24/11/2016 - 41ª - Comissão de Assuntos Econômicos, Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional

Horário

Texto com revisão

R
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Boa noite. Declaro aberta a 11ª Reunião Conjunta das Comissões Permanentes, sendo a 41ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos e a 2ª Reunião da Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional.
Na pauta de hoje, nós temos audiência pública interativa com a finalidade de apresentar dados e indicadores sobre o tema de equidade e progressividade do sistema tributário nacional, análise da PEC nº 55 e a progressividade como alternativa ao sistema tributário nacional.
Temos como convidados o Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas Eduardo Fagnani, que já está presente e eu chamo à Mesa para iniciarmos o debate, e a Professora da Universidade Federal de Uberlândia e Diretora do Instituto de Economia Vanessa Petrelli Corrêa, que também convido a integrar a Mesa.
Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que quiserem encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania ou ligando para o número 0800-612211.
Antes de passar a palavra aos nossos convidados, eu não poderia deixar de fazer uma referência e de dar uma informação sobre a notícia que acabamos de receber.
Estávamos no plenário do Senado Federal, eu e o Senador Lindbergh, fazendo debates, inclusive sobre a PEC nº 55, e recebemos a notícia de que o ex-Ministro da Cultura Calero, que saiu do Governo recentemente por pressão de outro ministro, deu um depoimento à Polícia Federal, dizendo que foi pressionado pelo próprio Presidente da República para tentar modificar o parecer de um órgão do IPHAN, para que o empreendimento ligado ao Ministro Geddel Vieira Lima pudesse ser realizado.
É uma notícia muito grave. Não se trata de uma entrevista de jornal. É uma declaração à Polícia Federal que vai exigir do Congresso Nacional, vai exigir desta Casa uma postura de muita firmeza.
Afastaram a Presidenta Dilma Rousseff. Ela sofreu impeachment porque diziam que ela praticou crime de responsabilidade, as chamadas pedaladas fiscais, os empréstimos junto aos bancos públicos. Na realidade, isso não era... Ela foi afastada politicamente. Agora, se quiserem fazer um impeachment com base jurídica existe a base jurídica. É crime de responsabilidade.
R
Eu queria passar a palavra ao Senador Lindbergh Farias, que preside esta Subcomissão, fez a pauta e indicou os convidados, para se manifestar antes da abertura dos trabalhos.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Srª Presidente, é sobre o mesmo tema.
Nós estamos ao vivo na TV Senado. Na verdade, nós estamos organizando agora uma reunião emergencial de toda a área jurídica. O que houve de fato é gravíssimo. É um depoimento à Polícia Federal do ex-Ministro da Cultura. E o ex-Ministro da Cultura disse que o Presidente pressionou-o para que ele resolvesse o problema de Geddel Vieira Lima e do apartamento. Ou seja, advocacia administrativa, tráfico de influência, usar o cargo de Presidente da República para defender interesses privados, negócios. Agiu como sócio de Geddel, porque, vale dizer, Geddel não tinha só um apartamento naquele prédio, pois seu primo e sobrinho eram os advogados da empresa. Então, isso é gravíssimo. A gente afastou, como bem falou a Senadora Gleisi, uma Presidente da República alegando pedaladas fiscais, e a gente vê o que acontece nesse momento: é a desmoralização da instituição Presidência da República.
Eu já anuncio a todos que estão nos acompanhando que nós vamos ter, numa sala ao lado desta Comissão de Assuntos Econômicos, uma reunião com a nossa equipe jurídica. O que houve é crime de responsabilidade. Nós vamos, sim, apresentar um pedido de impeachment do Presidente Michel Temer. E a saída tem que ser a saída com eleição direta, porque não adianta eleição indireta como estão alguns falando. Agora, isso é um escândalo! Eu acho que o Brasil todo vai ficar chocado, porque utilizar a Presidência da República para pressionar um ministro, para resolver problemas ligados a uma empresa privada, é inaceitável! Então, nós vamos ser muito firmes. Nós estamos tentando marcar uma audiência com o Procurador-Geral da República, Dr. Janot, porque vamos agir no dia de amanhã. Daqui a pouco anunciaremos as medidas jurídicas que vamos tomar. Mas já posso adiantar: crime de responsabilidade e abertura do processo de impeachment, nós vamos entrar por esse caminho, porque não há saída para uma falta tão grave como essa. O nome é um só: crime de responsabilidade.
Então, agradeço à Senadora Gleisi Hoffmann. Vou acompanhar o debate aqui, dividindo também o tempo com essa reunião com a área jurídica. Este debate é muitíssimo importante porque a votação da PEC 55 está marcada para a próxima terça-feira, dia 29. Vai haver, inclusive, uma grande mobilização de estudantes, de servidores da área da educação, da área da saúde, que vão fazer uma grande marcha sobre Brasília na próxima terça-feira.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Lindbergh.
Aliás, eles procuraram tanto um crime para afastar a Presidenta Dilma, precisavam de um crime de responsabilidade e, agora, efetivamente, eles têm um crime de responsabilidade.
Eu quero passar a palavra, primeiro, para a Professora da Universidade Federal de Uberlândia e Diretora do Instituto de Economia, Profª Vanessa Petrelli Corrêa.
Nós temos tempo aqui. V. Sª teria um tempo inicial de 20 minutos. Mas se precisar de mais tempo, pode ficar à vontade.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Primeiro, boa noite a todos. Quero agradecer o convite. Sei que aqui vamos passar por discussões, muitas das quais já foram debatidas neste mesmo local, mas acho que nunca demais enfatizarmos os fatos e dados que consideramos fundamentais para reprovar e criticar a PEC, o seu diagnóstico e a perspectiva que vem por trás dessa proposta de reforma, na verdade, constitucional.
R
Vou começar minha discussão apresentando vários aspectos que estão no documento que se chama "Austeridade e Retrocesso", que foi lançado por um grupo de economistas da Sociedade Brasileira de Economia Política, e que, inclusive, foi lançado aqui na Câmara dos Deputados. Então, várias das discussões estão lá presentes.
Então, em primeiro lugar, queria fazer uma discussão que vai analisar o crescimento recente da dívida bruta brasileira, questionando quais foram, efetivamente, os elementos que levaram a um crescimento mais acelerado, recentemente, da dívida bruta, e destacando que os resultados primários negativos recentes de 2014 e 2015 não são os causadores fundamentais do crescimento abrupto da dívida pública bruta brasileira.
Esse é um debate que não está inserido no debate da PEC. O debate da PEC se centra na deterioração dos gastos primários, colocando como se houvesse uma explosão de gastos durante todos os últimos governos, tanto do Presidente Lula quanto da Presidenta Dilma.
Portanto, a primeira questão é questionar a existência do resultado primário negativo como fator fundamental de crescimento recente da dívida bruta.
A segunda questão é analisar quais são os elementos que levaram à desaceleração das receitas e que foram as causas fundamentais do resultado primário negativo, o fato já sobejamente discutido aqui.
Quero, na verdade, na minha discussão, me centrar essencialmente nos elementos financeiros do crescimento da dívida bruta que não são atacados e sequer mencionados pela mídia e por todo o debate da PEC. Então, vou me centrar principalmente nessa segunda parte.
E, por fim, vou passar mais rapidamente pelos impactos da PEC e puxar principalmente um impacto que está sendo muito pouco analisado até então, que são os impactos principalmente sobre Municípios brasileiros.
Não é uma discussão tão detalhada, porque temos muito pouco tempo aqui, mas quero destacar os impactos negativos da PEC para o Municípios, que sabemos que já se encontram numa situação bastante problematizada, e o que significará a PEC para os Municípios.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Aliás, Profª Vanessa, isso é muito importante porque temos vários debates aqui, abordamos várias questões, mas não abordamos, especificamente, o impacto para os entes federados e, principalmente, para os Municípios, que é quem, ao final das contas, têm que prover o serviço público lá na ponta. Então, acho que será de grande valia a sua apresentação.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Exatamente.
Acho que aqui a gente pode deixar algumas questões para serem debatidas e mais detalhadas posteriormente.
Bom, em primeiro lugar, também uma questão que está sendo muito discutida e já colocada: o fato de que o nível em si da dívida bruta de um país não é absolutamente um indicador de que ele está num momento de quebradeira financeira. Se assim fosse, o Japão já teria quebrado há muito tempo, os Estados Unidos já teriam quebrado há muito tempo, a França já teria quebrado há muito tempo.
R
Ali são alguns indicadores. Temos o nível dos Estados Unidos, que é o segundo da direita para a esquerda. Temos o Japão que é o mais alto, cuja dívida bruta é 248% do PIB; nós temos a situação também dos Estados Unidos, que eu já citei, de 106% do PIB, e da França, 97% do PIB. Brasil, hoje, 69% do PIB.
É importante destacar que a média dos países periféricos tem níveis de dívida bruta inferiores ao nível do Brasil, e isso é tido como um fator a indicar que o nível do Brasil é um nível estratosférico. O que quero dizer com relação a isso é o fato de que comparações internacionais são limitadas na medida em que não analisam as estruturas internas dos países. Então, essa separação meramente entre países desenvolvidos e países periféricos para indicar qual seria o nível ótimo da dívida é um debate completamente superficial, até porque países periféricos não têm sistemas financeiros tão complexos como o Brasil, não têm mercados futuros de câmbio complexos como o Brasil, em que ocorrem especulações em mercado de câmbio que outros países não têm, por exemplo. Esses são fatores importantes a afetar o nível da dívida bruta porque o nível da dívida bruta é afetado pela política cambial e monetária, coisa que geralmente não é discutida por ninguém.
Essa questão de pegar o nível da dívida como um nível do comparativo em nível internacional tem, por um lado, um fator positivo para nós, ao mostrar que há países com níveis absurdamente maiores e que nem por isso quebraram. Outro elemento importante dessa discussão é o fato de que não é o nível da dívida bruta que define o nível dos juros. Se fosse assim, o Japão devia ter o nível de juro escorchante, o que absolutamente não é verdade: o nível de juro do Japão é baixíssimo. Então, o debate é muito mais complexo do que o nível da dívida bruta determinar o nível do juro.
Outro elemento importante é que grande parte da dívida bruta brasileira é relacionada a pagamentos em moeda nacional, é dívida interna, não é dívida externa. Vários estudos colocam um dado absurdo, comparando a moratória brasileira quando o Brasil tinha uma dívida bruta essencialmente em moeda internacional. Hoje, apenas cerca de 4,9% da nossa dívida bruta é dívida externa, o resto todo é dívida interna. Então, nós não temos problemas de pagamento de dívida vinculada a uma moeda que não é a nossa. Esse é o outro elemento fundamental.
Mas o que quero destacar aqui? Realmente, nos últimos anos, nós tivemos um aumento da nossa dívida bruta. Então, mais do que o nível, a preocupação que deveria existir é o fato de que recentemente nós tivemos um aumento da dívida bruta. Só que o meu argumento aqui é de que parte importante do crescimento da dívida bruta tem a ver com a política cambial, e isso geralmente não é discutido. Inclusive, o nível do pagamento dos juros é outro debate mais complexo, que não envolve só o nível do juro, envolve o perfil da dívida, envolve os fatores que levam ao aumento da dívida bruta, que é uma das partes que eu considero importantes e que eu vou tentar desenvolver aqui.
R
Então, na apresentação ali, nós podemos ver: a linha verde é o nível da dívida bruta, que cresce recentemente, a partir de 2013/2014, e a cor de abóbora é a dinâmica do dólar. Nos dois, vocês podem ver que existem correlações ali. E a preta é o nível da dívida líquida, que eu não vou agora discutir aqui.
O que eu quero destacar aqui na minha apresentação é que existem fatores que provocam o crescimento da dívida bruta. O resultado primário é um dos fatores que pode provocar o crescimento da dívida bruta? Sem dúvida. Quando as despesas são maiores do que as receitas correntes, isso gera um resultado primário negativo. Eu não tenho condição de pagar, eu tenho que emitir dívida. Então, o resultado primário negativo é um dos fatores que aumentam a dívida bruta? Sem dúvida. Agora, vamos ver qual é esse nível de impacto sobre a dívida bruta.
Segundo, não é o único fator. Que outros fatores impactam sobre a dívida bruta? Compra de ativos que rendem menos do que os passivos gerados - vou falar nisso -, política monetária, política cambial e o próprio peso dos juros na dívida.
Então, vamos ver dois elementos importantes. No quadro que a gente está apresentando e que já deve ter sido apresentado várias vezes aqui, entre 2003 e 2013, nós tivemos constantes superávits primários, em média de 2,89% do PIB, mas, ao mesmo tempo, mesmo no período de superávits primários, nós tivermos despesas com juros de 5,91% do PIB, ou seja, gerando um déficit nominal. Portanto, nesse período todo, como já foi sobejamente discutido aqui, nós tivemos superávits primários e tivemos déficits apenas em 2014 e 2015. Em 2014, 0,57% e em 2015, 1,88%.
E vejam o que acontece em 2014 e 2015? Em 2014 o nível dos juros, do peso dos juros na dívida, continua num patamar semelhante e, em 2015, dá um salto importante, saindo de 5,48% do PI, para 8,50%. O que será que aconteceu aqui? Isso aqui não foi resultado primário, de gasto primário, certo? Foi outro fator.
Isso aqui é importante para a gente entender as magnitudes de aumento de dívida, que não têm absolutamente nada a ver com resultado primário. Acho que esse é um elemento importante.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Com saúde, educação, previdência, não tem nada a ver?
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Nada a ver com isso. São elementos financeiros do déficit, certo? Que não são discutidos.
E a nós, economistas, que fazemos essas críticas, colocam como se nós não conhecêssemos os dados. Conhecemos perfeitamente os dados, os dados que vocês analisam são os mesmos dados que nós analisamos, só que nós mostramos esses dados e vocês não mostram esses dados.
R
Então, primeiro, não vou detalhar aqui, mas, para nós, o resultado primário negativo em 2014 e 2015 teve a ver não com explosão de despesas, mas com queda de receitas por conta de queda de crescimento. E o crescimento não decai por conta de aumento da dívida bruta, o crescimento decai antes disso. Tem a ver com fatores de demanda, a começar pela queda do crescimento mundial, a dinâmica do comércio mundial é muito menor do que era antes; tem a ver com fatores vinculados a impacto sobre a demanda de consumo, que é uma função da renda, quando a renda cai o consumo cai; tem a ver com elementos vinculados às decisões de investimentos, e os gastos públicos com investimentos são elementos importantes que puxam, inclusive, decisões de investimento privado.
Então, aqui o que eu queria mostrar para vocês: resultado primário até 2014, a receita crescendo mais do que a despesa e, apenas a partir de 2013, nós temos a receita caindo mais fortemente, enquanto que as despesas se tornam maiores do que a receita, mas notem, por este gráfico, que não há, inclusive recentemente, uma continuidade do crescimento das despesas primárias nos níveis anteriores. As despesas primárias passam a ter taxa de crescimento menores, significando que há uma contenção de despesas em 2014 e 2015, mas as receitas despencam.
Então, aqui é um gráfico que mostra as taxas de crescimento das receitas e das despesas. O azul são as taxas de crescimento das receitas. Vocês vão ver que, a partir de 2011, a taxa de crescimento das receitas despenca e a taxa de crescimento das despesas não continuam altas. A taxa de crescimento, de certa forma, se estabiliza, já mostrando que as despesas estão sendo relativamente mantidas, em termos de crescimento.
Aqui, quando a gente vai pegar o crescimento da receita primária... Isso aqui é só para mostrar para vocês quais são as principais receitas: as receitas vinculadas a impostos sobre salários, sobre lucro, sobre produção, sobre importação, sobre operações financeiras. As receitas dos governos estão ligadas a esses fatores. Ora, quando o País começa a desacelerar, você tem receitas cada vez menores vinculadas a todos esses fatores, então, a queda da receita está ligada à queda do crescimento. Esse é um dos elementos importantes. E a queda do crescimento não está ligada a um crescimento abrupto da dívida bruta, até porque o crescimento da dívida bruta abrupto se dá depois disso.
No caso das despesas primárias, eu queria chamar a atenção de vocês: várias das despesas começam a ter taxas de crescimento menores, mas a despesa que despenca mais profundamente é a despesa com investimentos, que é aquela linha preta, e, para nós, esse é um fator bastante preocupante, porque isso aqui são dados do PPI/PAC, vinculados a investimento público. Esse aqui é um elemento importante a influenciar o investimento privado, a nosso juízo. O investimento do setor público é um investimento que gera emprego e puxa os investimentos privados. Quando isso despenca, justamente no momento em que a economia já está desacelerando, é um fator de demanda importante que vai ser desacelerado. E isso ocorre ao mesmo tempo em que está havendo uma queda de receita e em que se faz, inclusive, uma importante desoneração.
R
Para nós, esse é um elemento da nossa análise em que ressaltamos o seguinte. O investimento público havia sido um elemento importante para o crescimento da economia brasileira, principalmente a partir de 2006 e até basicamente 2010. Deixa de existir uma alavanca importante de crescimento da economia brasileira, justamente num período em que a economia está desacelerando. Isso vem junto, também, com uma queda relativa, em 2011, dos empréstimos do BNDES e com uma queda relativa também dos investimentos das estatais. Esses três elementos, juntos, ajudam na desaceleração da demanda, e, para nós, esse é um elemento importante.
Não é, na nossa interpretação, uma questão de credibilidade que gera a desaceleração da economia brasileira; são fatores ligados à demanda. Para nós, o setor público tem um fator fundamental para a retomada de crescimento, e um dos elementos fundamentais é a parte de investimento público.
Então, aqui nós vimos, ao mesmo tempo, uma desaceleração da receita e uma desaceleração de várias despesas, mas as receitas caem muito mais profundamente.
No caso das despesas, nós vamos ver que as despesas com pessoal deixam de crescer, relativamente, a partir de 2011. As despesas de previdência apresentam um crescimento vegetativo, porque isso tem a ver com o envelhecimento da população, com o nascimento da população, assim como as outras despesas obrigatórias, que também estão ligadas às políticas de assistência.
Então, em primeiro lugar, nós tivemos resultados primários negativos por conta muito mais de uma desaceleração da receita do que de uma explosão das despesas. A isso se somam, em 2015, as chamadas pedaladas fiscais, que também foram incorporadas e todas pagas em 2015, o que explica o crescimento maior naquele ano.
O que nós não estamos vendo? O lado financeiro do déficit. Nesse gráfico, o amarelinho é o resultado primário. Então, quais são os fatores que geraram um crescimento da dívida líquida, e não da dívida bruta? A dívida líquida é a dívida total, tirando os ativos do Governo; no caso, os ativos com reservas internacionais e os ativos de empréstimos do BNDES. Então, que fatores levaram ao crescimento da dívida líquida? Vocês vão ver que o resultado primário, até 2014, puxava para baixo a dívida líquida; agora, ele puxa para cima. Em que nível? Se vocês estão conseguindo ver o gráfico, o lado amarelinho, que é uma parte muito pequenininha, mostra o quanto puxa a dívida para cima. O que puxa a dívida para cima? O peso dos juros - não é meramente o nível de juros.
Eu estou querendo chamar a atenção aqui para o quê? Fatores que levam ao aumento da dívida, geralmente não discutidos. O Governo compra ativos. Quando há excesso de entrada de capital especulativo no País, isso pode gerar um volume excessivo de capital ingressante, que pode valorizar excessivamente a moeda, comprometendo a competitividade da economia brasileira.
R
O que o Governo faz nesses momentos em que há excesso de entrada de capital especulativo no País? Ele compra o excesso de reservas. E como é que ele faz isso? Emitindo dívida pública. Então, ele compra reservas, tem um ativo, mas, ao mesmo tempo, para ter esse ativo, ele gera dívida.
Ali nesse gráfico, nós estamos vendo a compra de reservas, e o paralelo, lançamentos de títulos compromissados. Então, há uma relação entre o aumento de lançamento de títulos e, portanto, aumento da dívida mobiliária, e compra de reservas. O aumento dos títulos aparece na dívida bruta, e como nós estamos analisando só a dívida bruta, nós não analisamos a dívida líquida, que é a dívida menos os ativos.
Outro problema dessa compra: nós compramos reservas que são aplicadas nos mercados financeiros internacionais, rendendo taxas de juros baixíssimas; e nós compramos essas reservas emitindo títulos da dívida pública interna, que geram juros muito maiores. Essa diferença de juros entra na conta Juros. Não tem nada a ver com o resultado primário, tem a ver com política cambial, com excesso de entrada de capitais no Brasil, grande parte deles ingressante em momentos de liquidez, pelo grande diferencial de juros que existe no Brasil, na comparação do juro interno com o juro internacional. Então, um elemento do aumento da dívida bruta: compra de reservas para assegurar o excesso de entrada de recursos. O Governo não comprou reserva só para ter colchão de liquidez, ele comprou reserva para segurar o excesso de valorização do câmbio.
Outro elemento de crescimento da dívida: as operações para segurar a variação do câmbio. Vamos citar aqui, por exemplo, a política de swaps cambiais. E aqui eu quero destacar especialmente a política de swaps cambiais ocorrida em 2015. Pelos gráficos ali, vocês lembram que eu falei que o pagamento de juros passou para 8,5% do PIB, e vejam o que gerou esse aumento: 1,7% do PIB foram operações de swap.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Professora, eu até ia pedir, como a gente está na TV Senado, as pessoas estão ouvindo, nem todo mundo está muito familiarizado com as questões econômicas e a gente tem falado muito de câmbio, que a senhora pudesse explicar um pouquinho o que é swap, como é que isso funciona, por que tem impacto essa parte. A outra, da dívida, da emissão de títulos ficou muito clara. Quer dizer, tem que enxugar o mercado, mas também tem que segurar a apreciação da moeda. Então, se pudesse explicar um pouquinho essa questão do swap cambial, seria importante.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Então, é interessante a gente entender. Quando há um movimento de desvalorização do câmbio, uma fuga da moeda nacional, qual seria o movimento? Muita gente quer comprar dólar, e isso geraria uma desvalorização do câmbio muito grande. O que o Governo pode fazer nesse momento? Ele pode vender reservas, porque quando há muita gente querendo comprar e pouca gente querendo vender dólar, o que acontece? Sobe o preço. O que o Governo pode fazer? Colocar dólares em circulação, vendendo o seu dólar, certo? Qual foi a opção do Governo? Não foi vender dólar, foi convencer parte dos compradores de dólar a não comprar dólar. Como? Ele faz uma operação que se chama swap, em que ele promete pagar a variação do câmbio e receber juro.
R
Então, ele não perde se não houver a variação no câmbio, mas, se houver a variação no câmbio, ele protege quem entrou na operação. O que acontece? Ele assume o risco de câmbio.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - O risco de mercado, porque quem entra na operação opera muito.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - É. Ele está protegendo o mercado. Então, houve uma perda enorme, em 2015, que apareceu na conta juros: simplesmente 1,7% do PIB, lembrando para vocês que o déficit primário brasileiro sem as pedaladas foi 1,1% do PIB em 2015. Nós estamos atacando 1,1% do PIB e não estamos falando nada do 1,7%, operação com swap cambial de 1,7%.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Isso não passa nem perto da PEC. Não tem nada escrito sobre isso, sobre juro, nada.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Nada e nem discutido - nem discutido.
Então, acho que é importante nós analisarmos as magnitudes, inclusive, quando formos discutir a questão das magnitudes da previdência, porque as magnitudes estão em separado. E as coisas simplesmente não aparecem. Então, esse é um elemento importante.
Outra magnitude importante é o que a gente gasta para manter as reservas. Qual foi o custo de manutenção de reservas em 2015? De 2,7% do PIB.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É muita coisa.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - E, quando a gente faz palestra, o pessoal fala, como aqui também: "Não vamos falar em 20 minutos. Grande parte não entende." Esses dias fui dar uma entrevista para uma rádio e comecei a falar nisso. Aí o pessoal: "Mas, professora, não vão entender direito." Eu disse: sim, eu sei que não vão entender direito, mas eu quero explicar justamente para mostrar que é muito mais complexo do que essa ideia de que faça igual à sua casa.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Simplista, isso.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - O Estado não é a sua casa. A sua casa não faz política monetária e cambial.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Não emite moeda, não compra dólar, não troca.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Não emite moeda, não compra dólar e não protege, certo? E não faz política social também. Nem precisa.
Então, para vocês verem, ali é o peso das despesas com juros e swap. Esses gráficos aqui eu peguei do Bianchini. Quem quiser entra na internet. Ele tem vários gráficos. Eu peguei esse aqui dele porque está muito bem explicado. Ali mostra o peso da despesa com juros, certo? A cor de abóbora era a despesa com juros sem swap cambial. Olha o que cresceu a despesa com juros em 2015 só com swap. Ou seja, ela é suficientemente grande sem o swap. Com o swap, deu um salto. Então, parte daquele crescimento importante da dívida bruta tem a ver com o crescimento do juro que estava vinculado ao swap. E não só ao swap. Tem a ver com o crescimento da dívida que esteve vinculado também ao perfil dos indexadores. Um indexador importante da dívida é a correção monetária. Então, quando há impacto inflacionário, aumenta também esse elemento.
Então, é importante também falar para todos que o nível do juro é um problema grave, mas não é o único. Às vezes, você diminui a taxa de juro Selic e não cai o pagamento de juros, porque a dívida está crescendo por fatores vinculados à política monetária e cambial. Então, quando a dívida cresce, mesmo o juro caindo, o juro básico caindo, ainda a dívida está muito alta, e o peso do juro continua muito alto.
R
É bem mais complexo do que isso, mas o que eu quero destacar é que a parte financeira da dívida é um fator fundamental, e é ela que provoca o nível absurdo da dívida e o crescimento abrupto e inesperado da dívida. O crescimento abrupto e inesperado da dívida não foi o resultado do déficit de 1,1% do PIB.
Agora vou passar para outra questão.
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - É a de que a lógica da PEC não toca absolutamente em nada disso. E a proposta da PEC é de redução do tamanho do Estado. É muito mais do que meramente uma política de ajuste fiscal, fato também já sobejamente discutido aqui. É uma proposta de mudança de trajetória de país.
E um elemento importante que eu quero destacar aqui é que não existe uma trajetória única. Se fosse assim, a gente não tinha democracia. A economia não é uma ciência exata. Ela é uma ciência também do seu tempo, histórica, institucional e política, porque ela depende de todos esses elementos, e nós temos divergências profundas em termos de qual são ou não são as políticas adequadas. Para isso é que existe eleição e para isso é que existe referendo popular. Não existe um caminho único. E não é verdade que o único caminho para o crescimento de um país seja um ajuste fiscal que leve ao não crescimento de gastos públicos. Para nós, o não crescimento dos gastos públicos gera, na verdade, desaceleração. Um gasto fundamental neste momento é o gasto com investimento e a manutenção das políticas sociais, porque isso significa crescer com distribuição, porque também não adianta crescer sem distribuir. Então, a proposta aqui é de mudança de país.
Ali há também um gráfico que já foi apresentado várias vezes e está lá nos nossos documentos, que demonstra que hoje nós temos gastos primários no nível de 20% do PIB. Se a economia começa a crescer eventualmente 2% ao ano, a partir de 2019, 2020, o que significa? O gasto crescendo de acordo com a inflação significa que a relação do gasto sobre a produção de riqueza vai cair. Em 20 anos, a projeção é de que esse gasto caia para cerca de 13% a 14% do PIB. Isso é pouquíssimo. Já é pouco hoje em nível de comparações internacionais. Crescer para 14% do PIB significa você abrir mão de todas as políticas sociais distributivas. E não é verdade que, na PEC, não esteja o projeto de redução dos gastos com saúde e educação.
O discurso é de que, na PEC, não está dito que gasto com saúde e educação precisa crescer apenas a inflação. A colocação é: "Olha, na PEC, saúde e educação crescem no mínimo igual à inflação; nós não estamos dizendo que ela deva crescer apenas isso." Só que, de fato, é isso que acontecerá. Mesmo com a reforma da previdência, a previdência não cai menos do que 9% do PIB - mesmo com a reforma da previdência. Por quê? Porque, infelizmente, a população continua crescendo, o povo nasce, as pessoas crescem, as pessoas envelhecem, as pessoas infelizmente morrem menos hoje, não é? Então, a pressão da previdência obviamente será maior. Mesmo com a reforma da previdência, ela fica pelo menos nos 9% do PIB. Significa que tudo ou mais tem que cair.
R
Se saúde e educação crescessem igual ao PIB ou se mantivessem a relação com a receita corrente líquida que está prevista na Constituição hoje, se saúde e educação continuassem crescendo isso, e a previdência se mantendo no nível de 9%, com a reforma da previdência, significaria que todos os outros gastos teriam que virar zero, praticamente zero. Ou seja, impossível.
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - A reforma da previdência terá que vir, assim como saúde e educação vão crescer pelo mínimo proposto, que é apenas a inflação.
Então, na verdade, é uma mudança de perfil de sociedade que sequer foi votada. Isso não está ficando claro. E mais: foi feito todo um discurso de corações e mentes de que esta é a causa do pseudodescontrole que levou a um crescimento muito rápido da dívida pública.
Agora, só para encerrar, já falei demais, queria só apresentar os dados das transferências, os impactos sobre os Municípios.
Como nós sabemos, a União, assim como Estados, repassam para os Municípios transferências. Parte importante das receitas totais dos Municípios hoje são transferências. Parte das transferências que a União repassa para os Municípios estará protegida e não será modificada com a PEC.
Que transferências estão protegidas? Estão protegidas as compensações financeiras para exploração de petróleo, gás natural, minerais, uso de recursos hídricos. Está protegida a repartição das receitas tributárias, como Imposto de Renda, IPI, para constituição do FPE, FPM. Estão protegidos os fundos constitucionais e está protegida a repartição da Cide, as quotas estatuais do salário educação, as transferências do IOF-Ouro. Está protegida também a repartição dos impostos estaduais e municipais arrecadados pelos Simples Nacionais. Está protegido o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Está protegida a compensação do Fundeb, não é o total do Fundeb, apenas a complementação do Fundeb. Esse é um elemento interessante.
Quais são as transferências que não estão protegidas pela PEC e que têm que seguir a regra da PEC? São as demais transferências correntes da União, as transferências de convênios da União e suas entidades, transferências de capital da União e transferências de capital de convênios da União e suas entidades.
Dentre essas receitas, eu gostaria de destacar algumas cujos impactos negativos são claríssimos sobre os Municípios: transferências de recurso do Sistema de Saúde (SUS). Essa transferência não está protegida, entra na PEC. Repasses fundo a fundo do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), exceto Salário-Educação; as transferências financeiras do ICMS, as transferências de consórcios públicos, além das transferências de convênios da União para o SUS, para programas de educação, de assistência social, de combate à fome, de saneamento básico. Então, toda parte de política social, etc., não está protegida e, especialmente, não está protegido o SUS, e nós sabemos o papel do SUS e da parte da educação nos Municípios, certo?
R
Então, há até um estudo, aqui, que está no Boletim Legislativo nº 57, feito pelo Paulo Springer de Freitas. Ele faz um estudo em que ele analisa quais os Municípios e qual o impacto destas transferências - o impacto, não; faz uma distribuição analisando a percentagem dessas transferências sobre o total das receitas. Então, se a gente pega número de Municípios, em 2.796 Municípios brasileiros, as receitas não protegidas correspondem entre 10% e 20% do total das receitas; 51% da população está lá.
Eu vou só dar um exemplo aqui. Para vocês terem ideia, eu peguei o Município de Uberlândia, que é de onde eu venho, para vocês terem uma ideia disso aqui. Essa aqui é a composição das receitas do Município de Uberlândia. Grande parte das receitas, aquela parte vermelha, são as transferências correntes. Parte das transferências correntes não estão protegidas, vamos ver quais são.
Então, se nós pegamos a arrecadação total, nós vemos lá os recursos da arrecadação total...
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - ... e vamos ver as transferências afetadas pela PEC. As transferências afetadas pela PEC são R$178 bilhões. Desses R$178 bilhões, R$160 bilhões é SUS. Então, o que a gente está mostrando é que em vários Municípios o que está sendo afetado pelas transferências que não estão protegidas é a saúde.
E obviamente não é só isso, porque os impactos sobre os Municípios não se dão apenas sobre estas transferências. À medida que a PEC vai afetar os investimentos públicos, à medida que a PEC vai segurar gastos em geral, Minha Casa, Minha Vida vai cair, investimentos do PAC vão cair, são todos os investimentos que geram empregos e que, não sendo feitos, trarão impactos profundos negativos sobre os Municípios e, obviamente, imediatamente sobre comércio e sobre serviços.
Toda a parte de política social que o Governo faz também será profundamente afetada pela PEC. Alguns elementos que vamos colocar aqui para vocês: redução do número de famílias contempladas...
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - ... com Bolsa Família: afeta. Reforma do abono salarial e seguro-desemprego: afeta os Municípios. Redução dos subsídios agrícolas e industriais: afeta o Município. Redução dos investimentos públicos: afeta o emprego dos Municípios. Revisão de diversas leis e atos normativos de repasses a Estados e Municípios, como o custeio dos Cras e Creas. Ou seja, são impactos profundos sobre os Municípios, sob uma PEC que não analisa absolutamente nada dos impactos financeiros da dívida bruta.
Obrigada.
R
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu que agradeço, Profª Vanessa, por sua exposição, pela aula que nos deu aqui, mostrando o que, de fato, pesa nas contas públicas, ou seja, vai se aplicar o remédio errado, porque há o diagnóstico errado. Essa é a grande realidade. E quem vai pagar esse preço é o povo brasileiro; não vão ser os banqueiros, não vai ser quem aplica no mercado financeiro, quem compra dólares; esse pessoal não vai ter problema.
Eu quero passar agora a palavra para o Prof. Eduardo Fagnani. Acertei, professor? Mais ou menos. (Risos.)
Passo a palavra ao senhor para fazer a sua exposição.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Obrigado, eu agradeço, Senadora Gleisi, o convite. Sinto-me muito honrado por estar aqui.
Bom, acho que a exposição da Vanessa me ajuda muito, e acho que a gente vai poder complementar as nossas análises.
Eu queria discutir cinco questões, cinco pontos. A primeira questão: eu quero resgatar a importância da Constituição de 1988. O segundo ponto, e esse é o ponto mais importante que eu quero destacar, é dizer que a PEC 55 (PEC 241), junto com outras medidas, que parecem medidas simples de ajuste fiscal, de corte de despesa, têm uma consequência muito mais ampla do que isso. Praticamente, elas transformam o capítulo sobre a ordem social da Constituição de 1988 em letra morta. Por quê? Pela asfixia financeira, quer dizer, não adianta o art. 6º da Constituição dizer que são direitos da sociedade saúde, educação, etc. Não adianta todas as dezenas de artigos sobre a ordem social garantirem direitos sociais, etc., se não há base fiscal, base financeira para cumprir aquelas exigências.
Então, eu acho que essa é uma questão que seria importante a sociedade discutir. Nós estamos discutindo aqui uma mudança de paradigma; é um novo modelo de sociedade que está sendo passado, está sendo implantado, sem que a sociedade discuta. Quer dizer, não é uma medida simples de ajuste fiscal.
Em terceiro lugar - e aí eu vou ser muito rápido, porque a Vanessa já me ajudou bastante -, é para mostrar a falácia de que a questão econômica é fiscal, são as despesas primárias, e não as despesas financeiras. E por que eu estou dizendo isso? Porque há um argumento muito forte de que o problema são os gastos primários, são as despesas sociais; dentro dos gastos primários, a questão são as despesas sociais, os gastos obrigatórios. Há toda uma discussão de que, sem rever os direitos sociais na Constituição de 1988, nós não vamos equacionar a questão fiscal, quer dizer, esse é um falso consenso que se produziu. E o que eu quero tentar mostrar é como é o comportamento do gasto social na experiência internacional e se o Brasil está muito afastado desse padrão internacional.
R
Quase finalizando, o quinto ponto que eu quero destacar, enfatizar é que a aprovação das medidas que estão em curso - e não é só a PEC - vai causar certamente uma ampliação enorme das desigualdades sociais.
Por último, eu quero tentar, muito rapidamente, apontar algumas alternativas, que já têm sido discutidas muito nesta Casa. Eu tenho acompanhado seu trabalho, Senadora Gleisi, e o trabalho também do Senador Lindbergh. Assisti, nesta semana, a um debate de que participaram o Prof. Belluzzo e outros colegas. Enfim, eu tenho acompanhado o seu trabalho e sei que vocês têm debatido muito essas alternativas, que certamente passam pelo crescimento da economia e também por fazer com que os setores mais ricos da sociedade também contribuam de alguma maneira.
No primeiro ponto, a importância da Constituição de 1988, eu queria dizer o seguinte. O Brasil é um país onde temos 500 anos de história e 350 anos de escravidão. Tivemos pouco mais de 50 anos de democracia, interrompidos em dois períodos. A ideia da cidadania de direitos sociais é uma ideia estranha ao Brasil.
Penso em cidadania em um conceito clássico, caso da Inglaterra, por exemplo. Qual é a ideia? Os direitos civis surgiram na Inglaterra no século XVIII, os direitos políticos, no século XIX, e os direitos sociais, no século XX. Então, foram três séculos de desenvolvimento de direitos. E a ideia é que a cidadania plena é aquela em que uma sociedade tem cidadania plena quando ela tem, ao mesmo tempo, direitos civis, direitos políticos e direitos sociais.
O que acontece no Brasil? O que era o Brasil há 100 anos? Era uma sociedade 90% agrária, analfabeta, com os resquícios muito fortes ainda do regime escravocrata. A escravidão é a negação dos direitos, até dos direitos civis, porque, na verdade, o escravo não tem direito sequer à própria vida. Por mais irônico que possa parecer, os direitos sociais surgiram no Brasil antes dos direitos civis e dos direitos políticos, na ditadura Vargas, ou seja, na primeira ditadura Vargas, para compensar a ausência dos outros direitos, fazem os direitos sociais, mas muito incipientes, deixando de fora toda a população rural e alguns segmentos urbanos - a ideia toda era da cidadania regulada. É nesse contexto que nós temos que entender a Constituição de 1988.
A Constituição é a primeira vez, em 500 anos de história, em que minimamente nós temos, formalmente, ao menos, assegurado no plano constitucional os direitos civis, os direitos políticos e os direitos sociais. É evidente que isso é do plano formal, isso não ocorre na realidade, mas há uma garantia formal, e a garantia formal é importante para que a sociedade em torno dela lute e faça com que esses direitos de fato prevaleçam.
R
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Por 500 anos, não havia nem garantia formal, não é, Professor? Foi uma luta conseguir essa garantia formal e depois desenvolver os programas.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Exatamente. A Senadora lembra bem. Esse trabalho da Constituição emerge na luta social, das forças políticas que lutavam contra a ditadura militar. Foi um movimento social extraordinário, surgido especialmente em meados dos anos 70, começo dos anos 80, com campanhas memoráveis, como a campanha pelas Diretas Já e outras.
Então, é no bojo desse processo de uma luta incansável que, depois de uma travessia difícil, vai surgir a Constituição de 1988. O que eu queria lembrar, Senadora, é que a Constituição de 1988 não é obra de nenhum governo. Na verdade, ela foi feita contra os governos, na verdade contra um regime. Ela não é obra de nenhum partido. Acho que todos os partidos democráticos àquela época participaram desse projeto, como o PT, como outros partidos, como o próprio PSDB. Eu quero lembrar aqui...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Fora do microfone.) - O PMDB, inclusive.
O SR. EDUARDO FAGNANI - O PMDB teve o papel mais importante naquela época. Presidiu, e aí a importância do Presidente do Congresso Nacional, Ulysses Guimarães, que foi o grande condutor da sociedade na luta contra a ditadura militar.
Eu só quero lembrar que o Senador Almir Gabriel, do PSDB, falecido, foi o Relator do capítulo sobre a seguridade social, que é um dos capítulos mais importantes. Inclusive ele dá o orçamento da seguridade social.
Eu queria mencionar um fato também que é importante, como a senhora mencionou. O PMDB teve um papel importante. Ulysses Guimarães foi o grande condutor desse projeto, e eu queria lembrar algo. É que, ao longo dessa luta, nos anos 1970, o PMDB foi, na verdade, quem conseguiu - vamos dizer assim - montar um projeto reformista democrático. Esse projeto reformista democrático está expresso em um livro chamado Esperança e Mudança. É um livro de 1982. É uma síntese, na verdade, dessa agenda reformista. Esse documento é muito interessante. Ele tem três partes: restabelecimento da democracia; uma política econômica que distribua renda, porque a política econômica da ditadura não distribuía renda; e uma política social, uma proteção social, inspirada em vários valores do Estado de bem-estar social, da experiência da social-democracia europeia daquele momento. Então, esse documento, na verdade, consolida a agenda setorial dos vários movimentos que lutavam naquele momento, e chama-se Esperança e Mudança.
Ironicamente - eu não preciso dizer -, o documento Uma Ponte para o Futuro é exatamente a antítese do Esperança e Mudança. E também, ironicamente, ambos os documentos são do PMDB. Está claro? Eu não podia deixar de registrar esse ponto.
R
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Crueldade histórica. Agora está na mão do PMDB a destruição de uma das mais belas construções, que ele ajudou, inclusive.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Uma das mais extraordinárias pela importância que ela tem. Eu acho que a Constituição de 1988 é um marco de um processo civilizatório brasileiro. Não que as coisas se resolveram ali, mas é um pré-requisito para que essa luta avance.
Hoje, na verdade, eu queria mencionar os resultados distributivos da Constituição de 1988. São diversos os indicadores, são milhões de... Hoje, esta semana mesmo, saiu uma nova redução da taxa de mortalidade infantil, quer dizer, declina, a expectativa de vida sobe, há os indicadores de educação, enfim, são vários indicadores.
Eu queria, até pela questão de tempo, focar na questão da distribuição da renda do trabalho e queria mostrar esse gráfico aqui, que é uma figura muito simples.
Esse é o gráfico do índice de Gini, que mede a desigualdade da renda. Então, quanto à desigualdade da renda no Brasil medida por esse indicador, veja que interessante, quer dizer, que trágico: entre 1960 e 1980, que foi um período em que tivemos um crescimento econômico extraordinário, a economia crescia a taxas, em alguns momentos, de até 13% ao ano, quase um padrão chinês, a concentração de renda aumenta; depois, ficamos 20 anos com a economia estagnada e a renda estagnada; e, depois, a partir de 2001, voltamos a ter um crescimento econômico não tão acelerado como antigamente, com uma redução da desigualdade.
A minha questão é a seguinte: o que explica esse lado de cá e aquele lado de lá? São vários os fatores que explicam. Por que, naquele momento, temos crescimento econômico, com redução da desigualdade da renda? E olhe que coisa impressionante: quase 50 anos depois, o índice de Gini de 2012 praticamente volta ao índice que era em 1960, quer dizer, foram mais de 50 anos para voltar para o mesmo lugar.
Agora, o que pode explicar isso daqui? São vários os fatores, mas certamente a explicação recente tem a ver com a democracia, com as demandas da democracia, com a luta sindical, com a pressão dos movimentos sociais e tem a ver com a Constituição de 1988, com a seguridade social. Olhe que coisa.
Eu queria mostrar um dado que aponta nesse sentido. O estudo do Ipea mostra que essa redução da desigualdade da renda é explicada da seguinte maneira: 60% são mercado de trabalho e salário mínimo; 30% são seguridade social e previdência; 10% são Bolsa Família.
R
Então, eu vou mostrar esse dado sobre as transferências de renda da seguridade social. Aqui estamos vendo o seguinte quanto à seguridade social: em 2015, nós distribuímos 19 milhões de benefícios do INSS urbano; 9,3 milhões de benefícios do INSS rural; 4,2 milhões de benefícios de prestação continuada; e cerca de 7,7 milhões de benefícios relativos ao seguro-desemprego. Somando tudo isso, dá 40 milhões de benefícios diretos, ou seja, todo mês 40 milhões de pessoas, beneficiários, recebem esse benefício.
Muito bem, se computarmos... O IBGE diz assim: no caso da Previdência, uma família dessa tem mais 2,5 outras pessoas. Fazendo uma estimativa bastante imprecisa, só para termos uma ideia: se tivéssemos, além do chefe, mais três pessoas na família, um pouquinho mais, direta e indiretamente essas transferências de renda da seguridade social beneficiam 140 milhões de pessoas!
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Setenta por cento da população.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Setenta por cento da população.
Então, quando eu aumento... São 140 milhões de pessoas que se beneficiam pelo fato de existirem esses benefícios, e algo entre 70% e 80% desses benefícios estão atrelados ao piso do salário mínimo. Por isso, quando o piso do salário mínimo aumenta, a renda dessas pessoas aumenta. Então, veja, o que vai explicar a distribuição da renda...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - E com um custo infinitamente menor do que daquelas operações financeiras de que a Profª Vanessa mencionou.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Qualquer swapzinha...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Do que swap, do que juro, infinitamente menor! Com um custo infinitamente menor, conseguimos beneficiar 140 milhões de pessoas. E o que a gente paga de juro, de swap... Quer dizer, quantas pessoas são beneficiadas? Quem investe em título público? Quem faz operação de mercado?
O SR. EDUARDO FAGNANI - Exatamente.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É uma crueldade essa PEC.
O SR. EDUARDO FAGNANI - É uma crueldade.
Então, vejam: por que a distribuição da renda melhorou? Porque a renda das famílias aumentou. Aumentou como? Renda do trabalho e renda das transferências da seguridade social. Foi isso que fez com que o mercado interno crescesse e tivesse impacto no crescimento recente. Esse é um ciclo importante - só para destacar a importância da seguridade social; e a seguridade social é um dos pontos centrais da Constituição de 1988.
Muito bem, a que estamos assistindo hoje? Estamos assistindo à segunda morte de Ulysses Guimarães, é disso que se trata. Por quê? Porque temos a PEC 55, a reforma da previdência e também a ampliação da DRU, que já foi feita. Quer dizer, o que está em jogo... Acho que o golpe parlamentar, Senadora, é uma oportunidade que os detentores da riqueza financeira têm para aprofundar um projeto liberal turbinado no Brasil, um projeto ultraliberal no Brasil. Estamos assistindo a isso em todos os campos: avanço das privatizações na reforma do Estado, mas, fundamentalmente, no campo social, o projeto em curso é destruir o Estado social de 1988 e implantar o Estado mínimo liberal. Esse é o projeto que está por trás de tudo isso - sem falar da questão trabalhista: haverá um retrocesso de quase 100 anos se as medidas propostas forem aprovadas.
Então, acho que essa é a gravidade da PEC. A PEC 55 não é só uma medida de ajuste fiscal, de controle de despesa, de responsabilidade fiscal. Não, é uma mudança de modelo de sociedade. Por que ela vai mudar esse modelo?
R
Porque se ela for aplicada junto com essas outras medidas, você asfixia o Estado social, você asfixia a saúde, asfixia a educação, asfixia os outros programas. É uma asfixia financeira não só da União, como de Estados e Municípios, que têm corresponsabilidade na gestão dessas políticas. Ao mesmo tempo, você avança no processo de privatização, inclusive na área social - há hoje, por exemplo, um projeto de privatização do saneamento em curso no BNDES. Acho que é esse o ponto central.
Como a Vanessa já avançou... Esse é o gráfico que vai mostrar isso, que já foi mencionado - no trabalho Austeridade e Retrocesso: Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil. A Vanessa já mencionou isso, quero só destacar que as despesas de saúde, até 2036, passam de 1,6% do PIB para menos de 1% do PIB. Por aí é que vamos asfixiar todos os outros setores.
Queria também destacar o fato de que a DRU já tira... Por exemplo, da seguridade social, em 2015, tirou R$60 bilhões. Como falar que a previdência tem um suposto déficit do trabalhador rural - em torno de R$80 bilhões - se só a DRU tira R$60 bilhões? Só que a DRU já aumentou de 20% para 30%. E há estimativas de que, neste ano, a DRU tire da seguridade social cerca de R$120 bilhões. Isso sem contar com as outras desonerações da seguridade social. Esse é um estudo da Anfip que mostra que, em 2015, as desonerações sobre as diversas receitas da seguridade social chegaram a R$160 bilhões. Então, como a previdência tem algum problema se ela é parte da seguridade social e, só de desonerações, tiraram em 2015 R$160 bilhões e, da DRU, mais R$ 60 bilhões.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - E a contradição interessante, Professor, é que esta Casa ajudou a fazer isso.
Lembro desse processo da época em que estava na Casa Civil com a Presidenta Dilma, lembro da discussão das desonerações, um processo polêmico inclusive - não houve consenso e houve muita discussão -, mas eram muito menores as propostas.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Era em parte dos setores...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Exatamente, eram poucos setores para desonerar, para incentivar. Quando veio para o Congresso Nacional, explodiu. Então, o mesmo Congresso Nacional que está querendo agora aprovar a PEC foi quem ajudou a fazer isso com a previdência. O Congresso que quer votar uma reforma da previdência foi o que tirou receita da previdência.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Há estudos, Senadora, que mostram que as desonerações totais chegam a algo em torno de R$280 bilhões, o que representaria cerca de 23% da receita do governo federal. Quer dizer, todo ano o governo federal abre mão de 23% das suas receitas, e o ajuste fiscal acaba sendo feito pela...
Aqui, vou passar um pouco mais rápido - acho que meu tempo já está quase se esgotando. Eu queria só mencionar... Aliás, nem preciso mencionar, porque a Vanessa já esclareceu bastante esse ponto. Quer dizer, qual é o argumento? O argumento é de que o Brasil estava quebrado em 2014, e essa quebra tinha a ver com a questão primária.
R
Então, como a Vanessa já mencionou, o Brasil foi um dos poucos países do mundo que fez superávit primário desde 2000, fez superávit primário de quase 3% do PIB.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Onze anos, dez anos consecutivos de superávit primário.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Isso.
Aí, ele faz um déficit de 0,6%, e o que se fala? Não, depois... Aquele déficit de 0,6% era crise terminal.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA (Fora do microfone.) - Sim, que não é maior do que a média mundial.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Não, olha a média mundial.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Esse ponto é importante aqui, fundamental. O déficit primário de 0,6%.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Crise terminal...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Em cima disso eles fizeram...
O SR. EDUARDO FAGNANI - Crise terminal, Senador. Acabou!
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Vamos ver outros países aqui, é importante citar.
Estados Unidos, -2,2.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Vamos ver a série ali: Estados Unidos, 2009, -11, -9, -7, -6, -3, -3; Japão, -9, -8, -9, -7; Canadá... Há os países ali que tiveram uma crise maior: França, -4, -4; Portugal, -7, -9, -4, -1,9. Mas, se você for ali para baixo, vê que o Chile, em 2014, teve um déficit primário de 1,4; a Índia tem déficit primário de 5, 4, 3, 3, 2, 2. Enfim, e o Brasil...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - E o Brasil tem o melhor resultado de economia.
O SR. EDUARDO FAGNANI - E dizem que o Brasil está quebrado. Eles venderam essa ideia de que o Brasil está quebrado por causa desse déficit de 0,6%.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Aí, fizemos o ajuste draconiano de 2,3% do PIB...
O SR. EDUARDO FAGNANI - Aí, aceitamos esse diagnóstico...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - E o déficit piorou para 10,34...
O SR. EDUARDO FAGNANI - Então, vejam, é algo difícil de acreditar, mas essa foi a ideia, de que a questão é o déficit primário, é o resultado primário.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Esse quadro é muito ilustrativo, porque mostra que não há nenhum país - estou olhando rápido aqui - com essa trajetória do Brasil. O Brasil é positivo, positivo, só fica negativo em 2014. Todos os outros têm negativos durante esse período, não há nenhum outro país que se mantenha positivo, só o Brasil
O SR. EDUARDO FAGNANI - Nenhum, nenhum.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É impressionante, e nós que fizemos a gastança e estamos quebrados.
O SR. EDUARDO FAGNANI - E nós que fizemos a gastança e estamos quebrados.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É inacreditável isso.
O SR. EDUARDO FAGNANI - É inacreditável. E esses são dados do Banco Mundial.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Esse quadro é muito bom.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Essa é a ideia da crise terminal.
Esse outro quadro mostra a mesma coisa - também do Banco Mundial. Mostra a relação dívida líquida/PIB. No Brasil, em 2000, 2002, a dívida líquida sobre o PIB chegava a quase 60% do PIB, e nós baixamos para 31,5 em 2013, e para 34 em 2014. Eu pergunto: quando o País estava quebrado? Quando a dívida líquida era de 31 ou quando era de 60?
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Professor, inclusive, em 2015, que foi o último ano da Presidenta Dilma, nós estávamos com 35% na relação dívida líquida/PIB. Há um estudo da Consultoria do Senado que mostra isso. Ou seja, temos uma dívida decrescente.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Acho que é essa tabela aqui que mostra isso. A dívida líquida é o vermelho: ela sobe de 1995 a 2002 e, depois, decresce. E a dívida bruta se mantém naquele patamar, em torno de 55%.
R
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agora, o que é interessante no crescimento da dívida bruta é, principalmente, o fato de que ela mantém as reservas. São as reservas. Nós temos de tirar os ativos daí...
O SR. EDUARDO FAGNANI - Exatamente.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - ...as reservas e as aplicações junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Exatamente, antes não havia isso.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Não havia. Nós não tínhamos reserva e não tínhamos política de fomento na economia.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Exatamente, exatamente.
Então, veja: o País está em crise quando ele está com 31% de dívida ou quando está com 60%? Mas, se você olhar qualquer outro dado... Quer dizer, olhe a dívida líquida. A nossa dívida líquida em 2014 era de 34% do PIB; a da Grécia, de 174%; a de Portugal, 120%; a da Itália, de 110%, e por aí vai.
A mesma coisa acontece com a dívida bruta. É a mesma coisa, é tudo igual. O superávit primário é igual. Quer dizer, como é que o País está quebrado se ele tem reserva de US$374 bilhões, quando, em 2001 e em 2002, a reserva era de US$28 bilhões? Como é que o País está quebrado se a dívida externa líquida em relação ao PIB era de 31% do PIB por volta de 2000 e, agora, ela é negativa? Quer dizer, como é que o País está quebrado com uma taxa de desemprego de 4,8%? Está claro?
Mas o fato é que essa ideia...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Fora do microfone.) - Prevaleceu.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Hoje o Dicionário Oxford soltou a palavra "pós-verdade", não é isso? Então, a verdade, hoje em dia, não precisa ser baseada em dados, em fatos. Você cria uma verdade por razões ideológicas ou por qualquer outro tipo de coisa, e isso acontece.
Como a Vanessa falou, a questão fiscal no Brasil não é a questão primária, é a questão nominal. Aí está a representação clara disso. Quer dizer, nesse total...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Prof. Eduardo Fagnani, eu queria entender esse gráfico que trata do resultado primário. Isso é de 2015, não é?
O SR. EDUARDO FAGNANI - É de 2015.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA (Fora do microfone.) - São os percentuais de 1,1% e de 0,8%.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Esse aí é o crescimento...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Todas as outras são juros, não é? É a parte nominal. A parte primária é de 1,1%.
O SR. EDUARDO FAGNANI - É de 1,1%. Quer dizer, a dívida bruta, de 2014 para 2015, aumentou em 10,5%. É o problema da dívida bruta, que agora está chegando a 70%. Ela aumentou em 10,5%.
A Vanessa me corrija, se eu estiver errado, porque ela é uma das autoras desse estudo: desses 10,5%, 1,1% é o primário; todo o resto é relacionado ou a juros...
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - O percentual de 0,8% é o da correção das pedaladas, e 1,1% mais 0,8%...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - O percentual de 1,1% é o primário; 0,8% é a correção das pedaladas.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - É o da correção das pedaladas. Ou seja, na verdade...
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Isso dá 1,9%.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - ...o déficit primário foi de 1,88%. Então, é a soma dos dois.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Exatamente, é a soma dos dois. Então, parte importante do resultado é queda de receita e a incorporação das pedaladas.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Tivemos muitos swaps cambiais em 2015.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Houve os swaps cambiais também.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Inclusive, os juros caíram neste ano porque caíram os swaps cambiais.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Exatamente, exatamente.
R
Então, eu só estou mostrando isso - a Vanessa já mencionou também -, quer dizer, é uma bobagem dizer que o problema fiscal brasileiro é o primário. A nossa desigualdade é tão severa que ela também se manifesta até nos critérios para classificar os gastos. Os gastos que beneficiam grande parte da população, que são os gastos primários, são gastos; mas os gastos que beneficiam as pessoas de mais alta renda não são gastos. É algo que eu, realmente, às vezes não consigo entender.
Essa tabela quem fez, na verdade, foi o economista Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC São Paulo, ela é bem interessante. Quer dizer, Senador Lindbergh, não há explicação para a taxa de juro no Brasil ser como é. Nós temos aqui esses dados que mostram o seguinte: Japão, dívida bruta - porcentagem do PIB -, 245%. Quanto que ele paga de juros? Ali está errado: não é 8,5%, mas 0,8%. Está escrito errado, não está? Eu não estou enxergando bem daqui.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO FAGNANI - É 0,8. A dívida bruta do Japão como percentagem do PIB é 245, e paga 0,8; a Grécia, que quebrou literalmente, tem uma dívida de 197, e paga 4; Itália, 133, e paga 4; Portugal 127, e paga 4; Espanha, 98, e paga 2; Brasil, 66, e paga 8,5. Como é que se explica isso? Como é que você explica que países que têm uma dívida bruta três vezes ou duas vezes maior que a do Brasil paguem de juros menos da metade do que o Brasil paga? A questão fiscal brasileira chama-se juros.
Eu fiz aqui um exercício, só um exercício...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO FAGNANI - Eu fiz um exerciciozinho só para a gente ver o seguinte: o azul representa os juros, e o cinza representa a previdência. Então, vejam, em 2005, 2006 e 2007, os juros estavam altos, o gasto com juros em 2005 foi maior do que o com a previdência. Em 2006, igualaram-se. Depois, os juros começaram a cair, a previdência aumenta. E, quando chega 2015, nós gastamos 502 com juros e, com a previdência, 436. Qual é a questão aqui? A questão aqui é que a previdência beneficia... São 20 milhões de benefícios urbanos e 10 milhões de benefícios rurais, são 30 milhões de pessoas. Se essa pessoa tiver uma família de três pessoas, são 90 milhões de pessoas que se beneficiam desses 436 bilhões. E, no caso dos juros, são algumas dezenas, algumas centenas, alguns milhares de pessoas que se beneficiam.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Fora do microfone.) - Para sermos generosos, vamos falar em milhares.
R
O SR. EDUARDO FAGNANI - Vamos falar em milhares para sermos generosos. Quer dizer, o que não cabe no Orçamento? Eu acho que essa é a questão que nós temos que discutir. Está claro?
Enfim - eu estou indo muito devagar; eu vou acelerar, vou direto ao ponto -, aqui a ideia é a seguinte. Há os gastos primários que cresceram demais, nós não vamos resolver a questão econômica brasileira sem equacionar a questão primária, e o vilão dos gastos primários são os gastos obrigatórios da Constituição de 1988, são os gastos sociais obrigatórios. Conseguiram vender este falso consenso de que, sem rever o contrato social da redemocratização, eu não estabilizo a dívida pública.
O que acontece na verdade? Na verdade, o que acontece é o seguinte. Os gastos sociais, quando você olha o mundo historicamente... Há um historiador que mostra que o gasto social nos países europeus tem uma relação muito grande com a democracia, começa a crescer no final do século XIX, cresce bastante até 1945, e o grande momento do crescimento do gasto social é entre 1945 e 1975. Há autores que mostram o seguinte: em alguns países da Europa, o gasto social salta de algo em torno de 6% do PIB, na média, para 18% do PIB entre 1945 e 1975. A taxa de crescimento do gasto social é extraordinária ao longo desse período.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Os chamados "anos gloriosos".
O SR. EDUARDO FAGNANI - Os anos gloriosos.
Agora, o que é mais interessante, Senador, é que, quando você pega de 1990 a 2015, já em plena época do auge do neoliberalismo e depois da crise global de 2007/2008, eles também crescem. Está um pouco difícil de perceber aqui, mas, na maioria desses países aí em cima, entre 1990, 2000 e 2015, o gasto social continua crescendo.
Esse estudo aqui da...
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA (Fora do microfone.) - Como percentagem do PIB.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Como percentagem do PIB, claro, que é o nosso...
Esse aí é um estudo feito pela STN, de 2016, que é um estudo muito bem-feito sobre o gasto social. Eles mostram o seguinte: entre 2002 e 2013, para o conjunto de todos esses países, houve um crescimento médio de 11%, em percentagem do PIB. Cresceu em todos os lugares: Brasil, Europa, países nórdicos, Zona do Euro.
O gasto social tem uma trajetória crescente, cresce muito na social democracia europeia e em outros países, e continua crescendo de 1990 até hoje, apesar do neoliberalismo e apesar... Por quê? Porque são as demandas da democracia, é difícil deixar de atendê-las.
Esse estudo da STN mostra outra coisa importante: o patamar de gasto do Brasil não é um ponto fora da curva, como estão dizendo aqui. Ele é acima da Ásia, em sintonia com a América Latina, muito abaixo dos países da Europa e muito abaixo ainda dos países da Zona do Euro. Isto aqui é o gasto do governo central, que é o critério que eles estão usando. Nós estamos gastando aqui 15% do PIB, mais ou menos, aqui no Brasil; a Zona do Euro gasta 30% do PIB. O que é isso? É o envelhecimento da população. Nós vamos ter que chegar, em algum momento, a um gasto de 20%, 30%. Isso tem a ver com o envelhecimento da população, isso é uma coisa normal.
R
Mas quero chamar atenção para o fato de que o gasto social não é o vilão do ajuste. Isso é uma coisa histórica, que acontece em todas as sociedades.
E o que aconteceu no Brasil? O que é 1988, como eu estava dizendo no começo? 1988 é a erupção de um desrepresamento secular de direitos. Em 500 anos de história, foi a primeira vez em que o trabalhador rural teve direito a aposentadoria. Foi a primeira vez que nós tivemos seguro-desemprego. Foi a primeira vez que o trabalhador urbano teve uma aposentadoria, por exemplo, com a garantia de que o seu benefício não seria corroído - quando você o atrela ao salário mínimo. Foi a primeira vez que nós tivemos programas de assistência social, como, por exemplo, o Benefício de Prestação Continuada, que hoje beneficia 4 milhões de pessoas.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Na verdade, é o Estado do bem-estar social, que na Europa ganhou força em 1945, no pós-guerra...
O SR. EDUARDO FAGNANI - Nós, com 40 anos de atraso.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Na Constituição.
O SR. EDUARDO FAGNANI - As duas coisas têm semelhança. O que é isso? Isso é o atendimento das demandas da democracia, das demandas sociais.
Então, este é um outro ponto que eu queria deixar claro. Primeiro: o gasto social não é o vilão da dívida pública. Esse é um falso consenso que os setores conservadores conseguiram construir. É em torno disso, inclusive, que a PEC orbita. Isso não se justifica à luz da experiência internacional e à luz do desenvolvimento da história, do desenvolvimento dos países.
Esse estudo da STN... É importante buscar os dados da STN. Eles também mostram o seguinte: o Brasil, do ponto de vista do gasto, está em linha com a América Latina, mas quando você compara com o índice de Gini, o nosso índice de Gini é maior do que todos os outros, o que também justifica a necessidade de você ter um incremento do gasto social. E quem está dizendo isso é a Secretaria do Tesouro Nacional, um órgão do Ministério da Fazenda. É um estudo muito bom esse que foi feito, e mostra claramente essas teses que nós estamos apresentando.
Terminando já, a questão toda a que nós estamos assistindo é isso. O que vai acontecer é uma explosão da desigualdade.
Aqui eu tenho um dado. Quando a gente olha esses dados internacionais... Mostrei agora há pouco que a desigualdade, medida pelo índice de Gini, caiu enormemente nos últimos 15 anos. Quando você olha esse dado sobre o índice de Gini em diversos países do mundo, vê que as sociedades igualitárias têm um índice de Gini inferior a 0,30, mas o do Brasil é 0,53. E a desigualdade brasileira não é só de renda. Nós não conseguimos enfrentar sequer as nossas desigualdades históricas - por dia, morrem no Brasil dez jovens assassinados; sete são negros. E, entre essas desigualdades, há desigualdade na oferta e no acesso a serviços sociais como saúde, como educação, como saneamento.
R
Então, o que deveríamos fazer, em vez de estar enfrentando essas desigualdades... E mais ainda: além das desigualdades que temos do século XIX e do século XX, que não resolvemos, vamos ter as pressões do século XXI, que são as mudanças demográficas. A população está envelhecendo, o que significa o quê? Significa que vai pressionar mais o sistema público, está mudando o perfil epidemiológico da população: as pessoas vivem mais, mais tempo, mais tempo com doenças crônicas, que requerem tratamento etc.
Então, não apenas as nossas desigualdades são enormes, mas as demandas futuras são crescentes, o que nos levaria a tentar aperfeiçoar o nosso sistema de proteção social. Na verdade, porém, o que vemos é um processo de destruição desse sistema.
Finalmente, a alternativa para isso - vocês têm discutido bastante isso no Congresso - passa necessariamente pelo crescimento da economia, e há uma série de possibilidades também de reforço da capacidade financeira do Estado pela contribuição das camadas de mais alta renda.
Certamente a redução dos juros é uma questão central; a revisão das desonerações, que atingem algo em torno de R$280 bilhões, que são 23% da receita, é uma possibilidade; a reforma tributária é uma possibilidade - os estudos do Rodrigo Orair e do Gobetti mostram que só os dividendos dariam uma receita em torno de R$60 bilhões -, mas existem outras questões. Enfim, há uma série de possibilidades que passam, na verdade, pela contribuição dos setores de mais alta renda.
Eu agradeço a atenção e termino aqui a minha fala.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu é que agradeço, Professor. Muito boa a sua fala. O Professor fez uma explanação sobre o histórico da Constituição, sobre o início das nossas conquistas democráticas. Queria agradecê-lo muito e parabenizá-lo.
Passo a palavra ao Senador Lindbergh Farias.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Profª Vanessa e Prof. Eduardo Fagnani, temos falado tanto sobre a PEC 55, a antiga PEC 241, que não aguentamos mais falar, mas precisamos repetir, repetir, repetir, mobilizar a sociedade. É um grande esforço que estamos fazendo, porque sabemos que vai ser a destruição do incipiente Estado de bem-estar social que montamos da Constituição de 1988 para cá.
O grave é o seguinte: é que eles defendem só há um caminho, que é diminuir brutalmente os gastos sociais, anular o avanço que tivemos no último período. Porque foi isso... Há duas formas de diminuirmos a desigualdade: uma é na arrecadação - aí não avançamos, temos muito a avançar. Estamos insistindo muito aqui na questão da tributação de lucros e dividendos, mas aqui não avançamos. Avançamos na diminuição da desigualdade com gasto social.
E é um pacote de maldade muito grande, porque eles querem fazer caírem cinco pontos percentuais dos gastos primários em relação ao PIB em dez anos.
R
A Prof. Esther Dweck, que está aqui assistindo também, mostra que é preciso fazer um conjunto de reformas para chegar a isso. Porque, veja bem... Vamos lá, desses 19,8% do PIB, 8,1% são previdência - que vão subir! Por efeitos demográficos, vai para 9% do PIB. A não ser que eles façam algo brutal: desvincular o salário mínimo - e acho que isso eles vão querer fazer - da aposentadoria. São 70% dos aposentados que ganham um salário mínimo.
Eu hoje falei para a Senadora Gleisi, lá no plenário, que há um estudo do Ipea interessante sobre a criação daquele grande mercado de consumo de massas do Governo do Presidente Lula. E fala das várias causas disso - fala de crédito, formalização de emprego -, mas nada foi tão importante como o impacto do salário mínimo na previdência. É aquele dinheiro que chega à mão do aposentado - e estou aqui falando na frente de um especialista em previdência, que é o Fagnani!
Mas, então, é o seguinte: 8% do PIB é previdência, dos 19,8%; 4,2%, despesas com pessoal.
Aqui há outra maldade que foi bem observada pela Senadora Gleisi. Para funcionários como um todo, professores universitários, trabalhadores na área de saúde, eu estou convencido de que eles vão voltar à política do Fernando Henrique Cardoso, que é reajuste zero. Agora, para os grandes salários do funcionalismo, eles colocaram uma válvula de escape. Vocês sabiam que eles colocaram o teto do Judiciário, do Ministério Público, e, quanto ao Legislativo, eles dizem o seguinte: se não atingir o teto, a União pode pagar com até 0,25% do PIB. É um absurdo isto aqui! Essas são as despesas com pessoal.
Outras são o quê? Despesas obrigatórias. Quais são os dois maiores gastos relativos a despesas obrigatórias? Abono, seguro-desemprego e, embaixo, BPC. Se eles forem mexer em despesa obrigatória, vão ter que fazer essa maldade. Benefício de Prestação Continuada é para idosos acima de 65 anos, pessoas com deficiência...
O SR. EDUARDO FAGNANI (Fora do microfone.) - Está no pacote da reforma da previdência.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Está? A mexida no BPC? Eu não sabia. Fazendo o que no BPC?
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. EDUARDO FAGNANI - Desvincula do salário mínimo.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Isso é de uma maldade gigantesca.
Há outra parte, despesa discricionária. Também - não é, Esther? - 4% do PIB. Ou seja, eles ficam falando: "Ah vai dar para tirar... Vocês vão escolher". Na verdade, só há um caminho, que é tirar de tudo.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Investimento...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Investimento é o primeiro em todo ajuste. Veja, no ajuste do Levy, cortaram 35% em investimentos. É a primeira pancada, investimento vai ser de cara.
Foi interessante a vinda aqui do Felipe Rezende, um economista que mostrou um trabalho falando o seguinte: nos países emergentes, não há investimento privado sem investimento público. O investimento público é que puxa o investimento privado. Então, você veja o grau de maldade que vem em tudo isso.
Eu fico pensando que nós estamos vivendo, na verdade, a segunda ofensiva neoliberal aqui na América Latina. Na primeira, eles ficaram dez, quinze anos, e foram varridos por governos de esquerda, populares, em toda a América Latina. Esse pessoal não tem uma política razoável.
Eu digo o seguinte, você não tem aqui no Brasil uma política de centro-direita em que eles digam: "Puxa, mas vamos pensar aqui em como não haver consequências sociais tão drásticas". É impressionante o que eles estão propondo!
O SR. EDUARDO FAGNANI - Acho que é um teto de burrice.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Pode falar. Como é, professor?
R
O SR. EDUARDO FAGNANI - Eu acho que é uma estratégia que, em médio prazo... Quer dizer, você quer um capitalismo sem consumidor? E fora...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Fora do microfone.) - Banco sem risco...
O SR. EDUARDO FAGNANI - Banco sem risco.
E fora o aumento da desigualdade e as tensões sociais que vão ocorrer. É impressionante, parece que a variável sociedade/povo praticamente não existe, não há preocupação com isso. Isso, no médio prazo, pode ser complicado.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu estou convencido... Estou cada vez mais preocupado, porque acho que a gente está indo para uma deterioração social muito grande.
E temos uma crise política, temos um Governo completamente frágil. Essa denúncia de hoje envolvendo o Michel Temer... Imaginem: se o Presidente da República pressiona o Ministro da Cultura para ele modificar uma decisão do Iphan, diz que a AGU... "Manda para a AGU que ela resolve." Ou seja, fazendo pressão para resolver questão de uma empreiteira da Bahia. Imagina o que está fazendo no pré-sal... Nos outros Ministérios... O Presidente fazer um negócio desses... Pressionar o Ministro da Cultura para facilitar um empreendimento... Imaginem o resto!
Agora, é de uma fragilidade... Eu falo da degradação social, estou insistindo nisso a semana inteira. Eu estou achando que estamos caminhando para uma situação de convulsão social. Aquele cientista político, Aldo Fornasieri, que eu citei... E estou cada vez mais convencido disso. Claro que o Estado do Rio de Janeiro é um Estado em que esse processo está mais adiantado; ali, claro, houve isenções fiscais para as empresas de tudo quanto é jeito, teve corrupção, mas ali também tem o seguinte: é a desaceleração econômica que está gerando aquilo e o efeito da cadeia de óleo e gás. Não tem como recuperar o Rio sem recuperar a Petrobras. Não tem jeito. Mas ali não é só o funcionário público que não está recebendo. Ali cortaram os programas sociais, uma espécie de Bolsa Família de 110 mil pessoas... Os bancos, as projeções dos bancos e do mercado sobre o desemprego estão chegando a 13% no próximo ano, e há gente falando em 14%.
Então, veja bem. A gente está indo... As famílias estão em uma situação dificílima, quebradas, com alto endividamento, caiu a renda, o desemprego é alto. A dívida das empresas está em 80% do PIB. Estados quebrados, Municípios quebrados. Aí esses gênios decidem fazer uma política de austeridade no Governo Federal! É suicídio! O que vai dar isso no próximo ano? Porque o que se podia fazer era isto: o Governo Federal lançar um plano de investimentos, botar a Petrobras e o BNDES para frente. Seria a única saída que teríamos. E mesmo assim seria muito difícil, porque estamos em uma situação muito difícil. Agora, o que estão fazendo... É impressionante a falta de rumo político deste Governo e das elites do País, a irresponsabilidade.
Eu estou falando, estou com isso na cabeça. Não sei... Acho que em 2017 vai haver muitos problemas nas ruas brasileiras, e o pior é que não há uma saída tão clara para um lado ou para o outro. Portanto, o pior caminho... A tendência é dizer que é a política e discursos fascistas crescerem também.
Vejo uma profunda irresponsabilidade com o que está acontecendo no País. Estamos indo contra o mundo todo. Vejam, a União Europeia tem juros negativos. Eles, que fizeram inúmeras políticas de austeridade, estão discutindo agora um incremento de 50 bilhões de euros. O Trump fala de um trilhão - claro que são concessões, subsídios, mas um trilhão - para tentar estimular a economia.
R
E nós aqui nessa loucura, numa ditadura do pensamento único. Quando a gente fala que é necessário ampliar investimentos e gastos, dizem: "Vocês estão loucos? Não há dinheiro." O Prof. Fagnani colocou aí que o déficit primário foi de 0,6% do PIB. Eles criaram tudo isso, mas não falam dos juros. Na verdade, para mim a grande coalizão que existe, o grande acordo político que existe das elites é essa transferência de recursos do orçamento para os rentistas. E aqui não é só banco, as principais empresas deste País fazem isso. Estão investindo em títulos da dívida pública, que estão dando 7% de juros reais. Onde é que você ganha isso no mundo?
Eu ouvi o presidente do Banco Central Europeu... Está me faltando o nome dele agora... Mário Draghi! Se o Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, disser isso aqui no Brasil, vão chamá-lo de comunista! Porque ele disse o seguinte: "Os juros estão negativos". Sabem por que os juros estão negativos? Para forçar o investimento, porque a situação está tão ruim que, se subirem um pouco os juros, o cara não investe na produção. Imaginem a gente aqui!
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Acho que uma coisa importante dentro do que está sendo dito é que várias questões de política econômica que historicamente foram utilizadas no mundo são tidas como absurdas. Ter elementos de déficit público para gerar retomada não é uma questão única do Brasil. Os Estados Unidos geraram déficits públicos pesadíssimos para a retomada. Agora e na década de 1970 não houve uma desaceleração mais profunda porque fizeram um déficit público cavalar para não deixar haver recessão. E parte desse déficit público eram transferências pesadíssimas, transferências de recursos para políticas sociais. Quer dizer, não é absurdo fazer política anticíclica gerando déficit público. Isso protege, inclusive, o capital. Então, uma coisa histórica é tida como absurda no Brasil.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Claro!
E há outra coisa. Nós só vamos melhorar a situação fiscal, da dívida, quando o País crescer. Esse é outro ponto. Na verdade, o centro da estratégia nacional deveria ser, hoje, discutir como é que nós vamos crescer. Mas, não, é a questão fiscal, como se isso trouxesse a confiança dos empresários para investir. É essa maluquice!
Eu presenciei aqui, com a Senadora Gleisi, o economista Armando Castelar dizer que a economia entrou em recessão porque a situação fiscal piorou e, aí, os empresários perderam a confiança... Gente, eu não acreditei no que escutei aqui: que os empresários perderam a confiança e pararam de investir! Isso é uma coisa...
Eu quero encerrar parabenizando os senhores e dizendo que estou muito preocupado com o País.
Hoje a gente estava no plenário, num debate... Fagnani e Prof. Vanessa, eu queria passar para os senhores depois... A gente começou aqui uma tentativa de apresentar um programa emergencial para tirar o País da crise. Eu sei que houve aquele documento dos economistas sobre austeridade, que é um documento muito bom, mas eu acho que a gente tem que fazer uma coisa mais completa e propositiva também. Eu começo a ver que até gente progressista está dizendo: "Ah, não há saída!" Lá no Rio eu comecei a escutar muito isto: "Não há saída".
Há saída! Há saída! É claro que nós temos que ter política fiscal anticíclica, temos que ter tributação progressiva, mas eu acho que a gente tem que entrar em pontos concretos. Por exemplo, petróleo e gás. Petrobras, o que fazer com a Petrobras?
R
Porque a Petrobras... Os senhores podem me dizer melhor, mas metade dos investimentos do País são da Petrobras.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Como?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Então, vejam bem: Petrobras é uma coisa. Qual seria o papel do BNDES neste novo momento? Como recuperar as empresas? Porque este é um outro problema: a quebradeira é geral. O que fazer? Ter linhas de crédito do BNDES.
Então, eu queria, inclusive, entregar essas reflexões iniciais para que os senhores também contribuíssem. Eu queria fazer circular isso, porque a gente tem que apresentar seis ou sete pontos. É uma questão de legitimar, no debate, com os economistas, com outros pensadores, com lideranças políticas também, para se apresentar um caminho, uma solução.
Há outras questões ligadas a direitos sociais. O consumo das famílias está lá em baixo. O que se faz? Você pode dar aumento para o Bolsa Família? Pode ampliar a base do Bolsa Família? Num momento como este, em que não há reajuste do salário mínimo, é uma política correta reajustar o salário mínimo para estimular, de alguma forma, a demanda? Está nas cláusulas do seguro-desemprego que você pode, em momentos de recessão, ampliar o número de meses do seguro-desemprego. O Lula fez isso. Retomar o Minha Casa Minha Vida para aquele setor que mais precisa... Porque tiraram, não é? Eles criaram o Minha Casa Minha Vida para os ricos agora.
Acima de quanto?
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Acima de R$700 mil.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - A Senadora Gleisi já disse isso hoje. E tiraram dos pobres, da primeira faixa.
Então, eu acho que é necessário a gente apontar de forma clara para as pessoas que é possível outro caminho.
Encerro dizendo que, para a gente que está aqui em Brasília, a sensação é de que não existe governo. Eles ficam ali naquela conversinha, mas não têm nada. Eles só têm duas coisas: essa PEC nº 55 e a reforma da Previdência. Estão apostando nisso para melhorar a tal da confiança, mas a gente sabe que vai é agravar o problema. Isso porque essa reforma da Previdência, do jeito que está... Quando eu falo que o consumo das famílias, que corresponde a 63% do PIB, está completamente deprimido pelo desemprego, pelo endividamento, queda de rendimentos... O que eles vão fazer? Vão bater mais nisso aqui; vão desvincular o salário mínimo da Previdência; vão tirar o dinheiro do idoso e do deficiente. Isso vai ter um efeito desastroso na economia.
O crescimento econômico foi em cima de recursos para esses setores: os mais vulneráveis, os mais pobres. Foi isso que houve no Brasil! Por isso que tenho dito muito que eles estão querendo acabar com três legados: o legado do Lula; o legado do Ulysses Guimarães, rasgando a Constituição cidadã; e o legado de Vargas, rasgando a CLT. É gravíssimo!
Olha, se o pessoal aqui da Comissão de Assuntos Econômicos pudesse imprimir as apresentações aqui feitas, eu queria muito levá-las para estudar também em casa, para fazer parte deste debate. Esta reunião está sendo transmitida e também vai ser reprisada outras vezes, o que é importante, pois faz parte desse nosso esforço de acordar a sociedade, de mobilizar todo mundo.
Senadora Gleisi, para finalizar, eu gostaria de dizer que nós tivemos uma reunião com o nosso corpo jurídico aqui e decidimos, de fato, que é fácil constatar que houve crime de responsabilidade por parte do Presidente da República. Sua Excelência se utilizou da Presidência da República, volto a dizer, para pressionar o ex-Ministro Calero. E, no caso do ex-Ministro Calero, ele disse: "Manda para a AGU, que a AGU tem a solução". Ele participou! O nome disso é advocacia administrativa. Isso é crime de responsabilidade!
R
Então, nós vamos entrar com dois atos. Estamos preparando o pedido de impeachment - deve estar pronto até segunda-feira - e vamos entrar também com uma infração penal comum, porque... Não sei se a senhora lembra, Senadora Gleisi, mas no período do impeachment a gente ouvia o seguinte: “O Temer quer virar Presidente, ele não pode ser investigado”. Ele não pode ser investigado por atos anteriores ao seu mandato, mas, nesse caso, foi no mandato, no Palácio do Planalto. Então, ele pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal nesse caso.
E você teve agora o porta-voz do Presidente da República praticamente admitindo, porque na hora em ele se pronuncia fala de uma gravação - foi gravada a conversa com Michel Temer. E ele tenta justificar dizendo que o Presidente entrou para apaziguar conflitos entre dois ministros. Apaziguar conflitos entre dois ministros? Ele entrou para pressionar, para que se decidisse a favor de um empreendimento na Bahia em que o seu Ministro Secretário de Governo Geddel Vieira Lima tinha um apartamento, e seu primo e sobrinho eram advogados da construtora.
Na verdade, o que choca de fato é o seguinte: um Presidente da República entrar para pressionar um ministro em troca de benefícios para uma construtora da Bahia. Imaginem o que está acontecendo nos outros ministérios... Se você faz isso, nesse caso, imaginem o caso do pré-sal, envolvendo interesses da Shell, de tudo isso... Ele agiu como um sócio ali.
A situação é muito grave. Infelizmente alguns órgãos de imprensa, o Jornal Nacional hoje... Porque quando era com o Lula e com a Dilma Lula... Vocês lembram? Do Lula, eles falaram 14 horas, foram catorze horas do Lula em 6 meses. Foi impressionante a campanha contra o Lula. Com o Temer, eles colocaram lá no meio, tentaram diminuir a denúncia, só que não tem jeito porque a pressão desse caso vai ser tanta... A popularidade do Temer já está lá embaixo, e esse caso desmoraliza de vez este Governo. Eles vão tentar esconder, mas a desmoralização vai ser tão grande que eles vão ser obrigados a colocar...
E nós, amanhã, vamos tomar um conjunto de medidas aqui, vamos falar no plenário logo pela manhã e vamos tomar um conjunto de decisões, um aditamento à representação na PGR. O fato é o seguinte: nós, da oposição brasileira, vamos estar firmes denunciando esse Governo. Eu acho que essa denúncia é importante, inclusive, para barrar essa PEC. Não dá para fazer de conta aqui na terça-feira que está tudo normal e votar a PEC. Nós temos que, de alguma forma, dizer que não se pode votar essa PEC, esse Presidente não tem autoridade depois de tudo isso que aconteceu.
Parabéns, Profª Vanessa, parabéns, Prof. Eduardo Fagnani. Eu recebo o Plataforma Política Social, é sempre muito interessante, artigos valiosíssimos, e os senhores acabam nos ajudando também na preparação aqui para os enfrentamentos.
Quero parabenizar também a Senadora Gleisi Hoffmann, que tem sido a Senadora de todos nós, a mais atuante no combate a essa PEC 55. Com certeza sua voz vai ficar marcada na história, Senadora. V. Exª teve um papel importantíssimo na luta contra o golpe, contra o impeachment, mas, nessa PEC 55, eu acho que a senhora teve a compreensão do que significa isso, a destruição do incipiente Estado social brasileiro. Eu quero cumprimentar V. Exª pela atuação aguerrida, é sempre estimulante ver a sua atuação.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Lindbergh. Também quero cumprimentá-lo pela atuação e pela realização desta audiência, que é consequência de um requerimento de V. Exª.
R
Eu queria só, antes de passar para o Prof. Eduardo e para a Profª Vanessa fazerem as considerações finais - nós vamos ter que fazer isso rapidinho, também pelo adiantado da hora -, falar aqui de quem nos mandou perguntas.
Queria falar do comentário do Aristides Joaquim Felix Junior. Ele pergunta: "O ajuizamento junto ao STF, guardião da Constituição Federal, para se posicionar pela nítida inconstitucionalidade da PEC 55, seria uma saída?". Nós já fizemos isso, o Supremo não deu liminar, ainda vai julgar, então não se posicionou.
O Jorge Isaias Llagostera Beltran pergunta se é possível estimar o aumento da arrecadação que uma reforma tributária progressiva poderia proporcionar. Eu não sei, mas talvez o Professor ou a Profª Vanessa possam nos responder.
A Caroline Duarte fala que é um absurdo pensar que a votação e a aprovação dessa PEC 55 sejam possíveis, e tão rapidamente, e ninguém pense em votar a tributação das grandes fortunas. Nós temos projetos para tributar grandes fortunas e riqueza aqui, mas, de fato, esses projetos não andam. Se eu não me engano, acho que é até o Senador Lindbergh que tem um projeto sobre grandes fortunas...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Não, eu tenho sobre lucros e dividendos. Sobre o IPVA, já tínhamos, que é uma PEC também, iates...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Mas nós temos aqui a PEC 96 para grandes fortunas...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - V. Exª tem sobre juros sobre capital próprio...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Juros sobre capital próprio, exatamente. Mas não andam, é bem interessante.
O Jorge Isaias Llagostera Beltran também quer saber se dá para estimar o aumento da arrecadação total que uma reforma tributária poderia gerar.
O Braian Beirigo pergunta por que é que não há tributação de grandes fortunas. Já falamos.
O Roberto Pires Barreto tem uma empresa que participa do Simples Nacional. "Um ótimo sistema de tributação, fácil de utilizar e extremamente justo" - deve ser para V. Exª, Senador Lindbergh - "mas o Estado do Rio com a ST retirou do contribuinte esse benefício, ou seja, a união deu com uma mão e o Estado do Rio retirou com a outra mão infelizmente." - deve ser alguma legislação local sobre o Simples.
O Mauricio Alonso Ferraz pergunta também sobre grandes fortunas.
A Kamylla Cunha pergunta sobre ação no STF - nós já entramos.
O Sergio Luis Peixoto: "Todas as medidas impopulares que estão sendo tomadas no país, incluindo a PEC 55, não são mera consequência da Nova Ordem Mundial, governo único das elites que está sendo instalado no mundo?"
O Tairone Albuquerque: "Boa Noite. Ouvi dizer em alguns meios de comunicação que o Governo Dilma tinha ideia de realizar o teto dos gastos públicos. Qual a diferença do teto do Governo Dilma para este teto proposto no governo de Temer?".
O Emerson Moreira Rodrigues: "Com os cortes impostos pelo governo. Daria para projetar graficamente o prejuízo em relação às distribuições das receitas nos investimentos sociais? Como os programas de ensino superior, Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família ficariam?". Acho que até foi mostrado um pouco aqui, tanto pela Profª Vanessa como pelo Prof. Eduardo.
O Anibal Netto: "Por que a taxa Selic tem um valor real (descontada a inflação) tão exorbitante no Brasil?" Pois é, nós também gostaríamos de saber, porque, realmente... "Acredita que qual percentual seria atrativo para investidores internacionais sem "sugar" tantos recursos do nosso Orçamento?" E também: "Qual é o percentual de imposto que se paga sobre lucros e dividendos no Brasil? Que montante estimado de recursos com uma cobrança maior (15%, por exemplo) poderia trazer para o Orçamento da União?". Esse é o projeto do Senador Lindbergh, que tributa lucros e dividendos. O último ano de arrecadação que nós tivemos do imposto de renda sobre lucros e dividendos foi 95. A projeção é que nós arrecadaríamos hoje, se tivéssemos com uma alíquota de 15%, cerca de R$54 bilhões por ano. Quer dizer, um pouquinho mais do que foi o repatriamento, em torno do qual fizeram uma festa, mas que foi uma vez só - agora estão tentando o outro.
R
Quero agradecer a todos que mandaram suas perguntas e considerações.
Eu queria passar, rapidinho - infelizmente nós vamos ter que fazer cinco minutos para a Profª Vanessa e cinco minutos para o Prof. Eduardo pelo adiantado da hora -, para as considerações finais.
A SRª VANESSA PETRELLI CORRÊA - Bom, em primeiro lugar, mais uma vez quero agradecer à Senadora Gleisi e ao Senador Lindbergh pelo convite e colocar também a nossa preocupação por este momento em que o País vive.
Eu diria que, desde a Constituição de 1988, é o momento mais preocupante, mesmo considerando períodos de governos liberais. Acho que este é o período mais preocupante, porque, realmente, ataca frontalmente a Constituição de 1988. E quero, mais uma vez, colocar a importância de analisarmos efetivamente os problemas reais do País e não o fato de que uma dívida alta é a responsável pelas mazelas do País, que a dívida alta é resultado de um resultado primário negativo em 2014/2015. Acho que a questão é muito mais complexa, mas não está sendo discutida pelo País. E o papel do Estado, na retomada do crescimento, é um fator fundamental.
Encerrando e retomando aqui questões que foram colocadas: não é a fada da credibilidade que vai trazer de volta o crescimento. Inclusive, elementos de credibilidade já estão aparecendo no mercado sem que tenha havido qualquer retomada. É contrafactual, é a questão das novas verdades sem dados efetivos.
Por fim, só quero pedir a vocês um outro elemento. Quem for ver a apresentação atente para um gráfico que coloquei aqui: eu tenho um dado errado, que é o total das transferências correntes do Município de Uberlândia; não é R$1,72 bilhão, mas R$890 mil reais - senão vão olhar e vão ver que o gráfico está errado.
Muito obrigada. Acho que essas discussões são fundamentais para registrar minimamente a nossa crítica a esse momento crucial da economia brasileira.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Profª Vanessa.
Professor Eduardo.
O SR. EDUARDO FAGNANI - Eu só queria agradecer a oportunidade, senti-me muito honrado em estar aqui.
Queria dizer que tenho a mesma preocupação que a Senadora Hoffmann e o Senador Lindbergh, quer dizer, acho que nós estamos vivendo um período muito difícil. Eu creio, como eu já disse, que o período 2016/2018 é uma oportunidade para que os detentores da riqueza e as elites políticas e econômicas consigam implantar um projeto ultraconservador, ultraliberal, no Brasil. Eu queria lembrar que isso vem sendo tentado há mais de 40 anos, existem vários episódios que demonstram isso. Agora eles têm uma oportunidade de fazer isso. Esse projeto não passou pelo voto popular e sempre que foi submetido ao voto popular foi derrotado.
Então, o que cabe a nós, pesquisadores, professores, movimentos sociais, sindicatos e Parlamentares do nosso campo, é fazer a resistência. Acho que o Parlamento é um lugar importante para essa resistência.
R
Eu acredito que nós já estamos nos preparando para outra luta que vai acontecer em 2017: a reforma da Previdência. Também vamos ter a reforma tributária, Senadora Gleisi, e a reforma trabalhista. Então, são muitas as frentes, e acho que a nossa tarefa, neste momento, é resistir. O Parlamento cumpre um papel importante.
Parabenizo vocês pelo trabalho e agradeço muito o convite para estar aqui nesta noite.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu também queria agradecer ao Prof. Eduardo, à Profª Vanessa. Nós tivemos verdadeiras aulas aqui por parte desses dois professores, com explicações muito didáticas para este que é um tema complexo e difícil.
Quando o Governo lançou essa PEC, ainda na Câmara ele veio dizendo que era igual à casa da gente, ou seja, sugeriu que uma dona de casa poderia dar conta da complexidade da gestão econômica de um país. Então eu disse que esse tipo de discurso pega na população, porque a população entende isso de forma mais fácil. E, no início, realmente, ficou muito forte. Assim, nós começamos a fazer uma ação aqui para, pelo menos, tentar explicar um pouco e informar a população a respeito. E isso com muita dificuldade, porque o Governo não veio para o debate; o Governo não deixou que se fizessem discussões mais profundas e estabeleceu um calendário muito restrito para a PEC. Isso tudo impediu que a gente chegasse mais às pessoas. Porém, ainda assim, nós conseguimos, com esse esforço da Bancada de Oposição aqui, nas audiências na CAE, na Comissão de Direitos Humanos, na Comissão de Educação, levar um pouco mais de informação para a população, para os servidores públicos, para os sindicatos, e o pessoal se mobilizou. Então, as pessoas estão sabendo um pouco o que significa essa PEC.
Agora, não tenho dúvidas de que, se o Governo não estivesse nessa enrascada que está agora, com a situação do Presidente sendo envolvido por seu ex-Ministro, na terça-feira, eles estariam tratorando. Eu acho que, agora, terão dificuldades, porque como explicar para o Brasil que um Presidente tão frágil, um Governo tão frágil, vai ter força para fazer um pacote dessa natureza? E eles não têm legitimidade para isso, porque isso não passou pelas urnas, não houve discussão com o povo. Eles sequer permitem que a gente faça um referendum, mas sobem à tribuna para dizer que o povo brasileiro apoia as medidas. Se o povo brasileiro apoia as medidas, então façamos o referendum. É fácil! Aí, se o povo quiser essas medidas, está o.k, vamos encaminhá-las.
Eu queria agradecer muito, muito mesmo, e dizer que também acho que teremos outras frentes de desmonte além da reforma da Previdência e da reforma trabalhista - nós estamos com um projeto de terceirização na pauta. A pauta aqui está pesada. Parece que eles querem resolver tudo, e muito rápido. Então, o que nos cabe é fazer a resistência e o alerta à população, fazendo a mobilizações.
Agradeço muito aos convidados e agradeço também a quem está nos ouvindo pela Rádio Senado e a quem está nos assistindo pela TV Senado, acompanhando esta audiência.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 19 horas e 45 minutos, a reunião é encerrada às 21 horas e 51 minutos.)