que precisa também ser aprovada em dois turnos, para que se venha converter em norma jurídica - aprovada ou rejeitada, não é? Se depender de mim, será rejeitada. |
| R | São três, principalmente, os argumentos expostos pelos que defendem a proposta: o aumento da criminalidade entre os jovens; um suposto excesso da liberdade por parte do Estatuto da Criança e do Adolescente, que impediria que jovens infratores fossem convenientemente punidos por seus crimes; a ideia de que o jovem de 16 anos já seria plenamente consciente e, portanto, responsável por seus atos. Não preciso dizer a todos vocês que sou vigorosamente, veementemente, fervorosamente contra essa medida, que é não apenas perversa, mas contraproducente e inócua. Inócua, porque não reduzirá, em absolutamente nada, os terríveis índices de violência no Brasil, seja porque a redução da maioridade penal não reduziu a criminalidade em nenhum outro lugar do mundo em que foi adotada - e não temos nenhum motivo para acreditar que seria diferente no Brasil -, seja porque a violência, no Brasil, não pode ser contida apenas pela força de lei. Basta, por isso, perceber que os maiores de 18 anos não se deixam demover do crime pelo simples fato de serem penalmente imputáveis, por mais que agravemos a pena. Contraproducente, porque vai piorar nosso descalabro prisional. O Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600 mil presos, e um déficit de 244 mil vagas. Trata-se de um modelo caríssimo, ultrapassado, ineficaz, que, com taxa de 71% de reincidência, apenas implica violência, não recupera ninguém e faz uma faculdade do crime. É perversa não apenas porque 39% dos que estão presos ainda não foram julgados, ou seja, cumprem pena em regime provisório, mas principalmente porque o sistema penitenciário brasileiro é seletivo: 70% dos encarcerados não completaram o ensino fundamental, 60% são negros ou pardos, 55% têm entre 18 e 29 anos. Ou seja, só prendemos apenas os jovens negros, semialfabetizados e da classe baixa. Isso é o está sendo constatado. Esses é que são presos. Além de perversa, contraproducente e inócua, a redução da maioridade penal é, sobretudo, injusta. Os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 16 a 17 anos, no Brasil, principalmente de jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e das áreas metropolitanas dos centros urbanos. O fuzilamento recente de cinco jovens em Costa Barros, no Rio de Janeiro, é apenas uma ilustração dos 8.446 casos, como esse, que ocorreram na última década, segundo a Anistia Internacional. Ou seja, os jovens que pretendemos - que eles pretendem - encarcerar são vítimas e não a causa da violência. Nenhum bem podemos esperar de medidas que venham apenas aprofundar o fosso social que isola, segrega e marginaliza segmentos da população brasileira. Basta de higienismo social! Por esse motivo, entendemos, mais do que nunca, pertinente o pedido que nos foi feito e encaminhado pelo Frei David, Diretor Executivo da Educafro, para que realizássemos esta audiência. No momento em que a discussão da PEC 171 avança no Senado, entendemos que é importante não perder de vista que o nosso objetivo, como civilização, é superar o estado da selvageria, que se nutre da ignorância, do medo, do ódio e da vingança. Para impedir que a violência cresça e se alastre ainda mais, é preciso deixar a raiva e o ódio de lado, colocar os olhos mais além e procurar enxergar que o nosso objetivo deve ser a pacificação social. Assim, nós, com essa rápida introdução, vamos começar o nosso debate, convidando para usar a palavra, em primeiro lugar, o Dr. Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, que escreveu o livro Autos de Resistência, com o tempo de 10 minutos - e mais 5 minutos, com a tolerância da Mesa, se assim for necessário. O SR. PAULO SÉRGIO RANGEL DO NASCIMENTO - Senador Paulo Paim, quero parabenizar V. Exª pela iniciativa da audiência pública, cumprimentar, na sua pessoa, todos os integrantes da Mesa, e partir já para a análise do tema, fazendo uma pequena correção, se me permitir: o título do livro é A Redução da Menor Idade Penal - Avanço ou Retrocesso Social?, e não Autos de Resistência. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. O SR. PAULO SÉRGIO RANGEL DO NASCIMENTO - Mas claro que, dentro.... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu só peço para a assessoria ajustar aqui, porque, para mim, veio Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, escritor e autor do livro Autos de Resistência. Ele está dizendo que até gostaria de ter escrito outro livro, mas este não é o que ele escreveu. Este é... (Risos.) O SR. PAULO SÉRGIO RANGEL DO NASCIMENTO - Dentro do tema redução da maioridade penal, eu trato da questão de auto de resistência. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É bom que repita o nome do livro para que fique claro. O nome do livro é... O SR. PAULO SÉRGIO RANGEL DO NASCIMENTO - A Redução da Menor Idade Penal: Avanço ou Retrocesso Social? A Cor do Sistema Penal Brasileiro. Esse tema tem tudo a ver com a morte de jovens negros, porque, como V. Exª bem demonstrou, na sua exposição sucinta, objetiva, precisa e cirúrgica, os argumentos que são sustentados para diminuir a idade penal são falaciosos. O primeiro deles diz que vai diminuir a violência. Não vai diminuir a violência, porque lei penal nenhuma, no Brasil, diminuiu a violência. Eu cito, como exemplo, a Lei dos Crimes Hediondos, de 1990 - portanto, de 25 anos atrás. Diante da escalada criminosa, que não é nova, fizeram a Lei dos Crimes Hediondos, suprimindo uma série de direitos, e os crimes hediondos não desapareceram, muito menos diminuíram. Eles estão aí. Nós tínhamos o porte de arma, que era contravenção penal e, diante da escalada do aumento de armas no País, foi tornado crime. Depois de o terem tornado crime, aumentaram a pena. Depois de terem aumentado a pena, criaram o Estatuto do Desarmamento. E as armas estão nas ruas vitimando cada vez mais pessoas, ou seja, a lei penal não tem o condão - isso é uma ilusão - de diminuir violência nenhuma. Quanto à questão da menor idade penal, se nós aceitarmos o argumento de que o menor sabe o que faz, de que sabe que não vai ser punido e de que, por isso, comete o crime, vou ter que acreditar que um adolescente, ao praticar um crime, se tomar conhecimento de que a lei mudou, encerra aquela prática criminosa, para de cometer aquele crime e resolve ir trabalhar e estudar. Isso é mentira, porque ele não vai parar de cometer crime. A questão é outra. Não é porque ele sabe o que faz. Toda criança sabe o que faz. A questão é saber se ele tem maturidade para entender o que faz. Ao diminuir a idade, vamos retroagir ao final do século XIX, em 1890, quando o Código Penal tipificou determinadas condutas. Para que o senhor tenha uma ideia, Senador - e esse é o argumento, inclusive, usado por alguns Parlamentares -, o Código Penal de 1890 estabelecia a idade de 14 anos. Em verdade, o Código Penal de 1890 estabelecia que, dos 9 aos 14 anos, se o menor tivesse discernimento - e o juiz avalaria se ele tinha ou não discernimento -, ele seria preso e, de 14 em diante, independentemente dessa análise, ele já seria preso. Muita gente diz: "Ora, se Código Penal de 1890 estabelecia que, dos 9 aos 14 anos, tendo discernimento, e, de 14 em diante, seria preso, por que hoje, em pleno século XXI, não podemos estabelecer 16 anos?" É simples, existe o componente histórico nisso que não podemos desconsiderar. O que queria e o que fez o Código Penal de 1890, pós-Abolição da Escravatura, em 1888? Uma massa de 800 mil ex-escravos estava perambulando pelo País, sem trabalho, sem educação, com a dignidade roubada. E o que fizeram? Deram educação? Deram trabalho? Resgataram a dignidade deles? Não. O que fizeram foi perceber que muitos deles não tinham para onde ir, e os senhores de engenho deram a opção: "Quer voltar para a fazenda? Volte. Mas vai voltar no status quo anterior, como escravo. Não vou pagar". Muitos voltaram. Outros continuaram andando pelas ruas pedindo esmola. Outros continuaram andando pelas ruas sem ter o que fazer, sem trabalhar. Grupos se uniram em capoeira. Muitos exerciam curandeirismo. O que fez o Código Penal? Diminuiu para 14 anos, para prender esses jovens, e tipificou, como crime, a vadiagem, a mendicância, o curandeirismo e a capoeira. Obviamente, o que queria o Código Penal de 1890, ao estabelecer 14 anos, era punir aqueles ex-escravos que agora estavam libertos, andando pelas ruas. O Estado fez um processo de higienização social. Quando deveria dar educação, trabalho, dignidade e fazer o negro, agora liberto, ingressar na sociedade, como ser humano que sempre foi, ele preferiu prender esse jovem. Por isso, quando o Código Penal de 1890 estabeleceu a idade de 14 anos, ele tinha um endereço certo. O endereço eram jovens negros à época libertos. Portanto, esse argumento não se sustenta por si só. |
| R | Quando alguém diz que o jovem sabe o que faz, é claro que ele sabe o que faz. Aos 10, 12 anos, uma criança sabe o que faz. A questão é saber se ela tem maturidade para entender o que faz. Quando dizem que, aos 16 anos, ele vota, vota, mas não pode ser votado, não pode ser vereador, porque tem que ter 18. E, se tiver 18, o voto é obrigatório, mas ele não pode ser prefeito, porque tem que ter 21. E, se prefeito for eleito e, portanto, já pode votar, não pode ser governador, porque tem que ter 30. Mas como um prefeito com 21 anos, que fez a melhor administração pública de toda a história da República, termina com mais quatro, 25, com mais quatro, 29, e não pode ser governador? Porque ele tem que ter 30 anos. E, se ele tiver 30 anos e, portanto, puder ser governador, governar um Estado e fazer a melhor e maior administração da história da República, ele não pode ser Presidente da República, muito menos Senador, porque não tem 35 anos. Por que a Constituição estabelece isso? Para que as pessoas que exerçam aquele cargo tenham a maturidade inerente àquele cargo. Portanto, um jovem com menos de 35 anos não pode ocupar o cargo que V. Exª ocupa. Mas ele sabe o que faz. Saber o que faz é uma coisa. Ter maturidade para entender o que faz é outra completamente diferente. Por isso, a Constituição estabelece essas idades para que essas pessoas ocupem esses cargos. Quando alguém usa o argumento de que o menor sabe o que faz, porque ele já vota, desconhece que ele vota, mas não é votado. E mais: o sistema penitenciário brasileiro - não podemos desconsiderar - não recupera ninguém. O indivíduo, quando entra no sistema penitenciário, não sai melhor do que entrou, não sai de lá formado, não sai de lá escritor. Portanto, se ele entra e sai pior, a pergunta é muito simples: se eu diminuir a idade para 16 anos, vai entrar mais ou menos gente? Mais. Então, vou ter mais gente, no sistema, saindo pior do que entrou? Sim. É isso que eu quero? Numa política pública séria de um Estado democrático de direito, com respeito a dignidade do outro, isso não pode ser viável. Diminuir a idade significa exatamente ter mais pessoas, nas ruas, piores do que entraram no sistema. E o índice de reincidência dos maiores é de 70%; dos menores, 20%. (Soa a campainha.) O SR. PAULO SÉRGIO RANGEL DO NASCIMENTO - Por isso, Senador, já encerrando, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015 mostra claramente para todos nós que a relação entre o sistema de Justiça Penal e a discriminação racial revela que negros são um grupo que recebe tratamento menos benéfico pelas autoridades policiais e pelas instituições de Justiça. A Justiça é implacável com os negros. A Justiça e a polícia são implacáveis com a classe mais pobre deste País. São eles que são penalizados, porque 67% do sistema penitenciário brasileiro hoje é formado por não brancos, 52% têm primeiro grau, o ensino fundamental, e 8% são analfabetos. Quando nós olhamos a estatística, há mais réus brancos respondendo processo em liberdade do que réus negros: brancos, 27%; negros, 15%. Todos esses dados que foram produzidos em 1990, há 25 anos - e o quadro hoje não é diferente -, já demonstravam a relação entre a discriminação racial e a Justiça criminal. Diminuir a idade penal hoje nada mais significa dizer do que voltarmos ao final do século XIX, na perseguição dos negros que foram libertos juridicamente, mas não o foram política e socialmente. |
| R | Eles continuaram a ser perseguidos, tanto que, durante o governo Getúlio Vargas, os negros e os judeus não podiam chegar ao oficialato do Exército, porque havia um decreto impedindo. Não era velado, era decreto! E por quê? Porque, lamentavelmente, toda a construção racista do País foi feita em cima dos estudos do início do século XX, de Nina Rodrigues. Nina Rodrigues era um antropólogo famoso, que teve a audácia de dizer claramente, nos seus estudos, que o negro era inferior. E aqui, em parte de seus estudos, para nós entendermos como é que construímos a antropologia do negro no Brasil, diz Nina Rodrigues: A sensualidade do negro pode atingir então às raias quase das perversões sexuais mórbidas. A excitação genésica da clássica mulata brasileira não pode deixar de ser considerada um tipo anormal. “Nunca se frisou bastante [...] a depravada influência deste característico tipo brasileiro, a mulata, no amolecimento do nosso caráter”. "Esse fermento do afrodisíaco patrício", como lhe chama [...] Sylvio Romero, foi um dissolvente da nossa virilidade física e moral. Ele entendia que a mulata brasileira era uma mulher perniciosa na sociedade brasileira. Significa dizer que toda a construção que foi feita depois, na década de 20, de 30, com Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, em que ele fala da democracia racial, foi feita em estudos calcados na inferioridade do negro, que são estudos falsos. O que nós queremos hoje - ou o que querem hoje, não nós, porque eu também sou contra -, ao diminuir a idade penal, é exatamente voltar ao final do século XIX e continuar com uma perseguição aos jovens negros e pobres do nosso País. E aí, Senador, eu espero, de coração, que V. Exª e todos os Senadores... Estou vendo aqui... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS. Fora do microfone.) - Valdir Raupp. O SR. PAULO SÉRGIO RANGEL DO NASCIMENTO - ... o Senador Valdir Raupp, que tem um trabalho exemplar aqui, como Líder do PMDB, e V. Exª também. Enfim, de todos os Senadores, eu espero de coração, que essa proposta de emenda à Constituição, ao chegar ao Senado, receba o tratamento responsável, digno e ético que merece de todos os Senadores, barrando essa mensagem, porque isso não vai trazer sossego ao nosso País em termos de violência urbana. O que vai trazer paz, o que vai trazer melhora desses jovens é a educação! Nós temos que trabalhar a educação desses jovens. Muito obrigado e bom dia a todos! (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Dr. Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, que é Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e autor do livro A Redução da Menor Idade Penal: Avanço ou Retrocesso Social?. Ele deixa muito claro que é um retrocesso. Eu cumprimento aqui o Senador Valdir Raupp, que se faz presente. Cumprimento agora o nosso painelista, Líder do PMDB, um homem que, com certeza, tem compromisso com todas as causas dos direitos humanos. É uma alegria vê-lo aqui. Temos agora, aqui conosco, o Senador Walter Pinheiro, também. (Palmas.) Ambos comprometidos com essas causas em defesa de nossa gente. Cumprimento também o Senador Hélio José e o Senador Telmário Mota, ambos já estiveram aqui nos cumprimentando pela iniciativa deste evento. Passamos, de imediato, a palavra para o Dr. Fábio George Cruz da Nóbrega, Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público. O SR. FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA - Quero saudar os Senadores Paulo Paim, Valdir Raupp e Walter Pinheiro. Quero saudar os ilustres membros que compõem esta Mesa e todos que aqui se encontram no recinto. É uma honra, Senador Paulo Paim, em nome do Conselho Nacional do Ministério Público, ter recebido o convite para participar de debate tão relevante. Eu gostaria de iniciar dizendo que, sem dúvida nenhuma, a discussão que se põe, no dia de hoje, é uma discussão de muita relevância. O País certamente precisa aprofundar este tema. Há uma mania, em nosso País, que enfrenta crises e problemas complexos, de tentarmos resolver através de soluções legislativas. |
| R | Só para dar uma ideia, nos últimos 25 anos, quase 200 modificações legislativas foram realizados, em nosso País, na área penal, sempre para recrudescer as penas, sempre para dar um tratamento mais rigoroso aos crimes em nosso País. Em nenhum momento - e faço este registro, porque acho importantíssimo -, com exceção do período que foi de 2003 a 2007, quando campanhas de desarmamento foram realizadas em nosso País - e, aí, sim, houve uma redução efetiva da violência -, apesar de estarmos com 25 anos de recrudescimento nas penas, no rigor das sanções em nosso País, a violência decresceu. Então, se aumentar as penas, se criar novos crimes - e aqui incluo o tema -, se reduzir a maioridade penal viesse a dar solução para isso, o País já estaria dando, nesses 20, 25 anos, resultados nesse sentido, mas caminhamos no sentido absolutamente oposto. Todos sabem que o Brasil continua, ano a ano, como recordista mundial de homicídios. Sem dúvida nenhuma, mais de 50 mil. Estamos próximos dos 60 mil ao ano. Esse é um dado que envergonha o nosso País. E várias são as causas, vários são os fatores que levam a essa realidade. Não tenho dúvida nenhuma de dizer que o aumento do rigor das penas ou a redução da maioridade penal nenhuma influência trará para modificar essa realidade. Como muito bem dito aqui pelo desembargador, nós temos causas sociais, nós temos pobreza, uma desigualdade extrema em nosso País. Nós temos um mal funcionamento do nosso sistema judicial. Acho que esse é um ponto importantíssimo. No sistema judicial brasileiro, 87% dos juízes - não sou eu que estou dizendo - do nosso País apontam que a principal causa, o principal fator de impunidade no Brasil é a morosidade judicial. Quando não temos um sistema que funciona de maneira adequada, punindo os crimes que ocorrem, nós vamos ter, sem dúvida nenhuma, uma sensação de impunidade, e as pessoas não vão se sentir estimuladas e, até mesmo, pressionadas para cumprir com rigor a lei. Um dado muito claro que o Conselho Nacional do Ministério Público divulga já há alguns anos: nós só conseguimos, Senador, identificar a autoria de 8% dos crimes de homicídio que ocorrem em nosso País. Só 8% daqueles que praticam crimes de homicídio são levados a julgamento. E, quando o são, há uma média de cerca de 10 a 12 anos para que se ocorra o chamado trânsito em julgado, e, portanto, essas pessoas tenham a necessidade de cumprir pena. O Brasil vai na contramão do mundo todo. Se pegarmos os países mais avançados do mundo, os Estados Unidos e a Europa, garante-se, nesses países, o chamado duplo grau de juridição, o direito que todas as pessoas têm de, condenadas a partir de uma sentença, recorrer a uma segunda instância, mas nós continuamos insistindo - e só nós, no mundo todo - em ter quatro instâncias de julgamento. E essa morosidade - o trânsito em julgado com 10 a 12 anos -, sem dúvida nenhuma é um dos principais fatores que estimulam a violência que temos hoje no nosso País. Também temos um problema muito grande envolvendo as drogas. Essa é uma realidade realmente que se espalha pelo País. Eu, que sou da Região Nordeste, vi as capitais da Região Nordeste, nos últimos dez anos, passarem de cidades pacatas para cidades que lideram a violência. Das dez cidades que lideram o ranking da violência em nosso País, nove são capitais da Região Nordeste. Esse é um quadro recente, é um quadro realmente dos últimos dez anos. Temos um problema gravíssimo, que é a alta letalidade na intervenção policial. Por média, a cada dia, a atuação da polícia resulta em oito mortes em nosso País. É um número que ultrapassa 3 mil mortes durante um ano. Embora o tema do livro do desembargador seja redução da menor idade penal, certamente faria um excelente trabalho se tratasse dos autos de resistência. Este é um ponto fundamental que o Brasil não pode continuar observando: quando a Polícia Militar age - e age em grande parte legalmente, claro - com excesso, e nós temos números absurdos, especialmente nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, não se abre um inquérito, Senador. Registra-se, no boletim, como se já fosse um ato devidamente justificado. São os chamados autos de resistência. Quer dizer, não se aprecia, como regra, a legalidade da atuação da polícia. |
| R | Temos visto cenas lamentáveis no nosso País nos últimos meses. Neste fim de semana, vimos mais: numa abordagem policial de rotina, 111 disparos realizados, quase 80 de fuzil, que levaram a cinco vítimas jovens. Esse, sem dúvida nenhuma, é um tema importantíssimo e que precisa ser mais bem enfrentado. Nesse aspecto, o Conselho Nacional acaba de aprovar uma resolução - e eu já tinha dito isso a Frei David - que obriga o Ministério Público do País a abrir inquéritos policiais em todos esses casos, em todas essas ocorrências para apreciar... (Palmas.) Vejam bem, não estamos condenando, de início, a ação policial, mas, como toda e qualquer ação de que resulte morte, é preciso que haja uma análise, uma investigação, que se apure para se saber se realmente se deu no cumprimento da legalidade. Então são diversos outros fatores. Não tenho dúvida nenhuma de que nada tem a ver com o tema da redução da maioridade penal. Queria fazer dois registros, Senador, e já louvando a sua iniciativa. Sou um dos admiradores do trabalho que V. Exª, há muito tempo, realiza nesta Casa. Não podemos aceitar o argumento fácil que é utilizado no dia a dia e que não é verdadeiro, de que vamos reduzir a maioridade penal porque no mundo todo é assim. Não é assim. E o Conselho Nacional discute, neste momento, se aprova uma nota técnica que investiga esse dado no mundo inteiro. E é importante que se diga que, dos 54 países que permitem a responsabilização penal de quem pratica crimes como adulto, 42, 80%, adotam a maioridade penal igual a nós, aos 18 anos de idade. Então esse é um padrão no mundo todo. É claro que existem países que fogem um pouco desse padrão, como os Estados Unidos, o Canadá e outros, com circunstâncias sociais, policiais e judiciais completamente inversas da nossa. Esse é um ponto fundamental. O Brasil está igual à ampla maioria dos países, quando fixa, e já o faz há algum tempo, a maioridade penal aos 18 anos. Mas, se alguma mudança viesse a ser feita, Senador, acho importante discutir o tema, teríamos que ter dados práticos, estatísticos, para dizer: "Olha, vamos fazer essa mudança exatamente porque as estatísticas, os dados que temos, os estudos que realizamos mostram que a redução da maioridade iria servir para melhorar a repressão à violência em nosso País". E não existem dados a respeito dessa matéria. Então, eu queria fazer esses registros iniciais para dizer que, parece-me, realmente, que o tema está sendo tratado como uma solução para um problema complexo que tem diversas causas. Ousei apontar algumas delas aqui e acredito que iríamos no mal caminho se viéssemos a desperdiçar o momento para aprofundar essas causas da violência e tentarmos dar soluções simples para essa matéria. Faço esses registros iniciais e, obviamente, fico à disposição. C Conselho Nacional do Ministério Público está à disposição do Senado, para debater todos esses temas. Eu queria fazer um último registro, porque, ao iniciar, vi que o Senado se prepara para discutir também a importante matéria envolvendo a tragédia de Mariana. Este é um tema que preocupa o Ministério Público brasileiro. A partir desse exemplo o CNMP constituiu um Fórum Nacional de Recursos Hídricos. Dezesseis colegas do País dos mais variados ramos vão se sentar para traçar uma estratégia comum de atuação no País inteiro, porque o que temos ouvido é que há uma completa omissão na fiscalização da situação dessas barragens País afora, do Rio Grande do Sul, passando pela Bahia, Região Norte etc. Então, o Conselho vai tentar traçar uma estratégia preventiva de atuação, para que evitemos novas ocorrências desse tipo. E o Conselho Nacional já está apoiando e integrando os mais variados ramos dos MPs, no Espírito Santo e em Minas Gerais, para que possamos atuar de maneira exemplar neste caso. Também para este caso, uma tragédia de tal complexidade, não há soluções fáceis. Seria muito simples, para se dar uma satisfação à sociedade, se o MP ajuizasse hoje ou amanhã uma ação dizendo: "Vamos cobrar R$200 bilhões da empresa". |
| R | Não. O Ministério Público tem outros deveres fundamentais, inclusive de amparar as comunidades atingidas, de recuperar o patrimônio histórico e cultural que foi atingido e de calcular, de maneira idônea, os danos ambientais para que as empresas, aí, sim, no momento subsequente, venham a ser acionadas na justiça. Feito esses registros iniciais e, mais uma vez, louvando a iniciativa do Senado, agradeço o convite que me foi feito e fico, aqui, à disposição. Tenham o Conselho Nacional do Ministério Público como um parceiro fundamental em todas essas discussões importantíssimas que o Senado do País faz neste momento. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Dr. Fábio George Cruz da Nóbrega, Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público. Fica, então, aqui já o convite para segunda-feira. Quem é poderá representar? Sobre essa questão de Mariana, na ótica dos direitos humanos, acho que é importantes aprofundar o debate e aproveitar para que setores importantes, como o Ministério Público, possam já sinalizar o que estão fazendo, em que entendem que podemos ajudar, podemos estar juntos, porque, de fato, fiquei mais do que assustado, fiquei apavorado com o relato que ouvi no Espírito Santo, quando estive lá, acho que duas semanas atrás. Parabéns pelo trabalho. Convidamos, agora, para usar a palavra, o Dr. Anderson Pereira de Andrade, Promotor de Justiça do Distrito Federal. O SR. ANDERSON PEREIRA DE ANDRADE - Bom dia a todos e a todas. Quero agradecer o convite que foi feito ao Conselheiro Dr. Walter Agra, da Comissão de Infância e Justiça, do Conselho do Conselho Nacional do Ministério Público, para estar aqui debatendo esse tema importante da questão da redução da maioridade penal. Cumprimento o Senador Paim, a quem parabenizo pela iniciativa. Quero dizer que, como residente no Distrito Federal, sou ouvinte da Rádio Senado e sempre ouço os interessantes debates que o senhor traz a esta Comissão, especialmente pelas manhãs, e são valiosas reuniões em que a defesa dos direitos fundamentais da população brasileira tem grande protagonismo. Acho que fiz essa apresentação para o Conselho Nacional do Ministério Público no nosso recente congresso de gestão, Conselheiro Fábio, e acho que vai ficar complementar de alguma maneira, porque estamos aqui ao lado do nobre Desembargador Paulo Rangel, que tem uma obra alentada e de grandioso valor sobre o tema. Antes de falar qualquer coisa, falarei sobre a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente como alternativa à redução da maioridade penal, tenho que dizer o seguinte: o problema do tratamento dado ao adolescente infrator no Brasil não é a lei. Isso tem que ficar claro. O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei boa, é uma lei excelente, é uma lei que veio dois anos depois da Convenção sobre os Direitos da Criança, aliás, um ano depois. A Convenção é de 89; o Estatuto; de 1990. Os mesmos Parlamentares que aprovaram, a mesma legislatura que aprovou a Constituição de 1988 aprovou o Estatuto. O senhor sabe disso, o senhor estava aqui. E é uma lei excelente, é uma lei que não foi aplicada, nos seus 25 anos, no que se refere ao procedimento de apuração do ato infracional e à responsabilização do adolescente infrator. E, por isso, temos este descalabro. Pasmem os senhores, pasme, Desembargador, este ano, no Distrito Federal, morreram cinco adolescentes dentro de instituições de internação. Cinco adolescentes, aqui, no Distrito Federal, morreram, foram assassinados, dentro de instituições de internação. Então, essa é a prova cabal, não preciso falar mais nada, para declarar que, posta em marcha, a implementação do Estatuto é terrível. Agora, no que nos diz respeito - e estudei bastante o tema; estudo e leciono o tema -, a técnica legislativa utilizada pelo legislador de 1990 pode sofrer uma reforma, uma modernização. A lei é uma obra humana e, como tal, é imperfeita. O Estatuto da Criança e do Adolescente, que trata tanto de proteção quanto de responsabilização, foi reformado, no que se refere à adoção, em 2010, a Lei 12.010. Em nossa opinião, de uma maneira muito equilibrada, muito justa e com boa técnica, a proteção à adoção e a colocação em família substituta foi reformada. |
| R | E nós achamos que pode ser reformada também a questão da apuração do ato infracional. É sobre isso que vamos falar brevemente. Não vamos falar do histórico. O Desembargador Rangel já trouxe bem isso. É interessante notar a questão do negro. Já a partir da década de 20, nós começamos a aprovar as leis que se transformariam no nosso primeiro Código de Menores, em 1927. O que desencadeou a aprovação pelo Presidente Washington Luís foi um caso na Rua do Ouvidor em que um menino negro, engraxate, engraxou o sapato de um cidadão, e o cidadão não pagou, saiu. Ele jogou a tinta no cidadão, manchou-o. Esse menino foi preso, foi levado para uma prisão de adultos, foi seviciado, foi violentado, apanhou muito e foi levado ao hospital. E os médicos se insurgiram contra aquela barbaridade que foi feita contra o garoto. A partir daí, foi promulgado o nosso primeiro código. Mas vou passar sobre isso. Temos esse compromisso. A Convenção sobre os Direitos da Criança fala, no seu art. 1º, que para seus efeitos se considera criança o ser humano com menos de 18 anos. Também há nossos compromissos internacionais junto ao Pacto de São José da Costa Rica, que tem uma opinião consultiva de 2002, que manda os Estados-partes. Todas essas razões já estão muito bem catalogadas e foram expostas pelo Desembargador. O que vou trazer aqui, rapidamente, senhoras e senhores, são evidências empíricas. Isso não são impressões minhas. Essas evidências empíricas foram tiradas de estudos científicos que analisaram a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente em seis Estados brasileiros: Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Rio Grande do Sul. Foram às Varas da Infância e Juventude e constaram isso. A Profª Maria Auxiliadora Minahim, à frente de uma equipe de pesquisa da Universidade Federal da Bahia, uma pesquisa encomendada e financiada pelo Ministério da Justiça e pelas Nações Unidas, verificou que a celeridade processual acaba preponderando sobre o devido processo legal, com duração de audiências quase sempre inferior a cinco minutos, havendo inquirição de testemunhas em tempo inferior a três minutos. Isso no procedimento de apuração do ato infracional. Essa é a forma como a culpa, a responsabilidade do adolescente é verificada, porque é claro que há uma responsabilidade do adolescente. É claro que há um tipo de culpabilidade que é exigida dele. É claro que aquele adolescente, por exemplo, que é portador de uma patologia mental grave não pode responder nem de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. É inimputável até para o Estatuto da Criança e do Adolescente. Então, a segunda constatação das pesquisadoras é que não há confrontação com testemunhas. Essas são ouvidas, quando existem, na presença do defensor e não também do adolescente. Os pesquisadores ficaram impressionados com o baixo número de testemunhas. Uma cineasta fez um filme, um documentário muito interessante chamado Juízo, no Estado do Rio de Janeiro - eu também sou oriundo do interior do Estado do Rio de Janeiro, de Petrópolis -, em que colocou uma câmera na 2ª Vara da Infância e da Juventude da cidade do Rio de Janeiro e verificou justamente isto: como as audiências são rápidas, como não há tempo realmente de verificar aquele caso com o vagar que a situação do adolescente exigiria. A terceira constatação é que a participação da defesa técnica é inexpressiva. A atuação conjunta Juiz, Ministério Público e Defensor confere à audiência aparência de junta administrativa e não de protagonista de um processo contraditório. O que se vê é que não há um verdadeiro contraditório. A privação cautelar é regra nos casos de atos infracionais graves, enquanto que, para adultos, não há prisões processuais obrigatórias que decorram de forma automática de um crime grave. E hoje muito mais com as audiências de custódia. Hoje, qualquer preso no Brasil está sendo levado imediatamente à presença do juiz. Então, só vai ficar preso cautelarmente aquele que necessita da prisão. E isso não acontece, muitas vezes, com o adolescente. Os adolescentes, muitas vezes, são ouvidos pelo Ministério Público sem assistência de advogado ou sequer dos pais. E aqui quem lhes está dizendo isso é um Promotor de Justiça que trabalha na área da infância e juventude. |
| R | Muitas vezes, nós ouvimos adolescentes sem a presença do Defensor Público, porque a lei não diz claramente que, na audiência informal com o Promotor de Justiça, é obrigatória a presença. Ela diz, de forma geral, no art. 111, que a presença do advogado é obrigatória, mas não diz, naquele ato de audiência informal com o Promotor de Justiça, que é um ato fundamental desse procedimento de apuração do ato infracional. Apesar do tempo de aplicação do estatuto, o paradigma na situação irregular vigente com os códigos menores, que vigeram até 1989,... (Soa a campainha.) O SR. ANDERSON PEREIRA DE ANDRADE - ...desde o começo do século passado, continua a ter presença marcante nas decisões e acórdãos do Tribunal de Justiça aqui do nosso Distrito Federal. Eu trago, Senador, algumas proposições para avaliação desta Comissão. Algumas dessas proposições foram aprovadas por um grupo de Promotores de Justiça - 120 Promotores de Justiça da Infância e da Juventude do Brasil, a COPEIJ, Comissão Permanente da Infância e da Juventude. A maior parte delas foi aprovada por esses Promotores de Justiça. Aprovar uma lei de responsabilidade penal ou introduzir um capítulo no Estatuto da Criança e do Adolescente, porque não é necessário revogar o estatuto na parte infracional. Há autores respeitados no Brasil, como Karyna Sposato e o grande Juiz aposentado João Batista Costa Saraiva, do Rio Grande do Sul, do seu Estado, que o senhor conhece muito bem, que defendem uma lei de responsabilidade penal do adolescente. Mas não é necessário. Basta mudar o capítulo do estatuto. Também nem precisa mudar o nome. O importante é que as reformas necessárias sejam feitas para acabar com esse fenômeno da eufemização, chamando os institutos jurídicos por seu nome. Não adianta chamar cobra de zebra, porque ela não vai virar zebra sendo chamada de cobra. Isso é muito importante. E este Senado aprovou uma lei como resposta rápida à iniciativa da Câmara de aprovar a proposta, mas é uma lei que, em minha opinião, humildemente, de quem vem acompanhando esse debate acerca desse projeto de lei que foi aprovado, deixou de ter a profundidade exigida talvez pelo caso, porque, por exemplo - isso é muito importante -, o juiz tem que fixar na sentença o tempo exato de cumprimento da pena juvenil ou da medida socioeducativa. Nós entramos em unidades de internação, e o adolescente não sabe quanto tempo vai ficar privado de liberdade. Ele não sabe! Ele sabe que entrou e pode sair em até três anos, mas seis meses ou um mês a três anos, isso pode representar um terço, um quarto, um quinto da vida de um adolescente de 15, 16 anos. Ele não sabe. Essa incerteza é terrível. Nós que trabalhamos com adolescentes em privação de liberdade sabemos isso. Aumentar o prazo de internação cautelar para 60 dias é uma proposta, enfim, que esse coletivo de promotores não aprovou, mas quem opera sabe que é importante para que seja realmente formada a culpa daquele adolescente, se ele tiver culpa, autoria, materialidade do ato infracional. Estabelecer faixas etárias e assinar medidas ou penas ao adolescente de acordo com essas faixas proporcionalmente. Isso o Senado fez no seu projeto aprovado. O adolescente de 12 a 14 anos tem que ter um máximo de medida, de pena juvenil menor do que aquele de 16, 17 anos. A duração da pena pelo prazo máximo de oito anos na faixa etária mais avançada, que seria, de acordo com o nosso entendimento, 16 e 17 anos, naqueles delitos considerados hediondos. É uma proposta aberta à discussão. E dar protagonismo também às vítimas dos delitos no processo penal juvenil, porque essa previsão o estatuto não fez. E outras leis mais novas - a lei colombiana, a lei chilena, a lei espanhola - deram bastante protagonismo à vítima. E, para encerrar, modificar o nome do instituto da remissão para desistência do processo. Cerca de 60% dos atos infracionais aplicados nas Varas de Infância e Juventude são aplicados em remissão, que é essa desistência do processo. Depois, a lei que aprovou os juizados especiais trouxe, imitou o instituto da remissão e chamou de transação penal cinco anos depois. O problema é que essa desistência é ilimitada e, muitas, é aplicada de uma forma descontrolada o que leva a uma sensação de impunidade ao adolescente. |
| R | Nós temos, sim, adolescentes que receberam, às vezes, uma, duas, três, quatro remissões e, às vezes, nenhuma delas foi executada, nenhuma delas começou a ser trabalhada com o adolescente. Abolir a internação cautelar do adolescente para garantir a sua segurança pessoal. O art. 174 do Estatuto prevê, o que é um absurdo, privar alguém de liberdade cautelarmente para garantir a segurança dele. Não, a segurança que se garante é do processo, da instrução, ... (Soa a campainha.) O SR. ANDERSON PEREIRA DE ANDRADE - ... da vítima e não do adolescente. E, finalmente, determinar a presença de advogado com o adolescente em todos os trâmites processuais e pré-processuais perante o juiz, o Ministério Público, desde a delegacia de polícia. Essa é uma contribuição, Senador, senhores, senhoras, que o Ministério Público procura trazer. E podemos nos aprofundar nela para melhorar a técnica do Estatuto, torná-lo mais garantista para o adolescente e responsabilizá-lo de acordo com o princípio da proporcionalidade. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Dr. Anderson Pereira de Andrade, Promotor de Justiça do DF, que dá esse depoimento, de que muitos jovens, ele que é promotor, chegam lá e são, querendo ou não, questionados sem a presença... O SR. ANDERSON PEREIRA DE ANDRADE (Fora do microfone.) - Algumas vezes sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... de advogados. A gravidade dos fatos. Passamos agora ao representante do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, Dr. Irapuã Santana Silva. O SR. IRAPUÃ SANTANA SILVA - Primeiramente, bom dia a todos. Gostaria de agradecer o convite do Senador Paulo Paim para participar dessa Mesa extremamente qualificada para a questão do nosso debate de hoje. Tive que refletir um pouco sobre o tema e uma das coisas em que nós pensamos, e que já foi falado aqui na Mesa, foi a questão da impunidade. A sensação de impunidade é a primeira coisa que impulsiona o debate legislativo, essa sensação de impunidade é exatamente aquela que diz que nós precisamos também abarcar os adolescentes de 16 e 17 anos que teriam esse discernimento. E o problema disso é que, como já foi falado aqui pelo Prof. Paulo Rangel - eu falo professor porque ele foi o meu professor na graduação -, a sensação de impunidade se dá basicamente, pelo dado que foi trazido pelo Dr. Fábio, pelo fato de que o número de casos resolvidos de homicídio é entre 5 e 8% dos casos, e isso contra um índice de resolução no Reino Unido de 85% e nos Estados Unidos de 65%. Então, aquele o custo-benefício de realmente tentar realizar aquele delito, acaba ficando bom. E outra coisa que eu acho extremamente interessante é essa ideia de trazermos essa discussão, porque legislar no calor dos temores é extremamente prejudicial. Então, é de se louvar, realmente, essa iniciativa do senhor. A ideia a que me remeteu o tema do nosso debate é, primeiro, essa questão da impunidade e esse risco de nós acabarmos decidindo mal no processo legislativo. E isso também me remete a uma ideia extremamente prejudicada e eivada de racismo, àquela relação de não pertencimento. É muito mais fácil a gente pensar que bandido bom é bandido morto quando é roubo, assassinato, mas, quando é um crime de colarinho branco, ninguém fala sobre isso, ninguém fala sobre essa questão. |
| R | Então, essa é a primeira questão que me remete a uma pesquisa sobre o racismo no País, que é bem famosa, e a primeira pergunta que se faz é se existe racismo no País. E 98% das pessoas falam que existe. E, quando se pergunta se aquela pessoa que acha que existe racismo no País é racista, 95% falaram que não. Então, a gente passa por uma ideia de uma estrutura racista no nosso País e que acaba por separar realmente e trazer dois tipos de sociedades diferentes. Então, trouxe alguns dados aqui. De acordo com o Ipea, agora em 2013, que é o mais atual, 53% da população é negra, de pretos e pardos, 47% de brancos. E, se formos analisar a situação de acordo com a renda, esse equilíbrio que nós temos desaparece. Na distribuição por renda para as pessoas extremamente pobres, com renda domiciliar per capta de até R$79,12, nós temos aí 5.651.071 negros nessa situação, contra 2.330.000 brancos, dando essa porcentagem de 71% de negros e 29% de brancos que ganham até R$79,00 por mês. Quando nós subimos um pouco na camada, a relação passa de três quartos de negros para um quarto de brancos, nessa camada pobre. O que leva, juntando essas duas camadas, a 2,7 vezes a mais de negros pobres e extremamente pobres do que brancos. E, se a gente subir um pouco com a questão do rendimento mensal, nós vemos que os negros ganham, geralmente, a metade que o branco. O índice de analfabetismo também, só que aí, agora, é duas vezes mais. Existem duas vezes mais negros analfabetos do que brancos. Observando a ocupação dos espaços, no último censo do Conselho Nacional de Justiça, nós temos que 84,5% dos juízes se declararam brancos, enquanto 1,4%, somente, se declararam negros. No Ministério Público, eu realizei essa pesquisa e somente o Ministério Público de São Paulo fez essa pesquisa censitária, étnica, e lá 93% dos membros do Ministério Público são brancos, enquanto apenas 3% são negros. Passando um pouco agora para onde eu trabalho, o Supremo Tribunal Federal, de 290 ministros apenas 3 ministros são negros, na história. O primeiro foi o Pedro Lessa, entre 1907 e 1921, o segundo foi Hermenegildo de Barros, de 1917 a 1931. E nós só tivemos, realmente, um Presidente negro na história do Supremo Tribunal Federal, em 2012, sendo que o Supremo Tribunal Federal foi criado em 1824, com a nossa primeira Constituição. Então, se não existe racismo no País, por que que existe esse tipo de discrepância tão gritante, a partir do momento em que a gente viu que, mais ou menos, se equivalem brancos e negros aqui no País? E, antes de iniciar esse vídeo, eu acho que ele traz muito a ideia de que - na verdade isso está no nosso cotidiano - o negro é sempre o alvo, é sempre o suspeito, dentro desta perspectiva de pobreza, que remete à ideia de que é sempre o suspeito de realizar algum tipo de delito e tudo. Por favor. (Procede-se à exibição de vídeo) |
| R | Basicamente, essa música resume muito bem o nosso dia a dia. Posso falar por mim, que nasci e cresci no subúrbio do Rio de Janeiro. E ser parado pela polícia não mudou o fato de eu ter vindo para cá ser assessor do Ministro Fux no Supremo Tribunal Federal. Até numa rede social tem uma questão de trazer lembranças de outros dias, e recentemente trouxe uma lembrança triste minha, porque eu estava na Lapa e aí dois policiais me pararam de maneira um pouco exacerbada. Eles só pararam quando eu tive que mostrar a minha carteira funcional, o que realmente é constrangedor. É uma coisa que realmente acontece. E aí a gente para e pensa: isso aconteceu comigo porque eu tenho hoje 29 anos, mas o que se passa quando acontece com um adolescente, com esse sistema - nós já apontamos aqui -, que é extremamente falho? Qual seria a consequência desse tipo de atitude com essa estrutura que nós temos, que é extremamente defeituosa? Outra questão que também acho interessante é que, dentro da questão do subúrbio, qual a resposta que damos diante da falência do sistema? Não, vamos recrudescer, aumentando a pena da lei, que na verdade todo mundo já sabe que não tem eficácia. E acaba sendo uma medida realmente populista, de pegar as paixões do povo, aquela insatisfação, de que o pouco que ele tem o outro rouba, e tem essa questão do alheamento, esse não pertencimento. Qual a resposta? Vamos implantar uma medida que vai trazer mais ódio e não vai adiantar de nada, quando, na verdade, tem de haver medidas estruturais. Como falei, sou do subúrbio do Rio. Dos meus colegas de infância, de um grupo que era de 30, 40 pessoas, perdemos para o tráfico 90%. De 40, salvaram-se 8, comigo. |
| R | Nesse sentido, acho interesse trazer a reflexão de Martin Luther King sobre essa questão de que não basta as pessoas que estão ali com aquele problema diário reclamarem. É preciso que quem está em cima também possa observar e ajudar, porque o silêncio, na verdade, acaba por prejudicar ainda mais, pois quem cala consente. É nesse sentido. Partindo para a última reflexão, como falei, sou de origem humilde, e foram as políticas públicas que puderam fornecer esse acesso. Finalmente, eu pude entrar por cota na faculdade. Depois, consegui entrar no mestrado, vim trabalhar com o Ministro Fux e pude chegar à mais alta Corte como assessor de Ministro, que é um dos cargos mais desejados pela comunidade acadêmica. Então, acho que a resposta é outra, porque eu também estava nesse meio e fui para o outro lado. Então, é questão de ter incentivos ao estudo, estímulos, ter mais espelhos para se observar, e não recrudescer com uma medida que é completamente ineficaz. Com isso, gostaria de agradecer a oportunidade mais uma vez. E desejo bom dia a todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Irapuã Santana Silva. É uma alegria enorme ouvir o seu depoimento e um pouco da sua história de vida, que é grande parte da história do nosso povo. Os dados que você coloca aí, você é um jovem ainda... (Palmas.) Esse é o mundo real. O que você trouxe para nós nesta Comissão é muito importante. Esse é o mundo real. Quando você diz que, de 90 jovens, poucos se salvaram, é esse mundo que nós temos que enfrentar. Então, queria dar mais uma salva de palmas para você, porque palavras não tenho mais. (Palmas.) Esta mesa está convidada a voltar para a primeira fila. E convido agora a segunda mesa, começando pelo Frei David Santos, Diretor Executivo de Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro). Frei David, seja bem-vindo, você que foi um dos provocadores desta audiência de hoje. Convido também Ângela Cristina Santos Guimarães, Secretária-Adjunta e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Juventude da Presidência da República. Seja bem-vinda. E Renato Ferreira, mas o Renato não chegou. Então, vamos lá. Vamos começar com o Frei David. Frei David, a fala do menino - menino é um modo de dizer, o Doutor, mas ele é um jovem, eu estou com 65 anos -, o relato que ele deu é o relato da nossa juventude. Que bom vê-lo aqui! O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Senador Paim e demais assistentes da TV Senado, é uma alegria termos esta audiência pública. O problema da redução da maioridade penal é que ela é uma atitude quase que criminosa das instituições brasileiras. E eu tenho certeza de que os Senadores que estão agora nos ouvindo em seus gabinetes ou em seus outros afazeres, bem como os assessores dos Senadores, vendo essa riqueza de material, de instrução, eles, com certeza, irão ajudar os Senadores a não cometerem esse erro gravíssimo contra a Nação brasileira. |
| R | E, Senador, quando o senhor se emociona com o depoimento do nosso querido Irapuã, quero lhe dizer que o Irapuã é consultor da Educafro, ele ajuda-nos em vários eventos. E a gente fez questão de ele fazer um sacrifício para estar aqui, porque, para nós, ele é um exemplo: foi alguém que saiu da periferia, das quebradas do Rio de Janeiro, grande parte dos colegas dele foram assassinados pela polícia, ou foram roubados pelo tráfico, ou estão na situação de descrédito na sociedade. Ele é um dos poucos sucessos. Por quê? Porque ele foi beneficiado por uma lei das cotas dando a ele vaga em universidade pública. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - E, com essa vaga, ele soube usar da oportunidade, soube fazer do limão da vida uma limonada. Concluiu a Uerj, foi selecionado para vários cargos importantes, é Procurador do Município de São Paulo, procurador aprovado em concurso público, já fez o seu mestrado e, agora, ele me deu uma boa notícia que quero partilhar com todos vocês: acabou de ser aprovado para o doutorado da Uerj, e é algo dificílimo passar para doutor em Direito. Então, ele vai começar o doutorado nos próximos dias - e, com certeza, está se começando a desenhar um futuro ministro do STF aí. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Tomara. O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Senador, nessa linha de riqueza de debate eu quero dizer que .... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu não falei ali, porque a emoção não deixou, mas aquela cartinha para a tua mãe arrasou! Eu li toda ela. E você não leu porque você só mostrou lá. Mas eu li toda ela. Você arrasou, ouviu? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu vou pedir cópia depois daquela carta e, se você me autorizar, eu vou publicá-la, a tua carta, a carta da mamãe. (Intervenção fora do microfone.) O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Importantíssimo isso daí! Então, Senador, para nós, essa audiência está sendo muito esclarecedora. A primeira mesa técnica que aqui apresentou os dados para mim foi completa, ela pegou todos os aspectos. E eu, então, atrevo-me, antes de pegar a parte que elaboramos para apresentar, partilhar com nossos ouvintes e com os que estão assistindo à TV Senado, bem como com os presentes, algumas boas notícias da nossa caminhada. Eu quero dizer para o Senador e para os demais Senadores desta Comissão que vocês organizaram aqui uma audiência pública sobre fraude na autodeclaração. E quero comunicar a vocês que esta audiência não tem nem quatro meses e já conseguiu resultados fortíssimos: o Ministério Público Federal já abriu uma ação exigindo que os vários órgãos públicos criem comissão para averiguar. Por que o que está acontecendo? Existe, sim - existe, sim -, uma trama dos administradores públicos contra um direito constitucional. Quando o STF votou as cotas, ali na fala do STF, na redação final do texto, três pontos foram chaves. Primeiro ponto: as ações afirmativas são constitucionais. Segundo ponto: haver a autodeclaração como método é constitucional. Terceiro ponto: haver comissão para evitar falsidade na autodeclaração é constitucional. Ora, o que está acontecendo? Os administradores de concursos públicos, de maneira injusta, anti-Brasil, só botam em prática o primeiro ponto - que a ação afirmativa é constitucional - e o segundo ponto - que haver autodeclaração é constitucional. E negligenciam o terceiro ponto, que é o mais importante: que é haver comissão para averiguar e evitar a falsidade. Portanto, a Procuradora Ana Carolina - quero parabenizá-la publicamente - já entrou com ação, e ela focou especialmente no concurso que é o mais cobiçado do Brasil, o do Itamaraty - o concurso do Itamaraty é um concurso disputado. E existe no concurso, desde a primeira fase, um alto grau de brancos fraudando as cotas - um alto grau. E agora está na última etapa, só são seis "vagazinhas", pouquíssima gente concorrendo e, com o auxílio da Educafro e outras entidades do movimento social, a procuradora detectou cinco brancos entrando nas vagas de negro. Só são seis vagas para negro - olhem só que absurdo! Então, existem cinco brancos disputando essas seis vagas de maneira desonesta. |
| R | E, graças a Deus, a procuradora usou uma estratégia boa: mandou carta para cada emprego desses cinco brancos, perguntando: "Quando esse cara chegou no emprego, declarou-se negro?" Então, no emprego vão dizer: "Não, declarou-se branco." Segundo: "Mande-me a foto que ele apresentou a vocês aí." Mandaram a foto e a foto era de branco. Ou seja, a Procuradora está muito bem segura e guardada, e o processo, portanto, está assegurado. Quero parabenizá-la. Quero também parabenizar o Conselho Nacional do Ministério Público, na pessoa do Dr. Jorge, que está aqui conosco, porque o Conselho está produzindo uma resolução, para ter caráter nacional, orientativa para que os Ministérios Públicos do Brasil inteiro ajam de maneira firme e corajosa, condenando e punindo aqueles que estão fraudando as cotas. Portanto, é uma boa notícia. A segunda boa notícia, Senador, para partilhar com o senhor, é dizer que, para nossa alegria, o MEC (Ministério da Educação e Cultura), pela primeira vez na história do Brasil, vai dar posse a dois negros no Conselho Nacional da Educação (CNE): são o Dr. Ivan, que acabou de tirar o doutorado dele no Japão, e a nossa querida Doutora Reitora no Instituto Federal de Educação da Bahia, Aurina. Essas duas pessoas vão assumir, nos próximos dias, vão tomar posse como Conselheiros Federais da Educação. É algo inusitado, pois isso nunca aconteceu. Também, quero partilhar minha alegria com os ouvintes, porque o MEC, depois de muita pressão da sociedade, criou uma comissão para definir uma metodologia para incluir negro no mestrado e no doutorado no Brasil. O mestrado e o doutorado no Brasil são quase que um feudo - são quase que um feudo! E, com essa metodologia que está sendo criada, vai mudar radicalmente isso daí. Portanto, a redução da maioridade penal, a construção e a renovação do Brasil. Por que o senhor atirou em mim? É a pergunta que não quer calar e que corre o Brasil inteiro, ante aquele jovem violentado fortemente pela polícia. Especialmente, a gente lembra, neste momento, as Mães de Maio, porque é um crime que o Ministério Público Federal, através do Conselho Nacional do Ministério Público, prometeu-nos que vai levar adiante. Ou seja, em 2006, 500 pessoas foram assassinadas em São Paulo pela polícia paulista. E, desses mais de 500 casos, mais de 95% o Ministério Público mandou arquivar. Ou seja, o Ministério Público também é culpado por esse problema! Só que, agora, o novo Ministério Público está querendo trazer à tona tudo isso daí, e vai exigir do Governador e do Ministério Público de São Paulo uma reabertura desse caso, porque é inaceitável esses jovens assassinados - a maioria negros e a maioria nunca teve nenhuma passagem pela polícia. Ora, os crimes de maio de 2006 foram quando a polícia extorquia o PCC, e o PCC deu um grito de liberdade contra a polícia e falou: "Não dou mais dinheiro à polícia." E, aí, a polícia, em reação ao PCC, matou civis da periferia, que, segundo os policiais, poderiam ser parentes do pessoal do PCC. Então, foi um massacre. E eu quero dizer o seguinte, Senador: foram mortos mais jovens negros... foram mortos mais pessoas, e em especial negros, nos crimes de maio de 2006, pelo governo paulista, do que em toda a ditadura militar - do que em toda a ditadura militar! Então, essa é uma página da história que eu tenho certeza de que o Ministério Público Federal, através do Conselho Nacional do Ministério Público, não vai deixar ficar assim; vai passar a limpo, até indenizando os parentes das vítimas. (Soa a campainha.) O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Por que eu falo isso? Porque nós sabemos que todos aqueles que lutaram contra a ditadura - a maioria classe média - foram todos os seus parentes indenizados pela morte dos seus queridos. No entanto, com referência a assassinato por parte do Estado, através da polícia, de jovens negros, dificilmente a família é indenizada. Isso é outro absurdo que circunda essa situação aí! A Educafro é terminantemente contra a redução da maioridade penal. Países, como a Espanha e a Alemanha, que adotaram voltaram atrás em suas decisões, pois a redução da maioridade penal não reduziu o índice de violência. Hoje, 70% dos países do mundo adotam a idade de 18 anos como idade penal. |
| R | Abaixo, gravura de Debret, do século XIX - castigo de escravos em praça pública -, e meninos negros suspeitos amarrados nos pelourinhos modernos, em 2013 e 2014. Ou seja, quase nada mudou com referência à sorte do negro no Brasil. Você vê essas crianças amarradas, em 2013 e 2014, como no tempo da escravidão. Por que roubos praticados por brancos na CPTM, no metrô e na Petrobras têm o processo penal legal respeitado, mas em relação a possíveis crimes de crianças e adultos negros eles se sentem no direito de matar? Então, no Brasil, nós temos a pena de morte, é dado esse direito à Polícia Militar e a outras polícias. Nós queremos combater isso. Contra isso nós vamos protestar. Nós sabemos que a luta contra a redução precisa crescer. Elencamos vários pontos que vamos deixar no arquivo desta Comissão para possíveis trabalhos. Pesquisa feita pelo Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), em 2014, indica que 61% das vítimas fatais da polícia paulista são negras. Ora, em São Paulo, nós negros somos 35%. E por que 61% das vítimas fatais da polícia paulista são negras? Desses, 97% são homens e 77% têm idade entre 15 e 27 anos. Por que bate nesse ponto? Porque o Estado de São Paulo é um Estado que precisa ser modelo para o Brasil. É o Estado mais rico que há no Brasil. Poderia ter políticas muito mais eficientes, porque dinheiro não falta. No entanto, há esse drama, e o Governador e a polícia dizem que é o Estado menos violento no Brasil. Ora, nosso problema não é ser o menos violento, nosso problema é não ter violência, é ser comparado a países de primeiro mundo, como Suécia, etc., em que o índice de violência é suportável e não essa violência inaceitável que perdura e que perpassa todo o Brasil. São Paulo não pode ser comparado a Alagoas ou à Bahia, onde a violência está sem controle. Por quê? Porque há um complô nas polícias, o mau policial está abafando os bons policiais e consegue impor a sua norma, que é uma norma de total barbaridade. Ainda segundo pesquisa da Ufscar, no Brasil, a taxa de homicídio dos homens de cor preta, com idade de 20 a 24 anos, supera 200 por mil habitantes. É uma das mais altas taxas do mundo. A taxa de homicídio geral do País chegou a 29 para cada 100 mil habitantes, no ano passado, quando a média aceitável da ONU é de 10 por 100 mil habitantes. Com esses dados, fica claramente comprovado que é o jovem que será novamente penalizado, e ele é oriundo das camadas mais sofridas. Queremos deixar evidente que há um link forte entre esse problema, que é a redução da maioridade penal, e o auto de resistência. O auto de resistência é o poder que Governadores estão dando para a polícia. É o poder para matar e não o poder para prender. E, para a nossa dor, vários Deputados, talvez mal-informados, estão dando muita força para não deixar a lei que quer mudar o auto de resistência ir para a frente. Apensaram vários documentos, vários projetos segurando esse processo. Portanto, o auto de resistência, que é o Projeto de Lei nº 4.471, de 2012, que está parado na Câmara, frente a interesses da dita Bancada da Bala. Para nossa alegria, está aqui na minha mão a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, que tornou obrigatório, por parte da polícia, o autocontrole para evitar matança em geral, em especial a matança de jovens negros. Na minha leitura, esta resolução do Conselho Nacional do Ministério Público está três vezes melhor e mais qualificada do que o projeto contra o auto de resistência que está engavetado na Câmara. |
| R | Portanto, eu peço ao Brasil inteiro: procurem ter acesso a esse documento, na página do Conselho do Ministério Público, pois entendemos que esta resolução vai brecar bastante esse processo. Eu gostaria que o Dr. Rangel me emprestasse seu livro. Eu acho importantíssimo ligar as duas coisas, ou seja: para nós, combater o auto de resistência por meio do projeto que está parado, e enquanto estiver parado, usar fortemente essa ferramenta que é a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público a fim de compreender os detalhes de tudo o que está acontecendo com referência à redução da menoridade penal; e dominar todas as técnicas jurídicas, a partir do momento social, a partir de Senadores e da sociedade em geral. Vamos ter, com certeza, uma tremenda mudança nesse quadro e, assim, conseguir fazer com que o Brasil respeite a todos nós, negros, negras e brancos, que querem um Brasil melhor. Senador, vou cortar outras partilhas, porque fui além do horário permitido. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. O Frei David, além de trazer informações boas de avanços que tivemos, cita números que dão um brilho especial ao nosso evento. Por isso é cadeira cativa aqui. O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Eu me esqueci de um pequeno detalhe na minha fala. Eu gostaria de consultar o nosso irmão do Conselho Nacional do Ministério Público, Dr. George, sobre a possibilidade de a nota técnica que o Conselho Nacional do Ministério Público está elaborando, com referência à redução da maioridade penal, ser entregue a todos os Senadores nesta Casa e, Senador, se é possível apensá-la ao projeto, como instrumento para instrui-lo. É possível ceder? (Intervenção fora do microfone.) O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Excelente, muito bom. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Assim que puder remetê-la para cá, nós daremos o aval da Comissão de Direitos Humanos e nos comprometemos a remeter para todos os outros Senadores. O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Excelente, excelente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Além de vocês a remeterem, nós também a remeteremos, em nome da Comissão de Direitos Humanos. Por favor, Drª Ângela Cristina Santos Guimarães, Secretária Adjunta e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Juventude da Presidência da República, que tem colaborado nos debates toda vez em que é convidada. E ela é sempre convidada. Por favor, doutora. A SRª ÂNGELA CRISTINA SANTOS GUIMARÃES - Obrigada Senador. Bom dia a todas e a todos. Eu quero muito honrosamente parabenizar a Comissão pela iniciativa de trazer este tema a debate mais uma vez no Congresso e dizer que o Senador Paulo Paim é um parceiro de muitas lutas e de muitas vitórias. Eu fico muito feliz quando ele abraça determinado tema porque é certo que seremos vitoriosas e vitoriosos. Foi assim com o Estatuto da Igualdade Racial, com o Estatuto do Idoso e, recentemente, com o Estatuto da Juventude. Portanto, quero reafirmar essa nossa parceria. Faço também uma saudação ao Frei David, que é um parceiro de muitas lutas. Em nome do processo de formação da minha militância política agradeço a ele. Foi vendo a Educafro, foi vendo as intervenções do Frei David, as táticas de mobilização e de ocupação das universidades paulistas que eu me forjei militante. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E de ocupar até os Ministérios. Aqui dentro, ela ocupou, um dia, a CCJ. Todos se acorrentaram ali. E eu pedi: "Dá uma segurada aí que a gente aprova". E ela disse: "Olha, eu vou ficar de olho em você". A SRª ÂNGELA CRISTINA SANTOS GUIMARÃES - Quero também saudar todos os membros da Mesa anterior, que foi uma Mesa também riquíssima, em nome do Irapuã, que emocionou todos e todas nós. Um jovem tão bem preparado e com uma história de vida que representa a maior parte da juventude, sobretudo a juventude negra brasileira, que tem que transpor o conjunto de obstáculos que se apresenta desde muito cedo em nossas vidas. Então, eu quero saudar todas e todos. |
| R | Primeiro, quero dizer que é muito oportuna a realização deste debate. Quero saudar os outros membros aqui presentes que foram parceiros do movimento que deflagramos neste ano, de resistência contra a redução da maioridade penal. Este tema chega ao Congresso agora, depois de um embate, ou melhor, um ciclo de embates que tivemos com a Câmara dos Deputados, que, de forma açodada, colocou a PEC 171 em votação e obstruiu o debate na Comissão Especial - é importante que o registro histórico fique nos Anais desta Casa -, que tinha previsão de debate para 20 reuniões, mas foi encerrada, de forma autoritária, em 11 reuniões. Os movimentos sociais e mesmo os conselhos nacionais foram obstruídos da oportunidade de participar largamente dos debates porque a Câmara se transformou em praça de guerra. Não tínhamos sequer condição de participar dos momentos de debate na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário. Eu, particularmente, fui agredida várias vezes. E quero trazer aqui o meu repúdio à Polícia Legislativa da Câmara para todos que estão nos vendo, para que a situação que aconteceu na Câmara não se reproduza. Nós temos fé em que ela não vai se reproduzir no Senado, porque foi montada uma praça de guerra em que um conjunto de Deputados que tinham interesses não só políticos, mas também financeiros - e aqui eu digo isso abertamente - , obstruiu o debate na Câmara, votando de forma açodada a matéria. Na verdade, a nossa movimentação se sagrou vitoriosa, com a derrota da PEC 171, mas naquele estilo que está se consagrando na Câmara na atual legislatura, e vimos que, em menos de 24 horas, o resultado foi revertido Portanto, quero aqui dizer que temos total fé em que o processo legislativo será plenamente respeitado nesta Casa. Digo isso porque foi no calor da emoção diante de alguns fatos que esse tema foi colocado em debate na Câmara. Hoje, eu acho que nós nos afastamos do calor da emoção, que a racionalidade e os fatos concretos devem presidir o debate aqui sobre o tema da redução da maioridade penal. A retomada do debate sobre a PEC 171 não é isolada do conjunto de pautas conservadoras que hoje preside a agenda política da Câmara. E digo isso com muita tristeza, porque são direitos pelos quais estamos lutando para consagrar ainda no movimento de luta pela retomada da democracia anterior à Constituição de 1988, no movimento que resultou na nossa Constituição Federal Cidadã e no movimento dos últimos 12 anos, em que segmentos até então invisíveis para o Estado começaram a ter seus direitos assegurados. Prova disso - o Frei David e o Senador Paulo Paim fizeram referência - é o Irapuã. Prova disso é a política de cotas, por exemplo. É uma batalha histórica de longo tempo e que começa a dar seus frutos, mas tanto a política de cotas como os direitos de crianças e adolescentes, como o direito das comunidades indígenas e quilombolas atacadas pela PEC 215, como o direito das mulheres, atacado pelo PL 5.069 e como o PL 4.330, da constitucionalização da terceirização no mundo do trabalho... Eu poderia ficar aqui o dia inteiro falando das pautas conservadoras que foram puxadas do arquivo e colocadas para confrontar a população brasileira e os segmentos que precisam de mais atenção e de mais políticas públicas do Estado. Infelizmente, essa PEC se insere nesse contexto e se insere também no contexto de recrudescimento do racismo. É importante colocarmos as coisas do jeito que elas são, sem máscaras. A sociedade brasileira vive, sim, uma reação a esse conjunto de direitos conquistados, ao fato de as empregadas domésticas terem parte de seus direitos equiparados aos de outros trabalhadores, mesmo quase 80 anos depois, ao fato de ter havido uma mobilidade ascendente dos setores populares, em especial da população negra, ao fato de a juventude negra estar presente, lado a lado, com uma elite que sempre dispôs das universidades e de outros espaços de poder, de forma isolada, sem poder compartilhar. |
| R | Então, é uma reação também desses setores que não conseguem conviver com o Brasil real, do jeito que ele é, porque o Irapuã apresentou aqui que, hoje, 53% da população brasileira se autodeclara negra, porém, desde o Censo de 1872, já temos 42% de população descendente de africanas e africanos no Brasil. Elevou-se a consciência, o que faz com que a maioria da população hoje se autodeclare, e o Brasil precisa, de fato, ser governado por essa maioria e deixar para trás um histórico de que sempre foi governado para cerca de 20% a 30% da sua população. Também no debate sobre a redução da idade penal, ao longo deste ano, tratamos de desmistificar um conjunto de questões e de repor outras que são muito caras ao debate. A primeira delas diz respeito ao debate de que o Brasil vive uma onda de violência nos últimos tempos e se afasta do debate o fato de que o Brasil tem uma formação de sociedade extremamente violenta. Foram trezentos e cinquenta e cinco anos de escravidão com extrema violência contra a população africana e seus descendentes. São cento e vinte e poucos anos de uma abolição incompleta, que não nos posicionou de forma igualitária no acesso ao mundo do trabalho nem no acesso a direitos. A arma da elite para manter o Estado e seus instrumentos de dominação sempre foi a violência, haja vista as imagens trazidas pelo Frei David, pelo Irapuã e por todos que me antecederam. Então, a violência não é nova; ela tem um grau de percepção hoje diferenciado porque há uma classe média extremamente assustada e que quer respostas superficiais e rápidas; uma classe média alta, sobretudo, que tem se trancado em seus condomínios e que não consegue ir à raiz da questão da criminalidade, da violência no Brasil. Um outro fato do qual é impossível você se afastar também ao falar de redução da idade penal é o do racismo, da violência contra pobres e negros, de que já falei aqui um pouco, do genocídio da juventude negra e do superencarceramento. Qual é a realidade dos fatos? (Soa a campainha.) A SRª ÂNGELA CRISTINA SANTOS GUIMARÃES - A realidade dos fatos é que há muito menos adolescentes e jovens como autores de crimes contra a vida do que adolescentes e jovens vitimados por homicídios no Brasil. Essa é a grande questão. Proponho, inclusive, fazer um pacto exaustivo aqui, com todos os Senadores, a fim de nos debruçarmos sobre os números da violência no Brasil, que, de fato, vai mostrar um raio X que decorre das raízes históricas da formação do Estado brasileiro, mas também significa a violência como instrumento de dominação na sociedade brasileira atualmente, fazendo que quem pague a conta seja a população pobre, a população negra, em sua maioria, e a juventude. Acho que chama a atenção e é gritante o fato de que o Brasil tem cerca de 56 mil homicídios todos os anos. Esses números superam aos de países que estão em guerra. Mais de 54% desses homicídios atingem jovens de 15 a 29 anos; e 77% desses jovens são negros. Essa é a realidade dos fatos. Não é a violência de um caso isolado de um adolescente que cometeu algum tipo de ato ou de atentado contra a vida. É essa violência sistemática que está impregnada na vivência da juventude brasileira. Hoje, você vai para um debate com jovens e pede para levantar a mão: "Quem aqui já perdeu um parente ou amigo por violência?". Metade, um terço ou dois terços dos plenários dizem que sim, que têm depoimentos para dar. Em 2013, nós fizemos uma pesquisa na Secretaria Nacional de Juventude sobre o perfil e a opinião da juventude brasileira. Perguntou-se aos jovens o que mais os preocupa na atualidade. A resposta número um foi a violência. Esse é um dado que nos chama a atenção, porque superou os temas educação e trabalho, que geralmente eram os temas das pesquisas, nos anos anteriores, que galvanizavam a maior preocupação dos jovens em relação ao seu presente e ao seu futuro. |
| R | Uma mesma pesquisa desse tipo foi feita em 2003, dez anos antes, e, justamente, a primeira preocupação era educação, a segunda era trabalho. Já em 2013, 43% dos entrevistados apontam a violência como sendo sua maior preocupação. Outra pergunta que fizemos foi: "Você já perdeu um parente ou um amigo de forma violenta?". Cinquenta e um por cento da juventude declara que já perdeu. Ou seja, a violência está rasgando a experiência desse jovem no Brasil, ela está dilacerando. Se a mesma pesquisa for feita na Síria hoje, os números não serão tão altos. E em uma Síria que está em conflito. No Oriente Médio, na Faixa de Gaza, não há tanta gente com experiência tão próxima. Há inúmeras famílias em que um, dois, três membros foram abatidos em decorrência da violência. Portanto, eu considero que, para nós nos posicionarmos no debate sobre a redução da idade penal, precisamos trazer à luz esses dados. Precisamos trazer à luz também outro dado: de que essa experiência da violência está chegando cada vez mais cedo na vida da população pobre e negra, ela tem marcado inclusive a infância e a adolescência. Não espera o jovem fazer 15 anos para que esse conjunto de problemas se abata em sua vida. Ela acontece cada vez mais cedo, com meninos de 8, 9, 10, 11 anos. Reportagens recentes dão conta de que as intervenções policiais, seja no Rio de Janeiro, seja na Bahia, seja em Fortaleza, onde houve uma recente chacina também, têm resultado no assassinato de pessoas cada vez mais jovens, desde a infância. Essa tem sido uma marca. Outro tema de que eu acho que nós também não podemos fugir, ao debater a redução da idade penal, é que, no Brasil, há um processo de superencarceramento da população. Esse processo absolutamente não tem respondido aos anseios da sociedade por mais paz, mais tranquilidade e harmonia. Primeiro, porque temos - já foi dito aqui - um processo extremamente seletivo do ponto de vista social e racial da nossa Justiça. Encarcera-se muito, mas se encarcera muito pobres e negros - 60% dos que estão no sistema prisional são negros - e jovens, cada vez mais jovens. Os jovens de 18 a 29 anos representam 55% do sistema prisional. (Soa a campainha.) A SRª ÂNGELA CRISTINA SANTOS GUIMARÃES - Já averiguamos também que a simples solução de encarcerar não traz nenhum tipo de resposta positiva à sociedade, porque você confina pessoas com tratamento de absoluta violação dos direitos humanos e com ausência de acesso à Justiça, tanto é que 40% do nosso sistema prisional é composto por pessoas que foram presas temporariamente e que não tiveram direito ao devido processo legal. Também há um grande grau de reincidência, pela fragilidade de um processo de ressocialização. E esse superencarceramento serve também para atender a um modelo de sociedade, um modelo de sociedade que prefere ter a juventude, os pobres e os negros confinados nas periferias, nas prisões ou vitimados por homicídio a tê-los plenamente integrados ao processo de desenvolvimento econômico, social, cultural e político do País. Estudos do Ipea dão conta de que nós temos uma perda de R$79 bilhões em nosso PIB, por ano, em decorrência do grande número de assassinatos. Portanto, antes de fazer qualquer debate sobre a alteração da Constituição - e acho que esse é um debate que precisa ser afastado -, eu concordo com quem fala em ressaltar a importância do aperfeiçoamento dos mecanismos existentes, como o Sinase e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Também precisamos atacar o tema da impunidade. É um absurdo, por exemplo, que os homicídios a que os jovens negros são submetidos tenham cerca de 8% apenas de investigação e de resolução. (Soa a campainha.) A SRª ÂNGELA CRISTINA SANTOS GUIMARÃES - É criminoso esse número. De fato - eu vou me encaminhar para a conclusão -, é um número criminoso. Eu acredito que a verdade dos fatos e o reposicionamento do debate exigem de nós tratar o tema com a complexidade que ele merece. Não é uma alteração constitucional, vinda de uma bancada raivosa e com interesses econômicos. É bom fazer essa relação. |
| R | Vamos fechar o círculo - vou concluir com isto -, dizendo que a proposta da redução da idade penal se apresenta justo no momento em que há uma ampliação da chamada Bancada da Bala na Câmara, ou seja, aquelas figuras comprometidas com toda a indústria de segurança privada e com a indústria armamentista. Ela é acompanhada pela Frente Parlamentar de Segurança Pública e por outras comissões especiais, a exemplo da do desarmamento, que propõem a revogação do Estatuto do Desarmamento, fazendo com que haja a livre circulação de armas e munições no Brasil, flexibilizando todos os pontos do estatuto em relação a isso. Há outra proposta, que é a de privatização do sistema penal, já em curso em alguns Estados brasileiros, em que é necessário mais gente disponível para ser trancafiada e acumulada nesses presídios, a um custo altíssimo para o Estado. Então, há também perspectivas econômicas, há o dilaceramento de um pacto social, que eu acho que, no Brasil, nós precisamos estabelecer, e há uma tentativa de confronto com todas as conquistas obtidas desde a Constituição de 1988. No processo de tramitação da PEC 171 na Câmara, tanto a Secretaria Nacional de Juventude como o Conselho Nacional de Juventude - eu digo Secretaria, mas é uma posição do Governo brasileiro - são contrários à aprovação. O Conselho de Juventude fez parte, junto com o Conanda, o Conselho de Direitos Humanos, o CNPIR (Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial), a Frente Nacional contra a Redução e mais de 500 movimentos juvenis e vários movimentos presentes nos Estados, dessa grande mobilização que vem fazendo a disputa aqui no Congresso e na sociedade, pois nós sabemos que há uma abordagem exaustiva de argumentos favoráveis à redução da idade penal, que, muitas vezes, nublam o debate na sociedade. Nós temos tido o trabalho de fazer o debate em rodoviárias, em estações de transbordo, em escolas, em universidades, em bairros, com associação de moradores, porque acreditamos que é necessário reverter essa visão conservadora, que consagra à infância e à juventude brasileira, como única perspectiva, ser assassinada ou ser confinada nas prisões. Nós defendemos, de fato, o reconhecimento de crianças, adolescentes e jovens como sujeitos de direitos e que o Poder Público e a sociedade tenham responsabilidade no cumprimento e no asseguramento desse direitos. Eu trago essas reflexões, essas provocações, para que nós consigamos ter aqui, no Senado, um debate muito afastado daquele debate emotivo e muito manipulado que houve na Câmara, e que nós, de fato, enterremos, nesta legislatura, a PEC 171, porque ela é danosa, é um atentado à infância, à adolescência e à juventude brasileiras. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Ângela. Drª Ângela Cristina Santos Guimarães, Secretária Adjunta e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Juventude da Presidência da República. Nós vemos, com muito carinho, tanto a sua fala como a do Irapuã, pois estamos falando aqui de jovens, e nós á somos um pouco mais experientes. Deixe-me apenas contar um fato que eu nunca contei - nem o Frei David sabe -, baseado no que você disse. Você relatou que chegou a um ambiente - pegando a sua fala, não é minha - e perguntou aos presentes se alguém tinha, na família, alguém que já sofreu violência policial. Eu vou fazer uma pequena viagem no tempo. Na época, eu não era Parlamentar. Um cunhado meu, casado com minha irmã que, além de irmã, foi praticamente a mãe de todos nós, porque era a mais velha, e pai e mãe trabalhavam. Houve uma batida, e ele correu. Assustou-se e correu. Os que assistiram nos contaram que um soldado, ou um comandante da tropa, não sei, disse: "Olha aquele lá está correndo". O outro disse - estou contando um fato real -: "Deixe-o correr que, antes de ele dobrar a esquina, eu o acerto". Dito e feito. Atirou. Deu um tiro na cabeça e matou esse meu cunhado. A pergunta que você fez é real e é fato. É como quem é negro, como nós somos, e dizer que nunca sofreu um ato de preconceito. É quase impossível. |
| R | A SRª ÂNGELA CRISTINA SANTOS GUIMARÃES - É impossível no Brasil. O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Ele pode dizer que não, porque está constrangido, mas é impossível. Se eu fizer uma retrospectiva na minha história mesmo, tenho de dez a vinte fatos para contar. Dizer que é negro e nunca foi discriminado por um motivo ou outro é praticamente impossível. Enfim, a nossa audiência atinge os seus objetivos, mas eu queria agora, no encerramento - se vocês pudessem entrar na primeira fila, só para efeito da tevê inclusive -, que os senhores fizessem as considerações finais num prazo de até cinco minutos, se assim entenderem. Passo a palavra, neste momento, para as considerações finais, ao Dr. Irapuã Santana Silva, que aqui representa o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. O SR. IRAPUÃ SANTANA SILVA - Obrigado novamente pela palavra e pela oportunidade. Com certeza, foi aquilo que ressaltei no começo. O Estado não pode realmente tomar decisões no calor da paixão. As decisões devem ser racionalizadas. Não é à toa que passamos por todas as etapas de procedimentalização do processo legislativo, como muito bem menciona o Prof. Eduardo Mendonça, sobre essa questão, que auxilia demais nessa tomada de decisão um pouco mais lúcida, que realmente há uma questão de se lapidar os argumentos e organizar de forma a se tomar uma decisão mais acertada diante do sopesamento da vontade popular e a Constituição. Então, eu gostaria de parabenizar o senhor. (Intervenção fora do microfone.) (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Os cumprimentos ao Dr. Irapuã Santana Silva, que aqui falou em nome do Supremo Tribunal Federal. Passo a palavra ao Dr. Anderson Pereira de Andrade, Promotor de Justiça do DF, que também fez uma bela exposição. O SR. ANDERSON PEREIRA DE ANDRADE - Quero agradecer, em nome do Conselheiro Walter Agra, do CNMP, que me delegou estar aqui, para apresentar essa proposta do Ministério Público. Esperamos realmente que haja debate sobre a redução da maioridade penal. Faltou, na minha fala, Senador Paulo Paim, referir-me a um estudo substancioso produzido nesta Casa, na Câmara dos Deputados, por uma consultora legislativa muito qualificada, chamada Gisela Hathaway, em que ela mostra justamente o que dissemos aqui. É a melhor nota técnica já produzida no Brasil na minha opinião. Inclusive, ela confronta alguns outros estudos e mostra que a maior parte dos países adota, sim, a maioridade penal aos 18 anos. Trata-se de um estudo que revisa a literatura anglo-saxã muito bem fundamentado. Acho que vale a pena a Comissão buscar esse estudo e incorporá-lo aos instrumentos de trabalho. Esperamos que haja um debate. O Ministério Público também tem estado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, conversando com os Parlamentares e mostrando o nosso ponto de vista. Certa vez, conversando com o Senador, entristeceu-me o fato de saber dele que ultimamente há pouco debate para a aprovação de leis, ou seja, os Senadores ou os Deputados são convocados, às vezes, pelas Lideranças, vão ao plenário e votam algo que não teve a discussão profunda e necessária exigida pelo tema. Nós somos, sim, favoráveis a mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente, desde que sejam leis mais garantistas, que elenquem mais claramente os direitos e os deveres do adolescente em conflito com a lei penal, que garanta a ele uma medida, uma pena juvenil, como se diz, proporcional à gravidade do delito que cometeu, que o responsabilize e dê segurança jurídica para essa responsabilização. |
| R | E isso só pode vir a partir de um debate aprofundado em que as pessoas se debrucem sobre estatísticas, sobre experiências internacionais válidas. Nós temos especialistas para isso dentro e fora do Congresso, e eu acho que o senhor, com a sua autoridade política e moral, está em condições de liderar o debate dentro desta Casa. Nós agradecemos mais uma vez o convite e nos colocamos à disposição para o debate. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Agradecemos muito a presença do Dr. Anderson Pereira de Andrade, que falou pela Promotoria de Justiça do Distrito Federal. Vamos olhar com carinho a sua sugestão. Eu vou passar a palavra agora para o Dr. Fábio George Cruz da Nóbrega, que fala pelo Ministério Público, pelo CNMP. O SR. FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA - Senador Paulo Paim, mais uma vez agradeço o honroso convite. O Conselho Nacional do Ministério Público está sempre à disposição do Senado para participar de debates. Eu saio muito feliz daqui, acho que há um consenso de que discussões tão complexas quanto esta precisam ser amadurecidas, e se alguma modificação vier a ser realizada, pois me parece que o Estatuto da Criança e do Adolescente precisa realmente de modificações pontuais, que sejam feitas após debates extremamente qualificados, e não ao sabor ou ao calor de acontecimentos repentinos, como o do aumento da violência, sem dúvida alguma, sem decisões precipitadas. Eu saio muito contente e feliz por também ter ouvido aqui tantas referências elogiosas ao trabalho do Conselho Nacional do Ministério Público, que hoje é uma casa completamente aberta aos movimentos sociais. Em um diálogo horizontal, os membros do Ministério Público brasileiro participam, nas mais diversas áreas de sua atuação, desse debate aberto e extremamente qualificado. Parabéns pela iniciativa, e que o Senado possa aprofundar esse debate extremamente importante para o País. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse foi o Dr. Fábio George Cruz da Nóbrega, Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Nós agradecemos muito por suas contribuições. Agora o Dr. Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e autor do livro A Redução da Menor Idade Penal: Avanço ou Retrocesso Social?. O SR. PAULO SÉRGIO RANGEL DO NASCIMENTO - Senador Paulo Paim, eu quero agradecer e parabenizar V. Exª pela iniciativa de instaurar esta audiência pública e, em especial, por me dar oportunidade de participar deste debate tão acalorado, tão rico, com pessoas tão ilustres que estão preocupadas com a temática da diminuição da menoridade penal. A minha contribuição acadêmica ao escrever o livro vem de um responsabilidade ética, de uma responsabilidade histórica, porque também tenho compromisso, nas minhas raízes, com o tema, e não poderia deixar de trazer a minha contribuição ao Senado Federal, que não é à toa que é chamado de Câmara Alta no Direito Constitucional, ou seja, a responsabilidade de V. Exªs ao tratar de todos os temas que tratam nesta Casa. Eu tenho certeza de que os demais Senadores, quando se debruçarem com a responsabilidade com que sempre se debruçam sobre os temas aqui tratados, vão refletir melhor sobre esta temática e descobrir, perceber que a diminuição da menoridade penal não vai diminuir a violência. Muito pelo contrário, vai ser mais uma violência, e mais uma violência contra aqueles que sempre foram violentados ao longo da história do Brasil, que são os pobres e os negros que hoje habitam o sistema penitenciário. Muito obrigado e parabéns pela iniciativa. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Dr. Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e autor do livro A Redução da Menor Idade Penal: Avanço ou Retrocesso Social?. Obrigado pela sua contribuição aqui histórica. Estão me convidando para dar início à Comissão de Educação porque o Presidente e a Vice-Presidente não estão presentes e eu sou o relator de um projeto sobre educação, de iniciativa do próprio Congresso. Vou passar a palavra para o Frei David e para a Ângela. Em seguida, eu me deslocarei para a Comissão de Educação. Comprometi-me a chegar lá em torno de 11h30. Que horas são? |
| R | (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - São 11h25. Cinco minutos de tolerância é normal. Então, cinco minutos para cada um aqui. Frei David. O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Senador, eu faço minha mensagem final acrescentando uma constatação e solicitando mais um encaminhamento. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O.k.. O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Qual é a constatação? Todos os países do mundo que têm baixo índice de criminalidade com adolescentes têm algo em comum: todos eles adotam educação em tempo integral. Então, esse dado é fortíssimo. Eu faço um apelo aos Srs. Senadores que estão me ouvindo para que orientem os outros Senadores sobre este fato: todos os países do mundo que têm baixo índice de criminalidade da juventude, por trás, fazem este bonito trabalho, que é o de educação em tempo integral. Então, essa é a constatação. O encaminhamento: pergunto se é possível encaminhar, por meio da Comissão de Direitos Humanos, uma recomendação a todos os governadores do Brasil para que adotem a educação de tempo integral no ensino médio dos seus Estados. Dessa forma, estaremos realmente fazendo com que a preocupação com a redução da maioridade penal seja atacada em seu foco, consequentemente, com resoluções e respostas eficazes e eficientes para o Brasil. O que está em jogo não somos nós os negros, o que está em jogo é o Brasil. Nós entendemos que, se o Brasil realmente levar a sério a educação, garantido educação de tempo integral em cada Estado da Federação, teremos uma alta redução da criminalidade. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Frei David. Já tomei nota aqui. A Comissão tem toda a liberdade, sabendo que o Plenário acatará alguns encaminhamentos que aqui faremos. Entre eles, fica a recomendação de educação de tempo integral a todos os Senadores e um pedido a todos os governadores: adotem a educação de tempo integral como forma de combater a violência. Drª Ângela Cristina Santos Guimarães, Vice-Presidente do Conselho Nacional da Juventude, que fala pela Presidência da República. A SRª ÂNGELA CRISTINA SANTOS GUIMARÃES - Eu quero mais uma vez parabenizar, agradecer e dizer que é muito oportuno este debate. Quero valorizar também todas as apresentações aqui feitas. Acho que ficam como insumos fundamentais para um debate responsável nesta Casa. Foram apresentações muito consistentes. Espero que haja desdobramento, porque acreditamos que é preciso fazer o debate à exaustão, de forma a afastar todos os mitos e preconceitos que recaem sobre o tema da redução da idade penal. Reafirmo aqui a nossa posição contrária e a continuidade da nossa luta para que essa PEC seja de fato rejeitada e enterrada nesta Casa. Quero fazer referência também à CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, que aconteceu na Câmara, e a seus encaminhamentos, e a outra CPI que aborda o mesmo tema, em curso no Senado. Precisamos aproximar estes dois ambientes: o conjunto dos Senadores que fazem o debate da redução da idade penal e os membros da CPI. A CPI da Câmara tem resultados e encaminhamentos muito consistentes e importantes, como a aprovação do PL 4.471, dos autos de resistência, o controle do uso da força policial, porque há extremos em qualquer ação nas periferias. Não existe uma gradação do uso da força, é sempre o uso extremo, com fuzis e equipamentos de guerra. As nossas comunidades não são, de fato, conflagradas. E a aprovação do Plano Nacional de Redução de Homicídios. Eu acho que essas indicações - dentre outras, pois há muitas outras na CPI - são referências importantes para nós no debate sobre a garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens, em sua maioria negros. Queria também fazer uma referência rápida ao Conselho Nacional do Ministério Público, que já é parceiro do Governo brasileiro em algumas ações importantes, como o protocolo de redução das barreiras do acesso da juventude negra à Justiça, que é uma questão fundamental para nós e que visa a sensibilizar e articular, com ações concretas, o sistema de Justiça no Brasil, para que se atente a essa problemática, por esse viés de abordagem, e não pelo viés de uma condenação a priori, mas que consiga entender que a ausência do acesso à Justiça também tem ocorrido no superencarceramento e na violência absurda que atinge a juventude negra. Gostaria de dizer que a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional estão à disposição para este e para outros debates. Obrigada, é sempre um prazer muito grande, uma honra e um aprendizado estar lado a lado com o senhor, Senador. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Grande Drª Ângela Cristina Santos Guimarães, Secretária Adjunta e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Juventude da Presidência da República. Agora vamos tentar sintetizar os encaminhamentos. Primeiro, vamos solicitar ao Presidente do CCJ que seja anexado ao processado da PEC 171, de 1993, que altera a redação do art. 228 da nota técnica do Conselho Nacional do Ministério Público sobre a redução da maioridade penal nos principais países do mundo, com orientação para o contexto nacional. Eu estou resumindo, em razão da minha própria pressa, aquela sua sugestão. Está aqui conosco a Senadora Fátima Bezerra, da Comissão de Educação, sempre presente na Comissão de Direitos Humanos. Estou concluindo os trabalhos para ir à Comissão de Educação, já que sou o relator do item 1. Que bom que a senhora estará lá para presidir. A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Estou segurando lá. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Estou indo já para lá. Segundo, avaliar a possibilidade de propor projeto de lei com as modificações sugeridas pelo Dr. Anderson - aquele conjunto de sugestões. Lutar pela rejeição da PC 171, de 1993, que tem por objetivo reduzir a maioridade penal. Recomendar a todos os governadores do Brasil para que adotem, no ensino médio de seus Estados, educação de tempo integral, com o objetivo de reduzir a criminalidade entre os adolescentes e jovens. Recomendar a todos os Senadores que apoiem a educação de tempo integral Essa é a síntese das propostas levantadas, sem prejuízo das que você levantou também. Se você puder, peço que as deixe. Assim, a Comissão atingiu seus objetivos. O dever nos chama. Frei David, eu sou um Parlamentar que tem posição, e não poderia encerrar sem dizer que estou muito preocupado com a proposta do impeachment levantada contra a Presidenta da República. E, como eu tenho posição, eu deixo muito claro: eu acho que o Congresso não tinha que ter recesso, tinha que trabalhar em dezembro e em janeiro, de acordo com o próprio Regimento e o que manda a Constituição. Muito bem, querem votar, vamos votar, mas vamos votar sem ir para casa ou para praia, para Bariloche, sei que alguns vão para a Europa, outros vão viajar pelo mundo, num momento tão delicado como este. Naturalmente, com muita convicção, como eu disse ontem na tribuna do Senado, eu conheço a Presidenta há 40 anos. Ela fez porta de fábrica, com o esposo dela, Carlos Araújo, que deve estar assistindo à reunião neste momento não porque eu disse que falaria isso, ele sempre assiste. Ela entregou boletim para que eu me elegesse dirigente sindical, ela e o Carlos Araújo. E quando eu fui candidato ao Senado, numa plenária no CPERS, lotado de mulheres, professoras principalmente - não que a profissão de professor deve ser somente para as mulheres -, perguntaram para ela em quem ela votaria, se em uma mulher, que também estava naquele plenário e era candidata ao Senado, ou no Paim, e ela disse: "Olha, com todo respeito, eu vou dar a minha opinião. Eu sou uma mulher que tem posições muito firmes e claras. Eu votarei em um negro chamado Paulo Paim para que tenhamos um Zumbi no Senado". É uma mulher que tem posição. (Palmas.) Eu nunca me esqueço. Eu posso, e você sabe das minhas posições. Eu, pontualmente, tenho algumas divergências em relação à política econômica, mas, entre isso e fazer um ataque à democracia da forma que está sendo feito... Há quem diga que eu vou usar esse argumento. Será que é só porque é uma mulher que resolveram, de uma hora para outra, fazer uma violência como essa? Não há motivo algum. Ontem mesmo, ouvi a fala de 20 ou 30 juristas que provam que isso não justifica. |
| R | Muito bem, a democracia é assim. Está aí um Presidente que resolveu acatar, e vamos votar, então. Vamos votar e cada um assuma a sua posição perante a história. Eu não participarei com um voto contra a primeira mulher eleita a Presidente da República, e não só por ser mulher. Eu sei que ela é honesta. Eu disse ontem e repito: nós temos, neste País, muita gente honesta na vida pública, e, com certeza, a Presidenta Dilma está entre essas pessoas. Eu votarei com muito orgulho. E, no futuro, quando meus netos, e, oxalá, bisnetos perguntarem - eu que participei de dois processos de impeachment, participei do processo de impeachment do Presidente Collor e vou participar agora, já estou participando, do processo de impeachment da Presidenta Dilma -, eu direi com muita satisfação que votei contra o impeachment da Presidenta Dilma, primeira mulher a assumir a Presidência da República da nossa Pátria querida chamada Brasil. Está encerrada a audiência pública. (Palmas.) (Iniciada às 9 horas, a reunião é encerrada às 11 horas e 35 minutos.) |
