Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG) - Boa tarde, senhoras e senhores. Declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão Temporária da Política Nacional de Segurança de Barragens, da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura, criada pelo Requerimento nº 1.305/2015, destinada a avaliar toda a PNSB (Política Nacional de Segurança de Barragens), bem como o SNISB (Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens). Esclareço que a presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o tema "O rompimento da Barragem do Fundão", em Minas Gerais. Faço aqui um breve parêntese para esclarecer aos eminentes convidados e, da mesma forma, aos que nos acompanham que esta Comissão tem por objetivo precípuo a revisão da legislação federal sobre o assunto de segurança de barragens. Trata-se de iniciativa do eminente Senador Ricardo Ferraço, que é o Relator, que apresentou, com a aprovação da Comissão, sob a minha Presidência, um plano de trabalho que tem várias etapas a serem concluídas no primeiro semestre. A primeira etapa, diante do fato lamentável ocorrido em Mariana no final do ano passado, seria uma audiência exatamente para oitiva de determinadas personalidades que têm relacionamento e conhecem o assunto, para apresentarem, durante o período de tempo aqui, a sua visão sobre esse rompimento. Desse modo, estão presentes os seguintes convidados: - Sr. Joaquim Pimenta de Ávila, projetista da barragem do Fundão; - Dr. José Mário Queiroga Mafra, engenheiro da VOGBR Recursos Hídricos e Geotécnica; - Sr. Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Minas Gerais; - Sr. Walter Arcoverde, Diretor de Fiscalização do Departamento Nacional de Produção Mineral; - Eminente Procurador Carlos Eduardo Ferreira Pinto, membro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Mais uma vez, agradeço a presença de todos e peço à Secretaria a gentileza de conduzir à Mesa os nossos convidados. (Pausa.) |
| R | Agradecendo, mais uma vez, a presença dos ilustres convidados, vou informar que cada um disporá de até 15 minutos para realizar sua apresentação. Em seguida, o Relator formulará questões que achar necessárias, e, por fim, todos os demais Senadores que desejarem poderão fazer perguntas, de acordo com a ordem de inscrição, conforme o ritual e o procedimento dessas nossas audiências públicas. Seguindo exatamente, portanto, a ordem colocada pelo convite, eu gostaria, em primeiro lugar, de passar a palavra ao Dr. Joaquim Pimenta de Ávila, projetista da barragem, para que, num prazo de até 15 minutos - passa pelo tempo exíguo que nós temos, lamentavelmente, mas, confiando na capacidade de síntese de conhecimento de V. Sª -, seja feita uma apresentação do que o senhor considera relevante trazer a lume sobre o rompimento da barragem. Com a palavra o Dr. Joaquim. O SR. JOAQUIM PIMENTA DE ÁVILA - Boa tarde a todos. Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer esta oportunidade que a Comissão me concede por meio de um convite para este debate. Gostaria de mencionar que eu considero extremamente relevante o objetivo desta Comissão. Vi e examinei o plano de trabalho. Parece-me também que o plano de trabalho está muito bem preparado e desenvolvido. No contexto da legislação de segurança de barragem no Brasil hoje, nós precisamos de debates sobre aperfeiçoamentos na regulamentação da Lei nº 12.334, que foi promulgada em 2010, depois de muitos anos de busca. Para terem uma ideia, há muita gente nesta sala que nem havia nascido, e nós já estávamos lutando por uma lei de segurança de barragens. Em 1977, rompeu a barragem de Euclides da Cunha, no Rio Pardo, próxima à cidade de Mococa, e, a partir de então, o Comitê Brasileiro de Barragens passou a fazer gestões para haver uma legislação de segurança de barragem. Tudo isso sempre lutou com a dificuldade de buscar um caminho que desse fluência às tratativas. Depois, nós tivemos, em Minas Gerais, a ruptura da barragem de rejeitos de Fernandinho, em 1986. Naquela época, a mesma motivação levou o Comitê Brasileiro de Barragens a buscar mais gestões. Conseguimos, na época, a nomeação de uma comissão, na época do governo Sarney. Essa comissão trabalhou. Tudo isso foi evoluindo até que, em 2010, finalmente, saiu e foi promulgada a Lei nº 12.334, que fixou dois anos para a regulamentação. Os diversos órgãos reguladores trabalharam dois anos nas regulamentações. Hoje, nós temos a lei regulamentada. Entretanto, quando se coloca em prática, observa-se que uma série de aspectos precisam ser aperfeiçoados, exatamente com base na experiência prática que estamos vivendo. Hoje, a ocorrência do acidente da barragem do Fundão proporciona novamente motivação para aprofundarmos novamente o assunto e a regulamentação. De modo que eu gostaria de mencionar que considero extremamente oportunos e muito relevantes os trabalhos desta Comissão. Tenho uma grande expectativa de que, realmente, até o primeiro semestre deste ano, tenhamos resultados que possam contribuir e muito para a legislação de segurança de barragens. Simultaneamente, o Ibram está conduzindo uma revisão da norma brasileira de projeto de barragem de rejeitos que também pretende dar um arcabouço de normatização, num estilo próprio da ABNT, mais prescritivo. Também temos grande expectativa em relação a isso. |
| R | Tenho uma satisfação muito grande de falar sobre esse assunto. Minha empresa, Pimenta de Ávila Consultoria, há mais de 26 anos, está trabalhando com segurança de barragens, sempre procurando buscar padrões e procedimentos que possam implementar atitudes e métodos de investigação, de avaliação e de diagnóstico de segurança de barragens. Durante esse período, a Pimenta de Ávila já fez avaliação de segurança de um conjunto de barragens que é até incontável. Nos últimos anos, temos feito auditorias de segurança de barragens - em 2014, auditamos 300 barragens; em 2015, um pouco menos -, mas sempre constatamos que, em nossos procedimentos de segurança, é preciso que algumas coisas sejam aperfeiçoadas. Então, nesta introdução, eu acrescentaria apenas uma emenda na minha qualificação como projetista da barragem de Fundão. Realmente, minha empresa foi projetista da barragem de Fundão até 2012, quando nosso contrato terminou. A partir de então, nós não mais fizemos projetos para a barragem de Fundão. Inclusive, é declarado pela Samarco que, a partir de maio de 2012, nós não fizemos projetos de alteamento da barragem de Fundão. Entretanto, uma longa história de consultoria com a Samarco, desde 1993, sempre nos levou a estar ligados às coisas da Samarco, pensando nas coisas da Samarco e, agora, sofrendo com as coisas da Samarco. Todos nós aqui estamos sofrendo com a ruptura de Fundão, não somente pela grande proporção, mas também pelas consequências. Investigações estão sendo feitas. Não tenho uma opinião sobre a causa ainda, porque há muitas análises, muitos dados ainda estão sendo vasculhados e analisados, mas acho que é uma boa oportunidade de reunir pessoas que estão também ligadas às buscas de causas e que, se fôssemos falar de causas ligadas à legislação, talvez, também tenham contribuições a dar sobre isso. Eu gostaria de deixar, então, minha posição mais de observador, porque também estou muito curioso sobre o assunto, sobre as causas da ruptura da barragem de Fundão, embora eu tenha visões e formulações de linhas de investigação que possam ser prováveis na busca de se chegar à causa. Agradeço muito a oportunidade de estar aqui, principalmente por ser um grupo de pessoas altamente qualificado para a discussão. Parabenizo o Senado por reabrir esse assunto da segurança de barragens. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Joaquim. Agradeço muito a sua gentileza. Compreendo perfeitamente a sua colocação. Desse modo, desde logo - tenho de colocar os óculos, porque minha vista já não é a mesma -, passo a palavra ao Dr. José Mário Queiroga Mafra, engenheiro da VOGBR, para fazer suas observações, pelo mesmo prazo. Muito obrigado. O SR. JOSÉ MÁRIO QUEIROGA MAFRA - Boa tarde a todos! Preparei uma apresentação sobre o trabalho que minha empresa fez, que é o relatório de inspeção anual de segurança regular da barragem. Posso ficar em pé? O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG. Fora do microfone.) - Pode, é claro! (Pausa.) O problema é que não vai gravar, não é? O senhor fala ao microfone, para gravar. (Pausa.) O SR. JOSÉ MÁRIO QUEIROGA MAFRA - A Lei nº 12.334 é que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens. No capítulo IV, art. 6º, a lei lista os instrumentos da Política Nacional de Segurança de Barragens, que são: |
| R | Art. 6º [...]: I - o sistema de classificação de barragens por categoria de risco e por dano potencial associado; II - o Plano de Segurança de Barragem; III - o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB); IV - o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (Sinima); V - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; VI - o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais; VII - o Relatório de Segurança de Barragens. O Plano de Segurança de Barragens é composto por cinco volumes. Em cada volume, alguns têm dois tomos, outros têm um. O Tomo 1 do Volume I, de Informações Gerais, traz a declaração de classificação da barragem quanto ao risco e dano potencial associado, que é feita pelo DNPM, com base nas informações fornecidas pelo empreendedor. O Tomo 2 traz a documentação técnica do empreendimento, todo o projeto. No Volume II, há planos e procedimentos. Nesse Volume II, está o manual de operação e procedimentos de segurança, procedimentos de inspeção, etc. No Volume III, todos os controles feitos de acordo com os procedimentos indicados no Volume II têm que estar sempre anexados aqui. No Volume IV, é a revisão periódica de segurança de barragens. O Tomo 1 é a revisão periódica e o Tomo 2 é o volume executivo. No Volume V, está o plano de ação emergencial, que depende do potencial de risco da barragem. Como complemento regulamentar à Lei nº 12.334, nós temos a Portaria nº 416, de 2012, do DNPM. Essa portaria lista exatamente o que tem que conter o relatório de inspeção regular. E vem aí a identificação do representante empreendedor, identificação do responsável técnico pela segurança da barragem, as avaliações quanto ao estado de conservação, o relatório fotográfico contendo, pelo menos, as anomalias com pontuações seis ou dez - nós vamos falar disso um pouquinho mais para frente, na tabela de estado de conservação, que é o que vai definir a urgência de medidas de remediação ou se a barragem tem ou não que ter um relatório de inspeção especial, quando se obtêm pontos e se alcançam as anomalias. Se são da ordem de dez pontos, a barragem tem que passar por uma inspeção especial - e reclassificação, quando necessário, dependendo do estado de conservação da barragem. No item VI, comparação com resultados do ano anterior, avaliação de resultados de inspeção. O empreendedor tem que dar ciência no final desse relatório. E o item X é a declaração de condição de estabilidade da barragem, que ficou vulgarmente conhecido, inapropriadamente, como laudo de segurança da barragem. Como é elaborado o relatório de inspeção? O empreendedor fornece todos os dados de projeto, memórias de cálculo, projeto básico, projeto executivo, os desenhos as built. Se não existirem os desenhos as built - ou como construídos -, os desenhos de as is - ou como está a barragem. |
| R | Toda essa documentação é fornecida pelo proprietário. O engenheiro que vai fazer a avaliação não produz nenhum dado, ele vai analisar todos esses dados fornecidos pelo proprietário, informações do monitoramento da barragem, leitura dos instrumentos de auscultação, os piezômetros, os medidores de nível da água, marcos de deformação, etc., até a data de fechamento do relatório. O terceiro item é a inspeção de campo. De posse desse conhecimento feito nos documentos, o engenheiro vai ao campo fazer sua inspeção. Nessa inspeção, ele avalia o estado de conservação da barragem. A análise de todos esses dados somada à inspeção permite que o engenheiro, com sua experiência, forme seu julgamento sobre as condições de estabilidade dessa barragem. Ele vai elaborar, então, após isso, com dados - repito - com dados fornecidos pelo empreendedor, ele vai calcular o fator de segurança quanto ao deslizamento de talude e emitir a declaração de estabilidade. Qual é, então, a visão das empresas de projetos sobre o relatório de inspeção de barragens? É uma visão da indústria. O relatório e a declaração de estabilidade são um instantâneo das condições da barragem. O engenheiro foi lá no campo, viu, analisou os documentos, formou seu julgamento e calculou a estabilidade. Então, é até aquele momento, não tem caráter de previsibilidade, pois a barragem continua a ser alteada após a entrega do laudo. Uma barragem de rejeitos só para de ser construída no dia em que o reservatório é exaurido, alcança a capacidade prevista no projeto. Então, ela é dinâmica. A operação e o engenheiro não têm nenhuma atuação após a entrega do laudo ou após a entrega do relatório. Ele não tem mais função, ele não vai fiscalizar, ele não vai ver se o trabalho dele de recomendações está sendo feito ou não. A operação, o monitoramento e as inspeções regulares após a entrega do relatório são responsabilidade do proprietário. Essa visão não é só da indústria brasileira, isso é tirado de um guia de prática profissional dos engenheiros e cientistas da província de British Columbia, no Canadá, envolvidos com mineração. Eles chamam de snapshot. No final eles falam que, às vezes, o tempo de validade do relatório é mais curto do que o período que deveria ser, por razões de engenharia, ou seja, a barragem é dinâmica, ela continua sendo construída, continua sendo alteada. Aqui são fotografias da inspeção de campo. Essas fotografias constam do relatório elaborado pela VOGBR. Essa é uma vista da praia de rejeitos, aqui a tubulação que transporta o rejeito, aqui uma descarga de rejeito e aqui outra descarga de rejeito. Essa é uma vista aproximada dessa aqui, enfatizando a crista da barragem. A vista de um talude de jusante próximo à ombreira direita, que estava sem vegetação. Isso é um fato anotado e faz parte da remediação que o empreendedor tem que fazer. Ombreira direita. Isso é um trecho em que se detectou uma surgência de água, que já estava controlada na época da inspeção. Atenção para essa foto, porque ela tem importância no decorrer da apresentação. Pode passar. Aqui há presença de arbustos no talude, o que não é desejável. Aqui, uma berma necessitando de declividade longitudinal para resolver problemas de drenagem. |
| R | Aqui, canaletas de drenagem necessitando de reparos; vê-se, neste ponto, que uma máquina de esteira subiu aqui e danificou não só o talude, mas também as canaletas. Ali, trecho de berma sem canaleta de drenagem. Bermas necessitando de podas da vegetação; aquela canaleta é a que coleta e faz a medição de água percolada pelo dreno principal da barragem de Fundão; Pode passar, por favor. Uma vista da ombreira esquerda, sem nenhuma surgência, sem nada. Aquilo ali é uma erosão a jusante de um canal periférico de drenagem, já fora do corpo da barragem, mas não pode ficar dessa forma. Na ombreira esquerda da barragem, foi detectada uma saturação nos taludes, próxima da Elevação 826,00, que é onde está aquela canaleta de coleta do sistema de drenagem. E esta tabela é onde são atribuídos os pontos em relação ao estado de conservação da barragem, também de acordo com a tabela do Anexo IV da Portaria nº 416. Então, nos parâmetros de classificação, nós tivemos o seguinte. As estruturas extravasoras ganharam peso zero, porque são estruturas civis mantidas em operação normal. A percolação foi a que obteve o maior peso; é aquela surgência onde havia uma umidade. Deformações e recalques não foram encontrados. Deterioração de taludes são falhas na proteção de paramento e presença de vegetação arbustiva: dois. Esta percolação aqui é aquele trecho onde havia uma canaleta atravessando; foi o que obteve a pontuação máxima. Então, houve um total de 5 pontos, metade daquela pontuação máxima. Ou seja, nada informava, nessa inspeção, que essa barragem iria romper, ao final do relatório. Não havia nenhuma evidência. (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG. Fora do microfone.) - Vou dar mais cinco minutos. O SR. JOSÉ MÁRIO QUEIROGA MAFRA - O.k. E aqui é a planta da barragem, com alocação dos instrumentos de auscultação dela. Fundamentalmente, aqui estão os piezômetros, que forneceram os níveis d'água que permitiram estimar as pressões dentro do maciço da barragem e fazer o cálculo da estabilidade. Pode passar. São três seções. Volte, por favor, a transparência. Essa Seção S Ombreira Esquerda (S-OE)... Pode passar, por favor. O fator de segurança, a linha de água dentro do maciço é esta aqui. O fator de segurança calculado, neste trecho aqui, foi 2,99, e, neste trecho de baixo, 1,72. O mínimo fator aceitável, neste caso, é 1,5. Esta Seção JJ' é uma seção central no centro da barragem. Os fatores de segurança calculados foram 1,73 e 1,94, e a linha d'água tirada da leitura dos piezômetros é esta aqui. A terceira, por favor. Esta é uma seção da ombreira direita (Seção AA'). Aquela fotografia onde há um revestimento de rocha são exatamente estes pontos aqui. E é a seção onde se obteve o fator de segurança mínimo, igual a 1,68. Por quê? Embora a linha d'água esteja muito baixa, ela surgiu na face do talude. Então, isso ensejou a construção do que nós chamamos de dreno invertido, para controlar essa surgência e resolver, definitivamente, o problema de aumentar essa surgência e ela vir a se transformar em algo que pudesse comprometer a segurança da barragem, como, por exemplo, um piping, que é uma erosão séria em um talude de jusante de barragem. |
| R | Então, concluindo, com base nas atividades abaixo descritas (análise da documentação de projeto - as built, estudos hidrológicos -, análise dos registros de monitoramento, inspeção de campo e análises de estabilidade, foi emitida, então, uma declaração de estabilidade e foi estabelecido um plano de ação das medidas de remediação de defeitos encontrados na inspeção. Todos aqueles defeitos encontrados estão listados aqui, com as datas para sua execução. Muito obrigado a todos pela atenção. O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Só uma pergunta: esse relatório foi emitido quantos meses antes do ocorrido? O SR. JOSÉ MÁRIO QUEIROGA MAFRA - Esse relatório foi emitido em julho de 2015, e a ruptura se deu no dia 5 de novembro. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG) - Eu agradeço ao Dr. José Mário e agradeço pela presença ao Senador Fernando Bezerra, ilustre membro desta Comissão, nosso distintíssimo e querido ex-Ministro de Estado da Integração, a quem cumprimento, e passo a palavra ao Prof. Carlos Barreira Martinez, professor da nossa Universidade Federal de Minas Gerais. O SR. CARLOS BARREIRA MARTINEZ - Boa tarde a todos! Agradeço pelo convite que me foi feito para fazer uma apresentação sobre o rompimento da barragem de Fundão. A minha apresentação vai ter um cunho de formação de uma base de conhecimento genérico muito rápido sobre quais são os processos que ocorrem dentro de um barramento destinado a conter rejeitos. Nós, basicamente, temos barragens que se destinam a um sem-número de atividades. As barragens que nós normalmente imaginamos ou que vêm à nossa mente quando falamos de barramento são barragens colocadas nos rios para criar um reservatório de água, quer para uma atividade de geração de energia elétrica, quer para uma atividade de abastecimento de água. As barragens de rejeito têm características próprias e diferem ligeiramente quanto à forma construtiva das barragens utilizadas em aproveitamentos hidráulicos e aproveitamentos de usos múltiplos. Pode começar a passar. Existem vários métodos de construção de barragens de rejeito. O mais utilizado é o que nós chamamos de barragem de rejeito com alteamento para montante. Esse método tem algumas vantagens sobre os demais que estão relacionadas da seguinte forma: nós partimos de uma pequena barragem, a barragem de partida, começa-se a colocar os rejeitos à montante, quer dizer, na parte superior do barramento, e, à medida que o nível de rejeito vai crescendo dentro do sistema e vai chegando ao limite dessa barragem, faz-se um procedimento de engenharia que a gente chama de alteamento da barragem. Ou seja, nós vamos chegar aqui e vamos construir outro pedacinho de barragem, elevando a altura da barragem, de forma que eu possa preencher esse reservatório mais um pouco. Então, as barragens de rejeito, diferentemente das barragens de usinas hidrelétricas, não são construídas de uma vez. Por exemplo, vamos pegar o caso da barragem da Usina Hidrelétrica de Furnas. Quando ela foi construída, ela já chegou na sua cota máxima. E ela foi toda construída, toda monitorada em um determinado tempo. O reservatório foi cheio e, a partir dali, essa usina começou a operar, e já opera há mais de 50 anos. Isso não acontece na barragem de rejeito. A barragem de rejeito é uma estrutura construída gradativamente ao longo do tempo. E vocês podem ver que, nesse caso aqui, no alteamento para montante, ou seja, para cima, nós crescemos a barragem em cima do rejeito. Então, parte desse maciço se apoia naquele rejeito que foi depositado ao longo do tempo. E é claro que esse rejeito tem que ser drenado, tem que ser estabilizado, porque parte da estabilidade desse barramento se deve ao posicionamento desse rejeito lá dentro. Bem, num terceiro estágio, nós crescemos esse barramento de novo, e ele se apoia mais ainda em cima desse rejeito, e assim por diante, sucessivamente. |
| R | Se dermos uma olhadinha num corte transversal dele, nós vamos ver que boa parte da carga se apoia em cima do rejeito original. Por isso, essas barragens têm uma limitação quanto à velocidade de deposição e de alteamento, porque nós temos que ter um tempo para que esse rejeito se estabilize. Não dá, por exemplo, para eu fazer uma barragem de rejeito com alteamento de montante e elevá-la 30, 40, 50 metros em um ano, porque esse rejeito não vai se comportar da forma como nós precisamos para que ele se torne um rejeito capaz de suportar uma carga. Bem, o segundo tipo de barramento é a barragem de rejeito com alteamento de centro. Obviamente, vocês já perceberam que isso aqui é uma situação que merece e necessita de um monitoramento muito bem feito. E a característica do rejeito também é importante. Nós vamos ver daqui a pouco que tipos de rejeitos nós podemos ter e quais os riscos que existem no uso de cada um. O alteamento de montante pode sofrer uma pequena modificação e passar a ser um alteamento para montante também, mas com alteamento central. Ou seja, nós respeitamos essa linha de centro aqui e fazemos o crescimento da barragem gradativamente, mas sem avançar para essa região. Nesse caso aqui, como vocês podem ver, essa parte desse coroamento superior estaria mais ou menos nessa região, apoiado fortemente no rejeito. Isso não acontece com o alteamento de centro. Mas, se ele se torna um alteamento mais seguro, porque ainda utilizamos esse? Obviamente, a resposta está baseada no custo disso. Esse daqui é mais caro que esse. Pode-se utilizar esse tipo de alteamento? Claro, nós temos tecnologia, nós temos conhecimento para isso, nós temos corpo técnico no País capacitado para fazer isso. Próximo, por favor. Finalmente, uma barragem de rejeito de alteamento para jusante. Essa barragem difere bastante dessa outra. Ela também é elevada ao longo do tempo, durante o processo de vida útil da barragem, mas, em vez de crescer para montante, que seria esse lado aqui, que é o lado onde fica o rejeito, ela cresce para jusante. E, sempre que eu faço o alteamento, eu tenho uma condição muito boa de controle tecnológico desse alteamento. Mas ela também tem desvantagens. Qual é a desvantagem? O volume é muito maior. Outra coisa: nós precisamos, nesse caso aqui, de um espaço físico maior para posicionar esse barramento. Sem sombra de dúvida - como sou professor, posso falar isto tranquilamente -, esse é o modelo mais seguro, mas também, sem sombra de dúvida, o mais caro. (Manifestação da plateia.) O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG) - Por gentileza, nesta audiência, a palavra é dada aos convidados e aos Srs. Senadores. O SR. CARLOS BARREIRA MARTINEZ - É a barragem mais cara, mas a mais segura. Qualquer um desses três tipos pode ser utilizado, desde que monitorado. Esse tipo de barramento aqui é muito propício para rejeitos granulares. Esse outro tipo de barramento admite rejeitos granulares e rejeitos mais finos. E esse aqui admite qualquer tipo de rejeito. Próximo, por favor. Aqui está uma tabela em que não vou me alongar, porque já falei sobre ela, que traz algumas vantagens e desvantagens sobre o processo. Próximo. Tipos de rejeitos de minério de ferro. Nós falamos do rejeito. Naquelas figuras eu tomei a liberdade de colocar um rejeito que seria, na verdade, um rejeito de mineração de carvão, mas, no caso do rejeito de minério de ferro, eu posso ter rejeitos finos ou lamas, que têm mais de 90% de argila ou silte, e uma elevada compressibilidade no processo de adensamento - quer dizer, podem ser comprimidos -, e posso ter os rejeitos granulares, que têm partículas nas frações de areia fina e média. São aqueles rejeitos que, quando colocados na mão e raspados, dão um efeito de lixa na mão. E esses rejeitos não têm característica de plasticidade. O que seria característica de plasticidade que é dada nos rejeitos finos ou lama? Todo mundo foi criança e brincou na escola com as massinhas. Aquela massinha tem uma característica de plasticidade. |
| R | Então, o rejeito que tem muita argila pega aquela característica de massinha. Mas ele é um rejeito complicado, porque, com muita água, ele se torna uma lama que parece um chocolate quente. Técnicas de disposição. Basicamente, há uma técnica de aterro hidráulico. Ou seja, eu misturo esse rejeito com água, transformo isso numa calda e faço sua deposição dentro dos barramentos. Próximo, por favor. Esse aterro hidráulico é muito mais simples de fazer e economicamente interessante. Vamos ver o que vem a ser o tal do fenômeno de liquefação. O fenômeno de liquefação ocorre pela diminuição da resistência efetiva da rigidez do solo sobre a ação de forças externas. Imagine que eu tenho um aquário cheio de solo e, por uma ação externa, crio uma condição para que, momentaneamente, a característica de resistência daquele solo seja perdida e ele perca a capacidade de sustentação. Isso pode acontecer pelo processo espontâneo ou dinâmico e ele está relacionado com carregamentos dinâmicos, particularmente eventos sísmicos, ou seja, terremotos. Mas eu também posso ter um evento dinâmico provocado, em pequenas situações, por movimentação de equipamentos, vibrações e tudo mais. Próximo. Eu também tenho uma liquefação que nós chamamos de liquefação estática, que pode ocorrer por vários motivos, como, por exemplo, elevação do nível de água em depósitos de materiais granulares. Com a visão, de novo, do aquário que eu enchi de areia: se eu começo a elevar o nível de água dentro do aquário, injetando água, eu crio uma condição de liquefação daquele material, que é areia, e ela pode perder a capacidade de sustentação, sim, dependendo da velocidade de subida da água. Eu posso fazer um carregamento rápido. De novo, com o aquário cheio de areia, saturado, se eu começo a colocar uma carga muito grande em cima desse aquário, o que vai acontecer com as partículas de solo? Vamos imaginar da seguinte forma. Eu vou fazer uma representação aqui que... Eu não queria usar o termo volume de controle porque é um termo técnico. Um volume cúbico, para nossa imaginação, vai ser representado por uma caixinha de vidro. Eu vou colocar bolas de bilhar dentro dessa caixinha. Quando eu encho essa caixinha com bolas de bilhar, entre as bolas eu tenho espaços. Esses espaços são poros que vou criar ali dentro. Se eu pegar essas bolas de bilhar e dividi-las em bolas com a metade do diâmetro original, na hora que eu colocar tudo dentro da caixinha, o espaço entre as bolas vai diminuir um pouco. Isso significa dizer que aquele canalículo que eu tinha lá dentro, que tinha uma calha muito grande, passou a ter uma calha menor, mais fina. Se eu colocar uma nova divisão, essas calhas vão diminuir. Em compensação, o cumprimento dos canalículos aumenta. O que vai acontecer quando eu colocar uma carga em cima dessas esferas? Se eu colocar uma carga e confinar a água lá dentro, a pressão vai aumentar. O aumento da pressão faz com que essas partículas se afastem umas das outras, e elas passam a escorregar. Aquele atrito que existia inicialmente pode deixar de existir porque eu faço esse fenômeno. Mas ele é momentâneo. Ela escorrega e ele volta a alcançar uma nova estabilidade. Então, isso pode acontecer com o carregamento rápido. Outra coisa: eu posso ter movimentos de massa na área de influência dos depósitos de materiais granulares. Colocar grandes massas e fazer essas movimentações. É um efeito similar àquele que eu tentei explicar para vocês agora há pouco. E excesso de precipitação pluviométrica. Ou seja, muita água entra no sistema, o nível do lençol freático sobe e, de repente, eu tenho o afastamento momentâneo dessas esferas, dessas bolinhas, que perdem o contato e escorregam. Próximo, por favor. Depósitos de rejeitos granulares podem ser caracterizados como estruturas altamente suscetíveis à liquefação. Por quê? Porque, na verdade, eu perco aquele efeito de cola do material plástico. Se eu só tenho as esferas, na hora em que eu crio esse aumento de pressão... Eu não quero usar o termo técnico aqui por motivos óbvios. Se eu aumento a pressão ali dentro, eu afasto essas esferas. |
| R | Nesse processo de liquefação, há uma série de variáveis que podem influenciar esse fenômeno. Primeiro, a distribuição granulométrica e o teor de finos, ou seja, quantas vezes eu dividi as minhas bolas de bilhar e tive bolas menores? Se eu puder criar uma figura de imagem para vocês e dividir essa esfera, essa bola de bilhar até o infinito, terei partículas tão finas que todos esses poros vão acabar sendo preenchidos de uma forma ou de outra. Nesse momento, o material deixa de ser permeável e passa a ser impermeável. (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG. Fora do microfone.) - Vou dar-lhe mais um minuto. O SR. CARLOS BARREIRA MARTINEZ - Obrigado. O que nós temos que levar em consideração? Por que a água deixa de passar por dentro desse maciço? Ela deixa de passar porque sofre uma resistência que é diretamente proporcional ao comprimento do canalículo e ao diâmetro hidráulico dele. Se eu tenho partículas finas, o diâmetro é pequenino. Como o esforço é diretamente proporcional à vazão que passa e ao comprimento e inversamente proporcional à quinta potência do diâmetro do canalículo, quanto menor o diâmetro, maior a força que eu tenho para empurrar a água. Então eu tenho pouca carga a montante, em cima do processo, e preciso de muita pressão para empurrar pouca água. Essa é a lógica que está por trás da distribuição granulométrica. Eu tenho que saber se o material que foi lançado é fofo ou compacto. Se for material fofo, ele terá maior característica de permeabilidade. A composição mineralógica é importantíssima, ou seja, qual é o tipo de material que nós temos ali dentro? A condutividade hidráulica, que depende fortemente da distribuição granulométrica, está ligada ao teor de finos. A natureza do carregamento. Ele pode ser cíclico ou não. Um carregamento que não é cíclico, quer dizer, se estou fazendo o alteamento numa barragem de rejeito é um carregamento não cíclico. Mas um carregamento causado por um tremor, por um abalo sísmico é cíclico. É como se eu pegasse essa caixinha cheia de bolas de bilhar e a chacoalhasse. Finalmente, a velocidade do carregamento. Próximo. Potencial de liquefação. Ele pode ser avaliado a partir de ensaios de campo e de metodologias representativas envolvendo experimentos de laboratório. Vou confessar para vocês: eu sou experimentalista. Eu trabalho num laboratório de hidráulica e tenho uma confiança enorme nos ensaios que podem ser feitos em laboratório, mas eu sei que eles têm que ter comprovação em campo. Nós temos laboratórios no Brasil capazes de fazer isso e de dar respostas a um monte de perguntas. Mas eles não são acionados. Os laboratórios das universidades do Brasil são muito bem equipados. Os da UFMG são excepcionalmente bem equipados. Nós temos condições de fazer um monte de coisas e de descobrir uma porção de detalhes com relação a esse tipo de problema. O próximo. Conclusão. O evento catastrófico em uma barragem de rejeito depende de um conjunto de fatores. Ele não acontece só por um fator. Primeiro, fatores relacionados ao tipo de material. Isso é fundamental. E, dentro de uma barragem de rejeito, isso é terrível, porque nós não temos conhecimento de toda a característica de todo material que é lançado ali, porque é impossível. Isso é rejeito de minério. Eu vou a um maciço onde há minério de ferro, faço aquele corte, processo aquele material, e o rejeito é o que sobra. Sobra o quê? Depende da formação da matriz. Isso varia. Então todo dia esse material está variando. É muito difícil ter uma resposta como essa. Depois, depende do esquema construtivo adotado, fortemente: alteamento de montante, central ou de jusante. Fatores relacionados ao tempo. Chuvas intensas. Fatores relacionados ao local. Nós podemos ter eventos sísmicos. É uma loucura achar que o Brasil é um país isento desses problemas. As nossas normas têm que prever isso. É claro que as normas preveem as coisas que acontecem de uma forma geral. Eu não vou projetar um prédio aqui como se projeta no Chile, mas vocês podem ter certeza de uma coisa - e podem perder o sono: se houver um terremoto de cinco graus na escala Richter, não fica um prédio em pé numa cidade do Brasil. Vai tudo para o chão. |
| R | Agora, isso vai ocorrer? Raramente vai ocorrer um fenômeno desse. Então, nós podemos voltar a dormir tranquilos. Mas a norma tem que nos dizer isso. A norma brasileira fala o que tem de ser feito de acordo com o que foi observado no passado. Ações impensadas de caráter antrópico. Nós, seres humanos, fazemos coisas erradas. Por exemplo, carregamos demais uma coisa que não deve ser carregada na velocidade que tem de ser feita. Então, essa ação antrópica é muito importante, ela tem um componente bastante importante. O próximo, por favor. Portanto, é importante investir em monitoramento, porque o monitoramento vai me mostrar aquilo que está acontecendo. É a mesma coisa, gente, quando vamos ao médico e fazemos alguns exames. Eu não vou fazer exame porque estou doente, mas porque eu tenho medo de ficar doente. O monitoramento é a mesma coisa que fazer um exame dentro de um consultório. É importante ter esse sistema de fiscalização atuante. Sem fiscalização nós não vamos ter uma boa resposta. A fiscalização falha sim, nós não temos gente suficiente para fazer fiscalização. É vital ter um aparato de Estado, não é de governo, capacitado e motivado para isso. Também é preciso aprender com os erros, corrigindo-os o mais rapidamente possível. Nós temos que aproveitar essas oportunidades e essas desgraças que acontecem para corrigir erros. Foi assim no mundo inteiro e é assim desde que nós começamos a montar a nossa civilização. Com relação à estabilidade de barragens, é importante que as novas normas comecem a indicar determinados tipos de processos construtivos. Opinião de professor, e é claro que os consultores vão ficar horrorizados com isto: eu não faria uma barragem com alteamento de montante, ponto final. A com alteamento de jusante é muito mais segura. Não é isso que vai inviabilizar o processo de mineração no Brasil, mas ele vai nos tornar muito mais seguros. É importante incluir isso, é vital. Outra coisa: nós corremos o risco de deixar um passivo ambiental inimaginável para as gerações futuras. A maior parte das nossas barragens são de alteamento de montante. Nós estamos apostando que a nossa sismicidade vai continuar igual. E se não continuar? O que os nossos netos vão fazer? Nós estamos construindo barragens de 200 metros de altura. Isso é um risco enorme para a sociedade no futuro! Vamos explorar minério de ferro, vamos explorar um monte de coisa e vamos deixar um passivo danado para trás. Nós temos responsabilidade com isso. O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Professor, uma pergunta: as barragens de montante podem ser transformadas em barragens de jusante? O SR. CARLOS BARREIRA MARTINEZ - É possível, é possível. É claro que, para isso, vai ter de ser feito todo um trabalho, mas elas podem ser reconstruídas. Elas podem sofrer um processo de reconstrução sim. O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Em Minas Gerais, há mais de 700 barragens de rejeitos de mineração. Quantas delas são de montante? O SR. CARLOS BARREIRA MARTINEZ - Eu não sei precisar, mas, certamente, uma porcentagem superior a três quartos, 70%, 75%. O Pimenta ou o Mário podem falar disso com mais propriedade. O passivo que está ficando para trás é inimaginável. Não se esqueçam de que, quando essas estruturas forem terminadas, quem vai cuidar delas vai ser a sociedade, isso vai sobrar nas nossas costas. Bem, eu acho que me alonguei demais. O senhor me desculpe. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG) - Professor Martinez, muito obrigado pelas colocações que V. Sª trouxe, à semelhança dos demais convidados, de maneira muito competente. Eu passo a palavra, pelo tempo de 15 minutos, ao Dr. Walter Arcoverde, Diretor de Fiscalização do DNPM. O SR. WALTER ARCOVERDE - Boa tarde a todos. Saúdo os Exmos Senadores Antonio Anastasia e Ricardo Ferraço e agradeço o convite. É possível diminuir a luz lá do canto? Bem, nós procuramos nos ater ao tema da audiência, a situação técnica e legal antes do rompimento. Todavia, não poderia deixar também de fazer uma introdução sobre a legislação. |
| R | Os colegas que me antecederam já pincelaram alguns pontos relevantes da legislação. Eu vou fazer, então, uma introdução e um detalhamento dessa legislação antes de entrar na condição técnica e legal antes do rompimento da barragem. Vamos falar rapidamente sobre o DNPM e as normas legais e infralegais em vigor sobre segurança de barragens, as condições legais da barragem, as condições técnicas da barragem e uma visão de futuro para a melhoria da qualidade do controle da segurança de barragens. O DNPM é uma autarquia federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia - é uma autarquia desde 1994, mas é um departamento desde 1934 - que faz a gestão dos recursos minerais no Brasil. Possui hoje 180 mil processos em vigor e inúmeros eventos de concessão de lavra e de pesquisa. O DNPM está distribuído em 25 superintendências, com 7 escritórios, muitos em Minas Gerais - o Acre está associado à unidade de Rondônia. O universo fiscalizável pelo DNPM hoje engloba... Ali é um dado de 30/11/2015, quando englobava 30.906 títulos, processos minerários de empreendimentos de lavra concedidos, sendo: - 9.565 concessões, que são os minerais metálicos, não metálicos, energéticos, rochas britadas e para revestimentos, das maiores minas principalmente; - 13.717 registros de licença (voltados a materiais de construção, como areia, brita e saibro); - 4.500 guias de utilização (em fase de pesquisa e requerimento de lavra, já permitindo a lavra); - 1.879 permissões de Lavra Garimpeira (gemas, diamantes, ouro, entre outros); - 1.191 registros de extração (materiais de uso em obras públicas outorgadas a prefeituras, autarquias e fundações). Além disso, nós temos 29 mil alvarás de pesquisa em vigor; ingressam 6 mil relatórios finais de pesquisa para análise por ano; 2 mil pedidos de prorrogação dessa pesquisa e mil demandas externas relacionada ao combate à lavra não autorizada, à extração ilegal de minérios. Além disso, nós temos a responsabilidade de promover a proteção de depósitos fossilíferos no território brasileiro. Esse é o nosso universo fiscalizável. Próximo. A respeito do que a Lei 12.334, de 2010, nos atribuiu em termos de fiscalização da gestão de segurança de barragens. O DNPM participou da elaboração da lei no seu início, aqui no Legislativo, com o comitê coordenado por colegas do Ministério da Integração Nacional à época; participou da elaboração da Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos; normatizou o Plano de Segurança da barragem a partir da Portaria nº 416, de 2012; normatizou o Plano de Ação de Emergência a partir da Portaria nº 1.526, de 2013; em decorrência das normas que criamos, instituiu o cadastro, com obrigação da lei, e disponibilizou esse cadastro no site para consulta de toda a sociedade; classificou as barragens com base na Resolução 143, com base no risco crítico e no dano potencial associado; inseriu a fiscalização de minas de risco, subterrâneas e com barragens em portaria de metas institucionais da autarquia desde 2011; elaborou um manual de procedimentos de fiscalização de barragens; realizou um seminário em 2014 muito rico, com 230 responsáveis técnicos por barragens para a apresentação dessas novas normas; de 2011 a 2014, estimamos a realização de 430 vistorias em empreendimentos com barragens e, no ano de 2015, que era um ano difícil, com muito pouco orçamento, após o acidente, no segundo bimestre, houve uma intensificação muito grande nas fiscalizações: chegamos a 152 fiscalizações em 2015, o que me surpreendeu - o primeiro semestre foi um dos piores períodos que já tivemos em termos de condição financeira para atuar. Próximo. Esse aí é o nosso site: está com toda a legislação, com o Guia Prático do Minerador - desde 2012 foi implantado. Próximo. Ali vocês têm o catálogo com todas as barragens com arquivos em kml, associados ao Google Terra. Com isso, é possível ver a barragem com bastante proximidade, ver toda condição a jusante e a montante. Próximo. Ali você tem a classificação delas, se ela é de alto risco, de alto dano potencial. |
| R | Próximo. Aí um zoom dado nesse arquivo que está no nosso site, de uma barragem especificamente. Ali é a do Rio Paracatu, aqui em Paracatu. A legislação em vigor que rege a atividade. Há a legislação geral, para barragens de água de uso múltiplo, barragens de água para energia elétrica, para resíduos industriais e barragens de rejeitos de mineração. Então, as barragens não são só as de mineração, há vários tipos de barragem. Estamos falando só das de mineração aqui agora. Para estar dentro da política e sofrer toda essa normatização, elas têm que ter 3 milhões de metros cúbicos, acima de 3 milhões de barramento, maciço acima de 15 metros, ter resíduo perigoso - já é inserida na política - um dano potencial associado médio ou alto. Próximo. Os conceitos principais da lei. O empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garanti-la; a fiscalização da segurança de barragens caberá, sem prejuízo das ações fiscalizatórias dos órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), à entidade outorgante de direitos minerários para fins de disposição final ou temporária de rejeitos - é o nosso caso, é o caso de algumas concessões que nós damos. Próximo. Aqui há uma série de itens da lei. Vou passar por eles rapidamente. Próximo. Também são responsabilidades do empreendedor: manter serviço especializado em segurança de barragem; informar ao respectivo órgão fiscalizador qualquer alteração que possa acarretar redução da capacidade de descarga da barragem comprometendo sua segurança; realizar inspeções de segurança; fazer revisões periódicas de segurança. Próximo. Cabe também ao empreendedor: elaborar o Plano de Emergência - isso é o que diz a lei - cadastrar e manter atualizadas as informações relativas às barragens. Próximo. O órgão fiscalizador tem a obrigação de manter cadastro das barragens sob sua jurisdição; exigir do empreendedor a anotação de responsabilidade técnica por profissional habilitado no Confea/Crea dos estudos, planos, projetos, construção, fiscalização e demais relatórios citados; exigir do empreendedor o cumprimento das recomendações contidas nos relatórios de inspeção e revisão periódica de segurança (é feito e colocado na empresa o Relatório Anual de Atividades, que fica na empresa à disposição da fiscalização, e é feito um extrato que é encaminhado ao DNPM, que acusa ou não anomalias); articular-se com outros órgãos envolvidos com a implantação e a operação de barragens no âmbito da bacia hidrográfica; e exigir do empreendedor o cadastramento e a atualização das informações relativas à barragem. A Resolução CNRH 143, de 2012, define o dano potencial associado e a categoria de risco. Próximo. Essas são as séries de matrizes para um tipo de classificação. Outras são parâmetros técnicos das condições da barragem, que a classificam de A, B, C, D ou E. A barragem da Samarco estava na categoria C, alto dano potencial, e risco crítico C, ainda num nível baixo. Próximo. Esses são os parâmetros para a classificação. Estão aí as características técnicas, altura, comprimento da crista e vazão do projeto. Próximo. Você tem aí a confiabilidade das estruturas extravasoras, percolação, deformações e recalques, deterioração dos taludes. Os auditores independentes, quando vão fazer suas auditorias, utilizam esses parâmetros para dar uma nota de 1 a 10, como já foi informado aqui pelo Sr. José Mário Mafra. Próximo. Aí o Plano de Segurança da Barragem, se ela tem Plano de Segurança - vamos mostrar todos os capítulos desse Plano com detalhes. Próximo. Ela não tendo Plano de Segurança implantado, seu risco já sobe para uma matriz mais alta. Dano potencial associado: aí também os pesos para cada um. Feita toda essa classificação... No Relatório Anual de Atividades foram criados campos a serem informados pelas empresas. A partir desses dados, é feito, então, o cálculo, com base na Resolução CNRH, para definir o seu risco crítico, o seu dano potencial associado, e sua classificação, conforme a lei exige. Próximo. A Portaria DNPM 416, de 2012, instituiu o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração, o Plano de Segurança, a Revisão Periódica de Segurança e as inspeções periódicas. Próximo. Aqui você tem os conceitos. Pode passar. Toda essa classificação está no RAL Web do DNPM. Próximo. Ali estão as telas do Relatório de Atividades que são preenchidas, e nós exigimos responsáveis técnicos pelo preenchimento desses dados. Então, existe um responsável técnico que se responsabiliza pelas informações prestadas. |
| R | Aí estão as categorias de risco. Próximo. São 663 barragens, sendo 402 dentro da política e 261 fora da política. Minas Gerais tem 220 barragens cadastradas por nós dentro da política. Refiro-me às de mineração, porque esses números se misturam às vezes com as de resíduos industriais, de água, de energia etc. Próximo. O Plano de Segurança, que já foi mostrado aqui anteriormente. Pode passar - é o conteúdo dele. Pode seguir. Esses detalhamentos estão nas portarias. Essas normas, o empreendedor tem de cumpri-las e deixar no local da barragem essas informações em arquivos no Plano de Segurança. As inspeções de rotina, que foram definidas. Próximo. Inspeções regulares. No caso de anomalia, há inspeções especiais. Se você identifica uma anomalia, tem que fazer imediatamente uma inspeção especial ou obras emergenciais - foi o que nós observamos em Germano, após a ruptura de Fundão. Próximo. O Plano de Ação de Emergência, que define cenários em função do dano potencial a jusante. Próximo. Aí está uma explicação da Portaria nº 526. Próximo. Pode seguir. As condições legais do empreendimento. As atividades da Samarco foram iniciadas em 77 - os trabalhos de lavra no local, Cava de Germano - e utilizava a barragem de Germano. Em 82, a Samarco ingressou com um pedido de Grupamento Mineiro, que foi aprovado. Constituído esse grupamento, a escala de produção passou a ser da ordem de 21 milhões de toneladas/ano. Próximo. Ao longo de seu período, ela vem utilizando três estruturas para a deposição de rejeitos, quais sejam: Cava de Germano, barragem de Germano e barragem de Fundão - além da barragem de Santarém, utilizada para a circulação de água do processo de beneficiamento. A barragem de Germano tem vários diques; a de Fundão era utilizada para a deposição de rejeitos no vale do córrego do Fundão. Próximo. Aí está a foto da estrutura. À esquerda está a barragem de Germano, os diques de Tulipa, Sela e Selinha e, à direita, a barragem de Fundão. Próximo. Aqui novamente Germano e, à direita, Fundão. Próximo. E ali, depois do rompimento, à direita, a barragem de Fundão. Pode passar. A condição da barragem... O DNPM vistoriou a barragem de Fundão em 8 de março de 2012... (Soa a campainha.) O SR. WALTER ARCOVERDE - Poderia ter só mais cinco minutinhos por favor? E a condição observada... O SR. RICARDO FERRAÇO (S/Partido - ES) - (Fora do microfone) Doze? Em 8 de março de 2012? O SR. WALTER ARCOVERDE - Oito de março de 2012. Foi feita uma vistoria ainda antes da normatização da 416, de 2012, que é de julho. Então essa vistoria se baseava num padrão anterior a toda essa legislação que eu citei. Era uma vistoria com base nas NRM, nas Normas Reguladoras de Mineração. O SR. RICARDO FERRAÇO (S/Partido - ES) - (Fora do microfone) Foi a última vistoria? O SR. WALTER ARCOVERDE - Foi a última vistoria realizada. Aí nós fizemos outras vistorias durante o caso do sinistro. O SR. RICARDO FERRAÇO (S/Partido - ES) - (Fora do microfone) Depois do ocorrido? O SR. WALTER ARCOVERDE - Depois. Do dia 6 de novembro para cá, fizemos muitas vistorias. O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Oposição/PSDB - ES. Fora do microfone.) - Houve um gap... O SR. WALTER ARCOVERDE - Houve, houve um gap. Se o senhor quiser saber, depois eu lhe explicarei a razão, o.k.? Nessa vistoria foi exigida uma anotação de responsabilidade técnica, que na época não existia; foi exigido o laudo, que existia já, de uma empresa de consultoria - feito em 2011, está certo? A condição da barragem, pelos técnicos... Foram dois técnicos engenheiros que a vistoriaram. Eu poderia ler aqui, mas não temos mais tempo, todos os pontos: talude de montante, talude de jusante, pé de talude, drenagem, ombreira, sistema extravasor. |
| R | Então, foram observados... A empresa foi notificada para ter esse responsável técnico, que não tinha, e para ter o controle da segurança da barragem. Foi uma ação proativa importante porque, a partir dali, ela passou... E, logo em julho, nós exigimos o cronograma de implantação do PSB, a partir da Portaria nº 416/2012. Então, de julho em diante, ela passou a cumprir a nova Política Nacional de Segurança de Barragens com seus principais instrumentos. Ela apresentou o cronograma de implantação do PSB, que foi de 2012 a 2014, e, nos dias posteriores ao acidente, nas vistorias que nós fizemos do PSB e do PAEBM, identificamos que a empresa tinha inspeções periódicas, a empresa tinha equipe geotécnica, que foi, inclusive, exigência em processos anteriores de licenciamento, segundo a leitura que fizemos, e dos órgãos estaduais, inclusive. Ela tinha os itens que eram exigidos no PSB. Faltou o cronograma de testes de equipamentos hidráulicos, elétricos e mecânicos e o registro dos testes de equipamentos hidráulicos, elétricos e mecânicos - foi notificada a apresentá-los, não foram apresentados na hora da fiscalização. O padrão de fiscalização, Senador Ferraço, que nós adotamos a partir dessas portarias, seguiu muito o padrão adotado por toda a política coordenada pela Agência Nacional de Águas, onde pegamos os instrumentos e os fundamentos da política e os transformamos em obrigações dentro das portarias. O Plano de Segurança, o PAEBM, as inspeções periódicas, o cadastro, 90% disso tudo foi discutido com a sociedade e discutido com os demais órgãos fiscalizadores. E adotamos nas nossas portarias o padrão Minas Gerais no que diz respeito à auditoria das barragens. A Feam tinha já uma experiência muito boa definida na resolução deles, a DN 60, em que a responsabilidade era uma auditoria independente. O que nós modificamos foi que, além do auditor independente, nós aceitamos também a declaração de condição de estabilidade pela equipe técnica especializada das empresas. Então, nossa norma os obrigou a entregar, todo dia 20 de setembro, anualmente, a declaração de condição de estabilidade - anualmente - e, em março, os extratos do relatório de inspeções. Então, esses são os dois importantes documentos que nós recebemos. Agora, os demais são documentos que ficam na empresa e sofrem... (Soa a campainha.) O SR. WALTER ARCOVERDE - ... a sua auditoria na fiscalização. Eu poderia ter um minuto ainda? O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG) - Um minuto. O SR. WALTER ARCOVERDE - Poderia passar? Depois do sinistro, fizemos várias notificações e exigências de obras emergenciais no dique de Selinha e na barragem de Santarém. Próximo. O dique de Selinha, em 29/12, foi recuperado. Próximo. É essa obra que estou mostrando ali: na berma inferior, eles fizeram um trabalho e nos mandaram relatórios diários dessas obras emergenciais, porque aí eles estão dentro de uma inspeção especial. Próximo. Aí é a barragem de Santarém no dia 17 de fevereiro. A barragem está ali, à direita. Essa voçoroca que está sendo observada é o vertedouro da lama. Próximo. Você tem ali a barragem recuperada, a parte de cima lá, e, no dia 19 - próximo - foi considerada a obra concluída. Fizeram reforços para a barragem de Santarém, que recebeu os rejeitos remanescentes de Fundão e está no seu limite máximo. Próximo. Aqui já foi falado: é a questão da liquefação, essas hipóteses que estão sendo discutidas sobre suas razões. Não entramos nesse mérito, mas só para dizer que há a estática e a dinâmica. A subida do nível de água, o carregamento rápido, o deslizamento próximo e o talude muito íngreme podem gerar liquefações estáticas, e efeitos externos podem levar a uma liquefação dinâmica. Próximo. Aqui, para discussão, é um trabalho que mostra que barragens com alteamento a montante têm mais acidentes que a média. |
| R | Mas é um dado absoluto, que deveria levar em consideração a relatividade, porque a quantidade de barragens com alteamento a montante é bem maior do que as demais, então, havia que ter sido feita essa proporcionalidade. Próximo. O DNPM, a partir do final desse ano de 2015, contratamos uma empresa de consultoria e engenharia geotécnica, porque nós não temos profissionais geotécnicos, e estamos num trabalho de quatro meses para fiscalizar 220 barragens em Minas Gerais, dentro da política. Já fiscalizamos metade disso, esperamos até o final de abril ou até final de junho estarmos com relatórios das condições das barragens. Próximo. O que eu vejo de importante no aperfeiçoamento da legislação - para contribuir aqui com a Comissão - é que o assunto barragem deve ter instrumentação e gerenciamento em tempo real. Não dá para esperar seis meses por um documento. O assunto tem que ser tratado com a sua especificidade, ou seja, não pode ser mais um assunto a ser fiscalizado no âmbito do Código de Mineração, tem de haver um olhar específico para esse assunto, porque, quando há um acidente, é muito grave. É preciso enfrentar o desafio gestão territorial a jusante da barragem - como tratar essa questão é assunto muito sensível. Pode-se utilizar recursos estaduais e municipais dos royalties da CFEM na estrutura de planos de contingências municipais. Pode passar. Por fim, é necessário haver revisão das normas da ABNT em curso - elas estão sendo estudadas por grupos do Instituto Brasileiro de Mineração -; aperfeiçoar manuais de construção e operação das barragens; melhorar regras para estudos sismológicos e melhorar regras de instrumentação dos fenômenos de liquefação. Hoje, toda barragem com alteamento a montante está sendo discutida em Minas Gerais, por um GT formado em Minas Gerais. Elas têm que ter estudos de suscetibilidade à liquefação. Esse é um ponto relevante. Eu agradeço o convite e estou à disposição para perguntas. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Oposição/PSDB - MG) - Muito obrigado, Dr. Walter Arcoverde. Agradeço sua participação. Passo a palavra ao nosso último convidado, o eminente Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais, Dr. Carlos Eduardo Ferreira Pinto, que representa o Ministério Público de nosso Estado. O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Boa tarde a todos. Cumprimento os Senadores Antonio Anastasia, Ricardo Ferraço e Fernando Bezerra, nas pessoas de quem saúdo todo o Senado Federal; meus companheiros de Mesa e demais cidadãos aqui presentes e representantes de instituições. Obrigado pelo tempo de vocês. Serei breve e tentarei cumprir o tempo estabelecido. É com muita honra que o Ministério Público de Minas Gerais atende essa convocação, de forma a contribuir para a melhoria da legislação brasileira. A primeira premissa que esse fato nos revelou é que o risco de empreendimentos dessa envergadura deve ser medido muito mais pelas consequências do que por suas probabilidades. Este é um fato que deve ser incorporado a esse tipo de implantação de empreendimentos: mensurarmos muito mais as consequências, as potenciais consequências, do que suas probabilidades. Por outro lado, é importante ressaltar que existe um vácuo legislativo no que se refere à forma como o Estado reagiu a essa catástrofe. Não existe normatização no Direito brasileiro para tratamento de situações extremas. Nós temos, recentemente, a Lei nº 12.608, de 2012, que trata da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, mas ainda é insuficiente para tratar situações dessa extremidade. Então, no caso concreto, no dia a dia atuando, a gente vê uma grande confusão de atribuições, não se sabe qual órgão atua em qual caso concreto, você tem uma grande dificuldade jurídica na definição de atribuições e competências e, por consequência, em diminuir o tempo de resposta num caso de tamanha gravidade, em que se exige uma pronta resposta e uma imediata atuação por parte dos Poderes Públicos. |
| R | É importante, talvez, deixar essa visão. Talvez, por não estarmos acostumados a catástrofes ambientais... Nos Estados Unidos, por exemplo, são comuns os furacões, portanto, você tem uma legislação que ampara situações dessa extremidade. Um fato objetivo que demonstra isso: até hoje, nós temos mais de 2.600 ações contra a Samarco em todos os Municípios atingidos, quer sejam públicas, coletivas ou individuais. O Direito não regula essa situação de uma maneira adequada e acaba expondo toda essa condição. Talvez seja um ambiente para pensarmos uma legislação para situações extremas, que vêm ocorrendo com muito mais frequência no nosso País. Recentemente, tivemos Nova Friburgo, e cada vez mais é preciso uma regulação. A apresentação passa por essas premissas iniciais. Por outro lado, no que se refere propriamente às barragens: as barragens devem ser bem projetadas, bem construídas e bem operadas. Se esses três pontos funcionarem bem, a barragem vai operar de maneira segura. Elas não são seguras, elas estão seguras, o que revela a necessidade de um monitoramento contínuo, uma atualização de suas cartas de risco, manual de operação, de maneira contínua. E não combinam com água. Essa é a verdade apurada nos nossos procedimentos. Ressalto que todas as informações que eu trago são de cunho eminentemente técnico. O nosso corpo técnico, desde o dia 6 de novembro, trabalha de maneira incessante para trazer informações adequadas para que o Ministério Público possa atuar. Bem, aqui entra o eixo central, das concausas e melhorias possíveis para - sobretudo sem o conteúdo desse momento punitório ou punitivo, ou de uma maneira repressiva - pensarmos em evitar fatos análogos ao que houve. E eu ouso falar, podem gravar: outros fatos ocorrerão se não houver atualização da legislação e normas efetivas que garantam monitoramento e controle adequados. Outros fatos ocorrerão. Basta ouvir o que o Dr. Walter disse: temos 402 barragens de mineração em Minas Gerais, das quais somente 220 estão no sistema. O SR. WALTER ARCOVERDE (Fora do microfone.) - Não, não. Duzentas e vinte estão dentro da política. O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - As outras estão... O SR. WALTER ARCOVERDE (Fora do microfone.) - As outras têm menos de 3 milhões de... O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Isso. O SR. WALTER ARCOVERDE (Fora do microfone.) - E menos de 15 metros... O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - No Estado de Minas havia, sem declaração de estabilidade... O SR. WALTER ARCOVERDE (Fora do microfone.) - ... não fazem parte dos parâmetros da Política Nacional de Segurança de Barragens. O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Sim. Você tem, dentro do Estado de Minas Gerais, mais de 29 barragens que não tinham garantidas a sua estabilidade em operação. O SR. WALTER ARCOVERDE (Fora do microfone.) - Sim. Agora, dentro das 220, aí nós temos... O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Isso, sem a garantia de estabilidade, em operação, salientando que a barragem de Fundão tinha atestada a sua estabilidade, e mesmo assim houve o evento. E essas outras? Cito só exemplos de atuação concreta do Ministério Público, casos que, se agora eu receber um telefonema e falarem "houve um rompimento", eu não vou ficar surpreso: a Mundo Mineração, ali em Nova Lima; a Extrativa Paraopeba, no Parque do Rola Moça, com o Casa Branca a jusante, e a Emicon, ali na Serra do Itatiaiuçu, com potencialidade de atingir o reservatório Rio Manso. São só três casos de empreendimentos desativados e paralisados - paralisados! Ou seja, essas barragens se encontram abandonadas, sem qualquer tipo de controle, sem qualquer tipo de manutenção e, por consequência, acumulando o quê? O que é que não combina com barragem? Água. E até quando a gente vai esperar essas bombas-relógio continuarem ali sem qualquer tipo de comando e controle no sentido de minimizar esse risco que é impossível de se medir? |
| R | O rompimento da barragem de Fundão é um exemplo claro de que é impossível medir as consequências de um rompimento. O cenário de ruptura foi projetado muito aquém do que realmente ocorreu. Então, é impossível prever as consequências de um rompimento. Volte um pouquinho. O fato é que o desastre mostrou-se para além dos infortúnios aleatórios. Poder de polícia. No caso de empreendimento, qual é o poder de polícia? É a forma com que o Estado intervém em atividade privada: comando e controle. Nesse tipo de empreendimento ele funciona de duas formas: licenciamento ambiental, ou seja, na autorização e operação do empreendimento, e na fiscalização. Esse é o poder de polícia de que o Estado deveria se utilizar para garantir a segurança da operação de empreendimentos potencialmente danosos. Pode passar. Aqui reside a legitimidade do Direito: há esse déficit regulatório, esse evento trouxe realmente essa necessidade de se aperfeiçoar o sistema e uma grande oportunidade. Eu trago dois exemplos mundiais de grande avanço legislativo: o terremoto em Lisboa, em 1755, foi o grande precursor da sismologia moderna, houve um grande avanço com a criação de parâmetros utilizados até hoje; e esse desastre de Bhopal, na Índia, em 1984, que trouxe um grande avanço no controle, em toda a Europa e mundo, no sentido de controle e de monitoramento da indústria química, pelos efeitos desses desastres. Então, surge aqui uma grande oportunidade para que tenhamos um avanço legislativo. Disposição de rejeitos. Por que as barragens estão cada vez maiores? Produções maiores de minérios e teores mais baixos, essa conjugação leva a um volume cada vez mais exagerado de barragens, barragens cada vez maiores. No caso concreto da barragem de Fundão, três eixos fundamentais que concorreram de forma simultânea para o rompimento: o licenciamento, a fiscalização e a operação do empreendimento. As principais causas de ruptura de barragem: 60% das barragens de rejeitos que se romperam foram construídas com alteamento a montante. Essas causas conhecidas se enquadram em duas categorias principais: causas climáticas e gestão deficiente. Nós estávamos em período de seca, sem chuva, no momento de rompimento. Pode passar. Licenciamento - aquele primeiro ponto de comando e controle, o primeiro apontamento do poder de polícia. Vou trazer somente algumas informações aqui que revelam a falência desse sistema e a necessidade de aperfeiçoamento e junção da política nacional com a implantação dos empreendimentos. Aqui entra uma sugestão do final: a Política Nacional de Segurança de Barragens trata da barragem já em operação. Trata de um empreendimento instalado e, por consequência, da sua segurança. É preciso internalizar o licenciamento de uma forma que se antecipe e se crie regramento para o licenciamento, a viabilidade ambiental e a operação desses empreendimentos de forma antecipada e preventiva. No caso concreto, não houve apresentação de projeto executivo no licenciamento. Apesar de o licenciamento não servir para aprovar o projeto executivo, o órgão ambiental deveria, sim, por uma normatização estadual até, receber o projeto executivo antes da licença de instalação. Isso não foi apresentado e, até o momento, não foi juntado no processo de licenciamento. Ou seja, o órgão não teve conhecimento do projeto executivo. A interferência da pilha de estéril da Vale. Vou mostrar no eslaide aqui: há uma pilha de estéril da Vale ao lado da barragem de rejeitos. No EIA/RIMA da pilha e no EIA/RIMA da barragem de Fundão, há menção à interferência, os próprios empreendedores mencionam essa interferência em determinada cota e se comprometem, no licenciamento, a apresentar justificativa técnica de segurança e não interferência. Esse estudo não foi apresentado. Na renovação da licença de operação, que é o momento crucial em que o órgão ambiental deveria |
| R | A renovação da licença de operação é um momento crucial, nesse momento o órgão ambiental deveria analisar a forma como o empreendimento é operado. Ela foi renovada de maneira totalmente omissa e sem a análise do que era importante. Em determinado momento do licenciamento, a empresa tinha uma licença de operação da barragem de Fundão com condicionantes ligadas a operação e monitoramento. Essa licença teve um adendo em que se incluíram condicionantes ligadas à supressão de vegetação e, na renovação da licença, o empreendedor somente apresentou um relatório de desempenho referente às condicionantes ligadas à supressão. Houve o desprezo das condicionantes ligadas ao monitoramento e controle da operação do empreendimento. Por consequência, foi renovada a licença de maneira ilegal, sem a análise das condicionantes impostas na licença de operação original. O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Oposição/PSDB - ES) - Dr. Carlos Eduardo, eu queria pedir autorização para interromper V. Sª. O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Pois não. O SR. PRESIDENTE (Ricardo Ferraço. Bloco Oposição/PSDB - ES) - Nós estamos em processo de votação nominal no plenário. Eu vou interromper a reunião, com a vênia de V. Sª, por cinco minutos, para que eu exerça o meu direito de voto, assim como o Senador Anastasia e o Senador Fernando Bezerra Coelho. Retornaremos em seguida para ouvir essas importantes denúncias que V. Sª está fazendo aqui no âmbito desta Comissão. Vou suspender a reunião por 5 minutos e retorno imediatamente. Obrigado. O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Não é pelo teor da apresentação, é só para a votação mesmo, não é? (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Ricardo Ferraço. Bloco Oposição/PSDB - ES) - Não, não, ao contrário! (Suspensa às 16 horas e 42 minutos, a reunião é reaberta às 16 horas e 52 minutos.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Ricardo Ferraço. Bloco Oposição/PSDB - ES) - Está reaberta a reunião. Devolvo a palavra ao Dr. Carlos Eduardo Ferreira pedindo desculpas pela interrupção. Com a palavra V. Sª para a conclusão de sua manifestação. O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Obrigado, Senador. Vou para a parte final. Eu falei, então, do poder de polícia, falei do licenciamento, das principais e graves omissões no processo de licenciamento.1 Pode passar por favor. Foi nessa lâmina que eu parei, falando da ineficácia desse poder de polícia e da necessidade de o licenciamento se juntar à política nacional de segurança. Não se pode falar em segurança de barragem se não se intervém de maneira preventiva desde sua concepção, na elaboração do projeto, na implantação do empreendimento e na análise da própria viabilidade ambiental desse empreendimento. Por exemplo, construí-la num local inapropriado porque é economicamente mais vantajoso compromete toda a estrutura da barragem. O que se faz depois? Então, o segundo ponto é a fiscalização. Eu estou com meu colega Walter aqui que pode dizer: falta estrutura de fiscalização dos órgãos ambientais, com o comprometimento da operação dos empreendimentos. Isso é um salvo-conduto. O empreendimento é operado e monitorado da maneira como o empreendedor quer. A lógica da fiscalização se inverteu. Os órgãos ambientais, no caso o DNPM e a Feam, são cartorários no sentido de receber as informações e analisá-las de uma maneira superficial e burocrática, não há uma fiscalização de conteúdo. Com isso se tem uma grande omissão na fiscalização de empreendimentos com potencial lesivo gigantesco, como é o caso da barragem de Fundão. Depois, a operação do empreendimento - esse também é grave! Então, nós falamos de três eixos: da ausência de poder de polícia no que se refere ao licenciamento - levaríamos uma tarde toda para falar do licenciamento, para esboçar essas omissões - das omissões ligadas ao poder de polícia repressivo - fiscalização - e o central, da operação equivocada do empreendimento. Então, voltando, vemos a rapidez. Em 2007... Para entender a disposição de rejeito... Porque o patinho feio da mineração é a barragem de rejeito. Ela não tem investimento, ela não tem... Ela é a estrutura de um complexo que é olhada com os olhos invertidos, exatamente porque não gera dividendos, mas você tem que dispor os rejeitos. Então, você vê a rapidez com que o projeto foi instalado: essa é em 2007 - pode passar por favor - e agora já no ano de 2015. |
| R | Nesse período, você já tem a plena operação do empreendimento, com a barragem de Germano ao lado. Pode passar por favor. Quero mostrar a operação. Houve uma alteração do projeto. Como eu disse, a intervenção da pilha de estéril da Vale. Essa é a pilha de estéril, esse é o lago formado e essa é a interferência na barragem de Fundão, que levou a esse recuo no eixo da barragem. Pode passar. Aqui fica bem claro: esse recuo foi feito sem projeto. Até o momento houve requisição à empresa, aos órgãos, mas não existe projeto. Alterou-se a geometria da barragem de maneira unilateral, sem comunicação aos órgãos ambientais, sem projeto executivo, sem licenciamento, de maneira absolutamente regular. Pode passar por favor. Vocês perceberam bem ali? Ficou muito claro. Isso gerou a desatualização da carta de risco do manual de operação desatualizado, com comprometimento do monitoramento, com essa alteração da geometria, que é obrigação, salvo engano, prevista no art. 14, inciso VII, da Lei da Política Nacional. No art. 17, há um inciso que traz a obrigação expressa de a alteração de geometria da barragem que comprometa a segurança ser informada ao órgão. Foi descumprida essa informação. Vou falar rapidamente dos eventos sísmicos, que foram citados como causas de rompimentos ocorridos até a década de 90. Após 2000, praticamente não foram causadores de rompimentos devido aos avanços nos projetos. Por exemplo, um terremoto de 8.8 na Escala Richter não causou nenhuma falha em barragem no Chile. Aqui, os eventos sísmicos registrados no Brasil. Pode passar. Em Minas Gerais, na região de Mariana, entre 1989 e 2015. Volte por favor. Ali embaixo, o local da barragem de Fundão. Reparem a magnitude, sempre 2.1, 3... Passe por favor. De acordo com o Guia Básico de Segurança de Barragens, elaborado pelo comitê brasileiro e pelo manual de segurança, barragens devem ser projetadas e avaliadas para suportar movimentos associados com o sismo máximo de projeto, o qual é normalmente representado pela movimentação mais severa da fundação. Conclusão: os sismos registrados são fracos para causar qualquer resposta dinâmica significativa. Sismos com magnitude inferior a 3 podem ser descartados como causa do início do rompimento da barragem de Fundão. Por essa escala de aplicação mundial, não são perceptíveis pelos humanos eventos sísmicos menores que 3.4. Todos os sismos registrados para a região de Mariana estão abaixo dessa escala. Sugestões. Como o objetivo da Comissão é exatamente a melhoria legislativa, eu eu peço permissão ao Senador para fazer algumas sugestões, só para aperfeiçoamento, rapidamente. A primeira: o envolvimento do processo de licenciamento ambiental de barragens, independentemente do porte, deverá ter EIA que contemple alternativas locacionais e tecnológicas, os efeitos cumulativos e sinérgicos, bem como a identificação pormenorizada dos impactos ao patrimônio cultural, material e imaterial. No processo de licenciamento, obrigatoriamente, deverá haver audiência pública nas comunidades afetadas de forma direta e indireta, e as deliberações dessas audiências deverão constar em ata e ser fundamentadamente apreciadas nos pareceres do órgão que subsidiar o processo de licenciamento. Instalou-se a barragem de Fundão, e foram ouvidas duas pessoas da comunidade de Bento Rodrigues - duas! Para obtenção da LI, que acho que é fundamental no regramento: o projeto executivo na cota final prevista para a barragem. Esse é um grande problema, porque se projeta a barragem para uma cota e, pela necessidade e urgência de se dispor de rejeitos, os alteamentos continuam de maneira acelerada, sem se buscar um novo projeto ou uma nova disposição - porque é mais rápido, é mais barato do que se buscar uma alternativa. |
| R | É importante na Licença de Instalação um estudo conceitual de cenários de ruptura, com mapas com manchas de inundação, bem como planos de ações emergenciais que contêm, inclusive, medidas específicas para alertar e resgatar todas as pessoas identificadas como passíveis de serem diretamente atingidas pela mancha de inundação, para mitigar impactos ambientais, para garantir o fornecimento de água potável a comunidades e cidades que tenham a sua captação de água potencialmente atingida e para salvaguarda e resgate do patrimônio cultural. Também há uma proposta completa de monitoramento das estruturas prevendo, no mínimo, inspeções quinzenais; laudo de um revisor do projeto da barragem elaborado por especialista independente garantindo que todas as premissas dos projetos foram verificadas e que ele atende a padrões de segurança exigidos para os casos de barragens com médio e alto potencial de dano a jusante. Para obtenção da LO: estudos completos, similares aos da Licença de Instalação. Ressalto o projeto final como construído, contendo detalhadamente as interferências identificadas na fase de instalação. Todas as omissões verificadas no processo de Fundão - estou trazendo o caso concreto para tentar trazer algo que possa ser revertido em proveito da legislação. E é preciso também a implementação de caução ambiental com devida atualização, que contemple a garantia de recuperação socioambiental. Pode passar. Esse ponto da caução é fundamental... O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Mas como é que seria isso? O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Durante a vida útil de um empreendimento, se aprovisiona um recurso para suportar a recuperação final de descomissionamento ou em caso de sinistro, coisa que faltou nesse caso. O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Esse tipo de sugestão existe em outros países do mundo, essa caução ambiental? O SR. CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO - Existem como mecanismos econômicos. Por exemplo, para se operar em algumas bolsas, você tem que demonstrar garantia. Nós, no Ministério Público do Estado, já firmamos termos de ajustamento de condutas com empreendimentos que praticaram algum tipo de dano, que suportaram e mantêm essa garantia. Cito como exemplo: a Gerdau, na Várzea do Lopes, que tem garantia fixada em termo de ajustamento de conduta; a RPM, em Paracatu, garantia de recuperação final; Herculano, onde houve rompimento e foi feito. Em Minas, a legislação foi arquivada. Desde 2001 se buscou isso. Em todo acidente, em todo evento que há, se busca o aperfeiçoamento, mas não se implementa. Isso traz, na linha do que o professor mencionou, uma grande garantia para que a sociedade não assuma o passivo no caso de desativação do empreendimento. Muitos empreendimentos podem ser paralisados judicialmente ou por abandono, e quem fica com o passivo são as comunidades que recebem essas barragens sem nenhuma manutenção, porque durante a vida econômica útil do empreendimento não se aprovisionaram recursos necessários. Quando chega a fase final, de exaurimento da mina, já não há interesse em aplicar as melhores tecnologias. Então, é fundamental que a legislação caminhe para que haja uma garantia de recuperação final. Ou seja, você vai operar, você vai ter a sua mina economicamente viável, mas você vai recolher um valor que vai ser aprovisionado para garantir a recuperação futura da área. Com isso, inclusive em caso de eventual sinistro, você tem uma garantia mínima de recuperação dos atingidos. Pode passar por favor. Este é muito importante: não será autorizada a instalação de barragem onde se identifique comunidade na zona de autossalvamento nos estudos de cenários de ruptura. É muito importante aperfeiçoar a legislação de forma a se poder dizer: "Olha, num raio de 10km, de 5..." É só uma sugestão, mas temos que ter algo que inviabilize empreendimento, como Bento Rodrigues, a 3km da barragem. Não é possível admitir a implantação de empreendimento com comunidades inteiras, centenárias, a alguns quilômetros, numa área de grande impacto, como o que houve. Pode passar. |
| R | Somente serão permitidas ampliações no projeto original com prévia autorização do órgão competente. As ampliações somente poderão ser autorizadas mediante estudo elaborado por equipe técnica, e deve constar no projeto de ampliação a velocidade aceitável para a evolução do alteamento, de forma a não oferecer riscos adicionais. Não serão permitidas modificações no projeto original que alterem a geometria da barragem licenciada, salvo se a alteração for objeto de novo processo de licenciamento. O empreendimento que não apresentar as condições de estabilidade e segurança exigidas pela legislação terá as licenças ambientais suspensas pelos órgãos até a comprovação de sua adequação e regularidade. Pode passar. Essas são algumas considerações, só a título de sugestão, trazendo essa necessidade que o Walter, do DNPM, colocou: de aprimoramento do monitoramento. O monitoramento deve ser o mais atual possível e, sobretudo, deve ser interpretado. O analista que verifica as informações dos instrumentos não pode se transformar em um historiador. Se isso ocorrer, está comprometida a viabilidade da segurança daquele empreendimento. O tempo é exíguo, o tema é instigante, com muitas faces, muitos questionamentos. Coloco-me à disposição para contribuir, neste momento ou em outro, porque nesse ponto há uma convergência absoluta da necessidade de aprimoramento da legislação, de forma a podermos evitar situações como a vivenciada lá no nosso Estado de Minas Gerais. Eu agradeço o tempo de vocês. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Ricardo Ferraço. Bloco Oposição/PSDB - ES) - Muito obrigado, Dr. Carlos Eduardo Ferreira. Senador Fernando Bezerra Coelho, nós estamos de novo em processo de votação. Eu vou agradecer muito as participações aqui, a riqueza das apresentações feitas nesta Comissão; agradecer ao projetista da barragem de Fundão, Sr. Joaquim Pimenta de Ávila; ao Sr. José Mário Queiroga Mafra; ao Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Carlos Barreira Martinez; ao Dr. Walter Arcoverde, Diretor de Fiscalização do Departamento Nacional de Produção Mineral; e ao Procurador Carlos Eduardo Ferreira Pinto, membro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Todas essas contribuições trazidas por V. Sas e por V. Exª foram devidamente anotadas. Nós vamos tomar a liberdade, se V. Sas autorizarem, de fazer um contato individual com cada um dos senhores para o que foi dito aqui de maneira mais superficial possa ser aprofundado. Eu próprio, na condição de Relator, terei absoluto interesse em conversar individualmente com os senhores para que possamos aprofundar o conhecimento em relação às diversas questões que foram colocadas aqui, na Comissão Especial. Senador Fernando Bezerra. O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Temos que ir para o plenário, mas quero dizer que fiquei bastante impressionado com a palestra do Prof. Martinez e teria uma rápida pergunta. Gostaria de saber, quanto a essa sugestão que o professor fez - no sentido de não permitir mais a construção de barragens de montante e sim de jusante, que seriam barragens mais seguras - se isso já foi adotado por algum outro país, como Canadá ou Austrália, que competem com Brasil em termos de produção e exportação de minérios. Gostaria de saber se essa é uma atitude tomada, se essa barragem de jusante é comum nos demais países, se é uma tecnologia aceita, praticada e implementada nos demais países. O SR. CARLOS BARREIRA MARTINEZ - No Chile, se eu não me engano, as barragens são todas de jusante... O SR. JOAQUIM PIMENTA DE ÁVILA (Fora do microfone.) - Não, a grande maioria... O SR. CARLOS BARREIRA MARTINEZ - Não, Joaquim. O SR. JOSÉ MÁRIO QUEIROGA MAFRA - No Chile, as barragens de rejeito, desde 1970, de acordo com o Decreto Supremo nº 86, do Chile, as barragens são construídas por jusante. O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Muito boa a informação. Muito obrigado. Finalmente, só uma preocupação, meu prezado companheiro Ricardo Ferraço. |
| R | Eu não acredito que a ampliação da fiscalização vá resolver esses problemas. É evidente, pelo relato do Dr. Walter Arcoverde, que é preciso melhorar a estrutura do DNPM, que sofreu muito nesses últimos anos. Ele foi até muito polido ao falar que a fiscalização, no ano de 2015, praticamente não ocorreu, passou a ocorrer depois do acidente de Mariana. Mas eu acho que o caminho apontado pelo Procurador Carlos Eduardo Ferreira é o melhor. Nós temos que ter uma legislação mais severa. Inclusive, a nossa legislação já aponta para a autorregulação, a responsabilidade é do operador, é do empreendedor. Mas parece que a nossa legislação é muito tímida na aplicação de multas e penas para desestimular o operador a transgredir a legislação. Eu acho que precisamos balancear mais a legislação brasileira nesse sentido. Parabenizo V. Exª, Senador Ricardo Ferraço, pela proposta de agenda de trabalho para a nossa Comissão, no sentido de que possamos, tomando o exemplo de Mariana, evitar outras Marianas na história brasileira. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Ricardo Ferraço. Bloco Oposição/PSDB - ES) - Eu é que agradeço a V. Exª e reitero os nossos agradecimentos aos nossos convidados. Nós faremos contato ato contínuo para tomarmos emprestada de cada um dos senhores a experiência acumulada para a confecção do nosso relatório, que estaremos apresentando nas próximas semanas. Ele vai na direção de apontar esse aperfeiçoamento adequado, necessário e inadiável, para que, como disse aqui o Senador Fernando Bezerra Coelho, outras Marianas não aconteçam, se traduzindo em prejuízos ainda muito maiores. Muito obrigado. Está encerrada a reunião. (Iniciada às 15 horas e 13 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 12 minutos.) |
