Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
|---|---|
| R | A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Bom dia! Vamos começar a organizar o nosso trabalho, meus amigos e amigas. Quero agradecer a acolhida de todos vocês ao trabalho da nossa Comissão Parlamentar de Inquérito e iniciar esta audiência. Hoje é um dia especial no Senado. Nós temos o funcionamento da Comissão Especial do Impeachment, que, a partir de 11h, iniciará o seu trabalho. O nosso Relator é membro desta Comissão, membro importante desta Comissão, e nós precisamos, portanto, adiantar, para aproveitar ao máximo a presença do nosso Relator aqui, nesta sessão de hoje. Nós tínhamos um plano de trabalho que terminou, no último período, sendo reduzido um pouco, em função da crise política que nós vivemos no nosso País, que infelizmente levou ao afastamento da Presidente da República. E isso tudo envolveu tanto o Senado Federal, como Parlamento, e nos envolveu também, especialmente como membros deste Parlamento que lutavam contra esta manobra política que foi vitoriosa no Brasil. Por tudo isso, sentimos a necessidade de concluir os nossos trabalhos de forma a poder apresentar, o mais rápido possível, para a sociedade brasileira aquilo que foi o resultado de 29 audiências públicas, com a participação de mais de 200 especialistas em segurança pública, em direitos humanos, familiares. |
| R | E audiências públicas que não aconteceram só em Brasília, mas nós nos deslocamos para diversos Estados do Brasil, fomos ao Norte, fomos ao Nordeste, fomos ao Sudeste, estivemos presentes em diversas capitais e cidades do nosso País. E gostaria de registrar a presença aqui, entre nós, neste momento, da guerreira Senadora Fátima Bezerra. Portanto, iniciamos os nossos trabalhos imediatamente. Havendo número regimental, declaro aberta a 31ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil. Eu quero informar, eu vou chamar as pessoas para a mesa, mas quero informar que esta audiência está sendo transmitida ao vivo pela internet e será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em assistir e participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211. Conforme a convocação, a presente reunião destina-se à apresentação e deliberação do relatório final apresentado pelo Relator da Comissão, o Senador Lindbergh Farias, bem como a realização de audiências públicas, nos termos do Requerimento nº 55, de 2015, de autoria do Senador Lindbergh Farias, aprovado por este colegiado. Como disse antes, eu agradeço muito a presença dos convidados que vieram participar da audiência. Vamos buscar aproveitar ao máximo a presença de vocês. Esta audiência não pretende apenas ser uma audiência de leitura do relatório e sua aprovação, mas pretende ouvir, após a leitura do Relator, as observações que vocês, em nome pessoal, em nome das entidades que representam, possam fazer deste relatório. O relatório foi disponibilizado, desde o dia de ontem, na rede social, na internet, para que todos tomassem conhecimento. E nós deixamos para cada um dos que estão aqui na bancada uma súmula para que vocês pudessem ler ainda aqui, durante a reunião. Quero registrar as presenças aqui, vou registrando ao longo da nossa audiência, dos nossos convidados: o Dr. Luciano Mariz Maia, Subprocurador-Geral da República; a Srª Renata Neder, Assessora de Direitos Humanos - Anistia Internacional; o Sr. Edson Lopes Cardoso, professor universitário; o Sr. Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do Conselho Federal da OAB; a Srª Lucélia Aguiar, da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Distrito Federal e Entorno; o Sr. David Raimundo dos Santos, mais conhecido por todos nós como Frei David, que deu uma importante contribuição a esse nosso trabalho. |
| R | E nós queríamos fazer hoje, aqui, um modelo de participação, a exemplo do que fizemos na audiência do Rio de Janeiro. A gente vai chamando os representantes que queiram falar para se sentarem à mesa e, após a palavra, eles saem, e nós vamos fazer um rodízio aqui na mesa. Mas, para representar este momento, eu já aproveitaria e chamaria o Frei David, que foi um participante muito assíduo dessas nossas reuniões, para que se sentasse à nossa Mesa e representasse, em certa medida, uma parte deste Plenário que está aqui, hoje, conosco. Chamaria também a Srª Débora Maria da Silva, representante da associação de mães, as Mães de Maio. E daremos a voz às outras mães, em outro momento, mas a chamamos para representar, já que não podemos ter todos na mesa. E chamamos também o Padre Paulo Renato Campos, que representa aqui hoje a CNBB, nesta nossa audiência de relatório, para aqui ficar, momentaneamente; depois, trocará de lugar com outros representantes que estão aqui, que vão participar também fazendo suas considerações. Eu concederei a palavra, após a apresentação do relatório, para que possam trazer as suas considerações por cerca de cinco minutos, para que tenhamos condição de realmente realizar o nosso trabalho. (Interrupção do som.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... transitórios da Mesa, chamar o Dr. Fábio George, do Conselho Nacional do Ministério Público, também um parceiro desta CPI, um aliado, tivemos importante reunião naquele Conselho. Dando continuidade, gostaria de registrar também, da minha terra, da Bahia, essa extraordinária figura, a socióloga Vanda Sá Barreto, que nos ajudou muito no processo de CPI e que deu, no nosso Estado, grande contribuição à luta do movimento negro no nosso Estado; Sr. Thiago Wender, representante do Levante da Juventude; Srª Maria das Neves, representante do Conselho Nacional de Juventude; Sr. Adailton Borges dos Santos, representante do Conselho Nacional de Segurança Pública; Sr. Douglas Elias Belchior, representante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; Srª Dulce Maria, representante da Comissão Permanente de Combate à Tortura e à Violência Institucional; Srª Débora Maria da Silva, Mães de Maio, aqui na mesa conosco; Srª Jucelia Maria dos Santos, mãe também de jovem assassinado indicada pelo movimento Mães de Maio; e Srª Vera Lucia Andrade de Freitas, também que teve o seu filho assassinado, indicada também pelo movimento Mães de Maio. E a todos os outros amigos que aqui estão e que não tiveram o seu nome registrado, peço que se dirijam a um dos nossos auxiliares aqui, Márcio ou a outros que estão nessa Secretaria aqui ao lado, na Secretaria da Mesa, para indicar o seu nome ou chamar Márcio, para que ele vá aí, pegar o seu nome, para que nós passamos, ao longo da nossa audiência, fazer esse registro. |
| R | Agora, para iniciar os nossos trabalhos, eu vou conceder a palavra ao nosso Relator, pelo tempo que se fizer necessário, não sem antes registrar a presença desta grande guerreira do povo brasileiro que é a Senadora Vanessa Grazziotin, que nos premia com a sua assinatura e quórum. Muito obrigada. No período da votação, como a Senadora Vanessa participa da comissão do inquérito da Presidente Dilma, nós vamos ter que conceder a sua ausência aqui como uma coisa possível, mas vamos tentar, Vanessa, que você possa voltar para a votação depois, assim como a Senadora Fátima. Vamos passar a palavra ao grande Senador que fez um extraordinário trabalho de organização desse relatório, em pleno processo iniciado do impedimento da Presidente, que é, portanto, um período de muita dificuldade para que fosse possível construir esse relatório. É com muita alegria que passo a palavra ao Senador pelo Rio de Janeiro, esse jovem e brilhante Senador Lindbergh Farias. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senadora Lídice. Agradeço a todos que estão aqui presentes, em especial as entidades da sociedade civil e as representações das mães das vítimas. Eu não vou ler todo o relatório, que tem 150 páginas e é um documento importante - com anexos, ele chega a mais de 1.000 páginas. Eu vou fazer uma leitura resumida. Primeiro, eu quero pedir desculpas pela confusão do dia, Fábio George e Frei David. Hoje, também há a Comissão do Impeachment, que foi marcada, na segunda-feira, para hoje, às 11h. Então, vai haver muitos Senadores vindo, saindo e voltando aqui. Isso vai acontecer comigo em determinado momento, na abertura da comissão, pois vou ter que ir lá e vou ficar voltando aqui. Hoje, estamos com aquele dia cheio de atividades aqui, no Senado, em especial por essa crise política que todos os senhores estão acompanhando. Antes de começar a leitura, eu parabenizo a Senadora Lídice. Esta CPI não sairia se não fosse a Senadora Lídice. A iniciativa foi dela, foi ela que coletou assinaturas, foi ela que sensibilizou primeiro para essa causa, que nos levou a viajar pelo País e tentar tirar esse assunto da invisibilidade. Se este País avançou tanto em tantas áreas no combate à miséria e à desigualdade social e na inclusão social, nesse tema aqui, infelizmente, isso é motivo de vergonha nacional. Há mais de 60 mil assassinatos por ano, mais de 50% de jovens, sendo que 77% são jovens negros moradores da periferia. Vivemos situações, Frei David, pois fomos aos lugares, às comunidades... E a sensação que tivemos foi a seguinte... Há uma mãe de um jovem de 17, 18 anos, negro, morador do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, que fica com o coração na mão, quando o filho sai sexta ou sábado à noite. É uma juventude que está sendo vítima do tráfico, da milícia e da polícia. Aqui, são muitos debates que estão em jogo. |
| R | Nós falamos sobre desmilitarização da polícia; nós falamos sobre o fracasso dessa política de guerra às drogas, um fracasso que está dizimando a nossa juventude. Então, queremos que este documento seja mais uma peça de uma denúncia do Estado brasileiro - não é nem dos governos. Estamos falando do Governo Federal, do Estado brasileiro. Nós tínhamos que ter vergonha disso que está acontecendo. Então, esse é o nosso desafio aqui. Essa é mais uma pequena contribuição nesse esforço que temos que fazer esse assunto num assunto verdadeiramente nacional, que domine a pauta política, porque infelizmente não domina a pauta política; é como se fosse normal morrerem jovens no nosso País dia a dia; é como se não fosse importante. Estou vendo ali a D. Terezinha e queria saudá-la. Não tinha visto que ela estava aqui. Muito obrigado pela presença. Vou começar a leitura desse resumo do relatório aqui. Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. Deputados, senhores e senhoras que assistem pela TV Senado e que nos ouvem pela Rádio Senado, mães e público presente, ao final desta audiência pública, ao menos oito jovens negros terão sido mortos no Brasil. Essa triste realidade nos chama a atenção no relatório final da CPI do Assassinato de Jovens, que ora apresento. Todo ano, cerca de 31 mil jovens de 15 a 29 anos são assassinados no nosso País. Destes, aproximadamente 23 mil são jovens negros, em sua grande maioria moradores de nossas periferias. São 63 por dia, um a cada 23 minutos. No meu papel como Relator da CPI do Assassinato de Jovens, tive o privilégio de me reunir, ao lado da Senadora Lídice da Mata, Presidente desta Comissão, nos últimos meses, com diversos atores de organizações da sociedade civil, grupos de defesa da criança e do adolescente, gestores públicos, representantes de organismos internacionais, especialistas, juristas, acadêmicos, mães de jovens assassinados para discutir essa cruel realidade do nosso País. Aproveito aqui para, desde já, demonstrar o meu mais sincero reconhecimento às mães ouvidas por esta Comissão. Ao todo, foram realizadas 29 reuniões ao longo de sete meses, das quais 21 foram audiências públicas externas e internas. Nesse período, em diversos momentos, essas mulheres foram presença fundamental nas audiências, com suas palavras duras, lúcidas e impactantes. A partir de denúncias que essas mães trouxeram à CPI, constatou-se a necessidade de se assumir que o Estado brasileiro vem sistematicamente dizimando a sua população jovem, em sua maioria negra e de origem pobre, como demonstraremos ao longo deste relatório. O Poder Público não tem mais o direito de fugir ao tema. Esta Comissão apurou que o verdadeiro massacre que vitima meninos e meninas se concentra na juventude negra, vítima principalmente da ação e inação do Estado brasileiro. Procurou-se escutar essas mães que, no luto, trouxeram elementos de convicção para as audiências, permitindo desvelar a prática desse movimento sistemático e cruel em curso, de genocídio - é esse o termo que nós estamos usando - contra a população negra, pobre e jovem. A eloquência dessas mulheres surpreendeu a todos. Mesmo sentindo dor pela perda de seus filhos, elas não se calaram; foram em busca de uma justiça que teima em fugir de suas mãos. |
| R | A ausência de respostas, o descaso das instituições, a manipulação de informações e fatos, tudo isso as desanima diariamente. Mas elas lutam. Não lhes resta mais nada. Essas mulheres fundam movimentos, criam associações que congregam mães do País inteiro, buscam acesso a organismos internacionais. Essas mulheres se transformam em cidadãs indignadas, passam a ter posicionamento, fundamentado sobre temas importantes, como tráfico de drogas, política, racismo, sociedade e justiça. O fio condutor do assassínio da população negra e jovem foi elas que trouxeram. À maneira delas, pelas histórias pessoais, elas perceberam na pele e na carne que a democracia racial no Brasil é um mito. Suas falas são contextualizadas, trazem muita informação, carregam a dor e o cansaço de quem se sente lutando sozinha contra o aparato estatal, que reflete, na verdade, o espírito da desigualdade histórica no tratamento entre brancos e negros no Brasil. Essas mulheres vieram à CPI, cada uma delas empoderada de sua história pessoal de perda, munidas de denúncias. Esperamos, ao longo do relatório que se segue, honrar suas lutas. Em muitas ocasiões, ao longo dos sete meses de oitivas, não conseguimos apurar circunstâncias mais detalhadas a respeito das vítimas, seus filhos. Ao morrerem, esses jovens se tornam ainda mais invisíveis do que quando estavam vivos. Em outra dimensão, a CPI esbarrou na morosidade estatal, na burocracia para a busca de informações, na dificuldade de encontrar fontes confiáveis de dados para apurar circunstâncias trazidas ao nosso conhecimento. Como disse a Srª Graça Lucas, uma dessas mães, na 16ª Audiência Pública da CPI, realizada em Natal, “não é fácil transformar o luto em luta”. Mas essas mulheres fazem isso todos os dias. O Brasil é o país com o maior número de homicídios no mundo: cerca de 56 mil pessoas foram mortas em 2012. Os estereótipos negativos associados à juventude, notadamente aos jovens negros que vivem em favelas e outras áreas marginalizadas, contribuem para a banalização e a naturalização da violência. Em 2012, mais de 50% de todas as vítimas de homicídios tinham entre 15 e 29 anos e, destas, 77% eram negras. As políticas de segurança pública no Brasil são marcadas por operações policiais repressivas nas favelas e áreas marginalizadas. A guerra às drogas para combater o comércio de drogas ilícitas, especialmente nas favelas, e a ausência de regras claras para o uso de veículos blindados e de armas pesadas em áreas urbanas densamente povoadas elevam o risco de morte da população local. A Polícia tem justificado, recorrentemente, o uso de força letal contra as pessoas alegando suspeitas de envolvimento das vítimas com grupos criminosos. Essas operações militarizadas de larga escala têm resultado em um alto índice de mortes nas mãos da Polícia. Aqui vale destacar que essa política de guerra às drogas acontece de forma diferente no Território. Eu dou o exemplo do meu Estado, o Rio de Janeiro, de que sou Senador. Há venda de drogas em Copacabana; há venda de drogas em Ipanema; há venda de drogas no Leblon. Só que ninguém entra com um caveirão em Ipanema ou no Leblon. Agora, entram nas comunidades mais pobres - mandado de busca e apreensão coletivo. |
| R | Os moradores das favelas do Rio chamam de pé na porta. Então, tem-se uma comunidade inteira em que se tem mandado de busca e apreensão coletivo. Fica muito claro que a política de guerra às drogas acontece nas áreas mais pobres, há uma criminalização da pobreza, o que não acontece nas áreas mais ricas, volto a dizer, onde acontece a mesma venda de tráfico, o mesmo tráfico de drogas. Na capital do meu Estado, o Rio de Janeiro, das 1.275 vítimas de homicídio decorrentes de intervenção policial entre 2010 e 2013, 99,5% eram homens; 79%, negros; 75% tinham entre 15 e 29 anos de idade. Veja bem, Frei David, para quem diz, contesta o racismo que existe na sociedade brasileira: 79% dos homicídios decorrentes de intervenção policial são de negros. Frequentemente, o discurso oficial culpa as vítimas, já estigmatizadas por uma cultura de racismo e criminalização da pobreza. Parte significativa da sociedade brasileira infelizmente legitima essas mortes. Expressões como "bandido bom é bandido morto" são corriqueiras no Brasil. Segundo pesquisa da extinta Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 43% dos brasileiros concordam com essa afirmação, sendo que 32% concordam totalmente com essa frase. A lógica da execução não está somente entranhada nas instituições policiais. O policial acha que está fazendo um bem para a sociedade, e a sociedade apoia isso. O sistema de Justiça criminal perpetua essa situação, uma vez que raramente investiga abusos policiais. Ao descrever as mortes pela polícia em serviço, como resultado de um confronto, as autoridades culpam a vítima por sua própria morte. Quando a polícia registra que a vítima teria ligações com grupos criminosos, a investigação procura justificar o testemunho do policial de que a morte ocorreu em legítima defesa. Em um período de dez anos, entre 2005 e 2014, foram registrados cerca de 8,5 mil casos de homicídios decorrentes de intervenção policial só no Estado do Rio de Janeiro, 5,1 mil apenas na capital. Apesar da tendência de queda observada a partir de 2011, um aumento de quase 39% foi verificado entre 2013 e 2014. O número de pessoas mortas pela polícia representa parcela significativa do total de homicídios. Em 2014, por exemplo, os homicídios praticados por policiais em serviço corresponderam a 15% do número total de homicídios somente da cidade do Rio de Janeiro. Essa situação é ainda mais grave em outros Estados do Brasil. Nessa caminhada, fica evidente que as instituições do Estado têm se mostrado incapazes de lidar com essa temática. Apenas 8% dos homicídios dolosos são investigados com sucesso, em média, enquanto o encarceramento cresce, tornando a nossa população penitenciária a terceira maior do mundo. Além disso, temos a polícia que mais mata e a que mais morre: aproximadamente seis pessoas são mortas diariamente pelas polícias, e cerca de 490 policiais foram assassinados no País apenas em 2013. |
| R | A Anistia Internacional, em relatório publicado recentemente, mostra-nos um número alarmante sobre a ausência de investigação adequada e de punição frente aos homicídios causados pela polícia. Ao checar o andamento de todas as 220 investigações de homicídios decorrentes de intervenção policial no ano de 2011, na cidade do Rio de Janeiro, descobriram que foi apresentada denúncia em apenas um caso. Até abril de 2015, mais de três anos depois, 183 investigações seguiam em aberto. Aqui destaco que a grande maioria dos Estados investigados por esta Comissão nem sequer possui dados claros sobre essa realidade. Além de representar quase 80% dos jovens assassinados no Brasil em 2012, o homicídio de jovens negros aumentou 32% nos últimos dez anos, enquanto o de jovens brancos caiu na mesma proporção. Analisando os dados da violência sob a perspectiva da igualdade racial, a violência tem uma vítima preferencial: o jovem negro que reside em favelas e periferias. O indicador risco relativo, expresso pela razão entre a taxa de mortalidade violenta de jovens negros e a taxa de mortalidade violenta de jovens brancos, constata que em 2012, no Brasil, morreram 2,6 vezes mais jovens negros do que jovens brancos. De maneira paradoxal, o período em que houve crescimento de 148% do número de homicídios no País, de 1980 a 2012, corresponde justamente ao período de uma revolução democrática brasileira. Isso significa que a dimensão da segurança pública foi deixada de lado no processo de transição para a democracia. O modelo vigente ainda é o do período da ditadura. Essa questão está presente, inclusive, no relatório da Comissão Nacional da Verdade, que solicita a desmilitarização das polícias, tema também explorado neste relatório. A segurança pública brasileira segue a lógica da guerra. Autorizada pela sociedade, a polícia executa não só jovens envolvidos com o crime, o que já não justificaria a execução, mas também jovens que não têm nada a ver com ele. Srª Presidente, o principal destaque da CPI foi reconhecer aquilo que os movimentos negros, sobretudo os movimentos de jovens, já vêm dizendo há muito tempo: estamos presenciando um verdadeiro genocídio dessa nossa juventude negra. A partir de diversos estudos e denúncias de dezenas de mães e especialistas, constatamos que o Estado brasileiro, em sua amplitude, vem sistematicamente dizimando a população negra, em maioria jovem e de origem pobre. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Isso equivale à queda de um jato cheio de jovens negros a cada dois dias. Um escândalo! Por esse motivo, concluímos que "genocídio da população negra" é a expressão que melhor se enquadra à realidade atual do Brasil. Aliás, esta discussão me lembra da história de um jovem que foi assassinado em Natal. Em uma das diligências, encontramos a sua irmã, que nos contou do corpo do irmão, que foi encontrado em um lixão da cidade, em 2013. Um jovem de 23 anos, torturado, morto com tiros. Alguns meses depois da diligência, voltamos a analisar as gravações, e notamos que não era possível identificar com clareza o nome completo do jovem. Iniciamos uma busca na internet e nos chamou a atenção uma notícia: "Guarda municipal prende homem que furtou câmera da Prefeitura." |
| R | A notícia dizia que Luiz, o mesmo jovem que investigávamos, fora detido três anos antes de sua morte, tentando furtar câmeras da Prefeitura de Natal para pagar crack. Ora, recordo-me que sua irmã havia dito que Luiz saiu da escola, ainda na quarta série, ou seja, entre a quarta série e o momento em que o policial abordou Luiz, tentando furtar câmeras, o Estado não teve absolutamente nenhum contato com ele. Aliás, assim que teve, ao invés de o ajudar, diante da suposta dependência química, o criminalizou. Três anos depois, Luiz foi assassinado. Tudo isso poderia ter sido evitado se o Estado cumprisse as suas responsabilidades mais básicas. No Brasil, cerca de 77% dos 30 mil jovens mortos todos os anos são negros e pobres como Luiz e muitos desses jovens, além de serem vítimas da omissão do Estado, também são vítimas de sua ação por meio de nossas polícias. O que temos acompanhado nos últimos meses no Congresso Nacional, sobretudo na Câmara dos Deputados, tem sido pautas conservadoras e de retirada de direitos. Veja bem, a Bancada da Bala tem avançado com propostas para acabar com o Estatuto do Desarmamento no Brasil. Marco histórico responsável por salvar milhares de vidas no nosso País. Lembrando que aproximadamente 80% das mortes que estamos tratando são causadas por armas de fogo. As diversas propostas de redução da maioridade penal, inclusive uma que está sendo pautada esta semana sob a relatoria do Senador Ricardo Ferraço, do PSDB, confunde vícios e virtudes. Colocam as principais vítimas da violência do nosso País, os jovens, como principais agentes, novamente, lidando com muitas das consequências e não causas da violência em nosso País. Do ponto de vista legislativo, além de propostas que já tramitam no Congresso. A CPI apresenta um tripé de projetos estratégicos para o enfrentamento do alto índice de assassinato de jovens no nosso País: 1. Fim dos autos de resistência; 2. Plano nacional de enfrentamento ao homicídio de jovens; 3. Projeto de transparência de dados sobre a violência no Brasil. E antes de encerrar o meu pronunciamento e passar a ouvir aqui a sociedade civil, representantes de instituições, as mães e os demais convidados, gostaria de destacar o trabalho da Comissão Especial de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens da Câmara dos Deputados, representado pelo Presidente Deputado Reginaldo Lopes, que tem desenvolvido um trabalho extraordinário nos últimos meses. Nesta manhã, recebi a triste informação que hoje o irmão do Deputado faleceu. Ele não está aqui por isso. Esse é o motivo pelo qual ele não estará presente aqui na leitura deste relatório. Registro aqui o mais sincero dos nossos sentimentos e a nossa solidariedade aqui ao Deputado Reginaldo Lopes. Nos próximos meses, estaremos trabalhando, incansavelmente, para que os projetos propostos por ambas as Comissões tramitem e sejam aprovados com rapidez que merecem no Congresso Nacional. Gostaria de finalizar com os meus sinceros agradecimentos aos Consultores, Consultoras e servidores da presente Comissão do Senado Federal, a esses que nos acompanharam pelo Brasil afora. |
| R | O trabalho dessa equipe foi fundamental para que nós pudéssemos apresentar hoje aqui esse nosso relatório. Senhores, é essa a leitura que eu faço, uma leitura resumida, porque nós queremos transformar este dia também aqui num dia de debates, num dia de discussão com a sociedade civil. A gente sabe que não é a apresentação do relatório que vai resolver questões tão complexas como essas. E eu quero dizer que o papel deste relatório é ser uma voz a mais nessa denúncia, para tirar isso da invisibilidade, para a gente colocar - eu acho que é o grande desafio que nós temos, Frei David -, colocar esse tema do extermínio da nossa juventude negra como a questão central da vida política nacional. Esse é o desafio. Nós temos que lutar para sermos escutados. Então eu espero que este dia de hoje aqui no Senado Federal seja um marco. E nós queríamos também, vamos já marcar na próxima semana uma reunião com o Presidente do Senado Federal, em que a gente quer apresentar um conjunto de propostas para que haja uma tramitação rápida neste Senado Federal. (Palmas.) É esse o nosso desafio. Eu encerro agradecendo muito a presença da sociedade civil, das instituições aqui presentes, em especial novamente registrando aqui a presença dessas mães lutadoras, que não se abatem, continuam na luta, enfrentando todas as dificuldades para fazerem essa história avançar, e nós acabarmos, virarmos essa página de extermínio da nossa juventude no nosso País. Muito obrigado aos senhores e às senhoras. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Meus parabéns ao Senador Lindbergh, que fez uma síntese da síntese do nosso relatório, de forma muito capaz. E nós queremos agora iniciar um processo de trabalhar conjuntamente com vocês. A ideia é que pudéssemos passar a palavra aos representantes que estão à mesa, por cinco minutos cada um, para fazerem considerações sobre esse processo e sobre o relatório. E depois que eles falarem, nós vamos trocando e convidando outros representantes que se inscreveram. Nós temos aqui o Diego, o Márcio, que estão fazendo um levantamento de pessoas que já queiram se pronunciar, fazendo a lista de inscritos. E eles vão nos passando essa lista de inscrição, para que nós possamos ir revezando na Mesa com os companheiros que queiram se pronunciar e assim avançar no tempo de debate a respeito desse assunto. Então, novamente agradeço a presença de vocês, e vamos iniciar com a palavra, por cinco minutos, da Srª Débora Maria da Silva, representantes do movimento Mães de Maio. A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Bom dia a todos e a todas. Quero agradecer imensamente à Mesa, na pessoa da Senadora Lídice. |
| R | Esta CPI é um fruto de uma semente que nós plantamos lá atrás junto com essa Senadora, que presidiu uma audiência pública nesta Casa e a qual encaminhamos a necessidade desta CPI, porque não estávamos mais suportando a dor da perda dos nossos filhos, tombando todos os dias pelo País afora. Quando foi declarada esta CPI, eu comecei a sentir que meu filho e mais de 60 mil filhos nossos começavam a ressuscitar. Acreditar nos nossos políticos era um embrião que nós plantamos lá atrás, Senadora, junto com a ex-Senadora Ana Rita, que nós não podemos esquecer. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Sem dúvida. A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Quando a gente viu que estava à frente desta CPI um Relator que a gente admirava, mesmo sem conhecer, pela posição que ele tinha de trazer à tona um verdadeiro trabalho que representava a nossa população brasileira, nós nos sentimos confortadas, porque Mãe de Maio não passa a mão na cabeça de ninguém. As Mães de Maio exigem que o nosso País dê uma resposta para nós sobre esses homicídios que acontecem nas periferias. Nós somos do Estado de São Paulo. Lá no Estado de São Paulo não basta ser negro; basta ser pobre. A geografia é outra. Há mães aqui; há mães do nosso grupo que podem ver as fotos desses meninos. Eles são brancos dos olhos azuis, eles são brancos dos olhos verdes, mas eles não têm um CPF robusto. Eles são periféricos. Eles são favelados. Eles são um inimigo suspeito. Por quê? Porque o acesso à Justiça nem eles têm nem nós mães teremos se não lutarmos. Quando uma Mãe de Maio vem, ela vem para querer a transformação, e essa transformação... Estou aqui toda arrepiada, porque, quando a gente luta, a gente não luta com a boca; a gente luta com o útero, quando existe, porque o Estado não mata meu filho, não mata os filhos dessas mães; ele mata a família inteira. E nossos filhos têm sangue, eles não são baratas. Não podem ser mortos e jogados no lixo, nas valas comuns e clandestinas, muitas vezes, no País. Caímos no conformismo perante este Estado, que sustentamos com os nossos salários, porque somos cidadãos brasileiros que pagamos nossos impostos. Nós não podemos aceitar isso como mães. Essas mães lutam com o útero. Muitas delas, muitas Mães de Maio já têm o útero mutilado. Muitas delas não estão mais aqui esperando justiça, porque o Estado tirou sua vida também. Isso é grave! É grave porque não há uma política também para fazer história. Por que essas mães morrem de câncer, morrem de depressão, morrem de AVC? Então, quando há uma mãe... Existem várias Mães de Maio produzidas por este País. A gente busca justiça neste País, mas também aprendemos que temos que caminhar para fora do País. |
| R | Eu acabei de chegar dos Estados Unidos. Essa é a segunda vez que eu vou para os Estados Unidos. Eu estou travando uma luta sem fronteiras, porque a bala que mata lá é a mesma bala que mata aqui. Há mães órfãs de filhos, e a gente não sabe dizer qual é o nome disso, porque, se perdemos um marido, nós somos viúvas, se perdemos uma mãe, um pai, nós somos órfãs, mas não se dá um nome para quando a gente perde um filho. E não existe doutor que dê jeito nisso. E nós temos que acabar com o genocídio praticado pela ponta da metralhadora do Estado, com o dedo indicador deles, a mando de siglas partidárias. Nós não suportamos mais isso. Nós queremos a desmilitarização da Polícia. Isso é necessário. Nós não aceitamos viver num Estado democrático de direito e ter aí uma Polícia militarizada a serviço da propriedade privada, que não é de brasileiros pobres. E nós exigimos deste País que se tenha uma reforma do Judiciário, porque a Polícia mata, o Estado mata, mas quem mata mais, com uma canetada, pedindo o arquivamento desses crimes, que não são investigados, é o Judiciário. (Palmas.) E nós temos a certeza disso, porque são dez anos de caminhada, 3.650 dias sem dormir, sem comer, militando em prol de uma transformação. É uma luta com o útero, não há como negar, não há como negar, mesmo que a gente sinta a ausência dele pela morte de um filho. Aqui não se luta com o ego. Luta-se com a transformação. Eu levo essas mães dentro das minhas entranhas quando saio do meu País e também quando saio do meu Estado, porque o nosso Estado é muito pequeno, o nosso País ficou muito pequeno porque não nos dá uma resposta. E a gente só acredita que vai conseguir uma transformação neste País com união e sem ego. E a gente está vendo aqui um somatório. E nós vamos cobrar muito mais, porque o papel da mãe é cobrar para que outros filhos nossos não caiam, não tombem por causa do Estado. Mesmo vendo que a luta é cansativa, a gente também vê que foram tirados... A gente vê um menino de dez anos, por exemplo, ser assassinado, no Estado de São Paulo, um menino para quem cedemos uma parte do nosso lanche - o Ítalo -, no Aeroporto de Congonhas. Eram tantos meninos que a gente não sabia para quem dar aquele pedaço de pão! E aí nós chamamos o mais pequenininho -- o Ítalo. Eu nem quis chamar um dos meninos, mas mandei a outra mãe, que estava do meu lado, escolher o menino. E nós escolhemos o Ítalo para dar-lhe um pedaço de pão. Nós perguntamos a ele se estava bolando aula porque ele estava com o uniforme escolar - bonitinho, cheirosinho. Ele disse: "Não! Eu fui para a escola, já voltei da escola e estou aqui tentando arrumar o meu almoço". Gente, é dessa situação que falamos. É de um Estado que abandona essas crianças. É inaceitável uma mãe achar natural que o Estado pretenda transformar essas crianças em protagonistas, baixando a maioridade penal. O Estado tem é que investir em políticas sociais. |
| R | O Estado tem que diminuir os grupos de extermínio que matam nossos filhos, não diminuir a maioridade penal, tem-se que discutir isso no Brasil. Os grupos de extermínio estão aí, e não podemos aceitar a diminuição da maioridade penal. Temos que desarmar, continuar desarmando, mas desarmando com educação. A educação é a ferramenta, e esta educação está sendo também retirada de nós. Estão perseguindo os secundaristas em São Paulo e no País inteiro. Estou só a voz dos secundaristas, porque sou a voz dos nossos filhos. Então, quero agradecer e dar oportunidade aos convidados que estão aqui e agradecer, imensamente, Senadora, por ter se engajado junto com a equipe Brasil afora. Sabemos que essa equipe não teve condições de ir a São Paulo, mas trouxe elementos de São Paulo aqui, estamos aqui, mas, se fosse para São Paulo, ainda assim ia ser pior porque as chacinas estavam acontecendo lá, em São Paulo, mas não podemos dizer assim... (Soa a campainha.) A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - ... que não foi natural. Foi natural porque a chacina que aconteceu é para dar uma visibilidade que os crimes de maio continuam desde 2006, vivemos em um Estado da era das chacinas, vivemos em Estado da era do genocídio, vivemos num País que não tem o homicídio genérico, mas sim, um genocídio generalizado em toda população periférica e favelada. Represento-me muito bem como favelada e como periférica e quero agradecer, mais uma vez, esta oportunidade a todos e parabéns pelo trabalho. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passo a palavra, agora, ao nosso militante, digamos assim, das causas justas e que participou muito da nossa Comissão, o Frei David. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Querida Senadora, querido Senador Lindbergh, demais membros desta CPI, que fizeram um bom trabalho, vou ser bem sintético, com 10 pontos rápidos, para não roubar o tempo. Queremos muito que vocês, Senadores, e esta CPI, levem com muita seriedade a federalização de todos os crimes em cujos Estados são omissos. Lembrando que em quase todos os crimes onde o Estado é omisso, a vítima é negra ou pobre. Exemplo, crimes de maio de 2006, no Estado de São Paulo, crimes de maio de 2006, no Estado de São Paulo. Conversando com o nosso irmão aqui do meu lado, Dr. Fábio George do Conselho Nacional do Ministério Público, deu-me uma informação que é parcialmente positiva, viu, minhas irmãs, mães de maio, que é parcialmente positiva. O Procurador Janot solicitou ao STJ, no dia 9 de maio de 2016, a federalização dos crimes de maio de São Paulo. Ele solicitou, agora, no dia 9 de maio. No entanto, ao ser consultado o Governador de São Paulo, e, ao ser consultado o Ministério Público de São Paulo, os dois mandaram por escrito para o STJ, para onde foi o encaminhamento do Janot, comunicaram que esses crimes não têm mais jeito porque a lei já não mais autoriza fazer nenhuma averiguação. Ou seja, vamos ter que descobrir urgentemente quem é o Ministro do STJ que está com essa Relatoria para um grupo grande nosso da sociedade civil, junto com as Mães de Maio, ir lá exigir que sejam reabertos sim esses absurdos, que são os crimes de maio de 2006, onde todo Estado, inclusive o nosso querido Ministério Público não fez o trabalho como esperávamos. |
| R | O segundo ponto é a nova postura do Ministério Público em cada Estado do Brasil. Os ministérios públicos são nossos amigos em várias causas, mas, avaliando a morte de jovens negros nos quatro cantos do Brasil e vendo o despacho que o MP tem dado, gente, desculpe-me, mas é vergonhoso. Ele nem olha, dá um despacho de qualquer jeito. Precisa haver uma conversão. Há bons irmãos meus nos ministérios públicos do Brasil inteiro, mas precisam fazer o trabalho de seminário, de reformação daqueles que estão na ponta, que trabalham onde os pobres são vítimas; quase sempre os membros do Ministério Público que estão lá na ponta, estão estressados, só olham processos que têm mídia, para os pobres e lascados, fazem qualquer despacho e mandam arquivar. Isso é um absurdo, e temos que lutar contra essa postura. Portanto, esse é o segundo ponto que esperamos desta CPI. Terceiro ponto que esperamos da CPI: que haja um combate, que se crie instrumento de combate às milícias policiais, porque é um fenômeno que está se espalhando e fazendo estrago no Brasil inteiro. O quarto pedido que fazemos e esperamos da CPI. Segundo o Ipea, para cada jovem pobre, com educação digna, repito: para cada jovem pobre com educação digna - e aqui quero fazer um lembrete que essa CPI só terá sucesso se tiver a transversalidade com as demais pautas nacionais, como bem destacou o Senador Lindbergh -, dois jovens são positivamente salvos do assassinato. E aqui quero lembrar o caso - já é o ponto cinco, ligado ao ponto quatro -, do jovem negro de 17 anos, Lucas - negro, pobre, da Baixada Fluminense, da Educafro. Esse cara, esse jovem negro, pobre, lascado, acabo de passar para duas universidades dos Estados Unidos; acaba de passar para duas universidades. É, merece palmas o jovem Lucas. (Palmas.) E aí, quando ele me procurou, falou: "Frei, queria que você ajudasse a comprar passagem para a minha viagem." (Soa a campainha.) O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - "Meu irmão, vou fazer com a maior alegria, mas quero conhecer mais sobre seus irmãos. Olha só: você está vencendo, mas a Educafro luta para a vitória comunitária! Quero fazer o seguinte: Lucas, seus dez melhores amigos, onde eles estão?" E aí, gente, a resposta machuca a gente: três mortos, quatro presos injustamente. É esse Brasil que nós temos! Lucas vence, não queremos um caso só, queremos todos eles vencendo. Portanto, a Nação tem que rever o tratamento que dá a essa realidade. Lucas vai para os Estados Unidos, com certeza, mas queríamos que todos fossem, não o Lucas sozinho. Também, Senador e Senadora, mais eficiência quanto à guerra ao tráfico de drogas. Entendemos que a ineficiência deve ter interesses grandes por trás, porque é escandalosa a falta de elementos que provam o que está sendo feito no combate às drogas. E aí, queremos lincar isso, ao mesmo tempo que haja mais eficiência na guerra ao tráfico de drogas, também mais eficiência na permanência dos jovens nas universidades. Senadora, Senador, dias atrás, tivemos o encontro de 1.600 jovens negros cotistas do Brasil. Foi lá na Universidade Federal do Rio de Janeiro. |
| R | E o reitor da universidade, acabando a mesa dele, me chamou para um canto e falou: "Frei David, que bom que vocês estão lutando, Frei. Mas quero falar com o senhor o seguinte, Frei: de cada dez jovens negros cotistas que entraram aqui na Federal do Rio de Janeiro, de cada dez negros que me procuraram pedindo bolsa, moradia e alimentação, a minha estrutura só me permitiu atender um. Nove estão aí sem nenhuma assistência, Frei. E grande parte abandonou a universidade." Então, Lindbergh, aí está esse link. Queremos urgente o plano de financiamento pela permanência do jovem nas universidades. É uma vergonha esse absurdo. Tivemos essa vitória bonita, que são as cotas, vitória bonita de inclusão do negro na universidade, mas, por outro lado, vemos o negro passando fome ou abandonando a universidade pública de qualidade. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E ver que o partido do atual Ministro da Educação entrou na Justiça contra a política de cotas. O SR. DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS - Que é outro absurdo enorme. Também está ligado a essa questão mais emprego para a juventude negra em geral, porque nós sabemos que, quando o jovem tem emprego digno, ele não opta por empregos dados pelo tráfico de drogas. Oitavo: seriedade e melhor qualificação da perícia técnica, especialmente quando a vítima é negra e pobre. Temos visto, em geral, que a perícia tem sido muito, muito omissa no atendimento às vítimas negras e pobres. Nono: ferramentas para combater o racismo institucional. Senadora, o relatório que o Senador acabou de ler aqui agora deixou bem escancarado que, no Brasil, está em pleno vapor o racismo institucional. É a instituição como um todo que é racista e gera estragos. É o caso da polícia e de outros órgãos, que têm feito grande estrago. Aí peço um socorro aqui ao meu irmão George. Quero pedir-lhe um socorro mesmo. O primeiro órgão do Brasil cuja porta batemos fortemente, pedindo cota para negro foi o Ministério Público. No entanto, o processo está parado, pulando de mão em mão no Conselho Nacional do Ministério Público, pedindo cota para negro. Todos os demais órgãos do Brasil já adotaram cotas, menos o Ministério Público. Isso não é justo, não é honesto. Por favor, Ministério Público, por favor, quem está agora com a relatoria, ouça o clamor do povo. Não é possível haver um Ministério Público formado só de brancos para julgar morte de negro. Essa é uma das causas de termos tanta desproporção com referência ao tratamento dado ao negro. Concluindo, ponto dez: verba para dar assistência jurídica e psicológica para as mães e parentes das nossas vítimas. Para nós é um absurdo ver mães morrendo de trauma, mães morrendo de fome, mães sem rumo. É inaceitável que o Estado permita que uma morte injusta gere outras mortes injustas. Aí, Senadora, nós solicitamos, encarecidamente, a esta CPI que consiga fazer o Governo dar a todas as mães e parentes das vítimas do Estado de hoje, no tempo da democracia, o mesmo tratamento que foi dado aos parentes dos mortos na ditadura militar. Todos foram indenizados, com altas somas - com altas somas. (Palmas.) E aqui termino a minha fala. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada pelos depoimentos emocionantes - todos. Vamos prosseguir. Passo a palavra agora ao Pe. Paulo Renato, que representa aqui a CNBB. |
| R | O SR. PAULO RENATO CAMPOS - Senadora Lídice, Senador Lindbergh, cumprimento todas as pessoas que compõem a Mesa; um carinho especial às mães que estão aqui com suas histórias. Depois desses relatos emocionantes, tanto da Débora como do Frei David; uma com o sentimento familiar, o sentimento que retrata as mães que aqui estão, e outro com a indignação da luta, que quer uma resposta e encontra, aqui nesta CPI, um fortalecimento dessa resposta. Eu gostaria de dizer, primeiramente, aos Senadores que nós estamos vivendo um momento conturbado, como vocês sabem, mas eu entendo que algumas pessoas deixam que a urgência tome conta da essência. Ao se preocupar com a urgência do momento, nós estamos vendo muitos temas essenciais da nossa sociedade sendo deixados de lado. A urgência precisa de resposta, mas essa essência, que é o essencial da nossa sociedade, precisa continuar funcionando. E às vezes nós encontramos projetos, como o senhor mesmo citou agora, Senador, que podem ser pautados e que prejudicam imensamente a dignidade da pessoa humana dentro da nossa sociedade, como esse da maioridade penal. Eles acabam sendo pautados dentro dessa urgência, e a essência desaparece. Então, é importante que vocês continuem atentos à essência, mesmo lutando pela urgência do momento, pelas lutas que são travadas. A nossa presença aqui - e a minha fala é breve - é para trazer, institucionalmente, da CNBB o abraço e o reconhecimento pelo trabalho. Dizer que isso é o nosso dever. Há um documento muito bonito, que o Frei David conhece, chamado Gaudium et Spes. Esse documento diz que a alegria e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje, sobretudo daqueles que mais sofrem, devem ser também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Por isso, o nosso abraço, como CNBB, como Conferência, como Igreja no Brasil e, institucionalmente, com padres, com religiosas, com leigos que estão espalhados por este Brasil e que são acordados, às vezes, de madrugada, para socorrer uma mãe que está vivendo esse momento naquela hora, ou para encomendar o corpo de um jovem desses que está perdido nessa situação, ou para tirar da droga, da cadeia, de dentro de tantas situações complicadas que o Frei conhece muito bem; tantos religiosos, religiosas, padres, leigos, agentes de pastorais que lutam para que essa realidade descrita nesse relatório, Senador Lindbergh, mude. Então, é o nosso abraço institucional, que trago, de modo muito especial, da presidência da CNBB: de D. Sérgio, de D. Leonardo, de D. Murilo Krieger. Muito obrigado a todos pela atenção. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Nós agradecemos a presença da CNBB. E temos o compromisso, na próxima semana, de levar o nosso relatório a D. Leonardo e ao grupo da CNBB que vem acompanhando os nossos trabalhos. Quero justificar a ausência de um grande companheiro, o Senador Telmário Mota, que ajudou muito a nossa Comissão e que está, neste momento, organizando-se para, integrando a Comissão de Direitos Humanos da Casa, fazer aprovar a realização de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, justamente para debater o tema redução da maioridade, imputabilidade penal, que entrou na pauta da CCJ, aqui na Casa, e que se pretende votar, com a realização após pressão de duas comissões ou de duas audiências públicas, no próximo mês, entrar em pauta e votação sem que se ouça a Comissão de Direitos Humanos. |
| R | Então, o Senador Telmário, como é membro das duas comissões, encontra-se impedido de estar aqui porque já se inicia a Comissão de Direitos Humanos, na qual ele vai apresentar esta proposta, mas nos envia um abraço solidário. Nós realizamos audiência pública lá em seu Estado, e lá pudemos constatar que esse segmento de vulnerabilidade de jovens em nosso País, no norte do País, no caso de Roraima, concentra-se na população de jovens indígenas. Foi uma grande contribuição que nós tivemos no debate lá no Estado de Roraima, no norte do País. Vou passar a palavra agora ao Dr. Fábio George, que representa aqui o Conselho Nacional do Ministério Público. Também um grande parceiro da nossa CPI. O SR. FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA - Senadora Lídice da Mata, Senador Lindbergh Farias, eu quero aproveitar para pedir para saudar a todos na pessoa do Frei David, que representa os movimentos sociais e do amigo Luciano Mariz Maia, um defensor incansável dos direitos humanos em nosso País. Hoje é um dia muito marcante. Nós temos, sem dúvida nenhuma, um relatório final robusto e que deve servir de norte para que o País possa tratar de uma forma melhor todas essas questões que foram aqui postas. O Ministério Público brasileiro deve receber esse relatório com muita humildade e com muita responsabilidade. As instituições que lidam com os direitos humanos e as instituições públicas devem receber esse relatório com um senso de responsabilidade muito grande e cientes de que não estamos conseguindo cumprir devidamente o nosso papel de reprimir e de modificar este quadro. Parabéns à CPI! Isso é uma denúncia pública que precisa de um certo tempo, obviamente, de reflexão e precisa de várias iniciativas. Eu vejo aqui alguns dados que não nos orgulham, não nos orgulham! O Brasil é o recordista mundial de homicídios, 60 mil mortes. Segundo os últimos dados anunciados, mata-se mais no Brasil do que em todos os países que se encontram em guerra no mundo. Como disse o Senador Lindbergh, temos a polícia que mais mata e a polícia que mais morre. Um quadro, portanto, de segurança pública que deixa essa imagem negativa para todos nós. Uma série de temas, sem dúvida nenhuma, estão correlacionados e devem ser tratados para que esse quadro aqui persista. 1) Não podemos continuar a ter um índice de solucionamento dos homicídios irrisório, como nós temos, hoje em dia, em nosso País. |
| R | Como admitir, como aceitar que apenas entre 5% e 8% dos homicídios sejam solucionados, quando, em países avançados, esses índices chegam a 90%, 95%? 2) O Brasil continua tratando, de uma forma muito inadequada, a situação do tráfico de drogas. Ao contrário de outros países que não lidam mais com esse assunto, como se fosse uma guerra do bem contra o mal - os Estados Unidos já estão avançando e tinham uma política extremamente repressiva em relação a essa matéria -, se consegue agora focar na questão da saúde pública. Se formos olhar os índices de encarceramento em nosso País, vamos ver que, nos últimos 15 anos, o tráfico de drogas colocou, dentro das nossas prisões, 5%, 10%, 15%, 20%, e já estamos alcançando 30% dos homens presos e 75% das mulheres que se encontram encarceradas em nosso País. Uma política que não é inteligente, uma política que é estúpida, no meu sentir, porque a maioria dessas pessoas que estão sendo encarceradas são peças descartáveis do esquema do tráfico. São aquelas pessoas que eventualmente se chamam de "mulas" e que, por dificuldades econômicas, acabam auxiliando o tráfico, mas que não têm nenhuma responsabilidade no esquema criminoso que domina o tráfico de drogas em nosso País. E desse encarceramento excessivo... E vejam, ouço muito falar: o Brasil pune pouco. Não, o Brasil pune mal. Nós somos o quarto país do mundo que encarcera, mas pergunto: vocês sabem quantas pessoas acusadas de corrupção estão presas em nosso País? Zero vírgula alguma coisa. Quantas pessoas acusadas de práticas de homicídios? Um número irrelevante. Mas nós estamos encarcerando excessivamente peças descartáveis do tráfico e fazendo com que a criminalização se exceda e se torne, assim, portanto, não inteligente. Outro ponto fundamental: no momento em que precisamos refletir sobre as saídas - e as saídas não são fáceis; precisamos ter a responsabilidade de dizer que o quadro é muito difícil e que as saídas são muito complexas -, não podemos, entretanto, admitir retrocesso. O único momento em que o País avançou no combate à violência foi no período em que a campanha do Estatuto do Desarmamento foi para as ruas. E é exatamente neste momento que se tenta trazer uma solução fácil, de acabar com o Estatuto do Desarmamento, como se isso pudesse modificar todo esse quadro de violência e de inoperância do Estado, que se encontra muito bem retratado no relatório final. As soluções, portanto, não são fáceis. As soluções são complexas. É preciso uma união, sem dúvida nenhuma, dos órgãos públicos e dos movimentos sociais, para que venhamos a ter respostas efetivas, para que esse quadro se modifique. E aqui eu queria, para encerrar, de uma forma muito breve - acho que vamos precisar de um tempo, sem dúvida nenhuma, para organizar respostas adequadas a essas questões -, dizer que o Conselho Nacional do Ministério Público tem tentado fazer o seu papel de avançar na área. O Conselho aprovou, no final de 2015 - o Conselheiro Antônio Duarte, que aqui se encontra poderá falar a respeito -, uma resolução que acaba com os autos de resistência. O Conselho Nacional não aceita que o Ministério Público brasileiro venha se conformar com registros, simples registros, sem nenhuma investigação adequada, de homicídios que são praticados e que podem ser até legítimos, mas é importante que todas essas ocorrências de intervenção policial letal - até porque o número é excessivo, são seis mortes ao dia - sejam devidamente investigadas para que não se esteja acolhendo de maneira precipitada e sem uma investigação adequada a versão que a autoridade policial resolveu dar naquele momento. |
| R | O Conselho também está exigindo que Ministério Público exerça de maneira mais adequada o controle externo da atividade policial. Todos os anos, todos os MPs são obrigados a visitar todas as unidades policiais em nosso País para fiscalizar o cumprimento do dever funcional por parte da polícia judiciária. Eu não tenho palavras para falar quando escuto uma mãe com a sua dor narrando o sentimento de injustiça não só da perda do filho, mas de ver a incapacidade do Estado de dar uma resposta adequada e de punir os responsáveis por essas ações. Fiquemos, portanto, com essa palavra de humildade para que possamos unidos pensar em soluções, repito, que são complexas e que possam modificar esse quadro. Parabéns, Senadora Lídice da Mata. Parabéns, Senador Lindbergh Farias. Esse relatório é uma denúncia pública da inoperância do Estado brasileiro para reprimir essas ocorrências. E esperamos - com muito debate, com muita reflexão e todas as respostas que se encontram ao final consolidadas -, quem sabe, aqui virmos em outros anos reconhecendo avanços que hoje realmente são muito pequenos dentro desse quadro extremamente negativo. Muito obrigado a todos. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada a todos vocês. Vamos pedir, por favor, que possam sair da mesa, pois vamos chamar os próximos inscritos a se pronunciaram. Gostaria de convidar: Dr. Luciano Mariz Maia, Subprocurador-Geral da República; Srª Terezinha Maria de Jesus, também integrante do movimento Mães de Maio; Douglas, representante do Conanda, e Thiago Wender, representante do Levante da Juventude. Fiz aqui uma troca com a Srª Terezinha, porque temos o depoimento também da Drª Maria das Graças, que deu um depoimento muito forte e que fez com nós inclusive... Aliás, como o nosso Relator vai ter que sair agora para ir à Comissão do Impeachment, eu sugiro que ela venha e possa ficar no lugar dele. |
| R | D. Maria das Neves, desculpe-me. Vamos passar a palavra ao Dr. Douglas, do Conanda, por cinco minutos. Se necessário, daremos mais tempo. O SR. DOUGLAS ELIAS BELCHIOR - Bom dia a todas e a todos. Sou Douglas Belchior. Sou membro do Conanda e também construo o Movimento Negro em São Paulo, uma rede de cursinhos populares chamada Uneafro. E também por atuar em periferias infelizmente a gente se obrigou, nos últimos anos, a aderir também à ação de enfrentamento à violência, dado que o trabalho de enfrentamento à violência pela educação, pela organização popular - que é para nós o mais importante, num Estado de barbárie -, muitas vezes não é suficiente. Então, é preciso mais que isso, é preciso enfrentar a violência e cobrar do Estado as suas responsabilidades. Na semana passada, houve o lançamento, aqui em Brasília, de um relatório também que trata de um trabalho relacionado a um plano nacional de enfrentamento à violência contra a juventude. Naquela ocasião, eu fiz uma reflexão que quero repetir aqui. Enfrentar a violência contra jovens, enfrentar a violência estrutural, enfrentar a violência racista que a população negra sofre é exatamente como enfrentar a natureza da existência do Estado brasileiro. O Brasil é um país forjado a partir de uma história de estupro, de uma história de genocídio. O Brasil é um território ocupado pela violência há 500 anos. E a violência sempre foi prática habitual dos grupos que arregimentam e que ocupam os espaços de poder. Portanto, nós estamos discutindo aqui o elemento mais antigo, mais velho da história do Brasil, é a violência dos poderosos contra aqueles que detêm legitimidade, contra aqueles que são donos ou que são pertencentes naturais da terra e contra aqueles trazidos à força da África, por quase 400 anos, e toda a sua descendência. Portanto, a violência é o elemento fundante da história, da Nação brasileira. É muito importante este momento. É muito importante que existam ainda, em casas ocupadas por maiorias de representantes políticos vendidos aos interesses espúrios, racistas, reacionários, figuras que tenham coragem de propor políticas e ações que contrapõem a hegemonia. E por isso esse espaço é importante. Embora ele seja, na prática, como foi dito aqui pela Senadora e pelo Senador, mais um elemento dessa nossa luta, quase que simbólico, porque a gente repete, com palavras novas, dados da realidade que a gente vive cotidianamente, ainda assim ele é importante, porque é mais um tijolinho nessa construção contra-hegemônica que nós fazemos. Aliás, se a gente registrasse, ou se a gente fizesse esse trabalho de levantar aqui, depois desse momento de reflexões das diversas entidades que falaram aqui e das pessoas, e comparasse a realidade brasileira de 120 anos atrás, a gente chegaria à conclusão de que pouco mudou na estrutura da desigualdade e da desgraça do povo brasileiro. |
| R | Pouco mudou. Os avanços que reconhecemos - e nós reconhecemos - não passam, lembrando a metáfora de Malcolm X, no recuo de duas polegadas naquela faca de nove polegadas cravada nas costas do povo negro. São avanços que de nenhuma maneira conseguiram mudar a estrutura das desigualdades. E só piora. Semana passada, diante da apresentação de relatórios, o Ipea demonstrava, por exemplo, a importância do investimento em políticas de educação, em políticas sociais, e o quanto as políticas sociais são importantes para diminuir violência no território. Quando percebemos a chegada ao poder de um governo através da força, do golpe, como é o que temos agora, o processo político de desmantelamento das poucas políticas de educação e políticas sociais que temos, isso significa dizer que é um governo golpista não só do ponto de vista da política, mas é um governo que golpeia radicalmente os direitos da população negra, das mulheres, da população LGBT. Logo, é um governo de ressurgimento da hegemonia racista, radical e violenta. É um governo golpista, é um governo racista, é um governo que... (Palmas.) ... ao desmantelar os direitos humanos, propõe a radicalização da morte, porque é isso que estamos dizendo aqui. O Estado é, em última instância, o responsável radical por toda essa violência. Ele promove a violência na medida em que nega direitos e na medida em que coloca o seu braço armando para agir de maneira violenta em determinados territórios, contra determinado povo, sempre, isso não é nenhuma novidade. Então, ele é promotor direto da ação. Quando um policial puxa o seu gatilho, quando um policial lá em São Paulo... Entre a semana passada, Débora, quando estivemos juntos aqui na Constituição Federal, e esta semana aconteceram dois horrores em São Paulo. Um horror explícito direto que é o assassinato de uma criança de dez anos. Nenhuma novidade. No passado, diante da morte de duas crianças no Rio de Janeiro, primeiro o menino Eduardo com um tiro na cabeça no Morro do Alemão; meses depois do Cristian Soares, de 12 anos, a manifestação do Governador, que é a pessoa que coloca em prática uma política de segurança pública endossada, inclusive pelo governo anterior, imagina por esse, ele disse o seguinte: "Realmente os bairros periféricos aqui no Rio de Janeiro estão muito violentos. Nós vamos entrar com mais força e com mais polícia." A resposta à pressão pelo assassinato do menino Eduardo, Davi, foi dizer: vai ter mais polícia. Dois, três meses depois, outra criança assassinada. Em São Paulo, o Secretário de Segurança Pública. do mesmo grupo político, filhote, seguidor político da doutrina de segurança pública colocada em prática pelo atual Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes - que só é Ministro pelas suas qualidades, e quais são: ser bruto, ser violento, ser representante direto do que é o bandeirante histórico de São Paulo -, o comandante da Polícia Militar de São Paulo, diante das pressões por conta do assassinato do menino Ítalo Ferreira, de dez anos, esse exemplo da desgraça que estamos vendo agora em São Paulo, disse o seguinte, antes do fim das investigações: que não acredita em excessos da polícia na ação que resultou na morte de uma criança de dez anos por um tiro na cabeça de um policial. |
| R | Agora, um comandante de PM dizer que... Gente, em qualquer circunstância, a morte de uma criança por um policial é fruto de excesso. Pode ser excesso de despreparo, excesso de irresponsabilidade ou excesso de violência. Então, ouvir isso de um gestor público da Segurança Pública é absurdo! O Estado, por um lado, age diretamente em relação à ação e, por outro lado, promove a matança entre nós devido à forma como a sociedade se organiza, a forma como a política se organiza... (Soa a campainha.) O SR. DOUGLAS ELIAS BELCHIOR - ... a forma como os espaços de representação se dão, a forma como se combate o tráfico. O nosso amigo Promotor, agora há pouco, falou - não sei se é promotor, perdoe-me se não for - que o tráfico de drogas é responsável pelo encarceramento. Eu concordo com a ideia de que o tráfico de drogas é uma tática utilizada para o encarceramento. Quem encarcera, no Brasil, é a política de segurança pública e o Judiciário racista, fascista. Eu vou terminar agora dizendo que, há alguns meses, por conta de toda essa crise política, houve uma mudança na lei promovida pelo STF que autorizou a prisão daqueles crimes julgados em segunda instância, não é isso? O foco dessa mudança era o quê? Eram os crimes políticos que estão aí publicizados pelo Brasil inteiro. David, quanto aos cursinhos da Uniafro, conseguimos uma bolsa permanência para os nossos alunos. Um dos meninos havia saído da cadeia naquele período por roubar um celular. Então, com essa bolsa de R$400, que é uma bolsa permanência para estudar no cursinho, ele estava reformando um cômodo na casa dele para abrir uma barbearia e aí, estudando no cursinho e trabalhando na barbearia, ele mudaria de vida. Na hora em que mudou a lei, a Polícia foi buscá-lo enquanto ele rebocava a parede do quarto que seria o emprego dele. E ele está preso agora. Isso é para termos noção do que é o Estado brasileiro racista, profundamente violento. Nós temos que parar de discutir as questões raciais e a violência da juventude como se fosse uma coisa à parte da realidade. Não é, gente! Nós não podemos discutir a questão racial como política compensatória, com recursos sociais, não. O problema racial e da violência racial no Brasil estruturam a sociedade. Você quer ver um assunto que tem a ver com a violência racial no Brasil? O pagamento da dívida pública para os banqueiros; a política cambial; a autonomia ou não do Banco Central; a reforma agrária; a titulação de terra a quilombola; os grandes temas nacionais colocados em prática a serviço dos interesses dos ricos promovem essa violência toda. Então, temos que discutir o Brasil. Enfrentar a violência contra a juventude negra significa que, para o Brasil, com Dilma, sem Dilma, com Temer, sem Temer, a população negra continua encarcerada e a violência só aumenta. Ou a gente para o Brasil, ou vão exterminar a nossa população! (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, Douglas, pela sua fala denúncia. Eu quero passar a palavra ao nosso Subprocurador Luciano Mariz, para que ele possa também contribuir com o nosso debate hoje. O SR. LUCIANO MARIZ MAIA - Bom dia, Senadora Lídice da Mata. É uma satisfação estar aqui. |
| R | O Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, pediu-me para estar nesta audiência, porque, na qualidade de Procurador Federal dos Direitos do Cidadão até 15 dias atrás, eu me envolvia nessa reflexão junto com o Conselho Nacional do Ministério Público, junto com a Comissão de Minorias do Senado Federal, junto com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e a Secretaria de Direitos Humanos, numa atuação para tentar entender essa realidade. Recebemos esse relatório, como mencionou o meu querido colega que me antecedeu, Procurador Regional da República e Membro do Conselho Nacional do Ministério Público, Fábio George, com imensa humildade e com o maior sentido de responsabilidade. O relatório, que teve a competência de ouvir o País inteiro, em mais de 20 audiências, em quase 30 audiências, foi elaborado ouvindo a voz dos silenciados - e como disse a Srª Débora aqui: "matam não só os filhos, mas matam toda a família, dilaceram." Então, são vidas alteradas, são rotas interrompidas. Isso é profundamente doloroso para as famílias e para as comunidades. Uma nota apontada aqui pelo Douglas e por outros que o antecederam (Frei David, por exemplo), que tem sido já trabalhada nessa perspectiva pelo Conselho Nacional do Ministério Público, na Comissão de Direitos Fundamentais, presidida pelo Dr. Fábio George, e aqui apontada nesse relatório, é o fenômeno do racismo. O racismo significa a convicção de que há alguns que são melhores e alguns que são piores do que os outros; alguns que devem ter respeitados seus direitos; alguns a quem não se devem reconhecer direitos. Então, Paulo Sérgio Pinheiro, há algum tempo, já expressava que as nossas polícias, todas as nossas polícias, de todos os Estados da Federação, funcionam como cordões sanitários, que servem para proteger as classes abastadas, as classes com propriedade, das classes periféricas, da população periférica, que são identificadas como classes perigosas. Como antecipadamente são vistas como classes perigosas, a sua destruição termina sendo a melhor política de contenção. Os dados apresentados por esta CPI e baseados também em estudos que foram levados adiante pelo Dr. Jacobo Waiselfisz, pela Flacso e por outros documentam que o número de jovens mortos e jovens negros mortos equivale a uma guerra civil. Estados que estão em guerra não têm tantas mortes como temos aqui no Brasil, e esse é um fenômeno da desvalorização, da ausência de respeito pela vida humana. A falta de investigação dessa situação das mortes, a falta de responsabilização dos seus autores, a falta de punição alimenta essa cultura de violência, essa cultura de impunidade. Estamos diante de uma massiva violação de direitos humanos, de um extermínio da juventude e, particularmente, da juventude negra. |
| R | Uma reflexão que nós temos tido - e aí é mais um aspecto pelas várias implicações que tem - é se poderá ser chamado, como aqui foi chamado pelo relatório, de genocídio contra a população negra. Isso porque há uma convenção internacional que diz o que é genocídio, há uma lei brasileira que diz o que é genocídio e é preciso uma identificação de um propósito da destruição, no todo ou em parte, de um grupo étnico ou de um grupo racial. Eu não tenho dúvida alguma de que estamos diante de fenômenos racistas, como afirmei logo no princípio, e também entendo que nem sequer precisamos dessa classificação de genocídio para entender que estamos diante de uma situação da mais absoluta gravidade. Entendo que é preciso que o Judiciário, que é preciso que o Ministério Público, que tem uma função agravada de verificar a qualidade do trabalho das nossas polícias, cumpram melhor o seu papel de garantidor dos direitos para que eles possam ser respeitados e para que possam ser trazidos perante a própria Justiça aqueles que forem encontrados em culpa. Então, concluo essas breves reflexões, dizendo que também o Ministério Público Federal e a Procuradoria-Geral da República vai fazer uma leitura atenta do seu relatório e, embora nas recomendações não tenha havido recomendações expressas ao Ministério Público, em razão da profundidade da abordagem, em razão da seriedade do tema, em razão da abrangência e em razão de algumas considerações relevantes que foram apresentadas nas conclusões, o Ministério Público Federal incorporará à sua leitura obrigatória nas suas várias instâncias para que procure identificar quais são os papéis que lhe são reservados para que possa, dando contribuição e seguimento a essa extraordinária atuação do Senado Federal por esta CPI do Assassinato de Jovens, e jovens negros, possa dar também uma contribuição que seja um dos propósitos e uma das contribuições desse relatório ora apresentado hoje. Muito obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero agradecer a presença e a fala do Dr. Luciano, ressaltando que tivemos uma oportunidade, embora não tenha talvez essa recomendação, de estar no Ministério Público Federal, no Conselho Nacional do Ministério Público Federal, discutindo uma política, que foi absorvida pelo Ministério Público, uma política de chamar atenção do Ministério Público Federal para a existência desse fenômeno. Quero destacar também que nós tivemos aqui a participação de estudiosos da área da segurança pública e pesquisadores que detectaram, sob o título de auto de resistência, que os assassinatos resultantes dos autos de resistência não tinham a continuidade de sua investigação. |
| R | Isso envolve o Ministério Público e, para nós, trata-se de uma grande bandeira, de uma grande ação, na qual precisamos que o Ministério Público passe a atuar com muita vigilância em relação a essas questões. Por isso, uma das nossas principais indicações é o fim dos autos de resistência, projeto que já se encontra na Câmara e que pretendemos seja uma das principais bandeiras da atuação do final desta CPI. (Palmas.) Passo a palavra, agora, à Srª Maria das Neves, do Conselho Nacional da Juventude, até porque ela tem que, ao terminar de falar, se retirar para viajar, já que vai participar de um outro evento, um outro movimento. A SRª MARIA DAS NEVES - Bom dia a todos e a todas. Bom dia. (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Já peço desculpa porque terei de me ausentar logo em seguida. Em São Paulo, ao lado de outras mulheres, irei coordenar o segundo ato Por Todas Elas, Contra a Cultura do Estupro, pelo fim da violência contra as mulheres e contra o patriarcado que estupra e mata, a cada 11 minutos, uma mulher no nosso País. Então, não poderei continuar em seguida por conta dessa importante manifestação, que tem tudo a ver com esse debate que estamos fazendo aqui hoje, na CPI do Assassinato de Jovens. Quero parabenizar a Senadora Lídice, parabenizar, em seu nome, o relatório do Senador Lindbergh e, em nome das Mães de Maio, saudar a todos e a todas presentes aqui. Este é um momento ímpar, é um momento histórico para a juventude brasileira e para todo o nosso povo. Depois da ditadura militar, novamente a nossa democracia é atacada, e não podemos deixar de fazer esse debate sem registrar o duro momento que vive o nosso País. O golpe em curso é misógino, é LGBTfóbico e é racista. É uma sentença de morte para a juventude negra do nosso País! (Palmas.) E nós queremos denunciar ao Brasil e ao mundo o que representa o Governo ilegítimo e golpista de Michel Temer, que coloca no poder homens, brancos, velhos, que não representam a maioria do povo brasileiro, composto por mulheres, por negros e negras e por jovens. (Palmas.) Esse Governo representa o que há de mais atrasado e representa o extermínio da juventude brasileira; extermínio esse que o Conselho Nacional de Juventude, ao lado de todos os jovens brasileiros, ajudou a emplacar a primeira derrota ao seu principal aliado, Eduardo Cunha, aquele que manobra o marionete Michel Temer. Ele tentou emplacar a redução da maioridade penal em uma primeira votação, e a juventude brasileira derrotou Eduardo Cunha naquela primeira votação, na Câmara dos Deputados. E ele manobrou e, só através de manobra, venceu a força da juventude brasileira, mas não vencerá nos próximos capítulos, porque nós seguiremos mobilizados e mobilizadas nas ruas. A 3ª Conferência Nacional de Juventude aprovou, como bandeira prioritária, a luta incessante contra a redução da maioridade penal. A juventude, fruto de junho de 2013, que cresceu e cresce em um País de mais oportunidades, quer mais, não quer menos direitos, quer mais direitos. |
| R | E quer mais educação, educação esse instrumento fundamental de combate ao extermínio da juventude negra e, sobretudo, de combate ao nosso encarceramento. Nos últimos anos, ampliou-se em 200% a presença de negros e negras na universidade. É verdade que o ProUni, o Fies, o Pronatec e as cotas não resolvem o problema do racismo estrutural no nosso País, o racismo institucionalizado. Mas é verdade que as cotas, o ProUni, o Fies e o Pronatec deram à juventude negra a possibilidade de sonhar e entrar na universidade. É por isso que a elite brasileira vai para as suas sacadas gourmet bater panela, porque não tolera a entrada dos negros e negras na universidade, porque não tolera que seu filho estude na mesma universidade que o filho da empregada doméstica, que o filho das mães da periferia. As mães hoje podem ver o seu filho negro e negra se tornar doutor e se tornar doutora. E a casa grande pira quando a senzala entra na universidade. (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - A casa grande pira quando a gente viaja de avião e quando a gente tem acesso a nossos sonhos. Isso não é algo menor, não é panfletário, é a vida do povo brasileiro que mudou, é a vida da juventude brasileira que mudou. Para a juventude negra ainda é muito pouco, mas é o fio de esperança que nem sequer existia nos governos de FHC, nos governos tucanos, que privatizaram o nosso País e relegaram a juventude à morte, à desesperança e ao retrocesso. E é esse passado que quer voltar. Vejo o futuro repetir o passado, esse passado de desesperança, de descrença, de motivação e de mortes. Alexandre Moraes é o Ministro ilegítimo e golpista da injustiça, é o Ministro do extermínio da juventude negra, é o Ministro que mais matou jovens pretos, periféricos, quando Secretário de Segurança do Estado de São Paulo. Esse fato não pode ser ocultado das redes sociais e da grande mídia. O que estamos vendo hoje no nosso País é um profundo retrocesso para as mulheres, para a juventude negra periférica, para o povo brasileiro, trabalhadores e trabalhadoras. Portanto, ao apresentar os dados desta CPI, nós só temos condição de afirmar que a juventude negra quer viver e a nossa vida não está assegurada sem a democracia, não está assegurada em um Governo ilegítimo, golpista, que defende a volta da ditadura militar ao ter como seu apoiador Bolsonaro, Feliciano e toda a corja fascista que vai à tribuna da Câmara dos Deputados homenagear torturador. Aqueles que homenageiam torturadores são aqueles que defendem a tortura na periferia e a morte da juventude negra. Essa é a tortura por que passam as Mães de Maio e cada mãe brasileira que vê o medo de perder os seus filhos diariamente quando acordam e quando dormem. Nós vivemos sob a ditadura do medo. Nós, mulheres, de sermos estupradas e violentadas. E nós, jovens negros periféricos, negras periféricas, vivemos com o medo de morrer. |
| R | Do meu ventre um dia sairá uma jovem ou um jovem negro, e eu quero que esse jovem possa ter a oportunidade de viver e possa saber que ser negro e ser negra não é uma sentença de morte, mas é esperança e é, sobretudo, a resistência, resistência de Dandara, de Zumbi dos Palmares e de todos aqueles que lutaram pela liberdade do nosso povo. Liberdade pela qual a nossa geração deverá seguir lutando, porque nossos ventres negros seguem escravos do racismo institucional, do patriarcado, que violenta e estrutura o machismo, o racismo e a LGBTfobia. Portanto, seguiremos mobilizados e mobilizadas. Combater a morte da juventude negra perpassa por combater o Governo golpista, ilegítimo, fascista, racista, machista e LGBTfóbico de Michel Temer. (Palmas.) Nós nos mobilizaremos e não nos silenciaremos. Por fim, Senadora, ao defender a desmilitarização da Polícia Militar, ao defender o fim dos autos de resistência, eu quero prestar toda a minha homenagem às mulheres que floresceram na primavera feminista e que bebem na experiência das Mães de Maio, que resistem lutando pela memória e pela vida dos seus filhos: nós somos seus filhos e filhas também, Mães de Maio. (Palmas.) Seguiremos lutando pela vida de cada filho perdido, cada filha perdida. Somos herdeiros e herdeiras dessa luta. Eu termino, para encerrarmos, como nos ensinaram os secundaristas brasileiros, num grande e emocionante jogral - pode ser, Senadora? - acabando bem rapidinho aqui este momento. Como jovem, não poderia deixar de fazer essa intervenção. Jogral! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Jogral! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - A juventude brasileira! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Quer viver! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Lutaremos. (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Pelo amor! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Pela vida! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - E pela liberdade! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Não aceitaremos! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - A sentença de morte! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Imposto à nossa cor! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Não aceitaremos! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - A falta de educação! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - De merenda! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - E de escolas! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Nós queremos! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Entrar na universidade! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Nós queremos! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Um futuro! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - E esse futuro! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Só será possível! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Na democracia! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Aprofundando direitos! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Combatendo o racismo! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - O machismo! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - A LGBTfobia! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - O capitalismo! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - E o patriarcado! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Somos a juventude! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Que sonha! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - E luta! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Por um Brasil melhor! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Ocuparemos as escolas! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - As universidades! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - E as ruas do Brasil! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Até derrotar! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - A casa grande! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Os feitores! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Hoje! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Representados! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Pelo Governo golpista! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - De Michel Temer! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Portanto! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - O nosso recado! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - É muito claro! (Manifestação da galeria.) A SRª MARIA DAS NEVES - Racistas! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Golpistas! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Não governarão! (Manifestação da galeria.) A SRª MARIA DAS NEVES - Fora, Temer! (Manifestação da plateia.) A SRª MARIA DAS NEVES - Fora, Temer! (Manifestação da plateia.) (Palmas.) |
| R | (Manifestação da plateia.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradecemos a participação destacada, empolgante, entusiasmada, emocionada de Maria das Neves, representante do Conselho Nacional da Juventude. Dando continuidade, vamos passar a palavra à Srª Terezinha Maria de Jesus, que é uma das representantes do Movimento Mães de Maio. (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Ela está corrigindo. Ela não é do Movimento Mães de Maio. A senhora, que já vai usar a palavra, explicita. Obrigada. Gente, vou pedir um pouquinho de concentração. Peço a compreensão. Sei que foi entusiasmante o momento, mas agora vamos dar prosseguimento com a palavra da Srª Terezinha Maria. Peço a atenção de todos. A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Bom dia a todos. Eu sou a mãe do Eduardo de Jesus Ferreira, que foi assassinado, no dia 2 de abril de 2015, no Complexo do Alemão, por policiais. Eu venho lutando. Já faz um ano e dois meses que eu perdi meu filho, e eu venho lutando por justiça. Quando saiu o resultado do inquérito da morte do meu filho, o delegado falou que não poderia punir o policial que matou o meu filho. O delegado falou que a bala que matou o meu filho partiu da PM, mas ele não poderia ser responsabilizado, porque atirou em legítima defesa. Eu pergunto: qual era o risco que meu filho oferecia para dez policiais armados com fuzil. Meu filho era uma criança de dez anos, estava sentado na porta de casa quando o policial militar atirou na cabeça do meu filho. Por isso, eu venho lutando por justiça. Eu quero agradecer à Anistia Internacional, porque, se não fosse a Anistia Internacional e o Senador Lindbergh Farias, jamais tinha chegado ao Tribunal de Justiça o inquérito. O Senador imediatamente convocou uma reunião com o Ministério Público, e o Ministério Público fez a denúncia contra o policial, e o Tribunal de Justiça aceitou a denúncia. |
| R | Eu estou aqui lutando por justiça. A audiência foi marcada para o dia 4 de julho do mês que vem, e eu espero que esse policial seja punido, porque ele não matou só meu filho, ele acabou com a minha vida. Eu não tenho mais vida. Estou lutando por tudo isto, mas não tenho mais vida, não tenho como mais fazer a minha vida como era antes. Antes, eu trabalhava direto, hoje eu não posso mais trabalhar, porque estou lutando por justiça. Porque veio um policial, na porta da minha cada - não havia troca de tiros naquele momento -, ele chegou e atirou no meu filho sem perguntar quem era ele. Depois, ainda tentou incriminar meu filho colocando uma arma na mão dele. Só que eu não deixei. Eu lutei por isso e não deixei. Depois, ainda disse que o meu filho estava com uma pistola na mão, e o meu filho estava com um celular branco na mão. Isso não é justo: um policial chegar à porta de uma casa de família e atirar numa criança de dez anos. O meu filho era muito querido para mim e para todos que gostavam dele, principalmente na escola, em que ele estudava o dia inteiro. O meu filho não tinha tempo para se envolver com coisas erradas, como eles disseram. Então, eu estou aqui para lutar por justiça para o meu filho. Eu vou só vou sossegar a minha alma quando eu vir esse policial condenado. O lugar dele é na cadeia, porque, se ele continuar na rua, ele vai matar mais crianças. No dia 2 de abril deste ano, fez um ano a morte do meu filho, e mais um policial militar tirou a vida de outra criança na mesma data, o filho da Patrícia, lá de Magé; ele atirou numa criança de cinco anos. Então, foi na mesma data do meu filho. Em 2 de abril de 2015, foi o meu filho, Eduardo de Jesus Ferreira, e em 2 de abril de 2016, foi o filho da Patrícia, o Mateus. Isso não é justo. A gente tem que parar e pedir que não matem nossos filhos, e eles continuam fazendo a mesma coisa. A gente tem que lutar. A gente é preto, é pobre e é morador de favela, mas a gente é gente. A gente vive. A gente tem o mesmo sangue. A gente sente a mesma dor. É isso que eu tenho para falar para vocês. Não tenho mais o que falar. (Palmas.) (Manifestação da plateia.) (Interrupção do som.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Eu agradeço o pronunciamento emocionado de D. Terezinha, dizendo do nosso compromisso em dar continuidade a essa luta. Como ela própria testemunhou, ela conseguiu que fosse levado adiante o processo justamente porque o Relator da nossa Comissão assumiu a sua defesa, entrando em contato com o Ministério Público. E nós vamos continuar, D. Terezinha, mesmo acabando esta Comissão, sem dúvida nenhuma, em contato, para dar prosseguimento a esta luta, acompanhando aqui do Senado Federal. Muito obrigada. Por último, o Thiago, para falar pelo Levante da Juventude. Depois, então, trocaremos toda a Mesa. Obrigada. O SR. THIAGO WENDER - Bom dia a todas e a todos. Eu queria, primeiramente, agradecer o convite que nos foi feito, ao Levante Popular da Juventude, que eu vim aqui representando. |
| R | Quero parabenizar o trabalho da Senadora Lídice da Mata e do Senador Lindbergh Farias à frente desta CPI. que tem feito um importante trabalho de recolhimento de depoimentos e de consolidação de dados que até então eram desconhecidos ou dispersos de todos nós. Há uma ladainha que diz o seguinte: D. Isabel, que história é esse de ter feito a abolição, de ser princesa boazinha que libertou a escravidão. Estou cansado de conversa, estou cansado de ilusão. A abolição se fez com o sangue que inundava este País, que o negro transformou em luta, cansado de ser infeliz. A abolição se fez bem antes, e ainda há por se fazer agora, com a verdade da favela, e não com a mentira da escola. D. Isabel, chegou a hora de se acabar com essa maldade de se ensinar aos nossos filhos o quanto custa a liberdade. Viva Zumbi, nosso rei negro, que fez-se herói lá em Palmares. Viva a cultura desse povo, a liberdade verdadeira, que já corria nos quilombos e já jogava capoeira. Acho que este trecho traz para o peso histórico que tem esse debate para todos os negros e para todas as negras que aqui estão hoje, e para os que não estão também, mas que vivem cotidianamente toda essa opressão, toda essa carga histórica racista com que temos conviver no nosso dia a dia. Se a gente tem que agradecer aos Senadores que tiveram a coragem e a ousadia de trazer este tema e destampá-lo nesta Casa, mais ainda temos que ser gratos aos nossos lutadores e lutadoras que aqui estão e que já fazem isso há anos e anos, País afora, denunciando todo o peso que é conviver com o racismo cotidianamente em nosso País. Não é fácil, nas escolas, nos shoppings, nas praças públicas, nas ruas e vielas do nosso País, conviver com o racismo, conviver com a indiferença, conviver com o olhar enviesado de uma sociedade que não aceita e nem admite que nós, negros e negras, tenhamos quaisquer direitos e liberdades no nosso próprio País. Então, acho que todos nós aqui estamos de parabéns, especialmente, sem sombra de dúvida, as mães de maio, todas as mães que carregam certamente o maior peso, que é aquele de perder seus filhos pelas mãos de um Estado que é violento. É claro que este é um debate muito delicado e complexo, que mexe com todos e todas nós. É um debate que, inclusive, acaba confundindo os conceitos de passado, presente e futuro. Esses conceitos perdem qualquer dimensão e conteúdo. Tudo se transforma numa só palavra chamada cotidiano. O cotidiano é o genocídio da juventude negra. Não existe perspectiva de transformação neste estágio atual em que nós vivemos. Por isso é que o futuro se confunde com o passado e mesmo com o presente. Parece que nós somos como cães a viver rodando atrás do nosso próprio rabo. Vivemos um círculo vicioso em que a matança da população negra é a regra única do nosso País. Infelizmente, parece que o nosso País é um país de um mês só, chamado "mês de maio". |
| R | É um País em que todas as mães sofrem, todos os meses, o sofrimento chamado mês de maio, que é perder os filhos para a mão opressora do Estado. É claro que isso não se faz sem muita luta, sem muita resistência. Por isso, estamos aqui hoje e acredito que esse processo desta CPI, desse relatório, é fruto dessa resistência e dessa luta que já se vê e que já nos inspira há muitos e muitos anos. É claro, também, que todo esse processo de extermínio, genocídio e de resistência é um processo histórico que tem as suas marcas, que tem as suas heranças, as mais duras possíveis; a herança violenta e espoliadora do colonialismo, a herança dura, violenta, repressora e assassina do escravismo e a herança ditatorial dos anos que tivemos da ditadura militar. É importante reconhecer, como diz o relatório aqui, que há uma herança presente - e nós do Levante destacaríamos pelo menos três fortes heranças que recebemos da ditadura militar e que não foram resolvidas com a transição democrática em nosso País. E hoje penamos com essas heranças. A primeira delas é a do sistema político brasileiro, que foi sequestrado, desde então, pelo poder econômico, e hoje somos reféns de um poder político, de um sistema político que é vítima, é refém do poder econômico, de políticos corruptos que hoje dão um golpe de Estado e que procuram usurpar a cadeira da Presidência sem ter qualquer voto, de forma ilegítima. Por isso que é importante vir aqui nesta CPI e denunciar para todo mundo que o Sr. Michel Temer é um golpista, um fascista, que se vale de um golpe de Estado para estar onde não deveria estar. Quem deveria estar lá era a Presidenta Dilma, já que não há contra ela nenhuma denúncia, nenhum crime de responsabilidade ou coisa do tipo. É outra herança dura da ditadura militar os meios de comunicação, que nem sequer foram questionados nesse processo de transição e, convenhamos, companheiros e companheiras, está na mídia brasileira, que é concentrada por poucas famílias, boa parte de todo o preconceito, de todo o racismo... (Soa a campainha.) O SR. THIAGO WENDER - ... que é cotidianamente vivenciado, porque, nos seus programas ditos policiais, que, na verdade, são programas genocidas, se vê uma distorção da realidade. Lá procuram nos convencer e naturalizar que são, sim, os negros que cometem a maior violência contra a população brasileira, quando não o são, na verdade. Lá procuram naturalizar que é, sim, correto assassinar os jovens negros do nosso País. Bastam poucos dias assistindo a esses programas genocidas para que nos convençamos disso, ou boa parte da sociedade brasileira. Bastam poucos dias assistindo a esses programas e fecharmos os olhos e nos questionar qual é o perfil, quem é o bandido no País e, de olhos fechados, visualizarmos um jovem negro, descalço, na favela brasileira. É isso que a mídia faz com a gente e, por isso, é urgente que, nesta CPI também, se faça presente o debate da democratização dos meios de comunicação, da descentralização, para que os jovens, nós das periferias, possamos falar da nossa realidade, possamos falar do que o Estado e a Polícia especialmente faz contra nós e do que não faz, quando se ausenta no oferecimento de escola, de cultura, de lazer e de outros mecanismos de cidadania. |
| R | Por fim, a última dessas heranças mais pesadas sobre nós é, na transição democrática, não se ter debatido, não se ter questionado, não se ter feito nada em relação ao sistema de segurança pública do nosso País. Essa é a principal questão que aparece neste relatório aqui, porque não temos dúvida de que é o Estado, através da polícia, que extermina boa parte da juventude negra e pobre, da classe trabalhadora neste País. É esse sistema de segurança, para concluir, que devemos questionar. Por isso é que é importante, no relatório, aparecer recomendações do tipo: o fim dos autos de resistência, que são, por incrível que pareça, um mecanismo criado pela ditadura militar e que está vigente ainda hoje. Por isso é que é importante a recomendação, que está no relatório, da PEC nº 51, de 2013, que propõe o fim da militarização da Polícia Militar, que ainda hoje age como se estivesse em 1964, em 1968 - anos de chumbo da ditadura militar. Eles nos veem por aí, nas ruas, como se fôssemos terroristas, que precisam ser eliminados, sem qualquer direito à defesa. (Soa a campainha.) O SR. THIAGO WENDER - Quero, mais uma vez, agradecer o convite. A gente, por ter um trabalho também nos bairros de periferia, não estamos imunes a isso. No ano passado, perdemos um grande companheiro chamado Emerson Pacheco, lá no Estado do Ceará, no bairro da Serrinha, que foi também vítima da violência estatal e da ausência, da omissão do Estado. É muito vago dizer que é só o Estado. É preciso dizer que é um Estado que age a serviço das elites econômicas, das elites políticas, porque são elas que hoje procuram dirigir o País através de um golpe de Estado. E se nós não lutarmos contra esse golpe, contra o genocídio, através de um grande mutirão, que possa debater, conscientizar e revolucionar este País com outro projeto de sociedade, nós seremos sempre um País de um mês só, do chamado mês de maio. E isso não queremos nem para nós, nem para nossas mães e muito menos para nossos filhos. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, Thiago. Vou pedir, por gentileza, que vocês saiam da mesa e permaneçam no plenário para que possamos dar prosseguimento à próxima Mesa. Convido, portanto, o Dr. Antonio Pereira Duarte, do Conselho Nacional do Ministério Público; a Srª Martha Gonzales, Advogada da Srª Antonia da Silva, mãe de Deusiane da Silva Pinheiro - um dos casos que foram incorporados ao nosso relatório -; o Sr. Cristian Ribas, representante do Conselho Nacional de Direitos Humanos; a Srª Dandara Tonantzin, representante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial;o Sr. Adailton Borges dos Santos, representante do Conselho Nacional de Segurança Pública. Assim, completamos a nossa 3ª Mesa. |
| R | E eu, de pronto, vou passar a palavra ao Dr. Antônio Pereira Duarte, do Conselho Nacional do Ministério Público, um parceiro dessa nossa CPI, porque ele também pedirá licença depois pois já está com seu tempo esgotado de permanecer entre nós. O SR. ANTÔNIO DUARTE - Muito obrigado, Srª Presidente. Quero inicialmente cumprimentar a aguerrida Senadora Lídice da Mata, Presidente desta destacada CPI, e, na pessoa de S. Exª, cumprimentar todos os componentes desse painel, dessa Mesa, e a todos os presentes, em particular, nosso amigo Frei Davi, parceiro, que está sempre conosco também no CNMP. E quero prestar solidariedade a todas as mães aqui presentes pela dor incomensurável da perda de um filho. Quer registrar aqui, tanto à Senadora Lídice da Mata, quanto ao Relator, Senador Lindbergh Farias, nossos agradecimentos por terem realizado, no CNMP, uma das audiências públicas dessa CPI. E tenho para mim que isso já se deveu ao fato de ter se percebido que o CNMP, hoje mais do que nunca, assumiu um papel proativo no combate irrestrito a toda e qualquer forma de violência. Penso mesmo, Senadora Lídice da Mata, que nosso colega Fábio Jorge, Presidente da Comissão dos Direitos Fundamentais, já deve ter retratado todos os esforços que vêm sendo feitos em apoio a todas as demais ações empreendidas no Brasil afora, e particularmente por essa Câmara Alta, no sentido de se buscar mecanismos que possam, cada vez mais, rechaçar toda e qualquer forma de violência, especialmente aquelas provenientes dos agentes da lei, dos agentes que deveriam ser os agentes da segurança pública, aqueles que deveriam trazer a paz., mas que, no entanto, terminam trazendo a guerra, utilizando os instrumentos que seriam para pacificar a ordem pública no sentido mais perverso da palavra, gerando mesmo extermínios. Parece-me, senhoras e senhores, que temos que buscar uma mudança de cultura nesse País, a cultura que tenha por propósito, sobretudo, disseminar o amor, ao invés da violência. Sem amor não avançamos. Infelizmente o que observamos é que muitas vezes está se escasseando esse sentimento que nos une de forma tão bela, nos iguala perante o Criador, o grande arquiteto do Universo e, portanto, deveria também fazer com que fôssemos todos igualmente respeitados, não importando o credo, a raça, não importando, portanto, sua origem étnica. Parece-me claro que, neste cenário, não podemos ficar de braços cruzados, não podemos assistir às ocorrências que têm infelizmente manchado as folhas dos nossos jornais de sangue, o sangue daqueles em tenra idade que poderiam dar muito pelo seu País e fazer com que essa pátria auriverde pudesse ser muito mais construtiva, pudesse ter muito mais resultados positivos. |
| R | Do relatório já pude colher dois aspectos muito importantes em cuja discussão o CNMP tem se aprofundado, que é justamente relacionado aos homicídios decorrentes de ação policial. E, nesse sentido, me parece claro que o papel do CNMP, como órgão de controle da atuação do Ministério Público, seja necessariamente reforçar a atuação do Ministério Público, sobretudo porque ele é destinatário de um dos instrumentais mais importantes da nossa Constituição, que é o controle externo da atividade policial. Portanto, a partir de uma mudança de paradigma, uma mudança de padrão de atuação dos membros do Ministério Público, o CNMP tem envidado esforços para que toda e qualquer morte que ocorra por intervenção policial, em qualquer parte do País, seja necessariamente acompanhada da deflagração do competente instrumento de apuração do inquérito policial, porque não consideramos, não reputamos, que o auto de resistência esteja compatível com nosso sistema acusatório, e principalmente com a nossa Constituição. E, portanto, qualquer ação policial que promova uma letalidade não pode deixar de ser avaliada, ainda que depois o Tribunal do Júri, quando for analisar um eventual homicídio perpetrado, venha a sopesar se a ação policial foi numa situação de confronto e, portanto, está escudada, está protegida por uma legítima defesa, por um estrito cumprimento do dever legal. O que não podemos é assistir incólumes, impávidos, a essa situação que nos causa verdadeiro pavor, verdadeira angústia, porque sabemos que todos nós estamos inseguros, estamos preocupados com o destino dos nossos filhos, das nossas crianças neste País, que são as verdadeiras sementeiras do porvir. Não é crível que todos nós, de qualquer faixa etária, mas especialmente as crianças que são mais desamparadas e estão expostas de forma mais clara, estejam submetidas a essas situações em que há verdadeiras execuções sumárias em plena luz do dia. É preciso apurar. Portanto, o combate aos autos de resistência é medida salutar e inadiável. Parece-me até que o Parlamento brasileiro já está retardando - me permita essa glosa crítica - em buscar, em tomar a solução. Não é isso? A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com toda certeza. O SR. ANTÔNIO DUARTE - Em tomar uma solução que elimine. Eu diria até que também não podemos, Senadora Lídice da Mata - me permita a ousadia de estar aqui contribuindo com o debate - permitir também que este Parlamento venha a aprovar futuramente uma flexibilização do uso de armamento, a possibilidade de que os armamentos possam ser mais livremente vendidos, até porque nossa realidade não se pode comparar com a realidade, por exemplo, norte-americana, onde lá há uma cultura, onde o menino, desde cedo, é acostumado a usar arma. |
| R | A questão não é armar mais, é desarmar em todos os sentidos, especialmente em relação aos ódios que eventualmente estejam habitando os corações mais desavisados da nossa gente. Todos nós, indistintamente, temos a obrigação de respeitar o nosso semelhante. E aquelas figuras que são destacadas justamente para atuar no trabalho de segurança pública - todas as instâncias policiais, incluindo as próprias Forças Armadas, que não raras vezes são chamadas, convocadas para atuar também em diversos momentos de garantia da lei e da ordem - têm a responsabilidade de usar, proporcionalmente, os meios para coibir eventualmente a violência praticada. Não por outra razão, nós temos que saudar as iniciativas do Governo da Presidente Dilma, que, por exemplo, em relação às manifestações públicas, determinou que se utilizasse - através de projeto de lei que foi aprovado - armas não letais, evitando que, naqueles momentos de entusiasmo e tudo mais, possa ser utilizada arma letal, sendo irreversível o resultado que venha a acontecer. Por isso, no CNMP o nosso trabalho vai ser intenso, em continuar cobrando do Ministério Público de todo o Brasil, de todos os seus membros, em todos os rincões, que atuem de forma vigilante no controle externo da atividade de polícia, deflagrem as investigações necessárias para poder responsabilizar aqueles que, infelizmente, venham a causar a letalidade tão ingrata para mães, pais e todas famílias. Portanto, causando muito mais insegurança, muito mais instabilidade do que equilíbrio no tecido social. Também gostaríamos de dizer que estamos atentos e preocupados, na condição de Presidente da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do CNMP, com o outro item do relatório, que nos chama a atenção, porque vai ao encontro das nossas expectativas. Por isso que estamos aqui a ombrear esta CPI e continuaremos ombreando e nos colocando à disposição para todo e qualquer debate que se faça necessário. Mas urge que o Brasil também promova, através do seu Parlamento, a reforma da segurança pública. Não há mais espaço para se priorizar o uso da violência como método de eliminar as práticas que venham a ocorrer no Brasil afora, as práticas ilícitas que eventualmente se busque combater. É mister que se analise, sob os vários matizes, se o ciclo completo de polícia viria a atender e acabar com aquelas divergências entre Polícia Civil e Polícia Militar, tão frequentes no âmbito dos Estados-membros. Eu acho que tem que haver um encaminhamento, no sentido de unir as forças, evitando posicionamentos diversos. Agora mesmo nós estamos com uma situação que é a situação em que se abrem dois inquéritos, quando, por exemplo, ocorre um homicídio perpetrado por policial militar contra civil. Abre-se um na Polícia Militar, abre-se outro inquérito na Polícia Civil. Quer dizer, dois inquéritos que, concomitante e paralelamente, caminham, com resultados inimagináveis. Então, é necessário que nós tenhamos um rumo certo a ser seguido, e me parece que esta Casa, este Parlamento tem todos os diagnósticos, todas as estatísticas de violência, de mortes que acontecem diuturnamente com resultados assombrosos, que nos causam realmente pânico, que nos causam terror. |
| R | É preciso, portanto, que nós tenhamos o cuidado de analisar a reforma da segurança pública para que ela possa trazer os resultados esperados, aqueles que foram projetados pelo Constituinte de 1988, justamente no sentido de trazer paz, estabilidade, segurança e equilíbrio, sabedores todos nós que todos, de uma forma ou de outra, podemos ser vítimas do sistema. Então, não podemos lavar as mãos. As autoridades têm de estar presentes, não podem cruzar os braços e não podem ficar caladas diante dos acontecimentos. É por isso, Srª Senadora, demais e eminentes presentes, familiares de vítimas, que queríamos deixar isso claro. E o Presidente Rodrigo Janot tem sido muito entusiasta desta ideia de que o CNMP possa, em todos os momentos, trabalhar com todas as possibilidades no sentido de reforçar a atuação do Ministério Público, incentivando que atue no sentido de responsabilizar toda e qualquer prática que, de alguma forma, agrida a dignidade do ser humano, agrida a nossa Constituição e desencadeie todo um contexto de violência absolutamente repugnável, absolutamente contrário aos parâmetros da nossa Constituição, que tem índole garantista, que protege todo e qualquer ser humano, que aqui esteja, seja nato, seja naturalizado ou seja até o cidadão que venha de outro País. Nós temos de dar o bom exemplo. O País precisa disso. Nós precisamos passar o País a limpo, no sentido de cada vez mais reduzir as nossas cifras negras da violência que só nos causam vergonhas perante os organismos internacionais, que só nos causam desdita, porque eles olham o nosso País com uma lupa gigantesca, no sentido crítico, avaliando os nossos indicadores. E os nossos indicadores, nesse contexto, infelizmente, são os mais terríveis. Por isso, eu cumprimento essa CPI pelo resultado de seu trabalho, através desse relatório primoroso, elaborado pelo Senador Lindbergh Farias, que nos fará refletir imensamente se virar - inclusive, diria eu, como hoje está se disseminando pelo Brasil - para discussões mesmo nas academias, nas universidades, para que nós possamos mudar o nosso modelo, trazendo uma educação desde o berço, onde a violência seja cada vez mais uma alternativa desconsiderada no enfrentamento dos conflitos que temos de fazer no dia a dia das nossas vidas. Eu agradeço a oportunidade e me coloco, junto com o Conselheiro Fábio Jorge, no CMP, à disposição de todos. (Palmas.) A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Eu agradeço a presença e a contribuição do Dr. Antônio Duarte. Eu o deixo à vontade para, no momento em que considerar oportuno e necessário, poder se retirar. Passo a palavra, agora, à advogada da Dr. Marta Gonzales, que é mãe de Deusiane, que foi um dos casos que nós acompanhamos durante a nossa CPI. Eu pediria à nossa advogada o esforço, que eu sei que é grande, de fazer isso em cinco minutos, sistematizando o caso para os presentes. |
| R | A SRª MARTHA GONZALEZ - Boa tarde. Só para esclarecer, eu sou advogada da família da Deusiane, da mãe da Deusiane, que está aqui, ao lado da Senadora. Exmª Srª Senadora Lídice da Mata, Presidente desta Comissão Parlamentar de Inquérito, na pessoa de quem saúdo as demais autoridades presentes, senhoras e senhores, no dia 1º de abril de 2015, Deusiane da Silva Pinheiro, com 27 anos de idade, formada em Administração de Empresas, com pós-graduação em Gestão, Policial Militar lotada no Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Amazonas, saiu para trabalhar às 7h da manhã e não retornou. Deusiane tinha tomado conhecimento da corrupção, contrabando de madeira e caça ilegal, além de tráfico de drogas, praticados dentro do Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Amazonas por policiais militares, fatos estes relatados por um major da Polícia Militar na rede de Facebook, bem como em denúncia formal encaminhada ao Ministério Público do Amazonas, e que, segundo Deusiane, seu ex-namorado Cabo Elson Santos de Brito fazia parte do esquema. Deusiane foi designada pela Polícia Militar do Amazonas para trabalhar em uma embarcação que apresentava algumas partes enferrujadas e outras danificadas, além de a iluminação ser extremamente precária, o que indicava condições desfavoráveis em condições desfavoráveis para um ambiente de trabalho. Deusiane havia solicitado sua transferência do referido batalhão para ficar longe das corrupções, mas, apesar de a transferência ter sido autorizada, Deusiane não foi liberada do referido quartel. Por este motivo, Deusiane resolveu romper com seu namorado, Cabo Elson, no dia anterior à sua morte. Assim ocorreu a famosa "queima de arquivo": Deusiane foi assassinada com um único tiro na cabeça dentro de uma embarcação localizada em uma das bases da Polícia Federal no Amazonas, onde só estava presente o Cabo Elson. Apesar de esse assassinato cruel e covarde ter ocorrido dentro de área de administração exclusiva da Polícia Federal no Amazonas, esta nada fez. Sequer informou o nome dos seus seguranças que guardavam a área e que também estavam presentes na hora do crime para serem ouvidos. Atente-se para o fato de que, no dia de sua morte, Deusiane foi a única mulher escalada para trabalhar numa equipe formada por cinco homens. A perícia comprovou que o local não foi preservado adequadamente para que fossem realizados os exames de local de crime. Posteriormente, o local não foi adequadamente isolado para reprodução simulada, visto que no dia agendado para a referida simulação havia somente uma mesa no local. Dias após, quando foram realizados exames complementares usando reagente que mostra as marcas de sangue existente no local, havia três mesas. Ora, como um laudo feito em três mesas onde não se sabe qual delas estaria na hora do crime pode ser tomado como verídico? Além disso, o local estava em funcionamento, com a presença de policiais plantonistas, fato este relatado pelos peritos. A advogada da família de Deusiane foi impedida de ouvir o depoimento de todas as testemunhas arroladas na hora da reprodução simulada. A única pessoa presente na hora em que Deusiane foi assassinada era o seu ex-namorado Cabo Elson Santos de Brito, que afirma ter visto Deuziane parar na sua frente, apontar a arma e dispará-la. Contudo, os peritos afirmaram que o ambiente no local do crime estaria com quase total escuridão, desmentindo a versão dada pelo Cabo Elson. Inclusive, segundo os peritos, o Cabo Elson foi o único a não descrever a posição final de Deusiane no dia da reconstituição. Como o depoimento do Cabo Elson pode ser tomado como verdadeiro se este afirmou que viu Deuziane parar na sua frente e dar um tiro em sua cabeça e no dia da reconstituição não conseguiu descrever a posição final do corpo de Deusiane? A Capitã Priscila, oficial de serviço do dia, informou que recebeu um telefonema dando conta da morte de Deusiane às 17h30, mas só foram ligar pedindo por socorro às 18h37, mais de uma hora após o fato, tempo mais do que suficiente para alterarem a cena do crime e trocarem as armas a serem periciadas. |
| R | Deusiane não estava armada porque não assinou o livro de cargas, mas, se estivesse, estaria com a arma PP1005, que foi a mesma arma apreendida para a perícia, conforme certidão fornecida pela Polícia Militar. Contudo, a Polícia Militar encaminhou para ser periciada outra arma, a de nº 1035, como sendo de Deusiane. A perícia concluiu que a arma do Cabo Elson Santos de Brito apresentava dois números de série: o nº 71893 e o ferrolho de nº 1035, que foi justamente o ferrolho da arma que apresentaram como sendo de Deusiane. Afirmou ainda a perícia que nenhum dos carregadores da arma do Cabo Elson Santos de Brito possuía numeração de ordem da Polícia Militar. (Soa a campainha.) A SRª MARTHA GONZALEZ - Como o policial militar sai para trabalhar na sociedade com munições que não estão cadastradas na polícia do Estado, e os órgãos de segurança pública veem isso como normal? Na perícia ficou comprovado que o disparo que atingiu Deusiane partiu do ferrolho 1035, que foi o ferrolho encontrado na arma que apresentaram como sendo do Cabo Elson Santos de Brito. Outra irregularidade encontrada: no dia do crime, o Soldado Belém, que esteve na base da Polícia Federal por volta das 16h, fora do seu horário de serviço, apanhou as chaves de todas as lanchas, e sequer foi ouvido para que explicasse o motivo de ter ido ao local. Os vizinhos e familiares que vestiram o corpo de Deusiane foram testemunha de que o dorso das mãos da ex-soldado estava todo esfolado, bem como havia dois dedos dos pés quebrados, o que indica que Deusiane pode ter sido torturada antes de levar o tiro na sua cabeça, dentro de uma base da Polícia Federal. O Dr. Christian realizou a autópsia psicológica de Deusiane, concluindo que a mesma não apresentava... (Soa a campainha.) A SRª MARTHA GONZALEZ - ...nenhuma característica comportamental que indicasse suicídio. Contudo, para surpresa da família, foi encaminhado ao processo outro parecer técnico acerca da autópsia psicológica, parecer este que não teve qualquer conclusão, o que comprova a parcialidade que o instituto de criminalística deu ao caso. O descaso com o crime que tirou a vida de Deusiane foi tão grande que o exame residuográfico de suas mãos só foi realizado na hora do velório, porque a família insistiu. Frise-se que esse exame deu negativo, comprovando que Deusiane não atentou contra sua vida. O Cabo Elson só foi receber a notificação para realizar o exame de corpo de delito, bem como exame residuográfico no dia 3 de abril de 2015, três dias após o ocorrido, o que deixou dúvida nos resultados apresentados. Desde que o caso deixou de ser investigado pela Polícia Civil como suicídio e passou a ser investigado como homicídio, a família de Deusiane e sua advogada passaram a ser perseguidos. A casa da mãe de Deusiane foi invadida,... (Soa a campainha.) A SRª MARTHA GONZALEZ - ...a irmã de Deusiane quase foi atropelada por um carro dirigido por uma militar; a filha da irmã de Deusiane quase foi sequestrada na saída da escola. Há 20 dias, uma viatura da Polícia Militar, sem placa, parou o carro da irmã de Deusiane na rua, ocasião em que quatro militares armados com metralhadora desceram do carro mandando a irmã de Deusiane, seu marido e filha de apenas oito anos deixarem seu carro, pois, segundo esses militares, lá havia drogas. É assim que eles agem: utilizam a máquina do Estado para amedrontar e agredir as pessoas que buscam por justiça. No mesmo dia e horário em que a viatura da Polícia Militar abordou a irmã de Deusiane e sua família, havia um carro suspeito parado na casa desta advogada que vos fala, aguardando sua chegada. Por todas essas falhas, demonstrando que os policiais envolvidos, propositadamente, não preservaram a cena do crime, para que a perícia fosse realizada e ainda alteraram provas, estes deveriam estar respondendo a um processo criminal por violação à lei penal militar. No entanto, a corregedoria do sistema de segurança pública do Amazonas, apesar de ter sido comunicado dessa falha, não adotou qualquer providência. Temos que os arts. 6 e 12 do Código de Processo Penal Militar não foram observados. No dia do assassinato de Deusiane diversamente do que concluiu a promotora de Justiça da auditoria militar quando opinou pelo arquivamento do caso |
| R | A Constituição Federal afirma, em seu preâmbulo, que somos um Estado democrático de direito. Mas, ser um Estado democrático de direito não assegura igualdade de condições no aspecto prático, se a dignidade da pessoa humana não for observada. Um dos objetivos fundamentais da República do Brasil é a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, banindo qualquer forma de discriminação. Inclusive, a igualdade assegurada pela Constituição Federal é aquela em que as pessoas iguais recebem o mesmo tratamento dentro de sua desigualdade. Os militares homicidas são pessoas com tratamento especial, são pessoas que utilizam o sistema de segurança... (Soa a campainha.) A SRª MARTHA GONZALEZ - ...para cometer crimes e se escondem, ficando impunes. Por esse motivo, não devem receber o mesmo tratamento dado ao homicida comum, pois são bem mais perigosos do que esses, além do que os militares homicidas recebem os seus salários dos cofres públicos, oriundos do pagamento dos impostos dos cidadãos, devendo responder com uma pena mais severa pelo crime que praticaram para que essa pena sirva de freio a condutas repetitivas. Não é justo você perder uma pessoa querida de sua família pela conduta de um cidadão que recebe do Estado para fazer a sua segurança. É preciso que as autoridades competentes, no caso, os legisladores, criem normas que assegurem efetivamente o exercício do direito à segurança, a igualdade de justiça, para que casos como o de Deusiane não caiam no esquecimento, pois a certeza da impunidade gera residência, muito mais no meio militar, onde esses militares homicidadas têm a estrutura do Estado para se proteger. A família de Deusiane se solidariza a outras famílias que também foram vítimas de pessoas investidas na função do Estado e que estão sem responder pelo crime que cometeram, afirmando que recorrerá até a Corte Internacional de Haia, bem como a ONU, caso a Corte de Justiça brasileira negue-se a cumprir o seu papel e a tomar as providências necessárias para processar, julgar e condenar os culpados pela morte de Deusiane. Assim, a família de Deusiane, juntamente com os seus parentes e amigos, espera que o resultado desta Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar o assassinato de jovens no Brasil tenha um resultado prático, com a criação de normas especiais e um tribunal composto por autoridades especialistas, comprometidas em processar e julgar crimes contra a vida praticados por militares da justiça estadual, já que esses militares não podem receber do Estado o mesmo tratamento dado ao homicida comum. Por fim, a família de Deusiane agradece a ajuda recebida por esta Comissão, em especial pela Senadora Vanessa Grazziotin, que, incansavelmente, tem nos recebido e tomado todas as providências ao seu alcance, juntamente com o Senador Lindbergh Farias, a Senadora Lídice da Mata e a Deputada do Amazonas Alessandra Campelo. Nós sabemos até onde a competência dos senhores alcança, já que não basta criar as leis sem que essas atinjam o fim a que são destinadas, que é mudar o comportamento das pessoas. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - A Srª Antônia, mãe de Deusiane, vai usar rapidamente da palavra. Ela quer fazer um pedido. Vocês viram que aqui foi feito. Nós recebemos a denúncia quando estivemos no Amazonas, a denúncia da morte de uma jovem militar assassinada. Todo o processo caminhou para caracterizar o crime como suicídio. Mais uma vez, um crime que diz respeito a outra vulnerabilidade, que é parte da nossa luta, a vulnerabilidade das mulheres brasileiras. Passo a palavra à mãe de Deusiane. A SRª ANTÔNIA DA SILVA - Eu faço um pedido: que investiguem e que expulsem esses policiais que estão dentro da corporação, porque não são policiais, são bandidos de farda, que usam a arma da polícia, usam a arma do Estado para matar. Eu não tenho nenhuma dúvida, o processo deixa muito claro, todas as provas, que eles torturaram a minha filha e depois a executaram. |
| R | Esperaram que ela agonizasse até morrer porque só chamaram socorro 1h25 depois de eles atirarem na cabeça dela. Eu quero pedir a todas as autoridades que aqui se encontram que façam justiça porque, por mais de vinte anos na minha vida, eu dormi duas horas por dia e noite para trabalhar e educar a minha filha. Os meus filhos estão tudo graduado e pós-graduado. Eu quero pedir justiça porque eu nunca esperei do governo que o governo fizesse alguma coisa por mim, e sim tomei a atitude de educar meus filhos. Eu nunca esperei que ninguém me desse nada. Mas trabalhei com unhas e dentes, trabalhei noite e dia para educar meus filhos porque meus filhos foram planejados. Meus filhos, eu tive vontade de ter esses filhos. Não é justo que uma pessoa mate minha filha por um motivo torpe, porque ela não participava de corrupção de madeira que tem dentro do Batalhão da Polícia Ambiental em Manaus. E o Ministério Público faz vista grossa porque já foi, desde 2014, denunciado. Se o Ministério Público tivesse tomado atitude de tomar uma atitude desse crime, a minha filha estaria viva hoje. Mas eles fizeram vista grossa porque eu não sou conhecida na sociedade e, por isso, eu sou vista como um descaso. Obrigada. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Receba a nossa solidariedade. E esta Comissão, desde o início, lhe deu a palavra, a voz para que fosse possível a denúncia. E a Senadora Vanessa Grazziotin, que é do seu Estado, como já foi dito, tem acompanhado o caso em nome da nossa Comissão também. Passo a palavra... Eu quero registrar, após o pronunciamento emocionante de Dona Antônia, eu quero aproveitar para registrar as presenças do Sr. Angelo Lambert, que é oficial de Cooperação Sul Sul e Gênero da Unicef; o Sr. Renato Alves dos Santos, representando a Fundação Abrinq; os estudantes da UnB integrantes do centro de convivência negra, que também fazem parte hoje aqui dessa nossa audiência, e agradecemos com muita alegria o entusiasmo, a presença de vocês porque isso significa que a nossa luta terá continuidade. O Dr. Eduardo Bahia, secretário interino da Juventude do Governo Federal; e o Sr. Jeferson Lima, secretário da Juventude do PT. Vamos passar, dando continuidade, passar a palavra a Cristian Ribas, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, por cinco minutos. O SR. CRISTIAN RIBAS - ...a todos e todas. Quero inicialmente também agradecer em nome do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Conselho que foi criado um dia antes do golpe de 1964, o conselho mais antigo, que tem prerrogativas de garantir e promover os direitos humanos não do ponto de vista da política pública, mas do ponto de vista de intervenções e situações de graves violações de direitos humanos. E que hoje, novamente, volta a atuar em uma conjuntura de exceção. A gente tem observado que o processo de extermínio ou genocídio, como nós do movimento negro tratamos esse comando, essa morte programada de jovens negros no Brasil tem crescido. Nos últimos anos, o índice de vítimas de mortalidade da juventude negra no Brasil quase dobrou. |
| R | Isso mostra que mesmo que a gente tenha avançado no conjunto de políticas públicas que deram maior acesso à população negra às oportunidades, como, por exemplo, a política de cotas, e há um conjunto de políticas sociais... O modelo de segurança pública, a lógica racista, a lógica do Estado tem que ser aperfeiçoada no sentido de tentativa recorrente de eliminação da população negra que se inicia desde o processo da escravidão e sua abolição até a sua sofisticação a partir do Estado brasileiro que atua sobre as suas diversas instituições. Esse processo de extermínio sistêmico da juventude negra se estrutura sobretudo por essa cultura racista, pelo Estado que organiza as relações sociais, que organiza os mecanismos de atuação do Estado brasileiro. Esse processo, o genocídio da juventude negra... (Falha na gravação.) ... ausência do Estado, ausência de política pública que garanta a cidadania, o acesso e o exercício de direito da juventude brasileira, sobretudo nos territórios mais periféricos. Esse processo se dá sobretudo pelo nosso modelo de segurança pública, por uma polícia que é totalmente incompatível com o Estado democrático de Direito, por uma política de drogas que cria justificativas que supostamente justificariam uma ação violenta da polícia em alguns territórios, uma política de drogas que serve como elemento articulador de um conjunto de violações nesses territórios. E, sobretudo, pela ausência de mecanismos de controle das polícias e do Estado brasileiro. Nesse sentido, é importante ter a participação do Ministério Público neste debate, neste espaço. Mas é fundamental dizer que o Ministério Público tem sido conivente com a mortalidade da juventude negra do Brasil, da população negra como um todo. O Ministério Público tem o papel de regular, de acompanhar, de fiscalizar a atuação das polícias no Brasil. E hoje, com o mecanismo do auto de resistência, que é o modus operandi que afasta da investigação mecanismos fundamentais do inquérito policial, como a garantia da perícia, a comunicação das vítimas... Enfim, os autos de resistência significam isto: a ausência de todos os mecanismos legais para que aquele crime, para que aquela morta seja devidamente investigada. Ela não tem sido denunciada pelo Ministério Público. Menos de 5% dos inquéritos policiais são denunciados pelo Ministério Público. Ou seja, como já foi dito, o Ministério Público passa batido, não investiga, não se posiciona com relação aos crimes que são cometidos por agentes de segurança pública do Estado, simplesmente porque o policial alegou que houve resistência seguida de morte, que ele agiu em legítima defesa. Então, esse mecanismo dos autos de resistência é hoje o principal instrumento que legitima essa ação violenta, essa ação genocida, essa ação bárbara do Estado brasileiro. Infelizmente, o Ministério Público, ainda que tenha um conjunto de atores, um conjunto de figuras que têm interesse em enfrentar essa realidade de uma forma institucional, pela sua atuação nos Estados, pela sua atuação federativa, não tem cumprido o seu papel de fiscalizar as polícias. |
| R | No mesmo sentido, estão a falta de estrutura ou a ausência das ouvidorias e das corregedorias das polícias. Sobretudo das polícias militares. A gente tem hoje ouvidorias e corregedorias da Polícia que estão dentro da estrutura militar, e uma lógica de corporativismo impede que esses policiais tenham as suas condutas devidamente apuradas. Então, o Conselho Nacional do Ministério Público apresentou uma nota técnica apresentando recomendações para que... (Soa a campainha.) O SR. CRISTIAN RIBAS - ... essas mortes fossem identificadas, nós tivemos uma alteração na legislação, mas que se deu recentemente, sobretudo ao mecanismo de registro da Polícia Civil e da Polícia Federal, uma vez que nós sabemos que mais de 80% das mortes decorrentes de agentes de segurança pública se dá no âmbito da Polícia Militar. A Polícia Militar, que é a instituição que mais mata no âmbito do Estado brasileiro, ainda é uma instituição que está livre de punição, que está legitimada por uma legislação que não garante que a sua ação seja devidamente investigada. Assim, no mesmo sentido, nós temos o Poder Judiciário, que legitima e cria mecanismos para que esses crimes não sejam punidos. Nós tivemos nos dois últimos anos a chacina de Belém, a chacina de Manaus, Osasco, Cabula, Barueri e diversas outras chacinas no nosso País. Em Cabula, Salvador, mais de 15 jovens foram executados, o laudo cadavérico mostrou que seus braços estavam quebrados, os projéteis foram de cima para baixo, isso mostra que eles estavam em posição de rendição, foram executados, e nenhum policial foi preso. Então, sem dúvida alguma, esse extermínio sistêmico de jovens negros no Brasil, a violação mais gritante de direitos humanos em nosso País, a nossa sociedade ainda não está sensibilizada ao que representa esse cenário, e nós, organizações de juventude negra, organizações de direitos humanos, cumprimentamos o Parlamento brasileiro, o Senado, por essa iniciativa que destoa do conjunto de suas ações que têm como sentido consolidar o Estado democrático de direito. Hoje, lutar pelos direitos humanos, lutar pelo direito à vida é lutar para que novas legislações que garantam, de fato, a integridade da vida da juventude negra sejam estabelecidas. Obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Cristian, que traz a palavra do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, com muita realidade, com muita verdade e com, mais uma vez, a denúncia da situação por que passa o jovem negro no nosso País. Dando continuidade, eu passo a palavra a Dandara, que é do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Social. |
| R | A SRª DANDARA TONANTZIN SILVA CASTRO - Obrigada. Axé, mukuiu a todos e todas! Quero, primeiro, saudar os mais velhos e também os mais novos aqui presentes. Quero dizer-lhe que para nós, do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial - e também represento aqui o Coletivo Nacional de Juventude Negra - Enegrecer - é muito satisfatório ver um relatório do porte, do calibre que esse tem hoje, sendo entregue à sociedade. Quero dizer também que essa seletividade de mortes que o relatório aponta é fruto do racismo sistêmico que os companheiros que me antecederam já colocaram aqui. Sou estudante de Pedagogia, da Universidade Federal de Uberlândia, mas gosto, também, muito, de brincar com números. Temos 516 anos oficiais de história do Brasil. Desses 516 anos, nós temos só 128 anos sem uma escravidão, de fato, legítima. Nesses 128 anos sem escravidão, nós passamos por duas ditaduras. Agora, mais uma vez, por um ataque duro e frontal à democracia. Infelizmente, nós defendemos a democracia, mas ainda não vivenciamos, na prática, o estado democrático de direito, na periferia. Muitas pessoas se assustaram com condução coercitiva escancarada na mídia. Para nós, condução coercitiva acontece a cada hora nos becos, nas ruas, nas vielas deste País. Infelizmente, são naturalizadas e silenciadas as mortes da nossa juventude, que também têm a contribuição dos programas sensacionalistas de televisão, programas que aplaudem quando a polícia dá um tiro de 12 na cabeça de um jovem que pegou um biscoito recheado na padaria, mas que se cala quando um ladrão de merendas do Estado de São Paulo sonega impostos e rouba a merenda dos estudantes. É contra esse tipo de orquestração que nós lutamos hoje em nossa sociedade. Há uma mídia que faz questão de "sensacionalizar" as nossas mortes, que naturaliza cadáveres caídos por mais de 12 horas nas ruas, mas que se cala diante de tantos crimes que ocorrem hoje em nossa sociedade. Reivindicamos o termo genocídio principalmente por entender que há uma ação orquestrada. Não é uma ação isolada ou por parte, unicamente, de uma pessoa ou de um organismo, é uma ação orquestrada do Estado brasileiro que tem o racismo como um dos pilares que estruturam a sua concepção social, econômica e produtiva. Nós também denunciamos o genocídio por entender que ele é contra um povo. Por isso esse documento tem um valor simbólico e real para o nosso tempo histórico muito grande. O genocídio está sendo denunciado em um documento oficial do Estado brasileiro. Esse relatório tem uma importância muito grande para a gente. O Estado é culpado quando age e quando não age nas periferias e nos espaços vulneráveis, quando ele age com o Caveirão entrando no Morro do Alemão e quando ele não age para colocar equipamentos e dar estrutura para a juventude negra da periferia. A juventude teima em se reinventar e resistir a tudo isso. Nós somos uma geração que, mais uma vez, reafirma a estética e a identidade negra enquanto mecanismo de resistência. |
| R | Nós somos a geração que reafirma a importância do hip hop, do estêncil, do grafite, do piche como resistência da juventude negra da periferia enquanto forma de denúncias dos ataques cotidianos que nós sofremos. Mas, ao mesmo tempo, somos a geração que vê, cada dia mais, os nossos irmãos e irmãs sendo mortos. Agora para nós não há reparação, caros companheiros e companheiras, sem que haja instrumento público para essa reparação ser feita. Como vamos debater reparação para o povo negro com o fim da Seppir? Como vamos debater reparação para a juventude com a extinção da SNJ? Como é que vamos debater reparação para as mães que aqui já fizeram seus relatos com a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres sem uma secretaria nacional sequer? A SPM está sendo mais do que extinto nesses últimos dias; a SPM está deixando de ter aparatos e estruturas públicas para existir no interior desse Governo ilegítimo, fascista e racista que é o do Michel Temer. Esse Governo avaliza a morte da juventude negra quando coloca o Sr. Alexandre no Ministério da Justiça. Nós, jovens negros de São Paulo, não conhecemos as políticas públicas do Estado para combater o extermínio da juventude negra, mas conhecemos muito bem o cheiro das bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo que o Sr. Alexandre autorizou... (Palmas.) ... que a Polícia jogasse sobre a juventude que ocupava as escolas no Estado de São Paulo. Então, a juventude negra se reorganiza e defende as ações que estes relatórios, tanto do Senado como também da Câmara, entregam. O relatório da Câmara propõe também uma série de medidas - e aqui eu quero de público agradecer o trabalho do nosso Deputado Reginaldo Lopes, que muito tem remado naquela Casa nefasta e conservadora, sendo ameaçado por coronéis e por delegados, que também são Deputados naquela Casa, mas insiste em encampar várias medidas. Uma delas é o plano nacional de enfrentamento de homicídios, o PL nº 2.438, já criado. A União Nacional dos Estudantes (UNE) organizou, há uns dois meses, uma campanha nacional pela imediata aprovação do PL nº 2.438, que visa criar o plano nacional de redução de homicídios, que tem metas e objetivos para os próximos 10 anos, unificando União, Estados e Municípios para reduzir a menos de um digito a morte da juventude nas cidades, nos Estados, especialmente nos locais onde é mais vulnerável. Esse plano também cria o desdobramento de diversas leis como, por exemplo, a da perícia autônoma. Não dá mais para a Polícia que mata ser a Polícia que investiga... (Palmas.) Essa é uma das maiores causas de engavetamento das mortes. A Polícia que mata não pode ser mais a Polícia que investiga. Por fim, quero dizer que nós repudiamos os casos em que se tenta justificar uma nova política de segurança pública, uma falsa sensação de paz, com as mortes da nossa juventude negra e também com a morte dos negros e negras da periferia. Cláudia, Amarildo jamais serão esquecidos! Nós não esqueceremos os nossos mortos. Se nós relembramos, nesta última década, os mortos da ditadura, nós estamos vivenciando hoje os mortos da democracia e eles não serão silenciados. Muito obrigada a todos e todas. |
| R | (Manifestação da galeria.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passarei a palavra agora, agradecendo a fala importante para o nosso trabalho da companheira Dandara, a Adailton, para que possamos encerrar esta Mesa. Nós já ouvimos, com o encerramento desta Mesa, cerca de quinze pessoas e ainda temos mais três Mesas aqui inscritas a se pronunciar. Por isso, eu peço que a gente respeite o tempo dos cinco minutos que eu tenho tolerado muito aqui. Quando falta um minuto, há uma sirene, uma campainha que dispara e eu peço por favor que a gente possa sistematizar o raciocínio a partir daí, senão não teremos condição de ouvir a todos que se inscreveram. Tá bom? Muito obrigada. O SR. ADAILTON BORGES DOS SANTOS - Boa tarde a todas e todos, quero agradecer a iniciativa e esta Comissão também na figura de Lídice, minha conterrânea, agradecer aqui também o convite a esta Mesa posta e sobretudo a Plenária, que estava recheada de jovens aqui. Conforme a gente sabe, o tempo está extremamente curto, e, a fim de que a gente tenha outras colaborações aqui também, eu vou ser breve na minha fala. Vou reforçar algumas coisas que aqui foram ditas para que não esqueçamos, porque nós sabemos que nós somos o País que não discute a memória, nós temos uma memória extremamente curta. Então, eu vou reforçar aqui algumas coisas mais, óbvio que já foram ditas, algumas outras já foram faladas, eu não vou me estender, mas me pego aqui para logo salientar que o racismo mata. Eu vi meu amigo e meu companheiro Frei Davi ali chorando, e isso maltrata a gente, vi minha irmã Débora também e vi minha irmã Antonieta aqui como os demais se emocionando com o processo do que estamos discutindo aqui. Isso provoca uma emoção muito grande. E aí eu digo são anos de luta para um processo que a gente está pedindo aqui. O movimento negro fez seu papel, e os movimentos sociais, de diversas formas, em várias vertentes e sem ferramentas para a atuação naquilo que a gente já falava lá atrás, há muitos séculos, e aí a gente vai ter que trazer a lembrança aqui, trazer a lembrança de que a gente está trazendo sobre o racismo. Há um processo que é o racismo que estamos discutindo, a forma de ele atuar vem das diversas nuances. O feminicídio atua com os nossos jovens, ele cai na nossa sociedade com a droga implantada ali, porque nós temos um problema fronteiriço que não é resolvido, mas ela chega nas nossas comunidades e seduz nossos jovens. Nós, então, acabamos perdendo todo nosso processo de vida, nossas mães, etc. Antes de mais nada, eu ia fazer isso logo antes, eu sou Adaílton Borges ,sou filho de Xangô e Exu, eu era Conselho Nacional de Segurança Pública, não faço parte mais, entregamos a nossa cadeira - e publicamente aqui também -, entregamos porque não pactuamos com esse Governo interino, nossa legitimidade é muito mais forte, ela independe disso. Eu faço parte do coletivo de entidades negras no movimento negro, faço parte da coordenação nacional da frente contra a redução da maioridade penal, componho também a Comissão da verdade aqui no DF. |
| R | Então, essas são as minhas contribuições. Falando de memória, trazer aqui para a nossa memória atual as discussões sobre racismo científico, como ele se perpetua até hoje. Para isso, eu vou lá atrás, eu vou muito longe para trazer um processo que hoje é ferramenta de matar, o racismo científico. E aí vai de frente com a instituição policial para determinar que o processo ambrosiano ainda perpetua, e a gente não incide, não atua. Nós temos aqui, agora, uma ferramenta para a qual nós precisamos ter atenção às diversas recomendações, aos diversos pedidos feitos nesse relatório robusto, forte, bonito, maravilhoso, mas que precisa andar, que precisa fluir. É preciso ser dada atenção a toda fala aqui possível, toda fala aqui merece ser muito bem ouvida, e a gente vai para a atitude da questão de incidir sobre a instituição policial, que pratica seu ato mais perverso com políticas de grades de 1888, ou lá atrás ainda, e que se perpetuam até hoje. Por que isso? Por que até hoje eu vou ficar fazendo perguntas, a quem eu vou fazer as perguntas, se todo mundo aqui concorda que o problema do País é o racismo? Nenhuma fala aqui foi diferente - nenhuma fala aqui foi diferente! -, mas por que a gente persiste no processo de que o País precisa discutir o racismo e, no entanto, ele tem pernas e braços, ele tem uma instituição forte e robusta. (Soa a campainha.) O SR. ADAILTON BORGES DOS SANTOS - Alguma coisa está errada, há algo errado. Bom, nós temos aí uma ferramenta, o que dela faremos? Teremos diversas outras mais propostas, nós estamos tendo acessos, mas o que faremos desses acessos, dessas oportunidades de discutir de forma mais veemente no contexto institucional? Porque na base a gente faz, a base é a gente que faz; é a mãe que vai fazer quando ela vai tirar o filho da droga, ou não, ou quando ela vai chorar o seu morto, ou somos nós, quando atuamos nas comunidades. Nessa base nós atuamos, nós sabemos fazer isso, essa é a parte que nós sabemos fazer. E institucionalmente, no que nós precisamos avançar? Concordo com o Cristian, sim, devemos cobrar do Ministério Público a omissão do Estado, devemos dar nome. Não precisamos estar amparados no amiguismo, nós precisamos dar o nome de quem se acovarda para lutar contra o extermínio, porque para mim isso não passa de falácia se nós não resolvermos, baixarmos esses números. (Palmas.) Não adianta a gente ficar vendo aqui irmãos e irmãs na luta, o tempo todo chorando - como nós choramos também -, porque isso machuca a gente. Quando eu comecei a minha fala, eu disse: o racismo mata, e ele é perverso, extremamente perverso. Ele aleija e ele tem feito isso de forma muito contundente e disfarçada, vestido de bom-mocismo. Só para finalizar - porque, conforme eu disse, eu preciso colaborar para que os demais irmãos que eu quero ouvir, os irmãos mais velhos também possam falar aqui -, quero só trazer a cidade de Salvador, que é uma mentira. Aquele lugar é uma mentira vestida de muita festa, disfarçada. Uma mídia mentirosa vende um Carnaval robusto, o governo do Estado vende corpos de mulheres negras e vende capoeiristas, e isso é velho, isso é muito velho, e a lógica não muda. Aí você me diz assim: "como é que pode, uma cidade que tem quase 80% de pretos, mas como, com qual pertencimento, se tudo o que a gente apontou aqui são as mazelas antigas que eles sofreram com a falta de educação, essa falta do pertencimento, inclusive cultural, a sua percepção e o seu direito a constituir o seu pertencimento religioso?" |
| R | Uma cidade que vende mentira, em que, até hoje, senhoras de idade vão catar latas no Carnaval, um momento festivo, em que a gente vê meninos, usuários de crack, tomando conta de corda, fazendo papel de segurança. Segurança de quê? Estou avisando: aquilo lá é uma mentira! A gente precisa denunciar isso também. Proponho aqui também a instalação de uma CPI sobre as chacinas que acontecem no Brasil, sobretudo sobre essas que o Cristian acabou de citar. Muito obrigado. Boa tarde! (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Muito obrigada a todos vocês! Peço delicadamente que saiam da mesa, para que possamos dar continuidade à próxima Mesa. Obrigada. Como eu disse, há mais três Mesas ainda. Portanto, vou enfatizar, neste momento e durante as nossas próximas Mesas, como é natural, a questão do horário. Já passamos para a parte da tarde, e, à tarde, há outro tipo de programação no Senado. Eu gostaria de chamar Vera Lucia Andrade de Freitas, mãe de jovem assassinado, indicada pelo movimento Mães de Maio; Dulce Maria, representante da Comissão Permanente de Combate à Tortura e à Violência Institucional; Edson Lopes Cardoso, professor universitário e militante da causa; Vanda Sá Barreto, socióloga e consultora; Jucelia Maria dos Santos, também mãe de jovem assassinado, indicada pelo movimento Mães de Maio. São duas mães. Neste bloco, há mais cinco pessoas. Eu pedirei às cinco que façamos um esforço para usar estritamente os cinco minutos, para que não prejudiquemos as outras Mesas. No início, não há jeito, a gente sempre é mais liberal, para dar início a todo o processo de organização. Estão faltando as plaquinhas. Vou seguir pela lista que tenho em mão. Peço para que fale a Srª Dulce Maria, representante da Comissão Permanente de Combate à Tortura e à Violência Institucional, por cinco minutos, que serão contados a partir de agora. A SRª DULCE MARIA - É uma honra estar aqui, principalmente com esta mulher cuja luta é extraordinária, a Senadora Lídice da Mata. Ressalto o trabalho muito importante do Senador Lindbergh. Eu gostaria de dizer, inclusive, que é claro que há uma discussão séria sobre o assento nas Comissões. Eu falarei disso a seguir. Inicialmente, é muito importante que esse relatório traga uma reflexão, uma constatação e a construção histórica do Movimento Social Negro, do Movimento Negro. Nós nos lembramos, por exemplo, que foi em 1978 que o Movimento Negro foi às ruas para denunciar a violência e o assassinato de jovens negros, principalmente a partir da morte de Robson Silveira da Luz, que foi falsamente acusado de ter roubado frutas e que, por isso, foi assassinado na Polícia de Guaianazes, em São Paulo. |
| R | Foi o primeiro momento em que essa geração do Movimento Negro, da qual faço parte, e do Movimento Negro Unificado, com Lélia Gonzalez, com Hamilton Cardoso, com outras pessoas que têm uma marca muito importante na nossa história, trouxe essa questão, trouxe o problema, dando visibilidade ao que significa a morte programada, sistêmica, cotidiana de jovens negros no Brasil. Obviamente, isso nos faz perceber que esse relatório tem um papel extraordinariamente relevante nessa disputa cotidiana, disputa de valores, disputa de organização e de estruturação do nosso próprio País, do Estado, disputa que nos mostra também, pela forma como se organizam os interesses hegemônicos, que a população negra só serviu, só foi de interesse real para os grupos hegemônicos quando era escrava, porque representava, então, parte do seu capital na economia naqueles períodos de escravidão. Depois disso, a partir daí, a população negra sempre foi sobrevivente. Nós somos sobreviventes, única e exclusivamente sobreviventes. Esse estudo ainda mostra, de forma muito relevante, essa extraordinária simbiose de interesses do Estado e de interesses da sociedade representada no Estado, interesses que são movidos principalmente pelos grupos que, cotidianamente, exercitam seu racismo, seu poder de gênero sobre as mulheres e seus interesses de classe. Além disso, o que é terrível, isso é o que define a ação do Legislativo, do Judiciário e do Executivo. Então, quando falamos da criminalização da juventude, quando falamos da utilização do gênero para submeter, oprimir, explorar, desqualificar, agredir, violentar e matar mulheres, quando falamos da condição - isto é dramático - de seres passíveis... (Soa a campainha.) A SRª DULCE MARIA - ...e automaticamente conduzidos para um processo de morte, que são os jovens negros, nós estamos falando de uma realidade cotidiana no Brasil, nós estamos falando de disputa por territórios, nós estamos falando, inclusive, da permanente construção dessa desigualdade e, principalmente, desse lugar que é colocado para os jovens negros. O lugar dos jovens negros é o lugar da morte. Nós mães negras... Sou uma mãe negra que não durmo enquanto meus filhos não me avisam que chegaram a casa ou que estão abrigados. Essa é a realidade de todas as mães negras do Brasil. É ou não é? E é a realidade da maioria das mães. Digo de mães e pais, mas, sobretudo, resta às mulheres esse papel. Então, nós somos, com filhos vivos ou com filhos mortos, absolutamente solidárias a cada jovem assassinado pelo Estado e pela sociedade neste País. Além disso, é preciso entender o seguinte, que é o que o relatório mostra: se há um jovem negro morto a cada 23 minutos, se 77% dos jovens assassinados são negros, ou seja, 93 homens, qual é a nossa realidade, senão a realidade de genocídio? |
| R | Se há essa realidade de genocídio, total fragilidade da juventude negra, nós precisamos pensar se o Estado brasileiro tem condições: primeiro, de estruturar inteligência para combater essa realidade; de assegurar punição célere, com transparência, em todos os casos de agressão e violação de direitos; de criar programas e processo de combate à política e às redes de narcotráfico de drogas no País, que vulnerabilizam todos os jovens e todos nós; se tem condições, de fato, de implementar controle social das polícias; se tem, de fato, interesse e condições, sobretudo esse grupo hegemônico, golpista, se teria e terá condições de implementar políticas públicas de proteção, apoio e prevenção. Com um documento como este, que compromissos nós podemos assumir? Com quem contamos? Ou continuamos com os dados, agora extraordinariamente bem colocados, e por nossa própria conta ainda. Eu acho que não nos resta senão recorrer, de fato, não apenas aos sistemas nacionais, mas também às cortes internacionais. (Palmas.) Acho que é inevitável. Vou encerrar. Meu tempo se deu. Eu tinha mais duas questões para falar. Mas é fundamental que consigamos trabalhar pela transformação do sistema de comunicações que demoniza jovens, demoniza juventude e, sobretudo, desqualifica e consolida o imaginário social excludente que se estrutura no Brasil. Portanto, muito obrigada. Certamente a nossa luta continua. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada pelas contribuições. Se tiver mais alguma, pode deixar por escrito que nós veremos como incorporar. Passo a palavra à representante do Movimento Mães de Maio, a Srª Vera Lucia Andrade. A SRª VERA LUCIA ANDRADE DE FREITAS - Boa tarde a todos e a todas. Sou uma mãe de maio e perdi meu filho no dia 17 de maio de 2006. Meu filho havia ido para a escola, atendendo a um pedido do Secretário de Segurança Pública de São Paulo e de Santos. Foi para uma escola pública do Estado estudar. E, infelizmente, foi assassinado por grupos de extermínio, que, naquela época, saíram à rua para matar quem encontrassem pela frente. Infelizmente, a escola fechou as portas e dispensou os alunos. Meu filho foi assassinado junto com seu amigo, Ricardo Porto Noronha, que só tinha uma avó. A mãe e o pai já eram falecidos. E essa avozinha que o criava; hoje, falecida. Não aguentou tamanha tristeza. Ela sempre me pedia para que, onde eu fosse, falasse desse jovem. Ela não tinha mais condições de andar, mas, que se ela fosse mais jovem, também ia lutar. |
| R | A partir daí, as mães de maio foram se juntando: a Débora, a Nalva, a Sônia, a Ilza, a Rita, a Márcia. Tantas mães que, de maio, passaram para todos os meses, porque, infelizmente, nossos filhos foram morrendo todos os dias. Não foi só em maio. Continuaram morrendo. Cada jovem que cai, que morre, é a mesma coisa que fosse meu filho. Foram dez anos, mas, para mim, é como se fosse hoje, porque, a cada momento, um jovem cai, e ele é meu filho. A Dandara está pedindo para... Ela era uma das nossas filhas? Sim. Nós temos filhos mortos, muitos filhos mortos, infelizmente, e filhos vivos. Eles que nos ajudam a andar, a lutar por esses jovens, porque a gente não tem mais como ver tantos jovens sendo mortos. Infelizmente, a gente não tem Justiça. São dez anos. Nossos processos foram todos arquivados. Uns com menos de um ano. E, se olharmos cada um deles - o processo do meu filho, eu vi -, não houve investigação nenhuma. Nenhuma! Nada foi feito. Ele é cheio de carimbos. Foi encaminhado para o Ministério Público, e o Ministério Público devolveu. Só isso. Os processos do Ricardo e do Matheus foram juntados porque nós pedimos, porque eles tinham separado. Era como se fosse um lá, outro cá. E a gente conseguiu mostrar que se tratava de dois meninos que haviam ido para a escola e que tiveram seus direitos negados à vida. O Ricardo queria ser jogador de futebol. A avó conta que, meses depois, ligaram, oferecendo um clube para ele jogar. O Matheus queria tentar uma faculdade, uma universidade. Por isso queria terminar aquele ano. A gente foi vendo mães de jovens que iam trabalhar; outros simplesmente saíram para se divertir. (Soa a campainha.) A SRª VERA LUCIA ANDRADE DE FREITAS - E não tiveram seus direitos garantidos por este Estado. Até hoje a nossa luta é ir atrás dessa justiça, que até agora não foi feita. Infelizmente, há dez anos. Você não vê justiça. O que mais mata é a impunidade. É ver que nossos filhos simplesmente não eram nada. Eles não tiveram família, não cresceram, não foram batizados, não foram à escola. Eles não tiveram nada! Simplesmente, é como se matassem uma formiga, e acabou. O Estado não deu uma resposta. Quando meu filho faleceu, eu tive certeza de que haveria justiça. Haveria uma boa investigação, iam encontrar os culpados, eles iriam à Justiça e seriam condenados. E o que eu vi foi totalmente o contrário. Meu filho não teve voz, mas agora ele tem voz, porque as mães não vão deixar isso barato. A gente vai cobrar até a última instância. Eles têm que dar uma resposta para cada uma de nós. E tenho certeza de que eles estão aqui; eles e as mães que, infelizmente, não puderam estar aqui, e que gostariam de estar. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada por mais essa denúncia, essa emoção, essa inspiração para que continuemos a lutar. Passo a palavra à Srª Vanda Sá Barreto, socióloga e consultora, para prestar suas contribuições. A SRª VANDA SÁ BARRETO - Boa tarde a todos e a todas. Inicialmente, eu gostaria de agradecer a esta Comissão, particularmente na pessoa da Senadora Lídice, a oportunidade que me foi dada de estar compartilhando desse processo da CPI e estar aqui neste momento. Evidentemente, eu me sinto contemplada por muitas das falas dos oradores que me antecederam. Vou tentar ser rápida, focando apenas em algumas dimensões. Eu tendo a ter uma fala semelhante à do Adailton, que me antecedeu. Hoje nós temos um documento reconhecido por todos aqui como fiel a um pensamento da sociedade civil brasileira, e acho que deveríamos fazer uma reflexão, na direção do que falaram o Relator, a Presidente e alguns outros que me antecederam. Eu gostaria de destacar a postura adotada pela relatoria. Acho que nós devemos destacar duas coisas: esse compromisso, a postura adotada de responsabilizar o Estado brasileiro por suas ações e por suas omissões. Digo isso sustentada por um discurso, uma narrativa que enfatiza a questão do racismo como algo estruturante na sociedade brasileira. Isso é importante, e acho que já foi um elemento suficiente, que a fala aqui do Subprocurador e de outros representantes do Ministério Público de um modo geral já produziu algum efeito. No sentido da sequência, da continuidade da nossa luta, pra mim isso já é um ganho adicional. Temos de nos perguntar de que forma, Senadora, nós que não estamos no Parlamento podemos contribuir para dar força num momento em que temos um Congresso Nacional absolutamente refratário - e não só refratário, proativo na direção da derrubada dos direitos sociais neste País. Acho que esse tem de ser um compromisso de todos nós: continuarmos esse embate mesmo que entre nós haja algumas divergências, algumas discordâncias. Nós estamos num momento de unir forças e estabelecer pautas mínimas. |
| R | A postura do relatório me agrada, porque poderia ter saído muito mais coisa como proposição; no entanto, houve uma focalização. Por exemplo, dois parágrafos me chamaram a atenção na parte do diagnóstico. Acho que é cuidadosa uma afirmação de que o relatório não logrou êxito em assinalar conclusivamente a causa do genocídio da população negra. Acho que quando durante todo o relatório há um discurso que comprova isso... Então, acho que esse conclusivamente é uma coisa que pesa no discurso. Se o senhor for pegando as outras partes do relatório, não bate. Também me faltaria uma proposição vinculada a isso. A posição do Subprocurador nos dá força para levar avante a questão do genocídio, nos dá força para trabalharmos junto a todas essas instâncias de Estado que poderiam nos ajudar. Outra coisa que acho que também tem um valor positivo - e pra gente ver como nós, mais do que proposição, estamos precisando é de ação coordenada para levar avante as pautas que já estão em debate... Este relatório incorpora coisas da CPI da Câmara, avança um pouco mais em duas coisas que são importantes e que já estavam lá, assumindo isso que foi feito na CPI da Câmara - a PEC 126, que se tornou a PEC 126, e a PEC 51. A PEC 126 é fundamental nessa nossa estratégia, porque é a questão do Fundo de Promoção da Igualdade Racial. Ele só pode ser alterado por emenda à Constituição, porque está lá a distribuição dos recursos, etc. Essa é uma luta, e foi uma luta perdida que nós tivemos com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. É hora de voltarmos a botar isso na nossa pauta, nós enquanto movimento social. Este momento, com certeza, é um momento de celebração - mas é um início de luta, em outro patamar. Eu queria dar uma contribuição. Uma das proposições, que é o Plano Nacional de Enfrentamento - que nome tenha, de enfrentamento -, há quase dois anos rola nos gabinetes do Executivo, no Ministério da Justiça, e ninguém sabe o que é esse plano. Houve uma audiência aqui, uma exposição, e toda vez que se questiona o Ministério da Justiça, o que ele diz? "Ah, daqui a seis meses." Há uns seis meses que foram para as calendas gregas. Acho que o que se está colocando como plano no relatório está genérico demais, Senadora. Então, ele caberia - aí, sim, tem a tramitação legislativa... Esse plano não vai para aprovação nesse teor, ele tem de ser... Eu não sei, porque não entendo muito desse trâmite legislativo. |
| R | Ele tem de ser mais aprofundado e especificado. Não pode um relatório desse, salvo engano, porque nós recebemos isso de qualquer forma ontem, toda a nossa leitura pode estar prejudicada, não se referir ao Estatuto, que é um instrumento fundamental nas políticas. Nesse sentido, conquanto sejam duas coisas estratégicas, que é a questão do Fundo, que é a questão da segurança pública, eu senti falta - e digo que posso ter feito uma leitura tão rápida que não captei isso - da questão do Sistema de Garantia de Direitos, que está no lixo. Temos hoje um Sistema de Garantia de Direitos considerado exemplar, que nunca foi posto em funcionamento na sua plenitude. Morre-se pela polícia, pelo Estado, dessa forma, mas o Estado tem outra, que é o dentro do Sistema de Garantia, quando ele não assegura a total observância da defesa dessa juventude. Então, eu acho que esse é o desafio - eu e acredito que a maioria aqui está disposta a contribuir para que a gente avance e aprofunde isso -, esses são os desafios postos, a partir deste momento, dentro da Comissão. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Como sempre, muito rica a sua contribuição. Eu passo a palavra ao Dr. Edson Lopes Cardoso. O SR. EDSON LOPES CARDOSO - Obrigado, Senadora. Quero cumprimentá-la pela sua participação na CPI e ao Senador Lindbergh, que não está. A minha preocupação vai muito no sentido de Vanda. Por exemplo, eu recebi agora o relatório. Ela já teve contato com ele ontem; eu tive agora. Mas acho que alguma coisa pode ser marcada pela Senadora, no sentido de, dando um tempo de contato com o relatório, reunir um grupo de trabalho em que a gente colocasse essas reflexões um pouco mais sistematizadas. É uma sugestão. Mas não quero fazer diagnóstico na minha fala, realmente, não vou fazê-lo. Acho que fizemos muito pela manhã, estamos de acordo. Eu quero chamar atenção para alguns aspectos de um tema, digamos assim, com o qual a gente mexe há muito tempo. O meu primeiro texto publicado sobre esse assunto é de 1987, um editorial chamado "Furor genocida", em relação à violência que existia no período contra a população negra. A gente dedicou todo um jornal tabloide a essa violência. Então, estamos aí. Quando Dulce fala de 1978, ela não lembrou, mas poderia ter lembrado que foi o lançamento de Genocídio do negro brasileiro, de Abdias. O livro teve prefácio do Florestan, necessário, porque era necessário um Florestan para avalizar a ideia de genocídio da população negra, que é o que ele faz no prefácio, porque falar em genocídio da população negra em 1978 era alguma coisa que parecia uma aberração, quando Abdias lançou o livro. De lá para cá, a gente já tem um acúmulo. Mas o que ficou claro aqui hoje, e a Vanda colocou isso muito bem, é o seguinte: nós temos de parar de falar que é genocídio e dar encaminhamento. |
| R | E quais são os encaminhamentos que temos de dar quando se trata de uma ação genocida? Quais são os encaminhamentos? É isso que acho que o relatório tem de apontar. Ou seja, se eu digo que é genocídio, quais são os encaminhamentos que eu teria de dar? Se não, a gente vai cair de novo no genocídio, no genocídio... Eu vi no jornal O Globo há uns dois anos um editorial quase entre parênteses, quase genocídio. Então, há um quase genocídio. Aí você fica pensando quando é que completa, é um número, quando é isso? Então, a coisa vai virando brincadeira. Se há genocídio, a gente precisa pensar o que isso significa, mas temos de agir nas instâncias devidas, porque falar em genocídio tem implicações do ponto de vista legal, do ponto de vista dos fóruns, do ponto de vista das ações que você tomará. Então, isso é muito importante. Outra coisa é falar que isso está naturalizado, que há uma sociedade que legitima. Como é que a gente vai enfrentar isso, então? Isso a gente precisa deixar claro. Houve insinuações aqui sobre o papel dos meios de comunicação. A gente tem de ir além dessas insinuações. Os meios de comunicação jogam um papel decisivo nessa legitimação. Vejam o que aconteceu com o Italo na quinta-feira. Eu estava assistindo ao jornal da tarde. Estava lá a cena. A cena estava lá, mas o repórter, a bancada do jornal falava outra coisa, chamava os garotos de criminosos e falava de resistência, quando, na verdade, nós estávamos vendo na imagem o policial chegar, constatar quem era, se afastar e atirar. Todo mundo viu isso - todo mundo viu isso! Essas imagens foram repetidas e repetidas. Em nenhum momento, os repórteres tratam isso, fazem exame de imagem. Então, há um papel da mídia na aceitação dessas mortes, para que você considere isso natural, em que é preciso haver ações. Por exemplo: quem trabalha com publicidade no Brasil, como é que você discute com eles a representação da população negra? Você não pode dissociar uma novela em que o negro não consegue nem ser pano de fundo, ou seja, ganhar R$50, R$100 para passar ao fundo de uma cena e dissociar isso do assassinato dessas crianças, da autorização para matar essas crianças. A autorização é conquistada na medida em que você aceita que uma novela no morro não tenha sequer figurante negro. No momento em que você aceitou isso como realidade, você está predisposto a aceitar o extermínio da população negra. (Palmas.) É isto que a gente precisa entender: que o extermínio da população negra não brota da área da segurança pública. A área da segurança pública é uma expressão de algo muito maior do que a área da segurança pública. Está na escola, quando você nega passado e realidade à população negra, essa é uma leitura de extermínio da população negra; está quando nós aceitamos a representação política absurda da população negra que existe no País, absolutamente minoritária diante do papel. No momento em que você aceita essas coisas, você está aceitando o extermínio da população negra. A gente precisa fazer esse raciocínio. As coisas não começam na área da segurança; elas têm uma expressão na área da segurança. Isso a gente precisa saber. |
| R | E, se o policial é racista, a gente não pode dizer isso num relatório sem dizer: "E nós vamos fazer o que com o policial racista?" Vai mudar o quê? O processo de seleção? Porque eu já fiz essa provocação ao Ministério da Justiça. Eu fiz o Ministério da Justiça, quando eu estava assessorando Luiza Bairros, dar uma olhada em 10 anos de edital de concurso de policiais, para saber se o que eles estão pedindo é um Rambo, ou se estão pedindo alguém que tenha consciência de direitos humanos, porque é no concurso que se diz que policial se quer. Se você quer um policial que compreenda direitos da mulher, de LGBT, direitos da população negra, você tem de deixar claro para ele, desde quando fizer o concurso, que ele será reprovado caso não tenha consciência desses conteúdos. A seleção de policial é feita para selecionar pessoas que matam mesmo! É assim que funcional. Então, se eu tenho uma crítica a fazer a isso, se eu digo que há racismo na Polícia, eu tenho de dizer o que eu vou fazer para combater o racismo na Polícia; do contrário, a gente fica falando, falando, falando, mas o que a gente vai fazer? Que medidas nós vamos aprovar... A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Onde a maioria também é negra. O SR. EDSON LOPES CARDOSO - Exatamente. Exatamente. Então, eu penso que o relatório poderia, nesse caso... Não é mudar o relatório; eu digo assim: no encaminhamento do relatório, a gente pode destacar algumas ações. A Vanda falou de algumas, eu estou insinuando algumas, muitas delas foram insinuadas em muitas falas aqui, e eu acho que, nesse sentido, a apresentação do relatório foi bastante proveitosa. Muito obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nós agradecemos muito pelas contribuições dadas e vamos incorporá-las ao relatório. Já fiz aqui consultoria para que nós consideremos isso como emendas ao relatório, e eu pediria tanto à Vanda quanto ao Edson que nos desse essa contribuição de redigi-las para que elas possam ser incorporadas - no tempo que for possível, não necessariamente agora. Nós vamos fazer o procedimento que ocorre em todo processo legislativo da Casa: nós aprovamos o documento e aprovaremos depois as emendas que forem apresentadas. Está certo? O SR. EDSON LOPES CARDOSO - O. k. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Passo a palavra à D. Jucelia, mãe de jovem assassinado, indicada pelo Movimento Mães de Maio. Logo depois, encerraremos esta Mesa. A SRª JUCELIA MARIA DOS SANTOS - Boa tarde a todos. Meu nome é Jucelia, moro no Guarujá, Estado de São Paulo, sou a mãe do Emerson, assassinado no dia 7 de setembro do ano passado por policiais militares, pelo simples motivo de estar passando no lugar errado, no momento errado, numa noite de chuva, onde não fica ninguém nas ruas. Meu filho sempre foi um menino trabalhador. Trabalhava em dois empregos, porque ele foi pai cedo, aos 17 anos, ele cuidava das filhas dele. E o pior é que eu conheço os assassinos do meu filho. Eles continuam passando na frente da minha casa como se nada tivesse acontecido, e ainda ameaçam: a gente está sentada na frente da casa, eles mostram aquela arma grande que não sei nem o nome - fuzil -, apontam e balançam a cabeça, tipo assim que vão fazer alguma coisa. |
| R | Eu já fui em vários lugares, já fiz a denúncia na DIG (Delegacia de Investigações Gerais), mas, até agora, nada feito. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Como foi a circunstância da morte? A SRª JUCELIA MARIA DOS SANTOS - A circunstância da morte foi: meu filho estava passando, que ele ia comprar um lanche. Ele saiu de casa com uma cerveja na mão. Estava chovendo, ele com uma blusa de capuz, ele pôs na cabeça e passou. Quando esses policiais chegam lá nesses locais da periferia, eles chegam atirando. Jogam primeiro bomba, daí a molecadinha sai correndo para eles atirarem. É assim que eles fazem, quando está chovendo principalmente, porque não ficam as pessoas, as donas de casa que trabalham na rua. Ficam dentro de casa, e quem está na rua sofre as consequências. Eu gostaria aqui de fazer um pedido: eu gostaria que o Estado indenizasse as minhas crianças, as filhas dele, porque elas estão passando necessidade, e eu não estou em condições de ajudar, porque eu também parei de trabalhar. Eu tinha uma lojinha de Fliperama e não tive mais condições de trabalhar. Infelizmente, as minhas crianças estão necessitadas. Então, eu gostaria muito que o Estado se responsabilizasse, porque meu filho era trabalhador. Eu estou com os documentos dele na minha bolsa, a carteira profissional, que ele era trabalhador. Ele cuidava das filhas dele. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Muito obrigada. Depois a senhora me passa. A morte dele foi em Salvador? A SRª JUCELIA MARIA DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Não, foi em Guarujá. A SRª JUCELIA MARIA DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Foi no Rio de Janeiro, então. A SRª JUCELIA MARIA DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Não; em São Paulo. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Antes de passar para a próxima Mesa, eu quero dizer que, como eu disse antes, nós estamos sendo acompanhados pela rede social, e há algumas mensagens que nos foram enviadas por meio dela. Uma é a mensagem de Aleff Fernando da Silva. Ele diz o seguinte: "Para o Coletivo Enegrecer, a defesa da democracia é fundamental para a garantia dos direitos fundamentais na juventude negra, como o direito à vida. Mas como radicalizar o sistema democrático brasileiro, para que possamos combater o extermínio da nossa juventude?" Acho que o nosso relatório pode ser um instrumento disso, Aleff. E é precisamos nos juntarmos todos, como foi dito aqui, não a partir do relatório, porque o relatório é parte de uma luta anterior, mas tendo também o relatório como um ponto de encontro para que possamos dar prosseguimento a esta discussão. Outra pergunta é de nossa amiga, que também está nos acompanhando, Flávia M. Castro: "Parabéns pelo trabalho. O assassinato de jovens, especialmente de jovens negros, é a maior tragédia deste País. Gostaria de saber como a CPI do Senado chegou aos números assustadores que foram revelados e que estão bem acima dos divulgados pelo mais recente Mapa da Violência. |
| R | Olha, nós usamos no relatório os números que foram apresentados a esta Comissão nas diversas palestras e audiências feitas com especialistas dessa área. Utilizamos dados da Anistia Internacional, do Mapa da Violência de Julio Jacobo e os dados do Ipea. Então é um recolhimento de dados que foram compilados e repassados nessas falas que aqui foram feitas. Finalmente um comentário de Marlon William Turlher Costa: A única maneira de combater o assassinato de jovens e prevenir para que eles não caiam nessa rede criminosa que está se espalhando e tornando a crescer em nosso Brasil por causa da exclusão social é levar cidadania para seus lares. Nós também concordamos com essa afirmação dizendo que levar cidadania é também combater essas ações de violência que se agravam a cada dia em nosso País. Vamos continuar. Peço às senhoras e aos senhores que se retirem da mesa para que nós possamos chamar a Srª Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional, o Sr. Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade e da Escravidão Negra no Brasil, do Conselho Federal da OAB, a Srª Vera Lúcia Santana, Diretora Executiva da Funap, e a Srª Lucelia Aguiar, da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Distrito Federal. Peço a Márcio a formação da outra mesa que estava aqui há pouco, para que nós possamos nos preparar e que Diego possa fazer contato com o Senador Lindbergh para que na última mesa eles já possam se dirigir ao nosso plenário. Peço desculpas aos companheiros que estão chegando à mesa agora e aos próximos, porque nós estamos sendo levados a uma diminuição do tempo das falas em função do horário dos trabalhos do Senado. Daqui a pouco se inicia o Plenário do Senado e nós teremos dificuldade para continuar fazendo reunião de comissões. Eu vou, portanto, passar a palavra imediatamente àquele que está mais próximo do meu lado direito, o Dr. Humberto Adami, da Comissão da Verdade, dizendo que nós, a partir de agora, trabalharemos com o tempo de três minutos, é claro, com a tolerância que tivemos com todos, já tentando sistematizar o final desta reunião. Obrigada. O SR. HUMBERTO ADAMI - A minha primeira sugestão, agradecendo, é que a senhora não deixe as pessoas mais velhas que vieram de mais longe para o finalzinho, porque com certeza nós vamos ficar prejudicados até para pensar e contribuir. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Para nós é impossível estabelecer a mesa pela idade. Nós não usamos esse critério, então nos perdoem. O SR. HUMBERTO ADAMI - A Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil foi constituída pelo Conselho Federal da OAB exatamente para buscar revolver a história da escravidão que foi apagada da história do Brasil, que foi desaparecida e que resulta no racismo do cotidiano que foi, em várias falas aqui, hoje, mencionado, chorado. |
| R | É um componente desse relatório, originado em toda a sua extensão do racismo, que vem desde a escravidão negra no Brasil, que apresenta os seus resquícios de uma forma muito clara até hoje, resultando nesse chamado genocídio. Dessa forma, eu queria... Não vai dar tempo de fazer muitos comentários. A Comissão foi estabelecida em 14 seccionais da OAB e no Conselho Federal, apresentou um relatório que foi submetido a exame do Conselho Federal e continua este ano também, é uma comissão permanente. Evidentemente, com o cenário político tudo está meio conturbado. E discutir a escravidão negra no Brasil é um problema, porque todo dia há um noticiário diferente e não se consegue fazer outra coisa. Mas nós vamos chegar lá. Queria, então, parabenizar, agradecer e fazer uma sugestão diretamente, no sentido de que a CPI... A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Só uma pergunta: na OAB da Bahia existe a Comissão? O SR. HUMBERTO ADAMI - Existe na Bahia, sim. Era essa a sugestão. Primeiro que a CPI passasse a trabalhar não só com o Conselho Federal, mas também com as 27 seccionais da OAB. Inclusive, na Bahia, o Presidente de lá, Viana, fez uma audiência pública logo em seguida à chacina do Cabula, a que eu fui designado para comparecer. Foi uma audiência fortíssima, muito pesada, onde havia, Senadora... Primeiro, a plateia era preta e todos estavam reclamando, os parentes dos chacinados e os parentes dos policiais. Eles diziam assim: "Nós também somos pretos". Era um mar de gente preta reclamando dos resultados dessa guerra. Pretos eram os que morriam; pretos eram os que matavam. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Essa é uma das grandes contradições. E os que morrem também. Interrompo V. Sª para dizer o seguinte: este fim de semana, em Salvador, no Farol da Barra, Vanda e companheiros - refiro-me à Vanda porque ela é baiana -, eu assisti a uma manifestação de policiais que pregavam cruzes na área para registrar a morte de policiais, na sua maioria, pelas fotografias, também negros. O SR. HUMBERTO ADAMI - Isso ocorre em todo o Brasil. Queria fazer esse convite, essa convocação para que a OAB, em cada seccional, seja... (Soa a campainha.) O SR. HUMBERTO ADAMI - Mas o meu tempo... A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Não vou interrompê-lo. Já recompus. O SR. HUMBERTO ADAMI - Como dizia, para que a OAB seja instada a participar dos trabalhos. Em algumas seccionais da OAB vai ser muito fácil. Em outras, talvez não. O trabalho é exatamente esse. |
| R | A OAB participou - eu não vi, porque também foi muito rápido o meu exame - de um protocolo de intenções - o Frei David não está aqui -, no ano passado e no ano retrasado, juntamente com o Conselho Nacional do Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Federal da OAB e o Ministério da Justiça, exatamente em cima da mortandade da juventude negra. E aí de repente parou esse trabalho. Esse trabalho andou e, de repente, subitamente, não se sabe onde foi parar. Ocorreram muitas reuniões lá. Houve uma reunião importante, que foi através do Conselho Nacional de Justiça, realizada com as mães de maio, lá em São Paulo. Quer dizer: é sempre mais do mesmo. Então, a minha contribuição é que o relatório não seja mais do mesmo, mais dessa fileira de choros e de repetições das mesmas coisas que nós já ouvimos há anos. Inclusive, eu queria fazer uma provocação. Eu ouvi muito que o problema é do governo golpista. Mas esses dados não são do governo golpista. Eles são do Governo que está aí, pelo menos, há treze anos. E a minha opinião é que esse assunto é suprapartidário, ele é suprarreligioso e é uma questão do povo brasileiro. (Palmas.) O SR. HUMBERTO ADAMI - Ele não é um problema nem de partido nem de um governo a, b ou c. Os dados que nós estamos trazendo aqui são particularmente do governo que esteve aí nesses treze anos e que vem desde a escravidão. Portanto, ele está muito acima do partido a, b ou c. E é só nessa compreensão que haverá uma solução para esse tema. Eu queria dizer, então, que a OAB da Bahia funcionou. A OAB do Rio de Janeiro também funcionou com a chacina de Costa Barros, aquela chacina horripilante com 117 tiros em 5 rapazes que estavam todos com a carteira de trabalho. Ela não tem explicação e não tem, como a Dona Débora falou, investigação. É pena que os nossos companheiros do Ministério Público já se foram, mas, se for assim como o representante do Ministério Público mencionou, do Conselho Nacional de Justiça e da própria OAB também, vamos nos incluir também, do sistema judiciário inteiro, se é assim, se está funcionando tudo tão direitinho, como tem sido dito e como foi dito aqui, por que estão morrendo tantos negros no País? Por que continuam morrendo tantos negros, se o Ministério Público está fazendo...Eu quero discordar de tudo que foi falado aqui, inclusive dessa posição do relatório. A Simone Diniz é um caso que foi à Corte Interamericana da OEA. O seu relatório foi apresentado em 2006 e levou dez anos para ser julgado lá. Tudo que está sendo dito e que foi desfilado aqui, nesta manhã, já está no relatório da Simone Diniz. É uma empregada negra, que ocorreu em São Paulo. Ela, atendendo - ela só não morreu - a um anúncio de jornal que era para empregada branca, foi lá com a cara preta. O delegado não apura, o promotor arquiva e o juiz homologa. Ela não consegue fazer nada dentro do Sistema Jurídico Brasileiro e vai à Corte da OEA. É só ver lá. Pode anexar a minha sugestão, o Relatório 006, de 2006, da Simone Diniz. Em 2006, a Corte da OEA já diz: "O racismo, no Brasil, só ocorre, pela omissão do Ministério Público e do Poder Judiciário, no cumprimento das suas obrigações, mas das suas obrigações legais e constitucionais e de fiscalização. |
| R | Quero dizer que não concordo também com a questão do racismo institucional. O racismo institucional é uma forma de não se identificar o racista. Parece que o racismo institucional é um ser etéreo que sobrevoa por aí para praticar o racismo. Qual é o resultado? Não se consegue identificar o praticante do racismo. É ele que tem nome, CPF e tem que ser identificado, inclusive para pagar as custas que ele traz à responsabilidade do Estado brasileiro. Foi o caso que aconteceu no Simões Diniz, em 2006. Cadê o delegado, cadê o promotor e o juiz que promoveram a ausência de direitos que não é só da legislação brasileira, mas fruto também de tratados internacionais que o Brasil vem assinando desde 2000? É isso. Então, essas pessoas, esses agentes causam prejuízo ao Estado quando ele tem que reparar e responsabilizar, o que nem ocorre. Essa responsabilidade que deveria ser dividida entre esses agentes passa para o Estado, ou seja, todos nós pagamos por aquela responsabilidade que deveria ser do ofensor racial. Com essa moda que vem ocorrendo de uns dois anos para cá, de que tudo é culpa do racismo institucional, acaba que você não sabe quem é. Tem que identificar o cidadão, agente do Estado ou não, que descumpriu as suas obrigações básicas e causou um prejuízo que o Estado vai reparar independente das questões óbvias de crime. Nesse sentido é esta minha fala. Queria dar notícia... A plaquinha do tempo está aqui. Duas coisas. Primeiro, a Rádio Senado produziu uma reportagem fantástica sobre o último condenado à pena de morte na escravidão brasileira. Era o escravo Francisco, no Município de Pilar, em Alagoas, ainda na época da escravidão. A pena de morte existia para aqueles escravos... E obviamente não havia nenhum judeu, italiano ou japonês escravo na escravidão negra brasileira. Portanto eram só os negros que poderiam ser apenados, aqueles que matassem os seus senhores. E o escravo Francisco, na cidade de Pilar, em Alagoas, foi o último condenado à morte. O Imperador D. Pedro II não lhe concedeu o perdão. Ele foi condenado à morte e a pena foi executada. Esse é um dos trabalhos da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão. Até os processos estão lá, tudo o que foi feito. Sabem há quanto tempo isso ocorreu? Há 140 anos. É muito pouco tempo. Agora, a pena de morte de fato continua em plena vigência para uma parcela da população brasileira e é preciso que o Senado da República espalhe, através desta Comissão, investigações para isso através de ofícios, das corregedorias. Por que as corregedorias recebem dinheiro do Ministério da Justiça nos programas de abastecimento das polícias e não produzem resultados? Por que o gestor público pode se dar ao luxo de não apresentar resultado? Minha sugestão objetivamente é que se espalhem os ofícios através do Senado da República e desta Comissão para cobrar a ausência de resultado das corregedorias. E que o Ministério Público também vá lá fazer o seu trabalho de fiscal da lei. |
| R | Há um problema muito sério que foi falado com os nossos companheiros aqui do Ministério Público, que é o seguinte: o problema está na independência do membro do Parquet. É difícil trabalhar com isso. A independência funcional serve para qualquer coisa, menos para obrigar o promotor a trabalhar. Independência funcional é para trabalhar nas funções e atribuições do Ministério Público; não é para só arquivar. Eu já lidei com isso em cinco mil representações. Eles arquivam, e cada um arquiva por um motivo diferente. Você diz assim: "Mas eu sou um advogado muito ruim; não sei fazer representação". Aí, quando você vai ver as respostas, cada um dá a resposta que bem quiser, e com isso você tem uma série massificante de arquivamentos. Então, a sugestão é de que também se passe para questões paralelas, como a questão quilombola, que é uma população também; a Lei nº 10.639 - que ajuda a combater esse racismo -, sobre o ensino de história da África e cultura afro-brasileira; e, evidentemente, a agenda das cotas na universidade e no emprego público. A partir daí, quero mencionar a ADC 41, que foi proposta pelo Conselho Federal da OAB, baseada na tentativa de não aplicação da Lei nº 12.990, de cotas para negros nos empregos públicos, por parte daquele juiz na Paraíba que julgou, em um concurso do Banco do Brasil, que as cotas eram inconstitucionais. Imagine, Senadora, se cada juiz de primeira instância começar a fazer isso em cada processo! Seria o fim de todo o processo. Por causa disso, o Conselho Federal da OAB foi ao Supremo Tribunal Federal, e a relatoria do Ministro Barroso na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41 é para, exatamente, buscar o julgamento concentrado. Outras virão por aí. Eu queria fazer uma menção a um trabalho que eu não vi ser mencionado aqui. A Procuradora Deborah Duprat, ilustre Subprocuradora-Geral da República, fez uma representação esta semana, exatamente por uma questão fulcral aqui, ao Procurador-Geral da República para que ocorresse uma arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para julgar inconstitucional uma legislação dos autos de resistência - não estou me recordando aqui qual é exatamente o artigo. Isso foi agora, esta semana. Então, a minha sugestão é que a Comissão, que o Senado da República busque... (Pausa.) Ela pretende, exatamente, julgar inconstitucional o art. 331, que trata do crime de desacato. Então, sugiro que, através dos Senadores presentes na Comissão, o Senado faça uma visita ao Procurador-Geral da República para que ele ajuíze essa ação; e que todos aqueles que estão aqui nesta manhã, e as instituições, as entidades, inclusive os partidos políticos, entrem como amigos da corte junto ao Supremo Tribunal Federal. Porque é preciso parar de só fazer o discurso da constatação e buscar, dentro do Supremo Tribunal Federal, junto aos 11 Ministros, aquilo que eles têm que deferir, que é a jurisdição, o julgamento. |
| R | Então, não basta o Ministério Público ir lá sozinho. É preciso que entrem todas as entidades que estão aqui nesta manhã, fazendo até seu choro, mas ir lá e entrar como amigo da corte, que é uma função muito importante, para que o Supremo Tribunal Federal ouça lá dentro, da tribuna do Supremo Tribunal Federal, a voz dessas pessoas que estão aqui e as vozes que elas representam. Eu teria outra, mas depois eu mando. Não vou me alongar. Eu queria só agradecer, dar os parabéns e dizer que vai ser muito bom. Da próxima vez, estaremos juntos. Obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Humberto Adami. Nós também estamos incorporando suas sugestões. Passo a palavra agora à amiga Vera Lúcia, Verinha, como conheci. A SRª VERA LÚCIA SANTANA - Ele fala o tempo que quer, ainda nem comecei a falar, e ele já me passa a placa do tempo! (Risos.) É com muita honra que agradeço, Presidente Senadora Lídice, baianíssima! Fomos companheiras militantes. Eu, ainda secundarista, e V. Exª, universitária. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - É verdade. (Risos.) A SRª VERA LÚCIA SANTANA - Tem que deixar bem pontuado. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Claro! A SRª VERA LÚCIA SANTANA - Mas, enfim, considerando, hoje, que meu lugar de fala aqui nesta Mesa parte também da minha condição de Diretora-Executiva da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal, eu tenho que dizer que o Estado brasileiro não só mata: também prende a juventude, a vida negra deste País. Então, não é por acaso que eu, aqui, estou representando a Funap. Relativamente ao relatório e ao objeto do trabalho desta CPI, ainda que pareça descortês, eu tenho que consignar o que ficou implícito nas mais diversas falas, inclusive dos membros do Ministério Público. A ausência formal... Que o Ministério Público Federal tenha sido instado nas recomendações e provocações desta CPI me parece grave, porque não há um tema, não há um aspecto, um caso aqui tratado, um caso abordado no âmbito da CPI que não tenha perpassado pela ação ou omissão do Ministério Público, em todos os seus níveis. Ao mesmo tempo, me reporto à fala do Prof. Dr. Edson Cardoso quando ele ressalta o papel e os impactos que a mídia, que os meios de comunicação e que a publicidade opera nesse processo de um verdadeiro encadeamento de atos, fatos e relações que desembocam nessa realidade de mortandade - parece aquela coisa de um bando de bichos, então é uma mortandade - que se pratica. E sistematicamente o Ministério Público cumpre um papel de profundo desserviço na promoção, na defesa e proteção dos direitos à identidade, à imagem do povo negro, de cada indivíduo e da negritude como um dado da formação estrutural da sociedade brasileira. |
| R | Então, repito, com muito respeito, que não posso deixar de consignar o meu olhar crítico à ausência do Ministério Público - para ser bem processualista - no polo passivo das recomendações e considerações desta CPI. Quanto aos desdobramentos possíveis, obrigatórios e necessários decorrentes desse relatório, com as emendas e com os aditamentos que, naturalmente, serão incorporados com esta reunião, a nossa expectativa é de que mecanismos e procedimentos rigorosamente mais efetivos possam ser implementados. Não é razoável que nós continuemos com um Estado que tem um conluio no conjunto do seu aparato normativo-institucional - e aí eu me refiro desde a abordagem de um policial militar até a apreciação de um recurso no Supremo Tribunal Federal, perpassando pelo papel das Procuradorias dos Estados, pela Advocacia Pública da União e da Advocacia Pública dos Estados. Não há um segmento de atuação jurídica em nosso País em que não haja um conluio, no sentido rigorosamente criminoso. (Soa a campainha.) A SRª VERA LÚCIA SANTANA - Um conluio de todas essas organizações, de todas essas instituições e de Poder, porque o Judiciário é um Poder na reiteração, perpetuação, consolidação e legitimação de um Estado e de uma sociedade deliberadamente racistas, excludentes, assassinos e vilipendiadores da liberdade e da identidade do povo negro em nosso País. (Palmas.) Em respeito à Mesa e aos colegas aqui, eu vou obedecer ao tempo. Muito obrigada, Senadora. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero parabenizar a representante da Funap, a querida amiga Verinha, que aqui reitera a sua posição de militante e a sua radicalidade absolutamente correta e coerente na luta. A SRª VERA LÚCIA SANTANA (Fora do microfone.) - Obrigada. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vou passar a palavra à Srª Renata, Assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional. A SRª RENATA NEDER - Obrigada. Boa tarde a todos e a todas. Primeiro, eu queria agradecer o convite da CPI para a Anistia Internacional estar representada aqui hoje. O Estado brasileiro tem falhado duplamente. Ele tem falhado em proteger o direito dos jovens negros à vida, já que nós vivemos num País em que existe esse extermínio da juventude negra, um País que tem 60 mil homicídios por ano, e a maior parte das vítimas são jovens negros do sexo masculino. Em segundo lugar, o Estado tem falhado em respeitar o direito à vida dos jovens negros, porque nós já sabemos que a Polícia em serviço é responsável por uma parcela significativa do total de homicídios. Diante desse grave quadro de violação de direitos humanos de jovens negros, foi muito importante a abertura dessas duas CPIs, uma no Senado, outra na Câmara, para tratar do tema dos homicídios de jovens negros no Brasil. Isso revela que existem ainda pessoas, instituições, organizações e movimentos que estão dispostos a se mobilizar e a agir para mudar essa realidade. Especificamente sobre o relatório da CPI, a Anistia Internacional gostaria de parabenizar a CPI por esse relatório. É um relatório que traz muitos elementos importantes, está bastante consistente e traz recomendações concretas que precisam, então, a partir de agora, ser adotadas e implementadas. |
| R | Eu gostaria de mencionar alguns grupos específicos de recomendações que nós achamos que são particularmente importantes. A primeira delas, claro, é a adoção urgente de um plano nacional de redução de homicídios, mas um plano que tem que olhar especificamente para o homicídio da juventude negra, tem que incluir medidas específicas e metas de redução de homicídios provocados pela Polícia e tem de abordar também os homicídios por armas de fogo. A maior parte dos homicídios no Brasil são cometidos por armas de fogo e, num contexto em que nós vemos sendo discutida a revogação do Estatuto do Desarmamento, por exemplo, nós não podemos deixar de fora do plano nacional de redução de homicídios o tema da violência armada e dos homicídios por armas de fogo. Outra recomendação muito importante tem a ver com a padronização das informações de segurança pública, a transparência nos dados e o monitoramento nacional dos dados sobre homicídios em geral, mas sobre segurança pública no País. As violações de direitos humanos muitas vezes começam ou estão fortemente associadas à falta de acesso à informação, à falta de transparência. Por fim, a reforma das instituições de segurança pública, em particular a desmilitarização da Polícia Militar. Então, nós esperamos, na verdade, que a apresentação do relatório da CPI não signifique um fechamento, mas, na verdade, esteja inaugurando um momento de mobilização e de adoção de medidas concretas para superar tudo isso que foi diagnosticado no processo da CPI e que muitas outras organizações e movimentos já vêm denunciando e já tinham diagnosticado antes. Nesse sentido, a sociedade civil tem um papel importante, porque nenhum governo, nenhum Estado vai adotar nenhuma medida se não houver ampla mobilização e pressão da sociedade civil. Então, eu acho que todos nós temos também a responsabilidade, a partir de agora, de nos mobilizar para a implementação dessas e de outras recomendações e medidas que se fazem urgentes e necessárias E aí eu queria aproveitar para dizer que nós estamos aproximadamente a dois meses das Olimpíadas que vão acontecer no Rio de Janeiro. E a Anistia Internacional acabou de lançar uma campanha que se chama "A violência não faz parte desse jogo!" Nós lançamos também um novo relatório, um briefing, de mesmo nome, onde nós retomamos um pouco a discussão sobre megaeventos esportivos e segurança pública, e, em particular, homicídios. (Soa a campainha.) A SRª RENATA NEDER - O Rio de Janeiro teve a oportunidade, o privilégio ou o fardo, de sediar três megaeventos esportivos: os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Copa do Mundo em 2014 , e vai sediar as Olimpíadas. O ano de 2007, no período dos últimos dez anos, foi o ano em que a Polícia mais matou no Rio de Janeiro. Foram mais de 1,3 mil vítimas em operações policiais no Estado do Rio em 2007. E houve um episódio que ficou conhecido como a Chacina do Pan: 19 pessoas foram mortas no Complexo do Alemão durante uma megaoperação que fazia parte do plano de segurança para os Jogos Pan-Americanos. Esses casos passaram por perícia independente, e foram identificados vários deles com fortes indícios de terem sido execuções extrajudiciais. Entre 2007 e 2013, o número de homicídios pela Polícia no Rio foram se reduzindo ano a ano. Isso até 2013, porque, em 2014, que foi o ano da Copa do Mundo, houve um aumento de 40% no número de homicídios pela Polícia no Estado do Rio de Janeiro. E essa tendência de aumento segue. Agora, em 2016, entre abril e maio, nós vimos pelo menos três chacinas acontecendo na cidade do Rio de Janeiro, com cinco mortos cada uma, mas parece que as pessoas já nem consideram uma operação com cinco mortos uma chacina. Mas foram cinco mortos em Acari, cinco mortos na Providência e cinco mortos no Juramentinho. (Intervenção fora do microfone.) |
| R | A SRª RENATA NEDER - Costa Barros foi em novembro. Estou falando agora de abril e maio deste ano. Então, eles têm uma preocupação enorme de que, com a chegada das Olimpíadas, essa escalada da violência policial seja aprofundada e aumente. Já que o Dr. Humberto lembrou o caso de Costa Barros, eu gostaria de mencionar uma coisa específica sobre isso. Antes, só queria lembrar que a não ação ou a omissão das autoridades, todas elas, em todos os níveis, diante da alta letalidade nas operações policiais, perpetuam e alimentam o ciclo de violência da Polícia. Em agosto do ano passado, a Anistia Internacional lançou o relatório "Você Matou o meu Filho". Especificamente, nesse relatório, a gente denunciava a alta letalidade de um batalhão da Polícia Militar, o 41º Batalhão. E a gente olhou uma favela específica dentro da área de atuação desse batalhão, que foi a favela de Acari. A gente olhou todos os casos que aconteceram de mortes em operações policiais ali. Em todos a Polícia diz que atuou em legítima defesa, e a Anistia Internacional, através da sua pesquisa, mostra que, na verdade, a realidade é muito diferente e que há fortes indícios de terem sido execuções extrajudiciais. Quer dizer, os homicídios decorrentes de intervenção policial no Rio estão servindo de cortina de fumaça para as execuções extrajudiciais. Isso foi denunciado, em particular, na área de atuação desse batalhão, e a Anistia se reuniu com a Secretaria de Segurança Pública, com a Polícia Militar, com a Polícia Civil e com o Ministério Público, mas nenhuma dessas instituições fez absolutamente nada a respeito desse batalhão. Em novembro, cinco meninos foram executados com 111 tiros por policiais de qual batalhão? Do 41º Batalhão da Polícia Militar! Então, a omissão e a não ação fazem com que novos casos aconteçam. E vão continuar acontecendo. É muito fácil falar apenas do policial que aperta o gatilho. A gente não pode fazer isso. A gente tem que olhar essa cadeia de comando, tem que jogar um olhar sobre a cadeia de comando, sobre essa cadeia de responsabilidade, e tem que olhar para as responsabilidades de todas as instituições do sistema de justiça criminal. É a Polícia Civil que não investiga? É o Ministério Público que não investiga e não oferece a denúncia? É o Tribunal de Justiça que às vezes senta em um processo que fica lá por anos? A gente acompanha um caso na Bahia que está há sete anos para ser julgado. O MP ofereceu denúncia... Então, é um grande funil, e todas essas instituições têm a sua responsabilidade. Em particular, queria destacar a responsabilidade do Ministério Público, seguindo o que já foi dito aqui. O Ministério Público está sendo no mínimo omisso, mas em duas áreas, ou duplamente omisso. Ele é omisso quando, sendo o titular da ação penal, não oferece a denúncia sobre os casos individuais que estão sendo investigados; e, sendo o órgão que deveria exercer o controle externo da atividade policial, como diz a nossa Constituição, institucionalmente também está sendo omisso, por não exercer o controle externo da atividade policial. (Palmas.) Vou finalizar agora dizendo, mais uma vez, que é muito importante que essas CPIs tenham acontecido, que elas tragam recomendações. São várias iniciativas, agora, que estão na mesa, inclusive iniciativas legislativas, mas também há outras iniciativas. Este momento tem que ser um momento de inaugurar uma ampla mobilização, para que todas essas medidas sejam de fato adotadas. Talvez as Olimpíadas do Rio de Janeiro, quando o mundo inteiro vai estar olhando para o que está acontecendo no Brasil, sejam uma oportunidade de usarmos essa visibilidade internacional. Já que a mídia brasileira é fechada para esse tema, vamos usar a visibilidade internacional que vamos ter agora para exigir o fim das execuções pela Polícia e um plano nacional de redução de homicídios. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito bem! Agradecimentos e aplausos à fala da Srª Renata, que é Assessora da Anistia Internacional. Quero passar a palavra à Srª Lucélia Aguiar. A SRª LUCELIA AGUIAR - Boa tarde a todas e a todos. Sou Lucélia Aguiar e estou aqui representando a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Distrito Federal e Entorno, uma comissão do Sindicato dos Bancários de Brasília. Nós sabemos que tudo isso que ocorre, o extermínio da juventude negra, é uma sequela da escravidão. Nós temos um País que é o 16º na posição de homicídios, um dos países que cometem mais homicídios da juventude. Além disso, é um país que tem 10% dos homicídios do mundo. Isso é bastante para nós. Temos assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil, a nossa chamada Carta Magna, a nossa chamada Constituição Cidadã, que diz que é uma Constituição de liberdade... Que liberdade é essa? Foram 380 anos de escravidão, e continuamos aí com esses resquícios. O que vemos é o sofrimento da população negra. Para não ser diferente, sou de uma família de 21 irmãos. Éramos 21, porque nem todos conseguiram resistir, sobreviver. Há mais de 28 anos, minha mãe chora a morte ou o desaparecimento - nós não sabemos, é uma incerteza que existe - de um irmão que saiu para sobreviver, que foi atrás de sobrevivência nos garimpos do Brasil, lá pelo Mato Grosso, justamente no ano em que foi promulgada a Constituição de 1988. Então, é um sofrimento. Eu entendo tudo que as mães falaram aqui, todo esse sofrimento, todas as lágrimas, porque a minha mãe chora, ainda hoje, por isso. Se tivéssemos um Estado que desse condições para criarmos nossos filhos... Naquela época em que a Igreja proibia o anticoncepcional, as famílias eram sempre constituídas por mais de 10 filhos. Se tivéssemos tido condições para criar todos, sem ter que sair do nosso interior lá do Maranhão - esse é outro problema -, nós não estaríamos passando por tantas situações, correndo de um Estado para outro atrás de sobrevivência. Eu sou a 20ª filha. Sou advogada e busco justiça para a população negra, para a população indígena. Essas são as minhas lutas. Ouvi falarem aqui de governos. É culpa do Estado, isso nós já sabemos, porque vivemos em uma sociedade racista, em que não existe democracia racial. Estou repetindo porque temos que denunciar todos os dias, em todas as horas, em todos os momentos. |
| R | Nós sabemos que o problema, essa conjuntura que o País está vivendo, já vem da era Sarney. Quem é maranhense sabe toda a história, como é que vem, até porque agora está funcionando... O que está acontecendo agora, como estão mostrando todos que estão caindo... (Soa a campainha.) A SRª LUCELIA AGUIAR - ... ou pelo menos é para cair. Não tenho muito tempo - há bastantes pontos que coloquei aqui -, mas quero dizer que somente 8% dos homicídios no Brasil são julgados - 8%! O extermínio da juventude negra é tratado de forma silenciosa pelo Estado, é uma omissão do Estado. Quando falamos em racismo no Brasil, o que mais escutamos é que não existe racismo no Brasil porque somos todos iguais. Não somos todos iguais, porque os direitos são garantidos constitucionalmente, os direitos estão lá na Constituição... (Palmas.) ...mas, para o povo negro, só funcionam no momento de colocá-los na cadeia, no superencarceramento. Eu já fui barrada pela Polícia - barrada mesmo, porque eles vão barrando a gente, enxergam a gente de longe. Vivemos numa invisibilidade de emprego, nos espaços de poder e temos que cobrar de partido político sim, porque eles estão no poder; temos que cobrar do Estado brasileiro, cobrar dos governos. Basta de tantos planos de redução de homicídios! Temos tantas políticas públicas, tantos programas, mas não temos respostas. Precisamos de uma resposta. Estamos cansados de pedir informação com a Lei de Transparência. São muitas as leis no Brasil, mas as coisas não funcionam da forma correta, como deveria ser. A resposta sempre é postergada: "Daqui a 20 dias temos uma resposta"... Fiz isso fazendo uma pesquisa para a minha pós-graduação. Fui prejudicada nos estudos por causa dessa conjuntura política sem-vergonha que está aí, porque vamos buscar... Mudam-se ministros todos os dias. Quantos ministros já tivemos no Ministério da Justiça, onde está o Pacto Nacional de Redução de Homicídios? Falamos do Plano Nacional de Enfrentamento aos Homicídios de Jovens Negros, que saiu da CPI da Câmara. Temos aqui - vivo no DF, vou pontuar aqui -, no DF, o Viva Brasília, que é o nosso pacto pela vida. Temos um número enorme de homicídios que ocorrem no Entorno do DF. Vemos pesquisas aí e, na TV, ouvimos: "Estamos diminuindo o número de homicídios". Quero saber se há recorte racial, porque não vemos os recortes raciais, não são colocados. Falam em diminuição de homicídios, mas o que vemos, se formos procurar por aí, é que estão aumentando cada dia mais. Entra governo, sai governo, e não muda nada. Temos que parar de ficar só falando bonito, escrevendo relatórios lindos, maravilhosos, e as coisas não andarem na prática. Precisamos colocar tudo isso em prática. Se não houver a efetividade das políticas públicas, não vamos mudar essa realidade, serão mais 500 anos de luta e resistência. Quando sair governo, tem que haver continuidade. Há planos aí para mais de dez anos. Quem garante que teremos mais de dez anos? E, com essa conjuntura que está aí, com esse governo interino, será que vamos ter, pelo menos, isso daqui saindo do papel por dois dias? Temos que ver isso. |
| R | Finalizo dizendo que fico emocionada, porque a gente está falando de vidas. São vidas, poderia ser eu. Eu tenho 36 anos, estou aqui na resistência desde o nascimento. A gente vê uma desconexão de políticas públicas. Criam-se políticas públicas... O Plano Juventude Viva não está mais vivo, morreu. Vocês devem conhecer. Mudou o governo e, se nós não revertermos isso, com certeza não vai voltar o Plano Juventude Viva, que era... O recorte racial não vai voltar. É isso, gente. Eu tenho bastante coisa para falar, mas eu ficaria revoltada, indignada. E a gente tem que se indignar todos os dias. A gente tem que ter indignação. A gente não pode cruzar os braços, porque os povos negros estão morrendo todos os dias; não é só a juventude, está morrendo o povo negro todos os dias. Estamos aí, na luta e na resistência. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada pela colaboração, Lucelia, por sua palavra indignada. Vamos solicitar que vocês saiam da mesa para convidarmos os próximos companheiros que usarão da palavra. David Esmael, do Conselho de Administração do FBSP; Ivair Augusto dos Santos, Executivo Público do Governo de São Paulo e Professor Doutor da UnB; Danielle de Paula, Secretária Executiva do Conselho de Defesa dos Direitos dos Negros do Distrito Federal; e Sr. Gabriel Fidelis, do Coletivo Vamos. Como é a última Mesa, teremos logo depois dela a votação do relatório. Peço, portanto, o esforço de cada um de vocês para sistematizarem suas falas e terminá-las em três minutos. Antes, porém, quero registrar que recebemos outro comentário da rede social, do acompanhamento que está sendo feito pelo canal e-Cidadania do Senado, de Atila Roque: Gostaria de transmitir meus parabéns e sentimento de orgulho pelo trabalho da CPI. Não existe nada mais importante neste momento do que enfrentar a tragédia que é esse verdadeiro genocídio da juventude negra do Brasil. Atila Roque, Diretor Executivo, Anistia Internacional Brasil. Muito obrigada por sua participação, Atila. Passo a palavra ao Sr. David Esmael, representante do Conselho de Administração da FBSP. Três minutos. O SR. DAVID ESMAEL - Primeiramente, boa tarde a todas e todos aqui presentes. Eu gostaria, na qualidade de representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de saudar a Comissão e parabenizá-la, aplaudir o trabalho desta CPI, sobretudo por sua amplitude, pela quantidade de temas trabalhados, segmentos sociais e profissionais ouvidos, o que fica bem caracterizado no conjunto do relatório. |
| R | Um segundo ponto a ressaltar, para ficar em apenas um dos méritos, é colocar na pauta institucional mais um passo no sentido dessa problemática relativa ao genocídio da juventude negra, que já vem sendo pautada pelos movimentos sociais há muito tempo. Então, é um passo importante, é um passo a mais no âmbito dessa causa. Para também não entrar muito nos detalhes que outros companheiros que me antecederam já abordaram, eu gostaria de reforçar algumas questões. Depois do diagnóstico feito, o que é possível fazer a partir daqui? Do ponto do vista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do que é mais peculiar à nossa expertise, acho que cabe destacar alguns pontos. Em primeiro lugar, uma das coisas que caracterizam o Fórum é uma aposta radical na transparência como ferramenta de transformação no campo da segurança pública no Brasil, no sentido de uma sociedade menos violenta. Nesse sentido, acreditamos que é bastante acertada a aposta do relatório em suas recomendações, quando diz que deve ser fortalecida a ideia da Lei de Acesso à Informação em segurança pública. Essa discussão precisa ser aprofundada, precisa ganhar corpo e amplitude, para que a gente deixe de falar e de pensar que apenas quando os Estados - de forma mais geral, os Estados - publicam seus dados, isso é transparência. De fato, não se trata disso. A gente precisa avançar em relação a isso. Um segundo ponto é aplaudir também a recomendação do fortalecimento da Comissão Especial da Câmara, da discussão a respeito do Plano Nacional de Redução de Homicídios. Essa tem sido outra aposta do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Temos enorme desejo de continuar contribuindo com essa discussão. Nesse âmbito, é importante destacar sobretudo a questão do controle de armas. Essa é uma questão que me parece que não fica muito explícita no relatório, e a gente acha que é algo que deva constar no âmbito de iniciativas que buscam reduzir a violência letal no Brasil. Diversos profissionais do Ipea, mais de uma vez, em mais de um estudo, já colocaram a questão: mais armas, mais mortes. Em 2014, segundo os dados da saúde, nós tivemos quase 59 mil mortes no Brasil. Dessas, mais de 42 mil, ou seja 72% dos homicídios, foram causadas por armas de fogo. Esses estudos do Ipea mostram correlações estatísticas, uma associação muito próxima e muito intensa entre armas de fogo e homicídios. Então, um programa que pretenda incidir na questão dos homicídios deve necessariamente considerar uma política muito clara a respeito do controle de armas nesse contexto. |
| R | Por fim, o Fórum tem alguma coisa a respeito de planos municipais e estaduais e vem contribuindo com o Governo do Estado do Ceará na construção do Ceará Pacífico e também com o Governo de Teresina no sentido de desenhar políticas que busquem incidir nesse fenômeno. Como grandes desafios, há a questão da intersetorialidade, que é muito difícil construir no âmbito de praticamente todas as políticas públicas que temos hoje; a questão da governança; e também a questão do racismo. Essas são questões em que temos algumas experiências que podemos aprofundar, mas em que há muito a avançar ainda. Então, a gente se coloca à disposição para continuar contribuindo com esse debate no âmbito de políticas de redução de homicídios no Brasil. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Certamente, deu uma grande contribuição. Quero passar a palavra a Gabriel Fidelis, do Coletivo Vamos. O SR. GABRIEL FIDELIS - Boa tarde a todos e a todas. Eu gostaria de saudar a Senadora Lídice da Mata, os companheiros Vice-Presidente Senador Paulo Paim e o Relator da CPI, Senador Lindbergh Farias. Quero dizer que a juventude negra, a juventude periférica, se sente contemplada, sente-se representada pelo trabalho desta CPI, sente-se contemplada com o relatório. É importante que, num cenário deste de retirada de direitos, nós ainda nos sintamos representados numa questão tão grave como a do homicídio da juventude negra. Pois bem, primeiramente, fora Temer! Continuando, meu nome é Gabriel, sou jovem negro e periférico, moro em Luziânia, a 60km de Brasília, no Entorno do DF. Para ilustrar mais ou menos o que vive o Entorno do DF: a cidade de Luziânia é a quinta cidade mais vulnerável à violência juvenil do País. De acordo com o último Atlas da Violência do Ipea, a região do Entorno é uma região em que 90% dos jovens assassinados são negros. Nossa taxa de jovens negros mortos no Entorno, na cidade de Luziânia, na Cidade Ocidental, no Novo Gama e em Valparaíso, é 78% maior que a taxa nacional. Ou seja, temos uma taxa nacional alarmante e, no Entorno do DF, a taxa é 78% maior do que a taxa nacional. Eu me senti muito contemplado pelas falas que escutei aqui sobre a violência policial, mas eu queria abordar outra vertente, que é a vertente que percebo, que o Coletivo Vamos percebe que acontece no Entorno do DF. Infelizmente, hoje nós temos, sim, claro, o problema da violência policial, mas o Coletivo Vamos tem certeza e segurança ao afirmar que, no Entorno do DF, hoje, os próprios jovens negros estão matando jovens negros, por conflitos interpessoais, por muitos motivos, inclusive por nada: ou pela falida guerra às drogas ou por, às vezes, pisar o pé de outro numa festa. Isso acontece pela falência do Estado na chegada com esporte, na chegada com cultura e, principalmente, no que o companheiro do Fórum de Segurança Pública falou: o controle de armas. Infelizmente, o desgoverno do Sr. Marconi Perillo, do PSDB, que só sabe fazer segurança através de propaganda, não faz o controle de armas no Entorno do Distrito Federal. Então, Senadora, eu queria deixar como recomendação que o Governo Federal voltasse a pautar o Juventude Viva. Infelizmente, a gente tem de fazer autocrítica e afirmar que o Juventude Viva nunca chegou ao Entorno do DF com todas essas questões. |
| R | Então, a gente precisa de programas de fortalecimento de cultura, de programas de fortalecimento de esporte, de capacitação profissional, de emprego para essa galera. A gente tem muita certeza em afirmar que, onde não existem espaços culturais, espaços de lazer e espaços de convivência para a juventude, o que vira espetáculo é a violência. (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL FIDELIS - Ainda não posso deixar de reafirmar que nós, como Coletivo, nós, como juventude, não reconhecemos este Governo usurpador e golpista. Este Governo, que aplicou um golpe na Presidenta Dilma, é o Governo que aplica um golpe nas juventudes brasileiras, principalmente nas juventudes periféricas, com o congelamento de programas como o Pronatec, o ProUni e o Fies. Então, é esta a nossa recomendação: além do fortalecimento dos programas de cultura, de esporte e de capacitação profissional, que se faça também um verdadeiro combate às drogas. O combate às drogas que existe até hoje não nos representa. Até hoje, o consumo de drogas aumenta, e o número de pessoas mortas também aumenta. E, de quem morre, a gente sabe a classe social e a cor. Então, eu gostaria, mais uma vez, de agradecer a todos que ficaram aqui até o final. Agradeço, mais uma vez, à senhora, que nos recebeu tão bem em todas as audiências, desde o ano passado. Obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, Gabriel. A juventude do Entorno, de Luziânia, participou muito dos nossos debates. Passo a palavra ao Dr. Ivair Augusto Alves, Executivo Público do Governo de São Paulo e Professor Doutor da UnB. O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Boa tarde, senhoras. Boa tarde, senhores. Quero agradecer à CPI por ter possibilitado minha vinda aqui para participar deste evento, que considero histórico, e pelos depoimentos, que me deixaram muito impactado. Vai ser difícil esquecer as falas de algumas mães aqui. São coisas que me tocaram muito profundamente. Também quero agradecer à Senadora Lídice da Mata por ter conseguido conduzir, juntamente com o Senador Lindbergh, esta CPI. Acho que não deve ter sido fácil neste momento conduzir este processo. Vou, na minha intervenção, seguir um pouco o que a Profª Vanda Sá Barreto disse. Eu li o relatório também aqui. Eu o recebi quando aqui cheguei. Eram mais ou menos 11h. Fiquei lendo o relatório com voracidade, para saber qual era o produto final. E vou trabalhar um pouco em cima das sugestões, em cima do relatório. Essa é um pouco a minha preocupação. A primeira coisa para a qual eu queria chamar a atenção já foi citada, mas vou reforçar esta citação. No Capítulo I do relatório, as citações basicamente são relativas à criação do Movimento Negro Unificado e ao episódio da presença da Unesco na década de 50 no Brasil. Eu queria sugerir como redação que se pudessem incorporar também duas coisas importantes. Primeiro, em 1950, foi realizado um importante congresso negro brasileiro liderado pelo Senador desta Casa Abdias Nascimento. Então, era importante começar com quem era referência para nós, e ele foi Senador desta Casa. Outra coisa que já foi citada e que eu gostaria de ver mencionada nesse capítulo especificamente é a questão da publicação do livro de Abdias Nascimento, O Genocídio do Negro Brasileiro, que, além de ter o prefácio do Florestan, também tem o prefácio de um prêmio Nobel da Literatura, Wole Soyinka. |
| R | Então, o Abdias mereceria uma citação no início desse relatório, pelo que ele é, mas também por ter sido um Senador desta Casa. Há outro ponto para o qual eu queria chamar atenção - falo um pouco da minha experiência de ter convivido quase 20 anos com direitos humanos -, que é o seguinte: como vai ser a divulgação desse relatório? Se ele for impresso, mas não houver um processo bem estruturado de divulgação, não tenham dúvida: ele vai virar mais um relatório como o das CPIs que acontecem aqui. Eu recomendo, como iniciativa, que pelo menos algumas instituições recebam esse relatório. Vou nomear algumas. É claro que não vou esgotá-las, porque, na hora em que abrir, muitas pessoas vão citar outras. (Soa a campainha.) O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Eu gostaria de começar pelos NEABs, os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros das universidades públicas e particulares. Que toda faculdade de Direito do País recebesse um exemplar na sua biblioteca; que todos os Ministérios Públicos Estaduais recebessem um relatório desses oficialmente. A minha antecessora aqui, a Profª Dulce, citou, en passant, uma coisa importante. A senhora sabe que o Brasil tem que fazer relatórios periódicos da Convenção Internacional sobre o racismo. Todo ano tem quer fazer relatório. Eu duvido muito que o Ministério das Relações Exteriores assuma o termo "genocídio da população negra", mas seria fundamental que esse relatório fosse enviado para as Nações Unidas, para o Comitê da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, como relatório alternativo do Parlamento e da sociedade brasileira em relação à questão da população negra. O relatório tem que ser enviado de maneira oficial para que tivéssemos mais proximidade em relação... Quando a senhora observa o que disseram os três visitantes que nós tivemos, oficiais, do Comitê Internacional, os relatores especiais, vê que todos eles mencionam violência e tortura da população negra. Os três relatores da ONU que vieram falar de racismo mencionaram isso. Portanto, seria fundamental corroborar esse trabalho de divulgação e mandar para esse Comitê. A outra coisa importante... Vou esclarecer que vou usar um pouco de tempo, porque eu esperei aqui diuturnamente... (Risos.) Saí às 5h da manhã de casa para poder estar aqui. Então, vamos lá! A outra coisa que eu queria mencionar é o seguinte. O primeiro órgão que o Governo brasileiro criou para falar de direitos humanos, em 1964, foi chamado Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Humana, nome depois mudado para Conselho Nacional de Direitos Humanos. Eu desafio as pessoas a encontrarem um só dia, nesses mais de 50 anos, em que se tenha pautado a violência da juventude negra. Nunca, nunca se pautou isso! Então, o que sugiro, primeiro, é que esse relatório faça parte da pauta da reunião oficial do Conselho Nacional de Direitos Humanos, como pauta do Conselho. E vou acrescentar mais um Conselho, que também, quando toca no assunto, ele o faz de maneira en passant, que é o Conanda. O Conanda deveria também pautar uma reunião para discutir o relatório. Como é que pode, diante de um escândalo desse que você denuncia sobre a população negra, o Conanda... Aliás, ele apareceu muito timidamente aqui. Ele deve, de alguma forma, abrir uma reunião para discutir o relatório. |
| R | (Soa a campainha.) O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Então, sugiro que o primeiro órgão do Governo brasileiro para defender direitos humanos paute o assunto e paute o relatório. Como pode ser feito isso? Basta a Senadora ou o Senador encaminhar o relatório e pedir que paute a leitura do documento. É fundamental isso. Por que eu digo isso? Quando a senhora notar as políticas públicas determinadas pela Secretaria de Direitos Humanos relativas à população negra, verá que não há nada sobre isso. Então, se nós temos o relatório, é fundamental que a Secretaria de Direitos Humanos, através da subsecretaria ligada à criança e ao adolescente, possa incorporar o relatório para fazer coisas concretas e objetivas em relação a isso. Se não, quem vai fazer o que em relação a esse relatório? Estou vinculando: primeiro, deve-se fazer pauta do Conanda e do Conselho Nacional. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Já anotei. O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - A outra questão é a seguinte. Sabem o que mais me deixou incomodado aqui, Lídice? Eu vi muitos amigos aqui, mas não vi os outros. Nós estamos sempre falando uns com os outros. Os outros não aparecem. Até a posição da CNBB foi tímida em relação ao que deveria falar. Cadê o envolvimento da CNBB nesse processo? Cadê os outros órgãos? Cadê a OAB aqui? Fora o nosso querido Adami, cadê a OAB? Estou falando de um escândalo nacional, que é o genocídio da população negra no Brasil. Então, senti falta dos outros, que possam, de alguma forma, nos ouvir. Eu não vi aqui outros órgãos que não nós mesmos. Somos sempre nós, os militantes, o movimento negro. E os outros, estão onde nesse processo? Sabem como eu acho que poderíamos solucionar isso? Fazendo de cada entrega desse relatório um ato público. Vou entregar isso no Ministério do Planejamento: faz-se um ato público em relação a isso. Entrega-se o relatório com todo mundo presente, porque, se não, esse relatório vai ser mais um relatório de CPI. Vocês vão me perdoar, mas fiquei aqui e ouvi todo mundo... Eu também quero referendar e apoiar a ideia de se constituir um grupo para poder fazer a revisão do texto, porque o texto tem várias incorreções. Vou citar algumas - não as esgotei. É um documento importantíssimo, que vai virar peça de militância de nós todos. É preciso ter... Pode-se fazer na internet, mas tem que ter alguém para fazer uma revisão com mais participação. Outra coisa que eu queria citar é o seguinte. No relatório, na página 34 - há dois índices no relatório; página 34 e página 35 -, ele faz a citação de que o movimento negro foi criado nas escadarias da Câmara Municipal de São Paulo. Na verdade, foi construído na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo. É preciso fazer essa correção. A outra correção que é preciso fazer: na pág. 29, que tem dois índices, e na pág. 38, a definição de "racismo institucional" merece uma crítica profunda, porque, na verdade, a pessoa traduziu "racismo institucional" como "preconceito maior" - quem milita nesse processo, tem claro que isso não bate. Então, é preciso uma revisão conceitual em relação a esse processo. A outra questão é a seguinte. Nos encaminhamentos que eu queria sugerir, um dos órgãos fundamentais para receber esse documento é a Secretaria de Direitos Humanos, por diversas razões. |
| R | Mas tem de ser feita uma entrega oficial, entendeu? Não é para mandar pelos Correios, é para chegar lá e falar: "Olha, está aqui. Queremos saber como é que vocês vão incorporar esse relatório aqui no processo." Todo mundo citou aqui o Ministério da Justiça. O Ministério da Justiça, com certeza, deverá ser o órgão com o qual a gente mais vai dialogar nesse processo, porque eles têm banco de dados - aqui se fala de uma proposta de banco de dados -, então tem de fazer um diálogo com eles em relação a isso. Outra questão é a seguinte. Falou-se muito aqui do Programa Juventude Viva. Esse programa precisa ser avaliado, porque, efetivamente, não houve impacto naquilo que nós queríamos, que era o combate ao genocídio da população negra. Então, continuar com o Juventude Viva sem uma avaliação - "Afinal de contas, qual foi o impacto que vocês tiveram nesse processo?". Isso tem de ser feito junto ao Ministério da Justiça. A outra questão que quero incluir é a seguinte. Entre as suas propostas, nas páginas 130 a 139, há uma inclusão que fala de currículo. O meu medo é que o currículo seja, de novo, aquela mesma decoreba: "Vamos dar cursinho de direitos humanos." Cursinho de direitos humanos - posso falar de onde eu trabalhei durante quase 20 anos - pode ajudar muito sob o ponto de vista conceitual, mas, na prática mesmo, a única mudança que eu vi foi a introdução do Direito Humanitário, que é como você trabalha em conflito. Isso só pode ser feito com o apoio da Cruz Vermelha Internacional, e isso já aconteceu. E há mais, quero fazer uma outra citação: a Cruz Vermelha Internacional deu cursos de Direito Humanitário para a polícia brasileira e também fez um relatório sobre a violência que nós sofremos, que foi entregue ao Ministro Márcio Thomaz Bastos. Esse relatório nunca foi divulgado, ou seja, é preciso trazê-lo à luz, porque é uma das provas fundamentais para dizer: "Olha, a violência no Brasil é muito maior do que se está imaginando". Outra questão. Acho que temos de alargar o diálogo com aqueles que não vieram aqui, além do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos. Acho que temos de envolver setores estratégicos. O Ministério do Planejamento é fundamental. Como você vai falar em política pública sem o Ministério do Planejamento? Fica uma coisa vazia. Todo mundo fala aqui que a questão da violência tem a ver com o trabalho. Temos de trazer o Ministério do Trabalho para incorporar isso. O Ministério da Educação, não preciso nem dizer; o Ministério da Cultura, idem. Eu quero dizer o seguinte: isso não pode ser visto como uma ação exclusivamente do Ministério da Justiça. Tem que envolver outros ministérios para poder dizer: "Isso é uma ação do Estado brasileiro." Senão dá a impressão de que eles têm de dar conta dos direitos da população negra com um programinha como o Juventude Viva. Não vão dar! Tem que haver mais envolvimento do Estado brasileiro e da sociedade brasileira. Aqui há uma sugestão do Observatório Nacional sobre a Violência, é uma das propostas que temos aqui. O que eu sugiro é o seguinte: é fundamental que ao Observatório sejam incorporados membros da sociedade brasileira, em especial o movimento negro. O Observatório não pode ser mais um órgão meramente burocrático, tem que incorporar a sociedade nesse processo, e no texto eu não percebi isso, percebi que vai ser mais um observatório. É fundamental que haja a incorporação do movimento negro nesse processo. |
| R | Finalmente, é o seguinte. Os Estados e o Governo Federal continuam fazendo planos estaduais e planos nacionais de segurança pública. Se os senhores observarem esses planos estaduais, verão que a citação, quando aparece a questão do negro, está sempre vinculada à questão de "vamos dar cursinho de direitos humanos em relação a isso." Acho que seria fundamental que os planos estaduais, por recomendação desta Comissão, incorporassem o relatório que será aprovado hoje, este relatório desta CPI. Então, os planos estaduais passariam a ter que incorporar esse relatório, para não ficar uma coisa vazia. Por último, eu gostaria de deixar como sugestão uma outra coisa. Esse relatório poderia ter um subtítulo que para nós é importante. Além de "CPI do Assassinato de Jovens", que se colocasse aqui "homicídio de jovens negros", ou "genocídio dos jovens negros", ou "genocídio da população negra." Seria importante que a palavra "genocídio" aparecesse como subtítulo desse relatório. (Soa a campainha.) O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Agradeço a paciência dos senhores. Muito obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Muito obrigada. O que for correção de texto entra imediatamente para a revisão da redação final. O que for correção de texto já pode deixar que será incorporado, e o resto, o que for de mudança de conteúdo, vai como sugestão para entrar como emenda para ser aprovada imediatamente. Danielle, por favor, como última inscrita. A SRª DANIELLE DE PAULA - Olá. Boa tarde. Sou a Danielle. Estou atuando como Secretária Executiva do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro e da Negra aqui no Distrito Federal. Sou assistente social por formação. Eu gostaria de trazer algumas colaborações, e preciso falar sobre a questão do racismo. O racismo institucional existe, sim, e numa perspectiva de que não é só a pessoa, mas a instituição também é racista. A Polícia no Brasil hoje, no Distrito Federal, é racista. O Judiciário é racista. Não são somente as pessoas. A gente fazer esse adendo para conseguir entender a perspectiva. Não adianta só responsabilizar o indivíduo, é necessário responsabilizar a instituição. Para combater essas ações racistas, nós precisamos de ações afirmativas no sentido de inserir negros e negras nos espaços políticos e nos espaços governamentais. Precisamos de ações afirmativas, como cotas em concursos públicos. Ainda somos a minoria dentro desses espaços. Então, as ações afirmativas servirão para garantir a efetividade da política pública para a pessoa preta no âmbito municipal, no âmbito estadual e no âmbito federal. Precisamos dessas ações. Ainda não existe no Brasil, condensado, um fundo de ação para combate ao racismo. A criação desse fundo é fundamental para conseguirmos lidar com essas atitudes, lidar com o problema. Para enfrentar o racismo, precisamos ter recursos; para enfrentar a violência, precisa ter recursos. A gente tem, pela Polícia, não só do Distrito Federal, mas pela Polícia do Brasil, uma espécie de kit, que nós costumamos denominar "kit peba". O que seria isso? Seriam as vestimentas. Se o menino ou a menina está vestido de uma forma que a Polícia os identifica como meliantes, marginais... São os meninos que gostam de usar bermuda, que gostam de usar cordão de prata, que gostam de usar boné com aba aberta: eles são tidos como "pebas", e são tidos como potenciais agressores ou como potenciais bandidos. |
| R | O caso que foi relatado aqui, lá de São Paulo - o menino estava na chuva, com blusão e capuz na cabeça -, representa o esteriótipo construído pelo Estado brasileiro para matar esses jovens, independentemente de classe. Se você está na periferia, piorou. Então, existe um procedimento operacional padrão, que vai dar vista e vai caracterizar tal indivíduo como marginal, como meliante, a partir das suas vestimentas. Inclusive a Caixa Econômica Federal já foi processada por ter, dentro... E em São Paulo, hoje, há uma cartilha... (Soa a campainha.) ORADORA NÃO IDENTIFICADA - ...que fala sobre padrão de revistagem e aparece lá desenhado um menino preto, de boné aba aberta, bermudão e cordão de prata. E, na Caixa Econômica, idem. Inclusive, a Caixa Econômica foi processada e sentenciada a se recompor frente ao Movimento Negro por causa desse desenho. Então, essa padronização operacional precisa ser revista. Hoje, quem usa terno ou quem usa bermuda não se difere de quem é meliante, tendo em vista a situação política do Brasil hoje e quem está sendo responsabilizado. Já estou finalizando. Outra questão é que não adianta a gente ter quotas, apenas quotas. A gente precisa ter bolsas para manter esses adolescentes, esses jovens, esses estudantes dentro do universo de aprendizagem. A gente não consegue se manter dentro de uma universidade pública: a universidade é pública, mas se paga para almoçar, se paga para tirar xerox. A gente não consegue trabalhar e estudar. Eu fiz isso, mas sendo bolsista de uma universidade particular. Agora, quem está na universidade pública sabe que você tem aula de manhã, de tarde e de noite. Como você se mantém? Então, a quota, por si, é fundamental, mas, para garantir a permanência desses jovens dentro do espaço universitário, precisamos das bolsas sociais. Aqui no Distrito Federal, agora, se deu início a uma discussão sobre o Plano Distrital de Enfrentamento ao Genocídio da Juventude Negra. O que seria isso? É uma parceria da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal com a Secretaria Adjunta das Mulheres, Direitos Humanos e Igualdade Racial. E a gente está construindo uma proposta para que essa discussão venha também para o âmbito federal. A gente precisa construir um plano de enfrentamento. O relatório por si traz algumas informações, mas, como a gente combate essas violências, elas precisam estar documentadas. E o plano contra o genocídio seria o caminho ideal. E a última, e acho que é uma das mais essenciais questões para fechar minha fala, é a ocupação dos espaços de poder pelo povo preto. Nós, negros, somos minoria. Apesar de sermos maioria dentro da população, somos minoria... Quantos Deputados e Senadores negros existem hoje no Congresso Nacional? Quantas pessoas negras ocupam hoje cargos de decisões? Estar nos espaços de deliberação é fundamental. |
| R | Precisamos votar, unir-nos. Está saindo a proposta de que a favela ocupe esses espaços, existe uma proposta dessa construção, e nós precisamos fazer com que o povo negro se una. Nós não somos inimigos, nós somos colaboradores. Eu gostaria de encerrar minha fala agradecendo a possibilidade de estar aqui discutindo esse tema e dizendo que as mulheres ainda assim precisam ser vistas. Eu estou falando aqui do povo preto, mas a gente precisa dar visibilidade para as mulheres negras que estão aí constituindo essa sociedade e que ficam, às vezes, no anonimato. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, quero agradecer-lhe as sugestões. Nós estamos aqui com a necessidade de já colocar em votação para aproveitar a presença aqui do Senador Lindbergh, nosso Relator, da Senadora Fátima e do Senador José Medeiros. Eu queria poder informar... A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN. Fora do microfone.) - Srª Presidente... A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Pois não. A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Senadora, V. Exª vai colocar em votação, não é isso? A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Antes disso, quero informar as modificações. A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Mas me permita também... Tanto eu como os Senadores Lindbergh e Medeiros estamos aqui, mas vamos ter de voltar para continuar nossos trabalhos na comissão processante em andamento. Estive hoje aqui pela manhã e, como não fiz uso da palavra, quero, de forma muito breve agora, dizer da importância desse trabalho, parabenizar a Senadora Lídice, e o Senador Lindbergh pela relatoria, e deixar uma saudação muito especial a todas vocês, às entidades. Enfim, a Comissão cumpriu um papel importante do ponto de vista, primeiro, de atualizar o mapa dessa tragédia que é o genocídio dos nossos filhos, quer dizer, da juventude negra, cumpriu um papel importante inclusive quando não ficou aqui, andou por este País afora. Nós estivemos no Rio Grande do Norte, o Senador Lindbergh teve a oportunidade de ver que o Rio Grande do Norte, infelizmente, em matéria de violência contra a juventude negra, não foge à regra, vocês sabem disso também. E, ao final, aqui ressalto duas proposições muito importantes que a CPI aponta para que continuemos esse enfrentamento em defesa da vida e, portanto, contra essa violência. A CPI faz duas proposições muito pertinentes: o plano nacional de redução dos homicídios, bem como - o fim, não foi, Senador Lindbergh, que V. Exª está apresentando também? - a aprovação do fim dos autos de resistência. Então, era isso, Senadora Lídice, que gostaríamos de consignar neste dia quando nós iremos votar o relatório. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Senador Lindbergh, quer usar da palavra agora? O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Só muito rapidamente. Senhores e senhoras, lamento que nós estejamos tão divididos hoje, mas é que infelizmente está acontecendo uma reunião da Comissão do Impeachment, e a Comissão deve ficar reunida por mais de 12 horas hoje - nós saímos de lá agora, no meio de uma votação, e vamos ter que voltar correndo. Lamento não poder ter estado aqui participando de todo o debate, mas nossa equipe está aqui. Eu sei que foram feitas considerações e sugestões ao relatório. |
| R | Nós vamos aprovar o relatório, mas vamos incorporar - quero dizer aos senhores - essas sugestões que foram feitas. Então, antes da divulgação plena para todos, nós vamos incorporá-las. E eu queria, inclusive, Senadora Lídice, dizer que nós vamos mandar para cada um dos senhores também para que opinem na hora da divulgação final do relatório. Eu agradeço muito, lamento e peço desculpas, mas não conseguimos estar em dois lugares ao mesmo tempo. Parabenizo novamente a Senadora Lídice da Mata, nossa Presidente. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada. Senador Lindbergh, exatamente para adiantar, a ideia é que nós possamos aprovar o relatório com as emendas de conteúdo e com as emendas de texto e de redação que foram aqui acrescentadas. Isso foi sistematizado. Vanda, especialmente, sistematizou as contribuições já dadas aqui. E eu acho que, se nós concentrarmos em Vanda essas sugestões que foram feitas aqui, nós já poderíamos ter uma proposta de emenda global. Então, era essa a sugestão que eu iria fazer. Vou submeter à votação o relatório final. Antes, porém, eu gostaria de agradecer, em nome da CPI, à Consultoria Legislativa do Senado Federal, nas pessoas de Ernesto Freitas Azambuja, Juliana Magalhães Fernandes Oliveira, Roberta Viegas e Silva, Mário Lisboa Teodoro, que nos deu uma contribuição muito singular, Wesley Dutra de Andrade, Maria da Conceição Lima Alves e Mila Landim Dumaresq. Também agradeço à Coordenação das Comissões Especiais e Temporárias, que é o caso desta, nas pessoas de Adriana Zaban, Marcelo Assaife Lopes, Leandro Cunha Bueno, Maximiliano Godoy, Guilherme Brandão, Fernando Pinheiro Lima. Agradeço ainda às equipes do nosso gabinete, do meu gabinete de Brasília e de Salvador, da Liderança do PSB, especialmente na figura de James, que acompanhou todo o processo da Comissão; ao gabinete na pessoa de Márcio Sanchez, de Isabel, de Luciana Cruz, em Salvador, quando da nossa audiência lá, Cássia e tantos outros; do gabinete de Lindbergh, da assessoria e apoio, Diego, Sônia, Ana Moraes, Igor, Bernardo Cotrim, Priscila Borba, Olavo, Letícia Duarte, Maria José Andrade, Cristina Serralfo, Jal de Menezes, Guilherme Santana, Adriana Moraes, Manoela Camelo, Márcia Silva, Sabrina Silva, Glória, Goreti, Lilian, Genivan, Carlos de Jesus, todos integrando o apoio para que o relatório pudesse sair; à assessoria dos gabinetes dos Senadores que nos levaram a seus Estados, Senadores Telmário Mota, José Medeiros, aqui presente, Angela Portela, Fátima Bezerra, Vanessa Grazziotin, Humberto Costa e Simone Tebet. Finalmente, submeto a votação o relatório final, de autoria do Relator, Senador Lindbergh Farias. As Srªs e os Srs. Senadores que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovado. (Palmas.) Quero agradecer a todos vocês que aqui contribuíram no dia de hoje, para tornar... Vou passar a palavra ao Senador José Medeiros após finalizar - fiquei procurando V. Exª lá - este agradecimento a todos vocês, que enriqueceram muito a apresentação do nosso relatório no dia de hoje. |
| R | O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Muito rapidamente, Srª Presidente. A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com a palavra V. Exª. O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Simplesmente para fazer justiça a uma pessoa que foi importantíssima nesta Comissão: a Senadora Lídice da Mata. Ela estendeu homenagens a todos, mas ela merece uma salva de palmas. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero agradecer também a participação da nossa consultora que nos ajudou muito, a socióloga Vanda Sá Barreto, que deu uma grande contribuição a todo o processo da nossa luta na Bahia e que está aqui presente também. Muito obrigada. (Palmas.) Coloco também em votação - um minutinho, Lindbergh - as atas da 30ª e 31ª Reuniões da Comissão solicitando a dispensa da sua leitura. As Srªs e os Srs. Senadores que as aprovam queiram permanecer como se encontram. (Pausa.) Estão aprovadas. Combinamos também aqui, Lindbergh, aquele roteiro que sofreu considerações sobre como deveríamos apresentá-lo na entrega do relatório em diversas instituições, de acordo com o que estava planejado. Quero agradecer de forma especial ao Ivair, que também deu uma contribuição nesse assunto. Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos. Declaro encerrada esta reunião e, infelizmente, esta Comissão. A luta continua. (Palmas.) Todos os que estiverem no plenário se aproximem para tirarmos uma foto. (Iniciada às 10 horas e 05 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 16 minutos.) |
