13/04/2016 - 20ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Romário. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - RJ) - Bom dia.
Havendo número regimental, declaro aberta a 20ª Reunião Extraordinária da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião atende o Requerimento nº 113, de 2015, desta Comissão, de autoria do Senador Dário Berger, e o de nº 119, de 2015, desta Comissão, de autoria da Senadora Angela Portela, para a realização de audiência pública destinada a debater a instituição do Sistema Nacional de Avaliação de Educação Básica.
Dando início à audiência pública, solicito ao Secretário da Comissão que acompanhe os convidados para tomar assento à mesa.
Os convidados são a Srª Catarina de Almeida Santos, membro do Comitê de Campanha Nacional pelo Direito à Educação do Distrito Federal e Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília - UnB; o Sr. Alexandre André dos Santos, Diretor de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep.
Sejam bem-vindos.
Informo que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado e da Rádio Senado e contará com o serviço de interatividade com o cidadão Alô Senado, através do telefone 0800612211, e e-Cidadania por meio do portal www.senado.gov.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários pelos expositores via internet.
Como de praxe tem acontecido nesta Comissão, convido o Senador Dário Berger, autor do requerimento, para presidir esta reunião.
Bem-vindo, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Agradeço ao Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, Senador Romário, por quem tenho profunda admiração e respeito por tudo o que já representou para o nosso País e, sobretudo, por tudo o que ele pode ainda representar como um dos Senadores mais respeitados e atuantes no Senado Federal.
Vamos dar continuidade à nossa audiência pública, Srªs e Srs. Senadores e demais membros que acompanham esta audiência pública.
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O segundo mandato da Presidente da República, previsto para 2015 a 2018, iniciou-se sob a égide do lema "Brasil, Pátria Educadora". Em um país como o nosso, com características socioeconômicas tão marcantes, díspares e injustas, ninguém haverá de contestar a necessidade do continuado destaque e do reiterado empenho oficial em áreas tão decisivas para o desenvolvimento pessoal e coletivo.
A educação, como todos reconhecem, é o valor mais decisivo para a formação das gerações de brasileiros, tanto intelectual, quanto cultural, críticos produtivos e competitivos. É, portanto, na educação de excelência da nossa juventude que o Brasil deposita a esperança de ver consolidadas transformações estruturais que há muito vêm sendo postergadas.
A Lei nº 13.005, de 2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação, prevê que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação constituirá fonte de informações para a avaliação da qualidade da educação básica e para a orientação das políticas públicas desse nível de ensino.
Vencido o primeiro ano do decênio contemplado pelo Plano Nacional de Educação, pareceu-me, mais do que oportuno, verdadeiramente mandatório requerer esta audiência pública, reunindo Senadores e Senadoras com os nomes expressivos da educação nacional na atualidade.
Creio que é indispensável acelerarmos e ampliarmos a discussão acerca das possibilidades da implantação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. Logo, reuniões dessa natureza tornam-se importantes instrumentos para obtermos de forma profícua mais e melhores dados e informações sobre a educação brasileira e seus problemas contemporâneos. Por certo, as profundas e severas adversidades políticas e econômicas vividas pelo Brasil nos últimos meses não conseguirão fazer com que o País negligencie tema de tamanha importância para o presente e para o futuro como a educação nacional.
Costumo recordar que, sem descuidar das humanidades, sob a sigla Stem (para designar ciência, tecnologia, engenharia e matemática), os norte-americanos, por exemplo, renovam-se e empenham-se em dar novas ênfases e rumos à educação de seus jovens do século 21. O Brasil, por certo, não tem o direito de resignar-se com modelos de conteúdo ultrapassado que não privilegiem, além da transmissão do conhecimento humano milenarmente acumulado, a pesquisa científica de ponta.
O pressuposto para alcançar a educação de alto padrão na graduação e na pós-graduação está diretamente vinculado e repousa na formação que formos capazes de assegurar às crianças e aos adolescentes brasileiros nas diversas etapas do fascinante processo ensino/aprendizado básico.
Ao renovar meus agradecimentos pela presença e participação dos ilustres profissionais da educação brasileira nesta audiência pública, reitero meu inequívoco otimismo com o futuro da educação no Brasil. Ademais, enfatizo minha confiança no sentido de que estamos antecipando novas e importantes perspectivas a um debate que felizmente não se esgota aqui. Ao contrário, verticaliza-se sem, contudo, jamais deixar de avançar.
Eram essas as minhas considerações iniciais.
Agora, dando continuidade à nossa audiência pública, nós vamos aos nossos assuntos.
Para debater o sistema de avaliação, encontram-se aqui conosco a Srª Catarina de Almeida Santos, membro do Comitê de Campanha Nacional de Direito à Educação do Distrito Federal e Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília - UnB, a quem antecipadamente nós agradecemos pela participação; e também o Sr. Alexandre André dos Santos, Diretor de Avaliação de Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep.
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Ato contínuo, vamos aos nossos expositores.
Consulto quem gostaria de utilizar a palavra primeiro.
Como houve acordo, nós vamos logo passar a palavra ao Dr. Alexandre André dos Santos.
Vamos estabelecer um prazo de 20 minutos, se for necessário. Se não for necessário, pode-se concluir antes dos 20 minutos.
Com a palavra, o Sr. Alexandre André dos Santos.
O SR. ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS - Bom dia ao Senador Dário Berger, ao Senador Romário, às senhoras e aos senhores, aos colegas servidores do Inep que também nos acompanham, àqueles que nos acompanham pela internet e pela TV Senado, bem como aos aqui presentes.
Em primeiro lugar, eu queria agradecer ao Senador Dário Berger a oportunidade de trazer esse importante ponto de pauta para a discussão nesta Casa de leis.
Hoje nós temos a oportunidade de ter um entendimento sobre a distância que nos separa de uma educação básica de qualidade, porque nós já temos hoje um conjunto de informações que estão disponíveis para a sociedade debater sobre a qualidade da educação básica no País. O que oportuniza a qualificação desse debate, através dessas informações que estão disponibilizadas, é exatamente o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
O debate sobre a qualidade da educação básica que nós temos e a que almejamos é muito sustentado pelas informações que nós temos disponíveis. E as informações que nós já temos disponíveis hoje dão conta do tamanho do desafio de pensar a garantia da qualidade, primeiro porque não conseguimos ainda efetivar a garantia do direito ao acesso.
Temos hoje quase três milhões de crianças e jovens entre 4 e 17 anos ainda fora da escola; temos hoje quase dois milhões de jovens entre 15 e 17 anos que deveriam estar cursando o ensino médio, mas não estão no ensino médio; temos hoje quase um milhão de crianças que ainda não têm garantido o direito à educação infantil. Então nós temos, ainda hoje no Brasil, um problema de falta de acesso à educação básica. E essa informação nos chega porque nós temos um conjunto de instrumentos que conseguem captá-la.
Da mesma forma, temos também um importante nó crítico a ser vencido quando discutimos a qualidade da educação que é ofertada aos que estão na escola. Novamente, os instrumentos que conseguem mensurar isso são oportunizados a partir do atual Sistema de Avaliação da Educação Básica, que está sob a responsabilidade do Inep, mais precisamente na Diretoria de Avaliação da Educação Básica.
Nós temos, por exemplo, a Prova Brasil, que é aplicada a cada dois anos para todas as crianças do quinto ano e do nono ano do ensino fundamental. Essa prova gera um conjunto de resultados que nos permite fazer um debate sobre qualidade.
Só para vocês terem noção do conjunto de que nós estamos falando em termos de educação básica: hoje nós temos mais de 190 mil escolas na educação básica, cerca de 50 milhões de alunos matriculados, sendo 82% desses alunos em escolas públicas. Nós temos 46% desses alunos, ou 23 milhões de alunos aproximadamente, em redes municipais; 35%, cerca de 17 milhões de alunos, em redes estaduais; e a rede federal com aproximadamente 290 mil alunos ou matrículas.
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Nós precisamos começar este debate entendendo que um sistema de avaliação precisa estar ancorado em um conjunto de marcos legais e referências. E o Sistema de Avaliação da Educação Básica, tal qual está proposto no Plano Nacional de Educação, está referenciado na Constituição Federal, na LDB, no nosso Plano Nacional de Educação - a Lei nº 13.005, que foi aprovada em 2014 -, nas nossas conferências nacionais de educação, no nosso atual Sistema de Avaliação da Educação Básica, que desde os anos 90 produz resultados.
Esse nosso Sistema de Avaliação da Educação Básica precisa olhar também para o nosso Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), porque lá há importantes reflexões já acumuladas sobre como se deve organizar esse sistema e também sobre o conjunto dos compromissos assumidos pelo Brasil nas nossas grandes conferências e grandes eventos, principalmente do Sistema ONU, em especial nas conferências de Jomtien e, mais recentemente, de Incheon, onde o País assumiu uma série de compromissos...
O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Só para registrar a presença do Senador Cristovam Buarque, o nosso professor, o nosso mestre, que traz um relevo todo especial a nossa audiência pública. Obrigado pela presença, Senador.
O SR. ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS - Quero agradecer também ao Senador Cristovam a presença.
Nós temos atualmente um Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que foi pensado ainda no começo dos anos 90 e que, já na sua gênese, pensava em avaliar um conjunto de dimensões. Na época, eram três grandes eixos que o Saeb pensava em avaliar: a universalização com qualidade, a valorização do professor e a gestão educacional.
Só que, a partir de 1995, essa ideia de avaliar um conjunto de dimensões, a partir, principalmente, da implantação da teoria de resposta ao item nas nossas provas, e a possibilidade de haver a comparação entre anos dos resultados de desempenho de rendimento escolar dos alunos, centrou o debate principalmente nas informações de desempenho. Isso foi acentuado ainda mais quando, em 2007, o Ideb foi criado.
Então, esse movimento de centralizar a discussão sobre o resultado em cima principalmente dos indicadores de desempenho e de rendimento escolar, em que pese ele ter ampliado a capacidade de entendimento da sociedade sobre o que é qualidade de educação, promoveu um estreitamento desse entendimento, por parte das redes, das escolas e dos professores e de toda comunidade escolar, sobre o que deveria ser qualidade. Então, ele estreitou esse debate.
Em 2014, a lei que aprovou o Plano Nacional de Educação - Lei nº 13.005 - resgata essa compreensão de você entender o debate sobre qualidade de uma maneira ampliada, que incorpore mais dimensões do que apenas o resultado em provas de avaliação em larga escala. E é esta reflexão que é importante fazer para podermos avançar no processo do que vamos avaliar: como vamos criar juízo de valor sobre essas informações que serão produzidas por esse sistema?
Então, em 2014, a Lei do PNE, no seu art. 11, estabeleceu:
Art. 11. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, coordenado pela União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, constituirá fonte de informação para a avaliação da qualidade da educação básica [...]
E estabeleceu a possibilidade de você ter indicadores de rendimento escolar, que são os que nós já produzimos, principalmente com a Prova Brasil, e indicadores associados à avaliação institucional, que incorporam um conjunto de outras dimensões, de outros elementos, que são elementos constituintes e essenciais ao debate sobre qualidade de educação. E conferiu ao Inep a responsabilidade pela produção desses indicadores e da coordenação desse sistema.
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Então, há três grandes questões e desafios que estão colocados hoje para a nossa equipe - mais do que para a nossa equipe técnica do Inep, para toda a sociedade -, que são questões estruturantes para a organização e o fortalecimento desse Sistema de Avaliação.
O primeiro é superarmos o atual desenho que temos com o Saeb, que produz, a cada dois anos, indicadores associados ao rendimento escolar de leitura e resolução de problemas, ou Língua Portuguesa e Matemática, para o quinto e o nono anos, para alcançarmos algo que vá além disso, que vá nessa perspectiva de avaliar outras dimensões.
Também é fundamental avançarmos no que nós temos hoje, que é a produção de medidas. Nós fazemos medidas, nós informamos a proficiência de escolas, informamos a proficiência média de redes. Precisamos fazer juízo de valor sobre isso, avançar da medida para a noção de avaliação, e precisamos avançar além do Ideb, pensar um conjunto, um sistema de indicadores que consiga dar conta desse complexo processo, que é o processo educacional, em especial da educação básica.
Então, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, na perspectiva que a nossa equipe tem pensado e que traz aqui para o debate, tem como objetivo servir como fonte de informação para a avaliação da qualidade e assegurar esse processo nacional de avaliação da educação básica. Nesse sentido, deve ter como grandes princípios estruturadores aqueles que estão previstos na Constituição Federal, na nossa LDB e no Plano Nacional de Educação em especial, que são: a universalização do atendimento, a superação das desigualdades - aqui aparece a equidade como ponto central -, a melhoria da qualidade - qualidade entendida sob um ponto de vista ampliado -, a promoção do princípio da gestão democrática, dos valores humanísticos, científicos, culturais e tecnológicos - isso dialoga nessa perspectiva que o Senador traz -, a promoção dos direitos humanos, a valorização dos profissionais da educação, a relevância pedagógica dos resultados produzidos e a transparência. Esses princípios têm que nortear a estruturação e o fortalecimento do atual sistema que nós já temos.
A reflexão produzida por nossa equipe técnica, que, no ano passado, nos levou à realização de uma série de encontros técnicos com grandes pesquisadores do campo da academia e dos movimentos sociais da educação brasileira, levou-nos a formatar, para esse Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, a proposta de seis grandes eixos que consigam iluminar 18 dimensões de qualidade. Mas - e isto é o mais importante - esses eixos e essas dimensões precisam ser objeto de um grande debate: será que, ao final, eles conseguirão iluminar o conjunto das dimensões que são constituintes da qualidade da educação básica?
Então, a proposta é uma proposta inicial para subsidiar esse debate. Até porque hoje, nós, como responsáveis pelo atual Sistema de Avaliação da Educação Básica, conseguimos construir um acúmulo sobre essa questão, e temos nos debruçado sobre esses números e temos vistos os limites atuais que o atual sistema produz, em que pese ele ter produzido uma série de avanços.
Então, dentro de um primeiro eixo de universalização, por exemplo, ele teria três grandes dimensões: a dimensão do acesso, da permanência e da trajetória. Outro eixo, o do ensino-aprendizagem, teria quatro grandes dimensões.
A primeira delas, e estruturante, é a de desempenho, do rendimento escolar. Quer dizer, é essencial que consigamos continuar medindo e fazendo juízo de valor sobre o rendimento escolar. Queremos garantir que todas as crianças e jovens deste País tenham uma educação de qualidade mensurável, inclusive objetivamente.
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Infraestrutura. Quer dizer, nós sabemos que ter uma condição de infraestrutura nas nossas escolas é essencial para o processo de ensino e aprendizagem.
A questão da gestão. Nós precisamos construir indicadores que consigam mensurar a qualidade da gestão ofertada tanto na escola, quanto nas nossas redes e sistemas de ensino. E aí, dentro do eixo de gestão, a questão do financiamento é essencial. Precisamos começar a produzir informações, desagregadas por escolas, por Municípios, que consigam iluminar as informações de financiamento associadas à educação básica. A questão da formação dos professores também está dentro desse eixo de gestão.
Por fim, os dois últimos grandes eixos que compõem essa proposta estão associados à diversidade, com a política de inclusão e respeito à diversidade - ela está presente, inclusive, na última Declaração de Incheon, da qual o Brasil foi signatário e teve uma participação ativa, inclusive com a representação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação - e do espaço social, entendendo que aí nós já temos uma informação relevante para prestar à sociedade, que é o cálculo do nível socioeconômico desagregado por escola, que dá objetivamente informações sobre o contexto em que essas outras informações sobre desempenho escolar estão sendo tratadas. É preciso levar em consideração o entorno, o contexto e o nível socioeconômico em que as nossas escolas e as nossas crianças estão realizando o processo de ensino e aprendizagem.
Essas informações precisam ser desagregadas da informação agregada nacionalmente por unidades da Federação, por escola, por etapa. Isso porque, por exemplo, nós temos especificidades na educação infantil, no ensino fundamental, séries iniciais, nas séries finais, no ensino médio, que demandam um entendimento específico especializado até chegar ao nível de aluno, não para darmos resultado desagregado e informado por aluno, mas para que possamos agregar essas informações. É importante que tenhamos a informação desagregada por aluno - não que vamos divulgar essa informação por aluno.
Os dois últimos pontos essenciais para esse novo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica têm relação com a governança e com o processo de autoavaliação. Quer dizer, hoje, todas as questões do atual Sistema de Avaliação da Educação Básica são decididas interna corporis, pelo Inep e pelo Ministério da Educação. É preciso construir um espaço de governança para garantir a participação da sociedade desde a concepção dos instrumentos de avaliação. E isso significa consolidar um comitê ou um conselho em que o Inep possa dialogar com a sociedade todos os princípios e todas as estratégias associadas à organização desse sistema de avaliação.
Por último, é importante criarmos e valorizarmos um instrumento de autoavaliação no âmbito de cada escola e de cada rede. Para quê? Para que a avaliação, feita no âmbito de cada escola, tenha valor. De fato, pouco valem as informações disponibilizadas pelo Inep e pelo atual sistema se não garantirmos um espaço de reflexão em cada escola e em cada rede sobre essas informações. E que essas informações dialoguem com o próprio processo de autoavaliação no âmbito de cada escola, porque é isso que vai dar potência para a transformação. Eu sempre falo que o pior plano feito coletivamente é melhor do que o melhor plano pensado nos gabinetes de Brasília.
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS - E esse instrumento de autoavaliação vai garantir espaço de reflexão sobre os dados que nós produzimos em nível federal com o processo de autoavaliação necessário no âmbito de cada escola.
Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Em primeiro lugar, meus cumprimentos, porque V. Sª utilizou-se bem razoavelmente do tempo estipulado.
Dando continuidade aos nossos trabalhos, Senador Cristovam Buarque, quero informar que esta audiência pública tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão através do Alô Senado, do telefone 0800-612211 e do e-Cidadania, por meio do portal www.senado.gov.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
Informo ainda que a audiência conta com o serviço de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e está sendo realizada em caráter interativo, através do portal e-Cidadania e do Alô Senado.
Portanto, dando continuidade aos nossos trabalhos, passamos a palavra agora à Srª Catarina dos Santos, membro do Comitê do Distrito Federal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A SRª CATARINA DE ALMEIDA SANTOS - Bom dia a todos e a todas.
Agradeço o convite feito à Campanha Nacional pelo Direito à Educação para participar desta conferência. Agradeço ao Senador Dário Berger, ao Senador Romário, ao Senador Cristovam Buarque.
Bom dia a todos que estão nos assistindo, nos acompanhando, seja pela internet ou pela TV Senado.
Destaco a importância desse tipo de atividade no Senado, desse debate com a sociedade, com os movimentos sociais, em relação à questão da educação.
Começamos a discussão destacando uma questão que para nós é fundamental. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação lutou bravamente na tramitação do Plano Nacional de Educação pela questão da inversão da lógica de financiamento que nós temos no Brasil hoje.
Como funciona esse financiamento no Brasil hoje? O sistema de ensino tem uma quantidade de recursos, e essa quantidade de recursos permite esse tipo de educação. A nossa lógica é invertê-la. Nós queremos uma educação de qualidade. Então, a qualidade é o parâmetro fundamental desse processo de financiamento. Essa qualidade vai custar tanto, e os sistemas de ensino, os nossos três sistemas de ensino, vão se organizar para garantir essa qualidade.
E foi isso que nós colocamos no Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e no Custo Aluno-Qualidade (CAQ). E aí já destacamos que, nesse processo de implementação do CAQ - o PNE já vai fazer dois anos e muito ainda nos falta, grande parte das metas que deveríamos atingir no ano passado e neste ano ainda está muito distante -, nós não vamos aceitar qualquer CAQ ou um CAQ pela metade. Nós vamos querer um CAQ que garanta essa qualidade da educação.
Então, na discussão da instituição de um sistema nacional de avaliação, a nossa lógica é inverter o parâmetro de avaliação que nós temos hoje. Como o Alexandre destacou, o nosso sistema de ensino hoje está voltado para responder aos resultados de avaliações de larga escala. O que nós queremos é inverter isso. O parâmetro do sistema de ensino tem de ser a qualidade, bons resultados nas avaliações têm de ser consequência. Para que a qualidade seja parâmetro é preciso que possamos garantir todas essas dimensões que o Alexandre vem destacando.
Por isso, a nossa discussão aqui hoje vai ser muito baseada no documento final da Conae 2014, porque entendemos que é uma conferência que contou com a participação de grande parte da sociedade brasileira, uma vez que os debates foram feitos nos sistemas de ensino - então, existe uma legitimidade grande. O documento da Conae estabeleceu a necessidade da instituição do sistema e disse quais parâmetros deveriam ser avaliados, quais as dimensões deveriam ser avaliadas, e também está definindo quais são as condições que precisamos ter na escola para garantir a qualidade. Então, nós vamos trabalhar muito sob a perspectiva desse documento da Conae.
Obviamente, vamos partir da Lei nº 13.005, que é a lei que institui o Plano Nacional da Educação, no qual está prevista a criação do Sistema Nacional de Avaliação, que tem como parâmetro trazer informações para a avaliação da qualidade da educação. Então, a qualidade está no cerne da discussão da lei do PNE.
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E vai dizer também que esse sistema de avaliação, que é mencionado no caput da lei, vai necessitar de indicadores de rendimento escolar, referentes ao desempenho dos alunos, que é o que ainda fazemos muito hoje, mas não só nisso. Vai haver a necessidade de indicadores de avaliação institucional relativos a características como o perfil do alunado, do corpo dos profissionais da educação, as relações entre as dimensões do corpo docente, do corpo técnico e do corpo discente, a infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis, os processos de gestão, entre outras relevantes. Então, atende, e muito, algumas das características que o documento final da Conae coloca para o nosso sistema de avaliação.
E o documento da Conae não só vai dizer que a qualidade é o parâmetro, vai dizer também qual é a concepção de qualidade e o que está por trás dessa qualidade. Quando o documento final da Conae coloca o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, diz que ele precisa ser pensado, instituído, articulado com o Sistema Nacional de Educação e deve ter como parâmetro a qualidade da educação. Que qualidade é essa? De que qualidade estamos falando? Estamos falando de uma qualidade de educação que contribua para a formação dos estudantes nos seus diversos aspectos. Então, vai pegar os aspectos humanos, sociais, culturais, filosóficos, científicos, históricos, antropológicos, afetivos, econômicos, ambientais e políticos, para o desempenho do seu papel de cidadão no mundo.
Isso vai requerer que pensemos o processo de formação pelas condições intraescolares, mas também considerando as condições extraescolares. As dimensões de avaliação com as quais o Inep está trabalhando, colocadas pelo Alexandre, têm muito a ver com isso, inclusive as dimensões socioeconômicas em que essa escola está inserida, em que esse aluno está inserido. É preciso que estejam comprometidas com a transformação da realidade na construção plena da cidadania e na garantia dos direitos humanos. Eu acho que são questões fundamentais para pensarmos um sistema nacional de avaliação.
Vai dizer também que esse sistema tem que lidar com a avaliação não apenas da aprendizagem, mas com a avaliação dos processos que fazem com essa aprendizagem aconteça ou não. Então, ele precisa avaliar os fatores que a viabilizam, que fazem com que essa aprendizagem aconteça, tais como políticas, programas, ações, de modo que essa avaliação da educação esteja embasada em uma concepção de avaliação formativa, que considere os diferentes espaços e atores, envolvendo o desenvolvimento institucional e profissional, articulada com indicadores de qualidade.
Não basta colocar a responsabilidade pelos resultados da avaliação ou do processo de aprendizagem só na figura do diretor ou dos professores. É preciso pensar em todos os atores envolvidos na educação. E a gestão dos sistemas, da escola, mas também dos sistemas... Quando eu penso em sistemas, são os três sistemas, não só o estadual e o municipal, mas também o federal.
É preciso pensar em processos avaliativos mais amplos, vinculados a projetos educativos democráticos e emancipatórios, contrapondo-se à centralidade conferida à avaliação como medida de resultado e que se traduz em instrumento de controle e competição institucional.
Quer dizer, quando nós pegamos, e o Alexandre trouxe a questão dos resultados do Ideb... Hoje, muitas vezes, nós vemos as nossas redes de ensino colocando placas nas portas das escolas - isso é feito, por exemplo, aqui em Goiás - mostrando resultados do Ideb. Isso provoca uma competição entre as unidades escolares, e o objetivo a ser atingido são resultados no Ideb. Eu acho que a nossa lógica não pode ser a da competição institucional, nem a lógica do rendimento.
Costumamos usar uma figura: a nossa avaliação, como ela se dá hoje, é o rabo balançando o cachorro, porque, na verdade, o resultado da avaliação é que manda no processo educativo, não são os processos educativos que definem os processos de avaliação.
O documento da Conae traz ainda, como parâmetro para esse sistema de avaliação, que a política nacional de avaliação da educação deve estar articulada com as iniciativas dos demais entes federados, contribuindo significativamente para a melhoria da educação - aí sempre tendo como parâmetro a qualidade.
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A avaliação deve ser sistêmica, compreendendo os resultados escolares como consequência de uma série de fatores extraescolares e intraescolares que intervêm no processo educativo.
Então, não podemos deixar de considerar a condição de vida do aluno, a localização da escola, se ela está ou não localizada numa área de vulnerabilidade, a garantia dos direitos básicos, dos direitos humanos, porque tudo isso vai influenciar no processo educativo. Aquilo que está fora da escola, as condições extraescolares, vão influenciar muito as condições intraescolares, o desenvolvimento do processo de aprendizagem.
A avaliação deve considerar não só o rendimento escolar como “produto” da prática social, mas precisa analisar todo o processo educativo. Então, essas dimensões precisam avaliar o que nós temos no processo educativo que levou a esse resultado. Se o resultado não está bom, nós precisamos melhorar esse processo para alcançar melhores resultados. O resultado não é a causa do processo educativo, ele é consequência. É preciso levar em consideração as variáveis que contribuem para aprendizagem, tais como os impactos da desigualdade social e regional nas práticas pedagógicas.
Então, só para dizer que o documento da Conae, na verdade, já traz a grande base do que temos de ter, qual é o parâmetro que temos de ter para construir esse sistema nacional de avaliação.
Além disso, vai trazer outros diversos contextos que precisam ser pensados nesse processo de avaliação. Aí estão compreendidos os contextos culturais nos quais se realizam os processos de ensino e aprendizagem; a qualificação, os salários e a carreira dos profissionais da educação - não só dos professores, mas de todos os profissionais da educação -; as condições físicas e equipamentos das instituições educativas; o tempo diário de permanência do/da estudante na instituição; a gestão democrática; os projetos político-pedagógicos e planos de desenvolvimento institucionais construídos coletivamente; o atendimento extraturno aos/às estudantes e o número de estudantes por professor/a na escola em todos os níveis, etapas e modalidades, nas esferas pública ou privada.
Aí é importante destacar que esse processo de avaliação precisa considerar as especificidades da educação de jovens e adultos, dos povos das águas, da população indígena, das populações itinerantes. Então, se temos uma diversidade tão grande no País, não podemos pensar um processo de avaliação que não leve em consideração essa diversidade.
O documento da Conae, em um dos seus itens, vai falar da criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, também da superior - recortei ali para diminuir o texto. Fala da criação da avaliação da educação básica e da consolidação da avaliação da educação superior. E aí traz alguns itens, algumas estratégias fundamentais que precisam estar contidas nesse sistema.
A Conae vai dizer da necessidade de se criar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica como fonte de informação para a avaliação da qualidade da educação básica e para a orientação das políticas educacionais. Por tudo isso, mostramos que a qualidade é o ponto central, a garantia do direito à educação só se efetiva quando garantimos a qualidade. Não adianta garantirmos acesso e permanência se esse aluno está saindo das instituições educacionais sem aprendizagem. E não é aprendizagem de português e matemática, mas formação como um todo, estamos falando de uma concepção de formação mais ampla. Essa qualidade tem que orientar as políticas educacionais.
Vai dizer ainda que é preciso consolidar indicadores de rendimento escolar sobre o desempenho dos/as estudantes em exames nacionais de avaliação sem, contudo, desconsiderar os elementos socioeducacionais que interferem no processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, no nível de proficiência dos estudantes. Não basta avaliar a proficiência se não avalio as condições que levam a essa proficiência.
Consolidar indicadores de avaliação institucional sobre o perfil do alunado e do corpo dos/das profissionais da educação, as relações entre dimensão do corpo docente, do corpo técnico e do corpo discente, a infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis e os processos da gestão.
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Fortalecer, em articulação com os sistemas nacionais de avaliação, os sistemas estaduais de avaliação da educação básica, com a participação dos sistemas/redes municipais de ensino, para orientar as políticas públicas e as práticas pedagógicas com o fornecimento de informação às escolas e à sociedade. Então, os resultados da nossa avaliação precisam servir para a ação do sistema, para o desenvolvimento de políticas e ações.
Desenvolver indicadores e mecanismos específicos de avaliação da qualidade dos diferentes níveis, etapas e modalidades de educação. Por isso, o destaque é que precisamos pensar as especificidades.
Como é que vamos alcançar isso? É primordial que o Sistema Nacional de Avaliação esteja articulado, por exemplo, com a questão do CAQi e do CAQ, não só porque o CAQ já está referenciado - a questão do financiamento - em parâmetros de qualidade, na inversão da lógica que temos hoje.
O próprio documento da Conae vai dizer:
Por isso, uma política nacional de avaliação voltada para a qualidade da educação, para a democratização do acesso, da permanência, da participação e da aprendizagem deve ser entendida como processo contínuo que contribua para o desenvolvimento dos sistemas de ensino, como expressão do Sistema Nacional da Educação, excluindo qualquer forma de “ranqueamento.
Então, somos contrários a essa avaliação que, ao fim e ao cabo, termina se centrando no ranqueamento das instituições escolares, desde a educação básica até a educação superior, na questão da classificação das escolas e instituições educativas, tanto as públicas quanto as instituições privadas.
O que pensamos é que essa política nacional de avaliação levará em consideração na sua estrutura fatores intra e extra escolares como parâmetros avaliativos, tendo em vista as desigualdades educacionais ainda existentes no território nacional.
Nós pegamos esse documento da Conae, que é um documento amplo - é o documento mais amplo e plural que nós temos para o debate da educação nacional e do próprio sistema nacional de avaliação -, cuja elaboração contou com diversos segmentos da sociedade civil organizada, que foi aprovado numa conferência com participação bem ampla da representação de todos os entes federados, que contou inclusive com a discussão nas escolas e sistemas de ensino. É o documento mais amplo que temos. Esse documento traz qual é a concepção de qualidade, quais são os parâmetros que precisamos avaliar nesse sistema nacional de avaliação.
Agradecemos mais uma vez pelo convite e nos colocamos sempre à disposição para o debate. Fico muito feliz de estar aqui junto com o Alexandre. A Campanha tem debatido e trabalhado muito junto com a Daeb, até porque é um espaço que também tem se constituído plural e de debate.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Nós é que agradecemos à Profª Catarina Santos, cujo nome traz uma homenagem especial ao meu Estado, o Estado de Santa Catarina - que esse trocadilho sirva de inspiração para que possamos construir a educação que todos nós sonhamos.
Registro, com muito prazer, a presença do Senador Donizeti Nogueira, representante do Estado de Tocantins que se tem revelado um atuante Senador neste primeiro ano e alguns meses em que estamos debatendo os problemas do Brasil no Senado Federal.
Consulto se V. Exª quer fazer uso da palavra.
Consulto também o Senador Cristovam Buarque, que é a maior autoridade em educação aqui no Senado Federal. Embora ele não goste que façamos esse tipo de referência, não temos como não reconhecer a autoridade que representa para o Brasil inteiro e a luta que trava aqui pela educação de qualidade no Brasil.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Aceitar ser a maior autoridade, eu recuso. Se quiser dizer que sou o maior maníaco, eu aceito. (Risos.)
Mas gostaria de saber se o Senador Donizeti quer falar, porque aí eu termino algo que tenho que mandar imediatamente.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Na verdade, eu cheguei muito atrasado, Senador Cristovam. Se V. Exª tiver como falar, para mim seria melhor.
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O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Então, se o senhor me permitir, eu tenho alguns questionamentos para fazer, Senador Cristovam Buarque. Em seguida, passaremos a palavra a V. Exª.
Eu tenho alguns questionamentos a fazer nesta importante audiência pública que estamos fazendo aqui no âmbito da Comissão de Educação, Cultura e Esporte. O primeiro deles é se existem diferenças entre a sistemática atual de avaliação da educação básica mantida pelo Ministério da Educação e aquela preconizada, efetivamente, pela Lei 13.005, de 2014, do Plano Nacional de Educação. Acho que seria interessante, se possível, esclarecer essa questão para termos uma ideia de como essas questões estão sendo desenvolvidas no âmbito da avaliação preconizada pela legislação.
O segundo questionamento é: que medidas foram tomadas desde a edição da Lei nº 13.005, de 2014, para a implantação real do Sistema Nacional de Educação Básica, nos termos do art. 11 daquela lei?
E também, embora já tenha sido abordado aqui de certa forma pelo Alexandre, penso que seria recomendável que, por meio de acordos de cooperação com os governos estaduais e municipais, fosse assegurada também a compatibilidade metodológica. Porém, que os Estados e os Municípios pudessem também ter os seus sistemas próprios de avaliação, porque cada Estado, cada Município, tem suas peculiaridades próprias e nem sempre uma grade nacional de aprendizagem, de ensino, se coaduna com os interesses locais dessas regiões. Então, penso que a valorização local da educação é muito importante, nunca esquecendo as premissas fundamentais e básicas que devem nortear o ensino básico em todo o nosso País.
O último questionamento que faço é com relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que, diga-se de passagem, parece ser um bom indicador. Gostaria de saber se esse indicador tem, efetivamente, expressado na sua realidade e no seu conteúdo o que existe de melhor em termos de avaliação da educação e se ele poderia ainda ser aperfeiçoado em sua sistemática, no seu cálculo e nos seus conceitos para que efetivamente possamos chegar a um Ideb mais adequado ainda, mais realista, que possa expressar a qualidade da educação no Brasil inteiro.
Esses seriam os quatro questionamentos que gostaria de deixar expostos para quem tiver mais condições, vamos dizer assim, mais especificidade para responder. Fiquem à vontade.
Consulto agora o Senador Cristovam Buarque para saber se já terminou a sua dissertação. Ele está sempre com um livro embaixo do braço ou com uma caneta e um papel fazendo os seus manuscritos. Em praticamente todas as sessões do Senado Federal ele acaba fazendo uma palestra. Os seus pronunciamentos acabam sendo palestras nas quais ele muito nos transmite.
Concedo a palavra ao ilustre Senador Cristovam Buarque.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Obrigado pela generosidade, Senador.
Eu quero dizer que fico satisfeito com as palestras do ponto de vista do andamento do sistema de avaliação que nós temos. De fato, foram uma grande conquista dos últimos vinte ou quinze anos essas diversas formas de avaliar, tanto o ensino fundamental quanto o ensino médio, como também a universidade, e também essa ideia muito boa de vincular o Enem à universidade, essa ideia de fazer com que a avaliação da educação de base sirva de ingresso para a universidade.
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Eu fico satisfeito em dizer que nós fomos pioneiros no Distrito Federal com o Programa de Avaliação Seriada, em que o aluno entra na UnB não por vestibular, mas por provas que faz ao longo do ensino médio, no primeiro, no segundo e no terceiro ano. A média é que dá a posição para entrar no vestibular. Isso serve para 50% das vagas. Não pode ser para todos, porque tem gente que já terminou o ensino médio há tempo e quer entrar.
O Enem, de certa forma, faz isso, embora com uma única prova no final do ensino médio. Eu espero que um dia o Enem seja feito em três provas, uma ao final de cada ano. Aumenta bastante o custo, mais que triplica, porque tem mais gente fazendo só no primeiro ano, que depois não faz no segundo nem no terceiro. Então, além de três provas por ano, o número de candidatos, provavelmente, é maior quando a gente soma os três anos.
Mas esse sistema de avaliação, a meu ver, não tem tido a consequência que deveria na melhoria da qualidade. Aliás, tem, de qualquer maneira tem. O simples fato de uma escola saber qual foi a nota do Ideb já cria uma consciência do problema, que é o primeiro passo para sair dele. Alguns defendem até colocar uma placa na frente da escola com o Ideb daquela escola, para que não apenas os professores tenham o seu choque, mas também os pais, a cidade, o bairro onde a escola está.
Lamentavelmente, porém, acho que tem sido muito pouco ainda o impacto da avaliação na qualidade futura. A avaliação é do passado. A consequência dela seria a avaliação identificar os problemas e ir para o futuro. Ainda tem sido pouco.
E aí tenho uma preocupação, Profª Catarina, com essa ideia de levar em conta o diferencial socioeconômico onde está cada escola na hora de fazer a avaliação. Se, por um lado, isso é tranquilizador para o professor, para o pai ou para a criança que tem uma nota mais baixa porque tem a desculpa de estar numa região pobre, por outro lado condena-se a pobreza a ter indicadores piores, se não tomarmos conta. Então, é nesse sentido que vem a minha pergunta: como evitar que a diferenciação da avaliação conforme a região, a pobreza ao redor, não se transforme num sistema de costume e condenação? Ou seja, as regiões pobres, naturalmente, começaríamos a aceitar que tivessem uma avaliação pior.
A avaliação tem de ser uma só. Não é como uma corrida em que, na minha idade, eu disputaria apenas com os velhos e os jovens disputariam com os jovens. Aí tudo bem. O ponto de vista da educação é outro. Uma criança, ao nascer, não é diferente das outras, ela vai ficando diferente por falta do apoio necessário. É preciso mostrar que há escolas que são ruins neste País para fazer com que elas fiquem igualmente boas.
Não podemos aceitar que uma criança vá ter uma escola pior do que a outra. Não podemos; isso não é desigualdade, isso é imoralidade e estupidez, porque o País está condenando os seus talentos a não se desenvolverem. Você aceita que, numa certa região, é natural que a escola seja pior e, por isso, aquele talento daquela cidade não será aproveitado, a não ser que migre para uma região rica - migrar para uma família rica é impossível.
Então, a gente precisa ter um sistema de avaliação que identifique, que trate igualmente todas, para mostrar que há diferenças. A partir daí, a gente pode fazer duas coisas. Uma é desculpar os agentes que tiveram avaliação pior dizendo: "Olha, a culpa não é de vocês, a culpa não é do professor, a culpa não é do pai, a culpa não é nem do aluno, a culpa é do prefeito, do governador, é do Presidente da República, é dos Senadores, dos Deputados, que não são capazes de fazer com que as escolas deste País sejam todas iguais".
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Eu digo isso para concluir que uma avaliação nacional precisa levar a um sistema nacional de educação. Enquanto o sistema for municipal e a avaliação for nacional, a gente vai ter essas desigualdades, porque as cidades são desiguais. Nós não podemos nos contentar em ter escola melhor e pior. Eu até costumo dizer que ninguém diz: "Este hospital tem oxigênio bom; aquele outro tem oxigênio ruim". Ninguém aceita isso. Ou tem oxigênio, H2O, ou não tem oxigênio. Mesma coisa é a escola. Aquela cidade tem escola ou não tem escola. A escola ruim é a não escola.
De fato, a maior parte das nossas cidades não tem condições de ter uma boa escola, não tem condições de pagar o necessário para escolher os melhores professores entre os melhores jovens do País nem para exigir deles o que eles têm que oferecer em dedicação e em qualificação, e nem tem como exigir a avaliação dele - pelo que paga, pelas condições que oferece. E não é só o salário, é o giz que falta, é a cadeira quebrada, é a falta de biblioteca. O professor é ele e suas circunstâncias ao redor.
Então, a meu ver - e aí me dirijo aos dois que trabalham com avaliação para saber se eles estão de acordo -, nós precisamos ter no Brasil um sistema nacional de educação. Mas, quando eu digo nacional, não é só para juntar as pecinhas nas suas diferenças. Não. É um sistema que caminhe para uma homogeneidade. Eu nem disse igualdade de propósito, porque há, sim, conteúdos diferentes conforme a região, a geografia local, a história local, as profissões locais. Tudo bem, mas homogêneo deve ser o sistema. Isso exige professores com salários iguais, recrutados em uma seleção nacional, não só local.
Pode-se chamar isso de federalização, o que não é um bom nome, mas a importância é, se o sistema é nacional, quando é que a gente vai ter o sistema nacional da educação, em que as escolas sejam todas igualmente boas, os professores igualmente remunerados, preparados, dedicados e avaliados? Então, essa é uma coisa. Para mim, a avaliação deve servir para caminhar nesse sentido. Então, se vocês acham que o sistema se justifica sem caminharmos para um sistema nacional de educação, em que as escolas sejam igualmente boas, independentemente da cidade onde ela está e as crianças, por isso, estão.
Aí, eu faço algumas perguntas.
Em que o sistema nacional de educação básica seria diferente do modelo de avaliações que temos hoje? Ou seja, o sistema nacional como um todo é diferente dos diversos sisteminhas que nós temos: Provinha Brasil, Ideb, Enem.
Uma outra coisa: faz sentido o Brasil ter o um sistema nacional de avaliação sem antes ter um sistema nacional de educação? Aliás, não é se se justifica, não é se faz sentido. Faz sentido sim ter antes, como está tendo. A pergunta é: faz sentido ter um sistema nacional de avaliação que não sirva para conduzir na direção de um sistema nacional de educação? Com as diferenças existentes entre os sistemas municipais, estaduais, distrital e federal, seria possível ter um sistema único? E, se não é possível ter um sistema único, a gente vai fazer essa maldade de dizer "Aqui a avaliação é simples; ali a avaliação é mais rigorosa, é mais cuidadosa"? Isso é uma maldade. É como se a gente dissesse: "Naquela região a gente não faz estatística de dengue porque é natural que haja dengue". Aliás, serve ainda mais - desculpem se ficar muito forte a comparação - dizer: "Nessa região é natural que haja microcefalia, então a gente não leva em conta".
Uma escola ruim provoca uma forma de "microcefalia" - entre aspas, obviamente. Existe a microcefalia do tamanho do cérebro e existe a microcefalia do conteúdo no cérebro. A primeira é uma questão biológica; a segunda é uma questão educacional. É uma metáfora muito forte, mas, se você faz uma ressonância magnética do cérebro, vê que há diferenças entre os cérebros de pessoas que leem e que não leem.
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Aqui o Sarah já fez essa... Há um documento da Profª Lúcia Braga, do Sarah, em que ela analisa as diferenças na ressonância magnética dos cérebros de analfabetos e de pessoas que leem muito. Você vê ali, ela sabe como é o cérebro de um e de outro. Não deixa de ser uma forma de microcefalia.
Aí, a gente vai dizer: "Não, nesta região aqui não há saneamento, então vai haver Aedes aegypti, então a gente não põe na estatística as microcefalias que aqui ocorram". A gente não pode fazer isso. A gente tem que fazer a mesma avaliação no Brasil inteiro sobre o estado de saúde cerebral das nossas crianças. Aí, quando identifica que uma região tem microcefalia, a gente tem que ir lá corrigir, tem que ir lá colocar saneamento, tem de fazer um processo de educação sanitária das pessoas.
O mesmo vale para a escola. Se a gente identifica na avaliação nacional que alguns lugares têm um sistema pior, resultados piores, nós temos que desculpar as pessoas, não são culpadas, os professores etc., mas dizer: "Vamos corrigir isso". E aí, é esta pergunta: até que ponto a gente vai poder ter um sistema nacional de avaliação eficiente se a gente não tem um sistema nacional de educação?
Outra coisa é que os dados do MEC apontam que houve um crescimento dos investimentos em educação na última década. É inegável que houve, tanto no valor absoluto como proporcionalmente ao PIB e à receita. Mas o Sistema Nacional de Avaliação tem indicadores que permitam avaliar que a qualidade melhorou na mesma proporção do aumento dos gastos? Ou nós estamos sendo ineficientes nos gastos? Essa é uma pergunta que a gente precisa fazer. Mais uma vez, é a consequência da avaliação. A avaliação não é como um quadro, como uma escultura, que a gente faz pelo deslumbramento de quem vê. Uma avaliação não é para deslumbrar, é para informar e permitir políticas. Então, será que a gente está gastando bem os recursos? Ou o aumento dos gastos não trouxe, em consequência, uma melhoria na qualidade identificada pela avaliação?
E o outro: será possível incluir uma avaliação dos gestores no sistema nacional de educação? Você falou nos gestores, mas, de qualquer maneira, eu tinha preparado essa pergunta. Será possível?
E aí eu pergunto - por isso fiz a pergunta anterior - como incluir sanções para gestores que não alcançarem metas de melhoria da qualidade de ensino nos seus respectivos sistemas? Obviamente levando em conta os limites dos recursos que esses gestores têm à sua disposição. Mas, mesmo assim, pode-se ter sanções para eles? Ou sanção não adianta, não é o caminho? Aí, faríamos as sanções negativas ou positivas, dando-lhes incentivos para que melhorassem.
No fundo, no fundo, é uma pergunta... Na verdade, são duas. Como as avaliações, esse grande avanço do nosso sistema educacional nas últimas duas décadas, podem ajudar, ou têm ajudado, na formulação de políticas? E como é que nós estamos nos saindo do ponto de vista da avaliação quando fazermos uma comparação com os aumentos de gastos? Essas são as perguntas.
E há mais uma aqui: não seria melhor para o Brasil separar, do ponto de vista da gestão, a educação de base do ensino superior, tendo um ministério só para as universidades ou junto com Ciência e Tecnologia? A ideia seria um ministério dedicado obsessivamente, exclusivamente, às nossas crianças e adolescentes e àqueles que, por erros do passado, não tiveram educação na hora certa? Não seria melhor colocar um ministério só para a educação de jovens e adultos que não puderam estudar e, aí, separar também os sistemas de avaliação?
São essas as perguntas que eu tenho, agradecendo esta reunião aqui. Eu fico muito satisfeito que esteja sendo transmitida, porque é importante despertar a população para a avaliação da educação. Nós despertamos para a avaliação da saúde. A avaliação da economia, nem precisa falar: o Brasil inteiro avalia a sua economia todos os dias, o PIB que caiu, o PIB que subiu, caiu a nota que é dada por um instituto.
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Recentemente, Senador, o Brasil caiu na avaliação de um desses institutos de risco. Foi manchete. O Brasil cai na avaliação feita pelo Pisa, que indica qualidade de educação, e não dá manchete, um ou outro comenta. Ontem o FMI disse que a economia do Brasil vai cair 3,8%. É manchete. Mas quando se diz que o Brasil é um dos piores países em educação não é manchete. Aqui manchete é economia e futebol. Quando o Brasil perde da Alemanha por 7 a 1, o País entra em depressão. O Brasil está perdendo de 20 a 1 para a Alemanha na educação, 20, 30 ou 15, e ninguém está aí. Ninguém está aí com o atraso brasileiro em relação à Alemanha na educação, mas foi uma tragédia nacional levar 7 gols e só ter feito 1 no trágico jogo daquele dia.
A avaliação é a maneira de a gente despertar. Por isso, parabéns a vocês que estão envolvidos nisso. Mas fica a minha pergunta: como levar a avaliação a políticas que mudem a realidade e façam com que, daqui a alguns anos, todas tenham notas altamente qualificadas?
São dois problemas que nós temos: a média da nossa educação é ruim em relação ao mundo. Isso é muito ruim. Mas há uma coisa que digo que, do ponto de vista da justiça social, é pior: é desigual. Quando a gente vê a média, não vê a desigualdade. A desigualdade na educação no Brasil... Nisso nós somos campeões. Em média, nós somos ruins, mas há piores. Em desigualdade não há nenhum. Os países realmente ruins são tão pobres que é ruim para todos. Mas aqui não é ruim para todos, é ruim para uma grande maioria, mas há aí gente com dinheiro comprando educação de qualidade para seus filhos. Temos de resolver os dois problemas: elevar a média de todos e diminuir a desigualdade. Nunca se vai zerar a desigualdade, mas pode-se diminuí-la bem, de tal maneira que nenhum talento seja desperdiçado no Brasil por falta de uma boa escola, por causa do CPF dos pais ou por causa do CEP de onde moram.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Por múltiplas tarefas, acabei chegando um pouco atrasado aqui
A primeira pergunta que me faço todos os dias é se a educação melhorou ou piorou. Por tudo o que vejo, penso que melhoramos. Agora, nós não estamos bem. É diferente.
Tivemos um processo de décadas ou de séculos de uma educação muito seletiva. Não sei, mas alguns aqui, para saírem do grupo e irem para o colégio...No meu tempo, havia o grupo escolar e, depois, o colégio. Tive de fazer um exame de admissão. Era um filtro, um vestibular, porque não tinha vaga para todo mundo, só entrava quem passava no exame de admissão. Vivemos isso hoje em alguns aspectos. Temos escolas que são conveniadas e que, para entrar lá, é preciso fazer um exame. Só entram os alunos que tenham de um determinado nível para a frente. Aí a escola tem um Ideb alto, tem melhores resultados. Mas ela fez uma seleção, ela não deixou entrar aqueles que dariam problema.
Estou dizendo isso pelo seguinte. Nós temos de ter uma avaliação diagnóstica no primeiro dia em que a criança chega à escola. Nós precisamos conhecer a dimensão que ela tem de compreensão do mundo, o que ela traz de elementos culturais, o que ela compreende de tudo o que está acontecendo naquele tempo e naquela idade que tem para a gente pensar a educação dela. Fica parecendo que nós ampliamos os espaços, aumentamos o número de vagas e que trazemos uma receita pronta para vestir na cabeça das crianças sem considerar a realidade e o contexto de onde elas vêm e onde elas estão inseridas até chegar à escola. Penso que essa avaliação, que é um diagnóstico do primeiro dia da criança depois que saiu da creche, é necessária para, inclusive, pensar em como levar todo mundo junto.
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Senão, chegam alguns que estão mais bem preparados ou que já tiveram uma oportunidade melhor até chegarem lá e vamos tendo um distanciamento, uma seletividade, e não fazemos todo mundo avançar, pelo menos na média, subindo a média.
Eu estava pensando nessa questão da educação num curso que fomos fazer, da importância do 0 aos 3 anos e do 0 aos 6 anos para todas as crianças no processo de preparação do ser humano como cidadão, como pessoa. Se tem um ambiente bom, do 0 aos 3 anos ou do 0 aos 6 anos, vai ter mais facilidade dos 6 anos para frente.
O que ainda me encuca muito nos processos de avaliação é que a gente ainda não criou - pelo menos no que percebo - uma condição para dizermos onde estamos em cada sala de aula, em cada escola, projetando onde queremos chegar. Nós avaliamos. Chegamos lá, estão lá os meninos. A gente avalia a partir de um determinado tempo, faz um diagnóstico daquilo, mas não analisa como estavam para terem aquele resultado que a avaliação apresentou.
Não tenho muitas perguntas, tenho preocupações. Estou com uma agenda cheia, o pessoal já ligou para mim. Tenho uma pergunta sobre a questão do ranqueamento. Se você faz uma avaliação, vai produzindo indicadores. Isso, do meu ponto de vista, querendo ou não, leva a um ranqueamento. No mundo em que vivemos, a competição é um instrumento para estimular as pessoas. Não estou dizendo que é certo, mas ele está aí.
O Senador Cristovam colocou muito bem o seguinte. Essa coisa da escola da periferia, que às vezes não tem a qualidade da escola do centro - já é no hardware, que é o prédio. Lá, às vezes, a gente também não tem os mesmos recursos, não tem os mesmos professores. Aquele menino certamente terá a mesma capacidade do menino aqui do centro se tiver as mesmas condições para estudar. Então, é sobre essa questão do contexto, da realidade de cada local. Deve haver um nivelamento, o que vai ser oferecido em cada lugar deve ser o mesmo: o salário, a condição de trabalho.
Penso que, nos últimos anos, até melhorou bastante boa parte dos espaços físicos. Há Municípios no meu Estado - pode até não fazer diferença, mas penso que faz - que têm, em 100% das escolas, inclusive nas escolas rurais, salas com ar-condicionado. O meu Estado é muito quente. Então, com um calor de 36 graus, numa sala mal ventilada, ninguém vai ter condições de estudar, o professor não tem condição de ensinar. É importante a estrutura ser adequada, as condições de trabalho serem adequadas, e, do meu ponto de vista, é preciso promover a uniformização para combater a desigualdade que há.
Então, minha pergunta é em relação ao ranqueamento. Queria entender por que a oposição ao ranqueamento. Não estou dizendo que sou a favor, mas você, Profª Catarina, pelo que entendi, se colocou contra isso.
Eram essas as minhas observações, observações de quem não é da área, mas que tenta trabalhar e honrar o povo do Tocantins estando presente na Comissão de Educação.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senador, permita-me complementar a pergunta.
O Senador Donizeti fez uma pergunta. Vou assumir a minha posição e, aí, você responde por que é contra.
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Eu sou favorável radicalmente ao ranqueamento, para poder até irritar, dar raiva, indignar os que estão embaixo e eles quererem sair. Se nós não fazemos o ranqueamento, acostumamos: escolas para brancos, escolas para negros, escola da periferia, escola do centro, escola de rico. Como vamos querer que o pobre tenha a mesma nota na avaliação que teve alguém que está na escola do rico? Aí, acostuma-se.
Eu quero, sim, mostrar que há diferenças a corrigir. Sem ranking ou com ranking separado, o ranking para um não se compara com o ranking de outro... Ou seja, escola de pobre tem um ranking; escola de rico, outro. Aí, a gente vai se acostumar, e condena.
E aí eu quero fazer uma comparação. Não vejo ninguém dizer para não fazemos ranking de times de futebol. Eu não vejo ninguém propor que a seleção brasileira de futebol tenha um jogador, o melhor de cada Estado, mesmo que no outro Estado haja um jogador melhor. A gente quer os melhores na seleção brasileira de futebol. Para isso, damos uma bola redonda para todos, não damos bola quadrada para uns e bola redonda para outros, e vamos ver o talento. Mas, mesmo assim, não é só o talento. Depende se tem ou não campo, se tem um olheiro para dizer como o cara melhora ou não. Mas, mesmo assim, a seleção se faz com os melhores. Não há ranking diferenciando o jogador conforme a origem. Vamos supor: vamos ter, para jogadores de futebol, três vagas reservadas para brancos - quase todos os jogadores são negros ou de origem afro-brasileira.
Ninguém quer cota para brancos na seleção brasileira de futebol para não enchê-la de branquelos pernas de pau. A gente quer que todos joguem bem e com talento. Enquanto não houver isso, eu sou favorável às cotas nas universidades, especialmente para negros, para pagar uma dívida que este País tem. E também sou favorável às cotas sociais, ainda que essas não funcionem muito bem. É preciso lembrar que, para entrar na cota, tem que terminar o ensino médio, tem que fazer vestibular e tem que passar. Então, só alguns chegam lá nas cotas.
Eu até brigo muito com os líderes das cotas para negros. Digo que as apoio - e fui um dos primeiros -, mas eu digo: "Vocês não brigam para erradicar o analfabetismo na população negra; vocês não brigam para que 100% dos jovens negros terminem o ensino médio; vocês brigam para que aqueles que terminem ensino médio entrem na universidade". Isso é correto, mas não é suficiente, não é revolucionário. É bom, mas não é suficiente.
O ranking, a meu ver, é para você dizer: ao nascer, o cérebro é igual, tirando as deficiências biológicas que alguns têm, mas que, mesmo assim a gente tem que tratar para superar. O que faz a diferença é a escola e, se a gente começar a aceitar a diferença na hora da avaliação, vamos terminar nos acostumando, nos conformando e, aí, condenado. É preciso quebrar a condenação do CPF e a condenação do CEP. Cérebro não tem CPF nem CEP. O CEP e o CPF vêm das decisões políticas de colocar ou não boas escolas em alguns lugares e do dinheiro que a pessoa tem.
Segunda-feira eu fui visitar uma escola que é, sem dúvida alguma, a melhor escola de ensino médio do Brasil, eu diria que é das melhores do mundo inteiro: a Escola Sesc, em Jacarepaguá. É uma escola em que os alunos não têm horário integral; eles são internos, eles moram lá. E não são só os alunos, os professores e a diretora também. É horário integral. São 520, escolhidos no Brasil, e a grande maioria vem de famílias que recebem de cinco salários mínimos para baixo - há uma pequena minoria que tem salários maiores do que isso. Eles são selecionados nos diversos Estados.
Quando eles entram lá são todos iguais. Num primeiro momento há até um programa de equalização para os que não estão bem. Não há diferenças, até porque usam farda lá dentro, os equipamentos são os mesmos, os professores são os mesmos e todos aprendem igualzinho. Não há diferença entre o que vem de Tocantins e os que vêm do Rio de Janeiro, de São Paulo ou de Pernambuco depois que entram lá.
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No fim da minha palestra, houve o lançamento de um livro meu que eles usam lá. E eu fui conversar com quem veio pedir assinatura. Lembro-me bem de uma menina. Eu perguntei a ela "De onde você é?" "De Fortaleza." "O que seu pai faz?" "Porteiro de prédio na rua tal de Aldeota." Ele era porteiro de prédio e ela estava lá, igualzinha, na escola de qualidade, porque a bola é redonda para todos ali, o ensino.
Não vai dar para fazer iguais a essa em todo o Brasil, até porque não é preciso que todas as escolas tenham regime de internato. Eu acho importante haver algumas, para mostrar a diferença e pegar talentos.
É preciso igualar as escolas e, para igualar, tem que haver a identificação de quem é que precisa de mais esforço. Para isso há o ranking. Essa é minha posição, mas eu gostaria de ouvir por que não haver o ranking.
Mas volto a insistir em uma coisa: o ranking tem que ter a característica de mostrar que o professor não é o culpado, que pai não é computado, que a criança não é culpada, que a culpa é nossa, dos Senadores. Mas os Senadores, para serem culpados, é preciso haver um ranking, senão vamos dizer que está tudo ótimo, porque já separou os que precisavam ser bons e os que precisavam ser ruins, pelo CEP ou pelo CPF. Cérebro não tem CEP nem CPF. O CPF e o CEP é que desenvolvem mais ou menos os talentos.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Só mais uma questão. Se eu não tenho conhecimento e segurança suficientes para dizer que sou a favor do ranking, embora seja simpático, sou radicalmente contra a existência de dois ou três. Tem que ser um só, para eu poder, inclusive, levar em consideração as condições em que aquele ranking menor conseguiu, se ele não conseguiu um trabalho até melhor dadas as condições que tinha. Eu tenho que analisar essa questão das condições em que ele trabalhou. E virão investimentos para puxar as qualidades daquele que tem um ranking melhor.
Outra questão: a gente tem muito pouco envolvimento da família na educação. Essa é uma cobrança que nós temos que fazer. É preciso que a família cumpra com a sua responsabilidade. Não é uma transferência do menino para escola, para o cuidado do professor ou do diretor da escola não. A família tem que ter cuidado de acompanhar. O Brasil tem que ser chamado à responsabilidade no que se refere ao papel da família na educação.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senador, eu não resisto! Essa é uma questão política. Eu quero ter o apoio do Senador a um projeto meu, um projeto em relação ao qual o Governo tem sido contra. Há um projeto meu que está no último momento de tramitação lá na Câmara dos Deputados, já passou por tudo, que obriga os pais da Bolsa Família a irem à escola dos seus filhos pelo menos uma vez por ano - veja que é pouco.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - É aquele que nós discutimos?
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Sim, eu quero o seu apoio para ele.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Mas você já teve o meu apoio aqui.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É verdade.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Debatemos, modificamos, mas chegamos a uma conclusão.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É verdade, mas eu quero V. Exª o apoie dentro do Governo, para que não atrapalhe, porque falta um pouco de nada na Câmara para virar lei.
O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Senador Cristovam, V. Exª tem o apoio de todos nós aqui em todos os projetos que V. Exª apresenta. Eu, pelo menos, não presenciei nenhum projeto que não tivesse o apoio...
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Há um - não seu, nunca perguntei -, é o que diz ser falta de decoro Parlamentares, governadores, prefeitos e presidentes terem filhos em escolas particulares. É falta de decoro! Somos obrigados a zelar pela causa pública.
E já adianto: que me façam a cobrança de colocar um projeto como esse também para a saúde pública. Eu não tive coragem de colocar, mas, para a escola, sim.
Essa ideia nem deveria estar num projeto de lei, poderia estar no Regimento do Senado mesmo. Aliás, estou apresentando de novo e colocando que só a partir de 2022, no segundo centenário da Independência... Ou seja, não é possível que entremos no segundo centenário e nós, Parlamentares, possamos ir a um médico privado, como fui hoje pela manhã, se sou obrigado a zelar pela saúde pública. Eu fui hoje pela manhã.
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Quero que haja uma lei que me proíba de fazer isso. Aí, a minha família vai entender e vai ser obrigada... Ou ela vai dizer: "Não disse? Sai dessa vida pública e vamos curtir na vida privada". Aí estou de acordo: você vai se virar como cidadão simples, privado. Mas, se nós somos cidadãos com a responsabilidade pública, nós temos que usar os serviços públicos.
O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Não há dúvida. Realmente nós, homens públicos, temos muitas responsabilidades, dentre as quais quero destacar o combate contínuo e sistemático das desigualdades e das diferenças sociais, que deve nortear a vida de qualquer homem público. Sem isso nós não vamos avançar.
Mas eu agradeço a participação de V. Exª, que sempre é uma palestra. E também quero agradecer aqui, Senador Cristovam Buarque e Senador Donizeti Nogueira, a participação da nossa telespectadora Anna Flávia Schmitt Baranski, de Santa Catarina, que faz um questionamento também. Ela pergunta se, para esse sistema dar certo, é preciso usar mão de obra de fora dos Municípios para aplicá-lo.
Eu acho que essa também é uma questão interessante. Anote aí, querido expositor, para que você possa responder à pergunta da Anna Flávia, de Santa Catarina, a quem eu agradeço pela participação.
Concedo a palavra, então, a Alexandre Santos, Diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep.
O SR. ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS - Há importantes pontos para reflexão. Não sei se vou conseguir dar conta de enfrentar todos, mas há vários que vale a pena ressaltar.
Primeiro, uma questão que tanto o Senador Cristovam quanto o Senador Dário Berger apontaram: diferenças entre o atual sistema e o que está previsto na lei. O cerne da proposta vai além de avaliar a dimensão do rendimento. Hoje a gente tem Prova Brasil, Enem, Avaliação Nacional de Alfabetização, Ideb. Todos eles têm um foco muito grande centrado no resultado. A proposta do sistema, tal como está na lei e como nós estamos pensando em discutir, avança nessa perspectiva de avaliar outras dimensões, que são entendidas como dimensões essenciais à qualidade.
Então, é preciso também superar essa desarticulação que hoje a gente tem. Por exemplo, a gente tem hoje a Avaliação Nacional de Alfabetização, que tem um determinado desenho; a gente tem a Prova Brasil com outro desenho; a gente tem o Enem com outro desenho e outra proposta. Isso tudo precisa estar articulado e muito amarrado no que a gente entende ser o nosso projeto de educação para o Brasil.
Quer dizer, o sistema de avaliação tem que avaliar o que a gente entende como questão essencial da qualidade. Se ele não está olhando e se a gente não tem ainda uma convergência para o que a gente entende como essencial e elemento constituinte de qualidade, se a gente não tem essa imagem objetiva, fica muito mais difícil constituir um sistema que avalie isso. Então, articular isso e fazer isso estar amarrado a um projeto maior de educação, que, na nossa avaliação, está expresso no Plano Nacional de Educação, é um avanço e uma diferença importantes.
O que o Inep tem feito desde a aprovação do Plano Nacional de Educação? Constituímos um espaço permanente de reflexão no âmbito do Inep, em especial na Diretoria de Avaliação da Educação Básica. Hoje, nós temos uma equipe - parte dela está aqui, parte dela está assistindo pela TV Senado -, e essa equipe tem se debruçado sobre esse desafio, porque isso significa constituir juízo de valor sobre um conjunto de outras dimensões de que a equipe precisa se apropriar. Então, isso é um processo ao qual a gente tem destinado muito esforço. E estamos buscando abrir esse espaço para a discussão da importância desse sistema de avaliação para a própria discussão que temos de educação para o País.
O Ideb é bom indicador? Ele é um bom indicador, só que ele não é suficiente. Ele vai muito por um determinado uso da avaliação, que é o uso extremamente necessário do diálogo com a sociedade.
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Ele é de fácil entendimento. As pessoas entendem se o Ideb da escola está alto ou está baixo. A gente tem uma meta, que foi referenciada num padrão internacional do Pisa, e as pessoas entendem que, se a escola tiver uma meta 6 ou maior, ela tem um grau de qualidade substantivo. Este é o grande valor agregado que o Ideb traz, essa capacidade de ele dialogar com a sociedade uma questão que é de difícil entendimento, que é a dimensão de entender o que é qualidade. E lembro que a gente está passando ainda por um processo em que os filhos conseguem ter uma escolarização maior do que os pais tiveram. Eu fui o primeiro da minha família a ter graduação, eu fui o primeiro da minha família a ter mestrado. A gente ainda está num movimento em que os filhos têm uma escolaridade maior do que a dos pais.
É fácil para o pai saber se o filho não está indo para a escola. Ele chega antes, isso gera um alerta nele e ele vai buscar providência. Os prefeitos são demandados quando está faltando professor na escola, é de fácil entendimento. Agora, como um pai vai cobrar a qualidade do ensino ofertado? O Ideb consegue dialogar nessa perspectiva.
Só que a avaliação tem outros usos, principalmente o uso pedagógico de você fazer a reflexão sobre o ensino que está sendo ofertado pela própria equipe de professores - e as nossas avaliações possibilitam um recorte dessa natureza, quer dizer, é uma informação que a avaliação externa produz, que se compõe com o próprio processo de avaliação formativo que cada professor deve fazer em sua sala de aula e ele deve ter um uso na gestão. Quer dizer, os nossos gestores precisam usar esses instrumentos para poder orientar política pública.
O Senador perguntou: "os nossos indicadores têm qualificado o debate sobre o uso e a eficiência do recurso público?" Em alguma medida sim, mas poderia ser muito melhor. Há poucos dias o Ministro Mercadante lançou um grande programa para enfrentar o desafio da adequação da formação docente baseado em informações produzidas pelo Censo Escolar, que indicam que nós temos cerca de 50% dos nossos professores em sala de aula dando aula sem ter a formação adequada para tanto. Essa é uma informação que o nosso sistema, muito orientado a partir das informações coletadas no Censo Escolar, possibilita.
A questão do ranqueamento. Volto a falar que a questão do ranqueamento é uma questão que polemiza muito, mas, nessa perspectiva do diálogo com a sociedade, ela, de alguma forma, ajudou o debate. Mas, de novo: ela não é suficiente. E o que a gente verifica também é que ela tem limitado o debate.
Ranking do Enem, por exemplo, do Enem por escola: ele mobiliza muito, mas ele informa muito pouco sobre a qualidade. Ele apenas ordena, mas ele não entra no grande âmago que é importante travar quando a gente está discutindo o ensino médio, que tem a ver com a qualidade do ensino ofertado e a capacidade de a escola conseguir manter os jovens na escola, porque isso tem a ver com o debate de qualidade. Então, o ranking limita e, na medida que limita, ele empobrece. Mas ele já, de alguma forma, avança no debate. Por quê? Porque ele cumpre esse papel de levar o debate para a sociedade, só que ele tem as suas limitações.
Nesse sentido, o que Inep busca refletir? A gente produziu um indicador de nível socioeconômico para tentar fazer com essa análise comparativa seja feita entre os similares, porque não adianta a gente fazer a comparação de uma escola de um alto nível socioeconômico do centro de uma cidade média com uma escola de periferia ou com uma escola que nem deveria estar participando desse processo pela característica do seu projeto pedagógico. Por exemplo, em alguns momentos, houve um debate sobre por que as escolas indígenas estariam tendo as piores participações. Ora, porque uma escola indígena tem uma especificidade que, inclusive, nem faria sentido você divulgar, pela natureza do seu projeto político-pedagógico.
Por fim, eu acho que esse debate precisa continuar. Agradecemos a oportunidade que o Senador Dário Berger nos deu para fazer este debate aqui.
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Nós estamos à disposição para avançar nessa reflexão. A partir de agora, vamos avançar com essa reflexão nas universidades, com gestores municipais e gestores estaduais, e deixar duas grandes ideias-forças para esse momento de reflexão final.
O Sistema de Avaliação de Educação Básica deve iluminar e qualificar o debate sobre a educação que a gente tem e a educação de que o Brasil precisa. Se ele não se dispuser a fazer isso, ele não serve ao seu propósito. E, pela importância que o Sistema de Avaliação de Educação Básica tem, a sua governança deve ser compartilhada com a sociedade brasileira.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Vamos ouvir agora a professora Catarina.
A SRª CATARINA DE ALMEIDA SANTOS - O Senador Cristovam Buarque gosta de me provocar sempre, mas são boas provocações.
Como são muitas as questões, obviamente, a gente não vai dar conta de responder todas, até porque precisaríamos ficar aqui algumas manhãs debatendo essas questões.
Em relação às perguntas que o Senador Dário Berger fez, acho que o Alexandre já respondeu. E aí concordo que há diferença entre os dois. Nós temos um sistema, hoje, que está muito centrado nos resultados. E o Sistema de Avaliação que o PNE prevê vai estar centrado no processo para se alcançar os resultados que queremos.
O Senador Cristovam Buarque falou da questão de quando a gente diz que tem que levar em consideração as dimensões socioeconômicas, por exemplo. Quando a gente está discutindo isso, é o inverso do que o senhor entende que vai acontecer. Avaliar de forma igual os diferentes é não fazer com que a igualdade que queremos possa ser alcançada, porque, quando a gente diz que tem que levar em consideração a dimensão socioeconômica, não é para dizer que se tenha como normal uma qualidade inferior para aquela escola. A gente debate o CAQ exatamente para dizer que, em qualquer lugar deste País, toda e qualquer escola tem que ter as mesmas condições, porque qualquer aluno deste País tem direito à mesma educação, e essa educação tem que ter qualidade. Então, a gente diz que tem que levar em consideração a dimensão socioeconômica para dizer que, se uma escola está com uma questão socioeconômica diferenciada, é preciso resolver essa questão socioeconômica para que a educação dessa escola possa vir a ter qualidade, porque ela está interferindo no alcance da qualidade. Então, a gente precisa resolver essa questão também.
Então, quando a gente está dizendo que a avaliação tem que pegar o processo e avaliar todas as dimensões e não só o resultado... O Ideb é um bom indicador? É, mas ele é insuficiente porque não mede todas as dimensões. Ele vai medir fluxo. Mas quais são as condições que a escola tem, que aquela comunidade tem para fazer com que essas crianças realmente estejam permanecendo ou não na escola? É isso que precisamos resolver. Temos que resolver aquilo que impede que essa criança esteja no seu fluxo e que chegue ao final com qualidade.
Ele está avaliando o resultado da Prova Brasil, por exemplo. Se a gente faz uma avaliação histórica da pontuação da Prova Brasil, que pega dois componentes curriculares, eu não posso dizer que posso medir qualidade a partir de dois componentes. Quando a gente faz uma avaliação histórica dos resultados da Prova Brasil, apesar de as escolas terem alcançado um Ideb maior, não tem muita diferença naquilo que os alunos vêm aprendendo. Então, muitas vezes, o Ideb aumenta muito mais pelo fluxo, que não está significando aprendizagem, e aí há as diversas estratégias no sistema de ensino para essa questão do fluxo do que realmente a questão da qualidade.
Então, quando o Ideb pega fluxo, mas não pega o processo para fazer com que tenhamos políticas que resolvam a questão do fluxo, a questão da não aprendizagem, então o Ideb é um índice que fica frágil nesse sentido.
Ele é um avanço? Podemos avançar a partir do Ideb? Podemos. Podemos qualificar mais o Ideb? Podemos, a partir do momento que qualificamos aquilo que resulta, porque o Ideb é um índice resultante de outros processos.
Então, o Ideb é bom, mas precisa melhorar muito, porque a avaliação não pode estar centrada em resultados. O resultado tem que ser consequência, e só vai ter bons resultados como consequência se nós começarmos a fazer a avaliação das diferentes dimensões que há na escola.
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Digo que sou contrário ao ranking. Olha, nós pegamos sempre alguns países como referência de boa educação. E se eu pegar, por exemplo, o nosso vizinho Uruguai? Eles fazem avaliação, mas não ranqueiam escola. Inclusive, a avaliação serve como ação do sistema para melhorar a escola e não para colocar a placa para dizer se aquela escola é boa ou é ruim. Se eu disser que a escola A é boa, porque tem um Ideb alto, e a escola B é ruim, porque o Ideb está baixo, eu não resolvo a questão, porque o que nós estamos fazendo no nosso sistema de avaliação atual é jogar a responsabilidade para o diretor. Então, é ele que vai ter que se virar para mudar esse Ideb. Ninguém está discutindo quais são as condições que essa escola tem para avançar nesse Ideb.
A avaliação precisa existir, é fundamental, é constitutiva do nosso processo, mas não a avaliação da forma que a gente está fazendo. Eu não preciso ranquear as escolas. Eu preciso averiguar como estão essas escolas. Preciso. Mas, a partir disso, preciso pegar esses resultados para melhorar a escola, não para gerar esse tipo de competição que a gente está fazendo entre elas. Se eu gero a competição, mas não garanto as condições, como vou fazer isso? E aí não adianta dizer que o Senador é o culpado. Precisa dizer que o sistema precisa mudar, que a gente precisa de políticas efetivas que possam melhorar, inclusive políticas sociais, que vão interferir no desenvolvimento educacional.
Então, quando a gente está se colocando contrário ao ranking, o nosso ranking está servindo para isso, para gerar competição e mais nada. Aliás, a nossa avaliação, a nossa lógica de avaliação é que ela não serve para fazer um diagnóstico e implementar ações para mudar o diagnóstico que nós temos, para mudar a foto. Não, nós usamos só para dizer que a escola A é boa, que a média foi essa, que teve pontuação suficiente no Enem suficiente, que aquela escola teve menor pontuação no Enem... Mas como a gente está usando esse resultado para fazer com que essa pontuação mude no ano seguinte? Nós transformamos os resultados... Alcançar os resultados da avaliação na grande função do sistema, e não pode ser isso. A grande função do sistema é garantir o direito à educação de qualidade. Resultado em avaliação é resultante, é resultado, é consequência, não pode ser a causa.
Então, a questão de levar em consideração todas essas dimensões é exatamente para mudar a lógica, alterar a lógica, entender... Quais as dimensões que são importantes no processo de ensino e aprendizagem? Como isso está no sistema de ensino? Como a gente vai alterar essa condição para que essa aprendizagem efetivamente aconteça, para que essa formação aconteça?
Isso vai nos colocar outra na pergunta que o senhor fez: faz sentido ter um sistema nacional de avaliação sem um sistema nacional de educação? A discussão do Sistema Nacional de Educação pode passar por dois caminhos: por aquele que o senhor indica, que é a federalização da educação, tornando um sistema único de educação, no caso seu federalismo, uma rede única, ou pela discussão que está prevista no PNE, que está sendo debatida, inclusive.
Você pode ter um Sistema Nacional de Educação sem que o sistema seja único, respeitando, inclusive, a autonomia dos diferentes sistemas, mas construindo, efetivamente, um sistema que pense essa educação com a mesma qualidade em todos os espaços. Então, ao mesmo tempo em que a gente está discutindo a instituição do Sistema Nacional de Avaliação, também está-se discutindo que Sistema Nacional de Educação é esse, quais são os parâmetros que é preciso ter, quais são os seus objetivos, como isso tem sido desenvolvido.
Então, essa discussão, pelo menos para nós - inclusive, neste momento, o Daniel está num debate que está discutindo a questão do Sistema Nacional de Educação -, está acontecendo de forma articulada.
O Senador Donizeti colocou, por exemplo, a condição de as escolas do Estado dele terem ar-condicionado. É uma questão importante? Sim. Sou professora da Universidade de Brasília. Aula à tarde, por exemplo, na Faculdade de Educação é uma coisa muito séria, porque as salas não têm ar-condicionado, o calor está grande, e os alunos quando não dormem, ficam te olhando sem entender nada, porque é impossível, não conseguem. Isso é importante. Mas temos essas condições não só nas escolas do interior, nós as temos aqui, na Capital Federal, também.
Nós não vamos entrar no debate da federalização, porque, inclusive, já conversamos sobre isso, mas o que quero mostrar é que a Universidade de Brasília faz parte de uma rede federal, e podemos ter outras universidades que não estão passando pelas mesmas condições que a UnB passa neste momento. Nós temos diferenças grandes, inclusive dentro da própria rede federal.
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O que vai dizer que, se eu tornar as mais ou menos 180 mil escolas hoje de uma única rede... Não há nenhuma garantia de que isso mude. Basta olhar a pequena rede que nós temos hoje, que são das escolas técnicas e das universidades.
Então não é possível pensar essa avaliação uniforme, sem levar em consideração as diferentes condições, se quisermos transformar ou mudar essa realidade. Se eu avaliar todas as escolas de forma igual, eu estarei sendo extremamente injusta, porque eu estou querendo que o aluno que tem diferentes condições tenha o mesmo resultado; e não pego isso para mudar a realidade dessas escolas diferenciadas.
Quando eu mostro como está cada dimensão, em cada escola deste País - não avaliando só o resultado -, vamos estar dizendo: "Olha, é preciso mudar isso e mais isso, é preciso transformar isso na escola." E nós não temos infelizmente, como o Senador Donizeti aponta, grande parte das instituições de ensino em boas condições. Infelizmente não temos; ao contrário, a maioria das nossas instituições de ensino carece, e muito, de melhorias. E eu estou falando infraestrutura, nem estou chegando ainda às questões de equipamentos pedagógicos, de projetos, de professores com formação inicial e continuada.
Nós temos uma situação, por exemplo, de uma professora que faz parte de um grupo de avaliação nosso lá, cuja irmã dá aula em uma escola do Maranhão, e elas têm que se virar, por exemplo, para conseguir materiais básicos para que os alunos estudem. E essa não é infelizmente uma exceção. Nós temos escolas nas mais diferentes condições neste País. Há escola em cima da árvore, embaixo da árvore... Temos escolas nas mais diferentes condições. E isso que precisamos alterar. Não há impedimento legal que seja alterado sem a federalização. Isso também nós discutimos.
Eu não sei se há outras questões que eu deixei de responder.
Lembro, por exemplo, da Finlândia, que é um país, obviamente, por seu tamanho e por suas peculiaridades, pegamos muito como exemplo; é um país que tem bons resultados nas avaliações de larga escala, mas eles não têm processo de avaliação interna. E o que a Finlândia diz? Eles valorizam muito a questão do professor, trabalham muito com isso; os professores têm sempre formação inicial e continuada, e eles trabalham com a lógica da... Como é a palavra que eu estou procurando agora? Mas, assim, da credibilidade do professor; eles acreditam muito no trabalho do professor. E, a partir disso, vêm obtendo os bons resultados.
Então eu acho que nós temos muitas questões a serem debatidas.
Você perguntou sobre a questão de avaliar os gestores. Sim, eu acho que é importante avaliar os gestores, mas eu não sei se se tem que pensar na sanção, e, sim, na identificação de por que esse gestor não conseguiu fazer. Primeiro, não dizer que é o gestor que é o grande responsável, mas ele faz parte do processo; mas não aplicar sanções no gestor, a não ser que ele tivesse cometido alguma coisa, algo ilegal, de desvio, esse tipo de coisa, que tem as sanções previstas em lei. Mas esse gestor que não conseguiu fazer essa escola com essa qualidade precisaria rever, por exemplo: é uma questão de formação? Ele precisa de melhor formação ou de desenvolver melhores competências? Então temos que trabalhar com a formação desse gestor, e não com a questão da sanção, a não ser que se caracterizasse como uma questão de ilegalidade. Eu penso que não devemos trabalhar com a questão da sanção no gestor, mas identificar quais são as ações que ele desenvolveu que não são condizentes - se é por conta de formação -, quais são os problemas colocados.
Enfim, são muitas questões. Eu tentei responder aquelas que consegui lembrar, mas, enfim, agradeço.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu já estou satisfeito, até porque estou com compromisso, já atrasado, e não é agora que a gente vai discutir outra vez a federalização.
De qualquer maneira , só para dar um detalhe: para mim, a federalização não é adotar as escolas que estão aí; é substituí-las. Elas irem sendo fechadas, e a gente ir abrindo outras. E o outro sistema, um novo sistema, que iria substituir o atual. E eu proponho que seja cidade por cidade, em vez de ser escola individual por escola.
E, finalmente, que o ranking não pode ser feito para a responsabilizar nem carimbar uma criança daquela escola, nem o pai. É preciso para que ela queira ser a melhor escola do Brasil, como todas as outras. Então tem que fazer também o ranking do responsável. E, aí, o professor e o pai são os menos responsáveis. Começa lá em cima: o presidente ou o ministro, depois nós, Senadores e Deputados, depois prefeito. E, finalmente, as classes médias e altas fazem um ranking.
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E, finalmente, as classes médias e altas fazem um ranking. Elas dizem qual é a melhor escola, por R$2 mil por mês. Aí escolhe a melhor. Então, eles fazem um ranking. Nós precisamos fazer também das nossas, dizendo que nós somos os responsáveis, os culpados, e não a criança que está ali.
Mas eu agradeço muito, Senador, e parabenizo-o pela escolha dos dois, embora eu gostaria de ver mais gente aqui do MEC. Não só do Inep - que é do MEC -, mas do MEC, que é o responsável politicamente, debatendo conosco.
O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) - Bem, estamos chegando ao fim da nossa audiência pública.
Eu quero, rapidamente, só fazer algumas observações, as quais julgo extremamente relevantes. Uma das principais é a de que as nossas escolas não podem se transformar num depósito de jovens e de adolescentes. As escolas têm que ser e têm que ser transformadas num ambiente agradável, um ambiente interessante, atrativo, que estimule o aluno a ir para a escola, efetivamente, de forma que os nossos alunos possam fazer do seu dever de aprender o seu próprio prazer. A educação tem que se transformar não numa obrigação, mas num prazer dos nossos jovens e dos nossos alunos.
Além disso, eu sempre tenho defendido, como ex-prefeito que fui - e poderia discorrer aqui sobre a minha atuação e de que maneira estabeleci a educação como prioridade nos quatro mandatos sucessivos que tive -, que a educação deve seguir uma receita simples: valorizar o professor, para garantir a qualidade do ensino dos nossos alunos e das nossas crianças, coisas que, invariavelmente, me parecem ser um dos pontos principais que nós temos que enfrentar, porque, com esse salário que nós pagamos aos nossos professores, aos nossos jovens, eles estão procurando outras carreiras que não o magistério. Tanto o é que nós temos deficiência, hoje, de professores de Física, de Matemática, que não se dispõem a entrar no magistério, exatamente porque a remuneração não é atraente, para que eles efetivem... Isso é muito ruim para um país. Não é possível formarmos jovens preparados e educados, se nós não tivermos os professores efetivamente qualificados, que é o fruto de praticamente todo debate feito aqui. De forma que a independência mais sublime que é conquistada é aquela conquistada através da educação - não é verdade, Senador Cristovam Buarque? -, porque através da educação e do conhecimento as pessoas conseguem buscar, no mercado de trabalho e na sua vida, melhores oportunidades para buscar a felicidade dos seus, dos seus semelhantes e, evidentemente, da sua família e dos seus filhos. Eu queria deixar isso registrado.
Agora chegou a hora dos agradecimentos. Em primeiro lugar, quero agradecer de maneira bastante especial a participação sempre brilhante do Senador Cristovam Buarque, que engrandeceu e trouxe um relevo muito especial à nossa audiência pública. Portanto, de coração, quero lhe agradecer a participação aqui na nossa audiência pública. Quero agradecer também a participação do Ricardo Augusto de Souza, do Amazonas, que participa através do e-Cidadania. Parabenizo a audiência pública pelas relevantes contribuições para a educação básica brasileira. Por fim, quero agradecer aos nossos palestrantes, os nossos expositores, a começar pela Profª Catarina de Almeida Santos, que é membro do Comitê da Campanha Nacional pelo Direito à Educação do Distrito Federal e professora da Universidade de Brasília. Quero agradecer também a presença e a exposição do Prof. Alexandres Santos, que é Diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep. E quero agradecer também a presença de todos os outros participantes, todos aqueles que nos prestigiaram nesta audiência pública.
Convoco, para a próxima terça-feira, no dia 19 de abril, em caráter excepcional, às 11h30min, reunião extraordinária desta Comissão, destinada à deliberação de proposições.
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Portanto, mais uma vez meus agradecimentos a todos.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião e a presente audiência pública.
(Iniciada às 11 horas e 11 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 9 minutos.)