05/04/2016 - 2ª - Comissão Mista da Medida Provisória nº 703, de 2015

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Havendo número regimental, declaro aberta a 2ª Reunião da Comissão Mista destinada a examinar e a emitir parecer sobre a Medida Provisória nº 703, de 2015.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para debater a matéria. Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar podem enviar comentários pelo senado.leg.br/ecidadania, ou pelo 0800 61 2211.
Para tomar assento à mesa, convido o Sr. Claudio da Silva Gomes, Diretor-Executivo da Central Única dos Trabalhadores; o Sr. Leonardo Borges, Advogado da Confederação Nacional da Indústria; a Srª Samantha Chantal, Procuradora Regional da República e Diretora Jurídica da Associação Nacional dos Procuradores da República; o Sr. Rafael Valim, Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura; o Sr. Alexandre Vidigal de Oliveira, Juiz Federal e representante da Associação dos Juízes Federais do Brasil; a Srª Lucieni Pereira, Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas da União.
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De acordo com o art. 94, §§ 2º e 3º do Regimento Interno do Senado Federal, combinado com o art. 256 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Presidência adotará as seguintes normas: o convidado fará a sua exposição por 15 minutos e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelos Srs. Parlamentares inscritos. A palavra aos Srs. Parlamentares será concedida de acordo com a ordem de inscrição.
Para iniciarmos o nosso debate, eu concedo a palavra ao Sr. Claudio da Silva Gomes, Diretor Executivo da Central Única dos Trabalhadores.
O SR. CLAUDIO DA SILVA GOMES - Bom dia a todos! Bom dia, Presidente, Senador Benedito de Lira! Bom dia aos assistentes presentes e àqueles que nos acompanham também pela TV Senado.
Estamos aqui hoje numa missão extremamente importante e de extremo interesse da classe trabalhadora, porque essa lei afeta diretamente os empregos dos trabalhadores do setor da construção e de engenharia neste País. Hoje nós temos, por conta da ausência dessa legislação, mais de um milhão de trabalhadores demitidos no setor de infraestrutura e de engenharia. São desempregados que trabalhavam nas empresas envolvidas principalmente na Operação Lava Jato. A ausência dessa legislação fez com que as empresas deixassem de contratar novas obras, porque em alguns projetos há necessidade de prorrogação de contratos. E por conta de uma legislação que não prioriza a manutenção dos empregos e também a atividade da empresa, nós tivemos essas demissões e um agravamento ainda maior da crise em que o País já vive.
É bom a gente lembrar que o conceito de empresa, que é um empreendimento, tem vários interessados: há um empresário que aportou o capital e visa ao lucro, há os trabalhadores que são os que fornecem a mão de obra e que de fato acabam realizando todos os projetos da empresa, e há o Estado, que aufere os tributos. Quando uma empresa deixa de exercer a sua atividade, ela não gera lucro, não gera salários e não gera tributos. Ainda que a empresa que está nessa situação esteja inabilitada por ter causado um prejuízo ao Estado, o Estado tem obrigação de buscar os mecanismos para que todos os agentes não sofram as consequências daqueles ou de uma única pessoa que cometeu um ato ilícito. A empresa, pessoa jurídica, em si não comete crime, mas é penalizada. A nossa preocupação é que a penalidade se aplique àquele que cometeu o crime, ou seja, o proprietário, o sócio da empresa ou os seus diretivos que cometeram a ilegalidade.
Do nosso ponto de vista, enquanto representação dos trabalhadores, preocupa-nos demais essa situação que esses trabalhadores hoje têm vivido, porque não conseguem se colocar novamente no mercado de trabalho.
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São esses trabalhadores especializados dentro das suas áreas, levando em consideração que essas empresas que hoje estão impedidas são as de ponta na engenharia nacional, são as que constroem todas as principais obras de infraestrutura, as que detêm a tecnologia e o know-how de construção de usinas hidrelétricas, de túneis, de usinas termelétricas, ou seja, aquelas que fizeram toda infraestrutura do nosso País e também dos países da América Latina, porque as principais obras da América Latina foram feitas por empresas brasileiras; assim como as principais rodovias na África, no Iraque, e hoje, mundo afora, são feitas por empresas brasileiras.
Não podemos fazer com que essas empresas deixem de ser empresas nacionais e passem a ser multinacionais, que só podem operar, no Brasil, por meio das suas subsidiárias internacionais, ou que sejam tocadas aqui no Brasil todas as principais obras de infraestrutura por empresas internacionais. Já temos, como trabalhador, uma experiência extremamente difícil com essas empresas transnacionais, principalmente as que tenham origem nos países asiáticos, que não respeitam a legislação trabalhista, que não promovem o desenvolvimento e o crescimento do trabalhador brasileiro, e, ao mesmo tempo, não geram as divisas e os recursos necessários para promover o bem-estar do nosso País.
Quanto aos prejuízos causados aos trabalhadores brasileiros, posso citar uma das obras que tivemos o maior impacto, que foi a obra do Comperj, em que tínhamos aproximadamente 40 mil trabalhadores trabalhando diretamente no projeto e, hoje, aproximadamente 1.500 trabalhadores, causando um desastre imenso para a economia daquelas regiões em volta na cidade, e também de outros trabalhadores, porque estes são normalmente oriundos de outras regiões do País, de outros Estados - Piauí, Maranhão, Bahia -, todos são trabalhadores que, de uma forma ou outra, têm dependência; das usinas hidrelétricas também - porque essas empresas não poderão ser contratadas ou poderão participar de consórcios. Sabemos que as principais usinas hidrelétricas hoje foram feitas pelos consórcios constituídos por essas grandes empresas.
É importante que o Estado tenha uma ação de vigilância em relação a essas empresas, para que não se cometam os crimes que foram cometidos. É importante também que não tenhamos que penalizar todas as empresas porque o Estado não tem o aparelho e a legislação necessária para fazer com que haja uma vigilância mais constante e possamos manter essas empresas em atividade e também manter todos esses empregos.
É função do Estado fazer com que a economia funcione de uma forma correta, que os empregos sejam preservados, independentemente das ações que tenham sido praticadas por essas empresas. Frisando, novamente, que se houvesse uma fiscalização mais efetiva das ações dessas empresas, muito provavelmente não estaríamos na situação de estar discutindo esse tema hoje, dessa forma, nessa circunstância, em função do combate à corrupção, mas por outras ações que ocorrem em todos os países.
Por exemplo, nos Estados Unidos, as principais empresas - IBM, Boeing - já fizeram lá o seu acordo de leniência por falhas cometidas e nem por isso deixaram de operar e de contratar com o Estado, mas foram punidas e sancionadas e os empregos dos trabalhadores norte-americanos foram preservados. O mesmo caso aconteceu agora, recentemente, com a Volkswagen, que foi pega cometendo uma ilegalidade no mundo inteiro, e o Estado alemão foi lá e fez a proteção da empresa, exigindo que houvesse a punição daqueles que cometeram os erros, mas que se preservasse o principal papel da empresa.
Lembrando aqui que não é porque temos interesse em defender o empresário, mas a empresa em si, que é um patrimônio, como disse, do Estado, dos trabalhadores e do empresário.
Esse acordo de leniência tem uma importância para nós, nesse momento, fundamental, que é a possibilidade de reaver aqueles empregos que perdemos e a possibilidade, daqui para frente, dessas empresas, que já foram objeto de muito trabalho por parte da classe trabalhadora, conseguirem um avanço nas relações do trabalho.
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Um exemplo disso foi o acordo que fizemos recentemente, o compromisso nacional do trabalho, na mesa nacional do trabalho, aqui, em que teve, como partes, trabalhadores, Governo e as empresas, em que conseguimos resolver muitos problemas extremamente graves em relação aos trabalhadores, um deles que era o caso de trabalhador que vinha em situação análoga à de escravo, e conseguimos fazer com que essas empresas, nesse compromisso, eliminassem essa possibilidade e os mecanismos desse tipo de relação de trabalho.
Também estamos num processo permanente de construção de um acordo que possibilite que a relação de trabalho entre esses trabalhadores dessas empresas de engenharia possa superar aquilo que está além da própria CLT em algumas garantias dos direitos dos trabalhadores, em algumas condições de trabalho, para que os trabalhadores não sofram acidente, não tenham os seus direitos lesados.
Sabemos que essas empresas são aquelas que capitaneiam inclusive a forma de se relacionar com os trabalhadores e, para nós, tem uma importância muito grande, porque se perdermos tudo isso, vamos ter que começar de novo - e sabe lá com que tipo de empresa -, e o nosso grande temor é que tenhamos as empresas que venham para cá e não respeitem o direito dos trabalhadores, porque já temos largo histórico dessas empresas que vêm executar projetos aqui no Brasil que, quando não podem trazer seus próprios trabalhadores, estabelecem um regime de trabalho que não é condizente com aquilo que é a classe trabalhadora brasileira.
Não pretendo usar os 15 minutos que me são garantidos, mas quero externar essa preocupação e a necessidade para a classe trabalhadora, para que possamos ter um marco regulatório, uma segurança jurídica de que os empregos não serão cessados por conta da ausência de uma legislação que faça com que as empresas que sempre construíram a infraestrutura neste País possam continuar fazendo, a despeito de serem penalizados os seus principais dirigentes.
O Estado tem que buscar mecanismo de fazer nem que seja uma intervenção, um processo de saneamento, um compromisso que seja necessário. E essa lei tem esse condão de fazer com que a empresa se obrigue a ter uma relação saudável com o Estado, para que possamos permear as nossas relações de trabalho e também a relação de contratação com o Governo com uma relação mais ética e mais honesta. É justamente isso que a classe trabalhadora quer, junto com seus empregos; mas também empregadores e patrões que sejam éticos e honestos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Obrigado, Sr. Claudio da Silva.
Dando sequência, concedo a palavra ao Sr. Leonardo Borges, Advogado da Confederação Nacional da Indústria.
O SR. LEONARDO BORGES - Bom dia a todos.
Primeiro, na figura do Senador Benedito de Lira, gostaria de agradecer a oportunidade que essas Casas nos dão de manifestar, de certo modo, contribuir com o debate sobre a lei anticorrupção, no caso aqui a medida provisória que trata do acordo de leniência.
Vim representando a Confederação Nacional da Indústria e gostaria, inicialmente, de estabelecer algumas premissas, para que possamos contribuir da melhor forma possível.
Primeiro, estabelecer claramente que aqui buscamos, como muito bem disse o Dr. Claudio da Silva Gomes, a proteção ou a defesa e manutenção de empregos e da própria existência da pessoa jurídica. A CNI não defende pessoas físicas. Acho que tem de ficar bem claro e ser pontuado que a vinda aqui foi para possibilitar uma discussão em abstrato, ou seja, sem tratar de casos concretos, para melhorias na legislação brasileira acerca do combate à corrupção e, principalmente, no caso aqui, acerca do acordo de leniência, para efetivar esses acordos de leniência.
E por que isso? Porque, na verdade, a lei entrou em vigor no início de 2014, e prova de que a legislação merece ser discutida e deve ser melhorada é que, até hoje, nenhum acordo de leniência foi firmado.
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Ou seja, eu acho que esse fato por si só demonstra a necessidade premente, urgente, de uma melhor discussão técnica sobre alterações normativas, para que se efetive esse acordo.
Outro dado que merece também destaque é que não há como se desvincular da realidade por que passa o País, de uma certa convulsão e de um combate amplo à corrupção, que é absolutamente benéfico e necessário. A sociedade precisa crescer e precisa debater o assunto, mas o que se espera é que todas essas discussões, que são políticas, não contaminem as discussões que devem ser técnicas, no âmbito de uma alteração legislativa, no âmbito de uma discussão sobre a medida provisória.
E, nesse sentido, já gostaria de começar estabelecendo algumas diferenças que vejo - estava até conversando aqui com o Prof. Rafael Valim - de que é muito comum algumas pessoas confundirem a norma anticorrupção e, às vezes, até pegarem direito estrangeiro. Uma coisa tem que ficar clara: essa norma, em momento algum, trata de uma responsabilização criminal da pessoa jurídica. Essa Constituição é muito clara para deixar alguns assuntos - dentre eles, enfim, crimes ambientais.
Então, aqui, estamos falando de uma norma que tem, por premissa, eu diria, dois grandes institutos. O primeiro instituto da lei anticorrupção é o instituto preventivo ou educativo, voltado principalmente para a figura dos mecanismos de compliance, dos mecanismos de integridade empresarial. E digo aos senhores que o empresariado brasileiro já está se adequando a essa nova realidade. Várias empresas estão buscando criar seus códigos de ética, efetivar seus mecanismos de denúncia interna. Então, esse ponto, na minha opinião, é, sem dúvida alguma, um dos principais pontos da norma. Ou seja, é fazer com que o empresariado brasileiro busque se adequar e auxiliar o Estado - por que não? - nessa prática de fiscalização interna de funcionários que podem ter um desvio de conduta com o agente público. Este é o ponto principal: o ponto preventivo.
O segundo ponto fundamental, por se tratar até de uma norma que não deixa de ser sancionatória, é o ressarcimento ao Erário. Nós devemos lembrar que essa lei, além de trazer uma responsabilidade administrativa, se pauta por uma responsabilização civil; e essa responsabilização civil é muito clara. A norma, em momento algum, impede, veda ou limita o ressarcimento ao Erário; muito pelo contrário, é uma norma que, em todo momento, determina claramente que esse ressarcimento ao Erário é indiscutível, é indisponível. Esse tem que ser feito. E por que essas premissas são importantes de estabelecer? Porque é comum - e a própria expressão, que eu, particularmente, detesto, "leniência" - vincular o acordo de leniência com a impunidade plena de pessoas físicas, o que não é, de modo algum, realidade, o que não é, de modo algum, verdade.
Então, o acordo de leniência existe, basicamente, para que a empresa procure a entidade responsável pela fiscalização de atos de corrupção - estabelecidos aqui na própria lei - e vise a adequar, compor com o Estado a melhor forma de realizar esse ressarcimento aos cofres públicos - esse, já disse, indiscutível, indisponível, inegociável -, mas mantendo-se empregos, mantendo-se a própria existência da pessoa jurídica e o desenvolvimento econômico do País. Essa é a grande realidade e esse é o grande objetivo do acordo de leniência.
Esse acordo - é bom lembrar - não é uma novidade no Direito brasileiro. Ele já existe, já é muito utilizado. Então, a Lei de Defesa de Concorrência, há muito, utiliza o acordo de leniência na cartelização. Sempre funcionou. Lá ele está estabelecido, e o Cade o aplica amplamente, mantendo essas pessoas jurídicas, e ainda assim ressarcindo os cofres públicos de qualquer eventual dano ou prejuízo que tenha sido causado. Então, isso é bom pactuar, isso é bom frisar, aqui, nesta discussão, porque o que a medida provisória tenta é exatamente efetivar, é fazer com que esse acordo seja minimamente atrativo e principalmente executável na prática, pelas pessoas jurídicas.
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Outro ponto que merece destaque também é o fato de que uma coisa é acordo de leniência e outra coisa muito diferente é delação premiada. E aí faz sentido, sim, estabelecer todo um sistema de responsabilização, ainda que seja um pouco técnico. Essa diferença entre responsabilidade civil e administrativa objetiva, com base na lei, e uma responsabilidade criminal individual subjetiva do indivíduo, tem que ser dita.
Então, quando a gente fala de um acordo de leniência, a gente já parte do pressuposto, porque a norma o faz, de que essa responsabilidade da pessoa jurídica é objetiva. A empresa, bastando ter, enfim, agido, atuado e sendo contemplada em um daqueles tipos administrativos estabelecidos na norma, já possui a responsabilidade. Essa responsabilidade, eu não vou discutir culpabilidade de pessoa jurídica, ao contrário de uma responsabilização criminal; nessa, sim, eu vou discutir a responsabilidade do indivíduo. No caso aqui, do dirigente da empresa, do administrador, do responsável pela prática daquele ato.
E lembrando igualmente que a lei anticorrupção veio somar, em todo um âmbito, em todo um sistema, em todo o arcabouço jurídico normativo já existente de combate à corrupção, inclusive, dispositivos expressos no Código Penal que versam sobre a responsabilização individual de pessoas físicas.
O acordo, então, não afastará esse tipo de responsabilização. A medida provisória não faz essa previsão. Há que se diferenciar a responsabilidade da pessoa jurídica de uma responsabilidade individual de um dirigente, de um preposto, de um responsável. E a lei, como eu falei, nesse seu aspecto educativo, é brilhante nesse ponto. Porque ela permite que a pessoa jurídica, permite que a empresa, que possui um mecanismo de compliance efetivo, faça esse controle.
Se a empresa, em um mecanismo de denúncia interno, descobre que um funcionário seu teve um desvio de comportamento, desrespeitou seu Código de Ética, desrespeitou as normas de integridade empresarial estabelecidas por aquela própria pessoa jurídica, nada impede que essa mesma empresa, preventivamente, procure - vou pegar um exemplo aqui, no caso, da Administração Pública Federal - a Controladoria-Geral da União, e diga exatamente: "Um funcionário meu cometeu uma irregularidade. E eu quero, tendo em vista essa descoberta, que foi uma autodescoberta, mediante um mecanismo que eu mesmo implementei, resolver a situação". A medida provisória, por exemplo, não contempla essa situação.
Quando se fala em corrupção, muita gente só pensa em uma situação: aquela corrupção que é descoberta pela prática investigativa ou pelas autoridades competentes. Mas a gente tem que lembrar que a Lei Anticorrupção trata de outra hipótese, essa hipótese, sim, interessa diretamente à CNI, que é aquela hipótese em que a própria empresa, por mecanismos próprios, descobriu um ato de corrupção e não pactua com aquilo, e procura a autoridade competente para firmar um acordo de leniência. Acordo de leniência esse, na forma da legislação original, muito pouco atrativo ou nada atrativo.
Então, a medida provisória possibilita um mínimo de segurança jurídica e principalmente de estabilidade institucional e contratual - porque na verdade trata-se de um acordo, - uma estabilidade que vai auxiliar ou que vai promover um amplo debate e promover a busca, cada vez maior, por parte dessas empresas, de acordos, mantendo-se empregos, mas sem acabar por completo a própria pessoa jurídica. Esse ponto é fundamental.
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Por fim, eu gostaria somente de ressaltar que, dentre esses objetivos normativos e nessa ideia de busca por melhor efetividade dos acordos de leniência, a CNI já teve a oportunidade de se manifestar, juntamente com a OAB, pela defesa e pelo apoio ao projeto de lei de origem no Senado, o PLS nº 105, hoje na Câmara PL nº 3.636, e a medida provisória basicamente retoma uma série de institutos ali presentes, dos quais talvez um dos principais seja o que trata da inserção de diversos atores, envolvidos nesse combate à corrupção, no processo de negociação de um acordo de leniência. Então, isso também é fundamental.
É fundamental que o Ministério Público, que as advocacias públicas, Controladoria, possam de certo modo participar, em conjunto, para que se firme um acordo, não vou dizer isentando, mas possibilitando o ressarcimento dos cofres públicos, ao mesmo tempo exonerando qualquer tipo de responsabilidade residual das pessoas jurídicas. Não faz sentido que uma empresa busque, por conta própria, firmar um acordo e, ainda assim, não tenha a devida ou necessária segurança de que em dois, três, quatro ou cinco horas depois não será responsabilizada por algum outro autor que seja legitimamente competente para promover uma ação. Então, nesse ponto a lei e a medida provisória vêm realmente trazer uma participação, até para o debate - e aqui nós vemos vários representantes dessas instituições - e para que eu tente, com a participação maior desses atores envolvidos no processo de combate à corrupção, efetivar o acordo e torná-lo atrativo para o empresariado brasileiro, que - mais uma vez ressalto - é um dos grandes interessados em que se acabe com as práticas de corrupção. A prova disso é o seu interesse, sua busca cada vez maior pela parte educativa, pelos mecanismos de compliance estabelecidos na Lei Anticorrupção.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Obrigado, Dr. Leonardo Borges.
Eu concedo a palavra, para a continuidade da nossa audiência pública, à Drª Samantha Chantal.
A SRª SAMANTHA CHANTAL DOBROWOLSKI - Bom dia a todos. Eu gostaria de cumprimentar a todos na pessoa do Senador Benedito de Lira, Presidente desta Comissão, e do Deputado Paulo Teixeira. Nas pessoas dos Parlamentares, quero cumprimentar a todos os integrantes desta Mesa e os demais presentes.
Agradeço a oportunidade dada à Associação Nacional dos Procuradores da República de participar deste encontro, para dar um pouco de voz à visão do Ministério Público nesta matéria.
Vou fazer uma contextualização breve do tema leniência no modelo estatal vigente e depois passarei aos aspectos técnicos que a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), reputa relevantes de serem considerados na tramitação dos projetos de lei e medidas provisórias em curso no Congresso, para regulamentar o acordo de leniência na Lei Anticorrupção.
Como já dito aqui, a Lei Anticorrupção vem atender a compromissos internacionais do Brasil, para melhor regular e melhor dar mecanismos ao combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros - que era a orientação inicial dos tratados - e para a defesa da Administração Pública nacional e estrangeira. Pode-se dizer que, desde a Lei de Improbidade Administrativa, o marco legal no Brasil foi se aprimorando pouco a pouco, inclusive depois da Lei da Improbidade, com a incorporação, ratificação interna dos tratados internacionais da OCDE, da ONU, da OEA, sobre combate à corrupção, e isto se dá num marco mais abrangente do mundo globalizado, em que o Estado - ainda que nos países de corte mais liberal - também intervém, também fomenta ou regula o mercado.
Então, toda essa legislação que desemboca na Lei Anticorrupção vem para garantir o livre mercado, a boa concorrência, o fair game na concorrência. Isso é que se deve ter em vista quando se discute esse assunto. Por isso inclusive que o tratado da OCDE e a própria OCDE não transigem com a ideia de deixar de punir as empresas, para salvar empregos ou negócios. Punir empresas não significa destruí-las, naturalmente.
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Há todo um arcabouço legal, de âmbito administrativo e civil, no Brasil, anterior mesmo a essa legislação de que se trata hoje, que já previa e prevê punições. Bem ou mal aplicadas, efetivas ou não, já existiam as punições típicas, aplicáveis à pessoa jurídica. Então, isso não é uma inovação desta legislação. A inovação talvez seja realmente o caráter objetivo da responsabilização da empresa. Mas isso é um detalhe técnico, específico.
Bom, quando o Estado intervém, fomenta e garante o funcionamento do mercado, ou quando se busca o Estado, para que regule e garanta o funcionamento do mercado, a Administração Pública se torna um ator muito relevante, principalmente no Brasil - pois estou contextualizando em termos de Brasil -, para os negócios, e isso suscita, do ponto de vista do particular que negocia com a Administração, a organização em rede também, para poder trabalhar com as ofertas da Administração. A Administração licita obras, por exemplo. Obras, serviços e compras, mas basicamente obras públicas, o que já foi falado aqui.
A atuação da atividade empresarial ou do particular também se dá em redes. Isso se institucionaliza e se dispõe de maneira horizontal. E aí a corrupção, que eventualmente aconteça - e corrupção é uma via de mão dupla, pois envolve quem corrompe e quem é corrompido. E, no que toca à Administração, envolve certamente um funcionário público -, se dá também em rede. Ela se dá numa relação bilateral e de modo silencioso, por óbvio, para que garanta os benefícios e os interesses de ambos os envolvidos. Daí ser difícil, eventualmente, detectar a corrupção sem que se rompa esse silêncio, esse vínculo de conivência entre as partes envolvidas.
Há diferença do que ocorre na defesa da concorrência, em que normalmente o Cade, como órgão técnico legitimado, é quem determina e descobre a existência de um cartel, ainda que exista algum tipo de denúncia - não no sentido técnico, mas de notícia. É o Cade quem qualifica, via de regra, a existência de um cartel -, nos atos de corrupção e, principalmente, corrupção em obras e serviços. Isso se dá por uma notícia de algum dos participantes, por alguém que venha a dedurar o esquema, ou eventualmente numa atividade de controladoria, de correção interna, mas essa é mais difícil. Portanto, a detecção é o que se deve ter em mente quando se fala em acordos de leniência, porque há que se ter um ganho informacional por parte do Poder Público, em relação ao que está ocorrendo, para que ele possa detectar toda a fraude que esteja ocorrendo, o conluio ou, eventualmente, um cartel em licitações.
Portanto, esse é o primeiro ponto a se lembrar nesse caso e que demonstra que há uma diferença entre o sistema de motivações para se vir a relatar a existência de um cartel em conluio na esfera concorrencial, em que as pessoas concorrem entre elas - e, eventualmente, se delato o meu concorrente, volto a concorrer com ele em outras situações. Em relação a atos de corrupção, quando se abre o esquema para a autoridade, fatalmente se está entregando o corrupto, o funcionário corrupto ou o setor corrupto, e, eventualmente, para que aquela empresa continue a trabalhar, ela continuará a operar perante esse órgão público, essa empresa estatal, esse funcionário. Daí haver menos incentivo a que se rompam os vínculos de silêncio nos atos de corrupção envolvendo o serviço público.
Portanto, há uma analogia com o sistema do Cade, mas ela é uma analogia limitada. Não se pode transplantar toda a vivência do Cade, no que se refere a leniência, para a esfera anticorrupção.
Dito isso, destaco novamente que a detecção dos atos de corrupção é um fator importante na configuração de um acordo de leniência, e aí importa também a ordem cronológica ou o limite temporal, para que se faça o acordo. É preciso que a primeira empresa que venha a noticiar um esquema fraudulento, um conluio ou um ato de corrupção entre uma só pessoa jurídica e um funcionário corrupto, ou um conluio entre várias empresas, seja beneficiada por eventual isenção de grande parte das penas, uma redução significativa das penas.
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É preciso gerar essa instabilidade no sistema de cartel ou de conluio, mas dando benefício à primeira empresa que venha trazer a notícia à administração pública. Quando muito, é admissível que em determinados casos outras empresas que também colaborem tenham algum benefício, na sequência da primeira que venha a colaborar, e fatalmente esse benefício das demais empresas terá que ser muito menor em vista da primeira colaboradora.
E por que é possível pensar em mais de uma empresa? Porque, de todo modo, todas as empresas que colaborarem deverão trazer ao Estado, ao órgão público, à administração, fatos novos e relevantes. Não só desvelar um esquema fraudulento, mas eventualmente, se há uma investigação em curso, tanto na esfera administrativa, ou eventualmente na esfera criminal, é preciso que a empresa traga fato novo, inédito, relevante.
Não se pode pensar na ideia de, havendo uma investigação criminal em curso, levada a efeito pela Polícia, ou pelo Ministério Público, ou por ambos, em que a apuração já vai adiantada, a empresa - ainda que a ela não se implique a apuração criminal, mas certamente a seus dirigentes e funcionários, sim -venha e traga à Controladoria-Geral da União ou a uma controladoria estadual ou municipal dados sobre a apuração que já existe. O Estado, seja Polícia, Ministério Público, Administração, já está ciente, de alguma forma, daquela fraude.
Então, para que o acordo de leniência seja possível, é preciso que a empresa colabore com fatos novos e relevantes. E aos órgãos de Estado cabe o compartilhamento de informações e provas. De modo que não faz sentido, em havendo uma apuração criminal em curso - e aí podemos pensar no momento atual, embora essa legislação não deva servir para esse momento atual apenas, ela deve ser um modelo geral a ser aplicado para casos futuros, especialmente -, não faz sentido que o Estado faça um acordo com a empresa infratora em nome da qual e no interesse da qual foi praticado ato de corrupção, para beneficiá-la, sendo que o fato e as provas, e o caminho de provas, já é do conhecimento do próprio Estado.
Então, a ordem cronológica, o limite temporal e o benefício maior, a primeira colaboradora, ou, em muitos casos, quando é caso de cartel, exclusivamente a primeira colaboradora, é algo que, lógica e tecnicamente, se impõe. E aqui vale uma observação até em relação ao que foi falado há pouco: a empresa realmente se submete à responsabilização administrativa e civil, e apenas da pessoa jurídica de que se trata. Porém, no texto da medida provisória e do próprio Projeto de Lei 3.636, há a extensão dos efeitos para além da esfera administrativa, que é a esfera menor de responsabilização no sistema.
O sistema brasileiro prevê a responsabilização civil, criminal, administrativa, por improbidade administrativa, a responsabilidade política, que seria a responsabilidade administrativa qualificada do mandatário, inclusive a responsabilidade fiscal, eleitoral, se quiser levar a um excesso.
Nos projetos em curso, há previsão de estender os efeitos da leniência para as pessoas físicas, tanto na esfera criminal como na esfera da improbidade administrativa. Isso é admissível em dado caso concreto? Possivelmente sim. Isso tornará mais atrativo o próprio acordo de leniência e tornará mais ampliada a produção de provas, a desvelação de fatos por todos os envolvidos. É o que se vê no caso em curso, atualmente, inclusive.
Para isso ser possível tecnicamente, é imperativa a participação de todos os atores legitimados e, portanto, do Ministério Público, na celebração do acordo de leniência também. Por quê? Porque o Ministério Público é o titular da ação penal.
Ele poderá também ver a conveniência, a adequação, o interesse em se celebrar a leniência com a empresa a partir do que ele já tem na investigação criminal, e ele é também o titular concorrente da ação de improbidade administrativa.
Em relação à improbidade administrativa, faz-se necessário comentar que é preciso alterar a Lei de Improbidade Administrativa, que não prevê a possibilidade de acordo ou transação.
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Se tiver que admitir um acordo ou transação em sede de improbidade administrativa, é preciso que se deem alguns parâmetros, condições, requisitos objetivos e subjetivos. Há projeto de lei em curso em que isso está previsto.
No texto da medida provisória e no texto do Projeto de Lei 3.636, não há qualquer parametrização ou requisito previsto. Primeiro, que não é o canal apropriado, o veículo legislativo apropriado na medida provisória para alterar a Lei de Improbidade, que é uma lei civil e processual civil.
Mas, além disso, há um desprezo absoluto de outro projeto em curso aqui no Parlamento e que foi fruto de estudos, inclusive, da ENCCLA, salvo engano, encaminhado, certamente, pela Secretaria de Assuntos Legislativos já faz alguns anos. Então, é preciso levar em conta a necessidade de se adequar o sistema como um todo, porque, se se der uma ampla repercussão dos efeitos da leniência também para as pessoas físicas, vai se mutilar a Lei de Improbidade e se permitir acordos em outros casos que não de ato de corrupção ampliado, atos de improbidade menores, inclusive, para qualquer pessoa física e sem qualquer parâmetro. E isto, sim, seria como garantir um guarda-chuva de impunidade no sistema de responsabilização a partir da esfera administrativa, que, repito, é a esfera menos gravosa, é a esfera mais frágil, é a esfera que está dentro de uma posição hierárquica no Poder Executivo, e não poderia, à vista das demais esferas, ter essa interferência.
Tradicionalmente, quem interfere é a esfera penal nas demais, e não o contrário. Então, isso precisa ser levado em conta em termos de constitucionalidade...
(Soa a campainha.)
... inclusive, da legislação. Por fim - meu tempo está quase esgotado -, a participação do Ministério Público, como eu falei, é necessária a garantir segurança jurídica, porque o Ministério Público, se não participar na celebração do acordo, na verificação da adequação, legitimidade e legalidade do acordo, será sempre pelo sistema constitucional, por suas atribuições, legitimado a pleitear em juízo a anulação desse acordo.
É o que acontece na ação civil pública em relação a quaisquer colegitimados por exemplo, e aqui também na defesa do patrimônio e da moralidade administrativa. Daí ser essencial a participação do Ministério Público, inclusive para garantir a repercussão nas demais esferas, sobretudo na esfera penal, o que é do interesse das partes envolvidas, nem tanto do Ministério Público, eventualmente, mas dos particulares envolvidos.
Do mesmo modo, me parece que é relevante a participação do Tribunal de Contas competente, ainda que seja na fase de verificação, porque isso é do sistema constitucional. Os atores incumbidos da defesa do patrimônio e da moralidade têm que participar nesse instituto também.
E, não me alongando no tempo, gostaria de frisar ainda que, como eu disse antes, as sanções previstas são sanções duras, de fato são, mas elas já existiam na Lei de Licitações, na própria Lei de Improbidade. Não são uma inovação absoluta. São as sanções possíveis a que se sujeitam as pessoas jurídicas. Pessoa jurídica não vai para a prisão, aqui não é responsabilidade criminal, nem poderia ser, no caso, mas ela perde o direito a benefícios fiscais, creditícios, a contratos, participar de licitações. Isto tudo deve ser aplicado com base na proporcionalidade, com base em critérios que o sistema jurídico já prevê.
De todo modo, para permitir, nos casos concretos, que algumas empresas, talvez relevantes no setor em que desempenham suas atividades, continuem a operar sem que se prejudiquem nem os empregos, nem os acionistas minoritários, a ANPR defende que se pense em penas alternativas, como a transferência de controle acionário ou a alienação compulsória do controle acionário dos dirigentes que praticaram as faltas em benefício ou no interesse da pessoa jurídica. Assim, se preserva a empresa, os demais acionistas, e não se deixa de punir quem efetivamente praticou, e a empresa tem a sua punição também feita, embora reduzida.
Essa seria uma pena alternativa. Assim como se entende necessária a reparação integral do dano, mas não se desconhece a possibilidade de parcelamento, de criar mecanismos para que esse dano venha a ser pago a tempo e modo, ainda que no futuro, como, inclusive, há projeto em andamento, salvo engano, com base no faturamento futuro da empresa, para que se preserve a sua continuidade.
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Mas a reparação integral é dogma no direito brasileiro e algo de que não se pode abrir mão, até porque a reparação da lesão causada, do dano, do prejuízo causado não é nem sanção, ela é mera reparação ao estado anterior das coisas. Não é confundida com as demais sanções patrimoniais, seja de restrição a crédito e benefício, sejam as multas aplicáveis.
Por fim, falando em sanções, os projetos em curso preveem, de um certo modo, uma benevolente diminuição das sanções para aqueles que fazem o acordo de leniência. É preciso talvez ter parâmetros mais criteriosos, porque a leniência não deve implicar anistia, nem o instituto geral a qualquer pessoa jurídica que colabore, nem anistia à isenção de penas. Ela deve aplicar um acordo bilateral em que Estado e infrator tenham as vantagens possíveis no caso concreto, mas não uma anistia ou um perdão. Principalmente quando a leniência é permitida e facultada a mais de uma pessoa jurídica, aí, sim, é que as sanções devem ser observadas e graduadas, de uma forma razoável e proporcional, também em função do interesse público, não só em função do infrator.
Eu agradeço e me disponibilizo a depois para qualquer esclarecimento adicional.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Sequenciando a nossa audiência pública, tem a palavra o Sr. Rafael Valim, Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura.
O SR. RAFAEL VALIM - Bom dia a todos. Cumprimento meus colegas de Mesa, na pessoa do Exmo Senador Benedito de Lira. Agradeço o convite para participar desta audiência pública. Serei muito breve. Colocarei de modo objetivo as minhas ideias a respeito desse tema. Já venho me manifestando publicamente a respeito desse tema, de modo que só vou repetir o que eu já venho defendendo publicamente.
Eu me sinto muito à vontade porque concordo em larga medida com o que já foi dito até aqui. Então, na verdade, a minha ideia talvez seja acrescentar alguns argumentos e colocar o que eu penso em termos, vamos dizer, científicos. Eu não represento nenhuma empresa, nenhum setor, nada disso. É a minha posição acadêmica a respeito desse tema.
A primeira ideia ou a primeira colocação a ser feita é a propósito do quadro constitucional em que se insere o tema do combate à corrupção. Parece-me que nenhum de nós pode selecionar a eficácia da Constituição. Ninguém pode selecionar quais dispositivos constitucionais observar. Devemos ter a respeito de qualquer tema, em especial desse tema, uma visão integral da Constituição. Em meu juízo, uma visão integral a respeito desse tema passa obrigatoriamente pela conciliação entre combate à corrupção, ou seja, probidade administrativa, e a preservação do mercado interno, a preservação do mercado nacional. Essa conciliação me parece indispensável, sem a qual estaremos a violar a Constituição Federal. Esse é o primeiro dado que eu coloco e que me parece fundamental para iniciarmos qualquer debate a respeito do tema.
Muito bem. A Medida Provisória nº 703, que vem em um momento extremamente tumultuado do País, deve ser, na medida do possível, pelo menos, examinada de um modo desapaixonado, de um modo técnico. E é o que eu felizmente assisto nesta audiência pública, um debate de alto nível, que realmente me parece que vai contribuir para o exame do tema.
Agora, para avançarmos nisso, no exame da medida provisória, e aprimorando essa medida provisória, parece-me que também temos de pelo menos tentar preservar a coerência desse instituto.
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Ou colocamos de modo coerente e - vamos dizer assim - até as últimas consequências esse acordo de leniência no sistema normativo brasileiro, ou não o colocamos, sob pena de, mais uma vez, introduzirmos uma lei, uma norma que não vai ter eficácia, não vai ter efetividade. Vai ser mais uma norma bem-intencionada que - entre aspas - "não pegou". Então me parece que esse exercício de coerência deve ser feito a propósito desse tema.
A MP - e isso já venho afirmando - parece-me que já é uma contribuição significativa e devemos reconhecer que é um avanço significativo nessa matéria, como os que me antecederam já colocaram. O acordo de leniência, tal como foi estabelecido originalmente na lei, era absolutamente inaplicável. Nessa medida, a MP vem contribuir para a efetividade desse instituto. Entretanto, penso que podemos avançar na disciplina do acordo de leniência em alguns aspectos que eu colocarei de uma maneira muito, muito breve.
Em primeiro lugar, é preciso entender o acordo de leniência, como bem colocou o Leonardo e a Drª Samanta. Parece-me que seria até leviano afirmar que acordo de leniência é sinônimo de impunidade. Isso é desconhecer também o panorama internacional a propósito do tema.
E o que se quer aí é, a um só tempo, responsabilizar aqueles que cometeram ilegalidades, atos de corrupção, preservar a empresa, que é fundamental ao desenvolvimento nacional e que está também protegida pela Constituição, e - parece-me algo muito importante e que às vezes passa despercebido - refundar esses mercados sob bases éticas. Parece-me que a única possibilidade de refundarmos logo esses mercados que estão, vamos dizer assim, afligidos pelo mal da corrupção, é nessas bases, ou seja, punir. E muitas vezes essas punições levam longos anos, o que não permitirá a refundação sob bases éticas ou pelo menos a possibilidade de refundar esses mercados sob bases éticas em um tempo curto. Então, esse me parece um dado também importante a ser colocado.
A propósito dos órgãos de controle, penso que andou bem a MP, definindo de uma maneira clara o papel do Ministério Público, o papel do Tribunal de Contas, enquanto no seu papel de controle a posteriori desses acordos. E não teria maiores reparos a fazer.
Agora vão minhas sugestões brevíssimas.
Em primeiro lugar, parece fundamental contemplar as pessoas físicas nesses acordos, tal como adiantou a Dr. Samantha, e também, naturalmente com cautela, com critério. Mas negar a extensão desses acordos para as pessoas físicas também é negar um dado da realidade. Quem vai delatar serão pessoas físicas. Qual pessoa física vai delatar para salvar a empresa? E ela depois está exposta à persecução penal do Estado e a persecução também contra o seu próprio patrimônio. Então, isso violaria o que acabei de dizer que é a coerência nesse instituto. Ou o fazemos de maneira coerente ou o abandonamos de vez. Mas acho que é importante que mantenhamos a coerência.
Vejam: a extensão aos aspectos ou às pessoas físicas também não é nenhuma novidade, como já foi dito aqui no sistema brasileiro, porque a Lei nº 12.529, em matéria de defesa da concorrência, estende os efeitos dos acordos de leniência às pessoas físicas. Umbilicalmente ligados a essa extensão estão também os efeitos penais. Parece-me conveniente atribuir efeitos penais a esses acordos de leniência.
Então, extensão às pessoas físicas mais aspectos penais, pelas mesmas razões que eu acabei de dizer.
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A exposição dessas pessoas físicas à persecução penal me parece ser um desestímulo à celebração desses acordos.
Outro ponto, que também não vejo muito colocado, é um detalhe da lei que talvez mereça. A extinção dessas sanções restritivas ao direito de licitar e de contratar com a Administração Pública parece que deve ser acompanhada da extinção da restrição ao crédito, porque há também uma sanção, prevista na Lei Anticorrupção, de que as empresas não poderão receber ou firmar acordos com bancos públicos, receber crédito, nada disso. E em mercados altamente alavancados - aqui posso fazer uma referência especial ao mercado de infraestrutura -, se não eliminarmos essa sanção - este é um dado da realidade também -, não adianta extinguir a sanção restritiva ao direito de licitar, porque elas continuarão não conseguindo celebrar esses contratos ou executar esses contratos por absoluta falta de capital. Então, parece-me que isso também merece uma reflexão.
Em último lugar... Desculpe-me. Eu estava esquecendo o aspecto penal também. É interessante que se diga que isso é algo que também está previsto na legislação de defesa da concordância. E vejam: na Lei de Defesa da Concorrência, vamos dizer assim, a extinção da punibilidade se dá sem a aquiescência do Ministério Público, o que eu acho um erro, o que eu considero um erro. Mas, lá, uma autoridade administrativa, o Cade, tem essa possibilidade de extinguir a punibilidade sem a participação. Na prática, não, mas, na lei, isso está previsto, o que me parece inconstitucional. Obviamente, no caso aqui, se fosse andar por esse caminho, naturalmente teria de ser obrigatória a participação do Ministério Público em acordos que envolvessem aspectos penais.
Em último lugar, talvez conviesse também algum dispositivo que reforçasse o dever de motivação e de igualdade nesses acordos que evitassem tratamentos desiguais. É claro que esses são princípios consagradíssimos da Administração Pública, mas talvez fossem necessários não só quando se deseja celebrar o acordo, mas também quando não se deseja celebrar um acordo, porque não se quis celebrar um acordo. Então, os deveres de motivação e de igualdade na celebração dos acordos de leniência, em meu juízo, são fundamentais para o êxito de um programa adequado de leniência no bojo, no âmbito da legislação de corrupção.
Essas eram as minhas modestíssimas contribuições.
Agradeço, uma vez mais, a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado, Dr. Rafael.
Concedo a palavra ao Dr. Alexandre Vidigal, Juiz Federal e representante da Associação dos Juízes Federais.
O SR. ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA - Pois não, Presidente. Bom dia!
Na pessoa de V. Exª, eu cumprimento todos os membros da Mesa. Cumprimento, de igual sorte, todos que se encontram aqui presentes.
Acredito que serei bastante breve. Nem serão necessários os 15 minutos que me foram concedidos, até porque, na qualidade tão distinta de representante dos juízes federais e diante de um tema que nos é bastante afeto e que faz parte do nosso dia a dia, da nossa atuação jurisdicional, foi bastante oportuno esse convite que o Senado nos fez para vir a este debate, pois acreditamos que, por nossa experiência, podemos, eventualmente, trazer alguma contribuição para melhorar, eu diria, até mais do que a própria lei, mas o próprio sistema, o avanço de que este País precisa no sentido de adotar medidas cada vez mais eficazes, mais apropriadas no combate à corrupção e a todo e qualquer meio que se busque de desvio e de violação a esse relacionamento do público com o privado.
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Acentuo que não podemos ser ingênuos. Nesse meio do ambiente da corrupção, o nível de profissionalismo é tanto mais elevado quanto menos preparados se encontram a Administração Pública e o Poder Público para enfrentá-lo, ou seja, nós não podemos enfrentar tema de tal magnitude e importância com algum amadorismo, com algum despreparado. Temos, efetivamente, que nos utilizar de todos os meios e instrumentos e de toda capacitação possível para enfrentar, à altura, esse tema que é tão relevante ao País e à sociedade brasileira.
Especificamente no que se refere à Lei nº 12.846, que, no seu contexto, trata da responsabilidade das pessoas jurídicas naquilo que diz respeito às relações desviadas com o Poder Público, eu particularmente traria, como tema de contribuição a esta importante audiência, a questão, mais uma vez, dos acordos de leniência, como já ressaltaram os demais ilustres membros da Mesa.
Nesse aspecto, particularmente, eu colocaria que é importante termos, em foco, como acentuou o Dr. Rafael e a ilustre Procuradora da República, que acordo de leniência não é um acordo de benefícios propriamente dito. Não é uma oportunidade de anistia. Não é apenas uma chance que se tem de reverter uma situação ilícita, concedendo alguma vantagem àqueles atores envolvidos, para que as coisas possam encontrar alguma solução no que se refere até a essa preocupação social, como trouxe o eminente Dr. Claudio. Refiro-me ao aspecto da impossibilidade de haver uma crise da ordem econômica que inviabilizaria, por sua vez, as oportunidades de emprego e de trabalho. Mais do que isso, o acordo de leniência é, efetivamente, um acordo de cooperação. É uma oportunidade que se dá e que está na lei para que instrumentos investigatórios sejam cada vez mais aprofundados. Em razão dessa oportunidade que se dá, dessa colaboração, o desviado, o praticante do ilícito, quando chamado à responsabilidade, poderá ter a oportunidade de se beneficiar na repercussão civil e administrativa do seu erro, da sua prática indevida. Em razão disso, é necessário que contribua também. Então, o acordo de leniência é uma estrada de duas mãos, é uma via de duas mãos. Ou seja, oportuniza-se a possibilidade de minorar os efeitos de uma eventual responsabilidade civil e administrativa, mas, em compensação, é necessário que se traga também alguma contribuição à sociedade e ao Estado.
Então, nesse aspecto, eu acredito que é importante sempre focarmos o contexto do que vem a ser o acordo de leniência. Não é privilégio; efetivamente, não.
Em razão disso, do ponto de vista mais crítico do que dispõe a lei e a medida provisória, eu gostaria de pontuar o que, para nós, juízes, é uma certa inquietação. Refiro-me aos protagonistas envolvidos nesse acordo de leniência. Digo inquietação, porque nós temos que entender, como coloquei inicialmente, que, nesse ambiente, não há amadores. Nós estamos num ambiente de pessoas absolutamente preparadas e dispostas a tirarem vantagem desse relacionamento público-privado em benefício exclusivamente do privado e em absoluta desconsideração ao público.
Então, quando a lei inicialmente diz que o acordo de leniência poderá ser feito pelos chefes das entidades administrativas e, depois, a medida provisória reserva esse protagonismo à CGU, parece-me que a lei, tanto em seu texto originário como na reforma trazida pela MP, não andou bem. Não andou por quê? Porque, quando falo em desvios da atividade, dos objetivos da atividade pública e desse conflito de interesses entre o público e o privado, e trago, como um dos protagonistas desse acordo de leniência, um órgão que pertence à própria estrutura do Estado, como é a CGU, parece-me que eu estou chamando a esse debate, a esse acordo uma instituição que tem interesse, eventualmente, em que esse acordo não seja alcançado em sua plenitude.
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Não quero colocar aqui em dúvida absolutamente a capacidade e o preparo de todos os agentes públicos que estão envolvidos, que participam e que pertencem aos quadros da CGU, mas nós não podemos, como disse inicialmente, ser ingênuos, porque a CGU não é um órgão independente na estrutura do Estado, ela não detém o mesmo status de independência que tem um órgão de controle externo como o TCU, ou um órgão como o Ministério Público.
Então, chamar a um debate, a uma mesa consensual alguém que é também parte, eventualmente, desse interesse alcançado, parece-me que é um tanto quanto, naquilo que eu disse, de uma certa ingenuidade; é um tema que nós temos que enfrentar com alguma profundidade.
Na visão dos juízes federais, então, e o tema é novo, lógico, ele desperta ainda muitos questionamentos, é importante que os assuntos venham sendo trazidos, debatidos e aprofundados, mas, na nossa visão, o acordo de leniência teria uma absoluta possibilidade de êxito se nós não tivéssemos como o seu protagonista uma entidade vinculada à própria estrutura do Estado, como, no caso da União Federal, a CGU. E por quê? Porque se o acordo de leniência é benefício em troca de uma colaboração, essa colaboração só tem sentido se for alcançada no máximo possível em que se possa dar informações a esse ambiente de desvios dessa relação pública e privada.
Quando a lei diz: "feito o acordo com a CGU, encaminhe-se ao TCU", é muito interessante, mas me parece que andou pela metade, porque o TCU terá atribuições próprias. Mas e no que se refere ao conteúdo das investigações e das informações que poderiam ser aprofundadas? Eventualmente eu posso ter, pelo órgão do Estado, no caso a CGU, uma limitação do conteúdo investigatório, do conteúdo de informações a serem dadas, nada mais nada menos porque eventualmente órgãos de governo muito vinculados e muito diretamente relacionados com a própria CGU estão interessados, podem estar interessados em que essas investigações não se aprofundem.
Então, a meu ver, para termos um devido alcance, um devido envolvimento, uma devida razão, até pela lógica da coisa, eu entendo que o Estado, enquanto governo, não poderia fazer parte de uma mesa de leniência, de um acordo de leniência. Essa é a visão que nós temos e que nos traz uma certa preocupação, e entendemos que, como entes exclusivos dessa possibilidade, deveriam estar os órgãos de controle externo e o Ministério Público.
Curioso inclusive que a lei fala que os acordos de leniência podem ser feitos pela CGU isolada, ou conjuntamente com o Ministério Público, ou com os órgãos de controle externo, mas não estabelece em que condições pode ser feito isso, em conjunto ou isoladamente. Ou seja, parece que fica a critério do próprio administrador. Diante de uma situação deflagrada, onde se chama a empresa para esse acordo, porque muito mais do que o que já se sabe dessa situação de desvios da empresa, tanto é que ela foi chamada ao acordo de leniência, o que importa é saber algo mais. Esse algo mais tem que ser, naturalmente - isso é da lógica das coisas - buscado por agentes, por atores fora desse contexto da violação e dos desvios.
Então, essa é uma primeira colocação que, em nome dos juízes federais, nós trazemos no que se refere a uma certa imprecisão e com o risco de, com o tempo, nós termos acordos e não necessariamente acordos de leniência no objetivo final a que se propõe.
Uma outra questão que nos é interessante, e diante desse debate apenas preliminar, é no que se refere à anistia completa, vou falar em anistia, que é um termo popularmente mais conhecido por todos. Uma vez feito o acordo de leniência, a empresa estaria ainda que com obrigação de indenizar, como bem colocou o Dr. Leonardo, isso está na lei; quer dizer, sob qualquer aspecto, o acordo de leniência impossibilita o dever de indenizar.
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Mas nós temos que ter em mente que, uma vez feita a leniência e definida a indenização, a própria lei diz que fica inviabilizada a cobrança de qualquer outra sanção de natureza pecuniária.
Não podemos esquecer que geralmente esses desvios se dão no contexto de contratos públicos, contratos feitos com entidades privadas e esses contratos preveem suas multas contratuais. Então, na condição de juiz e diante de uma eventual defesa, eu teria alguma dúvida, pelo texto da lei, em deixar de acolher uma tese que diga: "Olha, não se cobre a multa contratual, porque que o acordo leniência, a lei estabelece que absolutamente todas as demais sansões pecuniárias estão superadas". Me parece um pouco perigoso o alcance que a lei dá de que estaria toda a situação dessa sanção pecuniária alcançada. Nós temos as multas contratuais, são relevantes, e isso não pode deixar de ser considerado.
Diante do que foi colocado aqui, principalmente pelo Dr. Rafael e pela ilustre Procuradora Drª Samantha, nós também pensamos que a legislação, no que se refere à possibilidade de transação para o agente público, tem que avançar. A Lei de Improbidade hoje não prevê isso. Quer dizer, nesse contexto de mecanismos que temos que buscar para chegarmos ao máximo possível de descoberta desse meandro de ilegalidade que esse ambiente se caracteriza, é importante que se chame também o agente público envolvido e se lhe permita que transacione, que coloque, que exponha o conhecimento dos fatos que tem, inclusive, envolvendo situações até então não conhecidas.
Faria uma última observação, e aqui talvez não sei até que ponto nisso eu expresso o pensamento dos demais colegas juízes, mas é uma posição particularizada que eu tenho, me parece que há um equívoco na nossa legislação, e a rigor isso é dos sistemas jurídicos como um todo, há sempre aquela impossibilidade de contratação daquela pessoa jurídica que foi punida. Me parece haver, nesse tipo de sanção, um equívoco, porque a impossibilidade de contratar, impossibilita naturalmente a geração de riqueza daquela empresa e que necessita de recursos até mesmo para fazer valer o seu comprometimento, no que se refere ao pagamento da dívida, ao compromisso que assumiu.
Eu digo isso até com relação às pessoas físicas, nós temos a cultura de negativar, e essa negativação inviabiliza que essa pessoa ou mesmo empresa produza riquezas e viabiliza o pagamento de tributos. Ou seja, me parece que é chegada a hora de repensarmos como sanção essa impossibilidade de se negociar com aquele que se encontra inadimplente. Aquele que se encontra inadimplente precisa de muito mais recursos do que daquele que se encontra em situação de adimplência, em situação de equilíbrio financeiro.
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA - Ou seja, ele precisa rever, ter a possibilidade de refazer e retomar as suas atuações.
E, por fim, eu queria apenas colocar uma ponderação, com relação ao que diz o Dr. Claudio, nós temos todos, acho que nenhum ninguém se afasta quanto a isso, a preocupação no que se refere à proteção ao trabalhador. Toda essa crise leva a um drama social que sabemos o quanto é grande, o quanto é de sofrimento, que nos atinge a todos. Não dá para passar indiferente disso.
Mas o que importa colocar, Dr. Claudio, é que - eu até escrevi aqui - o ideal é que não tivéssemos a necessidade de uma lei como essa. O ideal é que não tivéssemos a necessidade de um acordo de leniência, o ideal mesmo é que não tivéssemos a corrupção no nosso meio. Essa é que é a grande verdade. Tudo mais é consequência desse ambiente nefasto que, culturalmente ou não, nos encontramos. Não de hoje, mas historicamente, e que é chegada a hora de uma mudança efetivamente radical.
Somente isso. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado ao Dr. Alexandre.
E, como último convidado, concedo a palavra a Drª Lucieni Pereira, Presidente da Associação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas da União do Brasil.
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É interessante porque ouvimos os cinco representantes das mais diversas instituições e deixamos por último, como disse o Dr. Alexandre, o Tribunal de Contas, na verdade é quem fiscaliza todos nós, todas as instituições.
V. Exª tem a palavra.
A SRª SAMANTHA CHANTAL DOBROWOLSKI - Muitíssimo obrigada. Bom dia a todos!
É uma responsabilidade muito grande a que o Senador Benedito de Lira coloca em minhas palavras como representante não do Tribunal de Contas da União, mas da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo, dos 34 Tribunais de Conta.
Aqui vou falar em nome da classe dos auditores. Amanhã, deve vir algum representante do Tribunal de Contas da União para falar sobre esse tema.
Quero fazer um agradecimento especial ao Deputado Pauderney Avelino que acolheu as nossas sugestões com alguns nomes, inclusive o do Dr. Rafael Valim, que está aqui. É uma honra muito grande ter esse contraponto numa matéria que é complexa e que afeta, de alguma forma, os cidadãos e a administração pública.
Nós temos, na verdade, uma espécie de um microssistema anticorrupção que gira em torno de atos que podem ser configurados como fraudes à licitação e contratos públicos. Nós temos a possibilidade de uma responsabilização na esfera administrativa com as sanções previstas no art. 87, da Lei 8.666, Lei de Licitações, que possibilita que o Ministro de Estado, ou Secretário Estadual ou Municipal, aplique as sanções de declarar as empresas inidôneas. Então, já tenho essa hipótese na Lei 8.666.
Tenho a esfera de controle externo em que os órgãos de controle externo atuam. O Congresso Nacional atua podendo sustar os contratos. O Tribunal de Contas faz as fiscalizações, com a possibilidade de declarar as empresas inidôneas. Então, no âmbito do controle externo, tenho dois órgãos com papel importantíssimo, na esfera da União, e que se reproduzem nos Estados e Municípios. O Congresso tem um papel importantíssimo, previsto no art. 71, §1º, da Constituição, que é a possibilidade de sustar os contratos. O Tribunal de Contas tem toda a possibilidade de fazer as fiscalizações - inclusive por solicitação do Congresso Nacional - e aplicar multas e demais sanções previstas em lei. Uma delas é a de declarar as empresas inidôneas na esfera do controle externo. Está fixado na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e se reproduz nas leis orgânicas dos Tribunais de Conta dos Estados, dos Municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro. Então, o Tribunal pode declarar as empresas inidôneas por até cinco anos.
Enquanto na esfera administrativa, o Ministro de Estado - e a competência é dele e não do órgão de controle interno, já antecipo - pode declarar as empresas inidôneas por até dois anos, mais aplicação de multa, no caso da esfera de controle externo essa competência é do Tribunal de Contas da União e o prazo é de até cinco anos.
Posso ter, ainda, uma ação na esfera cível em que os protagonistas estão fixados na Lei nº 8.429 e na lei de ação civil pública. Há possibilidade, pela Lei 8.429, de o juízo, na esfera cível, poder aplicar as sanções previstas no art. 12, da Lei 8.429, que é uma Lei que é focada para a pessoa física. Se a pessoa física envolvida for sócio majoritário há possibilidade de declarar as empresas inidôneas por até 10 anos. Então, ficam impedidas de contratar com a administração pública e também de receber subsídios dos bancos públicos. Hoje a agente tem empréstimos aí que custam ao Tesouro Nacional cerca de 16%, enquanto a União empresta de 3% a 5%. Então, esse é um custo para a sociedade. O que precisamos é discutir se é razoável à sociedade continuar custeando em dez pontos percentuais esses financiamentos públicos que geram endividamento da União, da ordem de 10% ao ano, enquanto essas empresas fraldam as licitações públicas.
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Vem a esfera criminal, com todas as possibilidades do Código Penal e de outras leis penais vigentes.
Então, esse é um ponto para reflexão. É com base nisso, obviamente, que há acordos de leniência. Não temos uma visão de que seja um grande acordão contra o Estado brasileiro. Não é isso. O que nos preocupa é a modelagem posta na Lei Anticorrupção original, na medida provisória e no PL nº 3.636. É isso o que a gente quer discutir. Nós não somos contra o acordo como um instrumento para ampliar as investigações. Acordo de leniência, como já foi dito aqui anteriormente, tem essa finalidade.
Pode passar para mim, por gentileza.
Acho importante a gente ir à origem para que relembre e reflita sobre com que propósito o Poder Executivo, o Ministro da Justiça, com o Advogado-Geral da União e o Controlador-Geral da União, encaminharam a proposta que resultou na Lei Anticorrupção, que foi aprovada em resposta às manifestações de 2013. Não podemos nos esquecer. Então, os objetivos estão explícitos na mensagem interministerial encaminhada ao Congresso. O Congresso fez todo o debate com base nesse objetivo. Se o Congresso vai mudar a finalidade, a gente pode discutir, não tem problema nenhum, mas é preciso que se debata abertamente a questão. Então, o que se previa era responsabilizar a pessoa jurídica. Essa foi a finalidade da proposta que o Poder Executivo encaminhou ao Congresso. Foi isso o que o Congresso aprovou em resposta à sociedade.
Muito bem. Pode passar.
Responsabilização. Porque no entendimento desses ministérios, a corrupção enfraquece as instituições democráticas, além de gerar um ambiente de insegurança no mercado econômico. Então, achar que não punir as empresas envolvidas em corrupção é algo que vai manter os empregos...É preciso uma reflexão mais alargada sobre essa questão. Nós não podemos avaliar questões pontuais. Como especialista na área fiscal, posso dizer que o problema do desemprego que temos hoje não é fruto da Lava Jato. Há muitos outros fatores que entram nessa equação, que é uma equação complexa e que passa por uma matriz econômica. Posso vir aqui para debatê-las numa outra oportunidade. Mas a Lava Jata, até onde eu sei, não declarou nenhuma empresa inidônea ainda. Os contratos assinados continuam sendo executados. Essas empresas estão recebendo valores do Tesouro Nacional. Então, é preciso se avaliar sob uma questão mais alargada para que a gente não incorra em falácias, sem querer ou sem entender. Sei que a parte econômica é uma parte muito complexa, a macroeconomia, mas a gente pode acabar, sem saber, incorrendo em algumas falácias.
Pode falar, por gentileza.
O próprio Executivo, ele mesmo, reconheceu a necessidade de uma lei com esse propósito porque a corrupção, sim, é que compromete o desenvolvimento econômico.
O controle da corrupção assume, portanto, um papel fundamental no fortalecimento das instituições e na viabilização do crescimento econômico. Não fui eu que disse, não sou eu quem diz, é o Ministério da Justiça, é a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União, num documento oficial encaminhado ao Congresso Nacional.
Pode passar, por favor.
Tudo isso foi feito a partir de uma forma mais alargada....O Brasil assinou essas convenções, é signatário dessas convenções em que assume esses acordos no plano internacional e encaminha uma proposta para dar concretude aos acordos internacional. Esses acordos internacionais previam a responsabilização da pessoa jurídica. Então, agora discutir que eu não posso responsabilizar o CNPJ, que eu tenho de responsabilizar o CPF, é desviar dos acordos internacionais. O Brasil tem soberania, ele pode fazer isso. Vamos discutir isso abertamente com a sociedade e sinalizar, para a comunidade internacional, que o Brasil não mais vai responsabilizar a pessoa jurídica. Não tem problema nenhum.
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Nós podemos discutir isso no âmbito do Parlamento.
Pode passar, por gentileza.
Os Ministros esclareceram também que era preciso ter uma forma efetiva de punir a pessoa jurídica. Então, a todo momento não se tinha dúvida de que a modelagem era para punir pessoa jurídica. Escolheu-se uma responsabilização objetiva na esfera cível e na esfera administrativa também.
Enquanto no crime ambiental, ao regulamentar o art. 225 da Constituição, a modelagem era responsabilização subjetiva na esfera criminal e administrativa também, que foi regulamentada pela Lei 9.605, de 1998, no caso da Lei Anticorrupção, para punir os desvios na relação com a Administração Pública, que me parece tão ou mais grave que os crimes ambientais, escolheu-se a esfera cível e a esfera administrativa.
Pode passar por gentileza.
Aí entra o problema. Até então não há nenhum problema. O problema vem na modelagem. Então, para atender os acordos internacionais, a modelagem foi essencialmente... Ali está a CGU, representando o controle interno, mas não estou falando apenas da CGU e sim de 11 mil órgãos de controle interno. A CGU é apenas um órgão de controle interno do Poder Executivo. Ela não faz o controle interno do Senado, ela não faz o controle interno da Câmara, do TCU, da Defensoria Pública, do Ministério Público. Cada órgão autônomo tem o seu órgão de controle interno e cada órgão de controle interno tem as mesmas competências previstas na Lei Anticorrupção. Eu não tenho só corrupção no âmbito do Poder Executivo. O caso do TRT de São Paulo é um caso clássico de corrupção no âmbito do Judiciário e aí o órgão que faria esses acordos seria o órgão de controle interno, o agente é subordinado ao Presidente do TRT, que estava envolvido com aquele grande, aquele megaescândalo de corrupção.
Pode passar, por gentileza.
O que temos que discutir são os papéis das instituições constitucionais. Aqui não há espaço para valorizar a instituição a, b e c ou fortalecer a classe a, b e c. A questão aqui não é essa. A questão é ver os papeis constitucionais de cada instituição e como podemos harmonizar, para garantir segurança jurídica aos acordos. É apenas isso. Ninguém é contra acordo, ninguém é contra repercussão que se almeja com esses acordos.
É preciso eleger as instituições corretas, porque senão é Judiciário na certa. Aí a lei não pega e ainda gera um ônus enorme para o Estado, porque o Judiciário vai receber uma avalanche de ações e os órgãos de controle vão atuar e não serão efetivos nessa sua atuação. Então, é jogar dinheiro do contribuinte na lata do lixo.
Pode passar, por gentileza.
Eu começo com o controle externo brasileiro, que tem o Congresso Nacional como titular, o Tribunal de Contas como uma instituição independente, autônoma, mas que exerce esse papel auxiliando o Congresso Nacional e o Controle Interno representado pela CGU, mas que são todos os órgãos de controle interno no âmbito da União e dos outros entes da Federação.
Pode passar, por gentileza.
Eu tenho o Capítulo do Legislativo, Seção da Fiscalização Contábil Financeira e Orçamentária, que vai do art. 70 a 75, abrangendo do Congresso Nacional aos Tribunais de Contas dos Estados e Municípios, passando pelo controle interno. Então, o controle interno não está lá nos Ministérios. Ele é um sistema que se organiza dentro dos órgãos, mas num papel de fiscalização contábil, financeira e orçamentária previsto no capítulo do Legislativo.
Pode passar, por gentileza.
(Soa a campainha.)
A SRª SAMANTHA CHANTAL DOBROWOLSKI - "A fiscalização contábil, [...] [está aqui no 70 - peço mais um minutinho -] será exercida pelo Congresso [...], mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder." Então, cada poder tem o seu sistema de controle interno.
Pode passar.
Essa é uma fiscalização que tem que envolver interesse da União. Então, há uma falha, não vou nem entrar nesse mérito. O art. 9º da Lei Anticorrupção prevê que o controle interno da União vai atuar em alguns ilícitos de empresas brasileiras com estado estrangeiro. Não consigo alcançar o interesse da União.
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Então, obviamente isso vai cair na hora em que se aplicar multa a essas empresas que vendem para estados estrangeiros, porque não se está respeitando alguns pressupostos constitucionais.
Pode passar.
Isso não cabe ao órgão de controle interno e temos um órgão de controle externo autônomo, que atua auxiliando o Congresso Nacional, com papeis claros, constitucionais.
Pode passar.
Por ser um órgão julgador, não defendemos o Tribunal de Contas nem da União nem dos Estados como parte do acordo. Quem julga não é parte. Quem julga pode homologar esse acordo, fiscalizar esse acordo, porque enquanto o Judiciário julga e o Ministério Público faz a investigação, no âmbito do controle externo, o Tribunal de Contas tem a função de investigar e tem a função de julgar.
Então, a fiscalização tem que ser feita com base na nossa lei orgânica e na Constituição. Então, há algumas falhas em relação à medida provisória e aos projetos que tramitam, porque o nosso objetivo é recuperar prejuízo ao Erário.
Então, as medidas que buscam você só vai ver ao final... Isso tudo atinge a lei orgânica do tribunal, inclusive o poder implícito de cautelar, consagrado no Supremo. E aí não têm como prosperar as iniciativas que preveem o tribunal fiscalizar a posteriori.
Pode passar.
Porque vai ferir esse dispositivo.
Compete, nessa esfera de controle externo, ao Tribunal de Contas, aplicar as sanções previstas em lei. Então, me parece complicado que 11 mil órgãos do controle interno possam aplicar multa de 20% do faturamento bruto das empresas. A meu ver, isso não passa sob escrutínio do Judiciário certamente. Na hora em que essas empresas forem sujeitas à multa, elas derrubam muito facilmente, a meu ver, no âmbito do Judiciário, porque não cabe ao controle interno 11 mil órgãos aplicarem sanções, principalmente pecuniária.
Pode passar.
As decisões do Tribunal têm eficácia de título executivo por previsão constitucional.
Pode passar.
A nossa lei orgânica prevê a declaração de empresas inidôneas.
Pode passar.
É uma lei de que as alterações têm que ser de iniciativa do TCU, por reserva constitucional. E aí eu tenho o Sistema de Controle Interno. Cada Poder, a CGU é apenas do Poder Executivo.
Pode passar. Vou dar uma corridinha.
Aí está o dispositivo constitucional dentro daquele arcabouço de que cada Poder tem o seu órgão de controle interno.
Pode passar.
Não posso pensar só na União. Tenho que pensar em 5.500 Municípios.
Com essas atribuições não vemos celebrar acordos, mas, sim, apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
Pode passar. Quero entrar num ponto onde...
Causa-me estranheza que, em nenhum momento da norma, o controle interno tem que avisar o Tribunal de Contas da União e dos Estados, se a Constituição diz que, de qualquer conhecimento, ele tem que dar ciência ao Tribunal e eles elegeram dar ciência ao Ministério Público.
Então, isso me parece ferir esse dispositivo constitucional também.
Pode passar.
Essa aplicação da multa acho que em outra oportunidade é preciso ser revista, porque o agente legítimo... Acho que tem grande chance de ser questionado no âmbito do Judiciário, fica como um alerta para quem atua com as empresas e busca a segurança jurídica deste cenário...
(Soa a campainha.)
A SRª SAMANTHA CHANTAL DOBROWOLSKI - Pode passar.
Queria só entrar no âmbito, entrar na nossa proposta que foi apresentada pelo Deputado Raul Jungmann.
Propomos uma harmonia com a Lei 8.429, já que se pretende dar essa repercussão e, como disse o magistrado, esse não é um campo de ingenuidade e de pessoas com boas intenções. Eu tenho uma razão para a Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa, que prevê que a Advocacia Pública representa o ente da Federação, que é o titular da responsabilidade e da competência e do Ministério Público ajuizarem ações de improbidade administrativa.
Eu não consigo vislumbrar ações de corrupção, da Lei Anticorrupção, que também não toquem em improbidade administrativa e as empresas querem segurança.
Então, propomos os mesmos legitimados.
Pode passar.
Por isso e, em especial, porque a Constituição prevê que a representação judicial compete ao órgão jurídico, à Advocacia-Geral da União e aos correspondentes nos Estados e Municípios, isso está reforçado na Lei Complementar nº 73 e na Lei nº 9.469, de 1997.
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O Ministério Público também, aí há uma divergência em relação aos representantes da Advocacia Pública, que acham que eles sempre deveriam participar, mas eu posso ter uma ação que decorra de uma investigação criminal sigilosa. E aí, isso pode ter que acontecer.
E a responsabilização extrajudicial, que é o que me parece serem os acordos de leniência não homologados judicialmente, também é competência do órgão jurídico. Então, aí fica uma reflexão para o Judiciário. O juiz Sérgio Moro fez homologação de um acordo de leniência para dar segurança jurídica. Se isso não for feito, a sociedade pode questionar com ações populares, com ação civil pública e o Ministério Público também.
Então, se não houvesse a homologação, como ocorre na delação, o magistrado homologando para dar segurança jurídica a essas empresas, a chance de haver uma corrida imensa, de o Congresso Nacional entrar com processos aqui para nulidade desses acordos, Senador, é muito grande. E isso coloca as empresas em um quadro de insegurança jurídica imensa.
Eu teria muito mais coisas para falar, mas fica na minha apresentação. E eu me coloco à disposição aqui para o debate.
Muitíssimo obrigada a todos.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Dando sequência agora, encerrada a apresentação dos nossos convidados, nós vamos conceder a palavra, no primeiro momento, ao nosso Relator...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Bom, eu quero dar um bom dia...
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - ...Deputado Paulo Teixeira. Em seguida, concedo a palavra ao Deputado Vicente Candido e ao Deputado Bebeto, que já estão inscritos.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Inicialmente, quero cumprimentar o Senador Benedito de Lira, agradecer a condução desses trabalhos. Cumprimentar igualmente os Deputados Bebeto, Vicente Candido e Bruno Covas. Agradecer ao Sr. Claudio da Silva Gomes, que representa aqui a Central Única dos Trabalhadores; ao Sr. Leonardo Borges, da CNI; à Sra Samantha Chantal, da Associação Nacional dos Procuradores da República; o Sr. Rafael Valim, da IBEJI; o Sr. Alexandre Vidigal de Oliveira, a Ajufe; e a Sra Lucieni Pereira, ANTC.
Presidente, preliminarmente, gostaria de já sugerir a V. Exª acatar a sugestão do Deputado Bebeto, para que nós, na Mesa de amanhã, chamemos a Força Sindical igualmente. Como não havia nenhum requerimento, mas havendo um requerimento verbal de V. Exª, eu acho muito justo que nós chamemos a Força Sindical para falar na reunião de amanhã.
Ao mesmo tempo, Sr. Presidente, eu acho que esse é um tema muito relevante para o Brasil porque, a experiência estrangeira faz com que as empresas que cometeram irregularidades, práticas de corrupção paguem. Elas são punidas e, a sua punição, na minha opinião, compreende três dimensões de punição. A primeira punição é o afastamento daquele gestor que agiu mal. Em segundo lugar, o pagamento dos prejuízos provocados ao Erário. Em terceiro lugar, a obrigatoriedade de oferecer informações sobre aqueles fatos.
A experiência internacional demonstra que grandes empresas no mundo inteiro praticam ilícitos. Às vezes, fica parecendo que a corrupção é um fenômeno nacional. Recentemente, a Volkswagen cometeu uma grande ação de corrupção que atingiu inúmeros compradores de carros. E inúmeras empresas no mundo praticaram corrupção, mas como agem os Estados estrangeiros? Eles punem afastando seus gestores, punem obrigando essas empresas a ressarcir o Poder Público ou a pessoa prejudicada e exigindo que elas cumpram mecanismos de controle, que, em um termo muito utilizado pelo anglicismo, é a compliance.
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Portanto, essa é a tradição internacional. Eu, às vezes, acho que no Brasil há uma ação às vezes que quer destruir as empresas. Por exemplo, a empresa... Eu concordo aqui com o presidente da CUT quando ele diz que essas empresas dispõem de um patrimônio - atestados, conhecimentos, funcionários, gestão - e, portanto, há que haver a preservação desse patrimônio.
Recentemente, uma alta autoridade do Ministério Público disse que era contra essa medida provisória porque, segundo ele, essas empresas deveriam ser desapropriadas. Não é essa a experiência internacional. Na experiência internacional, as empresas continuam privadas e os seus sócios que não tiverem responsabilidade não respondem. Portanto, eu acho que esse tem que ser o nosso horizonte.
Um outro aspecto importante de dizer nesse horizonte é que nós temos que criar, a partir dessa prática, um mercado transparente, um mercado baseado em normas muito rígidas contra a corrupção, um mercado que previna e faça vigilância para que não haja corrupção. Se a corrupção se efetiva, ela é um mal para a sociedade. Nós temos que tentar fazer todo um trabalho de prevenção à corrupção.
Nós não deveríamos encarar como se o trabalho de combate à corrupção fosse só a posteriori. O combate à corrupção é como o atendimento à saúde, você tem que fazer tudo para não deteriorar a saúde. A corrupção é igual, nós temos que fazer todo um trabalho para não permitir que ela aconteça, porque ela é um mal na sociedade. Ela retira recursos dos serviços públicos: da escola, do hospital, do lazer, da cultura, do transporte. Enfim, retira recursos da sociedade. Assim, eu acho que esse tem que ser o horizonte que nós pensamos. A leniência é um mal necessário.
Outro aspecto que eu quero aqui discutir é que estes dois pilares foram ditos aqui pelo Leonardo. O pilar do compromisso com práticas de controle, compromisso com a chamada compliance, o compromisso de fazer, de adotar ações de combate à corrupção dentro da empresa, que elas não farão nenhum tipo de prática contra a sociedade. E o segundo, elas ressarcirão a sociedade.
Aí, eu quero entrar em debates aqui que eu vejo que são debates, na minha opinião, de natureza constitucional. A quem cabe fazer a leniência? Pela estrutura constitucional, na minha opinião, cabe ao órgão lesado. Se é o Poder Judiciário, cabe ao Poder Judiciário fazer a leniência. Se é o Ministério Público, se na construção do prédio do Ministério Público se percebeu uma lesão ao Ministério Público, cabe ao Ministério fazer a leniência. Se, como aconteceu na construção do fórum do TRT de São Paulo, uma empresa praticou corrupção com a conivência ou com o benefício dos gestores públicos, cabe ao Poder Judiciário, naquele caso, fazer a leniência. Quando o ente lesado é o Executivo, cabe ao Poder Executivo conduzir a leniência.
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Eu vejo que, no nosso desenho constitucional, o controle feito pelo Tribunal de Contas é um controle auxiliar ao Poder Legislativo. O controle feito pelo Ministério Público é um controle a posteriori. Pode o Executivo se salvar, pedir o auxílio do Ministério Público? Pode, em casos complexos.
Ouço às vezes aquela ideia do seguinte: se eu não estiver nesse acordo, vou ajuizar uma ação. E eu me pergunto: e se acordo for bem feito? Essa é a questão que acho que temos que discutir.
Nesta Medida Provisória o Executivo pode se socorrer do Ministério Público. Está aqui no art. 16, que diz o seguinte: no âmbito de suas competências, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, poderão, por meio de seus órgãos de controle interno de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público e com a Advocacia Pública.
Agora, o desenho constitucional necessariamente diz que o órgão legitimado que tenha legitimidade pública e legitimidade social do voto é o poder que foi atingido. Neste caso, o Executivo. Ele foi eleito. No Estado de São Paulo, se o metrô for lesado, cabe a condução pelo Executivo estadual que foi eleito. Agora, se a questão é de tamanha complexidade, ele pode chamar para seu auxílio o Ministério Público. Mas não vejo, no nosso desenho constitucional, que necessariamente tenha que haver na mesma mesa a presença do Ministério Público, como igualmente não vejo a presença necessária do Tribunal de Contas, que é um órgão auxiliar do Poder Legislativo, podendo o Executivo se socorrer nesse debate.
O mundo real pode indicar isso. Surpreendeu-me nesta reunião que o representante da CNI diz que precisa estar todo mundo à mesa para concordar, ainda que nunca haverá concordância se um agente externo ao Executivo disser: "Não quero, eu discordo, eu sou contra a leniência. Nunca deveria haver leniência no País."
Portanto, é uma coisa que preciso refletir aqui ao oferecer esta minuta de medida provisória. A minha tendência é deixar assim como está. É deixar assim como está, porque creio na razoabilidade. Se o acordo for bem feito, ele será homologado. Se o acordo for mal feito, ele será questionado tanto pelos órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas, como pelo órgão a quem cabe o controle legal, que é o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Assim, conceitualmente, considero uma questão pacificada diante do desenho constitucional que nós temos. E aproveito para cumprimentar aqui o Senador José Pimentel.
Entendo, pois, que pelo desenho constitucional brasileiro o órgão lesado tem que conduzir a leniência e o órgão lesado pode se socorrer de outros órgãos externos que poderão ajudá-lo na construção de parâmetros, caso seja necessário. Mas no desenho constitucional não é obrigatória a participação na mesma mesa desses órgãos. Isso vai depender da conveniência. Se é conveniente ou não.
Eu quero ouvir o conjunto dos palestrantes aqui para me dizerem isso. Por enquanto, não acho que faz parte do desenho constitucional nosso a presença na mesma mesa de todos esses órgãos, sob pena de uma pessoa inviabilizar um acordo que poderia ter sido correto. Uma! Basta a pessoa discordar.
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O técnico ou o membro de outro órgão que venha a dizer: eu discordo disso conceitualmente. E aí não sai o acordo de leniência.
Portanto, quero aqui dizer que a minha tendência é manter o mesmo desenho, porém estou aberto a ouvir outras opiniões. Mas a tendência é manter o mesmo desenho, tendo em vista o desenho constitucional. Acho que o que mais se aplica ao desenho constitucional é o que foi escrito na proposta desta Medida Provisória.
Outro aspecto que achei aqui de contribuição válida é essa que diz que nós devemos contemplar a possibilidade da autodenúncia da empresa, que, tendo conhecimento de alguma irregularidade, pode denunciar a existência dessa irregularidade. Achei essa contribuição válida.
Há um aspecto que foi dito aqui de que a empresa sempre terá que dizer fatos novos. Ora, e se os fatos relacionados à corrupção são aqueles, eu vou então dizer: "Você não vai se beneficiar de um acordo porque você não tem fatos novos." Essa exigência me parece descabida. Fatos novos, se existirem. Então, temos que estabelecer esses mecanismos, porque se eu exigir sempre que a empresa tenha que trazer fatos novos, eu preciso de alguma forma entender que eles precisam existir, sob pena de a empresa também falar algo que possa não ter alguma relação.
Eu também achei interessante o que a Drª Samantha sugeriu e também o Dr. Rafael Valim, ou seja, a extensão desses benefícios para as pessoas físicas. Isso é um tema sobre o qual precisamos nos debruçar e eu acho correto.
Sobre os aspectos penais que foram trazidos aqui, não sei se a via da medida provisória permite alcançar aspectos penais. Pelo que sei, me parece que não. Portanto, acho que estaríamos impedidos de estender tais benefícios numa medida provisória. Ter-se-ia que ser só mediante projeto de lei e não por medida provisória. E acho também que as sanções teriam que ser retiradas em todos os seus alcances. Quer dizer, ao final, feito o acordo, retira-se o conjunto das sanções.
Então, eu queria trazer essa reflexão para dizer qual é o ânimo e a reflexão que tenho neste momento. Tenho uma reflexão de que esse instrumento, o acordo de leniência no ordenamento jurídico brasileiro, não tem o alcance que tem no exterior para resolver problemas como os que nós temos no Brasil. Por isso que a Lei de Leniência não tem sido utilizada, Dr. Alexandre Vidigal de Oliveira.
É necessário um novo diploma jurídico. E o novo diploma jurídico, creio eu, é esse que estamos a discutir com a possibilidade de aperfeiçoá-lo. E gostaria de me colocar à disposição de cada uma dessas entidades para um aprofundamento deste tema, porque como fui Relator do Código de Processo Civil, percebo que no diálogo nós podemos produzir legislações muito equilibradas e muito maduras. Tanto que entrou em vigência o Código de Processo Civil e não vejo grandes questionamentos da sociedade brasileira. Há uns boatos de corredor. Os que dizem: esse Código pertence a não sei quem. Favorece não sei quem. Mas os boatos não estão no mundo. O que está no mundo são os comentários, a doutrina, a jurisprudência, enfim, o que se fala sobre o Código de Processo Civil.
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Assim, eu tenho uma enorme disposição de receber a todos individualmente, para trazer as contribuições. Eu sou amigo de vários juízes que dizem o seguinte: "O bom juiz é aquele que ouve as partes." Aquele juiz que diz: "Eu não ouço as partes!", esse juiz não tem ouro na mão, que as partes poderiam trazer a ele, de convencimento, de elementos para a sua decisão. Então, não vejo qualquer problema em, de uma maneira republicana, receber as partes em debates, ouvi-las, fazendo com elas a devida reflexão em relação a eventuais ponderações.
Portanto, eu termino, Sr. Presidente, dispondo-me e abrindo a minha agenda para as partes aqui poderem dar as suas sugestões em relação a este evento que nós estaremos a resolver.
O prazo que me foi dado pelo Presidente Comissão, Senador Benedito de Lira, e pelo Senador José Pimentel, que é o Líder de Governo, é o prazo do dia 18 de abril.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - O senhor está aí para comprovar. Olhem aí! Se eu, não sabendo que ele está aqui, tivesse falado em outra data, eu poderia estar incorrendo em grave falta. (Risos.)
Então, dia 18 de abril, eu pretendo entregar o relatório e pretendo discutir, e assim termino, com todos. Esse não é um tema de um governo; esse é um tema do País. Se não percebemos assim, nós não perceberemos que há um impasse no Brasil, porque um grupo das suas maiores empresas está paralisado, tendo em vista os fatos que estão acontecendo e que resultaram nessa Operação Lava Jato, e não ver isso é quase que não dialogar com a realidade brasileira.
Portanto, eu sugiro que todos os que tiverem contribuições possam entregar, marcar um tempo de conversa. E nós vamos, no dia 18, conforme determinação de superiores, Senadores - nós somos da Câmara Baixa, da Câmara do Povo, e não da Câmara Alta, da Câmara dos Lordes; nós temos essa disciplina hierárquica -, vamos encaminhar...
(Intervenção fora do microfone.) (Risos.)
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - ... os trabalhos dentro do cronograma previamente determinado.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Agradeço as manifestações preliminares do Relator.
Agora, concedo a palavra ao Deputado Vicente Candido, que fará formulações aos nossos palestrantes. Com a palavra.
O SR. VICENTE CANDIDO (PT - SP) - Quero cumprimentar todos os componentes da Mesa; o Senador Benedito de Lira, que preside esta reunião; o Senador José Pimentel; ao Paulo Teixeira, nosso Relator; o Bebeto e o Deputado Bruno Covas.
Gostaria de dizer da importância deste debate, desta audiência pública, hoje e amanhã. Acho que o Congresso Nacional tem se debruçado sobre esse tema, desde o começo do ano passado, com projetos tramitando na Câmara, depois no Senado. Hoje volta para a Câmara, e com a edição da medida provisória.
E a gente percebe aqui, no debate, que ainda não é o suficiente. Se, entre nós aqui, existem algumas divergências, imaginem na hora em que for ao plenário; imaginem na hora em que a mídia também começar a tomar posição e divulgar essa ou aquela posição! Então, acho que é importante, hoje, amanhã, que a gente continue debatendo, para ver o que a gente consegue construir com o máximo de consenso possível.
E, entre os pontos... E a palavra do Relator já nos tranquiliza, porque acho que o Paulo Teixeira está bem posicionado e já deu aqui linhas e como ele pretende fazer o relatório, evidentemente com toda a limitação da medida provisória, mas, de qualquer forma, serão de grande contribuição esses posicionamentos.
Mas eu vejo aqui um ponto que foi levantado por alguns membros - e, quanto a isso, o Paulo Teixeira também já deu a posição dele - que é a centralidade da apuração. Esse ponto já foi bastante debatido na Câmara, aqui na Câmara, e aparece aqui de novo com certa acentuação, sobre a qual vamos ter que nos debruçar.
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O Dr. Alexandre discorreu aqui sobre uma posição de que seria melhor o Ministério Público, mas eu acho que o Ministério Público tem que cumprir o papel dele de fiscalizar. Imagine o senhor o Ministério Público sendo coordenador das leniências pelo Brasil afora, e sai um acordo errado. Quem é que vai fiscalizar? Então, eu acho que ele tem o papel dele de fiscalizar. E, nos textos produzidos até agora, há lá o Ministério Público acompanhando, inclusive no Cade. Ainda que não seja obrigado, o Cade tem tido a prática de ouvir, ao final do acordo, o Ministério Público. Se o Cade pode fazer, se está liberado pela lei que aprovamos aqui na Casa, por que a CGU não pode fazer o acordo, ou os órgãos de controle nos 11 mil órgãos aí que a Lucieni disse e o Deputado Paulo Teixeira agora reforçou?
Eu acho que é o mais correto. Quem pode administrar alguns bilhões de reais pode também fazer diligência de algum desvio que haja naqueles bilhões de reais; senão eu estou chamando todos os prefeitos de incompetentes, de mal-intencionados. Se ele pode gerir bilhões de reais, ele também pode, ele tem competência. E ninguém melhor do que quem tem votos, do que quem pede votos para prestar contas depois para a sociedade, sobre se ele errou, se ele agiu certo, se ele apurou, se ele tomou as medidas que devia tomar.
Eu sou da linha da descentralização, porque um dos problemas nossos nessas questões todas é o emperramento, é a burocracia.
Vamos pegar um caso agora com o qual estamos convivendo aqui. A Presidente Maria das Graças Foster, no final da gestão dela, naquela pressão toda da mídia, do Parlamento e da oposição, acabou enviando para a CGU 29 empresas que ela pediu para investigar. Está emperrado até hoje nos órgãos de controle - Ministério Público lá em Curitiba e Polícia Federal e CGU. A CGU está tentando arrancar isso de lá de Curitiba, e há empresa pagando sem ter cometido nenhum crime. E ninguém chega lá e diz: "Está bom. Então, tire este bloco aqui - neste bloco aqui, não há nenhum procedimento sobre essas empresas - e deixe as empresas trabalharem".
Eu acho que é sobre essa irresponsabilidade que acontece que nós temos de agir, que o legislador vai ter de contornar agora.
O que aparece para nós no debate? Delação não pode ser tortura! Está lá no Código Civil e no Código de Processo Civil, de que o Deputado foi Relator: delação é um ato voluntário. Agora, prender uma pessoa e dizer "enquanto você não fizer delação, enquanto você não falar o que eu quero ouvir, enquanto você não entregar, enquanto você não for dedo-duro, eu não vou liberar você"? Então, cabe ao legislador, neste momento de debate, coibir esses excessos.
Trazer a pessoa física para dentro da leniência foi até sugestão do próprio Ministério Público, que a Drª Samantha agora reforça. Também faz sentido.
Harmonizar a Lei nº 12.846 com a Lei nº 8.429 e com a Lei do Cade é obrigação nossa. Quando o Governo mandou para cá, num acordo internacional, a lei que virou a Lei nº 12.846, era um outro momento, do mundo e do Brasil. Não havia a Lava Jato, não havia os excessos da Lava Jato. Então, cabe ao legislador também aprimorar. É o que nós estamos fazendo aqui.
O que eu espero, após este debate, após as conclusões, após o relatório do Deputado Paulo Teixeira, é que nós modernizemos, que nós cresçamos, que nós quebremos paradigmas e preconceitos. E não é só nessas questões das apurações de corrupção que existe um antiempreendedorismo no Brasil: nós temos órgãos de Governo, grandes agências de Governo, de todos os governos, que acabam tendo por cultura matar o fornecedor.
Considere-se a Caixa Econômica Federal, por exemplo. Um fornecedor da Caixa não pode litigar contra a Caixa! Um fornecedor da Petrobras não pode litigar, ou seja: "Ou você concorda comigo e recebe o que eu estou dizendo aqui para você... E você não pode reclamar; se você reclamar, você não tem mais crédito, você está na lista negra" - ou vermelha, sem nenhum preconceito.
Cabe ao legislador, cabe a essas entidades aqui responsáveis e ao Congresso Nacional ajudar a quebrar esses preconceitos que existem, porque isso é o que mata.
Empresa e recuperação judicial. Basta sair no painel de algum jornal que tal empresa está sendo investigada, que se fecham as portas de crédito para ela no Brasil. Ou seja, as pessoas, as entidades não têm responsabilidade. Basta alguém desviar alguma coisa que 10 mil trabalhadores no canteiro de obra estão pagando por aquilo.
Então, eu acho que aqui, muito mais do que a norma escrita que nós vamos fazer, nós também temos de mudar costumes, culturas, constrangimentos, conservadorismo dos órgãos contratantes de todos os governos.
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Então, a nossa responsabilidade aqui é muito maior do que aprimorar, do que modernizar, do que criar um processo de leniência. E, para mim, a grande referência é a Lei do Cade. Nós não estamos inventando a roda. O Cade já fez 50 novos acordos depois da nova lei, que nós aprovamos há dois anos, e não precisou prender ninguém, inclusive em órgãos públicos, como o Metrô de São Paulo. Alguém viu o Cade prendendo alguém no caso do Metrô de São Paulo?
Já existem referências fortes de que não precisamos ficar aqui tergiversando a fim de produzir uma lei moderna. Felizmente, eu acho que vencemos este debate, Deputado Paulo Teixeira. Nós começamos o debate no começo do ano passado com posições muito conservadores e muito radicalizadas de membros do Ministério Público inclusive e da oposição aqui dentro, de alguns Deputados que diziam que tinha que acabar com a pessoa jurídica, que tinha que prender, que fechar. E quem vai fazer as grandes obras de engenharia no Brasil? E a balança comercial? Quais são os nossos grandes produtos de balança comercial na área de serviços? São exatamente os da área de engenharia. Nosso maior déficit comercial é na área de serviços. Matem a galinha dos ovos de ouro para ver o que vai acontecer. Quem vai fazer obras de engenharia pesadas no Brasil se não preservarmos a pessoa jurídica? O que tem a ver o trabalhador do canteiro de obras com o diretor que cometeu algum delito? Que haja punição, mas que se preserve a empresa, que se recupere o prejuízo ao Erário. Essa é a função do Estado. E deixe a empresa trabalhar. São anos de inteligência, de ciência, de pesquisas acumuladas, e, de repente, jogamos tudo por terra.
Creio que é com essa responsabilidade e sob esse manto que temos que fazer a melhor lei para o Brasil, costurar um posicionamento a fim de crescermos juntos nesse processo, cada um fazendo o seu papel, distribuindo responsabilidades, descentralizando responsabilidades, pois só assim o Brasil, com este tamanho e esta complexidade, vai conseguir avançar e ser profissional em todas essas áreas.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Com a palavra o Deputado Bebeto.
O SR. BEBETO (PSB - BA) - Cumprimento o Presidente desta Comissão, Senador Benedito de Lira, o Relator, Deputado Paulo Teixeira, todos e todas que compõem a Mesa e que representam suas respectivas instituições, para a alegria deste debate.
Sr. Presidente, este é um tema que, pela própria complexidade, exige de nós uma reflexão mais apurada. Há que se considerar a legitimidade das intervenções de cada uma das representações a partir do seu juízo e da sua própria compreensão, sobretudo considerando que precisamos fortalecer as instituições como uma decisão do Estado republicano. Ouvir aqui as representações é parte, sem sombra de dúvidas, da afirmação da pluralidade de opiniões e da riqueza da democracia brasileira. De outra forma seria, como diria Ramonet, estabelecer a ditadura do pensamento único. E não é essa a ideia.
Em tão boa hora, V. Exª, o próprio Relator Paulo Teixeira e esta Comissão, à luz da complexidade do tema, distintamente do que às vezes tem ocorrido em comissões especiais, em que os próprios Deputados debatem, refletem e apresentam sugestões, propõem audiências públicas para o enriquecimento do debate, para a oitiva da própria sociedade. A opinião de todos que aqui estão e dos que virão em audiências futuras é fundamental para contribuir, para refletir, para estabelecer o contraditório em relação ao texto da medida e à legislação existente. Para nós, é uma riqueza, é um ganho, pois eleva a maturidade do debate. Nós só temos a ganhar. Portanto, inicialmente, eu queria parabenizar a Comissão e V. Exª, exatamente por essa condição.
Com relação às apresentações - e aqui não quero ser comentarista nem fazer juízo de valor das falas -, eu me situaria em duas questões.
A primeira, já que estamos discutindo a MP, a Lei Anticorrupção, diz respeito ao quadro da probidade administrativa. Eu concordo, na estrutura constitucional, não apenas com a sua análise em si mesma, mas em dialogar sobretudo a ação de probidade com o mercado interno na coexistência, como bem afirmou o Dr. Rafael Valim, desses valores que devem estar presentes sob o ponto de vista constitucional, mas sob o ponto de vista também do equilíbrio do que deve existir no mercado interno como condição de regulação da própria condição econômica do País.
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Esse é um valor que nós também não podemos deixar de considerar ao tratar desse tema, que é relevante e que está posto na própria medida provisória.
E é nesta trajetória, no diálogo da estrutura constitucional da própria ordem econômica, portanto, que nós devemos pensar o que fazer, considerando o papel e a relevância que tem a Lei Anticorrupção e esta medida provisória, mas também as próprias empresas na estrutura, no equilíbrio da ordem econômica interna.
Foi muito feliz o nosso representante da CUT, que disse o seguinte: as empresas que, em função da própria Lava Jato, elevam, portanto, a tonalidade do discurso, as exigências para que o nível de apuração -e é isso que nós queremos mesmo - se dê na intensidade e no desejo do povo brasileiro, porque, quando se pratica um ilícito, quando nós temos uma corrupção, eu a considero como uma super, super mais-valia, porque a mais-valia, no conceito de Marx, era a expropriação da força individual do trabalho, e nesta você expropria a força coletiva dos valores do trabalho e de homens e de mulheres num processo de corrupção. Portanto, eu a caracterizaria como a super super mais-valia, porque aí há uma intensidade, um valor adicionado a esse patrocínio dos recursos públicos, que, em última análise, é dos recursos decorrentes das forças do trabalho. E aí está, portanto, um valor que nós devemos devotar - e eu devoto - a essas apurações, como uma condição em que nós tenhamos a possibilidade, na intensidade, nos limites, na exigência da própria sociedade, de passar a limpo este País.
Agora não há uma condição excludente em fazer este exercício permanente e considerar o valor pelas experiências internacionais do que nós estamos vivendo e do que as empresas, em determinados países, vivenciaram - nos Estados Unidos e em outros países que aqui eu não vou enumerar. Portanto aqui existe algo que é preciso repensar, e é nessa trajetória bem apontada pelo representante da CUT que nós dizemos: as empresas, todas elas, são empresas de engenharia com um acervo técnico dos mais importantes do mundo. Nós não estamos falando individualmente das empresas, mas de um acervo técnico dos mais importantes, e essa engenharia brasileira tem sido alvo de elogios mundialmente, independente do papel ou do erro cometido por uma ou por outra empresa.
O desvelo ou a falta de consideração do papel dessas empresas, quer seja na estruturação do caminho que o Brasil alcançou, quer seja na sua própria atividade num processo de internacionalização da nossa economia na exportação de serviços... É algo que qualquer país do mundo teria, naturalmente, a alegria de ver as suas próprias empresas no nível e no estágio em que as nossas se encontram, com a expertise acumulada. Óbvio que dialogar essas condições com o mercado é levar em consideração que é preciso combater a corrupção sem eliminar as empresas, porque nós estaríamos aí, sem sombra de dúvidas, acabando, matando com a possibilidade não só dos empregos, mas de um conjunto de riquezas que essas empresas produzem. E aí um dado relativo, por exemplo, de quanto essas empresas representam - e estou falando que representam e não as de PSE: há empresas com 120 mil trabalhadores, gerando tributos, bens e serviços, gerando riqueza. Elas têm uma participação, uma densidade participativa no PIB brasileiro. Se nós analisarmos, qual é o percentual? Variável em 7%, 8%, se analisarmos a densa cadeia produtiva que essas empresas representam.
Portanto, acho que, quando há uma medida na coexistência desse arcabouço constitucional, de que é preciso a intensidade, fazer valer a lei, a garantia do mercado interno é dizer à empresa que cometeu o erro, ao senhor diretor que cometeu o erro: a pessoa física responderá e a pessoa jurídica também responderá, quer seja ressarcindo o Estado com aquilo que as empresas produziram de lesão aos recursos públicos - ninguém pode abrir mão disso - nós não abrimos mão.
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Mas as empresas precisam ter mecanismos, como um acordo de leniência, que possam lhes permitir o prosseguimento do nível de atividade econômica dessas empresas no ambiente econômico nacional.
Portanto, essa coexistência, essas possibilidades, nós precisamos claramente ter presentes nas decisões que nós vamos adotar. Isso não é um salvo-conduto. Quando se propõe acordo de leniência, não significa abdicar, permitir que as empresas não tenham, inclusive, condições de punibilidade, que elas devem ter, e a lei aí está.
O que nós estamos fazendo é extremamente positivo: além de, individualmente, aquele representante pagar pelo ilícito cometido; as empresas pagarem ressarcindo o Estado; numa terceira condição, haver regras de compliance que garantam, portanto, que as empresas não mais pratiquem o ilícito ou que elas autodeclarem o ilícito interno com essas regras muito bem estruturadas, como parte de uma governança corporativa, o ganho não é pela penalidade, o ganho é pela permanência, mas, sobretudo, pela conquista de um novo ciclo da probidade e da relação que nós precisamos construir.
É nesta trajetória, portanto, que me parece que nós estamos construindo, a partir deste debate, uma maturidade para levar em consideração, centralmente - que é o debate que estamos vivendo -, a quem cabe esta definição. É ao Ministério Público Federal? É ao TCU? É à CGU?
Este é um processo, no trânsito do debate que nós haveremos aqui de realizar, meu caro Relator, com o equilíbrio e a temperança política que nós devemos ter, sobretudo, neste momento, de fazer um exercício maduro deste debate, ouvindo as instituições que aqui estão, mas ouvindo também outros atores, de modo que o resultado do que nós vamos votar no âmbito desta Comissão seja parte da oitiva, do equilíbrio, das sugestões, como, aliás, muitas das matérias complexas nesta Casa. Independente da iniciativa legislativa, se é uma medida provisória, se é emenda, nós temos tido este cuidado. E tanto mais sejamos capazes de ouvir, como aqui ouvimos, as representações do Ministério Público, da Ajufe, enfim, da CNI, isto nos dá a tranquilidade de ir construindo um regramento jurídico que seja capaz de atender, portanto, aos reclamos da própria sociedade e das instituições da sociedade civil organizada, que representa a própria sociedade como aqui nós estamos.
Portanto, eu acho que eu ficaria por aqui. Eu teria outras sugestões, mas, no curso do debate, nós vamos ter condição de apropriar novas informações, sugestões. Finalizo aqui, portanto, dizendo que é preciso muita temperança política para construir um bom regramento jurídico, o que nós devemos fazer.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Como último Parlamentar inscrito, concedo a palavra ao Deputado Bruno Covas.
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Sr. Presidente, Senador Benedito de Lira, na pessoa de V. Exª eu cumprimento todos os Parlamentares aqui presentes. E eu queria saudar também todos os debatedores que hoje aqui vieram, deixaram as suas agendas atribuladas para virem a esta Casa contribuir com o andamento e com o aperfeiçoamento, em especial, desta medida provisória que ora debatemos nesta Comissão.
Eu queria começar tornando bem claro, principalmente àqueles que nos acompanham e que puderam observar, como eu, em várias falas feitas aqui, qual é a razão, o porquê de estarmos aqui hoje. Nós estamos aqui hoje - isso fico bem claro em várias falas aqui, de forma subliminar em umas, mas de forma até mesmo explícita em alguns dos pronunciamentos - para salvar as empresas da Lava Jato. Infelizmente, nós estamos aqui hoje discutindo um projeto de lei para ver de que forma essas empresas, que representam grande interesse econômico, podem ser salvas pela legislação que hoje dificulta a realização do acordo de leniência.
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Como hoje a legislação dificulta o acordo, vamos flexibilizar esse acordo. Quer dizer, é o rabo abanando o cachorro.
De forma que o que nós vimos, principalmente na Câmara dos Deputados, foi uma obstrução muito forte por parte da oposição do PL nº 3.636, aqui já mencionado. Durante várias reuniões, nós estivemos lá obstruindo os trabalhos, de forma que o Governo não conseguia nem mesmo aprovar a ata da sessão anterior para que o Relator, lá na Câmara dos Deputados, pudesse apresentar o seu parecer.
E aí, na calada da noite, no término do ano legislativo, a Presidente então edita uma medida provisória, basicamente nos mesmo termos, tirando um ou outro muito mais forte, que caracterizaria um desrespeito à Constituição por tratar de Direito Penal - e todos nós sabemos que o art. 62 proíbe que as medidas provisórias tratem de legislação penal. Portanto, é uma medida provisória que é uma irmã manca do PL nº 3.636, uma verdadeira pedalada legislativa. É verdade que faz parte do jogo, não há nenhuma ilegalidade nisso, mas pela obstrução feita e pela falta de apoio na aprovação do PL nº 3.636 para salvar as empresas da Lava Jato, nós estamos hoje aqui discutindo essa medida provisória. A meu ver, essa, sim, um verdadeiro golpe nas instituições que combatem a corrupção neste País. A não ser que o Relator possa aperfeiçoar muito o texto desta medida, nós vamos continuar nesse processo como fizemos e estamos fazendo na comissão especial que discute o Projeto nº 3.636.
E aí, vários são os problemas apontados aqui que reforçam a nossa opinião de que essa medida provisória deve ser arquivada ou ser alterada. E o primeiro deles é exatamente este conflito de interesses - e o Dr. Alexandre Vidigal de Oliveira clareou muito bem -, uma coisa é interesse de Estado, a outra coisa é o interesse do Poder Executivo, que é parte do Estado, mas que não representa o Estado na sua totalidade. Nós temos o Poder Legislativo, nós temos o Poder Judiciário, nós temos o Ministério Público... Enfim, nós temos outras restrições que devem, sim, participar da celebração do acordo de leniência.
E aqui, o Relator, de forma muito inteligente, coloca o seguinte argumento: "Ora, nós temos o Poder Executivo lesado, portanto, o Poder Executivo deve coordenar a realização desse acordo de leniência com a CGU." Mas, a meu ver, Deputado Paulo Teixeira, peço aqui vênia para discordar de V. Exª, os casos de corrupção no afetam o Poder Executivo, afetam o povo de forma geral. Portanto, outros representantes do povo, outras instituições devem, sim, participar da celebração do acordo de leniência. E muito menos o fato de a gente poder de acordos bem celebrados tiraria essa necessidade, porque seria como a gente defender a constitucionalidade de uma boa lei que é inconstitucional. Ora, se a lei é inconstitucional, seja do ponto de vista da falta de iniciativa, inconstitucionalidade de iniciativa, seja pelo seu mérito, pouco importa se o conteúdo dela é bom, no Estado democrático de direito nós temos regras a serem observadas. Portanto, o conteúdo não justifica a má forma desse acordo de leniência.
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E aqui, outros parlamentares que seguiram, inclusive apresentaram a justificativa: "O Ministério Público vai fiscalizar esse acordo." Pois bem, se o Ministério Público vai fiscalizar esse acordo, por que ele não participa obrigatoriamente da celebração desse acordo, até mesmo por economia processual? Por que, depois, nós vamos levar isso para outra esfera, que vai ser o Judiciário?
Eu tive oportunidade de ser, durante três anos e meio, Secretário de Estado do Meio Ambiente, em São Paulo. E, por diversas vezes, pude conversar com o Ministério Público sobre a possibilidade de celebração de TACs ambientais. O Ministério Público tem a incumbência de querer celebrar ou não; e sempre que eles foram celebrados, eles o foram para o bem da população.
Havia toda a possibilidade de querer pleitear que o Poder Executivo, a Secretaria do Meio Ambiente, a Cetesb pudessem também celebrar a TAC, mas funciona muito bem com o Ministério Público. Nós temos total tranquilidade e teríamos total tranquilidade também com a participação do Ministério Público na celebração desses acordos.
Acho que, fora essas questões, vamos dizer, mais políticas, a nossa preocupação aqui, nesta Comissão, como já dito aqui também em outras exposições, é tentar combinar o interesse do Estado, na celebração desses acordos, com o interesse privado das empresas na celebração desses acordos. Não vamos aqui tratar essas empresas como se fossem coitadinhas! "Coitadinha da empresa! Tinha um diretor que participou de um grande esquema de corrupção!" Não vamos tratar essa empresa de forma a poder lesioná-la. Não. Estamos aqui diante de fatos severos, graves e mais do que isso: com a possibilidade de termos uma legislação que não vai apenas salvar as empresas da Lava Jato, mas que vai ficar eternamente, até ser revogada, e, portanto, precisa ser tratada de forma muito séria.
Nosso desafio é tentar equalizar, tentar deixar no mesmo nível o interesse privado com o interesse coletivo da celebração desses acordos. Não acho esses acordos um mal necessário. Acho esses acordos importantes, para que possamos principalmente avançar em investigações e trazer outras questões; que as investigações levadas a cabo, seja pela Controladoria, seja pelo Tribunal de Contas, seja pelo Ministério Público, possam avançar cada vez mais.
Eu queria aqui, na verdade, deixar a questão, para que as senhoras, os senhores possam, quando comentarem as falas dos Parlamentares, explicitar ainda mais de que forma corrigir essa medida provisória, para tentar equalizar esses interesses.
A obrigação da participação de outros órgãos, a obrigação das empresas de cooperarem com investigações, a obrigação das empresas de trazerem fatos novos às investigações, a obrigação das empresas de fazerem a confissão das suas culpas nesses processos de corrupção, enfim, que temas precisam ser incluídos nessa medida provisória, para que possamos equalizar esses dois interesses e termos uma coleniência? Às vezes, pode ser, sim, difícil de ser celebrada, mas, quando for celebrada, que represente a combinação ideal entre o interesse público e o interesse privado.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado, Deputado Bruno.
Anunciei que seria o último orador, mas Deputado...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Tenente ou Subtenente é a mesma coisa, não é?
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (PDT - MG) - Eu diria que há uma diferença grande.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Tem diferença?
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (PDT - MG) - Tem.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Tem razão. "Sub" é após sargento, né?
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (PDT - MG) - "Sub" é o último dos piores! (Risos.)
É o último dos menores. O outro é o primeiro dos maiores.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Concedo a palavra ao Deputado Subtenente Gonzaga.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (PDT - MG) - Sr. Presidente, quero agradecer a concessão, cumprimentá-lo, cumprimentar todos os Deputados e agradecer ao nosso Relator e a toda a Comissão por ter acolhido nosso requerimento ontem apresentado, para que pudéssemos ter aqui a Drª Samantha.
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Quero ser bem breve para não prejudicar o almoço de ninguém, e cumprimentar, aqui, a Drª Lucieni, lembrar do nosso GTAC.
Lá, em 2013, quando ainda estava em tramitação o Projeto de Lei nº 12.846, nós organizamos um grupo de trabalhadores, organizamos um GTAC - Grupo de Trabalho Anticorrupção. Era uma ideia de, a partir de uma ação de sindicatos, de associações de profissionais de segurança pública e controle interno, pensarmos em uma alternativa para instrumentalizar a Justiça e o Estado no combate à corrupção. E ela está na mesma luta até hoje, é um prazer reencontrá-la aqui.
Quero, muito rapidamente, sustentar aqui por que nós apresentamos duas emendas. Basicamente, uma reconhecendo que, de fato, a Lei Anticorrupção, a Lei nº 12.846, precisa ser preservada na sua essência e ser melhorada para que, de fato, dê eficiência e eficácia para que o Estado possa conseguir fazer os acordos de leniência. E aí, os dois outros pontos, preservando o emprego e, em nossa convicção, preservando a autonomia já existente hoje para o Ministério Público. A nossa convicção é a de que quando nós estamos defendendo que o Ministério Público quando não participar do acordo, que ele não se responsabilize pelo acordo, nós não estamos avançando em criar nenhuma nova competência para o Ministério Público e, sim, preservando a que ele já possui.
Então, nós não queremos dizer que todos os acordos, obrigatoriamente, terão que ser feitos com a participação do Ministério Público. Nós estamos dizendo que se ele não for chamado a participar, que também não possamos, com isso, invalidar a autonomia que ele já tem hoje. Portanto, ele não pode ser responsável e, por isso, deixar de agir de ofício, caso ele não tenha sido chamado a participar desse acordo.
Então, se de um lado questionam que o Ministério Público não precisa participar de tudo, o.k., mas que se preserve a sua autonomia e não o responsabilize depois.
Por isso nós estamos apenas dizendo que o Ministério Público, se for chamado e participar do acordo, aí, sim, ele fica, obrigatoriamente, impedido de qualquer outra iniciativa criminal, mas se ele não for participar, que se preserve a sua autonomia e ele possa agir.
No outro sentido, com relação à vantagem do primeiro denunciante. Nós entendemos que no caso de cartel tem que ser preservado, mas nem toda investigação, em que estaremos investigando várias empresas, trata-se necessariamente de cartel. Então, nós estamos tentando fazer uma diferenciação. O fato de haver, em uma investigação, várias empresas, não é, necessariamente, caracterizado um cartel. Então, que esse benefício, o maior benefício para o primeiro que se dispuser a fazer o acordo de delação, que seja no caso de cartel, mas que nem toda investigação que envolve várias empresas nós estamos falando de cartel.
E o outro fundamento, nossa emenda, é com relação à preservação do emprego. E aí, sim, nós entendemos que, de fato, a responsabilidade criminal de alguma pessoa, ainda que gestor de uma empresa, não deve passar daquela pessoa. Portanto, se temos na empresa pessoas físicas e jurídicas que não tenham envolvimento com as denúncias, não sejam objeto dessa apuração, não serão responsabilizados criminalmente individualmente por esses crimes, que eles possam receber autonomia dessa sociedade. Então, nós estamos criando um rito para que a Justiça possa, sim, ter instrumento para preservar a empresa, separar aquele que individualmente é responsável e penalizá-lo, criminalmente ou não, mas que a empresa seja preservada através de outras pessoas físicas ou jurídicas.
Então, em síntese, é isso, eu acredito que este assunto tenha sido debatido. Peço desculpas por não estar presente porque o PLP nº 257 nos faz articular em outra frente e nós estávamos, então, nos organizando para fazer o debate em relação ao 257, por isso nós não estivemos presentes todo o tempo na audiência pública.
Então, sinteticamente, acreditando que tecnicamente, do ponto de vista objetivo das emendas e do projeto, a Mesa tenha dado a contribuição necessária, eu agradeço a oportunidade e peço uma avaliação do nosso Presidente, do nosso Relator e de toda a Comissão em relação às Emendas nºs 93 e 94, que têm esse cunho específico.
Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Agradeço ao Deputado Subtenente Gonzaga.
Terminada a inscrição dos Parlamentares, por solicitação concedo a palavra ao Dr. Alexandre Vidigal para que ele possa tecer os comentários finais do que ouviu com relação principalmente às manifestações do eminente Relator.
O SR. ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA - Pois não, Presidente. Serei bastante breve.
Com relação à manifestação do eminente Deputado Paulo Teixeira, Relator, no que se refere à necessidade de ainda insistir em um acordo de leniência envolvendo os entes do próprio Poder Executivo ou do Poder Judiciário e do Poder Legislativo envolvidos nos atos de corrupção, a insistência que eu faria é pelo modelo que o próprio Deputado Bruno coloca e que anteriormente havia sustentando. Trazer o Ministério Público a esse acordo, a esse envolvimento, se faz necessário até por uma relação de percepção lógica do assunto, na medida em que a corrupção não ofende, não agride, não viola o patrimônio da entidade, do órgão.
O caso de corrupção no TRT de São Paulo não vinculou, não se limitou, não ficou absolutamente restrito ao ambiente do prejuízo causado ao TRT, mas sim à sociedade. O Erário não pertence às unidades da estrutura do Estado. O Erário pertence à sociedade como um todo, e o órgão que representa a sociedade nesse papel, nesse modelo constitucional que temos é o Ministério Público. Daí a necessidade de insistirmos, seja nos acordos de leniência tendo apenas a figura do Ministério Público como um dos interlocutores ou, necessariamente, ainda que trazido a esse debate órgãos como a CGU, que o Ministério Público necessariamente esteja envolvido nesse acordo. Como bem pontuou o Deputado Bruno, já que se trata de um órgão de fiscalização, que essa fiscalização se exerça previamente, e não a posteriori. Estaremos todos ganhando no que se refere à eficiência do próprio processo de acordo de leniência. A autonomia e a independência do Ministério Público, pela sua própria gênese, levariam, ao ver dos juízes federais, à necessidade de atraí-lo a essa situação.
Quero ponderar ainda, rapidíssimo, que o Cade, a rigor, não é um modelo adequado a ser trazido como comparação. O Cade se encontra em uma situação em que busca, como entidade pública, preservar o equilíbrio da ordem econômica envolvendo situações de relação privada. O modelo é aproveitável no que se refere a um referencial, a um parâmetro, mas são situações absolutamente distintas. Não se está em uma situação de corrupção envolvendo relações privadas. Aqui é um ente público e um ente privado.
Queria apenas pontuar, ao final, que, de fato, essa visão de "coitadinhas das empresas eventualmente envolvidas em corrupção" é um equívoco que tem que ser abolido na sua raiz, na medida em que essas entidades têm seus acionistas, seus sócios e que todo ato de corrupção leva algum benefício empresarial, que, por sua vez, será revertido aos seus acionistas e sócios. Ou seja, se não houve um controle desses representantes, desses titulares da empresa para se evitar que ocorresse algum desvio, que todos suportem essa mesma consequência. Mas entendo também que medidas que levem ao impedimento de contratação de empresas como essas, impedimento de contratarem com o setor público, me parecem também um elevado equívoco, na medida em que essas empresas necessitam muito mais de oxigênio para recuperar sua atividade do que propriamente de consequências que levem ao sufocamento dessas atividades. É a mesma situação terrível, como disse no início, e fui juiz de execução fiscal durante alguns anos, três anos, de empresas que, ao serem executadas para pagar sua dívida com o Fisco, ao mesmo tempo, em razão dessa própria execução, não tinham fôlego, não tinham condições, pela sua situação de negativação, de ir ao mercado para buscar uma recuperação econômica que traria em consequência até a própria possibilidade de satisfação de sua dívida fiscal. Parece-me que esse é um tema que seria interessante trazemos a debate no sentido de mudar essa cultura de quem precisa de crédito estar impedido de contratar.
Apenas essas breves colocações.
Muito obrigado, Presidente e Relator, pela consideração.
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O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Depois da manifestação do Dr. Alexandre, fui acionado por essas duas senhoras que desejam também falar. Então, vou fazer o seguinte: vou conceder três minutos a cada um dos palestrantes.
Concedo a palavra à Srª Lucieni, dizendo que eu precisaria marcar outra reunião.
A SRª LUCIENI PEREIRA - Ainda não estão contando os três minutos, não?
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Só vou contar na hora em que eu encerrar. (Risos.)
Porque ela precisa mais ou menos de mais uma hora e meia para poder, então, dissecar a sua dissertação.
A SRª LUCIENI PEREIRA - A partir de, agora, estão contando os...
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Com a palavra a Srª Lucieni.
A SRª LUCIENI PEREIRA - Muito obrigada, Senador.
Queria agradecer de antemão esse convite e essa importante oportunidade. Quero me colocar à disposição do Deputado Paulo Teixeira para essa questão, para essa relatoria, assim como me coloquei à disposição do Deputado Pepe Vargas na relatoria da Lei Complementar nº 141, assim como estive à disposição do ex-Deputado, atual Senador José Pimentel, aqui presente, que me conhece e com quem já tive oportunidade de construir um consenso possível, não é, Senador? Tenho a confiança de que será possível avançarmos.
Fizemos uma proposta que foi apresentada no âmbito da Emenda nº 145, uma proposta de substitutivo global em que empreendemos uma visão ampla sobre o substitutivo para essa Medida Provisória que se resume à representação do ente da Federação, do interesse do ente da Federação sendo feito pelo órgão da Advocacia Pública, e isso não significa nenhuma preferência pelo órgão da Advocacia Pública que está, como o controle interno, muito próximo do Poder Executivo. Então, não é nenhuma perseguição ao Poder Executivo, mas é uma questão de competência constitucional. A representação extrajudicial e todos os acordos feitos no âmbito da União, isso não sou eu quem diz, há uma lei federal que disciplina o assunto, são de competência da Advocacia-Geral da União. Então, não é possível o controle interno fazer esse papel para celebrar acordos em nome do ente da Federação, porque será um acordo eivado de vício, que poderá ser questionado judicialmente, criando uma insegurança jurídica muito grande para as empresas que acabam não procurando os acordos de leniência.
Queria ressaltar que acordo de leniência é instrumento de investigação, não é instrumento de salvação de empresa. Então, ele precisa ser regulamentado no contexto de colaboração com as investigações. Se a empresa não tem nada a acrescentar à investigação, é preciso de outro instrumento que não o acordo de leniência para salvar a empresa e de se dizer claramente para a sociedade que se teria esse instrumento, que não sei qual seria, para salvar as empresas, para atenuar as empresas ou mudar as sanções previstas na lei. Agora, dizer que vou usar um instrumento de investigação para algo em que não tenho a ampliação da investigação me parece equivocado e pode ser questionado na Justiça.
Só para finalizar, Senador, o Tribunal tem uma fiscalização sobre alguns contratos da Petrobras que apontam um débito potencial de 29 bilhões. A linha de corte é de 17%. O Controle Interno da União trabalha com uma margem de 3% da propina. Então, se for celebrado acordo com essas empresas, Odebrecht ou outras tantas, é natural que a sociedade questione esse trabalho do TCU no Judiciário - é isso que vai acontecer -, criando um campo de judicialização que afasta as empresas dos acordos de leniência. Chamo a atenção da CNI e de outras instituições que defendem interesses das empresas para o fato de que elas estão no caminho, hoje, de uma insegurança imensa, por quê? Porque existem instrumentos constitucionais para que a sociedade, para que os órgãos de controle questionem esses acordos. Então, elas vão abrir o jogo e não vão ter segurança jurídica nenhuma.
Eram essas as minhas considerações.
Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Obrigado, Lucieni.
Com a palavra, por três minutos, a Drª Procuradora Samantha.
A SRª SAMANTHA CHANTAL DOBROWOLSKI - Muito obrigada.
Em primeiro lugar, para completar a minha participação, gostaria de entregar ao Presidente e ao Relator a nota técnica da Associação Nacional dos Procuradores da República que será protocolada hoje, à tarde, sobre o assunto, na qual está mais bem delineado o que falei anteriormente.
Rapidamente, para pontuar o que foi dito nos debates, acordo de leniência é técnica de investigação e meio de defesa, daí a importância de o Ministério Público participar desde a sua celebração, em todos os casos, na minha opinião, ou ao menos ser comunicado, se for impossível superar essa questão. Por que a participação do Ministério Público? Porque a defesa do patrimônio público, do Erário e da moralidade administrativa cabe a todas as autoridades públicas, todos os agentes públicos - é norma da Constituição, do art. 37, e se espalha pelos demais artigos - e, de forma qualificada, no texto de 1988, ao Ministério Público. O art. 129 nos dá essa atribuição com sede constitucional.
O Ministério Público fiscaliza qualquer ato relativo à Administração. Qualquer correição que a CGU fizer sobre um servidor simples, um servidor raso - desculpem-me a expressão - tem que ser comunicada ao Ministério Público. É assim o sistema. Então, quando me referi antes que poderia ajuizar uma ação para tentar anular - digo "tentar" porque é o Judiciário que anulará ou não -, para pleitear a anulação desse acordo, é porque do sistema decorre a obrigatoriedade de o Ministério Público proceder ao controle da Administração Pública. A leniência se dá não só na atuação da Administração com o seu âmbito de responsabilização administrativa, mas da Administração funcionando também com a responsabilização civil e deixando de aplicar penas, e a responsabilização civil, via de regra, se dá via judicial. Judicialmente, se as penas fossem impostas, o Ministério Público participaria como fiscal da lei, por exemplo. Então, impensável não haver a participação do MP.
Muito brevemente, o Cade é um modelo de referência, como dito, mas o Cade é órgão regulador do mercado. A CGU não é órgão regulador. É distinta a natureza. Pode se fazer um mero paralelo para saber que existe um instituto de leniência em que se acaba fazendo também acordo com o MP para ter reflexo penal. A lei tem problema de constitucionalidade, só não foi enfrentado. Por isso, lá funciona desse modo. O sistema do Cade não pode ser transplantado pura e simplesmente para anticorrupção. São coisas distintas, porque, em ato de corrupção, via de regra, existe um crime e, em havendo crime, na investigação criminal, o titular da ação é o Ministério Público, de modo que a vinculação é evidente também por decorrência lógica do sistema jurídico como um todo.
Quanto à repercussão para as demais esferas de responsabilidade e para as pessoas físicas, não se trata, aqui, de ser leniente com a responsabilização. Trata-se até de ouvir a demanda de todos os atores envolvidos, os particulares. Na hora em que se promove um acordo, uma transação com repercussão penal ou dependente da repercussão penal, é intuitivo que se tenha que estender os efeitos, daí o Ministério Público ter pleiteado essa extensão, para que as coisas possam correr de forma mais coordenada e mais harmônica, coerente, mas unir tanto as pessoas físicas infratoras, qualquer infração, quanto as pessoas jurídicas infratoras no País é uma necessidade imperativa do princípio da igualdade. Então, punir não destruir nem cidadãos nem empresas, porém punir com isonomia, alcançando, quando for o caso, os benefícios a todos os envolvidos.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Com a palavra o Dr. Claudio da Silva Gomes para as suas considerações finais por três minutos.
O SR. CLAUDIO DA SILVA GOMES - O que se coloca aqui é que a leniência neste caso é um instrumento jurídico para um processo de investigação e que devem pesar os fatos novos.
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O entendimento que temos é que a leniência nesse caso é quando uma empresa assume uma nova conduta, em que deixa de lado aquela prática criminosa, assume uma nova conduta para ter uma relação sadia com o Estado e também com a sociedade para evitar as práticas de corrupção.
O acordo de leniência, na prática, já existe. Um TAC firmado com o Ministério Público é um acordo de leniência em que a empresa assume uma nova conduta. Eu milito na área trabalhista. Toda vez que a empresa assume um TAC, e isso não está necessariamente previsto na lei, ela assume uma série de condutas que acaba virando um título executivo em que a empresa assumiu aquelas responsabilidades. O que temos necessidade, e acho que também como trabalhadores e cidadãos, é da formulação do TAC baseada em uma lei, e não simplesmente em uma vontade expressa ou por um promotor ou por uma empresa ou por uma situação. Que ela seja um regramento a ser seguido por todos e que todos aqueles que tenham cometido um ilícito tenham oportunidade de continuar sua vida empresarial sabendo que têm respaldo e que têm onde se amparar na lei para poder fazer valer a nova conduta.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Com a palavra o Dr. Leonardo Borges.
O SR. LEONARDO BORGES - Gostaria de abordar três pontos que foram objeto de comentário do Deputado Paulo Teixeira.
Primeiro ponto, para fazer uma pequena correção em relação aos entes negociantes. Acho que há uma diferença muito grande entre celebrar o acordo e participar da negociação. O que a CNI defende e defende com certa veemência, até abordado pela Drª Lucieni, é segurança jurídica. Esse é o principal ponto para o empresariado. É poder ter a certeza de que, pelo menos na mesa de negociação, estarão todas as pessoas ou todos os interessados.
Quando se fala em corrupção, e a Drª Samantha abordou isso também, podemos ter quatro, cinco, seis, sete esferas de responsabilização. Ela é ramificada. A possibilidade de que todos estejam presentes facilita, garante um mínimo de segurança jurídica. Entretanto, concordo plenamente com o Deputado Paulo Teixeira, o projeto na forma como está agora soluciona uma série de problemas. Determinar claramente quem pode e quem deve celebrar o acordo é fundamental e garante a necessária segurança jurídica. Tenho que ter a segurança de que esta pessoa é a entidade responsável por celebrar o acordo, podendo todos os outros interessados, já que a conduta possui ramificação em outras esferas de responsabilização, participarem do processo. Não adianta nada, e o Prof. Rafael disse isso, fazer um acordo, hoje, sendo que, amanhã, eu, pessoa física, serei responsabilizado e a minha própria empresa poderá ser responsabilizada em âmbito fiscal, TCU e assim por diante. Não faz sentido! O interessante é que todos possam, em um mesmo momento, discutir isso, ainda que eu considere, pessoalmente, difícil que todos em uma mesa de negociação cheguem a um mesmo consenso.
(Soa a campainha.)
O SR. LEONARDO BORGES - Outro ponto que gostaria de destacar é a questão da compliance. É fundamental, de certo modo, prestar um pouco mais de atenção a esse mecanismo. A Medida Provisória exige, para celebração do acordo, que se faça, que a empresa instaure mecanismos de compliance ou que os melhore, e minha pergunta é: se foram exatamente esses mecanismos de compliance que fizeram com que a empresa buscasse, procurasse os órgãos de controle, será que, ainda assim, ela terá que melhorá-los?
O próprio Deputado Paulo Teixeira falou da experiência estrangeira no direito comparado e conheço um pouquinho de algumas normas. A FCPA norte-americana, a norma UK Bribery Act da Inglaterra, a própria legislação francesa, a legislação russa, todas essas normas, na sua grande maioria, são normas criminais. O Brasil adotou uma responsabilidade objetiva com base em uma norma administrativa punitiva. Essa é a principal diferença, e isso tem que ser levado em consideração com qualquer experiência estrangeira que eu queira ter aqui dentro de nosso País.
Para fechar, quando se fala em compliance, seria interessante adotar nesse sentido algumas experiências lá fora em que compliance, ou seja, em que a comprovação de medidas de integridade efetivas empresariais devem, sim, ser levadas fortemente em consideração, inclusive com a possibilidade de isenção de responsabilização.
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Nos Estados Unidos, funciona assim, ou seja, uma empresa que, de fato, investiu em normas de integridade, investiu internamente nesse controle e os descobriu, será que ela ainda assim deve sofrer sanções pecuniárias administrativas, lembrando que a obrigação de reparar os danos ao Erário, essa não se discute?
É o posicionamento final aqui para contribuir com o debate.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Concedo a palavra ao Dr. Rafael Valim, também por três minutos.
O SR. RAFAEL VALIM - São brevíssimas as considerações.
Também, a título de contribuição, eu compartilho na mesma preocupação em segurança jurídica, e isso também a experiência comparada demonstra que há dois fatores fundamentais para o êxito desses programas de combate à corrupção: transparência e segurança jurídica; sem esses dois elementos é impossível obter êxito nesses programas.
Agora, em relação aos atores envolvidos, parece-me que a legislação, a MP tal como está redigida anda bem, e é imprescindível esclarecer, na verdade, que não há uma discricionariedade em convocar ou não o MP. Parece-me que ele deve ser necessariamente comunicado. Agora, se ele irá aderir, celebrar esse acordo, é outra história, e, se ele não celebrar o acordo, as competências constitucionais do Ministério Público estarão preservadas. Então, agora restará ver qual empresa celebrará um acordo só com a CGU. Isso vai ser o difícil. Por quê? Em razão da grande insegurança jurídica que estará maculando esse acordo. Ora, essa é uma outra - vamos dizer - no plano dos fatos. Juridicamente me parece que está correto.
Em relação ao TCU, também me parece que está correto o controle a posteriori e não significa - vamos dizer assim - a supressão da competência cautelar do TCU. Aliás, o controle prévio genérico do TCU já foi censurado diversas vezes pelo Supremo Tribunal Federal.
Então, poder cautelar significa...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL VALIM - ... no meu modo de ver, um poder que, dadas algumas circunstâncias específicas, autoriza uma providência que evite um perigo ou um dano.
Para finalizar, em relação aos aspectos penais, eu só recomendaria a leitura do Recurso Extraordinário nº 254.818, de 8 de novembro de 2000, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, que, nos termos dessa decisão, se autoriza a inserção de aspectos penais e medidas provisórias, desde que sejam para benefício, então desde que sejam para beneficiar, sejam normas penais benéficas. Isso talvez seja interessante de ser debatido nesse âmbito.
Seriam essas as considerações, e agradeço, mais uma vez, a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Agradeço a presença dos nossos convidados - Claudio, Leonardo, Samantha, Rafael, Alexandre e Lucieni.
Ao tempo em que agradeço também a participação dos Srs. Parlamentares, gostaria de dizer-lhes que toda e qualquer contribuição que vier a chegar a esta Comissão e, particularmente, à relatoria será bem-vinda porque nós estamos analisando a medida provisória e trazendo para fazermos essas audiências públicas porque nós desejamos aperfeiçoar o instrumento legal que amanhã poderá ser posto em prática em benefício do País, em benefício da sociedade brasileira.
Por essas razões, agradeço a todos e, nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião.
Muito obrigado.
(Iniciada às 10 horas e 28 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 30 minutos.)