Notas Taquigráficas
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| R | A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Boa tarde. Quero agradecer toda a receptividade do Conselho Nacional do Ministério Público. Havendo número legal, declaro aberta a 29ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil. Informo que esta audiência pública está sendo transmitida ao vivo pela internet e será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, pelo número 0800-612211. Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 54, de 2015, de autoria do Senador Lindbergh Farias, aprovado por este Colegiado. O requerimento propõe o debate do papel desenvolvido pelo Ministério Público para o processo e julgamento dos homicídios contra jovens e como órgão de controle externo da atividade policial, em especial relativamente à apuração dos autos de resistência e registros de desaparecimentos. Antes de iniciarmos, gostaria de agradecer a toda a equipe do Conselho Nacional do Ministério Público, que, gentilmente, cedeu este espaço e colabora com a realização desta audiência. Estão presentes os seguintes convidados, que, desde já, peço comporem a Mesa, além do nosso Senador Lindbergh Farias, Relator da CPI: Fábio George Cruz da Nóbrega, Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público e Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais; Esdras Dantas de Souza, Conselheiro do CNMP e Presidente da Comissão de Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública; Antônio Duarte, Conselheiro do CNMP e Presidente da Comissão do Sistema Prisional e Controle Externo da Atividade Policial; Gustavo do Vale Rocha, Conselheiro do CNMP; Ignacio Cano, Prof. da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que já colabora com esta nossa CPI; Luiz Eduardo Soares, Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, também grande colaborador desta CPI; Olaya Hanashiro, Coordenadora de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Informo ainda que foi convidado o Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sr. Michel Misse, que, devido a problemas de saúde, infelizmente, não pôde comparecer. Com o fim de organizar o tempo disponível desta audiência, sugiro que cada convidado tenha dez minutos para sua exposição. Se achar que o tempo não é suficiente, certamente pedirá apoio, e nós não teremos nenhuma dificuldade em ceder. Se também considerar que o tempo é demasiado, pode, de moto próprio, reduzir sua intervenção. Portanto, desde já, concedo a palavra, inicialmente, ao Dr. Ignacio Cano, Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. O SR. IGNACIO CANO - Muito obrigado, Senadora. Boa tarde a todos e todas. Queria agradecer a oportunidade de vir aqui hoje e falar sobre um tema de extrema importância. Formalizando um pouco o que estávamos dizendo informalmente lá dentro, naquela sala, o que nós gostaríamos de solicitar do Ministério Público é uma ajuda no sentido de intensificar a pressão sobre os Ministérios Públicos estaduais para que sejam mais incisivos na investigação das mortes em decorrência de intervenção policial. |
| R | Não temos dados de muitos países, mas de todos os países de que temos dados, o Brasil é, com diferença, o Estado onde há o maior número de mortes por intervenção policial. E as taxas são tão elevadas, que são superiores às taxas globais de homicídio em muitos países. Então, quanto ao Rio de Janeiro, que é o campeão, nós temos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2014: há uma taxa de mais de três mortes para cada cem mil habitantes, por intervenção da polícia. Justamente nos Estados onde o problema é mais grave - Alagoas, Bahia, São Paulo, Rio -, muitas vezes nós observamos uma atuação do Ministério Público que é mais fraca. A constatação de que é possível ir muito além se baseia no que acontece quando os promotores têm um compromisso claro. Temos, como exemplo, o que ocorreu no Rio com o Promotor Paulo Roberto Júnior. Ele, sozinho, processou mais de 40 policiais por homicídio doloso, em São Gonçalo, pertencentes a um grupo que acabou finalmente vitimando a Juíza Patrícia Acioli. Nós temos observado muitos problemas nas investigações desses fatos, entre eles, por exemplo, em primeiro lugar, problema de registro: muitos casos não são registrados. Quanto aos casos da folga, quando o policial age na folga, mas supostamente age como policial, esse caso não é registrado como homicídio decorrente de intervenção policial. E mais preocupante ainda: no Rio de Janeiro, pelo menos, quando a polícia considera que o homicídio não foi justificado, foi ilegal, ela registra o fato simplesmente como homicídio doloso, como se fosse um homicídio privado, e não como homicídio decorrente de intervenção policial. O caso recente de Costa Barros, onde cinco jovens foram vitimados pela polícia, de fato foi registrado simplesmente como homicídio doloso, sem alusão à intervenção policial. Então, o primeiro problema que nós temos é um problema de sub-registro e a necessidade de melhorar esse registro. Outro problema que temos observado é o seguinte: quando há duas pessoas num incidente, e uma delas sobrevive, e a outra não, o inquérito é tipificado pelos crimes atribuídos à vítima que sobrevive. E a morte do opositor acaba sendo absolutamente invisível para o sistema de justiça criminal. Então, já temos casos onde o inquérito registra "roubo", na acusação feita contra um dos meninos que sobreviveu. E a morte do outro não aparece. Nem sequer vai a júri. Então, não segue o seu percurso legal. Observamos também, por exemplo, apreensões virtuais das armas. A arma é teoricamente apreendida, mas na verdade é devolvida ao policial no momento. E, semanas depois, a Polícia Militar é oficiada para entregar a arma para a perícia, sendo que a arma ficou em funcionamento nesse tempo. Depoimentos de vários policiais são "copiados e colados". Evidentemente, não foram ouvidos de forma separada. Então, há um quadro de falência nas investigações desses homicídios por intervenção policial. A Anistia Internacional, que deve vir aqui, talvez, em algum momento, fez um relatório recente de 11 casos no Acari, que é um ponto crítico. Os 11 tinham indícios de execução sumária. Nenhum havia resultado em acusação. Nós sabemos que o CNMP vem fazendo um esforço na estratégia de combate ao auto de resistência, e nós queremos perguntar também sobre isso. Primeiro: que dados esse banco nacional de registro contém? Nós queríamos dar uma olhada nesses dados, para ver em que medida os Ministérios Públicos estaduais, de fato, estão informando o CNMP das ocorrências. Temos uma pergunta também sobre essa comunicação, no prazo de 24 horas, como está estipulado nos documentos do CNMP. Queremos saber se de fato ela está acontecendo e onde ela está acontecendo. No Rio de Janeiro, por exemplo, há um TAC recente entre a Polícia Militar, o Governo do Estado e o Ministério Público, e o Ministério Público ofereceu a criação de um grupo de controle externo como uma contrapartida, como se não fosse uma obrigação legal e constitucional do Ministério Público exercer esse controle externo. Então, ele aparece como uma contrapartida, como uma coisa a mais que o Ministério Público está fazendo em relação ao controle externo, e não como uma missão constitucional. Então, basicamente, a ideia é refletirmos juntos sobre que medidas poderiam ser tomadas no nível administrativo, político, inclusive penal, para tentar fazer com que esse controle externo seja exercido especificamente nos casos de morte em decorrência de intervenção policial, além de encorajar os Ministérios Públicos dos Estados a criar grupos, não só sobre controle externo, mas que tenham competência específica nos casos de morte por intervenção policial. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu acho que nós poderíamos fazer algo mais informal aqui. Há inscrições, mas se alguém quiser fazer perguntas também... Os Conselheiros fiquem à vontade para intervir. Quero passar a palavra imediatamente ao Prof. Luiz Eduardo Soares. |
| R | O SR. LUIZ EDUARDO SOARES - Muito obrigado pelo convite, pela oportunidade de participar, pelo privilégio de compartilhar nossas preocupações, ouvi-los e aprender com as experiências dos senhores e das senhoras. Eu saúdo o Senador Lindbergh e a Senadora Lídice, em "inabsência" - ela teve que se afastar neste momento, mas esteve aqui na abertura -, pela iniciativa. Nós vivemos uma tragédia, todos nós sabemos disso. Eu quero, portanto, registrar enfaticamente a importância dessa atitude do Ministério Público de abrir-se, envolver-se, engajar-se nesse esforço, que é de todos nós. Eu considero a participação do Ministério Público sine qua non para a eventualidade de algum avanço, de algum sucesso, até porque os avanços que são necessários vão requerer muito tempo de maturação, debates, transformações e mudanças legislativas, inclusive constitucionais, mas o Ministério Público já dispõe de instrumentos, de recursos e de autoridade para intervir imediatamente, reduzindo esse processo que eu julgo, sem exagero, e qualifico como um genocídio de jovens, particularmente jovens negros, nas periferias e favelas brasileiras, perpetrado frequentemente com a participação de instituições públicas, no caso, as polícias. Isso tem consequências imensas, nós todos sabemos disso, mas acho que não custa reiterar, consequências terríveis, inclusive para a credibilidade do sistema de justiça criminal e para a institucionalidade política. Diante do que se vê, diante da experiência imediata, compreende-se o ceticismo, até cáustico, de boa parte da população relativamente às instituições da Justiça é à própria ideia de justiça, que aparece sob um véu de hipocrisia, por sua aplicação assimétrica, frequentemente iníqua. Eu costumo dizer que o policial militar fardado é a face mais tangível do Estado para a maior parte da população, portanto representa a institucionalidade, e a ação policial, quando não respeitosa da legalidade, do Estado democrático de direito, dos direitos humanos, acaba comprometendo, portanto, a legitimidade das instituições. Não me parece que seja possível qualificar nossa situação como efetivamente democrática, não me parece que seja razoável supor que a nossa Constituição esteja sendo, de fato, aplicada, enquanto nós não revertermos esse quadro. Talvez mais estarrecedor do que o próprio processo tão dramático de tantas tragédias seja o fato de que nós, como sociedade, como Nação, tenhamo-nos habituado a conviver com a tragédia. Essa naturalização do processo é parte do problema. O Ministério Público tem muitas virtudes, e eu diria que talvez a fundamental seja a independência, a liberdade e a autonomia de seus membros. Por outro lado, eu costumo dizer aos amigos e às amigas do Ministério Público que, como toda instituição, tem os seus problemas. Talvez o principal seja a autonomia, a independência e a liberdade de seus membros. Em nenhum momento, eu suponho que seja razoável propor a redução dessa liberdade e dessa autonomia. De fato, são fundamentais. Por outro lado, nós temos que reconhecer que há efeitos perversos que derivam de decisões ou de normas virtuosas, e isso gera uma complexidade e algumas contradições. Talvez por isso tenha sido tão difícil ao Ministério Público reunir aqueles que se sensibilizam com o drama que nós vivemos, e tem sido tão difícil, para isso - mais diretamente sensibilizados e engajados no processo de reversão desse quadro -, a afirmação de políticas, de movimentos, de dinâmicas agregadoras, convergentes, confluentes no interior da instituição, para fazer face a esse desafio, a esse lema. É compreensível isso. |
| R | Por isso, para nós, esse é um momento tão importante. Parece que há, espontaneamente, no interior do Ministério Público, não mais alguns profissionais sensibilizados, mas segmentos consideráveis, relevantes e com representação superior, agora, de fato, dispondo-se a mudar esse quadro. O Ministério Público não tem cumprido adequadamente a sua missão constitucional, e nós temos de reconhecê-lo até para que, analisando as razões pelas quais isso acontece e antecipando as possibilidades que advenham da reversão desse quadro, nós possamos, juntos, caminhar na nova direção. O Ministério Público é absolutamente decisivo e tem sido muito importante no resgate da legitimidade das instituições públicas brasileiras e das instituições políticas. O Ministério Público e a Justiça, nesse momento de corrosão da legitimidade da representação política, têm representado para a sociedade um horizonte de esperança, valorizando a própria ideia de justiça e revertendo aquelas expectativas tradicionais que afastavam a população da polícia. O que acontece no campo da segurança pública? E eu tomo a liberdade de uma breve digressão, eu acho que me parece relevante para que depois focalize o ponto mais específico da contribuição do Ministério Público. Eu concordo inteiramente com a intervenção do Ignacio, que foi preciosa, foi sintética, breve, mas extremamente densa e relevante, ali estão pontos absolutamente cruciais. Mas eu me permito, então, alargar a abrangência dessa primeira abordagem. Nós temos 56 mil homicídios dolosos por ano no Brasil. Esses dados nós sabemos que são imprecisos, os dados em geral são rudimentares, são precários na nossa área, mas são aqueles de que dispomos e já são suficientes para que identifiquemos a magnitude do problema. Desses, também dados de novo problemáticos, mas que, de qualquer forma, servem de balizamento, 8% são investigados, o que significa que 92% dos homicídios dolosos, que são os crimes mais graves no Brasil, permanecem impunes - 92% dos crimes mais graves. Dir-se-ia, a partir daí, e é comum que muitas vezes na mídia nós encontremos expressões desse tipo, como uma espécie de derivação, de corolário da primeira afirmação, que o Brasil é o País da impunidade. Não é verdade, nós temos a quarta população penitenciária do mundo, segundo alguns critérios de comparação a terceira, e a que mais cresce, ou a segunda que cresce mais velozmente no mundo nos últimos 13 anos. Segundo os dados já ultrapassados, do final do ano passado, 640 mil; então, como é possível que nós sejamos campeões da omissão, da impunidade relativamente ao crime mais grave, e disponhamos da terceira ou quarta população penitenciária e aquela que mais velozmente cresce? Há muitas teorias, e os meus colegas têm se empenhado em refletir a partir do contexto, inclusive, internacional, aplicando modelos teóricos, sociológicos, antropológicos, etc. Eu prefiro ficar com a empiria mais rudimentar, a mais rústica, a observação direta mais simplória. Talvez nesse caso ela baste e até evite desvios e digressões. Nós temos um modelo policial fraturado, com uma divisão do ciclo de trabalho, cabendo à Polícia Militar o trabalho ostensivo preventivo, como diz o art. 144 da Constituição. Isso significa que a polícia mais numerosa e aquela que atua na rua, que está presente 24 horas, está proibida de investigar. Ela só pode prender em flagrante, salvo naquelas circunstâncias em que cumpre mandados, etc., articulada com a Polícia Civil ou com outras instituições. Mas, via de regra, a Polícia Militar prende em flagrante, por isso a desproporção do flagrante como a condição na qual é capturado o perpetrador do crime, ou o suspeito, ou o acusado, etc. Isso significa que, quando a sociedade conclama os governantes e os pressiona demandando segurança pública e intervenção efetiva, o recado que se envia é o recado dirigido à Polícia Militar por produtividade. O governo, a secretaria, a sociedade e a mídia pressionam, a instituição está presente, faz o trabalho ostensivo. |
| R | O que é a produtividade para a Polícia Militar? A apreensão de armas e drogas, mas, sobretudo, prisão em flagrante. Isso significa... Eu não vou ensinar o Pai Nosso ao vigário porque os senhores e as senhoras do Ministério Público são mestres nesse assunto; eu sou aprendiz e observador. Mas nós sabemos que os crimes passíveis de identificação em flagrante são aqueles passíveis de apreensão pelos cinco sentidos e compõem, portanto, um segmento, um subconjunto, um universo muito limitado de delitos. Portanto, nós submetemos a aplicação da lei à refração que gera uma seleção, um subuniverso muito limitado. Há um crivo seletivo que é ditado pelo ciclo fraturado da nossa institucionalidade policial. O desenho ditado pelo 144 se manifesta lá na ponta pela ênfase no flagrante, gerando um crivo seletivo que seleciona determinados crimes como objetos preferenciais de ação. Selecionar determinados crimes significa selecionar determinados criminosos, e o resultado é que nós temos um sistema penitenciário superlotado de jovens de baixa escolaridade, negros, pobres, envolvidos em crimes contra a propriedade e, cada vez mais, delitos na área de drogas, no comércio de drogas. As informações mais recentes são de que tem crescido muito o grupo daqueles que não apresentavam vinculação com organizações criminosas, não estavam armados e não agiram com violência no momento da prisão. Como eles não são objeto de investigação, cabe o momento da prisão como o registro e a definição do caso. Portanto, há aí também uma limitação da informação, mas o fato é que há, no Brasil, o casamento perverso entre um modelo policial, perempto, irracional, disfuncional que nós ainda não atualizamos, o que é absolutamente urgente, e uma lei de drogas que produz a criminalização da pobreza e que gera essa distorção que me parece inteiramente absurda, indefensável e insustentável. No nosso horizonte, estão, portanto, tarefas titânicas, mudanças institucionais que levariam e levarão décadas para amadurecer. Sem a participação ativa do Ministério Público na discussão, na reflexão, na elaboração, na formulação das alternativas, nós não temos muita chance de avançar. Não depende do Ministério Público, depende das Casas Legislativas, depende de mudanças constitucionais, mas o protagonismo do Ministério Público, como uma entidade respeitabilíssima, ator fundamental no sistema de justiça criminal, a participação e o protagonismo são absolutamente decisivos. Então, essa primeira intervenção solicita aos senhores e às senhoras, a todos que se mobilizam em torno da questão do controle externo da atividade policial, da redução da criminalidade, da violência e dos homicídios, que, além dos seus esforços, aqueles que são circunscritos pelos marcos legais e que constituem seu dever constitucional, que, como cidadãos e atores institucionais, se envolvam nessa reflexão. O Senador Lindbergh apresentou a PEC nº 51, de 2013, propondo a mudança do art. 144. Nós estamos empenhados nesse debate em todo o País, buscando construir um consenso mínimo que viabilize esse salto. A lei de drogas é outro objeto de debate absolutamente crucial e urgente. E, finalmente, voltando-me agora para concluir para as questões atinentes à responsabilidade constitucional do Ministério Público. O Ignacio descreveu as limitações e os problemas. Nós sabemos que não há suficientemente investigação, punição nos crimes perpetrados por agentes públicos policiais, nos crimes letais, em particular. Sendo assim, parece-me que, além das medidas específicas, como essas sugeridas diretamente ou suscitadas pela intervenção do Ignacio, caberia uma reflexão mais radical. |
| R | Nós temos também uma pedra no caminho a ser enfrentada e superada ao longo do processo de amadurecimento e aprofundamento da democracia no Brasil e amadurecimento do sistema de justiça criminal, que é o inquérito policial. Se cabe ao Ministério Público o controle externo da atividade policial e se há uma falência, eu não digo problemas - desvios, problemas, obstáculos, esses podem ser objeto de intervenções tópicas circunscritas a Estados, a regiões, a momentos etc; eu me refiro a uma falência nacional constatável por esses dados: 92% de impunidade em relação a homicídios dolosos. Não estou falando mais aqui especificamente dos casos relativos a brutalidade policial letal. Eu me pergunto se não cabe ao Ministério Público provocar a justiça, a propósito da possibilidade da assunção de maior protagonismo diretamente, passando a demandar, a exigir mais do que simplesmente requerendo novas providências na instrução do inquérito, mas, além disso, demonstrando à população, à sociedade que reiteradamente o modelo não funciona, demonstrando a possibilidade alternativa de uma intervenção mais direta. E nós, talvez, possamos vislumbrar o Ministério Público protagonizando um papel mais efetivo, mais direto na condução das investigações. A PEC nº 37, se não estou enganado, era aquela que discutia a possibilidade de o Ministério Público investigar ou limitava. Aquela é página virada, felizmente, mas me parece que nós devemos avançar no sentido de verificar que o Ministério Público tem sido capaz de promover a investigação de forma efetiva e poderia, portanto, contribuir para a formulação de um redesenho do próprio processo judicial, eliminando essa fase redundante que nos conduz a fracassos sucessivos, que é do inquérito policial, assumindo o protagonismo mais direto independentemente de resistências corporativas, que nós sabemos que são muito fortes. Fica aqui a ponderação, a reflexão porque, diante de uma tragédia nacional, às vezes, iniciativas em diálogo com a justiça possam ser adotadas com base constitucional, repito, em função da tragédia e da reiterada falência institucional de nossas agências de investigação. A despeito de nós dispormos de milhares de policiais civis honrados, honestos e muito competentes, o modelo os paralisa. E, finalmente, há um ponto que deve ser objeto da nossa preocupação: a perícia policial. Há dificuldades nas perícias que, muitas vezes, são esquecidas. No Rio de Janeiro - eu não tenho esses dados -, eu tive acesso aos dados em 2006. Naquela ocasião, havia 144 mil solicitações de laudos periciais não atendidos e, segundo os peritos, aqueles de minhas relações pessoais, aqueles não eram casos tão excepcionais. Por mais que os peritos se esforcem, enquanto houver desprezo da opinião pública, até por desinformação, e não houver investimento suficiente e apoio institucional para que a perícia, com independência, aja, contando ainda com a negligência, muitas vezes, de agentes públicos e, às vezes, da cumplicidade e da obstrução direta daqueles envolvidos no crime, haverá muitas dificuldades, porque o Promotor terá dificuldades em considerar um inquérito suficientemente instruído para prestar sua denúncia, em função da precariedade daquelas informações que provêm do exame direto pericial. Então, a exigência aos Estados, aos Governos e às Secretarias de Segurança, para que a perícia seja objeto dos investimentos e das atenções institucionais e esteja presente como fator decisivo desse processo, particularmente nesses casos, é muito importante. |
| R | Finalmente -, já me estendi muito e por isso me desculpo -, não quero deixar de mencionar a experiência da África do Sul e a experiência irlandesa, que agora tem sido discutida nos Estados Unidos. Na África do Sul, diante da brutalidade policial letal, o Governo, no período de transição, constituiu uma unidade nacional de investigação de crimes policiais, para afastar dos envolvimentos corporativistas e políticos os problemas atinentes a essa questão, porque era uma questão nacional de grande de relevância. Essa unidade permanece sendo uma referência extremamente importante. Mudou o panorama depois da sua instalação. A experiência irlandesa é análoga, mas não como uma unidade policial nacional de investigação, mas, sim, como uma ouvidoria dotada de poderes legais para intervir, e promoveu uma revolução, não só na credibilidade da polícia irlandesa, mas na sua efetividade. No Brasil, não precisamos de uma ouvidoria desse tipo porque nós já temos o Ministério Público. Seria magnífico que essa experiência inspirasse o próprio Ministério Público. Nós já dispomos dos mecanismos fundamentais. Nos Estados Unidos, em função da brutalidade policial contra jovens negros em várias cidades e da ineficiência das investigações, discute-se agora seriamente a constituição de uma unidade nacional de investigação dos crimes policiais que envolvam letalidade. Então, são questões para reflexão. Muito obrigado pela atenção. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Prof. Luiz Eduardo Soares. Eu comunico a todos os Srs. Conselheiros que podem intervir a qualquer momento, na fala, fazendo perguntas. Eu passo a palavra ao Conselheiro Esdras Dantas. O SR. ESDRAS DANTAS DE SOUZA - Senador Lindbergh Farias, eu queria, em primeiro lugar, agradecer - já foi feito isso anteriormente - a extrema gentileza de a CPI ter se instalado aqui para esta audiência pública, para tratar de assuntos tão relevantes. Quero cumprimentar os Conselheiros do CNMP, o Dr. Antônio Duarte, que é o nosso decano, que também preside a Comissão do Sistema Prisional; o Dr. Fábio George, que é um Conselheiro que também tem a responsabilidade de presidir uma importante Comissão, a de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público; o Conselheiro Gustavo Rocha, que aqui também desempenha um trabalho na mesma Comissão do Sistema Prisional. Coube-me, até por confiança dos meus pares, estar aqui coordenando a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp). Ouço com muita preocupação, e tenho me inteirado bastante, continuando um trabalho iniciado aqui, pelo menos na nossa gestão, pelo Dr. Antônio Duarte, que era da Enasp, depois o Dr. Fábio George também. Eu estou, na verdade, complementando um trabalho iniciado por eles. Nós temos aqui, Senador, um "inqueritômetro" que é a busca de metas, o Ministério Público brasileiro buscando melhorar, fiscalizar melhor, transformar os inquéritos que estão abandonados, sem ações penais. Nós temos aqui um trabalho muito intenso nesse sentido. Iniciamos com um índice muito baixo de apresentação de denúncias, de investigações. Se não me falha a memória, em 2007, apenas 20% dos inquéritos eram transformados em ações penais. Conseguimos melhorar esse índice para 57%. Iniciamos agora novas metas, no dia 4, que estão sendo colocadas para o Ministério Público brasileiro, para o combate ao feminicídio. Lançamos aqui, no dia 4 passado, fizemos uma grande reunião neste plenário, com representantes do Ministério Público de todo o país, de todos os Estados e da União, aqui estabelecendo metas de combate a esses crimes contra a mulher por ser mulher. Aqui estou me inspirando, vou colocar aos meus pares, submeter ao Conselho, para que também tracemos metas para que possamos melhorar esse desempenho nas investigações de combate ao crime contra os jovens. Eu tenho certeza de que essa reunião nos inspirou. Podem ter certeza de que vou colocar isso na Enasp, Senador, porque acho que é de extrema importância que o Ministério Público, como já foi dito aqui, envolva-se mais com esse projeto, com a investigação que está sendo feita pelo Senado Federal, inspirada nesse trabalho muito bem-feito que está sendo realizado não só no Estado do Rio de Janeiro, mas também no País, pelo Senador Lindbergh Farias. |
| R | De modo que eu quero, sendo brevíssimo - não pretendo me alongar -, só dizer que a Enasp, que é essa nossa Estratégia, junto com o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da Justiça, na próxima reunião eu vou levar esse tema para o debate e eu tenho certeza absoluta que será mais um tema que será incorporado em nosso trabalho, que a gente possa, efetivamente, traçar metas para melhorar essas investigações. Eu recebi na última reunião uma denúncia gravíssima de um promotor de justiça da Bahia, que disse que lá em Porto Seguro comete-se crimes e não há nenhuma investigação, porque não tem delegado, não tem polícia, não tem nada. E isso até me inspirou. Na semana passada, eu estive em Salvador e procurei o Procurador-Geral de Justiça do Estado, Dr. Márcio Fahel, e já estamos aí montando uma estratégia de cobrar do governo baiano que instale uma estrutura de segurança mais apropriada, não só em Porto Seguro, mas em toda aquela região, que lá impera a impunidade, realmente. (Intervenção fora do microfone.) O SR. ESDRAS DANTAS DE SOUZA - Tem que mudar, né? (Intervenção fora do microfone.) É um porto inseguro, realmente. De modo que, com essa breve manifestação, mais uma vez, parabenizo todos os senhores, que levam esse importante tema ao debate nacional; o Senador Lindbergh Farias, e dizer que a Enasp está à disposição. Tenho certeza de que os Conselheiros que aqui estão, principalmente esses que me antecederam, podem contribuir muito. Na verdade, estou fazendo um estágio ainda, porque esses dois aqui são craques, são pessoas altamente qualificadas, membros do Ministério Público, pessoas que são os operadores, realmente, do tema, e eu, como advogado, estou apenas aprendendo, mas muito entusiasmado com essa missão que me foi dada. Muito obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Antônio Duarte) - Muito obrigado, Dr. Esdras Dantas. E eu passo agora, imediatamente, para o Dr. Gustavo Rocha. O SR. GUSTAVO DO VALE ROCHA - Vou ser muito breve, Sr. Presidente, Sr. Senador. Primeiro eu queria dizer para o Prof. Luiz Eduardo que, na verdade, o senhor está aqui na qualidade de professor. As informações que o senhor tem e o professor Inácio, com certeza a Drª Olaya, e a que é da Anistia Internacional, que peço perdão, não... O SR. PRESIDENTE (Antônio Duarte) - ... Renata. O SR. GUSTAVO DO VALE ROCHA - ... Renata, são fundamentais, porque são dados que, muitas vezes, nós não temos. Se o Dr. Esdras é estagiário eu ainda sou o assessor do estagiário, certo? Então, nós temos dois craques, o estagiário e eu, que sou aqui o assessor do estagiário. Considero que a iniciativa do Senador, não só com relação a vir ao CNMP, mas principalmente pela CPI em si, o objeto da CPI, que é um tema é extremamente relevante e a sociedade não dá a devida atenção. Eu entendo que a CPI, pela atuação do Senador, pela atuação de todos que estão participando, tem o condão de chamar a atenção da sociedade para um tema que, pelos dados que são passados aqui - foram passados pelo professor Ignácio, pelo Prof. Luiz Eduardo -, são assustadores. O Conselheiro Antônio Duarte é o Presidente da Comissão e eu atuo mais na área do sistema prisional. Então, pedi justamente ao Senador Lindbergh que falasse antes da Drª Renata e da Drª Olaya, justamente para que, pedindo licença aos membros da Mesa, que não se limitassem aos dez minutos, porque são informações, são dados, e, quanto mais detalhado for, no meu caso, é extremamente importante. O legislador foi feliz na composição do Conselho. Hoje nós temos aqui um membro do Ministério Público Militar, um membro do Ministério Público Federal, dois advogados, e cada um com uma visão distinta dos mais diversos temas. |
| R | Então, eu entendo que o CNMP tem condições de atuar, de auxiliar nessa jornada que se iniciou com o Senador Lindbergh. Eu gostaria que esses números, esses dados nos fossem disponibilizados, para que nós possamos, a partir deles, traçar metas e buscar alternativas e soluções. Eram números que, no meu caso, eu desconhecia. Então, é extremamente importante a vinda de vocês e o detalhamento dessas informações. Obrigado, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Dr. Gustavo. Eu passo agora para Olaya Hanashiro, coordenadora de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A SRª OLAYA HANASHIRO - Obrigada. Boa tarde a todos e a todas. Eu queria também agradecer, em nome do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a oportunidade de participar deste debate, parabenizá-los pela iniciativa e chamar a atenção pela relevância deste debate. Eu acho que é fundamental começarmos a debater a segurança pública, a resgatar a segurança pública como uma política pública que deve prestar contas legalmente, financeiramente e politicamente, bem como começarmos a debater para pensar qual modelo de segurança pública nós temos, pois esse, com todos os dados que estamos vendo, sabemos que está falido. E precisamos trabalhar, começar a discutir, para poder elaborar e construir um modelo de segurança pública que seja realmente um eixo para o modelo de desenvolvimento do País, porque, com o que estamos vendo aqui, será impossível falarmos em Estado democrático de direito e convivermos com esses números que vemos. Só trago um pouquinho mais os números à relevância. Trazemos esses dados, trabalhamos com evidência empírica para tirar qualquer tensão, às vezes, de questões emocionais e conflitos ideológicos. Quer dizer não dá para questionar quando temos uma evidência empírica que mostra a dramaticidade do que vivemos. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública publica todos os anos uma compilação de dados criminais e de segurança pública, chamado Anuário Brasileiro de Segurança Pública. E este ano criamos uma nova categoria que é: As Mortes Violentas Intencionais, em que todas as mortes violentas intencionais devem estar contabilizadas. Nós totalizamos as mortes registradas em 58.497. Dessas - estrou trazendo esses dados só para mostrar -, o homicídio doloso corresponde a 89%. A letalidade policial corresponde a 5,2%. Ela supera em 46,6% o latrocínio. Quer dizer, normalmente a população tem muito medo do roubo seguido de morte. Inclusive, quando pedem penas mais duras, o primeiro medo normalmente que as pessoas têm é esse. Sabemos que as pessoas têm razão em ter medo quando olhamos esses dados. Estamos naturalizando o homicídio. Banalizando essa violência, a consequência é o medo, uma percepção de medo generalizada. Só que quando vamos ver a distribuição da violência, ela é muito desigual. E a preocupação é que a letalidade policial supera o latrocínio. É assustador quando pensamos que estamos nos expondo em uma democracia. A questão de como a polícia trata a população, o serviço de segurança pública que está sendo prestado é uma maneira de medir a qualidade da democracia que temos. Nesse sentido, eu queria também chamar a atenção para o papel do Ministério Público. Mecanismos nós temos. O problema é que os Ministérios Públicos Estaduais não estão cumprindo o seu papel. Como já mencionaram o Inácio, o prof. Luiz Eduardo, não é somente a questão da abertura e do acompanhamento dos inquéritos, mas não se manifestarem frente a esses dados. Há um outro componente que eu queria trazer. Quando falamos em assassinato de jovens, não há como não falarmos em racismo. Existe um componente racial muito forte. Existe uma pesquisa que o Fórum elaborou, em parceria com o Ministério da Justiça, que traz um dado também assustador. No Brasil, um jovem negro tem duas vezes e meia mais riscos de ser assassinato do que um jovem branco nas mesmas condições. Em alguns Estados, isso chega a ser treze vezes mais. (Intervenção fora do microfone.) |
| R | A SRª OLAYA HANASHIRO - Treze. Na Paraíba, é 13 vezes maior o risco de um jovem negro ser assassinado nas mesmas condições, ou seja, controladas as variáveis da população de jovens pardos e pretos, nas mesmas condições socioeconômicas, nas mesmas condições de vulnerabilidade ou de violência, pelo fato de ser negro ou pardo, ele tem 13 vezes mais chances de morrer assassinado na mesma situação de risco. Esse é um dado do Estado da Paraíba. Mas, no Brasil, em geral, é 2,5 vezes maior a chance de um jovem negro sofrer uma violência, ser assassinado, se comparada à de um jovem branco. Mesmo nos Estados onde esse risco é mais baixo, há uma sobreposição dos negros. Então, essa também é uma outra questão para se falar. Embora a gente fale em garantia de direitos - outra atribuição do Ministério Público -, a gente está falando aqui de um racismo muito grande, que é um racismo institucional. Quer dizer, a abordagem policial, em pesquisas feitas, mesmo no edital da Senasp, pensando em segurança... Há duas pesquisas - uma organizada pela socióloga Jacqueline Sinhoretto, da UFSCar, e outra da UnB, realizada por outro sociólogo -, que mostram que há um filtro racial na abordagem policial. A gente não pode atribuir isso a um grupo de policiais, a um policial. A Jacqueline refere-se a um racismo institucional. A maneira como se dá o treinamento dos policiais, a maneira como é feito o trabalho deles de aproximação com a comunidade tem componentes raciais. Então, essa é outra questão muito importante, quando a gente fala de assassinato de jovens. Quando a gente fala de jovens, há outro componente que é a questão da estigmatização desses jovens, pela vestimenta, pela sua expressão cultural. Há uma série de outros componentes que acabam, de certa maneira, aumentando a situação de exclusão, de risco e de vulnerabilidade desses jovens. Para ser breve - vários dados já foram tratados aqui -, eu só queria falar sobre o dado que o Prof. Luiz Eduardo trouxe sobre a questão do sistema prisional existente. Estamos falando do problema de segurança pública, mas, na verdade, estamos falando de todo o sistema de justiça criminal que demanda uma reforma estrutural séria. Houve também um aumento, entre 1996 e 2013, de 443% de medidas socioeducativas, de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas privativas de liberdade - um aumento de 443%. Quando falam que a gente não pune, existe falta de esclarecimento. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E o Senado, infelizmente, alterou o ECA, aumentando de três para dez anos o tempo de reclusão. Isso é uma loucura! A SRª OLAYA HANASHIRO - Esse é outro problema. Esses três anos seguiam vários estudos internacionais, porque a gente sabe que, quanto mais tempo de internação, mais difícil é a reinserção na sociedade de qualquer pessoa, principalmente nessa faixa etária. Quer dizer, isso não responde a essa demanda, não dá uma resposta inteligente à situação de violência da sociedade. Pelo contrário. Acaba punindo, cada vez mais, as pessoas que estão mais vulneráveis à violência. Esse dado é uma outra questão. A gente também tem um viés seletivo no tratamento, na punição. Eu queria só colocar mais essas duas questões e cobrar realmente do Ministério Público uma ação - esse é o nosso papel. A gente dispõe de mecanismos e sabe que precisa de mecanismos cruzados de controle. Além disso, é necessário fortalecer os mecanismos internos. Isso é complicado, e a gente sabe da limitação dos mecanismos internos, mas eles também são importantes para começar a haver realmente uma transparência maior nessas instituições. E os mecanismos de controle externo também são essenciais para a garantia dos direitos fundamentais. Por isso, chamo a atenção para a questão do dado racial. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito bem. Muito obrigado, Olaya. Passo a palavra, agora, ao Conselheiro Fábio George. |
| R | O SR. FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA - Boa tarde a todos e a todas. Quero saudar, inicialmente, o Senador Lindbergh e dizer que é uma honra receber a CPI do Senado nesta Casa, que virou, nos últimos anos, a Casa da cidadania. Os movimentos sociais nos visitam, participam de reuniões, de audiências públicas, praticamente todos os dias. Só na Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais, temos entre quatro a cinco eventos ou reuniões semanais com os movimentos sociais. E uma instituição como o Ministério Público não pode deixar de dialogar com todas essas instâncias importantíssimas. Eu queria fazer aqui algumas reflexões. Terei que me ausentar rapidamente para participar de uma reunião - temos colegas do MP de Minas e do Espírito Santo reunidos para articular uma atuação integrada em relação àquela tragédia que aconteceu em Minas Gerais -, mas eu retorno em seguida para acompanhar essas reflexões. Agradecendo a honra, sem dúvida, que o Senado dá ao Conselho Nacional e saudando todos os diletos amigos e aqueles que se encontram para esta discussão de alta qualidade nesta data, eu queria fazer algumas reflexões iniciais. É verdade que a vergonha nacional não se tem apenas no recorte da letalidade na intervenção da PM. São 58 mil homicídios ao ano, recorde mundial, com índice de identificação de autoria que varia de 5% a 8% - esse é o dado que o CNMP calcula e divulga -, enquanto países da Escandinávia, da Europa conseguem ter um índice de identificação de autoria que se aproxima dos 90% a 95%. Então, o quadro geral é muito grave, embora seja necessário, realmente, fazer um recorte, porque o Brasil também é recordista, nesse recorte, na intervenção policial. Os números mais recentes dão conta de que, só no ano de 2015, nós tivemos em média oito pessoas mortas por dia em nosso País, diante da intervenção da Polícia Militar. Isso, ao ano, ultrapassa os três mil casos. Há vários fatores, sem dúvida nenhuma. O Senador Lindbergh vinha dizendo que se está tentando aumentar pena. E é uma pena, realmente, que para problemas tão complexos nós venhamos a tentar a mesma solução, que é recrudescer as sanções e os crimes. Recentemente, participando de uma audiência no Senado, nós dissemos um número: foi feito aqui um cálculo, e tivemos, nos últimos 15 anos, 252 normas que aumentaram o rigor na repressão penal em nosso País, e nem por isso, em nenhum momento, durante esse período, a violência decresceu. Os dados são muito claros. Para ser bem sincero nesse ponto, só durante as campanhas do desarmamento, que ocorreram de 2003 a 2007 ou 2008, o único momento em que o Brasil, nos últimos anos, teve uma redução realmente nesses excessos. E, mais uma vez, vejo como uma lástima toda essa campanha que vem sendo realizada para armar a população, para modificar a legislação nesse tocante, porque é a única experiência de sucesso que o Brasil tem para mostrar, nos últimos anos, exatamente em razão da campanha do desarmamento. Voltando ao ponto, o Conselho - e eu queria fazer este registro para tentar explicar aos que são observadores externos - tem dois papéis muito relevantes. O Conselho Nacional foi criado como um órgão de controle externo para punir as ilicitudes, a má conduta dos seus membros. Mas ele tem também outra função, que é fundamental e que acho que estamos exercendo aqui, que é tentar normatizar a atuação do Ministério Público brasileiro para que ele possa, com mais capacidade e de maneira integrada - porque são 30 MPs em nosso País -, desenvolver as suas funções. Então, essas duas vertentes de atuação do Conselho me parecem relevantes no tema. Se há colegas que têm se omitido em atuar nesses casos, a princípio não haveria nenhum óbice para que pudesse haver uma punição disciplinar. Mas, ao mesmo tempo, é preciso que o CNMP tenha um diagnóstico para normatizar melhor essa atuação e capacitar os membros do Ministério Público para desenvolverem com mais eficiência essa função. E aí eu vou deixar, no tópico específico da questão dos autos de resistência, para o conselheiro Antônio Duarte falar um pouquinho, porque me parece que o Conselho Nacional avançou, e muito, neste último ano, não só criando essa cartilha que orienta o Ministério Público brasileiro sobre como atuar nesses casos, mas também trazendo uma norma, uma resolução - não sei se os senhores sabem disso. |
| R | O Supremo entende que as resoluções do Conselho têm um caráter de norma penal primária, como se leis fossem; portanto, obrigam a atuação dos membros em relação a essas matérias que são aqui normatizadas. A resolução é muito clara - eu tenho certeza de que o colega Antônio Duarte vai fixar um pouco mais de detalhe nesse olhar -- em exigir uma série de medidas de todos os Ministérios Públicos quando ocorrer uma morte decorrente da intervenção policial. O art. 1, incisos I a X, da nossa Resolução traça uma série de iniciativas e de ações que precisam ser adotadas em cada caso. E eu trago aqui a notícia que, com base nessa resolução do CNMP, os MPs dos Estados estão recomendando às polícias judiciárias que atuem dessa forma. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Essa resolução é de data? O SR. FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA - Essa resolução é de setembro de 2015. O Conselheiro Antônio Duarte já mapeou o País inteiro e está visitando todos os Estados do País para falar com os membros do Ministério Público e com as autoridades, que, de uma forma ou de outra, têm uma ação em relação a essa matéria. Visitou recentemente o Estado de São Paulo, tem uma visita marcada agora para o Rio de Janeiro, justamente visando a conscientizar dessa nova postura, desse novo papel que o CNMP cobra nessa matéria, mas também tentando articular uma atuação integrada em relação a esse tema. E é claro, Senador Lindbergh - esse é um dos pontos mais importantes, o Dr. Esdras deu esse dado ainda há pouco -, conhecendo a falta de estrutura da Polícia Judiciária em todo o País, seria uma falsa expectativa dizer que o Ministério Público tem condições de assumir essas investigações quando a autoridade policial judiciária não puder desempenhar. No modelo e no papel constitucional que nos cabe hoje em dia, preferencialmente, nós temos a atividade e a ação de judicializar essas matérias, e, portanto, de responsabilizar aqueles que agiram de maneira ilegal. É claro que, excepcionalmente, a Constituição nos garante, e o Supremo reconheceu agora recentemente, que, quando constatarmos uma omissão da autoridade policial numa investigação que diga respeito a um homicídio como homicídios decorrentes ou qualquer outra coisa, o Ministério Público pode suprir essa omissão. Mas seria uma falsa expectativa dizer que, se falta estrutura para investigar esses crimes em todo o País - portanto, nosso índice de identificação de autoria é de 5% a 8% -, o Ministério Público vai assumir sozinho essa missão. Seria humanamente impossível. Mas, é claro, temos um papel muito maior em relação a esse assunto e eu destaco que esse papel acresceu significativamente na medida em que o Supremo Tribunal Federal também disse recentemente: "o Ministério Público tem legitimidade para induzir o poder público em adotar políticas públicas envolvendo as mais diversas áreas". O destaque ali, obviamente, foi dado para o sistema prisional. Não sei se os senhores sabem, mas já havia, antes dessa decisão do Supremo, centenas de ações ajuizadas pelo MP em todo o País cobrando. A título de exemplo, se não existir delegado em certo local, se não existir a estrutura para investigar esses crimes, que o Poder Público viesse judicialmente a ser obrigado a fazê-lo, mas, enquanto não havia o reconhecimento dessa legitimidade pelo Supremo, normalmente essas ações eram rechaçadas na segunda instância. Venho da região Nordeste e conheço pelo menos 10 ou 15 casos em que isso aconteceu. Então, na hora em que o Supremo nos dá, excepcionalmente, o poder de fazer a investigação nos casos em que a polícia não puder conduzi-la a contento, e na hora em que nos dá a legitimidade para, quando o poder público for omisso, buscar através da via judicial, inclusive, construir melhores condições para que a política de segurança seja efetivada, eu não tenho dúvida nenhuma de que traz um novo empoderamento para a atuação da instituição. E tenham certeza os senhores que esse empoderamento vai ser objeto de uma atenção, de uma orientação, de uma ação coordenada do Conselho Nacional, para que a gente possa desempenhar mais a fundo essa função. Eu queria fazer um destaque especial para a questão das drogas. Parece-me esse um tema muito pouco debatido. Não há nenhuma dúvida, de que o componente do alastramento das drogas é um dos responsáveis pela enorme violência que se observa em nosso País, é claro que existem outros fatores, mas esse é um fator importantíssimo. Criamos, há alguns anos, uma nova lei das drogas, e a ideia era tratar as pessoas que não tivessem periculosidade de uma outra forma daqueles que seriam chefes da quadrilha. |
| R | Pois bem, o dado mais recente, que foi agora divulgado, é que a população carcerária, em relação às drogas, cresceu, de 2006 para cá, em 77%; saiu de 13% da composição total daqueles que estão presos para 27%. Esse índice em relação às mulheres já alcança 60%. Então, me parece uma atuação absolutamente equivocada. Nós estamos encarcerando em excesso, não só no tráfico, repito, que já alcança quase um terço - eu conheço muitos casos, compreendo e sei que, na verdade, temos chefes do tráfico, mas temos muitas mulas, pessoas descartáveis que estão sendo utilizadas para levar droga em determinados momentos e que estão sendo tratados com uma rigorosidade excessiva. Então, é um sistema carcerário que pune muito, é um sistema judicial que pune muito, mas que pune muito mal - 50% dos que compõem o sistema praticaram crimes patrimoniais. E aí eu destaco, patrimoniais privados, porque se formos levar para crimes patrimoniais em defesa do Erário, a composição dos presos não alcança 0,1%. Então, são problemas da mais alta complexidade que, certamente, não vão ser resolvidos em breve. É preciso um esforço coletivo, é preciso que as instituições se unam. Eu não tenho dúvida nenhuma de que o Ministério Público não pode se furtar e não vai se furtar a desenvolver o seu papel fundamental nesse debate. Deixo outras reflexões mais para o final, para que todos possam falar - vou ter que participar da reunião, mas volto -, mas queria dar só um exemplo de como o Conselho Nacional está mudando a postura da atuação do Ministério Público brasileiro nessa área. Chegou, recentemente, um processo para ser analisado. Uma parte que havia representado para que se iniciasse um inquérito por um crime no interior do Piauí disse: "Olha, faz um ano, ano e meio que esse inquérito foi iniciado e ele não anda, ele não avança". E o colega do Ministério Público foi instado a dizer que tipo de conduta vinha tendo em relação àquele caso e disse: "Olha, eu não posso fazer nada porque não há delegado, não há estrutura para apurar esses crimes. Ponto." E o que é que este conselho disse? Na medida em que o Supremo nos dá atribuições e legitimidade, nos dá responsabilidade. O Ministério Público não pode simplesmente, dizer que não pode fazer nada, que o inquérito não está avançando e que não tem nada a intervir nesta realidade. O conselho, de maneira expressa, cobrou que ele, das duas uma: ou assumisse, caso tivesse condições, a investigação, já que era claro que havia um óbice para que a investigação fosse adiante, ou, no mínimo, instaurasse o inquérito civil público para cobrar das autoridades de segurança pública, a partir de um diálogo - tudo inicia por um diálogo, ninguém quer ajuizar essas ações de uma hora para outra -, de que maneira a estruturação mais adequada dessa comarca poderia se dar. Então esse é um simples exemplo que mostra uma mudança de postura concreta do Conselho Nacional para enfrentarmos essa que, eu repito, apesar de todos os esforços realizados pela comissão, e são muitos. Eu queria destacar o trabalho fantástico feito pelo Conselheiro Antônio Duarte, mas eu digo onde vou. Esta é uma das funções mais mal exercidas por parte do Ministério Público brasileiro, que é o controle externo da atividade policial. Com esse esforço do Conselho, que pode normatizar, e já o fez, e pode cobrar e está fazendo, eu não tenho dúvida nenhuma de que o Ministério Público terá condições de avançar, mas, repito, sem que sejam criadas falsas expectativas porque há uma série de problemas complexos que estão ali alicerçando esses dados vergonhosamente para o País, em sermos os líderes mundiais em homicídios e em termos, como muito bem registrado aqui, cara, cor e condição socioeconômica para uma grande maioria dessas vítimas. São reflexões iniciais. Eu quero voltar a participar da construção deste debate e peço licença só para me ausentar e participar de uma reunião rápida, mas volto aqui para acompanhar o final da reunião. O SR. PRESIDENTE (Não Identificado) - Agradeço, Conselheiro Fábio George, e queria passar para Renata Neder, que representa aqui a Anistia Internacional. Depois, vamos escutar o Antônio Duarte e, depois, quando voltar o Conselheiro Fábio Jorge, poderemos fazer os encaminhamentos. A SRª RENATA NEDER - Boa tarde. Primeiro eu queria agradecer ao convite feito para a Anistia Internacional estar aqui presente. Eu queria me desculpar pelo atraso, mas, a companhia aérea no Rio de Janeiro me remanejou para outro voo horas mais tarde. |
| R | Eu queria destacar a relevância de a CPI estar realizando esta audiência aqui, no Conselho Nacional do Ministério Público, considerando o papel fundamental que o Ministério Público tem nos casos de homicídio decorrentes de intervenção policial, tanto na ação penal em si, nos casos individuais, quanto no seu papel de controle externo da atividade policial. Não pude ouvir o Ignácio e o Luiz Eduardo falando, mas acho que há alguns dados que, às vezes, se repetem e, às vezes, se complementam. Então, vou falar um pouco resumidamente o que o relatório da Anistia Internacional trouxe, a forma como eles têm trabalhado com esses casos. Em agosto deste ano, a Anistia Internacional lançou o relatório Você Matou Meu Filho, sobre homicídios cometidos pela Polícia no Rio de Janeiro. Esse relatório, além de trazer dados sistematizados do próprio Instituto de Segurança Pública do Rio, traz também a análise de alguns casos específicos e até através de uma metodologia um pouco diferente do que a Anistia Internacional costumava trabalhar, anteriormente, com esse tipo de caso. Uma das coisas que concluímos, no relatório, é justamente a omissão do Ministério Público nos casos de homicídio decorrentes de intervenção policial, omissão tanto na ação penal, nos casos individuais, quanto na sua atividade de controle externo. No Estado do Rio de Janeiro, em 10 anos, entre 2005 e 2014, foram cerca de 8.500 pessoas vítimas de homicídio decorrentes de intervenção policial, cerca de 5 mil só na capital fluminense. Queria dizer que esse número é subnotificado. Um dos resultados da pesquisa da Anistia é também mostrar que muitos casos de homicídios decorrentes de intervenção policial são registrados como homicídios comuns. Então, mesmo no Estado do Rio de Janeiro, em temos uma boa sistematização, um bom registro, boas estatísticas, ainda assim esse número é subnotificado. O que vemos é que existe uma separação. Os casos em que há uma disposição, por parte da Polícia Civil, de investigar, são registrados como homicídios comuns e os casos em que não há essa disposição de investigar ficam registrados como homicídio decorrentes de intervenção policial. Então, precisamos olhar para a questão dos dados estatísticos no Rio de Janeiro e também para uma padronização nacional desses dados, porque a verdade é que, hoje, a gente não sabe quanto a polícia mata, de fato, em operações policiais no Brasil. Vimos uma tendência de queda nos registros de homicídios decorrentes de intervenção policial, no Rio, nos anos de 2007 a 2013, mas desde 2014 vimos um aumento preocupante desses casos. Só em 2014 esse número aumentou 40% em relação ao ano anterior. Em 2015, já houve um aumento de mais de 20%, e não sabemos o que espera o ano de 2016, com o aumento das operações policiais, por causa das Olimpíadas. A Olaya já falou sobre o perfil da vítima. No caso do Rio de Janeiro,tivemos acesso aos microdados sobre as vítimas de homicídios decorrentes de internação policial e conseguimos quantificar esse perfil da vítima. E o que vimos, de novo, é que o jovem negro, do sexo masculino, é a principal vítima do homicídio decorrente de intervenção policial. Do total de vítimas na cidade do Rio, 99.5% eram homens, 79% eram negros e 75% eram jovens. E a polícia em serviço é responsável por uma porcentagem muito significativa do total de homicídios. Nos últimos 4 anos, no Rio de Janeiro, as operações policiais foram responsáveis por cerca de 16% do total de homicídios na cidade. É absolutamente chocante imaginar que operações policiais de segurança pública matam 16% do total das vítimas de homicídios na cidade do Rio de Janeiro. Eu queria chamar a atenção para um caso específico - e acho até que por ocasião da visita do Conselheiro Antônio Duarte ao Rio de Janeiro, seria importante. Enfim, nos disponibilizamos a dialogar sobre os casos específicos em que trabalhamos e sobre a atuação do batalhão que mais mata no Rio de Janeiro, que é o 41º Batalhão da Polícia Militar. A Anistia denuncia isso nesse relatório de agosto. Denuncia que historicamente, nos últimos anos, esse tem sido o batalhão de maior letalidade. A delegacia que também registra o maior número de casos e que não conclui nenhum dos inquéritos, nenhum, é a 39ª Delegacia de Polícia, que está dentro da área de atuação desse Batalhão em particular. Apesar de isso ter sido denunciado em agosto deste ano, nenhuma medida foi tomada e vimos um episódio absolutamente trágico, que foi a execução de cincos jovens por esse mesmo batalhão, agora no final de novembro deste ano. |
| R | Fizemos o nosso estudo de caso a respeito de uma área específica dentro da área de atuação desse batalhão, que apresentava o maior número de registros e o que vimos viu, primeiro, foi que os registros de ocorrência da Polícia Civil apresentavam uma descrição padrão, que parecia ter sido copiada e colada, dizendo que teria havido um confronto, a polícia teria reagido a uma injusta agressão e uma pessoa havia sido encontrada morta. Isso fica por isso mesmo. A Polícia Civil aceita essa descrição dos policiais, e o caso simplesmente não é investigado. Quando a Anistia Internacional foi a campo entrevistar familiares, testemunhas e tentar obter evidências a respeito de cada um desses casos - um trabalho que a polícia deveria fazer na verdade -, o que encontramos foi uma realidade muito diferente do que foi descrito pela polícia. Na verdade, o que encontramos foram casos com fortes evidências de terem sido execuções. O que a gente chama de execuções? Exatamente que dinâmica era essa que acontecia ali, que a polícia descrevia como um confronto e troca de tiros? Havia situações conhecidas como troia, em que a polícia faz uma emboscada, esconde-se em uma casa, fica ali por várias horas, esperando uma determinada pessoa passar para executar essa pessoa. São casos em que simplesmente, sem haver uma troca de tiros, os policiais entram na favela atirando, e com isso as pessoas são mortas. Há casos em que a vítima já estava ferida, rendida, não estava armada, não oferecia qualquer tipo de risco à vida do policial ou de terceiros, e os policiais intencionalmente dispararam para matar aquela pessoa. Nenhum desses casos estava sendo investigado. Na verdade, os inquéritos estavam em aberto, mas os casos não estão sendo investigados. Essa não investigação começa, claro, com a aceitação da versão do próprio policial. Mas há outros elementos que dificultam isso e que vimos se repetir em todos os casos, não só na área de atuação do 41º Batalhão, mas também em outros casos que a gente documentou na Cidade do Rio: a alteração da cena do crime; a remoção do corpo; a tentativa de incriminar a vítima, colocando armas na mão da vítima, inclusive efetuando disparos, fraudando, portanto, todo o processo; e ameaças às famílias e às testemunhas. Inclusive, a maior parte das pessoas que deram depoimentos para a Anistia Internacional pediram para permanecer anônimas, por medo de retaliação por parte da polícia. Algo que também precisa ser discutido é se, em algum momento, vamos depender menos de testemunhas e usar mais as provas periciais nos processos, se vamos discutir um pouco a possibilidade de usar testemunhas sem rosto, porque o Programa de Proteção a Testemunhas no Brasil, enfim, não dá para ser usado. Não dá para pedir que alguém dê seu depoimento e entre no Programa de Proteção a Testemunhas, hoje, no Brasil. Para falar um pouquinho sobre essa não investigação, tentamos traduzir isso em números. Escolhemos o ano de 2011, achando que, ao olhar os casos em 2015, ou seja, quatro anos depois, teria havido um tempo razoável para que os inquéritos tivessem sido concluídos. E o que encontramos foi novamente um quadro chocante de não investigação. Dos 220 registros de homicídio decorrentes de intervenção policial, que totalizavam 283 vítimas na Cidade do Rio de Janeiro, em 2011, quatro anos depois, em apenas um caso o Ministério Público tinha oferecido denúncia contra o policial envolvido. Na maior parte dos casos, a investigação simplesmente permanecia em aberto. Sobre a investigação permanecer em aberto, cabe questionar o seguinte: primeiro, o homicídio decorrente de intervenção policial é um homicídio de autoria conhecida, porque é o próprio policial que faz o registro. E a Polícia Civil tem metas de conclusão de inquérito. Por que, quatro anos depois, todos esses casos ainda estão simplesmente em aberto, ou seja, não estão sendo investigados? Várias pessoas entrevistadas pela Anistia Internacional, inclusive, referem-se a um pingue-pongue entre a Polícia Civil e o Ministério Público, que faz com que esse inquérito permaneça em aberto. Ao permanecer em aberto, inclusive dificulta o nosso acesso aos dados, porque é uma investigação que está em aberto. Enfim, o fato é que esses casos não estão sendo investigados, e o Ministério Público não está assumindo a sua tarefa nem de entrar com a ação penal nem de exercer o controle externo da atividade policial. Essa não investigação, além de alimentar o ciclo de violência, também gera outro problema: ao não investigar os casos de homicídio decorrentes de intervenção policial, significa que desconhecemos a real motivação desses crimes. |
| R | Quer dizer, eu falei aqui hoje um pouco sobre a dinâmica: foi uma troia, eles entram atirando, enfim, a vítima já estava rendida e o policial disparou. Agora, por que esses policiais, intencionalmente, fizeram uma tocaia para executar aquela pessoa? Por que esses policiais, intencionalmente, ao entrarem numa favela, decidiram não prender aquele jovem, mas executar aquele jovem? Precisamos discutir o motivo dessas execuções, porque isso tem a ver com toda uma dinâmica da polícia, com a guerra às drogas, com a lógica das operações policiais. Então, a não investigação não é só uma segunda forma de violência com a família e não só alimenta o ciclo de violência na própria polícia, porque significa uma carta branca para os policiais matarem, mas também impede que entendamos, realmente, a motivação de todos esses crimes. Vou destacar de novo que a 39ª Delegacia de Polícia, quando olhamos para os dados de 2011, é uma delegacia de polícia que não concluiu nenhum dos inquéritos relativos a casos de homicídios decorrentes de intervenção policial. Então, acho que, na visita do Conselheiro ao Rio de Janeiro, seria muito interessante olhar para essa área específica da cidade. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Que área é essa? A SRª RENATA NEDER - Fica na Zona Norte do Rio, mais ou menos ali na região de Acari, é a área de atuação do 41º Batalhão. Atuam ali três delegacias de polícia civil, sendo que a 39ª Delegacia é a que apresenta o maior número de registros. Por último, eu queria dizer que essa resolução do Conselho Nacional do Ministério Público é muito bem-vinda, acho que no momento também muito oportuno, do ponto de vista até da anistia. Logo depois do lançamento do relatório, um representante da Anistia esteve aqui e teve oportunidade de estar aqui no Conselho, para discutir esse tema dos homicídios decorrentes de intervenção policial. Acho que é relevante, porque aborda todos esses temas levantados, da alteração da cena do crime, fraude processual e vários outros, e também chama à responsabilidade da laboração de políticas públicas de prevenção e isso é fundamental. Acho que a discussão agora é sobre a implementação disso nos Estados, de que forma vamos garantir que tudo isso seja implementado nos Estados. No Rio de Janeiro, desde o lançamento do relatório em agosto, a Anistia Internacional se reuniu duas vezes com o Procurador-Geral Marfan Vieira, justamente para tentar tirar dois compromissos: um deles era a criação da Comissão de Controle Externo da Atividade Policial, a que ele havia se comprometido, através de um TAC assinado com a polícia, de que isso seria feito até dezembro deste ano. Mas Anistia tinha uma solicitação específica, que era a criação de uma força-tarefa dentro do Ministério Público, um grupo de trabalho dedicado aos casos de homicídio decorrentes de intervenção policial, que hoje são centenas, milhares de Investigações que permanecem em aberto ao longo dos anos. Então, não basta criar a comissão de controle externo, mas também, enfim, criar uma força-tarefa para investigação e responsabilização desses casos. Colocamo-nos à disposição no Rio de Janeiro, para compartilhar os dados, enfim, para conversar mais sobre isso, inclusive sobre casos de outros Estados que a Anistia também acompanha, embora não tenha uma pesquisa publicada sobre isso. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Renata. Vou passar agora para o Conselheiro Antônio Duarte. O SR. ANTÔNIO DUARTE - Meu cordial boa tarde a todos. Queria, inicialmente, cumprimentar o destacado e jovem Senador Lindberg Farias, Relator da CPI do Assassinato dos Jovens, agradecer a S. Exª por nos conceder essa deferência de trazer a CPI para o âmbito do CMP, a fim de poder refletir sobre um tema que nos causa preocupação a todos. Antes de passar propriamente à minha reflexão, ao trabalho que nós estamos desenvolvendo perante a Comissão, eu queria também cumprimentar os colegas conselheiros que se encontram no recinto, Dr. Esdras Dantas, a quem carinhosamente chamamos de professor, advogado que é há quase 40 anos, causando sempre orgulho a seus pares pelas suas posições firmes, serenas, equilibradas e agora nos dando a oportunidade de trazer toda essa vasta experiência a serviço da estratégia nacional de segurança pública, onde vem desenvolvendo um trabalho realmente significativo. |
| R | Queria cumprimentar também nosso jovem colega, que passou a integrar o Conselho recentemente, Dr. Valter Shuenquener, juiz federal, professor da Universidade da UERJ, com muitas luzes para nos trazer aqui, certamente. Cumprimentar os Professores Luiz Eduardo e Ignácio Cano, que são duas referências obrigatórias em matéria de segurança pública. Eu, particularmente, me sinto muito à vontade com os textos de V. Exªs, porque estou desenvolvendo o mestrado justamente na área do controle externo e tenho tido boas reflexões em torno dos trabalhos que os senhores assinaram e que nos levam, certamente, a refletir muito detidamente sobre esse tema, que nos é muito importante. Queria também cumprimentar o colega Gustavo Rocha, representante do povo nesta Casa, indicado que é pela Câmara dos Deputados e que partilha comigo a cogestão da Comissão do Controle Externo, Sistema Prisional e Segurança Pública. Realmente é uma comissão trifonte, na verdade. São três áreas de grande complexidade que essa comissão abraçou, mas que dialogam entre si obviamente. E resolvemos partilhar a missão porque uma andorinha só não faz verão. Então, é preciso nós reunirmos as forças para poder desenvolver o melhor que nós temos para poder, de alguma forma, amenizar os drásticos problemas afetos a essas áreas. Cumprimentar também a Dra Renata Neder, da Anistia Internacional, que também tem dialogado com esta Casa, tem participado das reuniões. Eu sempre digo até, Senador Lindbergh, que a comissão sempre promove reuniões e traz todos os que quiserem dela participar, porque nós precisamos ouvir todas as instâncias que vivenciam o dia a dia desses tormentosos problemas. Talvez até com a visão mais, digamos, cotidiana desses problemas, os senhores e as senhoras possam nos trazer realmente o que tem de mais eloquente que acontece aí no dia a dia dessas questões que nos afligem a todos. Cumprimentar a Dra Olaya, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dizer também que todos os trabalhos desenvolvidos pelo fórum têm servido de balizas nas nossas análises. Eu, particularmente falando, tenho me utilizado muito dos dados, das estatísticas porque eu acho que são não só confiáveis, mas trazem de fato um diagnóstico muito claro e objetivo do cenário, ao demonstrar que as instituições não podem se calar. As instituições têm, de fato, que iniciar ações que já são tardias. Nós já estamos, digamos assim, um tanto quanto atrasados no enfrentamento desses problemas, mas nós temos que enfrentá-los. De maneira que eu diria inicialmente, cumprimentando todos da plateia, e fico feliz que o nosso Procurador-Geral da Justiça Militar também esteja no recinto nesse momento, Dr. Marcelo Weitzel, a quem também tributo meus cumprimentos. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Convidamos o Dr. Marcelo para sentar aqui à mesa. Muito obrigado pela presença. O SR. ANTÔNIO DUARTE - Dizer, Prof. Luiz Eduardo, que tem duas coisas que só dão no Brasil, que é o princípio da independência funcional e jabuticaba. E eu acho que ambos são muito bem-vindos. O princípio da independência funcional, encartado pelo constituinte originário na Carta de 1988 e que deu essa força ao Ministério Público, essa pujança, para que ele possa desenvolver. Porque ele foi criado não em proveito do membro, mas em proveito da sociedade. Portanto, desenvolver as melhores ações em cumprimento das suas atribuições, da tutela coletiva, dos interesses difusos, da ordem jurídica, da democracia, enfim. O Ministério Público realmente foi alçado a uma condição privilegiada pela Carta de 1988 e tem que saber caminhar com passos firmes no cumprimento dessas atribuições, não tergiversando, não se omitindo, não negligenciando, enfim. Bom, eu gostaria rapidamente de dizer aos presentes que, desde quando nós compartilhamos a gestão da comissão tripartite que eu já mencionei com o Dr. Alexandre Saliba, também juiz federal que esteve nesta Casa até bem recentemente, nós colocamos na nossa mente que tínhamos que passar a desenvolver esse tema do controle externo com muito mais ênfase. Para nós, ele continuava, por assim dizer, no limbo. |
| R | Estava na Carta Constitucional, nos trouxe, eu diria assim, até uma certa novidade, porque muitos de nós ainda estávamos a tatear no escuro, saber o que é isso, como fazer esse controle externo da atividade policial. Eu penso que isso perpassa obviamente por um aprendizado, porque o Constituinte colocou esse instrumental de trabalho para o Ministério Público, mas nós, no próprio âmbito das nossas normas de regência, dos nossos estatutos orgânicos, não interpretamos à altura, me parece. Então, devido a todos esses aspectos nós resolvemos envidar todos os esforços necessários, até porque esta Casa, que conta agora com dez anos, não podia de maneira alguma ficar numa zona de conforto. Havia necessidade mesmo que o Conselho Nacional do Ministério Público, como órgão de controle administrativo, disciplinar e financeiro, teria que iniciar, empreender ações voltadas para de fato fazer com que o controle externo se tornasse uma realidade no Brasil inteiro. E como fazê-lo? Nós tivemos esse primeiro insight de desenvolver uma cartilha a partir até do que consta do mapa estratégico do Conselho Nacional do Ministério Público. Então, o nosso primeiro esforço foi no sentido de buscar trabalhar ações que pudessem fazer com que o Ministério Público realmente agisse com mais determinação, com mais força, no enfrentamento à morte decorrente de intervenção policial. E o mapa estratégico, portanto, contempla duas ações, a Ação Nacional nº 15 e a Ação Nacional nº 16. Uma que direciona a atuação do Ministério Público para fortalecer o controle externo da atividade policial, e a outra, a ação nacional, que visa justamente fortalecer a prevenção e a repressão dos crimes graves tanto comuns como militares. Com base nisso, nós estamos tentando desenvolver aqui um cronograma com objetivos, ações, prazos, responsabilidades e tudo mais. Para tanto estamos saindo da placidez do planalto central e nos inquietando com as questões que afligem os Estados-membros da Federação. Obviamente que nada acontece num passo de mágica. Os senhores mesmo, que são estudiosos, sabem que estão há tanto tempo pesquisando — não é Prof. Ignacio, Prof. Luiz Eduardo? —, há tanto tempo que o fórum brasileiro vem difundindo estudos, pesquisas e, no entanto, nós ainda não logramos o êxito necessário e o Brasil continua sendo colocado no mapa mundial da violência policial, infelizmente, um triste primeiro lugar, quando deveríamos estar ocupando destacadas posições do ranking em outras áreas, especialmente na inclusão social. Mas nesse aspecto propriamente falando, eu gostaria de dizer que todo o trabalho desenvolvido pela comissão, na verdade, tem sido precedido de um cuidado que é o de não demonizar a atividade de segurança pública, que ela é fundamental, tem assento constitucional. Nós precisamos, portanto, aplaudir toda as ações que venham do Congresso Nacional ou que venham dos Executivos no sentido de fortalecer a atuação policial aparelhando, instrumentando, capacitando, inclusive em termos de formação humanística, para que o policial vá à rua dotado de todo o aparato necessário não só sob o aspecto material, mas também psicológico, para que ele possa como agente da segurança pública e, portanto, aliado da cidadania poder fazer o enfrentamento da criminalidade de maneira responsável, de maneira digna, de maneira correta. Portanto, nós aplaudimos todas as iniciativas que venham a fortalecer essa atuação. Parece-me que o Congresso andou bem quando entendeu por bem de legislar sobre o tema, classificando como crime hediondo as práticas que venham a causar o homicídio de agentes da segurança pública ou dos seus familiares. Eu acho que isso é algo importante, mas parece-me que o Congresso também não pode deixar de mirar os seus olhos para este instrumento que continua existindo na Lei Processual Penal brasileira e que, na verdade, não se presta hoje a nenhum interesse de natureza processual propriamente falando, que é o chamado auto de resistência. |
| R | Esse chamado auto de resistência muito mais tem servido para acobertar práticas de execuções sumárias, à luz do dia, e que, portanto, são flagradas, felizmente, por esses instrumentos pequenininhos, mas que podem ficar em qualquer ponto de uma determinada cidade, de um prédio. Isso demonstra que, em muitos casos, a polícia, em vez de tomar as providências previstas em lei, de realizar as prisões em flagrante em relação àqueles que estejam praticando ilícitos, termina ali mesmo realizando um verdadeiro processo sem julgamento, um julgamento sumário, com a condenação certa, sem direito a defesa, sem direito ao devido processo penal. É isso que nós temos observado em vários pontos do Brasil. E contra isso nós não podemos, de maneira nenhuma, ficar calados. É preciso que a voz das instituições... E digo que também a voz das instituições policiais, porque não agrada ou não deve agradar a nenhuma instituição de segurança pública assistir incólume, silenciosa, às práticas de agentes que, na verdade, não honram as fardas que vestem, porque, quando vestem as fardas, prestam um juramento de defender a segurança, e não de praticar homicídios, não de instituir, por conta própria, a pena de morte, que é proibida no ordenamento constitucional brasileiro, somente admissível em tempo de guerra. E nós não queremos jamais ter essa realidade. Mas são situações absolutamente inadmissíveis. Portanto, o trabalho da Comissão tem sido o de conscientizar. Nós não estamos, de maneira nenhuma, digamos assim, parados no tempo. Desde que o Conselho foi criado, parece-me que as ações foram sendo arquitetadas. Talvez não com a velocidade que gostaríamos, mas foram realizados diversos encontros nacionais sobre o controle externo. E em todos esses encontros nacionais, vê-se claramente a discussão desse tema e a preocupação de reforçar a atuação do Ministério Público brasileiro, que, digo e repito, em qualquer fórum, não pode se distanciar das missões que foram conferidas pela Carta Constitucional. Não pode se acovardar. Não pode se atemorizar. Eu digo o mesmo para quem pretenda ser membro do Ministério Público - e ressalto isto, Senador -, que cada vez mais a atividade do Ministério Público se torna uma atividade de risco. É uma atividade de risco, porque, hoje, um membro do Ministério Público se defronta, está tête-à-tête com os riscos inerentes à sua atuação. Porque quando o membro do Ministério Público atua no sentido de resguardar os princípios e valores republicanos, no sentido de resguardar a segurança pública, os interesses coletivos, os interesses difusos, ele desafia interesses inconfessáveis. E a partir daí passa a ser também alvo, como tem ocorrido com alguns colegas nossos. Então, nesse cenário, não é desconhecido da comissão que o enfrentamento da morte decorrente de intervenção policial é também o enfrentamento de policiais que estão vestindo a farda, mas que não a honram, ou seja, policiais que estão infiltrados nas organizações, nas instituições policiais, para verdadeiramente praticar, como V. Exª tem assistido em diversos outros depoimentos, assassinatos, homicídios, que não podem deixar de ter a resposta do Estado. Nesse sentido, nós estamos conversando com as autoridades de segurança pública do Brasil inteiro, estamos marcando, agendando, conversando com os procuradores-gerais, com os promotores responsáveis pelo controle externo, dizendo que o CNMP vai apoiar, não vai só cobrar, porque é muito fácil só cobrar. Mas vai continuar apoiando toda a atuação do membro do Ministério Público, que visa apurar fato por fato, prática por prática que venha a contrariar a lei penal brasileira. Eu já estou caminhando para o final da minha intervenção inicial. Mas eu queria dizer que, com esse desiderato, com esse propósito, o CNMP, em muito boa hora, já foi distribuído aos senhores e às senhoras, aprovou, por unanimidade, a Resolução nº 129, de 22 de setembro de 2015, portanto, está bem recente. Dentro de todos esses desdobramentos que foram iniciados nos encontros nacionais, estamos repercutindo aquilo que foi discutido lá atrás. Na verdade, estamos saindo da retórica para a prática. |
| R | Estamos deixando de ficar apenas do papel, para realizar as ações que são inestimáveis para pôr cobro a essas práticas que, de fato, não causam orgulho a nenhuma instituição, muito menos às instituições de segurança pública. Então, Exmo Sr. Senador, demais convidados a estar CPI, parece-me claro que, doravante, a posição do CNMP e, quero crer, do Ministério Público brasileiro, será a de atuar com toda a firmeza, atuar com todo o denodo, continuar fazendo o esforço necessário para vencer esse monstro que é a violência, esse monstro que nos assola a todos, preocupa-nos a todos, vitimiza-nos a todos. Nesse sentido é que esse trabalho está sendo desencadeado, com o apoio da Presidência do CNMP, com o apoio dos demais conselheiros desta Casa, que também participam das ações e das discussões que são travadas no âmbito da nossa Comissão. Gostaria de dizer que nós esperamos que, com esse trabalho, com o avanço, nós possamos abrir outros espaços, para não ficar apenas nesse controle meramente burocrático, mas passar a ter o Ministério Público em uma dimensão que me parece ser muito mais favorável, como acontece no ordenamento lusitano, onde o Ministério Público participa da formulação das políticas de prevenção criminal, o que no Brasil não tem ocorrido, Prof. Luiz Eduardo, e a Profª Olaya falou muito bem nesse sentido. Nós precisamos estar presentes porque é nesse nascedouro, é nessa gênese que vão ser gerados os resultados mais interessantes em termos de prevenção. Nós temos que combater lá, na base, para poder, formulando políticas conscientes e adequadas, trazer os resultados de que toda a sociedade necessita. Então, Senador, eu me coloco à disposição. Eu tenho participado lá no Congresso, na CPI dos Direitos Humanos também, e, daqui por diante, V. Exª pode ter certeza de que seremos, com toda a clareza, parceiros de todos os esforços necessários que visem coibir essas práticas, reduzindo, e eliminá-las se for possível. Esse é o sonho que acalentamos, e nutrimos esperança muito em função do trabalho que todos aqui realizam no seu dia a dia. Quero cumprimentá-lo pelo esforço que está tendo na Comissão, cumprimentar a Senadora Lídice da Mata e dizer que o CNMP está hoje realizando um momento histórico para esta Casa. Agradeço mais uma vez, reitero os nossos agradecimentos por confiar a este espaço e aos interlocutores desta Casa a oportunidade de dialogar e fazer até o mea culpa, no sentido de dizer que o Ministério Público precisa aprender a lição constitucional mais amiudadamente, para poder exercê-la com mais grandeza. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu que agradeço, Conselheiro Antônio Duarte. Vamos entrar agora na parte de encaminhamentos. Mas o que queremos aqui é, na verdade, fazer uma grande parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público, e, com o senhor, uma relação muito direta, principalmente das entidades, das pessoas que trabalham nesse assunto no dia a dia. Eu acho que essa abertura de dialogar pode ser muito importante. Eu devo dizer que essa CPI, para mim, Prof. Luiz Eduardo Soares, que é um amigo, fez-me entender de forma diferente a situação que estamos enfrentando. Primeiro, eu acho que o Luiz Eduardo colocou bem, é uma tragédia. Este País que avançou em tantas áreas nesse último período: controle da inflação no governo Fernando Henrique Cardoso; inclusão social, combate à fome, desnutrição infantil, várias coisas, e nisso nós ficamos completamente paralisados. Eu estou querendo fazer um relatório muito duro da CPI, e não é dirigido a um governo, mas nós estamos querendo responsabilizar o Estado brasileiro por genocídio, o genocídio da juventude, especialmente da juventude negra, da juventude pobre, moradora das periferias. E eu fico pensando, por que será que até agora não surgiu um clamor nacional contra isso? Primeiro, vem a questão da invisibilidade. Você veja, no Rio e Janeiro, e isso atinge a todos. A discussão sobre invisibilidade, a quantidade de jovens que morrem nas periferias do Rio de Janeiro, isso não é notícia de jornal. Às vezes, um próprio membro do Ministério Público está lá, no Rio de Janeiro... Quer dizer, há uma certa banalização dessa coisa da vida, que temos que enfrentar. |
| R | Mas creio que não é só invisibilidade, Prof. Luiz Eduardo, existe uma outra coisa que é o seguinte: uma política de execução por parte do Estado, apoiada por um setor grande da sociedade, que acha que, assim, melhora a situação da segurança pública. Isso acontece. E os senhores permitam-me também uma breve digressão aqui, de dois minutos, três minutos, porque eu não entendia dessa forma o papel da discussão das drogas. Eu acho que a questão central hoje - eu sei que esse tema não é simples - é desarmarmos a guerra. Qual é a guerra? Primeiro, vamos olhar para o Rio, mas vamos olhar para o Brasil. A situação é em todo o Brasil. Política de guerra às drogas: a secretaria de segurança coloca como centro da sua atuação o combate ao tráfico de drogas. Só que isso se dá - e vale dizer - fruto disto: nós temos a polícia que mais mata, mas a que mais morre também. Foram 490, Prof. Ignácio Cano, no ano passado? O SR. IGNÁCIO CANO (Fora do microfone.) - São 150 por ano. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - São 150 por ano. Então, nós temos a polícia que mais mata e a que mais morre. Vejam que a guerra às drogas se dá de forma diferenciada no território. Existe tráfico de drogas em Copacabana, em Ipanema, no Leblon, e ninguém vê uma intervenção policial com o Caveirão, que existe no Rio de Janeiro e é, praticamente, um tanque blindado onde só há espaço para um fuzil do lado de fora. Aquilo tem uma letalidade gigantesca, violentíssima. Então, veja-se que em determinadas regiões da cidade a forma da polícia entrar e combater as drogas é uma, e em outra parte é outra. Há um instrumento extremamente perigoso no Rio de Janeiro, que são os mandados coletivos de busca e apreensão. Então, veja-se o Complexo da Maré: é, como dizem no popular, o famoso "pé na porta". A polícia chega com o pé na porta. Isso seria inadmissível em outras regiões, volto a dizer, como Copacabana ou Ipanema, no Rio de Janeiro. ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - O policial, no outro dia, está fora da instituição, está afastado se fizer isso. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro! Como também quando um crime é feito numa região nobre cidade, aquele crime chama a atenção da imprensa e chama a atenção de todos, do Ministério, de todos. E, aqui, eu entro num ponto que eu não tinha essa convicção antes de começar este debate e rodar o País, Prof. Luiz Eduardo. Eu acho que, essa discussão sobre políticas de drogas, nós temos que enfrentar. Não é um debate fácil de ser feito. Quando se vai ver a situação do Uruguai, sabe quantas pessoas morreram no ano passado no Uruguai em relação a crimes ligados a drogas? Nenhuma. Nós vamos ter aqui no Brasil o quê? Das 56 mil mortes por ano, uma quantidade enorme em cima disso. Aí, a outra ponta da guerra que nós temos que desarmar, que é a PEC nº 51 que eu apresentei - mas todos no Brasil sabem que foi o Prof. Luiz Eduardo Soares que construiu as bases da PEC, que fala em desmilitarização. Porque nós temos uma polícia hoje treinada e tem uma função constitucional para o enfrentamento, para a guerra, e não tem nada de policiamento comunitário, policiamento de proximidade nisso aqui. E o que o Prof. Luiz Eduardo falou muito bem - essa também que é outra jabuticaba - que é a divisão da polícia: de se ter uma polícia militar e uma polícia civil; de a polícia civil fazer o trabalho de investigação e a polícia militar, o trabalho de policiamento ostensivo e preventivo - ela só pode fazer, como bem disse o Prof. Luiz Eduardo, prisão em flagrante. E aqui entra um outro ponto, que foi abordado por Olaya também, que é a questão do racismo que está institucionalizado aqui, porque se mata muito mais jovens negros. E existe muita gente que, nesse debate, pensa: "Ah, não! Racismo no Brasil?" O racismo é muito forte no Brasil. Eu vou citar aos senhores o que aconteceu no Rio de Janeiro e que me chocou muito, há um mês e meio atrás, depois dos arrastões no Rio de Janeiro. Quando aconteceram os arrastões, um grupo que estava numa academia de ginástica decidiu, ali, fazer justiça com as próprias mãos e parou um ônibus que ia para a zona norte do Rio de Janeiro. As pessoas que estavam numa área de Copacabana pararam esse ônibus, e as pessoas entraram no ônibus. E viram um jovem negro de 17 anos, e disseram: "Está ali!" Só que esse garoto nem tinha ido à praia, esse garoto nem tinha passado pela praia. Mas era o quê? Um jovem negro de 17 anos era o criminoso para eles. E o garoto teve que pular a janela e foi agredido na rua. Isso exemplifica muito o que a gente tem no dia a dia hoje. Infelizmente é isso. Eu tenho conversado com muitas mães nesse processo desta CPI. Fábio George, as mães de jovens negros ficam apavoradas quando eles saem à noite, nos fins de semana. |
| R | Ficam apavoradas pela Polícia, ficam apavoradas por tudo! É uma coisa que temos de enfrentar. Temos de denunciar isso aí. Tenho visto o racismo nisto aqui. Temos de desarmar essa guerra, temos de melhorar a Polícia. Temos de fazer essa política de guerra às drogas. Agora, a questão do racismo é muito forte em todo este debate que está havendo no País. O que acho que poderíamos fazer aqui? Acho que essa resolução é um passo importantíssimo, mas é uma tarefa de convencimento também dos Ministérios Públicos estaduais. Quando começamos este trabalho da CPI, todo mundo falava desse papel do Ministério Público. Queríamos muito fazer uma parceria com os senhores aqui, nos Estados. Quando o Conselheiro Antônio Duarte fizer a reunião com os Ministérios Públicos estaduais, será importante também, em determinado momento, chamar as entidades que tratam do tema para conversar. Acho que o mais importante aqui, Prof. Luiz Eduardo - o Ignacio Cano queria falar, e vou passar a palavra para ele -, nesta fase de encaminhamento, é tentarmos construir a estratégia desse trabalho em conjunto. Esse é o esforço. Na verdade, esta CPI tem outro objetivo também, que é o de fazer avançar o Plano Nacional de Redução de Homicídios. Essa é uma luta! Temos de forçar o Governo também a entrar nisso. Não é fácil! As coisas estão caminhando de forma muito lenta nessa área. Então, na verdade, acho que o fundamental aqui, Prof. Ignacio - passo a palavra ao senhor, para que dê sua sugestão -, é discutirmos agora como podemos fazer esse trabalho de forma mais integrada, para tentar convencer, nos Estados, a se fazer a mudança da postura dos Ministérios Públicos estaduais. Tenho a certeza de que, quando começar a haver mais punição de policiais, criar-se-á um inibidor forte a essa política de execução que existe hoje na ponta. Com a palavra, o Prof. Ignacio Cano. O SR. IGNACIO CANO - Obrigado. Faço rapidamente alguns possíveis encaminhamentos. Um deles é relativo a esse banco de dados sobre letalidade que está sendo construído. A sugestão seria a de que esse banco fosse disponibilizado na internet e a de que nele se incluíssem não apenas os casos de mortes, mas também os oferecimentos de denúncias e as sentenças. Conseguimos acompanhar as mortes via registros criminais, mas é muito mais difícil para o observador externo conseguir acompanhar as denúncias e as sentenças, porque elas não são divulgadas regularmente. Então, se o CNMP pudesse divulgar o banco e nele incluísse registros de mortes, de denúncias e de sentenças, isso ajudaria muito na transparência do processo. Outro ponto importante é relativo ao que o Conselheiro Fábio George estava comentando anteriormente: a possibilidade de que o Ministério Público induza políticas públicas, a possibilidade de instar os governos estaduais, os governos de alguns Estados, a criarem metas de redução da letalidade policial. A Ouvidoria de Direitos Humanos da Secretaria já tentou fazer isso no passado, e, inclusive, a resposta do Ministério Público do Rio foi triste. A resposta foi, primeiro, que "a criação de metas pertence à esfera administrativa e, portanto, não nos cabe" e, segundo, que "mesmo que isso nos coubesse, a Polícia do Rio luta contra criminosos perigosíssimos e tem de se defender". Então, houve toda uma alegação naquela resposta oficial do Ministério Público do Rio, justificando a política que deveria ser transformada. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O senhor acha que o Ministério Público pode construir TACs com isso? O SR. IGNACIO CANO - Exatamente! Seriam TACs para a redução da letalidade policial. É importante também sublinhar o seguinte: não se trata só dos casos que são penalmente puníveis. Essa é uma parte, mas há muitos outros casos que não são tecnicamente execuções sumárias, mas que poderiam ter sido resolvidos de outra forma, com um desfecho menos letal. Então, a criação de metas, de TACs, pode ajudar a salvar vidas, não apenas nos casos de execução sumária, mas também em muitos outros casos em que o desfecho poderia ter sido diferente. Acho que uma comprovação da falência do sistema da Justiça Criminal nesses casos se dá na esfera internacional. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana apresentam vários casos de condenação contra o Brasil por execuções sumárias. E cada caso desses tem por trás um delegado que não investigou, um promotor que não ofereceu denúncia, um juiz. Então, acho muito importante também recuperar esses casos da esfera internacional, para que eles sirvam como exemplo de todo o percurso que não aconteceu como deveria ter acontecido dentro do sistema da Justiça Criminal. Por último, trato da questão que já foi assinalada pela Renata, a do sub-registro dos casos. Nos casos que a Polícia acha que foram ilegítimos, em que, portanto, ela não registra (...) |
| R | Por último, trato da questão que já foi assinalada pela Renata, a do sub-registro dos casos. Nos casos que a Polícia acha que foram ilegítimos, em que, portanto, ela não registra como homicídio decorrente de intervenção policial, o problema é duplo. Por um lado, nós não conseguimos acompanhar o número real de casos, mas, por outro lado, esse tipo de registro está confirmando que, quando a polícia registra um homicídio decorrente de intervenção policial, ela acredita que foi legítimo. Portanto, por que ela investigaria, se ela já começa partindo do suposto que aquilo foi legítimo? Então, acabamos, em parte, com o conceito de autorresistência, mas não acabou com a lógica que está por trás, que é o de que esses casos são legítimos; então, não precisa investigar. Embora a taxa de esclarecimento seja muito baixa no Brasil, inferior a 8% - 5%, 8% -, em geral esses casos têm a ver com problema de autoria. Agora, os casos de intervenção policial, em geral, não têm problema de autoria. Portanto, a taxa de esclarecimento deveria ser muito superior. Não podemos comparar esses casos com os casos gerais de homicídio, porque basta fazer uma reconstituição, pegar a prova técnica para se poder resolver muitos casos, coisa que, como a Renata já disse, na prática não acontece. Os inquéritos ficam apodrecendo e não são resolvidos. O SR. LUIZ EDUARDO SOARES - Sr. Presidente, eu quero só reiterar que esses pontos do Ignácio são muito importantes. De modo que, de fato, nós deveríamos, se possível, observá-los e retomar o que disse a Renata, porque, em agosto, apresentou-se a proposta da força-tarefa. Isso acabou não se realizando, mas a ideia me parece indispensável. Se tomarmos um caso estadual como exemplo, paradigma, fonte de inspiração, pode ser que os outros Estados, de alguma forma, respondam positivamente e tomem iniciativas. Muitas vezes as decisões, tendo de ser nacionais, acabam criando para si próprias obstáculos que as paralisam, porque é preciso tanto esforço coordenado, tanta confluência de energias e de ações! E às vezes as resistências ou dificuldades se distribuem heterogeneamente pelo País, e nós poderíamos avançar onde fosse possível e utilizar esse avanço como uma alavanca propulsora positiva que nos anime a seguir. É inadmissível que haja o que há no Brasil. Muito bem, mas esta é uma declaração retórica. O que Renata nos trouxe é o caminho prático para avanço real, porque eles fizeram a investigação que não havia sido feita. Não fizeram com suporte legal, mas isso é possível, uma vez tendo sido recolhidas tantas informações pertinentes outrora negligenciadas. Nós já estamos em outro estágio. Então, parece-me que, havendo esses indícios, esses elementos, a palavra "inadmissível", o advérbio ganha agora concretude, consistência, aplicabilidade. Podemos, de alguma maneira, tomar os casos levantados pela anistia, que foram contemplados pela pesquisa, como referência, e ir ao Rio de Janeiro. Estive com colegas do MP na semana passada, no Rio de Janeiro, com o Dr. Biscaia, enfim, com todo um grupo que está justamente fazendo esforço de aproximar-se desse movimento nacional do Ministério Público. Tenho certeza de que, nesse momento, talvez se torne possível levar adiante a ideia da força-tarefa. Nenhuma morte provocada por intervenção policial no Rio de Janeiro permanecerá sem investigação, sem resposta adequada judicial. Não pode ser um compromisso razoável? Começando por aqueles que já estão acessíveis pelas informações levantadas. Acho que seria uma marca que produziria uma transformação muito profunda no Rio de Janeiro e na percepção da sociedade. Poderia servir de farol, de fonte de inspiração para os outros Estados. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Aproveitando o Prof. Luiz Eduardo, Conselheiro Antônio Duarte, Fábio George, Valter, Dr. Gustavo, estivemos conversando com o Procurador-Geral do Rio, Marfan - inclusive, a Anistia Internacional esteve -, sobre o caso do menino Eduardo de Jesus, agora há pouco tempo. Seria importante - o senhor vai estar no Rio de Janeiro, em conversa com o Procurador-Geral - conversar com ele para, em algum momento, receber também os senhores uma comissão, para a qual poderíamos colocar novamente essa ideia que a Renata apresentou da força-tarefa, porque o Rio de Janeiro, de fato, é um Estado muito importante. |
| R | Em relação a esta discussão aqui, sobre extermínio, nós estamos à frente, infelizmente. Então, essa podia ser uma proposta muito concreta, porque eu tenho certeza de que o Procurador-Geral Marfan vai se animar com uma discussão desse tipo. Então, eu acho que podia ser um encaminhamento bem direto. O SR. ANTÔNIO DUARTE - Eu queria até registrar, a propósito - e está aqui o nosso Procurador-Geral, que não nos deixa faltar com a verdade -, que hoje de manhã, na derradeira reunião do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, com a presença inclusive do Dr. Marfan, nós tocamos no assunto. Fizemos um balanço do trabalho desenvolvido na Comissão e ressaltamos a importância de dar continuidade a ele e de contar imensamente com a contribuição dos Procuradores-Gerais no sentido de desenvolver as ações estratégicas de cada Ministério Público dos Estados-membros da Federação, no sentido de reforçar, de intensificar esse trabalho, criar os grupos. Nós estivemos em São Paulo agora, recentemente, onde conversamos também com as autoridades públicas de segurança, com o Procurador-Geral, e cobramos também diversas medidas. Lá em São Paulo, inclusive me parece que avançaram, na medida em que o Secretário de Segurança, Alexandre de Moraes, egresso que é do Ministério Público e sensível à matéria, fez baixar uma resolução que é uma resolução que ataca tanto o problema da morte decorrente de intervenção policial quanto da vitimização policial, mas onde ele determina, de forma expressa, a realização de todas as medidas que são indispensáveis de preservação da cena de uma prática que tenha intervenção policial ou de que o policial seja vítima, da chamada dos órgãos de perícia, que é sumamente importante para que eles colham o material. E aqui nós temos de compartilhar também algumas dificuldades. Nós evidenciamos os problemas. Eu sei que as pesquisas mostram uma certa, talvez, falta de esforço maior por parte do Ministério Público. Isso está declarado no Fórum de Segurança Pública, textualmente, pelas pesquisadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Eu conheço os textos, e tudo mais. Mas nós temos que dizer que uma coisa é, digamos assim, iniciar a investigação. A outra é deduzir a pretensão acusatória e sustentá-la com dignidade suficiente para se chegar ao descortinamento dos acontecimentos. Porque não é fácil, no âmbito de uma cena processual, o Ministério Público muitas das vezes atado a diversas circunstâncias, chegar a bom termo no seu esforço acusatório e convencer o magistrado de que a prática foi de uma forma ou de outra, sobretudo porque no âmbito do processo penal não vale juízo de presunção, mas tem que ter juízo de certeza. Então, nós temos também que analisar todos esses aspectos. Isso não passa ao largo da nossa compreensão, mas nós queremos aqui firmar - viu, Senador Lindbergh? - um compromisso, como Presidente da Comissão. Tenho certeza de que o colega Fábio George, que está realizando um trabalho extraordinário, eu acho até que esse rapaz tem o dom da ubiquidade, porque ele se desdobra. Eu não consigo imaginar como ele consegue estar em várias partes ao mesmo tempo, e a esposa, ao final do dia, ainda o recebe sorrindo. Eu não sei como é possível isso, mas, enfim, quero dizer que penso que esse esforço, esse compromisso do CNMP é um compromisso que o Presidente Janot firmou desde o princípio que assumiu a gestão do órgão, e todos os conselheiros estão absolutamente conscientes. Só na nossa Comissão, dada a importância que ela tem nesse contexto, são oito conselheiros, incluindo o Fábio George, que participam das deliberações, das discussões. Então, está definido isso. Nós vamos manter, como de fato estamos mantendo. Esse banco de dados, ele ainda não tem, vamos dizer assim, essa densidade que nós queremos - viu, Professor? -, mas terá, com certeza, porque nós estamos cobrando, nós estamos inclusive cobrando das autoridades o porquê de muitas das mortes não terem as notificações. Então, há mortes que são subnotificadas e, muitas das vezes, passam ao largo das estatísticas em termos de letalidade, ao largo das estatísticas em termos de letalidade policial, o que nos causa realmente preocupação, porque, quando se oculta, quando não se é transparente, algo de errado está acontecendo, porque quem tem a tranquilidade, a serenidade de dizer que a segurança pública está sendo trabalhada pelas instituições de maneira constitucional, de maneira legal, legítima não vai esconder os fatos, não vai escamoteá-los, não deve fazê-lo. |
| R | Então, nós temos a obrigação, como Ministério Público, de cobrar. E eu diria mais: nós temos de caminhar também para responsabilizar aqueles que não realizam as apurações, ainda que se tenha de chegar às esferas de comando, se necessário for, porque é preciso que todas as autoridades tenham consciência de que nós vivemos num Estado de direito, num Estado democrático de direito, e o Estado de direito pressupõe o exercício da lei, ou seja, que a lei se faça cumprir em todas as esferas. E a gente tem que imaginar que aquele indivíduo que pratica uma conduta delituosa, usando uma arma ou algo assim, dele não há surpresa em relação a um tiro que ele venha a desferir contra um policial, contra um cidadão. Mas, do policial, é uma surpresa, porque ele é preparado nas academias, ele tem toda uma formação voltada para manejar adequadamente os instrumentais de trabalho, especialmente a arma de fogo. Por isso mesmo foi que o Congresso, sensível a todos esses aspectos, procurou desenvolver, especialmente naquelas manifestações que ocorreram em relação a excessos que possam vir a ocorrer para não utilização de armas letais, porque, muitas das vezes, as armas letais terminam gerando resultados terríveis a que nós assistimos, como no Carandiru, em Eldorado de Carajás e em outros exemplos funestos da nossa história recente. Então, parece-me claro que a Comissão tem um compromisso, Senador Lindbergh Farias, de envidar todos os esforços que estiverem ao alcance para, de fato, dialogar com os procuradores-gerais e dizer que é um caminho sem volta esse controle. Nós não podemos retroceder nas nossas perspectivas. Não é à toa que existe normativo. Não havia orientação nesse sentido. Por isso é que nós temos, realmente, que aplaudir o Plenário desta Casa por ter tido a coragem, o destemor de aprovar uma resolução que mostra, é um roteiro, é um protocolo para que os membros do Ministério Público não se intimidem, não se deixem distanciar, de maneira alguma, do cumprimento de suas missões. É um compromisso que nós firmamos, e estarei no Rio e levarei tudo aquilo que for resultado desta reunião histórica, repito, no CNMP. Inclusive antecipo que, de minha parte, lá no roteiro da nossa visitação, incluirei tão destacadas pessoas; e, eu diria, pessoas que não se dobram, pessoas que não se intimidam e enfrentam os problemas, pesquisando, publicando obras e discutindo, de forma aberta, como num contexto deste, as suas impressões. Nós estamos trabalhando por um Brasil melhor, um Brasil de cara limpa, um Brasil transparente, um Brasil cuja violência deve, cada vez mais, ser reduzida, até um dia zerá-la, se Deus quiser. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Conselheiro. Então, Conselheiro Valter Araújo - eu não me atrevi... (Risos.) Não me atrevi. O SR. VALTER SHUENQUENER DE ARAÚJO - Primeiramente, eu queria cumprimentar o Senador Lindbergh Farias, Senador do meu Estado, sou carioca. Quero agradecer pela presença e, de certa forma, além de parabenizá-lo, quero reiterar o que os colegas disseram no sentido de que é muito importante para o Conselho Nacional do Ministério Público, tem um efeito simbólico muito expressivo receber uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal sobre um tema que nos toca muito profundamente. Eu me lembro de que, antes de descer para esta sala, eu estava despachando um processo, e o processo era sobre uma acusação contra um promotor de Justiça que não teria investigado um policial que estava cobrando propina. |
| R | Então, nós estamos vivenciando isso nesse momento, e eu acho importante que o CNMP dê, em conjunto naturalmente com o Senado, esse passo no sentido de divulgar o que está acontecendo e tentar participar em conjunto da solução do problema. Eu queria cumprimentar os Conselheiros também. Ouvi todas as falas com muita atenção. Quero cumprimentar o Dr. Marcelo. Estivemos ontem juntos. Cumprimentar os professores colegas lá da UERJ e também de outras faculdades, mas eu sou da Faculdade de Direito. Cumprimentar os colegas lá da nossa estimada UERJ. Cumprimentar a Profª Renata, a Profª Olaya também. Na verdade, a minha intenção aqui era só ouvir, pois não faço parte da Comissão, mas não me segurei porque achei muito importante que houvesse encaminhamentos e principalmente esse encaminhamento específico da força-tarefa. Eu acho que isso gera um efeito, um impacto muito importante na mídia e cria um movimento nacional no sentido de se adotar essa medida em caráter nacional mesmo. Então, diante do que eu ouvi - e fica a título de sugestão naturalmente, porque nem estava aqui desde o início -, mas acho que seria muito importante que, nessa reunião com o Dr. Marfan, que já considero hoje até um amigo, pois tem colaborado muito com o CNMP, a minha participação e imagino que já com a presença das organizações envolvidas. Eu acho que poderia ser feita a sugestão de uma força-tarefa voltada especificamente para o enfrentamento do 41º Batalhão de Polícia da 39ª Delegacia de Polícia. Não sei seria o caso nem razão de ser o líder em número de homicídios esses batalhões. Eu acho que o impacto da notícia já gera um efeito interessante. Quer dizer, a gente está aqui se preocupando ... O Ministério Público não vai substituir a atividade de investigação da polícia, porque não tem, como o Conselheiro Flávio Jorge demonstrou, condições de fazer isso. Mas está atento e atento para resolver o problema onde ele está aparecendo. É claro que em conjunto com a outras medidas de divulgação, de transparência dos dados, porque isso é importantíssimo. Sem isso não se chega a lugar algum. Então, fica aí a sugestão de um foco mais direcionado. É lógico que isso vai ser sugerido ao Procurador-Geral, mas que essa força-tarefa fosse encaminhada nesse sentido. Mais uma vez quero parabenizar a todos pelo evento, pelas proposições. O Prof. Luís Eduardo a gente já o acompanha lá no Rio de Janeiro há muitos anos. E dizer também que jabuticaba é coisa brasileira, mas eu sou professor de Direito Administrativo e, em sala de aula, quando o tema é "responsabilidade civil do Estado" e eu preciso citar casos de jurisprudência, eu só consigo achar decisão judicial sobre bala perdida, blitz falsa e morte por policial no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Quer dizer, não é à toa isso, porque, quando se trata de jurisprudência, você tem que ter uma série de decisões sobre aquele mesmo tema. E a gente só consegue localizar bala perdida, blitz falsa e morte por policial, que ensejam responsabilidades do Estado, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Então, eu me senti obrigado a falar alguma coisa por ser da cidade do Rio de Janeiro, que é a cidade que, a meu ver, no Brasil inteiro, mais sofre com esse problema da violência, do confronto, eu não diria nem confronto, mas na guerra que a gente está vivendo aqui no Rio de Janeiro. Era isso que eu tinha a dizer. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito bem! Está reforçando aquele encaminhamento nosso Obrigado. O Dr. Marcelo, nosso Procurador-Geral de Justiça Militar, muito obrigado pela presença. O SR. MARCELO WEITZEL - Agradeço e peço, primeiro, desculpas pela indelicadeza de ter chegado na hora em que cheguei, pois fiquei envolvido numa reunião lá com os procuradores-gerais. E quando a gente vai conciliar às vezes algumas medidas envolvendo MPs dos Estados e da União é complicado. Faço parte da Comissão, mas eu gostaria só de aproveitar a presença desta seleta Mesa e dos colegas aqui na sala, já que não faço parte da Comissão nem nada, mas não gostaria de perder uma oportunidade como esta só para rapidamente levantar alguns pontos, não para decisão, mas para reflexão em cima até do que o Senador falou, principalmente do que o Ignácio Cano comentou sobre a questão de Polícia Militar. Primeiramente elogiar o trabalho e a iniciativa não só do CNMP, mas também do Senado. A gente tem acompanhado. Até V. Ex ª falou agora da PEC de autoria... que a gente tem apreciado e tratado. E eu vou só comentar muito rapidamente aqui, sob o prisma que a gente tem acompanhado, da atuação das Forças Armadas. |
| R | Não vou aqui entrar na decisão política, eu sempre friso isso, se deveria ou não. É fato de que há, é fato, uma vulgarização, eu diria que há uma tendência, desde os anos 30 para cá, não só no Brasil. Isso é uma tendência mundial, cada vez mais, a participação das Forças Armadas em áreas de segurança pública. Vimos agora na França, com negócio de terrorismo, a gente viu isso em Kosovo. Na Europa se vê isso e tal. O que acontece no Brasil, eu diria, é uma vulgarização disso. Por exemplo, o índio brigou com o fazendeiro, Forças Armadas; o Papa vai visitar o Brasil, são as Forças Armadas e tal; Copa do Mundo; Olimpíadas; Copa das Confederações; e assim vai, o que demonstra que algumas outras instituições que poderiam estar fazendo essa tarefa não estão. As Forças Armadas acabam, muitas vezes, sendo chamadas até pelo caráter de justamente estarem organizadas, de estarem preparadas. Eu digo que, quando estava se discutindo Copa das Confederações, eles já estavam preparando o planejamento para as Olimpíadas sendo que oficialmente ninguém havia falado nada disso; isso era coisa do COE e tal. Mas onde eu quero chegar é num ponto, não é em defesa das Forças Armadas, mas um ponto para refletir em comparação com segurança pública. Em relação às Forças Armadas, no caso específico do Rio de Janeiro, nós tivemos um exemplo maior do Complexo da Maré e do Complexo do Alemão. Complexo do Alemão, naquele primeiro momento, até com exemplo mais eficaz. Na Copa do Mundo vai ter e talvez Chapadão, que é uma área violentíssima um pouco antes. Mas eu digo que, em ambas as situações - principalmente no Complexo da Maré, que, inclusive, tinha uma situação geográfica pior, porque, no Complexo do Alemão, "nego" ocupou o topo de lá, e lá nós tivemos uma queda de índice de violência absurda -, nós chegamos a ter, enquanto as Forças Armadas estavam no Complexo da Maré, o índice de violência em patamares de primeiro mundo, em termos de homicídio tal. Não estou dizendo que não houve. Houve. Inclusive, há militares respondendo por homicídio. Certo? Mas você nota um respeito até pela instituição em termos de direitos humanos. Eu coloco isso até no sentido Latu e aí eu vou citar algumas situações como exemplo, porque eu estava conversando sobre isso com um militar. Ele disse: "Olha, eram duas e pouco da manhã, certo, nós estávamos num acampamento no Complexo da Maré, ligou uma senhora reclamando do som, do som numa casa. Quem atendeu foi o sargento, só que quem estava atrás do sargento era um general, ele virou e falou: 'Vai lá agora e conversa com o cara sobre o som.'" Eu falo isso porque eu sou o Estado presente, agora isso é um custo altíssimo. E aí eu vou chegar no ponto, porque você aí vê uma grande diferença, e é nesse ponto que eu gostaria de tocar, tanto é que os militares, quando a gente conversa com eles, não chamam de "força de pacificação", eles falam chamam de "estabilização". Eles acham que é equivocado o termo. Paz é um processo, e isso tem que estar constante. Aqui nós estamos momentaneamente, aqui nós estamos para estabilizar uma situação para que o Estado possa pacificar. Mas hoje eu quero chegar para refletir o seguinte: Maré, por exemplo, eram três mil homens o tempo todo lá. Eles ficam no "aquartelado", entre aspas, porque havia um quartel lá no acampamento, mas eles ficam o tempo todo lá na comunidade. E aí entra uma situação que eu gostaria que fosse refletida em termos de distinção. A gente fala muito de PM, mas será que a PM realmente está preparada ou está estruturada para esse tipo de situação, porque eu digo isso? Há uma coisa que quem já foi em solenidade militar, qualquer uma, passagem de comando, homenagem a alguém, sabe: termina com uma formatura, não é? É mal de militar marchando. Eu, particularmente sou civil e sempre achei aquilo um saco. Eu falei: poxa, agora, que acabaram os discursos, acabou tudo, agora que a gente poderia ir para o coquetel, tem que ir para a formatura. Mas, aquilo tem uma razão de ser e está explicado: o militar acorda no quartel,vai para uma formatura; acorda e vai desfilar. Mas que coisa mais idiota, não é? Não, eles falam que é porque, bem na hora em que ele acorda, ele começa a respirar e eu sou militar, eu estou na disciplina militar. Eles vivem dentro do quartel. E quando eles estão numa situação como no Complexo do Alemão, na Favela do Complexo da Maré, isso também é feito. Acordou? Vai baixar, volta. E aonde eu quero chegar? Isso é disciplina. Uma vez eu vi um militar falar, isso é disciplina. É o cara o tempo todo pensando: "eu sou militar." |
| R | E aqui é a primeira distinção, militar, quando ocupa uma favela dessas, quando atua em Kosovo, quando atua no Líbano, quando atua em Paris, ele não atua como policial; ele atua como militar. Ele é formado como militar, ele é treinado como militar, o treinamento que vai para ele, para o Complexo da Maré, é o mesmo para o Haiti. É o mesmo que a tropa está tendo para enfrentar o Líbano. Mas ele atua, ele respira, ele não faz Cosme e Damião, ele não faz. Ele atua como militar. E aí chega a um ponto que é o seguinte: ele tem lá 24 horas como militar. Ele passa o dia como militar, no outro dia ele está lá de novo no quartel, fazendo a formatura como militar, no outro dia trabalhando. A Polícia Militar está lá hoje, e 72 horas de folga. Será que a polícia militar é disciplinada? Entendeu? Ela é hierarquizada. Ela é muito forte em termos de hierarquia; mas eu fico questionando: como é que você... Porque está lá: a Polícia Militar é baseada também em hierarquia e disciplina. Será que é realmente? Eu paro para refletir isso. Em termos de estrutura de PM, será que esse modelo dá certo? Será que ele respira como um policial, ele pensa como um policial? Então ele está lá, ele vai hoje aqui à comunidade, 72 horas, vai fazer um bico, às vezes até na comunidade, ou não. Então hoje ele é um PM, amanhã ele está fazendo um bico numa boate. Cadê o vínculo? Cadê... Sabe? Eu não estou dizendo que o militar é bonito ou não; essa é a vida militar, isso é assim, aqui, na China, nos Estados Unidos. Militar é feito para cumprir. Se o militar for indisciplinado, ele sabe onde acaba. Às vezes em que houve indisciplina militar aqui, o pouco espaço de história democrática nossa mostra em que isso resultou. Mas eu falo que ele respira a vida como militar, ele está lá como militar; o PM não está lá, ele não está imbuído. Essa estrutura que a gente tem de instituições de segurança pública, é nisso que eu me bato. Por isso que quando você chega lá e bota 3 mil homens, isso é uma fortuna. Agora, é um custo, porque você tem que dar alimentação, você tem que dar transporte, porque ele fica o tempo todo lá, ele fica 24 horas lá. Agora, não vai dar certo. Eu vi, eu estava na última semana no Complexo da Maré, eu estava lá. A população perguntando: "Doutor, eles vão sair daqui agora; e a gente?". Certo? "E nós? Vai voltar aquele policial? Qual é o batalhão?". "Ah, é tal batalhão.". É ligado à corrupção, tal batalhão. A força - isso é outro equívoco -, o militar está lá, o Exército foi, Marinha, Aeronáutica, para estabilizar uma situação, para dar tempo de o Estado poder entrar. O Estado não entra, e quando ele entra, no caso da força policial, ele entra com os mesmos problemas anteriores. Então eles estão vendo lá uma tropa 24 horas ali dentro, e depois você vai ter quem lá? Ele viu um PM hoje, dois dias depois não está, ou à noite, quando ele precisa, não está. Então é um ponto, porque eu acho que a gente fala muito de,... (Ininteligível.) ... mas a gente tem uma estrutura, eu acho que um pouco deturpada, bastante deturpada em termos de estrutura também de polícia. Sem contar, obviamente, aquilo que está mencionado na PEC. São instituições que não conversam, não é? A PM vai lá, faz o flagrante, fica lá o tempo todo fazendo flagrante. "Não, porque poderia estar na rua." O outro volta. Mas é só um ponto aqui que eu chamo para reflexão, que não é só questão de educação; eu acho que é a estruturação que está se dando, a formação de atuação, a forma também de atuação da PM. Eu questiono um pouco isso, se ela é realmente disciplinada, porque como é que você tem disciplina, se você trabalha hoje e tem dois, três dias de folga? Como é que você respira Ministério Público, por exemplo? Ou seja, é como se você fosse lá uma ou duas vezes por semana. Seria realmente um juiz? Até seria, no caso seria; mas estaria imbuído daquela responsabilidade? Quando ele está lá todo dia atendendo, vendo processos, advogados, "caramba, eu tenho que resolver isto aqui." Mas se você vai lá hoje, dois dias depois, você está num outro... Era só isso. Desculpe, acabei falando muito. Tenho que ir. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Nada. Agradeço. Agradeço, Marcelo. Agora a Olaya e a Renata. Eu pediria que falem em cima do encaminhamento, entendeu, Olaya? Para a gente... E depois o Fábio George encerra. A SRª OLAYA HANASHIRO - Posso só fazer um comentário aqui, desculpe, só um pontinho aqui? O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Pode, mas eu sabia. Quando o Marcelo falou, eu sabia, "agora vai abrir o debate." A SRª OLAYA HANASHIRO - Não, não, não, não. É só para dizer... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Por isso que eu pedi encaminhamento. (Risos.) A SRª PRESIDENTE (Não Identificada) - Não, desculpe, era só porque... Eu só queria que a gente... Eu ia falar de resgatar... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O meu medo é alongar duas horas. A SRª OLAYA HANASHIRO - Não, desculpe, é só porque eu acho que é importante. A gente resgatar o policial - eu acho que isso é importante no Ministério Público - como servidor público. Esse é o ponto. |
| R | E só falar da questão da disciplina policial. Eu acho que os próprios policiais, de certa maneira, sofrem com a disciplina que têm, até porque é difícil contradizer uma ordem que vem de cima. A gente teve uma pesquisa, e isso é o que eu queria enganchar com uma questão do Ministério Público. A gente fez uma pesquisa... O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Um momento. O caso do Amarildo, para mim, tem a ver com isso. Como é que dezesseis pessoas, naquela estrutura, foram todas num processo daqui? A SRª OLAYA HANASHIRO - A gente encomendou para o Datafolha, em julho, uma pesquisa de vitimização policial. Uma das questões que aparecia era o medo que os policiais têm de não saber como proceder ou de serem testemunhas de algum colega agindo de maneira equivocada ou ilegal, essa insegurança de não saber quem, dentro da instituição policial, eles denunciam, a situação desses policiais. Então, na verdade, tem uma questão interna, que passa pela reforma da polícia, que tem de ser pensada. Isso reflete no número de vitimização policial, que é muito mais alto que em outros países. Foram 398 policiais mortos em 2014, mas houve uma redução em relação a 2013, de 2,5% menos policiais mortos. Em compensação, a letalidade policial subiu mais de 37% no mesmo período. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Foram quantos policiais mortos? A SRª OLAYA HANASHIRO - Trezentos e noventa e oito registrados, incluindo todos os policiais mortos, inclusive os que estavam fora de serviço. Um dado que a gente não consegue trabalhar é a questão do suicídio de policiais, para que a gente possa entender como estão esses policiais nessa questão dentro da instituição. Essa lógica aumenta a violência que a gente vê, do mata-mata. Os policiais têm medo de se identificar como tais na sua rota de casa para o serviço, etc.. Isso tem a ver com essa letalidade policial tão alta. Queria reforçar dois pontos: a questão da força-tarefa, que é tão fundamental para dar um basta à ação policial, para segurar, realmente, esses policiais, e mesmo para a população, porque há uma boa parcela, como foi lembrado, que apoia a ideia de que bandido bom é bandido morto, mas há uns 50% da população que discordam. A gente tem de tentar aproveitar essa disputa que existe em relação a esse tema para tentar mostrar que isso não é aceitável. Acho que o papel do Ministério Público é de ter essa voz também. É muito importante que o Ministério Público tenha essa voz em relação à sociedade também, para mostrar que não é possível conviver com isso. Inclusive, a falta de sensibilidade em relação a essas mortes... Eu lembro-me de um rapaz do movimento negro trazendo uma manchete de jornal onde estava estampado: Menor mata adolescente. Esse adolescente, quando aparece, é o jovem branco, da classe média, das zonas centrais da cidade, quando morre, tem uma comoção muito grande. Os jovens negros da periferia têm outra categoria, que não comove. Então, a importância de ter mais vozes, e a do Ministério Público é tão importante, para fazer com que a sociedade se manifeste. A sociedade, de certa maneira, vê com uma apatia, até com cumplicidade, essa situação que a gente vive. Outra questão importante que queria reiterar é que o Ministério Público pode ajudar a induzir a questão das categorias, dos registros de homicídios. Acho que é importante essa padronização, como a Renata e o Ignácio já mencionaram, essa padronização. A gente sabe que tem problemas no fluxo de registro de homicídios. Então, a gente tem subnotificações e um problema com essas categorias. Uma curiosidade é que, em São Paulo, todos os Secretários de Segurança Pública que vieram no período democrático vieram do Ministério Público. Então, eles conhecem bem a situação. A gente precisa que o Ministério Público realmente comece a atuar mais. Agora, houve um debate em São Paulo, com a descoberta de uma categoria de registro de letalidade policial que ficava um pouco escondida. |
| R | Antes de qualquer investigação, não é tratado como homicídio, e, depois, com a contextualização, com a qualificação, presume-se a ilicitude desse homicídio. Há uma categoria de homicídios por policial fora de serviço. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É a do asterisco, não é? A SRª OLAYA HANASHIRO - É a do asterisco. É uma coisa que ninguém descobriu. Isso estava lá desde 2006. Eram três categorias para tratar de letalidade policial, quer dizer, de mortes por policiais: em serviço, fora de serviço e fora de serviço com asterisco. Então, qual o papel do Ministério Público? Acho que ele também pode ajudar na indução da padronização dessas categorias, inclusive para podermos conversar mais sobre esses dados e evidenciá-los mais. Acho que esse esforço de criar pontes de diálogo é muito importante quando tentamos levar adiante uma pactuação para a redução de homicídios, com a dificuldade que nós temos. Como sabemos, essa é a chave também para se trabalhar na prevenção. Para se trabalhar na prevenção, também é preciso haver maior confiança da população nas instituições. E, hoje, o que vemos é que a população tem uma grande desconfiança não só da Polícia, mas também de todas as instituições que fazem parte do sistema de Justiça Criminal, por causa desse sistema perverso que temos. Então, eu queria só abordar esses dois pontos. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Olaya. Com a palavra, a Renata. A SRª RENATA NEDER - Obrigada. Primeiro, eu queria dizer que fico muito feliz de ver a disposição do Relator da CPI de que haja um relatório forte, focado em recomendações. Isso é fundamental. Inclusive, isso dá elementos para a sociedade civil, depois, colocar pressão nos Estados e no Governo, para que essas recomendações sejam implementadas. Então, é muito importante, realmente, que haja recomendações bem concretas e que haja recomendações específicas voltadas para o Ministério Público. Já destacamos aqui a padronização dos dados. É fundamental a padronização dos registros. Acho que violações de direitos humanos costumam começar com falta de transparência e de acesso à informação. Então, é fundamental a padronização e a transparência a respeito dos dados de homicídios decorrentes de intervenção policial. Acho fundamental que retomemos essa proposta que fizemos no Rio de Janeiro, especificamente, da força-tarefa. Eu queria destacar que esse trabalho de atuar na ação penal dos casos concretos e a Comissão de Controle Externo são coisas que têm de caminhar juntas. Uma coisa não substitui a outra. Precisamos dessa força-tarefa para a investigação e para a responsabilização dos casos que estão em aberto, mas precisamos também da criação da Comissão de Controle Externo nos Estados. Esse trabalho precisa caminhar junto. Sobre a metodologia de trabalho da força-tarefa, há diversas formas de olhar. A gente pode começar pelos batalhões que mais matam. A gente pode começar pelas delegacias que menos concluem os inquéritos de homicídios decorrentes de intervenção policial, por exemplo. Além do 41º Batalhão, a área de Niterói e de São Gonçalo foi a que apresentou maior aumento - acho que o aumento foi de mais 100% em Niterói - dos casos de registro de homicídios decorrentes de intervenção policial. Então, é importante olhar para essas áreas. Há outros pontos para os quais a gente pode olhar. Muitas vezes, os policiais que estão envolvidos em um homicídio já estavam envolvidos em outros homicídios antes. Então, existe uma recorrência desse policial envolvido em mais de um homicídio. Como o homicídio decorrente de intervenção policial, na maioria das vezes, é um homicídio de autoria conhecida, o Ministério Público poderia olhar, por exemplo, a lista de policiais que têm um envolvimento alto em homicídios nas suas operações. Aí é importante olhar para isso em toda a sua amplitude. Nem todo homicídio decorrente de intervenção policial é uma execução. Existem casos de imperícia. Enfim, realmente, precisamos olhar para isso em toda a sua amplitude. O SR. ANTÔNIO DUARTE - Permita-me só um aparte rapidamente, muito em função disso. Agora, nessa minha visita a São Paulo, foi colocado pelos colegas com atuação no Tribunal do Júri justamente esta situação de que o júri, normalmente, tende a apoiar o policial, bem dentro daquilo que a Olaya falou: bandido bom é bandido morto. Ainda há essa cultura nociva, prejudicial, que estimula, que incita a violência. Mas, por outro lado, há um fator positivo da criação desse banco de dados e desse controle que está sendo efetivado pelo Ministério Público Brasil afora, que é o diálogo entre os promotores. |
| R | Então, por exemplo, em São Paulo, o colega Antônio, que coordena o grupo, disse: "Eu já dialoguei; a partir das determinações do Conselho, eu já dialoguei com o colega do Tribunal do Júri, que apresentou números expressivos durante o julgamento de um policial, acusado de homicídio, demonstrando que o batalhão onde ele atua é o batalhão com maior incidência de mortes decorrentes de intervenção policial." Esse diálogo também com os números se torna importante. É uma coisa se somando a outra para, depois, chegarmos a um cenário muito mais promissor. A SRª RENATA NEDER - Como falei antes, uma pergunta fundamental que precisamos começar a responder não é mais como a polícia mata. Nós já conhecemos essas dinâmicas. Isso está sendo estudado há muito tempo. Eu acho que é por que a polícia mata. E, às vezes, nós vamos encontrar casos de despreparo, de falta de treinamento, de imperícia, de muito estresse, mas vamos encontrar muitos outros casos que têm a ver, às vezes, com a corrupção policial, com a guerra de drogas, com o desacerto no chamado arrego, que é a propina paga com a vontade do policial de apreender uma determinada arma. Ele executa uma pessoa que está com o fuzil porque ele quer apreender aquele fuzil, porque ele vai revender aquele fuzil em um outro lugar. Essa é a pergunta que precisa ser respondida, não só para que haja justiça nos casos individualmente, mas porque qualquer política de prevenção só vai ser eficaz se soubermos qual é a origem do problema. Então, precisamos responder o porquê de a polícia estar matando. Há uma recomendação que eu faria que não tem a ver com o Ministério Público, mas já que estamos aqui, diante da CPI novamente, acho que vale a pena falar; tem a ver com a desconstrução dos esteriótipos. Nós estamos falando de racismo, de esteriótipos negativos associados à juventude negra ou ao chamado criminoso, "a ideia do bandido bom é bandido morto". Como nós desconstruímos isso? Como mudamos a mentalidade da sociedade que apoia esse policial que aperta o gatilho? Fazemos isso através de campanha. Precisamos de campanhas de combate ao racismo e precisamos de campanhas que desconstruam essa lógica do "bandido bom é bandido morto". Precisamos ter a coragem de, publicamente, dizer que se alguém é suspeito de ter cometido um crime, ou estava cometendo um crime em flagrante, essa pessoa vai ser detida, vai ser devidamente investigada e, se for o caso, ela vai ser responsabilizada, mas não podemos abrir mão do devido processo legal. Também acho que essa é uma área de recomendação importante. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Renata. Vou passar a palavra para o Fábio George, que vai encerrar a reunião, mas, antes, quero dizer, Prof. Luiz Eduardo, que, domingo, houve uma passeata na orla do Rio de Janeiro. Um grupo de 100 jovens negros, esqueitistas, que se reúnem todo ano para passear de esqueite, vinham em sentido contrário da passeata. Isso foi uma grande confusão. Foram vistos como inimigos, "o que é isso"? As imagens que estão na internet são impressionantes! E os policiais que estavam se viram contra todos os jovens. "Nós estamos só passeando de esqueite". É uma cena que demonstra isso. Eu queria só agradecer muito ao Conselho Nacional do Ministério Público. Acho, sinceramente, que daqui vamos fazer uma grande parceria. Já tomamos liberdade com o Conselheiro Antônio Duarte de pegar o telefone dele, das entidades, porque essas entidades são muito importantes, a Anistia, o Fórum Brasileiro. Saio daqui muito confiante de que essa parceria vai ter frutos. Acho que esse encaminhamento do Rio de Janeiro de uma primeira reunião, com certeza o Procurador-Geral, Marfan, vai gostar. Daí podemos criar algo que acho que pode ser replicado também em outros Estados brasileiros. Muito obrigado a todos os Srs. Conselheiros. Passo a palavra, imediatamente, para Fábio George, que vai encerrar a reunião. O SR. FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA - Bom, também quero realçar a alegria de tê-los todos aqui conosco. Não tenho dúvida nenhuma de que é uma parceria que veio para ficar. Em todas as áreas de nossa atuação - e quando digo isso não é da boca para fora, realmente -, as entidades de controle dos movimentos sociais estão aqui. Recentemente, discutindo política nacional de enfrentamento à malversação de recursos públicos, corrupção, tivemos parceria com as 30 maiores entidades de controle social do País, que estão nos ajudando a desenvolver, para 2016, 10 grandes projetos, para além do aspecto repressivo, que é importante que o Ministério Público cumpra o seu papel, mas também campanhas de conscientização, projetos educacionais, estímulo, orientação e capacitação para que o controle social possa realizar, pelo País afora, essa missão fundamental de nos ajudar a fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. |
| R | E eu começo a minha provocação, no final, por aí: 80% ou 90% da atuação do Conselho Nacional do Ministério Público decorre de provocação interna de membros do Ministério Público brasileiro. Falta a ajuda do controle social para casos como esse, em que a omissão ocorreu e, na verdade, as entidades não nos representam. Então, fica o desafio aqui. Desde já eu me coloco à disposição - tenho certeza de que o Conselheiro Antônio Duarte e o Valter, no mesmo sentido - para tentarmos verificar como podemos conscientizar, estimular e capacitar os movimentos sociais também nesta área, para sempre que houver uma omissão em concreto, fazer a representação que provoque uma atuação efetiva do Conselho Nacional nesse tocante. E eu cito mais uma vez o exemplo, o caso do Piauí, de que eu falei ainda há pouco. Vou ler só a ementa que reproduz o que foi feito: Alegação de inércia, por parte do [representante do] Ministério Público do Estado (...), na fiscalização do regular andamento de inquérito policial instaurado para apurar (...) crimes de abuso de autoridade cometidos por policiais militares (...). Constata-se dos autos que o inquérito teve o andamento paralisado diante da determinação do Delegado Regional da polícia civil [de que não havia ninguém para apuar e, portanto, o inquérito ficasse sobrestado] (...). O que disse este Conselho? Falha no controle externo da atividade policial pelo órgão ministerial, eis que, diante da inércia da autoridade policial em dar andamento ao inquérito, nada fez o membro do Ministério Público. E poderia agir de diversas formas, seja assumindo a investigação, seja abrindo o diálogo com as autoridades da segurança para que aquela falha na estruturação viesse a ser suprida, seja agora reconhecida pelo Supremo, ajuizando a ação civil pública, porque nos foi dada a legitimidade para sermos indutores nessa área. Então, fica esse desafio, essa provocação para que também possamos conscientizar. E falo do CNMP, mas poderia falar do CNJ. A atividade de controle social em relação ao trabalho do Ministério Público brasileiro e da Justiça brasileira, ao contrário de outras áreas da Administração Pública, ela é mínima, ela é irrisória, e os Conselhos foram criados para receber representações concretas e para ter esse olhar expressivo e relevante da sociedade civil organizada para nos provocar do ponto de vista concreto. Mas eu tenho certeza de que, além deste papel fundamental, o Conselho pode participar dessa articulação e pode contribuir de maneira ampla. E aí quero citar, Senador Lindbergh, essa ideia do Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. Nós gostaríamos de participar mais. O Ministério Público, até este momento, não foi convidado para participar, seja da discussão, seja da construção desse modelo. E eu, que acompanhei o Pacto pela Vida, em Recife, vi, durante seis anos, concretamente, que é possível enfrentar a criminalidade reduzindo esses números. Infelizmente, o Pacto pela Vida no Estado está sendo deixado de lado, e Pernambuco começa, mais uma vez, a recrudescer nos números da violência. Mas a redução que foi feita e o trabalho que foi realizado nesse modelo, que é mais ou menos o mesmo modelo... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O senhor participou lá, na época? O SR. FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA - Sim, participei de várias reuniões, acompanhei, obviamente não de todo. O envolvimento maior era do Ministério Público do Estado nas ações do dia a dia, mas participamos de várias reuniões e pudemos ver um caso de sucesso. Durante seis anos, conseguiu-se reduzir de maneira significativa a violência. E eu tenho certeza de que é esse o mesmo modelo que orienta e ilumina a construção do Pacto pela Redução dos Homicídios, com as câmeras de monitoramento e o diálogo que foi construído. E nesse sentido quero ressaltar uma iniciativa pioneira do Ministério Público brasileiro. Na Paraíba, o Ministério Público do Estado e o da União lançaram conjuntamente, num esforço comum, fórum pela prevenção e monitoramento da violência. É um espaço a partir do qual se juntam as instituições de pesquisa, as agências governamentais e a sociedade civil para, junto com o Ministério Público, identificarem os vetores da violência, as causas da violência, e poderem construir soluções conjuntas. Eu acho que esse é um exemplo para além dos casos concretos importantíssimos e que poderiam ser replicados em vários Estados. Não há nenhum sentido de estarmos movimentos sociais, órgãos governamentais, aí incluído o MP também, dissociados em relação ao tema. Podemos ou poderíamos já estar em todos os Estados do Brasil participando de fóruns como esse para que essa discussão viesse a ser feita de maneira mais transparente possível. Então, a alegria é enorme. Não sabem os senhores como nos deixaram contentes e alegres por mais uma vez e num tema importantíssimo realçar o papel do Conselho Nacional do Ministério Público. Com essas palavras, eu devolvo a palavra ao Senador Lindbergh, que é o condutor da audiência, para que ele possa fazer as considerações finais. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Fábio. Eu já vou encerrar. |
| R | Eu acho que temos de envolver o Ministério Público nessa discussão do Plano Nacional de Redução de Homicídios. Já saem ali com tarefas de convocá-los para participar dos debates. Agradeço muito a todos os Conselheiros e também aos nossos convidados. Acho que foi uma reunião produtiva. Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e declaro encerrada a presente reunião. (Iniciada às 13 horas e 34 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 14 minutos.) |
