Notas Taquigráficas
28/11/2016 - 42ª - Comissão de Assuntos Econômicos, Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Boa noite. Declaro aberta a 12ª Reunião Conjunta das Comissões Permanentes, sendo a 42ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, e a 3ª Reunião da Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional. Pauta: audiência pública interativa. A finalidade é debater a PEC 55, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir o novo regime fiscal e dá outras providências, e avaliar a progressividade tributária como uma possível alternativa à PEC. Requerimentos de realização de audiência: Senadora Vanessa Grazziotin, Senador Lindbergh Farias e outros. Temos aqui os convidados a quem quero dar as boas-vindas e agradecer a presença: Drª Élida Graziane, Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo; Dr. Pedro Celestino da Silva Pereira Filho, Presidente do Clube de Engenharia; Dr. Ricardo Lodi, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Estado do Rio de Janeiro; Dr. Rodrigo Orair, que ainda não está conosco; Dr. Henrique Freitas, Auditor Fiscal, representando o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco); E Dr. Paulo Gil Holch Introini, membro do Instituto da Justiça Fiscal. Esta reunião está sendo realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www. senado.leg.br/ecidadania, ou ligando para o número 0800- 612211. Os convidados já se encontram no plenário e já foram nominados. E, de acordo com o art. 94, §§ 2º e 3º, do Regimento Interno do Senado Federal, a Presidência adotará as seguintes normas: Cada convidado fará a sua exposição por até 20 minutos, mas, se precisar mais tempo, podemos conceder. E, em seguida, abriremos a fase de interpelação para os Senadores, Senadoras e para quem estiver presente aqui na Comissão. Temos a ordem em que foi feita a leitura da presença dos senhores. Conversamos um pouco antes, e quem vai iniciar a exposição é a Srª Élida Graziane, Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo. O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Srª Presidente, a senhora me permite um segundo porque acabou de haver uma entrevista coletiva do Senador Romero Jucá, como Líder do Governo no Congresso, e eu queria aqui, como Líder da Oposição no Senado, rebater, porque ele falava em autoconvocação do Congresso para o dia 10 de janeiro para votar a reforma da previdência. Devo dizer inclusive que estamos com a posição firme de que esta PEC 55 não pode ser votada no dia de amanhã. A crise que o País está atravessando não é uma crise menor. Essa crise envolve o Presidente Temer, porque não é o caso do Geddel, porque o Temer fez a mesma coisa que o Geddel fez: advocacia administrativa, concussão. A nosso ver, cometeu um crime de responsabilidade. Hoje tivemos uma reunião. Amanhã, vamos ter outra com os movimentos sociais, porque estamos convencidos de que houve crime de responsabilidade, e crime de responsabilidade, aí sim, professor Ricardo Lodi, é passível de impeachment, V. Sª que esteve presente em todos os debates sobre o impeachment da Presidenta Dilma, que desempenhou papel com brilhantismo. Eu queria aproveitar para saudá-lo. |
| R | Então, quero responder ao Senador Romero Jucá: não aceitamos autoconvocação do Congresso para votar a reforma da previdência, porque o problema dessa PEC - sei que nós vamos discutir isso aqui - é que se trata de um ajuste violentíssimo em cima dos mais pobres, com cortes em saúde e educação pública. Você sabe que reduzir de 19,8% dos gastos primários do PIB para 14,8%, que é o que eles estão propondo, cinco pontos percentuais do PIB em dez anos, é um mix de maldades: corte em educação e saúde, mexer na previdência. A meu ver, vão mexer na vinculação do salário mínimo com benefício previdenciário. Vão atacar o Benefício de Prestação Continuada - já começaram a fazer discursos -, o BPC que atende as pessoas com mais de 65 anos, pessoas com deficiência, e pobres, porque, na verdade, para se ter o BPC, tem que ter uma renda familiar inferior a um quarto de salário mínimo. Então, só pedi a palavra para dizer que não vamos aceitar esse encaminhamento dado pelo Senador Romero Jucá a partir dessa entrevista coletiva de autoconvocação do Congresso, para fazer maldade. Acerca da reforma da previdência, volto a dizer, esse Governo, o Presidente Michel Temer se aposentou com 55 anos; o Ministério da Casa Civil, Padilha, aposentou-se com 53; o Geddel tinha se aposentado com 51, todos ganhando acima do teto, e nós vamos mexer justamente com aposentado que ganha um salário mínimo, com as pessoas mais pobres. Sabemos o papel que a previdência social teve na construção desse grande mercado de consumo de massa. Eu acho uma loucura do ponto de vista econômico. Se você atacar, vai deprimir ainda mais a nossa economia, principalmente no que se refere a consumo das famílias, você vai tirar dinheiro da mão de quem usa todo o dinheiro para economia, porque o aposentado que ganha um salário mínimo joga na economia. É o que o Lula dizia anteriormente: dinheiro na mão do pobre vai para a economia, movimenta a economia. Então, agradeço a V. Exª. Desculpe-me por quebrar um pouco o procedimento estabelecido por V. Exª, mas eu tinha que dar essa resposta ao Senador Romero Jucá. A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Foi importante, inclusive a gente estava vendo as notícias, à tarde, de que haveria realmente essa sugestão. Agora, não sei como o Congresso pode se autoconvocar se não houver um acordo de Liderança. Vai se autoconvocar pela Presidência do Congresso Nacional? A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Senadora Gleisi, eu acho extremamente oportuno, e até os nossos convidados estão aqui ouvindo - não vou falar muito tempo, porque queremos ouvir os nossos convidados, e é até bom que eles escutem - que essa PEC que estamos analisando está com a votação em primeiro turno marcada para amanhã, e isso não é algo isolado. Todos os convidados que têm vindo aqui, sobretudo aqueles que defendem essa PEC, falam da necessidade das medidas sequentes: reforma da previdência, desvinculação de todos os benefícios sociais do salário mínimo, reforma trabalhista. Então, é importante que tenhamos perfeitamente o quadro montado para saber qual o caminho e o que nós devemos fazer. Senadora Gleisi, amanhã tem a PEC, pelo jeito, mas a gente já vai começar com muita pendência a sessão deliberativa, porque, além dessa questão da tal autoconvocação, que, de fato, é prevista no Regimento, há outras. Eu nunca vi convocar sem que antes houvesse um diálogo. E veja, não foi o Presidente do Senado, não foi o Presidente do Senado, foi o Líder do Governo no Senado. Isto é muito grave, passando por cima da autoridade do Presidente do Senado Federal, passando por cima dessa autoridade. Isso é muito grave, não é? Além disso, temos a pendência da semana passada sobre a Lei da Repatriação, que o Plenário aprovou uma coisa, mas, quando viu, a redação saiu outra coisa. |
| R | Enfim, é lamentável o momento que a gente vive, mas quero dizer que é segunda-feira à noite e estamos aqui debatendo com pessoas da mais alta capacidade. No entanto, quero lamentar a ausência, pois aqui não há nenhum parlamentar de apoio da Base. Eles são maioria, mas não há ninguém. E o debate só ocorre, temos dito, graças a esta Comissão e à Comissão de Assuntos Econômicos e de Direitos Humanos. Do contrário, nem debate teríamos. Obrigada, Senadora. A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senadora Vanessa. Eu passo a palavra, então, à Drª Élida Graziane, por 20 minutos. A SRª ÉLIDA GRAZIANE - Boa noite. É uma honra participar do debate a respeito da PEC nº 55. Eu gostaria de fazer a seguinte abordagem: embora a reflexão sobre o conjunto das receitas seja o grande mote, na minha condição de membro do Ministério Público de Contas e acompanhando os impasses, inclusive do ponto de vista do federalismo fiscal que implicará a aprovação da PEC, eu gostaria de chamar a atenção também do ponto de vista do risco fiscal que a PEC ensejará. A minha fala hoje quer retomar, na verdade, a circunstância muito clara de que os pisos tendem a se transformar - referidos a um percentual da receita - em um volume cada vez mais consistente de precatórios. Talvez a primeira grande fala que eu tenha a lhes dizer é que a gente precisa conceber o cenário de agravamento da insegurança jurídica na proteção dos direitos fundamentais. E arrolei alguns exemplos muito claros que a mim me parece que vão ensejar uma explosão de demandas judiciais. São exemplos já considerados inclusive em decisões do Tribunal de Contas da União, exemplos já considerados do ponto de vista de um debate no Supremo Tribunal Federal e que, a depender de como o Governo vá tratar essa questão do exercício de 2017, que ainda é o ano em que os pisos de saúde e educação se mantêm tal como ainda estão regulados nos arts. 198 e 212 da Constituição, teremos, na verdade, uma fragilidade da própria PEC do Novo Regime Fiscal. Então, o que eu tenho chamado de insegurança jurídica, o que eu tenho chamado de risco fiscal mereceria dos Senadores - nesse sentido a primeira sugestão que já trago - a inserção ... (Soa a campainha.) A SRª ÉLIDA GRAZIANE - ... no anexo de riscos fiscais da LDO. Recomendo fortemente que se levante todo o conjunto de direitos subjetivos públicos na seara da saúde e da educação, inclusive já reconhecidos nesses precedentes do TCU e do próprio Supremo Tribunal Federal, para que sejam tratados como riscos fiscais no anexo próprio da LDO. Mais do que só debater a PEC neste momento em que parece dificílimo pactuar soluções intermediárias ou fazer um debate estrutural de um ajuste fiscal que seja também pelo viés da receita das despesas financeiras, é muito importante tematizar o ciclo orçamentário e mostrar que a PEC tal como se encontra trará insegurança jurídica e converterá os pisos em precatórios; fazer o anexo de riscos fiscais o lugar mais consistente de questionamento da viabilidade de esvaziar a eficácia imediata desses direitos. É claro que este é um debate em que é muito importante resgatar os precedentes, resgatar como o Supremo tem julgado. Para tanto, arrolei vários, vários pontos de partida para que constem como risco fiscal na LDO. Ao que me consta, e procurei apurar, ainda não foi promulgada a LDO. Não sei se ainda é tempo de este debate acontecer, mas, de toda sorte, se neste exercício não for possível, já no próximo exercício se deverá inserir como risco fiscal o descumprimento dos pisos da saúde e da educação capazes de enfraquecer a sua eficácia. |
| R | A primeira questão que lhes trago é exatamente o precedente da ADPF nº 45, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, quando o Ministro Celso de Mello, em 2004, de forma muito explícita, refutou a possibilidade de contabilizar no piso da saúde despesas financeiras do Ministério da Saúde. Naquela ocasião, o Ministro Celso de Mello disse: não cabe a manipulação da atividade financeira do Estado para negar a efetividade de direito fundamental. Esse é um forte precedente. O segundo precedente que trago é o da ADPF nº 347, que descontingenciou os recursos do fundo penitenciário em setembro do ano passado. E agora, quando vem a ideia de converter os pisos, que hoje são atrelados ao percentual da receita, em apenas uma garantia de correção pela inflação, mudando o próprio indexador de aplicação, essa perda da proporcionalidade entre receita e despesa pode, sim, ser confrontada judicialmente. Por isso, trago aqui, e me permitam dado o tempo curto, um excerto da fala do Ministro Celso de Mello na ADPF nº 45. Ele dizia: "Não se mostrará lícito ao Poder Público fraudar, frustrar ou inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência". (...) A cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível (...)" Peço a V. Exªs para impugnarem esse justo motivo objetivamente aferível, buscar os precedentes já consolidados no próprio TCU, no próprio Supremo Tribunal Federal, e suscitar que são riscos fiscais a ausência de cobertura suficiente, e incutir que a ausência de justo motivo para não resguardá-lo no Orçamento merece ser impugnado. Não há justo motivo se a receita começar a crescer. Não haverá justo motivo se a economia voltar a se comportar como adequada. E este é o aviso que faço: os cidadãos continuarão a possuir direito subjetivo público à saúde e à educação. Portanto, a ideia de que teremos um adensamento, um volume cada vez mais considerável de precatórios, exigindo a eficácia desses direitos, merece, sim, ser tratado dentro do anexo próprio da LDO, que é o Anexo de Riscos Fiscais, até para começarmos a exigir a previsão de reserva de contingência proporcional. Vejam, se é um risco fiscal, há de haver uma reserva de contingência capaz de suportar, porque esse adensamento de precatórios com a postergação correspondente do direito fundamental não é admissível. É muito importante trabalhar a ideia de que, sendo direito subjetivo público, ele não pode ser negado. E o adensamento na forma de precatório é um risco fiscal ao qual deve corresponder, sim, no montante da reserva de contingência, uma proteção, uma cautela, até para eventual situação de descasamento do dever para com a Lei de Responsabilidade Fiscal, para com a Lei Orçamentária e eventual crime de responsabilidade. Deixar expandir explosivamente o volume de precatórios judiciais numa seara onde os direitos fundamentais são, sim, direitos subjetivos públicos exigíveis é algo que, no médio prazo, pode ensejar uma desobediência em relação ao regime da própria responsabilidade fiscal e do cumprimento da Lei de Orçamento. Agora eu já quero trazer os exemplos. E, exatamente porque o tempo é muito curto, eu tenho pensado em fazer um debate bastante aplicado e quero suscitar que essa perspectiva de risco fiscal, o descasamento da proporcionalidade entre receita e despesa, entrando no Anexo de Risco Fiscal e tendo que ser tratado como algo que a reserva de contingência vai ter que prever também volumes de recursos, os exemplos que lhes trago são: o Fundeb tem um prazo de duração estimado até 2020. |
| R | O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação não durará, a menos que outra emenda constitucional altere esse arranjo para além de 2020. Assim está no art. 60 da ADCT, e o modelo que substituirá será um modelo do Custo Aluno Qualidade Inicial - CAQi - e Custo Aluno Qualidade. O MPF, colega do Rio de Janeiro, ajuizou uma ação civil pública, demandando que a União já regulamente o CAQi, até porque ela está em mora. O Acórdão do TCU 618 - é um acórdão de 2014 - e o Plano Nacional de Educação exigem a implementação do CAQi e, na falta do Fundeb, eu lhes pergunto: como a União assegurará o padrão mínimo de qualidade com a equalização do padrão das oportunidades educacionais? Imaginemos: se já está judicializado na Justiça Federal ação civil pública, e a União, mantendo o padrão de aplicação no Fundeb em R$10 bilhões, claramente insuficiente para promover a equalização de oportunidade educacional, claramente insuficiente para avançar na ideia de padrão mínimo de qualidade, se isso vai agora, com a ideia de um ajuste fiscal que constrange apenas pela correção da inflação, vai conseguir atender a essa ação civil pública? Não é para curto prazo. É claro, uma ação civil pública demora, mas é um risco fiscal, inclusive porque o TCU já determinou desde 2014, a Justiça Federal foi provocada, e a Fineduca, que é uma organização de pesquisadores do financiamento da educação, estimou que seriam necessários pelo menos R$40 bilhões para conseguir implementar esse salto qualitativo na educação básica de qualidade. Há de se tratar a ideia de que há uma demanda judicial nessa seara após a busca pelo TCU dessa regulamentação como algo que tem que ser tratado como risco fiscal, como um esvaziamento de um dever constitucional que não é possível mais adiar. Já na área da saúde, a questão que lhes trago é uma questão ainda mais interessante do ponto de vista de risco fiscal da LDO. A Emenda 86 foi aprovada pelo Congresso, promulgada pelo Congresso, em março do ano passado, e, especificamente os seus arts. 2º e 3º, que é a PEC 55 - inclusive em relação ao art. 2º pretende revogar -, estão sob debate no Supremo Tribunal Federal. Pode parecer à primeira vista que, assim que a PEC for promulgada, vai perder o objeto dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.595, mas não perderá. É muito interessante tratar que a reflexão que o Supremo já está em via de deliberar, sobretudo no exame de medida cautelar, é sobre a vedação de retrocesso nos pisos de custeio - aqui, no caso especificamente da saúde. Na ADI 5.595, o Supremo foi provocado a dizer que não pode haver redução do patamar do piso de custeio da saúde. Especificamente porque a Emenda 86 previu subpisos: no caso da saúde, 13,2% da receita corrente líquida em 2016. Só um momentinho. E o art. 3º da Emenda 86 é especificamente sobre a possibilidade de não ser mais fonte adicional de receitas para a saúde a questão dos recursos do pré-sal. O debate que o Supremo vai enfrentar é, no mérito, a possibilidade de o piso retroceder; certamente o Supremo enfrentará. E aí, nesse caso, diferentemente dos mandados de segurança a respeito da PEC, não é possível simplesmente preservar a ideia do debate no Parlamento, a autocontenção do Supremo, porque a matéria já está em vigor, não é uma perspectiva de autocontenção de separação de Poderes. |
| R | O debate vai ter que retomar, por dever de coerência, a ADPF 45 e a ADPF 347. Eu ponho muita esperança. O Relator é o Ministro Ricardo Lewandowski, e realmente entendo, nesse caso, que o Supremo, para que se mantenha coerente com a sua trajetória decisória... Inclusive em dezembro do ano passado, em relação à saúde, a questão de diferença de classe no atendimento do SUS, se paciente poderia pagar, para ser atendido, um médico de sua preferência, ou numa estrutura hospitalar mais adequada, o Supremo disse que é inconstitucional estabelecer qualquer discriminação em relação ao atendimento do SUS. Não admitiu sequer cobrar pelo médico de preferência do paciente. E a fundamentação naquela ocasião - o Ministro Dias Toffoli havia sido Relator - é que, senão, o País retrocederia ao modelo do Inamps. Vejam, na ADI 5.595, V. Exªs, terão uma oportunidade belíssima de testar a coerência interpretativa do Supremo Tribunal Federal em relação à defesa dos pisos, especificamente, no caso, o piso da saúde; a ideia de vedação, de retrocesso, a ideia de que o direito fundamental à saúde não comporta redução de proteção, porque os pisos, em última instância, operam como mecanismo de proteção do próprio direito fundamental. Nós equiparamos como se fossem garantias fundamentais, análogas, a ideia do habeas corpus e do habeas data. São remédios constitucionais. É esse o debate que está no Supremo. É esse o teor da petição inicial do Procurador-Geral da República. São remédios constitucionais. Assim como não é possível reduzir o nível de proteção do direito fundamental à saúde, não é possível extinguir o SUS, não é possível deixar de financiá-lo adequadamente. Então, não percamos a esperança num primeiro movimento de curto prazo da PEC 55. Porque tanto na questão dos riscos fiscais quanto nas decisões que o Supremo já está provocado a decidir - e a própria Justiça Federal, em primeira instância, já vai ser provocada a decidir -, temos que fincar pé que os direitos fundamentais à saúde e à educação são amparados por garantias fundamentais com a mesma estatura de cláusula pétrea. Assim como o direito de ir e vir é amparado, protegido pelo habeas corpus, o direito fundamental à saúde é amparado pelo seu piso de custeio. E não se trata apenas de uma escolha da Emenda 29 a partir de 2000. A bem da verdade, a ideia de que a saúde teria uma proporcionalidade de proteção de custeio já estava no art. 55 da ADCT, com a perspectiva de 30% do orçamento da seguridade social. É claro que a fragilidade, ao longo do tempo, foi esvaziando. Mas esse é um debate muito importante para ser feito, inclusive tensionando a ideia de freios e contrapesos. No ano que vem, ainda, os pisos de saúde e educação serão uma proporção de receita. Ainda serão aplicados os arts. 198 e 212, e, por isso, tenho muito dito aos colegas que precisamos suscitar um controle incidental tanto na primeira instância quanto esperando que o Supremo mantenha a sua coerência decisória, a despeito de todas as dificuldades que normalmente a atuação, no âmbito do Supremo, muito politizada por vezes, envolve. Aqui suscito também outro debate que, certamente, se impugnado no âmbito do TCU ou no âmbito da Justiça Federal, ensejará uma linha de frente de defesa do direito à saúde: é o cancelamento do conjunto de restos a pagar, que foram contabilizados no piso da saúde porque ainda estavam no Identificador de Resultado Primário 6 a partir de dezembro. Estarão bloqueados a partir de novembro, final de novembro. Caso não sejam efetivamente processados e quitados, serão cancelados. |
| R | Ora, se foram contabilizados em exercícios anteriores como piso de custeio da saúde, não se pode simplesmente dar um calote de qualquer natureza nesse piso. Impõe-se a medida compensatória. É disso que trata a Lei Complementar nº 1. Eu trouxe um debate que é muito interessante e que também mostra rotas alternativas de pensar esse constrangimento fiscal dos direitos fundamentais à saúde e à educação. Vejam especialmente a última notícia, outro fluxo de judicialização. No Estado do Rio Grande do Sul, os hospitais filantrópicos, os diversos hospitais credenciados ao SUS entraram com ação por bloqueio das contas da União, demandando o bloqueio das contas da União, exatamente pelos atrasos dos repasses, pela insuficiência do montante na relação sinalagmática do que eles prestam e do que eles estão recebendo. Cheguei a citar uma notícia até de que os bancos estão criando uma linha de crédito, de consignação, de crédito consignado para quem presta serviço ao SUS, esvaziando uma relação que é de defesa da sociedade. Nessas duas notícias, vejo com muita tranquilidade a perspectiva de outra linha de debate que não seja apenas a PEC agora. Será um risco fiscal a expansão da judicialização da saúde. Enquanto o Governo tensiona dizendo que as demandas por remédios, as demandas individuais estão expandindo enormemente, a mim me parece - eu que verifico todos os dias as contas das prefeituras do Estado de São Paulo, que vejo uma sobrecarga fiscal da demanda pela efetividade do direito à saúde em relação aos Municípios - que o maior risco que teremos é uma explosão de demandas judiciais, inclusive em relação à insuficiência do custeio da União. Os Municípios ingressarão cada vez mais em juízo contra a própria União. Os prestadores de serviço - já há esses precedentes - ingressarão cada vez mais contra a União. Eu trouxe ainda agora também um precedente na Justiça Federal do Rio de Janeiro, já confirmado pelo TRF, de que o Município tem direito de buscar em direito de regresso os medicamentos ainda não pactuados, os medicamentos ainda não incorporados na Rename, em rota de admissibilidade de uma responsabilidade solidária que também está em via de mão dupla. Não é porque só o Município responde que ele depois não possa buscar reaver aquilo com o que arcou sozinho, aquele um terço que a União deixou de aportar num rateio prévio. Vejam, o acórdão do TCU. Eu digo que são sempre decisões já operadas num debate ou no TCU ou na Justiça Federal ou mesmo já provocadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Mexer nos pisos de custeio da saúde e da educação significará um risco fiscal porque substituiremos o modelo atual por um volume cada vez mais severo de precatórios. Esse debate é, inclusive, o maior debate federativo no âmbito da judicialização da saúde, que é a falta de cumprimento daquilo que é pactuado na CIT.CIT é a Comissão Intergestores Tripartite. É a governança do SUS - a União, os Estados e os Municípios. Ora, se se pactuou na CIT, deve-se vincular aos entes. Mas a União deixa de cumprir a sua pactuação. Ela não consolida o conjunto das portarias, descumprindo esse acórdão do TCU, de modo a sobrecarregar os entes subnacionais. Entre os colegas da área do Direito Tributário aqui ... (Soa a campainha.) A SRª ÉLIDA GRAZIANE - Desculpe-me. Já vou avançando. Há um debate sobre guerra fiscal de receitas. Eu lhes digo que há uma guerra fiscal de despesa e haverá um fluxo de judicialização em sentido inverso. É esse o exemplo de uma decisão já passada no nível do TRF da 2ª Região, em que o TRF admitiu obrigar a União a ressarcir o Município naquilo que ele pagou sozinho por um medicamento não incorporado na Rename. |
| R | Vou passar rápido. O tempo já se esvaiu. Aqui é um texto que tive a felicidade de escrever com os Profs. Fábio Konder Comparato, Heleno Torres e Ingo Sarlet, suscitando exatamente o nível de proteção alcançado pelo direito à saúde e à educação, de tal modo que uma proposta de emenda à Constituição não é admissível no nosso ordenamento, afrontando essa cláusula pétrea. Não é sem razão que as associações de magistrados, associações de diversas áreas de profissionais do Direito têm suscitado a inconstitucionalidade dessa proposta. Ainda que, no mandado de segurança, o Ministro Luís Roberto Barroso não tenha avançado especificamente no exame dos pisos, porque, em ambas as decisões, ele não analisou a repercussão sobre os pisos, quando isso chegar ao debate da primeira instância, e mesmo no próprio Supremo Tribunal Federal, certamente a reflexão vai ganhar outro tom. Esse despregamento da relação de proporcionalidade entre receita e despesa não é admissível. Há atributos que se justificam no ordenamento especificamente pela destinação que têm. Seria esvaziar essa relação de finalidade e proporcionalidade. Inclusive, já do ponto de vista do debate sobre outras rotas de alternativa, outras alternativas de ajuste fiscal, tenho invocado, inclusive para as próprias prefeituras, para o Estado de São Paulo, o seguinte: se já temos ordenamento brasileiro, na Lei de Responsabilidade Fiscal, mecanismos de ajuste - e aí invocando até a Lei das Eleições, que cria restrição, mesmo não sendo um período eleitoral -, se não se paga a folha, se não se cumprem os pisos da saúde e da educação, o ente deveria ter, sobre si, as mesmas restrições, por exemplo, da lei eleitoral que não admite contratação de show artístico, que não admite realização de obra nova, que não admite despesas com publicidade fora do estritamente essencial, e é esse o debate que invoquei nesse texto, inclusive em relação às renúncias de receitas. Especificamente nas renúncias de receitas, já que o tempo se esvaiu, tenho invocado a interpretação íntegra, o Direito como um todo, da ideia da própria Lei de Licitações. Vejam: a Lei de Licitações, art. 57, veda a existência de contrato por prazo indeterminado. Dos contratos, decorrem despesas e, portanto, sempre estão adstritos à vigência do crédito... (Soa a campainha.) A SRª ÉLIDA GRAZIANE - ... em regra, pelo menos um ano. No caso das renúncias de receitas, imaginar possível a concessão de uma renúncia por prazo indeterminado, fora das balizas do art. 14 da LRF, que é a vinculação com sua medida compensatória, ao nosso sentir, é uma geração de renúncia fiscal nula. A renúncia de receita é um gasto tributário, tem que ser tratado com a mesma constrição, mesmo rigor. Estados, Municípios e a própria União que concederam renúncias fiscais sem nenhuma baliza de restrição temporal não precisam de outra lei para revogá-las. Temos que fazer um debate inclusive de nulidade do próprio ato concessório. Não é possível o Estado conceder, porque renúncia fiscal só é tratamento discriminatório, não é benefício universal. Não é possível que o Estado institua um privilégio fiscal perene, permanente. É esse o debate de higidez das renúncias fiscais que mereceriam uma interpretação íntegra, conjugada com a mesma perspectiva do art. 57 da Lei nº 8.666. (Soa a campainha.) A SRª ÉLIDA GRAZIANE - Aí são os exemplos de que tratava, de que a gente precisa fazer a busca de um ajuste já consonante com a Constituição e não contra a Constituição. O direito financeiro brasileiro já tem instrumentos para promoção do ajuste e quem promete solução fácil, solução única para problemas antigos e complexos vende ilusões. Esse é o debate que já fazia nesse texto, inclusive provocando a reflexão dos entes subnacionais. |
| R | Cheguei, em outro texto, com o professor de Economia da Unicamp, Prof. Geraldo Biazotto, a debater o conceito de estado de sítio fiscal. A noção de estado de sítio, na Constituição, é a suspensão temporária de direitos por prazo superior a 30 dias. É claro que é um termo forte, mas, vejam, suspender a eficácia de direito fundamental que a Constituição delimita, que tem eficácia imediata, que tem inclusive uma estrutura de financiamento que a ampara, acaba sendo, sim, na prática, um estado de sítio fiscal, uma postergação, porque, no que se refere à saúde e educação, será, infelizmente, uma estratégia deliberada de postergação na forma de precatórios. Demandas pela efetividade dos pisos de custeio de saúde e de educação se revelarão, na verdade, um estoque cada vez mais volumoso de precatórios. Por isso mesmo, acredito no debate que o Supremo já enfrentou em relação a descontingenciamento do fundo penitenciário, em relação à ADPF 45, em que o Ministro Celso de Mello não admitiu o constrangimento do mínimo existencial e disse que não era admissível também a manipulação da atividade financeira do Estado para frustrar a efetividade desses direitos fundamentais. Ainda mais porque, ao longo desses 20 anos, a ideia que se tem é de uma discricionariedade alocativa de 9% do PIB. Os cálculos com os quais eles trabalham... (Soa a campainha.) A SRª ÉLIDA GRAZIANE - ... constrangendo os gastos obrigatórios, são de alcançar uma discricionariedade alocativa de 9% do PIB. Aí se perde inclusive a ideia de justificação de um constrangimento tão grande. Não é possível, dentro da ideia de necessidade, proporcionalidade em sentido estrito e adequação dentro do princípio da proporcionalidade com a qual o Supremo vem trabalhando, acatar uma restrição de tal monta no custeio dos direitos fundamentais. Agradeço, já me exorbitei bastante do tempo, mas espero constranger o debate também no nível do sistema de freios e contrapesos. O debate da PEC 55 não termina aqui. Será, sim, a transformação de pisos em precatórios com uma expansão volumosa de riscos fiscais que V. Exªs podem tematizar no anexo próprio da LDO. Inclusive, em relação à própria forma, como a falta de limite para dívida, também acaba sendo uma espécie de risco fiscal. Ainda que não haja a resolução, a gente pode começar a criar uma forma de elaborar o processo a respeito da dívida também como um risco fiscal. O TCU apontou isso em vários acórdãos. Então, se V. Exªs tomarem como ponto de partida as demandas judiciais já em curso, tanto a questão do Fundeb, que será CAQi e CAC (Custo Aluno-Qualidade Inicial e Custo Aluno-Qualidade) quanto a saúde (especialmente a ADI 5595) será um debate muito interessante, nas próximas LDOs, suscitar o risco fiscal com a necessidade da reserva de contingência cobrir a efetividade dos direitos à saúde e à educação. Obrigado, mais uma vez, desculpe o pequeno atraso, exorbitei do tempo. A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Drª Élida, mas é uma abordagem bem interessante. Aliás, a primeira vez que essa abordagem vem aqui nesse debate, como direito e garantia fundamental, problema de poder ir a precatório. Enfim, achei muito interessante. A palavra agora está com o Sr. Pedro Celestino da Silva Pereira Filho, que é Presidente do Clube de Engenharia, por 20 minutos. O SR. PEDRO CELESTINO DA SILVA PEREIRA FILHO - Exma Sr. Senadora Gleisi Hoffmann, Exmas Srªs Senadoras, Exmos Senadores, companheiros de Mesa, minhas senhoras e meus senhores. Boa noite a todos. |
| R | O Clube de Engenharia é uma instituição centenária, a mais antiga instituição representativa de profissionais da engenharia no Brasil. Ao longo dos seus quase 136 anos de existência, tem-se batido de uma forma consistente em defesa da nossa soberania, da democracia e da engenharia nacional. É com essa ótica que venho trazer-lhes a opinião dos engenheiros em relação à PEC 241, convertida para PEC 55 aqui no Senado. O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo, ainda assim é um País em construção, pouquíssimos mercados no mundo são tão concentrados quanto o mercado brasileiro; são apenas os países que têm extensão territorial, recursos naturais e população que competem com o mercado brasileiro. O maior deles, no mundo moderno, é a China; em seguida, temos o mercado russo, o mercado indiano e o mercado brasileiro. Recentemente, após a eleição de Trump, nos Estados Unidos, acena ele com o programa de reconstrução da infraestrutura norte-americana, que demandará US$3,3 trilhões nos próximos dez anos. Teremos, então, um quinto país concentrador de obras e serviço de engenharia. Canadá e Austrália, embora de grandes dimensões territoriais e recursos naturais, não têm população, consequentemente, não demandam tantos serviços e obras de engenharia. E nós Brasil, que éramos meros exportadores de café e de minérios, até a década de 30, do século passado, a partir daquela época, começamos a olhar para dentro, tendo um grande impulso a partir da década de 50, do segundo governo Vargas, e, em seguida, o governo de Juscelino Kubitschek, que, através do seu plano de metas e da proposta de transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília, sinalizava , para a sociedade brasileira, a importância de conquistar o Brasil para o seu povo. Estamos aqui, pouco mais de 60 anos após a inauguração da Capital, em outro País; País esse que se construiu com uma rapidez extraordinária. Para que os senhores tenham uma ideia, Jânio Quadros, na campanha eleitoral de 1960, no meu Estado, o Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, prometeu um gerador diesel para Três Lagoas, Campo Grande e Corumbá para terem luz elétrica entre 18h e 21h. |
| R | Quando Juscelino se elegeu, o Brasil tinha apenas 800km de rodovias pavimentadas, deixou o Governo com 14 mil km de rodovia pavimentadas. Hoje, temos 221 mil km de rodovias pavimentadas, o que é muito pouco para as necessidades da nossa economia e do nosso povo. Minimamente, já deveríamos ter cerca de um milhão de km de rodovias pavimentadas. Esse era o Brasil dos anos 50 e esse é o Brasil dos anos dez do século XXI. Na década de 50, contrariando as vozes que sistematicamente se colocam contra o nosso desenvolvimento soberano, criou-se a Petrobras. Aqui nesta Casa, no Senado Federal, quem se der ao trabalho de consultar os Anais verá que havia vozes tais como a do Senador Othon Mader, do Paraná; do Senador Assis Chateaubriand, da Paraíba que diziam que o Brasil não tinha competência para explorar e produzir petróleo, que a atividade de exploração e produção de petróleo devia ser deixada ao capital estrangeiro devendo, nós, brasileiros, nos concentrarmos na produção de grãos. Por quê? Uma simples geada em São Paulo ou no Paraná produzia, àquela altura, uma crise cambial. Esse era um Brasil muito pobre e um Brasil que, a despeito de tropeços na política, na economia, se transformou em uma das dez maiores economias do mundo. E o que que está PEC propõe? O desmonte do Estado. Considera que devemos tratar o Estado como se tratássemos a nossa economia doméstica: ninguém pode gastar mais do que arrecada. Isso entra em contradição com a própria função do Estado no mundo porque o Estado é responsável por extrair recursos da sociedade através de impostos e devolver à sociedade através da prestação de serviços. Como teríamos nós construído o Brasil que temos hoje sem um Estado forte planejando o desenvolvimento econômico, incentivando a iniciativa privada? |
| R | Pois bem, esse Estado teve, como um dos seus esteios, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico criado no segundo governo Vargas, e, através de sucessivos governos e regimes, foi o banco essencial à construção da infraestrutura brasileira. Esse banco hoje, na atual administração, tem a sua vocação mudada para ser um mero repassador de recursos para privatizações e concessões; abre mão, assim, do seu papel indutor do desenvolvimento. Prova disso é o fato de o banco, nesse ano, ter reduzido em 35% o dispêndio de recursos com o setor privado, além de, conforme bem diz a Senadora Gleisi Hoffmann, devolver R$100 bilhões ao Tesouro Nacional. Não vou entrar na discussão de se essa devolução é legal ou não, se é uma pedalada ou não. O que interessa é que o banco... O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Essa é uma operação de crédito. O SR. PEDRO CELESTINO DA SILVA PEREIRA FILHO - ...deixa de cumprir seu papel essencial à promoção do desenvolvimento. O que vemos ainda? Vemos o amesquinhamento do papel da Petrobras como âncora do desenvolvimento industrial brasileiro, construída ao longo desses 60 anos, através, mais uma vez, de sucessivos regimes políticos, governantes de todos os partidos e sempre prestigiada e respeitada pela nossa população. A Petrobras, a bem da verdade, passa - não na atual gestão e, sim, na gestão de Bendine ainda no governo Dilma - a abrir mão desse papel indutor do desenvolvimento, rende-se à lógica privada de ser obrigada a comprar onde for mais barato. Com isso, abre mão do conteúdo local, conteúdo local que garante empregos a milhões de brasileiros. No caso do petróleo são mais de 800 mil empregos qualificados que dependem dessa cadeia de fornecedores, mais de cinco mil fornecedores nacionais e estrangeiros. Essa política de conteúdo local, consagrada desde a década de 50, é que faz com que uma GE, uma Halliburton venham para o Brasil, se instalem na Ilha do Fundão ao lado da COP e do Centro de Pesquisas da Petrobras para, aqui, gerarem empregos, desenvolverem tecnologias e contribuírem para o nosso desenvolvimento. Muito bem, investem e, no momento seguinte, o Governo diz: não quero mais saber de conteúdo local. O que se faz com o parque industrial aqui instalado? Nesse instante, a Petrobras busca uma dispensa do cumprimento da lei para construir plataformas de petróleo na China no momento em que a nossa indústria de construção naval está paralisada no momento em que a nossa única empresa de projetos na área naval está ameaçada de fechar as portas jogando fora o patrimônio tecnológico acumulado ao longo de décadas para gerar empregos na China, para desenvolver mais a China. É uma política suicida, vamos convir. |
| R | Essa política de conteúdo local tem que ser preservada. Mais ainda: discute-se no âmbito dessa Emenda 55 limitar despesas, eliminando investimentos públicos, como se, por um passe de mágica, investimentos externos viessem nos socorrer. Cria-se, então, um programa de concessões, e o clube de engenharia não tem nada contra se estabelecer concessões de serviços públicos a empresas privadas, mas tem, sim, que se preservar a capacidade produtiva aqui instalada sob pena de nos convertermos em um canteiro de obras de empresas chinesas, francesas, americanas ou de mais onde venham. Não temos medo de concorrência. Durante muito tempo, tivemos concorrências no Brasil internacionais, sob o patrocínio de organismos financeiros internacionais que abrem o nosso mercado à concorrência estrangeira. Não temos nada como proteção de mercado para que o estrangeiro não venha aqui competir, mas quero dizer que a nossa engenharia é tão competente que tem participação expressiva em mais de 40 países inclusive Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Essa participação da engenharia brasileira no exterior hoje é alvo de um ataque permanente, insidioso que visa aniquilá-la. Refiro-me ao que está sendo feito em nome do combate à corrupção, que nos une a todos para destruir a capacidade gerencial, tecnológica, administrativa das grandes empresas de engenharia brasileira. Sabem todos aqui que a Volkswagen foi pilhada ano passado fraudando oito milhões de clientes no mundo inteiro a propósito de emissões atmosféricas. Recebeu uma multa bilionária nos Estados Unidos, US$14 bilhões, está sendo multada na União Europeia, seus dirigentes estão sendo processados. Seguramente, alguns serão condenados, mas a Volkswagen não quebrou. A Alemanha não deixou a Volkswagen quebrar. Por quê? Porque a Volkswagen é responsável por 15% do PIB da Alemanha. É responsável por centenas de milhares de empregos na Alemanha e no mundo. É orgulho nacional da Alemanha. E aqui não se faz nada para preservar empresas e empregos. |
| R | O Clube de Engenharia se insurge contra esta política de destruição da capacidade criativa da nossa engenharia. Por outro lado, consideramos também que é necessário, dentro de políticas de contenção fiscal, levar em conta as necessidades do desenvolvimento. Não há exemplo, na história do homem, de contenção fiscal, do modo que está sendo proposta, que tenha dado certo sem um vigoroso programa de investimentos públicos. E nós temos demandas, da nossa população urbanizada, que hoje se concentra em nove grandes regiões metropolitanas do Brasil, congregando mais de 40% da nossa população. Essa população urbanizada, que sofre o maior peso da recessão ou da depressão em que nos encontramos, necessita de um programa de investimentos em serviços de utilidade pública (habitação, saneamento e mobilidade pública), que gerará, a curto prazo, centenas de milhares de empregos. É necessário que o Senado Federal atente para a questão do desemprego, para a questão do desmonte do Estado e para a incapacitação do Estado em desenvolver a nossa economia. A persistir esse caminho de desmonte do Estado, de desmonte da nossa empresa âncora do desenvolvimento industrial, de desmonte da nossa capacidade de empreender na Engenharia, este País se transformará, mais uma vez, em mero exportador de proteínas animais e vegetais e de minérios, nos remetendo à década de 30, do século passado. É necessário barrar esse retrocesso. E o apelo que o Clube de Engenharia faz é que os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras rejeitem a PEC 55 da forma como está a proposta. Muito obrigado. A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Muito bem, muito obrigada Dr. Pedro. Passo a palavra agora ao doutor Ricardo Lodi professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. |
| R | O SR. RICARDO LODI - Boa noite, Senadora Gleisi. Agradeço o convite da Comissão de Assuntos Econômicos para voltar aqui ao Senado para discutir tema tão relevante. Cumprimento as Exmas Senadoras os Exmos Senadores, os convidados aqui presentes, senhoras e senhores, esse tema da PEC 55, ex PEC 241 na Câmara de Deputados, é um tema que insere o Brasil num contexto em que a economia mundial hoje se apresenta. Nós, evidentemente, não estamos apenas discutindo um ajuste fiscal. Embora aqueles que tenham apresentado a proposta se louvem da retórica de que houve uma gastança generalizada, especialmente nas áreas sociais e de pessoal nos últimos anos, não conseguem demonstrar essas alegações em fatos. Nos últimos anos, houve elevação das despesas primárias da União nos patamares compatíveis com o crescimento econômico do nosso País. Inclusive, no Governo anterior, tivemos restrição nominal de despesas primárias a partir de um dos maiores contingenciamentos fiscais da história. É claro que vivemos uma crise fiscal, sim, mas o diagnóstico não me parece correto. O diagnóstico não está correto ao procurar as causas na despesa, notadamente na despesa primária. As causas estão na vertiginosa queda de arrecadação que tivemos nos últimos anos, queda de arrecadação estabelecida em função da grave crise econômica que o País atravessa, muito em função da desaceleração da China, da queda do preço das commodities, mas também a função da concessão de benefícios fiscais e de incentivos a juros subsidiados que foram concedidos à iniciativa privada. Esses benefícios e esses investimentos estão relacionados com aquilo que chamamos de estímulo ao desenvolvimento. Fez-se uma aposta no Governo passado, ao contrário dos governos anteriores, ao contrário do Governo Lula por exemplo, onde os investimentos foram feitos muito mais pelo Estado, mas se apostou na capacidade de, concedendo benefícios fiscais, concedendo juros subsidiados, que os empresários pudessem então promover os investimentos necessários para fazer a economia brasileira sair do atoleiro. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Infelizmente os investimentos não foram feitos. Portanto, quando se diz "Quem paga o pato?", evidentemente que não se investiga quem pleiteou essa série de benefícios fiscais, essa série de incentivos ao desenvolvimento econômico que não aconteceu. E, evidentemente, quando se faz essa narrativa de colapso financeiro, se adota aquilo que a gente chama de doutrina de choque, que Naomi Klein já justificou para caracterizar aqueles momentos em que qualquer proposta é admissível porque estamos num momento de grave crise, onde as excepcionalidades são admitidas em nome daquele objetivo, daquele choque que incute medo em todos os interlocutores e em toda a população. Só nesse momento de choque seria possível propor algo tão radical quanto a PEC 55. |
| R | Não estamos evidentemente falando de um ajuste fiscal. Nós estamos falando de uma modificação de todo um perfil que o Estado brasileiro adotou desde a redemocratização. E mais ainda: retrocedendo a patamares anteriores à revolução de 30. Ou seja, colocando em xeque a existência do Estado social no Brasil, a partir da constitucionalização da política de austeridade seletiva. O que que a gente chama de austeridade seletiva? É muito comum aquela analogia: se a família não tem dinheiro para pagar as despesas, aperte o cinto! Só que, num País, a analogia não pode ser essa. Em primeiro lugar, porque nem todo mundo usa as mesmas calças para falar em todos apertarem os cintos. Em segundo lugar, que um País não é como uma família. Um País estabelece regras de distribuição de riquezas e de direitos dentro da sociedade. Portanto, não há que se falar em apertar cintos. A humanidade nunca viveu um período tão próspero. No entanto, nunca vivemos, desde o início do Século XX, uma concentração de renda tão grande no topo. E o que essas políticas de austeridade seletiva fazem não é apertar o cinto. O que essas políticas de austeridade seletiva fazem é estabelecer transferência de renda da base para o topo da pirâmide. Isso foi feito na União Europeia, isso foi feito nos Estados Unidos e isso não vinha sendo feito na América Latina na década passada. Na América Latina, seja em países governados por partidos de centro-esquerda como o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Chile, seja em países governados por partidos de centro-direita, como o México, o Peru e a Colômbia, seja nos países bolivarianos ditos como Equador, a Venezuela e a Bolívia, todos esses países apresentaram crescimento econômico maior ou menor, mas apresentaram em comum a redução da desigualdade social. E nesse ponto a América Latina esteve na contramão da Europa e dos Estados Unidos. E o que que esses países tão diversos, de políticas tão diversas, tinham em comum? O Estado social. O estado desempenhando papel de prestador daquilo que os mais pobres necessitavam. O Estado investindo na valorização do salário mínimo, na redução das diferenças de salários entre os cidadãos. É claro que isso foi possível num ambiente econômico, em alguns países mais do que em outros, de crescimento. O Brasil deu um grande exemplo ao mundo de como crescer distribuindo. É claro que é mais fácil distribuir crescendo. |
| R | Mas nós não iríamos crescer 5%, 7%, 10% ao ano para sempre. No século XXI, a tendência é crescer 1%, 1,5%, 2%. Evidentemente, para distribuir renda, é preciso inverter as regras do jogo. As regras do jogo da economia são fixadas para levar direitos, levar riquezas da base para o topo. O Estado social promove políticas que procuram harmonizar, que procuram minorar os efeitos concentradores do modo de produção capitalista. Ocorre que, em momentos como o que nós vivemos, não é mais possível manter a ideia de distribuir direitos e acumular riquezas no topo. É preciso fazer uma escolha. O Brasil vinha fazendo determinada escolha, por decisão dos eleitores. Aliás, não houve candidato à Presidência da República que propusesse o aniquilamento do Estado fiscal como a PEC 55 promove, como os convidados anteriores muito bem expuseram. É claro que, dentro do debate político, social e econômico muitos têm visões diferentes sobre o que é desenvolvimento. É claro que alguns entendem que é preciso fortalecer aqueles que estão no topo que poderão aumentar a sua capacidade de investimento gerando riquezas para todos. É a teoria do gotejamento, que a riqueza irá gotejar do topo para a base. Existem aqueles que defendem isso, embora os últimos 30 anos da história da economia mundial não mostrem que esse caminho é o correto. Eu respeito aqueles que assim defendem sinceramente, mas existem também aqueles que defendem o contrário, aqueles que defendem que o desenvolvimento econômico só é possível a partir da inclusão da maioria da população no mercado consumidor, como o Senador Lindbergh disse no início da reunião: é preciso colocar riqueza na mão dos mais pobres que vão investir no consumo e fazer a roda da economia girar. Portanto, existem duas visões, pelo menos, desse fenômeno. Quando se diz que não há outro caminho, nós estamos jogando na lata do lixo o debate econômico dos últimos cem anos. Existem caminhos diversos sim. Mas não se quer debater quais caminhos são mais corretos. Ao contrário, se quer aproveitar uma oportunidade que a história lhes deu de ter uma maioria no Parlamento para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição que não só faz tábula rasa de todos os direitos sociais positivados - como a Drª Élida bem colocou - que tem titulares, mas também faz tábula rasa de toda estrutura de Direito Orçamentário que a Constituição estabeleceu. Porque, quando a gente fala que o orçamento deve ser anual, não é só uma homenagem ao velho princípio da anualidade orçamentária; quando a gente fala que o orçamento é anual e que anualmente teremos uma Lei de Diretrizes Orçamentárias que irá estabelecer as prioridades do Estado no ano; quando a gente fala de Plano Plurianual, que estabelecerá quais os caminhos o Brasil vai seguir nos próximos quatro anos, nós estamos dizendo que as prioridades da nossa sociedade serão anualmente decididas nesta Casa, a partir da manifestação da sociedade. |
| R | Evidentemente, quando se estabelece que, durante 20 anos, ou seja, durante cinco legislaturas, durante cinco mandatos presidenciais, não haverá possibilidade de discutir as prioridades financeiras do nosso País, a cláusula democrática resta violada gravemente; o voto direto, secreto, universal e periódico é transformado em algo inútil, porque, se aprovada a PEC, os próximos Presidentes da República, os próximos Parlamentos não poderão inverter essas prioridades, sob pena de responder por crime de responsabilidade nesta Casa novamente. Portanto, quando se diz que, durante 20 anos, as despesas primárias - e somente as primárias - não poderão sofrer aumento acima da inflação, significa uma opção muito clara, não opção em relação à população que vai chegar, aos brasileiros que vão nascer e que necessitarão de saúde, educação, de segurança, de assistência, de habitação. Esses não terão direito a nada, o Estado não lhes servirá, a não ser em detrimento daqueles que já vivem hoje. Embora a arrecadação possa aumentar - e vai aumentar mesmo com toda austeridade seletiva -, nós acreditamos no Brasil e sabemos que a nossa economia vai crescer. Com todo o aumento de arrecadação, com todo aumento de população, as despesas primárias não vão aumentar e o que vai acontecer, o que vai acontecer com todo aumento de arrecadação que existirá nos próximos 20 anos? Está condicionalmente vinculado a pagamento de juros e amortização da dívida pública. Portanto, é evidente que o setor financeiro vai sofrer um enorme crescimento na economia brasileira. Vamos sofrer um processo de desindustrialização, que o Dr. Pedro Celestino colocou aqui muito bem, vamos sofrer um processo de "financialização" da economia brasileira, como tantos países que adotaram essas práticas estão vivendo hoje. Os próximos Presidentes estão amarrados. Os próximos Congressos Nacionais estão amarrados. Os próximos eleitores estão amarrados. Não poderão desfazer essa diretriz que retira dinheiro da educação, retira dinheiro da saúde, retira dinheiro dos mais pobres para canalizar para aquele topo da pirâmide que a gente fala muito em 1%, mas não é nem 1%, é 0,001% que tem sido destinatário do esforço de todos nós. É claro que, evidentemente, que essa opção pela concentração de renda não poderia vir de um debate eleitoral. Não poderia vir das urnas. Só poderia vir de um governo que não foi eleito, de um governo que não deve satisfação à sociedade, um governo que só se preocupa na manutenção da sua maioria parlamentar que o colocou onde está. |
| R | Assim, evidentemente, é preciso ampliar esse debate, é preciso mostrar para a sociedade brasileira, transmitir que esses conceitos áridos do Direito Financeiro, da ciência econômica representam não a única solução técnica, mas representam algo muito claro, representam uma medida que irá retirar riquezas dos mais pobres e transferir riqueza para os mais ricos. É quase que uma declaração de guerra às classes sociais mais desfavorecidas de nosso País. Existem muitas outras opções a serem adotadas. Aliás, a opção que se está propondo nenhum País nunca adotou. Trazem exemplos de países socialmente desenvolvidos que não têm o déficit social a superar que o Brasil tem, mas como Finlândia, como Suécia, como Holanda, e nenhum desses países adotou medida tão radical. Todos esses países adotaram, sim, controle de gastos e controle de gastos deve ser feito em alguns momentos, como esse, mas por decisão da Lei Orçamentária Anual, por decisão periódica, democrática do Parlamento e não através de uma camisa de força que irá aprisionar todos os próximos governos da República. Opções existem, provavelmente, os próximos convidados falarão de outras iniciativas para combater a crise fiscal que nós estamos atravessando, mas eu, rapidamente, no tempo que me resta, gostaria de mostrar que o orçamento da União, praticamente mais de 40% da União é comprometido com o pagamento de encargos de juros da dívida. É claro que ninguém aqui está defendendo o calote da dívida, mas é difícil explicar para qualquer pessoa que vem de fora por que o Brasil adota uma taxa de juros tão elevada no momento em que estamos vivendo uma grande recessão, em que estamos vivendo uma inflação que não é de demanda. É muito difícil explicar para quem vem de fora por que estamos apertando o cinto dos trabalhadores dessa forma, se lucros e dividendos continuam isentos de Imposto de Renda. É muito difícil explicar que estamos apertando o cinto, mantendo benefícios fiscais que não apresentam qualquer resposta do ponto de vista do crescimento econômico. É muito difícil explicar que vamos apertar o cinto se os órgãos de arrecadação,... (Soa a campainha.) O SR. RICARDO LODI - ...como a Receita Federal, como a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, não têm os mecanismos necessários para fazer a cobrança da dívida ativa e o combate à sonegação. É muito difícil explicar para qualquer pessoa, mesmo para aquela família que, usando-se como analogia, vai apertar o cinto, por que vamos tirar a criança da escola, cortar o plano de saúde da vovó, deixar de pagar a prestação da casa própria, para aquele que decide, o chefe de família, continuar viajando duas vezes para o exterior, ficando em um hotel de 5 estrelas e tomando seu uísque escocês. Se a analogia com a família é essa, é isso que temos que enxergar. A PEC 55, evidentemente, pelos contornos que ela tem, não se traduz num ajuste fiscal. |
| R | A PEC 55... (Soa a campainha.) O SR. RICARDO LODI - ... se traduz numa técnica de rent-seeking, ou seja, uma técnica para setores econômicos ganharem espaço, independentemente de produtividade; ganharem espaço com a manipulação das molduras jurídicas que presidem a distribuição de riquezas em nossa sociedade. É isso que está em jogo hoje. Ninguém faz ajuste fiscal em 20 anos. Ninguém faz ajuste fiscal de um lado só da conta. Ninguém faz ajuste fiscal sacrificando aqueles que são mais pobres em favor dos mais ricos. O que existe não é ajuste fiscal. O que existe é transferência de renda daqueles que mais necessitam do Estado para aqueles que sempre se beneficiaram dele. Muito obrigado. A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu que agradeço, Dr. Ricardo. Muito obrigada pela exposição. Antes de passar a palavra ao Sr. Rodrigo Orair, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a quem dou as boas-vindas, queria convidar o Senador Lindbergh Farias para dirigir os trabalhos como Presidente da Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional. Com a palavra o Dr. Rodrigo. O SR. RODRIGO ORAIR - Boa noite a todos. Quero cumprimentar a Senadora Gleisi Hoffmann, o Senador Lindbergh e todos os colegas da Mesa e agradeço também aos presentes. Eu tive a oportunidade, na segunda-feira passada, de estar na Comissão de Controle e Fiscalização da Câmara, debatendo a PEC propriamente dita e seus pressupostos. Eu acho que foi bem na linha do que o Ricardo e os outros colegas da Mesa disseram. Aqui a gente vai trabalhar mais a ideia de que existem alternativas - e eu acho que existem. Esse é um trabalho que a gente vem fazendo desde o ano passado. Há pouco mais de um ano, se não me engano, Senador Lindbergh, a gente esteve aqui apresentando o tema da tributação de lucros e dividendos. Desde então, eu acho que a reflexão amadureceu muito e queria trazer um pouco essas ideias de alternativas. Antes de mais nada, quero me apresentar. Eu sou pesquisador do Ipea e também associado ao IPC (International Policy Center for Inclusive Growth). Como nós estamos em tempos um pouco estranhos, quero só deixar claro que as visões são do pesquisador e não devem ser atribuídas ao Ipea e ao IPC. Só para contextualizar, eu e alguns colegas do Ipea - também há estudiosos, hoje, na França, trabalhando com isso - realizamos um conjunto de estudos com os dados do Imposto de Renda de Pessoa Física. Isso é mais ou menos o que fez, por exemplo, Piketty, Atkinson e uma série de outros pesquisados, para vários países envolvidos. O que a gente tem feito? Estudado os dados tributários do Imposto de Renda de Pessoa Física para entender a concentração de renda no Brasil e uma série de benefícios tributários que causam várias iniquidades. Por que a gente usa o Imposto de Renda? Porque normalmente os estudos de desigualdade são baseados nas pesquisas domiciliares, aquelas que o IBGE faz, quando vai à casa das pessoas e pergunta: "Ah, quanto você ganha?". Em geral, essas pesquisas tendem a subestimar a renda dos mais ricos, a renda do topo. Por uma série de razões, é muito difícil fazer uma amostra aleatória e sortear um milionário. São 70 mil milionários no Brasil, e é difícil sorteá-los. A natureza da renda dos milionários é instável; é difícil a pessoa saber quanto ganhou. É diferente de um trabalhador que recebe seu salário e, todo final de mês, vai recebê-lo. Então, quando vieram esses estudos e a Receita voltou a divulgar informações, nós chegamos a algumas conclusões sobre o altíssimo grau de desigualdade, muito maior do que imaginávamos. |
| R | E não foi só isso: a desigualdade está estável nas últimas décadas. Então, caiu a desigualdade no Brasil, a base ganhou, a classe média se comprimiu, mas o topo não perdeu, porque ele continua estável e extremamente concentrado, sem paralelos ao redor do mundo. Por fim, há uma série de princípios básicos de progressividade que são violados no Brasil, e é disso que a gente vai tratar ao longo da reunião. Só algumas informações. Como a gente chegou a essa situação? De fato, nos anos 70, nos anos 80, principalmente, e ao longo dos anos 90, havia uma ideia, no mainstream, nos policy makers, de que seria necessária uma série de reformas nos sistemas tributários e de que política tributária tinha que ser a mais neutra possível. Quem tinha que fazer a função de distribuir renda era o gasto. Isso foi o mainstream. Era isso que se dizia. Foi isso que inspirou reformas no Brasil, como as da década de 80 e as da década de 90. Mais recentemente, uma série de economistas, como Thomas Piketty, Emmanuel Saez e os ex-Prêmios Nobel Stiglitz e Mirrlees, disse: "Na verdade, a gente estava errado. A gente só tem certeza de que aumentou a concentração de renda ao redor do mundo, sem gerar os benefícios de crescimento econômico esperados." Isso ocorreu na Europa, nos Estados Unidos e assim por diante. O que a gente tem que fazer num momento em que se quer procurar alternativas de ajuste fiscal? Render-se a essas evidências empíricas e olhar criticamente o que a gente chama de jabuticabas tributárias nas peculiaridades. Aqui ficou ruim, mas quero chamar a atenção para dois aspectos. Primeiro, qual é o tamanho da carga tributária no Brasil hoje? Mais ou menos 32%, 33% do PIB, e está assim desde 2005. Quando dizem que a carga tributária no Brasil é crescente, isso é mentira, é um mito. A carga tributária, no Brasil, está estabilizada desde 2005. E por que ela estabilizou? Porque, ao longo desse período, caracterizado pelo predomínio de desonerações, concederam-se inúmeras e inúmeras desonerações tributárias. Até 2005, houve, de fato, aumento da carga tributária por onerações, mas, a partir daí, não. E o que chama mais a nossa atenção não é tanto o seu nível de carga tributária. Em 2008, nossa carga tributária era parecida com a média dos países da OCDE. São 34 países em desenvolvimento, sendo alguns países do Leste Europeu e alguns países emergentes, como Chile, México, etc. Hoje, não mais. Hoje, a nossa carga tributária é menor do que a deles, porque a nossa ficou parada, e a de lá cresceu. Cresceu, porque a maior parte dos países está procurando consolidações fiscais, como aqui, mas procurando consolidações fiscais que também passem pela arrecadação. E não é só isso. Em 21, dos 34 países da OCDE, houve algum tipo de medida para tributar os mais ricos. Qual é a ideia? A ideia é perseguir uma consolidação fiscal, um ajuste fiscal que procure onerar menos a base da distribuição. Essa tem sido a tônica, em grande parte, na maioria dos países do mundo. É claro que isso vai depender do governo - governos progressistas, governos... Mas, em geral, essa tem sido a tônica das consolidações fiscais ao redor do mundo. Quero chamar a atenção para duas coisas relacionadas ao diagnóstico: por que chegamos? Aonde chegamos? Primeira coisa: carga tributária no Brasil. As receitas tributárias estão estabilizadas. Hoje, por exemplo, a receita primária do Governo geral - estadual, municipal e federal - é a mesma de 2002 em proporção do PIB. |
| R | As despesas... Está péssimo esse gráfico. Vou até pular. Quero só chamar a atenção para as despesas, que cresceram, mais ou menos, 4% do PIB, entre 2002 e 2015. Em que cresceram? No benefício de assistência e previdência, nos salários de Municípios. Por que cresceram os salários de Municípios? Principalmente em função do processo de municipalização de serviços de saúde e educação, já que os Municípios começaram a ofertar mais esses serviços em nível municipal. Cresceram os subsídios; os investimentos não cresceram. O gasto, que é de, mais ou menos, 4% do PIB, aumentou de 2002 a 2015. Só que existe algo falso nisso, quando se faz uma comparação com a proporção do PIB, porque não se está levando em consideração que o PIB cresceu a taxas diferentes. Resumindo a temática dos gastos nos últimos 20 anos, o gasto do Governo geral, em particular do Governo Federal, tem crescido a taxas muito estáveis, desde antes do governo Lula, por exemplo - desde Fernando Henrique Cardoso, vem crescendo 5% ao ano, quase sempre. Só houve três momentos em que ocorreram quedas reais de gasto no Brasil: choque fiscal de 1999, 2003 e 2015. Em todos os outros, inclusive em 2016, houve crescimento real do gasto. Uma coisa curiosa que ninguém diz é que o período no qual o gasto menos cresceu foi justamente o do governo Dilma 2011/2014. Então, primeiro mito: carga tributária crescente é mito; segundo mito: o governo Dilma foi justamente aquele em que as despesas menos cresceram. Se cresceram menos ali, por que houve esse desequilíbrio fiscal? No governo Fernando Henrique Cardoso, houve aumento de carga tributária. Acomodou. No governo Lula, houve mais crescimento econômico; o crescimento econômico impulsionou a receita e acomodou esse crescimento do gasto. No governo Dilma 2011/2014, não houve nem crescimento econômico, nem carga tributária. Foi quando apareceu esse problema no déficit fiscal. A diferença em relação ao governo anterior foi a mudança na composição da política fiscal: mais desonerações, mais subsídios, menos investimento e menos, diga-se, crescimento do gasto social em relação ao governo Lula. Então, houve uma mudança de composição, o que pode explicar um pouco o malogro da política econômica. Só quero dizer que temos que ter uma leitura mais rica das causas do expansionismo fiscal, etc. Pois bem, voltando à minha reflexão, o que se fez? Nós fizemos reformas que reduziram o poder redistributivo da nossa estrutura tributária, em particular do nosso Imposto de Renda, e, ao mesmo tempo, expandimos gastos. O principal motor do gasto é o gasto social. Então, fizemos uma espécie de política fiscal em que se abre mão da progressividade da arrecadação e se faz o gasto redistributivo. O Brasil é um dos que tem maior impacto redistributivo do gasto, porém, pela tributação, o nosso impacto redistributivo é menor do que o do México, menor do que o da Argentina, menor do que o do Uruguai, e assim sucessivamente. A gente já sabia um pouco dessas coisas. O que os dados do Imposto de Renda vieram para a gente? A Receita divulgou dados que me permitem saber o volume de renda, por exemplo, dos 70 mil mais ricos do Brasil - os 70 mil mais ricos praticamente cabem dentro do Estádio Mané Garrincha, se as pessoas forem colocadas no campo. Estou falando de 70 mil milionários mesmo, números obtidos com dados. Com isso, a gente deve entrar, e já está entrando... Estão começando a surgir estudos que vão fazer parte dessa base de dados do Piketty e de outros economistas: o World Top Incomes Database, que são estudos de concentração da renda no topo dos países europeus, cada vez mais expandindo. O que isso mostrou para a gente? A primeira coisa mais espantosa, quando eu peguei esses dados com um colega de pesquisa do Ipea, Sérgio Gobetti. Dois terços da renda dos milionários brasileiros são isentos de imposto, dois terços da renda dos milionários brasileiros são isentos de imposto. Ou seja, paga zero de Imposto de Renda Pessoa Física. |
| R | Por que isso acontece? Funciona mais ou menos da seguinte forma: essas aqui são as faixas de renda do Imposto de Renda, as faixas de renda. E, no Imposto de Renda, eu tenho três fontes de renda. A primeira são os chamados rendimentos tributáveis, o principal é o salário. A segunda são os rendimentos retidos exclusivamente na fonte, o principal dos ricos são os ganhos de aplicações financeiras. Em geral, eles pagam 15% em cima disso até 22,5%, o salário vai pagar zero para quem está abaixo do limite de isenção e vai pagar alíquotas progressivas, a mais alta é 27,5% em cima do imposto. Ele incide principalmente sobre os salários. Os rendimentos exclusivamente na fonte, por exemplo, aplicações financeiras, é linear, 15%. Os isentos não pagam Imposto de Renda Pessoa Física. E o que acontece com os milionários? O que acontece é o seguinte, à medida que vou caminhando na escala da distribuição de renda, no início da base eu tenho muito salário, eu tenho pouco ganho de aplicação financeira e quase nada de isentos. Principal isenção, lucros e dividendos distribuídos das empresas para os seus sócios e acionistas. Então, o que acontece? À medida que eu vou subindo na escala da distribuição de renda, a principal fonte de renda passa a ser aplicações financeiras, lucros e dividendos isentos. Isso faz com que a alíquota do Imposto de Renda efetiva vá crescendo, crescendo, crescendo e lá no topo ela cai. Ela tem um auge que é próximo de 12% para quem tem ali entre R$160 mil e R$300 mil por ano, a partir dali ela vai caindo e o milionário, hoje, no Brasil paga, em média, 7% de imposto, enquanto a classe média paga 12% em média, o que eu estou pegando. Isso viola um princípio básico do Imposto de Renda Pessoa Física, que é o Princípio da Progressividade Tributária. Você espera que a alíquota vá ser maior para quem ganha mais. Outra coisa que ela tem também, eu trato os desiguais, por exemplo, duas pessoas com a mesma renda, aquela cuja fonte de renda é o trabalho vai pagar mais imposto do que aquela cuja fonte de renda são aplicações financeiras. Então, você cria não só uma iniquidade vertical, como também horizontal. Eu violo princípios básicos do meu Imposto de Renda. Aqui só para mostrar, isto está relacionado aos benefícios tributários, as rendas do capital. Eu queria só mostrar... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Volta naquele lá. Esse aqui é importante mostrar direitinho. Olha, o problema não é nem o 1% mais rico; é para baixo, começa a cair de ... O SR. RODRIGO ORAIR - A partir do meio milésimo mais rico da população. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Do meio milésimo mais rico. A queda mesmo é ali, de 99,9 a 99,95 - não é? O SR. RODRIGO ORAIR - Isso. Aliás, perdão; começa a cair no meio centésimo. Até o 1% está crescendo, até a primeira metade do 1% mais rico. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Então, a desigualdade é nos milionários mesmo, nos muito ricos. O SR. RODRIGO ORAIR - Isso; é onde há a queda, onde tomba. Mas a desigualdade é alta mesmo no 1%. A iniquidade do ponto de vista das alíquotas, onde quebra a escala, é lá no topo. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Desculpa só te interromper, mas é porque, na quinta-feira passada, tivemos uma professora de Pernambuco que veio aqui e ela, analisando os 10% mais pobres e os 10% mais ricos, chegou a conclusão de que a tabela do Imposto de Renda era progressiva. E eu digo: é porque a senhora está olhando nos 10% mais ricos. Se a senhora pegar lá o problema aqui... Quantos por centos esse 0,05 da renda possui? O SR. RODRIGO ORAIR - Ah, é o próximo que vou mostrar aqui. |
| R | O meio milésimo possui 8,5% da renda bruta total das famílias. Não existe um paralelo no mundo. Nenhum dado... Você pode ir lá na base do Piketty, baixar todos os países com informações, e verá que isso não tem nenhum paralelo no mundo. Quero só chamar a atenção para duas coisas: de fato, você vai dizer que o Imposto de Renda Pessoa Física no Brasil é progressivo? Ele é progressivo. Oitenta por cento da população adulta é isenta de Imposto de Renda Pessoa Física, ou seja, eles pagam zero. Depois, os próximos 5% pagam muito pouquinho. Quem de fato paga Imposto de Renda Pessoa Física, no Brasil, são os 5% mais ricos da população. Então, de fato, incide sobre os mais ricos. Agora, essa alíquota é cadente lá em cima. Ela vai crescendo, crescendo, crescendo, crescendo até o último centésimo e, lá no topo, ela... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Porque a tabela é de 27,5% para quem ganha acima de R$5 mil. Se você ganha R$300 mil é a mesma coisa. O SR. RODRIGO ORAIR - Isso. Não sei o que houve aqui, mas ficou estranho quando visualizou. A ideia aqui era só comparar o Brasil com os principais países com informações na base de dados do Piketty. Não tem paralelo. O nosso 1% mais rico é mais ou menos 23% da renda. Os Estados Unidos, que é um lugar considerado extremamente desigual, é próximo de 20%. O único que chega perto da gente é a Colômbia, mas voltando: o nosso meio milésimo concentra 8% da renda, o que é algo sem paralelo no mundo. Aqui eu queria mostrar um trabalho de um colega do Ipea também, o Pedro Herculano, que fez a tese de doutorado dele sobre o tema. Ele está tentando reconstruir as séries históricas, igual ao que o Piketty fez, para o Brasil. E é impressionante aqui algumas coisas. Primeiro, o nosso 1% mais rico tem cerca de 23% da população, isso não... De novo, essas coisas, a gente tem que falar porque não existe paralelo ao redor do mundo. (Intervenção fora do microfone.) O SR. RODRIGO ORAIR - Sim. Isso aqui é a participação do 1% mais rico na renda total, desde a década de 20 no Brasil até os dias atuais. O que você teve? De fato, parece que houve um período de desconcentração pós-década de 30. Quando vem o regime militar, logo ali depois de 1963, você tem uma reconcentração muito rápida e muito forte. De lá para cá, você tem uma espécie de estabilidade da concentração de renda no topo, mesmo no período da década de 2000, em que a base melhorou, a classe média diminuiu a sua fatia do bolo, o topo continuou tão rico quanto sempre foi e continua assim. É curioso, por exemplo, que os Estados Unidos tiveram esse momento de concentração, e a gente ficou lá no topo sempre. Aqui, comparando com os países da América Latina. Não vou entrar tanto no... (Intervenção fora do microfone.) O SR. RODRIGO ORAIR - Tem que ter alguns cuidados de... Esses dados tributários, principalmente no período hiperinflacionário, podem ter muitos choques. Em particular, a gente tem 1991... (Intervenção fora do microfone.) O SR. RODRIGO ORAIR - Sim; os Estados Unidos possuem uma concentração de renda tremenda. Todo mundo está discutindo os Estados Unidos, mas eles estão só tentando chegar perto da gente. (Risos.) A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Fora do microfone.) - Nisso nós estamos melhores. (Risos.) O SR. RODRIGO ORAIR - Bom; aqui, só para resumir: a gente tem concentração que supera qualquer país com informação disponível; isso tem estado estável nas últimas décadas; nosso Imposto de Renda é pouco progressivo; o efeito redistributivo, por exemplo, é menor que no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile; a gente viola princípios básicos de equidade, seja horizontal, seja vertical. A principal raiz dessas distorções - se for para eleger um vilão - são os benefícios tributários que a gente conferiu para a propriedade do capital; é o fato de que os rendimentos e aplicações financeiras pagam alíquotas de 15%, no máximo 22,5%, mas normalmente 15%; e o fato de que você tem dois terços dos rendimentos dos milionários brasileiros isentos de imposto. |
| R | Qual que é o principal? A isenção de lucros e dividendos distribuídos das empresas para os seus sócios e acionistas. Por que isso aconteceu? Acho que eu não tenho tanto tempo, então vou passar mais rápido essa parte. Mas, enfim, você teve duas grandes reformas de Imposto de Renda Pessoa Física. Curiosamente, uma aconteceu em 1988/1989, em que você diminuiu o número de faixas, você reduziu a alíquota máxima para 25%. E o que é interessante, foi justamente ao mesmo tempo em que estava ali saindo a Constituição Federal de 1988. Então, você meio que disse o seguinte, nós vamos criar um Estado social que vai pelo gasto, mas nós vamos fazer uma estrutura de tributação que é pouco progressiva, um pouco que a gente acomoda, vai pelo gasto aqui e aqui a gente muda. Segundo uma reforma que vai ter ali em 1995/1996 em que eu isento. Até então você pagava 15% de tributação de lucros e dividendos. Era 15% de dividendos distribuídos na fonte. A partir de 1995 passou a ser isento. Aí dizem, é bitributação. Acho melhor que o Paulo Gil, do ponto de vista jurídico, está pactuado isso, quer dizer, não posso confundir a personalidade jurídica de pessoa física com pessoa jurídica. O Bill Gates não é a Microsoft, são duas coisas diferentes. Assim como o acionista da Petrobras não é a Petrobras, são coisas diferentes. Do ponto de vista jurídico isso é pactuado, do ponto de vista econômico eu vou mostrar, não só... Era assim no Brasil até 1995, então não tinha essa coisa de bitributação, como também a maior parte dos países da OCDE, com exceção de um atualmente, bitributam, ou seja, quase todo mundo, os Estados Unidos, a Alemanha, a França, todo mundo. Aqui eu vou eu... Eu poderia falar dos grandes problemas do regime de tributação, mas vou passar rápido para não perder tanto tempo aqui. Mas o fato é que tem uma série de outras distorções. Só para dar alguns exemplos de distorções. O que acontece em uma grande empresa? A mãe, a sede, está no lucro real, que é aquele da grande empresa, 34%. Ela vai e cria uma filial no lucro presumido, que é um regime especial de tributação. Ela concentra os custos todos na mãe, a do lucro presumido recebe receitas grandes, ela tem um lucro grande. Esse lucro paga pelo regime especial de tributação e depois ele distribui tudo para a acionista mãe como isento. Então, esse é um tipo de planejamento tributário. Quem mais ganha com isso? O cidadão no Brasil que vive de dividendos paga 0% de Imposto de Renda Pessoa Física, esse ganha. Um grande empresário, o que um grande empresário faz no Brasil? Ele fixa a sua remuneração, seu pro bono, em um salário mínimo e distribui tudo como lucro e dividendo. Não só isso, um grande advogado, um advogado milionário cria uma PJ com os seus sócios e ao invés dele pagar o Imposto de Renda Pessoa Física ele vai pagar alíquotas especiais, 20%, 15% e paga menos que o trabalhador. Mais do que isso, com as terceirizações está começando a entrar dentro de fábricas, dentro de grandes... Você tem uma espécie de uma chamada empresa terceirizada, barriga de aluguel, o prestador de serviço para a empresa que presta lá. Isso enfraquece base de arrecadação, isso enfraquece movimento sindical, isso traz uma série de consequências que não vou... Vou passar aqui direto, mas o ponto é que é extremamente maléfico do ponto de vista da... Gera uma série de injustiças. (Soa a campainha.) O SR. RODRIGO ORAIR - Outra coisa é o seguinte, a maior parte dos países da OCDE fazem a dupla tributação. Lá, em geral, a tributação sobre o lucro chega mais ou menos em 48%, mas ela é calibrada, é mais ou menos metade na pessoa física e na jurídica. Aqui chega a 34%, tudo na jurídica e nada na física. Só para dar alguns exemplos, México, República Eslováquia e a Grécia isentavam dividendos, como o Brasil, e voltaram a tributar. O único que não voltou a tributar foi a Estônia. Mais do que isso: a maior parte dos países fez algum tipo de tributação sobre os mais ricos nos seus esforços de consolidação fiscal. |
| R | Duas experiências interessantes: Chile e Estados Unidos. O que os Estados Unidos fizeram em 2013, por exemplo, o Obama? O Bush havia reduzido a alíquota máxima de imposto de renda e havia reduzido a alíquota sobre dividendos. O Obama, em 2013 quis fazer um ajuste fiscal. O que ele fez? "Olha, eu vou aumentar as deduções para os mais pobres, vou manter as alíquotas baixas do Bush para a classe média e, para os ricos, eu vou voltar às alíquotas anteriores". Outra experiência parecida: a reforma tributária da Bachelet no Chile, em 2014. Em 2013, a população chilena foi para a rua, os estudantes foram para a rua, pedindo uma reforma do sistema educacional, e ela disse: "Tudo bem, mas nós vamos financiar isso com a reforma do imposto de renda". E essa proposta foi para as urnas e saiu vitoriosa. Aqui, só para comparar o Brasil com o resto do mundo. O que é a nossa jabuticaba? A gente tributa 34% na pessoa jurídica e nada na física; enquanto lá normalmente se tributam a física e a jurídica de uma maneira muito mais equilibrada. Deixe-me passar aqui rápido. Aqui, só para chamar a atenção para o fato de que aquela ideia de que a tributação tem que ser neutra está em debate no mainstream econômico. Então há ex-prêmios Nobel, como Stiglitz, dizendo que há que rever. Há pessoas que fizeram esses modelos originais dizendo: "Olha, gente, esses modelos eram muito simplistas; na realidade, não é bem assim". E a nova geração, que é do Piketty e do Saez. Eu estou falando aqui de economistas neoclássicos. Estou falando do mainstream econômico. Não estou nem falando da heterodoxia, porque, se começar a falar da heterodoxia, isto aqui vai longe. Pois bem; acho que, só para concluir, em geral as pesquisas... A gente também tem que ter em conta o seguinte: tributa-se demais a pessoa jurídica no Brasil. É muito alto 34%. Na prática, ninguém paga 34%, as grandes empresas. Há os juros sobre o capital próprio, há uma série de outros benefícios tributários, então na prática, as alíquotas efetivas são muito baixas, são muito mais baixas do que isso. Mas o fato é que a gente tributa demais na jurídica e não tributa nada na física. Isso é uma assimetria. Então o que seria o ideal de se pensar? Uma série de estudos tende a mostrar na OCDE que não existe uma relação muito clara entre crescimento econômico e carga tributária. Há países com carga tributária alta que se desenvolveram, países que têm carga tributária alta que não se desenvolveram, países que têm carga tributária baixa que se desenvolveram, enfim, há um conjunto. Isso não tem muita relevância. Quer dizer, não é que não tem muita relevância; os estudos não mostram isso. Mas o que, sim, eles mostram é que tem uma importância a composição da carga tributária. Por exemplo, o imposto que é o menos maléfico do ponto de vista do crescimento econômico é a tributação sobre o patrimônio particular, o patrimônio imobiliário. Então os países que tributam mais o patrimônio imobiliário, que tributam mais o patrimônio que não é móvel, e tributam menos o lucro tendem a estar associados com um maior nível de crescimento. Então a gente tem que pensar numa coisa: ao falar em tributação de lucros e dividendos, é importante, há que retornar, mas pensar dentro de uma agenda de reforma tributária que venha a calibrar essas coisas. Reduzir um pouquinho no nível da pessoa jurídica, melhorar um pouco, ampliar a progressividade no nível da pessoa física, e ao mesmo tempo, tentar calibrar uma série de outras coisas. Acho que meu tempo está encerrado. Aqui é simplesmente uma simulação. Agradeço e peço desculpas pela pressa ao falar, mas é porque há muita coisa para dizer. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Muito bom. Muito bom, Rodrigo Orair. Eu passo agora ao Dr. Paulo Gil, Auditor Fiscal da Receita Federal e membro do Instituto Justiça Fiscal. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Bom, como foi dito, estou representando aqui o Instituto Justiça Fiscal, que tem como objetivo a defesa do Estado de bem-estar social e, como o nome diz, da justiça fiscal no que se refere tanto ao gasto, quanto às receitas, à arrecadação. |
| R | Quero agradecer o convite em nome da Senadora Gleisi Hoffmann e do Senador Lindbergh. E, assim, cumprimento a todos. Considero esta iniciativa por demais importante, porque como diz o Rodrigo, essa é uma agenda negligenciada, ou é um debate interditado. E não é à toa que esse debate é interditado. É porque ele carrega uma expressão política, ele carrega um conflito de classes. Esse conflito de classes é o conflito distributivo, que está presente na questão dos gastos, mas com relação a esses, os endinheirados fazem concessões de tempos em tempos. Mas ele está muito mais presente no que diz respeito a quem vai financiar o Estado. Então essa é a questão fundamental, quem vai pagar a conta. E aí o conflito de classes é muito mais pesado, é inexorável. Como diz Piketty, no cerne de cada transformação política importante, encontramos uma revolução fiscal. Tratar desse tema é tratar da reforma do Estado, na verdade, o que está acontecendo às avessas agora. Bom, vou priorizar mais, aqui na minha apresentação, a questão da progressividade, quando se fala do sistema fiscal, inclusive porque em audiências anteriores, como a do mês passado, esse debate da progressividade do gasto público brasileiro foi muito bem feito. E por esse motivo de ser muito mais difícil mexer nas estruturas tributárias. O Rodrigo também tratou um pouco disso. E vamos para frente aqui. Nossa experiência histórica mostra que apesar de a gente ter conseguido avançar na distribuição do gasto, na América Latina a redução do índice de Gini é de mais ou menos 10%, não é isso? Aqui no Brasil, você mostrou em torno de 7%. Se a gente pegar exemplos como o da Finlândia, ou de alguns países da OCDE, na Finlândia chega a mais de 35%. Nos países da OCDE, em torno de 35%. Quer dizer, o que é que há lá e que não há aqui? O que há lá e não há aqui é isto: é uma participação da despesa governamental no PIB, cuja contrapartida é uma arrecadação tributária maior. Então a gente vê que esses países todos, desenvolvidos, tiveram um processo de incremento da arrecadação tributária, de crescimento do Estado. A gente pega ali, olha, a Suécia teve quase onze vezes de crescimento da participação do Estado; a França, três vezes e meia; a Alemanha, quase cinco vezes; Estados Unidos, quatro vezes e meia. E essa participação do Estado, mesmo com os ajustes neoliberais, não diminuiu. O Piketty chama a atenção para um fato histórico importantíssimo: quem foi que criou aquelas alíquotas confiscatórias de 80%, 94%? Foram os anglo-saxões. Os Estados Unidos passaram, depois da crise de 1930, no governo Hoover, de uma alíquota de 25% para 80%. Chegaram a praticar alíquota marginal de imposto de renda de 94%, os Estados Unidos. |
| R | De 1932 a 1980, a taxa superior do imposto federal de renda foi em média de 81% nos Estados Unidos. Quer dizer, o que é que o Estado está dizendo para a sociedade, ou a sociedade para ela mesma, quando estabelece uma alíquota tão elevada? Está dizendo o seguinte: a desigualdade é inadmissível. A concentração de renda é inadmissível. Esse foi o processo de vários desses países desenvolvidos. Houve uma redução nos ajustes liberais, mais para a frente, mas foi por aí que a coisa caminhou. Agora, aqui no Brasil nós temos como um dos componentes determinantes da pobreza, segundo os estudos clássicos, a nossa herança colonial escravista, a manutenção de grandes propriedades, a constituição do mercado de trabalho que derivou daí, que derivou dessa escravidão, e o modo como o Estado brasileiro encarou as políticas sociais, sem um grande crescimento do gasto público e sem a contrapartida da arrecadação tributária. Então a questão fundamental não é o tamanho da carga, discutir se a carga é alta ou se a carga é baixa. A carga é alta ou a carga é baixa dependendo do que nós queremos do Estado e que sociedade nós queremos. Quer dizer, o Brasil tem uma dívida social histórica tremenda. Será possível sair da nossa condição periférica sem o fortalecimento do Estado? A experiência histórica dos outros países mostra que isso não é possível. Então a questão fundamental do debate é essa, quem paga a conta. Quem é que financia o Estado e suas políticas públicas. Se a gente olhar ali, aquela fatia maior são os tributos que incidem sobre o consumo. Como os trabalhadores consomem tudo o que ganham, então recai sobre eles predominantemente essa parte da carga tributária. A parte azul é a tributação sobre a renda, distribuída entre renda do capital e renda do trabalho. Uma parte da renda do capital pode ser repassada para o trabalho. Por exemplo, o Imposto de Renda Pessoa Jurídica, sob a modalidade de lucro presumido. Da arrecadação nacional, 4,2% é aquilo que repercute sobre a propriedade. E sobre a propriedade, se a gente for ver, ainda chega a esse percentual de 4% por conta do IPVA, que é de 1,68% da receita total e 0,6% do PIB. Se a gente olhar ali o imposto de transmissão, olha que percentual baixíssimo, de 0,09% do PIB. Nos Estados Unidos, a alíquota chega a 55% nas transmissões; na França, a 60%; na Alemanha, a 50%; no Reino Unido, a 40%; na Rússia, a 13%; no Japão, a 70%. São dados da OCDE. Ainda não foi regulamentado o IGF. Como mostrou o André Calistre aqui, numa audiência passada, seria, sim, um imposto viável. Mesmo com alíquotas modestas, arrecadaria valores relevantes e permitiria formar um mapa mais preciso do patrimônio brasileiro, assim como as declarações de renda formam o mapa das rendas. |
| R | O Piketty, em seu livro, mostra que são dados fiscais com relação ao patrimônio e à renda que instruem esse tipo de estudo. Agora, esse quadro é muito emblemático porque ele mostra as ideias dominantes sobre a tributação no Brasil. O Rodrigo falou aqui sobre o princípio da neutralidade e do benefício, esse último, clara herança do passado colonial escravista. O da neutralidade é o princípio liberal. Quer dizer, o tributo tem que incidir antes dele. Depois da sua incidência, não deve ser alterada a situação econômica daquele agente, quando a tributação deveria fazer justamente o contrário. Ela tem que interferir e alterar a situação dos agentes. O do benefício é aquele muito comum que a gente ouve pela mídia, dizendo o seguinte: olha, a carga tributária tem que ser compatível com aquilo que eu recebo de volta. Não é verdade. Aliás, os que reclamam da carga tributária alta são aqueles que não utilizam os serviços públicos. São aqueles que têm capacidade contributiva que têm que financiar o Estado, de forma mais forte, para aqueles que precisam menos. O Marco Aurélio Greco, um jurista do Direito Tributário, coloca um princípio interessante: o princípio do consentimento. Ele diz o seguinte: até 1930, só podia ser eleito quem tivesse patrimônio. Os representantes do povo tinham que ter patrimônio. Aliás, isso durou até 1946, porque não houve eleição nesse período. Então, aqueles que eram eleitos não iam fazer nenhuma lei para tributar o próprio patrimônio. Isso persiste até hoje, com uma visão de que o tributo é uma agressão. É o tributo visto como agressão. Quando se contrapõe o princípio da livre iniciativa ao princípio da solidariedade, da capacidade contributiva, o que se está dizendo, no fundo, é isto: é o princípio do consentimento, que havia antigamente. O Estado só tributava aqueles que consentiam. Aliás, tributava na importação. Era muito difícil haver Imposto de Renda antes da década de 30. Quer dizer, ele não tinha peso nenhum. Outra ideia predominante para manter esse status quo é o mantra - esse é mais atual, vem aqui da década de 90 para cá - da simplificação tributária. É claro que tem que simplificar obrigações tributárias para o contribuinte poder recolher os seus tributos, mas o mantra da simplificação tributária tem uma função pedagógica às avessas. Ele quer dizer o seguinte: eu tenho que tributar o que é fácil. E tributação da renda e do patrimônio é uma tributação complexa. Então, eu fico com a tributação do consumo, se preferível, com imposto único, que, na visão deles, seria o imposto ideal. Bom, estou aqui meio como fio condutor aqui do Imposto de Renda, porque o Imposto de Renda, no seu histórico, registra as resistências das classes proprietárias da tributação - isso que estamos falando. Se a gente perceber ali, aquele pico é do governo João Goulart. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Ele aumentou poucos meses antes de cair, inclusive. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Durou 1963, 1964. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Ele dobrou o salário mínimo e aumentou o Imposto de Renda dos mais ricos. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - É. Ele vai crescendo conforme o Estado vai se fortalecendo. Ele dá um pulo ali. Eu acho que nem é no governo do Getúlio. Aquele pulo já é no governo do Eurico Gaspar Dutra. Ele vem vindo e, ali.... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - O pulo que houve foi no governo do João Goulart. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Não; antes, ali. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Ah, você está falando antes. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Isso. A do João Goulart foi para o pico, 65%, e vigorou por dois anos. Aí ele cai no regime militar, mas ainda em um patamar alto. Essa é a alíquota superior. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Mantém 12 faixas na ditadura militar. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - É isso. Aí ele despenca quando chega o neoliberalismo às praias brasileiras. Ele despenca pouco tempo depois da promulgação da Constituição cidadã. Foi o anticlímax. Nós tínhamos 45% de alíquota marginal. Ali despenca para 25. E, com algum ajuste, ficou mantido. Nós temos uma alíquota hoje... Teve alguma modificação aqui na alíquota inicial durante o governo Lula. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Ali, antes de ser 27,5, pulou para 30 e pouco? O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Foi para 35%. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Que período foi esse? O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Foi no período do governo Itamar, se não estou enganado. Não é isso? Teria sido do Collor? Vamos ver aqui. Espera aí. Foi 1995. Foi o governo Itamar, porque começou a valer em 1995. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Com Fernando Henrique, cai novamente. Então, 1993. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - É. Em 1995. A alíquota foi aprovada em 1994, para valer em 1995. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Isso. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - E, de 1995, mudou para 1996. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Sim, é verdade. É isso mesmo. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Então, ele botou de 1994 para valer para 1995. Em 1995, Fernando Henrique mexeu de novo para 1996. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Foi isso. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Bom, olha o que aconteceu: aí o ajuste neoliberal vem no mundo todo - aqui também - e provoca isso. Esse quadro é do Ipea. Então, uma família que ganhava até dois salários mínimos, que tinha 22% do seu salário, da sua renda comprometidos com pagamento de tributos indiretos e diretos, pula para 49, em 2004, e 54, em 2008. Acontece também um acréscimo com quem ganha mais, mas é um acréscimo muito menor. Bom, por que ocorreu isso? Aqui está destacado só um período anterior, apesar de ter aumentado em 2004 para 2008, mas o relevante foi ali até 2004, se a gente pegar 28 para 49, com crescimento de 73%, e lá no final, 18 para 26. Houve uma reforma tributária neste País. A de 1966 foi anunciada. Todo mundo sabe que houve. A de 1996, o próprio Secretário da Receita à época se orgulhava de falar que foi uma reforma tributária silenciosa. Eu fui Presidente da Unafisco Sindical. O Fernando Gaiger falou aqui que está há 18 anos falando disso. Nós estamos falando disso desde 1995, porque o pilar central da reforma foi a desoneração dos rendimentos dos mais ricos. Começou pela reforma do Imposto de Renda. Os arts. 9º e 10 da Lei nº 9.249 criaram a isenção na distribuição de lucros e dividendos e juros de capital próprio. E aproveitaram, na sequência, em outros dispositivos legais, para neutralizar o aparato coercitivo voltado ao pagamento de tributos - eu acho que o Henrique fala disso -, com redução de penalidades, com o fim da punibilidade criminal. Ou seja: no Brasil, não vai preso quem... Pode só pagar o tributo que não vai preso. Isso começou lá. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Quanto a esse ponto, seria importante o senhor explicar mais, sobre a punibilidade criminal, porque, quando você parcela depois, você... Explica isso aí. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Eu acho que o Henrique vai tratar disso. Não vai, Henrique? O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Isso é fundamental. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Só para registrar que, na realidade, foi feito um grande acordo com o andar de cima para que o Real fosse aprovado. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Claro. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Porque, a partir do momento em que se tinha paridade dólar/Real, em que se melhorou o poder aquisitivo da população de baixa renda, o de cima estava perdendo. Por que todo mundo ficou manso para aprovar o Real? O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Perfeito. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Porque havia juros sobre capital próprio, redução de imposto. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Mas aí já foi em 1995. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu sei, mas o... O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - O Real foi antes. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Em 1993, 1994. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - O Real foi em 1994. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu sei, mas é o efeito. É isso. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - É correto. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Agora, foi uma coisa que aconteceu no final de dezembro de 1995. Foram quatro medidas. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Aliás, foi no dia 26 de dezembro, um dia depois do Natal. Bom; então, está ali. Essa é a lei. O art. 9º trata de juros de capital próprio. E o art. 10º vai falar sobre a isenção dos lucros e dividendos. Eu queria chamar a atenção para o seguinte: essa isenção vale para os sócios ou acionistas. Então, ficou claro aqui no debate. Mas às vezes há pessoas que acham que é da empresa. Não, não é. Agora, vale para as pessoas físicas ou jurídicas que forem sócias ou acionistas. E elas podem ser domiciliadas no País ou no exterior. Então, o que acontece? Se houver uma distribuição com isenção e a sócia da pessoa jurídica aqui sediada no Brasil for estrangeira, a remessa de lucros vai-se dar sem tributação. É por isso que não há mais a remessa de lucro. Só em 2013, elas totalizaram US$23,8 bilhões. Nos últimos oito anos até 2015, US$171 bilhões, segundo dados do Dieese. A Receita Federal forneceu para o Instituto Justiça Fiscal dados do total de lucros e dividendos distribuídos, incluindo pessoas físicas e jurídicas - aí não está naquela conta que o Rodrigo traz aqui -, exceto as optantes pelo Simples. Então, foi de US$436 bilhões em 2013. Foram US$436 bilhões. Por conveniência de política econômica, é preciso ver se tributa também ou não as pessoas jurídicas sócias. Se se fosse aplicar uma alíquota de 25%, uma alíquota efetiva, o cálculo vai a mais de US$109 bilhões. Então, é muito recurso de que nós estamos falando. (Soa a campainha.) O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Bom, essa reforma aconteceu num período em que a massa salarial diminuía. A linha de cima é a evolução da tributação da renda. A de baixo é da massa salarial. O principal fator para isso foi o congelamento da tabela do Imposto de Renda. A contrapartida de desonerar os lucros e dividendos foi o crescimento da tributação de consumo, especialmente com Cofins e CPMF, que aumentou de 0,20% para 0,38%. |
| R | O Rodrigo já falou das questões gerais ali, dos novos dados da Receita. Olhem como isso se reflete na vida de cada um. Então, a gente olha lá: quem está pagando mais por uma alíquota efetiva média ali são os servidores públicos da administração federal, com deduções e tal - alíquota efetiva: 12,71%, a linha de baixo -, o microempreendedor individual, 0,81%; e os proprietários de empresa, 3,66%. O profissional liberal, 5,15%. O que significa isso? Que advogados, médicos, todo mundo é pessoa jurídica. Quanto a trabalhadores na base dos bancários - eu tive oportunidade de saber -, havia ali milhares deles que eram pessoas jurídicas que prestavam serviços para manutenção de caixas eletrônicos etc. e tal. Então, isso provoca também uma diferenciação entre os segmentos que vivem da renda do trabalho, não só no andar de cima. Aqui uma estimativa das renúncias. A gente pode discutir um pouco os critérios. Isso para o ano de 2014. (Soa a campainha.) O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Se precisar, mais ao final a gente discute essa questão sobre ser bitributação ou não, os argumentos contrários a revogar esses dispositivos indecentes. Bom, o que eu quero apresentar aqui é a proposta do Instituto Justiça Fiscal, que é o Projeto Isonomia. Isonomia por quê? Porque todos os que recebem alguma renda devem ser submetidos à tabela progressiva do Imposto, seguindo o art. 150 da Constituição, que veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercidas etc. e tal. Então, é o princípio da isonomia. Então, no caso, na nossa proposta, se acrescentaria, sim, uma reestruturação de tabela progressiva. E nós podemos ter outras simulações. Essa seria a tabela de 5% a 40%, com um limite de isenção, que seria o salário mínimo do Dieese, para que sobre mais renda na mão dos trabalhadores. Eles consomem mais e, como disse o Lodi, fazem a roda da economia girar. E olhem aqui: por essa simulação, isso em vermelho seria o que se arrecadaria menos dessas faixas iniciais. Se arrecadaria mais das faixas de quem ganha mais. E se desobrigaria muita gente a declarar o Imposto de Renda. Então, é uma proposta que teria grande adesão dos sindicatos de trabalhadores. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Mas isso não é só tabela. Está mesclado com lucros e dividendos também. Está tudo aí dentro. O SR. PAULO GIL HOLCK INTROINI - Isso. Colocam-se todos na tabela progressiva e reestrutura-se a tabela progressiva, criando ali as alíquotas de 25%, 30% a 40%. Então, é isso. Outro ajuste fiscal é possível, na nossa visão. Com isso, a gente poderia desonerar, aliviar a tributação sobre o consumo, com o cuidado de não enfraquecer o financiamento da seguridade social e sem descuidar do reforço da fiscalização, cobrança e tal, sobre o que o Henrique vai falar. Então, para o debate, a gente pode tratar mais alguma questão. Agradeço. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Muito obrigado, Dr. Paulo Gil. Inclusive amanhã, nesta Comissão de Assuntos Econômicos, presidida pela Senadora Gleisi Hoffmann, está pautado um projeto meu que trata exatamente de voltar a tributação de lucros e dividendos, os 15%. Espero que esteja pautado para amanhã né, Senadora? Vamos esperar para ver se haverá quórum, porque, semana passada, houve um esforço do Governo, do PSDB e do DEM para não dar quórum, porque havia lucros e dividendos e tinha uma série de projetos, um da Senadora Gleisi Hoffmann, sobre juros. |
| R | A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Duplo mandato do Banco Central. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Duplo mandato do Banco Central. Colocamos a pauta toda. E outro sobre juros também, porque nós estamos pagando 480% de juros de cartão de crédito, com uma taxa Selic de 14%. Dr. Henrique Freitas, Auditor Fiscal da Receita Federal. O SR. HENRIQUE FREITAS - Primeiramente, eu gostaria de agradecer o convite à Senadora Gleisi, ao Senador Lindbergh, no qual eu cumprimento e também cumprimento todos os ocupantes aqui da mesa, os colegas, e também os presentes. Também gostaria de frisar que falo aqui em nome do Sindifisco Nacional, que é o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal, Delegacia Sindical do Rio Grande do Norte. Então, as opiniões ditas aqui não são exatamente aquelas da Receita Federal. A gente trouxe o tema "sonegação fiscal" para a gente fazer uma abordagem do lado da arrecadação, de como pode se fazer um ajuste, não só com gastos, com retenção de gastos no custo, mas a gente pode melhorar a nossa arrecadação e aí ter um ajuste mais tranquilo. Primeiro, a gente vai trazer alguns conceitos que a gente vai falar bem deles durante a nossa apresentação. O primeiro é a sonegação fiscal. O que é sonegação fiscal? É você praticar um ato ilícito buscando não pagar tributo. Depois, é elisão fiscal ou economia de imposto, essa é uma conduta utilizada pelo contribuinte para reduzir o pagamento de tributo de uma maneira que não era desejada pelo legislador. Quer dizer, ele aproveita as brechas da lei para montar planejamentos tributários e diminuir aquilo que ele tinha que pagar de tributo ou de imposto. Quer dizer, você aí está burlando aquilo que se buscou quando se fez aquela lei para se arrecadar. Então, a elisão apresenta-se como uma das ferramentas utilizadas pelo contribuinte quando ele procura realizar um planejamento tributário. A princípio, tem-se aquele conceito que a sonegação e a evasão fiscal são atos ilícitos, são crimes, e que a elisão não seria crime, a elisão seria um ato lícito. Mas a gente vai discutir mais à frente e vai ver que não é bem assim a questão da elisão. A gente vai trazer alguns dados, por exemplo, os dados de arrecadação do País. Nós arrecadamos, em 2014, em torno de R$1,8 trilhão; e, em 2015, em torno de R$1,9 trilhão, e aí incluídos todos os entes, União, Estados e Municípios. Sendo que arrecadação da União representa 68% da arrecadação total; dos Estados, aproximadamente, 25%; e, dos Municípios, 6%. E, dentro dessa arrecadação da União, a Receita Federal administra 95%, a Procuradoria da Fazenda Nacional 2% e o Ministério do Trabalho, aí a questão do FGTS, 3%, totalizando R$1,260 trilhão, que foi o que a União arrecadou em 2014 e R$1,3 trilhão, aproximadamente, em 2015. A fonte é a própria Receita Federal que divulga anualmente os resultados da arrecadação. Aqui vai, pessoal, conforme estudos do Sinprofaz, que é o Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional, pelo valor mais baixo, a sonegação no nosso País é estimada em 23,2% da arrecadação. |
| R | Então, a sonegação estimada, no ano de 2015, foi de R$450 bilhões - e estamos discutindo aqui valores de R$170 bilhões, que precisamos para fechar as contas deste ano -, representando 7,7% do PIB. E volto a dizer: nós estamos pegando aqueles valores, divulgados pelos estudiosos, de menor valor, nós utilizamos o mais baixo de sonegação, que foi o 23,2%. Então, existe um limbo na sonegação fiscal de R$450 bilhões. A gente vai citar aqui alguns exemplos de sonegação, esses aí são os mais comuns, os que a gente ouve falar, que é a nota calçada, que existe uma via na contabilidade dele e entrega a outra para o contribuinte; nota paralela; meia nota; venda sem nota; utilização de documento falso, que a gente pode citar aquele que inclui uma despesa médica na declaração de pessoa física inexistente, para reduzir o que tem a pagar; compra de nota, algumas empresas fazem isso para gerar custos, ele pega as empresas fechadas, o próprio contador dele que controla aquelas empresas fechadas, emite notas de talões que já não existem mais para aquele contribuinte, e agora emite até notas fiscais eletrônicas, sem lastro, para gerar custo e reduzir o lucro. Eu coloquei aqui a CPMF, porque a CPMF, quando foi criada, diziam que era um imposto insonegável. Nós tivemos até um candidato a Presidente que fez a campanha dizendo que a CPMF ia ser o único tributo porque ela era insonegável, e, na realidade, é um dos impostos mais regressivos que existem. E o que aconteceu com a CPMF? Os bancos passaram a criar contas transitórias em que ele, simplesmente, não descontava a CPMF e fazia os débitos das empresas, quer dizer, liquidava os pagamentos das empresas. Gerou autos de infração de bilhões na maioria dos bancos. O que mostra que não existe imposto em insonegável. E, claro, para quem os bancos criou essas contas transitórias? Foi para o pequeno contribuinte? Não. Para as grandes empresas, para os grandes contribuintes. Então, volto a dizer: não existe imposto insonegável. Eu digo muito no jargão que não devemos falar em arrecadação espontânea, não existe arrecadação espontânea, existe arrecadação induzida. O contribuinte paga o imposto, paga a contribuição, porque ele tem medo de ser fiscalizado, ele tem medo de pagar um valor maior ou tem medo até de responder um processo penal. O uso de laranjas também é muito comum. E também nós temos hoje muitas empresas laranja, em que você usa dados de terceiros. E o que acontece? Quando o dinheiro é desviado, você faz uma blindagem patrimonial que vai dificultar mais na frente a gente conseguir, principalmente dos grandes contribuintes, recuperar esse crédito. Um exemplo clássico muito conhecido no País é a criação das SAFIs, no Uruguai. Cria-se a SAFI no Uruguai e joga-se todo o patrimônio da pessoa física e das empresas, nessas empresas criadas no Uruguai, e, depois, quando você vai buscar o crédito tributário, não tem como você fazer com que ele possa ser recolhido. E aqui, manejamentos tributários sofisticados visando a sonegação. E aí é onde entram os grandes sonegadores. Eu posso citar aqui um caso de empresas transnacionais, multinacionais inclusive, que vendiam os produtos para o Brasil todos subfaturados e recebiam o valor cheio no exterior. |
| R | Aí, há duas coisas: além da perda de imposto e de contribuição, há a questão cambial. O Brasil estava pagando dinheiro fora, perdendo patrimônio, enquanto essa empresa estava tendo um lucro exorbitante. Na importação também, cria-se uma empresa paralela que faz aquela importação, também com faturas e valores do exterior baixos, e depois revende para aquela empresa, que efetivamente vai vender a um preço mais alto, só que essa primeira empresa é uma empresa laranja. Então, ela compra pela metade do valor e revende pelo valor cheio. E esse imposto dessa empresa laranja, quando se vai atrás da mesma, não é encontrada. Então, essa empresa e a outra não são encontradas. Efetivamente, quem comprou a mercadoria vai ter um custo elevado, sem pagar o imposto de importação e os impostos devidos no comércio exterior. Então, estamos citando alguns casos de grandes empresas. Estamos falando de sonegação de bilhões. Quando falamos em nota calçada, paralela, a meia nota, estamos falando daquela sonegação de empresas pequenas. Não vamos encontrar, claro, grandes empresas, grandes conglomerados, não emitindo nota. Eles emitem nota, mas procuram eventos sofisticados de sonegação, para não pagar o imposto. Agora, vamos entrar num campo bem interessante: sonegação versus elisão. Apesar de termos dito que a elisão é considerada formalista, o que está acontecendo no Brasil? Está havendo o abuso de forma, para tentar escapar do pagamento de imposto. O que é esse abuso de forma? O contribuinte se aproveita de brechas na lei e cria fatos jurídicos meramente para não pagar imposto. Eles não têm razão nenhuma de acontecer. Eles só acontecem para que o contribuinte não pague imposto. Na realidade, isso já está em lei, mas precisa ser regulamentado, por que o que isso está reduzindo a arrecadação principalmente daqueles grandes contribuintes. Não podemos imaginar que um pequeno contribuinte vai usar desses artifícios, porque é necessário que haja um bom advogado, uma boa assessoria jurídica e contábil, para que possa fazê-los. Aqui, temos alguns exemplos - já foi citado en passant -, como a pejotização, em que pessoas físicas são transformadas em empresas, principalmente aquelas com altos salários - atletas, jornalistas, atores, gerentes e diretores de grandes empresas. É interessante, porque um grande jogador, por exemplo, na realidade, é uma empresa? Não! Ele é uma pessoa física, empregado do time onde joga. O que acontece com a pejotização? Com a pejotização, a arrecadação previdenciária vai para o espaço. Hoje, estamos justamente discutindo a reforma da previdência por falta de recursos. À medida que a empresa, que seria a empregadora, teria de pagar sobre a folha o total de 20% do valor, ela economiza 20% do que paga a essas pessoas que aderem à pejotização, ou seja, ela faz essa economia de 20% do que deveria ter pago. Quer dizer, termina sendo um negócio da China por dois, porque, aí, essa pessoa física que vira empresa vai ser tributada pelo lucro presumido. Ao invés de pagar 27,5%, ele chegar a uma alíquota máxima de 15%. É um grande negócio para os dois lados, menos para o objetivo pelo qual a lei foi criada, que era a empresa pagar a parte patronal de 20%, e essa pessoa física pagar os 27,5% de Imposto de Renda. |
| R | É engraçado, porque, tempos atrás - não me lembro do ano - a Receita Federal tentou mexer nisso aí, mas, como envolvia principalmente pessoa da mídia e influentes, deu-se um nome à MP: "MP do Mal". Na realidade, ela mexia com o pagamento de imposto dessas pessoas. Não era do pequeno contribuinte! Jogou-se o nome de "MP do Mal". Aí, podemos falar de criação de empresas-meio para a venda dos produtos na tributação monofásica. "Haja o apurado na aquisição de participação societária sem propósito econômico." Temos casos de empresas compostas de diversas outras, num grupo econômico, em que se faz a reorganização societária, não aumentando o capital em um real e gerando bilhões para serem deduzidos do imposto de renda! Um grande negócio! "Utilização do lucro presumido, como forma de reduzir a tributação." Isso já foi dito aqui. Se formos analisar, hoje, as grandes pendências do Carf são justamente esses casos de elisão fiscal, onde estão os bilhões para serem julgados, os bilhões de processos de grandes empresas que estão aí na mídia, sendo cobrados, que poderiam ter pago o seu tributo corretamente. Não temos informação de quanto seria o valor da elisão fiscal, porque temos ideia de quanto é a sonegação, mas não de quanto se perde de arrecadação com a elisão fiscal. De repente, se colocarmos já R$450 bilhões de perda de arrecadação com a sonegação e mais um determinado valor de elisão, é claro que não somos ingênuos em dizer que vai existir uma sonegação zero, mas esse percentual pode ser reduzido. Se se diminui em R$100 bilhões, são mais R$100 bilhões em dinheiro no caixa. Na realidade, só se pensa no gasto. Não se pensa em melhorar os instrumentos de combate à sonegação e à evasão fiscal e mudar as leis, para que não haja esses casos de elisão fiscal. Agora, vamos falar sobre quais são as dificuldades de combate à sonegação. Primeiro, a mais importante é esta: o pagamento a punibilidade contra a ordem tributária ou o próprio parcelamento dos débitos. Aí, ainda posso dizer que todo parcelamento especial que sai suspende o processo penal. É muito bom. Vai haver processo de parcelamento para ser pago em 20 anos. O indivíduo paga uma parcela mínima, cometeu o crime e não vai pagar por aquele crime que cometeu. Muitos entram no parcelamento especial para suspender o crime, suspendendo o processo penal, para, depois, ser retomado. Mesmo que ele não pague esse parcelamento, tudo fica mais difícil, não é? E há a própria demora da constituição definitiva do crédito tributário. A representação penal, que é feita pelos auditores da Receita, só é encaminhada ao Ministério Público após esgotadas todas as possibilidades de recurso na esfera administrativa. Então, demora-se quatro, cinco, seis anos, nos julgamentos administrativos, se já se está falando de um fato que aconteceu há três anos, vai-se ter, às vezes, 10 anos de espaço para investigar e chegar a uma conclusão final com relação àquele crime cometido. Há outra coisa: a dificuldade de identificação de patrimônio dos sonegadores, para satisfazer o débito tributário. Digo muito que o primeiro lugar que mais dói na pessoa é o bolso. |
| R | E aí a gente vai trazer um pouquinho, para falar de sonegação versus reforma tributária. A grande dificuldade que a gente vê para a implementação de uma reforma tributária, e principalmente no ambiente de crise econômica, é que se esbarra nos objetivos dos entes envolvidos. É claro que o Governo Federal, os Governos estaduais e os Governos municipais querem aumentar sua arrecadação. Nós estamos vendo aí os Estados sem dinheiro para pagar o salário dos funcionários, as prefeituras na mesma situação, e claro que o contribuinte quer pagar menos tributo. A conta não fecha. Então, se a gente diminuir essa sonegação, se a gente diminuir as brechas da lei, para que haja a elisão, a gente pode até pensar em fazer uma reforma tributária, porque aí você poderá diminuir pelo menos a carga individual de cada um. Mas infelizmente a gente só pensa no gasto, na contenção do gasto; a gente não pensa em melhorar a arrecadação. E aí passa por quê? Passa justamente pelo fortalecimento do Fisco, que precisa de prerrogativas e instrumentos adequados para buscar os seus objetivos de combate à grande sonegação, e não ao pequeno contribuinte. Eu falo muito que temos como sanha arrecadadora, bem como outros assemelhados dirigidos ao Fisco, que não merecem ser ditos... Na realidade, a sanha arrecadadora é só contra o pequeno contribuinte. O grande contribuinte paga, se a gente analisar o faturamento dele, de 6% a 10%, no máximo 15%, de imposto neste País, enquanto o pequeno paga 27,5%, principalmente a classe média. É aqui; está repetido. Pessoal, outro dado interessante: a Dívida Ativa da União hoje gira em torno de R$1,5 trilhão, e a PGFN, como a gente colocou lá, é responsável por arrecadar 2% do bolo da União, que representa R$26 bilhões por ano. Então, a gente tem que dizer a verdade: boa parte da Dívida Ativa da União é podre, não existe mais, não há mais como ser arrecadada. A gente precisa fazer uma reflexão sobre isso, para viabilizar o sistema atual; o sistema atual é inviável. E eu quero justamente nessa linha dizer que infelizmente, em lugar de procurar o fortalecimento do Fisco, a gente está vendo agora, na realidade, o Governo Federal caminhar em sentido contrário. A gente viu aqui, passou aqui no Congresso, acho que no mês de agosto, foi aprovado um projeto de aumento salarial para a AGU e para diversas outras categorias, e, no projeto da AGU, havia diversas prerrogativas de fortalecimento da carreira da AGU muito merecidas, afinal de contas são advogados do Governo. E nós auditores firmamos um acordo com o Governo em março deste ano, e ele encaminhou um projeto de lei semelhante ao projeto da AGU, semelhante a um projeto tanto de renumeração, como trazendo prerrogativas de interesse dos auditores para justamente fortalecer a carreira. E aí a gente viu aquele projeto, que seria a nossa felicidade, ser totalmente desfigurado na Comissão Especial na Câmara. E hoje - pasmem! -, em plena crise fiscal, o Fisco, os auditores da Receita estão em greve. Para mim é uma insanidade, justamente porque aquilo que foi prometido foi completamente desfigurado, e as prerrogativas dos auditores estão sendo, na realidade, compartilhadas, e outras foram tiradas, quando não deveria ter acontecido isso. |
| R | E também nós temos que falar do PL nº 406, que caminha aqui no Senado e engessa diversas fases do processo fiscal, trazendo repercussões que vão acontecer na arrecadação. Eu vou citar aqui, por exemplo, uma que diz que o processo fiscal tem que ser resolvido em um ano. E, se não o for,... (Soa a campainha.) O SR. HENRIQUE FREITAS - ... considera-se o pleito do contribuinte atendido. Eu digo o seguinte: vamos dizer que o contribuinte entrou com uma impugnação, se não for julgado em um ano, ele ganhará? Quer dizer, ele comete um ilícito tributário, o auditor faz o auto de infração, e, se não for julgado dentro daquele prazo, ele ganhará? Então, a gente precisa refletir tanto com relação ao PL 5.864, quanto com relação ao PLS 406, de 2016, que caminha aqui no Senado, tendo em vista que eles podem, na realidade, inviabilizar o funcionamento do Fisco federal. Eu agradeço. O tempo realmente é curto. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Dr. Henrique Freitas, eu agradeço muito. Agradeço aqui a participação de todos, do Rodrigo Orair, que sempre tem vindo aqui ao Senado junto com Sérgio Gobetti; do Dr. Paulo Gil, pela brilhante participação; do Dr. Pedro Celestino, que é Presidente do Clube de Engenharia lá do Rio de Janeiro; da Drª Élida Graziane, que fez uma importante apresentação, ela, que é Procuradora do Ministério Público; do Prof. Ricardo Lodi, que esteve com a gente aqui participando dos debates, participando ativamente aqui no Senado da denúncia ao golpe que houve, porque afastaram uma presidente sem crime de responsabilidade. O fato é que, agora, nós estamos vendo que, neste momento, esse Presidente legítimo está sendo acusado de um crime de responsabilidade, este, sim, muito objetivo: advocacia administrativa, concussão. Nós tivemos uma reunião hoje com juristas, porque há vários pensando em entrada com pedido de impeachment. Cumprimento o Dr. Henrique Freitas. E eu queria perguntar à Senadora Gleisi, ela e a Senadora Regina estiveram até agora neste debate importante... Eu falo desse debate importante, primeiro, porque nós estamos mostrando aqui, quando discutimos tributação, que há alternativas. Na verdade, eu acho que foi muito importante a fala do Prof. Ricardo Lodi: é uma falácia essa história de que houve gastança, houve excesso de gastos. O Prof. Rodrigo Orair também falou sobre isso. No governo da Presidenta Dilma, na verdade, foi o período, comparando-se com o de Fernando Henrique e de Lula, em que houve o menor crescimento de gastos. E, quando a gente olha para 2015 - o ano em que começou a situação fiscal a piorar; no ano de 2014, já começou a piorar -, o que a gente vê não é gastança; é um ajuste fiscal de 2,3% do PIB. O problema não foi gasto; o problema é que houve uma frustração de receitas muito grande e também se ampliou o pagamento de juros. Para os senhores terem uma ideia, o déficit... Porque a gente teve superávit até 2013. A gente teve o primeiro déficit primário em 2014, um déficit primário pequeno, 0,57% do PIB. Isso, numa comparação internacional - o Prof. Eduardo Fagnani esteve aqui semana passada, mostrando 20 países, e nós estávamos lá embaixo, com um déficit de 0,56% do PIB. O déficit nominal foi 6,7%, porque houve 6,1% de pagamento de juros. Em 2015, 10,34% de déficit nominal, 8,5% de pagamento de juros; não foi o déficit primário, não foram os gastos com Previdência, com saúde, com educação. Na verdade, o que está colocando essa situação fiscal desse jeito, a gente tem que ser claro, é a recessão. |
| R | Eu acho, sinceramente, que o grande debate que nós temos que ter no País é sobre crescimento econômico. Nós estamos em uma depressão de quase 8% e ficamos discutindo corte fiscal, ajuste fiscal. É uma loucura. É um País, sinceramente, em que essas elites emburrecidas... Não surge ninguém para fazer o debate que tem que ser feito em um momento como este que vivemos. Eu vi a entrevista coletiva do Temer, com Renan Calheiros e o Rodrigo Maia, e fiquei muito mal impressionado, Senadora Gleisi, pensando no País, porque, no Brasil, em um momento como este, tinha que haver uma liderança que tivesse legitimidade e dissesse: "Opa, não é isso", falando o que Pedro Celestino fez. Nós temos que recuperar a cadeia de óleo e gás, colocar Petrobras para retomar os investimentos, porque não há investimentos no Brasil sem Petrobras - é metade dos investimentos. Temos que ampliar gasto social. É uma loucura. Então, no meio de uma situação como esta, em que os Estados estão quebrados... No Rio de Janeiro, Senadora Gleisi, não é só funcionário que não está recebendo; acabaram com Renda Melhor, que era um programa tipo Bolsa Família, que atendia aos 110 mil mais pobres; aluguel social; restaurante popular... Esta PEC aqui vai aprofundar tudo isso. Nós estamos caminhando para a convulsão social. Esse pessoal não tem noção do que está fazendo. É uma crise social violentíssima que estão comprando, porque cortar 5% do PIB em dez anos é maldade! É um mix de maldades que eles vão ter que fazer nisso aqui. Vejam bem. Eu acho que o debate central do País tinha que ser do crescimento econômico, mas digamos lá que o fundamental seja o que eles estão falando, que seja preciso haver uma consolidação fiscal. Eles não tiveram um mínimo cuidado em fazer uma coisa equilibrada e dizer o seguinte: "Brasileiros, todos vão ter que contribuir, os trabalhadores, os empresários, o sistema financeiro". Nada! Não há uma medidazinha sequer para o andar de cima, dos mais ricos. É um escândalo. Nada! Nada! É um ajuste todo concentrado em cima dos pobres. O problema no Orçamento é que nós ampliamos gastos sociais de 13% para 17% do PIB. Isso vale dizer todos os números aí: a desigualdade social, o Índice de Gini, o que melhorou foi pelo gasto, vocês mostraram aqui, não foi pela arrecadação. Eles querem destruir isso. É a PEC do capital financeiro. É uma loucura completa, porque nós vamos matar aqui, Senadora Gleisi, investimentos. Esses empresários... Você sabe que, na trilogia do Lira Neto sobre Getúlio Vargas, há aquele episódio de 1935, em que se tentava fazer um levante popular e tal. O Getúlio descobriu e reprimiu, prendendo todo mundo, o Partido Comunista, o Prestes, desencadeando aquele processo que, depois, deu em 1937 e tudo. E ele chamou os empresários para reunir para falar do perigo do comunismo na cabeça dele. Ele sai da reunião dizendo o seguinte: "É impressionante. O mundo desabando, e esses empresários só querem saber de subsídios ali". Eu fico impressionado com a ignorância de setores do empresariado brasileiro que não estão entendendo que isso aqui vai colocar a economia em uma estagnação quase permanente. O segredo que o Lula fez foi colocar os pobres no Orçamento, fazer política social. Isso criou um grande mercado de consumo de massas. E tem mais. Você sabe que, no ajuste de Levy, o corte de investimento foi de 35%. O investimento é o primeiro a pagar. Só quem ganha nisso aqui é o rentista, porque o que eles estão fazendo é preservar uma parcela gigantesca do Orçamento para que eles fiquem tranquilos de que aquele dinheiro vai estar ali para pagar os juros da dívida, que chegam a R$500 bilhões. |
| R | Há estudos de economia, como os de Felipe Salto e Monica de Bolle, que fizeram um artigo chamado "PEC do Teto 'não é uma Brastemp'", em que dizem que, em 20 anos, isso significa superávit primário de 6% a 7% do PIB. Então, isso é uma loucura. Nós estamos no País em que uma PEC como esta é privilegiar completamente a lógica do capital financeiro e do rentismo. Eu encerro, antes de passar para a Senadora Gleisi, porque eu sei que os senhores, a Senadora Gleisi, a Senadora Regina... De fato, quando vamos ver, na verdade, estão rasgando a Constituição de 1988, estão destruindo esses avanços que existiram no governo do Lula e no governo da Presidenta Dilma até 2014, porque, com todas as críticas que eu tenho também, como o Prof. Lodi aqui... Para mim, o que Lula fez de 2008 a 2010 foi o correto no meio daquela crise: ampliar investimentos, os investimentos estavam crescendo 21%, não era só consumo; ampliar gasto social em 10%; os bancos públicos tiveram papel fundamental na retomada do crescimento aqui, tanto BNDES como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Então, nós estávamos ali em outro... A Dilma muda em 2011 já, como explicou o Prof. Lodi. Ela fez consolidações fiscais fortes e apostou que ia haver um investimento por parte da oferta, com a diminuição da taxa de juros e da desoneração. E, inclusive, a desoneração é um equívoco, pois há uma vasta literatura econômica mostrando que, em momentos em que a economia já vai desacelerando, não adianta desonerar, porque aquilo vai para o bolso do empresário, não vai para a produção. Agora, o grande erro foi 2015. Eu diria grande erro, porque aquele não era o nosso programa, era o programa com que o Aécio disputou a eleição. Aqui, temos que fazer o debate mais verdadeiro possível para a sociedade, porque as pessoas entendem, não adianta subestimar a inteligência das pessoas e ficar no só Fla-Flu. Não. Eu tenho dito o seguinte. Eu tenho dito o seguinte: eu acho que não teria havido o impeachment sem aquele ajuste fiscal de 2015, porque foi aquele ajuste fiscal de 2015 que tirou a popularidade da Presidenta Dilma e imobilizou setores populares que estavam conosco todo o tempo, gente que votou quatro vezes, duas vezes em Lula, duas vezes em Dilma. Por quê? Porque foi um ajuste maluco. O que diziam naquela época do Levy? Desculpe, Regina, eu estou quase fazendo uma palestra. Virei um palestrante aqui agora também. (Risos.) (Intervenções fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Vou passar para a Gleisi. Nesta hora da noite, é muita disposição. Vou encerrar, porque amanhã começamos a agenda aqui às 8h da manhã, e vou passar para a Gleisi. Ali, o que diziam? Que a dívida cresceu, houve um déficit primário de 0,6% do PIB, e nós temos que melhorar a situação das contas públicas. Eu dizia, o tempo todo, que não ia melhorar, que ia piorar, porque, quando se faz um corte de 2,3% do PIB, isso aqui tem um multiplicador para crescimento. O próprio Sérgio Gobetti e o Orair têm um estudo - são os dois aqui - que dizia o seguinte: com 1% do PIB a mais em investimentos, há um multiplicador de 1,6% de crescimento; com 1% a mais de benefícios sociais, há um multiplicador de 1,5%; agora, o inverso é verdadeiro, pois, quando se corta, coloca-se a economia para baixo, frustra a receita. E foi o que aconteceu. O déficit piorou de seis para dez ponto tanto e continua piorando, porque continuamos com a mesma ciranda. É um círculo vicioso. Esses planos de austeridade falharam no mundo inteiro, e estão querendo fazer esta loucura aqui de um plano de austeridade de 20 anos. |
| R | Eu concedo a palavra à Senadora Gleisi por dois minutos. (Risos.) A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu vou usar apenas um, Senador Lindbergh, V. Exª já falou por mim, pela Senadora Regina, por todos os Senadores aqui! (Risos.) Eu só queria agradecer a todos que vieram aqui e lamentar, de novo, que a gente não teve debate. Esta é a sétima ou oitava audiência pública que nós fazemos desde que a PEC chegou à Câmara dos Deputados. É um debate extremamente difícil, porque na realidade o Governo passa para as pessoas uma coisa simplificada, que é igual à casa da gente, aquilo que nós estávamos conversando. E não é isso. Então, fazer com que a população entenda o que está em jogo é muito mais difícil. Dr. Ricardo Lodi, quando nós estávamos discutindo aquele processo de impeachment aqui, que nós dizíamos que não era apenas afastar a Presidenta. Havia outras questões que viriam depois e não estavam explicitadas ali. Eu não tenho dúvidas de que essa é uma. Haverá a reforma da previdência, haverá o desmonte dos direitos trabalhistas, porque isso não passa por um processo eleitoral. Ninguém ganharia uma eleição propondo uma PEC dessas, não tem como. Acho que a gente já está tendo efeitos muito ruins de um processo de austeridade fiscal, que foi o que o Senador Lindbergh falou, em relação ao período de 2015. Se nós pegarmos a PNAD de 2015, ela já aponta números preocupantes. Ou seja, cai a renda das pessoas, os mais pobres pagam, a gente não teve a proteção social que devia ter, e tudo leva a crer que 2016 vai ser muito pior. Então, nós vamos entrar em um processo de convulsão social neste País. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Até porque em 2015 houve aumento de salário mínimo, e em 2016 não houve aumento de salário mínimo. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É! Houve aumento real. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - A pobreza aumentou 19%. A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Ou seja, vai ser um quadro muito mais difícil. Eu acho que, infelizmente, esta Casa não está preparada para essa discussão. Eu temo que amanhã nós vamos ter um debate da PEC nº 55 no plenário com uma aprovação dessa matéria. Espero que até o dia 13, na votação do segundo turno, a gente consiga fazer mais debates e tentar sensibilizar os Senadores, porque senão realmente vai ser uma catástrofe. Isso junta-se a essa questão de querer convocar o Congresso no dia 10 de janeiro para fazer a votação da reforma da previdência, porque não tem como essa PEC se sustentar se não fizer reforma da previdência. Já que não vai se mexer em despesa financeira, onde é que vai se mexer? Queria agradecer e me desculpar, porque infelizmente a gente não tem aqui Senadores para fazer o debate, Senadores que deviam estar, mas essa foi a postura do Governo em todas as audiências, inclusive no plenário da Casa, quando a gente fez uma audiência pública. Muito obrigada. Foram muito boas as exposições. O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Muito bem. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião. (Iniciada às 19 horas e 28 minutos, a reunião é encerrada às 22 horas e 11 minutos.) |
