Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a 86ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. Esta audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 102, de 2016, de nossa autoria e de outros, para instruir o PLC 23, de 2016, que considera pessoa com deficiência aquela com perda auditiva unilateral. Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211. Nós já estamos aqui com os nossos convidados. Nós vamos já convidá-los para a Mesa. Depois eu faço uma introdução para situar aqueles que estão nos assistindo pela TV Senado, pela internet e pela Agência Senado e também nos ouvindo pela Rádio Senado. |
| R | Nós teremos duas Mesas. Na primeira Mesa, já convoco, para que venha até o meu lado, Guaraci Lima, fonoaudiólogo, especialista em audiologia clínica; Luciano Fernandes de Oliveira, porta-voz de deficientes auditivos; Krishnamurti Sarmento Junior, médico otologista, mestre em otorrinolaringologia, pós-graduado em otologia pela Universidade de Zurique, Suíça, Chefe de Serviço de Otorrinolaringologia do Centro Médico da PM-DF e membro da diretoria da ORL-DF; convido também Francisco Job Neto, médico pediatra, mestre em saúde pública e consultor do Departamento de Políticas Estratégicas do Ministério da Saúde. Informo qual será a segunda Mesa, que virá num segundo momento: Filipe Trigueiro Xavier Correia, representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade); Heleno Rodrigues Corrêa Filho, pesquisador voluntário da Universidade de Brasília (UnB) e Kayo Miranda Leite, advogado, mestre em Direito e Políticas Públicas. Eu vou fazer uma introdução, como é de praxe nesta Comissão, para que todos que estão, de uma forma ou de outra, participando à distância, pela internet, pela TV, por rádio ou pela Agência, saibam o eixo do debate que teremos aqui hoje. Lembro que esta audiência se inicia neste horário, em torno de 9h05, e pretendemos terminá-la em torno de 11h, porque das 11h até 1h teremos audiência da Justiça do Trabalho no plenário do Senado. Esta audiência pública vai discutir as reivindicações dos surdos unilaterais. Uma das principais questões que envolvem esse tema está ligada ao mundo do trabalho. Essas pessoas não podem, por exemplo, prestar um concurso para carreiras que exijam aptidão plena, como é o caso da militar, pois, segundo essas carreiras, elas possuem dificuldades para o exercício de determinadas atividades. Também não podem concorrer nas vagas destinadas a pessoas com deficiência, pois a legislação não as considera deficientes. Assim, somente por intermédio de liminares essas pessoas têm conseguido assumir os cargos públicos para os quais foram aprovadas e impedidas de tomar posse. Essa é a realidade que se pretende mudar. O Estatuto da Pessoa com Deficiência é esse vetor de transformação. Em vigor desde julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência representa em âmbito nacional essa transformação, que, no campo internacional, é representada pela Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O Estatuto, Lei nº 13.146, de 2015, assim define, em seu art. 2º: Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. ....................................................................................................................................................... Dessa forma, é possível dizer que, a princípio, nenhuma limitação física poderá ser excluída da classificação de deficiência, pois essa não é mais simplesmente uma definição médico-corporal, mas também engloba a falta de acessibilidade. Quando essa soma de fatores resultar em dificuldade de participação das pessoas na vida social, no mundo do trabalho, nos estudos, no lazer e em outras áreas, entende-se como deficiência. |
| R | Os avanços trazidos por esse dispositivo, entretanto, necessitam de regulamentação por parte do Executivo. De um lado, no Estatuto está a adequação classificatória para harmonizar a legislação brasileira aos novos moldes internacionais, o que poderá dar conta de muitas situações que não eram previstas em lei; de outro lado, existe a demanda real da pessoa com limitações corporais que não era considerada pessoa com deficiência pelos critérios puramente médicos. Por fim, esta audiência pública tem a intenção de aproximar o objetivo da regulamentação da lei com a demanda real de pessoas que aguardam os direitos já aplicáveis ao segmento de outra pessoa com deficiência. Que tenhamos um bom debate. Que daqui possam sair contribuições para o relatório do PLC 23, de 2016. Que, dessa forma, o direito de todos seja efetivado com a brevidade que merece. Assim, desejo a todos uma boa audiência. Vamos, de imediato, com essa introdução, passar a palavra ao nosso primeiro convidado. Como é de praxe nesta Comissão, são dez minutos para cada convidado. Guaraci Lima, fonoaudiólogo, especialista em audiologia clínica, está com a palavra. O SR. GUARACI LIMA - Primeiramente, eu gostaria de agradecer o convite. Bom dia, Senador Paim, bom dia a todos. É muito importante tudo o que está acontecendo neste momento, para que essas pessoas que, muitas vezes, estão sendo excluídas, precisando entrar com recursos, possam ser reconhecidas de forma geral. Primeiramente, vamos falar sobre o que é uma deficiência auditiva. É um nome dado para indicar que a pessoa tem uma diminuição na capacidade de ouvir alguns sons ou ouve alguns sons, mas a partir de alguns decibéis. Segundo a ASHA (American Speech-Language-Hearing Association), que é a Associação Americana de Linguagem e Audição, todo indivíduo que começa a escutar a partir de 25 decibéis pode ser considerado com perda auditiva. Os eslaides... Pode ir mudando? Temos três tipos de perda auditiva: a condutiva, que é causada por um impedimento de que o som chegue até o ouvido interno; a neurossensorial, que é uma perda dentro do ouvido interno que dificulta bastante não só a audição mas também a capacidade de compreensão; e a mista, que, como o nome já diz, tem esses dois tipos de dificuldade. Ela pode ser de grau leve, moderado, severo e profundo. Na deficiência auditiva unilateral, como o nome já diz, a pessoa tem uma audição normal em um dos ouvidos e uma perda auditiva no outro ouvido. E essa perda pode ser leve, moderada, severa ou profunda. A perda auditiva unilateral pode ser acometida por dois motivos: pode ser congênita - a pessoa pode nascer com essa perda, gerada por cometimento de um vírus durante a gestação, isso os médicos vão poder explicar melhor - ou adquirida, causada por perdas súbitas, algum trauma. Então, ela pode ter essa lesão unilateral. |
| R | Aqui neste gráfico vocês podem ver o que podemos escutar, conforme o limite da nossa audição. Uma pessoa que tem uma audição normal, acima de 25 decibéis, escutará as gotas, o barulho dos ventos, os pássaros. Mas, a partir do momento em que vamos perdemos a audição, mesmo uma perda leve, já teremos algumas dificuldades: não ouvir o barulhinho do relógio, as fricativas já são mais difíceis. E, na perda moderada, que é a partir de 40 decibéis, já temos mais dificuldades, que atrapalham bastante a vida da pessoa: a dificuldade de fala; para falar ao telefone já é um pouco mais difícil; ouvir uma música... Na legislação brasileira, uma pessoa é considerada deficiente a partir de 41 decibéis, justamente uma perda moderada. No Brasil, uma pessoa só é considerada deficiente se ela tem essa perda bilateral. Em meus 11 anos de experiência, tenho certeza de que é necessário, hoje, alargar esse conceito, porque a deficiência auditiva unilateral leva a pessoa a limitações tanto quanto a bilateral. A deficiência auditiva e o mercado de trabalho. A perda auditiva bilateral ou unilateral representa um obstáculo para a plena inserção no mercado de trabalho. Por quê? Hoje, a pessoa que tem uma perda auditiva unilateral, muitas vezes, acaba omitindo essa perda, porque sabe que existe um preconceito. É dada preferência a pessoas que não têm nenhum tipo de perda auditiva. O SUS assegura aparelhos auditivos. Há implantes cocleares e até próteses ósseas para que essas pessoas não tenham a sua produtividade prejudicada, mas, na perda unilateral, dependendo do grau, não é possível utilizar essas próteses. Hoje já existem próteses mais modernas, como o Sistema Cros, que passa o som de uma orelha para a outra. Dependendo do grau - e isso deve ser acompanhado pelo otorrino e pelo fonoaudiólogo -, será indicado qual o melhor tipo de adaptação para esse caso. Segundo a ONU, o que seria uma pessoa com deficiência? Aquela que tem impedimento a longo prazo de natureza física, mental, intelectual e sensorial, que, em interação com diversas barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A perda unilateral se encaixa plenamente no que a ONU recomenda: é uma perda sensorial e tem um impedimento de longo prazo, porque normalmente essa perda auditiva não tem cura. Ela se encaixa totalmente no que é definido pelas Nações Unidas. |
| R | Associado à perda de audição unilateral, normalmente essa pessoa sofre de zumbido, perda de equilíbrio, dificuldade de compreensão, lateralização, depressão, insegurança, porque a pessoa que tem perda unilateral fica insegura de frequentar lugares ruidosos em que haja duas ou três pessoas conversando. É comum as pessoas voltarem o órgão que não tem lesão para poder entender melhor, mas, num ambiente de ruído em que haja três ou quatro pessoas falando, não há como direcionar esse órgão, porque a fonte sonora sairá de vários lugares. Sobre essa questão mesmo de zumbido, normalmente essas pessoas que têm essa lesão são acompanhadas desse zumbido, o que deixa a pessoa extremamente irritada, depressiva. Eu tenho vários pacientes que passam por isso. Existem algumas coisas que podem vir a atenuar, mas infelizmente a cura por completo é algo mais difícil, muitas vezes, impossível. Agora falando sobre cotas e deficiência auditiva. As pessoas com perda auditiva unilateral não são consideradas pessoas com deficiência quando tentam entrar por cotas em concursos públicos, mas costumam ser vetadas após exames admissionais no setor privado. Hoje elas vivem, então, num limbo social: não são consideradas pessoas com deficiência, mas também a elas são negados direitos para que possam entrar nesses concursos, entrar nas vagas. Hoje as empresas, a partir de cem funcionários, são obrigadas a contratar uma pessoa com deficiência, mas elas não estão enquadradas nisso. Quando vão tentar um emprego, se elas falam ou é descoberto que elas têm uma perda unilateral através de exames admissionais, essas pessoas, muitas vezes, não conseguem essa vaga ou simplesmente são afastadas pouco tempo depois. Então, eu acho que hoje este Plenário aqui é uma questão de justiça, pelas dificuldades enfrentadas no dia a dia. Que a pessoa com perda auditiva unilateral seja reconhecida como uma pessoa com deficiência. (Soa a campainha.) O SR. GUARACI LIMA - Só para concluir, não só como fonoaudiólogo mas principalmente como cidadão, eu espero que essas pessoas não sejam mais invisíveis. Então, eu gostaria de agradecer. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Guaraci Lima, fonoaudiólogo, especialista em audiologia clínica. São dez minutos, mas, claro, podem ver que dei para ele mais três minutos, se necessário, para concluir o seu pensamento. Isso é para todos os convidados. Agora passamos a palavra para o porta-voz das pessoas com deficiência auditiva unilateral, o Sr. Luciano Fernandes de Oliveira, pelo mesmo tempo, dez minutos, com uma tolerância, se necessário, para concluir. O SR. LUCIANO FERNANDES DE OLIVEIRA - Primeiramente, quero agradecer ao ilustre Senador Paulo Paim. Muito obrigado por nos dar a oportunidade desta audiência pública. Quero agradecer a todos os presentes que vieram nos apoiar aqui hoje e a todos aqueles que nos apoiam a distância, mas ainda assim esperançosos. |
| R | O meu agradecimento especial aos profissionais que compõem a Mesa e às pessoas que, de uma forma ou de outra, nos ajudaram nessa caminhada. Sem vocês nós não estaríamos hoje aqui, no Senado Federal, rumo à aprovação desse projeto. O meu nome é Luciano Fernandes. Estou aqui hoje como porta-voz dos surdos unilaterais. Hoje é um dia muito feliz. Depois de anos sem esperanças e jogados ao limbo social e empregatício, nós deficientes auditivos unilaterais finalmente estamos aqui. Foram anos sendo esquecidos. Um período difícil e sem esperança, quando víamos crescer, de forma exponencial, a nossa insegurança jurídica e empregatícia. Ficamos jogados à margem da sociedade, muitas vezes, tentando esconder a nossa deficiência, fingindo, de forma maestral, entender o que as pessoas estavam falando conosco. Afinal, o decreto de 2004 excluiu a especificação da nossa condição. Então, agora somos normais e totalmente aptos, correto? Não, não é correto. Todo esse disfarce de representar uma normalidade caía com o passar do tempo. Mas onde principalmente? Na entrevista de emprego. E quando a nossa deficiência era, de certa forma, esquecida de ser mencionada, esse disfarce caía no exame admissional. Foi nessa hora que nós realmente sentimos, naquele momento, que o empregador não vê sentido em contratar uma pessoa sem uma das audições, que vai ter dificuldade na comunicação, que não vai poder ficar exposto em ambiente ruidoso - e olha que ambiente considerado ruidoso é muito menos do que muita gente imagina -, e todas as outras situações que esse funcionário poderia gerar. Para que o empregador iria contratar esse futuro problema? Fora o temor de que, caso seja comprovado que ele perdeu parte suficiente da audição do outro ouvido que ainda escuta, ainda terá que ser aposentado por invalidez ou a empresa responsabilizada. Para que o empregador colocaria essa corda no pescoço? A solução é simples: contrata outro. Isso acontece milhares de vezes todos os dias. Foi nesse momento que ficou aquela grande pergunta: se eu, um surdo unilateral ou deficiente auditivo unilateral, não sou apto, mas também não sou considerado deficiente, o que eu sou? O que nós somos? Essa pergunta é simples de se responder: nós somos deficientes, mas hoje somos deficientes invisíveis, deficientes excluídos. Graças à modificação do decreto de 2004, que está completando mais de 12 anos, ficamos jogados em um limbo social e empregatício. Vimos as entidades que, em teoria, deveriam nos apoiar e nos defender saírem do polo de defesa e se posicionarem como polo de acusação, fazendo, assim, o caso avançar em velocidade alarmante e ser aprovado bem rapidamente. Fomos traídos por aqueles que se diziam ser a favor da inclusão. E essas entidades se encontram aqui hoje representadas, tentando até o último suspiro nos manter no limbo social e empregatício. Desta vez, não. Desta vez, nós vamos prosperar. O PL 23, de 2016, veio devagar, caminhou com passos lentos, mas seguros e firmes, pois aqueles que pedem um pleito justo sabem que a justiça às vezes tarda, mas não falha. Conseguimos uma aprovação de 100% na Câmara dos Deputados, uma aprovação unânime, pois todos os Deputados, independente de partidos ou desavenças, reconheceram a injustiça que estamos sofrendo até os dias de hoje e que isso precisa mudar. |
| R | Hoje, estamos aqui nesta Casa, no Senado Federal, algo muito aguardado por pessoas que não vão se esquecer daqueles que lutaram por nós. Estamos aqui pedindo e defendendo a aprovação do PL 23, de 2016, que tem como objetivo reincluir o deficiente auditivo unilateral como pessoa com deficiência. Vejamos por que esse pleito deve ser aprovado. A Convenção da ONU, que foi ratificada atualmente pela LBI (Lei Brasileira de Inclusão), o que diz? Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade [ponto importante] em igualdade de condições com as demais pessoas. ..................................................................................................................................................... Veja que não se está comparando com os demais deficientes, mas, sim, em igualdade com as demais pessoas não deficientes, como, por exemplo, podemos observar os cegos e os cegos monoculares. Os dois são considerados deficientes, independentemente da sua funcionalidade ou capacidade sensorial. Só para fazer uma pequena explanação, algumas pessoas nos disseram que o novo PCD nos incluiria já como deficientes. Depois de fazer uma análise e conversar com os setores responsáveis, nós vimos que, no novo PCD, de 2015: Art. 121. Os direitos, os prazos e as obrigações previstos nesta Lei não excluem os já estabelecidos em outras legislações, inclusive em pactos, tratados, convenções e declarações internacionais aprovados e promulgados pelo Congresso Nacional, e devem ser aplicados em conformidade com as demais normas internas e acordos internacionais vinculantes sobre a matéria. [O principal:] Parágrafo único. Prevalecerá a norma mais benéfica à pessoa com deficiência. ...................................................................................................................................................... Ou seja, podemos, sim, pedir que esse projeto seja aprovado, para que os nossos direitos como deficientes sejam garantidos, independentemente de interpretações. Se continuarmos a depender de interpretações das demais organizações, continuaremos a viver nesse limbo jurídico e nessa insegurança social. Mais de 62% das vagas para deficientes no setor privado ficam vazias. Isso mostra que não faltam vagas; falta apenas oportunidade. Por mais que isso não deva ser relevante neste debate, visto a Convenção da ONU, ratificada pela própria LBI, existem ainda outros países que também ratificaram a Convenção Geral da ONU que incluem o surdo unilateral ou o deficiente auditivo unilateral como pessoa com deficiência. A gente pode citar alguns, como Inglaterra, Estados Unidos, Austrália e outros. Mas isso não se limita apenas a outros países. Diversos Estados do Brasil já consideram o deficiente auditivo unilateral como PCD. Como alguns exemplos, nós podemos citar Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e o próprio Distrito Federal. E ainda existem outros, fora todos os outros Estados e Municípios que estão com projetos de lei semelhantes para serem aprovados. Ou seja, precisamos da segurança de que teremos os nossos direitos garantidos, independentemente do Estado em que estivermos. Vale aqui ressaltar que, mesmo com esse atual decreto modificado, os deficientes auditivos unilaterais têm sua condição reconhecida, ignorando essa exclusão absurda que lhe exclui toda e qualquer lógica à dignidade. Até mesmo o TST tem interpretado de forma harmônica os dispositivos do Decreto nº 3.298, de 1999, em conjunto com as disposições legais e constitucionais pertinentes e com o disposto na Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e reconhecido o direito do candidato com perda auditiva unilateral a concorrer em concursos públicos às vagas destinadas às pessoas com deficiência. |
| R | O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendimento firmado em jurisprudência em considerar o deficiente auditivo unilateral como deficiente para os devidos fins, assim como um número expressivo de médicos, advogados, peritos, juízes e desembargadores que entendem que a modificação desse decreto é contrária à lógica e à dignidade. O deficiente auditivo unilateral é, sim, uma pessoa com deficiência. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência diz: Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. ................................................................................................................................................................................... Só estou relembrando. Nós temos impedimento físico, sofremos uma barreira que é sensorial, temos obstrução em diversos empregos e áreas de trabalho e ainda sofremos preconceito no mercado de trabalho. Nós somos deficientes, apenas estamos invisíveis e esquecidos. Não mais, isso acaba. Nós somos 6,7 milhões de brasileiros surdos unilaterais, somos pais, mães, médicos, ex-militares, pastores, enfermeiras, advogados, engenheiros e tantos outros milhões de pessoas que não alcançaram nível superior e que se encontram nesse limbo social, profissional e jurídico. Nós não nos esqueceremos daqueles que lutaram por nós. Nós somos deficientes e pedimos justiça a esta Casa. Muito obrigado, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos ao Luciano Fernandes de Oliveira, porta-voz de deficientes auditivos unilaterais, que nos procurou aqui, inúmeras vezes, para que pudéssemos dar um parecer ao projeto, subsidiado pela sociedade. Foi numa conversa com ele que surgiu, e claro de outro grupo que estava junto, a ideia desta audiência pública. Passamos a palavra agora para Krishnamurti Sarmento Junior, médico otologista, especialista nessa área. O SR. KRISHNAMURTI SARMENTO JUNIOR - Bom dia a todos. Quero agradecer ao Presidente foi emocionante. Eu sou médico otologista, especializado em otologia, que é a parte da otorrinolaringologia que estuda as afecções dos ouvidos, das orelhas. Eu queria esclarecer que não tenho nenhum interesse pessoal nessa discussão, meu interesse é estritamente profissional. Eu fui contactado pelo Luciano e meu objetivo aqui é trazer informações científicas, médicas, que possam ajudar os Srs. Senadores, os senhores presentes a formar juízo a respeito do tema da surdez unilateral. |
| R | A surdez unilateral é aquela surdez em que a pessoa tem uma perda auditiva severa ou profunda em uma das orelhas e tem a audição preservada na outra orelha. As causas são inúmeras. Mais da metade desses surdos unilaterais são surdos de nascença: são causas genéticas, são malformações congênitas ou causas perinatais, uso de drogas durante o período neonatal, quando a criança ainda é um bebê pequeno, o uso de medicações ototóxicas. Outra parcela dos surdos unilaterais desenvolveram a surdez unilateral já na vida adulta: seja por um trauma craniano, seja por uma infecção - por exemplo, uma meningite, que é uma causa muito comum de surdez unilateral -, seja pelas otites crônicas, pelas infecções crônicas dos ouvidos. Mas boa parte desses surdos são surdos unilaterais de nascença - mais de 50%. A surdez unilateral responde por um terço dos casos de perda auditiva profunda. Qual é a discussão, então, aqui? Quem não tem conhecimento sobre o assunto vai pensar: "Ora, a surdez unilateral causa um impacto na vida da pessoa, no dia a dia da pessoa, no trabalho, nas suas atividades diárias, a ponto de considerarmos, nessa pessoa, uma surdez com deficiência?" Na verdade, é isso que está se discutindo. Nós queremos chegar a uma conclusão se convém denominar o surdo unilateral como uma pessoa com deficiência, e essa denominação vai surgir da limitação, das dificuldades diárias que essa pessoa enfrenta, por conta dessa condição. Então, é isso que nós vamos tentar esclarecer aqui. A noção de que a pessoa tem uma orelha funcionante e que isso é o bastante é uma noção bastante comum. Nós mesmos otorrinolaringologistas, até o final do século passado, cansamos... Eu cansei de orientar pacientes diagnosticados com perda unilateral, pais de crianças diagnosticadas com perda unilateral: "Não se preocupe, seu filho vai ter um desenvolvimento normal. Essa perda unilateral não vai causar uma dificuldade para ele na escola, não vai causar uma dificuldade para ele no desenvolvimento da fala, não vai ter um impacto maior. Não se preocupe com isso. Vai dar tudo certo para o seu filho." Na verdade, existe já um corpo de evidências científicas bastante robusto que indica que a criança com surdez unilateral tem deficiências em várias áreas do seu desenvolvimento e que isso leva a dificuldades, a problemas, no dia a dia delas e na sua vida adulta também. E é isso o que eu queria trazer aqui para vocês. Os estudos, principalmente de 2010 para cá, têm se tornado cada vez mais incisivos no fato de que a criança com surdez unilateral tem resultados significativamente piores do que as crianças com audição normal, seja... Pode passar, por favor, mais uns três eslaides. Aí. Seja na localização do som, seja no reconhecimento da fala, seja no seu desempenho acadêmico, seja nas competências de linguagem e fala, seja no seu desenvolvimento comportamental, seja na interação social, seja nas funções cognitivas. Em todas essas áreas, já existem estudos que comprovam que a criança com surdez unilateral apresenta desempenho pior do que as crianças normais - sem deficiência auditiva - nesse aspecto. Vamos ver o desempenho acadêmico. Próximo, por favor. Estatisticamente, crianças com surdez unilateral têm dez vezes mais chances de repetir de ano do que crianças sem perda auditiva. Esse é um estudo publicado pela Pediatrics, em 2013, de um grupo da Universidade de Washington que estuda crianças com perda auditiva unilateral. Essas crianças foram identificadas pelos seus professores como imaturas ou hiperativas. A surdez unilateral não foi identificada como a causa do mau desempenho acadêmico dessas crianças. Outros estudos mostram um desempenho escolar 20 a 40% pior do que as crianças sem perda auditiva. Estudos com adolescentes com surdez unilateral apresentam os mesmos resultados. |
| R | Aqui, algumas referências bibliográficas. São estudos recentes, publicados em revistas de alto impacto médico, na Pediatrics, na Laryngoscope, que é uma das principais revistas de otorrinolaringologia do mundo, na Hearing. São estudos conceituados e já existe uma evidência bastante robusta nesse sentido. Próximo. Distúrbios comportamentais: 70% das crianças com surdez unilateral se sentem envergonhadas da sua condição, metade delas se sente inferior em relação a crianças com audição normal, num estudo com mais de 160 crianças com audição unilateral, entre oito e doze anos. Os resultados são 40% piores nos questionários de qualidade de vida pediátricos. São questionários aplicados nessas crianças para tentar identificar basicamente se elas são felizes, se elas se consideram crianças felizes. Então, os resultados são bastante robustos no sentido de mostrar. Essa criança com perda auditiva unilateral vai se tornar um adulto com perda auditiva unilateral, e os seus resultados vêm sendo comprometidos pela falta de reconhecimento da sociedade de que esse é um problema real. Então, podemos dizer, com certeza, que os médicos, em primeiro lugar, vêm falhando com essa população dos surdos unilaterais, por desconhecerem esses resultados, até porque a ciência tem trazido essas informações de forma mais robusta nos últimos anos; os educadores vêm falhando com essas crianças com surdez unilateral, por não identificarem que o problema é esse e por não oferecerem a elas melhores condições de ensino; os pais vêm falhando. Enfim, temos uma dívida com os portadores, com as pessoas com deficiência, com surdez unilateral. O adulto não fica atrás. A quantidade de estudos a respeito de adultos com surdez unilateral é bem menor, mas o adulto sofre, mesmo aquele que não é um surdo desde a infância, não é um surdo unilateral desde a infância sofre com a dificuldade de localização sonora. E essa não é uma dificuldade que deve ser subestimada. Todos vocês aqui devem ter acompanhado, alguma vez, um debate na TV Senado ou um debate esportivo, num canal de esporte. Quando todos começam a falar ao mesmo tempo, como a TV tem um só canal de saída, ninguém entende nada, mas quem está presente no recinto tem uma capacidade muito maior de compreender o que cada um está falando, porque é capaz de dirigir sua atenção a uma fonte sonora ou outra. Quem está em casa e recebe a informação por um único canal não tem essa capacidade. O surdo unilateral passa a vida através de um único canal da televisão, quer dizer, toda vez em que ele estiver num ambiente em que você tem mais de uma pessoa falando ao mesmo tempo, ele vai ter a mesma dificuldade de compreender que nós temos quando várias pessoas falam ao mesmo tempo e estamos vendo televisão. É muito difícil para o surdo unilateral direcionar a atenção para uma fonte sonora, sem falar no fato de ele ser incapaz de... (Soa a campainha.) |
| R | O SR. KRISHNAMURTI SARMENTO JUNIOR - ... localizar a fonte sonora, quer dizer, no trânsito, ele não sabe de onde está vindo a buzina; numa reunião, ele não sabe de onde está vindo a pessoa que está chamando. A minha experiência pessoal com surdos unilaterais é vê-los no meu consultório médico deprimidos, chateados, envergonhados, porque tentam esconder a sua condição e, muitas vezes, são tachados, no trabalho, de desatentos, de relapsos. Por quê? Porque a pessoa que está vendo não percebe que aquilo é uma dificuldade auditiva. A primeira instituição que tem que reconhecer essa dificuldade é o Estado. Se o Estado não reconhece essa deficiência, é muito difícil convencermos o empregador a reconhecer essa deficiência e, com isso, adaptar o ambiente de trabalho do surdo unilateral para que ele possa se desenvolver na sua plenitude. Eu só queria trazer essas informações técnicas que já existem a respeito do assunto. Para finalizar, não se trata aqui de comparar deficiências. Nós não temos nenhuma dúvida de que o surdo bilateral, de que o deficiente auditivo com perda aditiva profunda, severa, bilateral tem dificuldades muito maiores, até pela barreira da língua. Nós vemos que o surdo unilateral é um surdo oralizado. O Luciano deixou isso claro com a brilhante exposição oral que ele fez. Ele não tem dificuldade, ele domina a língua falada, mas isso não significa que ele não tenha dificuldades importantes no seu dia a dia, no seu trabalho, na sua casa, e que isso não se caracterize como uma deficiência. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Krishnamurti Sarmento Junior, médico otologista, especialista nessa área. Francisco Job Neto, médico pediatra, mestre em Saúde Pública e consultor. O SR. FRANCISCO JOB NETO - Bom dia a todos. Quando me convidaram para participar, conversei com o Luciano um pouco surpreso e falei: "Mas os surdos unilaterais não são considerados deficientes!" Porque eu, como médico pediatra, considero que uma criança surda unilateral tem uma deficiência. Eu não vou repetir o que meu colega comentou anteriormente sobre as dificuldades sociais que essas crianças têm, os tiques. Se ele fala comigo aqui, eu faço assim e, para uma criança de nove anos, de dez anos, de onze anos, isso pode causar bullying na escola, dificuldades sociais. Para o adulto, ele pode acabar sendo uma pessoa considerada agressiva, distante, desligada ou sabe-se lá... Não vou repetir o que já foi dito, porque para mim parecia muito óbvio do ponto de vista médico. Do ponto de vista de definições, igualmente é uma deficiência para as classificações internacionais da Organização Mundial de Saúde. É uma deficiência tanto para a classificação internacional de doenças quanto para a classificação internacional de funcionalidades. Então, do ponto de vista técnico, eu também acho que não existe necessidade de nós ficarmos cavando isso. Eu vou entrar um pouquinho no que o Dr. Luciano falou e o Dr. Kayo vai falar, mas, nos direitos fundamentais, não cabem interpretações restritivas. Então, não há como dizer que o surdo unilateral... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, pessoal, Senador Valdir Raupp, Líder do PMDB. Ele é fundamental em todos os temas que envolvem as pessoas com deficiência e tem ficado do nosso lado com muita convicção. (Palmas.) O SR. FRANCISCO JOB NETO - Continuando, não cabem definições restritivas para os direitos fundamentais. Mas vou passar, desses assuntos que já foram brilhantemente explicados e que ainda serão mais bem detalhados, para a questão de saúde pública, que é o efeito que a restrição de direitos causa na comunidade, no coletivo, para todo mundo, porque, quando tiramos direitos de algumas pessoas, isso acaba produzindo problemas para toda a coletividade. Eu suponho que aqui existam pessoas que nasceram ou que vivem no Estado do Rio de Janeiro. Alguém aqui? Quem? Existem algumas pessoas. Na cidade do Rio de Janeiro, há 30 mil pessoas privadas de liberdade só no Complexo de Bangu. E essas pessoas não têm acesso ao SUS (Sistema Único de Saúde) do País, que, na definição, é universal. Essas 30 mil pessoas estão vivendo no exterior. Dentro dos muros de Bangu, o SUS não existe. Isso faz com que 30% delas tenham tuberculose ativa. Semanalmente, 30 mil presos recebem trinta 30 mil visitantes, que circulam em toda a cidade de ônibus e de metrô, que conversam com as pessoas, que trabalham no comércio, nas casas, por todos os lados. O Rio de Janeiro tem a maior taxa de tuberculose ativa na comunidade, no País. Então, 1,5% de todas as pessoas que se veem circulando pela rua, na cidade maravilhosa, nos ônibus, nos metrôs, na Assembleia Legislativa, têm tuberculose ativa. Existe um impacto para toda a população quando um grupo da população perde direitos fundamentais. Eu posso garantir que, da mesma maneira que outros deficientes, outras pessoas com deficiência, o surdo unilateral também tem uma maior taxa de problemas emocionais, tem uma renda mais baixa, tem um maior índice de alcoolismo, de suicídios, de depressão. Eu posso garantir isso, porque é verdade que para todas as outras pessoas com deficiência há taxas mais altas de depressão, há taxas mais altas de suicídio, há taxas mais altas de alcoolismo e uso de drogas, de casamentos falidos, de agressividade, de problemas com a polícia. |
| R | Voltando, acho que não podemos fazer uma restrição de direitos interpretando uma redação infeliz de uma determinada norma legal para um coletivo que é bastante substancial e que é reconhecido como pessoa com deficiência por absolutamente todas as outras classificações técnicas. Nós temos somente uma norma legal, que tem uma redação infeliz, que exclui, mas, mesmo assim, quando vai para a Justiça - e, em 12 anos, nós tivemos a oportunidade de que isso fosse para a Justiça milhares de vezes -, os tribunais superiores têm decidido da maneira como a Constituição manda, que o direito fundamental, a norma não pode ser interpretada de maneira restritiva. A minha primeira frase é: como assim? A pessoa que tem uma deficiência sensorial unilateral é considerada uma pessoa sem deficiência? Como assim? É verdade isso mesmo? Bem, eu sei que não é verdade no mundo real, mas no mundo da norma ela precisa deixar de ser verdade. Nós precisamos modificar a norma de maneira que ela seja inclusiva, que é o objetivo da Constituição cidadã, já que a inclusão social vai fazer bem para todo o coletivo, vai fazer bem para toda a comunidade. Não existem motivos moralmente aceitáveis para excluir o surdo unilateral da classificação de pessoas com deficiência. Eu estou terminando um pouco antes e vou dar mais tempo para o meu colega. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Francisco Job Neto, médico pediatra, mestre em Saúde Pública e consultor. Agora vamos ao advogado Kayo Miranda Leite, mestre em Direito e Políticas Públicas. O SR. KAYO MIRANDA LEITE - Bom dia, Senador Paulo Paim. Cumprimento o Senador Valdir Raupp e os demais colegas da Mesa, os demais presentes. Luciano, agradeço o convite. Ao ser convidado pelo Luciano para compor esta Mesa, veio-me uma inquietação no sentido de que eu estaria certamente diante de pessoas interessadas e engajadas com o tema para promover a inserção social de quem realmente precisa. O meu trabalho em torno desta matéria se dá no âmbito litigioso, com demandas judiciais, sobretudo mandados de segurança, mas também consultivo, uma vez que integro, como Secretário-Geral, a Comissão de Fiscalização de Concurso Público da OAB, Seccional do Distrito Federal. |
| R | E vejo, nesta manhã, Senador Paulo Paim, uma oportunidade de gala para que tentemos contribuir em reafirmar a vontade do Parlamento. Acredito que as normas vigentes, falo em especial do Decreto nº 3.298, foram mal compreendidas em um primeiro momento, porque os tribunais, apesar de a jurisprudência ter se tornado vacilante, reconheceram os surdos unilaterais como portadores de necessidades especiais. Há jurisprudência, nesse sentido, desde 2006, sedimentando-se nesse sentido. Eu poderia citar vários julgados, mas fugiria e não acho não é o propósito. No âmbito jurídico e à luz da Constituição de 1988, o Parlamento, esta Casa teve uma preocupação de sentinela com a previsão de direitos fundamentais, depois de um período de exceção. Tanto no projeto informal de José Afonso da Silva como na própria Comissão Afonso Arinos existia essa preocupação. O Ministro Luís Roberto Barroso tem uma frase de que eu gosto muito. Ele diz que só não reconhece a luz quem não viveu à sombra, reconhecendo o mérito e o avanço que a Constituição de 1988 entregou ao jurisdicionado, ao cidadão, para a proteção de direitos fundamentais. E, agora, mais de 25 anos depois da nossa Constituição, nós temos a necessidade de nos advertir a respeito de uma inserção que se reclama junto aos tribunais, e há instrumentos jurídicos para isso. Pela via do mandado de segurança, por exemplo, o que o Constituinte deferiu foi: está aqui um remédio heroico para que você possa reclamar junto ao Judiciário, caso algum desses direitos fundamentais não sejam reconhecidos em seu favor. Isso aportou ao Superior Tribunal de Justiça, ao Supremo Tribunal Federal, e tivemos decisões favoráveis nesse sentido. Ora, quanto à redação do Decreto nº 3.298, de 1999, qual era o propósito do legislador ao estabelecer aquela norma, quando em um primeiro momento reconhece que qualquer redução de capacidade, inclusive cognitiva, há de se reconhecer como um portador de necessidade especial, mas logo depois fala que a perda tem que ser bilateral? Que interpretação devemos entregar a uma norma que traz essa estrutura? Ora, é compreensão rasa, na ciência jurídica, de que uma norma de direito fundamental não pode admitir uma interpretação restritiva. O Dr. Sarmento Junior, na sua exposição - eu estava bem atento -, apresentou, num dos eslaides, o comprometimento acadêmico que o portador de necessidade especial da deficiência auditiva unilateral tem. Eu sou professor universitário em duas instituições em Brasília - falo não por vaidade, mas por amor ao ofício - e tive um aluno com uma deficiência auditiva unilateral. Isso exigiu dos seus pares e do docente que lhes fala uma sensibilidade para inserir aquele aluno no propósito de aprendizado e de formação que buscava. |
| R | Socialmente já há esse engajamento. Algumas empresas, à margem da lei, já o reconhecem, porque o Estado não pode admiti-lo. Estamos buscando, em verdade, a formalização e, entendo, a reafirmação de uma vontade já manifestada e que se conciliaria com os propósitos constitucionais e com os valores destacados no constitucionalismo contemporâneo. Entendimento diverso significaria ir na contramão, com absoluta segurança, daquilo que se proclama aqui, no Supremo Tribunal Federal. E seria saudável que o Parlamento mantivesse um diálogo que se conjuminasse, que se adequasse a esses propósitos, para que depois não tenhamos que enfrentar outros mandados de segurança, talvez mandados de injunção, reivindicando que a norma não está completa, que há uma ausência de normatização para determinado segmento. Foi assim que o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão nasceram. Claro, fruto da experiência do Direito alemão, são frutos de uma preocupação evidente e colocada para socorrer quem precisa de determinados direitos. Por essas razões, Senador Paulo Paim, tentando colocar a leitura jurídica que se destaca em torno da compreensão desse tema, o posicionamento que os tribunais já assumiram, o propósito constitucional que se coloca e que nos adverte, é que eu espero que esta Casa consiga dar consecução aos seus trabalhos, agregando e inserindo os surdos unilaterais como portadores de necessidade especial para todos os efeitos legais. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Agradeço ao advogado e mestre em Direito e Políticas Públicas Kayo Miranda Leite. Convido os senhores a retornarem à primeira fila. Nós vamos para a segunda Mesa. De imediato, Filipe Trigueiro Xavier Correia, representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência(Conade); Heleno Correa Rodrigues Filho, Pesquisador Voluntário da Universidade de Brasília (UnB); e Liliane Bernardes, Coordenadora da Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria Especial de Direitos da Pessoa com Deficiência, representando aqui o Ministério da Justiça e Cidadania. Sejam todos bem-vindos. |
| R | De imediato, passamos a palavra para Filipe Trigueiro Xavier Correia. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. Ele está pedindo para trabalhar com o telão. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Posso usar a palavra antes dele? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode. Você é que vai fazer a... O.k. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - É exatamente sobre isso que vou falar. No seminário de aniversário de um ano da LBI, eu estive presente. Meu nome é Lúcia, sou professora de surdos. Nós conversamos depois do seminário e foi por essa provocação que, acredito, estejamos aqui hoje. Eu preciso registrar uma falha grande de quem organizou a audiência, porque não foi providenciado intérprete, condição fundamental, indispensável para a participação do surdo. Independente da presença do surdo na mesa ou no plenário, deveriam estar aqui intérpretes contratados. O intérprete William foi chamado de urgência porque o Filipe, representante do Conade, Conselheiro do Conade, estava aqui sem acessibilidade. Ele veio de urgência, isso não pode acontecer. Eu vim como convidada da Federação. É só isso. A condição aqui de acessibilidade não foi plena, ao contrário, ela foi negada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixe-me só adiantar. Queiramos ou não, o Senado não tem. É uma realidade, é uma briga nossa aqui dentro. Não é culpa da Comissão. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Mas nenhuma instituição tem, é difícil. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Calma, deixe-me concluir. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - É que eu não concluí, desculpe-me. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É que estamos com problema de horário e há orador na tribuna. Você vai usar o tempo dele. Ele não vai falar então. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Está o.k. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você fala e ele não fala. Eu tenho que explicar os fatos reais. O Senado não tem. Se o Senado não tem, infelizmente a Comissão não pode ser culpada. O Senado não tem e não contrata. É decisão do Presidente da Casa. Ou derrubamos o Presidente ou muda a posição. Como nós sabemos que não vamos derrubar o Presidente, vamos cair na real. Canso de ver aqui as pessoas dizendo: "Quero protestar!" Digo: "Protestem à vontade." Mas, se não fosse esta Comissão, esta audiência não estaria acontecendo. Nós fizemos aqui o maior esforço do mundo. Sabe quantas audiência públicas eu faço por ano? Cento e setenta. Sabem o que é a média da Casa? Cinquenta. Estou aqui presente, com o maior esforço do mundo, em plena segunda-feira. Poderia estar no meu Estado, fazendo a campanha... A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Então o senhor também está usando a fala dele. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só um minutinho, minha amiga. Você provocou. Eu sempre ouvi. Nós temos que ouvir os dois lados. Então, essa responsabilidade não é da Comissão. E os funcionários estão ali. Eles organizaram. Eles não têm força para contratar e eu também não tenho. Isto tem que ficar claro: toda vez que houver uma audiência pública, as entidades que provocam a audiência pública é que estão trazendo as pessoas que fazem esse papel fundamental. Eu já falei com o Presidente da Casa, já falei com a Diretoria, já fizemos moção de apoio, já falamos na tribuna do Senado. É um fato real que não resolvemos ainda. Nós temos que desenvolver audiência pública. Qual é a minha intenção? Eu sou o Relator desse projeto. A minha intenção é ouvir as pessoas. Aqui vocês estão falando para o Brasil, porque estamos ao vivo para todo o Brasil, de acordo com as limitações, mas o meu parecer depende desta audiência pública. Eu preciso ouvir os convidados. |
| R | Depois de ouvir os convidados, eu vou dar o meu parecer. E, naturalmente, vocês querem que o parecer seja positivo. Sabendo que nesta segunda-feira - e olhe o tempo que estamos levando agora -, a partir das 11 horas, há uma sessão do Plenário e que nós temos que ir para lá, é fundamental para mim ouvir todos os convidados. E fica a sua sugestão. Enquanto o Senado não contratar as entidades, num momento como este, tão importante para a decisão em relação a esse projeto, vocês nos ajudariam trazendo alguém que... A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Eu respeito o senhor e o seu trabalho. Eu o conheço e acompanho há muitos anos. Eu só queria deixar um registro, porque, se não houvesse um intérprete de urgência... Eles não foram informados, então não tinham conhecimento. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, mas isso aqui faz dez anos quase. Desde que o Presidente assumiu, nós temos essa briga. Eu estou aqui há quase 16 anos. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Mas o senhor entende que eu não poderia deixar passar em branco? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu entendo o seu protesto, é legítimo. Fica, mais uma vez, registrado nos Anais da Casa. Só que estou sendo realista para explicar o que existe. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Sim, eu também estou sendo realista. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mediante o que existe, as entidades devem, dentro do possível, trazer alguém que possa ajudar nessa manifestação. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Pois é. V. Exª entende que ainda precisamos lutar muito por isso, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Com certeza. Por isso estamos aqui. E esta lei não foi aprovada ainda. A SRª LÚCIA MARIA DE SOUSA BORGES - Por isso eu usei a fala. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bem. Meu amigo, com a palavra. O SR. FILIPE TRIGUEIRO XAVIER CORREIA - Bom dia a todos desta Comissão. Eu ouvi os relatos aqui, hoje. Inclusive, especialistas médicos falaram sobre a questão da deficiência unilateral e também bilateral. É diferente, porque os surdos que são bilaterais, em geral, usam línguas de sinais, vivem experiências totalmente visuais. Então, como fazer essa comparação com os surdos que vivem outra realidade? São necessidades diferentes. Mas, enfim, eu tenho um eslaide e vou trabalhar usando o eslaide. Eu vou ler o contexto histórico: Nota Técnica nº 12/2007/CORDE/Secretaria de Direitos Humanos/Presidência da República. Ref.: Resultado das Reuniões Técnicas sobre Caracterização/Classificação das Deficiências. “As especificidades da perda auditiva unilateral não caracterizam uma deficiência ou uma incapacidade no desempenho dos indivíduos em suas atividades cotidianas e na sua interação social. Diferentemente da perda auditiva bilateral superior a 41 dB nas frequências de 500, 1000, 2000 e 3000 Hz, que ocasionam uma deficiência, pois causam um grande impacto nas condições de vida, atividades e participação do indivíduo na sociedade.” “Para avaliar a capacidade de uma pessoa para o exercício de atividades, a OMS recomenda o uso de qualificadores de capacidade e desempenho. O qualificador de desempenho descreve o que o indivíduo faz no seu ambiente habitual e o de capacidade descreve a habilidade de um indivíduo de executar uma tarefa ou não. Ambos qualificadores possibilitam codificar a capacidade da pessoa, considerando se a pessoa que possui uma patologia precisa de assistência ou não. Da mesma forma, se ela pode desempenhar ações com ou sem auxílio e qual é a intensidade e esse tipo de auxílio. |
| R | Neste sentido, apesar de pessoas com perda auditiva unilateral possuírem claramente uma patologia, não se pode afirmar que tenha uma deficiência se as variadas formas de compensação pessoal, social e ambiental lhes permitem desempenho e manifestação de suas capacidades sem a ajuda de dispositivos de auxílio ou assistência pessoal. Há que se considerar ainda que o mesmo grupo de especialistas considera que a caracterização de deficiências conforme dispostas no Decreto nº 3.298/99, nos arts. 3º e 4º, cuja redação foi alterada pelo art. 70 do Decreto nº 5.296, de 2004, não se mostra suficiente para valorar o nível da perda funcional do indivíduo. Dessa forma, a proposta na qual o Governo vem se empenhando é o modelo de valorização utilizado pelo governo espanhol. Esse modelo consiste em combinar fatores biológicos e funcionais aos fatores sociais e de entorno. Por isso não consideramos adequado definir em uma lei ordinária a definição e a caracterização que hoje estão dispostas em decreto, que terá seu modelo modificado em curto espaço de tempo. Dessa maneira, o grupo conclui que a perda auditiva unilateral não acarreta incapacidade ou restrição funcional que impeça a participação social do indivíduo. As características da deficiência de cada indivíduo precisam acompanhar uma nova adaptação. Então, com referência às barreiras, qual seria a barreira real para o surdo unilateral e para o surdo bilateral? É importante que os profissionais também avaliem isso quando fizerem a definição de deficiente. Súmula do STJ nº 552: "O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos."(Corte Especial, aprovado em 4/11/2015) De verdade, a Justiça tem muita dificuldade de avaliar se há barreira ou não. Por exemplo, o surdo unilateral tem uma perda leve. Mesmo que seja uma perda mais severa, essa perda é em um único lado. A Justiça também tem dificuldade de resolver, fazendo esse tipo de avaliação. Pode passar para o próximo, por favor. A convenção internacional também traz outro olhar baseado na avaliação. |
| R | O senhor pode mudar o eslaide por favor? Vou ler um novo conceito de deficiência. Segundo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a deficiência é um termo em evolução e é compreendida atualmente como o resultado da interação entre as pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem a sua plena participação na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas. Isso significa que a deficiência deve ser vista de forma ampla, como produto tanto de características pessoais quanto das condições ambientais. Eslaide seguinte. Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O art. 1º permite o entendimento do modelo social da deficiência adotado: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.” O que significa isso? A interpretação da convenção não está focada em um modelo clínico, mas em um modelo social, no qual são avaliados os fatores. Vou ler só o título: "Quem são as pessoas com deficiência: novo conceito trazido pela convenção da ONU." Seguinte. A LBI também traz esse desenho sobre a avaliação da pessoa com deficiência: Art. 2º. (...) §1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. §2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. O modelo biopsicossocial utiliza a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF). Próximo. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde de OMS. A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para ser usada de forma transversal em diferentes áreas como saúde, educação, economia, trabalho e desenvolvimento de políticas. Enquanto a CID-10 está focada na doença, a CIF se volta para como o indivíduo exerce suas funcionalidades na interação entre a pessoa e o ambiente social ao redor. A Lei estabeleceu que a avaliação da pessoa com deficiência deverá conter os impedimentos nas funções e estruturas do corpo, mas também os fatores socioambientais, psicológicos e sociais. |
| R | A CIF tenta trazer esse parâmetro e fazer essa avaliação psicossocial. Já existe um modelo de avaliação que foi criado em um GT. Esse GT fez uma pesquisa, aprofundou-se, fez todo um estudo para que se desenvolvesse um modelo inicial. De 2010 a 2012 já existe esse modelo que foi pesquisado e há várias instituições envolvidas, como o Ines e outros eventos que participaram da criação com seminários. O senhor é da UnB? Pode passar para o próximo, por favor. Esse seria um modelo de avaliação dos impedimentos da pessoa, no caso, também comunicacionais... (Soa a campainha.) O SR. FILIPE TRIGUEIRO XAVIER CORREIA - Quais seriam as barreiras das pessoas. Isso entraria tanto no unilateral quanto no bilateral para ser avaliado. Próximo eslaide. Temos muitas brechas na lei. Essas falhas geram duplos entendimentos e, no caso, a perda do bilateral ou do unilateral. Isso, eu posso ler como referência nessa falha. Projeto de Lei da Câmara nº 23/2016: Art. 1º Fica estabelecido que deficiência auditiva é a limitação de longo prazo da audição, unilateral ou bilateral, parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras... (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só lembrar que ele tem mais um minuto. O SR. FILIPE TRIGUEIRO XAVIER CORREIA - Eu preciso de mais tempo para expor. Minha situação é diferente. Eu não escuto igual às outras pessoas. Então, peço mais tempo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vou lhe dar, então, mais cinco minutos. Mais cinco. O SR. FILIPE TRIGUEIRO XAVIER CORREIA - Está o.k. Mais cinco minutos. Art. 1º Fica estabelecido que deficiência auditiva é a limitação de longo prazo da audição, unilateral ou bilateral, parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras impostas pelo meio, obstrui a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. O termo “parcial” inserido na definição de unilateral pode levar a outro entendimento equivocado. Considerando uma pessoa com perda de 41 decibéis em um ouvido e sem perda no outro ouvido, nesse caso, uma pessoa que pode escutar e se comunicar perfeitamente, não possuindo impedimento de longo prazo de natureza sensorial, isso não obstrui a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Próximo, por favor. |
| R | Possíveis consequências: Aumento de exclusão de outras pessoas com deficiência, inclusive das com deficiência auditiva unilateral, que vivem com zumbidos constantes; Aumento de rombo fiscal, com acesso de pessoas não necessitadas dos benefícios de INSS, agravando a crise econômica do País. As medidas e ações afirmativas devem ser conferidas às pessoas realmente necessitadas, sob pena de gerar uma maior exclusão social. O reconhecimento aos que possuem perda auditiva unilateral, que não sofrem com barreiras ou não possuem zumbido, dos mesmos direitos assegurados às pessoas com deficiência, com a consequente extensão de ações afirmativas no campo de trabalho e emprego, surtirá efeito contrário, excluindo ainda mais aqueles trabalhadores com deficiência. Isso é o que eu trago. Já existe a comprovação de que não há essa barreira tão elevada da pessoa com deficiência unilateral, no caso da audição. Então é preciso pensar em uma proposta. Essas pessoas têm perda, isso é real, mas não incluí-las no quadro de pessoas com deficiência vai gerar uma perda real e significativa, se comparadas com as outras pessoas? Vou tentar resumir. O projeto de lei pode revogar a LBI, caso seja aprovado do jeito que está. Se focar apenas esse modelo médico e esquecer o psicossocial, pode haver uma perda significativa. Então, deve-se fazer essa avaliação e entender a questão das brechas na jurisdição. 3. Inconstitucionalidade do PLC. O PLC, ofendendo o conceito de deficiência da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, é suficiente para tornar-se inconstitucional. Como vimos, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e a CIF podem enquadrar as pessoas com perda de auditiva unilateral nos mesmos direitos assegurados às pessoas com deficiência. No caso de haver impedimentos sensoriais de longo prazo, em interação com uma ou mais barreiras, isso pode obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, em conformidade com o art. 2º da LBI. Por exemplo, aquelas com zumbidos decorrentes de perda de audição, o que acarreta dificuldade de concentração e de aprendizagem na sociedade, podem ser facilmente avaliadas pela CIF. A LBI foi aprovada, é uma lei que existe. Não podemos retroceder. Temos que continuar. Não podemos retroceder ao modelo clínico. |
| R | Dificuldade no trabalho. A maior dificuldade de pessoas com perda de audição unilateral é ser inserido no mercado de trabalho, uma vez que empresas têm receio de admitir essas pessoas por medo de sofrer processos judiciais no caso de piora de audição delas. Dessa forma, ficam reprovando os exames admissionais delas. Com a CIF, já se considera pessoa com deficiência no caso de passar da avaliação. (Soa a campainha.) O SR. FILIPE TRIGUEIRO XAVIER CORREIA - Proposta de outra solução. Contudo, no caso de não passar de avaliação da CIF? Dessa forma, outra solução pode ser proposta: a criação de espécie de termo de compromisso a ser firmado entre empregado com perda de audição unilateral e empregador. Esse termo tem finalidade de compromisso e não de processar empregadores em razão de piora da audição deles, limitando-se a essa perda auditiva, isto é, pode-se processar no caso de adquirir outra deficiência distinta. Tem o objetivo de assegurar o emprego às pessoas com perda auditiva unilateral, devolvendo segurança jurídica. Era isso. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Meus cumprimentos ao Filipe Trigueiro Xavier Correia, representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Conade. O seu argumento procedeu, e eu entendi. Você teria que usar, devido à tradução, no mínimo, o dobro do tempo. Então, meus cumprimentos pela forma tranquila e objetiva como fez a sua exposição. Vocês veem que o tema é complexo, porque as posições são divergentes. É claro que eu quero construir um entendimento, quero dar um parecer que atenda a todos. Por isso a minha preocupação e a importância desta audiência. Pesquisador Voluntário da Universidade de Brasília, UnB, Sr. Heleno Correa Rodrigues Filho, também 10 minutos. O SR. HELENO CORREA RODRIGUES FILHO - Vou tentar falar pausadamente, para facilitar a tradução do intérprete para o nosso companheiro de mesa. Na pessoa do Filipe, eu cumprimento os que aqui estão, a Drª Fernanda e a Drª Liliane. Não vou apresentar telas de computador, porque o que eu tinha para apresentar já foi apresentado aqui, tanto na exposição do Filipe quanto, acredito, dos outros que me antecederam. Considero que a minha presença aqui se deve ao fato de eu ter participado, com a equipe da Universidade de Brasília, de um trabalho de validação epidemiológica do Índice Brasileiro de Funcionalidade, IFBrA, sendo que a letra "A" significa adaptado para a concessão de aposentadorias pelo INSS. Esse índice adaptado decorre de um trabalho que, certamente, a Drª Liliane e a Drª Fernanda vão comentar. É importante que seja reconhecido que tanto o Parlamento brasileiro quanto o Poder Executivo já tomaram iniciativas nesta última década, particularmente a partir de 2006, no sentido de reconhecer a nova conceituação sobre pessoas com deficiência que vem no bojo de uma resolução da Organização das Nações Unidas de que o Governo brasileiro é signatário. |
| R | O Parlamento brasileiro aprovou em votações o que se transformou num decreto legislativo que se tornou a Emenda Constitucional nº 47. Portanto, os direitos das pessoas com deficiência são elementos da Constituição brasileira de 1988, que, neste momento, nos parece um marco referencial importante de defesa da cidadania, porque reflete o que o País tem de melhor garantia de direitos das pessoas e para a sociedade, particularmente na Seguridade Social, que é um conceito considerado hoje em risco na sociedade brasileira, em que se identifica um embate político por restrição de direitos e, principalmente, pela retirada de direitos dos mais vulneráveis. Os trabalhadores, os pobres e as pessoas com deficiência não poderiam estar excluídos dessa possibilidade de ser atingidos na restrição de direitos. A Mesa que abriu esta reunião trouxe clara a mensagem de que não se podem interpretar de maneira restritiva os direitos assinalados em lei e nós devemos tomar... Creio que é uma missão espinhosa do Senador Paulo Paim relatar um projeto como este, porque tanto é justo se preocupar com a defesa das pessoas com surdez unilateral como também é justo não colocá-las em conflito com os direitos já reconhecidos em lei e na Constituição, na medida em que a emenda constitucional brasileira e a própria Constituição devem ser fortalecidas e defendidas, particularmente nesta Casa do Legislativo. A minha participação aqui se deve a essa adaptação feita para fins de aposentadoria no INSS, uma forma de somar a pontuação para qualificar gravidade. A lei determinava - ainda determina - que as pessoas sejam aposentadas com tempo de contribuição menor à medida que sejam consideradas graves. O relatório final dessa validação foi apresentado no dia 21 de junho passado. Convidamos o Senador Paulo Paim e outros Senadores que foram os promotores da Lei Brasileira de Inclusão. Sabemos que eles não puderam comparecer por falta de agenda, porque coincidia com as datas de votação, aqui no Senado, do impeachment da Presidente Dilma. Entendemos que a convulsão política, na qual ainda encontramos o País, justifica que todos os participantes tiveram que se envolver em outras lutas parlamentares e não puderam comparecer à discussão técnica sobre essa validação. Para não ir muito além do tempo de que dispomos aqui, é importante dizer: primeiro, preservar a Constituição, a lei e a equidade de direitos. A palavra equidade tem o sentido do Sistema Único de Saúde, o SUS. Equidade significa tratar os desiguais segundo as suas diferenças. Não significa tratar a todos da mesma forma. |
| R | Essa questão da surdez unilateral, evidentemente, pelos parâmetros médicos e científicos explicados aqui na Primeira Mesa da manhã, qualifica as pessoas com surdez unilateral como pessoas com deficiência. Esse reconhecimento tem que ser tácito. Não é possível excluir pessoas com base numa interpretação de que a lei ou decretos anteriores tivessem qualificado como pessoas surdas apenas aquelas que têm surdez bilateral. Eu acho que a Primeira Mesa foi bastante clara com relação a isso. Por outro lado, não podemos, em função de uma qualificação clínica e nosológica, que são padrões médicos, impor uma deformação da Lei Brasileira de Inclusão e da Constituição. A posição a ser tomada pelo legislador diante dessas duas questões que são aparentemente conflitantes é uma decisão legislativa difícil, mas certamente eu confio que a Comissão do Senado e o Relator, Senador Paulo Paim, encontrarão maneiras de não perpetuar a discriminação contra as pessoas surdas unilaterais e, ao mesmo tempo, não destruir o avanço que já foi obtido pela validação dos critérios de gravidade do Índice de Funcionalidade Brasileiro, cujo site foi mostrado ali pelo Filipe, que me antecedeu com sua exposição. Esse trabalho legislativo é um trabalho que deve, realmente, levar em consideração que manter caráter discriminatório de exame médico, clínico, apenas para a concessão de um reconhecimento destrói o caráter biopsicossocial do instrumento Índice de Funcionalidade Brasileiro e atenta contra o caráter de avaliação multiprofissional, biopsicológico e social proposto pela emenda constitucional já incorporada na Constituição brasileira. Então, reconhecendo como avanço a Constituição, com sua Emenda 47, a Lei Brasileira de Inclusão e o conhecimento gerado pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade do Rio de Janeiro, que criou o Índice de Funcionalidade Brasileiro, e a adaptação feita, validada para fins de aposentadoria, que vão na mesma linha, o apelo que estou trazendo aqui, em nome de quem estou representando - foi convidada a vir aqui a Profª Anahi Guedes de Mello, antropóloga da Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, que nos pediu que fizéssemos aqui esta representação porque ela não poderia vir -, é que seja feita... (Soa a campainha.) O SR. HELENO CORREA RODRIGUES FILHO - ... uma compatibilização desses critérios para não cairmos, por exemplo, numa discriminação que poderia ocorrer com pessoas com deficiência mental. Tenho um minuto? Tenho, não é? Dois? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Três. O SR. HELENO CORREA RODRIGUES FILHO - Três. Vou dar um exemplo. As pessoas com deficiência intelectual e mental não são reconhecidas como tais pela sociedade. Os critérios puramente médicos de avaliação podem, inclusive, levar a equívocos, porque a pessoa tem aparência saudável, não tem lesões visíveis, não tem alterações de comportamento e pode se candidatar a um emprego e ser recusada porque é considerada inapta para o trabalho, sem nenhum reconhecimento de sua condição de pessoa deficiente. |
| R | Portanto, não é apenas na questão das pessoas com surdez unilateral que ocorrem injustiças. Estamos praticando injustiça fundamentalmente na seleção para o trabalho dos mais aptos e ignorando as condições que a lei coloca sobre a necessidade de reservar para as pessoas com deficiência de todas as naturezas o direito ao trabalho. Então, assim como estão sendo discriminadas as pessoas surdas unilaterais, estão sendo discriminadas as pessoas cegas, as pessoas com deficiência mental e intelectual. Vou só dar um exemplo: no Censo de 2010, a quantidade maior de pessoas com deficiências é de pessoas com deficiência visual. Na aposentadoria pelo INSS, que é o fim dessa carreira, depois que a pessoa contribuiu por 25, por 30 anos trabalhando, mesmo sendo pessoa com deficiência, a proporção que nós encontramos de deficiência maior nas pessoas que conseguem se aposentar... (Soa a campainha.) O SR. HELENO CORREA RODRIGUES FILHO - ... é de deficiências motoras, o que nos indica que ocorreu, entre o Censo, o emprego e a aposentadoria, um processo de triagem social que prejudicou os deficientes visuais e os surdos de todas as categorias, inclusive os surdos unilaterais. Então, há necessidade de nós preservarmos - e o apelo que eu trago aqui para finalizar é este - o critério de avaliação de mais de um profissional, não centrando apenas no profissional médico. Falo aqui como médico - porque sou médico - e reconheço que a avaliação clínica para a qual os médicos são capacitados não compreende, de modo global, as avaliações de outras naturezas, como as psicossociais. E as barreiras sociais que os assistentes sociais, os terapeutas, os fisioterapeutas e os psicólogos podem avaliar são, em geral, de caráter diferente e mais amplas que as avaliações médicas. (Soa a campainha.) O SR. HELENO CORREA RODRIGUES FILHO - Portanto, o apelo com que finalizo é este: que se utilize, sempre que possível, o Índice de Funcionalidade Brasileiro, adaptado ou não, e que se preserve o caráter legal de avaliação biopsicossocial e multiprofissional para não se praticarem maiores injustiças, ferindo a lei e mutilando a Constituição. Era isso o que eu tinha a dizer. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Heleno, pesquisador voluntário da Universidade de Brasília, médico e, pelo que entendi, professor também. Dr. Heleno Correa Rodrigues Filho. Agora, Liliane Bernardes, coordenadora da Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Secretaria Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Ministério da Justiça e Cidadania. A SRª LILIANE BERNARDES - Muito obrigada. Cumprimento a Mesa. Agradeço ao Senador Paulo Paim e a esta Comissão pelo convite e agradeço a explanação dos componentes da Mesa anterior. Acho que podemos trabalhar em conjunto, em sintonia, para chegarmos a um denominador comum, que pode auxiliar o Senador Paulo Paim no seu parecer, porque este é o objetivo desta Comissão. Vou falar um pouco da Avaliação Unificada da Deficiência, que é uma proposta que vem desde 2007 justamente por conta dessas questões que têm sido percebidas como de injustiça, de avaliações de deficiência em que ora a pessoa é considerada deficiente para determinado fim e, em outro momento, não é considerada pessoa com deficiência. A ideia surgiu ainda em 2007 - vamos ver um pouquinho mais para a frente. Vou pular vários eslaides dessa apresentação, porque muita coisa já foi dita, para ganharmos tempo. Pode passar, por favor. |
| R | Eu estruturei essa apresentação para falar um pouquinho de conceito e modelo de deficiência e do acesso a políticas públicas; falar dessa Avaliação Unificada da Deficiência; do Comitê de Avaliação da Deficiência, que já está sendo instalado; e dos desafios em relação a esse tema. Pode passar, por favor. Aqui são os conceitos de pessoa com deficiência. Isso já foi abordado praticamente em todas as falas, então não vou repetir. Só assinalo que há uma diferença entre o texto da convenção e o texto do estatuto: o estatuto considera a interação com uma ou mais barreiras, enquanto a convenção fala de diversas barreiras. Pode passar, por favor. Há vários modelos e abordagens da deficiência: temos o Modelo Médico, que é da década de 1960, de que o Nagi é o principal autor, foi quem definiu esse modelo; temos o Modelo Social, que é de uma organização britânica formada por teóricos marxistas no final da década de 1970; temos o Modelo Biopsicossocial, que foi uma construção da OMS, que deu origem à Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF); temos outros teóricos que falam da Universalização da Deficiência; e temos também a Abordagem da Capacidade, que é uma abordagem mais recente, que é do Amartya Sen. Pode passar, por favor. Então, temos o Modelo Médico, em que a deficiência é um atributo físico, sensorial, intelectual ou mental, e as consequências desse impedimento físico estão circunscritas ao corpo. No Modelo Social, a deficiência é uma interação entre esse impedimento que há no corpo e as diversas barreiras na sociedade. E temos o Modelo Biopsicossocial, que é uma tentativa de fazer a integração entre esses dois modelos: parte de uma condição de saúde e leva em conta os fatores contextuais que vão gerar a deficiência. Pode passar, por favor. A Universalização da Deficiência é uma proposta que estabelece que a deficiência não está confinada a um número fixo da população, porque entende que todos nós estamos sujeitos a ter deficiência, e provavelmente teremos, à medida em que envelhecermos. E temos a Abordagem da Capacidade, que considera uma série de funcionamentos e capacidades e também as variações entre as pessoas para se definirem questões relacionadas à distribuição de bens sociais. Amartya Sen é seu principal defensor. Pode passar, por favor. Decorrentes desses modelos nós temos várias definições de deficiência. Eu não vou entrar em todas; vou ater-me à definição que estamos discutindo aqui, que é essa definição legal e administrativa, baseada em normas, que vai regular esse enquadramento do indivíduo como pessoa com deficiência ou não e que vai definir se ela tem acesso ou não a direitos ou benefícios. Pode passar. Vamos falar um pouco de políticas públicas e de pessoas com deficiência. Por que a deficiência é parte da agenda pública? Justamente por conta da situação de desvantagem que as pessoas com deficiência enfrentam: vulnerabilidade, exclusão, marginalidade, pobreza. Então, o que afeta as políticas públicas para pessoas com deficiência? Uma das principais questões são esses modelos de deficiência que vimos aqui anteriormente. Eles vão nortear a construção das políticas públicas, vão definir quem são essas pessoas, quem são as pessoas com deficiência. Há também os grupos de interesse e o public choice, que são as escolhas públicas. Os grupos de interesse vão pressionar para que seus interesses sejam atendidos, e isso vai impactar também a formulação de políticas públicas. Temos também a questão da focalização e da universalização, que é definir se políticas públicas serão focalizadas para determinado público, se haverá recortes de quem vai ter acesso a essas políticas, ou se vai universalizar-se que todas as pessoas terão acesso à política estabelecida. Isso gera problemas em relação à alocação de recursos - o que vamos ver um pouquinho. |
| R | E há o conceito de justiça. O que é considerado justo? Quem está em situação de injustiça e precisa ter o Estado para resolver essa situação de injustiça? Pode passar, por favor. Aqui temos o exemplo de algumas das políticas públicas federais para as pessoas com deficiência: a meia-entrada, o BPC, a aposentadoria, o auxílio-inclusão - que está em fase de regulamentação -, o passe livre interestadual. Todas essas políticas são destinadas às pessoas com deficiência. E como as pessoas com deficiência são reconhecidas pelo Estado para acessar essas políticas, serviços e benefícios? Pode passar, por favor. Quem é reconhecido pelo Estado como pessoa com deficiência? E esse dilema da focalização ou universalização das políticas? Essas são questões que nós trazemos para discutir, que devem nortear também a discussão aqui. As especificidades da deficiência - o leve, o moderado e o grave - devem ter peso na concessão desses benefícios? Há outras variáveis, como renda, que devem ser consideradas? Todas essas questões têm de ser trazidas à baila para que nós possamos construir políticas públicas inclusivas. Falemos um pouco de alocação de recursos. Os recursos são escassos; a demanda por esses recursos sempre vai ultrapassar a oferta. Então, há que existir um mecanismo de restrição, porque o Estado não dá conta de atender a todas essas necessidades, e criam-se políticas de racionamento, que buscam dar maior eficiência e justiça a essa distribuição de recursos. Aí nós enfrentamos um dilema: como alocar esse recurso - sem considerar as diferenças entre as pessoas ou considerando e abrindo a porta para um número ilimitado de questões? Pode passar, por favor. Abordarei um pouco o histórico dessa Avaliação Unificada da Deficiência. Isso começou em 2007, por um decreto sem número do então Presidente Lula, que designou a Secretaria de Direitos Humanos para formar um grupo de trabalho para a elaboração. Na época, havia um modelo único de deficiência. Em 2013, foi publicado o Índice de Funcionalidade Brasileiro, construído pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, vinculado à UFRJ; foi editada a Lei Complementar nº 142, da aposentadoria; e a Previdência começou a usar esse instrumento de funcionalidade para avaliar as pessoas que pleiteavam o direito à aposentadoria. Em 2015, tivemos a sanção da LBI, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Agora, em 2016, o IF-BrA, que é de aposentadoria - que o Prof. Heleno já mencionou -, está em processo de validação, já houve uma primeira validação; e foi estabelecido, então, um comitê interministerial do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência e da Avaliação Unificada da Deficiência. Em 2018, essa nova avaliação vai entrar em vigor. Pode passar, por favor. Já foi falado aqui que a CIF é o instrumento que vai orientar essa nova avaliação da deficiência, baseado na convenção. É importante dizer que a LBI traz bem claro que a avaliação da deficiência deve ser biopsicossocial. Ela não está, então, restrita, como o Prof. Heleno já disse e outras pessoas aqui também, ao laudo médico, ao diagnóstico médico; vai levar em conta os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo - isso, realmente, está vinculado ao diagnóstico médico -, mas também os fatores socioambientais, psicológicos, pessoais, a limitação no desempenho das atividades e a restrição da participação. E cabe ao Poder Executivo criar esses instrumentos para avaliação. Pode passar. Aqui eu trouxe o exemplo da hanseníase - para sair um pouco do foco da surdez -, de como é essa avaliação por meio da CIF. Há a estrutura e a função do corpo. No caso da hanseníase, podem-se desenvolver deformidades nas mãos; essas deformidades vão levar a limitações nas habilidades manuais; e isso pode levar à perda do emprego e a uma incapacidade de contribuir com a renda familiar. Tudo isso tem de ser avaliado à luz dos fatores ambientais e pessoais. Então, a pessoa com hanseníase tem um estigma social, pode ter um nível menor de educação e também uma situação socioeconômica diferente, pior do que a de outras pessoas. |
| R | (Soa a campainha.) A SRª LILIANE BERNARDES - Isso comparado também entre deficiências. Houve falas aqui que diziam que não há que se falar em comparação entre deficiências. Eu acho que há que se falar, sim, porque as pessoas enfrentam obstáculos diferentes, e que há se falar na mesma deficiência. Pessoas cegas podem ter barreiras diferentes de acordo com a forma como vivem. Então, eu acho que há que se falar de comparação, sim, para que, como já foi dito aqui também, garantir a inserção social de quem precisa - foi uma fala, se não me engano, do Dr. Kayo. Então, precisamos garantir que a inserção social seja para quem precisa, e não para qualquer um indiscriminadamente. Pode passar. Comitê da Avaliação Unificada - vou passar rapidamente, porque o meu tempo já está se esgotando. Foi um decreto de agora, de abril de 2016. Esse Comitê do Cadastro-Inclusão e da Avaliação Unificada da Deficiência tem como competência criar instrumentos para a avaliação da deficiência; trabalhar também para subsidiar a validação técnico-científica desses instrumentos, com base... (Soa a campainha.) A SRª LILIANE BERNARDES - ... no IF-Br; promover a multiprofissionalidade e a interdisciplinaridade na avaliação biopsicossocial; e articular a implantação dessa avaliação da deficiência na Administração Pública Federal. Pode passar. Aqui, temos outras competências, que eu vou passar, porque o tempo já se esgotou. Há também uma interface muito grande com o Cadastro-Inclusão, porque essa avaliação da deficiência vai demandar um volume muito grande de informações. Pode passar, por favor. São integrantes do Comitê: a Secretaria Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da qual eu faço parte, que hoje está no Ministério da Justiça e Cidadania, que é o órgão coordenador; os Ministérios da Fazenda, dos Transportes, da Educação, da Cultura, do Trabalho e Previdência Social, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Saúde, do Planejamento, Orçamento e Gestão - enfim, todos esses que estão aí -; e também o IBGE, o INSS e o Conade participam desse Comitê. Pode passar, por favor. Temos como desafios para essa nova avaliação: o prazo de vigência da lei, que é... (Soa a campainha.) A SRª LILIANE BERNARDES - ... em janeiro de 2018; construir a intersetorialidade nas políticas sociais; a interdisciplinaridade; a territorialidade... Enfim, são várias questões aí que são desafiadoras. O que eu quero deixar como mensagem final é que eu acredito que, com esse novo modelo de avaliação da pessoa com deficiência, vamos conseguir resolver essas questões que surgem como demanda de justiça social. São pessoas que entendem que são pessoas com deficiência, mas não são reconhecidas, e que, por meio dessa nova avaliação, tendo em vista as barreiras que são enfrentadas e todo o contexto, vão ter seus direitos reconhecidos também. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Liliane Bernardes, coordenadora da Coordenação de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do Ministério da Justiça. De imediato, a representante do Conade e do Ministério do Trabalho, Drª Fernanda Maria Pessoa Di Cavalcanti. A SRª FERNANDA MARIA PESSOA DI CAVALCANTI - Bom dia a todos. Eu quero agradecer o convite do Senador Paim. Eu, além de membro do Conade pelo Ministério do Trabalho e Emprego, sou auditora fiscal do trabalho e sou responsável pelo projeto de fiscalização, em nível nacional, que garante a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho - a fiscalização da lei de cotas, basicamente. Muita coisa foi dita aqui, e agora eu queria falar um pouco sobre a evolução legislativa que tivemos e um pouco do que é o mercado de trabalho. Eu acho que o Brasil evoluiu muito nos últimos anos. Inclusive, parte dessa evolução se deve ao trabalho do Senador Paim aqui, que, ainda no começo, fez o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Depois, veio a Convenção da ONU, o Estatuto foi se renovando, e ele participou dessa discussão o tempo inteiro. |
| R | Eu, em princípio, sou contra, depois de termos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU e a LBI, que vai corrigir, na minha opinião, todas as injustiças anteriores concedidas por decreto e por legislação - a questão da classificação da pessoa com deficiência por meio administrativo, e não por meio de avaliação dela mesma, inclusive na parte dos impedimentos, porque a deficiência não é mais uma questão somente médica, é uma questão social também. Eu acho que a LBI veio para solucionar esse grande problema, tanto que eu sempre digo para o pessoal: o que precisamos é fazer com que esse instrumento realmente venha trazer justiça social. Com relação ao fato de a política da pessoa com deficiência não ser restritiva, há políticas que não são restritivas, como a do acesso à saúde, que é universal, pública e gratuita, e a política de educação também. Todavia, a política de cotas para pessoas com deficiência é uma política restritiva. Ela existe para ajudar exatamente no caso das deficiências que necessitam de um diferencial para entrar no mercado de trabalho. Infelizmente, quando tínhamos o Decreto nº 3.298 sem as modificações do nº 5.296, a maioria das empresas que tinha problema de ruído cumpriu suas cotas com os próprios surdos que elas fabricavam, porque era a surdez leve. Aí, veio uma alteração exatamente porque a lei não estava servindo para atingir quem realmente necessitava, porque a pessoa com surdez leve não tinha a dificuldade que a pessoa com surdez total tinha, assim como a que o cego total tem. Então, eu acho que a LBI vai evoluir mais ainda nessa questão, porque nós vamos avaliar individualmente cada pessoa; a pessoa que quiser ter acesso à política e que precisar dela. Eu tenho um amigo com deficiência que nunca usou das cotas para concurso público, porque ele achava que não precisava desse tipo de coisa. Então, nós também temos que respeitar esse lado da pessoa com deficiência. Quando se faz uma análise do mercado de trabalho, vamos ver o que o professor Heleno falou: a maioria é deficiência física. Eu não sei quantos por cento, porque eu não estava preparada para vir para esta audiência, mas, como o Filipe pediu para eu vir acompanhando, eu vim; se não, eu teria trazido esses números todos. E não são as deficiências físicas importantes; são as deficiências físicas leves. Como nós hoje tratamos a pessoa com deficiência administrativamente, nós usamos como parâmetro o Decreto nº 3.048, se não me engano, da Previdência, para delimitar as deficiências físicas - é o decreto do acidente de trabalho, da limitação da aposentadoria por invalidez. Em segundo lugar, vem a surdez. Em terceiro lugar, a deficiência visual. Qual é o maior obstáculo da pessoa com deficiência para entrar no mercado de trabalho? É exatamente o preconceito do patrão e a despesa que essa pessoa pode causar para ele. Quando ele olha para a pessoa com deficiência, ele pensa em quanto vai gastar para adaptar o seu ambiente. Então, o que o patrão quer? Ele quer uma pessoa com deficiência física que ande, uma pessoa com surdez que escute e um cego que enxergue. Esse é o melhor mundo para ele. Então, se ele puder contratar uma pessoa com deficiência unilateral em vez de bilateral, ele vai preferir mil vezes o unilateral, porque o unilateral ouve. |
| R | Eu não estou entrando aqui na polêmica. Eu acho que a pessoa com deficiência unilateral é pessoa com deficiência. Eu acho que a melhor avaliação vai ser o índice brasileiro de avaliação e a questão da validação da avaliação da pessoa com deficiência, que vai ser uma avaliação única para todas as políticas públicas, com os recortes necessários que cada política tiver. Se usarmos a lei de cotas como uma política não restritiva, jamais, enquanto houver pessoas com pouca deficiência ou com deficiência mais leve, a pessoa com uma deficiência mais pesada vai ser preterida no mercado de trabalho. Por que as empresas, hoje em dia, estão, de certa forma, fazendo muito mais pressão para a questão de abrir esse conceito da pessoa com deficiência? Porque as deficiências mais leves estão todas empregadas, e agora eles têm que investir nas deficiências mais pesadas. E investir nas deficiências mais pesadas significa mais custo de adaptação da empresa, ou seja, da acessibilidade; mais custo de qualificação de seus próprios funcionários para lidarem com a deficiência dentro do ambiente de trabalho, porque a pessoa com deficiência, quando entra no ambiente de trabalho, se os outros colegas não estiverem preparados para recebê-la, vai ser tão excluída como fora do mercado de trabalho; e mais custo para adaptação de todos os instrumentos. Infelizmente a empresa olha... Não é infelizmente, não; faz parte do mundo, da economia. Eles olham quanto lucro a pessoa vai dar ou quanta despesa ela vai dar. Atualmente são poucas as empresas que já veem a pessoa com deficiência como um trabalhador como qualquer outro, mas ainda precisamos dessa lei de cotas. Segundo os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), 93% das pessoas com deficiência que estão no mercado de trabalho só o estão por conta de lei de cotas, seja por conta das empresas com cem ou mais empregados, que são obrigados a contratar e que fiscalizamos; seja no serviço público, que abre concurso público; seja nas empresas da administração indireta, que também fiscalizamos. Uma coisa que acho fundamental - eu não vou falar muito, não - é que as pessoas com deficiência têm que ser tratadas diferentemente. Já digo de novo que não estou entrando no debate se a pessoa com deficiência unilateral não é pessoa com deficiência. Não estou entrando nesse debate. Eu só acho que não é o momento de novamente trazermos a avaliação da pessoa com deficiência por forma administrativa e legislativa. O Brasil evoluiu muito para tratar a pessoa com deficiência como um conceito em evolução, como está na ONU. Então, hoje você pode ser uma pessoa com deficiência; e você pode evoluir e não ser mais. Quando se restringe esse conceito a uma lei, eu acho que isso não faz parte da evolução que o Brasil fez, não faz parte do que o movimento da sociedade fez para crescer na avaliação da pessoa com deficiência. Eu acho que o melhor seria essa lei não ir adiante, Senador Paulo Paim. Na minha opinião, nós já temos legislação suficiente para garantir os direitos das pessoas com deficiência. Nós precisamos é colocá-las em prática. E o modelo da avaliação da pessoa com deficiência vai entrar em vigor em 2018. Não é por nada, não; é por uma questão simplesmente da evolução que houve no conceito, na Constituição brasileira, da avaliação da pessoa com deficiência, de não ser mais uma avaliação simplesmente médica, e, sim, biopsicossocial. A deficiência é um conceito em evolução, e nós já temos instrumentos suficientes para garantir os direitos dessas pessoas. Por enquanto, não, mas há quanto tempo estão sem esses direitos? Isso para não criar mais injustiça. |
| R | A partir do momento em que a gente... Eu tenho a avaliação de que, quando sair o instrumento, para a pessoa ter acesso à política pública da inclusão da lei de cotas, ela vai ter que fazer avaliação. E só vai entrar se pela avaliação ela for considerada pessoa com deficiência. Era isso que eu queria acrescentar. (Soa a campainha.) A SRª FERNANDA MARIA PESSOA DI CAVALCANTI - Não queria ser contra nem a favor. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pessoal, eu vou ser bem direto. Eu não vou abrir a palavra para o plenário. E vou explicar por quê. Eu havia avisado a vocês que sou obrigado, às 11h - são 11h05 -, a abrir a audiência pública sobre a Justiça do Trabalho no Plenário do Senado. Percebi com toda a clareza - sou o Relator da matéria -: Primeira Mesa, totalmente a favor; Segunda Mesa, vamos dizer, não é a favor. Não vou entrar em detalhes das análises que cada um colocou, com todo o cuidado e com muito respeito a cada posição. Eu, pessoal, tenho a tendência, como Relator, de querer construir uma alternativa, construir um entendimento. O que eu vou propor de forma objetiva? Eu não vou viajar nesse feriado. Se vocês puderem, nós teremos uma reunião de trabalho na quinta-feira. O que é uma reunião de trabalho? Nós nos sentamos aqui, sem televisão, sem nada, apenas nós mesmos, para trocar ideias e ver o que podemos ou não construir. Se vocês fizerem isso, para mim será muito bom. Eu não sou de segurar projeto na minha mão, enrolando, enrolando, enrolando. Uma decisão nós teremos que tomar. Então, se vocês puderem, aqueles que compuseram essa Mesa e, é claro, os assessores... Por exemplo, eu nunca deixo de falar que eu fui autor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas os Relatores foram fundamentais: Flávio Arns, Celso Russomanno, Mara Gabrilli e Romário. Inclusive, se os assessores deles quiserem estar presentes, será muito bom para nós trocarmos ideias sobre o que poderemos fazer. Encerro a reunião neste momento. A Secretária-Geral da Mesa está aqui. Se vocês puderem, quinta-feira de manhã, mandar representantes - naturalmente, se puderem estar presentes, melhor; eu estarei presente -, nesta mesma sala, às 9h da manhã, nós nos reunimos e tentamos construir. Vamos fazer o bom diálogo - para não dizer o bom debate - para construir o entendimento, o.k.? Quinta-feira, às 9h da manhã, aqui. Muito obrigado a todos. Uma salva de palmas a todos, mas com mais carinho para a professora. Professora, você fez o que tinha que fazer mesmo. Tinha que cobrar. Eu só respondi, mas você tem toda a razão. É uma vergonha o Senado não ter ainda profissionais e ter que chamar na última hora. Uma salva de palmas a todos. (Palmas.) (Iniciada às 9 horas e 6 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 7 minutos.) |
