23/08/2016 - 9ª - Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco/PSB - PE) - Havendo número regimental, declaro aberta a 9ª Reunião da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para debater a participação de representantes da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 22), em Marrakesh, Marrocos, e também se destina à apreciação do Requerimento nº 5, de 2016, que trata do mesmo assunto.
Esta reunião será realizada em caráter interativa, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou ligando para o número 0800 612211.
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A primeira parte da reunião será destinada à realização de audiência pública. A Presidência adotará as seguintes normas: o convidado fará sua exposição e em seguida abriremos a fase de interpelação pelos Srs. Parlamentares inscritos. A palavra aos Srs. Parlamentares será concedida na ordem de inscrição.
Com alegria, convido para assento à mesa os senhores convidados: Embaixador e representante do Ministério das Relações Exteriores, José Antônio Marcondes de Carvalho; o Secretário Substituto do Ministério do Meio Ambiente, Sr. Adriano Santhiago; e o nosso amigo, Diretor Executivo do Centro Brasil no Clima, ex-Deputado, sempre Deputado, Alfredo Sirkis.
Eu queria, antes de passar a palavra ao nosso primeiro palestrante, o Embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho, dizer que na semana passada nós tivemos a alegria de receber no meu gabinete, acompanhado do Embaixador Marcondes, o Embaixador Mekouar, designado pelo governo do Marrocos para organizar e promover a COP 22, que se realizará em Marrakesh no mês de novembro, entre os dias 12 e 19, é isso, Embaixador?
O SR. JOSÉ ANTÔNIO MARCONDES DE CARVALHO - Sete.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco/PSB - PE) - De 7 a 19 de novembro, em Marrakesh. Por coincidência, durante a visita do Embaixador Mekouar, a sessão do plenário do Senado Federal apreciava e votava o relatório da Senadora Kátia Abreu que ratificava o acordo do clima construído na COP 21, em Paris, já apreciado pela Câmara dos Deputados e, na sequência, também apreciado e deliberado pelo Senado Federal, transformando o Brasil numa das primeiras grandes potências econômicas a subscrever e ratificar o acordo do clima. Portanto, acho que esta audiência desperta grande interesse daqueles que acompanham as políticas voltadas para a sustentabilidade, mas, sobretudo, as perguntas, as indagações: e aí? Depois de Paris, quais são os desafios que estão postos? Que esforços serão desenvolvidos pelas Nações Unidas para que possamos assegurar as condições mínimas de implementação das medidas que foram acordadas, dessas políticas que foram acordadas, lá em Paris, por mais de 195 países?
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Certamente, a COP 22 trará muita luz sobre esse debate. Daí a razão de o Congresso Nacional desejar, mais uma vez, designar uma delegação para representar o Congresso Nacional durante a realização da COP 22.
Hoje, no início da abertura da sessão do Congresso Nacional, eu estive com o Presidente do Congresso Nacional, Senador Renan Calheiros, avisei-o desta audiência que estaria se realizando e avisei-o da deliberação que tomaremos no sentido de formar a delegação brasileira que estará representando o Congresso Nacional durante a realização da COP 22.
Portanto, é com muita alegria que passamos a ouvir as palavras do Sr. Embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho.
O SR. JOSÉ ANTÔNIO MARCONDES DE CARVALHO - Muito obrigado, Senador. É novamente uma satisfação estar aqui nesta Comissão para podermos discutir um assunto de tanta importância como é e será o Acordo de Paris e essa luta da humanidade contra a mudança do clima.
O senhor recordou o ocorrido na semana passada, que realmente foi uma oportunidade ímpar de um novo negociador chefe do Marrocos, ou negociador chefe da COP, quem presidirá os trabalhos substantivos da Conferência de Marrakesh, estar presente no momento da aprovação por esta Casa do Acordo de Paris, abrindo a porta para que o Governo Federal possa efetivamente ratificar, depositar o seu instrumento de ratificação do acordo. Então, foi uma coincidência muito feliz.
O Embaixador Mekouar pediu-me que estendesse novamente os seus agradecimentos pela sua generosidade de conduzi-lo até o plenário e de tê-lo feito assistir, ao vivo, em cores, y en directo, como se diz em espanhol, às deliberações do Plenário e à aprovação final, por esta Casa, do Acordo de Paris.
Eu acho que foi muito importante a reação do Congresso Nacional, tanto na Câmara quanto no Senado, a celeridade com que o tema foi tratado, o que reflete a importância do tema.
Acho importante também creditar a essa importância o efeito evolutivo das posições brasileiras e a constante presença que temos tido de representantes do Congresso Nacional nas várias COPs. Então, fico muito satisfeito de poder ouvir de V. Exª a indicação de que, sim, mais uma vez, nós teremos uma delegação importante de Parlamentares participando desta nova Conferência das Partes. E agora se abre a perspectiva de o Brasil ser um dos primeiros, se não o primeiro grande país, a depositar o seu instrumento de ratificação.
Até ontem, eram 22 os países. Hoje, um novo país ratificou o acordo, depositou o seu instrumento de ratificação em Nova York, a Comunidade das Bahamas. Esse documento foi depositado em Nova York, perfazendo hoje 23 países que já depositaram seu instrumento de acessão, ratificação ao acordo.
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Apenas para recordar, Senador, pelo próprio Acordo de Paris, exige-se que sejam dois os quesitos para que entre em vigor o acordo: 55 países; e o outro elemento é que também sejam 55, mas 55% das emissões globais em países que, conforme esse número, possam estar. Então, esse duplo requisito para a entrada em vigor do acordo esperamos que o Brasil atenda o mais prontamente possível. E o Brasil, certamente, se puder depositar o mais rapidamente possível o seu documento de ratificação, terá sequência lógica o papel que o País desenvolveu nessa negociação e o protagonismo que vem tendo em todo o tempo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ ANTÔNIO MARCONDES DE CARVALHO - Não, eu sei.
Então... (Pausa.)
Então, Presidente, eu mencionava o fato de o Brasil poder ser o simbolismo que representará essa ratificação, sendo um dos principais países neste tema: o protagonismo que o Brasil vem tendo e toda a ação do Brasil durante o processo negociador. E um processo negociador que, convenhamos, não foi um processo simples, não foi um processo que começou em Paris; ele culminou em Paris. Eu acho que poderíamos até...
Há um tempo, eu conversava com o Deputado Sirkis e fizemos reminiscências a respeito da evolução das negociações e da evolução das posições brasileiras nesse quadro. E concordamos que a Conferência das Partes em Durban, na África do Sul, que foi a 17ª COP- não é verdade, Deputado? -, a Conferência das Partes da UNFCCC, foi um grande ponto de inflexão nessa negociação, quando se encarregou a formar um grupo de trabalho, um grupo ad hoc que justamente trabalharia a negociação de um acordo, de um protocolo, com força legal e aplicável a todos os países. Esse elemento é que foi o grande diferencial, o grande ponto de viragem. E, felizmente, chegamos a Paris com condições de assinar, de concluir essa negociação.
O Acordo de Paris é efetivamente um marco global. Ele é efetivamente um ponto importantíssimo nos esforços multilaterais, justamente para a construção de um reforço do regime existente.
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Então, esse marco, que é ambicioso, equilibrado e duradouro, abre a possibilidade de nós deixamos de apenas legislar, sairmos de uma fase meramente legislativa e entrarmos na parte efetivamente de ações e de atuações. Esse acordo, efetivamente, representa, como eu mencionei, um grande êxito para o multilateralismo e é, sem dúvida, sem qualquer dose de exagero, a ferramenta mais potente que nós temos para responder aos desafios que hoje se colocam sobre a mudança do clima. Então, o acordo fortalece a Convenção, uma convenção de 1992, fortalece o regime existente e passa a trabalhar com posições que foram denominadas as Contribuições Nacionalmente Determinadas por cada país. Essas ações vão sendo desenvolvidas.
Eu tenho certeza de que o Dr. Santhiago abundará mais sobre este tema, mas a documentação que o Brasil colocou no ano passado, tornando público em setembro o seu compromisso, a sua meta nacional, a sua contribuição nacional pretendida, é de que a nossa redução seja de 37% em 2025 e de 43% em 2030. Mais do que essas metas e esses números ambiciosos, eu acho que é importante também relembrar que o Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a colocarem objetivos para o escopo de toda a sua economia - não metas setoriais, mas, sim, reduções para o âmbito de toda a sua economia -, o que foi um ato que permitiu um maior protagonismo da nossa parte, inovando, colocando um novo tom de como os países deveriam e poderiam atuar nessa situação. Então, essas nossas INDCs, que são compromissos internacionais para todo o âmbito da nossa economia, não são meramente ações setoriais. São os 43% em 2030 e os 37% em 2025, comparados a partir de um ano-base de 2005. Então, essas são as nossas metas.
Evidentemente, é um trabalho que começa a ter continuidade aqui, no Brasil, de como nós implementaremos as metas e trabalharemos um extenso menu de possibilidades que estão incluídas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas pelo Brasil e inscritas nas Nações Unidos. Então, hoje, apesar de a vigência desse acordo, a atuação desse acordo ser de 2020 em diante, já o Governo Federal vem trabalhando, fazendo os contatos não só aqui, na Esplanada dos Ministérios, mas também com entes subnacionais, conversando com os Estados, com os Municípios e também com os atores econômicos e sociais, justamente para garantir que esses nossos objetivos sejam levados à sua totalidade.
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Então, essa articulação é extremamente importante; a participação do Congresso Nacional, desta Comissão, em específico, é muito importante, porque são um ponto de apoio, de cobrança e de fiscalização para que essas metas sejam, efetivamente, levadas a efeito e possamos trabalhar.
A COP de Marrakesh é extremamente importante, mas eu gostaria de me deter, Sr. Presidente, se eu não estiver falando demais, um pouco em qual é o tipo de acordo que nós fechamos em Paris e algumas das tarefas que ainda serão necessárias de serem definidas. São alguns detalhes técnicos extremamente importantes, mas eu gostaria, a partir da compreensão de como funcionará esse acordo, de que nós pudéssemos ter uma ideia do que ainda precisa ser regulamentado.
Eu colocaria, em termos muito gerais, que o Acordo de Paris tem normas muito claras, mas ainda deixou alguns pontos para serem regulamentados a partir de agora. É um esforço que já começou, a partir dos órgãos subsidiários da Convenção do Clima, justamente para nós podermos chegar, em 2020, com plenas condições de todos esses aspectos estarem concluídos e podermos, justamente, trabalhar os momentos seguintes.
O acordo prevê um processo cíclico de atuação a partir das Contribuições Nacionalmente Determinadas. Essas contribuições foram apresentadas a partir do ano passado, quando os países foram apresentando os seus objetivos, as suas metas. Mas o importante é que não se trata de um acordo estático; ele prevê que essas metas, essas contribuições nacionais venham sendo renovadas por diversos ciclos e possam sempre ter uma mirada mais ambiciosa e abrangente. O que eu quero dizer com isso? Que cada país deverá buscar a forma mais ambiciosa em termos de redução das suas emissões.
Depois eu me refiro aos outros aspectos do Acordo de Paris, porque o Acordo de Paris não é apenas um acordo que trata da redução das emissões antropogênicas. É um acordo que versa também sobre adaptação, sobre meios de implementação, sobre transferência de tecnologia, sobre financiamento. Então, ele tem todos esses aspectos.
Todavia, um primeiro estágio que nós teremos agora será um diálogo facilitado...
Como é que se diria isso, Secretário Felipe?
(Intervenções fora do microfone.)
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O SR. JOSÉ ANTÔNIO MARCONDES DE CARVALHO - Um diálogo facilitador em 2018.
O que é esse diálogo facilitador, que está previsto no art. 4º do Acordo de Paris? É que ele permita que os países possam ter uma oportunidade de avaliação do que vem sendo feito. Não é um diálogo voltado para que se apontem culpados ou inocentes. Não é um concurso de beleza, mas uma maneira de que os países possam entender melhor o que está sendo feito e, seguramente, o que deverá ser feito.
Eu acho que o Secretário-Geral das Nações Unidas falou de uma forma muito clara na conclusão do Acordo de Paris, e isso virou voz corrente, ou seja, que Paris não é o final de uma rota, mas o início de um grande trabalho que deverá ser feito.
Então, esse diálogo facilitador deverá ajudar a que os países entendam melhor como está a sua situação e possam ver se nós estamos nos aproximando, efetivamente, das metas que foram previstas no Acordo de Paris. Assim, esse diálogo poderá deixar claro qual a direção em que os países estarão atuando nesse sentido.
Num outro momento, que seria um segundo ciclo de INDCs, de Contribuições Nacionalmente Determinadas, na terminologia em inglês, deverá haver uma nova rodada de apresentação de contribuições para isso. E, aí, começamos com alguns dos aspectos que faltam ser regulamentados, aqueles pontos a respeito dos quais o Acordo de Paris não chegou a entrar nesses detalhes e solicitou que esses trabalhos venham a ser feitos pelo grupo ad hoc do Acordo de Paris ou pelos órgãos subsidiários da Convenção.
Um deles é exatamente como regulamentar a questão dos tempos, ou seja, qual será... Porque houve países que apresentaram as suas metas, as suas contribuições nacionais, com prazos de dez anos; outros países, como o Brasil, que apresentaram as suas metas de cinco anos. Então, nós teremos o trabalho, que deverá ser feito, justamente para permitir essa compatibilização, esse sincronismo de apresentações de contribuições nacionais. Esse é um elemento extremamente importante que deverá ser feito.
Depois, em outro momento, já a partir do ano de 2023, nós deveremos ter uma apreciação global de como o acordo está funcionando no momento da implementação das contribuições. Então, isso vai permitir, também, de uma maneira mais informada, que nós, a partir do diálogo facilitador de 2018, que em 2023 nós tenhamos uma avaliação global do desempenho desse acordo.
Mas eu mencionava que o acordo não versa específica e unicamente sobre mitigação. Ele versa sobre adaptação, versa sobre como deverá - e são aspectos que ainda deverão ser regulamentados - se dar a questão dos meios financeiros para a implementação tanto das metas de adaptação quanto das metas de redução de emissões, e um mecanismo de desenvolvimento e transferência de tecnologia.
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Então, temos aí uma série de tarefas que deverão ser implementadas. Alguns órgãos, aqueles que têm mais familiaridade com o tema, já deixarão as páginas das crônicas do clima. O ADP (Ad Hoc Working Group on the Durban Platform) ou Grupo Ad Hoc de Durban deixa de existir, e entra em cena o Grupo Ad Hoc do Acordo de Paris. Então, o ADP cede lugar ao APA, que terá o grosso das responsabilidades em desenhar esse mapa de ações.
Eu já mencionei que há diferenças de posições nas metas apresentadas no ano de 2015, de buscar essa uniformidade, de orientar os países a trabalharem isso, justamente até para permitir maior comparabilidade acerca do que vem sendo feito. O Grupo de Paris também deverá trabalhar regras de contabilização do que estará sendo realizado. Ele deverá trabalhar também, apesar de o acordo ter algumas regras sobre princípios de transparência, alguns detalhes práticos de transparência em todos os aspectos, e não apenas em matéria de ação climática efetiva pelos países. Deverá também trabalhar regras de transparência pela disponibilização de meios financeiros e da implementação disso.
Eu gostaria de ficar por aqui, Sr. Presidente, para permitir que tanto o Dr. Adriano quanto o Deputado Sirkis possam entrar em outros detalhes que eu teria deixado passar.
Novamente ressalto a importância da pronta ratificação, por parte do Governo brasileiro, do Acordo de Paris. Hoje, repito, temos 23 países que fizeram esse depósito, ainda faltam 22. Há o outro quesito de entrada em vigor do acordo, que são os 55% de emissões globais. Ainda necessitamos de 54%, temos apenas 1% hoje. Apesar de termos 23 países, é apenas esse o cômputo desse segundo elemento.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ ANTÔNIO MARCONDES DE CARVALHO - A projeção é otimista, mas é um otimismo que depende de como os outros países vão atuar. As informações que recebemos das nossas embaixadas e de contatos com colegas de outros países é de que existe uma grande possibilidade, anunciada já, tornada pública já, tanto pelos Estados Unidos como pela China, de depositar seus instrumentos de acessão e ratificação logo no início de setembro.
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Outros países poderão ainda demorar um pouco mais. Por exemplo, a França já concluiu seu processo interno de ratificação, o seu parlamento já aprovou o Acordo de Paris, porém a União Europeia pretende fazer o depósito dos seus instrumentos apenas quando todos os seus membros assim estiverem em condições. Então, pode ser um processo que demore um pouco mais.
Não seria de se descartar a possibilidade de que o Acordo de Paris possa estar em vigência já, antes, durante ou pouco depois da COP. Isso terá implicações, mas o importante é que há uma mobilização internacional nesse sentido. O próprio Secretário-Geral das Nações Unidas deve promover um novo evento agora, em setembro, coincidindo com a abertura do debate geral da 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas, um evento pró-ratificação. Então, espera-se que, nessa ocasião, muitos países possam também depositar seus instrumentos de ratificação. Seguramente, esse número de 55 países poderá ser vencido. Resta ver ainda o outro elemento, ou seja, se o percentual estará ou não preenchido. Acho que há uma luta contra o relógio coletiva, vamos dizer assim, internacional, no sentido de podermos, o mais rapidamente possível, colocar em vigência o Acordo de Paris.
Então, termino por aqui, Presidente. Estarei à disposição para responder eventuais perguntas.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Muito obrigado, Embaixador.
Passo a palavra ao Adriano Santhiago, Secretário Substituto do Ministério do Meio Ambiente.
O SR. ADRIANO SANTHIAGO - Muito obrigado, Deputado Daniel Vilela, Presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas.
Eu gostaria de saudar o Senador Fernando Bezerra, Relator desta Comissão, na pessoa de quem saúdo a todos. É uma honra mais uma vez representar o Ministério do Meio Ambiente aqui, nesta Comissão. Aqui represento o Secretário Everton Lucero, que substituo durante esta semana em que ele está afastado. Agradeço, mais uma vez, pelo convite.
Eu gostaria de inicialmente me juntar ao fato mencionado pelo Embaixador José Marcondes Carvalho, líder dos negociadores para o Acordo de Paris. Saúdo também o Deputado Sirkis e me junto no agradecimento ao Congresso Nacional pela aprovação do Acordo de Paris em caráter de urgência. É claro que termos a experiência de Parlamentares no Poder Executivo, como o Ministro Sarney Filho, e como o Ministro José Serra no Itamaraty facilita bastante esse diálogo. Destaco ainda a importância do próprio movimento, da Campanha Ratifica Já, apoiada pelo Ministro Sarney desde o seu lançamento, desde o seu início. Com isso, obviamente, agradeço também à Comissão Mista de Mudanças Climáticas, que, além do Acordo de Paris, trata de assuntos de alta relevância sobre o tema de mudanças do clima, nesta Casa.
Acho que vale mencionar alguns pontos desse trâmite urgente que aconteceu nesta Casa. O Acordo de Paris foi aprovado pela Conferência em dezembro de 2015 e, em seguida, em abril, houve a assinatura do acordo pelo Poder Executivo. Tivemos a aprovação pela Câmara dos Deputados em 12 de julho, um mês depois, e, há pouco menos de duas semanas, a aprovação no Senado Federal. Entre Paris e a aprovação no Senado, que dá um importante passo para a ratificação a ser feita em seguida, são oito meses.
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Se nós compararmos com o processo do Protocolo de Quioto, que é outro instrumento importantíssimo da Convenção, a aprovação por decreto legislativo do protocolo aconteceu em 2002, cinco anos depois da adoção pela COP. Realmente, isso mostra o tratamento diferente que foi dado ao acordo. É claro que a realidade é outra, o contexto geopolítico é outro, passados esses anos, mas a diferença realmente é gritante.
Aproveitando, já que tocamos no Protocolo de Quioto, eu faço um pedido a esta Casa também para que aprecie, com a celeridade possível também, a Emenda de Doha, que trata do segundo período do Protocolo de Quioto. Eu me junto novamente ao Embaixador Marcondes. Nós esperamos tranquilamente que o Acordo de Paris passe a vigorar o mais rápido possível, mas o fato é que hoje o instrumento em vigor no âmbito da Convenção é o Protocolo de Quioto, e precisamos dessa ratificação também.
É claro que essa celeridade nesse processo todo envolve também a própria sociedade brasileira. Eu acho que devemos louvar o engajamento da sociedade no tema de mudança do clima, mostrando um consenso de que é um assunto importante. Então, o Brasil, com a sua Contribuição Nacionalmente Determinada, referida aqui pelo Embaixador Marcondes, extremamente ambiciosa, se junta aos esforços mundiais para tentar manter o aumento da temperatura global média do Planeta abaixo dos 2ºC até o final de século. Ao mesmo tempo, eu acho que há um amadurecimento também da sociedade brasileira em encarar a oportunidade que o Acordo de Paris representa, a oportunidade que a Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil representa, para redirecionar o próprio desenvolvimento do País, buscando um desenvolvimento socioeconômico com atividades que procurem manter o perfil de economia de baixo carbono que o Brasil já alcançou.
Sobre a entrada em vigor, o Embaixador já mencionou. Nós temos os dois critérios para serem atingidos. Hoje, nós temos 23 partes com cerca de 1% das emissões totais, sendo necessário chegar a 55 partes com 55% das emissões, de acordo com uma tabela acordada também em Paris, que é o documento oficial que deve ser seguido para essa contabilidade. Nós teríamos China e Estados Unidos, com essa possibilidade forte de ratificação rápida também, aqui referida pelo Embaixador Marcondes, com cerca de 38% das emissões desses países somados. Para se chegar aos 55% - considerando só os países que têm uma contribuição acima de 7%, não vou considerar os outros -, se pegarmos o conjunto de países acima de 7%, nós precisaríamos de Rússia, que tem um pouco mais de 7% da contribuição, e chegaríamos a cerca de 45%, e mais a própria União Europeia, também mencionada pelo Embaixador Marcondes, que hoje tem uma contribuição de 12%. Considerando o ex-Estado-membro, hoje parte da União Europeia, isso pode modificar, de acordo com a decisão tomada recentemente. Aí, sim, seria possível chegar aos 55%.
O importante aqui em relação à aprovação pelo Brasil é que, em termos de peso nas emissões mundiais, representa muito pouco. De acordo com essa tabela acordada na Conferência de Paris, o Brasil contribuiria com 2,48% das emissões totais, mas há de se reconhecer a importância da aprovação pelo Brasil e da subsequente ratificação que virá em seguida, dados o peso político que o País na própria negociação internacional da mudança do clima e o peso na geopolítica, na questão socioeconômica do Planeta como um todo. E o Brasil chega com esse nível baixo de emissões, mas com resultados bastante significativos de ações que nós já fizemos e outras que também estão colocados na nossa INDC.
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Eu destacaria, de 2004 a 2015, a queda brutal no desmatamento da Amazônia. Chegamos a quase 80% de queda no desmatamento nesse período.
Eu destaco a própria participação de energia renovável na matriz energética do Brasil. Se observarmos dados de 2014, mais recentes, publicados pelo Ministério de Minas e Energia, contamos com cerca de 40% de renováveis na nossa matriz, com a indicação na nossa INDC de que é possível, em 2030, chegar a 45%. E, para comparar, a promessa da União Europeia para 2030, o mesmo ano a que eu me refiro aqui para o Brasil, é chegar a 27%; e a China, a chegar, em recursos não fósseis, em 2030, a 20%. Quer dizer, hoje já temos 40%, e estamos prometendo 45% para 2030.
Esse resultado todo leva à maior redução alcançada de 2005 a 2012, se comparado com qualquer país no mundo ou grupo de países. Quanto aos 41% que o Brasil reduziu de 2005 a 2012, nenhum país conseguiu alcançar esse nível de redução. E é claro que isso não significou uma parada do Brasil em termos de ambição para o futuro.
Como o Embaixador mencionou, a nossa INDC é superambiciosa. Ela sai do contexto de Copenhague, em que nós tínhamos a informação de ações setoriais, e, com base num desvio tendencial de emissões, no jargão da Convenção Business As Usual, agora saímos para uma INDC em termos absolutos de redução de emissões, numa modalidade para a economia como um todo.
Isso traz desafio muito grande e não furtou o Brasil de apresentar ações importantes, como o Desmatamento Ilegal Zero da Amazônia até 2030, o reflorestamento e a restauração somados de florestas em cerca de 2 milhões de hectares, até 2030. Enfim, o País apresentou números superambiciosos. Nós já tivemos oportunidade de tratá-los aqui, mas nunca é demais lembrar isso.
Esperamos que esse exemplo que o Brasil deu na rapidez de aprovação do Acordo de Paris - e que, claro, de novo, ainda resta ratificar, mas estamos próximo disso - seja seguido por outros países também. Como eu mencionei, há países aqui que representam sete vezes, oito vezes as emissões brasileiras. E esperamos que esses países também se juntem nesses esforços pela ratificação.
Eu acho que vale falar aqui mais um pouco sobre a COP 22. Como o Embaixador Marcondes já mencionou, ela vai ser a primeira COP que vai tratar da regulamentação do Acordo de Paris. Ela veio imediatamente à conferência do ano passado. Já tivemos uma reunião intermediária em Bonn, na Alemanha, em maio, mas, como Conferência das Partes, vai ser o primeiro passo para a regulamentação. Então, eu acho que esse fato por si já justifica a relevância da próxima conferência.
É claro que, de novo, eu quero deixar aqui a diferença de contexto entre o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, a exemplo do que nós tínhamos em Copenhague e Paris em termos de ação para o Brasil...
(Soa a campainha.)
O SR. ADRIANO SANTHIAGO - ... também, comparando-se ao protocolo, nós tínhamos compromissos quantificados de redução e limitação de emissões para países do Anexo I, países desenvolvidos; agora, nós temos, dentro de uma perspectiva top-down, em que se tinha definido um número, uma meta mundial, e essa meta era distribuída entre os países, agora, nós saímos dessa lógica e vamos para a lógica bottom-up, em que os países apresentam, de maneira soberana, a sua Contribuição Nacionalmente Determinada. Essa abordagem é diferente, é preciso ser tomada em conta, mas vale uma observação de comparação entre o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, de nós termos um pouco da experiência do que foi regulamentado no Protocolo e tomarmos como exemplo para a regulamentação do Acordo de Paris.
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Na nossa visão, Marrakesh vai ter um pouco do papel que Buenos Aires teve após a adoção do Protocolo de Quioto. A COP seguinte foi a COP de Buenos Aires. Naquela COP foi adotado um plano de ação, chamado Plano de Ação de Buenos Aires. Então, na minha opinião, Marrakesh vem a ser um pouco isto: o ponto de partida para a regulamentação, a exemplo do que aconteceu no passado.
A curiosidade agora é que Marrakesh, que em 2001 foi um ponto de chegada dentro desse plano de ação, vai acabar sendo agora um ponto de partida para essa regulamentação. Lembrando que, naquela ocasião, em 2001, na Conferência de Marrakesh, foi possível preparar um pacote de decisões para a reunião das partes do Protocolo de Quioto, quando ele entrasse em vigor - da mesma forma, havia critério para a entrada em vigor do protocolo -, e Marrakesh preparou os chamados Acordos de Marrakesh, um pacote de decisão que seria adotado quatro anos depois, na Conferência do Canadá, em 2005.
Talvez, claro que não dá para antecipar as negociações aqui, e aí o Itamaraty tem muito mais propriedade do que eu para falar, mas alguma coisa parecida pode acontecer nesse sentido, talvez uma preparação de um pacote de decisões para quando o Acordo de Paris entrar em vigor, a exemplo do que aconteceu no passado também. Então, nós temos regulamentações importantes a serem consideradas.
Sobre a preparação nacional para a COP 22 e a interface com a própria INDC, o Embaixador Marcondes já mencionou vários elementos importantes de negociação aqui para regulamentação, na discussão de INDCs, nós não teremos uma negociação específica sobre INDC de país A, B ou C. Isso já está dado. Como muito bem o Embaixador mencionou, nós teremos um processo facilitador de consideração dessas INDCs em 2008, e, em 2023, o processo acordado também no Acordo de Paris, o chamado Global Stocktake, porque vamos ter oportunidade de considerar não só os objetivos para o alcance da meta de temperatura, mas também temas de meios de implementação, temas de adaptação, e vamos ter a possibilidade de fazer o exercício global para trazer para casa uma reflexão. E, como sempre foi feita tanto para a elaboração da INDC como para sua implementação, agora, também, esse vai ser um processo que necessariamente envolve a sociedade brasileira nos seus entes subnacionais, no setor privado, ONGs, enfim.
As INDCs também têm elementos importantes de negociação de processos a serem considerados. O Secretário Felipe pode falar com muito mais propriedade do que eu aqui dessas negociações.
Mas o que eu gostaria de destacar aqui, seguindo para o encerramento desta minha fala inicial, é que há uma estratégia em elaboração, em que o Ministério do Meio Ambiente está envolvido em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores e com outros Ministérios setoriais importantes. A exemplo do que aconteceu na elaboração da INDC, há contatos muito próximos dos Ministérios setoriais importantes em termos de emissões de gás de efeito estufa. Nós temos conversado com o Ministério de Minas e Energia, com o Ministério da Agricultura, temos iniciado diálogos importantes com o setor privado, com as organizações não governamentais. Essa estratégia está sendo elaborada e esses diálogos continuarão ao longo do final deste ano de 2016, também em 2017, mas com vistas a ter a participação da sociedade nesse desafio complexo para o País.
Um exemplo de articulação que já aconteceu, envolvendo o próprio MMA e o próprio Itamaraty, se não me engano, no mês passado: o Chanceler Serra e o Ministro Sarney Filho tiveram uma reunião com o Secretário de Meio Ambiente dos Estados, já procurando engajá-los nessa estratégia de implementação da INDC, nessa estratégia de busca de financiamento da INDC.
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Mais uma vez, é importante frisar aqui a participação do setor privado. Vamos precisar muito do setor privado auxiliando no atingimento dos nossos compromissos, mas, independentemente disso, a implementação da nossa contribuição já começou. Podemos destacar alguns exemplos aqui, tanto exemplos de regulamentação na própria Casa. Nós tínhamos aqui a Lei de Biodiesel, em que aumentamos a participação de biodiesel no diesel para 7%, e escalonadamente vamos chegar a 10% - isso foi feito neste ano. Podemos encarar isso como uma contribuição para a meta de alcançar 18% de participação de biocombustíveis sustentáveis em 2030. A meta é 18%.
Então, essa lei já mostra um processo de implementação, independentemente de o acordo entrar em vigor ou não; a própria quarta fase do plano de ação de combate ao desmatamento na Amazônia, que é o PPCDAm, que se inicia agora e obviamente está sendo totalmente alinhado com a nossa INDC; o programa de monitoramento de biomas; a importância deste ano e do ano que vem para o plano de ação de combate ao desmatamento no Cerrado, o PPCerrado; enfim, várias ações já estão sendo tomadas pelo Governo brasileiro em termos de implementação da INDC.
Acho que essas são as minhas palavras iniciais, Deputado.
Também me coloco à disposição para a discussão que acontece em seguida.
Muito obrigado mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Obrigado, Adriano.
Passo a palavra ao nosso querido Alfredo Sirkis, ex-Parlamentar, ex-integrante desta Comissão, para que possa também trazer as suas informações e manifestações.
O SR. ALFREDO SIRKIS - Boa tarde a todos.
Eu acho que o fato de o Congresso Nacional ter aprovado em tempo recorde a ratificação do Acordo de Paris foi uma coisa extremamente importante. Quando nós lançamos, há dois meses, a campanha do Ratifica Já, nem nos nossos sonhos mais delirantes imaginamos que seria possível um processo tão rápido. Eu dizia para quem me consultava que, realmente, estava muito otimista que pudesse haver essa ratificação antes de novembro, antes da Conferência COP 22. Então, realmente estão de parabéns o Deputado Daniel Vilela, o Senador Fernando Bezerra e o Deputado Evandro Gussi, que foram extremamente competentes e prodigiosos mesmo, eu diria, na rapidez que imprimiram a esse processo e no ecumenismo do processo.
Imagine que aqui, no Senado, a lei da ratificação, na Comissão de Relações Exteriores, foi relatada pela Senadora Kátia Abreu, que tem relações difíceis, digamos assim, com o movimento ambientalista - no entanto, ela entendeu a importância da questão climática e vem entendendo a questão da agricultura de baixo carbono -, numa sessão presidida pelo Vice-Presidente, nosso querido Senador Jorge Viana, no momento de grande crise política, efervescência, uma certa hostilidade nas relações políticas em geral no País, e houve, no Congresso Nacional, a consciência de que aquilo era uma coisa que se colocava acima de qualquer outra questão, acima de outra consideração qualquer.
Então, acho que isso foi de extrema importância. Eu, como brasileiro, fico orgulhoso de fato. Se, nos próximos dias, o Brasil assinar, o Presidente da República oficialmente assinar aquilo que o Congresso Nacional já autorizou, nós vamos ser o primeiro país de grande economia a ratificar o Acordo de Paris, e, como foi muito bem dito aqui, embora o Brasil seja responsável por 2,5% das emissões, a importância política do Brasil, desde 1992, da Rio-92, quando a Convenção do Clima foi aprovada e quando a comunidade internacional começou, de fato, a lidar com esse problema, a importância do Brasil tem sido, sempre, a cada momento, em Quioto, em Copenhague, em Durban, agora em Paris, muito importante. Então, eu realmente me congratulo.
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Ao mesmo tempo em que eu me congratulo, eu tenho que dar aqui um choque de realidade e lembrar que as notícias, em geral, sobre o processo de mudanças climáticas realmente não são boas. Eu diria que elas são extremamente preocupantes, porque vêm se confirmando, de forma sistemática, os cenários piores que o IPCC, que congrega dez mil cientistas de praticamente todos os países, vem colocando. Vêm se confirmando os cenários piores. Este ano vai ser o ano mais quente da história da Humanidade - 2015 já foi, 2014 já foi, 2013 já foi -, e todos os meses deste ano, com exceção de um único mês, foram os meses mais quentes da história da Humanidade desde que isso começou a ser medido.
Então, é um processo altamente preocupante. O Observatório de Mauna Loa, no Pacífico, já detectou uma concentração de gases de efeito estufa na atmosfera da ordem de 407ppm., e o que é compatível com um cenário de dois graus numa hipótese otimista é 450ppm. Já houve um aumento de praticamente um grau.
Então, realmente, a situação é dramática. Ela se reflete, nos últimos dias, nesses incêndios com alcance sem precedentes que acontecem na Califórnia, em inundações em outras partes dos Estados Unidos, enfim, todo mundo que vê televisão tem visto como, a cada dia que passa, se confirmam os prognósticos mais preocupantes a respeito de mudanças climáticas, sem falar de uma coisa que a ciência não conseguiu concluir até hoje de forma clara, que é o alcance dos chamados efeitos exponenciais, que são a liberação de metano no Polo Norte, na Groenlândia, no permafrost da Siberia e vindo do fundo dos oceanos, que é uma coisa altamente preocupante, e a escala exata, precisa, ainda não é conhecida, como também a perda da capacidade de absorção do carbono por parte dos oceanos, que absorvem metade do carbono que é emitido, e das florestas tropicais.
Hoje em dia, temos visto, evidentemente sem nunca subestimar o poder destruidor da motosserra, que um dos maiores problemas da Amazônia já é o efeito de mudança climática, com secas como as que nós tivemos em 2005 e em 2010, seguidas de inundações em outros anos. E, nos anos de seca, a Amazônia, por um processo natural, que não é inclusive computado como sendo emissões brasileiras - é considerado, de alguma forma, natural -, a própria floresta emite espontaneamente quase uma gigatonelada de CO2. Então, é uma situação preocupante.
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Outro dia, eu estava falando com o Professor Carlos Nobre, que considero, se não o maior, um dos maiores especialistas brasileiros em mudanças climáticas, e ele me falou: "Olha, Sirkis, eu fico muito preocupado porque acho que nós não gritamos suficientemente alto. Nós, cientistas, muito preocupados com as acusações por parte de alguns negacionistas climáticos, somos muito preocupados em ter o absoluto rigor científico, e, antes de dizer uma coisa, nós, de alguma forma, subestimamos, ao longo dos anos, a gravidade do que está acontecendo, sobretudo em relação à questão do nível dos oceanos".
Então, ao dizer isso, eu lembro que, se todos os INDCs apresentados no ano passado, ligados ao Acordo de Paris, até previamente ao Acordo de Paris, forem cumpridos religiosamente, em 2030, ainda sobrarão 15 gigatoneladas a mais do que os cientistas analisam seria um caminho tangencial na direção do aumento de temperatura média do Planeta não ultrapassar os dois graus. São 15 gigatoneladas; quer dizer, uma China e meia de emissões a mais, ainda se todo mundo cumprir religiosamente aquilo com que se comprometeu nos INDCs.
Então, é a tal história: Paris é, ao mesmo tempo, o copo meio cheio e meio vazio. O meio cheio foi dito aqui: de fato, pela primeira vez, realmente, a Humanidade se dotou, no âmbito diplomático, que é apenas um dos campos de luta, de instrumentos com a capacidade de eles serem crescentes no tempo.
Agora, isso é apenas uma oportunidade. Isso é apenas uma possibilidade. Nós não sabemos de fato o que vai acontecer. E eu venho insistindo muito que uma questão chave é a questão de se ter realmente uma economia alinhada com esse grave problema da Humanidade. A economia tem que estar alinhada por um lado; ou seja, a dinâmica da economia tem que ser amigável em relação ao que se persegue em matéria de mudanças climáticas, e, por outro lado, nós temos que resolver a quadratura do círculo, até agora, de como será o financiamento da transição para economias de baixo carbono, nas próximas décadas, e economias de carbono neutro já a partir da metade do século, em 2060, por aí, e realmente chegar a uma situação em que aquilo que é emitido e aquilo que é removido da atmosfera se equivalham.
Então, esse é um desafio gigantesco, porque, quando falamos da discussão de financiamento dentro da UNFCCC, esse talvez seja um dos maiores problemas, a maior carência, o calcanhar de Aquiles, eu diria, do processo da ONU, quando se fala de financiamento...
(Soa a campainha.)
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O SR. ALFREDO SIRKIS - ... se pensa em US$100 bilhões por ano ou no máximo US$120 bilhões por ano, quando a demanda da economia global para essa transição é uma demanda de US$3 trilhões por ano.
Ou seja, de onde virá esse dinheiro, num momento em que os governos todos quase têm déficit, todos praticamente estão bastante endividados? Então, essa é uma grande questão, cuja resposta é da magnitude do momento em que surgiu a moeda, para de alguma forma superar economicamente o escambo, a troca. Aí um metal que não valia absolutamente nada, não servia para fazer ponta de flecha, não servia para fazer ponta de lança, não servia para fazer utensílios, que era o ouro, de repente virou o símbolo de uma série de outras mercadorias que passaram a ser trocadas por ele.
Depois houve um outro momento da história da humanidade em que essa mesma quantidade de metal, que simbolicamente, no imaginário da Humanidade, representava uma agilização do escambo, passou a ser representado por papel, por papel-moeda. Então, foi um segundo momento.
Depois disso, tivemos uma série de outras inovações tecnológicas, com uma correspondência simbólica, e agora temos que ter a assimilação, dentro desse mesmo processo, de que a redução de carbono tem um valor econômico intrínseco.
E o Brasil está na vanguarda desse processo, na medida em que o Brasil foi o país que de fato propôs algo que foi gestado nesta Comissão aqui - nesta Comissão -, que acabou resultando no §108 da Decisão de Paris, que é algo que precede, é o preâmbulo, digamos, do Acordo de Paris, e já entrou em vigor. Entrou em vigor no momento final da Conferência de Paris.
Então, esse artigo diz o quê? Ele diz que as atividades de mitigação, ou seja, a redução e a remoção de carbono da atmosfera têm valor social, têm valor econômico. Esse foi o primeiro passo, quando 196 governos anunciam ao mundo que reduzir ou remover carbono da atmosfera tem um valor econômico intrínseco. Agora cabe, de fato, transformar isso em mecanismos financeiros.
E isso é uma coisa também que transcende a ONU, é uma coisa de que evidentemente a ONU participará, mas é uma coisa em que o G-20 vai ter que se envolver, em que os bancos centrais dos países vão ter que se envolver, em que os grandes bancos de desenvolvimento internacionais vão ter que se envolver. Isso é, por assim dizer, uma Bretton Woods do baixo carbono. Em 1944, no final da Segunda Guerra Mundial, a Humanidade, naquele momento representada pelos governos dos países que enfrentaram o nazifascismo, se reuniu em Bretton Woods e traçou as grandes diretrizes de uma nova ordem financeira internacional, que, evidentemente com mudanças e variações, perdura até hoje. E o momento chegou para uma Bretton Woods do baixo carbono.
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Se nós achamos que o principal problema da Humanidade neste momento são as mudanças climáticas, porque elas agravam todos os outros problemas, inclusive provocando guerras, como a guerra civil na Síria, as migrações em massa, doenças novas que vão aparecendo, fora outras coisas mais óbvias que nós observamos todos os dias, como enchentes, secas, etc., então, se esse é o problema da Humanidade que vai agravar todos os outros problemas, tem de haver, de fato, uma resposta no nível de fundamentos da economia internacional.
O curioso é que isso é absolutamente convergente com uma necessidade crucial da macroeconomia global neste momento. Nós temos observado, não é segredo para ninguém, todos os economistas têm falado sobre isso, mas não conseguem chegar a uma conclusão, que a economia mundial, de certa forma, está estagnada. Isso é o chamado de processo de financeirização da economia. Hoje em dia, a maior parte do dinheiro que gira na economia internacional vai para os circuitos de especulação financeira. Então, se os governos, como eu falei, estão meio na lona, o sistema financeiro internacional gira cerca de US$220 trilhões.
Realmente, o grande desafio é duplo: ao mesmo tempo, uma economia que enfrente a questão das mudanças climáticas e uma economia que tenha um investimento produtivo. E as soluções são convergentes. Os mesmos mecanismos que levarão, se disponibilizarmos recursos em massa, ao se considerar que a redução de carbono representa um valor econômico - é quase como o ouro nos dias atuais -, esse mesmo processo é de grande investimento produtivo, gerador de empregos, gerador de uma melhor situação social nos vários países.
Como isso se reflete, basicamente, no Brasil? O Brasil é um país que tem oportunidades absolutamente fantásticas. Terá problemas enormes, porque somos fortemente atingidos pelo processo de mudanças climáticas, quer na Amazônia, quer no Nordeste, quer na Região Centro-Sul, de formas diferentes, mas atingido. Por outro lado, é um país que tem grandes oportunidades econômicas. Nós, para além do que nos comprometemos a fazer na nossa INDC, que é recuperar, através de reflorestamento, agricultura de baixo carbono e outras coisas, 32 milhões de hectares, ainda temos 28 milhões sobrando para oferecer ao mundo, para ajudar os outros países a eventualmente cumprirem as suas metas. Isso pode representar para o Brasil uma oportunidade econômica gigantesca. Nós somos um país muito bem situado para energias limpas, eólicas. A energia solar tem avançado no Brasil e está começando a avançar a biomassa, o etanol de segunda geração. Então, o Brasil é um país que tem oportunidades muito grandes. Nós temos de eletrificar o nosso sistema de transportes. Em Campinas, neste momento, está havendo uma experiência muito interessante. A Prefeitura conseguiu trazer uma fábrica de ônibus elétricos, de uma empresa chinesa que produz baterias, e já tem uma dúzia rodando pela cidade. Oferece um pequeno estímulo, até indireto, em cima do ISS, o que permitiu que Campinas atraísse essa empresa. Foi uma cidade brasileira que já deu o primeiro passo importante na eletrificação do seu sistema de transporte. E assim por diante.
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Então, o que eu quero dizer é que, por um lado, há enormes ameaças, por outro lado, a situação não é desesperadora, existem motivos de esperança, mas é o momento, certamente, de pensar grande, sobretudo de tentar matar essa charada no âmbito da economia, porque é aí realmente que a coisa vai se decidir. E eu acho que nós fizemos o nosso dever de casa. Em termos diplomáticos, o Brasil tem um papel importantíssimo. Quando participamos dessas reuniões, percebemos o Brasil muito mais avançado do que outros países. E chegamos aqui e recebemos a notícia de que o desmatamento, no último período, teve um rebrote, voltou a aumentar, o que agora, inclusive, está sendo feito de forma sistemática pelo crime organizado.
E há outros problemas. Nós falamos sobre o desmatamento ilegal até 2030, e eu acho que deveria ser antes. Nós temos que lidar com o desmatamento legal também. Na região do Cerrado, por exemplo, a reserva precisa ser preservada nas propriedades, para além das áreas de proteção permanente. A reserva legal é de apenas 20%.
Então, o desmatamento legal é possível, e não será contido por uma ampliação da reserva legal porque isso não passa aqui no Congresso, sabemos que não passa. Ele será contido pela criação de mecanismos econômicos que façam com que seja um melhor negócio você, de fato, manter a floresta onde ela poderia legalmente ser retirada, e reflorestar, reconhecendo os serviços ambientais prestados por aquele ecossistema e reconhecendo também, como foi dito aqui, o valor econômico na redução de carbono.
São algumas questões que eu quis colocar para vocês, para que possam refletir, porque serão muito importantes ao longo deste processo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Muito bom, Deputado. É sempre bom revê-lo e ouvi-lo aqui na Comissão.
Concedo a palavra agora ao nosso Relator, Senador Fernando Bezerra.
O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco/PSB - PE) - Meu caro Presidente, Deputado Daniel Vilela, primeiro quero cumprimentar os nossos convidados pelas exposições que aqui realizaram, trazendo contribuições muito importantes para a reflexão desta Comissão e para os trabalhos nossos nas próximas reuniões.
Eu gostaria de fazer alguns comentários, que ficariam em aberto para qualquer um dos palestrantes poder se posicionar antes das suas colocações finais.
Uma das coisas que eu acho que está colocada, já chegamos a discutir aqui na Comissão e em encontros que tive tanto com o Sirkis como com o Embaixador José Antônio, é que nós precisamos pensar de forma clara de que maneira vamos cumprir o nosso papel.
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Qual é o papel do Congresso Nacional, a partir da ratificação do acordo? Embora feita essa observação de que aquilo que foi acordado em Paris só começa a vigorar a partir de 2020, é evidente que as colocações feitas por Sirkis sobre o agravamento da situação do aquecimento global, pelos últimos relatos feitos pelas instituições que estão acompanhando a elevação da temperatura, nos obrigam a ter um protagonismo iminente. Nós não precisamos aguardar 2020.
Então, a pergunta é: que tipos de instrumentos poderiam ser colocados pelo Governo Federal para que o Congresso pudesse acompanhar a implementação daquelas metas? Aqui mesmo foram colocadas as oportunidades que se abrem em relação à energia limpa. Então, as metas colocadas pelo Governo brasileiro no sentido de que possamos antecipar a participação da energia solar, da energia eólica, da biomassa, digamos, a cada ciclo de cinco anos, usando-as cada vez mais, e possamos contribuir para uma redução de emissão ainda maior do que aquela que foi acordada. Então, que tipos de mecanismos poderiam ser desenvolvidos que permitissem ao Congresso Nacional acompanhar, fiscalizar, monitorar esse esforço, que não é só do Governo, mas também da sociedade, dos outros entes federados, de Estados e de Municípios?
Então, a primeira reflexão que deixo para os comentários dos nossos palestrantes está no papel que a Comissão e o Congresso, de forma particular, poderiam cumprir em relação à implementação dessas medidas pactuadas em Paris.
Ao Embaixador José Antônio, se o Brasil vai levar alguma posição específica em relação à COP 22. Há algum ponto que o Governo brasileiro queira colocar para o debate mais amplo, durante a reunião de Marrakesh, do ponto de vista daquilo que será ali debatido, tendo o Brasil sido reconhecido pelo Deputado Sirkis com um protagonismo muito forte em todas as outras COPs, a posição brasileira ser reconhecida internacionalmente como uma posição importante para a construção dos consensos? Eu mesmo quero dar aqui, mais uma vez, o testemunho da presença da Ministra Izabella Teixeira em Paris e a presença do Itamaraty. O José Antônio foi o nosso negociador chefe, mas houve a presença dos nossos chanceleres, que foram convocados também nesse esforço de mediar entre as diversas nações ali representadas. Então, a pergunta é se o Brasil, em função do desafio que está posto, tem algum tipo de contribuição a ser colocado para esse debate lá em novembro.
Outra questão: o Sirkis aqui abordou - e acho que essa é a questão realmente central - a questão do financiamento. Ele falou, digamos assim, do abismo que separa aquilo que está colocado como objetivo ou como coisa possível, exequível, que é a constituição de um fundo verde, que poderá chegar, no máximo, a US$100 bilhões por ano, quando a necessidade, talvez, seja 30 vezes mais do que isso, e aquilo que seriam, digamos, os mecanismos que poderiam ser desenvolvidos.
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O Sirkis chegou aqui a tatear, falando do reconhecimento do primeiro passo que se deu no reconhecimento do valor intrínseco da mitigação e que isso poderá gerar instrumento, digamos assim, de mais-valia de apropriação pelas políticas que possam desencadear os fundamentos de uma economia de baixo carbono, de zero carbono.
Então, eu acho que também aí é que é está o grande calcanhar de Aquiles, como financiar as ações que possam nos levar à condição de segurar a elevação da temperatura em menos de 2ºC e se teremos mecanismos para estimular essa nova economia que queremos construir.
E uma provocação: se a Organização Mundial do Comércio vai se aproximar daquilo que foi celebrado em Paris. Até que ponto a OMC, que regula o comércio internacional, está sensível, está também acompanhando o ritmo das preocupações que foram expostas em Paris, ou se a OMC ainda está muito distante daquilo que está sendo desenvolvido pelos países em relação a essa nova economia que se deseja implementar.
E, por fim, eu não sei se o Ministério de Meio Ambiente teria alguma sugestão no aspecto de que essas metas que o Brasil anunciou certamente se desdobrarão num esforço que deverá ser traduzido nos orçamentos que serão encaminhados a esta Casa.
Então, já existe alguma métrica sendo desenvolvida pelo Ministério do Meio Ambiente para a implementação dessas medidas que foram colocadas? Porque, aqui e acolá, eu tenho ouvido algumas vozes que se levantam de forma crítica de que, na realidade, o Governo brasileiro assumiu compromissos apenas com determinadas metas, com determinados objetivos, mas que faltaria o detalhamento de como se alcançar essas metas, de quantificar, do ponto de vista do esforço orçamentário, do esforço do investimento, quanto se fará necessário para que as essas metas sejam de fato alcançadas e que seja possível brigar pela implementação daquilo que foi pactuado.
Então, de forma rápida, Sr. Presidente, eram essas as minhas observações.
Reiterando, eu sou normalmente uma pessoa muito otimista. Eu acho que, apesar de todas essas preocupações que o Sirkis trouxe aqui, e elas devem ser consideradas, é notável registrar as diferenças que separam o Acordo de Paris, o acordo de Quioto, a reação da comunidade internacional a um acordo e outro que o Adriano nos trouxe, digamos, de forma bem didática.
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Existe, sim, uma preocupação nova; existe, sim, uma sensibilidade maior. A questão que se coloca é se vamos ter tempo antes que o pior possa acontecer, tendo em vista que existe já o desencadeamento de uma série de desdobramentos, em função do aquecimento global. Nós estamos cuidando em tempo? Esta é a pergunta que não quer calar: se estamos cuidando em tempo para poder dar um outro curso à humanidade; para dar um outro destino ao nosso Planeta pela responsabilidade que queremos ter em construir uma comunidade internacional que seja, digamos assim, calcada no respeito ao meio ambiente, sobretudo no respeito às próximas gerações.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Obrigado, Senador.
Eu vou aproveitar esse momento de fala do Senador também para fazer algumas colocações. Posteriormente, os senhores fiquem à vontade para responder para podemos fechar o nosso debate aqui de hoje.
Na verdade, a primeira colocação que eu iria fazer o nosso Embaixador Marcondes já respondeu, em relação à projeção do alcance de metas para a efetivação do acordo, através das ratificações pelos países.
Nós acompanhamos pelo site de analistas do clima, que é um site muito vinculado a própria COP, dizendo de uma projeção de 57 países e 58%, quase 59% da emissão de gases de efeito estufa.
E nós já fizemos até essa conta, eu e o Embaixador, dizendo da importância de ter os Estados Unidos e a China ratificando ainda este ano e também a União Europeia, porque, senão, nós dependeríamos de muitos outros países para se chegar a essa meta.
Eu queria saber se era muito otimismo ou não. O senhor já acabou reconhecendo aqui, em sua fala inicial.
A outra situação que eu queria também apresentar ao Adriano - já o fiz aqui informalmente, mas, formalizo verbalmente aqui a nossa preocupação. Eu estive, neste último final de semana, participando, na cidade de Goiás, conhecida lá em Goiás como Goiás Velho, a nossa antiga capital, de um festival de cinema ambiental muito consolidado, o FICA, e, neste ano, houve um fórum de discussão ambiental, além do festival de cinema. E fui bastante questionado por alguns professores sobre a situação do nosso bioma específico, o Cerrado: qual seria a contribuição, quais são as metas; o que que está estabelecido na INDC brasileira em relação aos biomas, especialmente do nosso Cerrado.
Já solicitei aqui ao nosso Secretário Adriano que pudesse se manifestar e posteriormente nos encaminhar, até, esse programa de preservação dos biomas que está sendo iniciado pelo Ministério. E que possamos também ter a possibilidade de incluir na nossa INDC metas ousadas em relação a esses biomas, especificamente o Cerrado.
Existe, parece, um pouco de preconceito, Deputado Sergio Souza, a quem agradeço a participação nesta Comissão no dia de hoje, em relação a esses biomas. A savana brasileira parece que não é tão bonita como a Amazônia e por isso acaba sendo um pouco esquecida.
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E nós, até por sermos goianos, gostaríamos de ressaltar isso, Adriano, para que pudéssemos também ter essa participação na nossa INDC e que possamos fazer esse debate com todos aqueles que estão preocupados. E isso também foi muito bem colocado aqui pelo nosso querido Deputado Alfredo Sirkis, essa situação do Cerrado.
Por fim, complementando um pouco a fala do Sirkis em relação a essa situação de gravidade do aumento de temperatura que se tem demonstrado, com tragédias climáticas acontecendo para todos os lados.
Há um professor que convidamos, se não me engano na última audiência pública ele infelizmente não pôde participar, Roberto Schaeffer da COPPE, da UFRJ, que, junto com outros pesquisadores, assinaram um artigo da revista Nature, uma revista conceituada de pesquisas, em relação talvez à ineficácia que esse acordo terá para não permitirmos que se ultrapasse esse aumento em mais de dois graus.
É exatamente aquilo que o Sirkis disse aqui.
Vou até depois reenviar um convite para uma nova audiência, para que o Prof. Roberto possa manifestar toda essa preocupação aqui colocada. E, quem sabe, no momento, por exemplo, da COP 22, em Marraquexe, ou nas próximas, possamos inclusive atualizar as metas para que de fato possamos alcançar isso que foi estabelecido como meta principal no Acordo de Paris.
Essa situação de aumento, também mencionado aqui, tem colocado situações muito atípicas. Deputado Sergio, o seu Paraná vive dias de um frio muito intenso. O meu Estado de Goiás e aqui a cidade de Brasília vivem este ano uma situação muito atípica: os meses de julho, agosto e setembro são de muita seca, e nós tivemos, nas duas últimas semanas, chuvas torrenciais no nosso Estado, algo que há muitos anos não acontecia. Acontecia no dia 7 de setembro, era uma característica. Até o agricultor mais antigo sabe da chuva do dia 7 de setembro. Mas os meses de julho, de agosto, de setembro são quentes e secos, e estamos vendo chuva. Não sei se é uma coincidência também, Deputado Sergio, depois que assumi a Presidência da Comissão de Mudanças Climáticas, que passou a chover nessa época em Goiás. (Risos.)
O SR. SERGIO SOUZA (Bloco/PMDB - PR) - Com certeza.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Enfim, nesse caso foi uma mudança positiva que espero que aconteça nos próximos anos.
Mas, brincadeira à parte, de fato foi muito bem colocado pelo nosso querido Deputado Alfredo Sirkis.
Essas são as minhas colocações. Transfiro agora a palavra para que vocês possam se manifestar.
Antes, porém, passo a palavra ao Deputado Sergio Souza.
O SR. SERGIO SOUZA (Bloco/PMDB - PR) - Caro Presidente Daniel Vilela, não tenho dúvida de que, pelo menos em pensamento, V. Exª tem rogado a São Pedro, a Deus, para que chova mais neste período em Goiás.
Falávamos disso, um grupo de Parlamentares, inclusive hoje no plenário, e eu disse a V. Exª que agora chove, mas a seca, há alguns meses, quando não estava prevista, pois era um período de chuvas, de águas no Centro-Oeste, fez com que tivéssemos uma grande perda da safra de milho. Precisamos começar cada vez mais a entender o quanto que as mudanças climáticas impactam na vida do cidadão.
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Às vezes ele não percebe, meu caro colega Deputado Sirkis. Aquilo parece que é uma coisa de alguns poucos ambientalistas, que é de alguns poucos governos que usam isso, ou, Embaixador Marcondes, que é uma questão diplomática, para criar relacionamento com esse ou com aquele país. E o cidadão acaba não percebendo que aquilo, de fato, impacta na vida dele.
Quer ver um exemplo bem clássico? Nós tivemos agora, recentemente, a maior alta da história do preço do milho por razões como essa de Goiás, de Mato Grosso, do Paraná - que perdeu por chuvas demais. A soja, no seu maior preço da história. Nós perdemos, lá no meu Estado do Paraná, soja por conta de chuvas demais, enquanto algumas regiões do País perderam por conta da seca - temos o fenômeno El Niño, não é?
Agora, isso fez que acontecesse o quê? Que o alimento ficasse mais caro. O alimento mais caro na mesa do consumidor, no momento em que o Brasil vive a recessão, fez com que o cidadão deixasse de consumir alguns alimentos que são essenciais, como a proteína animal.
Lá no Paraná, só agora neste ano, três unidades frigoríficas - uma em Umuarama, chamada Averama; agora, uma em Maringá, chamada de Frangos Canção, GTfoods; e uma em Cascavel, chamada Globoaves -, três empresas que juntas abatiam 1,2 milhão de frangos por dia, uma já fechou as portas, e as outras duas estão com recuperação judicial. Por conta do quê? Do preço do milho e da questão econômica. Veja como a mudança climática influencia. Aí, com menos oferta, a procura continua; vai subir o preço do alimento na mesa do cidadão.
Nós temos, Sr. Presidente... E aí eu peço também ao Adriano Santiago que anote para nós colocarmos dentro das ambições do Brasil para esta COP, ou mantermos - nós já colocamos na COP 21 - a questão dos nossos combustíveis renováveis, o papel que têm os combustíveis renováveis. Nós vamos ter aqui, daqui uns dias, uma audiência pública para debater a importância no atingimento da meta. Se nós aumentássemos a mistura em 30% de biodiesel e de etanol adicionados na gasolina, nós resolveríamos todas as metas do Brasil em ambições de redução. Vejam, parece que é pouco, mas é muito para um país continental, com 205 milhões de habitantes, como o Brasil.
Então, Sr. Presidente, eu queria aqui enaltecer, mais uma vez, V. Exª pela condução dos trabalhos. O Senador Fernando Bezerra teve que sair para um atendimento rápido. Nós estamos agora, nesse exato momento, com votação no Congresso Nacional - votando vetos e vamos votar também a Lei de Diretrizes Orçamentárias ainda hoje -, o Plenário da Câmara se reúne logo mais para votar importantes projetos, como o Plenário do Senado também; mas não poderíamos deixar de estar aqui, nesta importante Comissão de Mudanças Climáticas. Sempre ressaltamos que nós só temos duas comissões permanentes do Congresso Nacional: uma é a do Orçamento e outra é esta Comissão de Mudanças Climáticas, que é tão importante como a do Orçamento. Por mais que não seja deliberativa, mas ela é discursiva, onde se debatem os problemas que também impactam no Orçamento.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Com a palavra nosso Embaixador Marcondes.
O SR. JOSÉ ANTÔNIO MARCONDES DE CARVALHO - Obrigado, Presidente.
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Uma primeira observação que eu gostaria de fazer, Presidente, e uma proposta é o seguinte aspecto: muito do trabalho que deverá ser feito para atingirmos os objetivos a que nos propusemos para a contribuição brasileira, muito do trabalho deverá ser feito nos Estados, nos Municípios, na iniciativa privada - e em muitos casos, sim, já há uma consciência desses aspectos.
O próprio Dr. Adriano mencionou uma importante reunião realizada lá, no Ministério das Relações Exteriores, que contou com a participação, tanto do Ministro Serra, quanto do Ministro Sarney Filho, uma reunião com secretários estaduais de meio ambiente.
A ideia é não pararmos aí. É haver também - e se conversou justamente sobre mudança do clima - mas também agora trazer outros atores governamentais dos Estados, secretários estaduais de energia, secretários estaduais de economia, para que esse tema possa efetivamente estar no metabolismo de cada um desses operadores, gestores estaduais e para conformarmos essa necessidade de ação.
A sugestão que eu queria fazer, Deputado, é de que, eventualmente e com toda a vênia possível, tanto esta Comissão como representantes do Poder Executivo pudéssemos sair de Brasília, sairmos aqui - e digo que é uma enorme satisfação estarmos aqui nesta Casa -, podermos juntos sair de Brasília e fazer um trabalho - me permita usar uma expressão na falta de uma melhor -, um trabalho educativo, no sentido de mostrar, de conscientizar outros atores governamentais e não governamentais dessa necessidade de ação com relação à mudança do clima. Então, faço essa sugestão porque acho que é um papel de que todos os atores governamentais devem estar imbuídos, no sentido de alertar sobre riscos, sobre desafios, sobre oportunidades que se colocam.
Deixo essa sugestão aqui no tinteiro, Presidente, mas também gostaria de abordar alguns temas que foram levantados, como o Relator da Comissão levantou: qual o papel que deveria ter o Congresso Nacional?
No meu modo de entender, Presidente, obviamente o Congresso Nacional fez, e muito, com relação a essa célere aprovação do Acordo de Paris, mas, seguramente leio e entendo, das afirmações que foram colocadas aqui e o próprio interesse do Parlamento e dos nossos Congressistas, que a celeridade na aprovação desse acordo não termina aí. Acho que ela mostra o interesse desta Casa de poder trabalhar. E aí venho um pouco com uma resposta, que é, de certa forma, mais genérica do que específica, mas da importância desta Casa de trabalhar, de prover os meios necessários aos entes de Governo, seja no nível federal, estadual e municipal, de podermos, justamente, ter as políticas públicas necessárias neste País para a implementação das nossas metas, dos nossos objetivos apresentados na UNFCCC.
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O que é necessário? Foi levantada aqui a questão do orçamento, foi levantada a questão de políticas públicas que deverão ser embasadas no provimento de meios necessários internos para a sua execução. O que o reforço de determinadas normas, e nós temos trabalhado e de forma muito próxima - apesar de não ser a responsabilidade primacial do Ministério das Relações Exteriores nesse aspecto -, mas nós temos trabalhado muito de perto com o Ministério do Meio Ambiente, com o Ministério da Agricultura, com o Ministério de Minas e Energia no sentido de identificar ações que possam ter resultado imediato.
A questão colocada pelo nobre Deputado no sentido de ações no maior uso, no maior estímulo ao uso de biocombustíveis, seguramente salta aos olhos. Quais são as dificuldades, os desafios a serem superados neste aspecto é algo a ser tratado. Eu acho que nós temos uma enorme - e aqui pego um pouco do gancho do Deputado Sirkis de que há oportunidades e desafios -, oportunidade do melhor uso do etanol, e eu acho que é uma situação ganhar-ganhar, na questão de continuar o nosso programa de etanol, mas já passarmos para a sua nova fase, que é o etanol de segunda geração, em que nós podemos não apenas potenciar a nossa produção de etanol hoje existente, mas entrarmos numa outra, num outro patamar de ação, a partir do etanol celulósico. E com enormes ganhos em todos os aspectos, desde a maior redução de emissões no setor, mas também disponibilizando ou trabalhando em pesquisa, trabalhando em capacitação na nossa capacidade industrial e até com benefícios no comércio exterior nacional.
Então acho que compete a esta Casa trabalhar no constante monitoramento do que o Executivo vem fazendo, sugerir e criar as condições para a existência de políticas públicas nesse sentido. Nós temos um abismo do provimento de meios de ação para as ações climáticas? Sim, nós temos um enorme abismo internacional. O que é necessário ainda está longe. Como isso poderá ser trabalhado?
O Fundo Verde do Clima, no seu aporte de capital que houve o ano passado, alcançou um pouco mais de U$10 bilhões. Nós conversamos, houve o entendimento, a partir da Conferência em Copenhague de que haveria a disponibilização de U$100 bilhões anuais de várias fontes.
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Eu acho que isso também tem que ser frisado. Onde estão os 90? Como será feita essa contabilidade, qual será a transparência no provimento desses meios, desses fundos? Então, esses são aspectos que estão por ser regulamentados em Paris agora, a partir da conferência em Marraquexe. Então, nós estaremos justamente levando esses aspectos, vendo como se faz isso.
Volto à questão da conscientização interna, Sr. Presidente. Dada a capilaridade que é necessário haver e a capilaridade que tem o Congresso Nacional, acho que a proposta que fiz de sairmos de Brasília juntos e irmos conversar... Poderíamos começar já com outras congêneres estaduais e irmos a algumas assembleias legislativas nos Estados conversar com eles e mostrarmos que há enormes riscos para a atividade econômica - o Deputado mencionou a questão do aumento do preço dos gêneros alimentícios a partir de quebras de safra - e o que poderá acontecer. O Brasil é inegavelmente uma gigantesca potência agrícola. Conseguimos, graças ao esforço e empreendimentos dos nossos agricultores e com enorme estímulo de pesquisa, a tropicalização de várias dessas espécies.
Hoje nós estamos mais fortemente ameaçados ainda com a mudança do clima. E qual impacto essa mudança do clima terá? Inundações, secas prolongadas, que seguramente terão forte impacto já na produção, e qual será esse impacto nos preços internos e externos dos nossos bens produzidos.
Então, o tema segurança alimentar está intrinsecamente ligado à questão da mudança do clima, porque justamente a atividade agrícola e agroindustrial depende de um insumo básico, de um fator básico, que é a pluviometria.
Então, temos que analisar isso com muito cuidado e temos urgência nesse aspecto também. O fato de o Brasil ter tido uma atitude ambiciosa, o fato de o Brasil estar trabalhando ambiciosamente na redução das suas emissões, também o Brasil tem interesse nessa ação, não apenas o Brasil mas também no resto do mundo, porque não adianta apenas o Brasil cortar suas emissões se os outros países não cortarem suas emissões. Vejam a proporcionalidade da nossa responsabilidade.
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ ANTÔNIO MARCONDES DE CARVALHO - Hoje, para fins de entrada em vigor do acordo, como mencionou o Dr. Adriano, e hoje a nossa responsabilidade é muito menor do que isso, as emissões brasileiras, 2,5% das emissões globais, se o Brasil cortar zero as suas emissões, o mundo ainda continuará emitindo outros noventa e tantos por cento.
Então, é um trabalho global, que tem que ser realizado, e nesse aspecto o Brasil estará levando... E acho que teremos ocasião, antes de Marraquexe, de trazer algumas ideias que o Brasil vem trabalhando. O Governo está trabalhando para levarmos a Marraquexe justamente na direção de preservar o sentido de urgência. Nós aqui, o Brasil, acho que temos ainda a renovada credibilidade a partir da pronta ratificação que nos permitiu o Congresso Nacional.
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Em termos das metas, entrará o Acordo de Paris em vigência antes de Marraquexe? De novo, como eu havia mencionado antes, a numerologia permite, mas depende da ação conjunta, e ações de países como o Brasil seguramente estimularão outros países também com percentual considerável que possam permitir a entrada em vigor desse Acordo de Paris.
Então, eu queria ficar por aqui, deixo essa proposta, para que, juntos, possamos, fora de Brasília, conversar com outros entes da nossa Federação, com o setor privado e utilizar bastante esta Comissão, Sr. Presidente. Renovo o empenho do Itamaraty e tenho a satisfação de estar aqui acompanhado pelo Chefe da Divisão do Clima do Ministério das Relações Exteriores, o Felipe Ferreira, um ativíssimo companheiro nesta luta diária e muito árdua.
Faço esses comentários, Sr. Presidente, e, de novo, quando nos convocarem, aqui estaremos; quando nos convidarem, aqui estaremos, e mesmo que não nos convoquem, viremos conversar com V. Exªs.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Será sempre bem-vindo, Embaixador.
Com a palavra o Deputado Sirkis.
O SR. ALFREDO SIRKIS - Bem, eu, infelizmente, vou ter que me ausentar já, já, eu só queria dizer algumas coisas.
Bom, está aqui o Mario Mantovani, do SOS Mata Atlântica, e um dos articuladores da Frente Parlamentar Ambientalista, e ele lembra que uma das missões da Frente Parlamentar Ambientalista justamente é proceder a essa articulação com os Governos de Estado, com as principais Prefeituras e tudo, então, era importante haver o entrosamento com a Frente Parlamentar Ambientalista para desempenhar essa tarefa de mobilizar os Governos de Estado.
Em termos do que o Congresso pode fazer, acho que o próximo passo agora é internalizarmos o INDC brasileiro, na nossa legislação, bem como algumas das mudanças que o Acordo de Paris fez naquele contexto que gerou a lei de mudança climática, a 12.187/2009.
Então, está na Ordem do Dia a atualização disso, precisamos criar o mecanismo para que, cada vez que o INDC brasileiro seja recepcionado pelas Nações Unidas e vire um novo NDC, ele, por sua vez, passa a ser recepcionado pela lei. É importante criarmos esse mecanismo no automático. Já andei conversando aqui com a assessoria técnico-parlamentar, isso é viável de se fazer, e é muito melhor do que termos que votar uma lei a cada novo INDC, porque sabemos como é complicado votar leis. Por outro lado, há uma série de aspectos da 12.187 que precisam ser atualizados, fala de NAMAs, que é uma linguagem de Copenhague, há uma série de coisas que precisam ser atualizadas. Então, acho que isso é uma questão urgente a ser enfrentada.
Depois, eu diria que a questão climática tem que entrar em cheio na discussão da reforma tributária.
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Nós temos que ter no País um sistema tributário que contemple a importância das mudanças climáticas. E eu falo isso absolutamente sem querer aumentar a carga tributária do País. Essa mudança tem que se dar sem aumento da carga tributária. Ela tem que se dar substituindo tributos que incidam sobre o investimento e o trabalho pela tributação da intensidade de carbono.
Uma série de estudos estão sendo feitos nesse sentido, um deles de um grupo de trabalho do Ministério da Fazenda, coordenado pelo Aloisio de Melo. Estão estudando esse assunto há bastante tempo. Seria interessante a Comissão fazer um debate especial sobre isso, sobre a questão de tributação e convidar esse grupo de trabalho. Há um instituto em São Paulo que também está realizando um estudo de como substituir o PIS/Pasep pela tributação de intensidade de carbono, sem aumentar a carga tributária, até reduzindo-a em certo aspecto. São estudos muito interessantes que estão sendo feitos.
Evidentemente, quem tem a iniciativa em matéria tributária é o Poder Executivo, mas isso certamente chegará ao Congresso. É importante que, quando chegar, haja um grau de discussão, de conhecimento de tudo. Isso é fundamental.
E quem fala em tributos fala também no tributo negativo, que é o subsídio, a eliminação de subsídios para combustíveis fósseis. Uma parte já foi, mas realmente tudo precisa ir. O mundo gasta, direta ou indiretamente, US$1,5 trilhão por ano. Então, metade daquilo que seria devido à transição já pode ser obtida abrindo mão desses subsídios a combustíveis fósseis. Agora, isso, evidentemente, tem que ser feito com cuidado, porque algumas dessas supressões podem ter efeitos inflacionários e sociais negativos que precisarão ser compensados. Então, que esse mesmo recurso seja distribuído como uma bolsa, alguma coisa para os setores que de fato são pobres e serão atingidos pela eliminação desse subsídio. Essa é uma questão extremamente importante.
Depois, nós temos várias legislações. Foi mencionado pelo Adriano que até hoje a segunda parte de Quioto não foi devidamente ratificada, há a questão da biodiversidade também, que ainda não foi ratificada. Há uma agenda legislativa em suspenso.
Finalmente, nós temos que pensar nos mecanismos econômicos que vão de fato cortar alguns nós górdios, como é o caso, por exemplo... Eu falei aqui na questão... Se queremos prevenir o desmatamento legal, aquele desmatamento que pode ser feito, então não adianta mandar a Polícia Federal e o Exército, porque ele está sendo feito dentro da lei, e essa lei não vai mudar, nessas regiões - é o caso do Cerrado muito especificamente -, é preciso criar um mecanismo de estímulo econômico para a preservação dessas florestas que podem ser desmatadas legalmente. É basicamente reconhecer o valor econômico dos serviços ambientais que essas florestas prestam, reconhecer o valor do carbono removido da atmosfera por essas florestas ou por projeto de reflorestamento.
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Tudo isso faz parte de uma agenda muito importante, que, repito, é de iniciativa do Poder Executivo, mas terá necessariamente que passar pelo Congresso Nacional. Então, o Congresso de fato tem que se preparar. E esta Comissão tem o papel muito importante de se preparar para realmente fazer frente a essa discussão, que é absolutamente estratégica.
Evidentemente, nós temos toda a discussão sobre energia, a questão de que eu falei, de eletrificação do nosso sistema de transporte. Campinas, através de uma redução de ISS, conseguiu, de forma indireta, porque não é um tributo que incide sobre a indústria, mas indiretamente incide, estimular a vinda de um investimento chinês muito significativo. Sem dispensar os instrumentos de que a esfera federal dispõe, eles têm um poderio muito grande e têm que ser pensados de forma a se dosarem claramente esses incentivos para realmente desenvolver a energia limpa, como a solar, a eólica, que já tem avançado muito, a biomassa, o etanol de segunda geração, a retomada do Pró-Álcool, que foi criminosamente abandonado ao longo desses anos todos.
Então, nós temos de fato muito o que fazer. E eu volto a dizer: o nó górdio está na economia. Nós temos que alinhar a economia em relação a essa necessidade central da humanidade e fazer da crise climática uma oportunidade de desenvolvimento para o País. Isso é viável em qualquer país, mas no Brasil é especialmente viável. As condições brasileiras são especialmente favoráveis. Pode estar aí um dos fatores de retomada do desenvolvimento no Brasil. Isso de fato precisa ser discutido. E deve-se dar muita importância a essa discussão da economia de baixo carbono.
Agradeço a atenção de todos. Infelizmente vou ter que me retirar, porque o Ministro Zequinha Sarney ficou de me receber agora, às 5h. Então deixo aqui o meu abraço a todos vocês.
O SR. DANIEL VILELA (Bloco/PMDB - GO) - Muito obrigado, Deputado.
Seja sempre bem-vindo aqui.
Com a palavra o Adriano.
O SR. ADRIANO SANTHIAGO - Obrigado, Sr. Presidente.
Creio que são muitos elementos a serem considerados aqui. Obviamente, dado o adiantado da hora, não vai ser possível contemplar a todos, mas eu vou me esforçar.
Eu gostaria de, nestas palavras finais, correndo o risco de me repetir... Certamente já devo ter falado isso nesta Comissão, mas o grande escritor Ariano Suassuna costumava dizer que não era nem um otimista nem um pessimista. Ele se classificava como um realista esperançoso. É claro que não quero me comparar à grandeza do escritor, mas eu me classifico como um realista esperançoso. E digo isso por quê?
Na questão do Senador Bezerra, quando ele perguntou sobre os instrumentos para acompanhar a implementação das metas, creio que, de novo, a gente deve ter a consideração internacional sobre o assunto atrelada com a implementação nacional. E não é à toa, como o Embaixador Marcondes bem disse, que o Ministério do Meio Ambiente está trabalhando muito proximamente do Ministério das Relações Exteriores, além de outros Ministérios, destacadamente o de Minas e Energia e o Mapa. E eu paro por aqui para não cometer injustiça com outros, mas essa articulação tem sido forte.
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Quanto ao problema da mudança do clima, ela não deve ser vista de uma perspectiva de curto prazo, do imediato do que está acontecendo agora. É claro que os indicadores são muito ruins - não vou repetir aqui o que o Deputado Sirkis mencionou -, mas, como a questão de mudança do clima é algo de médio e de longo prazo, eu acho que a avaliação global, aquele global stocktake que mencionei, cujo primeiro processo vai ocorrer em 2023, da avaliação agregada do problema, com o ensaio de uma perspectiva diferente em 2018, pelo diálogo facilitador também, comentado aqui pelo Embaixador, vai dar oportunidade para, feito esse exercício da consideração agregada de todas as INDCs, os países terem a oportunidade de trazer esse resultado para fazer o exercício interno de reconsideração, para ver se estamos no caminho certo ou não. Eu acho que isso vai dar oportunidade, e, aí, sim, depois desses resultados agregados, fazemos uma discussão com toda a sociedade. De novo, cada vez mais a sociedade tem que estar integrada nas soluções também. Temos que fazer esse diálogo para ver se estamos indo no caminho certo ou não, mas tendo em perspectiva essa avaliação agregada.
Internamente, é claro que, dentro da estratégia de acompanhamento da INDC, nós teremos que criar mecanismos de monitoramento das ações que são colocadas ali.
Aproveito para fazer referência à questão do Cerrado, que o Deputado Vilela trouxe, em relação à sua consideração.
É sempre bom lembrar que, na INDC do Brasil, nós colocamos na segunda parte, como material informativo, alguns caminhos que nós trilharíamos, mas aqueles caminhos não terminam ali em si. Temos outras ações importantes que não estão explícitas ali, na segunda parte da INDC, mas que são de alta relevância. E aí entra o caso do Cerrado. O Cerrado não foi mencionado explicitamente naquela parte informativa, mas, obviamente, ele é um elemento importante da INDC. E, nesse sentido, o Ministério do Meio Ambiente junto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio do Inpe, vem trabalhando a questão do monitoramento dos outros biomas; expandir o que nós já temos para a Amazônia também para os outros biomas.
É claro que esse é um trabalho que ainda leva tempo a ser implementado, mas já foi dado um passo importante nesse sentido.
Estamos vendo níveis de referência, não só o novo nível de referência de emissões para a parte florestal da Amazônia, mas também estamos avançados no nível de referência para o Cerrado.
Então, são ações importantes. O próprio Plano Agricultura de Baixo Carbono tem trabalhado uma ampla capacitação dos agricultores, e o Cerrado está envolvido nisso tudo. Acho que é uma parte importante, sem dúvida.
E lembro a questão levantada pelo Deputado Sergio Souza, dos impactos que a mudança do clima traz para o setor econômico. Nós temos a implementação em vigor do Plano Nacional de Adaptação, em que nós estamos nos adaptando por um problema que não necessariamente foi causado majoritariamente por países em desenvolvimento; pelo contrário, a contribuição histórica dos países desenvolvidos é muito maior, mas temos trabalhado na questão do Plano de Adaptação.
Sobre financiamento, acho que o Embaixador Marcondes já falou sobre o abismo internacional. Nacionalmente, nós temos alguns desafios. Um deles é prover recursos para um instrumento importante da Política Nacional sobre Mudança do Clima, que é o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, com a alteração da Lei do Petróleo, quando nós tínhamos um recurso específico carimbado para mitigação e adaptação para a mudança do clima. A Lei do Petróleo alterou esse recurso. Agora, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima concorre com outros fundos dentro do fundo social do petróleo.
Aqui eu não faço crítica a isso. Eu acho que a própria convenção reconhece que as prioridades dos países em desenvolvimento são a erradicação da pobreza, o desenvolvimento. Não estou dizendo que outras partes de concorrência desse fundo sejam importantes. São sim e fazem parte da própria questão da mudança do clima, mas nós teremos que rever a questão de liberação de recursos, porque agora o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima concorre dentro do Orçamento nacional. Essa é uma questão importante a ser considerada.
É claro que não digo aqui que o mecanismo de desenvolvimento sustentável é um mecanismo de financiamento.
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Pelo contrário, é um mecanismo de mercado. O Brasil defendeu uma proposta arrojada de mecanismo, seguindo as bases do MDL, e a gente acha que esse mecanismo vai poder trazer várias oportunidades para o setor privado, em termos de mercado de carbono.
Sobre o desafio das metas, como vamos implementá-las, dada a ambição dessas metas e a dificuldade de recursos financeiros, eu lembro que a nossa INDC não está condicionada à cooperação internacional. Podemos fazer, e tem-se colocado ali o desfio de fazer por meios próprios, o que não significa que não faremos uso. Faremos, sim, do próprio Fundo Verde para o Clima, mencionado aqui, e os outros mecanismos financeiros da convenção, mas nós estamos no caminho de tentar implementar as ações por meios próprios.
Sobre a questão de a sociedade cobrar a implementação dessas atividades, que são muito ambiciosas, eu gostaria de lembrar que a própria sociedade também contribuiu muito para que o Brasil apresentasse uma ambição forte na sua INDC. E contamos também com a sociedade nos ajudando e nos provendo de ideias, de recursos para ajudar o Governo.
De novo, esse problema não é solucionado só com a participação do Governo. A sociedade tem que estar envolvida cada vez mais, e contamos com as ideias também da sociedade para nos apresentar soluções.
Por fim, acho que a sugestão do Embaixador Marcondes em relação ao trabalho educativo, à capacitação, quero desde já deixar aqui o Ministério do Meio Ambiente disposto a participar dessa proposta. O próprio Ministro Sarney Filho, por meio da Frente Ambientalista, que o Deputado Sirkis mencionou, Mantovani, acordou de mensalmente termos reuniões com as organizações não governamentais. Isso vem acontecendo com frequência, e a proximidade com os entes subnacionais vem crescendo também fortemente.
Eu gostaria de fazer dois últimos comentários em relação ao que o Deputado Sirkis falou e que têm a ver com a sua consideração em relação ao Cerrado, Deputado: desmatamento legal e ilegal. Na INDC, o que foi proposto? Desmatamento ilegal zero até 2030, o que não significa que nós alcançaremos esse desmatamento ilegal zero só em 2030. Até pode ser que consigamos antecipar isso. Então, contamos de novo com a ação da sociedade brasileira para nos auxiliar nesse desafio, e a compensação das emissões do que é desmatamento legal estão consideradas lá. Pelo Código Florestal, não podemos compensar o desmatamento de um bioma por outro, mas, em termos de emissão, carbono é carbono. E o que for emitido em função do desmatamento legal, da supressão legal de vegetação, o que a INDC se propõe a fazer é a compensação das emissões por meio de restauração, por meio de reflorestamento. E o bioma Cerrado, assim como a Mata Atlântica, são biomas com os quais contamos muito fortemente para promover essa restauração, esse reflorestamento, para compensar emissões de desmatamento legal, desmatamento de supressão legal de vegetação.
O ultimíssimo comentário em relação a uma proposta que o Deputado Sirkis trouxe aqui, de recepcionar INDCs na lei a cada cinco anos, acho que é louvável. Temos que considerar a proposta, mas eu só chamo a atenção para termos cautela. Diferentemente da aprovação do Acordo de Paris aqui, essa recepção das INDCs na lei tem que ser vista com muito vagar, com muita cautela, para evitarmos uma incerteza jurídica que você pode ter a cada cinco anos, em termos de, dependendo desses ciclos, ter que rever. Acho que podemos pensar numa solução de mais longo prazo que evite essa possível incerteza jurídica, mas, de novo, reconhecendo o mérito da proposta que precisa melhor ser debatida.
Acho que, com isso, tentei contemplar a maioria dos comentários.
Agradeço mais uma vez a oportunidade.
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Assim como o MRE, o MMA também fica sempre à disposição da convocação desta Comissão.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Daniel Vilela. Bloco/PMDB - GO) - Obrigado, Adriano, pela participação, mais uma vez, do Ministério do Meio Ambiente. Ao nosso Embaixador Marcondes, nosso agradecimento também ao Ministério.
Eu queria aqui registrar a participação do Mantovani, representando a SOS Mata Atlântica e se colocando à disposição para também acatar a sugestão do Embaixador junto às assembleias legislativas estaduais e já dizendo que a Frente Parlamentar Ambientalista tem promovido essa integração e esse debate junto aos Estados.
Também faço o registro de alguns que participaram pelo Portal e-Cidadania: Clara de Assis Rodrigues, Marcio de Barros Miranda e Alan Barbosa, vou encaminhar todos esses questionamentos aos participantes deste debate.
Passamos, agora, à apreciação do Requerimento nº 5, de 2016.
ITEM 1
COMISSÃO MISTA PERMANENTE SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS Nº 5, de 2016
- Não terminativo -
Requer, nos termos do Regimento Interno do Senado Federal, a participação de representantes da Comissão Mista Permanente Sobre Mudanças Climáticas - CMMC na Conferência das Partes da Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP 22, no período compreendido entre os dias 7 e 18 de novembro de 2016, em Marrakesh, Marrocos.
Autoria: Senador Fernando Bezerra Coelho.
Em discussão o requerimento. (Pausa.)
Encerrada a discussão.
As Srªs e os Srs. Parlamentares que concordam com o requerimento apresentado permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Antes de encerrarmos os trabalhos, proponho a aprovação da ata da presente reunião.
Os Srs. Parlamentares que concordam permaneçam como se encontram.
(Pausa.)
Aprovada.
A ata será encaminhada à publicação.
Agradeço a presença, mais uma vez, dos nossos convidados.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 14 horas e 54 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 56 minutos.)