Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
|---|---|
| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Havendo número regimental, declaro aberta a 46ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. A presente reunião atende aos Requerimentos nºs 69 e 77, de 2016, da Comissão de Educação, de minha autoria, apoiada também pela Senadora Regina Sousa, do PT, do Piauí - que já se está presente -, para a realização de audiência pública destinada a debater o Programa Escola sem Partido. Dando início à audiência pública, solicito ao Secretário da Comissão que acompanhe os nossos convidados até a mesa. Drª Deborah Macedo Duprat, Subprocuradora-Geral da República; Prof. Fernando Penna, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense; Camila Lanes, Presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas); Iago Montalvão, Diretor de Relações Institucionais da UNE; Cléo Manhas, representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Nós vamos registrar a presença aqui das demais entidades. Já vemos aqui a Leia, representando a Fasubra. Sejam muito bem-vindos. Queremos dar conhecimento de que, além dos convidados aqui presentes - a quem, antes de mais nada, gentilmente agradecemos por terem aceito nosso convite -, nós também convidamos o Sr. Miguel Nagib, um dos ideólogos do projeto Escola sem Partido; infelizmente, ele não compareceu. Também convidamos a Srª Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação; ela alegou dificuldade na agenda. Vamos começar a nossa audiência pública. Primeiro, ressalto que o que nos levou a apresentar a iniciativa do presente debate foi a existência de iniciativas, Drª Deborah, em curso no Congresso Nacional - não só aqui no Senado, como também na Câmara dos Deputados - que pretendem alterar a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), incluindo nas suas diretrizes o chamado projeto Escola sem Partido. |
| R | Os que defendem essa ideia o fazem sob o pretexto de que está havendo uma doutrinação nas escolas, portanto, acusando os professores de doutrinadores. Os que defendem essa ideia o fazem sob o pretexto da necessária neutralidade política, ideológica, religiosa nas escolas. Os que combatem essa ideia estão chamando esse projeto de lei da mordaça, repito, os que contestam essas ideias, os que contestam esse projeto chamam de lei da mordaça, porque ele viria na contramão de negar aquilo que é a essência do magistério, que é a essência do papel do professor, que é a liberdade de ensinar, que é a liberdade de aprender. Aliás, princípios esses que estão nas nossas legislações maiores, tanto na Constituição Federal, no seu art. 205, quanto na nossa própria LDB, como também em outra legislação muito importante, que é a Lei 13.005, aprovada em 2014, que é o Plano Nacional de Educação. Nossa legislação é farta no sentido de assegurar a liberdade de ensinar, de aprender, o pluralismo de ideias, de concepções pedagógicas. Nossa legislação é farta no sentido de colocar que o objetivo central da educação, de acordo com o próprio texto constitucional, é contribuir para o pleno desenvolvimento das pessoas, ou seja, a capacitação das pessoas para o trabalho, voltado para o exercício pleno da cidadania. Isso está na nossa Constituição, que também coloca, como pressuposto maior, uma sociedade solidária, justa, livre e fraterna. A educação, evidentemente, tem, até pela especificidade da própria educação, pelo tema com que ela lida - repito, educar significa exatamente isto: formar para a vida, para o trabalho, formar para o exercício da cidadania -, um destaque muito especial do ponto de vista do esboço da arquitetura constitucional, repito, pelo papel que ela tem a desempenhar no conjunto da sociedade. Volto a dizer: os que se contrapõem a esse projeto - e eu me incluo nesse time - nos contrapomos, porque o projeto vem na direção de cercear o debate, na medida em que o próprio projeto propõe vigilância sobre o papel do professor. |
| R | Há projetos tramitando aqui na Casa que propõem inclusive a criminalização do professor, caso, segundo os que defendem a ideia da Escola sem Partido, o professor se afaste do papel que o projeto Escola sem Partido prevê. Enfim, eu quero só colocar que, felizmente, ideias como essas a gente respeita, embora não concorde. Respeitamos porque democracia significa o debate das ideias, significa o debate dos contrários. Democracia, sobretudo, é o debate inclusive dos contraditórios. Volto a dizer: lamento que os que defendem a ideia da Escola sem Partido não estejam aqui. Seria muito bom que estivessem. Respeitamos os que defendem ideias como essas, mas queremos deixar muito claro que isso é um desserviço à educação. A nosso ver, isso só se justifica por estar na esteira desse momento difícil pelo qual o País passa, com o avanço de ondas ultraconservadoras. No debate que tivemos quando do Plano Nacional de Educação, aqueles que querem negar o debate plural, o debate sobre a diversidade, tudo fizeram para suprimir do Plano Nacional de Educação as estratégias que lá colocávamos acerca do quanto é necessário, sim, a escola tratar da vida como ela é. E, para tratar da vida como ela é, a escola não pode se omitir nem se furtar do debate da questão de gênero, da questão religiosa, da questão da orientação sexual, da questão da raça e da etnia. Ou seja, a escola, mais do que qualquer outro lugar, tem o dever de abrigar o debate da forma mais plural que possa ser feito. No nosso entendimento, repito, o projeto vem para limitar, para cercear esse debate. Por isso, agradecemos e muito a presença dos senhores e das senhoras. Certamente, a reflexão que será feita hoje aqui na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado será muito importante não só do ponto de vista de incentivar, Drª Deborah, de estimular esse debate, mas, sobretudo, para que as pessoas tenham melhor entendimento do tema e possam firmar as suas convicções. Nós vamos começar pelo Prof. Fernando de Araújo Penna. Vocês têm acompanhado, têm se dedicado muito a esse tema, têm uma posição clara contrária ao projeto, e nós vamos começar, portanto, ouvindo o Prof. Fernando de Araújo Penna, da Universidade Federal Fluminense. O SR. FERNANDO DE ARAÚJO PENNA - Boa tarde a todos e a todas, aliás, bom dia ainda. Meu nome é Fernando de Araújo Penna. Eu sou professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Sou mestre doutor da da Universidade Federal Fluminense. |
| R | Sou mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e sou um dos coordenadores do GT de Ensino de História e Educação da Associação Nacional de História. Considero importante colocar de onde eu falo. Outro elemento importante na minha localização é que eu sou - vou usar a apresentação ali - um dos coordenadores da página do Facebook "Professores contra o Escola sem Partido". Para trabalhar a temática que temos aqui, hoje, para debater, eu primeiro coloco uma interrogação nesse nome. O próprio nome do movimento e do projeto Escola Sem Partido coloca para nós uma falsa alternativa entre uma escola necessariamente sem ou com partido. Eu vou defender agora que não é bem essa a alternativa que está em jogo com esse projeto. Esse é um projeto de escola, um projeto de escolarização que remove da escola o seu caráter educacional. Por isso, eu o percebo como uma ameaça a uma educação democrática. Eu ia mencionar, mas tenho certeza de que a Deborah Duprat vai fazer isso. Ainda assim considero importante destacar que recentemente a Procuradoria-Geral da República lançou um documento de 75 páginas analisando o projeto e as ações diretas de inconstitucionalidade e afirmando a sua inconstitucionalidade. Esse é um documento muito importante que o movimento Escola Sem Partido tem ocultado dos seus seguidores. Eles não divulgaram ainda esse documento nas suas páginas, nas suas redes sociais. Entendo que é um documento bastante pertinente. Vou mencioná-lo aqui, ao longo da minha apresentação. Vamos à discussão sobre Escola Sem Partido. Primeiro, gosto de destacar que, para entender o programa Escola Sem Partido, que é esse projeto de lei que foi criado por iniciativa de um Deputado Estadual do Rio de Janeiro, chamado Flávio Bolsonaro... Flávio Bolsonaro entrou em contrato com o Advogado Miguel Nagib, em 2014, e pediu que ele formulasse um projeto de lei que capturasse as ideias do movimento Escola Sem Partido, surgido em 2004. Então, ele primeiro aparece, em maio de 2014, no Estado do Rio de Janeiro, e, semanas depois, no Município do Rio de Janeiro, apresentado pelo Vereador Municipal Carlos Bolsonaro. Mas a apresentação desses projetos não se limita à atuação da família Bolsonaro no Rio de Janeiro. Ele se expande. Já foi apresentado em vários Estados do Brasil, tramita no Senado e na Câmara e em inúmeros Municípios, tendo sido aprovado no Estado de Alagoas. Algo que venho discutindo e que considero muito importante é o fato de que, para entender esse programa Escola Sem Partido, ou projeto de lei, temos que contextualizá-lo na atuação do movimento Escola Sem Partido. Onde é que podemos encontrar as ideias do movimento Escola Sem Partido? Na sua página do Facebook e no seu site na internet. Então, vou contextualizar, vou buscar muitas informações nesses espaços. Inclusive, na primeira vez em que defendi isso num debate direto com o Advogado Miguel Nagib, num programa do Canal Futura, logo depois do debate, ele colocou uma tarja no site do Escola Sem Partido, afirmando que aquele não era o site do programa, mas sim do movimento Escola Sem Partido. Creio que essa dissociação é... Não sei como alguém cria um movimento, depois tem vergonha da sua atuação e do que ele próprio escreveu no site. Então, faço questão de trazer isso à tona. Para exemplificar esse caráter grosseiro do discurso do Escola Sem Partido, especialmente nas redes sociais, vou mostrar alguns ataques que eles têm feito. Começam com ataques à figura de Paulo Freire, um pesquisador brasileiro. É o único autor brasileiro na lista dos cem autores mais utilizados nas universidades norte-americanas. Eles têm dito - e essa é uma publicação do próprio Escola Sem Partido - que Paulo Freire recomendava que se usasse o sistema público de ensino para fazer doutrinação e propaganda político-ideológica a favor do PT, sendo que a maior parte da obra do Paulo Freire é anterior à fundação do PT. |
| R | Mas eles não param de difamar, de falar mentiras sobre Paulo Freire e eles compartilham imagens agressivas. Outra publicação do Escola sem Partido seria Paulo Freire, com as suas feições deformadas, tem a sua cabeça aberta e, dentro da sua cabeça, há fezes; essa é uma imagem compartilhada pelo Escola sem Partido. E a legenda diz: "Paulo Freire transformando analfabetos inocentes em analfabetos comunistas desde 1963." Essa é a atuação do Movimento Escola sem Partido. E, numa última imagem, então, eles compartilharem esse texto, perfil do Escola sem Partido, e a matéria continha esta imagem, uma imagem extremamente agressiva: Paulo Freire de quatro, com as roupas rasgadas, comendo capim, com orelhas de burro, e, montado nele, está a figura do Stalin, com feições demoníacas, como se estivesse conduzindo Paulo Freire. Eu pergunto: em que compartilhar imagens como essa contribui para o avanço no debate sobre educação? Absolutamente nada! Além disso, eles também fazem ataques constantes aos professores. Essa aqui é outra postagem, na página do Escola sem Partido, que contém uma imagem - vejam bem essa imagem! - extremamente ofensiva, direcionada aos professores. Trata-se de uma professora que não é qualquer professora, que representa a escola pública, e ela contém uma estrela do PT, um símbolo do anarquismo, um pentagrama, o símbolo de paz e amor. E ela segura um aluno que está representado como uma criança pequena e indefesa, um jovem inocente, com a sua cabeça aberta - e esse é um dado importante, a maneira como eles veem os alunos; eu vou mostrar mais elementos para corroborar esta leitura -, e, então, a professora vomita lixo dentro da cabeça do aluno. Esse padrão iconográfico, essa forma de representar o professor e o aluno se repete em várias imagens compartilhadas pelo Escola sem Partido. Bom, tendo feito esse alerta sobre esse discurso de ódio nas redes sociais, parto, então, para analisar alguns elementos do ideário, da ideologia, da proposta do Escola sem Partido. Primeiro, é um projeto de escola que remove o seu caráter educacional, é um projeto de escola que tenta remover da escola a sua dimensão educacional. Onde eu posso perceber isso? Na página inicial do Movimento Escola sem Partido, eles compartilham uma biblioteca politicamente incorreta, com apenas quatro livros. O primeiro desses quatro livros é o livro Professor não é educador, de um indivíduo chamado Armindo Moreira. E qual é a tese desse livro? A de que os professores não são educadores; uma dissociação entre o ato de educar e o de instruir: o ato de educar seria exclusivo da família e da religião, e o professor teria que se limitar a instruir, transmitir conhecimento neutro, sem mobilizar valores e sem falar da realidade do aluno. Esse é um dado importante. Essa concepção do que seria o fenômeno educacional está ultrapassada há décadas, senão séculos. A gente fala em construção do conhecimento, em diálogo com os alunos, falando da sua realidade. Outro elemento interessante para corroborar essa leitura também do site do Escola sem Partido: eles apresentam no site, essa é a página inicial, alguns quadrinhos, e um deles é chamado Flagrando o Doutrinador. Um dos elementos de inconstitucionalidade do programa Escola sem Partido é o de que eles tentam proibir...No art. 3º do PL 867, de 2015, que tramita na Câmara dos Deputados, está dito o seguinte: "São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica [...]." Mas eles não definem que pratica é essa. Então, esse já é um elemento de inconstitucionalidade, tentar proibir uma prática sem defini-la claramente. Mas no site nós encontramos uma definição. Então, há uma aba chamada Flagrando o Doutrinador, na qual eles vão instruir os alunos sobre como identificar esse professor, para denunciá-lo anonimamente. |
| R | Vou ler com vocês a lista de itens dessa aba Flagrando o Doutrinador. Vejam bem, então, a definição deles do que seria doutrinação ideológica: "Você pode estar sendo vítima de doutrinação ideológica quando seu professor: - Se desvia frequentemente da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional. Essa dissociação entre a matéria objeto da disciplina e a realidade da comunidade escolar, da realidade na qual os alunos estão inseridos, é absurda, não tem fundamento algum. É um princípio educacional inquestionável você vincular a realidade dos alunos, a realidade em que eles vivem, com a discussão específica das disciplinas. Então, essa á uma dissociação e esse é o primeiro critério para identificar o professor doutrinador. Se essa é a definição que eles apresentam, eu acho que nós temos que problematizar os conceitos que eles usam. - Adota ou indica livros, publicações e autores identificados com determinada corrente ideológica. Eu sempre faço o mesmo desafio. Eu queria que alguém me indicasse um livro que não é identificado com uma corrente ideológica. Eles operam com uma dissociação também já caduca, nas ciências humanas, entre neutralidade e ideologia, como se houvesse posições neutras e outras, ideológicas. - Impõe a leitura... Então, o professor impondo, o professor é representado como um criminoso, que incita o ódio... Repito: se essas são as ideias que estão sendo compartilhadas por esse movimento, nós temos que problematizá-las. Um segundo elemento, então: além de remover o caráter educacional da escola, é um projeto que reduz a educação a uma relação de consumo. Miguel Nagib, o Coordenador do movimento Escola sem Partido, que foi convidado para participar hoje, mas não veio, já disse, numa audiência que aconteceu recentemente... Deixem-me ver se o vídeo sai com áudio... (Procede-se à exibição de vídeo.) O SR. FERNANDO DE ARAÚJO PENNA - Percebam: não é que a educação não tenha uma dimensão de prestação de serviço, mas ele tenta reduzir a educação apenas a essa relação de consumo, e a consequência principal disso é a desqualificação do professor como detentor de saberes profissionais que pode planejar intervenções pedagógicas, de acordo com esse saber, para enfrentar qualquer problema que ele encontre em sala de aula. Mas, nessa concepção, o professor é um prestador de serviços, e o consumidor tem sempre a razão. Então, é como se as famílias pudessem determinar o que vai ser discutido na escola, o que é um equívoco. E um dado curioso... Eu queria ouvir a resposta do Miguel Nagib hoje. Pena que ele não veio. Ele insiste em que os professores não podem discutir valores em sala de aula, mas ele já foi articulista do Instituto Millenium. E, quando ele estava lá, ele escreveu - aqui a foto dele, no site do Instituto Millenium, na captura de tela - um texto chamado "Por uma escola que promova os valores do Millenium". Curioso, não é? Será que esses são os valores necessários à transmissão do conhecimento? Quais são os valores, então, que ele apresenta nesse texto vinculado ao seu nome? Vou selecionar três: propriedade privada, responsabilidade individual e meritocracia. Eu pergunto: esses são valores necessários para a construção do conhecimento em sala de aula ou nós temos aqui uma visão bem clara do que eles consideram fenômeno educacional? Educacional, não; o projeto de escolarização, porque eles retiram da escola o seu caráter educacional. Então, acho que é preciso problematizar essas ideias. |
| R | Outro elemento: a desqualificação do professor que não tenha o seu saber profissional reconhecido. Os membros do movimento Escola sem Partido, especialmente o seu Coordenador, vivem afirmando que nenhum pai... Essa é uma fala do Coordenador do movimento num debate que aconteceu no Entre Aspas, da Globo News: "Nenhum pai é obrigado a confiar em um professor; nenhum pai. O professor, quando fecha a sala de aula, é dono do espetáculo. Aos pais que estão me ouvindo aqui: se sentirem que seus filhos estão recebendo orientação moral que conflite com a orientação moral que você, pai, dá em sua casa, pode processar esse professor." Eu pergunto: os pais, em princípio, não devem confiar nos professores? Eles não são detentores de um saber profissional para realizar a sua atividade cotidiana em sala de aula? Então, por que não se deve confiar nos professores? Eu não estou dizendo que essa confiança deva ser cega, mas devemos confiar nos professores. Esse é um dado importante. Eu não vou mostrar esse vídeo. Aqui é uma fala do coordenador nas redes sociais: "Valeu, pessoal! Não podemos ficar de fora desse debate. Afinal, nós somos os consumidores dos serviços prestados pelos professores - aliás, um serviço, na média, de péssima qualidade." Essa é a forma como ele percebe a atuação dos professores. Um outro elemento. É um ódio aos professores, como eu já mencionei. Dentro do site do Escola sem Partido há uma aba "quem somos". O que eles falam sobre o que é o movimento Escola sem Partido? "EscolasemPartido.org é uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior." Prestem atenção aos termos utilizados: contaminação - é uma doença. "A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores [...]" Vejam bem como eles falam dos professores. E por fim, mais abaixo... (Soa a campainha.) O SR. FERNANDO DE ARAÚJO PENNA - ... eles dizem que um pouco de luz do sol é o melhor desinfetante - como se houvesse algo a ser desinfetado da sala de aula. Uma imagem que eles compartilharam. Eles puseram a imagem de um vampiro com o rosto do Gramsci, um pensador, com uma estaca onde está escrito "escola sem partido". E o que dizia a postagem: "Conde Gramsci, o vampiro que vampiriza a educação brasileira, com a ajuda de Paulo Nosferatu Freire, pode estar com seus dias contados." Um vampiro. Então, professores são vampiros, contaminação, algo a ser desinfetado. Por fim, um carrapato com uma estrela do PT compartilhado pelo próprio Escola sem Partido: "Conheçam o terrível carrapato-estrela (Carrapatus gramsci), o parasita ideológico da educação brasileira". Então, é por isso que um pesquisador, um historiador português chamado Manuel Loff, especialista em fascismo no século XX, afirmou, em um de seus textos publicados em Portugal, que o Escola sem Partido adota estratégias discursivas fascistas - essa estratégia de desumanizar os professores. Além do ódio aos professores, eles também realizam uma imbecilização dos alunos. Eles percebem os alunos como figuras absolutamente incapazes. Vou mostrar para vocês o que eles falam sobre os alunos na sua página - e aqui os representantes dos estudantes podem ficar bem chocados. Prestem atenção: esta é a página do Escola sem Partido, é o que eles têm a dizer sobre o movimento estudantil. Um touro mecânico vazio é a imagem, e o que se diz: "O movimento estudantil é aliado histórico dos promotores da doutrinação política e ideológica nas escolas. Sua 'rebeldia juvenil' está a serviço dos partidos de esquerda, que, dos bastidores, o controlam há décadas, como o operador do brinquedinho ao lado." |
| R | Então, pergunto: será que todo movimento estudantil é manipulado? Eles não podem ter iniciativa? Isso aqui é a maneira como eles percebem os alunos. Mais do que isso, talvez o elemento mais grosseiro presente no site: eles têm uma aba chamada síndrome de Estocolmo. Então, é uma imagem da Bela e da Fera. Síndrome de Estocolmo, para quem não lembra, é aquela síndrome na qual alguém foi capturado ou sequestrado e se apega emocionalmente ao seu captor, sequestrador. Então, na cabeça deles, os professores são sequestradores intelectuais, e os alunos seriam as vítimas desse sequestro. Então, quando um aluno defende o seu professor contra uma acusação feita a ele, é porque ele estaria sofrendo de síndrome de Estocolmo. Vejam bem como esse grupo percebe a relação entre o professor e o aluno. É de uma grosseria sem precedente. Eles começaram, então, uma campanha: "Não mexam com as nossas crianças. Meus filhos, minhas regras". Eu vou pular alguns elementos aqui, porque acho que já estourei meu tempo. Para concluir, só afirmo que o projeto Escola sem Partido, especialmente se acompanharmos a atuação do movimento Escola sem Partido, é uma ameaça a uma educação democrática e plural. Para demonstrar isso e para concluir, vou apresentar para vocês duas denúncias feitas pelo Escola sem Partido. A primeira delas, compartilhada pela página do Escola sem Partido, é um texto de um blogue chamado De Olho no Livro Didático: "Candomblé e umbanda em livros didáticos/2016 do MEC". É a página do tal do blogue De Olho no Livro Didático, coordenado por um dos defensores do Escola sem Partido. Qual é a denúncia, então? Prestem muita atenção. Candomblé e umbanda em livros didáticos/2016 do MEC para o ensino fundamental Alunos de escolas públicas e privadas, inclusive confessionais, que estudarem com os livros didáticos/2016 do MEC para crianças de 6 a 10 anos, serão doutrinados sistematicamente no Candomblé e na Umbanda. [Se é que vocês podem acreditar que isso esteja acontecendo.] No que se baseia a denúncia? Na simples presença de uma imagem como esta: "Xangô, deus do trovão e da justiça. O símbolo desse orixá é um machado de duas lâminas, chamado oxé. Esse machado representa a justiça." Eu pergunto o que há de doutrinação de candomblé e umbanda nessa imagem? A simples presença de um deus como Xangô? Então, outros deuses são representados, a todo momento, na literatura dos materiais escolares: Zeus, Apolo, Afrodite, Jesus Cristo. Eles seriam deuses neutros? Aí, uma divindade, um deus vinculado a uma religiosidade afro-brasileira seria um deus ideológico? Então, quer-se limitar algumas representações na escola. Essa aqui é uma delas. Outra, e aqui eu concluo: "MEC não desiste: livros de 2016 para crianças de 6 a 10 anos vêm com Ideologia de Gênero". E aqui vocês vão conhecer o que eles chamam da temível ideologia de gênero. Eles insistem: o termo "ideologia de gênero" é uma forma de desqualificar o debate gênero nas escolas, tentando dizer que a discussão de gênero seja uma tentativa de acabar com a família tradicional ou, então, transformar os alunos em gays e lésbicas. Não é isso. Discutir gênero é mostrar como representações do que é ser homem e ser mulher são construídas historicamente, tentar combater a desigualdade de gênero, a homofobia, transfobia, machismo. Mas vejam qual é a denúncia sobre a ideologia de gênero nos livros didáticos, onde eles veem isso. É um exercício de múltipla escolha: "Veja os desenhos que três crianças fizeram para representar suas famílias." A família de cima é composta por apenas uma mãe com dois filhos, inclusive essa família é a família estatisticamente mais comum no Brasil, a família com apenas uma mãe. |
| R | Logo abaixo, uma outra família com diferentes pertencimentos étnico-raciais, com diferentes brancos, negros, todos juntos em uma mesma família. Por fim, um último desenho de uma família homoafetiva. Aparecem duas mães com um filho. Qual era a pergunta? Com base nos desenhos, podemos dizer que, gabarito letra d: as famílias são diferentes umas das outras. Onde é que está a ideologia de gênero aqui? No que isso aqui poderia prejudicar algum aluno? A simples afirmativa de que existem diferentes modelos de família? Percebam, eles querem excluir algumas representações do material escolar, representações vinculadas à cultura afro-brasileira, representações vinculadas a outros modelos de família. Por isso, insisto em que o Escola sem Partido é uma ameaça a uma educação democrática. Eu até ia falar um pouquinho do parecer da Procuradoria Geral da República, mas tenho certeza de que a Deborah Duprat vai apresentar na sua fala. Aqui, para concluir, eu gostaria de fazer um alerta aos professores. Essa maneira de representar os professores está sendo compartilhada, esse movimento tem ganhado cada vez mais força e ele compartilha uma verdadeira campanha de ódio voltada aos professores. Como a Senadora já disse, existem vários projetos para criminalizar a atuação dos professores. Então, se os professores não se mobilizarem para defender sua profissão, temos muitas ameaças a ela. Fica aqui o meu chamado de mobilização na defesa da profissão e da educação, a escola como espaço de educação, sim, e uma educação democrática. Obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Queremos desde já agradecer ao Prof. Fernando Penna pela excelente contribuição, tão qualificada e tão consistente. Parabenizo mais uma vez pelo quanto você vem se dedicando a esse tema. Vamos agora ouvir também outra pessoa que tem desempenhado um papel muito importante não só nesse tema, mas na defesa da cidadania, da juventude, dos homens e mulheres, enfim, da cidadania do povo brasileiro, sintonizada tanto quanto ela é a nossa Constituição Federal de 1988. Então, queremos aqui, Drª Deborah, desde já, agradecer sua presença pelo tanto que ela é importante para nós. Com a palavra a Drª Deborah Duprat. A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Bom dia a todas e todos. Muito obrigada, Senadora Fátima, pelo convite, pelas palavras carinhosas, meus companheiros e companheiras de Mesa. Eu confesso que a brilhante exposição do Prof. Fernando me causou uma profunda tristeza de pensar que algo tão primário como esse projeto, como esse movimento, tenha alcançado a dimensão que alcançou, tenha mobilizado mais de uma comissão desta Casa, tenha se expandido por Estados e Municípios, tenha ganhado corpo. Enfim, fico absolutamente surpresa. Chamo atenção para o fato de ele estar na contramão da concepção contemporânea de educação em todos os sentidos. |
| R | Primeiro no que ele compreende que seja o aluno: o aluno como um receptor acrítico de ideias, incapaz de discernimento, incapaz de participar desse processo educacional. Também me chamou a atenção a questão do noticiário: é errado o professor que fala do noticiário nacional ou internacional. A grande disputa da atualidade para uma educação é a quebra dos muros da sala de aula, é o estudante inserido na comunidade à qual ele pertence, ciente dos problemas. Enfim, é a formação de alguém que atenda a sua comunidade. Então, eu fico impressionada como o discurso da neutralidade pode convencer alguém, porque essa ideia de neutralidade é absolutamente falsa. Todos nós somos seres encarnados, inseridos nos espaços sociais, inseridos nas nossas relações de vizinhança, de pertencimento. Então, não há e nunca haverá uma ideia ou um valor neutro. Por ser valor, ele já é uma percepção de algo valioso e, por isso, objeto de defesa. Como lembrou o Prof. Fernando, essa questão do Escola Sem Partido, a ideia que permeia o Escola Sem Partido já foi objeto de um longo parecer oferecido pelo Procurador-Geral da República na única lei estadual aprovada até o momento, que é a lei do Estado de Alagoas. Ali várias questões são postas. Para permitir o espaço de tempo de toda a Mesa, vou procurar ser bastante breve, também lamentando o fato de que, em um assunto que se pretende tão importante, o seu grande artífice não se submeta ao debate; lamento que venha num dia, ocupe o tempo todo da sessão e depois não esteja disposto a ouvir, enfim, concepções opostas àquela que ele veicula. Nós temos que lembrar que esse documento tão importante ao qual a Senadora Fátima faz referência, que é a Constituição de 1988, tem que ser defendido o tempo todo, porque é ele que inaugura uma nova sociedade após um período de ditadura e de um modelo de sociedade hegemônica. Então, a ideia-força dessa Constituição vai ser a liberdade de expressão e o fim da censura. Liberdade de expressão por quê? Porque o outro valor fundamental dessa Constituição é o pluralismo. Nós deixamos de ser uma sociedade de um único sujeito de direito, aquele masculino, heterossexual, branco, capitalista, urbano, adulto, enfim, os vários atributos que conformaram esse sujeito único de direitos para ser uma sociedade de diferentes, de plurais, de múltiplos. Numa sociedade em que os valores são múltiplos, os acordos a respeito das soluções sempre são provisórios. Eles vão resultar de uma compreensão naquele momento do que é mais valioso. Mas isso sempre estará em disputa, porque são múltiplas as visões de mundo e as compreensões de valores. Daí por que a potencialização do espaço público e a liberdade de ideias, a ideia do livre mercado de ideias, enfim, do espaço onde todos possam dizer o que pensam como contribuição valiosa para o processo de tomada de decisão é o grande vetor da Constituição de 1988 |
| R | Isso obviamente não poderia estar diferente no espaço da sala de aula, no espaço da educação, e a Constituição é expressa em relação à liberdade de cátedra, mas ela é expressa também por um outro aspecto: pela valorização do professor; pela valorização desse profissional não só no aspecto da sua remuneração, porque ela investe também nisso, numa educação de qualidade, numa educação pública de qualidade, com forte investimento no financiamento. Daí também a nossa insurgência, a nossa irresignação contra a PEC atual 55, que, enfim, acaba comprometendo a espinha dorsal de uma Constituição que tem por propósito vencer um quadro de pobreza, de desigualdade e que precisa, por isso, investir fortemente em políticas públicas, principalmente saúde e educação. Mas, enfim, esse projeto atinge, primeiro, essa ideia-força da liberdade de expressão, e da liberdade de expressão de um profissional fundamental para mudar essa sociedade, para fazer avançar as ideias trazidas por essa Constituição. É importante lembrar que, numa sociedade plural, que passa a ser reconhecida como plural, a escola é também um espaço estratégico, porque é por meio da educação que esses outros tantos valores também vão ter espaço na sala de aula. Nós, de fato, não tínhamos, até a Constituição de 1988, espaço para discussão na sala de aula das religiões de matriz africana, como não tínhamos possibilidade de discussão da questão LGBT, como não tínhamos possibilidade de discussão de várias outras coisas, porque estávamos exatamente numa sociedade dominada pela censura e por uma única ideia, por um único valor. Lembrando que, nessa questão específica da chamada ideologia de gênero, nós temos, além da Constituição brasileira, uma infinidade de documentos internacionais, mas lembrando especialmente da Conferência do Cairo que, pela primeira vez, fala em direitos sexuais e reprodutivos, reconhece esse padrão patriarcal masculino das sociedades ocidentais e elege a escola como grande espaço para o fim das desigualdades e para o pluralismo das orientações sexuais. Então, até hoje, os Estados nacionais signatários de várias convenções que tratam do assunto, inclusive o Brasil, têm que prestar contas a respeito da educação que está fornecendo para vencer esse quadro de desigualdade de gênero. O Brasil, nesse ano, foi instado pelo Comitê de Direitos Econômicos, Culturais e Sociais a dizer por que ainda o avanço era tão tímido nessa área. Bom, por fim, quero lembrar aqui a laicidade. É outro valor importante a ser estimulado, e a laicidade impede, portanto, exatamente aquilo que o projeto pretende: que só se deem em sala de aula as orientações religiosas e morais compartilhadas pela família. |
| R | A questão do Candomblé: é engraçado como um projeto que se pretende neutro investe contra um segmento religioso. A laicidade é exatamente a garantia de que não haverá doutrinação religiosa em sala de aula, em todos os sentidos, tampouco a desvalorização de qualquer religião. No passado, num período de interinidade como Procuradora-Geral da República, propus uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para dar interpretação, conforme a Constituição, a um dispositivo que prevê o ensino religioso num Estado cuja Constituição prevê, ao mesmo tempo, que o Estado é laico. Propus no sentido de interpretar esse dispositivo como a possibilidade de, dentro de sala de aula, se discutirem a história das religiões e a história também da não-religião, do espaço do ateísmo, do agnosticismo. Por fim, há um vício de inconstitucionalidade aqui na parte como a Constituição concebe a família e como concebe a criança e o adolescente. A criança e o adolescente não são propriedade dos pais; a criança e o adolescente não são propriedade da família; a criança e o adolescente estão sujeitos aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, e são um assunto do Estado, da sociedade e da família. Eles são preparados exatamente para esse exercício da cidadania e para aprenderem a conviver nesse espaço de diferenças, de divergências, de multiplicidades e de aceitar cada qual como igual, enfim, diferente, mas detentor de idêntico respeito e consideração. Por fim, só dando uma notícia: temos um grupo de trabalho sobre educação na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, e a nossa próxima investida vai ser contra as notificações extrajudiciais aos professores por algum conteúdo que estejam dando dentro de sala de aula. Então, a nossa ideia é mandarmos uma recomendação para todos os conselhos estaduais e municipais de educação, no sentido de que essas notificações são de nenhum efeito e não podem gerar qualquer tipo de consequência para o professor ou professora. Espero sinceramente que esta Casa não avance nesses projetos, já com sinais claros da sua inconstitucionalidade, sinais denunciados no parecer do Procurador-Geral da República e evidenciados pela maneira como o próprio projeto se apresenta. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Agradeço à Drª Deborah Duprat pela sua importante contribuição, até porque, repito, ela fala aqui em nome de uma instituição extremamente importante, uma instituição que, de acordo com a nossa própria Constituição, tem o papel de zelar pela cidadania. E, Drª Deborah, esse parecer que o Ministério Público Federal proferiu, contrário, portanto, ao mérito do projeto Escola sem Partido, para nós é um parecer muito importante, porque estamos aqui tratando de uma cidadania que é a cidadania do direito à educação como um dos direitos mais fundamentais, mais essenciais para a conquista plena da cidadania da população como um todo. |
| R | E volto aqui a colocar o parecer, a consistência do parecer, ou seja, o quanto ele está fundamentado, ao se posicionar pela inconstitucionalidade do projeto, fundamentado à luz, como a senhora acaba de colocar aqui, da legislação que temos em vigor desde a Constituição Federal de 88, passando pela LDB, até o próprio Plano Nacional de Educação. Então, mais uma vez, agradeço a presença aqui da senhora, que representa tão bem aqui o Ministério Público Federal. Nós vamos agora passar a palavra para Camila Lanes, a nossa presidente da UNE. Antes, Camila, quero aqui registrar a presença de Leia Oliveira, da Fasubra, a presença também de Gilson Reis, da Contee, da professora Suzana Maria Brito de Medeiros, que é professora lá do Núcleo da Educação Infantil, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lá do meu Estado. Registro também a presença da mãe de aluno, Márcia Aparecida Souza, mãe de um aluno do Núcleo de Educação Infantil, da nossa Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mais uma vez, agradeço a presença de cada uma de vocês, dizendo que essa audiência está sendo transmitida. Nós também estamos recebendo aqui várias perguntas ou manifestações através do Portal e-Cidadania, portanto, mais uma vez, registro aqui a presença da Senadora Regina, que subscreveu comigo o pedido da realização da presente audiência. Vamos passar agora, imediatamente, a palavra para Camila. A SRª CAMILA LANES - Primeiramente, bom dia a todos e todas. Gostaria de saudar a Mesa na pessoa da Senadora Fátima Bezerra. Agradeço, principalmente, o convite para estar aqui representando a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e estar pautando um pouco sobre a opinião dos estudantes secundaristas sobre não somente a lei da mordaça, como nós chamamos, que é conhecida popularmente como a Escola sem Partido, mas também sobre tudo o que ela apresenta, que pode refletir dentro das escolas públicas. Antes de tudo, eu gostaria de pegar um pouco do que Fernando falou sobre essa troca de mercadoria. Muito que é colocado no portal da Escola sem Partido declara que eles, realmente, só têm uma visão mercantil sobre a educação, como se a educação fosse simplesmente uma mercadoria. Inclusive, eles usam o Código do Consumidor para fazer isso. Nós, do movimento estudantil, que é um movimento muito criticado, inclusive por quem defende a Escola sem Partido e a Proposta de Emenda à Constituição nº 55, não consideramos a educação como um produto ou uma mercadoria que possa ser vendida e possa ser locada dessa forma e tratada dessa forma. Infelizmente, temos em muitos Estados, hoje, governantes que tratam, de fato, a educação como se ela fosse um grande pacote que você compra no mercado e no atacadão. |
| R | Mas temos lutado para que isso não seja levado à frente e para que a educação realmente seja tratada como uma ferramenta que pode, sim, mudar a vida de brasileiros e brasileiras, como já aconteceu no nosso País, há alguns anos. Há até algumas medidas que atacam os direitos da educação pública, em especial, se forem colocadas em prática aqui, no Congresso. Infelizmente, esse projeto interfere até no que podemos chamar da luta constante pelo direito constitucional em um Estado laico, porque, quando se ataca inclusive a opinião e a crença religiosa dos estudantes que estão em formação, nas suas escolas, isso deixa muito claro que a Escola sem Partido, na verdade, é uma escola de um partido só, e que esse partido que, infelizmente, quer doutrinar os estudantes, como eles tanto falam que estamos fazendo. Junto com a medida provisória vem a PEC 55; junto com a lei da mordaça vem a PEC 55, a medida provisória, o fim do regime de partilha e até mesmo a criminalização dos grêmios estudantis e das ocupações que estão acontecendo no Brasil. Hoje, no Brasil, já tivemos um ápice de 1.174 escolas ocupadas e, com elas, para além das pautas que eram contra a medida provisória e a PEC, nós também dialogamos muito sobre o que poderia ser a Escola sem Partido dentro das escolas e como isso pode interferir inclusive na formação cidadã dos estudantes. Eu acredito que o período em que cassávamos, perseguíamos e, principalmente, no momento da história em que criminalizávamos a formação sindical, a agremiação dos estudantes, a opinião de cada um, deve ter ficado no passado, junto com a ditadura militar, quando nós, em especial os estudantes e toda a classe trabalhadora, éramos perseguidos. Infelizmente, a Escola sem Partido hoje se mostra dessa forma. Há alguns dias, como foi colocado aqui, eu recebi uma publicação, que está rodando em vários grupos, em que alguns membros - sobre os quais não vou aqui me arriscar a falar -, que representam esse projeto, oferecem dinheiro para quem enviar o vídeo do professor doutrinando o seu estudante na escola. Aí, para contrapor a isso, eu, como presidente de uma entidade estudantil que dialoga com um universo muito grande de estudantes, tenho a dizer que há problemas muito maiores do que a "tal doutrinação". Inclusive, eu gostaria que um dos representantes desse projeto estivesse aqui presente para me explicar onde está o processo de doutrinação das escolas. Hoje, dentro das escolas públicas, temos um problema muito maior, começando pela merenda. Nós temos uma CPI da Merenda, que não está acontecendo só no Estado de São Paulo e que não está sendo investigada somente no Estado de São Paulo. Nós temos hoje escolas no Brasil que são feitas de palafitas; temos escolas de barro, escolas de lata, escolas que hoje não recebem a verba do governo estadual, porque essa verba está sendo desviada para pagar campanha eleitoral, como acontece em alguns Estados, onde alguns Governadores estão sendo investigados, já há algum tempo. Nós temos, nas escolas, problemas de falta de professores, falta de material; nós temos problemas de superlotação da sala de aula, evasão escolar. Eu gostaria de saber como, no meio de todos esses problemas, cabe tempo para doutrinar um estudante, sendo que, dentro de uma escola, temos uma aula de cinquenta minutos e, durante todo esse processo da aula, o professor mal consegue fazer a chamada, consegue corrigir a tarefa da aula passada e consegue apresentar um novo conteúdo. Eu gostaria realmente que algum representante desse projeto estivesse presente para me explicar o que significa a doutrinação para os estudantes secundaristas. |
| R | O principal argumento que eles utilizaram foi, em especial, após as ocupações, o de que os estudantes provaram, de diversas formas, que eles conseguiram se organizar, sim, sem precisar que uma pessoa com idade mais elevada os coordenasse para que pudessem fazer isso. Mais de mil escolas foram ocupadas em 19 Estados diferentes no Brasil. Se antes a juventude era cobrada porque não fazia nada em relação a tudo que está acontecendo no nosso Brasil, hoje, infelizmente, quando nós fazemos, somos taxados de petistas, comunistas, doutrinados, vagabundos, comedores de pão com mortadela e daí para frente. Isso, infelizmente, mostra o quanto esse movimento não está interessado em resolver os problemas da educação pública, porque, se estivesse, esta Casa poderia debater agora, de fato, a execução das metas do Plano Nacional de Educação que estão sendo esquecidas pela medida provisória, em especial. Se estivesse aqui o Relator desse projeto, poderia apresentar aqui como nós vamos diminuir todo o problema de merenda existente nas escolas, porque - muitas pessoas podem não acreditar - a merenda escola é um processo muito importante dentro da escola. Ela faz parte também da formação dos estudantes, pois existem escolas no País, hoje, que são de educação integral e não apresentam uma bolacha com um copo d'água para os estudantes que estão matriculados naquela instituição. Para finalizar, utilizando os meus últimos minutos, eu gostaria de falar um pouco sobre o ódio, porque nós precisamos falar sobre o ódio. Tudo isso que foi apresentado aqui, tanto os prints como os vídeos e até mesmo as postagens que são feitas não somente nessa página, mas também em outras páginas ligadas a esse movimento, fala muito sobre o ódio espalhado nas redes sociais. Quando eu digo ódio, não me refiro ao ódio a determinado partido ou a determinada pessoa, mas, sim, à organização, em especial à organização estudantil e à organização dos professores. Isso tudo já tem reverberado de diversas formas, em especial nas ocupações, com ataques sistemáticos contra estudantes. Infelizmente, já houve um caso de morte de um estudante secundarista no Paraná, e, hoje - quem viu os noticiários já sabe disto -, ocorreu a morte de mais um estudante: Guilherme Silva Neto, estudante da UFG, foi morto pelo pai, que não queria que o filho se envolvesse nos movimentos sociais, porque o pai era um dos seguidores das páginas que foram apresentadas aqui e era um dos seguidores que repercutiam, infelizmente, essa ideia de que os estudantes que se organizam, em especial nos movimentos estudantis e nos movimentos sociais, são doutrinados, estão sendo liderados por líderes partidários e estão seguindo determinada ideologia política. Mesmo que fosse isso, qual é o problema? Nós estamos em 2016, no século XXI. Acredito que, para a democracia do nosso País, por mais que tenha sido ferida por todo o processo que já aconteceu, ainda assim, organizar-se dentro um movimento social, dentro de uma ocupação, enfim, tomar partido sobre o que está acontecendo no nosso Brasil não deveria ser um crime. Muito pelo contrário, deveria ser um fato a ser parabenizado, porque hoje nós precisamos que a juventude se mobilize. A juventude também faz parte desse setor, que, infelizmente, vai ser prejudicado pelas futuras ações que o Governo deve adotar. Acima de tudo, acredito que esse projeto é a síntese de toda a criminalização, é o começo da criminalização que acontece contra o movimento estudantil, em especial. |
| R | A medida provisória tem um pouco da Escola sem Partido também, quando retira filosofia, sociologia, história e educação física do currículo escolar. Isso só demonstra, cada vez mais, o quanto o futuro da educação pública e, principalmente, dos estudantes de escola pública está prejudicado. Porque nós sabemos que, se eles não estão interessados, se eles querem combater a doutrinação e tirar, em especial, as matérias que apresentam conteúdos que podem ajudar na formação cidadã dos estudantes, sabemos muito bem que essa escola sem partido tem um único partido, e esse partido quer calar a opinião dos estudantes que sofrem, há muito tempo, com os descasos e o sucateamento educação pública. Então, para finalizar, eu gostaria de deixar público aqui o posicionamento totalmente contrário da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e dos 50 milhões de estudantes do Brasil contra o projeto da Escola sem Partido, porque ele não nos representa e ele não passa mais, que é da lei da mordaça. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nós vamos ouvir agora o Iago, que vai falar aqui pela UNE. Desde já, Camila, mais uma vez, agradeço a presença da Ubes, que tem estado muito presente aqui no debate acerca dos rumos da educação. Também destaco o papel protagonista que a Ubes, junto com a UNE, junto aos estudantes, vem desempenhando neste exato momento: a defesa de uma das agendas mais importantes para qualquer projeto de nação que se pretenda inclusiva, solidária, que é a agenda da educação. Quero, de forma muito breve, dizer que, mais uma vez, a sua fala aqui mostra, Drª Deborah, a dignidade com que os estudantes vêm lutando neste exato momento, em todo o Brasil. A fala de Camila expressa sobretudo dignidade pelo quanto fala aqui com clareza, com lucidez, expressando claramente quais são os motivos que estão levando não só os jovens lá do meu Estado, Rio Grande do Norte, de Brasília, mas praticamente de todo o País hoje, a se manifestarem de forma pacífica, mas se manifestarem de forma muito firme em defesa, repito, da agenda da educação. Então, parabéns aqui, mais uma vez, pela sua participação, Camila, que traz aqui a voz da Ubes. Agora, vamos ouvir a voz da UNE, com Iago Montalvão. O SR. IAGO MONTALVÃO - Muito bom dia a todos e a todas. Quero, primeiro, agradecer, Senadora, o convite para este debate que é muito importante. Mas é lastimável, como a Procuradora Drª Deborah bem colocou aqui, a própria apresentação do professor. Estamos profundamente indignados com a situação de termos que estar aqui, neste momento, gastando o nosso tempo para debater uma coisa tão simplória e tão completamente absurda. O Prof. Leandro Karnal participou do programa Roda Viva, há um tempo, para falar sobre isso, e ele dizia justamente que essa é uma proposta tão absurda, tão absurda, que chega a ser uma ofensa os professores terem que estar colocando seu tempo à disposição. Um professor como o Prof. Fernando, que veio da UFF, teve que colocar seu tempo à disposição de construir uma apresentação tão bem elaborada um projeto de tanto retrocesso. |
| R | Então, é assustador. Acho que a palavra é essa. Para nós, estudantes, sobretudo para mim, especialmente, que sou estudante de História, licenciatura, e que pretendo tornar-me professor, é assustador. Acho que é assustador não só no campo da educação, mas no campo da sociedade, porque se trata de valores que têm sido debatidos. Tentam instalar valores de intolerância, valores retrógrados. Há um pensamento, há uma consciência e há um imaginário social. Acho que isso extrapola os muros das escolas, das universidades e diz respeito à tentativa de criação de novos paradigmas de pensamento, de formação da juventude brasileira, do próprio povo brasileiro. A gente sabe que, em toda mudança de regime político, existe também, acompanhando - assim como existe uma mudança do projeto econômico...Toda mudança de regime brusca passa por uma mudança de projeto econômico acompanhada por uma mudança de projeto de paradigma filosófico, especialmente na educação. O que acontece hoje, na verdade, é uma mudança de regime político - na nossa opinião - para um estado de exceção, disfarçado em um estado democrático. O golpe institucional e parlamentar que se instituiu, no Brasil, na verdade inaugurou, juntamente com outros Poderes da República, uma estado de exceção. Então, ao mesmo tempo, tenta-se inaugurar um novo projeto econômico e um novo projeto filosófico e educacional, com uma mudança de paradigma. É muito semelhante, diga-se de passagem, à mudança de paradigma que foi construída no início da ditadura militar. Quando a ditadura militar foi instituída - e houve uma mudança de paradigma também - tentou-se estabelecer uma educação como esta: neutra, moral, pautada na moral da família e num ensino tecnicista. Todos os estudos que se referem à mudança de paradigma na educação, na ditadura militar, referem-se a isto: a uma educação tecnicista, neutra, moralizante, ética, de respeito aos valores da família. Então, as semelhanças são incrivelmente assustadoras, se relacionarmos todos os outros estados de exceção. Estou dando o exemplo da ditadura militar que é o mais próximo da nossa realidade histórica. Enfim, em toda mudança brusca de regime, especialmente regimes totalitários ou ditatoriais, há esse tipo de mudança também na educação. Acho que cabe ressaltar aqui, com muita força, o que também a Drª Deborah já falou: a nossa Constituição. Apesar do fato de que essas Casas aqui foram eleitas para legislar para o povo brasileiro, não andam respeitando muito bem a nossa Constituição. É triste isso! A gente vive falando da Constituição, mas parece que não tem muita importância. Existe um artigo na Constituição, o art. 206, que elabora sobre a liberdade de cátedra. Diz justamente que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: "Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas". Ou seja, não existe neutralidade onde existe pluralidade. Porque a pluralidade perpassa, justamente, oposições de ideias ou diversas ideias que perpassam ideias semelhantes ou opostas e divergentes. |
| R | Portanto, não existe pluralidade onde existe neutralidade. É uma contradição iminente, e a gente precisa pontuar isso. Essa questão da neutralidade é um absurdo. O próprio Prof. Paulo Freire - acho que o maior teórico educação brasileira, imensamente desrespeitado por esses absurdos que são colocados - já dizia que a neutralidade só serve para fortalecer aquele que é o opressor. Então, existe uma intenção real de, na verdade, mudar o paradigma da educação para manter um status quo e não dar condição para os estudantes e a juventude elaborarem um pensamento crítico, libertário e emancipador. Portanto, manter o regime, o status quo como está, assim como na ditadura era feito pela censura, não dá possibilidade aos estudantes de apontar quais são as problemáticas presentes em um regime, em um estado, em um governo. Consequentemente, de doutrinado para subversivo é um passo, porque era assim que eram tratados aqueles que colocavam em cheque ou faziam crítica a qualquer tipo de regime que impunha um estado de exceção à sociedade. Portanto, de doutrinado para subversivo é um passo, que era como nós estudantes éramos chamados em outros tempos, no estado de exceção. Só que vem sob uma nova roupagem, porque, na verdade, tudo o que a gente vive é uma certa repetição em dada proporção, guardadas as proporções históricas e evitando anacronismos. Mas isso vem sob uma nova roupagem, com novos conceitos, novas tentativas de colocar um pensamento que, na verdade, é um impedimento da emancipação do ser humano, da juventude etc. Então, fica a questão... Porque a gente faz o debate aqui... Muitos profissionais, educadores, professores, estudiosos que estudam profundamente o tema da educação e do ensino-aprendizagem já têm colocado absolutamente todos os argumentos possíveis para contrariar isso. Mas nós não conseguimos encontrar de fato quem é que patrocina, do ponto de vista argumentação teórica, esse tipo de projeto, simplesmente porque não existe, porque os patrocinadores desse projeto não estão no campo da educação. Eles estão no campo da política e no campo ideológico, mais do ponto de vista de uma reação conservadora, que tem se construído na sociedade. Portanto, acho que cabe perguntar também: quem é que patrocina esse tipo de projeto e qual é o interesse dele? Porque, se todo o campo educacional, se todo o campo dos estudiosos da educação, dos professores, das categorias, das associações - a associação de história elaborou ótimas notas sobre isso, ótimos estudos sobre isso -, todos se posicionaram contra, quem é que está patrocinando esse tipo de projeto, se não são aqueles que trabalham com a educação? Então, na nossa opinião, isso vem em uma onda - pegando um pouco do que a Camila colocou no final - de uma coisa que não é nova, mas que retorna sob uma nova roupagem, com grande força neste momento que a gente vive... (Soa a campainha.) O SR. IAGO MONTALVÃO - ...que é a criminalização da política e da organização social. A Escola sem Partido é irmã da medida provisória da reforma do ensino médio, porque ela está calcada m princípios muito semelhantes. |
| R | É óbvio que a medida provisória é muito mais complexa, envolve outros fatores, mas ela também está calcada em alguns desses elementos de uma escola tecnicista, que não debata criticamente, que não sirva à emancipação. Portanto, acho que vale ressaltar que é isso que está em jogo. Os estudantes têm muita consciência disso. Nós sabemos o que é uma Proposta de Emenda à Constituição, nós sabemos o que é medida provisória, nós sabemos o que é projeto de lei, nós sabemos o que é projeto de lei orgânica, nós sabemos o que é tramitação, nós sabemos o que é Comissão de Constituição e Justiça, nós sabemos que os projetos de lei passam aqui pela Casa, nós sabemos tudo isso e estamos nos mobilizando justamente porque sabemos como é que funciona o sistema político brasileiro e que não mudará se não houver pressão e mobilização da base social. É justamente porque sabemos o que é tudo isso que estamos nos mobilizando. São mais de 200 universidades ocupadas, mais de mil escolas ocupadas, que têm se posicionado também contra a "Escola sem Partido", entre milhares de aspas. Para encerrar, porque o meu tempo já está acabando, acho que é isso. Esse projeto é um completo absurdo, acho que temos que encará-lo neste sentido mesmo, até porque, com a ação de inconstitucionalidade que a Contee entrou no STF... O STF pediu a opinião do MEC e da AGU, o próprio MEC e AGU, após o impeachment, após a substituição do governo Dilma, já deram a resposta de que são contrários. Então, o próprio MEC do Governo atual e a própria AGU do Governo atual já disseram que são contrários. Então, não existe possibilidade nenhuma de se dar alguma racionalidade a esse projeto porque não existe. Nem eles mesmo estão dizendo que esse negócio tem alguma razoabilidade. Então, acho que é tratar a coisa nesse sentido mesmo, mas continuar mobilizado, porque, no momento de exceção que vivemos, os absurdos estão sendo coisas comuns, e nós não podemos deixar de ficar atentos a isso. Quero dizer que este projeto é parte de uma ofensiva de criminalização à política, de uma rearticulação de paradigma do pensamento e da educação brasileira, uma tentativa de colocar uma formação humana à crítica tecnicista não emancipatória, que justamente privilegie a manutenção de um regime de exceção, colocando aos estudantes e à juventude a não possibilidade de apontar as contradições desse regime. Então, essa é a nossa posição. Nós continuaremos mobilizados, estamos mobilizados e vamos fazer um debate honesto, sincero, mas apontando que é um completo absurdo. Sabemos, sim, o que é isso e estamos completamente à disposição de apresentar todos os argumentos necessários para demonstrar a inviabilidade deste tipo de projeto. É isso. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - O.k., Iago. Quero parabenizar aqui também a voz da Une, repito, com tanta clareza, lucidez, com tanta sabedoria e consistência defendendo aqui suas ideias e colocando a posição da Une, contrária ao projeto, fazendo isso, repito, com sabedoria, com fundamentação. |
| R | E é bom destacar aqui inclusive o que Iago mencionou agora há pouco, Dra Deborah, Prof. Fernando. A própria a AGU já se manifestou contrária ao projeto. Estou falando da Advocacia-Geral da União. O MEC também já deu declaração, Prof. Fernando. Bom, mas vamos passar agora para ouvir Cléo, que aqui representa a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A SRª CLÉO MANHAS - Bom dia a todos e todas. Bom dia, Senadora Fátima Bezerra. É uma grande honra estar aqui representando a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Eu sou assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos, que é uma organização não governamental que atua local, nacional e internacionalmente há mais de 37 anos e faz parte da rede da Campanha. E por isso que estou aqui representando essa rede, que tanto tem batalhado pela democratização do ensino e pela qualidade da educação. Bom, recentemente uma outra organização não governamental, que também faz parte da rede da Campanha, a Ação Educativa, lançou este livro aqui, que se chama A ideologia do movimento Escola sem Partido. Nesse livro, vinte pessoas - vinte educadores e pensadores da Educação - escreveram e problematizaram um pouco sobre esse projeto, que ora a gente discute aqui nessa Mesa. E, como eu sou a última, muita, muita coisa já foi falada e muita coisa já foi levantada e há pouco para ser acrescentado. No entanto, eu acho que a gente precisa destacar algumas questões. Eu escrevi um artigo para esse livro, cujo título é: "Nada mais ideológico do que a Escola Sem Partido". Na verdade, como já foi levantado aqui pela Procuradora Deborah Duprat, pelo Prof. Fernando e pelos meus outros parceiros de Mesa, não existe neutralidade, e a ideologia não é só uma ideologia à esquerda. Existem ideologias, e tudo que a gente está fazendo nesse mundo está impregnado por elas. Agora, particularmente, não acredito, até pelo parecer do próprio Ministério Público, que esse projeto se transforme em lei porque ele é claramente inconstitucional. No entanto, o mais preocupante é que ele tem vingado na prática. E a gente sabe que, neste nosso País, muitas das legislações não vingam na prática. A gente sabe que há leis que não pegam, a gente tem até essa expressão. Mas há muitas práticas que, mesmo que não sejam legislações, se transformam em práticas cotidianas. E a gente já está vendo aí as histórias das criminalizações de professores, de estudantes, de educadores. E esse é um estímulo a uma perseguição dentro da sala de aula - principalmente nas nossas instituições maiores, como é o caso desta Casa Legislativa e do Congresso. Por que eu estou falando isso, o que acontece? Na tramitação do Plano Nacional de Educação, que foi aprovado há dois anos, quem acompanhou aqui, os movimentos que acompanharam - eu acredito que muitos de vocês tenham acompanhado presencialmente aqui nesta Casa -, uma das grandes polêmicas suscitadas não dizia respeito nem os 10% do PIB para a educação, que era a meta teoricamente mais polêmica. |
| R | Elas diziam respeito à promoção a uma frase contida, colocada pelo então Relator, o Deputado Angelo Vanhoni, no texto, dizendo o seguinte: a gente deveria promover o combate às desigualdades regionais, de gênero, de raça e etnia, orientação sexual. E isso acabou excluído do texto, e, por consequência, isso influenciou a tramitação dos Planos Estaduais e Municipais de Educação, que também sucumbiram a esse lobby conservador e refutaram qualquer menção a gênero, por exemplo, difundindo a falsa tese da ideologia de gênero. Assim como temos escolas sem partido, também temos ideologia de gênero. Isso causou uma confusão deliberada entre uma categoria teórica e uma pretensa ideologia, reforçando preconceitos que naturalizam os lugares sociais de homens e mulheres e a heteronormatividade como únicas representações e segregam qualquer outra forma de manifestação, ampliando, então, a homofobia, o sexismo, a misoginia, que sabemos e principalmente os educadores e professores sabem que isso acontece dentro das escolas. E isso acontece na nossa vida cotidiana e acontece muito dentro das escolas e, por isso, isso precisa ser problematizado com os estudantes e as estudantes. Então, há cerca de três anos, nós, do Inesc, em uma parceria com a Unicef, realizamos oficinas em escolas públicas para escutar com os estudantes do ensino médio, em escolas públicas do ensino médio em Brasília, e agora expandimos para vários Municípios da Chapada Diamantina e para escolas de Belém também, para escutar os estudantes sobre que educação que eles querem e por que há tanta evasão, especialmente no final do ensino fundamental e no ensino médio. E, dentre as várias questões levantadas, que nós já conhecemos, que são trabalho precoce, gravidez na adolescência, racismo, a discriminação relativa ao público LGBT; o bullying sofrido por eles é uma das fortes motivações da evasão escolar. Então, essas são razões, a meu ver, mais do que suficiente para se discutir gênero nas escolas. Qual a ligação entre os dois temas: escola sem partido e ideologia de gênero nesses dois diferentes momentos da aprovação: Plano Nacional de Educação e neste momento de discussão do projeto da Escola sem Partido? Aquilo que ter diferentes motivações e origens resulta dos mesmos elementos, que também já foram problematizados aqui, nesta Mesa, que são os fundamentalismos conservadores que tentam passar às pessoas ideologias e crenças. Então, foi dito aqui, pela Procuradora Deborah Duprat e pelo representante da UNE que não há como vingar esse projeto. Como é que vinga, a partir da apresentação do Prof. Fernando? Como é que vinga uma ideia tão simplória e, aparentemente, quase ridícula? Como é? Se olharmos aí nas nossas redes sociais, vamos perceber que várias histórias que parecem bem simplórias têm vingado muito. Então, acho que temos que deixar um pouco de lado essa... Apesar de simplórias, talvez fiquemos muito no nosso pensamento e tenhamos dificuldade para combater essas ideias simplórias, que vão se arrastando feito ervas daninhas e vão contaminando todo o mundo. Então, mesmo que esse projeto não seja aprovado aqui, por ser inconstitucional, ele está lá, no dia a dia das nossas vidas, nas escolas, nas instituições, brotando como erva daninha dentro dessa concepção, que parece muito simplória, de dizer que existe neutralidade, até porque não são só os pensamentos intitulados marxistas que são ideológicos como tentam nos fazer crer os ideólogos da Escola sem Partido. |
| R | Quando defendem a não ideologização em nome dessa pretensa neutralidade, eles estão impregnados de ideologia, a gente sabe disso. E o que estão chamando de neutralidade na verdade, de acordo com Prof. Moacir Gadotti em um artigo também neste livro, é a cultura da indiferença em relação às desigualdades, contribuindo fortemente para o aprofundamento dessas desigualdades, como aconteceu lá na votação do Plano Nacional de Educação. E essas desigualdades que assolam o nosso País são seculares. Mas esses teóricos da Escola sem Partido advogam a neutralidade e se dizem não partidários. No entanto, suas intenções são claras: a retroação dos avanços que tivemos nos últimos tempos, especialmente a partir da Constituição de 1988, e, com relação aos direitos humanos, por exemplo quando dizem lutar contra a doutrinação. Uma das situações apresentadas lá no site e que o Prof. Fernando já apresentou aqui é um seminário realizado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados sobre os direitos LGBT e a política de educação. Eles citam esse caso como uma afronta ao art. 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, afirmando que os pais e seus filhos têm de ... (Soa a campainha.) A SRª CLÉO MANHAS - ...ter uma educação moral de acordo com as suas convicções. Na verdade, isso é uma deturpação do citado artigo, porque esse art. 12 da Convenção Americana diz respeito à liberdade de consciência de religião, e a gente bem viu aqui que, quando estão falando da religião, que esses pais que estão lá pregando a Escola sem Partido defendem, está tudo certo, mas a gente sabe muito bem o que acontece com as religiões de matrizes africanas: elas também são vítimas da cultura do ódio, e a cultura do ódio, como tão bem falou aqui a Camila, está fazendo vítimas por aí. Então, como o tempo ali está exíguo, muitas das coisas que coloquei aqui já foram citadas, porque esse movimento não vem de agora, não é deste momento, deste Governo ilegítimo. Ele vem lá de 2004, e, no início, acho que o deixamos fluir porque parecia tão ridículo que poderia não vingar. Mas ele vem vingando há um tempo e está aí tomando conta. E mesmo que este Governo diga que não apoia a Escola sem Partido, a gente bem sabe que a primeira audiência concedida pelo Ministro da Educação foi para o Revoltados On Line, que é um movimento que defende a Escola sem Partido, que foi apresentar esse projeto para o Ministério da Educação, o que é muito simbólico, visto que era a primeira de todas as audiências citadas. E quero aqui dizer que uma outra coisa muito complicada, para encerrar: a Escola sem Partido, esse movimento, criou uma associação para eles judicializarem questões que achassem importantes, e a primeira questão que eles judicializaram foi o tema da redação do Enem do ano passado, que dizia respeito à violência contra mulheres. Pois é, eles acham que discutir violência contra mulheres também é doutrinação, e nós sabemos que, no Brasil, a cada quatro minutos, uma mulher dá entrada no SUS por ter sofrido violência física, e treze mulheres são assassinadas a cada dia, uma a cada uma hora e cinquenta minutos. |
| R | Como é que um movimento vem dizer que discutir violência contra mulheres é uma questão de doutrinação? Portanto, gente, há vários ovos de serpente sendo chocando neste momento em diversos locais, seja nos Legislativos municipais, estaduais ou nacional e mesmo no Poder Executivo. E não temos garantias, infelizmente, de que o Judiciário irá barrar tais aberrações. Portanto, nossa única arma é a manifestação, é a nossa presença nas ruas, é a disseminação de informação a um público o maior possível, já que é, na internet e nas redes sociais, como o Whatsapp, que esses grupos têm angariado seguidores, muitos deles muito jovens. Então, é preciso promover debates que esclareçam essas situações, como este momento aqui. Infelizmente, a gente não tem nessa Mesa o contraditório, o que é uma grande pena, como já foi ressaltado aqui. E é preciso principalmente apoiar os movimentos, como as ocupações de escolas e universidades, que nos trazem bons ventos sobre a juventude, que não quer omitir-se diante de tantos abusos de poder e retiradas de direitos. Portanto, parabéns aos estudantes que estão ocupando as escolas, que estão ocupando as universidades e que estão trazendo alegria neste momento de tanto fundamentalismo grassando nessas terras brasileiras. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Quero agradecer à Cléo, parabenizando-a também, pois aqui fala em nome, repito, de uma instituição muito importante na luta em defesa da cidadania, com foco na educação, que é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Muito obrigada pela participação. Nós agora vamos ouvir aqui alguns dos presentes à nossa plenária. Indago à Senadora Regina... (Pausa.) O.k. Então, vamos passar inicialmente à Senadora Regina e, depois, vamos ouvir a Profª Suzana Maria Brito de Medeiros. Daremos prosseguimento aos demais inscritos. Antes, quero muito rapidamente registrar também, com muita satisfação, a presença da Associação dos Servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul aqui na nossa audiência pública. (Palmas.) Também a Associação dos Servidores da Universidade Federal de Santa Maria; (Palmas.) Sindicato das Universidades Federais de Santa Catarina; (Palmas.) Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais do Estado do Ceará; (Palmas.) Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro; (Palmas.) Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal Fluminense; (Palmas.) Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativo da Universidade Federal do Mato Grosso; (Palmas.) Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos das Universidades Públicas Federais da Bahia; (Palmas.) Daqui a pouco, Leia Oliveira vai falar aqui em nome da Fasubra. Senadora Regina com a palavra. A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Srª Presidenta, senhores convidados e senhoras convidadas, é estarrecedor o que vi nesse site. Confesso que eu não o tinha acessado ainda. A gente tem uma mania de não querer ver essas coisas e acessar só os nossos, mas é estarrecedor. Eu acho que, guardadas as proporções, quem viveu os anos 70, isso aí é o CCC, Comando de Caça aos Comunistas. É o papel, de buscar, de cassar, sem falar na destruição da carreira de professor. |
| R | E aí, quando o Cléo falou "não sei quem está por trás disso", eu acho que a gente sabe. Isso é jogo combinado. Não pode não ser. É claro que é. Olha só: quem levou, lá no começo desse governo ilegítimo, foi o Alexandre Frota. Ele levou lá aquele povo. Então, vem de alguém essas coisas. Alguém respalda, e é no Governo, porque os recados estão vindo. Olha o "notório saber" na MP 746. É destruir a carreira de professor, botar o professor muito abaixo. Já não basta tudo o que o professor sofre, sofreu e vem sofrendo ainda, com salário baixo? Agora, ele não é educador. Ele é o quê mesmo? Se ele não é educador, qualquer um pode ir para o lugar dele. Então, é preciso que a gente reaja. E aí, temos que usar todas as armas. Há muita ofensa, e a gente tem que usar isso para judicializar, entrar com ações contra esse povo, individuais ou coletivas, pelo menos para eles se ocuparem se defendendo, pelo menos para a Justiça se ocupar lendo os processos. Pode ser que não dê em nada, mas de repente pode dar em alguma coisa. Então, têm que ser muitos os processos em todos os Estados, em todas as associações e sindicatos, muitos processos, porque a gente só viu aqui uma amostra. Deve ter muita coisa ofensiva por aí que dá para a pessoa judicializar, porque temos que usar todas as armas que a gente puder. Eu me lembro - a Profª Deborah estava falando do ensino e do professor também - de que ninguém me ensinou, quando eu era estudante nos anos 60, que Cabral descobriu o Brasil por acaso, que a Princesa Isabel libertou os escravos, que a Independência do Brasil se deu sem nenhuma gota de sangue. E, depois, a gente vai descobrindo, lendo outros historiadores, que Portugal estava em uma disputa de conquista de terras com a Espanha principalmente, para ver quem dominava mais, que teve toda uma luta abolicionista. Nos livros de história que eu lia só havia quatro linhas da biografia do abolicionista, mas eu nem entendia o que era o abolicionista. As lutas pela libertação dos escravos ninguém nunca me ensinou, assim como nos livros de história até hoje não há a Batalha do Jenipapo, lá no Piauí, que teve derramamento de sangue, sim, e muita gente morreu. Foi lá que se deu a última luta pela independência já no ano seguinte, em 13 de março, quando se derrotou as tropas do Fidié, e foi por isso que o Brasil tem o tamanho que tem hoje. Aquele pedacinho do Nordeste que fica mais perto da Europa era para ter uma linha divisória para continuar pertencendo a Portugal. Agora, pouca gente sabe disso, porque os historiadores estão começando a estudar isso agora. Já há alguns livros de alguns historiadores que infelizmente ainda não são adotados nas escolas. Então, como a gente faz com o Escola sem Partido? Vai transmitir o quê, vai dizer o quê para esses meninos e meninas? Então, acho que é hora de uma reação muito grande, inclusive na internet, porque eles desapareceram das ruas com suas camisas da CBF, mas eles estão agindo nesses outros espaços, que são perigosíssimos também. E a gente precisa dar uma resposta. Quando eu digo que o Governo está por trás, é porque muita coisa está acontecendo, por exemplo, a tentativa de apagar as marcas do governo anterior, do governo da Dilma e do Lula. Quando o Estadão faz um editorial sobre o Bolsa Família, como o fez ontem, destruindo o Bolsa Família, é para depois acabar, diminuir, ficar pequenininho, porque a cesta básica é melhor. Uma fila na prefeitura para buscar a cesta básica é menos doutrinário. Quando é época de eleição, o cara entrega a cesta e o santinho para votar. |
| R | Mas isso, para eles, é melhor, e é isso que querem. Então, Bolsa Família muda de nome e vai ser mesmo o prefeito que vai entregar uma cesta básica, selecionar os seus. Quando se diz que Bolsa Família tem empresário recebendo, o empresário que eles chamam, minha gente, é porque eles encontraram o CNPJ: são os presidentes de associação, presidentes de pequenas cooperativas, presidentes de partido - no meu partido, só é no interior do Piauí, é mais o trabalhador rural que preside o partido. E o CNPJ é no nome deles. Então, é "empresário recebendo o Bolsa Família"... A casa tem um aposentado: aí eles já, pelo que cruzaram com o INSS: "tem um aposentado que recebe um salário mínimo". Mas a família tem pai, mãe, quatro filhos: divida pelas sete pessoas, que ele se enquadra nos critérios do Bolsa Família. É um salário mínimo só na casa. Mas eles se aproveitam disso para fazer a propaganda contra, desfazer a ideia, para poder acabar. Então, isso é muito programado, é muito planejado o que a gente está vendo aqui. Então, eu acho que a gente precisa de mais debate, se dispor a ir... eu estou indo sexta-feira para a Universidade Federal do Piauí, lá em Parnaíba, já tenho convite para ir, na outra sexta, para outro debate. Porque tem que ser. Sei que os meninos e as meninas aqui sabem debater, mas a maioria da população não sabe o que é PEC 55, em que ela prejudica eles. Então, eu dei um exemplo para um senhor, assim, que ele ficou pensando: "Agora que eu entendi, Senadora". Então, eu dei o exemplo assim: porque o Governo diz "vai ser corrigido pela inflação, não é verdade que congela. Vai ser corrigido pela inflação", no caso da PEC 55. Aí eu dei um exemplo para ele: "Olha, você é o ministro do feijão, você tem direito a um saco de feijão no ano. Então, no ano seguinte vai ser corrigido pela inflação esse saco de feijão, então você vai continuar tendo direito a só um saco de feijão durante 20 anos. Apenas ele vai subir de preço. Tem que corrigir pela inflação. Se sua família aumentar, você não vai ter mais uns quilinhos de feijão". Então, ele entendeu que a gente precisa aprender a conversar com o povão para poder explicar essas coisas. Porque a gente fica: "PEC 55". Aí o Temer tem razão, né? A população não sabe o que é PEC. Mas os estudantes sabem. Ele debochou naquele dia - até botei no Twitter -, debochou dos estudantes, dizendo que eles não sabem o que é PEC. Mas ele tem um ministro que não sabe o que é BRICS e que chama o Brasil de Estados Unidos do Brasil. É um ministro dele, um chanceler. Então, precisa que a gente converse com o povo, tenha disposição, cada um de nós que está aqui, que é esclarecido, tenha disposição de conversar com a população, porque senão vai pegar essa história quando a gente pensar que não aconteceu. Aí, depois que aconteceu, para a gente lutar, quem viveu, como eu vivi, os anos 70, sabe disso, sabe como é. Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Agradeço a Senadora Regina, uma Senadora que tem sido também uma Senadora muito presente e atuante aqui na Comissão de Educação. E, de fato, V. Exª tem toda a razão: é assustador mesmo tudo isso. Assustador pelo quanto de retrocesso um projeto como esse traz. Parece que um projeto dessa natureza nos remete, enfim, à barbárie. |
| R | Eu quero aqui colocar, Drª Deborah, que, apesar do perfil do Congresso Nacional - na sua grande maioria, infelizmente, um perfil, digamos assim, conservador etc. e tal -, esse projeto não prosperará no Congresso Nacional. Aliás, no Senado, por enquanto, nós só temos uma iniciativa que é exatamente o PL apresentado pelo Senador Magno Malta e que já tem inclusive como Relator o Senador Cristovam Buarque. Ele se encontra exatamente na Comissão de Educação. Tenho absoluta clareza de que o Senador Cristovam Buarque vai dar um parecer contrário a esse projeto. Como é terminativo, ele passa somente por esta comissão. Uma vez que o parecer do Senador Cristovam contrário ao projeto seja aprovado, e, portanto, não haja recurso a ser apresentado ao Plenário, a ideia morre por aqui mesmo. É evidente que existe ainda um conjunto de outras iniciativas na Câmara. Lá é preciso prestar mais atenção, porque lá já foram dados mais passos, pois já há até instalada uma comissão especial. Nós temos lá o PL nº 7.181, de 2014, que é o inicial, do Deputado Erivelton Santana, do PEN da Bahia; temos também o projeto PL nº 867, de 2015, do Deputado Izalci, do PSDB do Distrito Federal, que inclui entre as diretrizes da educação a proibição de professores utilizarem as aulas para impor ideias políticas ou religiosas. Temos também o PL nº 1.859, de 2015, do Deputado Alan Rick, que promove mudanças na LDB, proibindo a adoção de formas tendentes à aplicação da ideologia de gênero e de orientação sexual na educação. Há também o PL nº 5.487, de 2016, deste ano, do Prof. Victório Galli, que proíbe orientação e distribuição, pelo método de livros, que versem sobre orientação de diversidade sexual sobre crianças e adolescentes. Existe ainda o PL nº 1.411, de 2015, do Deputado Rogério Marinho, do PSDB, do Rio Grande do Norte, que prevê detenção de três meses a um ano para quem expor aluno a assédio ideológico, condicionando-o a adotar determinado posicionamento político-partidário e ideológico. E temos um projeto de lei apresentado pelo Deputado Jean Wyllys. Em contraponto à Escola sem Partido, o prof. Jean Wyllys, do PSOL do Rio de Janeiro, propõe a escola livre. É uma proposta que vem em sintonia com a Constituição e diz respeito à diversidade, para estimular e fortalecer o pensamento crítico. Então - repito -, enquanto aqui no Senado há apenas, por enquanto, um projeto de lei, que está inclusive na Comissão de Educação, na Câmara, há várias iniciativas e existe inclusive uma comissão especial instalada. |
| R | Mas creio que iniciativas e debates como este, Prof. Fernando, vêm na direção, Cléo, de contribuir, cada vez mais, para fortalecer a mobilização contra projetos dessa natureza, em razão do retrocesso que eles representam para a concepção da educação que nós defendemos. Nós vamos agora ouvir os nossos convidados do plenário. Vamos começar pela Profª Suzana, que é professora do Núcleo de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A SRª SUZANA MARIA BRITO DE MEDEIROS - Bom dia. Na pessoa da Senadora Fátima, eu saúdo todos da Mesa e, desde já, também agradeço o convite para estar aqui hoje. Eu sou Suzana Maria Brito. Há 23 anos, sou professora de educação infantil numa escola de aplicação da UFRN - existem mais 18 espalhadas pelas universidades do País. Como eu estou aqui um pouco nervosa, resolvi imaginar que vocês são as minhas crianças e vim aqui, hoje, contar uma história, uma história muito triste, mas as histórias infantis também têm sua tristeza. O que eu vou ler aqui é a síntese de um fato que ocorreu em nossa escola na UFRN, na universidade federal; é a síntese de um documento que nós tivemos que escrever. Eu concordo com vocês: tivemos que parar os nossos trabalhos, parar os nossos investimentos, as nossas investidas junto às nossas crianças, para escrever um documento e responder a uma notícia, veiculada em redes sociais, com o tema "Pais denunciam 'doutrinação' anti-Temer em crianças na UFRN", assim como a uma representação de um Parlamentar do RN junto ao Ministério Público quanto ao nosso trabalho com as nossas crianças do Núcleo de Educação da Infância. Destacamos, na primeira acusação, o exercício de doutrinação anti-Temer em crianças; depois, na segunda acusação, mencionada no ofício, a realização de atividades de cunho unicamente político que forçaram as crianças a produzirem desenhos contra o atual Presidente da República do Brasil, que tinham, como único viés, a ideologia, da qual as crianças eram obrigadas a participar; a violação do regime jurídico dos servidores públicos; e a corrupção da integridade psíquica e moral das crianças no abuso de audiência cativa desses estudantes. Quem somos nós? Como eu já falei, trata-se de uma escola de aplicação, dentro de uma universidade, que tem como finalidade desenvolver socialmente atividades de ensino, pesquisa e extensão, com foco na promoção de práticas pedagógicas e inovadoras na educação da infância. O NEI, assim como toda a escola de aplicação, oferta suas vagas a partir de um edital público, aberto a toda a comunidade. No NEI, as vagas geralmente são abertas no início do ano. Hoje, nós temos um público de 350 alunos, que vai desde o berçário até o ensino fundamental, segundo ciclo, com crianças de 10 anos. O nosso Núcleo, assim como outras escolas de aplicação, contribui no processo de construção e efetivação de uma proposta pedagógica, por meio de diversas ações; promove um espaço e um locus para que o estudante de Pedagogia e de outras licenciaturas convivam com as crianças, aprendendo, na prática, o que é ser professor - e professor de criança exige um aprendizado muito singular. Promovemos, também, a liberdade, a inclusão de toda a comunidade, com os jeitos e os modos de cada um, de cada família. |
| R | Essa prática tem possibilitado um diálogo constante, que promove, a nosso ver, processualmente, uma cidadania vivida e não só falada, não só mencionada em livros, compartilhada com toda a comunidade escolar, especificamente e especialmente entre família e escola. Diálogo aqui não como retórica, mas diálogo como palavra, como ação que move toda a nossa metodologia. Compreendemos, é claro, a dificuldade deste Parlamentar e de outros em compreendê-la, haja vista o que temos presenciado no cenário político do nosso País. Especificamente ao fato, eu vou começar, então, a nossa história. O fato que originou a denúncia do Parlamentar e... (Soa a campainha.) A SRª SUZANA MARIA BRITO DE MEDEIROS - ... e do blog, foi a nossa participação no ato político e cultural, no dia 22 de setembro, deste corrente ano. E temos a dizer que a equipe do NEI, junto com demais professores da UFRN, das redes municipal e estadual, aderiram à paralisação nacional em defesa da escola pública, da qual participaram também 82 entidades em todo o nosso País. Essa decisão foi tomada no dia 19, na segunda-feira, em assembleia dos docentes, ocorrida na UFRN. No outro dia, imediatamente, essa paralisação tinha como foco protestar contra a Proposta de Emenda à Constituição nº 241, hoje PEC nº 55, que, no nosso entendimento e de muitos profissionais de deferentes áreas, inviabiliza a continuidade do Plano Nacional de Educação 2014/2024, em nada se relacionou ao fato, denominado pelo Parlamentar como doutrinação anti-Temer. Considerando a nossa parceria escola e família e respeitando o direito de acesso às informações concernentes ao cotidiano escolar, no dia 20, enviamos uma carta aberta aos pais e responsáveis explicando os motivos da nossa paralisação, além da nossa programação. Porque entendemos que a família, no caso em relação ao nosso foco, são crianças, é a responsável primeira em dirigir a educação moral e social dos seus filhos e filhas e, nesse caso específico, em autorizar toda e qualquer ação escolar que envolva seus filhos. Por isso foi também enviado uma solicitação de autorização para participação de suas crianças e as crianças de algumas turmas, as turmas mais velhas, por meio de desenhos e vídeos, em respeito ao disposto do art. 5º, da Constituição Federal, que concede a todo indivíduo o direito de uso de sua imagem. E, por tratar-se de crianças, observou-se ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente que assegura tal direito, nos arts. 17º e 18º. No dia 21, portanto, no dia anterior à paralisação, como é recorrente em nossa abordagem metodológica, fizemos uma roda que chamamos de roda Inicial, e nessa roda dissemos às crianças que iríamos parar por um dia, não era um feriado, não era um final de semana, era um dia especial, era um dia em que iríamos reivindicar que investimentos para a educação, orçamento, concursos não poderiam parar de serem enviados para as escolas públicas, para não prejudicar o crescimento das práticas inovadoras. Ou seja, conversamos como se encontra a nossa escola hoje, nos dias atuais, e como ela poderia ficar se caso esses investimentos necessários para mantê-la e ampliá-la fossem mantidos com uma inflação ou, conforme a Senadora falou, o tal do saco de feijão. Ressaltamos ainda que os pais já tinham no horizonte uma esperança de ver o 5º ano acontecendo na escola. Nós só vamos até o 4º ano, até então. E, para isso, sabíamos da necessidade de contratação de novos professores, compras de mobiliário, contratação de novos funcionários. |
| R | Durante a conversa, em nenhum momento, os professores mencionaram nomes de políticos, partidos ou referiram-se ao Presidente, ao atual Presidente da República, mas sim a um grupo de pessoas que, hoje, representando o povo brasileiro, escreveram uma proposta, assim como a gente escreve as nossas propostas, aqui na roda, e estabeleceram uma nova relação dos investimentos nas áreas de educação e de saúde. Vale salientar que, nesse momento, muitas crianças expressaram já saber do assunto, através de seus familiares. Em seguida, foi perguntado às crianças o que achavam que poderia acontecer com a nossa e as demais escolas públicas, caso essa proposta fosse implementada. Por fim, foi proposta a produção de desenhos relativos ao assunto para a organização de cartazes, como sempre fazemos em qualquer outra demanda de assembleia. Uma dessas crianças se expressou com a imagem do Presidente. Aí expressando tudo aquilo que ela queria colocar no seu desenho. Mais uma vez, uma roda foi formada a fim de que cada criança expusesse a sua produção e explicasse por que havia desenhado tal imagem. Nessa perspectiva, afirmamos que essa escola é assim, é assim que ela faz, é assim que ela ensina, dando lugar, vez e voz às crianças. Sempre que necessário, conclama toda comunidade escolar para se posicionar em frente à sociedade em defesa dos direitos da educação pública e de qualidade. Por muitas vezes, na história da instituição, nós manifestamos, tanto em prol de interesses e demandas mais específicas da nossa escola, quanto da educação do País. A exemplo disso, já citaremos várias bandeiras defendidas em algumas manifestações das quais participamos: reivindicação por recursos físicos da escola; abertura para concurso de professores; oferta de merenda escolar para as crianças atendidas, datando de 2007; construção de um prédio de estudos para pesquisa na infância. Enfim, levando em consideração esses princípios e a concepção de crianças como sujeitos históricos e socialmente situados, entendemos os desenhos como forma de expressão das leituras de mundo que elas fazem de todos os ambientes em que interagem e esse ambiente não se restringem ao espaço escolar. Não esquecendo que o ato de desenhar é parte de um processo de alfabetização, de letramento do mundo, do sujeito no mundo, em respeito a esses diferentes espaços formativos e à pluralidade de ideias que nele circulam, em toda e qualquer rotina de trabalho, em toda e qualquer escola. No dia destinado à paralisação, suspendemos nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão para discutirmos sobre os efeitos da PEC. Participamos das ações planejadas na assembleia da categoria. Mais uma vez, por acreditarmos na importância da parceria entre escola e família, realizamos uma outra roda, uma roda de conversa entre pais e professores no início da manhã, do dia 22. Na ocasião, discutimos com os presentes a respeito dos motivos da paralisação, enfatizando os efeitos da PEC sobre o sistema público de ensino. Abrimos espaço para as colocações dos pais, suas dúvidas e posicionamentos. Sem querer parecer repetitiva, mas entendo a necessidade de cada esclarecimento, reafirmamos que a manifestação não foi feita dentro das salas de aula, como afirma o Parlamentar, mas no estacionamento do centro de convivência da universidade, uma atividade organizada pelo sindicato dos docentes, durante a qual foram levadas produções das crianças cujos país autorizaram o uso, para dado fim. Outro ponto de inconformidade consiste na afirmação de que os professores promoveram manifestações de desapreço ao Presidente da República. Como já foi exaustivamente colocado anteriormente, o foco das manifestações foi a possibilidade da aprovação da PEC 241, hoje PEC 55. |
| R | Assim sendo, no episódio em questionamento, nenhum professor ou professora cometeu qualquer ato que pudesse ferir a integridade das crianças que atendemos, e, sim, preservamos sua identidade, posto que solicitamos a autorização dos pais para utilização dessas imagens. Nessa perspectiva - então, vou só finalizar -, levantamos... Por isso, lamentamos imensamente o ocorrido: que o Parlamentar denomine os profissionais de doutrinadores travestidos de professores, sem que nunca tenha procurado averiguar a veracidade de suas denúncias. À luz dessas considerações, discordamos veementemente dessas acusações. Acreditamos que o esclarecimento justifica o nosso posicionamento a esse respeito, assim como reafirma o compromisso dessa equipe, que compõe o NEI/CAp, com a educação pública brasileira e com o empenho na garantia dos direitos e deveres básicos da cidadania, relativos especialmente à educação das crianças. No mais, seguiremos com nosso respeitoso trabalho, visto que estamos e continuamos empenhadas em construir uma escola cada vez melhor para as nossas crianças, primando pelos princípios de pluralidade, orientados por uma perspectiva inclusiva e que preza pelo compromisso social da inserção delas e de suas famílias. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Agradeço à Profª Suzana. Nós vamos passar imediatamente a palavra à Márcia Aparecida de Oliveira, que é mãe também de um estudante lá do NEI. Ao mesmo tempo, quero registrar aqui também, com muita satisfação, a presença da Senadora Gleisi Hoffmann entre nós. Márcia é mãe de um aluno do NEI. Portanto, ela disse que gostaria de falar aqui na condição de mãe de um estudante. Vamos conceder a palavra a você agora, até porque você vai falar acerca do mesmo contexto que a Profª Suzana acaba de nos relatar. A SRª MÁRCIA APARECIDA SOUZA - Como a Profª Suzana já citou tudo da escola e o tempo está muito adiantado, eu só vou falar do movimento que os pais fizeram, contrário à denúncia do Deputado Federal sobre essa questão doutrinária no NEI. Logo depois que saiu na imprensa e que disseram que iria para o Ministério Público, nós pais nos reunimos e fizemos alguns movimentos na escola e em toda a sociedade natalense. Esses movimentos foram os movimentos relacionados a um abaixo-assinado, que teve mais de 5 mil assinaturas em pouquíssimo tempo, em duas semanas, e uma ida à imprensa, para informar e defender a instituição, porque a instituição não fazia essa doutrinação com as crianças. Antes disso, eu passei direto. Eu nem cumprimentei a Mesa, em nome de Fátima, nem coloquei o nome de Camila aqui para dizer que, em nome de todos os outros... E dizer que... A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Estamos todos cumprimentados, pode seguir adiante. A SRª MÁRCIA APARECIDA SOUZA - Eu tenho muito orgulho de ter uma representante Senadora, que me orgulha, no que a gente vive hoje na política. Então, Fátima me representa. (Palmas.) A gente fez todo esse movimento, pegou essas assinaturas, procurou as meninas para ver o que a gente podia fazer, tudo muito fora da escola, porque a gente se viu vigiada. Pessoas iam lá, tiravam fotos, perguntavam se a gente estava pegando assinatura dentro da escola, perguntavam se a escola estava ajudando de alguma forma a gente. A gente fez isso como mães, no nosso tempo. Criamos um grupo no WhatsApp. Um ia lá e pegava assinatura e outra... Um grupo muito pequeno, liderado por mim e outra mãe. Porque há dois prédios, o NEI ampliou e há dois prédios. Eu ficava com um e ela com o outro. |
| R | Como vocês já entenderam o que é o NEI, que é uma escola de aplicação que há 37 anos está no nosso Estado e que é conhecida nacionalmente pelo seu trabalho, consegue hoje fazer com que muitas, cerca de três mil pessoas inscritas para 20 vagas, porque o NEI é uma escola onde todo pai quer que o filho estude, pois é uma escola pública gratuita de qualidade. Isso é o NEI. Para dizer a vocês melhor o que é o NEI, eu vou ler uma carta que não levará nem dois minutos. É uma carta muito poética. Nós passamos três ou quatro dias pegando assinatura sem escrever nada. Aí percebemos que tínhamos que escrever alguma coisa. A gente fazia essas coisas que estão aqui, e uma das mães foi muito poética e redigiu essa carta que abriu o nosso abaixo-assinado de 5.325 assinaturas: "Que escola é essa? [também é o nome do nosso movimento, movimento de pais Que Escola é Essa] Que escola é essa onde se toca uma música infantil ao invés de uma sineta para sinalizar que está na hora de ir para a sala de aula? Ah, essa é a escola que valoriza a música como atividade lúdica e, por isso, dá vez à lira ao invés do toque unilateral da sineta. Isso se chama sensibilidade. Que escola é essa em que os professores e professoras, atentos aos saberes das crianças, promovem com elas a escolha do tema de pesquisa, e meu filho chega em casa e comenta: “Mamãe, o tema das árvores não passou, só teve dois votos” (este era o tema que ele sugeriu). E continua: “os morcegos e as borboletas ficaram empatados e hoje vamos fazer nova votação para escolher qual tema vai ganhar”. Ah, essa é a escola em que se ensina a criança que podemos decidir coletivamente e que devemos respeitar a decisão da maioria quando o nosso voto é vencido. Isso se chama democracia. (Soa a campainha.) A SRª MÁRCIA APARECIDA SOUZA - E continua: Que escola é essa que, diariamente, promove um momento de relaxamento e meu filho chega em casa me ensinando como respirar melhor? Ah, essa é a escola que considera que as crianças têm corpo e que este corpo precisa relaxar e a mente precisa se acalmar. Isso se chama aprender o autocontrole. Que escola é essa que convida os escritores para contarem as estórias e promoverem oficinas de leitura e escrita com as crianças? Ah, essa é a escola que considera a leitura e a escrita como práticas sociais de linguagem e que estão nos livros, porque antes estão em nós, seres que convivem em permanente diálogo. Isso se chama interação. Que escola é essa que promove o ensino de língua estrangeira, dança e música, sem deixar de ensinar os conteúdos necessários ao conhecimento das linguagens convencionais? Ah, essa é a escola que considera e respeita que somos seres múltiplos e com muitas potencialidades a serem exploradas. Isso se chama pluralidade cultural. Que escola é essa que, em cada sala de aula, acolhe ao menos uma criança com necessidade especial de aprendizagem? Ah, essa é a escola que respeita e compreende que todas as pessoas têm direito à educação de qualidade. Isso se chama inclusão. Que escola é essa que, além de preparar semanalmente os seus planos de trabalho, a cada mês, os professores param para estudar e planejar coletivamente o processo de ensino e aprendizagem? Ah, essa é a escola que considera que sempre nos formamos uns com os outros e que a constante troca de saberes e planejamento conjunto faz com que o trabalho tenha continuidade, conformidade e evolução. Isso se chama formação continuada. Que escola é essa que sempre dialoga com os pais, estando permanentemente aberta para ouvir sugestões e críticas? Ah, essa é a escola que considera a família o pilar mais estruturante da formação da criança e, por isso, sempre dialoga com essa família. Isso se chama respeito. |
| R | Que escola é essa que não confunde ser professor com ser babá? (Palmas.) É a escola que compreende e respeita o trabalho das babás, mas compreende que, na escola, os nossos filhos vão ser sujeitos capazes de pensar e ser responsáveis por seus atos. Isso se chama autonomia e responsabilidade pessoal. Que escola é essa que tem tanto espaço para as crianças brincarem, que os professores fazem a cada bimestre um relatório individual de cada criança, abordando as várias fases do desenvolvimento delas? Essa é a escola que compreende que a criança se constitui ao brincar e que cada um é diferente do outro. Isso se chama respeito às singularidades da infância. Que escola é essa que também é laboratório? É uma escola que abre espaço para a formação de outros professores, pois é sabedora de que seu papel de conformadora de novos professores, respondendo à sociedade a tarefa que lhe foi conferida. Isso se chama escola modelo. Que escola é essa que respeita tanto as crianças, que separa um tempo para explicar-lhes que um dia não deveria ter aula e essa aula não correrá na escola, mas na rua? Sim, essa é a escola que foi às ruas dia 22 de setembro, convidou os pais a participarem do ato em defesa da educação pública de qualidade, a escola vem sofrendo com corte de verbas... Termine, por favor. (Palmas.) A SRª SUZANA MARIA BRITO DE MEDEIROS - Continuando: A escola, já sofrendo com o corte de verbas, não pode e não deve se isentar de mostrar à comunidade a sua real situação. Sim, professoras e pais foram às ruas em defesa do Núcleo de Educação da Infância - NEI/CAp/UFRN, e nisso não há doutrinação. Estimados presentes, nisso há responsabilidade e compromisso com a educação de qualidade das crianças que estudam no NEI. Nesse sentido, vimos a público defender essa escola e repudiar as afirmações levianas que foram feitas em blogs locais contra os professores e professoras, bem como denúncias feitas por alguém que não compreende que a escola não se sustenta no vazio, mas ela precisa necessariamente de verbas públicas para se manter. E, ameaçada como está pela PEC nº 55, só resta aos professores e professoras, com total apoio dos pais, bradar nas ruas e mostrar a nossa indignação. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Eu quero aqui, mais uma vez, saudar a Profª Suzana e Márcia, que é quem acaba de falar, mãe de um dos estudantes. E, mais uma vez, Suzana, quero aqui reiterar toda a nossa solidariedade a vocês. Esse episódio ocorreu, como ficou evidenciado aqui, lá no meu Estado, o Rio Grande do Norte, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É bom que se ressalte aqui que o NEI, que é o Núcleo de Educação Infantil, escola de aplicação, faz parte de um conjunto de escolas de aplicação que nós temos em todo o País. Mas dizer com toda a clareza que o NEI do Rio Grande do Norte, Drª Deborah, é uma das melhores escolas de aplicação que a gente tem pelo País afora. Para motivo de muito orgulho nosso, do povo do Rio Grande do Norte. |
| R | E isso se evidencia, Senadora Gleisi, quando, por exemplo, a UFRN foi uma das instituições de Ensino Superior que mais se destacou nos programas voltados para as políticas de formação inicial e continuada do magistério, implementada nesses últimos anos dos governos Lula e do governo da Presidenta Dilma. Há um reconhecimento não só no nosso Estado, mas nacionalmente, Prof. Fernando, da qualidade pedagógica, da consistência do trabalho pedagógico do NEI, da UFRN nessa área, que, repito, a UFRN foi quem teve uma presença mais destacada. E os seus professores falam por si mesmos do quanto de responsabilidade, de sabedoria, de preparo pedagógico e de compromisso que eles têm no dia a dia, desde o início do NEI, lá, na nossa Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Infelizmente, esse ataque que os professores do NEI sofreram por parte de um determinado Parlamentar... Infelizmente, inclusive é até lá do nosso Estado. É lamentável isso, porque, enfim, é uma escola, como eu disse desde o início, que tem mais é que ser premiada, tem mais é que ser aplaudida, tem mais é que ser zelada, repito, pelo patrimônio que ela é, o NEI, não só para as famílias do Rio Grande do Norte e de Natal, mas para todo o Brasil, pela trajetória que essa escola tem, pelo quanto eles têm contribuído, repito, nas políticas de formação inicial e continuada. É tão necessária ainda para o aperfeiçoamento do magistério brasileiro. Então, não foi à toa, Prof. Fernando Penna, que, quando desse episódio lá, esse ataque aos professores de forma caluniosa, gerou muito repúdio. Várias instituições lá do Rio Grande do Norte se manifestaram claramente em solidariedade aos professores, aos seus pais e, ao mesmo tempo, em repúdio. Então, de forma que, Suzana, é importante a sua presença aqui, a presença de Márcia, porque infelizmente isso não é um caso isolado, ou seja, o Escola Sem Partido significa infelizmente exatamente isto: de repente criminalização, punição, vigilância, inclusive contrariando tudo aquilo que Drª Deborah colocou, contrariando aquilo que está na nossa Constituição cidadã de 1988, que é a educação para a cidadania, para a liberdade, o que vocês têm feito ao longo desse período é exatamente isto, é preparar as nossas crianças para o exercício livre e pleno da cidadania. É isso que vocês têm exatamente feito. Então, mais uma vez, obrigada aqui pela participação de vocês. Nós tínhamos agora a Leia para falar. Vamos lá, a Senadora Gleisi. Nós só temos Leia, Gilson e Fabiano. Vamos Leia, que fala pela Fasubra. A SRª LEIA DE SOUZA OLIVEIRA - Inicialmente, gostaria de cumprimentar a Mesa, na pessoa da nossa querida Senadora, cumprimentar o Comando Nacional de Greve da Fasubra, que está aqui presente. (Palmas.) |
| R | Nós estamos já há quase um mês em uma greve em defesa da universidade pública, contra a PEC 55 e contra esse golpe, que não se encerrou apenas no impeachment, pois a cada dia nós estamos sendo golpeados. Mas eu queria colocar o meu depoimento até cumprimentando todos os palestrantes, em especial o Prof. Fernando, que, através da sua fala, dele, com certeza esclareceu algumas dúvidas - se é que existe alguma dúvida ainda acerca do que representa esse projeto. E o que eu destaco da fala dele é que o PL não se encerra nesta Casa; é um movimento, um movimento vivo, que, independentemente de não prosperar aqui no Senado ou na Câmara, ele já está enraizado na sociedade, e, por isso, nós devemos pensar ferramentas para poder combatê-los na base da sociedade. Eu gostaria de colocar um dado aqui até para ouvir dos nossos companheiros aqui da Mesa como esse projeto de Escola sem Partido, Escola com Mordaça não está dissociado de um ataque à Constituição Federal, nós temos aí, dentro da PEC 55, a proposta da criação... (Tumulto no recinto.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Por favor, Cléo, nós vamos garantir a palavra aqui à Leia. (Tumulto no recinto.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nós vamos... (Interrupção do som.) (Tumulto no recinto.) O SR. FABIANO FARIA - O movimento Escola sem Partido está muito bem representado. (Interrupção do som.) (Tumulto no recinto.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nós vamos retomar aqui os nossos trabalhos. A Profª Leia, com a palavra. (Tumulto no recinto.) (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Profª Leia com... (Manifestação da plateia.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Por favor, por favor! Vamos retomar. Nós temos a Profª Leia inscrita, além do Prof. Gilson e da Senadora Gleisi. Vamos aqui voltar para o nosso debate. Eles foram convidados e aqui não vieram - e aqui não vieram de maneira nenhuma. Foram convidados e aqui não vieram. Portanto, nós vamos continuar aqui fazendo o nosso debate. Vamos concluir nosso debate em respeito aos telespectadores, em respeito a vocês que vieram, em respeito aos que estão nos acompanhando e, sobretudo, em respeito àquilo que mais defendemos, que é uma escola voltada para educação democrática, inclusiva, laica, pública e de qualidade social para todos e para todas. (Palmas.) É esse o debate que nós estamos fazendo aqui neste exato momento. Então, Leia, por favor, pode retomar sua fala. A SRª LEIA DE SOUZA OLIVEIRA - O que nos assusta é esse ódio, que temos que combater o tempo todo. Mas, como eu estava dizendo anteriormente, esse projeto não está dissociado de outras medidas do Governo. Eu queria falar sobre a questão da terceirização da atividade-fim, que está para ser votada no Supremo Tribunal Federal, e, dentro da PEC 55, eu queria ouvir da Procuradora Deborah Duprat a sua reflexão sobre o seguinte ponto: num determinado artigo lá está colocada a autorização para o Governo criar empresas públicas não dependentes do Estado. Passa despercebido, porque só falamos da parte dos 20 anos, de congelamento do investimento em políticas públicas, mas o que é a síntese dessa autorização para o Governo criar esse tipo de empresa, articulada com a autorização de terceirização de atividade-fim, ao projeto Escola sem Partido, à MP 746, e à PEC 55 no seu total. Nós achamos que o que estamos vivendo, nesse momento, no País é um golpe, um golpe muito bem articulado; nós estamos em um Estado de exceção; é outro regime que está sendo implementado. E a educação, como sempre foi o locus adequado da liberdade, da crítica, da contestação, da luta contra a ditadura... Os estudantes tiveram protagonismo muito importante na luta pela democracia, nas Diretas Já, contra a ditadura. E agora, com a ocupação, obviamente, os estudantes serão protagonistas principais nessa luta de resistência a essa PEC e a todos os outros projetos. Então, esse projeto Escola sem Partido começa, agora, enaltecendo essas práticas fascistas e o ódio. Assim, eu acho que o Temer já conseguiu o seu objetivo - e nós temos que agradecer ao Temer por isso -, porque ele conseguiu que as centrais sindicais se unissem, todas as centrais sindicais, que os estudantes se unissem, os trabalhadores... (Palmas.) |
| R | Ele conseguiu que os pais se unissem com os professores. E eu quero aqui falar para a professora da UFRN, desse núcleo: conte com o apoio dos trabalhadores técnico-administrativos. Esse depoimento dessa mãe aqui, mostrando que escola ela quer para os seus filhos, é que nos dá mais força ainda para continuar lutando contra esse projeto Escola sem Mordaça. O professor colocou com muita clareza, no início da fala dele, que esse nome Escola sem Partido não tem nada a ver com o conteúdo do projeto. O nome desse projeto deveria ser Escola com Mordaça a serviço de uma ideologia, a serviço de um projeto que é muito mais perverso do que foi a época da ditadura. O que o Temer quer fazer em seis meses de Governo, a ditadura não conseguiu fazer em 20 anos neste País. Essa PEC, que vende o Brasil, que coloca a soberania, o desenvolvimento e a democracia do País em jogo, é muito mais perversa de que várias iniciativas que foram feitas na época da ditadura. Pelo menos os ditadores defendiam a soberania, o desenvolvimentismo na lógica equivocada deles, mas tinha esse caráter. E, agora, não! Essa PEC quer acabar com tudo isso que foi construído com muita luta pelos trabalhadores e pelos movimentos sociais organizados. Eu chamo atenção aí dos companheiros, dos estudantes e dos professores. Os professores, a exemplo do depoimento da companheira da UFRN, deveria ser o grande protagonista nesse momento, levando o debate para a escola, levando o debate para associações de pais e mestres, discutindo, dentro da sala de aula, o que está colocado. Nós acreditamos nessa juventude, nessa resistência a esses ataques que são colocados pela PEC. E eu queria aqui, finalmente, fazer um convite à Procuradora, porque eu gosto de aproveitar esses espaços públicos para colocar nossas demandas. Nós estamos com comando nacional de greve, com quase cem companheiros de todas as universidades públicas, reunidas aqui em Brasília. Queríamos contar com a presença da senhora debatendo alguns elementos. Conhecemos a sua força militante dentro da PGF e queríamos saber se poderíamos contar com a senhora debatendo alguns temas, que estão tramitando naquela casa. E quero cumprimentar todos - todos - que falaram aqui. Nós temos que nos unir. E é só com o povo na rua, é só com resistência e com mobilização que nós vamos conseguir derrotar esse projeto. E já está sendo derrotado, porque o Temer foi o nosso aliado, porque ele conseguiu nos aliar. Faz treze anos que não nos reuníamos na mesma mobilização, na mesma frente - as centrais sindicais. Agora nós estamos unidos. E é esta a palavra dos estudantes: a luta unificou - estudante, professor e trabalhador em defesa da universidade pública. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigada, Leia. Nós vamos passar agora para o Gilson Reis, da Contee. E nossa saudação aqui, Leia, aos trabalhadores técnico-administrativos das universidades federais, que, em todo brasil, neste exato momento, somam-se aos estudantes e a outras categorias de servidores. Inclusive, os servidores técnico-administrativos das universidades federais estão em greve nesse exato momento, na luta em defesa da educação. E defender a educação, nesse momento, sobretudo, é lutar para que essas agendas não prosperem, desde o Escola sem Partido até a PEC 55 e etc. Com a palavra Gilson Reis, representando a Contee. |
| R | O SR. GILSON REIS - Senadora Fátima Bezerra, companheiros e companheiras, Senadores presentes, a primeira questão é que me parece que nós todos que acreditamos na humanidade acordamos hoje, em nosso País, estarrecidos com a morte do Guilherme, um jovem assassinado pelo pai, alvejado por vários tiros. O garoto tentou fugir do pai, e, mesmo fugindo, o pai pegou o carro, atirou nesse menino e o matou em nome do ódio, da intolerância, daquilo que nós estamos vendo em nosso País neste momento, que é o cimento do golpe articulado com setores das elites brasileiras, uma profunda e intensa reação conservadora, ideológica e fundamentalista. É estarrecedor o que aconteceu com esse jovem, fruto daquilo que nós acabamos dever aqui agora: dessa intolerância e desse ódio praticado há algum tempo já neste País. Não é de agora, porque, no período pré-golpe no Brasil, nós vimos também essa intolerância presente em praças e ruas pelo País. Acho que isso demonstra que a nossa luta será muito maior do que nós imaginávamos. E é preciso também, ao falar sobre a intolerância e sobre a situação que vivemos no País hoje, dizer que isso é decorrente na história do Brasil. Se nós olharmos em todas os períodos de exceção e de golpe, desde os anos 1930, 1937, 1946, 1964, 1968, sempre ocorreu essa reação autoritária, conservadora, de grupos fundamentalistas, tradição família e propriedade, os integralistas, os anticomunistas, enfim... Surge, nesse momento, exatamente essa parte da sociedade que tenta impor, à força e no grito, a sua posição de sociedade. Acho que temos que ter consciência de que nossa luta será muito maior do que se apresenta. Além da luta político-ideológica, teremos que enfrentar esse tipo de pessoa - esse pai que chegou ao limite de matar seu filho e se matar em nome de uma ideologia e de um projeto de Estado profundamente reacionário, conservador, totalitário e fundamentalista. Eu estou indignado nessa manhã de hoje e penso que nós brasileiros que pensamos na vida e numa perspectiva de um País muito mais justo também estamos indignados. Possivelmente não será a última morte, porque o ódio está se esparramando pelas praças e ruas deste País. Queria dizer que a luta contra essa ideia da Escola sem Partido, ou lei da mordaça, é uma luta que precisamos continuar a fazer. Apesar de pensar que ela, em grande medida, foi colocada como um chamarisco para aquilo que é o projeto definitivo dessas elites dominantes que tomaram o País por um golpe, que é a reforma do ensino médio. Ali está presente o conceito daquilo que eles querem aplicar como Escola sem Partido, quando exclui das disciplinas que serão praticadas como obrigatoriedade, por exemplo, a filosofia, a sociologia, a história, a geografia e vários conteúdos que eram e são de importância muito grande na formação intelectual, crítica e de cidadania dos nossos alunos, da nossa sociedade. Eu penso que precisamos encarar esse debate agora em outro patamar: precisamos agora que o Ministro Barroso, que é o Ministro Relator da ADI que a Contee propôs, que já tem posição favorável do Procurador-Geral da República, da Controladoria-Geral da República e de outros órgãos, que têm manifestado como inconstitucional a proposta apresentada, neste Senado, na Câmara dos Deputados e também nas câmaras legislativas e câmaras de vereadores pelo País afora... |
| R | Precisamos concentrar nossa energia no processo jurídico, no processo político, mas para além da questão da Escola sem Partido, discutindo a questão que envolve a reforma do Ensino Médio, que me parece que é o objetivo central. E fico pensando, por exemplo, que aqui neste Senado há Senadores vinculados às chamadas igrejas neopentecostais e até mesmo a essa visão da Igreja Católica ortodoxa, ligada a grupos também profundamente conservadores, para quem a opção da reforma do ensino médio poderá ser também uma opção de uma escola evangélica, de uma escola vinculada aos interesses de hoje, aos 30%, 40% dos religiosos neopentecostais que dominam uma parte importante da religiosidade do nosso povo. Pode-se transformar essas escolas também com o objetivo não só do ponto de vista da formação ideológica, religiosa, mas também do retorno financeiro, porque é o que está presente, por exemplo, na proposta vinculada à reforma do ensino médio, pois uma parte da disciplina, sem o conteúdo nacional mínimo, matemática, português, inglês, poderá ser acrescida de outras matérias. Ora, isso pode criar um campo, como existe nos Estados Unidos, em muitas regiões dos Estados Unidos, em que a igreja protestante e as igrejas de várias matrizes religiosas controlam e comandam essas escolas públicas de acordo com seus interesses e com seus objetivos estratégicos. Então, também setores conservadores, reacionários, liberais estão inseridos nessa proposta, mas também há um conteúdo religioso, porque poderá haver, no processo da reforma do ensino médio, a transferência de recursos públicos para setores privados e para setores ligados a essas grandes igrejas. Há todo um esquema montado, toda uma estrutura montada que precisa ser debatida. Penso que nós precisamos concentrar nossa discussão em torno da questão de a escola ser amordaçada, da escola sem partido, mas também começar a concentrar nosso pensamento na questão da reforma do ensino médio. Para concluir, quero dizer que o Senado da República deveria, não sei, dar as condições de começar ou tentar um diálogo com o Ministro Barroso, depois de todas as questões já envolvidas, para que houvesse uma liminar, conforme sugestão da Contee na ação que nós entramos. Seria um gesto magnânimo desse Ministro, que, tenho certeza, não defende essa tese da escola sem partido. E hoje nós estamos aqui no Senado e estamos em Brasília reunidos com dezenas de entidades ligadas à educação de todo o País, entidades nacionais, entidades locais, de professores, alunos, enfim, um conjunto de entidades. Ao final da tarde, nós deveremos escrever um manifesto em defesa da escola pública, em defesa de uma escola inclusiva, de uma escola democrática. E nós estamos imbuídos numa luta ferrenha neste País não só para retomar a democracia e derrubar o golpe de Estado praticado contra o povo brasileiro, mas recolocar na agenda política não o retrocesso, mas o avanço da sociedade. Então, esta é a Contee. Trouxemos aqui para a Mesa alguns materiais que a Contee tem feito. Vou passá-los às Senadoras e ao público, se der para todos. E vou passar um vídeo de 30 segundos que nós produzimos e que poderá ser utilizado pelos movimentos que lutam contra essa famigerada escola sem partido, que, na prática é a escola do partido dos reacionários, dos fascistas, dos que querem impor uma ideologia nas nossas escolas e na nossa juventude. Muito obrigado. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigada. Gilson. (Procede-se à apresentação de vídeo. ) (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Nós queremos passar a palavra agora ao Fabiano, mas, antes, mais uma vez, parabenizar o Gilson da Contee. Ao lado de toda essa rede das entidades e instituições que defendem a agenda da educação, que não vem de agora, mas já há muito tempo, a Contee tem tido um papel muito especial nessa luta. Tanto é assim que foi ela que entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo. Portanto, temos de destacar e ressaltar o papel dedicado que vocês têm desempenhado na luta em defesa da educação e contra aberrações como essa. Vamos passar a palavra ao Fabiano; depois, à Senadora Gleisi para encerrar os trabalhos da nossa Comissão. Peço compreensão em função do horário até porque vamos, no encerramento dos trabalhos, fazer os nossos encaminhamentos finais. Então, Fabiano Faria, da Frente Nacional Escola sem Mordaça; depois, a Senadora Gleisi. O SR. FABIANO FARIA - Agradeço à Senadora Fátima Bezerra pela oportunidade e gostaria de cumprimentar os demais Senadores presentes, a companheira Gleisi, a companheira Regina, os companheiros de luta da Fasubra, os colegas da UNE, da Ubes, e todos os companheiros. Gostaria de começar dizendo que o sindicato de que faço parte e sou Coordenador, o Sinasefe, está em greve desde o dia 11 da semana passada, com uma pauta totalmente política, contra a PEC 55, o PL Escola sem Partido, a reforma do ensino médio entre outros pontos. Coube a mim falar mais em nome da Frente Escola sem Mordaça. Então, eu gostaria de informar que hoje tivemos uma reunião, estamos agendando a próxima, e, muito brevemente, programado para os dias 4 e 5 de dezembro, estaremos realizando no Rio um curso para debatedores do Escola sem Partido. Inclusive, estamos convidando a Drª Deborah Duprat, que vai ministrar um dos módulos, para estar entre nós. A intenção é formar debatedores para visitar todas as escolas e universidades, fazendo - o Fernando Penna está na organização também - um debate e tentar disputar com a sociedade essa questão. |
| R | Eu gostaria de destacar - acho que é uma oportunidade de ouro para fazer isso - um aspecto do movimento Escola Sem Partido que até então tem sido pouco destacado, que é o apego que os militantes desse movimento, que foram muito bem representados na cena que a gente viu agora há pouco, têm na democracia, o apego que eles têm, na verdade, à época da ditadura militar. Pude observar na outra audiência, que não chegou a terminar... Foi um dia depois do impeachment, e o Senador Cristovam Buarque não se deu muito bem com as críticas que ele recebeu pelo seu voto. A audiência não continuou, mas foi perceptível na fala - depois eu procurei pesquisar melhor - do Vice-Presidente, o Bráulio, quando ele fazia referência a uma doutrina militar que foi vigente no período pré-64, a chamada doutrina da guerra revolucionária. Foi uma doutrina importada pelos militares que promoveram o golpe de 1964, importada do exército francês, e que, de uma maneira bem sintética, dizia que os comunistas, para implementar a ditadura comunista, têm uma tática da periferia para o centro, uma mudança - que eles liam como mudança - da tática do comunismo, de chegar o poder da periferia para o centro em cinco etapas: primeiro, a agitação democrática, quando eles diziam que os comunistas não se assumiam como comunistas; segundo, a construção de uma rede de organizações comunistas - sindicatos, grêmios estudantis, etc.; terceiro, a penetração no Estado; quarto, a guerrilha; e quinto, a formação de um exército revolucionário para tomar o poder. Na verdade, essa doutrina não tem nenhuma racionalidade, mas ela servia para que os então militares que defendiam o golpe de Estado dizerem que qualquer iniciativa no sentido de uma discussão crítica estava relacionada, no final, a um assalto violento ao poder e à destruição do que eles chamavam de democracia. Assim, eles podiam dizer que um professor em sala de aula estava contribuindo para destruir o Estado, para tomar o poder, para fuzilar todo mundo, enfim. Não vou poder aqui destrinchar o que é a doutrina da guerra revolucionária. Limito-me a dizer que, como estudioso do tema, eu nunca tinha presenciado alguém defender a doutrina da guerra revolucionária como se fosse uma coisa atual, e vejo isso hoje de uma maneira muito clara nos defensores do movimento Escola Sem Partido, o que me leva a uma reflexão que, para mim, pelo menos é muito preocupante: já foi levantado por vários debatedores aqui que é muito improvável que o Escola Sem Partido seja aprovado neste Senado, ou, na hipótese de ser aprovado, que ele consiga vingar juridicamente, até pela ação da Contee. Devo dizer - a gente discutiu hoje na reunião da Frente, apareça na próxima - que... (Soa a campainha.) O SR. FABIANO FARIA - ... todas as entidades da educação têm que entrar como terceiras interessadas nisso e pressionar o Supremo para julgar. A gente pode derrubar o movimento Escola Sem Partido no Senado e talvez até na Câmara, mas o grande problema é que esse é apenas a expressão de um movimento muito maior e mais preocupante, que é um movimento de retrocesso da discussão dos direitos humanos, de apologia à ditadura militar, em que os PLs e o Escola sem Partido são apenas uma expressão. |
| R | Em 20 anos de militância, eu nunca tinha presenciado um grupo de militantes de direita se organizar e se apresentar da forma como se apresentou aqui. Há 20 anos, mais ou menos - eu devo contar uma história e já estou caminhando para a conclusão -, uma professora minha dizia o seguinte: "No dia em que nós tivermos uma mulher no poder, um negro no poder, que os homossexuais forem respeitados pelas suas convicções, vamos viver num País melhor." Até recentemente, nós tínhamos uma mulher no poder. Um presidente negro, não no Brasil, nós temos. Nós tínhamos um Ministro Presidente do STF que era negro. A união homoafetiva é uma coisa possível de ser reconhecida hoje legalmente. Infelizmente não vivemos num mundo tão diferente, como talvez a minha professora supunha há 20 anos. Acho que ela exagerou um pouquinho. O fato é que o movimento Escola sem Partido, como uma expressão de um movimento de regressão da sociedade, de regressão política, busca não só regredir à ditadura militar, mas destruir todas essas pequenas conquistas - pequenas, mas muito importantes - que nós conquistamos em direitos humanos. Então, é preciso, sim... (Soa a campainha.) O SR. FABIANO FARIA - ... lutar contra o PL Escola Sem Partido. Acredito que não só todas as entidades da educação aqui presentes, como todos os Senadores aqui presentes, todos os profissionais, todos os companheiros estão imbuídos nesse propósito. Não nos estranha o fato de que para entrarmos hoje, nesta audiência, tivemos que pedir a ajuda dos companheiros para ir lá. Eu acho que os colegas que chegaram aqui não tiveram a mesma dificuldade para entrar como nós tivemos. Isso mostra que... (Soa a campainha.) O SR. FABIANO FARIA - ... alguma coisa anda errado. Mais do que lutar contra o PL Escola sem Partido, nós precisamos, de agora em diante, estar preparados para lutar contra o movimento de direitização, de destruição dos movimentos humanos na sociedade brasileira, que, além do Escola sem Partido, também está presente na Lei Antiterrorismo, que persegue os movimentos sociais, e também está presente - por que não? - na reforma do ensino médio, que tristemente tem, como Relator, ninguém menos que o Deputado Izalci Lucas, que é o autor do PL Escola Sem Partido e também tubarão do ensino privado. Companheiros a luta é longa. Eu gostaria de terminar - às vezes, eu falo - com as palavras do Anderson Silva. Por que não? Eu sei que não são dele, mas vêm muito a calhar. Ele estava uma vez falando e falou o seguinte: "Não importa o quanto você bate [Ele sabe o que diz], ninguém vai bater mais forte do que a vida. O que importa é o quanto você consegue apanhar e continuar lutando." Pois bem, que venha o movimento Escola sem Partido, com toda a direita com sua força local. O que temos a dizer aqui é que nós vamos continuar lutando. Muito obrigado pela oportunidade. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - O.k. Fabiano. Agradeço a Fabiano, que é um dos articuladores, Senadora Gleisi, da Frente Nacional Escola sem Mordaça. |
| R | Ao saudar Fabiano, nós queremos aqui também mandar o nosso abraço aos demais professores e servidores dos Institutos Federais de Educação Profissional e Tecnológica que, neste exato momento, a exemplo também da Fasubra, estão aí participando intensamente da luta para barrar essa agenda de retrocessos em tramitação aqui no Congresso nacional e que afeta duramente, mas duramente mesmo o presente e o futuro da educação brasileira. Nós passamos agora a palavra à Senadora Gleisi Hoffmann, mais uma vez saudando a Senadora Regina que, desde o início, também está aqui conosco. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senadora Fátima. Quero fazer uma saudação e cumprimentá-la pela iniciativa que está tendo aqui na Comissão de Educação de debater esse tema e tantos outros temas que V. Exª tem debatido com a gente: a PEC 55, a medida provisória do ensino médio. Isso tem sido muito importante. Eu acho que é uma tentativa de resistir a esse movimento que estamos tendo de retrocesso não só em termos de valores, mas também em termos de economia. Enfim, é uma situação muito difícil que nós vivemos hoje. Quero também fazer uma saudação à Mesa, à Drª Débora Duprat que está aqui conosco; ao Iago da UNE; à Camila, minha conterrânea, Presidente da Ubes; à Cléo; ao Professor Fernando e a todos vocês que estão aqui; ao pessoal da Fasubra que já estiveram com a gente também na Comissão de Assuntos Econômicos; ao pessoal que acompanha; aos professores que falaram e dizer que para mim também é uma satisfação e uma honra estar junto a vocês aqui neste momento. Senadora Regina, quero me desculpas, mas não consegui vir antes. Eu estava com outra agenda, mas manifestar aqui meu apoio a essa luta. De fato, a gente vive tempos difíceis, mas eu acho que ter uma mulher na Presidência, ter um negro na Presidência dos Estados Unidos e mesmo um negro no Supremo Tribunal Federal foi resultado de luta que fizemos, da lua dos anos 80, da luta dos anos 90 e que a gente chegou a um avanço considerável só que, como diz um amigo meu, nós não nadamos em uma piscina, nós estamos em mar revolto. Portanto, a toda ação nossa tem uma reação contrária. É obviamente que a sociedade tem suas manifestações diversas. Então, a direita, os valores conservadores não iriam nos olhar avançando em terreno de democratização, de emancipação, de conquistas de direitos e não fazer nada. O que estamos tendo é um refluxo como já tivemos muitos na história e, mesmo assim, a história da humanidade evoluiu, avançou graças a lutas e graças exatamente à resistência que tem que haver. Então, acho que estamos num momento em que temos que ter muita resistência. Muita resistência! Não vai ser fácil, não vai ser fácil porque não é um jogo só de interesse de valores da sociedade, é um jogo de interesses econômicos. Isso tudo está embricado. Quando se fala de uma escola sem partido não é só o fato de buscar a consciência, mas é também a visão de que você tem que formar única e exclusivamente a mão de obra para o mercado de forma tranquila para que aquelas pessoas trabalhem, para que aquelas pessoas produzam e, de preferência, não incomodem o status quo que está vigente. Então, isso tudo tem um peso muito difícil. Na questão dos direitos sociais essa PEC 55 é a coisa mais absurda que podíamos ter na nossa história. Quer dizer, as parcas conquistas que tivemos na Constituição de 88 - parcas - é o primeiro degrau de um Estado mínimo de bem-estar social que está sendo desmontado. O que conseguimos construir até agora depois de 88 vai voltar e quero ver depois para a gente reconstruir isso como vai ser e de uma maneira rápida sem falar com a sociedade, sem discutir, a maioria vai pagar essa conta. |
| R | Então, não vai ser um momento simples, não vai ser um momento fácil, mas nós temos que resistir, e o que a gente puder fazer de resistência, qualquer espaço, movimento social, Parlamento, nas ruas, enfim, nos grupos que a gente tem, temos de fazer, porque a onda ao contrário é muito forte. E essas pessoas que estiveram aqui estão convencidas de que têm razão. Elas acham que é assim, que está errado o nosso posicionamento. E vai nos caber também disputar uma parcela uma parcela da sociedade que não está convencida nem de um lado nem de outro. E a gente tem de mostrar a realidade que estamos vivendo. Então, acho muito importante fazer esta audiência. Às vezes, a gente acha que audiência não vale muito, porque tem poucos Senadores, mas tem repercussão na Casa, tem repercussão na sociedade, tem repercussão nos movimentos. É assim que a gente vai construindo novamente o nosso posicionamento. Sabemos que já avançamos, que há um refluxo, mas que temos de avançar de novo. Então, vamos indo contra essa corrente para lutar pelos direitos, pelo que a gente conquistou. Além de dizer que também fico chocada com essa história do menino que o pai matou - é uma coisa absurda chegar a esse nível -, quero dizer que nós estamos tendo grandes problemas no Rio de Janeiro. Passaram-me agora que, na manifestação dos servidores, a polícia entrou com bombas, com cassetete, com violência, para dispersar a manifestação. A gente já teve isso no Estado do Paraná; os nossos professores já foram tratados dessa forma. A gente sabe o que isso significa, ou seja, um nível de intolerância muito grande! E a gente vai ter de denunciar isso não só entre nós, mas internacionalmente, fazer movimentos e usar todos os canais que a gente têm. Então, quero aqui manifestar a minha solidariedade aos servidores do Rio de Janeiro pela luta que têm. É um absurdo pensar que eles terão 30% dos seus salários cortado. Gente, 30% do salário cortado? Não existe isso! Como é que alguém chega e diz: "vou cortar 30% do seu salário porque tem de cobrir o buraco da Previdência". Como aqui, onde querem congelar e reduzir todas as despesas, inclusive o salário mínimo, para quem ganha salário mínimo, porque isso impacta nas contas públicas. É uma coisa absurda! É tratar as pessoas como números, como objetos, que você pode manipular e resolver. Então, estamos vivendo tempos realmente difíceis! Por isso, acho muito importante, Senadora Fátima, o que V. Exª fez aqui, isto é, chamar esta audiência pública. A gente também está com uma série de audiências públicas durante a semana que vem contra a PEC 55. E eu queria pedir ao pessoal para participar, divulgar. Vamos ter uma grande no dia 22, no plenário do Senado, mas, na segunda-feira à noite vai ter, na segunda-feira de manhã vai ter, na quinta-feira à noite vai ter. Nós vamos ocupar todos os espaços que pudermos ocupar, do Senado da República, fazendo essas audiências e esclarecendo a população. Vamos fazer todos os movimentos que pudermos fazer. E, aí, entram os movimentos sociais, o da luta pela escola pública, pela saúde, são fundamentais, porque é nesses setores que vai cair a dor maior, o preço maior por esse ajuste maluco, que não tem razão de ser. Por que ser um ajuste desses? Nós não temos uma dívida estourando no País; muito pelo contrário, a dívida pública brasileira tem decaído, tem crescido menos, por incrível que pareça. No Governo do Lula cresceu só 79%, enquanto que no de Fernando Henrique cresceu 750% e no de Dilma cresceu 31%, menos do que a inflação no período. Então, como é que nós estamos fazendo um ajuste em despesa primária para reduzir dívida para pagar juros? É uma loucura o que estamos fazendo com o Brasil! Então, vamos precisar resistir muito. Então, queria deixar esse convite, deixar a minha solidariedade, e dizer que o mandato está à disposição. O que a gente puder fazer junto para fazer esse enfrentamento, essa resistência, nós vamos estar aí. Obrigada, Senadora. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Agradeço a participação da Senadora Gleisi, uma Senadora que o Brasil inteiro vem acompanhando pela dedicação com que tem se empenhado nesta luta contra essa agenda de retirada de direitos e que, à frente, hoje, da Comissão de Assuntos Econômicos, tem desempenhado um papel muito importante. A despeito da maioria dos Parlamentares aqui, que dão sustentação ao Governo que aí está e que, portanto, não quer debate, Drª Débora... Tanto é que a PEC 55 entra aqui, e eles estabeleceram um calendário mais apressado ainda do que o da própria Câmara. Como pode uma matéria como essa, por exemplo, não ser objeto da comissão temática, que é a CAE? É inaceitável isso. Como uma matéria como essa - a PEC 55, repito - pode não ser objeto de uma comissão especial? Isso é mais inaceitável ainda. Na verdade, só tivemos uma audiência pública na CCJ - não é, Senadora Gleisi? -, e a matéria já vai direto para o plenário, no dia 29, com votação em primeiro turno, e segundo turno, votação final no dia 13. Não obstante tudo isso, quero, portanto, aqui destacar o papel que a Senadora Gleisi vem desempenhando lá, na CAE, no sentido de promover o debate, assim como os debates que estamos fazendo também na Comissão de Educação e na Comissão de Direitos Humanos, até porque não tem como, neste momento, dissociarmos essas ações, porque estão todas articuladas: da PEC 55 à Escola sem partido, à MP 746, a própria destruição já do marco regulatório da exploração do pré-sal, infelizmente, já aprovada na Câmara. Tudo isso vem na direção de, enfim, consolidar as ameaças violentas à concepção de educação que defendemos. E é por isso mesmo que é muito importante toda mobilização social e popular que está acontecendo neste exato momento no País, e esperamos cresça cada vez mais. Vamos, agora, às considerações finais da nossa Mesa, começando por Iago. Por favor. O SR. IAGO MONTALVÃO - Não vou acrescentar muita coisa, acho que ficou tudo já, todo mundo aqui colocou questões muitos importantes e acho que é absolutamente trágico, enfim, triste, ter que presenciar uma cena absurda como a que aconteceu agora há pouco, mas que, de fato, como o Fabiano falou, reflete o que é o posicionamento desses que defendem esse tipo de projeto. Mas eu queria dizer duas coisas: uma, é que vejo na fala da Professora do Colégio de Aplicação da UFRN e na mãe, Suzana, Professora, e Márcia, é um reflexo da minha própria vida, porque fui estudante de colégio de aplicação também, e minha mãe também sempre foi muito próxima, compunha a Associação de Pais e Mestres, como chamávamos lá, e, de fato, fui estudante do Colégio de Aplicação da UFG, em Goiânia, durante toda a minha vida, desde a pré-escola ao 3º ano do ensino médio, e, de fato, tenho conhecimento de causa para dizer que esse é o modelo de escola que precisamos para o nosso País. Um modelo de escola crítica, com professores valorizados, com uma grade horária que abre espaço para conhecimentos diversos, múltiplos e interdisciplinares. |
| R | Eu, na minha escola, tinha uma interdisciplinaridade muito grande. No Ensino Médio, a gente tinha oportunidade de ter aulas no período da tarde sobre os mais diversos temas, então eu tinha aula de astronomia, eu tinha aula, enfim, das mais diversas coisas. Nós não podemos limitar o nosso currículo, nós precisamos ampliar o nosso currículo e construir a interdisciplinaridade. Então quero dizer que fico feliz e me vejo muito também nessa história. E uma segunda coisa, já para encerrar, quero lamentar também, como o Professor Gilson falou aqui, a morte do estudante Guilherme, que é estudante da Universidade na qual eu ingressei, a UFG. Não conheci pessoalmente o Guilherme, mas sei quem era. Os meus amigos são amigos em comum com ele, conheço a luta que ele fazia lá em Goiânia e de fato quero dizer que isso é fruto desse discurso de ódio o qual nós presenciamos aqui mesmo e que tem dado base e subsídio a esse tipo de projeto, porque esse tipo de projeto ele não se constrói por uma vontade simples, vinda do nada; ele se constrói a partir de um sentimento, de uma construção de uma ideologia, de uma vontade popular, que é construída com muita colaboração da mídia e de um determinado tipo de pensamento. Então é isso. Queria deixar só essa minha consideração final e agradecer a Senadora, a todos os presentes e aos movimentos que aqui estão. Obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigada, Iago. Estou pedindo a compreensão de todos porque nós estamos com o horário já estourado, e, além do plenário, vai ter início daqui a pouquinho uma reunião da MP nº 746, a MP do Ensino Médio. E eu tenho inclusive que ir para lá também. Com a palavra a Drª Deborah. A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Eu quero parabenizar este momento e lembrar que Burger costuma dizer que a escola foi o maior instrumento de construção do Estado nacional porque ela conseguiu colonizar as diferenças. Então eu acho que no momento em que nós temos um modelo constitucional de uma escola emancipadora, de presença das várias diferenças no espaço público, nós temos que agregar esses diversos segmentos de mulheres, LGBT, negros, indígenas, a população do campo, trabalhadores rurais e urbanos, e mostrar que todos perdem num cenário de uma escola sem partido. Obrigada e parabéns! (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigada, Drª Deborah. Camila, por favor. A SRª CAMILA LANES - Eu gostaria de agradecer, mais uma vez, o convite, e dizer que gostei de saber que, apesar de toda a truculência e de todo o cenário atual, ainda assim o movimento estudantil, os movimentos educacionais e sociais têm espaço aqui dentro desta Casa para conseguir, em especial, debater sobre o futuro da educação no Brasil. Eu gostaria de me solidarizar às duas professoras aqui. Eu sou filha de educadora, então compreendo muito do que se passa no dia a dia de cada educador e professor. Eu sofri com a minha mãe por muito tempo e vivenciei com ela por muito tempo tudo o que o sepultamento da educação causa inclusive nas nossas vidas e interfere nas vidas das crianças e, em especial, dos nossos educadores. E, mais uma vez aqui, quero colocar à disposição, a Ubes em todos os debates e reiterar, mais uma vez, o nosso posicionamento contra a Lei da Mordaça, contra a Medida Provisória nº 746 e contra a PEC 55. |
| R | No dia 29, nós vamos organizar uma grande caravana de estudantes rumo a Brasília para também se manifestar. Todos eles tiveram um espaço para se manifestar em suas escolas e, agora, pretendem vir para Brasília para conseguir transformar Brasília em um grande espaço de ocupação para que a juventude possa ter, quem sabe, vez e voz para falar para que os Senadores e Deputados possam, enfim, compreender por que essa juventude está se manifestando. Para finalizar, anunciar que mais duas escolas foram ocupadas: a ETEC Rubens de Faria e Souza e a EE João Kopke, na capital de São Paulo. Assim, encerro e, mais uma vez, agradeço o convite, Senadora. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigada, Camila. Cléo. A SRª CLÉO MANHAS - Eu gostaria de agradecer, em nome da campanha, novamente, este espaço de debate. Mesmo neste momento de um Congresso tão conservador como a gente tem, a gente ainda tem redutos e espaços democráticos para debater. Queria encerrar minha participação, falando que é um pouco absurdo o que estão fazendo, colocando o Prof. Paulo Freire nesse lugar de doutrinador, justamente ele que passou a sua vida inteira batalhando contra a doutrinação e pela abertura das cabeças para que as pessoas pudessem saber onde elas estão pisando, com quem elas estão falando e a que mundo elas pertencem. Então, em homenagem ao Prof. Paulo Freire, nosso grande mestre, eu agradeço a esta Comissão pela participação. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Antes de passar a palavra ao Prof. Fernando Penna, queremos registrar aqui, rapidamente, a presença de Toni Reis, Presidente da ABGLT. O SR. FERNANDO DE ARAÚJO PENNA - Quando eu comecei a perceber a emergência desses projetos - o primeiro é de 2014 -, eu comecei a estudar, a acompanhar. Quando apareceu o primeiro projeto nacional, eu me assustei e decidi me dedicar a isso. E, por ser um discurso muito grosseiro, ainda no ano passado, quando eu falava sobre isso em um congresso, a maioria dos meus colegas dizia: "Fernando, você está dando palco para malucos. Isso não é constitucional, nunca vai ser aprovado ou, se for aprovado, a Dilma vai vetar". Eu acho que essas ilusões já nos deixaram. Eu lembro o primeiro texto que escrevi sobre o tema, quando decidi investigar mesmo o projeto, que foi um texto chamado "O ódio aos professores", que até saiu no livro que a colega mostrou aqui. E, ontem, por acaso, eu divulguei outro texto, "O Ódio se profissionaliza", no qual eu falei um pouco sobre essa campanha oferecendo R$50 ou R$150 para alunos gravarem vídeos de professores, as tentativas de intimidar os professores, de fazer com que eles deixem de realizar o seu ofício, a sua docência da maneira como eles acreditam, mas com medo. Agora fico muito feliz com a campanha que estou vendo nas camisas de apoio a esses professores... A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Vou mostrar a camisa. (Palmas.) O SR. FERNANDO DE ARAÚJO PENNA - E é muito triste ver esse ódio chegando ao ponto de um pai matar o próprio filho por não querer que ele participe de um movimento de ocupação estudantil. É muito triste perceber que a defesa da escola pública se tornou uma pauta de esquerda contra uma direita. Acho que existem colegas de direita ou liberais que são contra o Escolas sem Partido. A gente não deve cair na estratégia deles de polarizar essa discussão, mas a entender pelo que ela é, analisando o projeto, analisando a atuação do movimento. Obrigado a todos. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Eu quero agora, no encerramento, primeiramente, mais uma vez, agradecer aqui à Drª Deborah, ao Iago, representando a UNE, ao Prof. Fernando Penna, à Cléo e à Camila por terem aceitado o nosso convite, e, ao terem aceitado o nosso convite, repito, pela importante contribuição que dão ao debate, cada um falando do lugar e do papel que ocupa na sociedade. Para nós, a presença de Fernando aqui, muito importante, pelo quanto ele, como professor, vem se dedicando ao tema, e fazendo-o com muita responsabilidade e muito talento do ponto de vista intelectual. A Cleo, porque fala aqui em nome da sociedade, pela legitimidade e a representatividade que tem a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. E aos estudantes, tanto Camila, como o Iago, pelo quanto a voz deles nesse debate é essencial, é fundamental, até porque esse projeto em debate aqui diz respeito, principalmente, à vida deles - diz respeito, principalmente, à vida deles -, na hora em que querem calar a voz do professor e, consequentemente, calar a voz dos estudantes. Dizer, Drª Deborah, que eu não tenho nenhuma dúvida de que nós vamos conseguir barrar essas iniciativas, porque eu, como dizia Paulo Freire, eu nunca deixei de lado o verbo esperançar, de maneira nenhuma. Muito pelo contrário, acho que a gente não pode perder a esperança e, junto com ela, a capacidade de se mobilizar, de se unir, de se juntar e de lutar para que agendas como essa, repito, não prosperem. Agendas como essa, que é sempre bom a gente lembrar, associada à PEC 55, associada à MP 746, representa o mais duro ataque à luta em defesa da educação pública, que não começou de hoje. É concepção essa que começa lá, bem atrás. Vamos pegar, por exemplo, os anos 30, não é, Zuleide? Com os pioneiros da educação da Escola Nova, com Anísio Teixeira, depois, com Darcy Ribeiro, depois, com o próprio Paulo Freire, Florestan Fernandes e entre outros, que plantaram as sementes da educação que uma Nação que se pretenda, repito, respeitada, generosa, inclusiva, solidária precisa. Precisa de quê? Precisa de uma educação pública, laica, mas uma educação inclusiva, uma educação com qualidade, uma educação que não pode, nunca, de maneira nenhuma, prescindir do debate, e o debate na sua plenitude, com toda a pluralidade que o debate deva ter. E iniciativas como essa, repito, vêm na direção, exatamente, de desconstruir e de desmonte de todo esse processo que foi construído historicamente com a presença e com a participação de muitos atores e atores dos mais diversos segmentos da sociedade. Acrescento aqui para vocês, dessa audiência, nós vamos tirar os seguintes encaminhamentos: primeiro, nós vamos entregar um relatório aqui dessa audiência ao Senador Cristovam Buarque, que é o Relator do projeto de lei que ora tramita aqui, na Comissão do Senado, de Autoria do Senador Magno Malta, que propõe a escola sem partido. Nós vamos entregar um manifesto, um relatório ao Senador Cristovam, e esse relatório muito claro, colocando aqui a unanimidade de todos que aqui vieram contrários ao projeto. |
| R | Segundo, vamos também ao Supremo conversar com o Ministro Barroso, inclusive ancorados já pelo brilhante parecer da Drª Deborah Duprat, pelo brilhante parecer do próprio Ministério Público Federal, que aponta claramente a inconstitucionalidade dessa matéria. Vamos também ao Supremo Tribunal Federal colocar claramente o nosso posicionamento. Por fim, lamentar. Nós convidamos aqui um representante do Projeto Escola sem Partido. Convidamos nada mais nada menos do que o seu mentor intelectual que é o Sr. Miguel Nagib, e lamentamos que ele não tenha atendido aqui ao nosso convite. Inclusive ele aqui vindo teria o tempo que ele julgasse necessário. Lamentamos isso, ao passo em que repudiamos o que houve aqui durante a audiência. Não vem para o debate e chega aqui um grupo e, em vez de vir para o debate, aqui vieram se manifestar de forma intolerante, de forma agressiva. Enfim, isso cabe à sociedade, Drª Deborah, julgar e acompanhar. Eu quero terminar dedicando essa audiência pública de hoje a ele que foi e continua sendo até hoje uma das pessoas, um dos mestres que mais nos inspirou e continua nos inspirando na luta em defesa da educação para a liberdade, da educação para a cidadania, que é o Prof. Paulo Freire. (Palmas.) Nós queremos dedicar aqui essa audiência pública a ele, a sua memória. Termino com uma citação do seu livro Educação como Prática da Liberdade, em que ele analisa toda essa questão que nós estamos debatendo aqui em profundidade. Nesse livro, há uma citação que simboliza muito o debate que nós estamos fazendo aqui contra projetos dessa natureza e para preservar o ato de educar com liberdade em prol da cidadania. A citação de Paulo Freire é a seguinte - abro aspas: "A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa." Muito obrigada. Quero convocar para o dia 22 de novembro, terça-feira, em caráter excepcional, às 11h45, reunião extraordinária desta Comissão destinada à deliberação de proposições. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião. (Iniciada às 11 horas e 23 minutos, a reunião é encerrada às 14 horas e 34 minutos.) |
