06/04/2016 - 3ª - Comissão Mista da Medida Provisória nº 703, de 2015

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Havendo número regimental, declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão Mista destinada a examinar e emitir parecer sobre a Medida Provisória nº 703/2015.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para debater a matéria. Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tiverem interesse em participar podem enviar comentários para www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo 0800-612211.
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Presentes os nossos convidados, eu os convido para compor a Mesa: Carlos Higino Ribeiro de Alencar, Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União; Rafael Jardim Cavalcante, da Secretaria Extraordinária de Operações Especiais em Infraestrutura do Tribunal de Contas da União; Heleno Torres, Professor Titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Gilson Langaro Dipp, Advogado e ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça; Roberto Livianu, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo e Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, e Nicolao Dino, Subprocurador-Geral da República.
De acordo com o art. 94, §§2º e 3º, do Regimento Interno do Senado, combinado com o art. 256 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Presidência adotará as seguintes normas: o convidado fará a sua exposição por um período de 15 minutos e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelos Srs. Parlamentares.
Gostaria de comunicar aos presentes que, tendo em vista eu ter recebido uma informação de que o Dr. Nicolao Dino tem um compromisso logo às 11h, então, eu gostaria de conceder a palavra a ele, em primeiro lugar, para que possa fazer a sua exposição.
Com a palavra o Dr. Nicolao Dino, Subprocurador-Geral da República.
O SR. NICOLAO DINO - Muito obrigado, Sr. Presidente, pela deferência. Cumprimento V. Exª e todos os eminentes Senadores que aqui se encontram, os eminentes Deputados Federais e também gostaria de cumprimentar todos os componentes desta importante audiência pública, cumprimentar a todos na pessoa do eminente Ministro Gilson Dipp.
O tema que nos une e já há algum tempo, inclusive, por força da tramitação também de um projeto de lei relativamente sobre o mesmo assunto é, como todos sabemos, a Medida Provisória nº 703, de 2015, que traz sensíveis alterações à Lei nº 12.846, de 2013, que regula acordos de leniência no nosso ordenamento jurídico.
Como mencionei, nós estamos num momento bem interessante sob o ponto de vista da normatização e revisão normativa, porque essa experiência é extremamente nova no Brasil. Nós estamos falando de um instrumento cuja experiência de aplicação não é superior a dez ou quinze anos, Sr. Presidente, por considerar a experiência já nesse contexto da Lei Antitruste, e, tão logo entrou em vigor a Lei nº 12.846, de 2013, percebeu-se a necessidade de alguns ajustes naquele mecanismo, no mecanismo trazido para o campo do sistema anticorrupção, e inciou-se a discussão de um projeto de lei no Senado Federal, projeto de lei aprovado no Senado Federal, esse projeto foi remetido à Câmara dos Deputados ali tramitando, quando sobreveio, em dezembro do ano passado, uma medida provisória alterando muitos aspectos, inclusive que já vinham sendo objeto de discussão e de reflexão por esta Casa Legislativa.
Então, eu costumo dizer que, neste cenário, nós estamos com um grande transatlântico em alto-mar e fazendo reformas na casa de máquinas; não temos ainda uma experiência consolidada em termos de aplicação de acordo de leniência e já estamos vivenciando um momento de importantes alterações no plano desse instrumento.
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E eu vou me permitir, considerando o tempo que todos possuímos, Sr. Presidente, destacar alguns pontos que eu considero mais relevantes sob a ótica do Ministério Público Federal, em relação a esse instrumento e em relação às alterações que a medida provisória pretende introduzir.
E gostaria de tomar, como pano de fundo para essa referência, para referência a essas questões, a ideia matriz do que é um acordo de leniência. E é importante pontuar isso, sublinhar para que todas as modificações que venham a ser introduzidas nesse instrumento levem em consideração a sua natureza, para que não haja uma grave descaracterização da natureza desse instituto por força de mecanismos de disposições previstas nessa medida provisória.
O acordo de leniência não é uma mera transação patrimonial, não pode ser visto, não pode ser considerado como um instrumento tendente à recuperação de valores para o Tesouro Nacional, como um mecanismo de recomposição de um litígio que tem, única e exclusivamente, uma repercussão na esfera patrimonial. Não, absolutamente não se trata disso, tanto sob a ótica da prática anticoncorrencial como no campo aqui do sistema anticorrupção, nós precisamos levar em consideração, como pano de fundo, o fato de o acordo de leniência ser, ao mesmo tempo, um instrumento de defesa, em especial de defesa, uma estratégia de defesa daquele que é investigado em relação a atos de corrupção, e também e fundamentalmente, uma técnica especial de investigação. O acordo de leniência é também isso. Portanto, tendo como o seu primo e irmão a colaboração premiada, o acordo de leniência é uma técnica especial de investigação, Deputado Paulo Teixeira, de que se vale o Estado para obter mais elementos para aprofundar uma linha investigativa tendente a alcançar todas aquelas pessoas que, no âmbito, no contexto de uma organização criminosa, praticam atos ilícitos.
Por que eu friso isso? Porque, na medida provisória, há disposições que acabam por, de certa forma, desnaturar a importância do acordo de leniência como um mecanismo e como uma técnica especial de investigação. E refiro-me especificamente à modificação constante do art. 16, §1º, inciso I, que trata da ordem, da preferência para manifestação em relação a acordo de leniência e também no que toca às disposições do §2º também do mesmo dispositivo, que deixam um pouco de lado essa importância ou esse papel do acordo de leniência como um mecanismo de aprofundamento de uma investigação. Não se pode perder isso de vista, sob pena de se alterar profundamente o timbre e a natureza do instituto.
Por outro lado, no que se refere à recuperação ou à reparação do dano, a alteração que está prevista, está proposta para o §4º do art. 16 também me parece ir em uma direção um pouco confusa e até perigosa, porque vejamos o que diz o §4º da medida provisória, com a redação da medida provisória: "O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo administrativo e quando estipular a obrigatoriedade de reparação do dano poderá conter cláusulas sobre a forma de amortização, que considerem a capacidade econômica da pessoa jurídica."
Aqui, essa redação sugere uma possibilidade de modulação da reparação do dano ou até mesmo uma possibilidade de se entender ou se considerar reparação do dano como uma faculdade. E, definitivamente, a reparação do dano decorrente de atos de corrupção não pode ser considerada uma faculdade.
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A própria Constituição sinaliza nessa direção, eminente Senador Ricardo Ferraço, quando estabelece que a reparação do dano é uma decorrência da atividade ilícita e é considerada como uma providência imprescritível, insuscetível de prescrição, conforme disposição do art. 37, um dos parágrafos do art. 37.
Então, a sugestão que o Ministério Público Federal apresentou a esta Casa Legislativa é a manutenção da redação original, a redação que constava da Lei nº 12.846/2013, para que não paire dúvida alguma quanto à obrigatoriedade da reparação do dano, em face de atos de corrupção.
Eu vou avançar, Sr. Presidente, porque são muitos aspectos que poderiam ser aqui considerados, e, certamente, os eminentes participantes desta Mesa apontarão outros pontos bem importantes. E eu vou destacar o aspecto referente à importância de se estabelecer uma sistematização entre o acordo de leniência da Lei nº 12.846/2013 e um outro mecanismo de combate à corrupção previsto na Lei nº 8.429/92, que é a ação de improbidade administrativa.
Digo isso porque o espírito do projeto de lei que tramitou nesta Casa e, de certa forma também na medida provisória, leva em consideração a necessidade de que esses mecanismos possam ser aplicados de uma forma conjunta, sistemática, levando em consideração que todos esses instrumentos pertencem e integram um subsistema anticorrupção. E friso esse aspecto porque é fundamental que, em um acordo de leniência, haja a perspectiva para a segurança do investigado, de que a informação que ele vai trazer, o dado novo que ele vai trazer, para efeito de aprofundamento, a confissão que ele deve fazer, o reconhecimento de sua responsabilidade, que ele deve fazer, porque isso também é importante, deverá repercutir em outras esferas de responsabilização - vale dizer, na esfera penal e na esfera da improbidade administrativa. O investigado não pode ficar inseguro, à mercê de outros instrumentos de responsabilização, se ele celebrar um acordo de leniência para efeito da aplicação da Lei nº 12.846. Ele tem que ter a segurança jurídica de que, ao celebrar um acordo de leniência numa esfera de responsabilização, ele também obterá benefícios na esfera penal e na esfera da improbidade administrativa.
E, para que isso efetivamente possa ocorrer, é indispensável que, desse acordo de leniência, também participe o Ministério Público. O Ministério Público tem que participar do acordo de leniência, para que ele possa também oferecer para o investigado a garantia de que, em sendo celebrado o acordo em uma esfera, haverá também benefícios para outra esfera, nomeadamente na esfera da improbidade administrativa e na esfera da responsabilidade criminal.
Para que isso se dê com clareza, com segurança, faz-se importante uma modificação no art. 17 da Lei nº 8.429, mas também se faz extremamente importante que essa modificação traga para o sistema de responsabilização da Lei de Improbidade quais são os requisitos que devem ser observados pelo Ministério Público para efeito da celebração do acordo de leniência com repercussão, com reflexos na Lei de Improbidade, e isso não se vê na medida provisória, e isso não consta na medida provisória. Daí por que a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal apresentou ao Senador Ricardo Ferraço, apresentou também ao Senador Randolfe Rodrigues e outros Senadores, sugestões de aperfeiçoamento desse ponto, para que sejam estabelecidas quais são as métricas, que sejam fixados os requisitos para que esse acordo de leniência possa ser celebrado com repercussão na esfera da improbidade administrativa.
Por último, e não menos relevante, é importante dissipar - e esse ponto certamente será objeto de referência pela CGU, pelo Tribunal de Contas - uma colidência que tem havido na aplicação ou nesse projeto e no projeto de confecção da medida provisória e no projeto anterior, no que toca às atribuições da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. É fundamental que seja esclarecido isto: qual é o papel do Tribunal de Contas da União, dos Tribunais de Contas, de forma geral, em um acordo de leniência? É órgão de execução ou é órgão de revisão, em face do que faz o Poder Executivo? Isso tem que ser sanado, isso tem que ser definitivamente resolvido, porque essa fricção não dá segurança para ninguém, não traz garantias para ninguém, fragiliza o mecanismo, fragiliza a aplicação do instituto e coloca em risco a sua efetividade.
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Sr. Presidente, são essas as considerações que eu gostaria de trazer em nome do Ministério Público Federal para esta importante audiência pública, salientando que todos esses aspectos que estou mencionando aqui, entre outros, constam de nota técnica que foi apresentada a esta Casa e boa parte acolhida por meio de emenda já apresentada pelo Senador Ricardo Ferraço e também pelo Senador Randolfe Rodrigues, emendas essas que estão submetidas à apreciação desta importante Casa Legislativa.
São as contribuições que eu gostaria de trazer e agradeço a V. Exª.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Muito obrigado ao Dr. Nicolao.
Pela ordem, concedo a palavra ao Senador Ricardo Ferraço.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Cumprimentando V. Exª, o Relator Deputado Paulo Teixeira, os nossos convidados que nos honram, Senadores, Deputados, enfim.
Parece-me que V. Exª disse que o Dr. Nicolao Dino irá se ausentar.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Eu tenho a informação de que ele teria um compromisso logo em seguida.
O SR. NICOLAO DINO - Entre 11h30 e 12h eu terei que me ausentar.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Não é agora. Eu pergunto em que momento eu poderia fazer uma indagação, se agora ou antes que ele deixe o recinto.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - A interpelação aos palestrantes é após ser ouvido o último. Mas eu posso abrir uma exceção, considerando que V. Exª deseja fazer uma indagação ao Dr. Nicolao.
Consequentemente, como ele terá que se afastar, eu concedo a palavra a V. Exª para fazer a indagação.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - É que, salvo melhor juízo, vamos ouvir todos os nossos convidados e aí o Dr. Nicolao não estará mais aqui, e é uma questão importante, Sr. Presidente. Eu agradeço a vênia de V. Exª. Cumprimentamos os nossos convidados mais vez.
Há, Dr. Nicolao, uma questão de ordem preliminar, uma análise feita cuidadosamente da medida provisória. Eu vejo nessa medida provisória alguns sinais de violação à Constituição Federal. Essa é uma preliminar.
A proposta, na minha visão, extrapola os seus limites constitucionais ao tratar de questões da esfera penal e processual, algo vedado ao instituto das medidas provisórias nos termos da alínea "b" do inciso I do §1º do art. 62 da Constituição Federal, que define o regramento e os limites pelos quais o governante deve trabalhar na medida provisória.
A MP alterou o art. 18 da Lei Anticorrupção, prevendo a possibilidade de exclusão da responsabilização judicial da pessoa jurídica de celebrar acordo de leniência, embora, de forma - eu vou usar um termo aqui - malandra ou enviesada, por assim dizer. Ela não usa o termo "penal", mas obviamente essa previsão normativa trazida pela medida provisória permite a exclusão da responsabilidade judicial, cível ou penal. Incide, portanto, na vedação de tratar de temas penais, na forma do já citado art. 62 da Constituição Federal, assim como no caso do art. 25 da lei, que altera prazos de prescrição em matéria penal.
Eu gostaria de merecer de V. Exª... Porque nós todos aqui, eu pelo menos, protestamos muito aqui de tratar uma matéria como essa sob medida provisória, porque me parece uma questão absolutamente em que o Governo está exorbitando.
Há, inclusive, uma questão de ordem pendente que fiz ao Senador Renan Calheiros para que ele me responda essa questão de ordem, que há 30 dias S. Exª não me responde, prometeu responder hoje.
Então, eu queria ouvir de V. Exª qual é a visão do Ministério Público em relação a essas questões de processo penal e matéria penal serem tratadas por medida provisória e, em caso de verdadeiro, o precedente que este Congresso está abrindo,de tratar de um tema complexo e grave como esse por medida provisória.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Eu gostaria, antes que o Dr. Nicolao fizesse qualquer manifestação, saber do nobre Senador se V. Exª está falando como questão de ordem ou levantou pela ordem para...
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES. Fora do microfone.) - Não, a questão de ordem que eu fiz foi ao Presidente do Senado...
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Ao Senador Presidente, o.k.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - ... porque, na minha interpretação, ele deveria devolver esta medida provisória ao Poder Executivo, inclusive considerando que consta, na Câmara dos Deputados, uma proposta que foi amplamente discutida com n entidades, inclusive com a Procuradoria-Geral da República.
Então, a questão de ordem eu fiz no plenário, aqui não. Aqui estou indagando S. Exª o Dr. Nicolao Dino sobre qual é a avaliação que o Ministério Público Federal faz dessa questão que eu estou levantando.
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O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Mas só para saber a indagação, porque V. Exª fez a reclamação de que há um mês que V. Exª aguarda uma decisão, se por acaso fosse uma questão de ordem, eu recolheria a questão de ordem para dentro de 48 horas lhe dar uma resposta. Mas aí...
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Não me provoque que eu faço. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Queria só fazer essa observação.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - V. Exª vai ter que me responder.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Mas, dando sequência,...
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Eu agradeço a deferência de V. Exª.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Dr. Nicolao, por favor, o Relator deseja fazer uma indagação a V. Exª.
Com a palavra o Relator.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu quero perguntar ao Dr. Nicolao Dino, em relação a esses pontos que o senhor levantou, me parece que são três, qual o número das emendas, não todas, dos ilustres Senadores Ricardo Ferraço e Randolfe, se o senhor as tiver? Porque eu tenho todas as emendas deles aqui, mas eu queria saber em relação a esses três pontos, quais as emendas que eles propuseram?
O SR. NICOLAO DINO - Aqui, infelizmente, Deputado Paulo Teixeira, não tenho os números, mas eu posso fazer chegar às mãos de V. Exª ainda hoje. Pediremos à assessoria parlamentar que faça chegar às mãos de V. Exª.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Eu também posso servir como ponte.
O SR. NICOLAO DINO - Bom, mais uma vez agradecendo a deferência e a compreensão do Presidente da Comissão, efetivamente, terei que me ausentar porque estarei na sessão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no começo da tarde. E por isso já antecipo minhas desculpas em relação a essa coincidência.
O eminente Senador Ricardo Ferraço faz a melhor pergunta, o melhor questionamento, a pergunta que já traz em si incutida a resposta. Concordo inteiramente com V. Exª, é exatamente o que diz a Constituição, medida provisória não pode versar sobre matéria penal e matéria processual, Direito Processual, e o que se vê no art. 18 não é outra coisa senão isso, de fato. A medida provisória está versando sobre tema que não é da sua competência. O Texto Constitucional me parece isento de qualquer dúvida.
E o Congresso Nacional é o primeiro filtro da constitucionalidade, o controle de constitucionalidade é exercido, em caráter prévio, no Congresso Nacional, e certamente V. Exªs saberão dar o tratamento adequado a esse tema, em que manifesto apenas essa impressão de que, nesse ponto, efetivamente há uma extrapolação dos limites constitucionais estabelecidos para efeito de normatização por meio de medida provisória.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Agradeço a V. Exª.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Dando sequência, agradeço a participação do Dr. Nicolao. V. Exª fica à vontade para, quando desejar, cumprir seu outro compromisso.
Concedo a palavra ao Dr. Rafael Jardim Cavalcante, da Secretaria Extraordinária de Operações Especiais em Infraestrutura do TCU.
O SR. RAFAEL JARDIM CAVALCANTE - Sr. Presidente, Senador Benedito de Lira, Sr. Relator, Deputado Paulo Teixeira, demais membros da Mesa, S. Exªs Srs. Parlamentares, é com muita honra e dever que o Tribunal de Contas da União comparece a esta Comissão para contribuir, para refletir sobre um tema tão atual, tão relevante e importante no combate à corrupção no País.
Nas minhas rápidas considerações, a gente vai propor uma reflexão, afinal, é o teor desta Casa Legislativa, refletir sobre aquilo que é proposto dos diplomas legais e, a partir dessa reflexão, conduzir aquilo que é bom ou não para o País.
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E vou fazer um convite nesta rápida apresentação para uma reflexão, eminentemente naquilo que nos toca, ao Tribunal de Contas da União e ao Congresso Nacional, sobre as consequências do atual texto proposto na MP nº 703/2015 no controle externo, no controle da Administração Pública feito pelo Congresso Nacional e feito pelo Tribunal de Contas da União. E existem muitas reflexões a serem feitas sobre esse tema.
Eu vou, até em razão do tempo de que a gente dispõe, focar particularmente numa dicotomia que vem sendo discutida desde o início, quando a Lei nº 12.846/2013 foi publicada. Sendo o acordo de leniência um ato da Administração Pública, uma pactuação, um negócio jurídico feito entre um particular e a Administração, é claro que esse ato é passível de controle externo pela Administração Pública: um controle de legalidade, um controle de efetividade, um controle de legitimidade. O que se tem discutido desde o início é como esse controle tem que ser feito, e, no caso do controle externo, o controle feito por esta Casa Legislativa e pelo Tribunal de Contas da União.
Discute-se muitíssimo essa dualidade de uma ponderação valorativa entre o necessário sigilo que ocorre nas negociações do acordo e ao mesmo tempo a viabilização de um controle de legalidade e a legitimidade daquele ato que está sendo proposto.
E mais especificamente ainda, aquilo que se discute é: todo mundo concorda que em algum momento esse controle há de ser feito; a questão é quando. Assim que assinado, o controle pode ser submetido ao Tribunal de Contas da União, para uma avaliação de legalidade e legitimidade, ou - é importante que se diga - qualquer um de V. Exªs pode solicitar ao Tribunal de Contas da União, nos termos da Lei Orgânica do TCU e da Carta Legislativa, que realize esse exame.
Ou não? Levando em conta que esses acordos prescindem de uma gama de atos administrativos até a sua consubstanciação, em que medida esses atos carecem ser controlados, para que o resultado final esteja mais aderente a princípios fundamentais da Administração Pública e ao interesse público? Particularmente sobre a forma de controle desses atos, é isso que se discute.
E veja, que fique claro: o Tribunal de Contas da União não pretende ser executor do acordo; não cabe nunca a ele executar ou negociar essas condições pela Administração Pública, ou tampouco ser o revisor. Nós defendemos é que seja preservado o controle externo da Administração Pública feito pelo Congresso Nacional e feito pelo Tribunal de Contas da União. Nós não somos sequer uma instância homologadora, negociadora. Eventualmente podemos, se essa for a discussão, discutir um texto legislativo que viabilize tal homologação; mas o que não pode ser afastado é a competência constitucional de controlar externamente a Administração, uma competência a priori do Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União.
E eu vou avançar um pouco nessa dicotomia sobre tentar entender: o.k., em todo ato da Administração Pública no interesse do cidadão, no legítimo interesse republicano, interessa ao cidadão que haja olhos especializados para traduzir os atos da Administração Pública ao cidadão. Essa é a República, essa é a missão do controle que o Congresso Nacional faz e o Tribunal de Contas da União faz. A questão é saber o quanto de controle e o quanto de lei. Extracontrole e extralei engessam, e a Administração Pública não consegue ser eficiente, sequer em negociar, estando engessada.
E daí os argumentos que já surgiram sobre a forma pela qual o Tribunal de Contas da União vai controlar: "o Tribunal parte do princípio de que todo administrador é corrupto; o Tribunal parte do princípio de que quem quer que negocie, qualquer que seja a empresa, está previamente mal-intencionado." Não se trata disso.
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Qualquer requisito de governança de empresa pública ou mesmo da Administração Pública parte deste princípio - isso é linguagem internacional, não há nada de novo: 20/60/20. Em qualquer empresa, por mais que existam controles de negócios dessa empresa, aproximadamente 20% dos profissionais, qualquer que seja o nível de controle, vão tentar corromper essa sistemática. Ao contrário, outros 20%, mesmo que não exista controle, vão, sim, sempre agir no interesse daquela empresa. Mas 60% vão agir em proporcionalidade ao nível de controle e à chance que aquela sistemática dá de ele não atuar nos estritos interesses daquela empresa. E isso vale também para a Administração Pública.
Não se trata de dizer que toda empresa ou todo gestor é corrupto. Trata-se de discutir o nível de controle adequado e consentâneo para diminuir o risco de aqueles 60% não conduzirem da melhor maneira os negócios públicos.
Isso é muito, muito válido nessa discussão da ritualística de negociação dos acordos de leniência a serem conduzidos pelos órgãos de controle interno dos entes federativos. É preciso entender que nenhuma lei ou nenhum controle coíbe em absoluto que haja desvio. Isso não existe. Governança, compliance, bons procedimentos diminuem o risco de que a coisa aconteça, da melhor forma possível. E no caso da Administração Pública, no estrito interesse público. Boa governança é sempre probabilística.
E por que é que eu estou falando isso e, sendo ainda mais específico, no caso da Lei Anticorrupção conduzida no âmbito da Federação, da União? Eu posso dizer com muita tranquilidade e verdade que as pessoas hoje que conduzem os acordos na CGU são tanto capazes tecnicamente, quanto possuem hígida solidez moral. O Dr. Higino, que está aqui ao lado, o Dr. Marcelo Vianna, que nos acompanha lá no fundo. Eu sou testemunha de diversos encontros, reuniões e trabalhos que a gente pôde conduzir. Mas não é esse o caso.
A República são instituições que já existiram, existem e vão existir, que prescindem das pessoas que atualmente ou momentaneamente ocupam esses cargos. O que a gente tem que refletir é qual a dinâmica necessária para que esses acordos sejam conduzidos, independente das pessoas que lá estejam, da forma mais consentânea ao interesse público.
E sendo mais específico aqui, muitíssimo específico: hoje as empresas manifestam a intenção, os acordos são realizados, e o controle seria feito ao final, sem saber absolutamente o que e como os exatos termos foram conduzidos. E aí, nesse sentido existem três questões fundamentais: uma é por que controlar os atos administrativos, mesmo os intermediários, antes de ser realizada a intenção do acordo.
A primeira questão é a seguinte: existem atos na Administração Pública que carecem de uma ritualística própria, para que valores fundamentais da Administração Pública, valores constitucionais sejam preservados. É o caso, por exemplo, da contratação pública. Os contratos prescindem de uma mecânica licitatória, para que os valores fundamentais das aquisições ao final sejam feitos no estrito interesse público?
Será que não existe também uma ritualística própria na negociação desse acordo necessária para garantir, em termos de risco, que esses atos sejam mais consentâneos ao interesse público? Alguns deles, eu vou dizer que sim, claro. Eu não consigo verificar, por exemplo, que cada reunião realizada entre o agente público e o particular não prescinda de uma materialização em ata, com a presença de todos os presentes na reunião? Que a própria intenção de acordo seja feita de maneira escrita e uma outra ritualística processual capaz de viabilizar inclusive o controle a posteriori?
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Essa mecânica interna pode e deve ser fiscalizada, e não se trata nem de avaliar o mérito. A própria formalidade mecânica na condução do acordo deve, sim, ser passível de fiscalização, é interesse da sociedade. Os olhos da sociedade são, no ideal de controle externo, do Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União.
A passar o texto como está previsto hoje na MP 703/2015, se V. Exªs eventualmente solicitarem ao Tribunal de Contas da União - e hoje podem, aliás, antes da 703 - uma auditoria nesses contratos, nesses atos já realizados nesses processos de negociação, não vão poder. Existe uma autorretirada de competências de V. Exªs, Srs. Parlamentares, nas comissões.
Existe também outra questão, sobre a segurança jurídica de acordos eventualmente e posteriormente tornados nulos. Negocia-se o acordo, inicia-se com a produção de resultados, eles são eficazes, e, posteriormente, uma semana ou quinze dias depois, ou trinta dias após, o Tribunal de Contas da União constata e questiona a legalidade desses termos. Ou mesmo a legitimidade, em termos de vício de motivação. A empresa deve R$1 bilhão e entregou de volta R$1,00. Negociamos o acordo. Ele é nulo! Só que ele já produziu atos, a empresa já publicou as provas que ela tinha à disposição e ela abriu mão desse silêncio constitucional para atingir um objetivo muito concreto. Uma vez que esses dados foram ao mundo, como voltar atrás? Qual a segurança jurídica que existe?
A viabilidade em potencial de se fiscalizar esses processos de condução dos acordos tanto confere segurança jurídica quanto dá eficácia real à avaliação de legalidade que, necessariamente, há de ser feita. Eu pergunto, ainda: e o não acordo? Porque só se fala do acordo já assinado. Se existe, por exemplo, a negativa do órgão de controle interno de não pactuar o acordo, essa não pactuação, no estrito interesse público, também tem de ser motivada e devidamente registrada no processo. Ou algum órgão de controle ou um agente público, qualquer que seja o ente da Federação, pode? Não, essa prova não nos interessa. E se ela efetivamente alavancar a persecução investigativa, no caso da Administração, ela deve, sim, ser considerada. De sorte que a consequência...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL JARDIM CAVALCANTE - ... nos termos dos textos que vou propor, afasta o Congresso Nacional e o Tribunal de Contas da União do controle republicano sobre os atos do Poder Executivo, e certamente se tem menos cidadão naquele meio de condução dos acordos.
Objetivamente falando, o que pode ser feito, nos termos estritos positivos da MP, para que isso seja corrigido? O atual texto traz, no §14: "O acordo de leniência depois de assinado será encaminhado ao respectivo Tribunal de Contas, que poderá, nos termos [constitucionais], instaurar procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante, para apurar prejuízo [...]”.
Há duas questões aí. Uma é a interpretação já dada pela CGU, confirmada não, em termo liminar, pelo Supremo Tribunal Federal. É que o Tribunal só poderia agir depois. Não tem o "somente" escrito aí, mas, de fato, é uma interpretação que pode ser dada.
A outra é que a única apuração que o Tribunal de Contas poderia fazer seria o juízo de montante de valor devido, com o que a gente também não concorda em face de as sanções serem necessariamente proporcionais ao prejuízo causado.
A nossa proposição é substituir:
A celebração do acordo de leniência, ou a mera declaração de intenção para realizá-lo, não impede que o órgão legislativo e o respectivo Tribunal de Contas exerçam o controle externo sobre a legalidade, economicidade, efetividade e legitimidade dos atos praticados pelo leniente, pelo interessado ou pelo órgão acometido da conduta lesiva à administração pública, inclusive no que ser refere aos atos administrativos realizados no transcorrer das negociações para celebração do acordo.
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Outro texto questionado é o atual texto do art. 17-A da MP, que diz: "Os processos administrativos referentes a licitações e contratos em curso em outros órgãos ou entidades que versem sobre o mesmo objeto [...]". Bom, pode ser interpretado que isso também se refira aos processos de controle externo, mas eu poderia dar uma lista de dezenas de processos que teriam de ser interrompidos no Tribunal de Contas da União sobre esse assunto. Lembrando que nós não fiscalizamos diretamente a empresa, nós fiscalizamos é o gestor o público e, solidariamente, eventualmente, a empresa quando ela participa ou concorre para alguma irregularidade.
A nossa proposta é, acho que de forma consentânea aos dizeres do Dr. Nicolao Dino sobre os acordos vincularem as partes subscreventes: "Os processos administrativos em curso no órgão ou entidade contratante ou que participe da respectiva celebração", esses sim, é que devem ser sobrestados, com lógica.
O último dispositivo que eu gostaria de trazer à reflexão é o art. 16, §2º:
O acordo de leniência celebrado pela autoridade administrativa:
I - isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do caput do art. 6º e das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar previstas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e em outras normas que tratam de licitações e contratos [...].
A nossa Lei Orgânica, densificando valores constitucionais, viabiliza que os Tribunais de Contas, quando detectada...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL JARDIM CAVALCANTE - ... fraude à licitação, declare a inidoneidade. A nossa proposta, na minha última demonstração, é retirar esse último termo.
Muito obrigado a V. Exªs pela oportunidade de conduzirmos especificamente esse tema relacionado ao tamanho do controle, e consentâneo ao interesse público. Para eventuais considerações, estou completamente disponível a V. Exªs para responder, na fase de perguntas. Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (REDE - AP) - Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Pela ordem, Senador Randolfe Rodrigues.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (REDE - AP) - Excelência, sem nenhuma intenção de tumultuar, recebi a informação de que o Dr. Nicolao Dino, em virtude de outros compromissos já assumidos, vai ter de se retirar. Gostaria de ouvir a consideração do Dr. Nicolao Dino sobre um dos meus questionamentos. Não quero, obviamente, obstaculizar ou tumultuar a lista de oradores já existentes, mas eu queria sugerir e solicitar de V. Exª a melhor aquiescência para que ainda pudéssemos aproveitar a presença do representante da Procuradoria-Geral da República.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - No momento oportuno, abrirei uma exceção para que V. Exª possa fazer a sua indagação.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (REDE - AP) - Agradeço a V. Exª.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Agradeço ao Dr. Rafael.
Concedo a palavra ao Dr. Roberto Livianu, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo.
O SR. ROBERTO LIVIANU - Bom dia a todos e a todas. Presidente Benedito de Lira, Dr. Paulo Teixeira, integrantes da Mesa, Srs. Parlamentares, Bruno Covas, Randolfe, com muita honra, venho aqui procurar contribuir com esse debate em relação à Medida Provisória 703/2015, na dupla condição de integrante do Ministério Público do Estado de São Paulo e também como Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, que é uma força viva da sociedade, que pretende colaborar no plano das políticas públicas, das pesquisas, da mobilização da sociedade e na educação contra a corrupção.
Algumas questões foram colocadas aqui, outras tantas ontem, pelo que soube, importantes, e há alguns outros aspectos que precisam ser trabalhados com muita atenção nesta Comissão Mista. Em primeiro lugar, a questão que o Senador Ferraço levantou e que o Dr. Nicolao colocou, e é necessário ter muita atenção com isso, porque o objeto desta medida provisória estava se submetendo a um processo legislativo na Câmara. O PL nº 3.636/2015 já havia tido sua discussão iniciada no Senado, estava na Câmara e, abruptamente, foi editada uma medida provisória, que é uma medida de força cabível nas hipóteses previstas na Constituição. Na Constituição também há as vedações, como se falou aqui. Medida provisória não pode versar sobre matéria penal nem processual. No entanto, essa medida provisória versa sobre matéria penal e sobre matéria processual. Portanto, esse abortamento do processo legislativo, a meu ver, representa um desrespeito ao próprio Legislativo, porque o Legislativo examinava isso numa comissão especial, o PL nº 3.636/2015.
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Em segundo lugar, uma questão que me parece extremamente relevante destacar é o histórico de como se chegou até aqui. Em 2010 foi apresentado um projeto de lei que acabou se transformando na Lei Anticorrupção, a Lei nº 12.846/2013. Esse projeto estava sendo discutido quando, em 2013, logo após os movimentos de rua de junho, se transformou na Lei nº 12.846.
Agora, é importante considerar o seguinte: o que levou à aprovação desse projeto naquele momento? Uma série de fatores internos e também externos. Por quê? Porque essa Lei nº 12.846 se origina de um pacto entre as nações contra a corrupção. Ela se origina da Convenção da OCDE de 1997, do tratado de Mérida de 2003. Aliás, na Convenção do OCDE de 1997 está expresso, no art. 5º, que não se pode deixar de punir empresas corruptas sob a alegação de dano à economia. Está expresso isso no art. 5º.
Então, há um argumento que se usa com frequência: a questão do emprego, do dano ao emprego. Em primeiro lugar, não são as empreiteiras que geram emprego. Quem gera emprego é o Estado, a movimentação da economia, problemas da matriz econômica. Em segundo lugar, os empregos podem ser muito bem atendidos por empresas pequenas. Percebam que essa situação pode gerar uma grande injustiça em relação às empresas que não estão sendo investigadas. Isso pode gerar um dano à livre concorrência. As empresas cumprem a lei, cumprem a lei de licitações e são punidas porque são honestas? Será que isso é justo? Elas têm garantido, por força do acordo de leniência, acesso ao dinheiro do BNDES, têm garantido o atestado de idoneidade, têm as multas diminuídas, e a empresa que cumpriu a lei é prejudicada.
É necessário se olhar essa questão do emprego com bastante atenção. Não se pode desrespeitar essa origem. A lei brasileira se origina desse pacto internacional. Aliás, é bom lembrar também que, quando a lei brasileira foi aprovada, apenas três países signatários dos tratados internacionais não tinham lei anticorrupção - Brasil, Irlanda do Norte e Argentina. Houve uma pressão para que o Brasil tivesse a sua lei, sob pena de deixar de receber dinheiro de financiamentos internacionais.
Então, houve o fator interno e houve esse fator externo. Quando se cria um mecanismo, uma situação que se desvirtua desse caminho, na verdade, desrespeita-se todo esse movimento internacional de combate à corrupção.
Outro ponto que o Dr. Nicolao Dino tocou e que é da maior importância: o acordo de leniência - é bom registrar - não estava no projeto de lei original. Quando em 2010 foi apresentado, não havia acordo de leniência. Colocou-se o acordo de leniência na reta final da discussão. Não houve um debate mais aprofundado com a sociedade em relação a isso. E houve o uso do parâmetro da lei antitruste, que funciona muito bem. Mas só que, lá, a arquitetura jurídica é diferente, porque, na lei antitruste, há Ministério Público intervindo obrigatoriamente, e os conselheiros do Cade tem mandato. Aqui a coisa funciona diferente.
Uma pergunta que eu faço a vocês: a medida provisória não impõe a fiscalização obrigatória do Ministério Público. Ela permite que se celebrem acordos de leniência envolvendo a CGU e a AGU com a empresa suspeita, sem fiscalização do Ministério Público. Qual é o medo? Qual é o problema em submeter esses acordos à fiscalização do Ministério Público? Quem tem medo do Ministério Público? Qual é o problema? Porque, vejam só, eu sei que vários controladores no País hoje, mesmo sem imposição legal, chamam o Ministério Público para intervir nos acordos. E sabe por que eles fazem isso? Para que os acordos tenham maior segurança jurídica, o que se falou aqui. Por quê? Porque, se você não chama o Ministério Público para fiscalizar e se o Ministério Público entender que o acordo é danoso ao patrimônio público, o Ministério Público pode levar à Justiça e pedir anulação. Não é inteligente? Nós estamos gastando dinheiro público indevidamente. Se você chama a fiscalização prévia, você evita desperdício de dinheiro público. Está certo? Então, é muito mais interessante, saudável, e a sabedoria do povo nos ensina que é melhor prevenir do que remediar.
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Por que não submeter isso ao Ministério Público? Por que não termos a fiscalização do Ministério Público? Qual é o problema?
Sabemos há séculos que a concentração de poder não é uma coisa boa. E a fórmula legal aqui é uma fórmula concentradora de poder. Mesmo o texto da medida provisória legitima o Ministério Público, mas não diz que é necessária a intervenção do Ministério Público nos acordos de leniência com a CGU e a AGU. E qual é o problema? Qual é o medo de submeter esses acordos ao Ministério Público? Isso precisa ser corrigido. Essa é uma situação injusta.
Ah, mas há o dano ao emprego, à economia.
Eu vou apresentar uma proposta a vocês, que venho discutindo com algumas pessoas que entendem deste assunto. Não há uma política pública clara em relação às multas previstas na Lei Anticorrupção. Não há uma política pública clara. Há o desejo de, de alguma maneira, minimizar o impacto disso em relação aos funcionários da empresa? Há essa preocupação por parte do Congresso? Então, é possível, nesse debate, que se pense na destinação desses valores para minimizar esses impactos. Do que eu estou falando? Por exemplo, premiar o delator. Podemos pensar em destinar uma parte da multa para premiar o delator. Podemos destinar uma parte da multa ao conjunto de funcionários.
Aliás, vamos mais além. A Lei Anticorrupção traz o marco legal da compliance, não é? O marco legal da compliance. Se nós queremos realmente tornar isso realidade concreta, então vamos dar estabilidade ao delator. A empresa não pode demitir o delator, porque o delator fica exposto. Líderes sindicais, por exemplo, têm estabilidade, não é verdade?
Precisamos assegurar condições de denúncia. Essa é uma medida que o Congresso pode adotar. Vamos dar estabilidade ao delator, vamos premiar o delator, vamos premiar o conjunto de funcionários, vamos destinar uma parte da multa aos sindicatos, para que eles possam cumprir a sua função de dar assistência ao trabalhador, vamos destinar uma parte da multa ao fundo da saúde e da educação. Dessa maneira, criam-se políticas públicas efetivas e minimizam-se os danos econômicos.
Agora não simplesmente passar a mão na cabeça de empresas suspeitas, fingindo que nada aconteceu e castigando as empresas honestas. Esse argumento do dano ao emprego, do dano à economia é um argumento perigoso.
Imaginem vocês se o Ministério Público vai deixar de cumprir o seu papel de processar os chefes do tráfico porque isso pode gerar dano ao emprego de quem distribui cocaína? Seria razoável pensar isso? Eu estou exagerando, mas, se formos pensar assim, então nós vamos chegar ao extremo da quebra da ordem jurídica. Seria plausível não desbaratarmos um grupo de extermínio porque os pobres pistoleiros perderiam os seus salários? Porque essa é a lógica de você não cumprir a lei, inclusive desrespeitando todo um concerto internacional que existe para se coibir a corrupção.
Aliás, o concerto internacional tem um caso recente que vale destacar. Trata-se do caso Henrique Pizzolato cidadão italiano. Estava na Itália, processado e condenado no Brasil, sendo que o Brasil à Itália havia negado a extradição de Cesare Battisti cinco anos antes. Todo mundo sabe que Direito Internacional se baseia na reciprocidade, e o Brasil pediu pelo Ministério Público Federal, que teve um papel extremamente importante, a entrega de Henrique Pizzolato. A Itália poderia negar a entrega desse criminoso. Cidadão italiano. Não houve a reciprocidade brasileira. O que fez a Itália? Entregou. Por quê? Porque há um interesse da civilização em punir a corrupção. Deu um belo exemplo.
E nós precisamos respeitar essas origens. Por que a Lei Anticorrupção foi feita? Porque há um movimento internacional de combate à corrupção.
A lei foi feita não para salvar empresas. Essa lei foi promulgada em agosto de 2013 com o objetivo de punir empresas corruptas, com objetivo de preservar os valores, a moralidade, a sociedade brasileira. Portanto, não podemos nos destacar, não podemos nos apartar desse caminho.
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Aliás, se verificarmos a lei, se verificarmos o decreto regulamentador e depois a medida provisória, a essência da lei, o regramento que foi implantado nos países trabalha com a ideia do dilema do prisioneiro, ring the bell. A primeira empresa que traz a colaboração recebe o benefício. Na medida provisória isso se estende para todo mundo. Não se exige que haja revelação de fato novo. Que colaboração é esta? Que colaboração é esta?! Uma esclareceu e as outras vêm, o fato está esclarecido, e você estende a todo mundo. Como é que é isto? Isso escapa ao espírito que levou à aprovação desta lei. Não é isso que pretendeu o legislador ao fazer a Lei nº 12.846/2013. Portanto, é necessário ter muito cuidado.
Há outra questão que não falei aqui sobre a presença do Ministério Público e é muito importante falar. Eu disse que o Ministério Público depois pode questionar. Mas prestem atenção, parem para pensar em qual é o aspecto da arquitetura jurídica da medida provisória? Como se celebra um acordo de leniência? Quem está na mesa negociando? De um lado, órgãos de Governo e não de Estado, o Controlador-Geral da União, pessoa honrada, não tem mandato, não é independente, é órgão de Governo. Então, tenho órgão de Governo de um lado, empresa suspeita de outro, e ninguém de fora fiscalizando. Seria legítimo esse acordo sem fiscalização externa? Não está faltando alguém para dar à sociedade a necessária legitimidade? Seria possível que tenhamos um acordo que proteja o interesse da sociedade? E vou mais além, enquanto estamos aqui, o Ministério Público Federal está colhendo provas no exterior sobre a prática de corrupção. Como pode a CGU celebrar um acordo de leniência sem saber a extensão das investigações que o Ministério Público desenrola? Como posso celebrar esse acordo sem saber até onde eu posso ir? Será que eu posso negociar sem saber se exatamente estamos falando do ponto final dessas investigações? É complicada essa situação. Extremamente complicada.
Portanto, e eu vejo que o meu tempo vai se esgotando, peço a vocês...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO LIVIANU - ... que reflitam a respeito disso, deixando muito claro, como falou aqui o Nicolao Dino, que o acordo de leniência é primo da delação premiada. Ou seja, a ideia de colaborar é uma ideia positiva. O mundo caminha nessa direção. O Direito negocial, o acordo de leniência, a delação premiada são bons, mas o modelo, a arquitetura desse acordo precisa ser adequada. A sociedade precisa estar protegida. A CGU e a AGU não são órgãos de defesa da sociedade, são órgãos de Governo negociando com a empresa suspeita, que pode ter sido doadora de campanha deste próprio Governo. É legítimo esse acordo sem a fiscalização? Qual é o medo de ter a fiscalização do Ministério Público?
E veja, na lógica do empresário, que pensa nos resultados, na sua função social, ele quer segurança jurídica. Qual é a segurança jurídica de um acordo em que o Ministério Público não participa e que depois pode ser questionado? Quanto essa empresa vai ter que gastar com advogados para defender seus interesses em juízo? Não é mais apropriado submeter esse acordo à homologação do Ministério Público? E vou mais além: à homologação da Justiça. Dá mais segurança ainda. O Ministério Público intervém e a Justiça homologa. Nós adquirimos segurança jurídica para a empresa poder colaborar. Para que o espírito do acordo de leniência se concretize, é necessário que a empresa tenha condições de celebrar um acordo realmente seguro, que realmente vá trazer repercussões.
O representante do TCU já falou aqui e eu quero reforçar: a medida provisória enfraquece o TCU. A medida provisória breca os efeitos da Lei de Improbidade. Quando a Lei Anticorrupção foi feita em 2013, estava expresso: sem prejuízo da incidência da lei, serão aplicadas as sanções da Lei de Improbidade.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO LIVIANU - O que faz a Medida Provisória? Torna sem efeito isso.
Portanto, qual é a sensação que passa? E vocês acompanharam o debate público sobre isso. Do jeito que está, fica parecendo uma ação entre amigos, uma bondade para com empresários desonestos, para com pessoas que faltam com a ética, e um desrespeito aos empresários honestos, que geram empregos, que trabalham e pagam seus impostos.
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Seria isso que o Congresso Nacional quer produzir como mudança legislativa? E por medida provisória, sendo que a Constituição diz que não se pode criar nada por medida provisória em matéria penal e processual? Será esse o caminho ético, equilibrado e respeitoso à separação de Poderes? Eu tenho certeza que não. E esta Comissão tem a possibilidade de fazer os ajustes de rota necessários para que nós possamos construir acordos de leniência razoáveis, respeitosos ao interesse público e, acima de tudo, legítimos, que respeitem o interesse público.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Muito obrigado ao Dr. Roberto, Promotor de Justiça de São Paulo.
Atendendo à solicitação do eminente Senador Randolfe Rodrigues, concedo a palavra para que V. Exª faça a indagação que deseja ao Dr. Nicolao.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (REDE - AP) - Senador Benedito de Lira, agradeço a aquiescência de V. Exª, a tolerância do Plenário e dos nossos convidados para este debate.
Obviamente, os questionamentos que aqui faço são estendidos a todos os membros da Mesa, mas alguns necessitariam de uma manifestação. E me permitam dizer, como nós temos dois representantes do Ministério Público nesta Mesa, embora um esteja em nome da sociedade civil, que é o Dr. Roberto Livianu, eu gostaria que essas considerações em especial tivessem uma abordagem dos senhores.
Em primeiro lugar, quero comungar de uma opinião que me parece que já foi externada aqui nesta Comissão Mista, neste debate de hoje. A minha interpretação é que, conforme preceitua o art. 62 da Constituição, no seu inciso I, alínea "b", esta medida provisória não poderia existir. Ela versa claramente sobre matéria penal e processual penal. E mais do que isso, esta medida provisória foi encaminhada para o Congresso Nacional quando estava em curso um debate sobre projetos de lei que versavam sobre a organização do mesmo instituto, que é o acordo de leniência: o Projeto de Lei nº 105, de 2015, do Senador Ferraço, do qual tive a honra de ser Relator, e que o Dr. Nicolao aqui destacou, e que, indo para a Câmara, transformou-se no Projeto de Lei nº 3.636, de 2015.
Parece-me que isso, inclusive, constrange a relevância e urgência, pré-requisitos necessários para a edição de medidas provisórias, visto que a matéria já estava em debate aqui no Congresso Nacional.
Eu gostaria de uma abordagem sobre a percepção dos senhores, porque não ficou claro para mim a intenção, a manifesta intenção do Governo na edição desta medida provisória. Aliás, parece-me que a intenção é - abro aspas - "proteger o emprego e a economia" - fecho aspas. Ora, mas o Dr. Roberto fez um conjunto de ilações, listando crimes. Se nós tivéssemos que adotá-los para proteger a economia, teríamos a conturbação total da ordem pública. Isso só para citar o exemplo do tráfico de drogas e de tantos outros.
Não me parece razoável essa argumentação e também me parece intempestiva. Para tanto, gostaria de ouvir a manifestação dos senhores em relação a esse tema.
Além disso, quero salientar alguns temas que me parecem primordiais. O primeiro é em relação ao seguinte: o texto da medida provisória excluiu a parte constante do art. 16, §1º, inciso III, da Lei nº 12.846/2013, que exigia que "a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito" - abro e fecho aspas. Eu gostaria de saber de V. Sªs e de todos da Mesa, mas em particular dos representantes do Ministério Público, como analisam essa exclusão.
A segunda questão - obviamente já foi comentada aqui, mas quero reiterá-la - é sobre a participação obrigatória do Ministério Público nos acordos de leniência. A pergunta se estende a todos da Mesa, mas em especial ao Dr. Nicolao, que terá que sair. Gostaria de ouvir uma consideração de S. Exªs sobre isso, sobre a participação, a necessidade de participação.
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Particularmente, ao que me parece, o acordo de leniência sem o Ministério Público perde, inclusive, o seu fim, o seu sentido. E já tivemos esse debate durante a ocorrência do Projeto de Lei nº 105/2015 aqui, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A outra questão, senhores, é sobre o §4º do art. 16, que é modificado pelo texto da MP e que permite que não seja obrigatório no acordo de leniência a reparação do dano. A nova redação, na minha interpretação, abre margem para que isso não seja feito.
Pergunto o que pensam V. Sªs, V. Exªs em relação a isso. E considero que isso compromete também o teor do acordo de leniência.
A quarta e última questão, senhores, em especial, Dr. Nicolao Dino, ainda sobre a argumentação de perda de empregos: não seria pertinente, nesse sentido, a aprovação das Emendas nº 93 e 94, do Deputado Subtenente Gonzaga, que constaram, num primeiro momento, do nosso relatório, aqui, no Senado Federal, mas que - me parece - não foram acatadas? Essas emendas permitiam a alienação do controle acionário dessas empreiteiras.
Pergunto aos senhores a opinião em relação a essas emendas. E, obviamente, Presidente, como já destaquei, gostaria previamente de uma consideração do Dr. Nicolao, pela urgência e necessidade de ele ter que sair desta audiência.
Agradeço a aquiescência de V. Exª, Presidente Benedito de Lira; do Relator, Deputado Paulo Teixeira; dos colegas aqui, desta Comissão Mista, e dos nossos convidados.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Agradeço ao Senador Randolfe e gostaria de comunicar à Mesa e aos nossos palestrantes que, considerando que o Dr. Nicolao terá que se ausentar, então, ele tem a palavra para responder.
Aos demais eu pediria permissão, porque ainda há três palestrantes para fazer as suas exposições, para que deixem para o final as respostas às perguntas formuladas pelo Senador Randolfe Rodrigues.
Com a palavra o Dr. Nicolao, para responder às indagações do eminente Senador.
O SR. NICOLAO DINO - Agradeço, mais uma vez, a compreensão de V. Exª, Sr. Presidente, e agradeço também as intervenções sempre precisas e ilustres do Senador Randolfe.
E já antecipo: concordo plenamente com as indagações, com os questionamentos que V. Exª traz.
No tocante à relevância e urgência, requisito a ser aferido por esta Casa Legislativa quando da análise do projeto de conversão, da medida provisória, eu friso aqui exatamente o que disse no início, quando da minha intervenção: o processo legislativo foi atropelado.
O Senado Federal já havia se debruçado, de uma forma muito detida, sobre esse tema; aprovou o projeto de lei, encaminhou à Câmara dos Deputados. Lá na Câmara dos Deputados, houve audiências públicas, inclusive tive a honra de participar de um debate lá realizado; o relatório chegou a ser concluído e apresentado, salvo engano de memória, e, no final do ano, sobreveio a medida provisória, que, na minha perspectiva, não chega a preencher inteiramente o requisito, o pressuposto da relevância e urgência, principalmente se considerarmos este dado: o Congresso Nacional estava apreciando a matéria, estava efetivamente analisando a temática.
O Senado dirá, a Câmara dirá em relação a esses pressupostos.
No que se refere ao plea of guilty, ao que está no §1º do inciso III, art. 16, alterado pela medida provisória, também não vejo razão consistente, aliás, não concordo, em hipótese alguma, com essa supressão. Inclusive, disse isso na minha intervenção, propondo que se retorne ao texto original, de forma a se manter a disposição que condiciona a celebração do acordo de leniência ao reconhecimento expresso da pessoa jurídica no que se refere à sua participação no ilícito, tal como preconiza toda a doutrina nacional e internacional relativamente a esse tema.
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Será que no Brasil vamos ter mais uma mesma jabuticaba, não vamos ter o reconhecimento da participação na atividade ilícita no acordo de leniência à brasileira? Não faz sentido também. Estamos tratando de algo que vem sob o influxo de inúmeras disposições internacionais, de inúmeros tratados e convenções internacionais. É um modelo que vem sendo aplicado, e me parece que é condição sine qua non, para que um acordo possa ser celebrado.
Portanto, também preconizo o retorno da disposição existente na Lei nº 12.846/2013. V. Exª...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Na sua fala e na fala do Dr. Roberto Livianu, foi dito que o Ministério Público... Foi dito que há uma modificação na Lei Anticorrupção, em que o Ministério Público foi retirado.
Eu fui à Lei Anticorrupção. A Lei Anticorrupção, em seu art. 16, diz:
Art. 16 A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público e Advocacia Pública [...].
Não estou vendo que fora modificado esse status. O Ministério Público tem, na Lei Anticorrupção aprovada em 2013, o mesmo status que tem aqui, nesta medida provisória. O que me parece que está em debate é que o Ministério Público quer ampliar a sua competência, mas não há uma diminuição de competência da lei...
Olhe, estou aqui com o seu art. 16. A Lei nº 12.846/2013 dá ao Ministério Público o mesmo status que esta medida provisória dá. Portanto, não vejo aqui uma diminuição de status. O que me parece é que estamos tratando aqui de outro tema: do objetivo do Ministério Público de ampliar o seu papel na lei de leniência.
Acho que é bom deixar claro aqui, senão fica parecendo... A Lei nº 12.846...
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Posso ajudar V. Exª?
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Vou só concluir, aí concedo o aparte a V. Exª.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Muito obrigado.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - A Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, foi mandada pelo Governo da Presidenta Dilma Rousseff. Ela foi mandada, se não me engano, pelo Governo do Presidente Lula.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Lula.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Lula.
Foi aprovado no Governo Dilma Rousseff. E a lei de leniência foi enviada pela... A MP de leniência foi enviada pela Presidenta Dilma Rousseff. Portanto, é o mesmo governo.
Em segundo lugar, vejo aqui, na lei, que não há uma mudança de status do Ministério Público. Parece-me aqui se tratar de um objetivo novo do Ministério Público, de ampliar o seu papel. Mas não há, porque, pelo que foi dito aqui, parece-me há, digamos assim, uma mudança muito significativa.
Os outros pontos vou tratar posteriormente, inclusive aproveitando...
No art. 16, vejo o mesmo papel do Ministério Público que há na Lei Anticorrupção. Então, gostaria de ouvir o Dr. Nicolao Dino.
Com o Dr. Alberto Livianu, pelo argumento aqui, gostaria de discutir outros temas e vou fazer no final, na condição de Relator.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Posso só contribuir com V. Exª rapidamente?
Realmente, não há mudança em relação à Lei nº 12.846/2013 e à medida provisória. O que estamos falando é do avanço que houve no projeto que foi debatido aqui, no Senado, e que está na Câmara. Por quê? Na medida provisória, assim como na Lei nº 12.846, o ingresso do Ministério Público não se dá como premissa. O Ministério Público será informado, quando, na verdade, o que trabalhamos aqui é que a celebração do acordo de leniência ficará condicionada à apreciação do Ministério Público. Essa é a diferença.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Posso responder a V. Exª?
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Claro.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Lá, no projeto de lei - vários Deputados aqui, o Deputado Bruno Covas pode testemunhar -, há uma forte obstrução.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Não estou entrando nesse mérito.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Mas quero dizer isso. Portanto, quero aqui estabelecer que, em relação à Lei Anticorrupção, a medida provisória dá ao Ministério Público o mesmo status, não tira um centímetro do status até então existente.
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Mas da lei aprovada aqui tira.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Não há lei, há um projeto de lei...
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - Há um projeto, perdão.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Há um projeto de lei aprovado no Senado na Câmara, que está sob forte obstrução na Câmara. E, nesse projeto de lei, há uma modificação.
Então, só para colocar as coisas aqui à mesa, às claras.
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O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - E a nossa luta qual é? Incorporar nesta medida provisória essa condição para que o Ministério Público...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu sei. Eu só queria tratar de colocar as cartas na mesa da maneira como elas estão. E eu gostaria que isso... Embora eu concorde, agora esclarecemos: a única mudança existente não é da Lei Anticorrupção para a medida provisória. A mudança existente que está sendo proposta é de um projeto de lei que foi aprovado aqui no Senado Federal...
O SR. RICARDO FERRAÇO (PSDB - ES) - É isso.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - E que está sendo discutido na Câmara.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Eu gostaria de pedir aos companheiros que aguardássemos o final das informações do Dr. Nicolao para que possamos dar sequência, porque temos três outros palestrantes, que poderão trazer subsídios para que possamos realmente, no final, fazer o grande debate.
O SR. NICOLAO DINO - Serei breve, Sr. Presidente. Pedirei licença ao Senador Randolfe, para atender a essa importante e oportuna intervenção do Deputado Paulo Teixeira, que é o Relator, para esclarecer o ponto da minha fala. Acho que não sui suficientemente claro em minha exposição.
V. Exª fez referência ao dispositivo do art. 16, caput, com a redação das medidas provisórias, e não a redação anterior, não é isso? Qual é a questão que se traz à baila?
O acordo de leniência, tal como previsto na Lei nº 12.846/2013, diz respeito a um específico mecanismo de responsabilização lá previsto, no âmbito administrativo e no âmbito judicial, com sanções próprias. O que estamos colocando é: o fato de esse instituto se inserir em um subsistema punitivo anticorrupção, o qual também é integrado pela Lei de Improbidade Administrativa. Então, para a empresa e para os representantes da empresa, não há segurança jurídica em celebrar um acordo de leniência com repercussão nas sanções da Lei nº 12.846/2013 e não negociar as sanções da Lei nº 8.429/1992, daí a oportuna inserção do Ministério Público na celebração do acordo de leniência, seja sob o prisma das sanções da Lei nº 12.846; seja sob o prisma das sanções da Lei nº 8.429.
Isso está no projeto de lei que foi aprovado no Senado, está no projeto de lei que está tramitando na Câmara dos Deputados e, de certa forma, está mencionado na medida provisória. Sim, com certeza. O que estamos sublinhando é a necessidade de isso efetivamente constar, para que os efeitos decorrentes do acordo de leniência possam abranger todo o conjunto de sanções possivelmente aplicáveis às empresas.
Esse é o ponto.
Concluindo a resposta ao Senador Randolfe, eu acredito que o plea of guilty deve retornar para o sistema, a redação originária, o reconhecimento da atividade ilícita. Quanto à reparação do dano, também concordo plenamente, e tive a oportunidade de destacar isso. Não se pode modular ou estabelecer possibilidade de não haver reparação de dano. Acho que é uma condição que não pode ser incluída. A reparação de dano há de ser integral, em qualquer circunstância, porque assim quer a Constituição Federal.
Finalmente, as emendas às quais V. Exª faz referência, Emendas nº 93 e 94, que tratam da alienação do controle acionário de empresas, e aqui vou me reportar à fala do Dr. Roberto Livianu, quando manifesta a sua preocupação no que se refere à ideia de salvação, de resgate e de proteção das empresas e dos empregos - temas que são sem dúvida importantes. Mas o foco principal da Lei nº 12.846/2013 não é esse.
Mas se formos pensar em preservar isso, e isso de fato é relevante, estamos apresentando sugestões nessa mesma linha. Apresentamos sugestões inclusive quando da tramitação do PLS 105/2015 aqui no Senado Federal. Ou seja: a introdução no sistema de um mecanismo de alienação do controle acionário. Se o objetivo é preservar a empresa, a pessoa jurídica enquanto tal, é plenamente possível imaginar-se que, sob a perspectiva da proteção do mercado, da proteção dos empregos existentes nas empresas, que se assegure a proteção a isso, porque isso é relevante para a economia nacional e se estabeleça um mecanismo de transferência do controle acionário, como existe, de uma forma parecida, intervenção do próprio Estado na administração da empresa na Lei de Recuperação Judicial. Já há um mecanismo similar na Lei de Recuperação Judicial. Por que não trazer isso para o contexto da Lei Anticorrupção se a ideia é proteger o mercado e a empresa? Então, é possível, sim, que venha a haver esse tipo de modificação, de alteração.
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Nós vemos isso com bons olhos e chegamos a apresentar sugestão de acréscimo à Lei nº 12.846/2013, no art. 19, com a seguinte disposição:
A alienação compulsória do controle societário será aplicada como alternativa às sanções previstas nos incisos III e IV, a fim de assegurar a continuidade do negócio, do contrato administrativo ou da prestação de serviços públicos, bem como a manutenção de postos de trabalho, ou para atender a outra razão econômica de relevante interesse público, devidamente comprovada nos autos.
Essa foi a sugestão que a Câmara de Combate à Corrupção apresentou a esta Casa Legislativa.
Muito obrigado, Sr. Presidente, mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Muito obrigado ao Dr. Nicolao.
Dando sequência, concedo a palavra ao Dr. Carlos Higino Ribeiro de Alencar, Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União.
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - Muito bom dia.
Quero cumprimentar o Exmo Senador Benedito de Lira, Presidente desta Comissão, e os demais, Senador Randolfe Rodrigues, o Deputado Bruno Covas, o Senador Ricardo Ferraço, o Deputado Paulo Teixeira e meus demais colegas de Mesa.
Eu tenho uma apresentação a trazer e até agradeço ao Senador a possibilidade de falar nesse momento, porque acho que poderemos esclarecer vários desses pontos colocados e talvez retirar dúvida sobre algumas questões mencionadas.
Eu tenho algumas discordâncias com o Dr. Nicolao, de mérito teórico, e também com o Dr. Livianu. Mas eu acho que tudo no âmbito da questão técnica em relação a isso.
Podemos passar, por favor.
Bem, o acordo de leniência, como bem colocado - pode encher a tela, por favor -, ele é um instrumento de investigação, e concordo com o Dr. Nicolao e com o Dr. Roberto, nesse ponto, ele não é algo meramente de reparação.
Ele é uma prática internacional e nacional. Não se configura como uma jabuticaba. Muito pelo contrário, Dr. Nicolao, nós aqui temos trabalhado, e o projeto do Governo alinha-se às principais práticas de sucesso no mundo, e isso é o que eu gostaria de destacar.
Há um ponto que ainda não foi colocado, e eu voltarei a esse ponto no final, mas que eu acho essencial no projeto. Todas as legislações anticorrupção no mundo tiveram um objetivo de dar um passo à frente, ou seja, de conseguir construir um cenário sem corrupção. E esse é o objetivo dessa lei.
Podemos passar. Pode encher a tela, por favor.
Eu gostaria de destacar isso, porque algumas questões que foram colocadas decorrem de um entendimento necessário nesse campo.
Qual é a competência da CGU no âmbito federal e das secretarias de controle interno, dos órgãos de controle interno nos Estados e nos Municípios? A competência administrativa, não a competência judicial. Essa competência judicial é ou da advocacia pública respectiva ou do Ministério Público, para uma ação civil, seja no caso da Lei Anticorrupção ou no caso de improbidade administrativa.
Eu quero só dar um exemplo claro sobre como funcionam as questões para nós tratarmos da participação do Ministério Público. Eu queria até complementar o Deputado Paulo Teixeira, porque a medida provisória não só não reduziu, ela ampliou a participação do Ministério Público.
Mas eu gostaria de dar um exemplo em situações já existentes. Qual é a sanção administrativa a um servidor quando ele comete um ato ilícito? A Administração tem como prerrogativa a aplicação de punição em um caso grave de demissão. O Ministério Público não se imiscui na demissão, como processo administrativo, pelo princípio da independência das instâncias. A própria Administração deve processar e demitir o servidor.
O que cabe ao Ministério Público? A ação de improbidade administrativa. Ele age no âmbito judicial. É essa a grande diferença.
O sistema que foi construído aqui pela medida provisória - e eu também queria destacar e concordo integralmente com o Senador Ricardo Ferraço - que, no mérito, o caput do art. 16 reproduz o que tinha sido aprovado no PL nº 3.636/2015, com alguma pequena alteração de redação. Mas ele apenas reproduz o que já tinha sido aprovado.
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E por que digo, Dr. Livianu, que a medida provisória reforçou o papel do Ministério Público? Por três razões. A primeira porque o Ministério Público não aparecia de forma expressa como partícipe do acordo de leniência, podendo celebrar administrativamente. O Dr. Nicolao acompanhou toda essa negociação, esse elemento foi trazido, já estava no PL 3.636.
Uma outra questão importantíssima que aumentou a participação do Ministério Público, e eu gostaria de destacar, é a nova redação dada ao art. 15 da lei. No art. 15 da lei, a redação original previa que, ao final do processo, ele fosse encaminhado ao Ministério Público para o acompanhamento, e, a pedido do Ministério Público, inclusive tive várias reuniões com o Dr. Nicolao, nós inserimos uma obrigatoriedade de acompanhamento desde o início. Então, a medida provisória, neste campo, ampliou.
E, dentro do sistema que mencionou o Dr. Nicolao, também há um elemento importantíssimo de algo que já vinha sendo conduzido pelo Ministério Público, no âmbito, inclusive, da Operação Lava Jato e de outras situações, e era uma demanda antiga do Ministério Público, ou seja, a possibilidade de transação na improbidade administrativa. A medida provisória veio trazer essa possibilidade. Então, ela reforça o papel do Ministério Público. Eu acho que essa é uma primeira questão a ser bem colocada.
Eu gostaria só de destacar já aqui, para não perder um pouco a oportunidade, talvez o Dr. Nicolao tenha que sair, que discordo, embora tenho plena competência, plena ciência de que ele é um conhecedor da matéria penal de maneira muito mais profunda que eu, indiscutivelmente, mas discordo de que, no art. 18, como o Senador Ricardo Ferraço mencionou, tenha havido a questão de matéria, a menção a qualquer matéria penal. Na verdade, a gente está falando da responsabilidade judicial no âmbito da própria lei. Não há, aqui, matéria penal.
E o que o art. 18 fala é que, na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a responsabilidade, a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial. O que é que está dizendo? É o contrário. Aqui está dizendo: se a CGU trabalhar só naquela esfera administrativa, o Ministério Público poderá, como não poderia ser diferente, conduzir a ação de improbidade. Além do que, salvo aí uma modificação que parece se avizinhar no novo Código, mas a questão de responsabilização penal de pessoa jurídica no Direito brasileiro é restrita à questão ambiental.
Então, queria expressar essa questão de discordância de questão teórica, Nicolao, de que acho que não há, de forma alguma, nenhum tipo de situação que afete a competência do Ministério Público nem que a medida provisória trate de matéria judicial, como mencionou o Senador Ricardo, nem nesse, nem no próprio art. 25, que trata de prescrição. Na verdade, esse art. 25 é um artigo que consta do PL 3.636, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, inclusive de ampla negociação com o Ministério Público para dar maiores garantias. É claro que a questão de urgência, relevância, esses temas devem ser apreciados pelo Parlamento, mas, só nessa questão de matéria penal, quero permitir-me a questão dessa discordância.
É bom que a gente entenda isso. Para se ter uma ideia do que é isso. Hoje, se eu demitir um servidor, e aí nós temos a consciência de que nós cortamos na nossa própria carne, sem problema algum, eu dou exemplos aqui, tivemos demissões de vários servidores públicos em relação aos quais as matérias judiciais, penais e civis sequer transitaram, nós damos pleno andamento a isso.
Eu queria só pular mais dois eslaides à frente, por favor, pode passar este e ir para o seguinte, e eu queria dizer o que o acordo não o alcança. Primeiro, o acordo não alcança e não gera isenção total de sanções. O acordo não alcança pessoas físicas. O acordo de leniência celebrado pela CGU restringe-se exclusivamente a pessoas jurídicas e não alcança também a esfera penal.
Uma das questões que o Dr. Livianu colocou, eu gostaria de dizer que ele está absolutamente correto, mas há uma diferença que é essencial. O acordo no Cade tem reflexos penais, portanto, ele não pode prescindir do Ministério Público, óbvio, porque o titular da ação penal é o Ministério Público. O acordo de leniência, caso celebrado exclusivamente na esfera administrativa, possui reflexo penal zero. Então, se ele for celebrado exclusivamente na esfera administrativa, ele não poderá, obviamente, por preceito constitucional, ter nenhum reflexo na esfera penal, porque a titularidade da ação penal é do Ministério Público. Então, não existe situação nesse sentido.
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Houve um outro ponto também, e é bom até a oportunidade que eu tenho de escutar os meus antecessores, porque acho que a gente tem capacidade de esclarecimento, quanto à questão da reparação integral do dano. Eu queria colocar isso de maneira bem clara, porque a redação do §4º gerou algum tipo de controvérsia, mas eu queria dar até uma demonstração pelo que eu conheço.
Aliás, gostaria até de mencionar: nós estamos trabalhando em cooperação com o Ministério Público em vários acordos de leniência, inclusive da Operação Lava Jato. Nós não temos nenhum tipo de restrição em relação a isso. Agora, a questão da reparação integral do dano, eu queria só deixar bem claro que a redação do §4º do art. 16 em momento nenhum permite que não haja reparação integral do dano. Por quê? O §3º da lei deixa claro que, indiscutivelmente, terá que haver a reparação do dano. O que está acontecendo? E aí até eu posso falar isso em tese, não vou dar, claro, os elementos, mas lhes digo até o que está sendo feito em vários acordos, pelo Ministério Público, da Lava Jato.
O dimensionamento do dano, em várias situações, é demorado; pode levar, muitas vezes, anos em auditorias de grau de complexidade elevado. E o que está sendo feito em vários acordos? Fazem-se acordos com a ressalva de que, se houver outros danos ali não previstos ou que ultrapassem essa diferença, eles podem ser cobrados. É uma lógica absolutamente utilizada em várias outras situações. Qual é a ideia nesse caso? A ideia nesse caso é de que, se por acaso, em acordo decorrente de uma auditoria posterior, não for verificado que ele cobriu completamente essas instâncias, esses valores, isso pode ser cobrado a posteriori. Agora, a presença do §3º do art. 16 deixa claro que o dano sempre terá que ser ressarcido.
Poderia passar um pouco à frente?
Eu acho que é o rito.
Eu queria também destacar aqui que não existe acordo feito de maneira informal, foi uma dessas lendas urbanas que se criou, não sei de onde surgiu e depois começou a ser reproduzido. Todos os acordos são feitos mediante atas. Existe todo o registro das propostas e das negociações, há todo um rito que é feito. É feito por auditores de carreira da CGU, há uma comissão designada para isso, não é um ato unilateral do Ministro de Estado.
Pode passar à frente.
Uma das questões também que eu queria tratar aqui é uma questão mais penal, diz respeito à assunção de responsabilidade. E é uma questão um pouco mais técnica de Direito. Empresa não possui dolo ou culpa. Ela não tem como comprovar intenção de conduta. A empresa atua por meio dos seus empregados ou diretores. E o que a lei fez e o que a medida provisória reforçou? A lei foi muito inteligente nesse ponto, trazendo a responsabilidade objetiva. O que quer dizer?
Digamos que eu trabalho na empresa A, e, embora tenha a empresa uma série de condutas e estatutos dizendo que eu não devo conduzir de forma errada, eu vou lá e pago uma propina. Se eu assim o fizer, embora a empresa tenha uma série de mecanismos de proteção, a empresa será responsabilizada, independentemente de eu ter agido em desconformidade com isso. É isso que traz a responsabilidade objetiva. E é essa a intenção da modificação do artigo que falava em relação à assunção de responsabilidade.
Na verdade, a responsabilidade da empresa é objetiva, eu não tenho que comprovar dolo ou culpa. Ou seja, se a empresa pagou, e, então, eu trago aqui, como a gente não está fazendo nenhuma jabuticaba... Qual a experiência internacional? As empresas estão tendo que ter cuidados nos seus contratos com os parceiros. Eu dou um exemplo agora. A gente tem investigações em várias operações, e eu dou exemplo na Operação Zelotes. Se a empresa, por exemplo, contratar um advogado e esse advogado pagar algum tipo suborno para trazer algum benefício para a empresa, mesmo que ela não saiba, ela será responsabilizada, porque a responsabilidade é objetiva. Então, não há nada em sentido distinto. Há a necessidade de cooperação efetiva. Há o comprometimento de melhoria na integridade e o ressarcimento ou multa.
Como o meu tempo já está esgotando-se, eu gostaria de ir um pouco mais lá para o final. Pode avançar até onde aparece MP 703.
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Aí também acho que é importante a gente tratar.
Pode passar, pode encher a tela por favor.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - Na verdade, o que a medida provisória trouxe foi a possibilidade da participação da AGU e do Ministério Público nisso. Nesse sentido, Senador Ricardo Ferraço, o art. 16 tem alguma mudança de redação, mas ele se assemelha e muito ao projeto de lei de V. Exª que foi aprovado no Senado em termos de conteúdo, e acho que qualquer modificação para aproximá-lo lá não traria nenhum tipo de problema ao projeto, a intenção foi nesse sentido.
As ações judiciais de ambas as leis são de competência de cada um dos entes lesados por meio das advocacias públicas e do Ministério Público.
Eu concordo integralmente com o que comentou o Dr. Nicolao e o Dr. Roberto Livianu, e até queria dizer, Dr. Roberto Livianu, que eu não sei se alguém tem medo do Ministério Público. O Governo Federal e a CGU, particularmente, não têm, a CGU não tem nenhum medo de cooperar com o Ministério Público, inclusive convida o Ministério Público e discute com ele vários casos. Agora, é uma questão de técnica que uma instância administrativa não se subordine a outra, as instâncias são independentes entre si.
O que existe de fato é uma necessidade de cooperação, até porque vou dizer a V. Exª que a recíproca também é verdadeira. Se um acordo for feito pelo Ministério Público com uma empresa, por exemplo, e a CGU ou qualquer órgão de controle interno declarar essa empresa inidônea, o acordo irá por água abaixo da mesma forma, porque a empresa ficará bloqueada de contratar e poderá estar submetida a sanções graves, então há essa necessidade de cooperação.
Pode passar à frente.
Eu já comentei essa obrigação, aumentou o poder do Ministério Público, ele tem que ser comunicado no começo.
Pode passar.
A possibilidade de acordo com mais de uma pessoa jurídica. Vamos aqui à questão das jabuticabas: não existe país nenhum do mundo que limite à primeira. Por quê? Porque pode haver situações onde haja corrupção e cartel, mas há situações onde a corrupção não é associada ao cartel. A FCPA e UK Bribery Act, legislação de boa parte dos países da Europa, não reduzem à primeira. Porém, somente a primeira poderá gozar de isenção total, e as demais poderão ter redução. Aliás, é a mesma sistemática do Cade.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - Diga-se de passagem, lá há outro nome, com a segunda não se chama acordo de leniência, chama-se termo de cessação de conduta.
À frente, pode passar.
Eu queria só mostrar a questão americana, eu acho que isso fica bem claro, porque é o país que tem a legislação mais antiga.
Pode passar.
Na legislação americana, há uma divisão muito clara dos papéis, o Departamento de Justiça, DoJ, cuida da questão penal. Lá, quem cuida das sanções e multas, que aqui é a CGU, é a CVM de lá, a SEC, e a sanção da proibição de contratar é de cada um dos órgãos, eles têm um servidor específico - o debarment é a proibição de contratar - que indica isso.
À guisa de conclusão, o que eu queria dizer é o seguinte: primeiro, não se reduziu o papel do Ministério Público, ao contrário. Segundo, introduziu-se o papel do Tribunal de Contas da União. O Tribunal de Contas da União não é mencionado em acordo de leniência nem na Constituição nem na sua própria lei. Nós entendemos que isso era adequado e por conta disso ele foi introduzido, porém, em diversos outros atos, não é comum, mesmo nas nossas auditorias; as nossas auditorias de contas nós as conduzimos e, após concluirmos, encaminhamos ao Tribunal, isso é um procedimento também padrão.
Em relação aos empregos, acho que foi uma menção forte do Dr. Livianu, acho que há uma diferença muito grande entre um traficante de drogas e um trabalhador de uma empresa da construção civil. Aquele que trafica drogas sabe que está cometendo um ato ilícito, isso é uma diferença muito grande. Aquele que trabalha em uma empresa honestamente no dia a dia e que, eventualmente, tem um diretor ou um presidente que paga propina está em uma situação completamente diferente, ele não tem nenhuma ideia nem ele é partícipe. Ele não é cúmplice de uma ilicitude que tenha cometido, por acaso, uma empresa para ganhar um contrato público. Há uma diferença muito grande, a distância é gigantesca nesse ponto.
Eu quero colocar que a medida provisória e a própria lei não têm - e aí o senhor não encontra em nenhum lugar - justificativa de que a salvação de empresas seja alguma justificativa técnica para que nós assinemos qualquer acordo de leniência, mas óbvio que isso é extremamente desejável. Por quê?
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Porque justamente, por essa diferenciação que eu fiz, e eu queria deixar isso bem claro para V. Exª, aquele empregado de uma empresa que tenha cometido ato ilícito não tem nenhuma responsabilidade e, infelizmente, é esse que hoje em dia está sendo o mais apenado por essa situação.
Eu agradeço e me coloco à disposição para os questionamentos após as falas dos demais membros.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. PP - AL) - Dando sequência, concedo a palavra ao Ministro Gilson Dipp.
O SR. GILSON LANGARO DIPP - Boa tarde a todos, Sr. Presidente, Sr. Relator, Srs. Senadores, Deputados, eu fico até constrangido porque não estou representando aqui nenhum órgão. O meu sentido, e o Deputado sabe, é no sentido crítico de quem escreveu sobre a lei, está publicado, mas...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - O senhor é uma instituição. (Risos.)
O SR. GILSON LANGARO DIPP - ... a crise econômica faz com que a editora não publique esse estudo de artigo por artigo que fiz da lei até o decreto. Evidentemente que vai estar defasado com a medida provisória, mas eu discordo de quase todos, concordo com quase tudo o que o Higino disse.
A lei, por si só, e o Senador Ricardo Ferraço foi o Relator no Senado, já traz um ambiente de dificuldade para ser aplicada. A lei é de 2013, aliás, com um dia de diferença da Lei de Organizações Criminosas, que regula a delação premiada. Tanto na mensagem presidencial do Presidente Lula quanto nas palavras dos Relatores - na Câmara, Deputado Zarattini, e no Senado, Senador Ricardo Ferraço - a tônica é: essa lei vem atingir, cumprir tratados internacionais celebrados pelo Brasil; essa lei vem dar mais transparência para as empresas e os negócios com o Estado; essa lei visa a combater o suborno e a corrupção, corrupção e suborno que são citados inúmeras vezes.
Editada a lei, se alguém me mostrar um artigo, um inciso, um parágrafo onde se fale em suborno e corrupção, eu pago um cafezinho na saída. Por que isso? Porque os acordos internacionais exigiram das empresas a responsabilidade objetiva. No Direito Penal brasileiro só se admite a responsabilidade subjetiva com culpa em sentido estrito ou dolo em relação à pessoa física, e não admite essa responsabilidade... Aliás, até com a responsabilidade penal pura e simples, o nosso sistema tem uma dificuldade muito grande. Eu me lembro em relação aos crimes ambientais, em que fui o relator dos primeiros acórdãos no STJ, que responsabilizavam as empresas não objetivamente, desde que também constasse na denúncia a pessoa física que deu ensejo ao crime ambiental junto com a empresa.
Essa lei é uma lei de Direito Administrativo, e alguns dizem que de Direito Administrativo sancionatório, porque não poderia ser penal. Se fosse penal, não se poderia responsabilizar objetivamente a empresa. Colocada essa dificuldade, vocês vão ver que a lei não está sendo aplicada. Alguns Estados têm procedimentos, algum processo administrativo, mas todos os atos considerados ilícitos têm um conteúdo penal, todas as infrações, atos lesivos previstos na lei têm um correspondente tipo penal na legislação penal. E aí então se modificam perfunctoriamente alguns conceitos para não dizer que é suborno, que é corrupção, porque isso é figura que está prevista no Código Penal, e aí enfraqueceria a responsabilidade objetiva, que é o que as convenções internacionais preveem.
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Posta essa dificuldade - eu sempre digo que a lei anticorrupção foi feita em um momento que não era propício tanto legalmente quanto constitucionalmente para a sua aplicação imediata -, na lei, o acordo de leniência é apenas uma possibilidade no decurso do procedimento de responsabilização administrativa. Não tinha a conotação tão grave, tão discutida como está tendo agora. E o acordo de leniência, na Lei Anticorrupção, realmente trazia algumas, como continua trazendo agora, dificuldades para a empresa. A empresa se abria na tentativa de promover um acordo de leniência e não ser ofendida principalmente pela impossibilidade de ter recursos públicos ou entidades estatais.
Não pensem que todos esses que o Higino está falando, que estão na CGU, e nenhum deles concluído, e sei que muitos deles não foram concluídos porque o Ministério Público, com a conivência da CGU, está impossibilitando... Conheço empresas que estão já conformes à reparação integral, aos danos, etc., mas, na hora de fechar - o Higino pode dizer que não é verdade e eu também não posso afirmar que seja verdade -: "Falem agora com o Ministério Público". E não é o Ministério Público da PGE, é lá na Lava Jato.
Evidentemente, num acordo de leniência da lei, a empresa que fazia o acordo se despia sem garantia nenhuma, por quê? Seus sócios poderiam ser responsabilizados penalmente, poderiam sofrer ações de improbidade pelo Ministério Público, a Receita Federal, o Fisco, certamente iria verificar se os impostos eram devidos e pagos. Isso gerava uma intranquilidade para fazer o acordo, que teria que ser reformulado.
As penas e as multas decorrentes da aplicação da lei, acho que é consenso, foram muito elevadas. Elas são penas muitas vezes impraticáveis. Penalidade é punir empresa, penalidade não é declarar pena de morte à empresa. Com isso, e é essa razão, a medida provisória, eu não tenho dúvida, veio principalmente tentar diminuir um pouco o impacto de reparação do dano, que é a aplicação de pena, em virtude de que ela seja, de uma maneira, um pouco mais palatável para as empresas. Estou falando de uma lei que se aplica do Amazonas ao Chuí.
Só que acontece o seguinte: todos nós estamos aqui discutindo essa lei não como uma lei nacional de perspectiva futura, com todos os seus conceitos que não somente acordo de leniência. Nós estamos fazendo essa discussão aqui sob o manto, sob a égide, sob a pressão da Lava Jato, só. E a Lava Jato é algo, espero que seja, transitório, espero que possa ser ultrapassada dentro de pouco tempo. E nós estamos aqui com uma visão, e não adianta tentarem me convencer que não, nós estamos aqui pensando num acordo de leniência não que vai ser feito por uma pequena empresa do Amazonas ou lá do Rio Grande do Sul, uma panificação que tenha lá 40 empregados e que subornou uma empresa para fornecer alimentos; nós estamos olhando as empresas da Lava Jato.
Quando se deu essa notoriedade à Lava Jato, aí vieram atores que não estão previstos na lei originária, no acordo de leniência, e querem dela participar, que é o Ministério Público - o meu amigo sabe porque já falei isso várias vezes com ele -, o Tribunal de Contas da União e a própria AGU. Quem tem o controle do acordo de leniência no âmbito da União é a Controladoria-Geral da União, órgão de Estado, não é órgão de Governo. Passa governo, e a CGU, como já se mostrou, continua. E a CGU não tem que ficar submetida a pressões porque nenhum acordo vai funcionar, como não funcionou até agora.
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E no TCU, que tem a sua missão constitucional já resguarda na ação de tomada de contas, isso é matéria constitucional, em toda e qualquer matéria que lese dinheiro público pode ser aplicada a qualquer momento, apreciada pelo TCU, não precisa ser no acordo de leniência e nem deve - nem deve ser no acordo de leniência. Agora, com o acordo de leniência, previsto na lei, começam a abrir mão de certas prerrogativas.
Eu quero dizer o seguinte: as entidades estatais não podem ser desacreditadas por fatos momentâneos. Se me disserem que a CGU é governo, que está negociando com uma empresa que pratica ato ilícito, eu absolutamente não vou concordar. Então feche-se a CGU.
Nós estamos vivendo num momento em que - isso não é crítica, é constatação para mim - o Congresso Nacional e o Executivo estão submetidos, para qualquer dificuldade, ao crivo do Supremo Tribunal Federal, ao Judiciário, que é um Poder tão forte quanto os outros. Qualquer dificuldade que tenha o Executivo ou Legislativo vai-se ao Supremo Tribunal Federal, que, ao prestar a sua jurisdição, acaba por legislar e acaba por ultrapassar as barreiras da independência dos Poderes. Fatos recentes demonstram isso.
Então, vamos acreditar que o Brasil continua com Três Poderes, que o Ministério Público tenha a sua função constitucional, que a AGU, como braço do Legislativo, tenha outra função constitucional, mas no processo administrativo de responsabilização quem determina, no âmbito da União, é a CGU, no âmbito dos Estados são as corregedorias internas de controle interno, que todos os Estados estão criando. Eu participei, eu ajudei a fazer o regulamento do controle interno aqui do Distrito Federal.
Olha, nas ações judiciais, porque a lei prevê processo administrativo e algumas das penalidades do processo administrativo só poderão ser atingidas judicialmente, dissolução da empresa, suspensão de sua atividade, etc., isso a advocacia pública pode fazer na omissão da autoridade, o ente lesado, e até o Ministério Público na omissão de todos os entes administrativos, até responsabilizando pela sua omissão. Não há nada de novo na face da Terra.
O que gostaria de dizer? Primeiro, medida provisória inconstitucional. Temos que ter algum cuidado com as inconstitucionalidades referidas. Primeiro, há um artigo da Constituição que diz que o juízo de urgência e conveniência para editar uma medida provisória é do Presidente da República, já nem falo que é da Presidente, porque senão vou personificar. A partir daí se pode questionar critério de urgência, de relevância, mas o juízo previsto na Constituição é do Presidente da República. Não há matéria penal nessa lei. Tem direito administrativo sancionatório, que pode se confundir, no caso de lei de improbidade, com processo civil. Aqui se faz diferença entre processo penal e processo civil. Processo civil, de certa forma, abrange o processo administrativo. Mas afirmar peremptoriamente que isso está sendo ferido, eu tenho minhas dúvidas.
Segundo, não concordo quando se diz - interpretação da lei originária para mim, sou minoria absoluta -: a primeira empresa que vai negociar não é em sentido de cartel. Em cartel, a primeira empresa que falar mata as outras. Aqui se trata de atos lesivos contra a Administração, que a primeira a se manifestar é aquela que o faz perante a Administração, porque podem ser atos lesivos totalmente diversos. O cartel é uma coisa só.
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Há outra questão que me chama muito a atenção: parece-me que no processo administrativo de responsabilização, e agora no acordo de leniência, já que, parece-me, é inevitável que vai haver uma certa participação maior ou menor do Ministério Público e do TCU - nada contra os órgãos, isso eu falei na presença dos dirigentes -, eu sei que o TCU dormiu na elaboração da lei; quando viu que a coisa explodiu, instrução normativa para participar.
Eu sugeriria na redação... Eu não vou ler agora, porque não tomo nota dessas coisas, mas, na instauração do acordo de leniência, diz aqui que é competência da CGU, podendo participar o Ministério Público e a AGU. Eu diria, a critério da CGU, que essas duas entidades podem participar. E por que AGU? A Advocacia-Geral da União está aí para defender a CGU, que é outro órgão da União. Nada mais do que isso. A AGU, entidade de Estado, para defender o Estado, está ali apenas para defender os atos da CGU que forem contestados.
Então nós estamos partindo, para mim, de uma premissa errada. Nós estamos partindo dos fatos de hoje, da Lava Jato, e tentando fazer uma lei nacional, mudando o acordo de leniência que já era suscetível de críticas, porque a empresa se despia. Agora vai trazer muito mais dificuldades, eu não tenho dúvida. Os atores são muitos para um palco pequeno.
Eu torço para que um acordo de leniência possa satisfazer CGU, TCU, Ministério Público - é ele que conhece os danos, porque tem ação própria. Esses acordos de leniência feitos em matéria civil são termos de ajustamento de conduta e nada mais. E mais: satisfazer a empresa.
Então eu vejo com extrema cautela. Acho que a mudança é necessária, mas deve haver, nessa nova relação do acordo de leniência, alguns ajustes para que a lei, no sentido amplo, não possa ser desmerecida. A lei já tem muitos problemas para sua aplicação. Tudo nela pode ser judicializado; que é tudo que a Administração não quer.
Geralmente o Judiciário não tem a mesma visão da Administração. Pelo contrário, às vezes tem uma visão completamente antagônica. É nesse sentido que eu acho que algumas ponderações - não estou com anotação, não me refiro a artigos - devem ser modificadas. Esse do acordo de leniência, porque não dizer: "A CGU, a seu critério, a seu juízo, chamará a participação do Ministério Público e do TCU ou da própria AGU."
Basicamente era isso. Vocês me desculpem a franqueza, mas como eu disse: não estou atrelado a ninguém - graças a Deus. E se estivesse atrelado, se ainda estivesse no Judiciário, eu teria dito a mesmíssima coisa.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado ao Ministro Gilson Dipp. Eu não sei, nem interessa, nem o senhor está obrigado a me dar informações, mas eu acho que a PEC da bengala chegou atrasada.
O SR. GILSON LANGARO DIPP - Graças a Deus chegou na hora certa, senão eu não estava aqui. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Encerrando a participação dos nossos convidados, concedo a palavra ao Prof. Heleno Torres.
O SR. HELENO TORRES - Bom dia a todos.
Antes de mais nada quero saudar e agradecer o honroso convite do Senador Benedito de Lira para estar nesta honrosa Comissão. Quero também saudar o nosso Relator, o Deputado Paulo Teixeira - também agradeço a indicação -, saudar todos os presentes, o Senador Randolfe Rodrigues, o Senador Ferraço, o Deputado Bruno Covas - é uma grande alegria - e todos os presentes.
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É um momento muito complexo o que nós vivemos, e a academia, especialmente a Universidade de São Paulo, fica muito honrada de poder participar e poder contribuir de algum modo.
Claro que, no universo acadêmico, o olhar sobre essa legislação varia conforme as áreas. Para um administrativista, certamente, é um olhar muito diferente daquele que o penalista dedica. De igual modo, aquilo que um professor de Direito Financeiro, como é o meu caso, tem em relação a essa lei, obviamente, são preocupações diversas das que um processualista ou qualquer outro teriam.
Nossa perspectiva, porém, é aquela de ver ou tentar abranger ao máximo aqui esses contornos. Acho que, após ouvir tanto as exposições de hoje quanto aquelas que foram apresentadas ontem, realmente a Comissão e, especialmente, o Relator devem ter uma série de considerações muito oportunas, que se unem a todo esse esforço que a Câmara e o Senado tem feito neste momento.
Eu quero destacar pontos bem objetivos. O primeiro: eu acho que essa questão sobre a delimitação material é de extrema relevância. Extrema relevância, porque os acordos firmados podem, posteriormente, numa eventual discussão de inconstitucionalidade - e há já uma ação direta de inconstitucionalidade em tramitação no Supremo Tribunal Federal em relação a essa medida provisória -, inquinar de morte todos os acordos, e voltar-se à estaca zero não daqui a um mês ou dois, mas daqui a anos, quando essa discussão vier a ultimar-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Então esse é um assunto extrema importância. Eu quero destacar isso, Deputado Paulo Teixeira, porque obviamente não quero ver os esforços, tanto do Congresso quanto das autoridades envolvidas e das empresas, afetados realmente por uma declaração de inconstitucionalidade, que virá com uma força violenta a alcançar todas essas questões.
Se nós olharmos para o conteúdo do texto da medida provisória, obviamente há uma tendência de nós pensarmos sempre, termos essa perspectiva de que toda a matéria que trata de sanções seja de cunho penal. E, aí, óbvio, depende da semântica que se adote para essa expressão - aquela, numa interpretação constitucional, matéria penal que está lá no art. 62, §1º, alínea "b", salvo engano. Essa perspectiva é muito importante, porque eu posso ter uma análise semântica mais ampla e dizer que penal aqui abrange qualquer forma sancionadora ou tipificadora de condutas ilícitas. Ou demarcar isso apenas para aquilo que tenha repercussões de natureza penal relativas àquilo que se qualifique como crime, como conduta típica, antijurídica, culpável, afetada ao Código Penal.
Essa feição, obviamente, a meu ver, é a mais adequada. Por quê? Porque a Constituição também, quando, no art. 37, dispõe sobre Administração Pública, destaca claramente que a responsabilidade do servidor é objetiva e poderá ser alcançada inclusive naquilo que corresponda a sanções civis e sanções administrativas como instâncias independentes. E isso, ao longo de toda a Constituição, aplica-se tanto a autoridades administrativas quanto às pessoas físicas ou jurídicas. E, nesse particular, então, nós temos a separação muito clara dessas instâncias punitivas ou sancionadoras - as instâncias cível, administrativa e aquela de cunho propriamente penal.
Como disse o Ministro Gilson Dipp - e corretamente -, a meu ver, essa lei está no espaço do Direito Administrativo sancionador. É óbvio que ela trata e afeta certos pontos que têm uma margem de conexão muito grande com o Direito Penal, porque o Ministério Público, obviamente, terá disposição sobre esses conteúdos adiante. Mas, quanto à identificação dos ilícitos, o Ministério Público que colher, ao participar desses acordos, ou mesmo que dele não participe - pelo menos na versão que está, por ser ainda uma escolha, uma faculdade o Ministério Público participar desse acordo -, vindo a tomar ciência posteriormente, esses ilícitos serão examinados dentro de um conjunto probatório que também será apurado a partir daqui.
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Um outro ponto é a questão da extinção de punibilidade, mas a extinção de punibilidade está conectada com outras leis - vide o caso, por exemplo, da delação premiada - do sistema jurídico, que irão admitir, ou melhor, que o Ministério Público terá à sua disponibilidade, para aceitar a vinculação, ou não, desses conteúdos. Entretanto, o conteúdo, aqui, é um conteúdo de responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, e não de responsabilidade subjetiva. Há propostas que, por exemplo, corretamente entendem que, nesta matéria, deveriam constar também as pessoas físicas. Perfeito. Mas isso deve ser feito por um projeto de lei. Será inconstitucional a inclusão de pessoas físicas no texto da medida provisória, porque, se aprovada, a inconstitucionalidade será evidente, porque, aí sim, você está relacionando esse conteúdo a algo que é de natureza tipicamente penal, o que, a meu ver, é impossível. Agora, tudo o mais, o que trata de integridade, de futuro, de adequação de condutas das empresas à legalidade, à moralidade administrativa ou mesmo das indenizações, nesse patamar, ou estamos no espaço das sanções cíveis ou no espaço das sanções administrativas.
Eu acho que o Brasil demorou muito a entender tudo aquilo que acontecia nos Estados Unidos, com a lei Sarbanes-Oxley e outras diversas regras que foram surgindo mundo afora, e nós chegamos muito tarde a esse movimento de combate à corrupção, apesar dos tratados internacionais que foram sendo elaborados, Senador Randolfe, da OCDE, da OEA, da ONU. Nós chegamos muito tarde. Não me refiro só ao Congresso. Isso não é uma culpa legislativa. Isso é da cultura brasileira. A cultura brasileira não se adequou... Na cultura brasileira, as empresas colocaram tudo isso formalmente em prática, mas não de um modo efetivo.
Então, eu queria fazer aqui sugestões. Já ouvi todas essas menções. Obviamente, a versão... A corrupção rompe com o significado de Estado democrático de direito. A corrupção agride a lei orçamentária, agride a ideia de legalidade orçamentária, agride a concepção de gasto público, os limites desse gasto público, as restrições orçamentárias e, na execução do orçamento, os controles da Administração Pública. A corrupção, portanto, é um mal a ser debelado, não somente porque existe aí uma razão messiânica de solução de uma praga universal. Não. É porque ela rompe com fundamentos do Estado democrático de direito e não é possível aceitar um Estado democrático de direito funcional se pessoas privadas de direito público ou de direito privado corrompem ou são corrompidas.
É devido a esse aspecto que, a meu ver, há um projeto que não tem sido tratado conjuntamente, mas eu acho que é de extrema importância mencioná-lo, que é o Projeto de Lei nº 4.703, de 2016, um projeto de lei que está em tramitação nesta Casa e que aprimora, Deputado Paulo Teixeira, fortemente esta medida provisória no seu conteúdo. Diversos pontos merecem, sem dúvida nenhuma, consideração, porque foi feito a partir de um projeto que se iniciou por iniciativa de professores da universidade - e eu tive a satisfação de encaminhar esse projeto, junto ao Ministro Levy, no ano passado -, um projeto de recuperação de obras de infraestrutura, esse era o objetivo, e, sem dúvida nenhuma, totalmente coincidente com essa iniciativa da medida provisória. Claro que esse projeto... Obviamente, eu não quero aqui falar de substitutivo - já existem até outros com essa conotação, e há medidas muito importantes -, mas, por exemplo, eu não posso admitir um acordo dessa natureza com indenização parcial ou até mesmo eventual superação da indenização. É questão de ordem. É o mínimo constitucional de respeito à lei orçamentária. É o mínimo de respeito ao Estado democrático de direito que não se admita nenhuma indenização abaixo daquilo que foi o dano apurado.
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Não se pode tergiversar com a totalidade e a integral indenização nos limites do dano apurado. Isto quebra a empresa? Pois que quebre a empresa, porque o dano causado adveio de uma ação dessa empresa. O dano não pode ser negociado. O que se pode negociar são multas, porque aí se está avaliando conduta, está se avaliando a ação da empresa, está se avaliando uma série de conjunturas. O dano não, porque o dano significa que alguém perdeu, e esses perdedores não são identificáveis, porque estão todos juntos. Imagine um hospital que foi afetado pela corrupção. Há aqueles que morreram porque não havia certos medicamentos naquele hospital. Haveria, não fosse a corrupção. É um prejudicado. Isso é indiscutível.
A devolução ao Poder Público do valor da indenização na proporção do dano causado é o mínimo. Como quantificar isto? Nesse ponto, é indiscutível que há o trabalho da CGU, mas não só da CGU. O problema é que, lamentavelmente, as pessoas pensam que só existe a CGU. Não. Todo órgão tem um órgão de controle interno. Esses órgãos têm condições de apurar isso, podem pedir inclusive socorro ao Tribunal de Contas e podem pedir assessoramento de outras instituições para identificar esse dano. O que eu não posso admitir é que nós tenhamos, ao final, um projeto em que nós cheguemos a um acordo de leniência eximindo qualquer parte proporcional da indenização. Quanto às multas, não.
Concordo com o Ministro Dipp quando S. Exª alude ao limite. A multa é um pouco excessiva realmente: de 1% a 20% do faturamento, mas em algum caso talvez essa multa não seja tão elevada, cabendo então a sua aplicação. Mas é preciso haver dentro disso parâmetros também para estabelecer essa quantificação.
Eu não quero aqui perder a oportunidade de lembrar o seguinte: todo cidadão tem os poderes para, no controle da coisa pública, apresentar irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal de Contas. Qualquer cidadão pode apresentar ao Tribunal de Contas uma denúncia de irregularidades. É óbvio que a lei não pode afastar de ninguém o acesso ao Tribunal de Contas para que este realize o seu controle externo da Administração Pública.
Há outro ponto que eu queria ressaltar aqui: eu acho que nós estamos avançando muito, com todos os comentários, com os comentários da Drª Samantha na reunião de ontem e da Drª Lucieni, com uma apresentação muito detalhada. São contribuições efetivas, com as quais, em grande medida, concordo. Eu só queria destacar aqui, ao concluir, Sr. Presidente, alguns projetos que estão em andamento. Um deles é uma emenda do Deputado Raul Jungmann, pela qual o Ministério Público ou a pessoa jurídica do ente da Federação interessado, este representado pelo seu órgão jurídico competente para fazer a representação judicial e extrajudicial, poderá celebrar, isolada ou conjuntamente, acordo de leniência com as pessoas jurídicas. É uma emenda com a qual, efetivamente, eu concordo. Igualmente, o Senador Randolfe faz uma emenda também nesse sentido.
Eu acho que a presença do Ministério Público confere uma segurança jurídica importantíssima, mas ela não será suficiente se esse acordo não for homologado perante o Judiciário. A segurança jurídica decorrente da homologação é fundamental. Eu tenho dúvida se essa homologação deveria ser feita, por exemplo, no Tribunal de Contas. Mas no Judiciário, não. Eu acho que é de muita importância.
Outro aspecto em que a lei não faz uma precisão e é de extrema relevância: a competência entre Ministério Público de Contas, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal em relação a determinados casos. Daí a necessidade de ser informado ao Ministério Público, para que ele possa, inclusive, dirimir essa questão de conflito eventual de competência.
Outra questão que eu acho que também merece ser incluída é a questão de o Ministério Público Federal ser o competente para celebrar acordo de leniência no caso de pessoa jurídica estrangeira.
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Há mais duas questões que acho que são de extrema importância e que não podem deixar de ser contempladas no texto final, Deputado Paulo Teixeira. Já falei das pessoas físicas, que é um caso que não se pode integrar a este projeto, ao meu ver, porque refoge aos limites do Direito Administrativo Sancionador. Mas, especialmente, há também - é do meu conterrâneo Deputado Raul Jungmann - uma questão quanto à necessária homologação dos termos do acordo pelo Poder Judiciário para produzir qualquer efeito sobre as restrições a direitos e sanções de natureza cível previstas nessa lei. A homologação tem um efeito claro, que é o de corroborar aquilo que esteja em leis processuais, em leis típicas de Direito Penal, que correspondam, eventualmente, a conteúdos que são dessa lei tratados, a meu ver, como Direito Administrativo sancionador.
Fico à disposição. Acho que, como disse o Dr. Rafael na sua apresentação, o Tribunal de Contas tem de ser um órgão de controle. Deve-se ter o cuidado de, nessa lei, não se afastar, de nenhum modo, em nenhum momento, a capacidade de ação desse importante órgão de assessoramento do Poder Legislativo.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado, Professor.
Antes de passar a palavra ao Deputado Bruno Covas, único Parlamentar inscrito, concedo a palavra ao Relator, para que ele possa tecer algumas considerações. Após, concederemos a palavra a cada um dos nossos convidados que desejarem fazer suas considerações finais.
Com a palavra, o Deputado Paulo Teixeira.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Quero, inicialmente, cumprimentar o Senador Benedito de Lira, que tão bem tem conduzido estas reuniões de debate sobre essa medida provisória.
Cumprimento, igualmente, os expositores.
O Subprocurador-Geral da República já se foi, mas deu boas e importantes contribuições aqui. O Dr. Nicolao Dino se foi da reunião. Ele já esteve aqui, nesta manhã, dando suas contribuições. Ele não está na reunião, entre nós. Digo isso, já que tudo pode ser distorcido doravante.
Quero cumprimentar também o Dr. Roberto Livianu, amigo, conhecido de muitos anos, que é Promotor de Justiça do Estado de São Paulo e Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
Quero cumprimentar o Dr. Rafael Jardim Cavalcante, Dirigente da Secretaria Extraordinária de Operações Especiais e Infraestrutura do TCU; o Secretário Executivo da Controladoria-Geral da União, o Dr. Carlos Higino Ribeiro de Alencar; o Ministro Gilson Dipp, que tanto brilhou no STJ quanto brilhou nesta manhã; e o querido professor do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Prof. Heleno Torres.
Srs. Parlamentares, Deputado Bruno Covas, Deputado Vicente Candido e todos os que acompanham esta reunião, inicialmente, quero dizer que esta reunião foi muito importante para este Relator. Por que esta reunião foi muito importante? Porque me ajudou a esclarecer uma série de questões. Passo a falar quais são essas questões.
A primeira delas é que temos um alto compromisso com a Lei Anticorrupção. Essa lei foi editada, foi enviada ao Congresso Nacional em 2010 pelo então Presidente Lula e foi aprovada em 2014, ou melhor - perdão! -, em 2013. O Relator no Senado foi o Senador Ricardo Ferraço, que esteve conosco, e, na Câmara, o Relator foi o Deputado Carlos Zarattini. Ela foi comemorada como um avanço institucional do Brasil, tendo em vista o que foi dito aqui pelo Prof. Heleno Torres sobre a demora no Brasil, que deixou de acompanhar a tendência internacional e aprovou essa lei em 2013. Essa lei teve efeitos, mas o Ministro Gilson Dipp disse também da dificuldade de implementá-la. A implementação dessa lei está muito difícil.
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Então, não estamos modificando a lei de combate à corrupção, não estamos enfraquecendo a lei de combate à corrupção, não estamos flexibilizando a lei de combate à corrução.
Em relação às instituições que estão aqui discutindo, eventualmente, no projeto de lei que tramitou neste Senado e que foi para a Câmara, há uma ampliação de poderes institucionais, mas, aqui, não fizemos nenhuma mudança institucional, nem do Ministério Público, nem do Tribunal de Contas da União. Todas essas instituições não só continuam com o mesmo status anterior, previsto na lei de combate à corrupção, como também ampliaram seu status nessa medida provisória. Acho que é importante pacificar esse tema, essa preliminar.
O segundo aspecto que acho importante dizer é que a lei de combate à corrupção previu a leniência. Ela não é uma criação dessa medida provisória. A leniência é uma experiência internacional das empresas, dos Estados. Quando uma empresa comete algum crime, há os seguintes procedimentos: afastam-se os dirigentes, a empresa faz o ressarcimento dos danos, a empresa colabora com as investigações e se compromete a adotar medidas de integridade, as chamadas medidas de controle - um termo americano que se usa muito são as chamadas medidas de compliance. Assim é a experiência estrangeira. Por que a experiência estrangeira caminha nessa direção? Porque a experiência estrangeira entende que essas instituições e empresas são fundamentais para o desenvolvimento econômico. Elas têm acervos, elas têm capacidades gerenciais, elas têm empregados, elas têm inteligência, elas têm patrimônio, o que é fundamental para o desenvolvimento do País.
Assim, quero dizer que há inúmeras formas de tratar essas empresas. Uma das formas de tratamento dessas empresas é receber essas punições, e elas continuarem a existir. Outra forma de tratar essas empresas poderia ser a intervenção estatal. A legislação brasileira permite a intervenção estatal. Agora, acho que essas empresas não podem ser substituídas por pequenas empresas. Para fazer uma analogia, o Éder Jofre não poderia substituir nunca o Cassius Clay, o Muhammad Ali. São temas diferenciados.
Na experiência internacional, vejam como são tratadas essas empresas, como a Volkswagen, como todas as empresas americanas e as da Europa que cometeram ilícitos: elas sofreram sanções, renovaram os compromissos de integridade, pagaram e ressarciram, os dirigentes foram afastados e também responsabilizados. E, aqui, na lei de combate à corrupção, fala-se da responsabilidade individual. Acho que, corretamente, não deveríamos contaminar a medida provisória, para não provocar a sua inconstitucionalidade. E, na experiência internacional, essas empresas, então, continuaram cumprindo seu papel social.
Não creio que haja uma comparação disso com o crime organizado, começando com o tráfico de drogas. Por quê? Essas empresas têm gestores profissionais. Essas práticas não são aprovadas nos seus conselhos de administração, e os sócios dessas empresas, cuja sociedade é pulverizada muitas vezes... Muitas vezes, aqui, as pessoas compram ações na Bolsa de Valores de uma dessas sociedades. Portanto, não há essa comparação. Se alguém praticou ilícito, há de haver uma indicação desse alguém, e essa pessoa é afastada. Agora, a pessoa jurídica deve sobreviver.
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Evidentemente, qual a exceção a essa regra? É aquela dita aqui pelo Prof. Heleno Torres. A exceção a essa regra é quando a empresa praticou um ilícito tal que ela não tem como pagá-lo. Assim, a vida prossegue. Empresas também morrem. Mas a regra não deve ser essa. Se a empresa praticou um ilícito equivalente a R$5 bilhões e ela tem um patrimônio de R$20 bilhões, ela pode ressarcir esse ilícito com R$5 bilhões e continuar a vida com R$15 bilhões, com seu patrimônio, daí para frente. Então, essa é uma exceção à regra.
O Dr. Gilson, aqui, falou uma coisa que acho que é um alerta importante em relação à CGU, Dr. Carlos Higino Ribeiro de Alencar, Secretário Executivo da Controladoria. Digo isso só para ele prestar atenção ao que estou dizendo. Não se pode paralisar um país por um fenômeno. Esse acordo de leniência tem de prosseguir. Não se pode submeter a isso. Não existe uma jurisdição universal no Brasil. A minha opinião é essa.
Portanto, que não se tenha temor do Ministério Público. Não entendi isso. Achei que a resposta foi boa, pois ninguém pode ter temor. Por exemplo, se num acordo de leniência, você precisar do Ministério Público, você tem de recorrer ao Ministério Público. Se, num acordo de leniência, você precisa do Tribunal de Contas, deve recorrer ao Tribunal de Contas.
Agora, há uma situação que é a legitimidade do poder. Quando o lesado é o Executivo, a legitimidade para celebrar o acordo é do Executivo. Eu, quando recebo voto, a pessoa me fala assim: "Meu irmão está desempregado, meu filho está desempregado, meu sobrinho está desempregado, meu vizinho está desempregado." Para mim, o valor emprego é grande quando recebo um voto. Mas as pessoas também falam: "Tem de punir os corruptos, tem de botar uma pedra no pé deles." As pessoas falam assim quando você vai pegar voto, não é isso, Senador Benedito de Lira? Então, esses dois valores caminham juntos para mim.
Portanto, a legitimidade, através de um órgão permanente, como é o caso da CGU, como aqui bem disse o Ministro Gilson Dipp, é do Executivo para celebrar o acordo. Ele é que tem legitimidade. Assim ocorre também se o órgão lesado for o Judiciário, como foi bem dito aqui ontem. Na obra do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, houve um imenso desvio. Qual foi o órgão lesado? Foi o Judiciário, e coube a ele celebrar um acordo. Agora, ninguém tira o poder do Ministério Público de fazer o controle da legalidade nem do Tribunal de Contas de fazer o controle de contas. É previsão constitucional de ambas as instituições.
Nós, aqui, estamos repetindo literalmente, no art. 16, o texto da lei de combate à corrupção. O que nós, aqui, talvez, tenhamos de evitar, tendo em vista as preocupações do Ministro Gilson Dipp, é a ampliação desses poderes, porque os critérios, depois, serão distintos. Por exemplo - vou trazer sempre este exemplo -, em janeiro, abri o jornal Valor Econômico na sua manchete de página. Houve um procurador federal que disse: "Sou contra acordo de leniência, porque tem de desapropriar essas empresas." Ora, se houver uma visão como essa num acordo de leniência, como é que se celebra um acordo de leniência, se você disser que deve haver a obrigação da participação de todos esses agentes? Aí vai da legitimidade. Quem tem legitimidade conquistada nesse momento é o Poder que fora lesado, mas ele deve exercê-lo na sua Controladoria, que, na minha opinião, é o órgão permanente de Estado, quase um órgão de Estado. A Controladoria é toda composta por pessoas concursadas, de carreira. Ela tem essa característica.
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Foi dita aqui uma coisa muito importante pelo Ministro Gilson Dipp: essa lei não é para atender ao episódio da Lava Jato. Essa lei vai valer para os Governos estaduais, valerá para as prefeituras, valerá para a União, seja lá quem for o Presidente da República. É uma lei no tratamento público-privado; é, digamos assim, um patamar de tratamento entre o público e o privado para os próximos anos. Isso é muito importante, porque, se nós, aqui, quisermos esticar essa lagartixa, ela vai virar jacaré. Dizem que o camelo foi um cavalo projetado numa reunião muito participativa e complexa, com muitos opositores.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Aí, o camelo foi aquele cavalo que ganhou polainas, cocuruto, reservatórios, etc. Virou aquele bicho diferente.
Acho que aqui temos que tentar evoluir para um texto mais consensual, em que nós possamos pensar no Estado brasileiro e na economia brasileira. A economia brasileira requer instrumentos como os outros países fazem. Essas empresas brasileiras, tão poucas, são patrimônio nacional. Isso está na Constituição brasileira. E esse patrimônio nacional às vezes é tratado de maneira muito formalista pelo Estado brasileiro, pelo Fisco, por todo o Estado brasileiro. E essas empresas acabam tendo um grau de judicialização imenso. Na Alemanha não há judicialização, e eles são uma das primeiras economias do mundo. Aqui nós estamos discutindo 3 trilhões de impostos da Justiça, pela gravidade da judicialização brasileira e por essa relação conflituosa entre Estado e privado.
Portanto, eu queria terminar dizendo que pretendo oferecer esse texto na semana do dia 16 para apreciação dos senhores e faremos uma reunião entre os Parlamentares. Quero discutir o texto preparatório da reunião final e me disponho a receber essas contribuições. Por exemplo, o Procurador Dino me deu as emendas que interessavam ao Ministério Público Federal. Eu as anotei aqui, já as localizei e já sei se vou admiti-las ou não. Todas. Então, se porventura os senhores puderem também me oferecer essa indicação, isso me ajuda no trabalho de peneirar esse grande número de contribuições que tenho.
São essas as contribuições.
Muito obrigado a todos pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado, Deputado Paulo Teixeira.
Eu gostaria de comunicar aos nossos convidados, a quem desejar, que nós estaremos colocando tempo de três minutos para as considerações finais de cada um.
Antes, darei a palavra ao Deputado Bruno Covas, para sua interpelação aos nossos convidados.
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Sr. Presidente, Senador Benedito de Lira; nobre Relator, Deputado Paulo Teixeira, eu queria, mais uma vez, hoje, começar agradecendo a presença de todos os nossos expositores, que deixaram sua agenda atribulada para poderem vir aqui passar esta manhã toda dedicada a transmitir aos Parlamentares um pouco do conhecimento de V. Exªs para podermos claramente avançar no debate.
Acho que, mais uma vez, tivemos uma manhã muito proveitosa, que mostra, inclusive, a complexidade do tema. Aqui não houve expositor que não aproveitasse todos os 15 minutos e que não avançasse, às vezes, para poder concluir, em tão pouco tempo, tudo aquilo que tem de conhecimento sobre a causa, mostrando, inclusive, que o debate precisaria avançar.
A Lei nº 12.846 ficou quatro anos sendo discutida aqui, no Congresso. Ela é exatamente um marco importante, e essa é uma questão muito polêmica.
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Acho que a primeira das polêmicas é exatamente essa que foi abordada. Nós estamos fazendo uma legislação nacional para valer da Região Amazônica aos Pampas gaúchos, em todos os entes da Federação, ou nós estamos legislando para salvar as empresas da Lava Jato? O que nós estamos fazendo aqui? Nós estamos criando, aperfeiçoando ou, para alguns, flexibilizando a legislação ou, na verdade, deveríamos estar evitando a falência dessas empresas? Qual o nosso papel nesse momento? Nós vamos tapar o sol com a peneira e fingir que não há nenhum problema, no Brasil, acontecendo para poder avançar nessa discussão ou, realmente, estamos aqui legislando em abstrato? Essa é uma discussão importante e que precisamos fazer aqui, dentro desta Casa, precisamos fazer com a sociedade.
É muito importante termos expositores aqui tão brilhantes e tão inteligentes, porque, às vezes, eu tenho algumas dificuldades de compreensão. Nós escutamos: "A Lei nº 12.846 é muito importante, ela é um marco a favor do Brasil e ela diz que não é obrigatória a participação do Ministério Público; então, vamos manter o que está na legislação." E, ao mesmo tempo, nós escutamos: "Não dá para cumprir a lei; vamos mudar outra parte da legislação." Quer dizer, para mim fica uma incongruência muito grande e muito forte.
A meu ver, o acordo de leniência não é um mal que precisa existir. É algo importante, sim. Agora, foi dito ontem, e trago mais uma vez esta preocupação: o que é o acordo de leniência? É um instrumento de investigação ou é um TAC revestido de outro nome? Qual é a finalidade do acordo de leniência? Porque, certamente, ele está embasando muito as respostas, as premissas e os pontos levantados aqui. Para que celebrar o acordo de leniência? Não é possível que só celebremos acordo de leniência para salvar as empresas. Não é possível que tenhamos apenas o interesse privado prevalecendo, revestido de um interesse público, simplesmente para manutenção dos empregos. Não dá para acreditar nisso. É claro que a comparação com o tráfico de drogas talvez não seja a ideal, mas é um ponto a ser levado em consideração; até que ponto abrimos mão da sanção, da penalidade para manutenção dos empregos. Isso é só para as grandes empresas? Ou para pequenas empresas não vale a pena abrir mão da sanção, porque são pequenas empresas, e elas não contribuem tanto para a formação de mão de obra no País? Esse é o tema que certamente vai permanecer aqui em debate.
Acho que o Relator vai tentar, espero, aperfeiçoar o texto com as inúmeras sugestões trazidas pelos Parlamentares quando apresentaram essas emendas, pelos Parlamentares que estão aqui, participando dos debates e, em especial, trazidas aqui por esses doze palestrantes que tivemos ontem e na manhã de hoje.
Eu queria aproveitar a presença do representante da CGU até para que ele pudesse esclarecer: desde a edição da medida provisória, do final do ano passado até hoje, nós temos acordos que estão sendo discutidos ou celebrados já à luz dessa nova legislação. E, nesses acordos ou, pelo menos, tratativas de acordos, de que forma está se dando a participação do Ministério Público? Ele é chamado e convidado para as reuniões?
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É questionado ao Ministério Público qual o alcance de eventuais investigações, até mesmo como mencionado aqui, em nível internacional, relacionadas a essas empresas? Consigna-se a participação formal do Ministério Público nessas reuniões, nos autos, nas atas? Enfim, como se tem dado essa participação, em especial já com a nova medida provisória, e como acontecia até mesmo antes da edição da medida provisória?
Esse é o único questionamento que eu gostaria de fazer.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Para responder ao Deputado.
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - Muito obrigado. Obrigado pelas considerações, Deputado.
Eu queria dizer a V. Exª que, sim, nós temos tentado trabalhar com o Ministério Público na maior parte dos casos. Só pontuar uma situação específica em relação à Lava Jato e a alguns outros acordos de leniência também em gestação na CGU. No caso da Lava Jato, eu diria que a questão penal tomou a dianteira. Então, há algumas situações, como no caso específico, nas quais o Ministério Público já está adiantado em relação a provas. Em algumas situações, o Ministério Público nos procura, procurou-nos no caso da Lava Jato desde o início, para que pudéssemos ter essa garantia que chamo de horizontal para as empresas, e, ao longo das negociações, temos conversado fartamente com o Ministério Público. Em relação a algumas outras situações, a empresa vem delatar uma determinada situação, e, aí, em vez de o Ministério Público nos procurar, nós procuramos o Ministério Público. Também há situações nesse sentido, porque, tanto em um caso quanto em outro, as empresas têm total interesse em que haja segurança jurídica maior para essa negociação. Então, há situações nas quais temos trabalhado.
Teremos alguns desafios à frente no que diz respeito a essa relação. Já colocando a V. Exª algumas das questões, há situações em que o relato é pulverizado. Essa é uma questão que temos que enfrentar. E às vezes temos que lidar até mais com um nível de Ministério Público. Uma empresa transnacional, por exemplo, pode vir aqui; ela tinha uma rotina de pagamento de propina a diversos órgãos, alguns estaduais e municipais e outros federais. Portanto, eu diria a V. Exª que o desafio que nós temos é de coordenação nesse caso, porque pode ocorrer de uma mesma empresa, em vendas distintas, atrair às vezes a competência do Ministério Público Estadual e, em outras vezes, a competência do Ministério Público Federal. Portanto, temos um grande desafio de coordenação nesse sentido.
Sim, têm sido consignadas as reuniões e os debates com o Ministério Público. Temos tratado disso. Em alguns casos, inclusive relativos a valores, também temos feito esse debate. E eu diria a V. Exª que, até por demanda das empresas, a maior parte dos acordos deverá ocorrer de forma conjunta com o Ministério Público, com a CGU ou com o órgão lesado, como colocou o Deputado Paulo Teixeira, de forma conjunta, e com a Advocacia pública. Há alguns casos nos quais isso, talvez, não seja interessante. Aí, eu queria explicar a V. Exª que isso deve ser absolutamente subsidiário, mas há algumas situações em que a empresa tem interesse de fazer um acordo somente com a CGU. Se V. Exª me permitisse lhe explicar, por exemplo: algumas das empresas estrangeiras já demitiram aqueles empregados, representantes comerciais ou diretores, que tenham praticado atos ilícitos. Nesses casos, a empresa não tem a preocupação, com reflexo penal, em relação a esses seus representantes. Em algumas situações como essas, as empresas, digamos, têm uma preocupação mais importante com a CGU, porque é de onde pode advir o bloqueio, e, no caso do Ministério Público, mais especificamente com as ações civis. Então, pode ser que uma empresa que tenha detectado esse problema venha e negocie nesse sentido.
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Eu diria, com relação à Operação Lava Jato - este é um ponto de vista pessoal -, que entendo que a dificuldade adicional que nós tivemos, como o Ministro já disse, é que ainda não conseguimos celebrar nenhum acordo, diferentemente de alguns outros países. No caso da Lava Jato, houve empresas em que os controladores exerciam a gerência, e alguns estão sendo - eu não quero me adiantar - acusados da prática dos atos. Então, nesse caso específico da Lava Jato, houve um imbricamento, um entrelaçamento dessas questões.
Mas o que ocorre na maior parte do mundo? Por exemplo, o caso da Siemens, empresa alemã, que foi acusada e comprovada a sua participação em pagamento de propinas. À época, ela demitiu mais de 300 diretores e altas gerências no mundo inteiro, inclusive o presidente brasileiro, depois de investigação interna. Empresas que têm gerência profissional e normalmente estão listadas em bolsa têm facilidade maior para fazer essa troca. Eu acho que esse é um elemento central.
O Deputado me puxou a orelha aqui porque eu comentava com o Prof. Heleno Torres, e peço desculpas, Deputado,...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - ... mas acho que há uma diferença grande, como eu explicava para o Prof. Heleno, e essa é a intenção da nova lei. Existe uma dinâmica ligada ao mundo empresarial que é distinta da dinâmica ligada ao Processo Penal sobretudo. Eu diria que, no Processo Penal, o tempo é depurador das injustiças e, na questão empresarial, o tempo pode ser uma acelerador e inviabilizador da solução.
Lembro-me de que quando eu estudei Direito, havia um caso clássico, e eu gosto de citá-lo como exemplo. É um caso clássico não de erro judicial, mas um caso clássico ocorrido em São Paulo, da Escola Base, que foi acusada de molestar crianças. O que aconteceu? Havia um delegado, por isso eu digo que não foi erro judicial, que buscava muito a fama, e aquela fantasia de crianças acabou se transformando em acusação grave. O que aconteceu? O tempo foi providencial para que não houvesse a condenação penal dos donos e professores da escola, mas na parte empresarial eles nunca mais se ergueram. Eles nunca mais se ergueram. E eu estou falando de uma pequena escola.
O que eu quero dizer a V. Exª agora? O que acontece na maior parte dos países do mundo? Quando uma empresa tem seu nome associado a uma irregularidade, as fontes que fazem girar esse grande negócio secam. O financiamento seca e seca o parceiro, que não quer mais participar. Cito um caso concreto: uma das construtoras mencionadas na Lava Jato foi convidada a construir um templo protestante nos Estados Unidos. Eles fizeram o que chamam de due diligence, que é a verificação, e disseram: "Opa, você está respondendo à Lava Jato. Eu não vou lhe contratar". Na área de petróleo e gás, por exemplo, algumas empresas estrangeiras, pelo fato de poderem ser responsabilizadas por ato ilícito, não aceitam parceiro que não tenha isso resolvido.
Eu diria a V. Exª que a grande dificuldade, a preocupação que temos aqui, assim como o Presidente e o Relator, o Deputado Paulo Teixeira, é que haja essa compreensão e a compreensão também - eu acho que o Deputado tocou nesse ponto, mas é um ponto que eu gostaria de ressaltar - de que existem, de fato, fortes indícios de que vários dirigentes de empresas praticaram atos ilícitos. O Ministério Público está cuidando disso de maneira exemplar. De forma alguma acreditamos que deva ser de maneira distinta. E de forma alguma há uma possibilidade de reflexo nisso.
Agora, há outras situações, como mencionamos aqui, de toda uma inteligência desenvolvida em diversas áreas,...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - ... como de engenharia, e que precisamos preservar. Nenhum país do mundo adotou como tática principal a destruição de suas empresas envolvidas em casos de corrupção. Foi dito aqui que a lei tem um olhar para o futuro, o futuro de dizer se a empresa vai ser punida, se sofrerá as sanções, mas temos que estabelecer um programa integrado para que não o faça daqui para frente.
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Só para V. Exª ter ideia, as dez maiores empresas sancionadas nos Estados Unidos, e são tradicionalmente sancionadas por violação do FCPA, são empresas de defesa. É um mercado muito específico, há muito pagamento de propina, e nenhuma delas é destruída. Os americanos sancionam. Quer dizer, se aquilo se repete, a sanção cresce, mas eles sabem da importância estratégica da empresa para a vida.
Concordo com V. Exª, concordo com o Deputado e com o Presidente: talvez tenhamos que sair um pouco desta tensão da Lava Jato...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - ... para imaginar um futuro melhor com esta lei.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Obrigado, Dr. Carlos Higino.
Concedo a palavra ao Dr. Roberto Livianu para as suas considerações finais.
O SR. ROBERTO LIVIANU - Senador Benedito, obrigado pela concessão da palavra. Eu pediria, por uma questão de equidade, para receber o mesmo tempo que o Dr. Carlos Higino recebeu. São várias questões para serem enfrentadas. Eu procurarei enfrentá-las da maneira mais breve possível.
Realmente, Dr. Carlos Higino, tempo no Processo Penal pode ser depurador de injustiças, mas também pode ser produtor de impunidade. Inclusive, quando há prescrição, ele fulmina de morte a pretensão punitiva. Então, nem sempre o tempo depura injustiças, mas pode também fulminar a expectativa da sociedade na distribuição da justiça. Isso é relativo.
A sua defesa enfática em relação ao poder do órgão de controle interno é admirável, e quero deixar muito claro e registrado aqui o meu respeito e a minha admiração por aqueles que integram com galhardia a Controladoria-Geral da União, como V. Exª, que desempenha com zelo a sua função. Mas, com todo respeito, eu divirjo que se trate de um órgão de Estado. Órgão de Estado tem mandato, tem independência, tem prerrogativas previstas na Constituição Federal. Em que país do mundo, Dr. Carlos Higino, o órgão de controle interno celebra acordos de leniência? O senhor poderia listar para a plateia aqui quais são os países do mundo que adotam esse modelo de órgãos de controle interno celebrarem esses acordos de leniência? Eu lanço essa questão para V. Exª. Não se trata de órgão de Estado, é um órgão de governo. O Controlador-Geral da União, que vem cumprindo, desde que o Presidente Lula criou a Controladoria-Geral da União para o País, em boa hora criou um organismo importante para a proteção do patrimônio público, mas não há órgão de Estado aí, não há independência, não há autonomia. O Controlador-Geral da União pode ser demitido a qualquer momento pelo Presidente da República. É demissível ad nutum. Quem é demissível ad nutum não tem mandado, não tem independência. Não estamos falando de órgão de Estado, mas, sim, órgão de governo.
Deputado Paulo Teixeira, vamos colocar as cartas na mesa. Quem discute acordo de leniência é um órgão de governo, e não de Estado, junto com uma empresa suspeita de corrupção.
Concordo que o exemplo com o tráfico é um exemplo complexo, mas eu diria que é mais grave a corrupção. Até agora, o Ministério Público Federal repatriou R$3 bilhões. Essa é a parte recuperada. A parte não recuperada nós não sabemos. Até porque quem fala que o custo Brasil é de tantos bilhões, a meu ver, com todo respeito, eu não vejo cientificismo nessa afirmação, até porque a corrupção é um crime que se notabiliza pela cifra negra. Não se sabe o tamanho da corrupção brasileira. Sabe-se aquilo que veio à tona. E o que não veio à tona ninguém sabe. Quanto será que se poderia produzir em saúde pública com esses R$3 bilhões? Quantas mortes por doenças que estão acometendo especialmente os mais vulneráveis socialmente poderiam ter sido evitadas se esse dinheiro não tivesse sido desviado? Será que é mais grave o tráfico mesmo? Eu tenho minhas dúvidas. Porque as pessoas atingidas pela corrupção são um número inimaginável. Eu diria que é um crime muito mais grave.
Aliás, essa questão de ser órgão de Estado ou não, o Deputado Paulo Teixeira - está gravado aí - dizia: "É quase um órgão". Ele não falou que é um órgão com convicção. E não é, não existe quase. Não há quase. Não há mulher mais ou menos grávida. Está ou não está. Não é órgão de Estado, é órgão de governo. A Controladoria-Geral da União não tem lei orgânica, não tem independência, não tem prerrogativas. Então, quem discute o acordo de leniência é um órgão do governo, cujo controlador pode ser demitido a qualquer tempo pelo Presidente da República, assim como os controladores estaduais e a empresa suspeita. E ninguém fiscaliza.
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Com todo respeito a todos que expuseram aqui, eu, com muito orgulho, integro o Ministério Público de São Paulo, o Higino integra a Controladoria-Geral da União, ouvimos a fala do representante do TCU, mas o Prof. Heleno Torres não integra instituição nenhuma, ele é um doutrinador, e disse aqui, como doutrinador que produz conhecimento científico e analisa, que é extremamente importante a intervenção do Ministério Público sempre.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO LIVIANU - Não é de vez em quando, não é quando se julgar conveniente. É sempre.
Vejam, o Dr. Carlos Higino é um homem bem-intencionado, honrado, íntegro, mas amanhã nós podemos ter alguém na Controladoria que não vai com a cara do Ministério Público. E se a lei não impuser obrigatoriamente essa intervenção, essa fiscalização independente, aí sim, um órgão que tem mandato - o Procurador-Geral da República tem mandato, o Procurador-Geral de Justiça tem mandato, o Controlador-Geral da União não tem mandato -, se estiver na lei, e vocês que fazem a lei aqui tem a oportunidade de corrigir.
Concordo, Deputado Paulo Teixeira, que, de fato, a Lei nº 12.846 não previa a intervenção do Ministério Público. Mas o Senador Ricardo Ferraço, que estava aqui até agora há pouco, propôs o Projeto de Lei nº 105, com uma única proposição, de que o Ministério Público interviesse necessariamente. E eu disse, deixei muito claro que, a meu ver, há uma deficiência de arquitetura jurídica desde a lei. É ruim para a sociedade e é ruim para a empresa, porque a empresa pode estar sujeita a uma situação complicada, faz o acordo de leniência e, lá na frente, vem um promotor de Justiça, um procurador da República, leva à Justiça aquilo e pede para anular o acordo. Quanto se vai gastar de dinheiro com isso? Quanto vai abarrotar o sistema de justiça com aquela discussão, mobilizando juiz, promotor, toda a máquina? Para que tudo isso se é possível, antes, fazer uma intervenção preventiva, saneadora, que resolve, como bem sugeriu o Prof. Heleno Torres? Sempre, e não quando se julgar necessário. Dessa forma não funciona. Tem que institucionalizar, colocar na lei. Aqui está se fazendo lei. Este é o momento de fazer a correção.
Aliás, já disse e reitero: sugestão de política pública para proteger os colaboradores que talvez sejam aqueles mais atingidos pelo ato de corrupção da empresa. Vamos trabalhar com critérios para destinar multa. Isso é política pública.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO LIVIANU - Quinze por cento para o delator, sessenta por cento para os funcionários, cinco por cento para o sindicato, dez por cento para o fundo de saúde, dez por cento para o fundo de educação. Isso protege a economia, até porque não é a empreiteira que gera ou deixa de gerar emprego. É a matriz econômica.
Eu quis dizer, Deputado Paulo Teixeira, que as empresas menores produzem mais empregos. Esse foi o meu comentário. Eu não sou economista, mas ouso afirmar que empresas menores produzem mais empregos. E também acho que as empresas são patrimônio...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - É que o senhor falou que elas poderiam substituir. Eu não acho que em uma ação de petróleo e gás haja tecnologia suficiente em uma empresa pequena e média. É nisso que eu...
O SR. ROBERTO LIVIANU - Vou deixar claro o que eu quis dizer: se eu tenho uma empresa que age de maneira desleal, antiética e desonesta e pequenas empresas que agem de maneira leal, ética, honesta e cumpridora do dever, essas empresas merecem respeito e oportunidade de celebrar contratos. Não é justo que sejam punidas e que prevaleça o interesse de empresas suspeitas que praticaram atos desonestos. Vamos dar oportunidade para aqueles honestos e leais. Como o senhor nos relatou sobre os eleitores que lhe procuram em campanha, vamos punir a corrupção, é uma bela oportunidade de fazer valer a lei, de prevalecer esse interesse maior.
Eu não quero me estender demais na minha fala. Agradeço as oportunidades que foram dadas à minha intervenção. Despeço-me de todos e peço a vocês que examinem com cuidado tudo isso, existe a oportunidade de corrigir.
A sociedade brasileira que nos acompanha nesta audiência interativa, como bem disse o Senador Benedito de Lira, lá do outro lado, em qualquer ponto do País, espera que o acordo de leniência, que muitos não entendem direito o que é, não seja um instrumento de impunidade, Senador Benedito e Relator Paulo Teixeira. O acordo de leniência é uma coisa boa, e que seja correto, que seja ético, que seja bem construído, com o Ministério Público fiscalizando, sem gerar a percepção de que foi um instrumento para, na verdade, passar a mão na cabeça de empresas corruptas. Isso é ruim.
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Todos nós sabemos que o Congresso Nacional vive um momento difícil em relação à sua imagem perante a sociedade. É o momento de fazer um instrumento legal positivo, levando em conta sugestões que foram colocadas aqui e fazendo algo interessante para a sociedade. Reitero: qual o problema de o Ministério Público fiscalizar por leniência? A pessoa juridicizada, Paulo...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Posso falar?
O SR. ROBERTO LIVIANU - Só para fechar uma última coisa.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu gostaria de dialogar sobre essa última pergunta sua.
O SR. ROBERTO LIVIANU - Pois não.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu vejo e vou dizer qual é. São duas frases: o Ministério Público participar obrigatoriamente do acordo de leniência; a outra frase é o Ministério Público participar desde o início do acordo de leniência. Uma mesa requer acordo. Qual o problema de você colocar a CGU e a empresa, chegam a um acordo, chamam o Ministério Público e dizem: "Esse é o acordo que estou apresentando ou homologa judicialmente"? A grande questão aqui é uma frase que o Ministro Gilson Dipp trouxe para este debate. Ele fala: "É muita gente nesta sala para chegar a um acordo". Essa é a questão. Não estamos discutindo aqui o papel do Ministério Público. Eu até vou analisar com muito cuidado esse tema do final. A proposta aqui... Eu quero analisar com o final, mas o que quero dizer aqui é o seguinte: o critério de quem tem voto, o critério da legitimidade, esse é o critério do desenho constitucional. Foi esse o desenho constitucional. Não quer dizer que se o Ministério Público está, a legalidade estará mantida, porque até um acordo com o Ministério Público pode ser desfeito. O grande problema que estamos a discutir aqui é o seguinte: se eu colocar na hierarquia constitucional quem deve dizer a última palavra naquele acordo para que ele prossiga, podendo ser questionado judicialmente, podendo ser homologado judicialmente, podendo ser analisado judicialmente, na hierarquia legal é o Poder que tem aquela competência. É disso que se trata.
Então, eu só quero dizer que sou favorável à participação. Mas quero dizer o seguinte: na hierarquia desse acordo, tem que ter uma última palavra.
O SR. ROBERTO LIVIANU - Eu entendi.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Naquele acordo, na mesa, a última palavra, na minha opinião, quem tem a competência constitucional, quando o lesado é o Executivo, é o agente representante do Executivo; quando for o Judiciário, é o do Judiciário; quando for o Legislativo, é o Legislativo, para a celebração.
Agora, nesta celebração, nós podemos ver outros desenhos de reforço a essa celebração. Só quero dizer o seguinte: se eu chegar lá e houver uma pessoa que não tem uma visão da economia, que tem uma visão formalista, não vou poder celebrar o acordo. Então, é uma questão de funcionamento, de funcionalidade. É nesses termos que quero discutir.
Eu concordo com muitas das suas premissas; eu discordo de algumas das suas conclusões. É isso.
Concedo o aparte.
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Só para aproveitar a discussão, a fala do relator é importante, só para entender, Deputado Paulo Teixeira. O que V. Exª vai analisar nesses próximos dias é o momento da participação do Ministério Público, não se o Ministério Público vai ou não participar.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - É isso.
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - E, acredito eu, quais as consequências dessa participação, o que vai acontecer? Vamos supor que V. Exª decida colocar no seu parecer: vai participar no momento x apenas. E, se nesse momento x, o Ministério Público disser: "Eu sou contra a celebração do acordo"? O que vai acontecer?
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Acho que V. Exª, pela formação sólida que tem, mas também pela história familiar...
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Da velha, porém, sempre nova Academia de Direito do Largo do São Francisco, como V. Exª.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Mas V. Exª traz um patrimônio familiar dos grandes homens públicos que este País teve, como seu avô Mário Covas, cuja história admirei e admiro muito. V. Exª trouxe bem essa definição. O texto já diz isso de alguma forma. Nós podemos aperfeiçoar o texto.
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O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - O problema é que esse de alguma forma pode gerar confusão lá na frente, e este é o momento de aparar a confusão, para a confusão não ir para o Judiciário. Acho que ninguém quer isso.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - O que cabe na fala do senhor é isso, exatamente.
Eu divirjo de que o Ministério Público deva participar obrigatoriamente desde o início. É uma divergência teórica que está, para mim, no debate do direito constitucional brasileiro. Por quê? Porque quem tem legitimidade para entender o todo da obra - porque tem que respeitar o princípio da legalidade - é o Poder lesado naquele momento. A ele cabe o início e a direção do processo.
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Desculpe, mas quem tem a legitimidade é aquele a quem a legislação dá a legitimidade.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Então, mas eu digo o seguinte: se o Executivo foi lesado, quem tem legitimidade no desenho constitucional, no desenho das atribuições, é o Executivo.
O SR. ROBERTO LIVIANU - Deputado Paulo...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Agora, a participação do Ministério Público, eu não vou responder agora, porque eu vou...
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Tudo bem, só para entender qual vai ser a sua...
Desculpe, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Nós estamos recebendo as melhores contribuições possíveis...
O SR. ROBERTO LIVIANU - Só terminar a minha fala.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Concedo já.
... dos que vieram aqui hoje e dos que estão hoje. É evidente que isso vai nos trazer subsídios da melhor qualidade para o aperfeiçoamento desta medida provisória, que ficará sob a responsabilidade do relatório final com o Relator, mas, logicamente, a palavra final não é do Relator. Ele apresentará o seu parecer, que será discutido e votado por todos aqueles que integram a Comissão e na análise final do Plenário do Congresso Nacional.
Então, o que estamos vendo aqui, o Relator fazendo algumas considerações, divergindo, lógico, porque isso aqui não é uma casa de monges, tem que haver divergência de opiniões. Agora, o final caberá àqueles que integram a Comissão, Parlamentares, Deputados e Senadores, e, logicamente, ao Plenário da Casa. Essas ponderações que estamos observando são da maior importância para a discussão desta matéria, que não é uma matéria pacífica, ela tem divergências.
O SR. ROBERTO LIVIANU - Senador, só um minuto, porque o Deputado precisa ir, só para fechar a minha fala.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Com a palavra.
O SR. ROBERTO LIVIANU - Na questão da legitimidade, em que a pessoa foi lesada, o seu argumento é interessante. Mas veja o seguinte: a lei da improbidade, que trata dessa questão da responsabilização por atos de improbidade, quando a pessoa jurídica é vítima da lesão, ela dá atribuição à própria pessoa lesada e também ao Ministério Público. Portanto, não é novidade no direito brasileiro que o Ministério Público, no cumprimento do seu papel constitucional de proteção do patrimônio público, aja em defesa desse interesse. Isso não é novidade. Desde 1992, temos isso expressamente previsto.
Concordo que talvez seja possível encontrar um caminho. O Ministério Público não quer monitorar as ações da Controladoria, mas há alguns problemas. Como pode se iniciar uma tratativa pela CGU sem que a CGU conheça o alcance das investigações do Ministério Público sobre esse fato? É impossível! Como eles não têm bola de cristal, não se inventou e não se utiliza na CGU esse tipo de coisa, e como em nenhum país do mundo órgão de controle é aquele que tem poderes para celebrar acordo de leniência, é uma questão complicada.
Muito obrigado.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Ministro Dipp, V. Exª deseja fazer algumas considerações ainda?
O SR. GILSON LANGARO DIPP - Eu já falei demais. A minha posição é esta mesmo: defendo a independência das instâncias. Estamos aqui, não tenho a menor dúvida, e o Estado brasileiro está sendo diminuído. Parece que temos alguns donos da verdade. Então, basicamente é isso, foi o que eu disse.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado a V. Exª. V. Exª já falou demais!
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O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - Eu respondi ao Deputado Bruno. Se eu pudesse, só um minuto, Senador, falar ao Dr. Livianu primeiro.
Há órgãos que não têm mandato e exercem suas competências. A Receita Federal não tem mandato, os auditores autuam, cobram; a Polícia Federal não tem mandato. Acho que a existência ou não de mandato não é um questionamento único em relação a se ter ou não esse tipo de conduta.
Outra situação: há órgãos que não têm mandato e fazem. Por exemplo, nos Estados Unidos, a lei mais antiga, o Debarment Official não tem mandato, ele faz a inidoneidade lá; o SEC (Securities and Exchange Commission) não tem mandato, ele também faz isso lá. Então, isso existe em vários países. Na Inglaterra, o Ministério da Justiça também não tem mandato. Casos de situações em que não há mandato existem em vários locais do mundo. Temos várias experiências.
Quanto às outras considerações, Deputado Covas, a única questão que eu queria dizer a V. Exª é o seguinte: com as alterações da medida provisória, refinando um pouco o que o Deputado Paulo Teixeira colocou, a competência de fiscalização do Ministério Público existirá sempre, sempre, sempre. Inclusive, a medida provisória fez com que isso viesse ao começo do processo, para que ele, Dr. Roberto, pudesse acompanhar. Então, hoje, se alguém instaura um processo contra uma empresa no Estado de São Paulo, vai ter que comunicar ao Ministério Público do Estado. Isso é uma coisa.
Agora, outra coisa é se o Ministério Público vai querer participar ou não do acordo, porque ele pode querer não participar. Ele pode querer dizer: "CGU ou Controladoria da Administração do Estado de São Paulo, vocês podem fazer o acordo na área administrativa, mas eu vou querer continuar com a minha persecução penal". Então, não houve diminuição do MP, o MP sempre poderá fiscalizar. Agora, a participação ou não pode ser imprescindível, porque haverá casos nos quais o MP pode não querer participar e a empresa tem interesse em fazer acordo administrativo.
É só essa a colocação.
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Acho que a preocupação maior não é esse caso; a preocupação maior é quando o Ministério Público quiser e não puder participar. Essa é a questão.
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - Mas ele sempre poderá, Deputado.
O SR. BRUNO COVAS (PSDB - SP) - Poderá, inclusive, questionar isso judicialmente. Esse é o problema levantado aqui pelo Dr. Heleno Torres. Essa é a nossa preocupação: levar isso adiante sem segurança jurídica. É claro que ele vai ter o papel conciliador, a Constituição trata disso.
O SR. CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR - Desculpe, existe, deixe-me explicar a V. Exª, inclusive, uma coisa que foi feita nesta medida provisória, que não diz respeito a 12.846, que foi feita para atender, repito, um pedido do Ministério Público. Caso o Ministério Público não queira participar desse ato conjunto, a Lei de Improbidade agora, que não poderia antes e agora pode, permite que o Ministério Público, em relação à ação de improbidade, faça um acordo independente. A lei permite essa situação. Claro, ele pode tentar fazer em condições e situações diferentes. O que a legislação buscou trazer foram essas possibilidades, até porque o Ministério Público não pode estar amarrado. O Ministro Dipp colocou: ele pode querer fazer, ele pode querer não fazer, ele pode querer fazer diferente. A legislação, como proposta, permite as três situações, independentemente daquela outra função, que é de fiscalização.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Com a palavra o Prof. Heleno Torres, para suas considerações finais.
O SR. HELENO TORRES - Eu entendo que a capacidade de recuperação no exterior é muito grande. Nós temos estimados US$400 bilhões de brasileiros no exterior, de origem ilícita, à disposição das autoridades para perseguirem esses recursos. Não para cobrar tributo ou regularizar, nada disso, para decretar pena de perdimento. Então, os R$3 bilhões ainda estão muito aquém da capacidade que podemos ter de alcance.
De fato, a leniência não pode ser sinônimo de impunidade. Ela tem... E acho que o Dr. Higino deixou isto muito claro: o papel tanto da CGU quanto dos órgãos de Estado tem que ser aquele de buscar punição.
Há um dado que não podemos esquecer, que é o seguinte: a propriedade privada tem que cumprir a sua função social. É isso o que está na Constituição. É óbvio que precisamos de uma legislação firme com esses acordos, acho que não há divergência nenhuma entre nós todos da urgência de uma medida com esse perfil, preservadas as competências do Tribunal de Contas, do Ministério Público, dos órgãos de controle, mas especialmente para assegurar a continuidade da empresarialidade, não necessariamente da pessoa jurídica, no sentido de esforços das pessoas que estão ali, mas da empresarialidade, da empresa como fator econômico produtivo de renda, de emprego e de pagamento de tributos. É nesse ponto que acho que todos nós estamos de acordo. Queremos que isso seja um resultado factível.
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Por isso, eu acho que há um elemento que está faltando aqui que talvez saneasse muito as dificuldades que pairam na cabeça de todos nós, Deputado Bruno Covas - e acho que, na discussão, o senhor pode levar isso -: é que a punibilidade da empresa não se pode confundir com aquela das pessoas físicas que cometeram ilícitos. Então, muitas vezes, as pessoas confundem as empresas com os criminosos, os CPFs.
Afastada essa questão, ainda há outra que nós não discutimos e que eu gostaria muito de ter falado a respeito, que é a afastabilidade de gestores. Essa é uma sanção que não está posta na medida provisória. E eu lhe digo que essa sanção, em muitos casos, pode ser a grande saída para a continuação da empresa, porque pode ser esse o grande impedimento, ou o Ministério Público não ter a segurança de assumir aquela conduta de firmar aquele acordo, tendo em vista que aquele gestor é o dono da empresa, é a pessoa que... Mantê-lo na gestão equivale à mesma coisa de dar um cheque em branco para o futuro. Essa preocupação eu acho que precisa ser retomada. Eu ouvi na reunião de ontem a Drª Samantha tratando disso no final da exposição dela, está na nota técnica da Associação Nacional do Ministério Público, da Procuradoria da República, e eu acho que essa questão merece um destaque, merece uma reflexão, porque isso pode ser feito inclusive com a alienação de ativos no pagamento, ou seja, com a alienação do capital a terceiros, os gestores, o capital de controle termina saindo da empresa pela venda desses ativos.
E aí concluo, dizendo o seguinte: no caso da Lava Jato, além dessa questão da empresarialidade, temos outro fator, que é a continuação das obras de infraestrutura, que não podem parar ou virar elefantes brancos, com demandas judiciais a perder de vista. Mas essa lei não pode ter como foco Lava Jato. Nós temos de nos preocupar com a corrupção da merenda escolar, com a corrupção dos livros das escolas, com a corrupção nas licitações de qualquer natureza.
E é por isso, Senador Benedito de Lira, que também há outro ponto que eu acho precisa ser revisto, que é a discussão sobre esse acordo, eliminar aquelas repercussões na Lei de Licitações, na Lei nº 8.666. Quando se faz isso, cria-se uma dificuldade para afirmar os princípios e os valores constitucionais da proteção do dever de licitação. E aí eu acho que, obviamente, Ministro Dipp, nós não precisamos com isso dizer: "Não, simplesmente se afasta essa regra para deixar a sanção sobre isso que está lá, se não me engano, no art. 73 da Lei 8.666". Não, não é o caso, não é a questão. É como graduar aquela sanção, que também é graduável. O que não pode haver é a exclusão, a extinção daquela sanção, porque aí também seria ferir de morte a sanção pelo ilícito em relação às licitações, porque tudo isso é um sistema orgânico dentro da grande atividade financeira do Estado. O Direito Financeiro preocupa-se com isso porque a corrupção, obviamente, é um problema de finanças públicas severo, e o que nós queremos é justamente que, com esses acordos, nós tenhamos um avanço na higidez das contas públicas na sua totalidade.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Muito obrigado ao Prof. Heleno.
Como último orador, concedo a palavra ao Prof. Rafael Jardim Cavalcante.
O SR. RAFAEL JARDIM CAVALCANTE - Sr. Presidente, demais Parlamentares, senhoras e senhores, obrigado pela oportunidade de fazer estas considerações finais.
Eu vou tentar, com bastante objetividade, reafirmar o viés da nossa exposição sobre a consequência de controle da forma pela qual o texto da MP está positivado.
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Existe um princípio fundamental de que qualquer um que milite com dinheiro público ou interesse público, qualquer um que disponha desse interesse, que milite com esses interesses tem de ter em mente: "vigiai, vigiai!". É o princípio da expectativa de controle, que, na ritualística desses acordos de leniência, está sendo enterrado por quem quer que milite com os interesses da União, dos Estados ou dos Municípios na pactuação dos acordos de leniência. Porque não é obrigatório oferecer - nos termos que estão inscritos - a intenção de acordo ao Ministério Público. E, nessa possibilidade - se a CGU vai fazer isso ou não, ou outro órgão de controle interno vai fazer isso ou não -, o risco existe, e vou explicar o porquê. E, com o alijamento... A lei original não citou o TCU; preservavam-se, então, as competências constitucionais a ele incumbidas. A MP colocou o TCU, mas para tirar competência! Essa está sendo a interpretação, porque ele podia fiscalizar os meandros daquele acordo nos atos administrativos até então postos, mas a interpretação que está sendo dada é que ele não pode. É só no final.
Hoje existe a possibilidade, nos termos da legislação proposta, de que a condução dos acordos seja uma caixa preta! É disso que se trata! Não existe a possibilidade, nos termos em que a legislação está proposta, de o tribunal fiscalizar todos aqueles meandros negociais. E eu vou explicar algumas decisões discricionárias que estão passando à revelia da sociedade.
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL JARDIM CAVALCANTE - Uma: pode ou deve submeter ao interesse público, se o agente negociador tem ciência de que existe uma investigação com abrangência e envergadura muito maior do que a administrativamente disponível? Por que maior? Porque os instrumentos de alavancagem de persecução penal ou criminal são muito maiores. Se o gestor sabe que podem, na hipótese provável, estar sendo omitidos fatos relevantes para balancear a motivação - vício de motivação conduz à nulidade nos atos discricionários - ele pode ou deve? Ministério Público, você tem a contribuir? No nosso entendimento e na filosofia que se tem de controle na apuração da legalidade e legitimidade de ato discricionário, sempre que existe uma liberdade, a obrigação é ir pelo caminho que melhor conduza ao interesse público.
Aliás, três meses depois de celebrado o acordo, de repente, vem a público uma denúncia, revelando que tanto o prejuízo era muito maior do que aquele, quanto os fatos eram muito piores do que aqueles negociados. Eu pergunto: não teria sido ferido o princípio fundamental da teoria geral dos contratos que é o princípio da boa-fé? É nulo? Em princípio, eu acho difícil que não seja, em razão da modificação do quadro fático que levou àquela subsunção jurídica.
Vejam: o tamanho do prejuízo, necessariamente, deve ser levado em conta na gravidade da conduta ora posta; feito um acordo em juízo perfunctório, não pode ser! A gente reconhece isso. Muito escorreita a avaliação do exato prejuízo, mas, feito isto, "olha, devemos um milhão de reais"... Nós temos processo aberto, é caso concreto e é público, onde se revelou, por exemplo, que o prejuízo com acesso a informação privilegiada é oito vezes maior do que o inicial. Setecentos milhões de reais em um contrato de uma empresa que está tentando fazer negociação, e, quanto a esse fato, a pergunta é: vai ou não ser levado em consideração? E se posteriormente o prejuízo alavancado, investigado for dez vezes, quinze vezes maior? Existe a possibilidade. Os termos da balança daquele acordo modificam? Ele é nulo posteriormente ou não?
Mesmo no exercício discricionário, eu quero dizer que é interesse da sociedade gerar expectativa de controle em quem quer que esteja negociando interesse público. E é esse interesse constitucional que o Tribunal de Contas da União defende.
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Finalmente, nos últimos trinta segundos, qualquer que seja, ao fechar os olhos, o espírito da lei, ela tem de fazer valer o princípio fundamental da governança privada...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL JARDIM CAVALCANTE - ... que é: medo da morte. Ou a empresa é eficiente, ou ela tem capacidade de militar no mercado, ou ela morre! Ou as punições têm de colocar uma governança empresarial de ela ter mecanismos de coibir a corrupção no seu seio, ou a lei não serve, porque vai valer para ela pagar o pato, arriscar incorrer numa irregularidade, pois, afinal de contas, vale a pena. Ela tem de ter medo! Na verdade, medo no sentido de: "Se eu for pega, a punição vai ser suficientemente grande para eu ter dúvidas até se eu vou existir". Se a empresa puder tergiversar sobre esse valor ou pagar o preço, a lei, nesse sentido, pode ser que não seja interessante.
De sorte que me perdoem a maneira quase assoberbada em razão do tempo que eu tive para colocar esses pontos de vista finais. Novamente agradeço e coloco-me à disposição de V. Exªs a qualquer momento, para poder, com mais detalhe, digredir sobre o assunto.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Benedito de Lira. Bloco/PP - AL) - Eu agradeço ao nosso palestrante.
Eu queria apenas, antes de encerrar, fazer pequenos comentários.
O dia de ontem e o de hoje foram da maior valia para a análise desta medida provisória. Não significa dizer que ela já está definida, mas as contribuições trazidas por V. Sªs a esta Comissão mista deverão ser consideradas.
Ontem nós tivemos a participação de seis convidados, que fizeram cada um a sua exposição, todos defendendo o interesse maior que é o interesse do Brasil.
Ninguém aqui está preocupado com posicionamentos de ordem a, b ou c, mas, sim, nós temos um problema sério em curso, e as duas Casas do Congresso são responsáveis pela formulação de uma legislação que possa realmente dar tranquilidade e, ao mesmo tempo, determinados freios a abusos praticados ou que são pensados para o futuro.
Então, aproveitando esta oportunidade, eu queria agradecer os diálogos, os entendimentos, as narrativas trazidas pelos senhores, que deram extraordinárias aulas.
Eu queria agradecer porque, no dia de ontem, mais uma vez, o Claudio da Silva Gomes representou aqui a Central Única dos Trabalhadores. Hoje fizemos o convite para uma outra instituição sindical, que infelizmente não pôde comparecer. Foi a Força Sindical.
Eu queria agradecer ao Dr. Leonardo Borges, que representou a CNI (Confederação Nacional da Indústria); à Drª Samantha, Procuradora Regional da República, que ontem esteve aqui presente, da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR); ao Dr. Rafael Valim, Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji); ao Dr. Alexandre Vidigal de Oliveira, Juiz Federal e representante da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); à Srª Lucieni Pereira - que, por sinal, está aqui presente -, Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas da União (ANTC).
Eu queria agradecer ao Dr. Carlos Higino, representante da CGU; ao Dr. Rafael Jardim Cavalcante, dirigente da Secretaria Extraordinária de Operações Especiais em Infraestrutura do TCU; ao Prof. Heleno Torres, representando a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; a S. Exª o Ministro Gilson Dipp, com a sua franqueza, com a sua experiência acumulada ao longo de muitos anos se dedicando ao Direito. Muito obrigado ao senhor pela sua presença e pela contribuição que trouxe a esta Comissão. Sem dúvida nenhuma, não são diferentes essas aguerridas ações do Ministério Público, quer seja federal, quer seja estadual.
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Dr. Roberto Livianu, eu queria dizer a V. Exª, bem como aos Parlamentares, especialmente o jovem Deputado Bruno Covas, que vamos ter mais alguns dias. Logicamente todas essas manifestações estão gravadas e serão objeto de consulta e pesquisa por parte do Relator, bem como dos Parlamentares que compõem a Comissão. E teremos aqui, não tenho a menor dúvida, Ministro Dipp, um debate extraordinário no que diz respeito a essa medida provisória.
Nessas circunstâncias, eu agradeço a todos, a todas e, particularmente, a V. Exªs, que trouxeram uma contribuição extraordinária para que possamos aperfeiçoar mais esse diploma legal.
Muito obrigado.
Dou por encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 10 horas e 09 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 41 minutos.)