30/11/2016 - 51ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Um bom dia a cada uma e a cada um. Havendo número regimental, declaro aberta a 51ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
Esta reunião atende aos Requerimentos nºs 75, 83 e 84, de 2016, de minha autoria e de autoria dos Senadores Romário, Hélio José e Fátima Bezerra, para realização de audiência pública destinada a debater propostas de aperfeiçoamento e inovação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Dando início à audiência, solicito ao Secretário da Comissão que acompanhe os convidados para que tomem assento à mesa.
São nossos convidados: Marcelo Lúcio Ottoni de Castro, Consultor Legislativo do Senado Federal; João Batista Araújo e Oliveira, Presidente do Instituto Alfa e Beto; Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira, Secretária de Estado da Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás, que ainda não está presente; Carlos Sávio Teixeira e Ademir Almagro.
Agradecemos aos convidados.
Informo que esta audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão, através do Alô Senado, cujo telefone é 0800-612211, e do e-Cidadania, por meio do portal www.senado.gov.br/ecidadania, que transmitirão, ao vivo, a presente reunião e possibilitarão o recebimento de perguntas e comentários aos expositores através da internet.
Esta é a segunda audiência que fazemos com o objetivo de debater propostas de aperfeiçoamento e inovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que este ano completa 20 anos.
A proposta de metodologia para o debate na reunião foi elaborada pelo Prof. João Batista Araújo e Oliveira, a quem agradeço, que atuará na função de coordenador dos trabalhos. O objetivo é estabelecer uma dinâmica que permita oferecer propostas de aperfeiçoamento sobre a educação, em especial, obviamente, na LDB.
O formato de audiência, com perguntas sobre as quais os participantes deverão debater, permite liberdade a todos os quatro. Entretanto, eu tenho trabalhado com outras pessoas a ideia de tentarmos responder a algumas perguntas, como, por exemplo:
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1. Em que aspecto atual LDB contribuiu para promover avanços na educação dos últimos anos? Que avanços podemos dizer que se devem à LDB.
2. Como pensar no marco legal que evite, considere ou supere a condição na qual se debate um projeto de lei? Nesse contexto, seria possível pensar um projeto nacional para a educação? Essa é uma pergunta fundamental. Como contemplar as diferentes pressões e contrapressões? Inclusive, se não é melhor não ter lei também é uma pergunta que pode passar e justifica pensar, ou uma lei restrita.
3. A LDB atual foi alvo de mais de 20 emendas e há mais de 300 projetos em andamento com emendas adicionais. Que característica deveria ter um marco legal para a educação que assegure o melhor interesse do aluno, crie espaço para assegurar e promover mudanças sem necessidade de emendas a cada período? A ideia aqui é para falarmos nas grandes linhas ou temas que o marco legal deveria contemplar. Isso fundamental. Que grandes eixos o marco legal da educação deveria contemplar?
Vamos ter reuniões no formato que cada reunião terá três perguntas, que serão respondidas e debatidas pelos participantes, o coordenador fará a mesma pergunta para os participantes; depois, na resposta, o coordenador estimula um debate entre os participantes. Ao mesmo tempo, faremos, eu e o João Batista, uma pequena síntese do que foi discutido ao longo desta manhã.
Eu não gosto de cortar a palavra, até porque vocês vieram aqui para serem escutados, nós viemos aqui para ouvir. Mas vamos ter um relógio que aos 15 minutos avisa. Se for preciso continuar, não se inibam. Continuem, obviamente, dentro de um certo limite que permita que, em uma certa hora, possamos ter concluído os trabalhos.
Eu vou passar na ordem em que eu chamei.
Antes de passar a palavra para cada um na ordem, vou passar a palavra ao João Batista, que tem nos auxiliado a refletir sobre essas audiências relacionadas à LDB, como homenagem aos 20 anos, também como análise dos 20 anos e também como proposta alternativa para os próximos 100 anos, vamos dizer assim.
Prof. João Batista.
O SR. JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA - Muito obrigado, Senador.
A ideia desta Mesa é ter um formato diferente do que é usual em audiências públicas, o Senador concordou e os participantes receberam a informação. Então, a ideia é de que a cada pergunta cada um tenha 5 minutos para responder. Então, são três rodadas de 15 minutos em função das três perguntas. Cada um vai tentar se manter dentro do tempo para que todos os itens possam ser contemplados.
Então, o primeiro bloco de perguntas tem a ver com a LDB atual e com a inquietação do Senador. A inquietação genérica que ele acabou de falar é esta: temos uma lei, temos um punhado de mudanças em 20 anos, temos um punhado de pedidos de mudanças que ainda não foram examinados e temos o mundo que muda com muita celeridade. Então a ideia é: precisa haver lei? Pode haver lei? Como é que deve ser o contorno da lei? Para responder essas perguntas, a análise é a seguinte. O que essa lei atual, de 1997, permitiu que a lei antiga não teria permitido? Por que ela foi necessária? Por que essas emendas foram necessárias? O que elas dizem? O que a gente pode aprender disso?
Passo a palavra ao Prof. Ademir para a primeira rodada de 5 minutos.
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O SR. ADEMIR ALMAGRO - Bom dia a todos. Quero inicialmente saudar o nobre Senador Cristovam Buarque e, nesta saudação, estendo também os meus cumprimentos a todas as autoridades presentes e aos companheiros de Mesa.
Em relação à LDB de 1996, eu destaco vários avanços. O Brasil realmente melhorou na educação nesse sentido, apesar de estar muito longe do ideal.
Destaco, por exemplo, o aumento no gasto com a educação. União, Estados, Distrito Federal e Municípios se viram obrigados a investir mais em educação. Isso trouxe reflexos na sala de aula - volto a lembrar, longe do ideal, mas foi um avanço.
Destaco também outro avanço, que foi a necessidade de os professores dos anos iniciais e do ensino fundamental, também chamado de Fundamental 1, procurarem um curso universitário, um curso superior. Até então não havia essa necessidade. É um avanço, acontece diferença em sala de aula, a educação está melhorando - longe do ideal, mas é um passo.
Destaco também uma outra grande mudança, acredito eu, a grande novidade da LDB: determinar que a União faça avaliações para analisar o rendimento da educação. Acredito eu que aí nós temos uma grande chance de fazer a educação melhorar mais e num ritmo mais rápido também. Acredito eu que essa avaliação especial que nós já possuímos, chamada Prova Brasil, que gera o Ideb, é uma grande reflexão que se faz. Se as escolas analisarem os números e pensarem esses números como fator de estratégia, como necessidade de mudança, se analisarem onde temos problemas no sistema de ensino e aprendizado e fizerem essas mudanças - lógico, respeitando suas realidades -, a educação muda, e muito.
Para finalizar, ainda vejo mais um avanço, que é incluir a educação infantil nesse contexto de educação básica. É fundamental essa evolução.
O Brasil passa por grandes leis que melhoram a educação, mas não podemos parar por aí. Então se faz necessária uma reunião como esta. A educação precisa ser repensada a cada dia, para que se produza a educação que o Brasil merece.
Obrigado.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito bem. Muito obrigado.
Teria algum comentário sobre a segunda pergunta, quer dizer, sobre por que foi necessário haver tantas alterações nesse período?
O SR. ADEMIR ALMAGRO - Acho que a educação no Brasil, historicamente - me posiciono como professor de História -, nunca foi levada muito a sério, ela foi mais de improvisos. Até que, recentemente, se descobriu que o Brasil precisava mudar. E a mudança imediata é pela educação, é o setor nevrálgico de uma sociedade. E lembro que isso vem à tona, em especial, com os números que nós conseguimos colher, não só com a Prova Brasil, mas também com a prova internacional, chamada Pisa, na qual - perdoem-me a redundância - o Brasil tomou uma pisa. Sempre assim. Foi aí que acordamos, foi aí que decidimos trabalhar a educação de forma mais séria.
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Porém, a educação é muito grande. O sistema educacional do Brasil é monstruoso. Então, tivemos uma LDB feita com grandes avanços, porém ela precisa passar por ajustes. Estamos tentando correr atrás de praticamente 400, 500 anos de atraso. Não é fácil, mas é necessário e, eu diria, urgente.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito obrigado. Prof. Carlos Sávio.
Como as perguntas são as mesmas, não preciso repeti-las, correto?
O SR. CARLOS SÁVIO G. TEIXEIRA - Correto.
Bom dia a todos. Agradeço ao Senador Cristovam Buarque e à Comissão pelo convite para integrar esta audiência pública. Saúdo meus colegas de Mesa.
Quero iniciar dizendo que a LDB, de fato, foi um marco na medida em que teve o mérito de definir divisões de competências de suas atribuições. Ao longo desses 20 anos, entretanto, ela sofreu mudanças que, no conjunto, não tiveram o condão de tocar no aspecto central do problema estrutural da educação brasileira, que diz respeito a uma das duas mais importantes chagas do Brasil.
A primeira chaga é a desigualdade social. O Brasil é uma sociedade moderna, contemporânea, mas desigual em seu tipo. Os Estados Unidos são a mais desigual entre as nações desenvolvidas e o Brasil é a mais desigual entra as nações em desenvolvimento.
A segunda chaga diz respeito diretamente ao problema da educação, que é a desigualdade regional brasileira. Ela só pode ser enfrentada, de forma estrutural, com a discussão profunda - e a LDB, nesses últimos 20 anos, não foi capaz de ser reformada nesse sentido - sobre questão federativa. Essa questão nem sequer é compreendida no debate educacional brasileiro no sentido em que outras questões são compreendidas, como financiamento e gestão. Essa incompreensão é, na verdade, a causa principal da deficiência da educação brasileira ao longo desses 20 anos de predomínio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Eu diria que essa circunstância de completa ausência de um debate sistemático e profundo sobre a dimensão federativa e a construção de um sistema nacional de educação que seja capaz de enfrentar o grave problema da desigualdade federativa se ilustra na presença, dentro do debate, de um conjunto de propostas que, sob alguns aspectos são meritórias, mas que não têm a capacidade de integrar uma visão sistêmica sobre o problema da educação. Eu diria que, na hierarquia dos problemas graves do sistema educacional brasileiro, no topo, está o problema federativo. E, ao longo desses 20 anos, apenas duas mudanças pontuais na LDB tocaram nesse ponto, uma em 2003, outra em 2009. Isso mostra, portanto, a gravidade não da situação - é calamitosa -, mas do debate sobre a educação brasileira. Eu diria que há uma correspondência entre estas duas dimensões: a dimensão fática e a dimensão intelectual.
É chocante assistirmos, diante da desigualdade da Federação brasileira, à ausência de debate sério e sistemático em torno dessa questão.
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Nos últimos 20 anos, nós tivemos dois governos progressistas no Brasil - o governo do PSDB e o governo do PT -, de partidos que se apresentam como modernizadores, que sequer olharam, de forma precisa, para essa temática.
Então, para exemplificação disso, eu vou lembrar aqui duas ideias marcantes ao longo desses últimos anos a respeito da educação brasileira. Em 2010, o Senador da República José Serra, então candidato à Presidência da República, apresentou, como a sua principal proposta para a educação brasileira, a colocação de dois professores dentro da sala de aula. Além do caráter um tanto aberrante da proposta, se você colocar dois ou dez professores ruins dentro da sala de aula, você não consegue resolver absolutamente nada.
De outro lado, o ex-Ministro Janine Ribeiro, uma pessoa séria e bem-intencionada, no curto espaço de tempo em que foi Ministro, tinha, como mote principal, a discussão de uma justaposição entre educação e cultura. Assim, se o aluno vai aprender violão, se ele vai aprender piano... Ótimo! Isso tudo é muito importante, mas tem uma questão anterior: o aluno brasileiro não sabe fazer contas, não sabe escrever e ler. Então, cultura vem depois. Nós temos que resolver a questão básica, fundamental, que é ensinar. E como é que se faz isso com Estados e Municípios incapacitados? Discutindo a questão federativa.
Então, há uma hierarquia. Eu acho que a questão central que esses 20 anos de LDB mostram no debate educacional brasileiro é o erro crasso de foco na hierarquia do diagnóstico e nas terapias propostas.
Então, nesse sentido, eu fico satisfeito porque o Senador Cristovam Buarque seja um dos que, juntamente com outras poucas vozes, tem levantado a bandeira da discussão séria da questão federativa na educação brasileira. Eu diria que essa é a questão número zero - zero! - do debate sobre a educação brasileira. Claro que há um conjunto de outras questões que também são importantes, mas, sem o equacionamento da desigualdade regional brasileira na educação, nós não avançaremos, e todas as outras propostas que forem feitas e encaminhadas ficarão prejudicadas no seu alcance.
Então, para responder a primeira questão, esta, a minha contribuição.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA (Fora do microfone.) - Obrigado.
Prof. Marcelo.
O SR. MARCELO LUCIO OTTONI DE CASTRO - Bom dia a todos!
Saúdo os componentes da Mesa e agradeço o convite da Comissão de Educação, particularmente ao Senador Cristovam.
Os colegas que me precederam foram muito felizes em apontar os avanços e os problemas que já estão presentes na LDB. Eu gostaria de destacar aqui que houve um esforço muito grande, durante a tramitação da lei, para definir com mais precisão as competências entre os níveis de governo. Era um esforço do Senador Darcy Ribeiro e de outros relatores também; porém, houve muita dificuldade por conta dos marcos constitucionais que criavam alguns impedimentos para as tentativas de se querer definir melhor quem faz o que, inclusive o dispositivo que prevê a colaboração entre os níveis de governo.
A medida não está regulamentada. A LDB tentou regulamentar, mas a tudo que se fazia logo vinha um questionamento dizendo "é inconstitucional; não pode, não pode". Então, a LDB ficou aquém daquilo que se gostaria a esse respeito. Mas não deixou de avançar um pouco. Há artigos dizendo: a União tem essa competência, os Estados têm essa competência, e os Municípios. Significou um avanço, mas ainda há uma limitação muito séria.
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Um aspecto importante que foi ressaltado pelo Prof. Almagro é a respeito da educação infantil. A primeira infância era assistência social, e ela foi tirada de lá e colocada na educação. Isso foi um avanço muito importante.
Também quero destacar aqui a respeito de recursos financeiros. A ideia de transparência na gestão dos recursos apareceu na LDB, embora com princípios gerais, afinal de contas é uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação. E creio que foram muito importantes os artigos que definiram aquilo que são despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino - inclusive aquilo que não são despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino. É curioso que a lei tenha que dizer o que não é; bastaria dizer o que é. Mas a preocupação do legislador foi tão grande em relação a isso, que vieram dois artigos a respeito. Isso foi um avanço importante.
Eu queria lembrar aqui que já apareceu na LDB um princípio que é o de Custo Mínimo do Aluno, referenciado por um padrão de qualidade. Isto está na LDB, nunca foi regulamentado. Dezoito anos depois, o PNE cria o Caq, o custo aluno ligado à qualidade. Até agora também não vejo sinais de regulamentação. Então, aí são vinte anos em que temos um princípio importante que não é regulamentado. Mas a LDB já se preocupou com esse assunto.
E é interessante notar que, dos nove títulos da LDB, apenas dois não foram modificados, o art. 1º, de abertura de um artigozinho, e o título que trata de recursos financeiros. E o curioso é que, durante esse período, o País passou por mudanças no financiamento da educação com a criação do Fundef e do Fundeb. Mas a LDB não sofreu alterações. Por quê? Em linhas gerais, o essencial está ali, mas em linhas gerais. E, de certa maneira, o legislador reconheceu isso não propondo alterações nesse título.
Eu acho importante também destacar alguns assuntos que entraram na LDB e que antes também eram pouco tratados na legislação educacional, como educação a distância, educação indígena, educação especial. São conquistas que surgiram lá na Câmara dos Deputados, no início da tramitação, que foram aperfeiçoados ao longo da tramitação e representaram avanços, embora com os condicionamentos da época. Por exemplo, a educação especial fala em portador de necessidades especiais. Quer dizer, é uma terminologia que, hoje em dia, é um pouco cômica - ninguém porta necessidade especial. No entanto, já houve um aperfeiçoamento. Houve agora, em 2013, a aprovação de uma lei que a atualizou. Então, é isso. A legislação foi avançada, mesmo que a terminologia tenha escorregado. Mas houve a possibilidade de avanços, de melhoria, de aperfeiçoamento. Este é um exemplo de aperfeiçoamento.
Em suma, a LDB consolidou conquistas que surgiram no processo constituinte a respeito de direitos educacionais. Ela tratou desse assunto. Muitos desses direitos até hoje ainda o País não consegue cumprir, mas ela avançou nesse aspecto, e nisso eu acho que ela merece a consideração de todos.
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O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Bom, eu fico feliz por ter funcionado bem o nosso esquema combinado. Eu tinha alguma apreensão. Muito obrigado a todos pela disciplina.
Acho que falta mais polêmica do que o Senador e eu gostaríamos de ver neste debate. Então, passo a palavra para o Senador colocar um pouco de pimenta nessa sopa. Depois, se precisar, aumento o tempero.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu vou colocar pimenta não pelo gosto da pimenta, mas pela necessidade, a meu ver, de colocar tempero nesse debate de muito tempo.
Vocês não acham que o nosso debate sobre educação está muito preso à questão de recursos? Eu nunca vi, por exemplo, em um debate, dizerem: "O que dá para a gente fazer com o dinheiro que a gente gasta hoje na educação, pouco mais de R$6 mil por aluno?" Eu calculo que a gente precisa de R$10 mil para ter uma boa educação, mas por que a gente não debate o que dá para se fazer com os atuais R$6 mil? Onde há vazamentos, por que o dinheiro que a gente está gastando não chega à cabeça da criança? Ou não tem nenhum? Eu já listei um grande número de vazamentos. Se houver tempo aqui a gente pode discutir.
O Prof. Ademir falou que um dos indicativos da melhoria é gastar mais. Eu não sei. Uma pergunta: a LDB, que eu me lembre, não prevê recursos, ela não toca nisso. Isso veio na Constituição, tanto logo, com João Calmon, e, depois, na Constituição de 1988, que aumenta, se não me engano, de 13% para 18%. Além disso, gastar mais não deveria ser um indicador de qualidade. Indicador de qualidade é a posição no Pisa. Essa é uma pergunta.
Outra coisa é a avaliação. Essa seria uma dúvida, é um efeito imediato: como a gente teria um sistema de avaliação contínua, quase dia a dia? Eu não estou nem falando do aluno, do professor, também deles, mas falo dos resultados. Será que a gente não deveria ter um sistema para avaliar continuamente, em vez de, a cada ano, a gente fazer uma avaliação, quando todo mundo se escandaliza, se horroriza, alguns Senadores e Deputados fazem um discurso e, pronto, tudo bem?
Quanto ao Carlos Sávio, sobre o federalismo, eu sou um dos que discuto isso, mas em um viés bem diferente. Aí tenho uma pergunta: o que é mais importante para o Brasil: respeitar a diversidade dos Estados e Municípios ou respeitar o direito a uma escola igual para cada criança brasileira, não importa onde nasceu? A gente sacrifica a diversidade para beneficiar o aluno ou a gente sacrifica o aluno para respeitar a diversidade? Essa é uma pergunta. Eu já fiz minha opção: eu acho que cada criança, quando nasce no Brasil, só deveria saber que é pernambucana como eu aos 18 anos. Até lá: "Esse menino é brasileiro, esse menino é brasileiro, esse menino é brasileiro." Aos 18 anos, a gente faz uma festa e diz: ele é pernambucano também e vai ser motivo de muito orgulho. Nasceu? É brasileiro! Desmunicipalizar a criança, acho que essa é a batalha fundamental. E eu estou usando até uma expressão que a Presidente do Chile tem usado: desmunicipalização da educação.
Quanto ao Marcelo Ottoni, aí, sim, é um avanço - aliás, o Ademar falou isso também -:colocar a educação infantil no marco do sistema educacional.
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Agora, fica esta preocupação: o custo como grau de avanço. Para mim, não é avanço gastar mais. É como se uma pessoa doente comemorasse que está gastando mais dinheiro com remédio. Eu nunca vi alguém comemorar que está gastando mais dinheiro com remédio. Você comemora que está com menos dor de cabeça, que o tumor está regredindo, mas não por gastar mais.
Então, fica aqui a ideia que eu falei, mas que eu pensei na hora em que o Marcelo falou, que é este exercício, o que dá para fazer com o dinheiro que a gente gasta hoje.
Para concluir, eu queria dizer o seguinte: nós estamos vendo muitas manifestações, inclusive ocupação de escolas. Eu não vi uma faixa nessas manifestações pedindo horário integral. Eu não vi uma faixa pedindo um movimento pela erradicação do analfabetismo. Eu não vi uma faixa dizendo que o filho do pobre no Brasil deve ter o mesmo direito para uma escola de qualidade que o filho do rico. Eu não vi uma faixa dizendo que a pedagogia moderna tem que usar os modernos equipamentos que estão à disposição, como televisão e computador. Eu não vi faixas reivindicando coisas concretas, apenas reivindicando não aprovar a PEC 55 em nome de ter mais recursos. Inclusive ninguém nem tem clareza de que vai reduzir recursos, porque a PEC não diz que vai sair dinheiro da educação. Diz que ninguém vai gastar mais no total. Pode aumentar para educação diminuindo em outro lugar. Estava na hora de também ter faixa dizendo: "Vamos reduzir os gastos em construção de prédios de luxo!", em que o setor público brasileiro, especialmente Legislativo e Judiciário, gasta tanto. Mas não se vê.
Então, essas são as preocupações com que eu fiquei.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito bem. Vamos pela ordem.
Prof. Ademir
O SR. ADEMIR ALMAGRO - Em primeiro lugar, falou sobre...
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - O senhor poderia repetir a pergunta para poder ajudar.
O SR. ADEMIR ALMAGRO - Sim, a do gasto, não é?
Em primeiro lugar, temos que analisar que na educação nós não temos gastos, temos investimentos.
Em segundo lugar, para quem está na UTI, e a escola pública está na UTI, os poucos remédios que chegam são bem-vindos. A situação na sala de aula é de calamidade. Eu falo porque estou lá. Eu sinto isso, posso dar meu testemunho. Quando aumentou o gasto em investimento, na verdade, aumentou o pouco que chega lá.
Como o senhor mesmo disse, nobre Senador, infelizmente, é um dinheiro enorme, mas eu garanto que não chega esse dinheiro na sala de aula.
Então, quando aumentou o índice, aumentou a pequena porcentagem que chega na sala de aula. E isso fez uma pequena diferença. Se fosse todo o dinheiro canalizado exclusivamente para aquilo que é pedagógico, aquilo que realmente faz a educação funcionar, não necessitaria desse aumento, eu concordo com o senhor. Mas na estrutura que nós temos hoje é impossível. Hoje, se fosse para citar números, eu citaria 50% de investimento; para chegar na escola, 3%. E, olha, eu estou sendo otimista. Eu conheço escola de 1,1 mil alunos que tem 5 funcionários. É impossível controlar uma escola dessa forma, contando merenda, inspetor, quem fica no portão, limpeza - 24 salas de aula para 5 pessoas limparem, de um turno para o outro; são 45 minutos para você entregar uma sala com dignidade para o próximo aluno estudar.
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Então o problema, eu concordo com senhor, não é o dinheiro, pois o dinheiro seria suficiente, uma vez que, como não costuma acontecer, então esse aumento foi bem-vindo. A escola pública está na UTI, e esse pouquinho a mais de medicamento fez com que a escola respirasse um pouquinho melhor, e eu diria até que deu uma sobrevida.
Com relação à avaliação, esta que é diagnóstica, eu acho que é a grande solução do Brasil no sentido educacional, desde que possa ser sabiamente utilizada. O grande problema da LDB - citei somente os avanços, mas quero falar também dos entraves -, um deles, é que a lei não determina aquilo que deve acontecer no real, não há parâmetros para se avaliar exatamente o que está acontecendo. Vou pegar o exemplo maravilhoso da Prova Brasil. É uma prova inteligente, moderna, que nos traz um resultado. Porém, o resultado chega muito tarde, pois somente no ano que vem terei o resultado deste ano. O que eu faço com a turma que não aprendeu? Volta todo mundo, vamos devolver todos os alunos ao ano anterior porque eles não conseguiram consolidar aquele conhecimento? Não resolve.
Então, vou citar a minha realidade. Eu venho de uma cidade que tem um índice muito bom. O Ideb de Novo Horizonte, realmente, é interessante - não é excepcional, mas é muito bom. Nós pegamos a ideia do Inep: nós temos a Prova Brasil aplicada toda sexta-feira, é uma prova semanal. Nós estudamos a Prova Brasil, todos os descritores, o que não é fácil, pois o Governo criou uma ideia de avaliação maravilhosa, mas só esqueceu de ensinar professores e alunos a fazer essa prova, a trabalhar para ela. Então, cria-se um modelo perfeito numa estrutura que não está adaptada para isso. Nós levamos dois anos estudando os descritores da Prova Brasil para entender como funciona e, assim, passar para os alunos para que eles pudessem jogar sabendo a regra do jogo. Na sexta-feira, na primeira aula em cada turno ocorre o simulado, português e matemática, com dez questões cada. No mesmo dia já sai o resultado. Na segunda-feira, à noite, temos uma reunião semanal, chamada HTPC (Hora e Trabalho Pedagógico Coletivo), em que nós debatemos os números que foram colhidos na sexta-feira. O problema identificado na semana não dura 15 dias: na terça-feira, já está solucionado. Nós identificamos a febre e atacamos a infecção, mas é porque nós temos dados, trabalhamos esses dados e trabalhamos no sentido da correção. Todavia, o modelo que foi criado no Brasil é muito bonito, mas não funciona. Exatamente porque não existe o direcionamento.
Vou dar outro exemplo: a LDB diz que é dever de cada sistema correr atrás, de acordo com a sua realidade, para encontrar o número ideal de aluno por professor. O critério é um só: é econômico. Se é para economizar, coloca-se 50 alunos. Eu dei aula para 56 alunos numa sala: não cabia, não tinha como; espremido na porta, não tinha como escrever na lousa. Isso foi no ensino médio, 2º colegial.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Fora do microfone.) - Que a idade?
O SR. ADEMIR ALMAGRO - Dezesseis anos.
Só para finalizar: qual é o problema de toda a educação que eu vejo? Nós estamos trabalhando com o emergencial, com a UTI. E nós precisamos também pensar com o estrutural. E a LDB está perdida no meio. Ela está tentando agir no emergencial, mas não conseguiu; e também, no estrutural, e não conseguiu. Então, existem avanços pontuais, porém não é a solução.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito obrigado. Estamos registrando aqui as contribuições magníficas.
Professor Carlos Sávio, o desafio aí é do federalismo. Perguntas muito simples.
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O SR. CARLOS SÁVIO G. TEIXEIRA - Perfeito. Eu acho que, primeiro, o direito de o aluno aprender é muito mais importante do que o direito dos professores, o direito dos gestores, governadores, prefeitos, secretários. Tem que ter uma hierarquia, tem que ter clareza sobre isso, que nós não temos no debate brasileiro.
Professores têm direitos, gestores têm direitos, os Estados com sua cultura, sua diversidade. Isso é importante, mas é menos importante do que o direito de o aluno brasileiro aprender. E esse direito é sistematicamente violado no Brasil. Esse é o ponto.
Então, Senador, nesse ponto eu discordo que essa questão colocada pelo senhor seja relevante para nós avançarmos no encaminhamento do problema estrutural da desigualdade regional.
O federalismo brasileiro foi copiado dos Estados Unidos pelos nossos Constituintes, como quase tudo nas nossas instituições são copiadas na boa crítica que já vem de antigamente, por Oliveira Viana, que cansou, ficou com calos nas mãos de denunciar o colonialismo mental dos nossos legisladores, da nossa elite pensante e política, burocrática.
Então, quanto à temática colocada pelo Senador Cristovam Buarque, que é como compatibilizar padrões nacionais de investimento e qualidade com gestão local de Estados e Municípios que sejam capazes, em alguma medida, de preservar essas identidades regionais com a observação desses padrões nacionais, eu acho necessário dois movimentos concretos nesse sentido. Um, caminharmos na direção de um federalismo cooperativo. Quer dizer, o federalismo cooperativo precisa de alguns instrumentos, requer alguns instrumentos.
A ideologia do federalismo clássico norte-americano é uma ideologia experimentalista, uma ideologia de que os entes federados possam ser uma espécie de laboratório de experiências divergentes do rumo central e que podem, por assim dizer, reorientar essa experiência geral. Isso é muito bonito, mas, para você realizar isso, precisa de uma série de dispositivos, de instrumentos que a Constituição brasileira negou ao federalismo brasileiro.
Então, nós temos que reformar ou a Constituição ou criar por meio de emenda constitucional uma espécie de instância transfederativa, um órgão que seja capaz de realizar o termo, que não é dos melhores, mas é o termo real, uma espécie de tutela emancipatória nos sistemas educacionais que caiam sistematicamente abaixo do padrão mínimo de qualidade.
É impossível falarmos em qualidade de educação sem enfrentar essa questão. Chega de lenga-lenga, entendeu? Chega de lenga-lenga. Essa é a questão. Um sistema escolar, depois de um conjunto de avaliações, cai sistematicamente abaixo do padrão mínimo - mínimo! - de qualidade, o que acontece com ele no Brasil hoje? Nada, absolutamente nada, como disse o Senador.
Senadores vêm aqui fazem discurso, Deputados fazem discurso, governadores, prefeitos reclamam, falam, e não acontece absolutamente nada. Por quê? Porque falta esse elemento, o elemento do resgate, o resgate do sistema, um sistema que não consegue a despeito de todos os esforços.
Só há uma situação, que é a paranoia brasileira, em que há intervenção: quando há corrupção, a nossa doença, a patologia brasileira. Quando tem dinheiro de corrupção, aí se tira prefeito, tira-se secretário, mas quando ele é incompetente, não, ele é mantido lá. É uma loucura! É uma loucura! É uma loucura! A loucura do patrimonialismo, a loucura da ideologia da corrupção no Brasil. A gente tem que superar isso. Quer dizer, quando o sujeito é incompetente, não tem problema, quando, é ladrão, tem problema. Claro, quando ele é ladrão, tem que ter problema, evidentemente. Mas o problema sistêmico não é a corrupção na educação brasileira, embora ele exista, o problema sistêmico é a incompetência.
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Como é que resolvemos a incompetência? O primeiro passo é a solução dessa intervenção momentânea saneadora do sistema educacional que cai repetidamente abaixo dos padrões mínimos aceitáveis. E isso é regra, nós temos que inverter essa regra. É o problema central, repito, da educação brasileira, mas isso sequer é compreendido. O drama não é que isso não tenha sido implementado por razões políticas, porque é algo controvertido. O problema é que isso sequer é debatido. É chocante!
O debate é o seguinte: gestão e financiamento. Não se olvida que há problema de gestão e que há problema de financiamento, claro, mas não adianta você melhorar a gestão, dar mais dinheiro para um sistema que estruturalmente e institucionalmente é ruim, funciona mal.
Certa vez participei de um debate com o Ministro Fernando Haddad e eu disse que eu ficava chocado com o esforço que os debatedores, os ativistas pela educação, tinham com a dimensão da quantidade e não da qualidade, entendeu? E todo mundo quer colocar a gente para dentro de um sistema que é horrível, que é ruim, e ninguém pensa em melhorar o sistema. É a ideologia abstrata da inclusão: vamos incluir gente dentro do sistema, que é muito ruim, e não se discute isso. A minha angústia está em relação a isso.
Eu acho que a questão fundamental que diz respeito, inclusive, à gestão e ao financiamento é o problema institucional relativo ao federalismo brasileiro, é essa forma, copiada dos Estados Unidos, que os nossos Constituintes, bem-intencionados, nos legaram e que nos amarra, que nos impede de enfrentar, de forma concreta, o maior desafio da educação brasileira.
O SR. MARCELO LUCIO OTTONI DE CASTRO - Eu queria fazer um comentário a respeito das considerações do Senador Cristovam.
Creio que existe, no País, uma falsa dicotomia entre equidade e diversidade. São coisas completamente diferentes, mas, infelizmente, parece-me que muitas instituições, pensadores e educadores acabam confundindo um pouco as duas coisas, tentando fazer essa oposição que é falsa, não existe.
Equidade: que os investimentos feitos nos alunos sejam semelhantes. Na Paraíba, no Pará, em Minas Gerais, eles têm que ser semelhantes, não pode haver essa disparidade. O Fundef ajudou, resolveu um pouco, o Fundeb também, mas a coisa continua.
Outra coisa também: as disparidades de investimento entre os níveis de ensino. Está gastando-se demais em alguns níveis e de menos em outros. Isso tem que ter um pouco mais de equilíbrio. É claro que cada nível de ensino tem as suas particularidades. Não vamos querer que se gaste exatamente o mesmo, não é isso, mas tem que entender que um aluno do ensino fundamental tem o mesmo valor do que um aluno da educação superior, de uma universidade pública. Que a universidade pública seja mais cara, é claro, vamos entender que se gaste, se invista mais lá, mas essa disparidade que existe hoje em dia é bastante complicada.
Equidade significa também que os professores tenham a mesma formação, sejam bem qualificados, seja um professor de uma grande capital ou do interior de um Estado do Norte ou do Sul, que ele tenha a oportunidade de requalificação e treinamento em serviço, e também uma base curricular comum. Estamos falando em equidade.
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Agora, o que é diversidade? Diversidade é respeito às diferenças culturais. É permitir que, por exemplo, cada unidade federada tenha uma parte curricular a respeito de suas características para ensinar a sua história, as suas tradições culturais, coisas dessa natureza. É permitir que, por exemplo, em um Estado haja um calendário diferenciado, porque ali a economia tem uma particularidade. Isso é diversidade. Então, não creio que se possa fazer essa dicotomia.
O outro aspecto que gostaria de ressaltar aqui é o que vou chamar de síndrome da quantidade, que o Prof. Carlos Sávio mencionou também. É um problema sério no País, de maneira geral, e, em particular, na educação. O ensino médio está mal. Solução: aumentar a carga horária. Se a escola está ruim e aumenta a carga horária, a aversão do aluno à escola vai aumentar. Quer dizer, que desastre ter que ficar mais tempo, ter que ir à tarde a essa escola ruim. Isso é péssimo! Não que eu seja contra o ensino integral, que se expanda o tempo escolar. Não é isso. É o seguinte: você tem que melhorar a qualidade para, à medida que isso vai sendo detectado, identificados os sistemas confiáveis de avaliação, aí sim, pensar em ampliar.
Outra coisa é também já pensar em uma educação integral para certos segmentos da população, aqueles que, por exemplo, têm menos oportunidades. Aí você já pensa: vamos ter uma educação na escola com disciplinas e laboratórios de manhã, e, de tarde, outras oportunidades, como artes e esportes. Quer dizer, é um tratamento especial para parte da população que chamaríamos aqui de mais vulnerável. Mas falar, indiscriminadamente, em aumentar a carga horária é complicado. Aí entra na questão do financiamento. A educação vai mal, aumentar os investimentos simplesmente. Eu acho que é necessário, mas aumentar por aumentar não vai adiantar nada. Acho que vai cair mais coisa pelo ralo. Você pode fazer uma programação de aumento dos investimentos, mas exatamente tentando conter esses ralos, tentando criar gestões mais racionais. Então, acho que as duas coisas também podem ser conciliadas.
Então, temos problemas na educação brasileira, como esses, que precisam ser resolvidos, que são essenciais, porque, senão, vamos continuar sempre pensando em aumentar um ano a mais no ensino fundamental. Por quê?
São problemas. Vamos pensar na quantidade, já que não conseguimos resolver a qualidade. Acho que é um problema que é necessário se resolver imediatamente.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito bem. Eu queria concluir esta primeira parte. Não vou falar muito, mas vou falar já pensando na segunda.
O que ouço aqui como respostas às indagações. Quer dizer, nós temos uma lei que avançou em relação à lei anterior, mas não avançou suficientemente, sobretudo, para quem mais precisa da educação, que são as pessoas mais pobres. Então, nós falhamos no essencial. Ninguém disse se isso é falha da lei ou não, mas, claramente, a lei, se não falhou, não ajudou.
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Quando nós observamos o que acontece no interregno entre hoje e os 20 anos atrás é que a gente vê que todas as tentativas de mexer na lei é dentro do espírito da própria lei. Só dois itens não foram mexidos e aí há um punhado de coisas que foram pedidas e outras trezentas e tantas que não foram pedidas que tem a ver com currículo, princípios gerais de currículo: 25 das leis estão aí para serem revistas têm a ver com o currículo; 76 novas disciplinas - que é o corporativismo ambulante; 64, com questiúnculas de normas e registros; 37, com ampliação de novos direitos - mais isso, mais aquilo, mais aquilo outro etc, idade, horário em tempo integral.
Ontem vimos, na aprovação da Lei de Ensino Médio, isto que acabou de comentar: mais carga horária, mais restrições.
O que parece, o que ouço aqui, é que a lei não está atendendo, de um lado, a certos princípios básicos que as pessoas estão dizendo, por exemplo, a questão da equidade, a questão do federalismo, quer dizer, ela não amadureceu isso a fundo. De outro lado, ela incita, estimula pelo seu formato, pela sua amplitude ou por outros condicionamentos, o detalhismo infinito. Então que aí haja um incitamento permanente a mexer. E, de um terceiro lado, ela não tem limites. Quer dizer, ela não se autolimita e, como o instrumento de trabalho do legislador é fazer lei, não é outro, a coisa fica em aberto e cria um círculo que entendo como vicioso.
Isso então, se está correto o que estou ouvindo, se casa com algumas outras coisas que, de formas diferentes, os nossos três debatedores aqui apresentaram como questões centrais - essas questões centrais talvez sejam as que a lei deva tratar - e a questão a ver com a forma. Um tema recorrente é a questão do financiamento, que todos praticamente mencionaram, inclusive o Senador. Uma questão que apareceu é a do currículo, tanto na sua dimensão nacional, como na sua dimensão local. Outro tema é a questão de magistério: que professor? Qual professor? O mesmo professor? Outra questão é a da avaliação.
Ora, o que são essas questões? A meu ver, são as questões que se chamam as grandes instituições que conformam a educação. Então, parece que a lei é omissa ou falha naquilo que ela deveria ter e ela é abundante naquilo que não deveria ter, e, com isso, se distrai a atenção das pessoas.
Nessa segunda parte do nosso debate - e agradeço e espero que tenhamos a mesma disciplina que tivemos para a primeira -, a questão é uma que está desdobrada em duas. A questão central é quais são marcos, quais são os nomes dos grandes capítulos que uma boa lei para promover o que todos queremos, que é a promoção da igualdade e o bem do aluno, o que ela deveria conter? Aqui estamos falando dos artigos da lei, não é nos capítulos da lei, o que ela deveria contemplar. E uma das subperguntas, para ajudar nessa reflexão, se os debatedores pudessem trazer, é um pouco da experiência internacional.
Nós vimos, nos últimos anos e nos últimos séculos, que alguns países fizeram avanços significativos em educação e alguns deles em muito curto prazo, alguns até nos 20 anos da nossa LDB. Nós não fizemos. Então, há alguma coisa a aprender da experiência, inclusive legislativa, de outros países que nos iluminaria a pensar o que deve e talvez o que não deve conter na LDB.
Esse é o tema dessa nossa segunda parte, Prof. Ademir.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Batista, eu queria fazer pequenos comentários sobre essa segunda fase deles.
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Primeiro, em relação ao Ademir. O Prof. Ademir diz que a educação está na UTI, mas não complementou. É uma UTI dentro de um navio avariado, com a tripulação amotinada, dividida em corporações, baseada essa tripulação em conceitos falsos e no meio de um tsunami. É muito pior do que uma simples UTI.
E quanto ao Carlos, direito do aluno, isso é fundamental. Eu estava aqui pensando, você falou, imagine que Darcy Ribeiro tivesse levado dez Senadores para a cidade com o menor IDH e dissesse: "Vamos ficar aqui quinze dias para elaborar a LDB. Vamos elaborar a LDB vendo a situação dessas crianças, com recursos desse prefeito, com o preparo desses professores." Era bem provável que tivesse saído diferente.
E eu achei muito interessante quando você traz a preocupação de que a gente fala em corrupção do roubo do dinheiro, que é o comportamento do político; não fala da corrupção nas prioridades, que é o uso do dinheiro. Há duas corrupções no Brasil: o político que põe dinheiro no bolso, ou no partido, ou na campanha; e o político que põe o dinheiro em estádios em vez de escola. Na minha ótica, outros acham que estádio é melhor.
E para mim, a grande vantagem da PEC 55 é que agora ninguém vai bater palma quando se fizer estádio no lugar de escola, porque até aqui, ninguém imaginava que um tijolo que vai para um estádio não vai para a escola. A imaginação brasileira é de que você pode pegar um saco de cimento e usar para duas coisas ao mesmo tempo. Se fizer isso, é um cimento tão ralo, que o prédio cai, os dois. A PEC nº 55 vai obrigar a dizer: é para a educação que a gente quer mais dinheiro? É. Então dizer de onde é que a gente quer menos dinheiro. Onde é que a gente quer menos dinheiro? Então essa ideia da corrupção nas prioridades é boa.
Para o Marcelo, eu queria falar sobre diversidade e equidade. Eu acho que realmente há uma dicotomia hoje, porque em defesa da diversidade de uma cidade, há prefeito contra medidas nacionais de educação. Há alguns. E os sindicatos de professores, também. Eles são contra a ideia de uma responsabilização nacional, até mesmo de uma carreira nacional. Porque como você falou, professor tem que ter a mesma formação. Não adianta o dinheiro. Mas sem uma carreira nacional, os professores vão ter formação diferente de uma cidade para outra.
E aí, finalmente eu vou deixar para quando chegar a hora você responder, sobre esse negócio de carga horária. Quando a gente diz: "Não vamos botar carga horária se a escola é ruim." Aí a gente termina justificando fechar a escola porque ela é ruim. E por que a gente não pensa em botar o horário integral e fazer a escola boa? Aí não há dinheiro. Não há dinheiro para o Brasil inteiro, mas se a gente escolher alguns lugares, faz, que é a minha proposta, de a gente começar a pegar um sistema que está carcomido e criar um outro que vá substituindo aos poucos. Eu defendo que seja por cidade. Brizola, Darcy Ribeiro fizeram por escola. Aí terminou o tempo deles, acabou.
Então a minha ideia é de que para fazer realmente o salto que o João falou, que alguns países fizeram, não vai ser por dentro da escola que está aí. Vai ser algo ao lado dela. A gente vai agindo nessas que estão aí para melhorar, mas não para dar o salto. Dar o salto é outra coisa.
E aí eu creio que a medida provisória - que eu vou ter que sair daqui a pouco para votar lá - vai melhorar, mas não vai dar nenhum salto. Eu acho que podiam ter feito.
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Finalmente, para radicalizar no pessimismo, eu falei que era uma UTI num navio soçobrando, avariado, com a tripulação amotinada, dividida. Mas, às vezes, eu tenho a sensação de que nós somos políticos Jim Jones. Os mais novos não sabem, mas Jim Jones era um líder religioso que levou 700 pessoas ao suicídio na Guiana. Às vezes, eu acho que a gente está tomando veneno: veneno de corporativismo e veneno de narrativas falsas. Mentiras e corporativismo estão envenenando o Brasil. Somos Jim Jones.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Então, para nos situarmos novamente, antes de o Senador sair - creio que ele vai voltar -, quero só lembrar que, na LDB, o Darcy Ribeiro colocou o artigo 81, pelo qual ele brigou intensamente, que diz que é proibido proibir, ou seja, são abertos espaços para experimentos e inovações educacionais. Infelizmente, o MEC não deixa acontecer nada, mas, na lei, isso está estabelecido.
Bom, o nosso tema agora é o que deveria conter uma LDB, os grandes capítulos e se há alguma lição da experiência internacional.
Prof. Ademir.
O SR. ADEMIR ALMAGRO - Muito bem. Acredito que, primeiramente, a LDB precisa ser realista. Se, de repente - como o Senador já citou um exemplo -, ela fosse feita analisando a realidade da sala de aula, talvez ela fosse diferente mesmo. Uma coisa é fazer a lei, outra coisa é imaginar que ela será colocada em prática - há uma distância gigantesca.
Hoje o Brasil tem poucos exemplos, mas são belíssimos exemplos que fazem a educação funcionar. Sobral é um exemplo disso. Por que não visitar? Por que não pegar ideias que verdadeiramente deram certo? Lembrando que o que nós temos hoje, em algumas cidades que funcionam, é o emergencial. Dentro da UTI, estamos mantendo o paciente vivo. Depois, temos que pensar na parte estrutural.
Esse modelo que funciona, que atinge um Ideb de 6,8, 7, 7,2 mostra que a estrutura pode ser melhor. O Brasil não merece um Ideb de 3,8, 4,1 ou coisa parecida. Então, é possível melhorar, mas só há melhora encontrando aquilo que funciona. É aquela velha regra: o bom é o que funciona. Por que não pegar os modelos que já funcionam e colocar suas principais ideias, suas principais diretrizes na LDB? Além disso, ela precisa ser séria ao tratar da educação.
Se a educação, com professores formados, já não corresponde nem à metade do que nós imaginamos, não é possível colocar, por exemplo, profissionais com notório saber na sala de aula. Isso acontece no hospital? Isso acontece com os motoristas? "Não, com 14 anos nessa área, ele deve saber dirigir mais ou menos." Como funciona isso? Aí nós temos a comprovação de que educação está falida. Na verdade, isso é um paliativo. Se ninguém mais quer ser professor, vamos pegar quem está na esquina, vamos colocar aqui, lembrando que isso é modo de dizer. É lógico que há todo um processo para mostrar o saber, mas não é o certo.
Em vez de corrigir o erro, estamos reforçando o erro. Nós não estamos corrigindo. Esse remédio só mantém o paciente na UTI. Ele jamais vai sair de lá e vai depender de aparelhos para o resto da vida. Não é funcional.
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Eu diria até que, na minha experiência de professor - já se vão 25 anos -, no momento em que se faz a lei, as pessoas, com todo o respeito, acho que não conhecem nem o Brasil, que dirá uma sala de aula, porque elas fogem da realidade. Eles colocam palavras bonitas, não há dúvida, mas não há prática. Façam o inverso. Ouçam a sala de aula e depois montem a lei. Aí nós teremos uma lei que tem base, que tem realidade. E hoje, com a tecnologia que nós temos, não é tão difícil fazer uma pesquisa dessas, um debate, um seminário ou coisa parecida para colher informações. Caso contrário, ficaremos nessas leis bonitas mas vagas, que não correspondem à realidade.
Para finalizar a minha fala, quero destacar que a lei precisa existir. Por exemplo, nós estamos debatendo ainda a Base Nacional Comum Curricular. É preciso haver isso. Não podem engessar o sistema, mas é preciso haver lá 60% de comum acordo no Brasil. A cidade em que moro recebe muitas pessoas que vêm do Nordeste. O principal setor de trabalho lá é o corte da cana e é desumano o que acontece. O aluno muda não de cidade, não de Estado e de região. Ele muda de mundo. A desigualdade é monstruosa. Ele chega ao 7º ano com aquilo que estaria no 3º. E como é que nós socorremos isso? Como é que você olha para uma sala de 30 alunos tão heterogênea? Toda sala é heterogênea e tem que ser assim, é normal, faz parte do ser humano. Mas foge do controle. É desumano. O que estão pedindo é um milagre. Nós não sabemos fazer milagres.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito obrigado.
Professor.
O SR. CARLOS SÁVIO G. TEIXEIRA - Quanto à segunda questão, Prof. João Batista, nos últimos 20 anos de experiência internacional, eu diria que as grandes transformações em sistemas educacionais na história moderna tiveram um roteiro relativamente homogêneo. O mais importante - e que não faltou em nenhum deles - é um ideário forte, um ideário que oriente um projeto nacional e seja capaz de exercer uma mobilização, uma convergência preponderante em torno de um núcleo forte e estruturador. A direção ideológica disso é variada. Você pode encontrar várias perspectivas. Mas nenhuma das grandes transformações em sistemas educacionais, no mundo moderno e contemporâneo, aconteceram sem a presença de um ideário forte. O ideário forte tem uma vantagem adicional que diz respeito a um problema que foi colocado pelo Senador Cristovam e pelo Prof. João Batista, que é a questão das pressões e contrapressões. Quer dizer, evidentemente o ideário forte não evita, mas dirime a força do corporativismo, a força dos lobbies, a força dos interesses privatistas. Você cria uma couraça em torno dele.
Então, quando há o predomínio, como há na educação brasileira nos últimos 30 anos, de programismos, aí, meu amigo, é terreno fértil para o lobby, para o corporativismo deitarem e rolarem, que é o que nós estamos a assistir. Muitos desses programinhas que PSDB e PT levaram a cabo são meritórios, fizeram coisas boas, mas não há visão de conjunto, não há pegada estrutural. Esse é o problema. Eu vou repetir: a grande proposta de José Serra era colocar dois professores dentro da sala de aula. Mas se os professores são ruins, você pode colocar dez, quinze, piora em vez de melhorar o problema.
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O outro é o negócio de cultura, que vai colocar cultura. Mas se o professor não consegue ensinar, você vai substituir o ensino por cultura? Então, eu diria que essa questão do ideário forte é fundamental.
Dois, ainda nesse ponto: talvez seja importante você ter como o agente catalisador desse projeto não o Ministério da Educação, a burocracia, porque ela está sob pressão. É natural, ela está sob a pressão da rotina, da administração, da gestão. Então, ter um órgão, de repente até, dependendo do perfil, um Presidente da República forte, com legitimidade, com capacidade, ele liderar esse processo. A ex-Presidente Dilma tentou fazer isso, mas ela carecia das condições, o perfil dela e tal. Então, eu diria que ter uma instância, um órgão que seja o coordenador dessa agenda transformadora e propugnador desse ideário forte.
Terceiro ponto: de forma muito clara, ser capaz de fazer com que esse ideário ganhe o imaginário nacional, quer dizer, os meios de comunicação, os intelectuais. Isso tem que virar... Goste ou não goste, o ex-governador Leonel Brizola conseguiu, com o Ciep, ter essa ideia, ter uma marca, ter um símbolo. Esse ideário forte tem que ser capaz de fazer isso. O Leonel Brizola e Darcy Ribeiro conseguiram fazer isso com o Ciep, quer dizer, demarcar um rumo. Porque, à medida que você tem um ideário forte e demarca o rumo, você obriga todo mundo a discutir aquilo, seja contra ou a favor, e aí o projeto toma corpo, toma envergadura.
Então, acho que a experiência internacional mostra a necessidade que o Brasil ainda não conseguiu alcançar, de ter um projeto forte na área de educação.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito obrigado.
Marcelo.
O SR. MARCELO LUCIO OTTONI DE CASTRO - Bom, eu queria destacar aqui três tópicos que seriam interessantes abordar numa mudança da LDB.
O primeiro é tentar estimular ao máximo a colaboração entre os níveis de Governo. Isso é essencial, porque não dá para ter essa disputa e essa ignorância sobre o que o outro faz. Quer dizer, se não houver colaboração ou coordenação, realmente fica difícil desenvolver boas ações.
O outro aspecto é a avaliação. É preciso que a avaliação tenha consequências. As avaliações devem vir acompanhadas de medidas corretivas. Avaliar por avaliar, só para ter índice, para publicar índice, é muito pouco. Tem que haver medidas corretivas. Inclusive, pensar na possibilidade de premiações para quem demonstre mais esforço. Não é questão de punir, de não mandar recurso para quem saiu bem. Às vezes é o contrário, exatamente porque não está bem, tem que dar uma atenção especial. Mas tem que haver consequências a avaliação.
Um outro aspecto importante a destacar também é o tal art. 81, podia dar um plus nesse artigo, deixar muito claro isso aí: experiências novas são importantes, serão acompanhadas. Não é simplesmente pode fazer e pronto. Não. São permitidas, serão acompanhadas, serão avaliadas, serão debatidas e serão estimuladas se os resultados forem bons. É um ponto a destacar numa alteração da LDB.
E alguns pontos a evitar. Uma coisa a evitar é tomar cuidado para não estabelecer princípios ou criar normas que a gente sabe que o País não tem condições de cumprir, porque isso acaba desmoralizando a lei.
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Tudo bem, também não vamos ser tão contidos a ponto de não tentar ter uma ambição, é exatamente querer melhorar a educação do País, mas há certas coisas que se percebe que estão muito além da capacidade do País. Então, ser cuidadoso com isso.
Outro aspecto também a evitar é tomar cuidado com aquilo que eu falei, a síndrome das quantidades: tentar sempre ter mais isso, mais aquilo. Não, a gente tem que avançar nesses aspectos, mas, com cuidado, para que isso não predomine e sejam esquecidos outros lados mais importantes ou tão importantes quanto.
Outra coisa também que precisa ser evitada é a questão de currículo, de disciplinas. A gente tem visto até experiências internacionais de sucesso que estão mostrando a importância da integração de áreas de conhecimento, de conteúdos. E aqui a gente vê uma lei que cria nova disciplina, depois uma outra com nova disciplina. Então, chegou a esse estado em que, principalmente, o ensino médio se encontra: o aluno está sobrecarregado, ele fica doido, porque ele tem que fazer o Enem, tem que fazer o vestibular. É uma coisa desumana também com os coitados dos estudantes.
É interessante observar que, antes da LDB, na Lei nº 9.131, de 1995, o próprio legislador delegou ao Conselho Nacional de Educação a competência de estabelecer diretrizes curriculares. Mas, mesmo assim, o legislador continua dizendo: "mas eu quero isso também, mas eu quero isso também. Inclua mais isso, mais isso." Com isso, estamos numa situação um pouco difícil, um paradoxo, porque o legislador tem essa prerrogativa, mas talvez ele tenha que compreender que seja preciso abrir mão, em prol de uma visão mais coesa do aspecto curricular.
E vocês estão vendo agora que a medida provisória reforça essa ideia de delegação da competência de decisão curricular para o Conselho Nacional de Educação, com homologação do MEC, a questão da base comum. Essa é uma questão complicada, realmente, tem que ter uma visão técnica na hora de estabelecer essa base a respeito dos temas transversais, das disciplinas, se for o caso, mas, ao mesmo tempo, é preciso ver como fica a prerrogativa do legislador federal a respeito da definição de diretrizes ou de matérias curriculares.
Eu diria que seria preciso prudência e diálogo a respeito desse tema. Seria interessante, por exemplo, que em vez de o Parlamentar, isoladamente, querer apresentar um projeto criando uma disciplina nova, etc, que esses temas fossem discutidos, por exemplo, no âmbito das comissões: Comissão de Educação, da Câmara e do Senado, junto com o Conselho Nacional de Educação, antes de tomar decisão de apresentar o projeto de lei, que fosse uma coisa com aspecto mais coletivo, na tentativa de exatamente coordenar melhor esse aspecto, porque senão pode ocorrer de, daqui a pouco, de novo, o currículo voltar a ficar sobrecarregado.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito obrigado. Acho que tivemos um debate amplo para avançar para discussão. Antes de avançar aqui, vamos ouvir aqui os comentários do Senador sobre essa segunda rodada.
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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Vamos repetir um por um. Eu estou achando muito interessante este formato. É a primeira vez que a gente faz uma audiência com esse tipo de formato assim, em vez de cada um fala e, depois, pergunta. É dinâmico.
O Ademir falou que uma coisa é fazer a lei, outra coisa é fazê-la funcionar. Isso é verdade. Mas uma coisa também, a gente precisa tomar cuidado, é fazer uma lei subordinada à realidade, que não vai mudar. Há que se fazer lei com ousadia, guardando os instrumentos. Isso a gente não tem feito. O próprio PNE não dá os instrumentos. A LDB não deu os instrumentos. Não há estratégia de como executar o projeto.
Sobre o notório saber, aí volta a ideia dos olhos que a gente olha o que a gente vai fazer. Se a gente olha com os olhos de uma criança que está na sala de aula sem professor de matemática, eu acho que não há problema em usar o notório saber, chamar um engenheiro aposentado, que não tem licenciatura e colocar para dar aula. É possível que, se ele tivesse licenciatura, ele tivesse mais traquejo didático. Mas eu prefiro a criança com um professor sem licenciatura, formado em engenharia.
A Embrapa aqui, todos os dias, joga fora doutores em biologia na aposentadoria, que ficam em casa chateados, podendo dar aula de biologia, se quisessem.
Mauro Santayana é um dos maiores jornalistas que este País tem. Mauro Santayana não fez curso nenhum, nem de jornalismo. Mas ele podia ser um tremendo professor de português, se fosse permitido.
Então, acho que o notório saber é uma forma de evitarmos aluno sem aula.
Quanto à pegada estrutural, eu achei muito interessante essa ideia da "pegada estrutural". E é disso que a gente precisa. Dois professores na sala de aula não é necessariamente ruim. A gente pode fazer um esforço para melhor o professor e ter os dois.
Agora, foi muito bom na sua fala a ideia do ideário. A gente precisa do ideário e de um "JK da educação". Precisamos de um Presidente. Ministro, eu já fui e vi que Ministro não manda nada. Ministro não tem a menor possibilidade de mudar as coisas se não houver um Presidente que o faça. Então, é preciso um Presidente, um "JK da educação".
Eu volto a insistir que o ideário podia ser a ideia de o Governo Federal ir adotando as crianças das cidades ao longo de 30 anos, até chegar em todo o Brasil, nas cidades que quisessem. E eu lamento que a Dilma não tenha nem respondido a um Prefeito da Bahia que fez uma carta dizendo: "Presidente Dilma, minhas crianças são brasileiras e eu não tenho como oferecer uma boa escola para elas. Por favor, adote as escolas da minha cidade". Eu tenho a cópia da carta.
Por que não fazer isso? Por que colocar uma escola técnica em uma cidade é tão comemorado? E por que as pessoas não querem as escolas de ensino fundamental? Eu acho que podia ser um ideário.
E finalmente, o Marcelo fala sobre colaboração entre os níveis. Cada vez eu acredito menos na possibilidade de colaboração entre os níveis, porque são muito desiguais as cidades brasileiras. Não são desiguais só em dinheiro, não. Em dinheiro, em jovens que podem ser professores, em tudo, no analfabetismo dos pais. Então, eu não vejo muito que essa colaboração seja a resposta para as cinco mil e quinhentas e sessenta e tantas cidades. Pode ser para algumas, pode ser para alguns Estados até, mas não para o conjunto.
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Concordo totalmente que a gente tem que dar mais liberdade.
Nesse sentido, vou pedir licença para ir votar a emenda, e o Prof. Anastasia vai ficar aqui no meu lugar, mas não vou lhe dar, Senador Anastasia, o privilégio de ficar por muito tempo aqui não, porque está muito interessante isso aqui e vou querer voltar logo.
Com licença.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Prof. João Batista, por gentileza, com a palavra.
O SR. JOÃO BATISTA ARAÚJO E OLIVEIRA - Muito bem.
Tivemos, então, uma segunda rodada, em que a pergunta era: como a experiência internacional pode iluminar o repensar de uma LDB e quais seriam as categorias fundamentais para compor essa LDB? Aqui tivemos uma riqueza enorme de contribuições, que vou tentar resumir, para podermos encaminhar uma conclusão desse nosso debate.
Eu listei aqui uma série de contribuições, que eu vou apresentar como se fossem negativas, mas estão alertando para sinais, quer dizer, quando se mencionou a experiência de Sobral ou de outros países, o que se mostrou foi o seguinte: para uma educação e para uma lei que viabilize a educação, o que temos no Brasil? Temos falta de ideias claras, falta de rumos, falta de lideranças, falta de saber olhar para a realidade, seja da sala de aula, seja da avaliação.
No fim e ao cabo, acho que todas essas observações que foram feitas aqui apontam para uma carência, que talvez seja a maior do Brasil, de que faltam efetivamente as instituições, no sentido da palavra, que permitam criar um sistema educativo no País. Não temos essas instituições, quer dizer, quando se fala, no ano de 2016, em currículo no Brasil, ninguém sabe do que se está falando até hoje, ninguém sabe quem é responsável, como se faz, qual o processo, e não dão a menor bola para a experiência dos outros países. Então, faltam instituições básicas.
Quando se fala em avaliação, temos alguns pedaços da avaliação, mas, como diz o nosso Secretário, Ademir Almagro, ela não chega lá na ponta, e a ponta tem que descobrir, a duras penas, como lidar com isso, como fazer esse processo, como transformar essa avaliação num instrumento útil para, efetivamente, promover a aprendizagem.
Não temos uma cultura de formação de professores, ora não vale nada, ora é o vale-tudo. Não é aqui a discussão de que se pode ou não o notório saber, mas a questão do que é a competência e como é que se verifica essa competência: quem pode ser, quem não pode ser.
Então, para qualquer lado que olharmos, as bases das instituições básicas que compõem um sistema educativo... Para não falar na ideia de escola, que hoje é um lugar a ser ocupado. Não temos uma noção clara dessas coisas. E a própria estrutura de financiamento, que, num país federativo da maneira que é, também acaba exacerbando mais do que limitando as desigualdades.
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Então parece, do que ouvi aqui, que a voz dos debatedores está dizendo: "para fazer uma lei não é primeiro sentar e fazer a lei". O que as pessoas falaram? Primeiro, o Senador disse: "vamos pegar dez Senadores - o Anastasia aqui incluído - e vamos ficar 15 dias no Município e depois pensar como é que faz a lei"; o nosso Secretário falou: "vamos lá na sala de aula" - e entendo que ele estava falando. "Vamos lá numa sala de aula que funciona para ver como é que funciona para, depois, a gente pensar a lei."
A ideia é esta: não podemos repensar uma lei sem repensar a educação, sem entender e olhar a realidade. Mas não é só a nossa realidade. A realidade internacional conta, a realidade de outros países conta, a realidade de algumas boas experiências no Brasil, ainda que limitadas, conta. Então, esse passo preliminar que não temos a paciência de fazer - se o Senador Cristovam quiser tocar em frente essa ideia de uma nova LDB - passa por uma aprendizagem das questões básicas, desenvolver essas questões básicas de olhar, saber onde olhar, saber para onde olhar.
Eu vou tentar resumir um pouco aqui o que vamos oferecer e o que a gente ouviu aqui como contribuição, para avançar. Eu sou o mais velho aqui - sou o mais velho em todo lugar que vou. Em 1984 eu participei de uma audiência pública aqui no Senado, conjunta com a Câmara, a convite do patrono deste auditório, João Calmon. O tema da minha palestra foi Bases Para a Nova Diretriz em Educação - um tema que é recorrente. Naquela época, eu trabalhava como assessor do Ministro Hélio Beltrão no Programa Nacional de Desburocratização e estava muito ligado à questão do federalismo, da descentralização da burocracia. Oito das páginas dessa magra intervenção é uma lista das leis, decretos e normas que existiam na época sobre educação.
Eu tive a pachorra - na época não tinha computador para contar - de contar as páginas de todas essas regulamentações e, se colocasse no chão uma página após outra, ia daqui a Porto Alegre, naquela época. Hoje, imagino, que dá três voltas ao mundo. Isso era e continua sendo a forma de o Brasil querer tocar a educação: fazendo leis. Claramente, não é. Não era em 84, não foi em 87 e não será hoje. Quer dizer, se a ideia do Senado é pensar uma nova lei de educação, talvez tenha que criar condições externas a essa educação, nessa sociedade, para que essa coisa avance.
E o que é que eu estou ouvindo aqui e o que eu trago dessa experiência de ouvir essas questões? Em primeiro lugar, é essa questão de entender o que nós queremos fazer. Sem uma liderança, sem um portador de uma ideia - essa ideia aqui ficou muito clara -, essa coisa não vai avançar. O País tem que ter conceitos muito claros e quais são os dois conceitos que a educação brasileira não tem? É o conceito da equidade e o conceito do objetivo da educação, que é a produtividade. A educação brasileira não tem contribuído para estas duas coisas: nem para o indivíduo e nem para a sociedade. Isso é renitente. Então, esse ponto de partida é fundamental e isso é limitado para a questão de como promover isso num país federalista, ou num País federativo.
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Acho que esta reflexão é importante: o que é que nós temos hoje na LDB? Você cria sistemas de educação, porque a Constituição colocou o Município como entidade federativa, ela criou essa coisa, e aí você tem o fato esdrúxulo - e aqui nós temos um eminente especialista em Direito Administrativo, o Senador Anastasia - em que uma rede Municipal de Educação pode também ser um sistema de educação para sistematizar a própria rede. São absurdos assim que em nada colaboram. E hoje querem criar ainda redes de redes de redes, para complicar ainda mais esse nó.
Então esse pensamento central de promover equidade com produtividade precisa, antes de pensar em fazer a lei, de um amadurecimento dessa questão federativa. Aqui nós temos claramente o Senador Cristovam que tem uma posição muito marcada a respeito. Outros de nós temos outras posições a respeito de como filtrar. Acho que sempre haverá a questão: Seria o Governo Federal competente para administrar escolas? E eu acho que a resposta é claramente negativa, por tudo que nós conhecemos da história do presente e da própria condição de se fazer qualquer coisa a partir de Brasília. Quer dizer, acho que ele não está aqui, mas é uma questão que precisa ser debatida. Mas a questão central é esta: que tipo de arranjo federativo é possível? E aí cai na questão constitucional. A Constituição atual não permite avançar, pelas ambiguidades da questão da definição do regime de colaboração. Isso teria que ser predefinido antes de se pensar na questão da lei.
Esse é um processo de debate e nós estamos vendo aqui que a gente está aprendendo a fazer o debate neste foro. E para que é essa lei? Essa lei é para permitir, é para obrigar, é para proibir e para estimular. Quer dizer, hoje nós temos a lei para punir. Eu vou dar um exemplo da LDB. Quando a lei cria um conselho de educação, que supostamente seria para velar pelo equilíbrio das coisas que a lei não equilibra, ela cria um conselho que, por desenho, é corporativo. Quer dizer, como que eu posso confiar em um conselho cujos membros são indicados por prioridades corporativas? Não tem a menor respeitabilidade, não tem a menor condição de isenção. Então, quer dizer, vai ao conselho para atender aos interesses corporativos. Então esse desenho ele não pode ser feito no processo de elaboração da lei. Ele tem que passar pelo amadurecimento de um debate na sociedade que leva tempo e que carece de uma liderança.
Por outro lado, ele precisa passar por um processo de amadurecimento das instituições. Quer dizer, de todas instituições brasileiras o que nós temos de arremedos? Temos o arremedo de financiamento, porém é um arremedo de financiamento que é falho pelas questões federativas, é falho talvez pelo volume de recursos, não sei, e certamente é falho pela forma de regulamentar o uso desses recursos. Aqui se falou no MDE, no que que é despesa de educação e no que não é, quer dizer essas coisas às vezes criam muito mais ineficiências do que ajudam. Eu acho que uma liberdade maior, associada a uma cobrança maior nos recursos ajudaria muito mais. Então, na área de financiamento, nós temos um arremedo, mas não temos instituições sólidas.
Nós não temos, por exemplo, dados confiáveis. Você pega os dados do SIOP, os dados do Ministério da Fazenda, os dados do MEC e da Fazenda sobre gastos em educação e verifica que as diferenças são gritantes. Quer dizer, quando a gente fala: Está se gastando tanto em educação, ninguém sabe... Está-se gastando tanto em educação segundo a base tal, e não a base tal. Ou seja, não temos um mecanismo ainda adequado de financiamento, uma cultura de financiamento, uma cultura de responsabilização, e não vai ser a lei que vai resolver isso. Esse é um passo importante que precisa avançar antes de haver a lei.
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O outro arremedo de algo que temos avançado no Brasil é avaliação. Foi falado aqui. Sim, temos algo. Porém, quando há um Enem, mobiliza Exército, Marinha, Aeronáutica, ministro da educação, Segurança Nacional, para aplicar um teste. Parece que a coisa mais importante para avaliar o ministro da educação é se ele é capaz de gerenciar um exame. Mobiliza, para, ele não tem tempo para cuidar da alfabetização, e para cuidar do exame; vai à televisão, o comando maior. Isso é brincadeira! O MEC não tem que fazer prova. Isso aí se faz numa instituição especializada, se faz pela internet.
Então, na coisa que a gente é melhor, que é avaliação, os mecanismos são falhos e deturpam muito a prioridade do administrador. Falta-nos ainda, na avaliação, muito, tanto do ponto de vista institucional, quanto do ponto de vista, como disse aqui o nosso secretário, da utilização prática desses modelos nos vários filtros em que isso vai ocorrendo. Segunda-feira teremos o piso sendo anunciado. É outra crônica da morte anunciada que virá pela imprensa em breve.
Depois, nós temos a questão que é cara aqui ao nosso Senador, que é a instituição professor. Pode ser qualquer um, pode não ser qualquer um, tem que ter título, não tem que ter título, tem que ter doutorado, não tem que ter doutorado? O Brasil não tem uma clareza sobre essas questões, mas, sobretudo, ele tem uma visão profundamente equivocada de como formar o professor e como avaliar os professores, de como credenciar os professores.
E aqui o maior inimigo são as universidades federais, que transformaram a formação do professor num campo de batalha ideológica. Essa é uma questão em que o País ainda não se debruçou. Temos milhões de professores, muito mais do que precisamos, se houvesse um sistema eficiente. E aqui eu retorno à questão do uso do recurso, que o Senador toda hora cobra, mas não temos professor - que o Serra não precisava ter dois, podia ter só um - para cuidar da turma de forma adequada. Não há no Brasil.
É um problema mundial? É. O mundo tinha, no século XIX, as moças que iam ser professoras, depois profissionalizou um pouco, e, depois, com o surgimento de muitas outras oportunidades para as mulheres, aquelas mulheres bem formadas, de boas famílias que iam ser professoras não foram mais, e houve um decréscimo na qualidade das pessoas que procuravam. Os países que valorizaram isso conseguem obter, e outros países não conseguem.
E aqui eu acho importante pensar nas questões estruturais. Por que estruturalmente nós não conseguimos atrair professor bom? Porque nós temos um sistema universitário viciado. Quando você pega qualquer sistema europeu, qualquer país europeu, há universidades - quase sempre públicas, mas isso é um detalhe - nas quais acessam 30% a população que conclui o ensino médio. É algo meritocrático, fundamentalmente. Ou seja, só os 30% melhores vão lá. Então, qualquer país europeu tem como professor alguém que está entre os 30% melhores por definição.
No Brasil não há essa definição. Você abre uma porteira, como se universidade fosse um bem público, acessível, de graça para todo mundo, que todo mundo tem que pagar, e que ninguém conclui, e aí vai catar alguém que queira ser professor no fim desse processo. Ou vai culpar a instituição porque não forma bem. Como ela vai formar uma pessoa que está no decil inferior da Prova Brasil ou do Enem?
Então, o desenho conspira contra isso. Não há nenhum mecanismo institucional, não há uma cultura que proteja isso. Então, nós estamos, na área de professor, a zero, e certamente não é uma área que se resolve só pensando em salário, ou só pensando em formação, ou, muito menos, pensando em requalificação. Eu acho que aí há um conjunto enorme de mecanismos que a sociedade ainda precisa de amadurecer, e que, certamente, vai começar pela atratividade da carreira, que precisa de ser pensado.
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E depois há a questão do currículo. Nós não temos o currículo, avaliação, financiamento, e, obviamente, a gestão e a interação entre os atores passam pela questão federativa. Não tendo o país essas instituições, a meu ver, é muito difícil você constituir uma lei básica. E hoje há um modelo, Senador, que eu sugeriria que se observasse. É essa questão do marco regulatório dos setores. Vamos pegar o marco regulatório da primeira infância. Ele é muito interessante e eu sugeriria que, para esse exercício nós incorporássemos isso. A primeira parte dele é extremamente interessante. Ela abre o horizonte, a segunda parte cai no cacoete: "artigo tal da lei tal". Aí ela fecha tudo, amarra tudo e mata tudo.
Talvez o que a gente conseguisse fazer no primeiro exercício de uma nova LDB seria a primeira parte, começar a refletir sobre as grandes linhas, essas linhas das quais aqui se tratou, sob a égide da equidade e da produtividade.
E, finalmente, acho que para concluir essa sugestão que esse grupo traz, eu gostaria de recuperar essa ideia que o Senador traz - o Professor Ademir também nos fala dela - de voltar às bases. Por que não começar fazendo coisas? Por que não abrir espaços, ainda que tentativas, seja para o governo local, para o Governo Federal, começar a fazer educação ao lado, começar a fazer educação direitinho, começar a fazer a coisa bem feita. Talvez, antes de fazer uma regulação nacional para qual não temos experiência, seria também saudável, a par de iniciarmos um debate, discutirmos as instituições, também incentivarmos a criação de inovações bem avaliadas, bem seguras, seja no nível de um Município, seja no nível de uma região, de uma federação, municipal. Enfim, criar esses espaços que a lei atual permite para poder testar essas ideias.
Eu não poderia concluir sem um tema que me é caro e que não foi falado aqui como critério. Falou-se muito em critério de outros países - eu mesmo provoquei -, em critérios de verificar escola, olhar o chão, visitar município. Mas há um critério na educação brasileira que precisa ser incluído obrigatoriamente em todas as ações e na lei: as evidências. O mundo da educação, o conhecimento que nós temos hoje sobre educação é extremamente diferente do que era há 20, 30, 40 anos.
Então, é impensável, hoje, que se proponha a legislação, seja sobre alfabetização, sobre avaliação, até sobre financiamento, critérios e incentivos sem levar em conta a evidência científica. Não que haja consenso de tudo sobre tudo, mas há um elevado grau de conhecimento, e é uma imperícia legislativa e uma imperícia política ignorar essa realidade.
Então, Senador, eu creio que não só inovamos no debate e no respeito ao tempo, mas trouxemos aqui uma série de sugestões para essa sua brilhante ideia de repensar a educação, de repensar a LDB.
Muito obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu agradeço muito a participação de todos e gostaria de saber se alguém aqui presente gostaria de fazer algum comentário.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Bom dia a todos da Mesa.
Parabenizo o Senador Cristovam por mais este debate da LDB que S. Exª tem conduzido. Tenho conseguido fazer parte desse grupo de vez em quando e contribuído, principalmente na minha área, que é a educação especial.
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Meu nome é Loni Manica. Sou da área da educação e estou aqui no gabinete do Senador Romário. Trabalho com a área da educação, especialmente com a educação especial, que é minha área de doutorado.
Escutando aqui, anotei algumas coisas bem interessantes que eu gostaria de passar para vocês.
Primeiro, que eu penso muito como o Prof. Carlos em termos de qualidade. A gente está muito mais preocupado com a quantidade. Esse é o maior erro que a educação tem. Se você pegar qualquer documento do Ministério da Educação ou qualquer documento que qualquer instituição quer mostrar publicamente, ela coloca os números: "eu capacitei tantos milhões". Isso me parece que está à frente de qualquer qualidade. O próprio Sistema S, que é parceiro da educação, do MEC, está preocupado em divulgar primeiramente os números. Isso sempre foi assim, quando nós temos uma qualidade precária. Eu tenho que fechar com o Prof. Carlos. Foi excelente sua colocação.
Quanto às terminologias, Marcelo - inclusive mandei por e-mail para esse grupo muitas contribuições na educação especial, principalmente no EJA e na educação especial -, eu entendo que não dá mais. A LDB está ultrapassada. Está ultrapassada não só concretamente, na questão prática, como também nas questões da terminologia. Nós avançamos em 20 anos e estamos com uma LDB ultrapassadíssima na educação especial. Como o Marcelo diz, ainda usamos termos que hoje são condenados pelas próprias pessoas com deficiência que fazem a educação especial.
A questão da avaliação tem que ser revista, urgentemente. Eu não consigo ver uma educação pensando em uma avaliação sem falar em uma avaliação por competência. Como é que nós vamos fazer uma avaliação sem pensar em uma avaliação por competência concreta? Como a escola faz? A gente vai para o exterior e vê as pessoas sendo avaliadas, tendo registros por competência. Aqui no Chile, a gente vê excelentes experiências. Aí a gente vem para o Brasil e precisa de uma carteira de competências. A escola até tem vontade, em um curso prático de profissionalização, mas ela não sabe fazer. Então, nós temos que garantir isso na LDB. Nós temos que garantir que esse profissional possa fazer uma avaliação baseada na certificação também por competência.
A outra questão: concordo com o Senador Cristovam inteiramente. A escola integral pode ser o contrário. Nós podemos começar pela escola integral. Eu fecho com o Senador Cristovam. Depois essa qualidade vai ter que aparecer, porque o aluno não se satisfaz em quatro horas, mas pode estar satisfeito em oito horas, porque eu tenho mais quatro para colocar para ele além daquele conteúdo maçante que tem sido dado em sala de aula. Então, eu concordo na questão de fazer primeiro essa avaliação integral.
Eu discordo do Senador em relação ao notório saber. Como licenciada, como professora que fez magistério, no tempo em que o segundo grau era magistério, para que a gente pudesse ir para a sala de aula com as crianças de primeira a quarta série. Eu me senti extremamente segura saindo do magistério depois de quatro anos, com o ensino profissional do magistério. A gente fazia em quatro anos, devem lembrar isso. Eu fui para a pré-escola e para a escola de primeira a quarta série também, em que tive experiência, totalmente segura, somente com o segundo grau, e fui buscar uma licenciatura para poder avançar e trabalhar com outras áreas. Eu vejo em que no momento em que nós estamos abrindo mão de que o professor da sala de aula tenha uma licenciatura, eu posso dizer que o professor pode ir lá construir um projeto de engenharia, porque se não a gente acaba com as licenciaturas.
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É uma defesa que eu faço não em nome da Loni. Eu a faço em defesa de todos os professores. Onde é que está o erro, Senador? O erro está em nós não termos uma estatística mínima de quem nós precisamos formar. Por exemplo, não adianta eu formar mil professores em letras, se nós temos professores sobrando em letras. Em termos de estatística, eu preciso de professor de matemática. Então, vamos abrir mais vagas nos cursos de matemática e diminuir os cursos de letras.
Agora, se nós pensarmos em uma licenciatura que qualquer um pode entrar na sala de aula e fazer, aí eu discordo. Eu concordo com o Senador no momento em que o engenheiro possa ter um novo currículo. O meu filho é formado em engenharia e, quando eu pergunto para ele se ele sabe a Norma 9050, que é da acessibilidade - o Marcelo conhece bem -, diz que não sabe o que é isso. Como você se formou em engenharia sem conhecer a Norma 9050? Como é que você se formou em engenharia sem ter o conteúdo mínimo de como você pode se portar em uma sala de aula, o conteúdo mínimo de um professor? É claro que a prática é essencial. Aí eu vejo que os cursos de engenharia, arquitetura, em que o cara quer sair como professor também, têm que ter no mínimo mais um ano ou dois anos. E esse cara pode escolher, sim, mas ele vai ter que ter disciplinas básicas da licenciatura. Senão, nós acabamos com as licenciaturas, Professor. E o senhor há de concordar comigo, porque o senhor é professor. Eu sei que o senhor discorda em relação a essa questão. É por isso que eu estou colocando.
Em relação a isso, eu acho que temos que pensar em uma LDB que traga uma postura para o licenciado de valorização e não de desvalorização, porque isso acaba com o licenciado, ou seja, qualquer um faz educação, mas não é qualquer um que faz engenharia, não é qualquer um que faz medicina. Então, eu penso que o médico, o engenheiro podem, sim, ser professor, desde que eles se enquadrem dentro de um ano a mais ou tenham um currículo diferenciado dentro daquele curso, para que ele tenha a base mínima de uma licenciatura. É a minha posição, como professora desde a primeira série até o ensino universitário.
Tenho uma sugestão sobre outra questão, já para encerrar, Senador. A harmonia tem que acontecer na universidade, tem que haver harmonia entre a formação do professor e o que estou necessitando no mercado de trabalho. Se essa harmonia acontecer, eu nem abro vagas para aquilo que não vai ter emprego. Essa harmonia estatística tem que acontecer e tem que ser prevista dentro de uma legislação, porque aí nós vamos ter cursos de formação já com empregabilidade pronta e definida, não faltará professor para aquelas áreas e também não sobrará professor desempregado em outras áreas. Então, essa harmonia, esse ajuste tem que ser feito. Eu não sou boa em estatística, mas eu acho que bons estatísticos podem pensar nessa questão.
Encerrando, Professor, se nós pensarmos, como o Prof. Ademir, de voltar às bases, como o senhor também falou, eu acho que conseguimos avançar muito em termos educacionais. O senhor tomou à frente de um GT - e podemos chamar isto de um GT, de um grupo de trabalho, pensando nessa nova legislação. Se esse grupo tem condições, ou um grupo maior ou um grupo menor que se divida - um vai trabalhar EJA, outro vai trabalhar saúde, outro vai trabalhar educação especial -, e se esses especialistas trouxerem as contribuições de uma revisão de artigo por artigo, eu acho que nós temos condições de montar um projeto de lei e apresentar uma coisa muito boa. É claro que nunca contentamos 100%, e isso vimos na LBI, em que pude trabalhar imensamente. Nós não contentamos, mas fomos por esse caminho que o senhor está começando aqui, um GT, que talvez se transforme em grandes subgrupos que discutam verdadeiramente o que é em cada capítulo da LDB e nós tenhamos especialistas na área.
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Eu, por exemplo, gostaria de participar imensamente da educação especial, é a minha área de estudo, eu tenho contribuições lá dentro. Como especialista, poderia ser do EJA, ou outro especialista da educação infantil. Então, formaríamos isso aí, teríamos milhões de ideias positivas e fecharíamos uma proposta de LDB, de algo novo, porque 20 anos está na hora de a gente repensar.
Então, são essas contribuições que faço.
Desculpem, porque eu me alonguei.
Obrigada, Senador, o senhor sabe o quanto eu gosto do senhor. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu é que agradeço muito suas colocações.
Só o um único ponto polêmico eu vou responder. Primeiro eu quero dizer que sou defensor da licenciatura. Não deveríamos ter um professor sem licenciatura, mas veja o que eu disse: não deveríamos. E você disse que, com profissional, defende isso.
Agora, vamos supor que, além de profissional, como mãe - você disse que tem filho. Não foi? Que tem um engenheiro -, você prefere o seu filho sem aula de matemática, ou com aula de matemática dada por um engenheiro com reputação de bom engenheiro?
Mas deixe eu avançar só um pouquinho. Eu estou falando em amanhã, eu não estou falando nos próximos anos. Nos próximos anos, todos têm que ter licenciatura, e em todas as disciplinas. E aí você disse que certas disciplinas atraem mais professoras para licenciatura do que outras, e matemática é uma das que não atrai. Então, o salário tem que ser diferenciado, mas muita gente não defende isso.
Porque nós não podemos obrigar. "Você vai estudar matemática, você vai estudar biologia, você vai ser professor de sociologia." Não dá! Se não é obrigado, qual é a maneira? É isso.
Mas oferecer menos vagas para essa, mas mais vagas para a outra não vai ser. Quem quer ser professor de português, e não houver vaga, não será professor de matemática, porque há vaga. É muito raro que vá. É que você olha sempre na ótica do professor; eu estou olhando na ótica da criança, do aluno. Então, nós vamos ficar sem professores.
Então, como mãe, e há milhões de mães neste País cujos filhos estão nesta hora aqui sem professor de física, de química, de biologia, de matemática e de português também... Neste momento de emergência, a gente continua recusando notório saber? E aí só uma reclamação, você disse: "Não aceito qualquer." Não é qualquer um; é um doutor em biologia que passou 35 anos na Embrapa; é um engenheiro do DER que ficou 35 anos como engenheiro; no estou falando de qualquer um.
Mas eu quero ver na ótica da criança sem aula. É porque a gente que fica aqui neste ar-condicionado esquece que milhões de alunos hoje não têm aula de matemática, nem de física, nem de química, nem de biologia, nem de português. E eu não disse milhares; eu disse milhões.
O maior crime, entre ter um professor sem licenciatura, que é um crime, e não ter professor, eu prefiro o crime do professor sem licenciatura, com notório saber; não qualquer um.
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E eu tenho talvez uma deformação. Eu fui reitor e trouxe de volta um professor de arquitetura que não tinha diploma, que foi contratado por Darcy Ribeiro, e o regime militar demitiu, chamado Zanine. Ganhou prêmios internacionais. Não tinha curso de Arquitetura e lhe demos o notório saber. Está cheio de gente com notório saber. Um dos maiores, senão o maior, ornitologista do Brasil não tem nenhum curso, mas ninguém sabe de passarinho mais do que ele, no Brasil. A gente vai recusar esse saber?
A SRª LONI ELISETE MANICA - É a competência de que eu estou falando.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Competência.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Exato. Eu acho que agora, Senador, como o senhor está colocando, a situação é de uma avaliação por competência para esse professor também. É um registro paliativo temporário.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Claro que é. É lógico que é.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Nesse sentido talvez seja a proposta da LDB, para que ele tenha um registro temporário...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Aliás, está na LDB.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Pois é. Que isso aí seja realmente colocado em prática. Que ele tenha esse registro temporário. E entendo que tenha no mínimo uma formação digna, pelo menos igual ou parecida aos anos de estudo de um licenciado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu coloquei uma emenda nesse projeto...
A SRª LONI ELISETE MANICA - Eu vi. E isso é interessante.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ...que deve ter pelo menos o diploma universitário.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Mas em alguns casos, nem deveria precisar disso.
A SRª LONI ELISETE MANICA - O senhor sabe muito bem que para o notório saber necessariamente não é preciso ter o diploma. E é aí que se corre o risco.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Em alguns casos, não precisa mesmo não.
A SRª LONI ELISETE MANICA - E eu corro o risco assim: o meu pai é um excelente mecânico. Ele tem a terceira série primária. Eu daria o notório saber para ele, de mecânico. Mas eu também teria sérias críticas por deixar meu filho sem aula ou colocá-lo para dar uma aula de mecânica.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Você teria dúvida? Preferia o seu filho sem aula?
A SRª LONI ELISETE MANICA - Não, não sem aula.
Nós não podemos, Senador, pensar que futuramente queremos isso, um paliativo com cara...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Não. Futuramente é outra coisa.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Então temporário. É. Isso em que ficar expresso.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Futuramente é um salário básico de R$10 mil para professor. Aí todas as minhas contas, os meus livros, minhas argumentações formadas...
A SRª LONI ELISETE MANICA - Tem que ter um máximo de tempo, porque aí se organiza, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Isso. Mas hoje, nesses próximos anos?
A SRª LONI ELISETE MANICA - Para quantos anos o senhor acha isso?
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O tempo que for preciso.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Ah, não. Aí eu não concordo.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O tempo que for preciso!
A SRª LONI ELISETE MANICA - Aí eu não concordo.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Agora, eu espero que o tempo que for preciso seja curto.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Não. Não concordo. Vamos colocar um tempo...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Então, pronto. Vamos marcar um prazo e dizer: olha, menino, você, que vai nascer daqui a cinco anos, vai ficar sem professor.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Não.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É isso?
A SRª LONI ELISETE MANICA - Não, porque as universidades têm que estar em harmonia com o que falta, professor.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Isso! Então, é outro projeto.
A SRª LONI ELISETE MANICA - O senhor quer ver? No projeto que eu lhe digo, o senhor pode muito bem... O senhor diz: "Ah, mas daí eu não posso oferecer matemática para quem quer fazer português." Não! Mas vou diminuir as vagas. Significa que alguns vão ficar de fora. Melhor ele ficar de fora na formação do que desempregado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Tudo bem, mas ele não vai ser professor de matemática. Ele não vai querer ser.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Não. Aí ele não vai ser, mas vai ter gente querendo.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Não, não, não. Mas há as vagas de professor para matemática.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Mas precisa de mais vagas! E menos em português.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Outra coisa: com esses salários iguais, a gente não consegue atrair. Tem que aceitar o mercado aí.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Também é uma ideia boa.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Mas não querem. Os sindicatos não aceitam. Se falta professor aqui, só tem um jeito de aumentar aqui: é de fato reconhecer que você vai ter um tratamento especial, no meu País, porque a gente está precisando de você. Como se fosse uma guerra, em que a gente tinha de tratar os soldados ainda melhor do que trata hoje.
Aliás, não trata bem hoje, não. Tinha de tratar bem os soldados.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Aliás, a gente tinha que formar para a educação não formal. Também.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Então, acho que para hoje não é o ideal, mas melhorará. Essa é a pergunta que vou fazer: Essa proposta aí não é a minha, não é a ideal.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Não é a ideal.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Agora, é melhor do que o que está aí. Colocar horário integral, mesmo sem bom professor, é melhor do que não ser horário integral. Um professor ruim com quatro horas dá menos resultado do que um ruim com oito horas de aula. Não o mesmo professor, claro.
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Outra coisa, gente, outra coisa: a escola hoje não é só para ter o aluno mais tempo na escola, é para ter menos tempo na rua.
Será que não se está entendendo que a rua é um instrumento, é um lugar hoje perverso? Horário integral é para tirar da rua, não só para colocar na escola, porque as famílias já não ficam com as crianças quando elas saem da escola. Além disso, na escola ela tem mais condições, de qualquer maneira, de aprender algo. Agora, isso justifica a escola ruim? Não. Não, de jeito nenhum. Professor despreparado não. E aí vai exigir avaliação, mas salário, um bom salário. Agora, salário com cobrança, porque tem muita gente aí querendo salário sem cobrança.
Outra coisa, gastos. Temos que separar os vazamentos com os gastos. Por exemplo, quanto a gente gasta pagando salários a professores que não estão em sala de aula? Isso é um vazamento. Quanto a gente gasta em pagar aposentados com o dinheiro da educação? A aposentadoria tinha que sair de uma outra fonte. Quanto a gente desperdiça se não usar tecnologias modernas?
E o vazamento demográfico? Está diminuindo o número de crianças. Se a gente continuar aumentando recursos sem levar em conta a diminuição do número de alunos, vai ter um vazamento. São muitos vazamentos. A PEC 55 vai forçar a gente a olhar para os vazamentos que temos.
Mas, voltando, o notório saber é porque a gente precisa de professores de algumas áreas e eles estão aí, sem licenciatura. Pena, mas a gente os tem por aí. Além disso, pode-se fazer cursos intensivos também para esses professores. Se você chegar para um menino que está hoje na oitava série e disser: "Olhe, a gente está sem professor de Matemática, mas a gente vai abrir mais vagas na universidade, a gente espera que mais jovens queiram ser professores de Matemática, daqui a quatro anos, eles vêm dar aula para vocês". Daqui a quatro anos, o menino perdeu, sumiu, foi embora. (Pausa.)
E aí outra pergunta: e as universidades vão se adaptar? Não. Elas são autônomas. Talvez tenhamos que criar institutos estaduais, institutos municipais de formação de professor. As universidades estão resistindo a cumprir o papel delas.
Esse é outro vazamento.
A SRª LONI ELISETE MANICA - É outro vazamento.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - A quantidade de jovens que entram em licenciatura em Pedagogia e que nunca irão a uma sala de aula é um vazamento, é um desperdício de dinheiro.
A SRª LONI ELISETE MANICA - É um desperdício.
Por isso, fecham-se alguns cursos e abrem-se outros de que necessitamos. Tem que ter essa visão, de futuro, também.
Não adianta hoje eu formar mil pedagogos e não ter vaga para nenhum. Eles vão ficar desempregados.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Além disso, mil pedagogos, não todos, mas muitos não querem saber de sala de aula. Querem saber de... Cada um hoje quer ser um Paulo Freire. Cada um quer ser um Paulo Freire. Nós estamos formando muitos filósofos da Pedagogia.
A SRª LONI ELISETE MANICA - Na prática, não é?
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Na prática. E a maior parte com muitos preconceitos teóricos.
O SR. CARLOS SÁVIO G. TEIXEIRA (Fora do microfone.) - Filósofos ruins.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O Professor Carlos está dizendo "filósofos ruins".
Bem, mas eu passo a palavra ao João Batista, que é o Coordenador.
Bem, então eu fico muito satisfeito. Nós vamos trabalhar para transformar este debate em um texto. Espero que ele provoque muitos debates como este e que aprendamos a olhar a educação na ótica da criança e do Brasil, quando a gente soma todas as crianças.
Alguém quer falar?
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O SR. ADEMIR ALMAGRO - Só para fazer o fechamento, eu resumiria a nossa participação aqui em dois detalhes: primeiro, é preciso separar o emergencial do estrutural. Volto na frase do início. O professor de notório saber, o profissional de notório saber é emergencial, concordo com o Senador. Mas o que traz a LDB ou a medida provisória para corrigir o erro? Nós identificamos o erro, ou seja, falta professor. Agora, a medida que vem para trazer uma solução emergencial não traz a solução estrutural. Então, eu concordo que é necessário, porém também quero já uma solução a médio e longo prazo, senão isso vai se eternizar.
O segundo detalhe é levar a educação a sério. Na verdade, é um pedido de socorro dos professores, pois a sala de aula está sendo um depósito. Joga lá e vê o que eles fazem. Assim, chegamos com um monte de panfletos da dengue e dizemos: vai lá e dá aula. Um monte de panfletos do HPV: vai lá e dá aula. Um monte de panfletos para evitar a gravidez na adolescência: vai lá e dá aula. Não é assim.
Agora estão jogando oito horas. Vai lá e cumpra-se. Nós não temos estrutura. Ninguém foi lá ensinar a sala de aula como acontece isso. Não deram estrutura para oito horas, faço o quê? Eu vou ser professor de teatro? Eu vou ser professor de artes cênicas? Vou fazer o quê? A ideia é linda, não há dúvida, mas é preciso pensar na realidade. Vai lá na sala de aula e vê se é viável.
Sabe o que acontece? O aluno fica mais tempo na escola, a escola fica muito chata, o que aumenta a evasão. A ideia é genial, fantástica, porém precisamos tomar muito cuidado na aplicação. Mas isso depende da realidade.
Nós precisamos ser ouvidos. Vai na sala e vê o que está certo e o que está errado e nos socorra. Não é que não vamos fazer. Eu posso falar da dengue, mas me ajude. Posso falar do HPV, mas me ajude a falar, me dê um curso para isso. Mas não é assim que acontece a educação, pelo menos lá em baixo na base. Na sala de aula, no pó de giz, não chegam essas informações e não chega dinheiro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O senhor trouxe aqui uma coisa que ninguém está levando em conta: que isso é ruim para o notório saber. Sabe o que é? Só vamos encontrar profissionais com notório saber nas grandes cidades. A Embrapa está aqui para nos dar biólogos. A USP está cheia de professor aposentado para dar aula. Mas no interior a gente vai ter pouquíssimo notório saber. Essa desigualdade, sim, é o problema.
Mas antes de terminar, e insisto se alguém quer falar, eu quero ler as perguntas que nos chegaram pela Internet.
Uma é do Matias Ribeiro: "Quais são as razões pelas quais as disciplinas de Sociologia, Filosofia e História estão perdendo seu verdadeiro valor na educação do ensino médio?"
Primeiro, eu acho que não estão, até porque, que eu saiba, o Governo voltou atrás e colocou de novo essas disciplinas. Agora, eu me pergunto por que só Sociologia, Filosofia e não se coloca Economia? E por que não Direito Constitucional? Por que não primeiros cuidados? Todo aluno deveria aprender primeiros cuidados. E por que não Ecologia? E por que não Biologia, para entender e conhecer um Aedes aegypti? Aí pronto, a grade foi embora com essas disciplinas obrigatórias.
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Além disso, creio que certas disciplinas não devem ser em sala de aula, devem ser na prática. Acho que menos importante do que aprender quem foram os filósofos gregos é debater a Lava Jato sabendo o que Aristóteles dizia da Ética. Então, um professor de Filosofia - e aí sim tem de ter - agregaria muito mais como líder desse debate. Educação Física, que ele nem colocou aqui. A Educação Física está sendo dada em sala de aula, a gente precisa de prática de Educação Física e não de teoria de Educação Física. Outra coisa, tem menino que gosta de futebol, mas estão dando aulas, às vezes, de Beisebol. A gente tem de respeitar o gosto e a vocação. Então, tem de ter hora reservada para a prática de Educação Física, com um professor de Educação Física por perto, prática. Acho que até Filosofia, por incrível que pareça o contraditório entre teoria e prática, a gente tem de ter na prática.
Do Anderson Oliveira. "A LDB é linda como todas as leis feitas, se for para melhorar e colocar em prática". E realmente não estamos. Aí vem essa ideia: estamos muito no emergencial. Mas, na hora do emergencial, é melhor ter o emergencial do que ficar esperando o estrutural.
Minha proposta: ter o emergencial. E o estrutural, volto a insistir, seria substituir o atual sistema por um outro, com escolas novas, com uma carreira nova do magistério, em âmbito federal e ao longo de 20, 30 anos, com liberdade pedagógica e descentralização gerencial. Federalizar para regular a gestão de cada escola é um desastre. As universidades têm a sua autonomia, podemos dar às escolas. Os professores fazem a gestão com os alunos, com os pais.
O currículo tem de ser decidido localmente. Não vejo como ter um currículo que amarre todas as escolas do Brasil, a partir do que Brasília decide. Liberdade dentro da sala de aula, pedagógica, com avaliação. Com avaliação para ver se aquelas experiências, para as quais a gente tem de dar liberdade, estão dando resultado. Porque se as experiências não dão resultado, são simples aventuras teóricas, aí a gente tem de dizer: companheiro, chegou a hora de parar a sua experiência, pelo menos no marco do setor público, que financia tudo isso. Mas dando tempo para a experiência e para a avaliação, permitindo saber se está indo bem.
Quero, então, encerrar e agradecer muito a presença de vocês. Quero dizer, João Batista, que foi uma ótima experiência, uma audiência diferente das outras e muito mais agradável, muito mais dinâmica. Creio que vai nos deixar com boas ideias.
Obrigado.
Está convocada, para o dia 6 de dezembro, terça-feira, em caráter excepcional às 14h, reunião extraordinária desta Comissão destinada à deliberação de proposições.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 9 horas e 43 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 46 minutos.)