05/04/2016 - 2ª - Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Havendo número regimental, declaro aberta a 2ª Reunião da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, à apresentação das conclusões do relatório de avaliação das políticas públicas sobre o enfrentamento à violência contra a mulher, pela Senadora Regina Sousa, e à apreciação de requerimentos.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www. senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Antes de compor a Mesa com a nossa convidada, quero convidar para dirigir os trabalhos a nossa Presidente, que acaba de chegar.
A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Senadora Vanessa, hoje V. Exª é Presidente em exercício, até porque é a autora da audiência pública. Vou ficar aqui na planície, com muita honra, ouvindo a palestrante falar a respeito de um assunto tão importante e muito pouco debatido não só pela sociedade brasileira, mas por nós mesmos, que, muitas vezes, esquecemos o quão diferentes nós somos em todos os aspectos como homens e mulheres, inclusive quando estamos diante da privação da liberdade.
Então, antes de mais nada, parabéns a V. Exª pela ideia de provocar esta audiência pública, até para que possamos, a partir de agora, buscar elementos para melhorar o sistema legal em relação às mulheres presidiárias.
Com muita honra, vou ser presidida por V. Exª nesta Comissão.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Agradeço muito, Senadora Simone, pela deferência e por V. Exª permitir que eu abra esta reunião. Poderemos fazer uma direção coletiva hoje. Acredito que é um tema, como disse V. Exª, fundamental e importante, mesmo porque os índices de crescimento da população feminina encarcerada no Brasil têm sido alarmantes para o mundo inteiro. E é exatamente esse aspecto que vamos discutir.
Então, convido para tomar assento à mesa a Srª Thandara Santos, assessora do Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça.
De acordo com o art. 99, §§2º e 3º, do Regimento Interno do Senado Federal, combinado com o art. 256 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Presidência adotará as seguintes normas: a convidada fará sua exposição, conforme acerto, em 20 minutos e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Srªs e Srs. Parlamentares. A palavra aos Parlamentares e às Parlamentares será concedida na ordem da inscrição.
Portanto, agora, concedo a palavra à Srª Thandara Santos para sua exposição.
O SR. THANDARA SANTOS - Obrigada. Primeiro, boa tarde. Gostaria de agradecer à Comissão pelo convite em nome do Dr. Renato de Vito, Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional. Estou aqui para apresentar um compilado das principais informações que foram publicadas, em novembro do ano passado, no Infopen Mulheres. Foi o primeiro relatório do Infopen Mulheres, que publicamos em novembro do ano passado.
Não sei se dá para ver direito ali.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Nós poderíamos apagar só esta luz aqui da mesa? Porque acho que melhora a visibilidade.
O SR. THANDARA SANTOS - Então, só para dar uma contextualização sobre o que é o Infopen, o Infopen é esse sistema on-line de coleta de dados sobre as informações prisionais. Nós criamos esse formulário on-line, que é repassado a todos os diretores de unidades prisionais em todo o País, que preenchem para nós dados...
(Interrupção do som.)
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O SR. THANDARA SANTOS - ...daquela unidade prisional.
Então, existem limites para os dados que a gente consegue trabalhar hoje e para os dados que a gente consegue obter hoje a partir do Infopen, porque só temos uma realidade agregada para a unidade prisional.
O Departamento Penitenciário Nacional está desenvolvendo um novo sistema que virá para substituir o Infopen e que vai conseguir nos dar um formulário on-line digital de cada custodiado. Então, vamos ter informações em que o custodiado vai ser a unidade mínima da informação. Isso vai ser um avanço muito significativo nas informações que temos hoje disponíveis sobre o sistema prisional.
Os dados que eu estou apresentando aqui são referentes ao último levantamento publicado, que é o de junho de 2014; eles se referem aos dados de junho de 2014. Nesse levantamento, conseguimos acessar dados de 1.424 unidades prisionais em todo o País. O Estado de São Paulo não participou completamente do levantamento. Isso até foi tema de um parecer dentro do STF, uma manifestação do STF sobre a não participação do Estado de São Paulo nesse levantamento. Então, temos uma defasagem dos dados bem importante por conta dessa ausência de São Paulo.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Por que São Paulo não participou?
O SR. THANDARA SANTOS - Eles não participaram do levantamento. As unidades não acessaram o sistema e não responderam nos prazos determinados. O STF se manifestou e, agora, no novo levantamento que vamos publicar ainda este ano, provavelmente até o mês que vem, e que é referente a dezembro de 2014, São Paulo participou. Então, a partir dessa provocação do STF, São Paulo passa a participar pela primeira vez completamente do levantamento.
Só para dar um panorama geral, em junho de 2014, nós tínhamos 607.731 pessoas presas no sistema prisional e nas carceragens de delegacias que são administradas pelas Secretarias de Segurança Pública. No sistema penitenciário, tínhamos 579 mil pessoas; nas carceragens, outras 27.950 pessoas. Tínhamos 376 mil vagas. Então, isso representa um déficit de 231 mil vagas. Há uma taxa de ocupação de 161% e uma taxa de aprisionamento por 100 mil habitantes que chega a quase 300 para cada 100 mil habitantes, que é um número bastante alarmante.
Em números absolutos, o Brasil tem a quarta maior população prisional do mundo, ficando atrás dos Estados Unidos, da China e da Rússia.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Para quantos mil habitantes?
O SR. THANDARA SANTOS - Trezentos a cada 100 mil habitantes.
Pode passar.
Só para olharmos os principais países com as maiores populações do mundo, que são Estados Unidos, China, Rússia e Brasil, dentre esses quatro países, o Brasil é o único que apresenta uma tendência de crescimento na sua taxa de aprisionamento entre 2008 e 2014.
Então, os países que historicamente apostaram numa política de encarceramento em massa começam a rever essas políticas e começam a ter políticas alternativas que promovem um desencarceramento nesse período. O Brasil é o único País que ainda continua acelerando esse processo de encarceramento em massa, com um aumento relativo de 33% na taxa de aprisionamento entre 2008 e 2014. Seguindo essa tendência, podemos projetar que o Brasil pode ultrapassar em números absolutos a população prisional da Rússia até 2018.
Agora vamos olhar especificamente para os dados relativos à população prisional feminina. Então, num panorama mundial, esses são os dados do World Female Imprisonment List, que é um grande compilado sobre as informações do sistema prisional produzido pelo ICPR, que é o Institute for Criminal Policy Research. Então, em relação à população prisional feminina, o Brasil tem a quinta maior população de mulheres, diferente do cômputo geral da população. E a Tailândia passa na nossa frente em relação à população feminina. Portanto, ficamos atrás dos Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia.
Entre os anos de 2000 e 2014, o número de mulheres presas aumentou 50% no mundo todo, passando de 466 mil mulheres para o patamar mais recente, de 2014, que era de 700 mil mulheres presas em todo o mundo. A população de homens encarcerados aumentou 20% nesse mesmo período.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Período de...?
O SR. THANDARA SANTOS - No período de 2000 a 2014.
Olhando especificamente para essa evolução no Brasil, no período de 2000 a 2014, temos que a população absoluta de mulheres encarceradas cresceu 567%, chegando ao patamar, em junho de 2014, de 37.380 mulheres. Já a população de homens encarcerados no Brasil cresce 220% nesse mesmo período.
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Assim conseguimos ver que temos, em 2004, um aumento significativo, que pode ser uma inconsistência do dado, pode ser uma inconsistência da informação por ser um dado que destoa muito da série histórica, mas conseguimos ver uma evolução bastante linear, com uma curva mais acentuada a partir de 2006 também, que é o momento da Lei de Drogas, que tem um impacto muito significativo nessa população.
Aí vemos a evolução da taxa de aprisionamento por 100 mil habitantes, também entre 2000 e 2014. Se o ritmo geral da população prisional é de um crescimento acelerado, que se contrapõe às tendências até mais recentes dos países que historicamente encarceraram muitas pessoas, quando a gente olha especificamente para a evolução da população de mulheres no sistema prisional, esse movimento ainda é mais profundo e ainda mais nítido. Enquanto a taxa de aprisionamento aumentou 119% no cômputo geral da população entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou 460% no mesmo período, saltando de 6,5 mulheres presas para cada 100 mil mulheres, em 2000, para 36,4 presas a cada 100 mil mulheres em 2014.
É importante apontar que as publicações internacionais fazem o cálculo da taxa de aprisionamento de mulheres em relação ao total da população. Fazem isso para poder ter um padrão porque não dá para ter dados muito confiáveis sobre a população dividida por gênero para todos os países.
Na publicação do Infopen Mulheres, a gente calcula a taxa de aprisionamento em relação às mulheres. Então, a gente está falando de tantas mulheres presas a cada 100 mil mulheres e não para cada 100 mil pessoas no Brasil. A gente consegue fazer essa divisão porque há dados confiáveis sobre a população no Brasil.
Aí gente vai abordar os dados mais específicos sobre as unidades prisionais através do Infopen. Esse gráfico mostra a destinação dos estabelecimentos prisionais por gênero. Então, dos 1.424 estabelecimentos que nos ofereceram registros nesse levantamento de junho de 2014, 75%, aquela parte mais escura, são estabelecimentos masculinos; 17% são mistos, e apenas 7% são estabelecimentos femininos. É um dado muito importante porque isso quer dizer que a maior parte das mulheres encontra-se encarcerada em unidades que não foram projetadas para custodiar mulheres. Isso quer dizer que essas unidades não têm infraestrutura necessária para atender as especificidades do aleitamento, da maternidade dentro do cárcere, por exemplo. Então, essa questão da estrutura já é um grande desafio a ser enfrentado na questão das mulheres encarceradas.
Aqui, a gente está olhando para os tipos de estabelecimento conforme a destinação originária. Então, os estabelecimentos, quando são construídos, têm uma destinação em relação ao tipo de regime que vão receber. Do lado de cá, são as unidades masculinas e, do lado de lá, as unidades femininas. Esse gráfico demonstra a distribuição da destinação originária dos estabelecimentos. No caso dos estabelecimentos femininos, a disponibilidade de unidades voltadas à prisão processual, que é a custódia de presos provisórios, é significativamente mais baixa - retratada na parte mais escura do gráfico. Enquanto 52% das unidades masculinas são destinadas ao recolhimento de presos provisórios, apenas 27% das unidades femininas têm a finalidade de custodiar mulheres presas provisoriamente.
Aqui vocês não vão conseguir olhar os dados porque está muito pequeno, mas a apresentação estará disponível depois. Trata-se do déficit de vagas para mulheres por unidade da Federação em relação ao levantamento de junho de 2014. Como falei antes, em junho há uma população total de mulheres de 378.380 mulheres e as vagas que são destinadas às mulheres no sistema prisional somam 27.815. Então, há um déficit agregado no Brasil, em junho de 2014, de 9.565 vagas só para mulheres e uma taxa de ocupação relativa das mulheres de 134%, que é uma taxa um pouco inferior à taxa total da população, mas é ainda uma taxa ainda bastante expressiva da situação de violação de direitos básicos dentro desse ambiente.
Aqui há um dado bastante importante quando a gente está falando da população prisional feminina: a questão das mulheres gestantes dentro do cárcere. Isso mostra a existência de cela ou dormitório adequado para as mulheres gestantes dentro das unidades prisionais. A gente divide entre unidades femininas e unidades mistas. Mais da metade dos estabelecimentos femininos dispõe de cela ou dormitório adequado para as gestantes. Isso representa 34%, que é essa parte mais escura do gráfico à esquerda. Nos estabelecimentos mistos, apenas 6% das unidades dispõem de espaço específico para a custódia de gestantes.
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Então, a gente vê que os estabelecimentos que são efetivamente pensados e projetados para custodiar mulheres têm uma lógica mais voltada às especificidades da maternidade e do aleitamento dentro do cárcere, mas o que a gente tem que lembrar é aquele gráfico anterior, porque essa não é a realidade da maior parte dos estabelecimentos; 75% dos estabelecimentos são masculinos. A maior parte das mulheres não estão nesses estabelecimentos femininos, que têm esse tipo de estrutura.
Um dado importante que a gente não publicou no relatório de junho, porque a gente identificou que existe uma inconsistência muito importante no dado e achou melhor validar esse dado mais a fundo com os diretores das unidades antes de publicar, é o número total de mulheres gestantes no sistema prisional. A gente fez o levantamento em junho e a soma geral de gestantes em todo o sistema prisional era de 350 mulheres. A gente achou que esse dado era bastante pequeno, inclusive, não havia a informação de São Paulo, que corresponde a um terço da população prisional do País. Então, a gente optou por não publicar esse dado no levantamento de junho. No novo levantamento, referente a dezembro de 2014, a gente novamente fez a mesma pergunta aos diretores e a gente teve um número que se aproxima um pouco mais da realidade que a gente imagina. São 535 gestantes em dezembro de 2014. Por que a gente acha que esse número é mais fidedigno? Agora em fevereiro nós tivemos uma ação, coordenada pelo Departamento Penitenciário Nacional, para doação de repelentes às gestantes dentro do sistema prisional, numa ação coordenada do enfrentamento ao zika vírus. No momento da articulação dessa ação, fizemos uma demanda específica de dados a todos os gestores de saúde prisional nos Estados - são as pessoas que estão na ponta atendendo os estabelecimentos penais - sobre o número de gestantes no sistema prisional. Em fevereiro de 2015, tivemos a informação de 570 gestantes no sistema prisional. Então, esse dado de dezembro nos parece mais próximo da realidade e vai ser publicado no próximo relatório, ainda com algumas ressalvas sobre a dificuldade de acesso a essa informação, mas já apontando para essa validação dos gestores da saúde prisional.
Aqui a gente está vendo a existência de berçário e/ou centro de referência materno-infantil, uma estrutura dentro dos estabelecimentos prisionais pensada para atender as especificidades das mulheres que têm filhos dentro do sistema. Os berçários e centros de referência materno-infantil são estruturas pensadas para receber crianças de até dois anos. Então, 32% das unidades femininas dispunham do espaço em junho de 2014, enquanto apenas 3% das unidades mistas tinham esse espaço. De novo, a gente percebe essa dificuldade de acesso a essas estruturas mínimas dentro das unidades mistas e masculinas, principalmente.
A mesma realidade se repete em relação à existência de creche. Apenas 5% das unidades femininas dispunham de creche. Não foi registrada nenhuma creche instalada em unidade mista do sistema prisional. Novamente a gente percebe essa dificuldade das mulheres de conseguir ter acesso a esses espaços. As creches contemplam as crianças acima de dois anos dentro do sistema.
Aqui a gente está olhando para a população prisional feminina distribuída de acordo com o regime de cumprimento de pena. Em junho de 2014, a gente tinha 11.260 novas mulheres custodiadas no sistema prisional, sem terem sido condenadas, sem terem uma condenação com trânsito em julgado, o que equivale a três em cada dez mulheres presas. Essa participação, ainda que elevada, é sensivelmente menor do que a taxa nacional de pessoas privadas de liberdade sem condenação, que são os provisórios. Em relação à população geral, essa marca é de 41%, enquanto, em relação às mulheres, a gente tem 30%, uma marca sensivelmente menor, ainda que expressiva, o que revela a dificuldade de acesso à Justiça também.
Aqui é o panorama geral do perfil sociodemográfico das mulheres encarceradas. No gráfico da esquerda, a gente tem a distribuição das mulheres no sistema por faixa etária: 50% das mulheres encarceradas têm entre 18 e 29 anos. Se a gente comparar isso com a distribuição total da população brasileira, os jovens representam apenas 21% da população do País, e as mulheres jovens são 50% da população prisional.
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Em relação à raça, cor ou etnia, a gente pode destacar a proporção de mulheres negras presas, que chega a 68%. Duas em cada três mulheres presas são negras. Na população brasileira em geral, a proporção de negros chega a 51%.
Ainda em relação ao perfil sociodemográfico, 57% das mulheres encarceradas é solteira, o que também tem a ver com a preponderância de uma faixa etária jovem.
Em relação ao grau de escolaridade, é baixo no total da população prisional, como é de se esperar. Enquanto na população brasileira cerca de 32% das pessoas completaram o ensino médio, em relação à população prisional apenas 8% da população concluíram o ensino médio. Se a gente for comparar o grau de escolaridade dos homens e mulheres encarcerados, assim como na população em geral, as mulheres também têm condição um pouco melhor do que os homens encarcerados, ainda que persistam os baixíssimos índices gerais de escolaridade. Então, 50% das mulheres encarceradas não concluíram nem o ensino fundamental, contra 53% dos homens que não concluíram o ensino fundamental. As mulheres analfabetas representam 4% das mulheres e 11% concluíram o ensino médio.
Aqui é um gráfico sobre a população estrangeira no sistema prisional. Em junho de 2014, nós tínhamos 2.778 estrangeiros no sistema prisional. Os países mais representados nessa população estrangeira encarcerada são Bolívia, Paraguai, África do Sul, Peru e Angola. No caso dos países da América, temos a facilidade das fronteiras, o que faz com que essas populações cheguem mais facilmente ao Brasil: 53% das mulheres estrangeiras no sistema prisional vieram da América, 27% da África e apenas 13% da Europa. No caso das mulheres estrangeiras, temos ainda outra especificidade maior, muito abordada pelas pesquisadoras desse campo, que é a questão da dificuldade de acesso a visitas. Se, no geral da população prisional feminina, a gente já tem essa dificuldade de acesso a visitas, a gente já tem uma taxa de cadastramento de visitantes muito menor do que da população masculina, em relação às estrangeiras, isso é ainda mais contundente. Além disso, a gente ainda tem a dificuldade de acesso, e de entendimento, ao próprio processo judicial pelo qual a mulher encarcerada responde.
Aqui é um dos gráficos mais importantes que a gente publicou nesse levantamento, que mostra a população prisional feminina de acordo com o tipo penal. Essas figuras consolidam os registros informados de todas as ações penais pelas quais respondem as pessoas privadas de liberdade em todo o Brasil. Em relação à população total prisional, quatro em cada dez registros correspondem a crimes contra o patrimônio. O tráfico de drogas, por sua vez, é o crime com maior incidência, respondendo por 27% do total de crimes informados. Os homicídios correspondem a 14% dos registros. Quando a gente analisa essa distribuição dos tipos penais de acordo com o gênero, a gente percebe que existe um padrão muito diferente de criminalidade. Enquanto 23% dos crimes pelos quais os homens respondem estão relacionados ao tráfico, que é aquela parte mais escura no gráfico da direita, no caso das mulheres, essa proporção chega a 58%, que é essa parte mais escura do lado de cá. Por outro lado, o número de crimes de roubos registrados por homens é três vezes maior do que para as mulheres. Então, a gente tem uma preponderância dos crimes de roubo, no caso dos homens, e uma preponderância clara dos crimes ligados ao tráfico no caso das mulheres.
Várias pesquisadoras e diversos especialistas já escreveram sobre essa preponderância das mulheres nos crimes de tráfico. Isso tem a ver com a questão da economia familiar da droga. Ter uma inserção no tráfico, no mundo do crime, permite que a mulher continue no ambiente familiar, no ambiente doméstico, não esteja fora de casa no ambiente do crime. Isso tem muito a ver também com a forma como as mulheres se inserem no âmbito da criminalidade.
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Em relação ao tempo total das penas pelas quais as mulheres estão condenadas, nesse caso, temos um total de informação muito abaixo do esperado no sistema prisional. Nem todas as unidades prisionais e os gestores das unidades prisionais têm acesso aos processos pelos quais as pessoas respondem. Então, nem sempre eles sabem nos repassar essa informação sobre o tempo total da pena a que a pessoa está condenada. Nós temos 28% das unidades prisionais que declararam não ter informações sobre o tempo total da pena. Como eu falei, nesse novo sistema que o Depen está desenvolvendo, o Sisdepen, é o nome do novo sistema, vamos ter um acompanhamento da execução penal que vai nos oferecer informações muito mais consistentes e fidedignas sobre essa realidade do tempo total da pena que as mulheres cumprem, por exemplo. Se analisarmos somente as mulheres privadas de liberdade, nós temos uma concentração de sentenças de até oito anos, 63% das mulheres condenadas têm penas de até oito anos, contra 51% dos homens. Então, as mulheres estão concentradas nas penas de menor duração em relação aos homens.
Aqui é a distribuição das mulheres dentro do sistema prisional de acordo com o acesso às políticas de trabalho. Segundo a Lei de Execução Penal, o trabalho da pessoa privada de liberdade tem finalidade educativa e produtiva. Em junho de 2014, existiam 55.813 pessoas trabalhando no sistema penitenciário, o que equivale, no total, a 15,3% da população total com dados disponíveis. Se nós formos analisar a realidade específica das mulheres, é possível afirmar que as mulheres têm maior acesso às atividades laborais. Existiam, em junho de 2014, 6.766 mulheres em atividades laborais, o que representa 30% da população total de mulheres. No caso dos homens, esse total é de 14%. É importante notar que, ainda que as mulheres estejam muito representadas na informação sobre acesso à política de trabalho, 62% das mulheres que estão trabalhando no sistema prisional ou estão em vagas internas ao sistema - ou seja, em vagas ligadas à administração da própria unidade prisional, pode ser de limpeza, pode ser de auxílio na distribuição de comida, enfim, diversas atividades dentro da administração da unidade -, ou estão em vagas externas, mas que foram obtidas por meios próprios, não foram obtidas através de parcerias do sistema prisional ou da administração prisional com empresas privadas ou com ONGs. Então, isso mostra que não existe uma política estruturada de promoção do trabalho da população prisional feminina.
Em relação ao acesso às políticas de educação dentro do sistema prisional, existiam 5.703 mulheres em atividades educacionais formais e complementares dentro do sistema, o que representa 25% da população total de mulheres. Se considerarmos somente as atividades de ensino formal, temos 21% das mulheres estudando e só 11% dos homens estudando. Aqui é... Na apresentação, vocês vão conseguir ver melhor depois. O acesso às políticas de educação reflete bem também a realidade do perfil sociodemográfico das mulheres em relação à escolaridade. Então, vemos que a maior parte das mulheres estão envolvidas em atividades de ensino fundamental dentro do sistema prisional, o que corresponde à grande lacuna de escolaridade das mulheres informada no perfil sociodemográfico.
Aqui nós fizemos o levantamento sobre a população prisional em relação aos agravos transmissíveis que essas pessoas têm e estão notificados nos seus prontuários dentro do sistema. Isso segue a lista do Ministério da Saúde para notificação compulsória de doenças e agravos, que são as doenças que devem ser incluídas no Sinan. Segundo o levantamento do Infopen de junho, existiam 2.864 pessoas portadoras de HIV no sistema prisional. Esse total representa só 1,21% do total de presos nas unidades, mas temos uma taxa de incidência, que é de 1.215,5 para cada 100 mil pessoas presas. Essa taxa de 1.215,5 para cada 100 mil pessoas presas é uma taxa 60 vezes maior do que a população total brasileira. Segundo os dados do Datasus, a taxa da população total brasileira era de 20 para cada 100 mil pessoas. No caso do sistema prisional é de mais de mil. A taxa de pessoas com tuberculose é de 940 a cada 100 mil pessoas; e, na população total, ela é de 24,4 para cada 100 mil pessoas. Então, temos aí também uma frequência 38 vezes maior dentro do sistema prisional, o que mostra que essa população está muito mais vulnerável a esse tipo de doença, a doenças que já foram quase erradicadas, como, no caso, a tuberculose. Doenças que já foram quase erradicadas na população total ainda são muito presentes no sistema prisional.
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Se olharmos especificamente as condições das mulheres encarceradas, veremos que havia 1.204 mulheres com diferentes agravos transmissíveis dentro do sistema prisional, o que equivale a 5% da população prisional feminina. Entre as mulheres com agravos transmissíveis - esta informação está no gráfico -, quase 47% são portadoras de HIV, e 35% são portadoras de sífilis. Então, no caso das mulheres, há a preponderância de doenças que estão ligadas à prática sexual, que são doenças sexualmente transmissíveis, o que pode ser decorrente de violência sexual, o que, provavelmente, está ligado a um contexto prévio ou até dentro do cárcere de violência sexual. No caso dos homens, a incidência de HIV é consideravelmente menor, está em 28% dos homens presos que têm agravos transmissíveis. Em contrapartida, no caso dos homens, há uma maior concentração de tuberculose. Então, no caso das mulheres, há HIV e sífilis; no caso dos homens, há maior incidência de tuberculose.
Deixei meu contato e o link para o acesso ao relatório completo. Ele está na página do Ministério da Justiça.
Acho que, enfim, só valeria marcar que esse levantamento foi publicado pela primeira vez em novembro do ano passado, pelo Departamento Penitenciário Nacional e se alinha à nossa Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, uma política que foi lançada no início de 2014. Uma das primeiras metas dessa política era justamente fazer um levantamento estruturado sobre a realidade das mulheres encarceradas e um banco de dados tanto nacional como estadual consolidado sobre a realidade das mulheres. Nós já conseguimos estruturar esse banco de dados nacional e estamos ainda nos esforços de pactuação com os Estados, para que os Estados tenham também uma gestão da informação mais qualificada em relação às mulheres encarceradas e em relação à população prisional como um todo.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Nós gostaríamos de agradecer à Srª Thandara, que fez uma bela exposição. Foi uma exposição sintética, mas bem completa a respeito desse relatório que foi divulgado no ano passado.
Apenas quero dizer para as nossas Deputadas que aqui chegaram depois de iniciada a apresentação que esses dados todos não contemplam os dados relativos ao Estado de São Paulo, o que, infelizmente, prejudica bastante, por se tratar do Estado mais populoso do nosso País. No próximo relatório que deverá ser divulgado já constarão os dados do Estado, por conta de uma decisão ou até de uma provocação do Supremo Tribunal Federal.
Então, passamos, imediatamente, a palavra à Deputada Carmen Zanotto, que foi quem pediu primeiramente a inscrição.
A nossa Presidente Simone quer fazer um monte de perguntas e, por isso, está sentada ali.
A SRª CARMEN ZANOTTO (PPS - SC) - Obrigada.
Quero saudar a nossa Senadora Vanessa, que está presidindo esta audiência na tarde de hoje e que é a Procuradora Especial da Mulher no Senado; a nossa colega Keiko Ota, nossa Vice-Presidente desta Comissão; a minha Presidente, Senadora Simone.
Quero pedir desculpas pelo atraso, mas eu estava no plenário da Câmara. Eu não poderia me furtar a estar aqui, Deputada Christiane, porque participei da CPI do sistema carcerário e fiquei responsável pela questão da população feminina e do sistema de saúde do sistema carcerário.
É claro que, quando observamos a população feminina - vou trabalhar um pouquinho com os dados que a gente tinha na CPI -, vemos que ela correspondia a 7% e que esse índice deve ser batido, de acordo com os dados que foram atualizados agora. Mas, se olharmos a forma como essas mulheres estão, se olharmos os dados das patologias e dos agravos, em especial as hepatites, as DSTs, Aids, veremos que isso é fruto da forma com que elas convivem dentro do cárcere. Não há como não se comprometer outra detenta quando há um ambiente insalubre. Quanto ao ambiente País afora, eu poderia dizer que isso depende muito de cada Estado. Mas a gente viu alguns espaços em que essas mulheres estão cerceadas da liberdade e que, efetivamente, não são espaços de recuperação; muito pelo contrário, são espaços de multiplicação da violência até mesmo pelo conjunto de doenças que lá acontecem.
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Eu não posso aqui me furtar de relatar algumas situações emblemáticas, não só para as mulheres que estão cerceadas da liberdade, mas para as mulheres que estão com seus familiares, em especial, os seus companheiros, cerceados da liberdade. Nós vimos, País afora, as visitas íntimas no coletivo. Gente do céu! Repito: visitas íntimas, os atos sexuais sendo praticados no coletivo. De dez a doze detentas dentro de uma cela, uma, duas ou três recebem visitas, e as demais ficam ali presenciando. "Ah, tem um lençol que é estendido." Sim, há um lençol que é estendido, mas, por favor, dentro do mesmo espaço? O que nós estamos multiplicando dentro dos presídios brasileiros? E, quando elas vão visitar os companheiros, a situação é a mesma. E é mais grave: as crianças que estão acompanhando ficam junto.
Então, nós temos um conjunto e uma situação que nós precisamos analisar - e esta Comissão tem esse papel. Precisamos nos debruçar em cima desses relatórios, e, por isso, todos os relatórios são fundamentais para que nós possamos buscar a mudança da realidade.
Por outro lado, nós vimos coisa boa. Nós vimos mulheres estudando. Quero destacar aqui os presídios de Santa Catarina, que já têm mais de 60% da população carcerária trabalhando. Eu não encontrei nenhum detento, nem homem, nem mulher, que não dissesse que a melhor coisa que eles estão fazendo é, sim, profissionalizar-se dentro dos presídios. E existem também convênios com as empresas, em que os detentos saem de manhã, vão trabalhar nas empresas e retornam no final da tarde para cumprir a sua pena. O que eles relatam? A sua independência financeira. Relatam que, quando eles saírem de lá, vão sair com dignidade, porque eles aprenderam um ofício.
Então, nós temos coisas boas em alguns Estados, em alguns presídios, mas nós temos também uma coisa que me preocupa muito, que é a falta de material de higiene. A higiene de uma mulher é muito diferente da higiene de um homem. Nós temos o ciclo menstrual a cada 30 dias. Elas não têm absorvente! Não é raro eles usarem miolo de pão forrado com papel higiênico, para servir de absorvente. Como enfrentar isso?
Como enfrentar o problema das nossas detentas gestantes? Por exemplo, no Pará, não dá para nós falarmos dos presídios masculinos, porque não se consegue entrar - na nossa visita, nós não conseguimos entrar; nós visitamos o presídio pela muralha, porque a parte interna do presídio estava totalmente destruída; os detentos estavam soltos lá dentro. Mas, quando nós chegamos na parte feminina, indo, em especial, às gestantes, o que o Governo do Estado fez? Retirou as gestantes de dentro daquela estrutura comum das demais detentas, alocou numa casa muito semelhante a uma boa creche, onde a mãe fica no final de sua gestação e ali permanece o máximo de tempo possível com o seu recém-nascido. Então, o vínculo mãe e filho é fortalecido.
Eu inclusive apresentei algumas iniciativas na Comissão - pois nós estamos agora com uma assessoria -, encaminhando o que se transformou em projeto de lei, o que não se transformou ainda em projeto de lei, para podermos avançar. Então, nós temos de pegar, inclusive nos Estados brasileiros que têm a maior deficiência, e também pontuar. Foi por isso que eu destaquei o Estado do Pará na questão do presídio feminino e dos espaços para as gestantes. Essa mulher vai sair do presídio algum dia, e o vínculo que ela cria com seu filho é fundamental. Então, nós precisamos enfrentar algumas situações.
Quanto à revista íntima, cujo projeto nós conseguimos aprovar na semana passada - se não estou enganada, projeto de lei da Deputada Alice Portugal -, em alguns casos, ela precisa acontecer. Mas precisa acontecer com escâner, e não na forma de hoje, que é o agachamento em cima de um espelho, com a mulher totalmente sem roupa. As meninas que vão visitar seus familiares ficam totalmente sem roupa. Quer dizer, já é uma dupla exposição, porque elas já são vítimas de um processo. Eu poderia ousar dizer que são duplamente penalizadas. São penalizadas porque seus companheiros ou seus familiares estão presos e porque elas têm de passar por aquele constrangimento.
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Quando ouvimos os profissionais que trabalham na área, também precisamos compreender o outro lado, Deputada Keiko. Como é que se vai cercear a entrada de drogas, como é que se vai cercear a entrada no presídio de instrumentos como celulares, baterias, chips para celulares, instrumentos cortantes, se não se faz a vistoria?
Eu queria aqui dizer que, quando a gente se debruça no interior do presídio, a gente se debruça em cima de outra realidade, uma realidade muito cruel, mas uma realidade que nós precisamos enfrentar, porque eles e elas entendem, em especial, que precisam cumprir a pena. Mas se cumpre a pena em que condições? Quando a gente ouve a sociedade aqui fora, não é raro a gente ouvir que cometeram um crime e que têm de pagar por ele. Eles não estão dizendo que não precisam pagar. Eles estão dizendo das condições em que eles estão pagando pelo crime cometido e de como eles vão sair dali.
Nós somos desta Comissão, que, como eu ousaria dizer, é uma das mais importantes das duas Casas. É mais importante por quê? Porque estamos falando da violência, estamos falando do cumprimento da pena e da forma como essa pena está se dando.
Então, Senadora Vanessa, Deputada Keiko, nossa Presidente Simone, eu gostaria de propor que, algum dia, parte deste Colegiado visitasse um presídio. Confesso que é muito diferente do que ouvir os dados, confesso que a gente vai compreender um pouco melhor essas questões da saúde. Por quê? Existe uma política nacional das estruturas de saúde dentro do sistema prisional, mas a grande maioria dessas estruturas não está credenciada ainda. Elas não estão credenciadas por quê? Porque é o Ministério da Justiça com o Ministério da Saúde, e aí vem uma questão muito sensível, que é a questão do financiamento da saúde. Então, a falta de recursos faz com que as unidades de saúde - existem dentro dessas estruturas o enfermeiro, o farmacêutico, o cirurgião-dentista, o médico - não estejam credenciadas. E os Estados não estão dando conta disso. Pelo fato de eles não darem conta, não há estrutura de saúde na grande maioria dos presídios brasileiros. Aí as doenças vão se ampliando. O custo disso é muito violento para a sociedade, porque é muito mais difícil se recuperar depois de pegar uma doença como hepatite ou como HIV, porque aí é preciso um tratamento de longo prazo.
Aqui, quero fazer um apelo às nossas Senadoras. Nesta semana, deveremos votar a PEC 01, da Saúde. Foi minha experiência na Comissão Parlamentar do Sistema Carcerário Brasileiro que me permitiu colocar que nossas emendas parlamentares pudessem ser designadas - aquela cota de 50% que é obrigada a ir para a saúde - para a saúde do sistema prisional. Se a gente não tem recursos de outra fonte, que eles venham das nossas emendas parlamentares. Que a gente consiga olhar para os presídios assim como a gente olha para as unidades hospitalares prestadoras de serviço, porque lá há uma população que precisa, sim, do nosso olhar, da nossa atenção, e que precisa do rigor da lei para o cumprimento das penas. Eu não tenho a menor dúvida disto: se cometeu um crime, responda pelo crime cometido e cumpra a sua pena, mas tenha condições de sair para a sociedade de cabeça erguida após o cumprimento da pena.
Quero parabenizá-los pelo relatório.
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Sei que não é uma pasta fácil e que não é simples resolvermos todos os problemas, em especial a violência interna. A violência acontece, inclusive, na divisão dos alimentos. Não é raro elas contarem para a gente que, quando recebem, no domingo ou nos dias de visita, uma cuca, um pão diferente, na divisão com as demais detentas, muitas vezes, acabam brigando por aquele alimento que receberam, diferenciado, de casa, em função das condições em que vivem.
Então, parabéns pelo relatório.
Mas eu queria fazer este pedido: que a gente tivesse mecanismos mais rápidos para liberar os recursos do fundo penitenciário para a melhoria dessas estruturas. E lamentar que ainda algumas pessoas imaginem, alguns governantes, que os detentos vão viver num espaço que não seja o seu território. O que verificamos? A dificuldade da construção de novos presídios nos Municípios, nos Territórios. Se fosse uma unidade hospitalar, se fosse uma escola, todo mundo iria querer, agora, quando se fala em construir no Município mais um presídio, ou um presídio, ninguém quer. Quantas ações judiciais temos País afora nesta disputa para não ser no meu território? Aí fica correndo de um Município para o outro, e o que acontece? O recurso fica parado, e a superpopulação carcerária vivendo dentro de condições que não são humanas, gente, não são condições humanas, repito. Esgoto a céu aberto, ratos correndo e celas que não são celas.
Então, reconhecemos a importância do relatório. Vou me debruçar sobre todos os detalhes para ver o que mudou e o que há de diferente no nosso relatório da CPI do Sistema Carcerário, e dizer que nós, Parlamentares mulheres, temos, inclusive, este desafio de olhar para esse conjunto de mulheres que estão cumprindo pena e são duplamente vitimizadas em função das condições, neste caso, dos presídios femininos e dos espaços nos presídios mistos, onde estão alocadas.
Obrigada, Senadora Vanessa, Deputada Keiko e colegas Parlamentares.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Agradeço a participação da Deputada Carmen Zanotto.
Antes de passar a palavra à Senadora Simone Tebet - acho que podemos fazer um bloco das perguntas todas, ela já está anotando e, no final, responde -, eu gostaria de repassar a V. Sª uma pergunta que recebemos através do e-Cidadania. Em sua participação, Monesi Soares, aqui, do Distrito Federal, pergunta por que as mulheres não possuem visita íntima. Ela afirma isso e pergunta por que não possuem. A Deputada Carmen Zanotto já fez um questionamento que vai no mesmo sentido, enfim, fica aí.
Senadora Simone.
A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Obrigada, Senadora Vanessa, Presidente desta Audiência Pública. Mais uma vez, parabenizo V. Exª pela ideia desta proposição e agradeço a nossa expositora, Thandara, aqui representando o Departamento Penitenciário Nacional.
Vou ser breve. A Deputada Carmen Zanotto foi tão feliz nas suas considerações que já vou passar o preâmbulo, tudo aquilo que penso a respeito do assunto, porque, na maioria das vezes, concordo com o que foi colocado, no mérito, pela Deputada. E já passo para algumas questões um pouco mais práticas.
Faltou talvez aqui, não sei se foi feito esse levantamento, acho que isso é importante e quero propor para a Comissão, em nome da Comissão, e, aí, teríamos que votar na próxima audiência este assunto... Sou advogada, a minha área é Direito público, e tive a felicidade de administrar a minha cidade por duas vezes, depois, fui Vice-Governadora, quando atuei muito ao lado do Secretário de Segurança Pública. Quando fui Prefeita, estava terminando a construção, em seguida, houve a inauguração de um sistema penitenciário masculino de segurança máxima no meu Município. O presídio anterior, masculino, já bem centralizado e pequeno, não atendia realmente às necessidades do sistema carcerário masculino, ficou desativado e foi uma luta para que não o transformássemos em semiaberto, mas, sim, que pudéssemos ter lá o sistema penitenciário feminino. E tenho a grata satisfação de dizer que tive a felicidade de conseguir com o ex-Governador à época uma reforma desse presídio, que, hoje, é um sistema carcerário feminino.
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Portanto, tive essa oportunidade, como a Deputada Zanotto sugeriu a todas nós, de passar por essa experiência. Vi o que é inaugurar um sistema novo, em uma cidade relativamente pequena, hoje de 120 mil habitantes, com um número mais reduzido de mulheres. E também tive, como Vice-Governadora, condições de adentrar um sistema penitenciário de uma capital, onde a situação é totalmente adversa, talvez não como o sistema penitenciário de São Paulo ou do Rio de Janeiro, mas de uma cidade de quase 1 milhão de habitantes. E nós começamos a ver todos esses problemas que foram elencados. À medida em que a cidade é maior, que o sistema recebe uma quantidade maior de mulheres apenadas, os problemas se avolumam e se tornam, realmente, de mais difícil solução. Diante de todas essas questões que eu visualizei...
Inclusive, V. Sª tem razão no que se refere a dar, realmente, pelo menos isto: um pouco mais de oportunidade às mulheres no que se refere ao mercado de trabalho, ou seja, a possibilidade de trabalhar para poder ter uma diminuição da pena.
Eu não vi, na apresentação, se há algum dado relacionado aos casos de reincidência, quer dizer, quantos dos homens que vão para o sistema penitenciário retornam ou cometem novamente um crime e quantas mulheres reincidem no mesmo crime ou em outro crime, até para ver efetivamente se a mulher aprende a lição ou não. Entendendo muito bem o que eu quero colocar, eu acho que a mulher apenada é muito mais vítima do que o homem. E eu vou chegar lá. Mas digo isso para ver se ela, por ser mãe, por ser, muitas vezes, arrimo de família, por ser filha, por passar por aquela experiência, fala: "Bom, não vou mais me submeter a isso." Então, eu queria saber, primeiro, se existe alguma coisa em relação à questão da reincidência, porque aí eu vou direto à minha intervenção, Senadora Vanessa.
Escutando atentamente a exposição da Thandara, veio-me aqui que talvez... Eu estou pensando alto, e toda vez que a gente fala sem pensar muito, comete erros, mas eu, às vezes, no afã de querer resolver, sou um pouco afoita. Talvez nós pudéssemos apresentar um requerimento na semana que vem, nesta Comissão e, se for aprovado, em nome da Comissão, um estudo feito por esta Casa para que nós pudéssemos talvez ter duas ou três alternativas. Em nome da Comissão, poderíamos apresentar um projeto de lei temporário, no sentido de se garantir por um determinado momento que se fizesse, dentro do sistema, não só com o auxílio do Executivo, mas também do Judiciário, um verdadeiro mutirão para que nós pudéssemos, com certos critérios muito claros, permitir que, sob certas condições, nós pudéssemos não esvaziar - e não é esse o termo -, mas nós pudéssemos diminuir a população carcerária feminina. Em que sentido? No seguinte sentido. Do pouco que eu conheço de Direito Penal - não é a minha área, a última vez em que eu vi Direito Penal foi na faculdade, no início dos anos 90 -, mas em que sentido?
Eu vi aqui que é de 0,3, digamos assim, o excesso, a superlotação das mulheres dentro dos presídios, de 134%. Nós temos 36 mil mulheres apenadas - 38 mil! Se nós conseguíssemos reduzir em 8 mil, 9 mil, nós provavelmente resolveríamos o problema de superlotação, ou seja, das que ficam, e daríamos oportunidade para as que saem. Quem seriam essas? Fiz aqui alguns itens. Primeiro, o tipo penal. É claro que não seria para quem cometeu um homicídio doloso, mas para as mulas, é o termo que se usa, e a maioria dos casos é: ela não é a chefe do tráfico, ela não é a traficante, ela simplesmente carrega uma trouxinha de cocaína, de crack, a mando do companheiro, do namorado, ela é seduzida, uma vez que nós vimos que 89% delas não têm instrução necessária para, de repente, buscar outros caminhos. Então, pelo tipo penal. Que sejamos muito rigorosos em relação ao tipo penal, desde que sejam primárias, desde que tenham bom comportamento.
Baixa renda. Eu acho que também isso pode ou não ser colocado; talvez sim.
Ver até, se for o caso, as que tenham filhos. E aí, nesse caso, com umas variantes: ter cumprido um sexto da pena, ou um oitavo da pena, uma vez que eu olhei aqui e, pelos dados, as penas, em média, variam de quatro a oito anos, quer dizer, quem cumpriu um ano, quem cumpriu um ano e meio.
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Então, talvez, fazer um estudo aqui no Senado, em nome da Comissão, que não teria autoria de ninguém ou talvez daquelas que quiserem assinar, para que nós pudéssemos ou ter uma lei com esse lapso temporal ou mesmo ir ao Conselho Nacional de Justiça conversar, por exemplo, com a Ministra Cármen Lúcia, com a Ministra Rosa Weber, que são do Judiciário e poderiam estar nos ajudando nessa instrução para ver de que forma nós podemos diminuir a injustiça que muitas vezes acontece dentro da...
Eu não tenho preocupação em ser politicamente correta ou incorreta. Eu, particularmente, tenho até algumas ressalvas em relação a isso ultimamente. Mas nós não podemos realmente esquecer que, quando se fala de sistema penitenciário feminino ou quando se fala de mulheres que cometem crimes, nós somos muito diferentes em relação aos homens, seja em relação à violência, ao tipo penal cometido, à situação social onerosa que causa à sociedade, à família e às crianças. Por isso eu falei que, se tem filhos, o tempo a ser cumprido pode ser menor para o efeito de sair. E ela não vai sair com liberdade, ela não vai ter o perdão da pena. Ela vai sair para cumprir um semiaberto ou uma liberdade condicional para poder trabalhar. Enfim, eu acho que nós causamos muito mais problema social deixando essa mulher dentro do presídio, se ela tiver condições de sair, do que a mantendo lá, além da economia para o Estado, para a sociedade, que paga impostos também e que, às vezes, tem que manter aqueles que cometem crime no sistema carcerário.
Então, são essas colocações. Ou nós faríamos em forma de lei temporária, através de um mutirão, ou por meio do Poder Judiciário, no sentido até de ser um projeto de iniciativa do próprio Poder Judiciário. Enfim, é um estudo.
Eu deixo essa grande questão para ser debatida depois sob o seu comando, Presidente, uma vez que foi de autoria de V. Exª esta audiência pública, mas eu acho que pode sair daqui realmente uma grande contribuição para a sociedade brasileira. De um lado, a sociedade, não aguenta mais pagar tantos impostos e ver esses impostos, muitas vezes, indo inclusive para sustentar um sistema penitenciário falido. Quanto custa um preso ou uma presa dentro da prisão? E do outro lado, nós o faríamos pensando no caráter humano, humanitário, não delas em particular somente, mas da família, dos filhos que lá estão.
Então, são essas as colocações que faço.
Por fim, é só uma pergunta mesmo. Um dado que eu tinha, do Ministério da Justiça, de 2013 - eu estava tão tranquila em relação a esse dado, tão feliz que falei: nós não vamos precisar olhar essa questão sob a ótica de cor nem de raça, e agora vi que não, que vamos precisar - colocava que 54% das mulheres presidiárias identificavam-se como negras ou pardas. Isso em 2013. O dado que V. Sª trouxe, de 2014, é que 68% se consideram negras ou pardas. Esses dados estão certos? O que aconteceu? Porque, senão, nós também vamos ter de ter um olhar especial sob essa ótica de raça e que cor, e nós não queríamos que isso estivesse no cômputo dessa conta.
Então, são essas considerações.
Parabenizo, mais uma vez, pela audiência pública. Eu vou começar, a partir de agora, a pensar nesse assunto. Tomara que tenhamos condições de prosperar em relação a esse projeto, que seja um projeto constitucional, legal e que possa ser feito em nome da Comissão ou, se não for por unanimidade, de todas as que assinarem em nome dela.
Muito obrigada, Srª Presidente.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Eu cumprimento V. Exª.
Eu estou inscrita. Não há mais ninguém inscrito. Será que há algum problema em fazer alguns questionamentos daqui? Creio que não, não é?
Senadora Simone, primeiro, eu quero cumprimentá-la.
O objetivo, Srª Thandara, dessas audiências públicas não é só trazer ao conjunto do Parlamento o conhecimento dos dados acerca de uma determinada questão. O objetivo maior de todas nós é, a partir do conhecimento dos dados, ver como o Parlamento pode se mobilizar para ajudar a resolver o problema.
E aí eu quero, Senadora Simone, devolver a bola a V. Exª, porque, apesar de, na universidade, ter apenas estudado Direito criminal, seria muito importante que V. Exª coordenasse a elaboração desse projeto de lei. Nós delegamos isso para V. Exª, porque é fundamental.
Aqui há um dado que mostra que um terço, quase um terço das mulheres privadas de liberdade estão sem qualquer condenação, sem qualquer condenação. Então, esse é um dos pontos. Acho que uma iniciativa nesse sentido é muito bem-vinda.
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Segundo, faço uma observação muito rápida sobre o que a Deputada Carmen Zanotto levantou, assim como V. Exª. É óbvio que, pelo senso comum, entre aplicar recursos públicos em um presídio, em uma escola ou unidade de saúde, a população quer que o recurso seja aplicado na escola ou na unidade de saúde. É comum ouvirmos pessoas dizerem: "Olha quanto estou pagando! Um presidiário custa mais do que um aluno, por ano, na sala de aula!" Daí dizermos que o sistema prisional brasileiro é falido, porque deveria ser um sistema autossustentável e um sistema lucrativo. Além disso, além de desonerar os cofres públicos, trabalharia muito melhor a capacidade de recuperação daquelas pessoas que cometeram qualquer tipo de ilícito.
Temos uma estrada longa a percorrer, mas não podemos esmorecer, não podemos desanimar. Creio, como todas aqui já falaram, que devemos valorizar muito as iniciativas dentro da população carcerária feminina, porque é muito mais fácil lidar com mulheres do que com homens, inclusive para o trabalho. Acho que isso é muito importante.
Vou, rapidamente, fazer algumas perguntas.
Sobre o crescimento, V. Sª colocou ali um número e acho que precisamos de uma exposição mais detalhada. Por que nesses últimos 14 anos a população carcerária masculina aumentou 220% e a feminina, quase 600%? Qual a explicação? Qual o porquê de isso acontecer? Porque é um número muito disforme, está muito distante o crescimento da população carcerária feminina em relação à masculina.
Segundo: está claro, acho, para quem tem dúvida que as mulheres são as grandes vítimas, porque ninguém comete um crime porque quer ou porque tem má índole, mas porque uma série de circunstâncias levam a isso. Está aqui: mais de 50% das encarceradas estão ali em razão do tráfico de drogas e não é esse o percentual dos homens, é muito mais por homicídio, roubo. E por quê? Porque elas se colocam na condição que a Senadora Simone Tebet colocou, transportam quantidades pequenas, e aquela é uma forma de ganhar de dinheiro, muitas vezes para sustentar suas famílias. Não são elas as chefes do tráfico. Até há, mas é uma minoria, um percentual muito pequeno. E são jovens negras de 18 a 29 anos de idade. Olha a situação que temos no País.
Uma pergunta que faço é sobre o porquê desse crescimento tão significativo das mulheres em relação aos homens e sobre as gestantes que estão nos presídios. A pesquisa chega ao ponto de analisar a situação de atendimento a essas mulheres, se a elas são disponibilizados o atendimento integral à saúde, serviço de pré-natal, a concessão dos medicamentos que uma mulher gestante necessita e tudo mais?
Outra pergunta. Recebemos muitas denúncias aqui, inclusive matérias assinadas por jornalistas respeitadas que dão conta do fato que a Deputada Carmem Zanotto aqui relacionou, que, pela falta do acesso ao absorvente, utilizam pão. Outros informes que temos aqui é que, quando as mulheres detentas vão dar à luz, vão algemadas. Isso procede? E, se procede, qual o percentual e a postura do Ministério da Justiça em relação a isto que consideramos um ato de violência extremado, inimaginável, uma mulher que vai dar à luz estar algemada? Não consigo imaginar isso. Queria que V. Sª falasse um pouco mais sobre isso.
Gostaria de convidar a Senadora Simone Tebet para assumir a Presidência, porque terei que ir a uma Comissão e volto já.
Passo a palavra à Deputada Keiko, que tem questionamentos a fazer. Quero apenas, Deputada Keiko, comunicar a presença aqui de Pola Karlinski, que é Secretária-Executiva do Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal, que está nesta audiência representando a Presidente do Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal, Srª Wilma dos Reis.
Muito obrigada pela presença, Pola.
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A SRª KEIKO OTA (PSB - SP) - Quero, antes de mais nada, dar uma boa tarde a todos.
Quero aqui confessar que, ao ver essas notícias sobre o sistema carcerário feminino, estava muito angustiada, mas, com a proposta da nossa Presidente, Senadora Simone, fiquei bem aliviada. Nós sabemos dos números, mas precisamos buscar uma solução.
Realmente, parabéns! Foi uma proposta boa. Conte comigo!
Ouvindo a Deputada Zanotto, com tantas informações, acho que podemos fazer um trabalho muito benfeito para diminuir essa violência, que é a nossa obrigação como cidadã, como Parlamentar. Devemos envolver também os movimentos sociais e tentar chegar a um consenso sobre a melhor forma de reverter esse quadro e, principalmente, de investir e insistir numa cultura de paz. Além disso, devemos buscar um meio de as famílias se sentirem mais seguras para poder oferecer estruturas físicas e emocionais aos seus filhos. Acho que pode ocorrer um círculo vicioso, se não cuidarmos das nossas mulheres, porque as crianças precisam muito dos cuidados da mãe.
Eu também tive a oportunidade de trabalhar, nessa Páscoa, entregando 20 mil ovos, Senadora, às crianças carentes. Eu percebia, na fila, o quanto as mães estavam ausentes e perguntava: onde está a mamãe? Eles falavam assim: "Nossa, minha mãe está presa."
Fiz uma palestra também num sistema penitenciário feminino e vi um número muito grande de mulheres. Até perguntei para a diretora: o que aconteceu, porque fiz essa palestra há cinco anos e havia menos mulheres? Agora, vi que o número estava triplicado e fiquei assustada. Hoje, como a Thandara falou, percebi que a quantidade de mulheres realmente aumentou. Então, acho que o tema é de extrema importância.
Parabéns para todas nós aqui!
Tenha certeza de que nós vamos estar ao seu lado, passo a passo, para que possamos realmente diminuir essa violência.
Senadora, eu também queria dividir com todas vocês que fiz uma visita, nessa segunda-feira, ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Dr. Alexandre, para tratarmos dos pancadões. O Secretário disse que o foco é regulamentar os pancadões com a ajuda do prefeito, no caso do meu Estado. Para nós, o caminho não é proibir, pois isso fere o direito de liberdade dos jovens, que também carecem de diversão, cultura e lazer, só que os pancadões devem ocorrer num ambiente que esteja longe da venda de bebidas alcoólicas, do tráfico de drogas e da violência sexual. Precisamos, principalmente, coibir a violência sexual, que é o grande objetivo desta Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher - a violência sexual de crianças e adolescentes. Os pancadões, segundo o Secretário, ocorrerão em locais específicos para melhor garantir a ordem e a segurança aos jovens que vão frequentar esses locais.
Acho que é importante acompanharmos isso passo a passo, até que essa regulamentação aconteça. E eu vou estar lá presente.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. PMDB - MS) - Sou eu que agradeço, nossa querida Vice, Deputada Keiko Ota.
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Antes de passar a palavra à Deputada Christiane, eu quero só informar que a segunda parte da reunião da Comissão ficou para a próxima audiência, porque a Senadora Regina Sousa está presidindo o plenário e vai, depois, fazer um resumo muito rápido sobre a conclusão do relatório dela a respeito da avaliação de políticas públicas sobre o enfrentamento à violência que ela fez na Comissão de Desenvolvimento Humano. E ela tem algumas questões interessantes. Dali, inclusive, surgiu um projeto de lei que foi aprovado semana passada, de autoria dela, que institui a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher no que se refere especificamente aos dados. Então, ficou para a próxima.
Nós temos na terceira parte apenas dois requerimentos. Se tivermos quórum, vamos votar.
Antes de passar a palavra para a Thandara, que é representante do Depen, nós vamos conceder a palavra para a Deputada Chris.
Quero só informar apenas que, em relação à minha sugestão, que eu dei, a Resolução nº 1 do Congresso Nacional estabelece no art. 3º que compete à Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher, entre outras atribuições: I) diagnosticar as lacunas - foi o que nós acabamos de fazer - das ações e serviços relacionados às mulheres vítimas de violência; e, II) apresentar propostas para a consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência. Então, aquela sugestão está de acordo com a resolução do Congresso Nacional.
O que eu faria para adiantar, por responsabilidade própria? Eu vou consultar já, amanhã mesmo, os doutores na área de Direito Penal, os consultores do Senado, e o faço em meu nome, e, na semana que pudermos votar, já na próxima, nós votaríamos um requerimento de minha autoria, ouvindo as colegas e os colegas se nós poderíamos apresentar, em nome da Comissão, uma proposta relacionada a esse assunto. Porque nós não podemos deliberar sem termos o quórum suficiente.
Mas eu já adianto, para que nós, daqui a 15 dias, possamos dar continuidade e ser muito objetivas, muito práticas, muito rápidas. Como disse a Deputada Chris, nós estamos precisando mostrar que temos vontade política; saída para muitos dos problemas, nós temos. Então, vontade política nós, mulheres, aqui temos, rapidez não vai ser o problema, porque nós vamos unir esforços para poder buscar, pelo menos, uma solução a esse problema.
Deputada, com a palavra.
A SRª CHRISTIANE DE SOUZA YARED (Bloco/PR - PR) - Só para deixar um registro, Presidente, nós temos visto que muitos Estados do País não fornecem nem o kit básico de higiene. E algumas mulheres não possuem família, elas estão presas em alguns Estados, não possuem família. Então, a situação é gravíssima, é desumana, e realmente a sua sugestão de fazermos com que essas mulheres, que não precisam estar lá, e ficam presas, às vezes, por pequenos delitos, e são esquecidas, muitas vezes esquecidas lá dentro, porque a família... Algumas nem família têm mesmo. É um absurdo isso! Então, não é apenas uma questão de justiça que a lei venha em favor do cidadão, mas é uma questão de humanidade. Não estamos aqui para defender criminosos ou criminosas, mas estamos aqui para defender a sociedade, que precisa de defesa daquelas que são menos favorecidas.
Então, é só deixar o registro, não é?
Eu estava conversando agora com uma assessora e ela falou: "Elas não têm nada! Nada!" É um absurdo, um absurdo. O Estado não providencia esses kits de higiene, então elas não têm pasta de dentes, não têm sabonete, elas não têm absorvente, elas não têm nada. E realmente é uma questão deprimente. Precisamos rever. Se cabe a nós isso, então vamos fazer.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. PMDB - MS) - Eu que agradeço, Deputada Christiane, e passo a palavra à Deputada Erika Kokay, não sem antes dizer que o que me chamou muito a atenção, principalmente na visita que fiz, muito mais na capital - como disse, a situação é muito mais degradante, quanto maior for a cidade, maior o sistema carcerário - realmente é o abandono, é o descaso e a angústia.
O que me fez pensar num possível projeto, se ele é ou não constitucional nós vamos ficar sabendo, se não for, nós podemos adaptá-lo aos preceitos constitucionais, foi que eu vi no olhar delas. Eu senti, no contato com essas mulheres presidiárias, não só a angústia, o desespero, mas eu vi ali, em muitas delas, um arrependimento e em muitas delas a seguinte pergunta: "O que é que eu fiz da minha vida? Que mal que eu causei para a minha família, para os meus filhos?"
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A angústia de estar longe dos filhos ou das filhas pode fazer com que essas mulheres, se tiverem esse beneplácito da lei, que é nossa sugestão, de poder sair mais rapidamente do presídio desde que sejam primárias, com bons antecedentes, o crime não seja hediondo, seja por serem mulas ou por qualquer tipo de furto, que não é como roubo, que requer a violência, enfim, dependendo do tipo penal, isso nós vamos ver no projeto como apresentaremos... Eu não tenho dúvida de que a reincidência, o retorno delas ao crime e ao sistema carcerário vai ser mínimo. Por isso que eu estou muito entusiasmada.
Desculpe, Deputada Erika Kokay. Com a palavra V. Exª.
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Eu queria parabenizar a Comissão pela realização de audiência com este tema, fazendo esse recorte das mulheres encarceradas, porque tem um sofrimento, um sofrimento agregado, eu diria, no que nós sentimos quando entramos nos presídios femininos. A primeira coisa, que já foi falada, é a solidão. Há uma solidão muito grande. Se você vai a um dia de visita no presídio feminino, quem está para visitar são sempre mulheres. Os homens, os companheiros, os maridos abandonam, via de regra, a mulher vítima de encarceramento, ou em situação de encarceramento, e nós vamos ver que quem vão são as mães, as filhas.
O que eu consigo perceber, de forma muito clara, no que diz respeito às mulheres encarceradas é que há um sentimento de culpa muito grande, que é pelas ditaduras da perfeição que a sociedade impõe às mulheres. É como se a sociedade dissesse: "Você pode assumir sua função pública, mas sua casa não pode estar suja, você tem que estar disponível para o seu marido, você tem que cuidar, os seus filhos não podem adoecer." São as ditaduras da perfeição do universo que é doméstico, que é um universo que não é repartido com o homem, via de regra, está aos cuidados da própria mulher e que origina a dupla e a tripla jornada.
Eu me lembro da fala de uma detenta que me dizia o seguinte: "A minha filha já não vem mais me visitar; ela não vem mais visitar e eu dou razão a ela; ela não tem que me visitar, porque eu errei; ela não tem que sofrer tudo isso que ela sofre para me visitar." E ela estava falando das revistas vexatórias. É absurdamente medieval que nós tenhamos ainda esse tipo de revista para que as mulheres adentrem o próprio presídio. São as mulheres que acompanham os homens quando estão encarcerados, os filhos, os maridos, e são as mulheres que também acompanham e visitam as mulheres que estão encarceradas que são submetidas, em alguns lugares ainda, em Brasília não existe mais, aos espelhos, mulheres que muitas vezes nunca tiraram a roupa na frente dos seus maridos e que têm que desfilar sem roupa na frente de um agente e fazer agachamento com um espelho.
Isso é um nível de violação de direitos imenso. Nós temos mecanismos, como os escâneres. A gente deveria ter como resolução, inclusive desta audiência, a implementação dos escâneres. Eles conseguem assegurar que não haja qualquer tipo de introdução de algo que não possa ser introduzido, como drogas ou armas, no corpo das mulheres, e mais: se respeita a dignidade das mulheres. Nós conseguimos aqui em Brasília, com muito custo, porque nunca era prioridade, seis escâneres, que são insuficientes, mas são importantes para as mulheres, as mulheres idosas e algumas mulheres, para que elas possam ser preservadas na sua dignidade humana, que é violada todas as vezes ao fazerem visita.
Por isso, essa senhora encarcerada dizia: "Eu entendo a minha filha e eu não quero que a minha filha pague por um erro que eu cometi". Mas ela não tem que pagar por um erro que ela não cometeu. Ela não tem que sofrer qualquer tipo de humilhação e de violação de direitos porque um parente seu está encarcerado.
O que eu sinto é muita dor, muita dor. Nós temos um número grande de mulheres que estão em detenção provisória, aliás, isso é uma realidade deste sistema, não atinge só as mulheres, mas atinge sobremaneira as mulheres. As mulheres que estão encarcerados aqui e que têm outra nacionalidade têm um agravamento grande, e a gente precisa resolver isso. Nós não podemos fazer com que essas mulheres fiquem penando aqui mais do que a sua sentença a impõe.
Há um alto índice de consumo de drogas lícitas, ou seja, à época, nós tínhamos mais de 60% das mulheres consumindo ansiolítico, porque a depressão é muito grande.
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Para as mulheres que têm filhos dentro do presídio, muitas vezes nós vimos isso, há ausência de leite. As mulheres e o meninos recém-nascidos tomam leite longa vida. Os meninos precisavam se alimentar e não tinham um leite próprio para as crianças recém-nascidas. Elas ficam seis meses com as crianças, poderiam ficar dois anos. Se o próprio Ministério diz que se deve amamentar até os dois anos, poderiam ficar dois anos, desde que tivessem condições para ficar. Não há condições adequadas para que as crianças fiquem lá, não há condições adequadas. Então, você não pode também encarcerar uma criança daquela forma. É preciso adaptar o direito, não retirar o direito porque o Estado não possibilita as condições. É fazer com que o direito seja assegurado a partir das condições que o Estado tem obrigação de efetivar.
Da mesma forma, vamos ver mulheres que têm o útero ferido. Aqui, durante um período, se proibiu de usar batom. Não podiam usar batom por uma questão de segurança. As mulheres tinham o seu útero...É como se o útero fosse ferido. Há presídios brasileiros em que as mulheres não recebem calcinhas, as mulheres recebem cuecas. Ou seja, é como se a sua identidade de gênero fosse destruída. Esse sentimento de culpa não é apenas porque transgrediram a legislação, mas porque não podem ser mães, não podem ser esposas, não podem ser filhas.
Há discussão sobre a visita dos filhos. Só há a visita dos filhos se quem estiver detendo a guarda provisória permitir e acompanhar. Então, se a guarda provisória ficar com a família do marido, com o marido, e ele não quiser levar a criança, a mulher fica sem ter acesso ao próprio filho.
Nas visitas íntimas, no caso das mulheres que visitam os maridos presos ou os companheiros presos - a Deputada Carmen sabe disso porque participamos da CPI do Sistema Carcerário -, as crianças são levadas junto e ficam sem ninguém para cuidar delas porque não há espaço para cuidar as crianças enquanto acontece a visita íntima. Muitas vezes, as crianças ficam sem nenhum tipo de proteção dentro do presídio. Portanto, há um sofrimento de gênero para além de uma população carcerária que sofre neste País, porque não se ofertam escolas, não se oferta o trabalha, não se oferta a possibilidade de ressignificação da vida, de interrupção da vida delituosa. As mulheres têm um sofrimento de gênero, que é a solidão, que é a ausência da condição de ser mulher, de ser considerada mulher com suas especificidades. Tivemos aqui, inclusive, a ausência de absorventes. Estamos falando de mulheres que menstruam, porque as mulheres menstruam. Isso não pode ser negado, nem invisibilizado. Você não pode ter a ausência de absorventes para além das condições e dos instrumentos necessários para a manutenção da higiene.
Então diria que estou absolutamente de acordo que é preciso trabalhar com o indulto o máximo possível, considerando essa questão e a desorganização do seio familiar quando a mulher é encarcerada. Quantas mulheres são encarceradas por tráfico? Aqui em Brasília mais de 60% foram encarceradas por tráfico, muitas vezes, levando drogas para seus companheiros, maridos presos.
Portanto, é considerável fazer um mutirão com esse recorte de gênero, eliminar a revista vexatória e assegurar a liberdade da identidade de gênero, que as mulheres possam vivenciar a sua condição de serem mulheres. Elas não ficam desassociadas, sem gênero, desumanizadas ou assexuadas quando são encarceradas. Parece que ficam assexuadas. Parece que arrancam delas a condição de serem mulheres, arrancam delas a identidade de gênero. O sofrimento que isso proporciona os homens não vivenciam.
Portanto, diria que valeria a pena se pudéssemos ter, talvez, até uma subcomissão ou um grupo de trabalho desta Comissão para fazer esse recorte da violência que atinge as mulheres encarceradas porque são mulheres. A população carcerária é uma população sofredora neste País. É a quarta maior população carcerária do mundo. Em grande medida, por volta de 40%, são presos provisórios. A audiência de custódia acho que melhora, nessa perspectiva, mas não resolve. Nós precisamos fazer, penso eu, sugeriria - não participo mais desta Comissão, mas não pude deixar de estar nesta discussão, que é extremamente interessante -, um recorte de gênero e a criação de um grupo de trabalho ou de uma subcomissão para analisar melhor.
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E aí, que nós possamos marcar com o Executivo, dando uma posição desta Comissão. Esta Comissão quer discutir o indulto; esta Comissão quer discutir a revista vexatória. É isso que atinge as mulheres, porque são mulheres encarceradas ou que têm seus maridos, companheiros ou filhos encarcerados. Que nós pudéssemos, Deputada Carmen e Deputada Christiane, fazer um relato desta audiência e marcar com o Poder Executivo, com o Ministro da Justiça, para que nós pudéssemos levar e dizer: esta é a posição desta Comissão Permanente, que discute a violência contra a mulher. É a violência que a gente consegue ver, que deixa marcas na pele, e uma que a gente consegue sentir, mas que é igualmente profunda e destruidora da nossa condição de gênero feminino e da nossa própria humanidade.
A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. PMDB - MS) - Obrigada, Deputada Érika Kokay, pelo brilhante pronunciamento e por ter compartilhado a sua experiência conosco. Nós estávamos exatamente tratando disso. Mas, antes de ir ao Executivo, a sugestão que demos foi que saísse daqui um estudo preliminar para poder entregar algo de concreto, analisando os preceitos constitucionais, aquilo que é possível fazer dentro do sistema e da legislação do Código Penal e do Código de Processo Penal, seja indulto, liberdade provisória, semiaberto, seja de que forma for, com - claro - algumas condicionantes em que pensei quando sugeri, que pudesse sair daqui um projeto da Comissão.
V. Exª só errou em um ponto: V. Exª sempre fará parte desta Comissão. Todas as mulheres Parlamentares do Congresso Nacional são titulares da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência Contra a Mulher. Nós não podemos abrir mão da experiência e da competência de V. Exª. Antes, inclusive, de ir ao Executivo, uma sugestão que demos também foi que, com o pré-projeto, nós pudéssemos também nos cercar da experiência e da competência das Ministras do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, em especial das Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.
Vou passar agora a palavra, para suas considerações e para responder a todas as perguntas que foram colocadas, à Srª Thandara Santos. Ela vai fazer uma consideração geral sobre tudo isso e vai, com certeza, levar depois ao seu diretor-geral e ele, por consequência, ao Ministro da Justiça essa nossa ideia.
Quero dizer antes que nós temos a participação de muitos que estão nos assistindo e nos acompanhando pelo e-Cidadania, que é a participação popular. Há algumas perguntas. Para uma delas, eu acho até que nós temos a resposta. Provavelmente, isso aqui vai ser um grande indutor do nosso projeto, para mostrar como homens e mulheres são diferentes no que se refere à sua condição enquanto seres violentos ou não.
A primeira pergunta feita é participação de Dandara Baca, do Distrito Federal. Aliás, as três perguntas são dela. A primeira é a seguinte: "Quantas rebeliões aconteceram no sistema carcerário feminino no período do relatório?" Tenho certeza de que não chegamos a uma; se chegamos, foi o máximo. "Quais são os mecanismos coercitivos do Estado para evitar a rebelião nos presídios femininos? Eles são mais efetivos ou rebelião nos presídios femininos não tem a visibilidade dos masculinos?" Por fim: "As mulheres não têm material de higiene e os presídios não têm orçamento? Quem gere o orçamento do presídio e por que ele não é obrigado a reservar parte da receita a esse gasto?". As perguntas são pertinentes, inteligentes. Quero parabenizar a participação da Dandara Baca, aqui do Distrito Federal.
Passo a palavra agora à representante do Depen, para suas considerações e para responder às indagações formuladas.
Gostaria também, antes de passar a palavra, de registrar a presença de Deise Benedito e Lucio Costa. São peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Muito obrigada pela presença. Sejam bem-vindos!
Com a palavra.
A SRª THANDARA SANTOS - Primeiro, eu gostaria de fazer uma consideração geral sobre a questão da revista vexatória, que eu acho que é uma questão que perpassou várias das colocações aqui. O Departamento Penitenciário Nacional já se manifestou, inclusive em audiência pública realizada na Comissão de Segurança, sobre a questão da revista vexatória. O Departamento entende como uma violência contra a mulher, nos posicionamos nesse sentido em audiência e entendemos que a justificativa de ausência de equipamentos para inspeção eletrônica como justificativa para realização da revista vexatória não pode ser usada, porque isso é uma violação de direitos.
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Não podemos, simplesmente, dizer que, pela ausência do equipamento, nós podemos corroborar uma violação de direitos nesse sentido. E as ações do Depen no sentido de extinção da revista vexatória são bastante contundentes. Só no ano de 2015, tivemos o repasse de R$17 milhões em equipamentos para inspeção eletrônica aos Estados. Então, nós tivemos o repasse específico de 121 esteiras de raio X, 564 detectores de metal, 2.614 detectores de metal manual, que é aquela raquete, 1.120 detectores de metal do tipo banqueta.
Então, o departamento teve, ao longo de 2015, uma ação muito efetiva no sentido do repasse de recursos às unidades da Federação, para extinção da revista vexatória, porque nós entendemos como uma violação de direitos e uma violência contra a mulher; e não só uma violência contra a mulher apenada, a mulher custodiada, mas também uma violência contra os servidores do sistema prisional, que são obrigados a revistar essas mulheres dessa forma vexatória. Eu acho que isso já foi bastante posicionado pelo departamento.
Em relação ao PL nº 7.764, que é o PL da revista vexatória, ele ainda aguarda votação na Câmara, na verdade. O que foi votado foi o fim da revista em local de trabalho, exatamente. Então, a revista vexatória no sistema prisional, especificamente, que é o PL nº 7.764, ainda aguarda votação na Câmara.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. THANDARA SANTOS - Isso, isso.
Houve uma questão pontual também sobre a declaração de raça e cor no Infopen, uma divergência entre os dados de 2013 e 2014. Esse é um levantamento que a gente faz periodicamente. O Infopen é realizado semestralmente, então esse dado pode variar de um semestre para outro, ainda que a tendência seja a mesma, porque essa população não muda tanto de um semestre para outro, ainda mais em relação à raça e à cor, e a gente sabe que existe uma seletividade do sistema penal, que é geral e que não vai mudar de um semestre para outro.
Mas uma questão que é muito importante observar, especialmente em relação à raça e à cor, é que todas essas questões de perfil sociodemográfico que eu apresentei aqui não são autodeclaradas. Todas essas questões são coletadas pelo Departamento Penitenciário Nacional, junto aos diretores das unidades prisionais. E aí isso pode variar de presídio para presídio; pode haver presídios em que existe um sistema mais estruturado de gestão da informação, e todos os prontuários estão dentro de um sistema único, e pode até ser que algumas dessas questões tenham sido autodeclaradas na inclusão do preso, mas nós não podemos afirmar isso, porque a nossa fonte não é um prontuário do preso; a nossa fonte é a declaração do gestor da unidade prisional. Então, este dado sobre raça e cor, especialmente, pode ter também um viés do próprio olhar do gestor sobre a população prisional. Isso não é autodeclarado. Isso é uma ponderação importante.
Uma explicação sobre o crescimento tão expressivo da população de mulheres no sistema prisional nos últimos 14 ou 15 anos: eu acho que é muito claro que esse crescimento está diretamente atrelado à reformulação da política de drogas, uma política de drogas que fundamenta essa guerra ao pequeno usuário, ao pequeno traficante e que não desmantela uma estrutura de tráfico, que é um tráfico internacional, um tráfico muito maior do que o do pequeno traficante que está na ponta. E nós sabemos que quem está na ponta e quem é o pequeno traficante são principalmente as mulheres.
Assim como em todo mercado de trabalho em geral, nós temos também as mulheres em uma posição mais vulnerável dentro desse sistema de tráfico. Nós sabemos que as mulheres são as pequenas traficantes e são também as mulheres usuárias que estão nessa ponta as mais vulneráveis à ação penal e à ação da polícia, nessa seletividade do sistema que todos nós já conhecemos e que já foi bastante abordado em diversos estudos. Eu acho que o que mais explica esse crescimento tão expressivo é justamente essa política de guerra às drogas que se vê presente.
Nós sabemos também que o sistema prisional é um sistema caro, é um sistema ineficiente no sentido de desmantelar as grandes estruturas de criminalidade. Então, ele tem pouco impacto na redução dos índices de homicídio. Por exemplo, nós temos dados alarmantes sobre os indicadores de homicídio no País, que foram publicados na semana passada, no Atlas da Violência inclusive. E nós vemos que essa política de encarceramento em massa não tem um impacto direto na redução dessa criminalidade. No caso das ocorrências de tráfico de drogas, também não vemos uma redução condizente com a política de encarceramento em massa.
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O Departamento de Penitenciária Nacional tem investido nos últimos anos, e no último ano de forma mais incisiva, na valorização de uma política de alternativas penais, na promoção de uma política de alternativas penais. Então o departamento tem estruturado modelos de gestão para as políticas alternativas penais e tem feito diversas pesquisas e levantamentos para qualificar o debate sobre a monitoração eletrônica e sobre diversos mecanismos de políticas de alternativas penais. Nós entendemos que essa é a resposta mais eficiente em termos de gestão pública, em termos de administração pública para a questão da criminalidade.
É claro que o departamento não se furta ao financiamento e ao investimento na construção de unidades prisionais. E nós temos um programa nacional de construção de unidades prisionais que tem tido diversos resultados expressivos também nos últimos anos, especialmente no último mandato, mas nós entendemos que o caminho para a redução do déficit de vagas e para a redução da criminalidade em si não é o da construção pura e simplesmente. Tem que ser um caminho mediado também pelas políticas de alternativas penais. Nesse sentido, o departamento tem se posicionado na formulação de um modelo de gestão que possa qualificar a aplicação dessas medidas.
Um dado também importante em relação a esse panorama geral de violações de direitos que se vê no sistema prisional e nos dados apresentados pelo Infopen é que nós temos 11.269 mulheres presas sem condenação. Estamos falando de mulheres que estão encarceradas sem que a sua condenação tenha sofrido trânsito em julgado. Essas mulheres poderiam responder em liberdade, principalmente se considerarmos que a grande maioria delas são pequenas traficantes e até usuárias de drogas.
Nós temos um dado importante de uma pesquisa do Ipea, realizada a pedido do Depen, sobre as penas e medidas alternativas: 37% dos réus que responderam ao processo presos não foram condenados à pena privativa de liberdade ao final do processo. Então, 37% dessas pessoas que estão encarceradas ali, sem uma condenação, ao final do julgamento, ao final de todo o trânsito da ação penal, não receberam pena privativa de liberdade. Então elas realmente tiveram o seu direito de liberdade violado pelo Estado durante todo esse período. Esse é um dado muito alarmante quando se pensa no contexto geral de violação de direitos perpetrado por essa política de encarceramento em massa.
Algumas outras questões pontuais.
Em relação ao parto com algemas, as Regras de Bangkok, as regras de Mandela, todos os grandes documentos de recomendações internacionais para o sistema prisional e para o sistema de justiça são observados pelo Governo brasileiro. Obviamente o departamento se posiciona totalmente contrário à prática do parto com algemas, mas nós sabemos que isso ainda existe em diversos Estados. Aí vale a articulação da sociedade civil e do Congresso, das Deputadas e Senadoras que estão inseridas nesta Comissão no sentido de visibilizar essas práticas de violação de direitos e de cobrar dos Estados uma resposta em relação a essas violações.
Em relação à pergunta sobre as rebeliões, eu não tenho aqui o dado final sobre as rebeliões, até porque nós publicamos no nosso site uma base aberta com todos os microdados do levantamento do Infopen. E o microdado sobre a informação das rebeliões foi classificado como informação sigilosa, até por uma questão estratégica da administração prisional. Só o que nós podemos publicar é o dado agregado nacional sobre o total de rebeliões. E eu não tenho aqui esse dado das unidades femininas. A minha impressão é de que também esse número é zero, mas precisaria confirmar isso a partir dos dados que foram informados pelos gestores da administração prisional.
Mais alguma questão?
A SRª PRESIDENTE (Keiko Ota. PSB - SP) - Temos mais uma pergunta aqui, da Dandara: "Qual é a política pública de inserção das mulheres pós-cárcere? Elas estão alcançadas pelas políticas habitacionais e de emprego?"
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O SR. THANDARA SANTOS - O Depen tem... Foi publicada em janeiro de 2014 a nossa portaria interministerial que instituiu a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (Pnampe). Essa política foi construída em pactuação com 11 Ministérios e define as diretrizes, os objetivos e as metas para formulação de políticas estaduais para atenção às mulheres encarceradas e egressas do sistema prisional. Especialmente em relação às egressas, nós temos dentro das metas da política a promoção de ações voltadas às egressas do sistema prisional por meio de setor interdisciplinar específico. Então, nós estamos falando de políticas de promoção ao acesso ao mercado de trabalho, de políticas de promoção ao acesso à educação, de toda uma articulação de políticas intersetoriais que estão voltadas para a reinserção das mulheres egressas do sistema prisional.
Nós sabemos que ainda existe uma grande estigmatização em relação aos egressos, não só as mulheres, mas também os homens. E o departamento tem se posicionado no sentido de também criar esses modelos de gestão para as políticas estaduais voltadas aos egressos. Nós sabemos que o poder de articulação do Governo Federal com os Estados é limitado pelo Pacto Federativo, mas nós temos tentado criar modelos de gestão e modelos que definam diretrizes para a garantia de direitos na formulação das políticas estaduais.
A SRª PRESIDENTE (Keiko Ota. PSB - SP) - Nós chegamos ao final. Quero...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Keiko Ota. PSB - SP) - Há algo mais?
O SR. THANDARA SANTOS - É sobre o orçamento. O orçamento dos presídios é estadual, na verdade. O que o Depen firma são convênios com as unidades da Federação para políticas específicas.
Em relação à saúde, principalmente, nós temos as ações articuladas não só com o Ministério da Justiça, mas também com o Ministério da Saúde. Então, especialmente na questão da saúde prisional, que entraria aí na atenção às mulheres gestantes, às mulheres lactantes dentro do sistema, nós temos uma articulação com o Ministério da Saúde. Então, não são só os recursos do Ministério da Justiça que são repassados aos Estados também.
A SRª PRESIDENTE (Keiko Ota. PSB - SP) - Chegamos ao fim.
Eu quero agradecer pela contribuição à Thandara, que trouxe os dados que geraram uma discussão e também uma proposta, que achei muito importante. Então, obrigada.
E eu quero agradecer às Deputadas Christiane e Zanotto, comprometidas, e a todos aqui presentes.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 14 horas e 46 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 27 minutos.)