Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Bom dia a todos. Havendo número regimental, declaro aberta a 30ª Reunião, Extraordinária, da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir a Proposta de Emenda à Constituição nº 74, de 2011, que acrescenta parágrafo único ao art. 228 da Constituição Federal para estabelecer que, nos casos de crimes de homicídio doloso e roubo seguido de morte tentados ou consumados, são penalmente imputáveis os menores de 15 anos e que tramita em conjunto com as Propostas de Emendas à Constituição nºs 33, de 2012, 21, de 2013, 115, de 2015, conforme os Requerimentos nºs 23, de 2016, da CCJ, de iniciativa dos Senadores Telmário Mota, Randolfe Rodrigues e da Senadora Fátima Bezerra, e 24, de 2016, da CCJ, de iniciativa do Senador Jorge Viana. Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/e-cidadania, ou ligando para o número 0800-612211. Como há vários convidados, vamos convidá-los em bloco de seis para virem fazer a sua exposição pelo tempo normal. Em seguida, nós rodiziaremos com mais seis. Fui informado de que há três convidados que têm uma agenda já predefinida e pedem para estar na primeira Mesa. São eles: representando Dom Sergio da Rocha, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Arcebispo de Brasília, Dom Leonardo Steiner, Secretário-Geral da CNBB, que convido para vir à mesa, por gentileza; a Srª Flávia Piovesan, Secretária Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania, que também convido para vir à mesa; e nosso colega Deputado Federal Laerte Bessa, que também convido para vir à mesa, por gentileza. |
| R | Agora vou seguir a ordem que a Secretaria dos trabalhos propôs. Convido o Sr. Fábio José Garcia Paes, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), por gentileza; representando o Sr. João Ricardo dos Santos Costa, Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o Sr. Alexandre Karazawa Takaschima - estamos nos Jogos Olímpicos e temos ouvido muitos nomes diferentes - que é Juiz de Direito; e também, representando a Srª Norma Angélica Reis Cardoso Cavalcanti, Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), o Sr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto, Procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná, por gentileza. Nós vamos conceder até 15 minutos para que os nossos convidados possam fazer as suas exposições. Aqueles que conseguirem fazer em menos tempo, não há problema nenhum. Portanto, concedo a palavra a Dom Leonardo Ulrich Steiner, Secretário-Geral da CNBB, para que possa fazer a sua exposição. O SR. LEONARDO ULRICH STEINER - Um bom dia a todos e a todas. Ao saudar o Sr. Senador José Pimentel, saúdo a todos os membros da Mesa. Antes de iniciar a minha fala, Sr. Senador, vou pedir que todos nós façamos um minuto de silêncio, lembrando a morte de sua esposa, acontecida pouco faz... O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE. Fora do microfone.) - No dia 5. |
| R | O SR. LEONARDO ULRICH STEINER - No dia 5. E, cada um do seu modo, possa fazer um momento de oração. (Faz-se um minuto de silêncio.) O SR. LEONARDO ULRICH STEINER - Da parte de todos nós, os nossos sentimentos. A CNBB sempre se interessou pela questão da maioridade penal, mas não só da maioridade penal. A CNBB, através das suas declarações e notas, tem sempre se manifestado como uma entidade preocupada com as crianças e adolescentes, e também com os adultos, naturalmente. Mas, como diz o Evangelho, é do coração dos pequeninos que se pode construir o Reino de Deus. A preocupação da CNBB com as crianças e adolescentes é uma preocupação com o futuro do País, o futuro da nossa sociedade e, por isso, naturalmente, com o futuro da Igreja. E por detrás dessa preocupação existe uma compreensão de pessoa humana, que talvez não recordamos o suficiente quando refletimos e discutimos a questão da maioridade penal. O que é ser pessoa? Esquecemo-nos de que a pessoa, em primeiro lugar, é relação, e quando as relações estão institucionalmente quebradas, quando as relações familiares estão quebradas, quando as relações éticas estão quebradas, o sofrimento das crianças e adolescentes é muito grande. Normalmente, não levamos em consideração essa questão de a pessoa humana ser relação e de que muitas das nossas crianças e adolescentes vivem na fratura das relações. Diminuir a maioridade penal é não levar em consideração o sentido, o significado de pessoa humana, mesmo que não seja para diminuir a maioridade penal, mas ainda levar a um tempo maior de internamento dos nossos adolescentes e crianças é criar uma fratura ainda maior, é ainda, como diz o Papa Francisco, quase descartar essas pessoas da nossa sociedade. Se a CNBB sempre se preocupou com isso, é porque ela busca a inserção das pessoas. Não é excluindo as pessoas que nós as faremos se sentirem mais cidadãs; não é excluindo as pessoas, isolando-as, que conseguimos construir uma sociedade mais justa e mais fraterna. Nós sabemos por experiência, quase todos nós que estamos aqui, que as nossas prisões não têm levado a uma inserção social. Ao contrário. Ao contrário. Basta nós conversarmos. E temos conversado com pessoas que passaram pelo cárcere, e, às vezes, até de maneira injusta, vemos como o cárcere levou as pessoas a se sentirem mais diminuídas e sem futuro dentro da sociedade. Esse é o primeiro ponto que eu gostaria de dizer. O que nós estamos propondo? Estamos propondo relações ainda mais fraturadas? Nós queremos isolar ainda mais as nossas crianças e os nossos adolescentes? Como me disse uma vez uma pessoa muito simples no interior, eu fui Bispo no Mato Grosso, ele me disse assim: "Pois é, seu Bispo, é muito fácil a gente querer jogar fora aqueles que a gente gerou." |
| R | Todas as pessoas, crianças e adolescentes, fazem parte da nossa sociedade. E nós queremos descartá-las. O segundo ponto que eu gostaria de abordar é a questão do próprio ECA. Infelizmente, não temos ainda uma implantação digna do ECA. Se realmente levássemos em consideração e houvesse essa implantação, teríamos uma outra situação. Nós temos juízes que trabalham e têm feito um esforço enorme. Valeria a pena ouvir esses homens e essas mulheres sobre o trabalho maravilhoso e os resultados maravilhosos que se tem conseguido construir. Se levássemos a sério o ECA assim como está, nós certamente teríamos menos fratura social, teríamos pessoas mais integradas socialmente e teríamos uma sociedade menos violenta. Estamos oferecendo oportunidades através do ECA. E mesmo o ECA é mais exigente em termos de internamento que a própria lei em relação aos adultos. Quem entende do ECA pode dizer e comprovar isto. Termino dizendo o seguinte: nós, como sociedade, temos que nos mobilizar e enfrentar o Congresso Nacional, mostrar realmente que acreditamos na pessoa humana. Nós acreditamos na pessoa humana e acreditamos na educação da pessoa humana. Acreditamos que a pessoa humana pode, realmente, mudar de vida. E também queremos dizer ao Congresso Nacional que, enquanto tivermos uma falta de ética tão grande na política e nos negócios brasileiros, não teremos nada a oferecer às nossas crianças e adolescentes. Quando tivermos como políticos, quando tivemos como religiosos mais dignidade e mais ética, nós teremos o que oferecer. E eles terão ideais então pela frente. O que estamos oferecendo realmente aos nossos adolescentes? Quantas experiências extraordinárias nós temos de orquestras, de bibliotecas, de iniciativas, de esportes - estamos aí nas Olimpíadas - através dos quais os nossos adolescentes são bem integrados da nossa sociedade? Acho que aqui deveria ser feito esse esforço, e o Congresso Nacional deveria se preocupar, em primeiro lugar, em dar mais chance e mais oportunidade aos nossos adolescentes. Não é descartando as pessoas para dentro das prisões que teremos uma sociedade menos violenta e mais justa, porque uma prisão também é violência que vai gerar mais violência. Eu agradeço, Sr. Senador, esta audiência pública que, insistentemente, por parte da CNBB, pedimos, para que a sociedade civil possa se manifestar. Agradeço em nome de todos as entidades que lutam pelas nossas crianças e adolescentes. Lá atrás estamos vendo direitos, mais direitos, menos redução. Nós estamos vendo aquelas placas... Estou quase levantando a minha aqui também. (Palmas.) Eu creio que... Não vamos virar não. Vamos deixar a cabeça no lugar. Quero agradecer, portanto, esta audiência pública, porque é a maneira de conseguirmos estabelecer diálogo com a Casa que deve representar o povo, que deve representar a sociedade. |
| R | Agradeço ao Senador por esta audiência pública e que possamos dar realmente uma boa contribuição. Estão aqui entidades de experiências e de lutas extraordinárias. Quero também agradecer a presença, em nome da CNBB, porque foi um conjunto de forças que conseguiu criar esta audiência pública, independentemente de religião, independentemente de postura política, mas realmente preocupados com a pessoa humana. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Obrigado, Dom Leonardo. Quero registrar que, no nosso Estado do Ceará, Dom Aloísio Lorscheider, no final dos anos 60, dos anos 70... (Manifestação da plateia.) O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Eu quero pedir aos nossos assessores da CCJ, porque se trata de uma audiência pública muito tranquila, que discute as alternativas para a nossa juventude, que a conduzamos de maneira que respeitemos o Regimento, mas sendo também mais permissivos diante desse momento difícil por que passa o Brasil, para que tenhamos uma audiência muito tranquila. Dom Leonardo, no final dos anos 60, nos anos 70 e boa parte dos anos 80, Dom Aloísio Lorscheider foi nosso arcebispo e nos orientou muito naquela região difícil, uma região pobre, mas de um povo muito trabalhador. Passo a palavra ao nosso colega, Deputado Federal Laerte Bessa. O SR. LAERTE BESSA (PR - DF) - Senador José Pimentel, é um prazer muito grande estar com V. Exª. Queria cumprimentar os Senadores aqui presentes, cumprimentar a Mesa e cumprimentar a todos os presentes. Como todos sabem, fui o Relator da PEC nº 171, de 1993, lá na Câmara Federal. Na primeira parte da discussão lá na nossa Comissão de Constituição e Justiça, nós discutimos a legalidade, a constitucionalidade desta PEC nº 171. Depois de muitos debates, chegamos à conclusão, a grande maioria dos presentes, dos Deputados, que a PEC nº 171 era constitucional, não tinha nenhuma ilegalidade e sequer seria uma cláusula pétrea. Nós chegamos à conclusão de que a cláusula pétrea estava elencada no §4º do art. 60 da Constituição. E o art. 228 tratava da redução da maioridade penal, da inimputabilidade do menor de 18 anos. Sei que vamos discutir aqui na CCJ basicamente a legalidade ou não desta PEC nº 171. Mas o interesse maior aqui hoje seria a discussão do mérito. |
| R | Tenho certeza de que todos aqui querem a discussão do mérito, mesmo porque os Senadores são juristas o suficiente para chegar à conclusão de que a PEC 171 é legal. Foi essa a nossa decisão, primeiro, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, depois, no plenário da Casa. Mas eu queria esclarecer bem o que foi colocado aqui por Dom Leonardo, que está com toda a razão. Eu acompanhei tudo o que ele falou aqui, mesmo porque não sou contra o menor adolescente. Sou contra o bandido irrecuperável, menor adolescente. Nós aprovamos em plenário, lá na Câmara Federal, que a redução seria apenas para crimes hediondos. Eu posso dizer a vocês que, na minha vida de 30 anos como policial, tive uma experiência muito ruim com aquele menor infrator. Nem todos os menores infratores são de alta periculosidade. Isso é bem claro! E nem todos devem ir para a cadeia. Eu acho que muitos menores têm recuperação, mas eu acho que nós chegamos a um índice de inimputáveis que acreditam muito na impunidade e chegaram a um nível insuportável para a sociedade, onde o clamor público se tornou generalizado. Antes de decidir qualquer coisa dentro da Câmara Federal, nós realizamos muitas pesquisas em todo o País. Aqui em Brasília ouvimos muitos técnicos nessa área que indicavam que, realmente, o povo brasileiro não suportava mais a impunidade de menores violentos. É bom esclarecer que o Brasil nunca investiu no social. Aí me perguntavam: "Poxa, por que não investir no social ao invés de reduzir a maioridade?" Respondo: sou a favor que se invista no social mais do que na redução da maioridade penal. Mas e os infratores hoje que a sociedade não suporta? De 87% a 90% do povo brasileiro exigem a redução. O que nós vamos fazer desses menores? Vou dizer a vocês, como policial, pela experiência que tenho, que são irrecuperáveis. Nós não podemos ficar à mercê de jovens violentos que estão matando, estuprando, barbarizando a sociedade. |
| R | E a sociedade reclama todos os dias. Então, vocês podem ter certeza de que não só eu, mas que toda a Comissão de Segurança Pública - depois, decidiu-se que a redução da maioridade penal seria apenas para bandidos irrecuperáveis, isso foi decidido no dia da votação em plenário -, nós estávamos protegendo aquele menor que não é violento e que é recuperável. Por isso que, em nossa decisão, fomos unânimes no sentido de que aquele menor reincidente em crime hediondo e considerado, pela clínica sociológica, através de especialistas que possam provar a insanidade daquele menor... Acredito que o menor violento, que o menor que é irrecuperável tem uma insanidade, e nós não podemos conviver com esse menor violento em nosso meio. É o que nós propomos. Chegou aqui ao Senado, já faz um bom tempo que chegou. Só lá na Câmara passou 22 anos para ser apreciado na CCJ. E digo mais: com a evolução da sociedade, com os meios tecnológicos que nós temos hoje, com a massificação da mídia, nós não podemos dizer que um menor de 16 anos não vai reconhecer o caráter ilícito da sua conduta. Não podemos aceitar isso. Mas, mesmo assim, nós reconhecemos que esse menor, como o maior também, pode ser recuperado. Mas não admitimos mais esse menor violento, esse menor que mata, sádico, como vem ocorrendo, como aconteceu agora recentemente com um adolescente que matou quatro pessoas e disse que a pena é branda. Na frente do juiz ele disse que a pena é branda. Há vários casos que não precisamos citar, porque todos sabem os casos bárbaros de crimes praticados por menores. A gente sabe que, por natureza, ele é mais impulsivo, ele é mais violento do que o maior, até por inexperiência, claro, pela inexperiência dele. Mas a sociedade tem culpa por ele ser inexperiente, por ele ser violento? A sociedade não tem culpa disso. Ah, não tem presídio? Tudo bem, mesmo que ele seja violento, nós consagramos, na nossa decisão, no relatório final, que eles vão cumprir a pena no regime socioeducativo, só que com a pena do maior. Claro, nós não vamos jogá-lo junto com o maior! "Ah, mas não tem sistema socioeducativo no Brasil, não tem prisão para maior, sequer vai ter para os futuros menores." A sociedade não tem culpa se o Governo não investe no sistema penitenciário. É por isso que o Brasil é violento dessa forma. |
| R | Gente, hoje... (Manifestação da plateia.) O SR. LAERTE BESSA (PR - DF) - Pois é. Concordo contigo. E o Governo investe em educação? Eu sou a favor de que invista em educação e no social. Aí, no futuro, nós vamos resolver o nosso problema, com certeza. Os grandes países, os grandes países, antes de penalizarem o menor, investiram na educação do menor. Sou a favor. Agora, nós não podemos aceitar a situação que está hoje porque o Governo não investe no social, não investe na educação, esse Governo terrível que nós tivemos aí, passado. Foram 13 anos em que nunca se investiu no social. O que a sociedade vai fazer com esses menores violentos? Então, é isso o que se passa na nossa mente: que de 87% a 90% do povo brasileiro estão com a razão. E os Parlamentares aqui? Nós somos empregados do povo. (Manifestação da plateia.) O SR. LAERTE BESSA (PR - DF) - Estou exercendo uma função porque fui eleito pelo povo. (Manifestação da plateia.) O SR. LAERTE BESSA (PR - DF) - Gozado vocês estarem rindo. Admiro vocês! Estou conversando sério com vocês e não estou de molecagem com ninguém. Estou falando sério. E vou adiantar uma coisa. Eu luto pelo Brasil e uma coisa que nós fizemos de bem para o País foi tirar esse Governo que passou aí! (Manifestação da plateia.) O SR. LAERTE BESSA (PR - DF) - Ah, eu queria escutar isso. Então, já entendi o porquê do sorriso e da vaia. Está o.k.? Era isso, Senador Pimentel, o que eu queria passar para todos aqui que estão legitimamente representando o povo. Eu vim aqui para esclarecer uma decisão que nós tomamos na Câmara e que é a decisão do povo brasileiro. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Com a palavra a Srª Flávia, Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. A SRª FLÁVIA PIOVESAN - Um bom dia a todos e a todas! Gostaria, inicialmente, Senador José Pimentel, de registrar a minha gratidão por poder somar-me a esta audiência pública que tem como finalidade maior colher elementos, subsídios, dados que permitam qualificar esse debate público tão relevante a respeito da redução da maioridade penal. Estendo meus cumprimentos a meu estimado amigo Olympio de Sá, um grande defensor dos direitos humanos, querido amigo há mais de duas décadas, quando era, então, Procurador-Geral de Justiça no Paraná. Também expresso meus cumprimentos ao Dr. Alexandre, representando a Associação dos Magistrados do Brasil, dos Magistrados e das Magistradas do Brasil, a Fábio Paz, pelo Conanda, ao Deputado Laerte Bessa e a todos que se unem a essa causa, que é a causa emancipatória em prol da defesa dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes no Brasil. Eu me somo à voz de Dom Leonardo - a quem aqui também gostaria de deixar o meu abraço e a minha acolhida - endosso sua voz, na qualidade de Secretária Especial de Direitos Humanos, estou como Secretária, e de professora de Direitos Humanos e de Direito Constitucional que sou, trazendo argumentos que permitam, aqui, contribuir para esse debate público. |
| R | Digo "não" à redução da maioridade penal. (Palmas.) E digo "não" porque, com todo o respeito, Deputado, os nossos adolescentes não merecem como resposta serem confinados em prisões, com adultos. Merecem mais escolas e menos prisões. E o faço a partir de quatro argumentos. O primeiro argumento é de natureza fática. Nós temos que esclarecer esse debate, temos que lidar com informações precisas e dados objetivos. Os atos criminosos cometidos por adolescentes representam 4% do total dos crimes, sendo eles responsáveis por menos de 1% dos homicídios praticados no Brasil. Portanto, praticam 2,9% dos crimes considerados graves - 2,9%. E nesses crimes estamos, sobretudo, tratando de roubo (38,7%) e tráfico (27%). Portanto, o nosso desafio é lidar com esse universo de 1% dos jovens que cometem homicídios, 1%. Perdão, eles são responsáveis por menos de 1% dos homicídios praticados no Brasil. Também, com todo o respeito, não me somo à ideia de que seriam bandidos irrecuperáveis porque nós defendemos e lutamos - e aqui trarei a voz do Supremo a respeito - contra a cultura do encarceramento, pois prende-se muito, e mal, no Brasil, e apelamos pela humanização, tendo em vista, inclusive, o caráter não só retributivo, mas de ressocialização do sistema penitenciário. Além desse argumento fático, temos o segundo argumento: o absoluto colapso do sistema carcerário brasileiro, portador da quarta ou terceira maior população carcerária do mundo, perdendo apenas - se os dados não estiverem desatualizados - para os Estados Unidos, a Rússia e a China. De 1992 a 2013, o Brasil elevou a taxa de encarceramento em 318%, sendo ainda que 44% dos presos são provisórios, o que aponta um universo de 800 mil. Ou seja, esse debate ganha luzes ainda mais veementes com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 9 de setembro de 2015, ao julgar a ADPF 347. Pela primeira vez na nossa história jurídica, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a situação carcerária representava "um estado de coisas inconstitucional". Por que um "estado de coisas inconstitucional"? Pela situação degradante das penitenciárias, pelas condições desumanas de custódia e pela violação massiva de direitos humanos. Então, é nesse lugar que está a esperança dos nossos jovens? É para esse lugar que nós vamos, com todo o respeito, encaminhá-los, se a própria Corte Suprema fez esse apelo e determinou, por exemplo, o mecanismo das audiências de custódia, dentre outras medidas? Portanto, trago aqui essa voz do Supremo. E trago à reflexão: vamos despejar os nossos adolescentes nesse universo, nesse "estado de coisas inconstitucional", na voz do próprio Supremo Tribunal Federal? |
| R | Além disso, se a pena deve ter um caráter retributivo e ressocializador, o sistema carcerário brasileiro, infelizmente, não satisfaz quaisquer dessas finalidades, porque o índice de reincidência por pesquisas oscila entre 70% e 80%, o que vem a atestar o absoluto fracasso, ainda, de qualquer dimensão ressocializadora do modelo carcerário brasileiro, por vezes sob o controle do crime organizado, de quem o Estado muitas vezes se torna refém. Terceiro argumento: Direito comparado. Vamos olhar para o mundo afora, vamos aprender com outros países. Qual tem sido a experiência de outros países? Trago aqui estudo da Unicef envolvendo 54 países. Ele constatou que 78% deles fixam a idade penal em 18 anos ou mais. Citaria a França, Espanha, Suíça, Noruega, Uruguai e Estados Unidos. Nos Estados Unidos, o debate sobre a redução da maioridade acirrou-se nos anos 90, como resposta à alta criminalidade. Mas, desde 2005, 30 Estados aprovaram normas que conferem um tratamento especial aos adolescentes em conflito com a lei, diverso do tratamento conferido aos adultos - na visão bastante pragmática dos norte-americanos. Isso porque os adolescentes tratados como adultos têm uma probabilidade maior, em 35%, de retornarem ao mundo do crime. Além disso, como os adolescentes estão em peculiar condição de desenvolvimento, teriam maior potencialidade de reabilitação. Quarto argumento: ordem jurídica. Da onde eu venho, como professora de Direito Constitucional que sou há mais de 25 anos e de Direitos Humanos, a Constituição Federal consagra, com toda ênfase, a absoluta prioridade da criança e adolescente. Se há o direito da infância a essa absoluta prioridade, a consequência é o dever do Estado de assegurar-lhes os direitos básicos, colocando-os a salvo de toda forma de violência, crueldade e opressão. É daí que surge o direito à proteção especial dos adolescentes, incluindo a maioridade penal aos 18 anos, bem como os princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, dedica um longo capítulo às medidas socioeducativas a serem aplicadas quando da prática de ato infracional. Qual é a conclusão? A redução da maioridade penal perverte a racionalidade do sistema, perverte a principiologia constitucional. Ao abolir o tratamento constitucional especial conferido aos adolescentes, inspirada na lógica absolutamente repressiva - como já foi lembrado aqui pelo nosso do Dom Leonardo -, a ideia da exclusão, a ideia repressiva, punitiva do isolamento é inconciliável com a principiologia, a racionalidade da construção e do Estatuto da Criança e do Adolescente, porque aniquila a perspectiva de inclusão, aniquila a perspectiva de proteção, aniquila a perspectiva socioeducativa de reinserção social. Portanto, temos, sim, que fazer outra audiência pública para aqui colher ideias e subsídios para fortalecer a implementação da Lei nº 12.563, de 2013. É disso que precisamos! Ou seja, reforçar a institucionalidade do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). Como tem sido implementado o Sinase? |
| R | Dados apontam que o número de adolescentes cumprindo medida socioeducativa representa 0,1% quando em situação de restrição de privação de liberdade e 0,4% quando em prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Portanto, o desafio é a implementação efetiva, Dom Leonardo, como já mencionado, da nossa legislação, da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Eu também ouso, Deputado, divergir no que se refere as cláusulas pétreas, porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é absolutamente pacífica quando da interpretação do art. 60, §4º, inciso IV - direitos e garantias individuais. O Supremo confere uma interpretação ampliativa e extensiva, à luz da sistemática constitucional. Inclusive tema tributário, referente às garantias tributárias de imunidade, já foi entendido pelo Supremo como receptor da proteção do art. 60, §4º, inciso IV. Ou seja, não há qualquer dúvida de que a proposta de redução da maioridade penal confronta diretamente a Constituição no seu cerne essencial e, portanto, viola o que ela tem de mais precioso, que é a valoração petrificada por ela, que não pode ser afrontada, debilitada ou comprometida. Portanto, aqui também trago a voz da Convenção sobre os Direitos da Criança, que, de igual modo, soma-se a isso. Temos que somar os parâmetros constitucionais com os parâmetros protetivos internacionais. De igual modo, temos uma convergência de racionalidade: Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, lei que institui o Sinase e a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, que prevê, de igual modo, a excepcionalidade, a brevidade das medidas privativas de liberdade aplicáveis ao adolescente, bem como a exigência de um tratamento pautado pela reintegração, pelo desempenho construtivo, quando de eventual prática de ato infracional. Eu concluo afirmando que reduzir a idade penal para confinar adolescentes na prisão com adultos não apenas viola os parâmetros constitucionais internacionais, como ainda carece de todo o fundamento fático a contribuir na luta contra a impunidade. O simplismo, o imediatismo da medida são incapazes de responder aos complexos desafios da realidade brasileira - ostentar uma das maiores taxas de homicídio de jovens no mundo, só perdendo para a Nigéria em termos absolutos. Portanto, romper com a cultura da banalização da morte requer, sobretudo, que se rompa com a cultura da banalização da vida. Então, nós nos somamos aqui a tantos que defendem mais escolas, menos prisões. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Com a palavra o Sr. Fábio José Garcia Paes, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Por gentileza. O SR. FÁBIO JOSÉ GARCIA PAES - Eu quero saudar a Mesa e todos os presentes, na pessoa do Senador que modera a Mesa, o Vice-Presidente da Comissão. De uma maneira bem especial, eu gostaria de saudar, antes de tudo, os Conselheiros do Conanda (Conselho Nacional da Criança), porque nós estamos em estado de assembleia e priorizamos esta agenda no dia de hoje - estão todos aqui presentes. |
| R | Também quero saudar todos os movimentos, frentes que mobilizam esta pauta de enfrentamento contra a redução ou qualquer tipo de perspectiva de redução de direitos humanos neste País. No País inteiro, neste momento, há grupos organizados em vários Estados que estão nos escutando e acompanhando, de maneira virtual. Eu queria aqui reconhecer o papel da Frente Nacional contra a Redução, que vem pautando as ruas e a mobilização nacional frente a esse tema. Quero aproveitar o gesto do Dom Leonardo. Gostaria de um minuto de silêncio para as dezenas e centenas de meninos torturados e mortos por aquilo que nós chamamos de sistema socioeducativo neste País. Recebemos a informação recente, na semana passada, de mais um óbito de um menino que esteve ou que estava na medida socioeducativa. Eu peço, por esses meninos, um momento de silêncio. (Faz-se um minuto de silêncio.) O SR. FÁBIO JOSÉ GARCIA PAES - Falo aqui como Conanda. Desculpe, Deputado Laerte, que eu acho que não está mais aqui, as vaias que o senhor presenciou nesta sala. Elas não têm a ver com o fato de nós sermos petistas ou aliados do governo anterior, mas com o fato de o Conanda, como órgão de Estado que é, ter participado e participar da construção de políticas públicas neste País, em especial para crianças e adolescentes. Falar mal de um passado é falar mal também das nossas decisões, das nossas deliberações. Por isso, as vaias. Nós não podemos reconhecer isso, porque nós somos parte do Estado brasileiro. E aqui estão pessoas comprometidas com esta agenda afirmativa, mediante as políticas públicas do País. No primeiro momento, eu gostaria de falar que é muito complexo querer argumentar a partir de dados, estatísticas ou a partir do viés legal. Acho que a Secretária Flávia deu todo o desenho, todo o arcabouço técnico e político de enfoque de direitos, que nós nem vamos discutir e que o Conanda nem quer reapresentar aqui. Acho que a Flávia fez, de uma maneira bem didática, de uma maneira bem ampla, todo esse argumento. Como o Conanda quer se posicionar nesta oportunidade, nesta Mesa, sobre o objeto de debate que o Congresso e o Senado vêm apontando? O objeto do debate da redução da idade penal, do aumento do tempo de internação de meninos e meninas, com todo aquele perfil desenhado pelo Deputado Laerte, este objeto está equivocado! Este objeto de mobilização de atenção e de prioridade desta Casa está equivocado. Desde 2012 o Brasil tem uma lei de um Sistema Nacional Socioeducativo. Esse objeto é desprezado, desconhecido, vulgarizado e abandonado pelos olhares dos políticos e dos gestores públicos. Por isso, o objeto de atenção desta Casa e de todos aqueles que querem discutir sobre redução deve se ater à Lei nº 12.594, de 2012. Essa lei, para nós, dá resposta para isto, que, segundo dizem, a população espera, resposta frente à violência, e a outras situações. |
| R | Essa lei não é implementada no Brasil não por uma questão de uma pauta de Governo Federal somente, mas por uma culpa dos governos estaduais e dos governos locais, que não priorizam o reordenamento dos seus serviços. Eu conclamo os Senadores e seus assessores que conheçam as últimas diretrizes sobre a arquitetura das medidas socioeducativas. Até isso existe! Há manual sobre como construir uma medida adequada em épocas contemporâneas, sobre a questão de uma arquitetura pedagógica e que faça intervenção frente ao desenvolvimento de adolescentes infratores. Só que há um desconhecimento geral! Como eu vou lidar com uma falta de conhecimento, querendo justificar isso por pessoas que pouco conhecem ou nada conhecem daquilo que foi produzido e é produzido nas políticas públicas deste País? O Brasil é condenado nos relatórios internacionais não porque ele não tenha leis bonitas. Eu gostaria aqui de citar uma carta de um representante da ONU para o Brasil, em 2015, no aniversário de 25 anos - fizemos 26 anos em julho agora -, falando o seguinte, que querem que o Congresso Federal, que todos os representantes políticos desse País reconheçam "que o Brasil tem assumido um papel de liderança e constitui uma referência a nível internacional neste domínio dadas as medidas decisivas que tem adotado para a realização dos direitos da criança, [...] [em especial] em favor da inclusão social e contra todas as formas de violência." Nós somos reconhecidos pela nossa lei, mas, ao mesmo tempo, somos denunciados nos relatórios internacionais pela falta de implementação dessas políticas e desses planos. Temos políticas, temos planos, temos diretrizes. No dia a dia das crianças e das realidades comunitárias e das cidades, nós não presenciamos a concretude dessas políticas, porque elas não são implementadas. Nesse sentido, então, o objeto de atenção desta Casa ou de qualquer casa ou de qualquer debate não tem que recair sobre as costas dos meninos. Nós estamos responsabilizando e criminalizando, cada vez mais, as nossas crianças e adolescentes. Eu gostaria de dar um exemplo aqui: hoje pela manhã, ao adentrar nesta Casa, três meninos e meninas negros, estudantes, foram barrados na porta. Por quê? E por que o outro engravatado, com o seu paletó, conseguiu passar tranquilamente? Porque nós já observamos adolescentes como um risco e um perigo para a sociedade. Isso se amplifica quando um deles é infrator de alguma situação para a sociedade. Ao mesmo tempo, comemoramos as medalhas de ouro do Brasil, que são poucas, e vangloriamos Rafaela da Silva, não porque o Estado a sustentou, mas porque um projeto social desviou a sua atenção e focou nela como uma grande potência. E é esta Casa que deveria observar e ter como foco do seu olhar a potencialização de respostas para esses meninos e essas meninas, na área da educação, da saúde, da cultura, da prevenção. Nossos meninos não são irrecuperáveis. Nossos meninos não são potencializados - não são potencializados! E não é com parede, com grade, com medidas de prisões que nós vamos fazer isso. |
| R | Nesse sentido, legislação existe, desculpem. Se alguém não concorda com isso é por desconhecimento. Nós temos lá no Conanda diversos manuais, diversas resoluções, nós temos uma resolução sobre o sistema de garantia de direitos, que hoje vive um caos pela falta de prioridade nesse tema. É a partir destas respostas que nós poderemos sanar esse sentimento de não punição aos meninos e às meninas que violam direitos de outros e que, neste sentido, são violados primeiramente pelo Estado que não os prioriza. Aí eu tenho algumas propostas concretas. Primeiro, o Conanda, ao analisar todo o relatório do parecer técnico do Senador Ricardo Ferraço, verificou que há uma falta de alinhamento diante de alguns marcos contemporâneos. Primeiro, cita-se um livro de 1880, que fala de loucos e menores, um livro totalmente ultrapassado enquanto estamos vivendo a era de Foucault, que vai discutir o problema das grandes instituições totais, como isso massacra a vida humana. O que mais me alarmou nesse relatório foi quando se diz a seguinte afirmação: "O jornal O Globo [que, para nós, não é um dado estatístico, é um dado narrativo de um jornalista] publicou matéria fundamentada em números oficiais fornecidos por secretarias de segurança pública de oito unidades da Federação. Na referida reportagem, nos são trazidos dados suficientes para demonstrar a falência do sistema estabelecido pelo ECA." Repito: "Falência do sistema estabelecido pelo ECA". O que nós encontramos nos Estados não é implementação do ECA, nem em São Paulo, que se vangloria por ter a sua Fundação Casa, totalmente desalinhada politicamente, programaticamente, metodologicamente falando. Não é o que a lei rege. Diz, então, a partir desta análise, justifica falando realmente que o ECA está equivocado e que esse sistema não existe. Aí novamente a falta de conhecimento. Nesse sentido, nós pedimos que os Srs. Senadores observem e foquem propostas de leis que responsabilizem os gestores públicos pela não aplicação da lei do Sinase e assim também do Estatuto da Criança e do Adolescente, foquem atenção em responsabilizar os gestores públicos, e não as nossas crianças e adolescentes, que já têm uma metodologia para tentar sanar essa questão da violência e dos seus comportamentos violentos. Para isso nós já temos legislação. A segunda recomendação e proposta que eu faria, como Conselho Nacional da Criança, é que nós possamos criar dentro do Senado - e aí não seria nós, mas o Senado - uma subcomissão, articulando com o Judiciário, com os Deputados, com a sociedade civil, com os expertos nesse tema e o Conanda envolvido. Vamos criar uma subcomissão para avaliar, em âmbito nacional, o que está acontecendo com os meninos das medidas socioeducativas e como se encontra essa realidade lá. Criar essa subcomissão, ou alguma ferramenta para isso, onde nós possamos priorizar um diagnóstico real da situação brasileira, e não dos argumentos jornalísticos atravessados e equivocados pela lógica. Temos que trazer aqui como estamos respondendo a esses meninos e a essas meninas, trazer essa ferramenta e essa estratégia para esta Casa. |
| R | Por último, Secretária, nós temos a portaria de avaliação do Sinase que está já há algum tempo na mesa do Ministro Alexandre de Moraes. Já passou o tempo, está esgotado, está ultrapassado, e ele não tem assinado. Eu sei que há um esforço, mas precisamos da assinatura para poder dar continuidade ou início a esses trabalhos de avaliação. Nesse sentido, também quero falar que o Conanda é contra a redução e qualquer tipo de estratégia de aumento de tempo de internação. E nisso também gostaria de fazer aqui uma pequena denúncia: o próprio Ministro Alexandre de Moraes disse que isso ele não negocia. E o Conanda se mantém firme nessa bandeira histórica, e falamos: este Governo em exercício também tem que se posicionar contra; por essas conquistas históricas, que não são de um governo, mas de uma sociedade civil, de um Estado totalmente envolvido ao longo destes anos. Então, são essas as propostas que eu faço como Conanda, de maneira colegiada. Gostaria de finalizar dizendo o seguinte: que o debate não deve ter a ótica policialesca, como o Deputado Laerte propôs. Não deve ter nenhuma ótica policialesca. Eu fiquei até meio preocupado quando ele assume a responsabilidade desta Casa, como os principais responsáveis legais deste País, que tem juízes, tem conhecedores, tem expertos e pesquisadores. Nesse relatório deste parecer, em determinada hora, uma doutora chamada Kátia, uma psiquiatra, disse que é a favor da redução por diversos argumentos, e eu digo: O Conselho Federal de Psicologia e os diversos conselhos deste País já publicaram livros dando base teórica, científica e dizendo porque são contra a redução da idade penal ou qualquer tipo de estratégia neste sentido. Finalizo: reduzir é encarcerar, reduzir é conceber adolescentes como objetos e não como sujeitos, reduzir não é oportunizar mudanças, reduzir é um atentado à vida e à sua potência, reduzir é assumir que não temos capacidade de responder à situação e à realidade dos meninos e das meninas, reduzir é gastar dinheiro público no ralo da sociedade, reduzir é um dos maiores equívocos contemporâneos da nossa sociedade internacional e brasileira. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Concedo a palavra ao Sr. Alexandre, Juiz de Direito, aqui representando a Associação dos Magistrados do Brasil. Por gentileza, Dr. Alexandre. O SR. ALEXANDRE KARAZAWA TAKASCHIMA - Bom dia; bom dia a todos. Agradeço o convite, a possibilidade de participar desta audiência pública. Vocês já devem ter percebido que eu não sou muito bom em tecnologia. É justamente começando com isso que acho que alguns mitos nós teríamos que quebrar. Um desses mitos é que todo japonês entende de informática. (Risos.) Não entendo e vou precisar da ajuda do colega lá. Eu só queria iniciar a minha fala com uma notícia que saiu na UOL no dia 13 de junho de 2016: "Brasil cai 64 posições e fica em 107º em ranking de direitos da criança". |
| R | Isso em 13 de junho de 2016. Nós despencamos da 43ª posição para a 107ª nesse ranking internacional que engloba 163 países, no qual são avaliados direito à vida, saúde, educação, proteção, ambiente favorável aos direitos da criança. Eu sou Juiz de Direito em Santa Catarina e atuei durante 6 anos, de 2010 a 2016, como Juiz Auxiliar na Corregedoria do Tribunal de Justiça. Uma das minhas funções era justamente visitar o sistema socioeducativo de Santa Catarina. Por gentileza, poderia mostrar o primeiro quadro, segurança em números? Santa Catarina, na página da Secretaria de Segurança Pública, tem um relatório mensal. Os números estão pequenos, mas são dados de prisões em flagrante (adultos), cumprimentos de mandados de prisão, flagrantes, apreensões de adolescentes em conflito com a lei e mandados de busca e apreensão. Número de prisões realizadas dentro do quadro da Polícia Civil. Os últimos quadros ali são dos meses de janeiro, fevereiro, março, abril e maio deste ano. Nós tivemos 12.390 prisões e apreensões em Santa Catarina em flagrante. Desse total, foram presos em flagrante 9.922 adultos; cumpridos mandados de prisão: 1.627, de adultos; e, no mesmo período, flagrantes, adolescentes em conflito com a lei: 571; e ordem judicial de busca e apreensão de adolescentes: 270. Então, nós tivemos aproximadamente 11.000 prisões de adultos e, no mesmo período, 840 apreensões de adolescentes, demonstrando que, em Santa Catarina, adolescentes entre 12 e 18 incompletos representam menos de 8% do número de apreensões e prisões realizadas no Estado. Poderíamos passar para as fotografias por favor? Eu gostaria de apresentar algumas fotos das inspeções que realizei em Santa Catarina para mostrar a situação que os adolescentes cumprindo medida socioeducativa vivenciaram durante o período de 2010 a 2016. Atualmente, ainda não conseguimos mudar essa situação. Nós só temos duas unidades no sistema Sinase, na arquitetura, que foi falada pelo colega. Aí é a entrada Chapecó, extremo oeste de Santa Catarina. Esse é o antigo serviço de internação em Santa Catarina. Esse é um corredor lateral. A próxima por favor. Nós estávamos olhando um lado e esse é o segundo lado. Aquele lado anterior era dos que haviam ingressado há pouco tempo, internação provisória, e esse era o de internação definitiva. |
| R | Por gentileza, próximo. Esse era um objeto multiuso. Era vaso sanitário... Vocês podem observar que tem escova de dente, pasta de dente, xampu. Essa era a nossa realidade, a realidade do nosso sistema socioeducativo. Essa unidade foi recentemente demolida, estão terminando as obras da nova arquitetura, não foi nem inaugurada. O que eu quero mostrar para vocês é que, decorridos 26 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, na verdade, nós não implementamos efetivamente o Estatuto. Então, muito mais importante do que discutir a questão da redução da maioridade penal seria discutir até que ponto nós efetivamente implementamos o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por gentileza, o próximo. Para vocês verem: nós chamamos, eufemisticamente, de celas essas unidades. Em Chapecó também: aí a unidade de internação provisória. Próxima, por favor. A grande diferença que vocês vão ver é que esses quartos não possuem banheiros dentro dos quartos. Então, vocês podem perceber que existem refrigerantes na parte superior, que efetivamente são refrigerantes, e, na parte inferior, depois de um certo período da noite, não era mais utilizado o banheiro coletivo, por uma questão de segurança. Então, os adolescentes tinham que fazer suas necessidades dentro das garrafas pets que ficavam no chão. O próximo. Nós estamos olhando um lado, um grande corredor, são dois lados parecidos. Esses são os nossos chamados quartos para esses adolescentes em conflito com a lei. Esse não é o padrão arquitetônico da lei do Sinase. Santa Catarina está começando a implementar e, simultaneamente, estamos discutindo a redução da maioridade penal. Não chegamos nem a possibilitar efetivamente um sistema socioeducativo e já estamos pensando na questão da colocação deles no sistema prisional. O sistema prisional em Santa Catarina, como em todo o Brasil, apresenta um cenário de superlotação. São mais de 18 mil presos. Atualmente eu estou numa unidade da Vara da Família, no interior do Estado, fazendo a inspeção da unidade da minha comarca. Verifiquei que os presos de alimentos, que são os presos civis, estão misturados com os presos comuns, o que viola também a própria Lei de Execução Penal, o que demonstra a dificuldade que nós teríamos, na prática, logisticamente, com uma eventual redução da maioridade penal. Por favor, a próxima. São algumas fotos. Pode ir passando por favor. Essa é de outra unidade, a unidade de Rio do Sul, que também foi recentemente reformada. Essa já está em utilização. Pode ir passando por favor. Essas são algumas imagens de como é o ambiente em que eles supostamente teriam que estar sendo trabalhados numa ideia socioeducativa. Essa é a situação que eu encontrei quando fiz a inspeção - as inspeções acontecem sem prévia comunicação. Esse foi um quarto que pegou fogo. A sorte é que o adolescente estava em atendimento com a equipe técnica, estava conversando com a assistente social quando deu um curto circuito e pegou fogo no quarto, mas ele teve que voltar a utilizar aquele quarto, porque há uma situação de superlotação também no socioeducativo - ele teve que utilizar o quarto sem reforma nenhuma. |
| R | Pode ir passando por favor. Na verdade, em Santa Catarina nós somos 111 comarcas, 111 juízes da Infância e Juventude. (Procede-se à execução de áudio.) O SR. ALEXANDRE KARAZAWA TAKASCHIMA - Esse é Vitor Ramil - não sei se conseguem escutar. É um cantor e compositor gaúcho. A música se chama Estrela, Estrela e ele a compôs quando tinha dezesseis anos. Isso me motivou a compartilhar essa música com os senhores e com as senhoras. Quando eu tinha dezesseis anos, eu parei de estudar. Eu queria ser músico. Graças a Deus, meus pais me chamaram, conversaram comigo e falaram: "Olha, Alexandre, você vai continuar estudando; você vai continuar com a sua música, mas você vai continuar estudando." Dou graças a Deus por meus pais terem me chamado, terem tido essa conversa comigo. Não fosse isso, hoje estaria disputando com um tal de lepo lepo, Psirico, com todo respeito a todos os gêneros musicais. Mas eu dou graças a Deus porque eu tive, dentro de casa, a oportunidade de ter um pai e uma mãe que tiveram o cuidado e o amor de me chamar para conversar e me mostrar caminhos. E é justamente este que talvez seja o meu grande pedido, como magistrado: de nos darmos uma chance de fazer um trabalho diferente com relação aos nossos adolescentes, não só tendo em mente uma ideia punitiva, mas uma ideia de que, talvez, da mesma forma que eu tive a oportunidade de ter uma família que me acolheu, que a gente possa ter a capacidade de lançar um olhar de cuidado para essas crianças e adolescentes. Há um filósofo, de quem eu gosto muito, que se chama Luc Ferry. É um filósofo francês que foi ministro da Educação de 2000 a 2004 na França. E ele fala que nós deveríamos partir para um segundo humanismo. O que seria o segundo humanismo? O primeiro humanismo foi aquele da Revolução Francesa, liberdade, igualdade e fraternidade. Só que ele aponta que, mesmo com esses ideais, nós tivemos a Primeira e a Segunda Grande Guerra Mundial escravidão e colonialismo. E ele propõe que possamos avançar para um segundo humanismo, que, resumindo, seria o amor. Luc Ferry, daí, aborda o amor agape, o amor philia, o amor eros. E ele fala que, se nós pensarmos as nossas políticas públicas tendo como destinatários finais os nossos filhos, talvez possamos fazer um mundo diferente. (Música ao fundo.) De que forma eu... Olha, eu confesso que eu não sei como... Eu falei para vocês que todo japonês não entende de música... Vamos terceirizar. Talvez pudéssemos pensar: como eu gostaria que a minha filha fosse atendida no sistema socioeducativo? Como eu gostaria que o meu filho fosse atendido no sistema socioeducativo? Como eu gostaria que ele fosse atendido pela saúde, pela educação? Talvez possamos pensar num mundo diferente. Ouvindo o Deputado Lessa, eu me lembrei de Rubem Alves, um pedagogo que, infelizmente, faleceu; era também psicanalista e pastor. |
| R | Ele dizia que, quanto à questão da redução da maioridade penal, que deveríamos pensá-la não tendo em mente uma partida de tênis, em que o nosso objetivo maior é jogar no ponto fraco do nosso concorrente, do nosso adversário, mas deveríamos pensá-la tendo em mente um jogo de frescobol: vamos jogar nos pontos positivos que cada uma das nossas posições tem. Em Santa Catarina temos o trabalho do Padre Vilson Groh, no Maciço do Morro da Cruz. Lá eles fizeram um levantamento sobre a questão da redução da maioridade penal. Foi feita a pesquisa com os familiares, os pais dos alunos do Colégio do Monte Serrat, Colégio Marista. A grande maioria dos pais e da comunidade respondeu que eram favoráveis à redução da maioridade penal. A segunda pergunta que foi feita: "Quem sai do sistema prisional sai melhor ou pior?" 100% responderam que sai pior. Essa é a contradição com relação à discussão da redução da maioridade penal. (Soa a campainha.) O SR. ALEXANDRE KARAZAWA TAKASCHIMA - Os que pedem a redução da maioridade penal reconhecem que quem sai do sistema prisional sai pior do que entrou. Então, a nossa fala, a nossa busca e a nossa indignação decorrem do fato de que não são só números, gente, são pessoas que estão morrendo. A minha irmã é promotora em uma comarca do interior de Santa Catarina. Recentemente ela me ligou e falou: "Xande, de janeiro até agora, morreram dezessete adolescentes. Eu pedi o arquivamento de dezessete representações de atos infracionais aqui na minha comarca." Dezessete adolescentes faleceram na comarca dela em menos de seis meses! É como se morressem mais de duas fileiras dessas de pessoas em menos de seis meses e a gente achasse normal. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Com a palavra o Sr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto, Procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná, aqui representando a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Conamp. O SR. OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO - "Eu vi ontem um bicho na imundície do pátio catando comida entre detritos. Quando encontrava alguma coisa, nem cheirava, engolia vorazmente. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era uma criança." Manuel Bandeira adaptado. Meus cumprimentos a todos e a todas que participam deste evento de cidadania do Senado Federal. Peço licença para saudar especialmente o Senador José Pimentel, que preside esta sessão; a Senadora Gleisi Hoffmann, do meu Estado do Paraná; a Senadora Fátima Bezerra. Saúdo também o Magistrado Alexandre Takaschima, representante da Associação dos Magistrados - muito bem representada a Associação dos Magistrados Brasileiros nesta sessão -; e o Fábio Paes, que é o Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conanda, que, segundo o comando constitucional, deveria ser o órgão a formular a política de atendimento aos direitos da população infanto-juvenil e controlar as ações governamentais em todos os níveis. |
| R | A primeira observação é que se deve dar destaque à atuação do Conanda em todos esses processos que tratam de matéria pertinente aos direitos da população infanto-juvenil. Saúdo a Professora, hoje Secretária Nacional dos Direitos Humanos, Flávia Piovesan, que é professora de todos nós. Eu não sei bem como começar, pelo exíguo tempo. Mas eu... Aliás, quero começar dizendo o seguinte. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, diversas vezes, repetem que as crianças e os adolescentes devem ser tratados com dignidade e respeito. Não há nenhuma criança ou adolescente que seja bandido. Não há nenhuma criança ou adolescente que seja irrecuperável. Comecemos assim. Eu estou completando 40 anos de Ministério Público no Estado do Paraná. Quero dizer que falo aqui em nome da Conamp... Saúdo também, especialmente, a nossa Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Norma Cavalcante. Quero dizer que estou completando 40 anos de Ministério Público no Estado do Paraná. Nesse período, fui quatro vezes Procurador-Geral de Justiça do Estado; fui Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e da União; integrei o Conanda representando a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude; integrei o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Paraná; integro o Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Desde o início da minha carreira, sempre dei destaque à minha atuação - aliás, como hoje é comando constitucional dar prioridade absoluta para a área da infância e da juventude. Eu sou tão antigo que comecei a atuar na área da infância ainda com o Código Mello Mattos, anterior ao Código de Menores, que é de 1979. E à época em que vigia o Código de Menores, houve uma grande mobilização dos operadores do Direito junto com as entidades da sociedade civil organizada no sentido de não aceitar o Código de Menores. É que, embora ele se apresentasse como uma legislação protecionista, tutelar, assistencial à infância e à juventude, na verdade, o legislador do Código de Menores não havia previsto os direitos da população infanto-juvenil. Portanto, fazíamos uma mobilização no sentido da alteração do Código de Menores exatamente no momento em que se inicia o processo da Assembleia Nacional Constituinte. Daí, com um movimento chamado Pró-Constituinte, com uma emenda popular com mais de dois milhões de assinaturas, colaboramos para que fosse trazido ao texto constitucional a regra de ouro da infância e da juventude, que é o seu art. 227. O art. 227 absorve os ditames da doutrina da proteção integral, a mesma que fundamenta todos os documentos internacionais relativos à infância e à juventude; à Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente: às Regras de Beijing, para a administração da Justiça de menores; às Regras de Riad, para adolescentes privados de liberdade; e à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. A tese fundamental da doutrina da proteção integral é no sentido de que incumbe à lei assegurar às crianças e adolescentes a possibilidade do exercício dos seus direitos fundamentais. |
| R | Por isso mesmo, o art. 227 vai dizer que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, ao esporte, ao lazer. Enfim, pela primeira vez na nossa história, no ordenamento jurídico e no texto constitucional, estão expressos, ainda que genericamente, os direitos fundamentais da população infanto-juvenil. E na perspectiva da doutrina da proteção integral, já no art. 227, vai-se tratar da igualdade de filiação, de que os filhos havidos ou não no casamento, ou por adoção, possuem os mesmos direitos e qualificações; vai-se estabelecer limite para o trabalho infantil. Enfim, há inúmeras regras. E exatamente nesse momento é que se vai fazer inserir, também no texto constitucional, trazendo da legislação infraconstitucional, a regra da imputabilidade penal somente a partir dos 18 anos. Essa regra estaria lá no art. 5º, sem dúvida alguma, se não houvesse agora um capítulo tratando especificamente dos direitos da população infanto-juvenil. Portanto, ela foi colocada ali exatamente porque, como eu disse, pela primeira vez na nossa história e já na história constitucional, estão lá inscritos os direitos fundamentais da população infanto-juvenil. Eu digo isso porque aqui, nesta Comissão de Constituição e Justiça, o que se deve analisar é a admissibilidade ou a inadmissibilidade da proposta. E eu digo que a proposta não pode ser admitida nesta Constituição porque o art. 228 constitui uma cláusula pétrea. Ela corresponde a um direito fundamental advindo da doutrina da proteção integral e decorrente do princípio da dignidade humana das pessoas em peculiar fase de desenvolvimento. É o que está lá. O art. 60, §4º, diz que não se pode apreciar matéria tendente a abolir uma cláusula pétrea. E, no rol daquilo que é indicado como cláusula pétrea no inciso IV, estão lá expressos os direitos e garantias individuais. Então, o primeiro ponto... Aliás, recentemente, esta mesma Comissão, apreciando a matéria, rejeitou uma proposta nos mesmos moldes exatamente por reconhecer que, em se tratando de uma cláusula pétrea, não seria possível sequer permitir a tramitação dessa proposta. Eu aproveito a presença da Profª Flávia, que já tratou desse tema... Poxa, meu tempo já está terminando! O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE. Fora do microfone.) - Não, V. Sª ainda tem 6 minutos. |
| R | O SR. OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO - Seis minutos é uma... Aproveito a presença da Profª Flávia para dizer que, além da inconstitucionalidade, há o vício da inconvencionalidade, porque a convenção que o Brasil ratificou, a convenção das Nações Unidas que trata dos direitos das crianças, da população infanto-juvenil, estabelece 18 anos como a idade para a maioridade penal - salvo se algum país, antes da convenção, já tivesse outra idade fixada. Como no Brasil, à época da ratificação, a idade era de 18 anos, a modificação dessa idade para menos importaria violar um princípio dos direitos humanos, que é o do não retrocesso naquilo que já há no Estado jurídico estabelecido. Portanto, além da inconstitucionalidade, há também o vício da inconvencionalidade, o que certamente vai submeter o Brasil a ser julgado em cortes Internacionais e condenado, se por acaso esse texto for adiante. Então a minha primeira manifestação é exatamente nesse sentido da inadmissibilidade da proposta. Eu fiz várias anotações e quero pensar rapidamente o que seria importante eu trazer aqui. Agora, me referindo rapidamente ao mérito... Nós estamos... Esse discurso equivocado... Eu estou falando aqui, porque estou sentado agora no lugar onde estava o Deputado Lessa. Esse discurso equivocado quer transformar as nossas crianças e adolescentes em bodes expiatórios de uma situação de insegurança que nós vivemos no País, quando, na verdade, computado o conjunto das práticas criminosas, como já foi dito pela Profª Flávia, o índice que diz respeito à prática de atos infracionais por adolescentes é quase nada, é nulo. No que diz respeito aos atos infracionais praticados mediante violência e grave ameaça, é menos de 1%. Só que um caso se transforma numa comoção social, pela maneira que se faz a manipulação ideológica. Mas o que eu queria dizer, e que é necessário dizer, é que o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê a responsabilização dos adolescentes que praticam ato infracional. Não é verdadeiro esse discurso de que o Estatuto é a porteira aberta da impunidade, que agora o adolescente pratica um ato infracional e não acontece nada com ele. Não, o que o Estatuto diz é exatamente o contrário: é que nenhum ato infracional pode deixar de ser julgado pela Justiça da Infância e da Juventude. E quando comprovada a prática do ato infracional, ao adolescente serão aplicadas as chamadas medidas socioeducativas, que vão desde uma advertência, a obrigação de reparar o dano, a inserção no Programa de Liberdade Assistida, há casos de semiliberdade, até, para os casos mais graves, a privação de liberdade. Então, tanto quanto aconteceria com o adulto na prática de um ilícito penal grave, o adolescente responde com privação de liberdade. O que eu quero dizer, e me parece que esse é um raciocínio elementar, é que, diante da prática de um ato infracional por um adolescente, nós temos duas opções: ou nós submetemos esse adolescente ao sistema socioeducativo, a ele aplicamos uma medida socioeducativa e, como ela, procuramos resgatar este adolescente para a vida familiar, social e comunitária, desenvolvendo a sua potencial socialidade... Porque quando se fala em pessoa em peculiar fase de desenvolvimento se quer dizer isto: é uma pessoa em formação, que não completou ainda o seu desenvolvimento, inclusive com relação à sociabilidade. Trata-se de, através das medidas socioeducativas, tentar construir um projeto de vida que seja diverso da criminalidade. Então, essa é a nossa opção. A outra é entregar definitivamente esse adolescente para a criminalidade. Mas é tão óbvio! Como é que a gente pode imaginar que seria positivo pegar alguém que se encontra em fase de desenvolvimento, com 16 anos, e dizer: "Olha você vai completar agora a sua formação no sistema penitenciário brasileiro. Você vai completar a sua formação experimentando a promiscuidade de um sistema onde a regra é a violência física, é a violência psíquica, é a violência sexual." |
| R | Isso é garantir que, dali a pouco, ele já passe a integrar um grupo criminoso, porque são os grupos criminosos que comandam o sistema penitenciário brasileiro, como foi dito agora nesta Mesa. Quer dizer, a única certeza que você tem nessa opção, de não buscar o resgate pela via das medidas socioeducativas, é que se vai devolver esse adolescente um cidadão de pior categoria do que quando entrou no sistema. E esses casos de que o Deputado Lessa falou são os casos que nós precisamos atender sob uma outra ótica, os casos da dupla inimputabilidade. São os adolescentes que são inimputáveis em razão da idade, mas são inimputáveis também em razão de doença mental, de transtorno mental, de transtorno psiquiátrico, que são os casos utilizados como exemplo para apoiar a proposta absurda de diminuição da idade para a imputabilidade penal. E esses precisam de tratamento, precisam de atendimento médico, de médico psiquiatra, e não vai ser encaminhando para o sistema penitenciário que nós vamos... Eu queria só fazer uma outra observação da proposta em si, que aqui se encontra, e dos equívocos que ela contempla. Em primeiro lugar, a capacidade de culpa. Está-se querendo dizer aqui que esses adolescentes devem ter capacidade de culpa. E se diz então: "Capacidade do agente de compreender o caráter criminoso da sua conduta". Isso significa ter discernimento. Ou seja, para o Direito Penal não basta a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, o que o Código Penal diz é que, além disso, é necessário ter também a capacidade de se comportar de acordo com esse entendimento. Então, é capenga a proposta, porque trata da capacidade de culpa no que diz respeito a apenas um elemento. E por que não dá para se tratar só com esse elemento? Porque ter a capacidade de discernimento, de saber o que é certo e errado, uma criança de 8 anos de idade tem. Eu lecionava Direito Penal e dava o exemplo da minha filha, que na época tinha 7 anos: na época tinha radiola, e ela pegava o braço da radiola e passava nos discos - ela é precursora dos DJs! E quando ela fazia isso, claro, fazia um barulho, a gente ia em direção à sala onde estava a radiola e ela saía correndo, com um ar típico de quem tinha consciência da ilicitude do comportamento. E eu brincava com os meus alunos dizendo que, em razão da Flávia, nós passamos a ter um cachorro dentro de casa, que não deveria estar dentro de casa. E ela ficava dentro de casa e ficava no melhor sofá da sala. E a gente saía em direção à sala, quando estava andando no corredor, a Rebeca pulava do sofá e saía correndo. Eu brincava que até a Rebeca tinha consciência da ilicitude do comportamento. Não basta isso, é necessário que se tenha também a capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento. Daí a ciência médica, a psicologia, a psiquiatria, trazer elementos para dizer que a fase da adolescência é uma fase crítica, que a Síndrome Normal da Adolescência importa comportamento de romper as regras sociais, de ser impulsivo e que, enfim, é preciso ter um tratamento diferenciado. |
| R | A última observação que eu faço é que... Desculpe, pena que... Eu até falei para ele: "Pena que o senhor não ficou aí..." Porque quando da apreciação na Câmara dos Deputados, estava marcada uma audiência pública como esta, estava lá a AMB, estava o Conanda, o Conselho de Psicologia e tal, e eles simularam - eu queria falar perto dele - uma briga que resultou na suspensão da audiência pública, e nós não pudemos falar. Daí, na reunião seguinte, eles convidaram um cantor, depois convidaram... Enfim... O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Mas uma Casa presidida por Eduardo Cunha não poderia ser diferente! (Palmas.) O SR. OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO - Exatamente isso. Então eu quero, completando esse raciocínio, dizer o seguinte. Tem que se ouvir, sim, o Conanda, tem que se ouvir a Ordem dos Advogados do Brasil, que é contra, tem que se ouvir o Conselho Federal de Psicologia, que é contra, tem que se ouvir o Conselho Federal de Assistência Social, que é contra, tem que se ouvir o Conamp, a CNBB, enfim, todos os órgãos. Todos os órgãos que atuam com crianças e adolescentes são contra. O que justifica essa posição? Como simplesmente dizer que estamos todos nós errados? Eu vou terminar, Sr. Presidente, com a leitura de um poema que é de autoria de um grupo de meninos e meninas de rua lá de Curitiba, da comunidade Profeta Elias. Eram meninos de rua, mas se organizaram no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e, em razão dessa organização, se politizaram, e porque politizados, em vez de continuar na condição de meras vítimas da sociedade injusta em que eles viviam, passaram a ter uma intervenção positiva em relação ao tema da infância e da juventude, ajudaram a instituir uma fundação, que é a Fundação dos Meninos de 4 Pinheiros, que atua recolhendo e acolhendo crianças e adolescentes de rua lá de Curitiba. Esses meninos passaram a escrever e a encenar peças teatrais, a fazer músicas e poemas. E eu quero terminar esta minha participação aqui dando voz e vez a esses meninos de rua, que só agora, lá na Chácara Meninos de 4 Pinheiros, estão sendo tratados com dignidade e respeito. E o poema serve exatamente para a reflexão do que nós estamos tratando hoje. O poema tem como seu símbolo, como o seu signo, a igualdade, que, aliás, é também a bandeira do Ministério Público brasileiro. Diz o poema: Nós também queremos viver Nós também amamos a vida Para vocês escola Para nós pedir esmola Para vocês vida bela Para nós viver na favela Para vocês academia Para nós delegacia Para vocês televisão Para nós valetão Para vocês forró Para nós mocó Para vocês muita emoção Para nós catar papelão Para vocês piscina Para nós chacina Para vocês coca-cola Para nós cheirar cola Para vocês avião Para nós camburão Para vocês conhecer a lua Para nós morar na rua Para vocês está bom, felicidade Para nós... igualdade Nós também queremos viver Nós também amamos a vida. Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Eu quero registrar que esta Comissão de Constituição e Justiça, em 2015, rejeitou, por maioria de votos, uma PEC de igual teor. O autor dessa PEC rejeitada na CCJ fez um recurso ao Plenário e, como tinha chegado esta da Câmara, o Plenário do Senado acolheu o recurso e mandou apensar a este processo. Quero adiantar também que, em 2015, por maioria ampla de votos, a Comissão de Constituição e Justiça e o Plenário do Senado - e encontra-se na Câmara Federal -, nós aprovamos uma modificação no ECA e no Sinase. O primeiro item que nós modificamos: o adulto... A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Senador José Pimentel, me permita. O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Pois não. A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Só a título de esclarecimento: é exatamente essa PEC... O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Ela está apensada. A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Exato. O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - Portanto, nós aprovamos essa alteração no ECA e no Sinase - encontra-se na Câmara Federal -, e o primeiro item diz que o adulto que utilizar criança ou adolescente na consumação de um crime tem sua pena duplicada - altera o Código Penal Brasileiro. Determina também que a criança e o adolescente que estão no processo socioeducativo terão o direito de ter concluídos o ensino fundamental e o médio profissionalizante. E essa determinação tem como objetivo impedir que essa criança, quando sair do sistema socioeducativo, vire uma vítima fácil das organizações criminosas. Há um conjunto de outras ações. Torna obrigatório o acompanhamento pelo juiz do feito e por um conjunto de entidades. A cada 6 meses, essas entidades proferem um laudo orientador para que o juiz possa, o quanto antes, liberar novamente essa criança. Eu acredito que é necessário, sim, atualizar o ECA, mas nunca alterar a Constituição. Nós assistimos recentemente à eliminação de crianças de 10 e 11 anos de idade por parte das Forças de Segurança, a que o Deputado Laerte Bessa disse que serviu por mais de 30 anos. Em vez de recolhê-los, acolhê-los e tentar corrigi-los, resolveram tirar-lhes a vida. Convido a Senadora Gleisi Hoffmann para assumir os trabalhos. Eu tenho... A nossa Senadora Fátima está com tempo ainda? A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Eu posso assumir. Eu já combinei aqui com a Senadora Gleisi Hoffmann, nós vamos ficar na coordenação dos trabalhos. Senador Pimentel, rapidamente, antes de passarmos para a Segunda Mesa, eu gostaria de fazer aqui algumas considerações breves. O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) - É porque eu tenho um voo às 13 horas. É só para assumir a Presidência. A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Tudo bem. O.k. |
| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Bom, nós queremos dar o nosso bom-dia, cumprimentar aqui o Senador José Pimentel, cumprimentar a Senadora Gleisi, saudar os nossos convidados e convidadas presentes nesta importante audiência pública, saudar os nossos palestrantes pelo importante pronunciamento, pela reflexão que acabam de fazer, começando pela Drª Flávia Piovesan, Secretária Especial de Direitos Humanos; Dr. Olympio, Procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná; Dr. Alexandre, Juiz de Direito; e Fábio, Presidente do Conanda. Na sequência, nós vamos fazer o registro das entidades aqui presentes. De forma muito breve, antes de passarmos para a Segunda Mesa, quero registrar que, conforme exposição aqui feita pelos nossos convidados, ficou muito claro para todos nós o caminho a ser trilhado para enfrentar a violência, a violência que afeta sobretudo a juventude, a violência que afeta exatamente a juventude mais pobre, porque são os negros, são os pobres, são os que vivem na periferia que são as maiores vítimas. Nós temos aí estatísticas, oficiais inclusive, que apresentam isso claramente. Nós vimos aqui, pela exposição dos senhores e das senhoras, que o caminho a ser trilhado é buscar as políticas sociais, o caminho a ser trilhado não é concordarmos com argumentos falaciosos de que o Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento de impunidade. Muito pelo contrário: o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado uma das legislações mais modernas naquilo que ele disciplina, de que ele trata, principalmente dos objetivos de ressocialização e reeducação dos adolescentes em conflito com a lei. O Estatuto é muito claro, ele prevê as medidas socioeducativas na linha das garantias constitucionais de brevidade e excepcionalidade, que vão desde a chamada liberdade assistida até a internação em estabelecimentos que, em última análise, aplicam medidas privativas de liberdade que podem perdurar por até três anos. Então, repito, isto é um mito, é uma falácia dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente promove a impunidade. Muito pelo contrário: ele é o instrumento que busca o caminho da ressocialização, ele é o caminho que estabelece o regramento, as penas, inclusive adequadas à fase própria da juventude. |
| R | Segundo: mais uma vez aqui também coloco que defender a redução da maioridade penal, ou seja, insistir nessa tese, é ir na contramão da história. Isso fica claro por meio do que vocês aqui também colocaram, quer dizer, pesquisas realizadas em vários países do mundo mostram que países, por exemplo, que resolveram adotar a tese da redução da maioridade penal, pensando que isso contribuiria para resolver o problema da violência, observaram um resultado exatamente contrário: a violência aumentou. Eu cito aqui, por exemplo, o Japão, que adotou essa medida de reduzir a idade da maioridade penal, e o efeito foi contrário: ao invés de diminuir a violência, a violência aumentou - tanto é que eles redefiniram a maioridade penal: passou de 18 para 21 anos. É importante aqui colocar que nós temos um debate bastante acumulado, no qual fica, repito, cada vez mais comprovado que não é encarcerando os nossos jovens que nós vamos resolver o problema da violência. Então, feitas essas considerações, eu quero aqui, Drª Flávia, saudá-la, cumprimentá-la pelo pronunciamento que fez, pronunciamento claro e firmemente contrário à redução da idade da maioridade penal. Quero cumprimentá-la e, ao mesmo tempo, fazer um apelo a V. Sª: que exija do Governo do qual hoje V. Sª faz parte que tenha essa mesma posição. Digo isso porque a PEC em debate aqui neste exato momento é de autoria do Senador Aloysio Nunes, que é Líder do Governo. (Palmas.) Foram condensadas as sete propostas de emenda à Constituição que estão em debate, mas a que está em debate neste exato momento, repito, é de autoria do Senador Aloysio Nunes e tem, Senadora Gleisi, como Relator, outro integrante da base governista, que é o Senador Ricardo Ferraço. Então, eu entendo que seria extremamente oportuno e necessário que o Governo se pronunciasse, a começar, repito, pela PEC que está em debate aqui, que é de autoria do Líder do Governo. Em segundo lugar, também me permita, gostaria que a senhora também levasse um outro debate extremamente importante para o presente e para o futuro da juventude brasileira, que é o debate da PEC 241. Refiro-me à PEC, que já está em tramitação aqui no Congresso Nacional, que tem por objetivo congelar os gastos sociais. A PEC, uma vez aprovada, vai simplesmente congelar, por um prazo de dez a vinte anos, os recursos nas áreas sociais, na medida em que estabelece como regra que os gastos nas áreas sociais não podem ultrapassar os limites do patamar inflacionário do ano anterior. Isso significa, na prática, cortar recursos da educação, da saúde e da assistência social. Portanto, isso significa, na prática, reduzir drasticamente os recursos para as áreas sociais e, na medida em que todos nós aqui temos clareza de que os jovens precisam, a juventude brasileira precisa, é de mais educação, de mais políticas sociais, essa PEC não pode prosperar de maneira nenhuma. Ela vai inviabilizar, por exemplo, as metas do Plano Nacional de Educação e, com isso, ela vai comprometer o presente e o futuro das nossas crianças e da nossa juventude. |
| R | Então, deixo aqui este apelo... Mais do que apelo: na verdade, é uma solicitação que fazemos aqui, à luz, inclusive, da coerência das suas palavras e da posição que V. Sª aqui expressou. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Permita-me, Senadora Fátima. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Pois não, Senadora Gleisi. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Queria fazer um cumprimento muito especial à Mesa que está aqui. O Dr. Olympio, do nosso Estado, desde que o conheço, há muitos anos, é um grande batalhador na luta em defesa da criança e do adolescente. Temos muito orgulho da sua caminhada, Dr. Olympio. Cumprimento também a Drª Flávia, o Dr. Alexandre, o Fábio, Presidente do Conanda. Mas eu pedi a palavra para fazer um adendo à fala da Senadora Fátima. Essa PEC nº 33, de autoria do Senador Aloysio Nunes, foi rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça. O voto que determinou a rejeição foi o voto do Senador Randolfe. Nós a rejeitamos aqui. Houve um recurso, foi para o Plenário. Aí fizeram uma emenda de plenário - procedimentos regimentais que são utilizados para que a matéria volte a ser discutida -, e a mesma PEC voltou para esta Comissão, a mesma que foi rejeitada voltou para esta Comissão. E manda o Regimento que, quando volta a matéria, o Relator seja o Relator do voto vencedor. Portanto, teria que ser Relator o Senador Randolfe Rodrigues, e não o Senador Ricardo Ferraço. Infelizmente, o nosso Presidente da CCJ nomeou o Senador Ricardo Ferraço novamente Relator da PEC. Nós vamos votar a mesma matéria duas vezes! Que tentativa é essa? De fazer com que essa matéria seja aprovada. E eu lamento muito que neste momento em que é realizada esta audiência pública tão rica, com essas exposições tão boas que os senhores fizeram aqui, a Casa esteja esvaziada. Nós temos alguns problemas. Esta semana foi a semana da votação da pronúncia do impeachment da Presidenta Dilma. As sessões deliberativas foram suspensas para que o foco ficasse apenas nessa sessão, que entrou pela madrugada, e muitos Senadores viajaram. E nós também estamos hoje com uma sessão extraordinária do Mercosul. Então, os Senadores que são muito atuantes nessa área estão viajando: o Senador Requião, a Senadora Lídice, o Senador Humberto. Senadora Vanessa está com outros temas também; o Senador Lindbergh também tem outro compromisso. Então, aqueles Senadores que sempre estão junto conosco... A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - O Senador Telmário e o Senador Randolfe também estão com outros compromissos. Eles são, inclusive, autores também do... A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Do requerimento. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Do requerimento da audiência. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Como quem marcou foi o Presidente da CCJ, pegou-nos meio desorganizados. Mas eu lamento muito também que o Senador Ricardo Ferraço não tenha ficado aqui, assim como o Senador Aloysio, porque seria a oportunidade de eles ouvirem, de uma maneira bastante profunda, quais são os argumentos para não se modificar a Constituição. E nós vamos precisar fazer uma mobilização, porque, se esse tema for pautado, do jeito que nós estamos com a Casa hoje - há uma maioria que está levando as propostas mais conservadoras -, nós corremos o risco de ver essa matéria aprovada. |
| R | Em relação aos direitos das mulheres, nós já estamos, Dr. Olympio, dizendo o seguinte: "Não vamos pautar mais nada, porque tudo o que pautamos volta atrás." As conquistas que nós obtivemos estão regredindo. Então, nós estamos com medo de pautar determinados temas, porque nós sabemos que não vamos ter avanço. Esse é um dos temas. Então, nós vamos ter que fazer muita resistência aqui, Senadora Fátima, muita, para que essa matéria não fique na pauta, porque, se ela ficar na pauta, nós corremos o risco de esta Comissão aprovar uma barbaridade dessas. Eu não podia deixar de fazer este registro e, ao mesmo tempo, cumprimentar a clareza das exposições aqui e dizer que nós vamos estar juntos nessa resistência. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigada, Senadora Gleisi. Feitas essas considerações, nós agrademos, mais uma vez, a presença aqui dos nossos ilustres convidados e convidadas que participaram da Primeira Mesa. Convidamos imediatamente, para compor a Segunda Mesa... O Dr. Joaquim Gonzaga de Araújo Neto está? (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - O.k. Estamos recebendo aqui, do Dr. Olympio, o livro Menoridade Penal, que tem a contribuição de vários especialistas. ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - A gente fez um encaminhamento importante: de criar uma subcomissão para focar na avaliação do Sinase no Brasil inteiro. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Passe para nós. Nós queremos chamar, então, o Sr. Bruno Moura, Defensor Público do Estado da Bahia; o Sr. Carlos Eduardo Benito Jorge, representado por Wladimir Sérgio Reale; a Srª Janaína, representada aqui por Raquel da Cruz Lima, Coordenadora do Programa Justiça sem Muros; o Sr. Carlos Antonio Tilkian, Presidente da Fundação Abrinq, representado aqui por Heloisa Helena Silva de Oliveira; o Dr. Claudio Pacheco, representado aqui por Erik Franklin Bezerra, que representa aqui a OAB; o Sr. André Pires, representado aqui por Mariana Santiago Santos, Coordenadora Adjunta da Comissão de Infância e Juventude; o Sr. Marcos Roberto Fuchs, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. |
| R | Já estamos todos e todas a postos. Vamos dar início aos trabalhos da nossa Segunda Mesa passando a palavra para o Dr. Marcos Roberto Fuchs, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. V. Sª disporá de até dez minutos. O SR. MARCOS ROBERTO FUCHS - Cumprimento a Exma Srª Senadora Fátima Bezerra e saúdo todos os demais expositores. Aproveito o ensejo para cumprimentar todas as organizações aqui presentes, em especial a Rede de Justiça Criminal, a Conectas Direitos Humanos, da qual tenho muito orgulho e honra de fazer parte. O Rio de Janeiro, que recebe neste momento o maior evento esportivo do Planeta, teve um efetivo policial reforçado para proteger a população, os atletas e os visitantes. Não me parece que a polícia, nesse efetivo que está nas ruas do Rio de Janeiro, de alguma forma, está resolvendo o problema da violência naquela cidade, que tanto é amada pelo povo brasileiro. Não me parece que o endurecimento da legislação penal, com penas mais gravosas, tem sido o fator que está mudando o cenário de violência neste País. Acompanhamos justamente o contrário, as estatísticas aqui não mentem. Finalmente, não me parece que, reduzindo a maioridade penal, vamos dar uma resposta à sociedade sobre o problema da violência e da impunidade neste País. Essa proposta, que nasce com um número muito sugestivo, nº 171, nasce já errada, contraria primordialmente a nossa Constituição Federal, atenta contra uma cláusula pétrea que confere proteção aos menores de 18 anos, adolescentes que necessitam hoje de carinho no Brasil, que é o terceiro país que mais mata crianças e adolescentes no mundo. Essa proposta contraria entendimentos firmados no âmbito da ONU, da OEA, bem como a Convenção sobre os Direitos da Criança. Dados demonstram que, dos 70 mil homicídios cometidos no Brasil - já foi dito isso aqui -, menos de 3% são cometidos por adolescentes. Adolescentes, no Brasil, não ficam impunes, como as pessoas acham. Quando condenados, quando imputados de medidas socioeducativas - hoje são mais de 20 mil adolescentes neste País -, cumprem medidas disciplinares em ambientes péssimos, desumanos, como foi mostrado aqui pelo Dr. Alexandre, semelhantes ao sistema prisional brasileiro. Temos, sim, neste País, um aumento da população carcerária. O déficit no sistema é de 300 mil vagas. Encarceramento em massa não é solução para este País. |
| R | Essa opção é demagógica, essa opção não funciona. Quanto mais se prende no Brasil, maiores são os índices de violência; 70% das pessoas voltam para o sistema prisional. É um dos maiores números de reincidência do mundo. Portanto, é disso que estamos tratando aqui. O poder paralelo que domina o sistema prisional vai receber novos soldados, soldadinhos mirins agora, com essa ideia horrorosa. Não queremos isso. Um jovem de 16 anos, cuja personalidade está em formação, jamais pode ser colocado no sistema prisional adulto. Eu, na qualidade de Vice-Presidente do CNPCP, tenho visitado prisões neste Brasil afora. Estive em Santa Catarina com o Dr. Alexandre, e o Dr. Alexandre foi bondoso no que ele mostrou, porque é um ambiente cruel, desumano, totalmente covarde, e não é lá que devemos colocar adultos nem crianças. Países que adotaram essa medida, essa terrível experiência, também não tiveram nenhum efeito positivo. Senhoras e senhores, vou ser rápido. O Brasil não precisa de mais polícia, o Brasil não precisa de leis que endureçam as penas, o Brasil precisa de um pacto social, o Brasil necessita de um pacto de respeito à Constituição, o Brasil necessita urgentemente de justiça e cidadania. Acabo aqui citando Martin Luther King, que sempre dizia: "I have a dream". Eu tenho um sonho também, todos nós, de um Brasil mais humano, mais justo, menos covarde, um Brasil de direitos, um Brasil de escola, de esporte, de lazer e cultura para nossas crianças, não de ambientes como foram mostrados aqui. Muito obrigado. E peço desculpas pela minha brevidade. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Queremos agradecer a participação. Vamos chamar agora o Dr. Erik Franklin Bezerra, Corregedor Nacional da OAB. Dr. Erik, V. Sª tem a palavra por até dez minutos. O SR. ERIK FRANKLIN BEZERRA - Muito obrigado, Senadora Fátima Bezerra. Em nome da senhora, cumprimento todos os Senadores aqui presentes, todas as autoridades e representantes da sociedade civil. Também quero dizer, como a Drª Flávia Piovesan falou, que a OAB é frontalmente contra essa emenda constitucional. A OAB já se posicionou em ocasiões anteriores, por meio de seus presidentes que passaram aqui durante a tramitação dessas PECs, que, já foi dito, há mais de vinte anos tramitam nesta Casa Legislativa, tanto na Câmara como no Senado. E a OAB entende, da mesma forma, que, em caso de aprovação da PEC, ela já nasce eivada de vício constitucional. A OAB não tem dúvidas de que ajuizaria uma ação direta de inconstitucionalidade em relação a essa PEC, por achar que ela ofende frontalmente o termo constitucional e viola o direito individual e as garantias constitucionais como cláusula pétrea. |
| R | Após as colocações de todos que nos antecederam, fica muito claro perceber que o Brasil não precisa de prisões e não precisa endurecer a legislação penal ou colocar a criança e o adolescente no mesmo patamar de um adulto, em virtude da sua maturidade, em virtude do seu estado psicológico e da sua condição social, e sim de políticas sociais, de políticas públicas que coloquem a criança e o adolescente no rumo correto da sua vida, tanto pessoal como profissional. Verifica-se que essa correção, que acontece no mundo como um todo, das crianças e dos adolescentes, é fruto da sociedade civil, através das organizações sociais, que resgatam esses adolescentes, essas crianças, e os colocam no rumo da educação, do desporto e de outras políticas sociais, que sempre colaboraram para o crescimento da pessoa humana, dando dignidade, através da educação e da saúde, melhorando as políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente. Como o Dr. Olympio falou, o Brasil é signatário de diversas convenções internacionais em que adere à proteção da criança e do adolescente, e não vai ser mais uma norma de endurecimento que vai mudar ou que vai fazer com que essas crianças sejam recepcionadas pelo Estado através de prisões, como o Dr. Alexandre muito bem mostrou aqui, que não têm a mínima condição de atender ou de ressocializar ou reeducar essas crianças. Então, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Federal da OAB, em sessão do seu Pleno, já deliberou que não vai permitir a aprovação da PEC. E, se aprovada, iremos buscar o Supremo Tribunal Federal para reverter essa situação. Nós, como representantes da sociedade civil, temos acompanhado essas evoluções, verificamos que essas PECs muitas vezes nascem de algumas violências pontuais, em determinados Estados do Brasil, e que idealizadores, os Parlamentares que elaboram essas PECs normalmente são movidos pela população local, naquele momento, que quer uma resposta do Parlamento com relação àquele tipo de violência. A OAB, como conhecedora e participante da sociedade, escutando a sociedade através das nossas audiências e das nossas comissões, como temos a Comissão Nacional de Direitos Humanos, se posiciona contra. Nós realmente não vamos aderir jamais à redução da maioridade penal. É com essas palavras que agradeço a oportunidade de a Ordem dos Advogados do Brasil estar presente num debate tão importante e de uma amplitude muito grande, que importa no respeito, nas condições e nas políticas públicas com respeito à criança e ao adolescente. Muito obrigado, Senadora. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nós que agradecemos, Dr. Erik, que aqui representou a OAB, ao tempo em que passamos a palavra imediatamente para o Dr. Bruno Moura, Defensor Público do Estado da Bahia. Convidamos a Senadora Gleisi Hoffmann para coordenar os trabalhos. O SR. BRUNO MOURA - Cumprimento a Mesa, na pessoa da Senadora Fátima Bezerra, e agradeço o convite em nome da Associação Nacional dos Defensores Públicos. Sentimo-nos muito honrados de participar deste debate hoje, aqui no Senado. Entendemos que temos muito a contribuir para este debate. Quando recebi o convite para participar desta audiência pública, fiquei pensando como eu poderia contribuir, de novo, para o debate. |
| R | Muito já se falou, argumentos já foram colocados aqui. É muito difícil falar em uma Mesa depois da Profª Flávia Piovesan, que é uma referência, um farol para todos nós que trabalhamos com direitos humanos. Pensei muito na minha atuação prática, no meu dia a dia de defensor público que atua na área infracional, tanto nas unidades socioeducativas como nas audiências, acompanhando e convivendo intimamente com adolescentes. Acho que eu convivo mais com eles do que com a minha própria família no dia a dia. E quero ser um pouco porta-voz das demandas que eles me trazem e que, muitas vezes, não são atendidas pelo Estado como um todo. Então, quem seria esse adolescente que comete ato infracional? Um primeiro ponto de destaque que vejo no meu dia a dia é que eles provêm de famílias totalmente desestruturadas. Ou eles moram apenas com a mãe, e a mãe tem que trabalhar o dia inteiro e não tem condições de deixar ninguém para cuidar dessa criança e desse adolescente; ou os próprios pais entregam a outros parentes, tias, avós, enfim. Então, não existe um núcleo familiar estruturado. Recente pesquisa, inclusive do Ministério Público de São Paulo, com dados de 2014 e 2015, diz que apenas 35% dos adolescentes que cometem atos infracionais vivem numa família completa, ou seja, com pai e mãe, com núcleo familiar completo. E 50% desses adolescentes nem tem contato com pai, ou porque são falecidos, ou porque os abandonaram, e isso é um traço muito marcante nesse adolescente que comete ato infracional. Um segundo ponto é que esses adolescentes, via de regra, estão fora do ensino formal. Segundo dados do CNJ, apenas 57% dos adolescentes frequentavam escolas antes da internação, e 86% nem completaram o ensino fundamental. Então, vemos que há uma ausência do Estado também no sentido de implementar essa política educacional para esses adolescentes. E um terceiro traço corriqueiro nas Varas da Infância e da Juventude é que esses adolescentes, na grande maioria, são inseridos no mundo das drogas desde muito cedo. Segundo dados do CNJ, 75% dos adolescentes que cometem atos infracionais são usuários de algum tipo de droga. E aí a gente se pergunta: em que contexto esses adolescentes estão inseridos? A ampla maioria deles vem de bairros periféricos das grandes cidades, dominados por facções criminosas, todas elas ligadas ao tráfico de drogas. E, nessas localidades, a gente percebe um Estado totalmente ausente, ausente na prestação de serviços, ausente em políticas públicas. E é nessa ausência que se abre espaço para que esse jovem, sem nenhum tipo de perspectiva, seja cooptado por essa criminalidade. Eles iniciam com o uso, depois passam a traficar e, a partir desse processo, se inserem no mundo infracional, cometendo outros atos. Então, se a gente quer discutir a questão da violência, a gente está discutindo pelo lado equivocado, que é a redução da maioridade penal. A violência no Brasil hoje está intimamente ligada com a discussão sobre a política de drogas que temos hoje, que é totalmente ineficiente e ineficaz na proteção dessa população. |
| R | O que temos hoje? O Estado prende quem está na ponta do sistema do tráfico, que são exatamente essas crianças e esses adolescentes, e não consegue ser efetivo em relação a quem está no topo da pirâmide. Então, o que se tem hoje, na prática, é o fortalecimento das grandes facções ligadas ao tráfico de drogas e repressão apenas em relação a quem está na ponta de sistema. Acho que o verdadeiro debate para quem se importa com a questão da violência, e a gente se importa com a questão da violência, é discutir a política de drogas que temos hoje. E, nesse ambiente que eu coloquei aqui, vemos que o adolescente sofre inúmeras violações de direitos desde muito cedo: por parte da família, que é desestruturada; por parte do Estado, que é omisso; e por parte da sociedade, que apenas o estigmatiza como bandido, como ladrão e que amplamente é a favor da redução da maioridade penal. É interessante ver que estes três atores, Estado, sociedade e família, são os que a nossa Constituição Federal, no art. 227, elegeu para proteger essa criança e esse adolescente. Ou seja, aquele que deveria proteger é aquele que acaba por violar o direito dessa juventude. E aí, a pergunta que se coloca: a redução é realmente a solução para o problema? Inseri-los no sistema penitenciário falido que temos hoje vai resolver o problema? Acho que as falas anteriores já foram nesse sentido, de que temos um sistema penitenciário em condições subumanas hoje e que não recupera nenhum ser humano. Pelo contrário, transforma em pessoas muito piores. E acho que essa é uma visão até pragmática do problema. Ou seja, inserimos uma pessoa que cometeu um ato infracional em um ambiente em que ela vai se tornar pior. Uma hora, ela vai retornar à sociedade. E as pessoas se esquecem de que aquela pessoa que depositamos nesses depósitos humanos que existem hoje um dia vai retornar à sociedade. Se nós tratamos esse ser humano como animal, instintivamente ele vai se transformar em um animal. Porém, se a ele forem dadas condições humanas e um tratamento humano, ele terá condições de, a partir disso, se recuperar. Também já foi dito aqui por palestrantes anteriores que a violência hoje no Brasil não tem origem no ato infracional; apenas 5% dos delitos praticados no Brasil vêm de adolescentes entre 12 e 18 anos, e a maioria desses atos infracionais, segundo pesquisa do MP de São Paulo, 90% dos atos infracionais cometidos são atos infracionais patrimoniais e tráfico de drogas. Ou seja, vai bem no sentido daquela realidade que eu trouxe anteriormente. Então, esses adolescentes, por estarem inseridos nesse meio, acabam muitas vezes praticando crimes patrimoniais para sustentar o vício ou porque estão cooptados dentro daquela organização criminosa. Outro ponto que também já foi colocado aqui, mas que é bom enfatizar, é que existe, sim, um sistema punitivo infanto-juvenil que começa a partir dos 12 e vai até os 18 anos e que prevê medidas que vão até a privação de liberdade, em similitude com o que acontece já em relação ao adulto. Então, é um mito dizer isso, e é aí que se confunde a questão da imputabilidade penal com a impunidade, ou seja, não existe. Existe um sistema punitivo e que é eficaz. E se temos em mente crimes ou atos infracionais como tráfico e crimes patrimoniais, vamos ver que o tempo que o adolescente permanece nas unidades de internação não é diferente do tempo que o adulto permanece dentro do presídio. Por quê? Porque, para o adolescente, não há os benefícios da execução penal comum, ou seja, livramento condicional, progressão de regime. Isso faz com que o tempo de três anos, que é o tempo máximo de internação, acabe sendo o tempo que um adulto permanece no regime fechado. E lembremos também que o tempo é relativo em relação a essa criança e esse adolescente. O tempo para o adolescente é diferente do tempo para o adulto. |
| R | (Soa a campainha.) O SR. BRUNO MOURA - Eu sei que o meu tempo já encerrou, quero apenas fazer o desfecho. O que eu acho que precisaria mudar para termos um sistema socioeducativo melhor? Isso também já foi dito. A gente vê que falta, na verdade, a implementação do ECA após 26 anos. O nosso sistema socioeducativo é um sistema ainda precário. As medidas em meio aberto, que é realmente uma intervenção precoce porque gera responsabilização e, ao mesmo tempo, não restringe a liberdade, não são cumpridas hoje no Brasil por falta de estruturas do aparelho estatal para cumprir essas medidas em meio aberto. Então, a gente tem hoje, como regra nas Varas da Infância, a aplicação de medidas de internação e semiliberdade, o que vai de encontro à principiologia do próprio ECA. Assim, precisamos implementar o que a lei já determina. Por fim, acho que essa discussão às vezes é colocada num viés apenas ideológico, mas acho que, na prática, é muito mais do que uma discussão ideológica. Na verdade, o que se debate com a redução é que marco civilizatório nós queremos para o nosso País, que geração futura nós queremos formar a partir do debate da redução da maioridade penal. E essa opção, na minha visão, política, é uma opção política, que já foi feita em 1988, quando promulgamos a Constituição Federal. Foi referendada em 1990, quando o Brasil ratificou a Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, e novamente ratificada com a edição do ECA. Então, não nos parece plausível, após todas essas opções anteriores, nós agora irmos de encontro ao que já foi decidido na nossa Constituição. Daqui a 100, 150 anos, provavelmente nenhum de nós que está aqui debatendo a redução da maioridade penal hoje esteja vivo para ver, para conviver nessa sociedade, mas tenham certeza todos vocês de que a decisão que tomarmos neste momento estará presente na sociedade daqui a 100, 150 anos. Então, por isso, precisamos refletir bastante. Por fim, faço o apelo para que possamos salvar, resgatar toda esta geração que está por vir, fazendo um pacto social. E não falo de um pacto só do Estado, falo de um pacto com a própria sociedade civil, no sentido de implementarmos políticas públicas, no sentido de darmos absoluta prioridade, como já determina a lei, e de implementarmos tudo o que o ECA não nos colocou até hoje. Uma última frase, como fizeram alguns palestrantes. Existe uma de que gosto muito e que é do nosso Betinho, o Herbert de Sousa, sociólogo que todos nós conhecemos, que acho que resume muito esse debate da redução da maioridade penal: "Se não vejo na criança uma criança é porque alguém a violentou antes, e o que vejo é o que sobrou do que lhe foi tirado". Muito obrigado. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Quero agradecer ao Dr. Bruno Moura. Nós vamos passar a palavra ao Dr. Wladimir Sérgio Reale, que está representando aqui a Associação dos Delegados do Brasil (Adepol). O Dr. Wladimir é também Vice-Presidente Jurídico da Adepol e Presidente da Adepol/RJ. Antes, queria justificar que o Dr. Erik, da OAB, pede para se retirar. Hoje é o Dia do Advogado e diz ele que tem muitos afazeres, comemorações. Só não pode ser o pendura, não é? Mas agradecemos muito a sua presença aqui. Muito obrigada pela presença da Ordem também. Então, com a palavra agora o Dr. Wladimir Sérgio Reale. O SR. WLADIMIR SÉRGIO REALE - Eminente Senadora Gleisi Hoffmann, Presidente da Mesa, senhores palestrantes, já nominados, em brevíssimas considerações, porque o tempo até foi reduzido de 15 para 10 minutos, eu começaria dizendo que, efetivamente, a Constituição Federal foi programática e muito clara no seu art. 227, quando estabeleceu os deveres da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, etc., etc., etc. Estamos todos de acordo, não é? Sob o ponto de vista inicial aqui, preliminar, discute-se a questão da admissibilidade. Com todo o respeito àqueles que pensam de forma diferente, a nosso ver, realmente, o art. 228 é constitucional. E o representante da OAB também já sustentou que, caso a matéria seja aprovava ou promulgada, vai levar essa questão ao Supremo Tribunal Federal, que, nós todos sabemos, sempre dá a última palavra. A nosso ver, a matéria realmente não fere cláusula pétrea com a interpretação ampla que vem sendo dada em alguns casos, como falou a nossa Profª Flávia Piovesan, o Dr. Olympio e outros que assim entendem. A nosso ver, não é... Tanto é certo que essa matéria vem de longo tempo sendo debatida na Casa, digamos, na Casa da representação do povo, que é a Câmara dos Deputados, pois lá ficou em 22 anos de discussão. Foram 22 anos de debates, pareceres, manifestações, audiências públicas de que também tivemos oportunidade de participar. O certo é que de lá adveio exatamente a Emenda nº 15, que também agora está sendo apreciada. Pode-se às vezes argumentar questões técnicas que eventualmente possam existir de redação, entretanto elas estão adstritas, na proposta de redução para 16 anos, aos crimes hediondos. Quer dizer, na realidade, não se está querendo exatamente que o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente seja atualizado, o que se discute muito na Câmara e no próprio Senado Federal e, por que não dizer, no próprio Supremo Tribunal Federal. Isso porque também há necessidade de alguns ajustes, segundo o entendimento de muitos. Então, o que se observou é que todas as posições divergentes entendem que, efetivamente, 18 anos é o marco adequado para a manutenção desse texto que vem sendo discutido desde 1988. A nossa posição inicial nem seria exatamente essa discussão de fixação de 16, 17 e 18 ou, como constam nos projetos que tramitam aqui no Senado Federal, 15 anos. Nós temos aqui pelo menos três propostas que querem reduzir exatamente a maioridade penal para 15 anos. Está aqui no texto, sendo que a da Câmara, agora no Senado Federal, mantém a proposta de 16 anos. |
| R | Então, sob o ponto de vista prático e sob o ponto de vista pragmático, o que é que se tem? Ninguém quer exatamente satanizar os menores, as crianças, os adolescentes. O que se quer é exatamente que, sobretudo em relação àqueles crimes chamados de rua, crimes que amedrontam e preocupam a população brasileira de uma maneira geral. Ainda sob a vigência do Código de Menores, antes do ECA, os magistrados, inclusive, tinham poderes para estabelecer provimentos ou normas que permitiam, inclusive, que fossem recolhidos menores perambulantes, porque, naturalmente, perambulantes acabam depois praticando uma infração penal ou um crime. Quer dizer, essa posição que os menoristas... É bom sustentar que, por ocasião do ECA, nós tínhamos dois grandes campos de divergência na própria magistratura: os menoristas e, depois, os estatutistas. Com os menoristas tínhamos Alyrio Cavalieri e outros tantos magistrados que honram a magistratura e, por que não dizer, o próprio País, na discussão desses grandes temas. E eu diria mais: essa matéria é tão palpitante que nós já temos - e falo aqui também na qualidade de advogado militante no Supremo Tribunal Federal - duas ações diretas de inconstitucionalidade discutindo há mais de dez anos alguns aspectos do ECA. Por exemplo, o direito de ir e vir, como estabelece o ECA. Quer dizer, deixar que um menor ou uma criança tenha o dom e o poder ou tenha a possibilidade de se autodeterminar se ela quer continuar perambulante na rua ou não, sem ser recolhida para um lugar para ser assistida. Então, há certas incongruências que realmente acabam na rua, que é onde começa esse tipo de atividade, a provocar a escola do crime. Aí vêm os envolvimentos e toda uma série de consequências que já foram abordadas aqui sob vários ângulos. Portanto, eu quero ser, evidentemente, o menos repetitivo possível porque o tempo é extremamente escasso. Por exemplo, com relação a essa ação direta de inconstitucionalidade, eu digo que, embora a matéria seja infraconstitucional, também há alguma conotação e correlação com a discussão do art. 228. Isto é, quando se diz, por exemplo, que hoje há uma vedação para que as crianças e os adolescentes perambulantes não possam ser recolhidos, o que acontece? Nós estamos desprotegendo esse menor, essa criança, esse adolescente. Se o sistema é protetivo, como vamos deixar que uma criança de dez anos tenha o poder decisório de ir ou vir aonde quiser, inclusive com envolvimento com infração penal, com o crime ou algo nesse sentido? Então, como diziam alguns magistrados que faziam parte do grupo menorista: vamos deixá-lo na sarjeta, porque não podemos recolhê-lo a não ser no estado flagrancial ou surpreendê-lo na prática da infração penal, no ato infracional? Então, nós temos aí uma realidade, sobretudo nos grandes centros, que também tem que ser enfrentada. Essa é a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.446. Muitas das entidades que estão aqui também fazem parte do processo como amicus curiae. Uma tem nove e outra tem dez amicus curiae. E eu, na qualidade de advogado de um partido político, no caso o PSL, ou da própria Adepol Brasil, estamos enfrentando praticamente, de forma desproporcional, todo aquele rol de ilustres entidades, exatamente combatendo também que não se mexa no ECA. Mas, de qualquer forma, o Supremo dará, certamente, a última palavra. |
| R | Outro assunto interessante também que se discute e não se chega nunca a um mínimo avanço, apesar do ECA de 1990, é a questão dos três anos para completar com 21 anos. Então, ele pode cometer um crime que seria, em tese, condenável a 30 anos ou mais, e só ficar três. Essa matéria também está na Ação Direta nº 3.859; uma, é com a Ministra Rosa Weber, e a outra, com o Ministro Gilmar Mendes, que ainda não foram julgadas. Trago isso apenas para dar uma dimensão mais ampla à discussão a respeito do 228. A nosso ver, a melhor solução seria a supressão do 228, e deixar que essa matéria fosse sendo sempre discutida no campo infraconstitucional, com mais flexibilidade, para não se discutir se é 16, se é 18, se é 19 ou 15, como querem alguns aqui do Senado Federal. Muito mais lógico, menos problemático deixar que tenha que se mudar a Constituição Federal para discutir esse tipo de assunto. Na legislação infraconstitucional, evidentemente, haverá possibilidade inclusive de alteração sem uma modificação da alteração constitucional que é sempre uma questão muito tormentosa. A nosso ver, dentro dessas propostas que estão aqui sendo analisadas, temos, evidentemente, entre outras, a da Câmara, que já foi aprovada, após 22 anos de discussão. (Soa a campainha.) O SR. WLADIMIR SÉRGIO REALE - Isso significa dizer que, se realmente existem algumas pequenas correções, tudo pode ser resolvido. Portanto, nessa polêmica, nessa controvérsia que nacionalmente ocorre, até porque todos nós queremos o melhor para os menores, os adolescentes, as crianças, enfim, o nome que se queira dar, ou no passado, que eram chamados menores legalmente falando, ou agora com crianças e adolescente, o que é importante é que estamos tendo, sobretudo nesses crimes hediondos, fatos que provocam uma verdadeira comoção nacional. A mídia, todo dia, está inclusive publicando, independentemente do percentual, quer seja do menor ou do maior, porque o que está se discutindo aqui é exatamente a diminuição da idade para efeito de crimes hediondos, não são crimes do cotidiano, aquele que praticou um furto, aquele que praticou simplesmente um delito menor, e, sim, exatamente, os crimes hediondos. E isso sabemos que a população brasileira, sobretudo os grandes centros, está muito preocupada e está sendo vítima, juntamente com os maiores, no dia a dia. Sou do Rio de Janeiro. Convivemos com isso ali perto da Central do Brasil, é o que vai acontecendo no cotidiano. Portanto, esse objetivo também tem um sentido protetivo, como destaquei - e o tempo é muito curto para entrar nos detalhes dessa grande discussão. Portanto, em breves considerações, a nossa posição é pela manutenção, pelo menos como está aqui, já que não é possível a supressão ou, quem sabe, que possa advir uma nova solução, uma aprovação da PEC da Câmara dos Deputados. Muito obrigado. (Manifestação da plateia.) O SR. WLADIMIR SÉRGIO REALE - Está certo. Digo que há de se respeitar divergências, como respeito todas. Muito obrigado. A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradecemos ao Dr. Wladimir. Passamos a palavra agora à Srª Raquel da Cruz Lima, que representa, nesta audiência, a Srª Janaína Homerim, que é Secretária Executiva da Rede Justiça Criminal. A Drª Raquel é coordenadora do programa Justiça sem Muros, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. |
| R | A SRª RAQUEL DA CRUZ LIMA - Muito obrigada, Senadora. Bom dia a todas as senhoras e senhores aqui presentes. Quero começar agradecendo a oportunidade de fazer parte desta audiência pública em nome da Rede Justiça Criminal, que é um coletivo formado por sete organizações que vêm trabalhando, nos últimos cinco anos, para combater a cultura do encarceramento como resposta principal para todo tipo de convício social. Dentro dessas sete organizações, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania é a organização na qual atuo diretamente. Nesta minha apresentação, gostaria de centrar a fala, fazendo coro ao que o Dr. Olympio colocou, no sentido de ser inadmissível qualquer tipo de proposta que tenha a intenção de reduzir a maioridade penal, e, para isso, vou me apoiar, sobretudo, no repertório do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Isso porque esse é um repertório de normas que diz respeito a como o Brasil deve adaptar suas normas e suas práticas. Normas que, inclusive, poderiam ser constitucionais, no sentido de adequar os compromissos do Estado brasileiro, no exercício de sua soberania, se comprometeu a respeitar. É por isso que essas normas irão balizar qualquer tipo de atuação dos Deputados, dos Senadores, dos juízes, de diversos agentes do Estado. Durante a minha apresentação, vou abordar três grandes aspectos. No primeiro, eu quero aprofundar o que já foi trazido por outros debatedores aqui sobre quais são essas determinações que vêm principalmente do Direito Internacional dos Direitos Humanos em relação à proteção dos direitos da criança. Em seguida, quero dizer de que maneira são estabelecidos limites quanto à atuação do Estado e, sobretudo, na esfera penal e criminal em relação às crianças. Por fim, quero tratar um pouco sobre o que o Direito Internacional dos Direitos Humanos aponta que deveria ser realmente o foco quando se fala dos direitos dessa pessoa. Começando, vou tratar das determinações do Direito Internacional dos Direitos Humanos. O nosso grande marco para olhar como deve, então, se comportar o Estado brasileiro é a Convenção da ONU sobre o direito das crianças. Essa convenção é um documento fundamental, porque marcou, mais do que tudo, uma grande mudança. E eu me aproveito muito da fala do Dr. Wladimir para dialogar um pouco sobre o que significa mudança de paradigma, porque, de fato, há muitos anos, se fala em proteger crianças, mas existem diferentes visões sobre o que significa proteção. O que a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU fez foi mudar de um modelo tutelar de intervenção para um modelo de proteção integral, do reconhecimento das crianças como sujeitos de direito, e essa mudança profunda foi revolucionária. Batemos muito em sobre como o ECA outorga proteção, mas essa foi uma mudança que o Brasil fez não em descompasso ou completamente desvencilhado de outros marcos que estavam em discussão em todo mundo. Então, quando dizemos que uma criança tem direito de ir e vir e que não se pode intervir para, contra a sua vontade, ela ser recolhida, institucionalizada, é porque ela é um sujeito de direito que participa necessariamente também das tomadas de decisão sobre ela. O grande marco também que vem dessa convenção e que é interiorizado pelo Brasil é a ideia de que existe o interesse superior da criança, que deve ser preservado. Ele é o vetor interpretativo, que deveria estar em absolutamente tudo que diz respeito a essa matéria dos direitos da criança. E ele se compõe de dois eixos que são importantes de ter em conta, sobretudo quando se pensa na redução da maioridade penal. O primeiro eixo é o reconhecimento da capacidade racional e da autonomia da criança. O segundo eixo é o reconhecimento da vulnerabilidade em que elas estão, pois, de fato, elas são incapazes, em geral, de satisfazer, por si mesmas, suas necessidades básicas. São um aumento especial de necessidades emocionais e educativas. E da soma dessas duas condições chega-se à conclusão de que toda criança tem não só direito a absolutamente todos os direitos que qualquer pessoa humana tem, mas também a uma proteção adicional, e que ainda dialogue com essa condição de pessoa reconhecida como sujeito na sua capacidade e na sua autonomia. |
| R | Transpondo isso para o campo da Justiça criminal, o significado da proteção integral à criança traz a obrigação de todos os Estados terem sistemas especializados de Justiça voltados para atender as crianças em conflito com a lei. Isso significa que têm que existir instituições próprias, agentes próprios, marcos normativos próprios, procedimentos específicos que tratem da situação da criança em conflito com a lei, de maneira a dar efetividade a esse novo marco internacional de proteção dos direitos da criança, que reconhece a sua condição de sujeito de direito. E qual é o marco etário para a aplicação desse regime especializado? A Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual o Brasil está submetido e que, inclusive, pode condenar o Brasil em caso de violação de alguns de seus compromissos, já estabeleceu com clareza que esse marco é o dos 18 anos. No mesmo sentido, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU também estabeleceu que esse marco da obrigação imprescindível e sine qua non do sistema especializado são os 18 anos. Ora, nesse sentido, a Constituição Federal se adequa plenamente ao que está previsto no tratado internacional, quando o art. 228 coloca os 18 anos como esse marco etário. Tanto o Dr. Wladimir quanto o Deputado Laerte Bessa levantaram uma questão que vale, mais uma vez, enfatizar, do significado do art. 228. Trata-se de um direito individual e, portanto, protegido como cláusula pétrea; portanto, não passível de modificação por emenda. E esse é um posicionamento que juristas de diferentes matizes, diferentes tradições, compartilham. Concordam que se trata de uma cláusula pétrea juristas como Dalmo Dallari e Ives Gandra Martins. Concordam que essa é uma garantia que é cláusula pétrea juristas como José Afonso da Silva e Alexandre de Moraes. Existe uma convicção muito profunda de que esse é um direito que não pode ser mexido via emenda. E, mais do que isso, quando reforço que se trata do marco da proteção internacional dos direitos humanos, o que eu quero dizer é que não poderia ser modificado de forma alguma, pois o Brasil assumiu internacionalmente o compromisso de respeitar as garantias previstas nos tratados a que ele se submeteu. Isso posto, vou para a segunda parte da minha apresentação, em que quero esclarecer, então, o que é incompatível com o marco internacional da proteção dos direitos da criança. A primeira grande incompatibilidade que eu quero explorar é qualquer tipo de previsão que crie condições de excepcionalidade desse marco dos 18 anos para a garantia de um sistema especializado. Qual é a justificativa, por exemplo, baseada em suposta maturidade, em gravidade do crime? Tanto o Comitê dos Direitos da Criança da ONU quanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já estabeleceram também com clareza que esse tipo de excepcionalidade não é admissível. Primeiro, porque cria uma grande margem de discricionariedade para os juízes, para os agentes que, no caso concreto, farão a análise, se caberá, então, essa cessão. E segundo, porque tem viés discriminatório. Necessariamente, as pessoas para as quais se aplicaria, então, essa hipótese excepcional, serão pessoas que já são membros de grupos vulneráveis, e tende a ter uma grande marca de racismo em qualquer tipo de aplicação de uma excepcionalidade desse tipo. |
| R | Em segundo lugar, mesmo respeitando - e aqui se falou sobre a reforma do ECA, então é importante reforçar - os 18 anos como marco desse sistema especial, também existem medidas que são incompatíveis com o Direito Internacional dos Direitos Humanos. E aqui eu cito, por exemplo, o uso de aplicação de penas equivalentes às penas de adulto - isso também é incompatível. Ainda que a pessoa seja julgada numa Justiça juvenil, a aplicação de pena no marco temporal da pena de adulto não é admitida. O encarceramento em unidades de adulto também não é admitido. E, mais profundamente, não se admite que a pena, qualquer tipo de sanção aplicada para uma criança, tenha como viés principal a retribuição e não a busca por um fomento de maior oportunidade e inserção social. E nada mais claro do que seria um viés de retribuição do que quando a gente fala que o que deve mover a redução da maioridade penal, a modificação do ECA ou qualquer tipo de nova resposta criminal para os adolescentes em conflito com a lei,... (Soa a campainha.) A SRª RAQUEL DA CRUZ LIMA - ... que isso vem de um clamor popular, porque essas pessoas não podem ficar sem resposta, porque a sociedade quer ouvir alguma coisa. O nome disso é retribuição, e isso é absolutamente incompatível com o Direito Internacional dos Direitos Humanos. (Manifestação da plateia.) A SRª RAQUEL DA CRUZ LIMA - O desvio desse tipo de atuação leva a condenações internacionais. E aqui eu quero citar o exemplo dos Estados Unidos, que, por conta de alguns Estados que admitem a maioridade inferior aos 18 anos, já foi considerado violador dos seus compromissos internacionais pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso Michael Domíngues, de 2002. Então, mesmo os Estados Unidos, que são citados, estão sendo também responsabilizados por esse tipo de violação. Então, para onde devemos olhar, já que eu bati tanto no que não podemos fazer? A Comissão Interamericana - o primeiro ponto - recomenda que esse sistema juvenil... (Soa a campainha.) A SRª RAQUEL DA CRUZ LIMA - ... seja aplicado até os 21 anos. Então, nós devemos olhar é para a ampliação da proteção dos adolescentes em conflito com a lei. O Comitê dos Direitos da Criança também recomenda que, na verdade, o início da aplicação dos sistemas especializados, como no caso do ECA, deve ser entre os 14 e os 16 anos, e não 12, como é o caso do Brasil. Temos que olhar para subir o parâmetro, não para abaixar. E o Comitê dos Direitos da Criança também já colocou, de maneira bastante enfática, que é inaceitável qualquer redução para baixo de 12 anos e que a grande tendência das respostas que são dadas para os adolescentes em conflito com a lei tem que ser a redução, visão da erradicação de qualquer tipo de medida que prive de liberdade. E, por fim, o grande ponto para o qual o Direito Internacional tem chamado a atenção é parar de ter o foco no campo penal. A proteção dos direitos da criança e do adolescente, o reconhecimento da sua condição de sujeito, se dá no campo da saúde, da educação, na promoção da participação política, da cidadania. Esses são os campos primordiais de garantia de direitos. Esse tipo de debate, como é a redução da maioridade penal, faz com que se tire o foco de onde realmente deve estar o debate. O debate sobre direitos não pode estar restrito ao campo penal. Eu quero concluir a minha fala pedindo desculpas por ter estendido um pouco o tempo e voltando para onde eu comecei. (Soa a campainha.) A SRª RAQUEL DA CRUZ LIMA - Insisto, então, que é inadmissível qualquer tipo de proposta que busque reduzir a maioridade penal. É muito importante essa discussão de forma, porque faz parte do que tem de mais constitutivo do nosso Estado, da ordem internacional. Existem garantias e proteções que simplesmente não podem ter retrocesso. Isso diz respeito ao coração. Aceitar a redução da maioridade penal seria como aceitar levantar um debate sobre acabar com o voto feminino para economizar dinheiro. Há um contexto de crise; por que não? Mulheres já são pouco eleitas, por que não tirar o voto? Porque isso é inadmissível! Isso é do coração da nossa ordem jurídica, é do coração do nosso Estado. A redução da maioridade penal é um tema da mesma grandeza. É da mesma grandeza que se considerar a possibilidade de legalizar a escravidão, a possibilidade de se retirar o direito ao voto das mulheres. É por isso que essa discussão tem que ser de forma, porque ela diz respeito à forma do nosso Estado, a um Estado que é baseado em garantia de direitos humanos. Muito obrigada. (Palmas.) |
| R | (Manifestação da galeria.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nós queremos agradecer à Drª Raquel pela importante contribuição que acaba de dar ao debate. Parabéns! Vamos passar agora para Heloisa Helena Silva de Oliveira, aqui representando a Fundação Abrinq. Antes disso, quero convidar os jovens, enfim, os membros do Conanda. Por favor, podem vir aqui ocupar a sala. Venham aqui. Deixem só a primeira fila para os Senadores. (Manifestação da plateia.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - E hoje é Dia do Estudante. Deixemos só a primeira fila. Quero convidar Vinicius Valentim Raduan Miguel, Coordenador da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced/Cedeca) -Vinícius, venha compor a Mesa -; e Welinton Pereira, Gerente de Relações Institucionais da ONG Visão Mundial Brasil para comporem a Mesa. Aguardemos as pessoas se acomodarem. Hoje é Dia do Estudante, exatamente. (Pausa.) Vamos agora, então, com todos acomodados, ouvir a Heloisa, representando a Abrinq. A SRª HELOISA HELENA SILVA DE OLIVEIRA - Boa tarde a todos e a todas. Senadora Fátima Bezerra, na Presidência desta audiência pública, nossa parceira histórica desde os tempos da Câmara, na jornada da aprovação do Plano Nacional de Educação. Eu queria também saudar os demais membros da Mesa, os meus companheiros do Conanda, que estão aqui hoje. Eu queria começar dizendo que quem esteve todo o tempo aqui pôde perceber que sobre esta discussão os especialistas estão de acordo. Outros não concordam. É óbvio que temos que aceitar a divergência de opiniões, mas acho que fica muito claro que o que se pesquisa na sociedade é uma visão muito rasa do que nós estamos falando. E o que estamos falando aqui tem muito a ver com o futuro que queremos. |
| R | Nós vamos continuar olhando para os adolescentes como adolescentes e pensar que são sujeitos de direitos, como está - e já foi muito dito aqui - assegurado no nosso marco legal, ou podemos liquidar com essa esperança e com a perspectiva de ressocialização desses jovens, que o Deputado Laerte Bessa chamou de bandidos. Aliás, eu queria lembrar que, em nenhum momento, ele se referiu a adolescente; ele se referiu a menor, uma expressão do tempo do Código de Menores. Na verdade, essa não é uma reflexão ideológica nossa, sem vínculo com a realidade, sem atentar para questões como a violência, o crescimento da violência urbana, o envolvimento de jovens com drogas, como disse o Defensor Bruno, e o aumento principalmente do encarceramento, das taxas de encarceramento de adultos e também de jovens. Eu acho que nós precisamos avaliar seriamente por que nossas leis e políticas não conseguem trazer os resultados que esperamos. É preciso discutir também que ser humano queremos deixar para o futuro. Não se pode discutir maioridade penal ou ampliar o tempo permitido para internação sem saber exatamente o que se quer com essa medida e aonde isso vai levar. E eu queria reforçar aqui que a sensação de medo e de insegurança sentida por toda a sociedade é altamente relevante para o debate que estamos fazendo. É fundamental que a sociedade se sinta segura, que não estejamos sujeitos a tanta violência. Mas nós somos responsáveis por essas políticas públicas que estão falhando em ressocializar esses adolescentes, e não podemos basear as decisões desta Casa nessa visão rasa, porque as consequências vão ser muito piores. Sobre alguns recortes de quem são esses adolescentes. Já foi falado aqui, mas eu queria chamar a atenção para um tipo de visão de quem é esse adolescente que hoje está no sistema de internação e é autor de ato infracional, a partir de um relatório que foi feito pelo CNJ, chamado Programa Justiça ao Jovem. A maioria desses adolescentes que cometeram atos infracionais, segundo uma amostra realizada pelo CNJ, possui entre 15 e 17 anos; abandonou os estudos aos 14 - ou seja, ele abandona os estudos e, um ano depois, comete o ato infracional -; estudou apenas até a 5ª e 6ª séries; e 89% deles não conseguiram concluir o ensino fundamental. É desses jovens que estamos falando aqui. Por outro lado, a violência cometida contra a criança e o adolescente é absolutamente alarmante. Aqui também já foi falado sobre isso, mas eu queria reforçar. Em 2014, mais de 9 mil crianças e adolescentes foram vítimas de homicídios, representando 21% do total de homicídios no País. Isso é muito maior do que a violência praticada pelos adolescentes. |
| R | Também é importante lembrar que esses adolescentes que estão em situação de vulnerabilidade, em determinado momento, ele é vítima da violência e, em outro momento, é o autor. E não há como dissociar essas duas coisas. A questão mais importante a ressaltar aqui é que a solução para a violência praticada por adolescentes não está em mais alterações legais. A potencial solução dessa questão está em políticas mais eficientes, principalmente de educação, de saúde e de proteção. Eu queria reforçar aqui uma preocupação, colocada pela Senadora Fátima mais cedo, com relação à PEC 241, que limita os gastos e que vai ferir de morte o Plano Nacional de Educação. Nesse ponto, eu também queria lembrar que não se preenche o vazio de uma política ou da efetividade de uma política com uma nova lei. Isso não adianta, porque vai haver mais uma lei, e vamos continuar sem as políticas necessárias. Não podemos fazer, Senadora, nenhuma mudança com relação à redução da maioridade ou ao marco do tempo de internação sem avaliar e discutir a política de atendimento a esses adolescentes. Já foi muito falada e citada aqui a Lei do Sinase, que é o marco legal que trata e disciplina esse sistema. Essa lei, que foi sancionada pela Presidenta Dilma em janeiro de 2012 e aprovada nesta Casa na última sessão de 2011, prevê, no seu art. 18, que cabe à União, devidamente articulada com os demais entes, realizar avaliações periódicas da implementação dos Planos de Atendimento Socioeducativo para verificar o cumprimento de metas estabelecidas e elaborar recomendações aos gestores e operadores do sistema. E essa mesma lei estabelece, Senadora, que cabe ao Poder Legislativo também acompanhar a realização dessas avaliações. Essas avaliações, como também foi comentado aqui pelo Fábio, Presidente do Conanda, deveriam acontecer de três em três anos. A primeira delas estava prevista para 2015, mas não foi realizada, e sequer foi instalada a comissão de avaliação. O que se percebe é que há um esforço muito maior empenhado em alterar a Constituição para punir mais severamente do que para regulamentar o que já está ali colocado. O fato de garantir essa efetividade é para resolver o problema da sensação que temos de que a lei é falha, é branda e de que a doutrina da proteção integral falhou. Na verdade, ela não foi implementada. Também foi dito aqui - acho que o Dr. Olympio comentou isto - que, há 26 anos, está em vigência o ECA, mas ele não foi implementado até hoje. Então, eu termino recomendando, reiterando que é necessário e imperioso que se faça essa avaliação da implementação do funcionamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) antes de se promover qualquer mudança nas leis relacionadas ao tema. Certamente, as alterações provocarão uma mudança drástica na vida desses adolescentes e não vão gerar o efeito esperado pela sociedade em relação... (Soa a campainha.) A SRª HELOISA HELENA SILVA DE OLIVEIRA - ... à violência crescente que vivemos no nosso País. Senadora Fátima, Senadora Gleisi, reitero a solicitação já deixada nesta Mesa de que o Senado tome a iniciativa de criar uma comissão para proceder a essa avaliação prevista no art. 18 da Lei nº 12.594, e acompanhá-la. Obrigada. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Perfeito, Heloisa Helena, representando aqui a Abrinq. Cumprimento V. Sª e, desde já, solicito que nos disponha a cópia do pronunciamento, da exposição que acaba de fazer para que possamos fundamentar a proposta apresentada pelo Fábio, Presidente do Conanda, de criação dessa comissão mista. Tanto o Fábio como a Heloisa trazem aqui uma informação extremamente relevante: uma lei tão importante quanto essa sequer teve o seu processo de regulamentação concluído. De repente, quer-se alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, embora, repito, a legislação em curso, que trata de um instrumento tão importante como o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), careça ainda de regulamentação. Então, tanto eu como a Senadora Gleisi vamos encaminhar esse requerimento. Peço à Heloisa que nos disponha a sua exposição para a fundamentação. Passamos a palavra, imediatamente, ao André. Na verdade, André Pires, que aqui representa o Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, será representado aqui pela Mariana Chies Santiago Santos, Coordenadora Adjunta da Comissão da Infância e Juventude. A SRª MARIANA CHIES SANTIAGO SANTOS - Bom dia a todos os presentes e, em especial, à Senadora Fátima Bezerra. Lamento muito que o Senador Ricardo Ferraço, que apresentou o relatório, não esteja presente para discutir, democraticamente, esta questão tão importante que é a da redução da maioria penal. Em nome do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e como integrante da Comissão da Infância e da Juventude desse instituto e do Grupo de Trabalho, vou apresentar algumas considerações a respeito da Proposta de Emenda à Constituição nº 33, que está em debate nesta Casa. Como a Raquel fez, vou dividir a minha fala em três etapas diferentes. A primeira delas é para fazer um histórico do ECA, em contraponto, principalmente, ao que o Deputado Laerte Bessa disse e ao que o Sr. Wladimir também disse, sobre a importância de reconhecermos que aprovar a redução da maioridade penal é andar na contramão da história. Em segundo lugar, vou apresentar alguns dados estatísticos produzidos pelas agências brasileiras a respeito da vitimização letal dos nossos jovens no Brasil. E, por fim, vou falar um pouco a respeito dos adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativas, de internação, privados de liberdade, porque os adolescentes são, sim, punidos neste País, apesar de todos os argumentos infundados contrários a isso. Então, começando a fala pela parte do histórico, não obstante tudo que foi falado até agora nesta Comissão, é muito importante esclarecer que o tema da responsabilidade penal da criança e do adolescente na América Latina passou por três grandes etapas. Eu tinha um PowerPoint. Dá para colocar? Talvez seja mais fácil de... A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Fora do microfone.) - Colocou? A SRª MARIANA CHIES SANTIAGO SANTOS - Isso. Pode passar para a segunda página já. |
| R | Então, a primeira etapa vai do século XIX até mais ou menos o século XX, momento em que os códigos penais das cortes, que possuíam características meramente retribucionistas, tratavam os menores de idade praticamente como os adultos, com exceção dos menores de sete anos de idade. O segundo momento, então, essa segunda etapa por que passa a América Latina, como bem pontuado pela Raquel, tinha caráter meramente tutelar. Nesse sentido, é de se considerar que a América Latina tinha influência, sim, de um movimento reformista que se iniciava nos Estados Unidos e já tinha passado pela Europa e que exigia não só uma Justiça especializada, mas uma Administração que cuidasse da matéria dos menores. Assim, a Argentina foi o primeiro país na América Latina que implementou isso, em 1919; depois o Brasil, com o conhecido Código de Menores, de 1927. A terceira etapa, que está em voga até hoje no Brasil, e esperamos que continue, começou em 1989 com a aprovação da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças das Nações Unidas, a normativa internacional mais importante nessa seara. A partir dessa etapa, então, as crianças e os adolescentes passam a ser reconhecidos como sujeitos de direitos. O ECA, ao contrário do que muitos dizem, é inovação nesse sentido na América Latina. De acordo, com diversos pesquisadores, o ECA não só trouxe novidades, como reformulou radicalmente as relações que as crianças e os adolescentes tinham com o Estado e com os adultos. Descarta-se, então, uma bondade direcional, com a tutela, para exaltar uma Justiça que garanta os direitos fundamentais dessa população. O ECA regulamenta os direitos de adolescentes, estabelece as medidas socioeducativas, que são as sanções para aqueles adolescentes em situação de conflito com a lei, porque eles não nascem em conflito com a lei, nós os colocamos em situação de conflito com ela. Essa legislação cria, então, um sistema de garantias e proteção para essas crianças e para esses adolescentes, em que situações de vulnerabilidade não são mais criminalizadas. Em situações em que o adolescente se encontra com o seu direito ameaçado ou violado, não é ele que se encontra em situação irregular, e, sim, as instituições que são responsáveis pelo seu bem-estar. Eles não são mais incapazes, e, sim, pessoas completas, com todos os direitos dos adultos, além daqueles direitos específicos, como muito bem pontuou a Raquel, precisamente por reconhecer-se que são pessoas em peculiar condição de desenvolvimento. Os adolescentes devem ser julgados por tribunais específicos, com direito à defesa e reconhecendo-se que, por serem pessoas em desenvolvimento - é muito importante frisar isso sempre -, a sua responsabilização é e sempre deverá ser diferente da do adulto. Por tal motivo, então, deve-se priorizar, sempre que possível, como bem expôs a Heloisa, as medidas socioeducativas em meio aberto e considerar a medida socioeducativa de privação de liberdade uma excepcionalidade, sempre pautada pelo princípio da brevidade, que está no ECA. Eu gostaria de fazer uma reflexão aqui com os que estão presentes. Nós, os maiores de 18 anos, bem maiores, somos as mesmas pessoas que éramos com 15, 16 anos? Eu tenho certeza de que não. Uma característica importante a se ressaltar ainda sobre o ECA é que, além de instituir uma responsabilização penal para o adolescente, pretende-se que essas sanções tenham caráter educativo. Não é por outro motivo, então, que elas não se denominam penas, e, sim, medidas socioeducativas. É importante notarmos ainda que, a partir da implementação do ECA, vêm-se aprofundando questões e se desenvolvendo orientações para aplicação dessas medidas de forma a reforçar o seu caráter educativo. Um exemplo disso é a aprovação da recentíssima Lei do Sinase, a Lei nº 12.594, que foi aprovada por este mesmo Congresso Nacional, que hoje quer reduzir a maioridade penal. |
| R | É muito importante lembrarmos, como muitos ressaltaram aqui nesta mesa, que os locais em que os adolescentes ficam privados de liberdade devem ser diferentes daqueles dos adultos, mesmo que tenhamos uma realidade um pouco diferente no País. Esses lugares precisam ser diferentes porque as sanções aplicadas são diferentes. Não obstante, então, tudo o que já foi falado nesta Comissão, é importante a gente salientar alguns dados, então - e aí começo a segunda parte -, a respeito da vitimização da juventude brasileira. E esses dados - com todo o respeito às pessoas que citaram alguns dados infundados, e não estatísticas oficiais e dados empíricos de estudos científicos -, esses dados que vou apresentar são documentos oficiais que comprovam que reduzir a maioridade penal não é uma solução para os nossos adolescentes. Pode passar um eslaide. Então, quem morre no Brasil? De acordo com o relatório sobre violência letal contra as crianças e adolescentes do Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciência Sociais (Flacso) com o apoio do Mapa da Violência do ano de 2015, que foi publicado agora, em junho de 2016, a gente tem os seguintes dados: a cada 24 horas, 29 crianças e adolescentes entre 1 e 19 anos de idade são assassinados no Brasil. A grande maioria das vítimas é negra. Ao final de um ano, a contagem chega a mais de 10,5 mil vítimas. Isso significa mais de três 11 de setembro por ano no nosso País. Se contarmos o período de 1980 a 2013, esse número cresceu 475% e está em tendência de alta. Se analisada a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, o aumento foi de 426%. Considerando a evolução de homicídios na faixa etária dos 16 aos 17 anos, o aumento foi de 640% - de 506, em 1980, para 3.749, em 2013. Quase a metade dos assassinatos de crianças e adolescentes em nosso País acontecem nessa idade, ou seja, exatamente a idade que é palco de controvérsias sobre a imputabilidade penal. Todos esses números mostram, então, uma aparente - e por que não real? - indiferença em relação à população jovem, negra e desescolarizada do Brasil. Dessa feita, então, a gente pode perceber que, enquanto, por um lado, a gente está construindo uma nova ordem econômica e tecnológica, colocando o Brasil no centro dos debates internacionais, por outro, a gente está dizimando a nossa população, principalmente a jovem. De acordo, então, com esses dados apresentados nesse estudo, os jovens são os que mais morrem no País atualmente. Embora a violência não seja um fenômeno recente, os dados têm chamado a atenção para a proporção que ela vem assumindo entre os setores populacionais com idade entre 16 e 17 anos. Diferentemente do que foi apresentado na justificativa dessa proposta de emenda à Constituição, a gente está diante de um genocídio da população jovem e não diante de um crescente e alarmante aumento do número atos infracionais cometidos por esses jovens. Em relação a esses dados - pode passar -, esses são os dados dos adolescentes que são punidos no Brasil. Então, em relação ao argumento de que os adolescentes ficam impunes, é importante a gente se atentar para o dado trazido pelo último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O anuário apresenta os dados sobre a evolução dos números de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de 1996 a 2013. Esses dados incluem, então, as medidas de internação, internação provisória e semiliberdade, ou seja, quando o adolescente está restrito de liberdade. Em números absolutos, passamos de um total de 4.245 jovens submetidos a essas medidas em 1996 para um total de 23.066 adolescentes em 2013. Ou seja, é um crescimento da ordem de 443,36%. Isso demonstra, conforme muito bem aponta o Prof. Rodrigo Azevedo, da PUC do Rio Grande do Sul, o aumento da utilização, pelo sistema de Justiça juvenil, dos mecanismos de controle socioeducativo de restrição à liberdade das crianças e dos adolescentes. |
| R | Analisando as taxas de adolescente em medida socioeducativa com restrição de liberdade por 100 mil, verifica-se que passamos de uma taxa de 97,7 por 100 mil em 2012, para 111,3 por 100 mil em 2013, com uma variação no período de 13,3%, ou seja, estamos, sim, e cada vez mais, punindo os nossos adolescentes com restrição de liberdade. A gente pode passar mais um eslaide. A respeito dos atos infracionais praticados pelos adolescentes, predominam os crimes contra o patrimônio e os relacionados ao mercado ilícito do tráfico de drogas, que são crimes cometidos por adolescentes que se encontram em uma situação de extrema vulnerabilidade. Ademais, verifica-se que tampouco se confirma a alegação de que a prática de ato infracional estaria aumentando de maneira alarmante quando se volta a olhar para a realidade brasileira. Na verdade, grande parte da literatura sobre o tema denuncia que as taxas de incidência de ato infracional têm, na verdade, caído significativamente em comparação com os crimes praticados pelos adultos, tendo atingido certa estabilidade nas últimas duas décadas. Isso tudo demonstra, então, senhoras e senhores, que a gente não precisa de novas leis que recrudesçam as que já existem; a gente precisa reconhecer a nossa parcela de responsabilidade ao defender projetos de lei que aumentam as penas, as medidas de internação ou que querem reduzir a maioridade penal. O IBCCRIM entende, então, que os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes são protegidos, sim, por cláusula que alcança qualquer parte da Constituição Federal e até mesmo os tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Entende, por fim, que as referidas propostas de emenda constitucional são fruto de movimentos político-criminais radicais, pautados por uma perspectiva repressiva que busca maior rigor no que diz respeito à coerção penal, por meio do recrudescimento do sistema de Justiça juvenil. Dentro desse contexto e tendo em vista que essa proposta tenta modificar a Constituição do Brasil justamente em matéria que se constituiu cláusula pétrea com a pretensão de implementar o malfadado incidente de desconsideração de inimputabilidade penal sem contraditório, sem ampla defesa, para proporcionar a pura e simples submissão dos adolescentes ao regime penal tradicional, reconhecidamente fracassado, o IBCCRIM é contra a aprovação dessa medida. Dessa forma, é importante finalizar dizendo que aprovar a redução da maioridade penal, assim como aumentar o tempo de internação dos adolescentes em situação de conflito com a lei não é apenas andar na contramão da história, mas aprovar uma retórica populista desprovida de fundamentos empíricos. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Agradecemos a contribuição de Mariana, que aqui representou a Comissão de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Imediatamente passamos aos dois últimos convidados aqui da nossa mesa: Welinton, Gerente de Relações Institucionais da ONG Visão Mundial, depois, o Vinícius. O SR. WELINTON PEREIRA - Obrigado. Queria cumprimentar a Senadora Fátima Bezerra e a Senadora Gleisi Hoffmann, que estão aqui é conosco, e o restante da Mesa. É um privilégio estar aqui. Por outro lado, fico pensando que queria estar aqui nesta mesa para discutir outras coisas. É lamentável, diante de números tão alarmantes que a gente ouve aqui, não só pela última fala, mas por outras que vieram antes, a gente discutir como piorar a situação. |
| R | Eu acho que a nossa sociedade tem passado por um momento de insanidade. Eu nunca vi tanta insanidade como a que a gente vive atualmente. Nós estamos aqui em um grupo que ainda resiste bravamente. A gente foi da primeira mesa, com o Deputado Laerte Bessa. Eu acompanhei as discussões na comissão da Câmara dos Deputados. Ali pessoas fizeram apresentações brilhantes, com números, com dados, mas era o mesmo que falar para pedras, era como se ninguém estivesse disposto a ouvir nada. Já há uma decisão, já existe uma ideia preconcebida de que os adolescentes e jovens do nosso País são os grandes causadores da violência. Como o Dr. Olympio falou, eles foram eleitos como bodes expiatórios, e já há uma decisão de criminalizá-los. Então, não adianta a gente colocar número algum aqui, porque alguns Parlamentares desta Casa e da Câmara já têm uma ideia preconcebida de que é isso que vai resolver. Eu fico pensando em algumas afirmações que ele fez, por exemplo: bandido irrecuperável. Eu trabalhei durante dez anos da minha vida com meninos de rua, com meninos com trajetória de rua, fui do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Eu vi jovens sendo recuperados, jovens que tinham uma trajetória que ninguém dava nada por eles. E eles conseguiram, porque tiveram oportunidade. Então, não existe nenhum ser humano irrecuperável. (Palmas.) Eu queria perguntar ao Deputado, se ele estivesse aqui ainda, se ele também considera que existem Parlamentares que são irrecuperáveis, inclusive o Parlamentar que ele citou, que é o autor da Lei nº 171, que está preso por causa de corrupção e de outras coisas erradas que fez, o ex-Deputado Benedito Domingos. Eu queria saber dele se ele também inclui nessa lista de irrecuperáveis, de bandido irrecuperável, muitos dos Parlamentares que existem na Câmara e no Senado, que, reiteradamente, cometem crimes contra a nossa Constituição, contra uma minoria de negros, de mulheres, de populações LGBT, e continuam impunes. Infelizmente esse pessoal só vem para esse tipo de mesa para colocar alguma coisa, e depois vai embora, não fica, não tem a coragem de discutir, de debater o assunto racionalmente, em cima de princípios. Eu queria, então, resumir a minha fala em três pontos muito rápidos. Em primeiro lugar, na dignidade de todo ser humano. Todo ser humano tem sua dignidade. Eu sou cristão, protestante e uma das coisas por que a gente preza é pela dignidade de cada ser humano. Não existe rótulo, em primeiro lugar: menor, prostituta, bandido; existe um ser humano ali criado à imagem e semelhança de Deus e esse ser humano merece ser tratado com a maior dignidade possível. |
| R | Nós acompanhamos o caso do menino Ítalo, que talvez vocês conheçam, de São Paulo. Ele foi morto pela polícia, um menino de dez anos de idade. A polícia dizia que ele estava com arma, que ele atirou, que ele trocou tiros com a polícia. Imaginem uma criança de dez anos de idade conseguir dirigir um veículo e, ao mesmo tempo, trocar tiro com a polícia! Nós acompanhamos aquele caso desde o início. Eu estive na casa da mãe do Ítalo, Dona Cíntia. Por ela ter sido ex-presidiária, algumas pessoas ligaram para a nossa organização, Visão Mundial, reclamando: "Por que vocês estão ajudando esse menino, que é bandido? Por que vocês estão ajudando uma pessoa cuja mãe foi presa?" Eu falei: quer dizer que, pelo fato de a pessoa ter cumprido uma prisão, ela já não é digna mais de receber solidariedade ou uma ajuda? Aí, no dia da reconstituição do crime, não sei se vocês acompanharam - pasmem -, algumas pessoas, que são do lugar onde aconteceu o episódio com o Ítalo, organizaram uma manifestação de apoio à polícia por ter matado o menino Ítalo. Imaginem a sociedade, o nível de insanidade que a gente vive nesses dias de hoje, quando uma criança de dez anos de idade é tida como marginal, como bandida, sem ninguém nem discutir o assunto primeiramente! Então, eu queria, primeiramente, que a gente pensasse nesse tema, considerando que todo ser humano, se errou ou não, tem direito ao respeito e à dignidade, tem direito a um julgamento justo. Se ele cometeu algum tipo de crime, merece um julgamento justo, e não ser morto pela polícia, porque, naquele momento, a polícia está sendo o juiz, está sendo o promotor, está sendo o próprio executor da vida dessa pessoa. Em segundo lugar, eu queria que a gente pensasse que tipo de sociedade a gente quer construir. Infelizmente, algumas pessoas acham que, ao criminalizar o menino, rotulando-o como marginal, como bandido, estão separando. Com essa atitude, nós estamos construindo uma sociedade racista, porque nós sabemos muito bem que quem está indo para a cadeia são negros, são jovens da periferia, são meninos que não têm uma boa escola, que estão saindo das escolas, infelizmente. A nossa sociedade e o nosso Estado não têm o direito de mandar os nossos jovens mais cedo para as cadeias. Enquanto nós não construirmos mais escolas, enquanto nós não tratarmos os nossos jovens com mais dignidade, nós não temos nenhum direito de mexer na lei que trata deste assunto. |
| R | Por fim, eu queria homenagear o meu filho, que está aqui comigo hoje. Assim que eu que eu recebi o convite para vir aqui, eu comentei com o meu filho que está aqui. Eu disse: vou lá. E ele respondeu: "Pai, eu quero ir com você para poder somar com você nessa luta em favor dos nossos jovens." Então, aquilo que eu quero para meu filho e para minha filha, que é uma vida plena, com dignidade, eu quero para cada criança, cada jovem do nosso País. (Palmas.) Nós não podemos, de maneira alguma, tratar os nossos jovens dessa maneira separada. O Deputado fala do jovem como se fosse um outro, um outro ser. Não é. Nós somos todos iguais, estamos todos irmanados. Aquilo que acontece com uma pessoa, onde ela estiver, me atinge diretamente. Então, eu queria convidar cada um de nós aqui a não desistir. Nós somos minoria, mas precisamos persistir nessa luta, buscando um País que trate os nossos jovens com dignidade. Nós não vamos construir uma nação rotulando, discriminando e mandando os jovens para a cadeia. Que Deus nos livre de Deputados com essas cabeças que vimos aqui hoje e que Ele nos ajude a eleger futuramente pessoas comprometidas com a dignidade de cada ser humano, de cada pessoa! Muito obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Agradecemos a contribuição do Welinton, que aqui falou em nome da ONG Visão Mundial. Agora vamos passar a palavra a Vinicius Valentin, que é o Coordenador da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). O SR. VINICIUS VALENTIN RADUAN MIGUEL - Boa tarde. Antes de tudo, queria parabenizar nominalmente o Senador Pimentel, a Senadora Fátima Bezerra, a Senadora Gleisi Hoffmann e o Senador Lindbergh Farias por essa participação tão importante nesse momento. Num segundo momento, queria, agora, citar o Romero Silva, também integrante da Coordenação Nacional da Anced, que aqui representa também a nossa organização no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Nós, a princípio, havíamos tentado estruturar a mobilização para trazer um adolescente que tivesse cumprido medida socioeducativa. Infelizmente não conseguimos. Tentamos também dar voz às mães de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, e elas mandaram vários áudios que, no entanto, não chegaram muito bons. Mas eu vou me comprometer a encaminhá-los para a Presidência da CCJ. Acredito que esses - os invisíveis, os esquecidos e ignorados - precisam ser ouvidos. Não sei se alegrarei vocês, mas direi que boa parte da minha fala vai ser suprimida, porque foi esmagada diante de tão belas e pontuais colocações daqueles que me antecederam. A Anced, para registrar esse ponto, sustenta a inconstitucionalidade de qualquer proposta tendente a reduzir a idade de responsabilidade penal de adolescentes. E o faz acreditando que é uma garantia processual fundamental ser, inclusive, processado por uma Justiça especializada, ter assegurada a defesa por uma advocacia, pública ou privada, por meio da Defensoria Pública ou de um advogado particular também especializado em um microssistema processual penal dessa Justiça criminal aplicável à juventude. |
| R | E acredita também que, além disso, é importante passar pelo crivo de uma convencionalidade, ou seja, a adequação dessa proposta com os acordos e tratados internacionais do qual o Brasil é signatário, dentre eles a Convenção de Direitos da Criança da ONU, que dispõe, entre tantas coisas, sobre a vedação do retrocesso social, com a necessidade de melhorias progressivas, como já foi aqui citado, assim como a Opinião Consultiva nº 10, do mesmo Comitê de Direitos da Criança da ONU, que menciona que a internação deve ser a exceção, e pelo menor tempo possível, e nunca a regra. Nesse sentido, eu lembro, e é uma grande satisfação estar aqui novamente com o Senador Lindbergh, que, há mais ou menos 5 ou 6 meses, ele relatava a CPI - eu fui um dos convidados, também pela Anced, para dela participar - que investigou o extermínio da juventude pobre e negra, assim como, em 2009, nós tivemos a CPI do sistema carcerário na Câmara dos Deputados. Então, existem uma série de outras atividades investigativas dessas Casas Legislativas que demonstram a total falência da política de hiperencarceramento, de criminalização e de declaração de guerra às drogas e da hiperpenalização da juventude pobre, negra e periférica deste País. Acho que esses pontos precisam ser escavados e não esquecidos. Eu também gostaria de mencionar que a Rede Latino-Americana e Caribenha de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Redlamyc), da qual a Anced, o Fórum de Direitos da Criança e Adolescente, o Movimento Nacional de Direitos Humanos fazem parte, representando, só de entidades brasileiras, mais de 90, encaminhou uma carta à Presidência do Senado, Sr. Renan Calheiros, também pedindo - mais de 100 entidades de base do País e de mais de 200 entidades latino-americanas - que o Brasil, principalmente reconhecendo seu papel de protagonismo na política externa latino-americana, não promova o recrudescimento da legislação penal. Basicamente, quero reforçar que a redução da maioridade penal é inconstitucional, porque se constitui ato discriminatório e racista, responsabilizando de modo desigual, principalmente porque nega o acesso à Justiça a adolescentes pobres e que, também, coincidentemente, nessa intersecção, são também negros e vítimas de vulnerabilidades e de violência de Estado. É um erro político, porque se constitui uma forma grosseira e demagógica de populismo penal, de tentar manobrar as massas, ocultando um conjunto de outros problemas sociais. É um erro na resposta, como bem acentuaram vários outros que aqui me precederam, porque os adolescentes não são nem de longe os maiores perpetradores de atos infracionais, não compondo um número significativo da criminalidade neste País. É um erro argumentativo, uma vez que os adolescentes já são, sim, responsabilizados por um bom período, inclusive, proporcionalmente, em comparação, por exemplo, com progressões de pena, progressão de regime, ficam mais tempo em regime fechado do que adultos que cometem atos análogos, portanto, crimes, e não atos infracionais. Adolescentes que cometem atos infracionais ou aos quais se imputam tais atos também são algemados, também são conduzidos em camburões, também têm negado o acesso à Defensoria Pública, que é escassa na maior parte dos Estados. Suas mães e seus pais também são submetidos à prática degradante da revista vexatória quando os visitam. Há, sobretudo, uma profunda inconstitucionalidade. E aqui eu gostaria de ressaltar uma responsabilidade não totalmente da Anced, mas minha pelas palavras que seguem. |
| R | Há uma profunda inconstitucionalidade em qualquer proposta tendente a reduzir a maioridade penal por um vício quanto à motivação. É basicamente um engodo, que criminaliza a juventude, joga fumaça sobre a verdadeira criminalidade, que se esconde, sobretudo, na pessoa do Sr. Eduardo Cunha. Essa conjuntura, que é uma conjuntura de um golpe - racista, machista, homofóbico, cretino e canalha -, é muito diferente do que assentou o Sr. Laerte Bessa. É ele próprio o grande artífice desse modelo golpista e que está tentando promover a criminalização da juventude. Aí eu discordo do meu grande amigo Welinton Pereira, quando ele diz que nenhum ser humano é irrecuperável. Eu ouso discordar. Alguns Parlamentares têm mostrado que, sim, existem seres humanos irrecuperáveis. Irrecuperável é este Congresso... (Palmas.) O SR. VINICIUS VALENTIN RADUAN MIGUEL - ...que há muito tempo mantém a fachada de Casa do Povo, mas é o verdadeiro covil daqueles que criminalizam a juventude pobre e se calam diante do genocídio da juventude brasileira. Aqui se matam três Iraques por ano. Muito obrigado. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Agradecemos ao coordenador da Associação Nacional do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). Quero registrar aqui a presença do Senador Lindbergh Farias, do PT do Rio de Janeiro. E, mais uma vez, registrar a presença aqui da Senadora Gleisi Hoffmann. Bom, concluídas as participações dos nossos convidados para a mesa de debates da presente audiência, vamos agora, imediatamente, dar voz aqui à juventude, aos jovens. Vamos começar pela Ana Flávia, que é do Distrito Federal, não é, Ana Flávia? Com a palavra. A SRª ANA FLÁVIA OLIVEIRA BARBOSA - Bom dia a todos, primeiramente. Na verdade, primeiramente: fora, Temer! (Manifestação da plateia.) A SRª ANA FLÁVIA OLIVEIRA BARBOSA - A gente vê a redução da maioridade penal sendo pautada pelas mesmas pessoas, pela mesma direita "reaça" que pauta todos os atos de genocídio para todos nós, a violência que nós toleramos todos os dias, imposta pelo Estado, desde a nossa criminalização, porque preto é sempre suspeito para a polícia, não é? É assim que eles falam. Além do mais, tem uma frase muito boa que eu sempre gosto de escutar, que é: onde o Estado não chega, o crime chega. Então, pela ausência do Estado, os maiores índices de criminalidade estão onde o Estado se ausenta, onde não há uma educação pelo menos básica de qualidade. Aqui no DF mesmo, se nós formos à Ceilândia, sabemos muito bem que nem metade dos jovens tem pretensão de chegar às universidades. Nós sabemos muito bem que a maioria desses jovens são jovens negros, periféricos. Nós sabemos que toda essa violência é pautada para que nós não ocupemos espaços onde sempre nos foram negados, onde a voz nunca chegou à nós, onde sempre sentamos e temos que escutar Jornal Nacional, porque nós não temos estudo, acesso e qualidade de vida suficiente para termos uma televisão a cabo dentro de casa. Temos que escutar as baboseiras que eles falam, como, por exemplo, notícias dos 111 jovens, dos cinco jovens negros assassinados no ano passado pelos cinco tiros. Na semana passada, a mãe de um deles morreu. |
| R | Ou seja, o racismo é institucionalizado e a redução da maioridade penal só pauta cada vez mais essa proposta de uma instituição totalmente racista, de um Estado racista, que nos exclui todos os dias. É esta a intenção deles: excluir. Porque, se você está dentro de uma cadeia, talvez a educação lá não seja seu foco. Talvez seu foco seja estudar... Estudar não, ficar preso e cometer crimes, porque é esse o futuro que eles preveem para a gente. Mas eles têm que saber também que nós resistimos e que estamos aqui para falar por nós. E que, acima de nós, só nós mesmos, porque nós somos o povo e nós temos força suficiente para isso. A redução não vai passar. Não vai passar porque nós estamos aqui e todo mundo que está presente aqui sabe muito bem dos afoites, das correntes que nos prendem a isso. É incrível saber que as pessoas ainda têm coragem de dizer que a polícia fez certo em matar, quando, na verdade, a intenção da polícia é a segurança, tanto do possível criminoso, quanto da população. Mas não é isso que nós vemos. Sabemos muito bem que a Polícia Militar e que a Força Nacional matam preto toda noite nas periferias e que isso não é noticiado. Sabemos muito bem que nós sofremos todos os dias. Nós sabemos muito bem que até nos empregos nós sofremos, principalmente as mulheres negras, que recebem apenas 30% do salário designado a seus cargos. É esse Estado que eles estão caminhando para construir e é esse Estado que a gente deve barrar, e fazer o nosso próprio Estado. Essa PEC da redução da maioridade penal faz apenas isto: nos barrar mais uma vez. Se nós sobrevivermos até os dezoito, eles vão dizer: "Não, agora vocês só sobrevivem até os dezesseis." Porque, para negro, é sobrevivência sim. Todos os dias, você acorda e pensa: quantos "bacus" eu vou levar hoje? Isso é de uma extrema agressividade para a nossa existência. A nossa luta contra a redução é a nossa luta pela sobrevivência. Nós não estamos lutando também... Desculpa. Nós também temos que falar... Antes de falarmos da redução da maioridade penal, é preciso falar da guerra às drogas, porque, se eu sou pega com 10g de maconha, eu sou presa e vou para o regime fechado. Mas é engraçado porque, com o ex-Deputado Zeze Perrella... Acharam 450kg de cocaína nas fazendas de Aécio Neves. E quem noticia? Todas as drogas transportadas e toda essa guerra às drogas é imposta à gente. Então, de que guerra às drogas nós estamos falando? Da que mata preto todos os dias? É isso que a redução pauta, matar ainda mais cedo; matar ou prender. Obrigada. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Cumprimentamos Ana Flávia pelo seu depoimento. Imediatamente, vamos passar a palavra a Henrique e, depois, à Thays. Henrique, vamos, em função do horário, conceder a você dois minutos. Pode ser? O SR. HENRIQUE - Meu nome é Henrique, eu sou membro da UJS, da UJS/DF. Eu adoro essa representatividade, porque a gente está aí na luta para conseguir mudar o Brasil. |
| R | A primeira coisa que eu queria falar é que essa lei é para nada mais do que separar os burgueses dos porcos. É querer tirar a juventude da rua para que o menino branquinho, bonitinho, não se misture com o preto porco, com o preto sujo, porque é assim que eles pensam da gente, querendo ou não. Além de quererem nos prender, eles querem nos matar. Eles querem fazer um genocídio com toda uma população negra que, durante anos, lutou por esta liberdade que temos hoje. Eles querem a volta da escravidão, nada mais do que isso. Acho muito interessante quando eles colocam em pauta que a redução é a melhor forma de parar a violência, quando a violência do menor é o menor Estado, quando vemos nos dados que isso não é o nosso maior perigo, o nosso maior erro. Eu acho muita burrice do Estado falar isso; dessas pessoas, falar isso. Eu tenho 17 anos. Quando eu saio na rua, o meu medo é ser baleado, o meu medo é encontrar com um policial de madrugada e o policial me dar uma surra, porque eu estou no lugar errado, na hora errada. Ser preto no Brasil é difícil e ser adolescente é pior ainda, porque, se eu sou parado pela polícia, ele não pergunta meu nome, não pergunta de onde eu venho e não pergunta o que eu estou fazendo, ele me dá um tapa na cabeça. É muito interessante que eles querem nos matar e querem fazer isso escondido, querem fazer isso por meio de leis. Eles estão trazendo uma lei que, para mim, deveria ser chamada de genocídio em papel. Eu queria mesmo encerrar com uma coisa que o Eduardo Suplicy fez aqui. Ele foi ridicularizado, riram da cara dele quando ele fez isso, que foi recitar uma música do Racionais MC, Homem na Estrada. No primeiro barulho, eu vou atirar. Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém, E o que eles querem: mais um "pretinho" na FEBEM. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim, A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim. Eles querem o nosso fim. Não vamos deixar que eles acabem com a gente. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Quero cumprimentar o Henrique pelo seu depoimento aqui. Imediatamente vamos passar para Thais de Oliveira. O Henrique falou em nome da UJS e a Thais de Oliveira falará agora em nome da Ubes aqui do Distrito Federal. A SRª THAYS OLIVEIRA - Primeiramente: fora, Temer! E quero deixar claro aqui que o Escola sem Partido não vai passar. Neste exato momento, está havendo ato em diversas capitais do País contra a redução da maioridade penal, contra esse Governo golpista e contra o Escola sem Partido. É muito triste a gente estar aqui hoje debatendo a redução da maioridade penal, sendo que a gente poderia estar debatendo os avanços da educação, uma reformulação do ensino médio, porque se os alunos, se os estudantes hoje, a galera da periferia está no mundo do crime, é porque o Governo, o Estado não fornece uma educação de qualidade, não fornece uma educação pública acessível e atrativa para os estudantes. Eu moro no Itapuã. Sou da periferia aqui de Brasília. E toda vez que eu saio da escola e vou passar em outra escola, que eu saio na esquina da minha casa, eu vejo crianças de 8, 10 anos na esquina, vendendo drogas. Aí a gente se pergunta: Por que eles estão ali? O Governo fornece educação, lazer e esporte para as crianças? Porque isso eu não sei se fica centralizado aqui no Plano Piloto, mas no Itapuã não chega nada. No Itapuã mal chega o livro que foi usado por dois anos pelas escolas do Plano Piloto e que é utilizado pelos estudantes de escola pública da periferia do Itapuã, como acontece na Ceilândia. |
| R | O Henrique falou aqui do medo de sair à noite. Diversas vezes eu já fui parada e abordada aqui no Plano por estar voltando 10h para casa, depois de uma reunião, tarde, do movimento estudantil. E o policial me pergunta o que eu estou fazendo aqui. Quer dizer, então, que juventude negra na periferia não pode ter acesso à cidade? Que cidade é essa a que a gente não tem acesso? A juventude quer mais acesso. A juventude quer educação, quer lazer, quer educação pública de qualidade, quer uma reformulação do ensino médio, que a educação, o ensino médio venha e te forme para alguma coisa, porque o ensino médio que a gente tem hoje é o ensino médio em que a gente finge que aprende e o professor finge que estuda. E aí você se vira para passar numa universidade federal, numa pública, porque é muito raro um estudante ter condições de pagar uma universidade particular. Agora, com os avanços que nós tivemos no último governo, a gente conseguiu inserir mais jovens negros da periferia no ensino superior. É isso. Eu vou dividir a minha fala com a Adrielle, que é da USDF, rapidinho. E é isto galera: Não à redução! (Palmas.) A SRª ADRIELLE MARQUES - Primeiramente, eu queria começar dizendo que reduzir a maioridade penal é, sim, criminalizar a juventude negra de periferia, juventude essa que sofre um genocídio todo dia na periferia, que é morta todo dia. Dialogando com a fala do Deputado da primeira Mesa, que falou, resumindo, que era um absurdo não aceitar a redução da maioridade penal, absurdo para mim é eu chegar na minha escola e ela ter 50 anos e nunca ser reformada. Absurdo para mim é eu que moro no entorno sul de Brasília, no Água Azul mais precisamente, sair e não ver nada de lazer na minha cidade. Tem um campo sintético em que cobram R$100 reais para as pessoas de lá jogarem futebol. E muitas pessoas de lá não têm condições de pagar, porque não têm nem R$5 para comprar um pão na padaria. Então, um absurdo para mim é eu chegar na minha escola e ver que não tem professor para me dar aula. Absurdo para mim é eu ver que muita gente não tem acesso a ações culturais, o que acontece aqui no Plano Piloto, porque, assim como a Thaís disse, aqui no Plano Piloto pode até ter cultura, mas nas áreas periféricas não chega isso. Então, é totalmente absurdo isso tudo que acontece e é totalmente lamentável ser pautada a redução da maioridade penal enquanto poderia estar sendo pautado a melhoria da escola pública, uma escola de qualidade, estar sendo pautado mais cultura para a juventude e mais lazer para a juventude. Então, é isso. Nós resistiremos à redução da maioridade penal. Iremos para a rua, se preciso, lutar contra a redução da maioridade penal, porque nós não aceitaremos que jovem negro de periferia vá para a prisão e não tenha uma educação de qualidade. Mais escolas e menos cadeias! A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - O.k. Agora, para encerrar mesmo, o jovem Silas pediu a palavra. O SR. SILAS SANTOS - Boa tarde a todos. Eu acho que o "Fora, Temer!" já é um hino nacional do nosso País. Já pode até ser trocado. Para iniciar a minha fala, eu gostaria de dizer algumas coisas que são bem importantes. Eu acho que é interessante os Senadores que apoiam a redução da maioridade penal e os Deputados que votaram a favor da maioridade penal ouvirem, porque falar para os nossos é fácil, os nossos já conhecem a nossa fala, os nossos já conhecem a nossa militância, os nossos apoiam a nossa causa. |
| R | Quero dizer, muito rápido, que o Brasil está acostumado a resolver um "problema", entre aspas, criando um outro problema. Para aqueles que não conhecem o sistema penitenciário do nosso País, ele vive um superlotamento; para aqueles que não conhecem, os presos do nosso País pioram cada vez mais se saírem de uma detenção. Então, isso significa que colocar adolescentes lá, em termos de vulnerabilidade social, adolescentes que não têm o alicerce, que não têm um acompanhamento, se formos mexer na base desse adolescente, se formos mexer na estrutura em que está condicionada essa família, se formos mexer onde está essa criança e esse adolescente, no acesso que ele tem à educação, no acesso que ele tem à cultura, no acesso que ele tem ao esporte, é muito fácil as mídias falarem que isso existe. Existe. Existe para branco rico. Agora, não existe para pobre, preto e favelado, para aqueles que moram na favela, que acordam cedo, que têm que ir para sua escola, para sua universidade, que têm que ir para seu trabalho. Até mesmo acontece trabalho infantil para poderem sustentar sua família dentro de casa, para poderem colocar um pão, seja ele duro ou não, para que comprem um pão na padaria, seja ele dormido, de três dias ou não, para poderem alimentar a sua família. Falamos do sistema presidiário que, neste momento, se encontra com superlotação, que queremos colocar adolescentes dentro dele. Queremos dizer: você pode entrar aí para ficar pior; você pode entrar aí para sair pior; você pode entrar aí porque meus olhos vão continuar vendados para você; e eu vou continuar ferindo a minha Constituição Federal, é o tal pátrio, é o tal respeito. O art. 227 diz que criança e adolescente são prioridades absolutas, mas não é respeitado. Criança e adolescente não são prioridade absoluta em lugar nenhum, porque, como a educação está fundamentada neste País, vemos que a educação pública está - desculpem a expressão - uma bosta, a educação pública está uma merda. Se você colocar um preto pobre no Enem para concorrer com um branco rico, que teve a oportunidade de estudar numa das melhores escolas, ele vai passar na sua frente. E não vai ter cota racial para conseguir te colocar dentro de uma faculdade. Não vão ter cotas raciais suficientes para um país em que 80% da população é negra. Querem colocar os 80% dessa população dentro da cadeia, atrás de uma grade, para verem, como diriam muitos, o sol nascer quadrado, enquanto os engravatados, os ladrões, os corruptos estão julgando e se dizendo melhores, se colocando em estado de julgar algo a ponto de apoiar e de querer que isso seja executado. Estamos falando de tirar a infância de crianças e adolescentes. Estamos falando, neste momento, de deixar a criança e o adolescente, mais uma vez, para trás no nosso País. Estamos falando de uma população que vai ser atingida diretamente, como já foi bem colocado aqui, de uma população preta. E vai acontecer o genocídio dessa população. Para encerrar minha fala, digo o seguinte: não devem reduzir a maioridade penal, reduzir ainda mais a população preta e colocá-la atrás das grades, apagar mais a história de um povo preto, que morava neste País, que construiu uma história, mas sua história é dita, contada por mãos de brancos. Sua história é construída nas bocas, nas histórias contadas pelos professores, ensinadas nas escolas públicas por mãos de brancos. Esquecem de contar quem foi Clementina de Jesus, quem foi Zumbi, quem foi Luiza Barros, quem foi a Luiza Mahin. Esquecem de contar que, quando os portugueses chegaram neste País para colonizar, já existia um povo, e esse povo teve seu direito violado, esse povo teve seu direito negligenciado, como o nosso País tem feito com o direito não somente de crianças e adolescentes, mas de qualquer cidadão e cidadã brasileira que diz amar sua Pátria. Aqueles em quem votamos para nos representar não nos representam. Representam sua mãe, seu pai, seu cachorro, seu filho, seu automóvel, sua mansão, as grandes casas, os grandes locais da nossa cidade. Não à redução da maioridade penal! E, sim, corruptos engravatados atrás das grades. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Cumprimento o Silas pelo depoimento, pela sua participação. Vamos passar, agora, imediatamente, a palavra à Senadora Gleisi. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Antes, Senadora Fátima, o Dr. Olympio tinha pedido para fazer uma intervenção breve também. Acho que ele poderia fazer. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Pois não. Com o maior prazer. |
| R | O SR. OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO - Em primeiro lugar, quero elogiar aqueles que lutam pela promoção da igualdade racial, mas fazer um destaque daqueles que lutam pela promoção de igualdade de gênero, dizendo que as mulheres aqui foram as que melhor se pronunciaram. Acho que todos concluíram nesse sentido. (Palmas.) Só gostaria de dizer, penso eu, falando em nome da Conamp, que aderimos a esta proposta de fazer a verificação do cumprimento da Lei do Sinase sob dois aspectos: o primeiro, e aqui foi citado muito, o princípio da prioridade absoluta em favor da infância e da juventude, para dizer que, no que há de mais importante, o princípio da prioridade absoluta significa preferência na formulação e na execução de políticas públicas e destinação privilegiada de recursos para a área da infância e da juventude. A gente sempre disse que lugar de criança é na família, na escola e nos orçamentos públicos, porque não adianta fazer o discurso a favor das crianças e adolescentes e, no momento da elaboração das leis orçamentárias, não estar lá previsto o recurso necessário para a implementação das políticas deliberadas pelos conselhos dos direitos da criança e do adolescente. Então, é nesse aspecto. E mais, no aspecto daquilo que já está previsto na Lei do Sinase, que é a responsabilização por improbidade administrativa do administrador que não cumpre com aquilo que está previsto em relação à implementação e execução das medidas socioeducativas, especialmente aquelas em meio aberto. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigada, Dr. Olympio. Com a palavra a Senadora Gleisi. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senadora Fátima. Queria, na realidade, cumprimentar toda a Mesa, que fez a exposição aqui, como fiz com a Mesa anterior. Acho que foi muito importante para nós. Também lamento muito que os Senadores não estejam aqui, principalmente o Senador Aloysio, o Senador Ferraço, que têm sido os proponentes e os defensores dessa proposta. Queria cumprimentar a juventude aguerrida que está aqui, que tem dado a maior força na resistência. E nós vamos precisar resistir muito, quero dizer a vocês, porque os tempos que estão vindo aí não serão fáceis. Aquilo que disse antes, que estamos evitando pautar matérias como o direito das mulheres e outras questões de avanços sociais, é porque temos um sopro conservador imenso aqui no Congresso Nacional, muito mais na Câmara, mas no Senado também já está chegando. A outra preocupação que temos é com o retrocesso de políticas sociais que nós conquistamos até agora. Se temos problema com o que temos, nós corremos o risco agora de perder o que conquistamos da Constituição de 1988 para cá. Essa PEC, sobre a qual a Senadora Fátima falou, a PEC 241, é um desmonte da Constituição de 1988, uma Constituição em que nós conseguimos garantir recursos para a educação. Com todos os problemas que o companheiro falou ali, da educação, que a educação pública está uma vergonha, está com dificuldades, foi essa conquista de 1988 que garantiu que tivéssemos um mínimo de recursos dos nossos impostos para aplicar na educação, que a gente conseguiu fazer a universalização. Então, imaginem isso voltar! E o que eles estão propondo? Que os recursos para a educação, para a saúde, enfim, que todos os recursos do Orçamento só sejam corrigidos pela inflação, fora juros. A conta de juros está liberada neste País. Então, você pode colocar juros na estratosfera. Hoje, gastamos R$500 bilhões com juros por ano. E eles querem fazer uma reforma da previdência, dizendo que é a previdência que gasta muito, quando toda a previdência brasileira está em R$240 bilhões e atende à população mais pobre deste País. |
| R | Então, é muito grave o que nós vamos passar aqui, o desmonte de direitos. Vamos precisar fazer uma resistência muito grande, não aceitando nem um direito a menos, Dr. Olympio, para tentar conquistar - e avançar - direitos a mais, além do conservadorismo, do fascismo, da visão de retirada dos direitos, de desconsideração das pessoas. É muito ruim isso. O que eles estão dizendo aqui em relação à população negra, isso tudo está muito mais acirrado hoje, bem como a questão da população LGBT, das mulheres. Com este processo de impeachment que nós estamos vivendo, e a gente tem dito aqui dentro que é um golpe, porque não têm base legal retirar a Presidenta Dilma do poder, da Presidência da República, parece-me que se abriu a porteira. Saíram todos os que estavam contidos com essas posições mais odiosas, e estão nas ruas, nas redes sociais, falando e achando que isso é normal. Então, eu penso que nós teremos que ter muita resistência, a começar pela CCJ, por outras comissões. O movimento social, vocês, que estão organizados, que fazem a resistência no cotidiano, são muito importantes para nos ajudar a enfrentar isso aqui. Por último, Senadora Fátima, eu queria só me referir à proposta da comissão mista. Eu tenho um pouco de preocupação com a comissão mista - até estávamos falando com a nossa assessoria - porque geralmente a gente não consegue reunir Deputados e Senadores ao mesmo tempo. A Tânia sugeriu aqui que nós apresentássemos um requerimento para termos uma subcomissão permanente na CCJ para discutir a implantação do Sinase, até porque nós temos base legal, que é o art. 18 da lei, que manda a gente fazer o acompanhamento das políticas públicas. A CCJ tem direito a quatro subcomissões permanentes. Nós só temos duas instaladas. Acho que, pela relevância do tema, pela importância que tem, pela discussão nesta Casa das propostas, nós poderíamos propor uma subcomissão permanente de Senadores e, então, já começar os trabalhos, aprovando aqui, dando início a uma pauta e à verificação. Eu acho que seria mais efetivo. E podemos sugerir à Câmara dos Deputados que também faça uma comissão permanente. Depois, nós juntamos o resultado dos trabalhos. Acho que não precisaríamos de tanta articulação política, tanto esforço para juntar Deputados e Senadores num mesmo momento. Então, se V. Exª concordar, Senadora Fátima, a gente prepara o requerimento e, na próxima quarta-feira, já dá entrada na CCJ para instalação dessa comissão permanente no âmbito da CCJ, para discutir a implantação do Sinase no Brasil e fazer o acompanhamento da política pública. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Perfeito! Os aplausos são a manifestação mais concreta de que todos aqui concordam com o encaminhamento sugerido pela Senadora Gleisi, que, de fato, é o mais adequado: a instalação da subcomissão, pelas razões que ela já mencionou. Então, Senadora Gleisi, vamos pedir à assessoria que formule e, então, apresentaremos em conjunto. Bom, no encerramento aqui, cabe-me, não só em meu nome, em nome da Senadora Gleisi, do Senador Lindbergh, do Senador José Pimentel, mas também dos Senadores que propuseram a realização da presente audiência - os Senadores Telmário Mota, o Senador Randolfe -, em primeiro lugar, agradecer a todos e todas vocês, às entidades, às instituições que aqui vieram e deram uma importante contribuição ao debate. E importante contribuição - faço questão de ressaltar - pela responsabilidade, pela seriedade com que vocês atuam nas entidades e nas instituições das quais fazem parte. |
| R | Na verdade, o que nós vimos aqui, mediante o depoimento de vocês, foram contribuições com embasamento jurídico, com embasamento do ponto de vista social, ou seja, contribuições à luz de muito estudo, muita experiência, muita vivência acumulada. Quero também aqui destacar a participação da juventude, igualmente importante, porque a juventude, mais do que qualquer outro segmento, tem que participar intensamente de todo este debate. Terceiro, ressalto o alerta que a Senadora Gleisi fez do quanto é necessário, mais do que nunca, nós estarmos mobilizados para resistir em prol da garantia de direitos, porque é disto que se trata o que o País está passando neste exato momento, na medida em que está sendo já infringido um dos direitos mais sagrados, mais resguardados na nossa Constituição, que é o direito à soberania popular. Refiro-me ao processo de impeachment, processo esse que nós, por exemplo, que somos contrários, temos o entendimento de que fere a Constituição, a democracia, porquanto querem afastar uma Presidenta da República com mandato popular sem que tenha sido comprovado crime de responsabilidade. Na esteira desse contexto, vem aquilo para o qual a Senadora Gleisi chama a atenção: o ataque à agenda dos direitos sociais e das conquistas. Daí a necessidade de estarmos juntos e de intensificarmos a mobilização, a nossa resistência. Termino fazendo minhas as palavras de vocês. Na verdade, não é com a simples ideia de reduzir maioridade penal que vamos resolver o problema da juventude. Muito, muito, muito pelo contrário! Como vocês têm dito incansavelmente e com toda razão, com toda verdade, a juventude não precisa de prisão, de cadeia, nem de encarceramento. A juventude não precisa de prisões, que, como todos nós sabemos, se tornaram uma verdadeira escola do crime. A juventude precisa de escola que forme para uma cidadania ativa e altiva. É por isso nós temos que continuar - repito - juntos, buscando, cada vez mais, o envolvimento da sociedade para dizermos "não" a esta PEC 33, para dizermos "não" à redução. Mas a gente precisa também estar junto para dizer "não" à outra PEC, que é a PEC 241, que tira dinheiro da educação, que tira dinheiro das áreas sociais, que vai inviabilizar o Plano Nacional de Educação. Então, é isto: mais educação, mais escola, mais cidadania! É isso o que deseja e a isso que tem direito a juventude brasileira. |
| R | Está encerrada a presente reunião. (Palmas.) (Iniciada às 10 horas e 1 minuto, a reunião é encerrada às 14 horas.) |
