Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Bom dia, senhoras e senhores. Senador Pastor Valadares, seja bem-vindo, o senhor é o primeiro a chegar. Declaro aberta a 36ª Reunião da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura, que se realiza nesta data, 29 de novembro de 2016. Antes dos nossos comunicados de praxe na abertura das nossas reuniões, o nosso profundo pesar pela tragédia aérea acontecida na madrugada de hoje com a delegação da equipe de futebol da Chapecoense, que estava a caminho de Medellín, na Colômbia, para a decisão da Copa Sul-Americana de Futebol, uma equipe de uma cidade pequena, Chapecó, mas que vinha fazendo uma brilhante campanha nesse certame sul-americano, tendo se classificado para a decisão com a equipe do Nacional de Medellín, sendo o primeiro jogo marcado para amanhã. Na madrugada de hoje, um avião com uma comitiva de 82 pessoas caiu, já nas proximidades de Medellín, e morreram 76 pessoas, praticamente toda a equipe de futebol da Chapecoense, salvando-se apenas três jogadores, falecendo vários jornalistas, pessoas da Comissão Técnica, alguns gaúchos, do meu Estado, como o preparador físico, o Paixão; o treinador Caio Júnior; um jogador que atua no Rio Grande do Sul, que foi campeão pelo Grêmio e pelo Inter, Mário Sérgio. Enfim, um impacto tremendo para o amanhecer dos brasileiros essa tragédia de uma companhia aérea boliviana. Então, estamos todos muito tristes e a nossa primeira manifestação, indispensável nesta nossa reunião de hoje da Comissão de Ciência e Tecnologia, é de solidariedade a todos os catarinenses, em particular os chapecoenses, solidariedade da nossa Bancada catarinense aqui, no Senado, e na Câmara dos Deputados. Evidentemente, vai ser um dia em que a imprensa toda continuará voltada, como já esteve hoje pela manhã, a esse acidente. |
| R | Feito este registro, que entristece a todos nós, devemos tocar para frente as nossas atividades, porque estamos nos encaminhando para o final do ano. Aqui no Senado temos muitas matérias a decidir. Particularmente, aqui na nossa Comissão, esta é a antepenúltima reunião. Na próxima terça-feira, nós teremos aqui a leitura do relatório da Comissão sobre a avaliação das políticas do Governo sobre pesquisas em ciência e tecnologia, um setor que tem deixado muito a desejar. Parece-me que os últimos Governos não têm reconhecido a importância transcendental para o próprio desenvolvimento do Brasil, qual seja a da pesquisa científica e tecnológica, o que não tem nos permitido entrar na grande competição mundial pelas inovações. Então, nós vimos trabalhando nesse assunto desde o começo do ano. Fizemos aqui uma série de audiências públicas, ouvimos muitas autoridades, de vários setores. Senador Cristovam, bom dia! Seja bem-vindo! Teremos agora a conclusão desse trabalho, com o relatório sendo lido aqui, na próxima terça-feira. Depois, as conclusões levaremos ao Governo Federal, em particular ao Ministério da Ciência e Tecnologia, distribuiremos para a imprensa, para as universidades, para a comunidade científica, enfim. Nós queremos dar a conhecer ao maior número de pessoas envolvidas com o tema ciência e tecnologia e pesquisas as conclusões para que o Governo reverta essa sua conduta com relação a um certo desapreço, por razões conhecidas, em parte, é verdade, como a crise econômica. Mas o Brasil precisa entrar na competitividade mundial das pesquisas, em que vários países estão muito à frente de nós brasileiros. Dito isso, vamos a algumas informações. Saudando, também... Nós estamos no ar pela TV Senado e pela Rádio Senado. Em primeiro lugar, um registro importante. É recorrente nos debates que se realizam nesta Comissão apontar-se como um dos entraves da área de tecnologia e inovação a morosidade no registro de patentes, cujos pedidos são submetidos ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), órgão do Ministério da Indústria e Comércio Exterior e Serviços. Essa situação chega ao absurdo de levar-se, em média, onze anos para que um processo de registro de patente seja concluído. A explicação disso, segundo pesquisadores e autoridades da área, é a falta de pessoal no INPI. Por isso estive, com integrantes da nossa Comissão, no último dia 18 deste mês, em audiência com o Ministro do Planejamento Desenvolvimento e Gestão para pedir que fossem convocados os aprovados no concurso realizado em 2014, cujo prazo de validade se encerra em 14 de abril do ano que vem. S. Exª o Ministro Dyogo de Oliveira, na oportunidade, nos recebeu, a Comissão, e nos atendeu dizendo que iria convocar 70 aprovados. Essa decisão do Ministro Dyogo de Oliveira certamente irá aliviar muito a situação de crise na área de patentes. |
| R | Ainda há que se insistir nessa questão, já que esse contingente é insuficiente para atender às condições mínimas para o funcionamento do setor. Para se ter uma ideia, neste ano de 2016, 73% dos pedidos de patente analisados foram arquivados devido à demora no processo. Hoje há, em média, 630 pedidos de patente e 3.760 pedidos de registro de marcas para cada examinador. No Inpi ainda restam 841 cargos de especialistas, de técnicos e pesquisadores ainda por preencher. E mais, como o órgão gera receita de mais de três vezes do que seu orçamento, o Congresso Nacional achou por bem aprovar, em 1996, a Lei nº 9.279, que autoriza o Poder Executivo a promover as transformações necessárias para assegurar à autarquia a autonomia financeira e administrativa, o que ainda resta a ser feito. Ao mesmo tempo em que queremos agradecer aqui, desde logo, ao Ministro Dyogo de Oliveira pela presteza com que nos atendeu, alerto que o problema grave de registros de patentes continuará a ser um entrave ao desenvolvimento de nossa tecnologia e das inovações produzidas no Brasil. Uma outra informação: chegou a esta Comissão ontem, em resposta ao RCT nº 32/2016, aqui da Comissão, o Aviso nº 1.033, do TCU, que encaminha cópia integral de processos encerrados relacionados a inspeções, auditorias, fiscalizações, prestação e tomada de contas, deliberações e julgamentos concernentes ao FNDCT e ao Funttel. Aos nossos convidados, informo que nós discutimos muito aqui a falta da destinação correta desses fundos que são fundamentais para a pesquisa, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Funttel, pois buscamos informações em vários setores. Estava restando ainda a resposta do TCU, que ontem nos atendeu, a fim de nós chegarmos às conclusões de por que têm faltado recursos para financiar a pesquisa no Brasil. Ao TCU, então, o nosso agradecimento pela colaboração e fornecimento de dados essenciais à avaliação da política pública em análise neste Colegiado no presente exercício. Feito esse registro, passo ao tema da nossa reunião de hoje. Srs. Senadores, senhores convidados, imprensa, assessores, iniciando os trabalhos da reunião, informo que realizaremos hoje, então, uma audiência pública, em atendimento aos Requerimentos nºs 18 e 45, de 2016, da CCT, de autoria dos Senadores Cristovam Buarque e Hélio José. O Senador Cristovam já está aqui conosco. Destina-se a audiência pública a discutir as causas da recorrência dos acidentes de engenharia no Brasil, bem como sobre o risco potencial de um acidente de nas usinas de Angra dos Reis. Na justificação do Requerimento nº 18, que deu ensejo à audiência pública que hoje realizaremos, os autores, Senadores Cristovam Buarque e Hélio José, ambos engenheiros de formação, argumentam que o nosso País tem sofrido com trágicos acidentes de engenharia, de consequências irreparáveis, com vítimas fatais, perdas patrimoniais elevadas e danos incalculáveis ao meio ambiente. |
| R | Entre os mais recentes episódios pouco esclarecidos citam a queda da Ciclovia Tim Maia, no Rio de Janeiro, em abril de 2016, que matou 2 pessoas; o estouro da barragem da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, em novembro passado, que provocou a morte de 19 pessoas e se transformou no maior desastre ambiental da história do País; o desabamento do Viaduto Batalha dos Guararapes, em Belo Horizonte, em julho de 2014, que provocou a morte de 2 pessoas e deixou 23 feridas; o desabamento de prédio na região de São Mateus, na zona leste de São Paulo, em agosto de 2013, que deixou 10 mortos; o desabamento das obras da linha 4 do metrô de São Paulo, em Janeiro de 2007, que matou 7 pessoas. Segundo os Senadores, as recorrentes explicações para isso têm sido falhas de projeto em obras novas, manutenção precária nas obras antigas e ineficiência na fiscalização. Diante dessas situações e olhando para a frente, esta audiência tem por objetivo, então, discutir esta situação de insegurança, em vista de acidente que pode ocorrer nas usinas Nucleares de Angra dos Reis, cujas repercussões poderão ser catastróficas. Para a cumprir a missão de nos apontar seguranças e inseguranças e nos indicar caminhos para evitar que isso ocorra foram convidados, e desde já os convido para tomarem assento à mesa: o Sr. Bruno Campos Barretto, Diretor-Presidente da Eletrobras Eletronuclear - está chegando, portanto, dentro de alguns instantes, estará conosco -; o Sr. Leonam dos Santos Guimarães, Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobras Enetronuclear - por gentileza, obrigado pela presença! -; o Sr. Ricardo Nicoll Júnior, Diretor-Presidente da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear (Afen) - obrigado, fique à vontade! -: o Sr. Sidney Luiz Rabello, engenheiro de Segurança Nuclear e membro da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear (Afen) - obrigado! -; o Sr. Chico Whitaker, membro da Comissão Justiça e Paz - CNBB; o Sr. André Pacheco Assis, Doutor em Engenharia Civil/Professor da Universidade de Brasília (UnB) - obrigado pela vinda! -; o Sr. Luciano Teixeira, Presidente da Associação Brasileira de Analistas de Infraestrutura (Abrainfra) - obrigado, Doutor -; o Professor-Doutor Luiz Pinguelli Rosa, Doutor em Física, Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que faz parte, nesta data, da banca examinadora de tese de doutoramento e, por isso, não pôde atender ao nosso convite; assim como o Sr. Paulo Rosman, Professor de Engenharia do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), que já possuía outros compromissos que não puderam ser alterados. Antes de passar a palavra aos nossos convidados, comunico que esta reunião será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Assim, as pessoas que tenham interesse de participar com comentários e perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211. |
| R | Durante o curso da audiência, esta Presidência também poderá fazer intervenções, assim como apresentar os comentários e questionamentos enviados pelos cidadãos que nos assistem. Passaremos, então, às exposições pelos convidados e, ao final, às Srªs e Srs. Senadores presentes, na ordem de inscrição. Eu vou sugerir aos nossos eminentes convidados que, se possível, resumam os seus pronunciamentos a 15 minutos. Se precisarem de mais tempo, nós poderemos avaliar para, mais adiante... Como são muitas pessoas, depois haverá as perguntas e alguns convidados nossos que vieram de fora de Brasília têm viagem, para o início da tarde, de retorno a suas bases, então, a proposta é de 15 minutos, rogando à capacidade de síntese dos senhores, o que me parece natural. Os senhores são pessoas acostumadas a falar e certamente saberão resumir. Se não for possível, porque os assuntos realmente são profundos, demandariam um seminário longo, nós queremos hoje pedir que façam uma síntese, uma amostra sobre o risco que corremos de acidentes de engenharia e com a usina nuclear. Então, eu começo cumprimentando o Dr. Luciano Teixeira, Presidente da Associação Brasileira de Analistas de Infraestrutura (Abrainfra). Dr. Luciano, bom dia! O SR. LUCIANO TEIXEIRA - Bom dia, Senador Lasier Martins! Agradeço pelo convite e cumprimento os eminentes Parlamentares e os presentes. Vou tentar ser o mais breve possível para atender o pedido do Senador e aproveito também a oportunidade para lamentar o acontecimento de hoje e prestar condolências às famílias. Eu sou Presidente da Associação Brasileira de Analistas de Infraestrutura. Essa carreira foi criada em 2007/2008 pelo Governo Federal. São engenheiros, geólogos, arquitetos... Enfim, aí está uma breve explanação do que é a carreira, uma carreira transversal do Ministério do Planejamento, especializada em diversos ramos da engenharia e que atua na formulação de políticas e implantação de políticas e projetos de Estado para investimentos em infraestrutura. A atuação acontece em rodovias, energia, ferrovias, comunicação, hidrovias, mineração, portos, saneamento, aeroportos, desenvolvimento urbano e indústria naval. |
| R | Bem, eu trabalho no Ministério de Minas e Energia na Secretaria de Energia Elétrica, fazendo o monitoramento implantação de diversas fontes, não só a nuclear: hidrelétrica, fotovoltaica, PCH. Eu entendo que a nuclear pode ser uma fonte viável dentre essas várias energias disponíveis. Então, vou fazer uma breve explanação do panorama mundial, de como é essa fonte no Brasil e no mundo. Vou tentar ser bem breve. A aplicação: medicina, indústria, agricultura, geração de energia elétrica, aplicação militar. Nós vamos focar aqui na geração de energia elétrica. De forma bem breve - o pessoal aqui é especialista - e simples, o que é fissão nuclear? Nada mais do que a divisão de um átomo pesado, por exemplo, o Urânio-235, em dois menores, quando atingido por um nêutron. Nessa divisão, o produto são dois outros novos elementos. Nesse evento ocorre a liberação de bastante energia e essa energia vai ser usada posteriormente para gerar energia elétrica. Esse é o funcionamento bem simplificado de uma usina nuclear. A fonte é a própria eletronuclear, o modelo de Angra 2, com dois circuítos: um circuito primário e um circuito secundário. Posteriormente vão ver a importância disso para a segurança da usina. Brevemente, o funcionamento: o vaso de pressão, onde ocorre a reação nuclear; o pressurizador; um gerador de vapor, já no circuito secundário, que vai gerar vapor que vai passar pela turbina. Essa turbina vai girar, vai girar também o gerador elétrico e vai se transformar em energia elétrica para o nosso consumo. É isso, de forma bem simples e resumida. Sobre a potência instalada no mundo. O primeiro reator experimental surgiu nos Estados Unidos em 1951. O primeiro em escala industrial entrou em operação na União Soviética em 1954; em escala comercial, em 1959, na França; nos Estados Unidos, em 1960; e, na União Soviética, em 1964. É, relativamente, uma fonte recente. Ao final de 2015, já havia 441 reatores nucleares em operação no mundo. Isso é importante para a gente ver que a planta nuclear não é uma tecnologia estática, ela está em evolução. Há gerador de primeira geração, segunda, terceira e quarta gerações, com os avanços tecnológicos advindos, frutos de acidentes, da pesquisa, da tecnologia. Fazendo um paralelo com o carro, na década de 30, nós tínhamos carro com uma segurança X. Hoje, temos carros bem equipados, com ABS, airbag. A capacidade instalada por tipo de gerador. A maioria dos geradores são do tipo PWR, depois vem o BWR. Vou explicar o que são esses tipos de gerador. Percentualmente, 70% da potência é do tipo PWR. É um pouco mais seguro do que o BWR. É mais seguro por ter dois circuítos. Isso vai permitir explicar a diferença entre Angra e Fukushima, uma das principais diferenças. |
| R | No PWR, existem dois circuitos, como eu havia falado. O gerador de vapor realiza uma troca de calor entre as águas do primeiro circuito e do circuito secundário, que são independentes entre si. A água do circuito secundário se transforma em vapor e movimenta a turbina. Já no BWR, só existe um circuito, sem gerador de vapor. Um corte no fornecimento de energia interrompe imediatamente o resfriamento, como aconteceu na usina de Fukushima. Essa seria uma grande diferença entre os dois tipos de reatores. Os Estados Unidos detêm a maior proporção da capacidade instalada mundial de geração nuclear: 25,8%; a França, 16%; o Japão, 10%. Um dado interessante é que a soma do tempo em operação de cada reator dá aos Estados Unidos a maior experiência, com mais de 4,1 mil anos, se somarmos a experiência de cada gerador. Então, apesar de ser uma energia que começou a ser utilizada na década de 60, 50, já temos mais de 4 mil anos de experiência só nos Estados Unidos. Aqui alguns os números de reatores por país: Estados Unidos, 99; França, 58; Japão, 43; China, 31. Tive a oportunidade de visitar a Coreia do Sul, que começou a instalar as usinas nucleares na mesma época em que o Brasil, na década de 70, e hoje já tem 24 reatores nucleares e, em construção, mais 4, ao que me parece. O Brasil, nesse ranking, está em 21º lugar. O total de reatores é 441. Esses dados são do final de 2015. Talvez o pessoal tenha alguma atualização. Quando a gente fala em proporção, no total, da geração elétrica, a França é a grande campeã, com 79% da geração nuclear. Depois vem Eslováquia, Hungria, Ucrânia, Bélgica, Armênia, Suécia, Finlândia, Suíça, Eslovênia, República Tcheca e Coreia do Sul, com 30% do percentual de geração total. E outro dado interessante desse gráfico é o fator de capacidade. Podem observar que é acima de 70%, na maioria das vezes. Essa é uma outra grande vantagem desse tipo de geração. Continuamos aqui com fatores de capacidade acima de 80%. Estados Unidos com 92% de fator de capacidade. Total de anos de experiência, um dado também interessante: são 16,5 mil anos de experiência, se formos somar a idade de cada gerador. |
| R | O Brasil, vamos aproveitar, é o 29º da lista, a proporção da nuclear no Brasil, a nossa matriz de capacidade instalada de geração. Essa é a capacidade instalada. A grande maioria, a imensa maioria, hidráulica, 64%; solar ainda é pequena, 0,1%; eólica, 6,4%. São as grandes fontes agora, atualmente, em expansão. Não se pretende expandir em percentual na matriz elétrica a nuclear para algo em torno de 10%, 15%, 20%, mas, se formos olhar para o futuro, existem previsões de que essa capacidade instalada... Essa aqui, não sei se têm a informação, são 148GW de capacidade instalada. Vá passando. Aqui é a matriz, detalhando cada fonte - opa, eu passei demais! Aqui já é a produção em si de energia elétrica até agosto de 2016. Um dado interessante é que a nuclear, que era 1,3% na capacidade instalada, já avança ali para 3%, justamente devido a esse alto fator de capacidade da planta. Outra questão interessante é que, em projeções futuras para 2050, por exemplo, existem previsões de que a capacidade instalada do sistema avançaria para algo em torno de 50GW em média. Aqui o quadro mostra a capacidade instalada, em torno de 148 mil megawatts; a nuclear está ali, são duas, Angra 1 e Angra 2, 1.990. Este gráfico aqui coloca a adição acumulada anual desse tipo de fonte. Podemos observar que, entre as décadas de 70 e 90, houve o boom dessa fonte; começou a decair e, lá no final, a partir de 2010, começou a ser novamente retomada, com uma possibilidade de geração. Os três grandes acidentes de grande magnitude nas nucleares são: nos Estados Unidos, em 1979; Chernobyl, em 1986; e o recente, agora, Fukushima, em 2011. Na escala internacional de eventos nucleares, o dos Estados Unidos, nível 5; Chernobyl, nível 7; e Fukushima, nível 5. Isso trouxe como consequência - não só isso, mas também o tempo dos reatores - uma desativação de usinas ao redor do mundo, totalizando aqui 159. Só que, mesmo tendo havido conexão de novos reatores à rede, no período de 1989 a 1991, houve redução de 420 para 415 reatores; de 1996 a 1997, redução de 438 para 430 reatores; e, em 2015, foram desmobilizados 7 reatores e adicionados 10 - houve um saldo, aí, de 3 - e o número máximo de reatores em operação: 441 unidades. |
| R | (Soa a campainha.) O SR. LUCIANO TEIXEIRA - Para concluir, há uma outra preocupação quanto à idade média dos reatores: acima de 24 anos de idade. Aqui se demonstra o tempo médio de construção dos reatores, que vem decaindo. Eram 131 meses, na década de 80, agora já caindo para algo em torno de 69 meses atualmente. Sobre a expansão, um país que está expandindo muito na área nuclear é a China, com 24 reatores, seguida da Rússia, Estados Unidos e Coreia do Sul, como eu falei, com mais 4 unidades. Chamo a atenção para a extensão territorial da Coreia do Sul. Acho que ela cabe dentro do Estado do Rio Grande do Sul. Será que há reservas suficientes de urânio? Essas aí são as reservas mundiais: Austrália, com quase 30%; Cazaquistão, 11%; Rússia, 8%; e o Brasil, com 5% do total. Então, temos urânio suficiente. A vida útil do Brasil seria algo em torno de mais de 500 anos. Era isso. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Muito obrigado. Cumprimentos pela síntese. Foi muito convincente na sua explanação. Eu chamo para falar agora o Sr. Leonam dos Santos Guimarães, Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobras Eletronuclear. Dr. Leonam, bom dia! O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Bom dia a todos os senhores. Em nome da Eletronuclear, eu gostaria de agradecer a oportunidade que nos é dada de participar desta audiência pública, e não poderia deixar de registrar, neste momento, a nossa profunda tristeza e consternação pelo acidente de hoje pela manhã, que leva todo o Brasil a uma tristeza muito profunda. Eu não queria deixar de registrar isso. Na realidade, a Eletronuclear, em que pese ser operadora de reatores nucleares, é, antes de tudo, uma casa da engenharia, uma casa onde se pratica engenharia no seu mais alto nível possível. Então, realmente, a motivação da audiência, que são as recorrências de acidentes em engenharia, é algo que particularmente nos toca. Não podemos nos eximir de discutir esse aspecto e, na sequência, falar, sim, do risco potencial de acidentes nas usinas, mas entendendo que todos aqueles dados estatísticos, inclusive os que foram apresentados pelo colega anteriormente demonstram, de uma forma bem forte, o nível de segurança com que a operação desse parque nuclear mundial funciona hoje em dia. Então, dentro desse aspecto, eu acredito que a principal causa de recorrência de acidente de engenharia, que é o tema principal da audiência, sem dúvida nenhuma, é a não observância de normas técnicas. E eu recomendo aos senhores esse livro, que é muito ilustrativo: Tragédias, Crimes e Práticas Infrativas decorrentes da não observância de normas técnicas brasileiras - NBR. Ele tem um amplo espectro de casos que eu considero bastante úteis em termos de lições aprendidas, porque lições aprendidas são algo fundamental no arcabouço da segurança nuclear. Segundo o livro, essa não observância de normas técnicas decorre muitas vezes da inexistência da norma. Ou seja, aquela prática, aquela atividade não é normatizada; a norma, às vezes, é incompleta; e quem pratica o exercício de engenharia, naquele momento, desconhece a inexistência da norma, em muitos casos. Existem situações de dolo, sim, algumas situações de dolo, mas também situações de culpa, com a ocorrência de negligência, imperícia e incompetência nesses casos. É um resumo global do que nós podemos depreender desse trabalho. |
| R | E, quando nós falamos em acidentes, estes decorrem de erros ou falhas. Os erros podem vir no projeto da instalação, na sua construção ou na sua operação. Quanto às falhas decorrentes disso, normalmente nós classificamos a falha como humana e material, mas, na realidade, a causa raiz de toda falha é humana. Não existe causa material, porque o material não tem intenção. Na realidade, de alguma forma, a falha que leva a um acidente tem origem humana, podendo ser operacional - aquela a que nós estamos mais acostumados, com atuação do homem diretamente sobre a operação do sistema -, mas, muitas vezes, a falha decorre de uma falha humana de natureza organizacional, ou seja, relacionada a toda a estrutura que está por trás da operação do ciclo de vida daquele empreendimento, seja no projeto, na construção ou na operação. Então, eu queria ressaltar este ponto: a causa raiz de toda falha acaba sempre sendo humana. Assim, é uma ilusão pensar que são falhas materiais, colocar a culpa no material. Se o material falhou, é porque houve alguém, alguma estrutura por trás que levou aquela situação a acontecer. E, lendo esse livro, nós vamos encontrar muitos exemplos desse tipo de coisa, porque, na realidade, às vezes, uma falha humana, que é uma ação inicializadora, acaba tendo a sua origem em fraquezas organizacionais latentes, que levam à ocorrência daquela ação inicializadora que, por sua vez, vai levar à ocorrência do acidente. Nós temos que separar o erro ativo de um erro latente. Talvez o caso desse triste acidente de hoje seja um bom caso de estudo desse tipo. Certamente, se houve uma falha material, supostamente uma pane elétrica, essa pane elétrica ocorreu devido a algum erro latente, associado à manutenção, ou à construção da aeronave, ou até ao seu próprio projeto, dependendo das circunstâncias. Então, quando nós falamos em segurança de sistemas e buscamos segurança, na realidade, nós estamos lidando com o perigo que vem da energia... Sempre, para haver um acidente, precisa haver energia, e existe uma série de controles ou barreiras que protegem um determinado objeto vulnerável e evitam que venha a ocorrer o acidente. Quer dizer, se você tem energia e controles para proteger... E nós vamos ver que as pessoas estão em todos os níveis. As pessoas estão na origem do perigo por um comportamento inseguro. Elas estão também na origem dos controles, num comportamento seguro, garantindo o controle dessa energia. E elas são as pessoas a serem protegidas, no caso de um acidente. Quando nós estamos falando da Central Nuclear de Angra dos Reis, nós estamos falando da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, com 2.000MW de potência instalada, em Angra 2 e Angra 1. Angra 2, com 1.350, e Angra 1, com 640. Essas usinas, Angra 1 e Angra 2, somadas, representam 46 anos de experiência operacional. Eu acho que o colega, anteriormente, fez alguns indicadores de experiência operacional mundial. Na realidade, a experiência operacional monta cerca de 14 mil reatores/ano, mundialmente. Aqui no Brasil, nós temos 46 reatores/ano de experiência operacional. Quer dizer, já temos acumulados 250 milhões de megawatts gerados, sendo 150 em 15 anos, somente por Angra 2. |
| R | Operamos dentro dos níveis de segurança internacionais. Nós ainda vamos falar um pouco sobre isso, sobre o que é que caracteriza a segurança nuclear. E agora eu queria esclarecer um ponto importante, até ligado ao título da própria audiência: risco potencial. Nós temos que fazer uma distinção entre o risco potencial e o risco residual. O que é o risco potencial? O risco potencial está associado às consequências de um evento indesejado, antes de você tomar qualquer medida de proteção. Ou seja, o risco potencial está associado a uma situação em que você, na análise de segurança do projeto, ainda não implementou as ações de segurança. E quais são as ações de segurança? Existem três tipos de ações de segurança: ações de prevenção, que são aquelas que visam a evitar que o evento indesejado de que decorra o acidente ocorra; ações de proteção, que são aquelas que não pretendem evitar, porém limitam as consequências caso o evento ocorra; e ações de remediação, que são aquelas que também não evitam, não protegem, mas atuam na recuperação dos danos causados, eventualmente, pelo evento ocorrido. Então, essas ações de segurança são aplicadas a uma instalação que tenha um risco potencial. E, após a implantação dessas ações de segurança, remanesce um risco residual, de modo que vão se implantar tantas ações de segurança quantas forem necessárias, para tornar aquele risco residual aceitável. A aceitabilidade de risco é um conceito social, não é um conceito de engenharia. É um conceito social que determina a atividade, lembrando sempre que não existe nenhuma atividade humana que não tenha risco residual. Sempre haverá risco residual. E, em geral, aquelas atividades que têm um alto risco potencial têm baixos riscos residuais. Justamente por terem risco potencial elevado, existe uma grande preocupação. A aceitabilidade do risco exige que se apliquem várias ações de segurança. Por exemplo, esse é o caso típico da aviação. A aviação é um transporte extremamente seguro, em que pese a tristeza do acidente de hoje, porque foram implementadas, ao longo do tempo... A aviação, quando começou, tinha uma taxa altíssima de acidente. Tinha um risco potencial, porque muito poucas ações de segurança eram realizadas. Foram, então, sendo realizadas ações que transformaram a aviação civil comercial em um dos transportes mais seguros do mundo. Então, eu gostaria de fazer uma distinção: atividades que têm alto risco potencial não são necessariamente aquelas que tenham alto risco residual, porque não se pode analisar a segurança de uma instalação sem considerar todas as ações de segurança que foram implantadas para evitar que aquele evento ocorra. E esse conceito de risco residual decorre, dentro do arcabouço da segurança nuclear, do procedimento de análise de segurança, a partir do qual se postula um acidente, postulam-se desvios da situação normal e vão se verificando as medidas que foram adotadas de prevenção, proteção e remediação, ao longo da evolução desse acidente, de forma que o risco residual dessa situação mais crítica, mais limítrofe, seja aceitável. |
| R | Isso está muito associado ao que normalmente se chama de "conceito de defesa em profundidade". Defesa em profundidade diz respeito justamente a essas barreiras - nem todas são físicas: há barreiras de procedimento ou de outro tipo - que garantem que, a partir do momento em que tudo foi feito, não se saia da operação normal. Se sair da operação normal, você alarma e existe um sistema para controlar esse desvio. Se esse desvio não for controlado, você tem uma outra camada de ações de segurança para conseguir sustar a evolução desse cenário acidental. E ainda existe uma outra, que vai acabar na última camada, que é aquela camada já associada a ações externas, das quais vamos falar rapidamente ao final. Isso, sob o ponto de vista de normatização técnica... Como eu havia comentado, grande parte dos acidentes identificados e inventariados decorrem, de alguma forma, da não observância de normas técnicas. Mas o setor nuclear mundial tem esses 14 mil reatores/ano de experiência, os quais fizeram que se estruturasse um arcabouço de normatização técnica ao qual - eu me arrisco a dizer - não existe algo comparável em outras atividades humanas. E esse arcabouço de normatização técnica começa pela Agência Internacional de Energia Atômica, tem desenvolvimentos locais em países que têm alto desenvolvimento - como é o caso, por exemplo, dos Estados Unidos, da França -, mas também se reflete em todos os países onde todos os membros associados à Agência Internacional - e o Brasil é um deles - se alinham ou se comprometem com o cumprimento dessa normatização técnica. Um outro aspecto também - e eu vou dar até um exemplo prático, real, que está acontecendo neste momento - é o seguinte: o setor nuclear também tem um sistema de fiscalização e controle bastante rigoroso, e talvez poucas indústrias tenham um sistema de fiscalização e controle do cumprimento dessa normatização técnica. Por exemplo, no caso do Brasil, nós temos, no primeiro nível, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, que exerce a fiscalização e controle de forma permanente, na medida em que ela possui fiscais residentes dentro do sítio das usinas, acompanhando permanente a operação; nós temos o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, o Ibama, que faz fiscalizações periódicas no cumprimento das condicionantes do licenciamento ambiental dessas instalações; nós temos a Agência Internacional - embora não seja exatamente uma fiscalização e controle, ela tem missões periódicas de avaliação do estado das condições de segurança operacional das usinas -; temos ainda a Associação Mundial dos Operadores Nucleares, da qual a Eletronuclear faz parte e é onde se realizam também missões periódicas. Mas aí há um escopo até mais amplo: eles verificam não só a segurança operacional, mas também a segurança corporativa, vamos chamar assim, ou seja, tudo o que está por trás, organizacionalmente, que dá suporte à segurança operacional. Então, isso vai a detalhes como processo de aquisição, uma série de aspectos que não são convencionalmente ligados à segurança operacional, mas têm a ver com aquilo que nós falamos lá no início, é aquele back office, aquele que está lá por trás, que dá suporte ao operador. E também temos inspeções anuais do Instituto de Resseguros do Brasil, porque as usinas têm uma apólice de seguro, com valores bastante vultosos. Então, o ressegurador também tem todo o interesse em garantir a segurança das instalações - e ele permanentemente fiscaliza essas instalações também. |
| R | Bom, ocorreu o acidente de Fukushima... (Soa a campainha.) O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - ... como foi comentado, anteriormente, também pelo colega. Antes de falar sobre isso, é sempre bom lembrar que houve 15 reatores afetados pelo tsunami. Infelizmente, o acidente ocorreu em Fukushima Daiichi, mas as usinas de Onagawa, Tokai e Fukushima Daini foram também submetidas às mesmas condições, e conseguiram passar por isso com plena segurança. Então, no momento da ocorrência do acidente em Fukushima, houve uma série de ações empreendidas pela empresa, alinhadas com ações em nível mundial. Foi elaborada a avaliação das lições aprendidas, os resultados do que nós chamamos de Stress Tests, que são as verificações das comparativas das usinas de Angra com as condições acidentais ocorridas lá em Fukushima. Esse relatório de avaliação teve determinada a sua elaboração e foi encaminhado ao órgão regulador brasileiro, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, e, por um acordo do Fórum Iberoamericano de Organismos Reguladores, as nossas análises foram checadas e cruzadas com outros países. No nosso caso, o nosso relatório de avaliação de Stress Tests foi avaliado pelos argentinos. Aqui no Brasil foi feita a avaliação, se eu não me engano, do relatório dos mexicanos. Houve esse processo de cruzamento, de independência na avaliação. Isso também deu origem - não basta só o Stress Tests - ao "Plano de Resposta a Fukushima", que foi lançado naquela época e apresentado ao órgão regulador. Esse plano ainda se encontra em vigor e ainda em execução, porque várias atividades foram efetivamente executadas, porém há várias atividades, de prazos mais longos, que continuam em execução. Nesse aí, eu estou anexando até o último relatório de acompanhamento do andamento, do status do desenvolvimento desse plano. Eu queria passar depois à Comissão esse documento: "Critérios de segurança adotados para as usinas". Ele foi feito logo depois do acidente de Fukushima, porque logo em maio houve uma audiência pública, aqui nesta Casa, no Senado, para discutir esse tema. Então, esse documento bastante extenso, com bastante informação técnica, foi elaborado. Ele vem sendo mantido atualizado. Então, eu pediria para protocolar esse documento, que vai abordar assuntos técnicos em maior profundidade. Vejam que houve uma resposta da indústria nuclear mundial ao acidente de Fukushima, uma revalidação sistemática e extensiva. Ou seja, não fomos só nós que tivemos um plano de resposta a Fukushima. No mundo todo, os operadores nucleares elaboraram os seus planos de resposta, adaptados às particularidades das suas usinas, como localização e características técnicas. Eu acredito que nós, da Eletronuclear, tivemos uma resposta rápida a todas as consequências do acidente de Fukushima, inclusive com a implementação desse plano de resposta. E há algumas características bastante... A análise dos Stresses Tests avaliou a situação como bastante favorável, com vários aspectos favoráveis, em relação àquelas situações ocorridas lá, em Fukushima. Por último, para encerrar, eu gostaria só de lembrar aos senhores, só ressaltar que a segurança não pode ser garantida somente por tecnologia e procedimentos. A efetividade, entendida como eficácia e eficiência ao longo do tempo, é garantida pelas pessoas. Quer dizer, aquela combinação do hardware - hardware entendido aí como a parte material, o projeto, a construção, a operação, mas há também o software. Vamos chamar de software o sistema de gestão, políticas, procedimentos, instruções de trabalho. E não podemos descuidar do humanware, se nós pudermos chamar assim - o humanware tem muito a ver com a cultura organizacional. |
| R | Então, a busca pela melhoria contínua da segurança, em qualquer instalação, passa pela atenção ao material, que envolve garantia da qualidade no projeto, na construção, na operação; atenção à gestão, que envolve procedimentos operacionais, administrativos, planejamento de emergências, mas, em última instância, deve haver uma atenção à cultura, garantindo o comprometimento da direção, da gerência e dos próprios indivíduos com a segurança. Quer dizer, isso, no fundo, é o que nós chamamos, no setor nuclear... Esse foi o estabelecimento de uma cultura de segurança, que começa pelo compromisso da organização, passa pelo compromisso da gerência e chega ao compromisso individual. E o compromisso individual envolve atitude questionadora, tomada de ação prudente e rigorosa e, fundamentalmente, a comunicação entre toda a escala envolvida na operação. Por último, para concluir, eu gostaria de dizer aos senhores que segurança é uma profissão de humildade. O dia em que nós ficarmos satisfeitos com o nível de segurança que nós alcançamos será a véspera da complacência. Então, a segurança se constrói a cada dia, buscando-se permanentemente oportunidades de melhoria. Mas nós não podemos também... Assumindo essas duas realidades - que é o que nós praticamos -, a busca pela melhoria contínua não pode ser interpretada pela sociedade como um sintoma de que a segurança atual não seria aceitável. Isso é extremamente negativo. Quando nós fazemos a melhoria, e a sociedade interpreta que essa melhoria significa que o estágio anterior à melhoria era inaceitável, isso é extremamente negativo e contrário à própria segurança. Então, nós temos que ter bem claro esse aspecto, senão nós poderemos chegar querendo e tendo a intenção de melhorar a segurança, mas acabar prejudicando a própria evolução e melhoria contínua da segurança. Eu só queria dar um exemplo aos senhores, para encerrar, do grau de rigor que se aplica às construções nucleares. É um exemplo bastante recente, da construção do reator EPR, em Flamanville, na França. Foi identificado um problema de controle de qualidade na fabricação do vaso desse reator que está em construção e, de imediato, identificado isso, a autoridade de segurança francesa levantou qual seria o problema naquele caso. E os forjados daquele vaso foram fabricados no Japão. É interessante saber que ele havia sido fabricado há anos. A rastreabilidade daquele processo permitiu se remontar a causa raiz do problema de especificação verificado anos depois. E, identificada essa causa raiz, se pôde chegar a identificar quais seriam outras usinas que poderiam estar afetadas por aquele mesmo problema de controle de qualidade da fabricação, e assim foi determinada a parada dessas usinas, a fim de que fossem feitas as inspeções concorrentes. |
| R | Eu acho que isso é uma demonstração muito clara de quão profundo é o sistema de controle de qualidade das obras nucleares. Aí, volto a falar: a identificação desse problema é um processo de melhoria que não pode se identificar naquela velha postura de dizer: "Não, então, estava muito ruim. Se isso aconteceu, é um sinal de que estava muito ruim." Não, isso aconteceu e o sistema se preparou para que esse tipo de coisa fosse identificada e que as lições fossem aprendidas e que a correção do problema fosse feita. Eu deixo isso só como um exemplo final e agradeço muito a atenção. Desculpe-me, porque estourei um pouquinho o tempo, Senador. O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Foi muito proveitosa, como a primeira também. Até com sua permissão, engenheiro Leonam, eu anotei uma frase que vou guardar para uso: "No dia em que se ficar satisfeito com o nível de segurança alcançado, é a véspera da complacência". Magnífico. Em quantas circunstâncias nós podemos invocar essa advertência? Às pessoas que estão nos acompanhando pela TV Senado e que eventualmente tenham começado a nos assistir agora ou há poucos momentos, informamos que nós estamos realizando aqui uma audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, sobre a recorrência de acidentes na área de engenharia e risco potencial de acidente nas usinas nucleares de Angra dos Reis. Nós já estamos recebendo, com muito prazer, o Diretor-Presidente da Eletrobras Eletronuclear, engenheiro Bruno Campos Barretto, que é o nosso próximo palestrante, numa proposta de 15 minutos. Se V. Sª precisar de um pouco mais, seremos complacentes, mas, como haverá perguntas no final, se puder seguir os demais pronunciamentos, ficaremos satisfeitos. Certamente vamos aprender muito com a sua palavra. Bom dia. O SR. BRUNO CAMPOS BARRETTO - Bom dia a todos. Ilustre Senador Lasier Martins, Presidente da CCT; ilustre Senador Cristovam Buarque, autor do requerimento que instaurou esta reunião, é com grande honra que aqui compareço para ilustrar, com um pouco da nossa experiência, o tema central desta audiência. Acho essa iniciativa extremamente importante, com foco em acidentes graves de empreendimentos de engenharia com vítimas. Eu gostaria de iniciar minhas breves palavras ressalvando a grande capacitação atingida pela engenharia nacional, sobretudo no que diz respeito a grandes obras em concreto armado e protendido. Nós temos tradição, inclusive, no âmbito da engenharia mundial. Somos autores de normas internacionais. Há grande experiência do Brasil na construção de empreendimentos de grande porte, sobretudo de grandes barragens e ela é replicada mundialmente. Só para dar um exemplo, a obra da Usina Hidrelétrica de Três Gargantas, na China, foi precedida de inúmeras visitas de técnicos e engenheiros chineses a Itaipu e, posteriormente, à obra da Hidrelétrica de Belo Monte, justamente no sentido de angariar experiência quanto a determinados problemas técnicos, resolvidos com muita pertinência e talento pela engenharia brasileira. |
| R | No entanto, reconheço, senhores, que o tema proposto é absolutamente atual e oportuno. De fato, em relação a grandes obras de engenharia, em relação aos acidentes que os senhores tão bem relataram na convocação para esta audiência, nós vemos que padecemos de outros males. Sem querer ser extensivo, eu poderia citar a baixa qualidade de execução, com cronogramas apressados; a gestão de empreendimento e gestão contratual deficiente; um ambiente, infelizmente - e isso está na ordem do dia -, em algumas grandes obras, de cartel, propina e corrupção, que está sendo passado a limpo pela operação em curso. Não posso deixar também de apontar um certo descompromisso de autoridades públicas municipais e estaduais com a implantação dos empreendimentos, a qualidade dessas obras. Isso passa também, muitas vezes, não diria por despreparo, mas pelo pouco aparelhamento das nossas autoridades licenciadoras no sentido de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Finalmente e não menos importante - acho que os senhores estão contribuindo imensamente para esse despertar -, a pouca conscientização e o baixo poder de pressão da opinião pública. Entendo que iniciativas como esta, Senador Lasier e Cristovam, são basilares para a construção da cidadania também. O cidadão tem que estar consciente de que esses empreendimentos vêm para ficar com consequências previstas ou imprevistas para a comunidade que o cerca. Nesse quadro, com foco na segurança das grandes obras de engenharia e, sobretudo, na recorrência de acidentes fatais, eu me pergunto: como situar as usinas nucleares de Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro? Em conversa breve com o ilustre Senador Cristovam Buarque, ele me relatou a sua expectativa de que a nuclear venha a ser uma solução interessante para o Brasil em anos posteriores, desde que, segundo o Senador, o dilema da segurança fosse resolvido tempestivamente. Eu dizia ao Senador: a sua preocupação é o nosso DNA. Segurança é estar intrinsecamente imbricado na maneira como projetamos, construímos e operamos nossas usinas. De fato, o que nós chamamos de cultura de segurança não é absolutamente palavras ao vento. Eu creio que o meu companheiro de diretoria já deve ter se referido... Aliás, eu me esqueci de pedir desculpas pelo atraso. Realmente eu fui boicotado pelas companhias aéreas, mas cheguei. A situação do trânsito aqui, em Brasília, também estava um pouco confusa devido ao que se está votando hoje, ao que se está se debatendo hoje. Voltando à cultura de segurança, ela não é um slogan, não é um conjunto de folhas descompromissadas de papel, é um dos pilares da maneira como operamos nossas usinas, juntamente com a constante busca de eficiência operacional. Eu diria, sem exagero, que a cultura de segurança é o ar que nós respiramos na operação de nossas usinas. Em resposta a essa constante preocupação que nossas usinas têm em operar com segurança, nós vemos que os resultados são absolutamente interessantes. As usinas nucleares de Angra dos Reis se situam entre as melhores do mundo. No grupo das top ten, elas têm indicadores não só operacionais, como de segurança, absolutamente exemplares. Eu me refiro também a sua disponibilidade. |
| R | Eu me refiro, voltando à questão da segurança, a outro aspecto da segurança que eu ouso dizer que tem que ser considerado nos trabalhos desta Comissão, a segurança que a nossa operação contínua, confiável, na base proporciona ao sistema interligado brasileiro, sobretudo no equilíbrio do abastecimento da Região Sudeste. Finalmente, eu toco em outro ponto que destaca as nossas usinas: a ausência de eventos que comprometam a segurança ou que proporcionem danos ao meio ambiente, aos trabalhadores, aos nossos empregados e à população do entorno e dos círculos mais alongados das proximidades. Isso não se consegue de graça, nem por meio de slogans continuamente repetidos. Não é uma questão de ideologia. A cultura de segurança nas usinas nucleares se traduz por meio de trabalho duro e dedicado, contínuo, de cidadãos brasileiros altamente capacitados e treinados continuamente, requalificados, que representam, em termos do conhecimento para o que desempenham, o estado da arte da indústria nuclear mundial. Refiro-me, de modo amplo, a diferentes aspectos de como essa cultura de segurança se traduz na prática, operacionalmente, no dia a dia dessas usinas. Os nossos operadores são certificados e requalificados periodicamente da maneira mais exigente possível. Eles são submetidos a exames, provas. Essa não é a tônica da indústria pesada brasileira ou mundial. A comparação que eu faria sobre a questão da qualificação remeteria talvez à indústria aeroespacial, de onde somos originários, e talvez à indústria aeronáutica como um todo, mas não se trata absolutamente de modo corriqueiro ou desatencioso de treinar aqueles que lidam realmente com a segurança das usinas e, consequentemente, com a segurança da população. Somos submetidos à supervisão in loco, on-line, da Comissão Nacional de Energia Nuclear, o nosso órgão regulador. Ele não faz visitas. Ele mora lá. Nós temos continuamente engenheiros residentes da Comissão Nacional de Energia Nuclear na central nuclear de Angra dos Reis. Isso é uma prática, fora todo o trabalho de background que a comissão faz no sentido de prover determinadas licenças e aprovações que são requeridas a cada momento. Temos também revisões técnicas sobre processos e gestão a cargo de entidades independentes internacionais. Isso é contínuo. Tanto a Agência Internacional de Energia Atômica quanto a Associação Mundial de Operadores Nucleares nos submetem ao que é chamado de peer review ou missões que vêm de maneira absolutamente conforme as proposições daqueles órgãos independentes e emitem recomendações que nós seguimos fielmente, mesmo porque a comprovação da execução dessas recomendações é cobrada em missões posteriores. Temos um cuidado imenso com auditorias de qualidade em relação a fornecedores nacionais e internacionais. Nós estamos constantemente qualificando aqueles que nos fornecem equipamentos, peças sobressalentes e assim por diante. |
| R | De maneira mais prática, voltando à questão de possíveis acidentes, de recorrência, nós temos o plano de emergência local e o plano de emergência externo, coordenado pela Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro. São documentos vivos. Não são, volto a dizer, papéis guardados numa gaveta que numa eventualidade são retirados por alguém que nem se lembra mais do que está escrito ali. Não. São documentos vivos que se refletem em processos que são constantemente atualizados e testados através de exercícios periódicos de plano de emergência que têm duas finalidades básicas: a primeira é realmente examinar, na simulação, o que precisa ainda ser aperfeiçoado e introduzido; segundo, manter a população da região circunvizinha absolutamente acostumada a medidas que deveriam ser tomadas se um hipotético e remoto acidente, um evento que levasse à evacuação do local viesse a ocorrer. Então o treinamento é constante no sentido de que se reconheça, enfim, o som do alarme, o que significa um toque, dois toques, locais para onde devem se dirigir, de que modo, em qual transporte. Isso é constantemente colocado para a população, ainda que, ressalto, senhores, estejamos trabalhando sempre com o remoto, com o improvável. Mas o remoto, o improvável faz parte da nossa realidade cotidiana. De maneira mais técnica, nós estamos sendo cobrados, e estamos apresentando resultados, tanto pela Associação Mundial de Operadores como pela Agência Nuclear de Energia Atômica quanto à nossa adesão, disponibilidade e preparo propriamente dito em relação ao que eles chamam de emergency planning preparedness, ou seja, a nossa disposição permanente de agir, antever, prevenir no caso de uma possível emergência. Essa é uma disciplina da cultura de segurança que nos é cobrada por todos os organismos mundiais. Finalmente, falando rapidamente - creio que ainda estou dentro do tempo, Senador - sobre a questão da cultura de segurança, que, como eu já disse, é uma filosofia, mas também uma prática, ela se baseia no conceito bastante interessante chamado defesa em profundidade. Existem vários níveis de atenção e de prevenção referentes à visão de segurança que devemos ter em nossas usinas. E basicamente, fazendo uma síntese, estamos sempre nos preparando, sempre prontos para evitar que qualquer evento indesejável ocorra. Esse é o primeiro passo. Mas, considerando a remota hipótese de que um evento desses venha a ocorrer, evitar efeitos adversos. Se efeitos ocorrem em terceiro nível, evitar a sua propagação. E, sobretudo, ao fim, ao cabo de qualquer ocorrência que viesse a se materializar, evitar a sua recorrência. Sobre a questão da recorrência, nós nos apoiamos fortemente na experiência operacional da indústria nuclear mundial, sempre baseados em atitudes, premissas, melhoria contínua. Nunca estamos prontos. Acreditamos que podemos evoluir mais em relação à visão de segurança. Somos movidos pela aprendizagem. Quer dizer, as lições aprendidas em qualquer situação são imediatamente incorporadas aos nossos processos. E, finalmente, desenvolvemos o que se chama de atitude questionadora, o que pode parecer meio subversivo numa estrutura de operação em que uma cadeia hierárquica é muito claramente definida, até para que todos saibam como agir a cada momento. A atitude questionadora eu diria que é uma espécie de molho, uma espécie de reticências que nós colocamos em todas as nossas normas, processos e regulações, no sentido de que essa atitude cabe, em primeiro lugar, à organização; em segundo lugar, a cada gerente; e, em terceiro lugar... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. BRUNO CAMPOS BARRETTO - ... aos indivíduos na sua percepção pessoal, individual, a partir de sua experiência e treinamento. Enfim, eu me coloco aberto a qualquer pergunta ou esclarecimento e refuto desde já qualquer atitude defensiva em relação à geração de energia nuclear para o atendimento à população brasileira. Nosso intuito é compartilhar: compartilhar informações, compartilhar acesso, informar e respeitar profundamente a opinião pública e a sociedade da qual os senhores são os representantes. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - O agradecimento é nosso, da nossa Comissão, Presidente Bruno Campos Barreto, da Eletrobras Eletronuclear. Oferecemos a palavra agora ao Engenheiro Ricardo Nicoll Júnior, Diretor Presidente da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear (Afen). O SR. RICARDO NICOLL JÚNIOR - Primeiramente, gostaria de agradecer mais uma vez o convite para participar deste evento. Vou falar mais do órgão regulador. A estrutura da apresentação é: uma introdução; o setor nuclear brasileiro; o decreto, recomendações internacionais e do TCU; a CNEN propriamente dita; conclusões e recomendações. Vou tentar ser o mais breve possível. Setor nuclear brasileiro. Como se comporta? Creio que a Mesa conhece bem, mas para quem não sabe como se comporta o setor nuclear brasileiro: o Ministério da Ciência e Tecnologia; a Comissão Nacional de Energia Nuclear; a INB, que é uma empresa coligada; a Nuclep; o Ministério da Defesa, com o Centro Tecnológico da Marinha; o Ministério da Educação, com as universidades onde há material radioativo em que a CNEN atua fazendo a fiscalização; o Ministério de Minas e Energia, onde está a Eletronuclear com Angra I, II e III, que também é fiscalizada pela CNEN; o Ministério do Meio Ambiente; o Ibama... Por que ele faz parte da organização da área nuclear? Porque a primeira licença para se construir qualquer tipo de reator, seja ele de potência ou um reator de pesquisa, é do Ibama. O Ministério da Saúde, com seus diversos órgãos de medicina, como medicina nuclear, radioterapia, etc.; e o Ministério de Relações Exteriores, onde são feitos todos os tratados e convênios com o exterior. Decretos e recomendações internacionais e do TCU. O funcionamento de um órgão de regulação independente para as atividades com tecnologia nuclear está previsto desde setembro de 1994, quando o País assinou o Protocolo de Convenção de Segurança Nuclear e o Congresso Nacional ratificou os termos dessa convenção, que estão no Decreto nº 2.648, de 1998. Desde essa data existe a intenção de se ter um órgão independente. Quando falamos em órgão independente estamos falando em um órgão independente e transparente. |
| R | Eu queria mostrar somente como funciona o Ministério de Ciência e Tecnologia com relação à CNEN. Todos os outros são órgãos de fomento. Todos têm a ver com ciência e tecnologia. Quando chegamos à CNEN, temos a INB e a Nuclep, que, a nosso ver, não tem muito a ver com ciência e tecnologia, como o órgão regulatório que faz parte, dentro da CNEN, também não faz ciência e tecnologia. O CDTN - mais tarde vou falar sobre isso - faz ciência e tecnologia, mas a INB e a Nuclep não fazem e o órgão regulatório da CNEN não faz parte de ciência e tecnologia. As recomendações do TCU. Peguei duas: seguir o protocolo internacional sobre segurança nuclear, após o acidente de Fukushima, verificando as modificações com impacto no Brasil. Isso já foi dito pela Mesa. Uma parte é feita realmente. E a possível criação de uma agência reguladora para o setor. Fala-se numa agência com poderes de polícia administrativa que permitirão o cumprimento da atividade de fiscalização e a aplicação de sanções. A proposta é que essas atividades de regulação e fiscalização não sejam mais de competência da CNEN, mas de uma agência constituída pela atual diretoria de radioproteção e segurança nuclear que seria desmembrada da CNEN juntamente com uma parte da área administrativa. Sintetizando, como isso acontece? O que é a CNEN hoje tirando as empresas coligadas? A parte amarela é de pesquisa e de produção de radioisótopos. A Diretoria de Infraestrutura. Essa parte, esse trapézio, é o que realmente se faz hoje, a normatização e a segurança, a regulação da área nuclear. A proposta do TCU é de que isso saia da CNEN e vá... Na proposta que foi feita, isso ficaria no Ministério de Ciência e Tecnologia, mas, gente, isso não faz parte de ciência e tecnologia. Esse é um órgão regulatório, um órgão fiscalizador. Portanto não faz ciência e tecnologia. A Comissão Nacional de Energia Nuclear, desde a recomendação do TCU e do acordo internacional que foi assinado, do decreto, propõe a criação dessa agência, mas ela propõe que continue no MCTI, que agora é MCTIC, porque entraram as comunicações. Na verdade, volto a afirmar, um órgão regulatório que não faz parte de ciência e tecnologia. Esse é um apanhado do que a CNEN faz hoje. No contexto nacional, a CNEN faz pesquisa, desenvolvimento e produção de radioisótopos. Como já foi dito, eu queria chamar a atenção para Caetité e para Resende, que fazem parte da INB, empresa coligada da CNEN, onde se faz desde a extração do urânio até a produção do combustível nuclear que vai para Angra. Isso está sob a responsabilidade da INB, que é uma empresa coligada à CNEN. Então a CNEN se autofiscaliza. Se alguém entrar num site de busca e colocar Caetité, poderá ver algumas denúncias nesse sentido. |
| R | Quantas instalações a CNEN fiscaliza? Reatores nucleares são nove, contando com os três de Angra e o terceiro que está em construção, que a CNEN fiscaliza; instalações radioativas são na indústria, na medicina, etc.; e a instalação do ciclo combustível em que ela se autofiscaliza, com um total de aproximadamente 5 mil instalações. Esse é o relatório de 2014. Para fazer uma comparação com outros países, eu não conheço nenhum país cujo órgão regulatório não seja independente. Na Argentina, são 19 anos de um órgão regulatório independente. Quando falo de regulatório independente é independente e transparente. Não adianta, como o senhor falou muito bem, a Eletronuclear ser transparente. A CNEN tem que ser transparente, mostrar o que está acontecendo. A Espanha, 36 anos. No Canadá, há 70 anos o órgão regulatório é independente. A França, 36 anos. Os Estados Unidos, 42 anos. A impressão que se tem, fazendo uma analogia, é de que o mundo é digital e nós estamos ainda na fase analógica. O mundo está trabalhando de uma maneira, e o Brasil trabalha de outra, com recomendações internacionais por recomendação do TCU. A CNEN já propôs fazer, e até hoje não foi feito. Conclusões e recomendações: a experiência de países mais desenvolvidos demonstra ser inevitável a independência entre as atividades de regulação, licenciamento e fiscalização das atividades operacionais e de formulação da política nuclear no País. As recomendações do TCU e as orientações da Agência Internacional de Energia Atômica também convergem nesse sentido. Portanto é imprescindível para o desenvolvimento da tecnologia nuclear no Brasil e para parâmetros adequados para a segurança do trabalhador, da população e do meio ambiente que seja criado um órgão regulador independente e transparente no País. Isso é fundamental. Até agora, falando em engenharia, só se falou da área nuclear. E toda vez que se fala em área nuclear fala-se em segurança. Quando se fala em segurança, fala-se do trabalhador, como já foi dito pelo senhor, da sociedade, do homem e do meio ambiente. Quem tem que regular isso é um órgão fiscalizador independente. Não adianta hoje em dia ela se autorregular. A INB por exemplo... Há essa recomendação que eu não coloquei aqui. Há uma recomendação do TCU de que se retire a INB da CNEN, além de se retirar também aquela diretoria de segurança. Isso é fundamental em termos de segurança da área nuclear. Creio que tenho tempo. Falando agora somente de engenharia... O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - O senhor tem um crédito de quatro minutos. O SR. RICARDO NICOLL JÚNIOR - Quatro minutos. Vou usar uns dois pelo menos. Em termos de engenharia, sem entrar na parte nuclear, outro dia eu li a matéria de um engenheiro que reclamava da maneira como as obras eram licitadas no Brasil. O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Peço ao senhor a gentileza de se sentar, porque o senhor está sendo filmado. Então a câmera precisa acompanhá-lo. |
| R | O SR. RICARDO NICOLL JÚNIOR - Esse engenheiro estava dizendo da dificuldade que há no País de se cumprir a Lei nº 8.666. Toda vez que ia se cumprir, pedia-se sempre o menor preço. Nós que somos engenheiros sabemos que não é o menor preço. Quando se compra alguma coisa, como um carro, paga-se um pouco mais caro por aquilo que é melhor. Nem sempre o menor preço é o mais qualificado para uma obra. Esse é o meu recado. Agradeço a atenção de vocês. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Muito obrigado. O senhor ainda ficou com um pouquinho de tempo, é verdade. Então vamos agora ouvir o Engenheiro de Segurança Nuclear membro da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear, Sidney Luiz Rabello. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Perfeito. Na medida em que o senhor puder ficar mais ou menos parado, para a câmera pegar... Assim está bom. Dá para se mover. O SR. SIDNEY LUIZ RABELLO - O título desta exposição é: "Angra III é um projeto obsoleto". Foi tomado de um artigo de minha autoria, publicado em 2010, que teve o objetivo de abrir o debate na sociedade sobre o projeto de segurança nuclear de Angra 3 de se utilizarem normas de 1970, sendo a usina construída no século XXI, na segunda década do século XXI, usando normas de segurança da década de 70. Essa questão foi bastante abordada no artigo e outros artigos podem ser vistos nesse blogue, que teve a função de se tornar um repositório dos artigos sobre essa questão. A catástrofe nuclear que pode ser evitada é obviamente a catástrofe de fusão do combustível nuclear que ocorreu em Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima. Essa é a parte central dessa exposição que estou fazendo. Em Three Mile Island, em 1979, a causa principal foi falha humana e falha de equipamento. Essas foram as causas principais. Em Chernobyl, a mesma coisa anos depois. Em Fukushima houve falha de projeto para evitar as consequências de tsunami e conluio da operadora com a agência de segurança independente. Esse conluio está bem documentado numa comissão parlamentar de inquérito do Congresso japonês. Está na internet, à disposição. |
| R | Qual é a importância, então, desse acidente de 1979? Tudo começou a ficar mais claro, na área de engenharia de segurança de usinas nucleares no acidente de 1979. Ocorreu uma fusão de combustível nuclear não prevista no projeto. Por que isso aconteceu? Se descobriu que não era possível evitar falhas múltiplas, várias falhas na usina ao mesmo tempo, levando à fusão do núcleo. Essa era a parte central. E o projeto, na época, levava em consideração para os sistemas de segurança apenas uma falha, isto é, eu tenho um sistema de segurança, ele está funcionando, atuando no momento que precisa, mas ele falha. Aí eu tenho um segundo igualzinho para fazer a mesma função. Essa era a ideia dos projetos de segurança das usinas até 1970, até 1979. Então, os engenheiros americanos - e não precisavam ser americanos, até os brasileiros poderiam descobrir isso -, depois de ter mais de cinco falhas ao mesmo tempo na usina e a fusão do núcleo, viram que alguma coisa estava errada. Na verdade, o princípio de falha única ou o princípio de que tudo tem que ser duplicado é incompleto, é um erro de projeto para se evitar a fusão do combustível nuclear nas usinas, que são os três casos de fusão. Em 1979, o acidente ficou contido dentro do edifício do reator, houve explosão de hidrogênio, mas também ficou contido 70% da pressão do projeto da contenção do edifício reator, então, nada foi para fora, ou foi muito pouco, não houve grande repercussão ambiental ou para a população. Mas a gente viu a verdadeira grandeza das consequências de uma fusão nuclear em Chernobyl, onde, além da fusão do núcleo, houve uma explosão térmica que espalhou o material radioativo para toda a atmosfera e atingiu vários países, como a gente já sabe. (Intervenção fora do microfone.) O SR. SIDNEY LUIZ RABELLO - Explosão térmica é o efeito do combustível nuclear fundido, que é tipo uma lava, que a gente chama "corium". Essa lava, em contato com água fria, cria um choque térmico. E esse choque é uma explosão de grandes proporções, que foi o que aconteceu em Chernobyl. Em Fukushima, já se conhecia que poderia ter um tsunami dessas proporções. Houve uma atuação indevida do órgão responsável pela fiscalização da segurança nuclear, que não cobrou da operadora uma barreira na altura certa para evitar os efeitos do tsunami. E mais: esse conluio se mostrou mais evidente porque toda a experiência adquirida em 1979 não foi levada em consideração nas reformas das usinas japonesas para evitar gastos da operadora. Portanto, uma agência de segurança independente é pouco, tem que ser muito fiscalizado. |
| R | Bom, vimos bem esse problema do erro de projeto para evitar a fusão do núcleo. Nesse outro eslaide que estou mostrando, aqui está o edifício do reator e aqui fica o vaso do reator, onde fica o combustível, no seu interior. Na falta de refrigeração desse combustível nuclear, então, o combustível nuclear funde, gerando essa lava, corium, ele entra em contato com o concreto, rompe o concreto, atinge o solo, por essa figura, e, do solo, quando atinge o lençol d'água, ele cria uma explosão térmica, como ocorreu em Chernobyl. Essa figura não mostra a possibilidade, que é real, de que, quando esse combustível usado, fundido, atinge o piso do edifício do reator pode encontrar água fria também em grandes proporções. E aí cria a explosão térmica dentro, quebrando toda a estrutura interna do edifício do reator se não abri-la também. Então, essa questão é bastante importante. E essa é a parte chave que Angra III não leva em consideração, o acidente de fusão do núcleo. Essa é a questão que estou ressaltando particularmente porque, a partir de 1979, já deveria haver recursos para atualizar as usinas de Angra diante disso. O projeto de Angra 3, não teria dúvida, é um projeto de segurança aprovado em 2010 que deveria ter levado em consideração esse tipo de acidente. Bom, além da fusão do combustível nuclear levando ao rompimento da contenção e atingindo o meio ambiente, também pode acontecer a explosão de hidrogênio, e a gente vê a violência da explosão de hidrogênio. Certamente deve ter uma altura de 300 metros aqui. E a gente pode identificar partes do teto do reator lá na crista da explosão. Então, não é uma coisa trivial, é um tema que a gente tem que abordar com profundidade no projeto de engenharia de segurança. Isso é central. Hoje é inaceitável que isso não se leve em consideração. E Angra 3 não levou em consideração. Aqui, voltando um instante, vou tratar, de novo, só dessa parte, o vaso do reator dentro do edifício do reator. A gente pode ver nesse eslaide o vaso do reator e o combustível nuclear em vermelho. Esse projeto é muito simples. Qualquer companhia de engenharia, empresa de engenharia faz esse projeto, que é um projeto de edifício. O combustível nuclear fundido escorre por essa canaleta, vai para o tanque coletor do núcleo fundido, onde tem material consumível adequado para impedir o atingimento do concreto da base do edifício do reator, protegendo, então, o edifício de reator de ser rompido e atingir o solo. O segundo é esse tanque enorme, que é um tanque de água de refrigeração desse tanque coletor do combustível fundido. Então, não existe dificuldade tecnológica nenhuma. Por que isso não foi feito em Angra 3? Qual o mistério disso? São dois tanques, percebam bem: dois tanques. |
| R | Bom, repetindo: Angra 3 não tem esses recursos. Angra 3 é igual a Angra 2. Eu estou tratando de projeto de segurança nuclear. O projeto de segurança nuclear é obsoleto, da década de 70, que não levava em consideração a fusão do reator, a fusão do combustível nuclear etc.. De novo: reatores desse tipo são reatores da Areva, que é a projetista de Angra 3. Veja bem: projetista de Angra 3, que sucedeu a KWU, alemã. E essa projetista de Angra 3 teve o primeiro início de construção desse projeto deles em 2005. Em 2007, na França. Em 2009/2010, na China. E nós só demos autorização, o Brasil só deu autorização para construir Angra 3 em 2010, quando já havia toda essa experiência internacional da própria Areva, que é a projetista de Angra 3. É esse o projeto dela. O que significa a licença de construção? A licença de construção significa: "Olha, o projeto de segurança nuclear está bom, é seguro". Então, essa avaliação foi feita e concluída em 2010, e não em 1970. Foi em 2010. Isso não quer dizer que a gente não possa aproveitar os equipamentos que estavam estocados desde a década de 80. Claro, tem que se avaliar se é possível utilizá-los etc. Não é impossível se usar todo o equipamento, que é uma parte substancial. Mas tem que ter essa defesa. Nós temos que ter meios em Angra 3 para que, fundindo combustível nuclear, essa fusão não atinja o solo. E isso daqui é a garantia. Então, é muito estranho a Areva patrocinar no mundo todo um reator seguro e, para o Brasil, uma lata velha - lata velha da década de 70, em termos de segurança nuclear. É aquilo que se falou: "Hoje tem cinto de segurança nos carros, airbag. Não, vamos voltar para o Fusca, em 1970, que não tinha nada disso: freio ABS..." (Soa a campainha.) O SR. SIDNEY LUIZ RABELLO - Opa! Já falei demais. Bom, a proposta para que Angra 3 não se torne catástrofe é, uma vez a construção de Angra 3 estando parada e o edifício do reator parcialmente construído, manter a construção parada e refazer o projeto da contenção do edifício do reator, incluindo nesse projeto, claro, o tanque para coletar o núcleo do reator fundido e o reservatório de água. Não existe dificuldade técnica nenhuma, nenhum mistério com a nossa engenharia brasileira. |
| R | E há mais um problema - agora vou tentar correr um pouco - de segurança exclusivo de Angra 3, os demais eram de projetos da década de 70, aqui é exclusivo da Angra 3: nós temos, dentro do edifício do reator, que é essa semiesfera aqui, o reservatório de combustível usado, de Urânio que já foi usado. Então, ele está, vamos dizer, muito quente ainda. Ele precisa de água para refrigerar. E ele está do lado do reator - vocês estão vendo? -, está dentro do edifício do reator, do lado do reator. Também está aqui outro depósito de combustível novo, que, no momento em que se precisar tirar o usado, será reposto com o novo. Imaginem: havendo a fusão do combustível nuclear, havendo uma desestruturação da base por alguns efeitos, como o próprio efeito do combustível fundido atingido o concreto, desestabiliza-se a estrutura, e o combustível usado se junta ao combustível fundido já do reator. A catástrofe é muito maior. E, se entrar ainda o combustível novo, pior ainda a situação, amplifica-se de uma forma muito indesejável. Então, de certa forma, essas piscinas, esses depósitos de combustível que estão dentro do edifício do reator podem até auxiliar nesse novo projeto do edifício do reator, isto é, a remoção desses depósitos para um novo edifício, para Angra 3, específico para combustível usado e novo, assim como é em Angra 1. Só que, em Angra 1, o projeto foi para economizar o edifício, pelo visto. Foi colocado. E é muito mais seguro o projeto de Angra 1; é só para o combustível. A qualquer momento, mesmo havendo um acidente, qualquer um entra no edifício para ver se está refrigerando direitinho e tal; há esse recurso, essa facilidade. Em Angra 3, não. Em Angra 3, se houver acidente de fusão no núcleo, eu não tenho condição de entra lá, ninguém vai querer entrar para ver se estão funcionando as coisas. Então, a ideia é retirar do edifício do reator essas duas piscinas ou reservatórios. E ali pode ser a solução já se colocar o reservatório d'água necessário para refrigerar o tanque que vai conter o núcleo do reator fundido, o combustível fundido. Então, apenas sobra para a engenharia resolver a questão do tanque coletor, onde colocar aquela canaleta que vai escorrer etc. É possível, com poucos custos, hoje, fazer isso. E eu acho que moralmente, mesmo que saia caro, tem que ser feito. |
| R | Aqui é o edifício do reator. Também a título de exemplo, na verdade, ele é como uma matrioska: são dois edifícios, um dentro do outro. Essa parte externa é feita para resguardar o reator de impactos externos, de explosões externas, de ventos, de tempestades, de ações externas e tudo o mais. Aqui, a parte interna, que chamamos de contenção, tem o objetivo de resguardar o meio ambiente dos acidentes aqui dentro. O que se faz? Qual é o conceito básico, já que há aquele erro de projeto no começo de usar só sistemas duplicados e as falhas múltiplas vão ocorrer, não se sabe como, sempre é surpresa como vão ocorrer? Então, só sobra um critério para nos defendermos do acidente de fusão do núcleo: o critério de defesa de profundidade. São múltiplas barreiras, mas a última tem que ser intransponível. Quando há a fusão do núcleo, todas as barreiras foram embora, só sobrou a contenção, esse edifício. Então, esse edifício tem que ser projetado para ter recursos, para evitar explosão térmica, explosão de hidrogênio e a ação do combustível fundido no concreto embaixo, tendo o tanque coletor de combustível usado e o reservatório de água. Então, é esta a ideia: essa barreira tem que ser intransponível aos efeitos da fusão de combustível nuclear. Para concluir, a ideia é implementar toda a proposta do eslaide 9, que é refazer o projeto do edifício do reator contendo reservatório de água e contendo tanque coletor de combustível fundido. Segundo: temos que ter em mente que as falhas múltiplas podem ocorrer, e não sabemos quais, pois elas são imprevisíveis. Algumas sequências dessas podem levar à fusão do núcleo e a esses problemas que nós vimos. Outra questão é ressaltar que, em TMI (Three Mile Island), em 1979, não houve tsunami, tinha energia elétrica à vontade e ocorreram falhas múltiplas e fusão nuclear. Em Chernobyl, a mesma coisa. Então, não dá para falar que, por ter energia sobrando, não vai acontecer. O terceiro ponto que eu, posteriormente, coloquei é que o órgão responsável por segurança nuclear tem que ser fiscalizado pelo público, pelo Congresso, por todas as formas possíveis. Por quê? O exemplo de Fukushima: existia agência de segurança nuclear independente, mas ela não funcionava, porque estava em combinação com a operadora, com a Tepco, operadora, dona das usinas. Este era o raciocínio da agência: "Ah, não pode. Vai elevar gastos para a Tepco, por quê?" Essa agência deixou de existir, e criaram uma nova agência no Japão, com novo corpo técnico e tudo. Desculpem-me, passei muito do tempo, mas era isso que eu tinha que falar. O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado pela sua apresentação. Eu passo a palavra agora, seguindo a ordem que me deixou o Senador Lasier, para o Sidney Luiz Rabello... (Intervenções fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Já falou? Ah, Sidney falou. Está certo. Estava aqui, mas ele não tinha marcado como já tendo falado. Chico Whitaker. Obrigado, Dr. Sidney. |
| R | O SR. CHICO WHITAKER - Vou sem PowerPoint, só no escrito aqui. Muito obrigado. Antes de mais nada, eu quero agradecer, evidentemente, o convite para vir para esta audiência, mas convém que eu diga, de início, a que título eu vou me expressar. Eu não sou físico, não sou engenheiro nuclear. Eu sou arquiteto na área de planejamento geral e várias áreas, e fui até Parlamentar, mas em nível municipal. Eu falo, portanto, aqui, como um simples cidadão. Falou-se várias vezes aqui que a sociedade precisa participar, e eu estou aqui mostrando que a sociedade participa um pouquinho. O meu contrato com a questão nuclear é recente. Começou com o desastre de Fukushima, em 2011. Eu tinha, até então, um conhecimento muito limitado de toda essa questão, extremamente limitado, mas a dimensão do desastre fez com que eu mesmo e várias outras pessoas considerássemos que era uma obrigação tentar ver qual era o risco que existia de acontecer no Brasil o que aconteceu em Fukushima, embora se soubesse que aqui não haveria tsunami, nem nada disso, e o que poderia ser feito para evitar esse risco, ou pelo menos evitar que os efeitos fossem tão tenebrosos. Então, eu comecei a ler, a ouvir, a perguntar, a participar dos eventos. Logo o Prof. Goldenberg me trouxe uma afirmação que é do óbvio ululante: não há obra humana 100% segura. Pronto. Isso é um dado fundamental. Por mais que a gente crie todo um sistema de segurança, não é 100%, tem aquele velho 0,0001% de probabilidade. A segunda coisa foi verificar como físicos franceses que eu vim a conhecer nessa temporada de aprendizado diziam que, no fundo, uma usina nuclear, com tudo o que se mostrou aí, todos os equipamentos, etc., não é senão uma forma extremamente sofisticada e perigosa de esquentar água para produzir vapor que vai girar a turbina. Fiquei também muito impressionado com a maneira como tratam Chernobyl lá na Europa. Eles não falam que houve o acidente de Chernobyl em 1986. Eles dizem que o acidente de Chernobyl começou em 1986. Ou seja, ainda vivem lá efeitos disso, que são muito sérios. Eu não vou contar para os Srs. Senadores todos os detalhes do meu aprendizado, obviamente, para não me afastar dos objetivos desta audiência. Eu vou só contar quase que o roteiro de um filme, que eu espero que não termine como um filme de horror, e que entra muito nessa questão da cultura de segurança, o problema da cultura de segurança. Até quanto ela deve ser respeitada? O que devemos antever, optando por essa cultura de segurança? |
| R | Eu já pulo aqui várias páginas e entro direto no relato do que eu descobri especificamente a respeito de Angra 3. Eu descobri muitas coisas interessantes, mas antes eu queria falar uma coisinha a que o Dr. Leonam já se referiu: o que está acontecendo na França atualmente. Num país extremamente orgulhoso da sua tecnologia nuclear, orgulhoso da sua cultura de segurança, acontecem coisas inimagináveis, como falsificação de certificados de conformidade de peças. Falsificação, fraude. Descobriram, exatamente nessa peça de Flamanville, que o aço do vaso do reator tinha defeitos. Aliás, não necessariamente feito no Japão, porque os vasos de reatores da França eram feitos no Japão e na França. A que tinha defeito era parte da Areva, que fundia esse aço. São peças que devem ser consideradas indestrutíveis, porque elas serem destruídas leva ao grande desastre. Então, o que aconteceu na França? Descobriram que as fraudes ocorriam na França. Fraudes de certificados, mesmo com a cultura de segurança num País como esse, podem acontecer. As fraudes ocorriam desde 1965 e atingiram, nada mais, nada menos, 32 dos 58 reatores franceses, o que levou a França, como disse o Dr. Leonam, a parar 18 reatores. Há 18 usinas que estão paradas, até que se verifique se, naquelas peças, havia o mesmo defeito Flamanville. Detalhe: começo de inverno na França, essas verificações vão levar muito tempo, isso vai ficar pronto depois do inverno. Grande consumo de energia, problemas. Detalhe, e por isso chamo a atenção a isso, porque é importante: isso nos atinge. Foi feito estudo dessas fraudes e se descobriu que essas peças eram também exportadas. Para onde? Vários países, inclusive o Brasil. E há peças de Angra 3 nessa leva de peças com certificado de segurança falhas, fraudadas. O mínimo que temos que perguntar é se aqui se está fazendo a mesma verificação que se está fazendo na França. Na França, pararam usinas para verificar. Aqui alguém está verificando se, por acaso, alguma das peças contestadas por fraude no certificado foi uma das que veio ao Brasil, está aí? Está funcionando em Angra 3. Detalhe: acidente não espera a hora para acontecer. Quanto mais depressa se vir isso, isso se chama cultura de segurança. Bem, como é que eu tomei conhecimento do que acontece em Angra? Através de um artigo que me assustou literalmente. Exatamente esse artigo a que o engenheiro Sidney se referiu, que escreveu em 2010. Eu, inclusive, li esses artigos e fiquei tão impressionado que entrei em contato com ele imediatamente para tentar saber um pouco mais e, com ele, aprendi muito. Aprendi, por exemplo, essa história que ele colocou já aqui - eu fiz muitas perguntas a ele - de falhas simples e falhas múltiplas. Há uma diferença muito grande entre umas e outras. A falha simples se resolve, no jargão técnico, por redundância, quer dizer, põe-se outro. Se o motor pode parar, a diesel, põe o segundo, põe marca diferente, põe separado. Ou seja, tem que se garantir que alguma daquelas peças tem que funcionar. Chama-se redundância. Isso se faz nos vários setores da máquina imensa que é um reator nuclear. O risco grande é o das falhas múltiplas, não porque sejam múltiplas, mas porque elas se encadeiam umas às outras e tornam imprevisível a continuidade da coisa. |
| R | Quem já viu uma foto pelo menos de uma sala de controle de uma usina nuclear poderá verificar o óbvio também: é extremamente complexa. Tem que se garantir uma porção de verificações continuamente, principalmente da elevação do calor e da mudança de condições de pressão. Aí é que a gente entra e diz: bem, há incidentes a acidentes, esta é a classificação que se usa. "Não, não, não, isso foi um simples incidente, não chegou a ser um acidente." Só que os acidentes também têm várias categorias. Há um de grau especialmente grave, exatamente isso a que se referiu o engenheiro Sidney, que é aquele tipo de acidente em que o combustível do reator funde e se pode chegar a uma explosão. Foi o que aconteceu nesses três grandes acidentes do mundo que se conhecem. Então, incidentes, tudo bem; acidentes, tudo bem. Mas há um acidente que, se houver 0,001% de probabilidade, tem que se garantir que não aconteça. Eles chamam isso, na terminologia dos especialistas, de acidente severo, está lá dentro, é um tipo de acidente. Só que é um acidente especial, severo, que pode, nas falhas múltiplas se combinando, levar à perda total de controle pelos operadores do que se passa na usina. E, com a explosão, é aquilo que na França não se chama mais de acidente severo, chama-se de catástrofe, porque implica na dispersão no meio ambiente de uma quantidade incomensurável de partículas radioativas. A nuvem radioativa que saiu de Chernobyl cobriu a Europa toda. Aliás, é uma questão que deu muita discussão na Europa. E, quando orna fusão do reator com explosão, há um tipo de acidente especialmente grave. Bem, aprendi também com o engenheiro Sidney que a primeira vez que aconteceu foi em Three Mile Island. Só que, até então, eles achavam que era um acidente possível, mas improvável. Em Three Mile Island verificou-se que era mais do que somente possível. Então, teria que ser evitado - e evitado, portanto, com muito mais cuidado. Chernobyl, em seguida, mostrou que realmente era possível, mais do que possível, e que tinha efeitos catastróficos. O exame para isso... É aí que vem a questão: na cultura de segurança que se vai criando no mundo, não só aqui, criou-se uma coisa que fiquei sabendo que se chama capítulo 19 das análises de segurança. É o capítulo em que se analisa exatamente o que fazer para evitar acidentes dessa gravidade ou para mitigar seus efeitos se não houver possibilidade de tirar. Aquela história de deixar o corium descer para uma piscina é tipicamente mitigar efeitos. |
| R | O que fez o engenheiro Sidney nos idos de 2007? A CNEN estava elaborando os relatórios, os pareceres para dar licenciamento ou não para Angra. Foram feitos quase 100, acho que foram 83 no total. Agora, houve um deles, que era exatamente o redigido pelo engenheiro Sidney, só que confirmado, revisto por um colega dele de mesmo nível, como é a praxe na chamada segurança absoluta, e assinado pelo chefe dos dois. Ele disse o seguinte - e disse hoje aqui -: "É inaceitável que construamos Angra 3 sem rever o projeto", e revendo a partir do conhecimento que se tem de Three Mile Island e de Chernobyl. E olha que, naquele momento, nem tinha havido ainda Fukushima, mas ele já dizia isso naquele tempo. Ou seja, o grande problema que nós temos com Angra é que o projeto foi elaborado nos anos 70. E eu vou dar uns detalhes. Foi com base em uma usina alemã, chamada Grafenrheinfeld, que foi licenciada em 1975, portanto não havia o capítulo 19. Mas aqui é inaceitável que, depois de formalizado, não tenha sido feita essa verificação. É óbvio que os interesses que estavam por trás da construção de Angra, da retomada de Angra, eram muito maiores do que o que podíamos imaginar. Mudança no projeto implicaria, evidentemente, atraso da obra. (Soa a campainha.) O SR. CHICO WHITAKER - Puxa, terminou meu tempo já? Nossa Senhora! Bem, vou tentar correr. A mudança no projeto elevaria o custo da obra seguramente, e o Tribunal de Contas, inclusive, poderia impugnar o projeto, porque mudaria o objeto do contrato - o contrato da Andrade Gutierrez era de 1983. E havia outras questões, mais rasteiras, que só ficamos sabendo agora com as investigações da Lava Jato, de que a Andrade Gutierrez já andava distribuindo alguns favores. Então, que interesse havia nisso não sabemos. Agora, é estranho que o bom-senso do engenheiro Sidney não tenha prevalecido. Fiquei sabendo, inclusive, que chegaram a marcar reuniões na CNEN para discutir o parecer dele, tão problemático. Mas houve alguma interferência para essas reuniões, e a CNEN anula o parecer incômodo que havia aparecido, e que era o único, de todos feitos, que poderia impedir o início da obra. O que aconteceu naquele momento? O Procurador do Ministério Público de Angra ficou sabendo que alguma coisa estava acontecendo, considerou que havia um dissenso dentro da CNEN e abriu procedimento investigatório, que tem um nome comprido. Aliás, grande parte das informações que eu estou dando aqui eu retirei das mais de 400 páginas desse documento, a que eu tive acesso, porque é um documento público. Ele tinha chegado, em novembro de 2010, a 380 páginas. |
| R | Quer dizer, no fundo, o que houve? Houve exatamente isto que o Presidente da Eletronuclear está recomendando: atitude questionadora. Houve um funcionário que teve uma atitude questionadora e que disse, afirmou em um artigo no Jornal do Brasil que não dá, tem que mudar, tem que ver, tem que rever esse projeto. Aliás, houve processo administrativo por causa da sua atitude questionadora. Houve muita dor de cabeça. Diga-se de passagem, que a associação dos fiscais - representada aqui pelo seu Presidente - bem que apoiou. Mas o problema é que o conteúdo extremamente técnico do parecer dele não mobilizou muita gente nem contra nem a favor. E o que fez a CNEN? Licenciou, em 25 de maio, Angra 3, sem revisão do projeto, sem levar em conta o que o capítulo 19 deveria analisar. Bem, ela cedeu um pouquinho. Ela cedeu, obrigando a Eletronuclear a fazer essa análise de segurança do famoso capítulo 19. Só que ela disse que só faria isso no relatório final - existe o relatório preliminar, RP, e o relatório final, RF. No relatório final ela apresentaria. É escandalosamente óbvio que, se a análise demonstrasse a necessidade de mudanças consistentes no projeto, seria tarde demais. A obra já estava com todas as insuficiências nela. O engenheiro Sidney mostrou aqui algumas coisas que poderiam ser feitas, e que implicariam mudança muito grande no projeto - no projeto de engenharia, inclusive. Mas eu poderia indicar uma outra coisa aqui, sobre a questão da espessura da parede daquele último edifício, que ele disse que era a última barreira para segurar a dispersão de partículas no caso de explosão. Esta Comissão já fez, no ano passado, aqui no Senado, um seminário que se chamava "Usinas Nucleares - Lições da Experiência Mundial". Entre os que participaram, contribuíram para o seminário, houve um engenheiro alemão, um engenheiro de segurança aposentado, que tinha dirigido, nos seus últimos 12 anos de trabalho, nada mais, nada menos que o Departamento de Segurança das Usinas Nucleares do Ministério do Meio Ambiente. Ou seja, não era um engenheiro que estava ali trabalhando na base, era um cara com uma bruta responsabilidade. E ele disse coisas interessantíssimas. Duas delas: além de falar do problema do risco excessivo de segurança das usinas e do risco inaceitável das usinas, razão que levou a Alemanha a parar todas, ele disse que, segundo o conhecimento atual, esse edifício - que deve ser o edifício de contenção externo, a última barreira para evitar a dispersão de partículas - deveria ter 2m de espessura. Senhores, a previsão é que a de Angra tenha 60cm. Angra 1 tem 75cm, e Angra 2, salvo erro ou engano - eu não tenho essa informação - terá 70cm. Ou seja, não dá para ver. Agora, ele também falou uma outra coisa, que eu acharia interessante anotar. O Eng. Dieter Majer disse o seguinte - e ele conhece a Usina de Grafenrheinfeld, conhece bem; ela inclusive já está desativada. Ele falou que ela, Grafenrheinfeld, não seria licenciada hoje com base nas disposições que vigoravam quando começou a desativação na Alemanha, que foi em 2002. Ou seja, oito anos antes do licenciamento de Angra, a usina correspondente a ela, que é a de Grafenrheinfeld na Alemanha, não seria mais licenciada com aquele projeto que ela tinha. |
| R | Eu não sei se é um problema de cultura ou de segurança de informação, de cuidado, o que é, mas como é que pode passar isso, meu Deus? Nunca... Não podem passar batido essas coisas. Obviamente, não terminou aí a nossa novela, o nosso filme. Depois do licenciamento outorgado, a revista IstoÉ publicou uma notícia, uma série de informações, e cobrou a ação do Ministério Público. O Ministério Público, evidentemente, logo depois, em 24 de junho, fez uma recomendação, em que diz o seguinte: "Foge a qualquer critério de racionalidade admitir que estudos que devem ser considerados na aprovação e liberação do projeto sejam apresentados somente após sua construção". Claro! Óbvio! Não fazer isso... Houve gente que chamou isso de desfaçatez, mas cabe chamar. Como é que pode fazer uma coisa dessas? E ele dizia que abriria uma ação civil pública - se fosse o caso - se não houvesse interrupção imediata da obra e revogação do licenciamento, com um novo licenciamento só quando fosse incluído o famoso relatório, incluindo o capítulo 19. Obviamente, a Eletronuclear e a CNEN se recusaram a atender as suas recomendações. Uma jogou para a outra a culpa de tudo e repetiram os termos da portaria. "Não, vai ser feito, sim. Vai ser feito com muito cuidado, quando estiver pronta. Quando estiver pronta a obra, nós vamos ter o relatório final de segurança prontinho". Ou seja, eu não sei quem ganharia com isso, para demolir e reconstruir a usina e a obra de engenharia, até ficarem totalmente prontas. O Procurador, para fazer essa recomendação, fez um bruto de um estudo. Está inclusive nesse procedimento investigatório. Eu até recomendaria aos Srs. Senadores que mandassem vir cópias da p. 222 à p. 273 do volume, porque está muito claro, explicado por ele, por que ele recomendava que interrompessem a obra e revissem o projeto. Eu aconselho vivamente os Srs. Senadores a lerem esse relatório. Bem, continua o meu filme. A partir da saída dele... Em novembro desse mesmo ano ele saiu. Foi uma transferência extremamente oportuna - eu me pergunto para quem ela foi oportuna - do Sr. Procurador para Foz do Iguaçu. Foi transferido e, evidentemente, o imenso relatório que ele havia feito, o processo, foi para a estante do Ministério Público de Angra, para deixar que se acumulasse poeira em cima dele. De tempos em tempos... Olha, naquele momento ele tinha 380 páginas. Ele está agora com quatrocentas e poucas. Ou seja, algumas páginas a mais, que eram algumas solicitações que entraram a mais, que movimentaram o volume. Uma delas é de um funcionário que levantou: "Não, não está certo isso que a Angra tenha feito, etc., etc.". E também uma portaria do atual Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, que designou o Procurador Lavieri, para atuar em conjunto com a Procuradora Checker - que era a daquele momento - nos autos por ela iniciados. Agora, houve depois uma série de dificuldades financeiras para parar a obra, e a Lava Jato nos fez o favor de interromper de vez a obra. |
| R | Se os Srs. Senadores me permitirem a ousadia de dizer o que o Senado poderia fazer, eu acho que o Senado, como Legislativo, tem uma função fiscalizatória essencial e deveria questionar a Eletronuclear e a CNEN sobre a necessidade ou não de uma profunda revisão do projeto de Angra 3, antes de qualquer decisão sobre a continuidade da obra, porque agora dizem que há capitais chineses rodando por aí e que vão tornar possível continuar a obra. Se isso acontecer, meu Deus, com tudo isso que eu contei antes, vai se ignorar tudo isso, passar batido no Ministério Público, na maneira como trabalhou, na maneira em que um engenheiro demonstrou uma coragem muito grande por questionar e pagou o preço por isso? Como é que é? Vai acontecer? Vão fazer? Eu acho que o Senado tem que questionar. É uma reunião da Comissão, mas é um ponto que a Comissão deveria discutir numa próxima reunião: vamos ou não questionar a Eletronuclear e a CNEN se vai ou não vai fazer? Entre as folhas novas que chegam a esse processo, há uma recentíssima da Drª Checker, de 3 de maio deste ano, em que ela pergunta de novo: "O capítulo 19 vai ser considerado ou não?". Silêncio absoluto, poeira no processo, nada acontece. O único que pode mexer é o Senado, com a função fiscalizatória. A ocasião é mais do que oportuna. A construção está parada. Um dos impedimentos levantados pelo então Presidente da Eletronuclear foi de que ia demitir um monte de gente, iam parar problemas na matriz energética. Agora não há nada disso mais, já demitiu, já está tudo demitido. A Andrade Gutierrez está fazendo o que pode para sobreviver. Está tudo ruim. Então, por que não? Onde o bom senso pode ser esmagado? Que tipo de interesse esmaga dessa forma o bom senso, a atitude questionadora, a cultura de segurança? Tudo o que queremos foi esmagado. Se os Senadores acharem que o relatório do promotor não chega para comprovar que é necessário, peçam uma auditoria externa, mas não uma auditoria de alguém vinculado aos interesses da CNEN e da Eletronuclear. Uma auditoria da Alemanha, por exemplo, como a da Grafenrheinfeld, que conhece e que acompanhou a construção. O que é isso aí? É simplesmente direito de precaução. É o direito de precaução que tem que ser exercido, frente a uma catástrofe social, ambiental, econômica, que pode ser provocada por um acidente severo que pode acontecer. Ou seja, temos que antever, temos que ir mais longe do que usar belas palavras, temos que ir a atos concretos. Agora, eu diria, Sr. Senador Cristovam Buarque, que nós cidadãos - e falo em nome dos outros que estão tentando fazer isso comigo - não podemos senão confiar em nossos representantes para fazer o que não temos o poder de fazer. Nós não temos poder de fazer. Para comprovar isso, eu vou dizer aos senhores que nós, um grupo de nove cidadãos e cidadãs, assinamos uma carta para o Procurador-Geral da República, pedindo para conversar com ele sobre esses assuntos que estão na exposição que estou fazendo. Nós mandamos essa carta em 31 de agosto do ano passado. Não tivemos resposta até hoje. O que nós pedíamos? Uma audiência para discutir esses assuntos. A nossa carta terminava dizendo: "Estamos portanto, Sr. Procurador Geral, diante de um verdadeiro escândalo de irresponsabilidade técnica e política que pode tirar ou arruinar a vida de milhares de pessoas e tornar inabitáveis por tempo indeterminado territórios enormes em uma das zonas costeiras mais bonitas do Brasil". É o que está ocorrendo na Ucrânia, na Bielorrússia e no Japão, países que tiveram a infelicidade de conhecer acidentes severos em suas usinas nucleares. Era isso que eu tinha que expor. Obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Obrigado, Dr. Whitaker. Passou um pouco do tempo, mas creio que a sua ênfase e as suas recomendações o justificaram. Passo a palavra agora ao Doutor em Engenharia Civil e Professor da Universidade de Brasília André Pacheco Assis. O SR. ANDRÉ PACHECO ASSIS - Muito obrigado, Senador, pelo convite e pela oportunidade de falar nesta audiência pública sobre acidente de engenharia. Claramente, até então, os colegas falaram da engenharia nuclear. Coube-me falar da engenharia civil mais convencional, que também foi citada na motivação desta audiência pública por diversos acidentes que ocorreram, desde o metrô de São Paulo, em 2007, até algumas edificações, como no Rio de Janeiro, a ciclovia mais recentemente, e inúmeras barragens nos últimos dez anos, sendo que o desastre mais anunciado na mídia foi a Barragem do Fundão, em Mariana. Vou tentar responder a essas perguntas. Não entro na parte nuclear, até porque não é a minha especialidade. Os colegas já falaram com muita propriedade sobre isso. Vou apenas fazer uma comparação. Um dos palestrantes anteriores mencionou uma coisa muito importante: todas as áreas da engenharia, quando existe um risco potencial muito alto, nascem naturalmente sendo guiadas por um processo de identificação de risco e de gestão de risco. Isso acontece com a engenharia aeronáutica, até porque num acidente como o que aconteceu nessa madrugada a consequência é a morte de praticamente todos. Então, a consequência é muito danosa para todas as pessoas afetadas pelo acidente. O mesmo acontece com a engenharia nuclear. Ela praticamente criou a gestão de risco aplicada à engenharia, porque qualquer acidente pode levar a grandes consequências para a população circunvizinha a ela. O resultado disso é que, apesar de tudo o que nós estamos falando aqui e com os inúmeros alertas, exemplos, etc., nós temos um índice de acidentes relativamente baixo em todas essas atividades. Evitamos ter outros, mas claramente, pelas estatísticas, notamos um índice baixo. Só para exemplificá-los, na engenharia aeronáutica, hoje, a estatística de acidentes para qualquer um de nós é de um para dez milhões. Então, quem tem muita milhagem no cartão pode se preocupar um pouquinho, mas a chance é muito pequena. No entanto, ninguém fala, por exemplo, que a chance de haver uma fatalidade no trânsito brasileiro é de uma para cinco mil. Esse é outro tipo de risco que nós aceitamos com tranquilidade, mas estamos focando sempre e cobrando da engenharia aeronáutica que produza melhores eficiências dos seus mecanismos. E da engenharia nuclear, a mesma coisa. |
| R | Agora, o que acontece com aquela engenharia mais convencional: engenharia civil de barragens, engenharia civil de edificações, engenharia civil de portos, aeroportos, etc.? Nós não temos, realmente, esse arcabouço de segurança que foi colocado aqui, e isso vem demonstrando, nas últimas décadas, uma decadência muito grande dos nossos controles. Isso levou ao termo que chamou a esta audiência pública, que é a recorrência de tais acidentes. Quando eles acontecem, um aqui, outro acolá, faz parte da atividade. É aquilo que foi falado para o nosso colega anterior. Ele mesmo citou que o Goldenberg falou a ele que não existe atividade humana, nem mesmo de engenharia, sem risco. Risco zero não existe, absolutamente, em engenharia. De 0,01% pode passar para 0,001%, mas vai sempre acabar havendo uma probabilidade. Então, vamos tentar responder a essas perguntas. Antes disso, é sempre importante lembrar que a engenharia foi capaz de fazer coisas fabulosas, obras que nos encantam, as teorias das estruturas, do concreto, do aço, a hidráulica. Aquela que está no canto esquerdo é uma eclusa, uma grande roda-gigante em que o barco entra embaixo, roda e pega o canal fluvial para ir a um rio, coisa fantástica. Ali estamos vendo uma ponte que entra em uma ilha artificial, mergulha em um túnel que passa por baixo do mar e sai do outro lado. Então, quer dizer, nós temos realmente capacidade de fazer grandes obras de engenharia, como a nossa ponte, de Brasília, como aquele prédio, que é o mais alto do mundo hoje, com quase 700m de altura. Imaginem vocês projetar coisas dessas! Aquela figura toda colorida é o mapa do subterrâneo do Metrô de Tóquio. Dá para vocês verem ali a complexidade da engenharia embaixo de uma cidade de 15 milhões de habitantes, em que todo o risco para construir todas essas atividades, por exemplo, teve de ser considerado fielmente. Isso é para mostrar que nós temos, de fato, uma engenharia, uma capacidade, uma tecnologia para fazer obras muito benfeitas quando as condições para isso são propícias. Aqui, outros grandes exemplos. Esse elevado de 16km, cruzando todo o centro de Boston, totalmente enterrado, para deixar uma cidade mais bonita, com verde em lugar de elevado, etc. Exemplos como esse que aconteceu agora na região portuária do Rio de Janeiro, em que também se demoliu um elevado para abrir área da cidade para as pessoas poderem usufruir. Esses são exemplos da capacidade da nossa engenharia de melhorar a qualidade de vida, proporcionar aquilo que é absolutamente necessário para a sociedade ter bem-estar, ter qualidade de vida adequada através de suas necessidades de mobilidade, de recreação etc. Aqui uma obra que foi premiada no Brasil e no mundo inteiro, que é a Imigrantes, ninguém sabe disso. A Imigrantes foi uma obra feita toda em túnel para preservar o meio ambiente, em 2004. Então, aqueles viadutos gigantescos cruzando a Serra do Mar para não interferir, essa obra ganhou o prêmio mundial de obra que teve o melhor desenho, o melhor projeto de interação com o meio ambiente. Toda gota de água que cai na pista é coletada, filtrada, limpa e só é devolvida ao meio ambiente depois que está pura. Ou seja, a gasolina, o óleo remanescente na pista de rodagem é completamente separado antes de ser jogado no meio ambiente. |
| R | Construímos muitas obras fabulosas no Brasil. Aqui são todos exemplos brasileiros; foi falado hoje aqui de Itaipu, há outras usinas, usinas com cavernas, etc., dando um grande exemplo da capacidade da engenharia brasileira, que tanto nos orgulhou. Será que não orgulha mais? Então, eu vou começar a mostrar também outros exemplos. Eu sempre divido a engenharia de infraestrutura no Brasil em três grandes períodos. Dos anos JK ao milagre econômico foi o período que nós desenvolvemos realmente toda a nossa capacitação de engenharia. Aí nasceu o orgulho da engenharia brasileira, aí nasceu a engenharia das barragens, a engenharia das pontes, etc., e aí nós realmente tínhamos o Estado muito forte, que controlava bastante os processos, as licitações, etc., e fazíamos essas obras. Talvez não tivéssemos tanto cuidado ainda com controle de custos, mas de tecnologia, era muito grande. Outro período, de 1980 a 1995, foi o período de crise, inflação e estagnação. Esse período foi responsável pela degradação da capacidade de engenharia no Brasil. As principais empresas de engenharia do Brasil foram praticamente dissolvidas, abandonadas, os seus engenheiros tiveram que abandonar seus postos, e aí, quando tivemos a estabilização econômica e até os dias de hoje, com a retomada de uma engenharia necessária para restabelecer a infraestrutura necessária ao desenvolvimento do País, faltavam, então, engenheiros capacitados, faltava a capacidade do Estado de gerir essa contratação, essa fiscalização, e aí construímos muito, mas, nesse mesmo período, tivemos também grandes acidentes. Então, nesse período que nós estamos vivendo hoje, o que nós temos? Carência de infraestrutura - hoje o País demanda energia para sua produção, e não temos, muitas vezes, a capacidade de promover essa energia, como estamos debatendo hoje -, carência ou ineficiência dos meios de transportes e, como eu falei agora há pouco, os nossos profissionais têm déficit. Parece que nós temos desempregados em engenharia; na verdade, quando nós temos sopros de desenvolvimento neste País e retomam-se as obras, nós temos, constantemente, que importar engenheiros porque, de fato, os que nós formamos e aqueles que se fixam na profissão hoje são em quantidade muito menor à nossa necessidade. Portanto, quais são as conclusões que tiramos hoje do nosso estado da engenharia? O Estado - não o Governo, o Estado - tem se mostrado com dificuldade de gerir as obras. Nós temos atrasos nas contratações, na execução das obras, e o que se tem mostrado é uma excessiva corrupção nos processos de contratação, que certamente vai afetar a qualidade da engenharia. O programa de concessões que se iniciou nas últimas décadas exige, para haver uma concessão de uma obra de infraestrutura, que o Estado seja planejador; o Estado tem que planejar a obra, tem que estudar com antecedência antes de licitar. Eu não posso tomar posse hoje, querer contratar o projeto para duas semanas, contratar e executar para eu inaugurar no meu termo. Sem planejamento, sem essa visão de Estado estratégica da infraestrutura, nós temos um caminho totalmente aberto para a má engenharia e para aquilo que se decorre dela, que são, por exemplo, os maus contratos e, eventualmente, as oportunidades de vantagens para ambos os lados. Então, planejamento é absolutamente necessário. |
| R | Qualidade de projeto. Sem projetos amadurecidos, não há licitação. Então, quando eu entro com um projeto fraco dentro de um processo de licitação, eu abro oportunidade para aditivos, porque não foi pensado em projeto, correções de rumo e oportunidades para alguém lançar mão de processos que não são adequados para a engenharia, como os meios de corrupção excessiva. Licitações bem documentadas e estabilidade contratual. Isso é garantia de investimento sólido, gera interesse, seja ele público ou privado, pela obra de infraestrutura. Aqui, então, eu começo a mostrar alguns acidentes que aconteceram. Ali, apenas um histórico. A Barragem de Pampulha já rompeu, muitos não sabem disso - ocorreu em 1954 -, mas, naquele período, acontecia um acidente aqui e outro ali. Mais recentemente, depois que o Estado passou a conceder a oportunidade de projeto e de construção de infraestrutura, nós perdemos um pouco o controle dessa nossa construção. Aqui há vários exemplos de construção. O caso mais recente foi uma ruptura privada, mas ali há outras rupturas exemplificadas. Isso aqui é muito importante, isso é uma estatística feita pelas empresas de resseguro do mundo inteiro. Quais são as causas de rupturas de engenharia? A gente vê que, na verdade, a causa é engenharia. De fato, as causas são de engenharia. Falhas de projetos respondem por 40%; falhas de construção, 25%; gestão da construção, disponibilidade de materiais, emergência, contingência: mais 15%; e há as chamadas causas naturais - geologia difícil, choveu demais, houve um terremoto bem na hora -, aquilo em que todo mundo bota a culpa na hora do acidente, botam culpa é nisso, nas dádivas divinas, isso responde só por 18% das causas de acidentes. A causa de acidentes de engenharia é a engenharia mal executada. Aqui vale a pena lembrar que nós tivemos, ao longo da década de 50 e dali em diante, exatamente com o nascimento da engenharia nuclear, o conceito de risco. Nós passamos a identificar que toda obra de engenharia deve ser gerida sob o aspecto da gestão de risco, e isso só se incorporou à engenharia convencional nos últimos dez ou quinze anos. No caso da engenharia nuclear, isso nasceu com ela lá na década de 50. Para a engenharia convencional, nos últimos dez a quinze anos é que veio aparecer esse conceito. O que é o conceito de risco? É a obra estar integrada à sociedade, ao ambiente. (Soa a campainha.) O SR. ANDRÉ PACHECO ASSIS - Portanto, não basta a obra ser boa, ser bem projetada, atender as normas. Se ela romper, ela vai interagir com todo o ambiente, e a consequência junto ao ambiente e ao meio social é a consequência da obra. Para isso, então, a gente usa hoje um conceito de risco que é a probabilidade de haver a falha, de haver a ruptura, que é multiplicado pelo valor de todas as consequências calculadas. Se vai haver pessoas que serão afetadas, patrimônio público, patrimônio privado, danos ao meio ambiente, tudo isso tem que ser calculado. Portanto, se a obra está relacionada a grandes danos de consequência socioambiental, a probabilidade de ruptura aceitável dela tem que ser muito, muito, muito baixa. |
| R | E, aí, nós temos que fazer muita engenharia para baixar essa probabilidade. Para obras de baixo impacto de consequência, aceitamos uma probabilidade de falha um pouco maior. É com esse conceito novo aplicado à engenharia civil que hoje nós estamos tentando melhorar um pouco a qualidade e diminuir a recorrência desses acidentes. O que era uma boa obra de engenharia no passado, por exemplo? Era uma obra técnica, que fosse bem projetada e custasse o adequado. Não é o mais barato, é o adequado. Então, que custasse o adequado. Na década de 60, o que era uma boa obra de engenharia? Uma obra técnica, que custasse o adequado e que pouco impactasse o meio ambiente. Hoje, o que é uma boa obra de engenharia? É tudo isso mais avaliando-se todas as consequências ao seu redor caso ela venha a romper, portanto, que ela tenha baixo risco. O risco aí é visto com o conceito: probabilidade de ela falhar vezes o tamanho das suas consequências, quantificado monetariamente. Vou às minhas considerações finais. As principais causas de acidente de engenharia são as falhas de engenharia de projeto, a qualidade de construção e sua gestão. Mas por que está falhando muito? Por que realmente nós estamos tendo bastante falha de engenharia? Porque existe hoje uma pouca valorização do projeto e despreparo nos processos de licitação. E, aí, eu chamo a atenção para os órgãos públicos. Os órgãos públicos não têm valorizado as carreiras de Estado. Nós temos nomeado muita gente de cima para baixo, sem capacitação, e não permitindo que as carreiras de Estado se estabeleçam como estratégia de Estado. Com isso, nós estamos perdendo a capacitação do Estado de planejar, de gerir, de projetar e de contratar. Se ele não consegue nem levar a ter uma boa licitação, é claro que daí para frente a festa está aberta; tudo é válido para consertar essa licitação de baixa qualidade que foi feita. Então, senhores, eu acho que o mais importante aqui é nós reconhecermos, sim, as falhas da engenharia, mas reconhecermos que grande parte de uma engenharia malfeita, por oportunistas, e mal-executada está nas falhas de licitação que são feitas com base na não valorização de bons projetos e feitos com licitações muito malpreparadas, abertas para negociatas para depois levar a obra a termo. E eu sempre falo para os meus alunos - desculpem-me esta expressão -: na engenharia civil, neste País hoje, pagam-se as obras mais caras do mundo - eu teria inúmeros exemplo para dar para os senhores - e as de pior qualidade. Portanto, nós não conseguimos absorver esse custo para o Brasil. A última pergunta: a culpa também é da formação dos engenheiros? Claro que não é a engenharia e a formação dos engenheiros. Mas há que se fazer uma ressalva: a universidade brasileira está muito distante da sociedade e das suas demandas. Por quê? Porque no Brasil não se incentiva a universidade trabalhar em contato direto com a demanda tecnológica da sociedade. Aqui, parece que os órgãos de controle veem na universidade um capítulo de corrupção de pequenos projetos de pesquisa, inibindo completamente os professores engenheiros a buscarem soluções junto com as práticas demandantes. Nós não queremos abrir escritórios de engenharia dentro das universidades, nós queremos abrir a oportunidade de os alunos se envolverem com engenharia completamente, desde a sua formação. Nesse aspecto da formação de engenharia, nós temos excelentes professores e excelentes alunos. Só que o que é ensinado para eles hoje está muito distante da demanda das necessidades da nossa sociedade. Eu deixo a última frase: a valorização do Estado com cultura de planejamento - infelizmente não temos; mas temos que criá-la -, as agências especificadoras e os contratantes, isso é um bom sinal para uma engenharia melhor no futuro. Muito obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Deca. Bloco Social Democrata/PSDB - PB) - Obrigado, Dr. André Pacheco Assis, pelo seu esclarecimento. Precisou se ausentar da Mesa o Dr. Bruno Campos Barretto, Diretor-Presidente da Eletrobras Eletronuclear, para assumir outro compromisso. Quero passar a palavra ao nobre Senador Cristovam Buarque, autor do requerimento, para suas considerações. O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Bom dia, Sr. Presidente. Bom dia a todos os palestrantes. Eu quero dizer que esta é uma audiência que me deixa contente, no sentido da oportunidade de fazê-la, e preocupado sobre as medidas que nós precisamos tomar para resguardar a nossa segurança, no caso de Angra. Nós não tivemos tempo aqui de analisar, com mais detalhes, a sucessão de problemas que eu venho acompanhando já há algum tempo, até por ser engenheiro, de obras que geram problemas. O Luciano tocou um pouco nisso, mas concentrou-se muito na parte de energia nuclear no mundo. Cada um ficou mais na parte de energia. O Dr. André agora colocou, e mostrou por aquela pizza, que a maior parte vem do projeto e da construção; quase tudo vem do projeto e da construção, ou seja, são evitáveis. Há acidentes inevitáveis, como um terremoto, o que ele provoca; mas o que é projeto e construção é fruto de irresponsabilidade. Ao conversar com meus amigos, eles chegaram até a alegar, um dia desses, Chico, que foi a substituição da régua de cálculo pelo computador que teria levado os engenheiros a ficarem mais relapsos e superconfiantes no que as máquinas dizem que deve ser feito como resultado dos cálculos. Eu obviamente não acredito que aquela reguinha, de que eu fui usuário por tanto tempo, seja superior ao que um computador indica. Eu creio que está em outro lugar qualquer. E, provavelmente, mais até na construção do que no projeto, no material utilizado. E aí vem minha preocupação com Angra. Nós vimos, não faz muitos meses, denúncias sobre propinas na Eletrobras e na Eletronuclear. Obviamente as pessoas que faziam isso estão fora - creio que está até preso ainda o ex-Presidente. De qualquer maneira, fica uma preocupação por conta dessa leviandade de se apropriarem de recursos públicos, Senador. Será que não houve leviandade nos cálculos, para permitir uma redução de gastos, para poder aumentar a propina? Essa é uma preocupação que me fez convocar esta audiência. A propina veio de um superfaturamento, mantida todas as condições de segurança? Ou de um relaxamento na segurança para poder não fazer superfaturamento e sobrar alguma coisa para as propinas? Eu sei que, proporcionalmente ao custo total, o que vai para propina, embora muito, ainda é uma proporção pequena. Mas, de qualquer maneira, fica essa dúvida. |
| R | E a minha pergunta, em primeiro lugar, é esta: o fato das propinas pode ou não ter gerado qualquer risco de segurança? Essa é uma pergunta cuja resposta eu acho que o povo brasileiro inteiro quer saber. O dinheiro que foi para a propina surgiu de um superfaturamento que nos roubou dinheiro, mas não ameaçou a segurança? Ou pode ter vindo, pela impossibilidade de aumentar ainda mais os custos, de uma redução de gastos para poder sobrar? E essa redução de gastos, é óbvio, teria sido em algum material - espessura das paredes, qualidade do material... Esta é a pergunta que eu faço em geral: estamos tranquilos de que a propina foi apenas um ato de apropriação de recursos ou foi também um ato de leviandade com a segurança das obras que estão em andamento em Angra 3? Outro assunto é relacionado a uma resposta que eu gostaria que o Dr. Barretto desse ao que falou o Dr. Ricardo Nicoll sobre um órgão de segurança externo. Eu acho que faz tanto sentido, é tão lógico que quem deve cuidar da segurança não é o próprio executor, que tem seu viés todo tempo, que eu gostaria de ouvir a opinião dele - mas já que não está, de todos aqui. Se isso for uma posição comum, eu vou tentar ver como o Senado pode ajudar nesse sentido, naquele organograma que o senhor mostrou - tirar aquela parte, aquele trapézio que o senhor colocou, para um outro lugar. Eu vi que, do ponto de vista de ciência e tecnologia, talvez não fosse o melhor, porque ciência e tecnologia é para buscar ciência e tecnologia, e não segurança do que já estão fazendo. O outro ponto, que eu queria saber, é sobre o que o Dr. Sidney falou - e que me tocou bastante -, sobre o risco, que, na sua opinião, estamos correndo risco por razões técnicas. O senhor fez um discurso que nada tem de ideológico; o senhor fez um discurso com características técnicas. E eu queria saber a opinião dos outros sobre isso. Quanto ao que falou o Chico Whitaker, eu queria saber se é possível fazer uma auditoria nas obras. Você propôs uma auditoria. Eu quero saber o que dificultaria fazer uma auditoria nisso. Como seria feita uma auditoria? Quem convocaria essa auditoria? Porque eu creio que é uma sugestão bastante pertinente fazer uma auditoria, até para responder a primeira parte do que eu coloquei. E, segundo, eu queria ver se podemos daqui - ou eu pessoalmente - adotar sua carta à Procuradoria, se não me engano, de agosto do ano passado, que não foi respondida. Eu gostaria de receber isso para adotar, como Senador, as suas preocupações e perguntar à Procuradoria o mesmo que você pede na sua carta. Eu creio que há algo que a gente pode fazer daqui. No mínimo, é mais uma voz querendo que o Ministério Público se manifeste sobre o assunto. |
| R | Dito isso nas minhas colocações, eu quero ler aqui algumas perguntas que nos chegaram pela internet. Uma delas é de Isaías Paiva Ramos Filho: "Por que permanecer no erro de um reator ultrapassado que tem 30 anos?". É a primeira pergunta. A segunda é: "O Município de Itaguaí e a região da Costa Verde seriam afetados com um acidente nas usinas de Angra dos Reis?". E a que eu achei interessante: "Existe um fundo para danos, em caso de acidente?". Eu estive em Fukushima e uma das coisas que me surpreendeu lá é que as pessoas que foram retiradas, com aquela capacidade japonesa, foram para abrigos extremamente corretos e confortáveis, mas totalmente diferentes. Os que foram vítimas, os que saíram por causa da radiação receberam verdadeiras casas boas, bonitas, embora pré-fabricadas. Os que saíram por causa do tsunami, por causa da tragédia natural, receberam umas casinhas bem acanhadinhas. Há de um lado e de outro. Eu perguntei o porquê e disseram: "É porque os que saíram da usina têm um seguro que pagou tudo isso. Os que saíram por causa do maremoto não têm seguro ou coisa nenhuma. É quase uma caridade do governo japonês". É nesse sentido a pergunta que é feita pelo Rogério Costa Rodrigues: "Em caso de danos, em caso de acidente, existem medidas de evasão das pessoas, de retirada das pessoas e de cobrir os riscos ou não?". O Luiz Custódio Silva pergunta: "Existe outro modelo mais moderno referente ao projeto, no caso, que permita evitar acidentes? Ou não tem?. Ou seja, Angra 3 é o que há de mais moderno, como dizem por aí up to date, ou é mais uma versão arcaica?". Aqui há uma que é muita genérica, de Guilherme Bonfim: "Já ocorreram tantos acidentes em usinas nucleares, quais as chances de ocorrerem também acidentes no Brasil?". Finalmente - não dá para ler absolutamente todas, são muitas, a minha assessoria escolheu algumas, com as quais eu concordei -, do Francisco Ilo: "As boas práticas de engenharia de projeto, construção e segurança estão sendo revisadas nessa obra? Quais as reais seguranças da obra?". Ou seja, na linha da auditoria, só que uma auditoria mais modesta, com o nome de revisão, algo mais tímido, menos profundo. Então: "Essas revisões foram feitas, estão sendo feitas, sobretudo a partir das denúncias de que, durante o processo de licitação e de construção, houve propinas ou não?". Essas perguntas são feitas a todos, especialmente ao representante da Eletronuclear, porque eu creio que não é só do nosso interesse, Senador Deca, é do interesse da população brasileira toda. |
| R | Continuam dizendo, quando foi citado no princípio, creio que pelo Dr. Leonam, que eu acho que, do ponto de vista ecológico, no futuro, a energia nuclear tenha um papel a cumprir. É uma fonte que traz menos problemas ecológicos, desde que, como ele mesmo disse que eu falei numa conversa com ele, nós superemos todos os problemas de segurança. É claro que "todos os problemas" pode ser um superlativo impossível de ser atingido, mas é um setor em que, se houver uma tragédia, é diferente das outras tragédias. No caso eólico, uma das tragédias é que há passarinhos morrendo por causa da rotação das pás. É muito diferente de um Chernobyl. É muito diferente. O caso da hidrelétrica é o problema de ferir diversidade por conta das áreas inundadas. É muito diferente. Alguns dizem: "Se romper uma barragem, como Itaipu, o desastre é capaz de ser pior do que um Chernobyl". É pior no momento em que acontece, mas não é permanente. Passada a tragédia, que pode ser monumental, não estou menosprezando, tudo recomeça imediatamente. Enquanto que, na nuclear, como a gente sabe, podem passar milhares de anos para se recuperar. Eu tenho uma preocupação grande com isso. Inclusive, numa viagem que eu fiz à Ucrânia por outra razão, eu fiz questão de ir a Chernobyl. Numa viagem ao Japão, eu fui a Fukushima. Então, eu tenho o sentimento do que passaram aquelas pessoas e do que estão passando. Por isso talvez e pelo fato de ser engenheiro e ser muito preocupado com a energia e com o meio ambiente, isso não me faz recusar a energia nuclear como algo que a humanidade deve recusar para sempre. Daí que o meu projeto de moratória é moratória na construção de novas usinas por 30 anos, com investimentos nas pesquisas relacionadas à energia nuclear. Eu não proponho parar a perspectiva. Eu só queria que a gente estudasse mais, sobretudo dois probleminhas: como garantir que a engenharia civil estará imune aos projetos e aos outros também; e como cuidar bem dos resíduos nucleares. Eu creio que esses dois problemas, em algum momento, a humanidade vai ser capaz de superar, talvez com usinas subterrâneas em grandes profundidades. Quem sabe? Porque aí não cai avião; a bomba atômica não chega; não haveria riscos e, se houver, fica ali confinado. E talvez zerar o que fica do lixo. Um dia talvez, de tanto reusar como está se fazendo - eu estive estudando -, um dia a gente reusa tanto o lixo que a radioatividade ficaria desprezível, embora desprezível em radioatividade não exista. Eu também fui à Goiânia naquela época dos resíduos. Eu era reitor e a universidade me convidou para participar dos estudos. Eu fui lá pessoalmente. Uma coisinha de nada, minúscula, gerou todo aquele problema. Essas são as perguntas. Eu fico satisfeito com o que vocês já nos apresentaram. De qualquer maneira, Senador, eu peço que dê um tempo a cada um - eu não estou com pressa - para que nós possamos concluir, nessa linha, se é viável a ideia de auditoria; as perguntas que foram feitas dos riscos, inclusive, sobre obsolescência pela idade dos projetos; ao Ministério Público, que isso aí eu assumo que é uma coisa que eu próprio posso fazer; e, sobretudo, se a gente pode ficar tranquilo que o que houve de imoral do ponto de vista financeiro não teve consequências de imoralidade na segurança. Essas são as perguntas que eu tenho. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Deca. Bloco Social Democrata/PSDB - PB) - Agradeço ao nobre Senador Cristovam pela sua participação e pelas perguntas. Para organizar as respostas, dando oportunidade a todos de responderem, eu gostaria de iniciar pela direita, com o Dr. Chico. Pode ficar à vontade. O SR. CHICO WHITAKER - Muito obrigado, Senador. Vou ser rápido para dar possibilidade de que todos possam responder. Eu não vou pegar evidentemente todas as questões do Senador para não me alongar. Uma questão rápida é a da gravidade, que eu pretendia citar na minha exposição. É uma gravidade muito grande a de um acidente severo, mas principalmente é diferente dos outros acidentes. O senhor já lembrou isso aí. A gente fica pensando nesse acidente que houve com o avião agora. É tristíssimo, mas o que vai acontecer? Nós vamos evidentemente lastimar, vamos chorar, vamos viver um luto, mas a vida continua, e vamos ter que continuar com essa dor guardada. Um acidente nuclear não é assim. Por isso mesmo, na França, em que eles viveram uma ameaça muito grande de uma nuvem radioativa, aconteceram coisas incríveis. Um cidadão, alta autoridade, chegou a dizer que a nuvem radioativa havia parado na fronteira da França, o que levou, evidentemente, a muita piada em torno disso. Mas é triste. O fato concreto é que a dispersão da radioatividade é um fenômeno completamente diferente de uma inundação, de um terremoto, de um acidente de avião. E nisso é que temos problemas. Por isso, eles dizem, na França, que Chernobyl não aconteceu em 1986, começou em 1986. O que existe, na França, de movimentação para tratar de criança com leucemia é muito importante. A segunda questão, rapidamente, é em relação à sua última observação sobre a importância do projeto. Estamos aqui num caso típico. Está caracterizado que esse projeto é insuficiente. Está caracterizado que esse projeto está ultrapassado. Então, meu Deus, se o bom senso nos diz que tem que rever, por que não rever? Eu fico me perguntando por que esse bom senso não chega até a gente. Esse é o detalhe. Outra pergunta é sobre o problema da auditoria. Eu não sei se o Senado tem essa prerrogativa. A PGR teria essa prerrogativa se quisesse, mas eu acho que a própria Eletronuclear poderia tomar essa iniciativa, a CNEN poderia tomar essa iniciativa, desde que tivesse o cuidado de pedir técnicos que não estivessem vinculados aos seus interesses. E eu me pergunto se a própria Afen, a Associação dos Fiscais, não teria possibilidade de pedir, porque, afinal de contas, um de seus membros levantou, por atitude questionadora e corajosa, toda essa problemática. Então, por que a própria Afen não toma uma iniciativa? Ou seja, junta-se tudo e se tenta fazer uma auditoria. É a única maneira de resolver. Senão, um fala, outro fala, outro fala, mas e daí? Qual é o risco real? Sobre o risco real, eu vou, evidentemente, mandar a cópia da carta que nós mandamos ao Procurador-Geral, para que V. Exª tenha conhecimento e tome as providências que julgar que cabem. |
| R | Uma das perguntas que foi feita foi de uma pessoa preocupada, de Itaguaí, se a região dela seria afetada. Obviamente. Uma das coisas com que a AIEA mais se preocupa, inclusive controlando os relatórios da OMS, é que não se crie pânico. Não se pode criar pânico, porque é tão tenebroso que não se pode criar pânico, e se cria facilmente. Então, temos de tomar cuidado para a região de Angra não ficar brecada, ou seja, as pessoas quererem sair de lá quando souberem os riscos que estão correndo. Agora, por último, a chance no Brasil de ocorrer. Eu diria uma coisa muito importante: na França, que é exatamente o país mais nuclearizado do mundo - tem 58 usinas, algumas velhíssimas -, a autoridade de segurança nacional já declarou no Parlamento, numa das vezes em que, depois de Fukushima, ela foi lá para fazer alguma exposição, que na França teremos, mais cedo ou mais tarde, um acidente como o de Fukushima. O nosso grande problema é que nós não sabemos nem onde nem quando, mas é muito possível que tenhamos um. Então, é a mesma coisa para responder para o Brasil. E aí, se o projeto for ruim, aumentamos as chances. Se não previrmos como sair, aumentamos as consequências. Ou seja, é um ponto, eu diria, escandaloso para a população brasileira, para nós cidadãos. É escandaloso que não se faça nada. É essencial fazer alguma coisa quem puder fazer alguma coisa. O cidadão não tem esse poder. Que os Poderes constituídos façam alguma coisa. Muito obrigado. O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Bem, Senador, o senhor fez um desafio grande. O senhor tocou em vários aspectos. Vou tentar pegar aqueles que julgo que foram os que o senhor finalizou. Antes disso, eu gostaria de fazer um registro interessante. O senhor comentou sobre a mudança da moratória no seu projeto de leia. Muito alvissareiro para a indústria nuclear: no domingo agora houve um plebiscito na Suíça em que se colocava à sociedade civil suíça se haveria um abandono nuclear, nos moldes alemães. No plebiscito o povo suíço disse "não". Eu acho que esse é um ponto bastante interessante, e eu gostaria de deixar como registro. Isso aconteceu no domingo. (Intervenção fora do microfone.) O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Disse para a permanência, exatamente. Isso foi feito na Suíça. É só para registro. Eu queria começar falando sobre um ponto em que o senhor tocou que eu acho extremamente relevante. Acho que uma preocupação quase que inevitável de qualquer cidadão consciente é esse aspecto que o senhor levantou, quanto ao problema das irregularidades nas obras do ponto de vista financeiro, se elas não impactam a segurança. Acho que essa pergunta é muito importante. Eu gostaria de dizer que eu não vejo como isso possa acontecer, porque quando o senhor fala no projeto da instalação, ele não foi feito pela empresa, especificamente, que está sendo arrolada nesses lamentáveis eventos, que é uma empresa da construção civil. Ou seja, o projeto não foi feito pela empresa. A construção do projeto foi aprovada, parede por parede, pela Comissão Nacional de Energia Nuclear. Ela autorizava item a item, após uma profunda análise do que estava sendo proposto no detalhamento. Existem o projeto básico e o detalhamento. Eu não vejo como, em que medida poderia haver esse efeito com que o senhor se preocupa, com toda razão. |
| R | Além de tudo, eu estou falando do projeto, da liberação para construção, e a construção é feita com supervisão técnica independente, com controle de qualidade independente. Então, eu acho muito difícil. Eu não posso afirmar ao senhor que não, mas nós não vemos como poderia haver esse tipo de influência nefasta sobre esses interesses espúrios na segurança da instalação. Estou especialmente falando no caso da engenharia civil, que é o caso que está sob julgamento. Até já houve pessoas julgadas e condenadas por esses eventos. O segundo ponto que eu acho muito relevante é essa discussão sobre uma eventual obsolescência de Angra 3. Esse debate é recorrente. Eu traço um paralelo com o senhor. Não sei se o senhor já teve oportunidade de voar num Boeing Jumbo. O projeto do Boeing Jumbo é da década de 1970. O senhor entra e viaja num Boeing Jumbo; o senhor acha que aquele Boeing em que o senhor viaja é igual ao Boeing original, que foi lançado na década de 1970? Evidentemente, não é. Da mesma forma, em menor escala, em menor dinâmica - tendo em vista o tipo de produto de que estamos falando -, comparar o projeto de Angra 3 com Grafenrheinfeld... Grafenrheinfeld foi a referência do projeto de Angra 2. De lá pra cá, a própria Angra 2 já incorporou inúmeras modernizações, atualizações. Tanto é que elas operam dentro das normas técnicas vigentes; operam aqui e operam em qualquer lugar do mundo. Angra 3, em especial, sofreu uma revisão do projeto para considerar uma série de mudanças ocorridas durante o período. O projeto de Angra 3 não é o projeto da década de 1970, em absoluto. O projeto incorporou um número bastante grande - eu não vou me estender aqui nessa discussão técnica -, uma série enorme de melhorias e adaptações a novas normas, a novos requisitos, em especial requisitos de segurança. Um outro aspecto, por exemplo, e uma grande modernização introduzida no projeto de Angra 3, foi a instrumentação e controle digital, acompanhando a própria evolução. Ela é o grande exemplo da atualização do projeto. Então, essa é uma discussão que induz quem não conhece o problema a achar, à medida que diz: "O projeto é da década de 1970". Não, não é um projeto da década de 1970. É um projeto que originalmente foi elaborado na década de 1970. Mas o projeto de hoje não é o projeto da década de 1970, como o projeto do Jumbo 747 que está sendo fabricado agora em Seattle pela Boeing não é o projeto do primeiro Jumbo que eles lançaram, entende? Então, acho que é importante ressaltar esse aspecto. Um ponto que se colocou muito é sobre o problema do recuperador de corium, foi mostrado. Ora, o recuperador de corium... Eu, particularmente, estou envolvido - na minha juventude, quando eu estava estudando na França, no Comissariado de Energia Atômica, estava em projeto esse tipo de solução técnica. Eu, particularmente... (Intervenção fora do microfone.) |
| R | O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - O acidente severo. Se o vaso do reator for perfurado, você tem como recuperar. É uma mãozinha que recupera, exatamente. Sem dúvida é uma evolução e eu, pessoalmente, tenho até uma grande simpatia, porque eu trabalhei em engenharia desse dispositivo na época. Ora, hoje existem 67 usinas em construção, como o colega apresentou no início. O senhor sabe quantas têm recuperador de corium, nesse conceito mostrado pelo Sidney? O senhor sabe quantas têm? Oito. Nenhuma das outras tem o recuperador de corium. O recuperador de corium é um dispositivo adicional que foi adotado inicialmente no projeto franco-alemão de reator de nova geração, em que eu trabalhei, e que depois, ao longo do tempo, se transformou no atual EPR que está sendo construído - uma unidade na França, uma na Finlândia e quatro na China. Agora, existem outros tipos de solução. O AP1000, da Westinghouse, que é o carro-chefe tecnológico, não tem recuperador de corium nesse conceito. Os reatores construídos na China, o projeto chinês não tem recuperador de corium. Eu pergunto: em alguma situação, aquele cenário Síndrome da China, colocado pelo colega Sidney... O Síndrome da China foi um filme feito na década de 1970 com base em uma hipótese que nunca aconteceu. Não é verdade. Nem em Three Mile Island, nem em Chernobyl, nem em Fukushima houve penetração pelo corium chegando até o solo e o meio ambiente. Isso nunca aconteceu. No pior acidente, o acidente de Fukushima, isso era uma preocupação; mediu-se a penetração que houve, e a penetração no concreto foi da ordem de 60cm numa dala de concreto de mais de 2,5m. Ou seja, fazer de um carro-chefe... Dizer que o projeto de Angra 3 não pode ser construído porque não tem um recuperador de corium, o senhor me perdoe, não tem fundamento técnico. É uma posição, uma opinião; todos têm direito a opinião. Agora, não é uma fundamentação técnica para questionar e dizer que a usina é obsoleta e não é segura. O nosso querido amigo Chico Whitaker citou várias vezes aspectos ligados ao Ministério Público de Angra dos Reis, e o Procurador Fernando Lavieri, pessoa que eu conheci bastante, com quem lidei bastante durante vários anos. Uma parte que todos esses aspectos... O Prof. Chico, talvez por desconhecimento, porque, infelizmente - eu me coloco aqui à disposição do professor -, todas as informações que ele usou são informações que ele obteve de um universo bastante reduzido. (Intervenção fora do microfone.) O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Calma, eu vou chegar lá. Eu conheço essas páginas. Pelo menos um terço dessas páginas fui eu, pessoalmente, que escrevi, Prof. Chico, em resposta aos questionamentos colocados. Então, nós estamos abertos para dar, pelo menos, um outro ponto de vista. A controvérsia é sempre muito positiva para se chegar. Eu conheço o senhor, já o encontrei várias vezes, mas, infelizmente, nunca conversamos tecnicamente para eu poder dar uma outra visão ao senhor desses aspectos. Mas, voltando ao que o senhor falou, aquilo se tratou de uma ação civil pública que foi concluída porque não deu origem a nenhuma denúncia, a nenhuma ação junto à Justiça. Por quê? Todos os questionamentos que o Procurador fez à época, o Procurador Fernando Lavieri, foram respondidos tecnicamente, foram sustentados. Ou seja, havia uma posição de algumas pessoas, que diziam tecnicamente alguma coisa; vinham relatórios técnicos que ele nos apresentava. Ele nunca disse quem eram os autores daqueles relatórios, mas muito próximos da apresentação que o Sidney fez, que nós, tecnicamente, rebatemos. E o processo chegou ao fim sem haver a identificação de uma razão para que o Procurador entrasse, eventualmente, com uma ação na Justiça, para interromper a obra. E, inclusive, o inquérito foi arquivado. Foi arquivado. |
| R | O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Não houve ação civil pública. O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Não, não houve ação... (Intervenção fora do microfone.) O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Porque não se investigou... O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Estou dizendo o seguinte: o inquérito civil precede a propositura da ação. O SR. CHICO WHITAKER - Não, houve um procedimento investigatório que não terminou até hoje. Ele ameaçou com uma ação civil pública, se etc... E não terminou. E ele foi oportunamente transferido de Angra para Foz. E, quanto a todas essas coisas que o ilustre Dr. Leonam está falando, eu não vi no procedimento. Deveriam estar lá essas respostas. Não estavam. O procedimento termina de uma maneira impressionantemente triste. Ele vai esvaziando, até virar prateleira. O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Esvaziando porque ele não tinha um fundamento técnico, Professor. Exatamente por isso. E o senhor ainda levanta teorias da conspiração contra o Dr. Lavieri. O Dr. Lavieri foi transferido para Foz do Iguaçu a pedido. A esposa dele é de lá. Então, o senhor está levantando suspeitas contra a honestidade de uma porção de pessoas. Nós devemos ser um pouco cautelosos em levantar questões contra a honestidade das pessoas. O senhor levantou, agora, até contra a própria posição do Dr. Lavieri, que é uma pessoa que eu conheci bastante, ao longo desse prazo, na luta, vamos chamar assim, em responder, de forma adequada, aos questionamentos que eram levantados por ele. O SR. CHICO WHITAKER - Eu não vi os procedimentos. O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Eu não sei. Se o senhor quiser, eu posso mandar cópia para o senhor. Eu não acredito que não tenha, porque tudo isso é documentado, foram respostas ao Fisco, mandados pelo Procurador. Não acredito que aquilo não esteja arquivado na Procuradoria de Angra dos Reis. Não acredito. De maneira alguma. Isso não é verdade. Talvez só tenham mostrado ao senhor esse lado que o senhor relatou, e o outro lado não foi mostrado. Nós temos que ver os dois lados da moeda. O SR. CHICO WHITAKER - Quatrocentas páginas ou são ou não são liberadas... O SR. LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES - Eu não sei quantas são 400 páginas, quanto tem o processo. O fato é que todos esses assuntos foram amplamente discutidos com o próprio Procurador, com consultorias externas... Tanto é que não deu origem a nenhuma ação civil pública, como o Senador ressaltou ali, com toda razão. Então, eu acho que essa questão dá margem a um seminário inteiro, e nós estamos à disposição para discutir esses aspectos, de um ponto de vista técnico, mas a técnica tem que ser vista do outro lado. Não é opinião. Cada um tem sua opinião. Você pode achar que deve haver um recuperador de corium. Eu, pessoalmente, trabalhei em um e acho que seria ótimo, mas isso não inviabiliza uma instalação. Volto a falar ao senhor: segurança é uma profissão de humildade, e o fato de nós fazermos melhoria contínua, na segurança, não quer dizer que a segurança atual seja inadequada. Não é razão para isso. Se nós acharmos dessa forma, não conseguiremos evoluir na segurança. É muito ruim essa abordagem. Então, quanto a esse aspecto, estamos abertos a discutir. Quando o senhor fala em auditoria - o senhor comentou... Devo dizer que hoje, por exemplo, essas obras estão sofrendo auditoria do TCU de forma permanente. Nós estamos respondendo não a 400, mas a milhares de páginas sobre aspectos de auditoria, sobre essas obras. Agora, se houver algum outro órgão que queira fazer uma auditoria, isso é ótimo para nós, porque fazer auditoria é demonstrar a adequação técnica da instalação. |
| R | Agora, existe um problema, sim, e aí eu alerto o senhor: nós estamos numa situação de obra interrompida e estamos fazendo um enorme esforço para preservar a obra. Se não houver uma tomada de decisão de continuação da obra, num prazo razoável, poderemos, aí sim, ter perdas severas, em face da preservação, porque a obra, diferentemente da obra de Angra 2, quando Angra 2 foi interrompida, as obras civis já estavam concluídas. Ou seja, aquela esfera - não é uma semiesfera, é uma esfera - já estava fechada, o que facilita em muito as condições de preservação. Hoje, a esfera está um pouco acima do Equador. Isso dificulta bastante as atividades de preservação. Então, realmente, esse é um aspecto bastante importante, eu gostaria de ressaltar, e seria muito importante que uma auditoria verificasse a adequação e mostrasse a importância de que isso fosse retomado o mais rápido possível, para não se perder todo esse patrimônio que existe lá. Então, sobre esse ponto da auditoria, nós estamos abertos. É ótimo, excelente que seja feita, seja qual for a instituição que a faça. Seria ótimo. Um outro aspecto que o senhor tocou é o do seguro. Não existe usina nuclear no mundo que opere sem seguro. Eu fui questionado, num outro evento, por uma pessoa que participou do evento aqui, falando desse senhor alemão, porque esse senhor alemão diz que não se faz seguro para usina nuclear. Eu disse: "Isso absolutamente não é verdade". Não existe usina nuclear que opere sem seguro no mundo. E são 430 usinas em operação. O senhor contou esse caso, e eu até agradeço ao senhor, é uma informação que eu não sabia, esse detalhe da acomodação dos deslocados de Fukushima, que foram beneficiados por esse seguro. Nós temos um seguro também, e esse seguro não é da cabeça de cada um, não é da cabeça da Eletronuclear, não é da cabeça do operador da TEPCO, que trata de acidente no Japão. É de uma convenção internacional, da qual o Brasil é signatário. Ela é o fundamento disso. Então, sim, as usinas têm sim o seu seguro. E não é só um seguro para recomposição dos bens, mas um seguro de responsabilidade civil. Eu já me perdi um pouco, já não sei mais se há mais algum ponto relevante. Foram os três pontos que o senhor ressaltou: a auditoria, o efeito desses problemas e a obsolescência da usina. O SR. PRESIDENTE (Deca. Bloco Social Democrata/PSDB - PB) - Acho que foi respondido muito bem, não é, Senador Cristovam? Passo a palavra para o Sr. Luciano. O SR. LUCIANO TEIXEIRA - Bem, eu não queria entrar muito nessa particularidade do caso específico das usinas de Angra, mas a conclusão geral a que eu chego, o sentimento, é a de que ninguém é a favor de abolir a geração de energia elétrica pela nuclear. Isso me deu uma certa satisfação. Acho que a preocupação dos colegas, aqui, com relação à segurança, é pertinente. E, quanto a isso, eu também estou de acordo. Acho que a busca pela segurança da fonte é permanente, e, como eu coloquei lá, nos eslaides, a tecnologia vai avançando e, hoje, nós temos novas usinas nucleares, de terceira e até - pensa-se nisso - de quarta geração, que tentam justamente mitigar essas desvantagens que a fonte tem, como toda outra fonte de geração de energia elétrica. Acho que a conclusão é essa. |
| R | O SR. RICARDO NICOLL JÚNIOR - Senador Cristovam, eu fiz algumas anotações com relação às suas indagações e, inclusive, de algumas pessoas que estavam assistindo à TV Senado. A auditoria a que o colega se referiu é uma recomendação da Agência Internacional de Energia Atômica. Isso que o senhor observou lá, em Fukushima, se eu não me engano - estou puxando pela memória -, está no Tecdoc-709, de 1994. Trata-se de uma diretriz da Agência Internacional de Energia Atômica, e, nessa diretriz, ela também prevê um órgão regulatório, e esse órgão deveria ser, insisto nisso, ligado ao Governo - ou ao Executivo, ou ao Legislativo. Na Espanha, por exemplo, esse órgão regulatório está ligado ao Legislativo. Alguém fez alguma pergunta com relação à área, se houvesse algum tipo de acidente. Eu tenho 34 anos de CNEN, trabalhei na emergência, trabalhei fazendo fiscalização em área de Medicina, Radioterapia, etc. Uma coisa que nos incomodava muito e que foi retirada há pouco tempo eram os quebra-molas, na estrada que ia para Angra. Em caso de acidente, em caso de evacuação, como é que passa um bombeiro, como é que passa uma ambulância? Então, se as pessoas querem fazer um redutor de velocidade, façam de outra maneira. Coloquem lá o "pardal", as câmeras e tudo o mais, mas nunca os quebra-molas - chamados lombadas em alguns lugares do País. Outro item que eu anotei é que a energia nuclear não é só geração de energia. A energia nuclear tem alguns benefícios na área de Medicina, para diagnóstico e terapia. É importante nós falarmos isso. E na área da indústria também, na preservação de alimentos, em radiação de alimentos, etc. Eu estou me referindo a algumas perguntas que foram feitas pelos telespectadores. Outro item que eu coloquei aqui, relativo também ao que foi dito agora, dentro da CNEN - é importante que seja ressaltado -, houve muitas discussões na hora de aprovar as usinas de Angra, principalmente a de Angra 2. O Sidney deve se recordar disso. Houve um desconforto muito grande dentro da CNEN. Elas foram aprovadas quase que de uma maneira impositiva, e não era a opinião dos técnicos. Eu estou falando das décadas de 70 e 80. Houve uma imposição. Os técnicos discordavam de algumas coisas. Agora, em relação à engenharia, que foi mencionada pelo Prof. André Pacheco, eu volto a insistir: eu concordo com tudo que o senhor falou, mas eu tenho a opinião daquilo que eu li, que as licitações foram feitas em cima da 8.666 e sempre se previu o menor custo. E o menor custo, às vezes, não é o melhor para a engenharia. Então, a licitação não precisa ser feita sempre com o menor custo. Ela tem que prezar pela qualidade. Tem que ser levada em consideração, quando for fazer a licitação, a qualidade. Dependendo da obra, ela tem que ser feita com o menor custo, mas prevendo-se a qualidade do material. Deixem-me ver se eu anotei mais alguma coisa. Não. É isso. É exatamente isso. São as minhas ponderações finais. Obrigado. |
| R | O SR. SIDNEY LUIZ RABELLO - Sobre o órgão de licenciamento de usinas nucleares independentes, o que se costuma nomear de Agência de Segurança Nuclear, o problema da palavra "agência" é que leva a alguns raciocínios, porque há agência que é promotora. Essa agência de que estamos tratando só cuida da segurança; não vai promover energia nuclear de forma nenhuma, como é hoje a CNEN, que promove a energia nuclear. É sob esse ponto de vista que deve ser analisada a questão da independência dessa agência de segurança nuclear. Agora, é necessário que haja alguns recursos que deem garantia mínima, esses recursos em lei. Por exemplo, a comissão deliberativa dessa agência de segurança nuclear tem que ser constituída em lei, já garantindo que os membros tenham independência e procurem a segurança das instalações e a segurança das aplicações da energia nuclear de uma forma geral. Então, isso deve estar pensado na hora de se fazer o projeto. Essa comissão deliberativa não pode ter atribuições de execução dentro da agência. A minha posição em relação à comissão deliberativa é de que ela deve trabalhar oito horas por dia, todos os membros, não só para ganhar jetom. Essa é uma experiência dos Estados Unidos, de um órgão que funciona razoavelmente bem. E os membros dessa comissão deliberativa não são diretores que vão executar. Apenas o presidente dessa agência faz a ponte, dentro dessa comissão deliberativa, entre a execução e a deliberação. Essa é uma questão que considero importante. O Congresso deve acompanhar pari passu, pelo menos anualmente, uma prestação de contas por parte dessa agência de segurança nuclear, para saber se ela continua nos trilhos, se está seguindo os objetivos para os quais foi criada, no sentido de garantir a segurança das instalações. Tem que ser um órgão aberto ao público de todas as formas. Toda a documentação gerada por essa agência de segurança nuclear tem que estar na internet. E o mecanismo de audiência pública deve ser também incluído na lei, sendo obrigatório, e não uma opção que pode ser adotada por um órgão aberto, democrático, etc. Outro detalhe sobre a agência americana - Comissão Reguladora Nuclear, traduzindo -: os Estados Unidos têm um órgão público semelhante à Controladoria-Geral da União que tem, dentro de cada órgão público, alguns membros para acompanhar se os objetivos daquele órgão estão sendo atingidos, para não haver problemas de corporativismo, todos os problemas decorrentes da má gestão pública, principalmente se estiver trabalhando em prol da segurança das instalações. Essa é uma questão mais complicada, mas que eu vejo como uma ideia para tentarmos construir algo. |
| R | Tem que constar da lei de constituição dessa agência todos os princípios de segurança que devem nortear o seu trabalho. São princípios genéricos, mas muito importantes. A Agência Internacional de Energia Atômica tem uma receita de como montar uma agência de segurança nuclear independente e de tudo o que deve estar contido nessa lei. Eu tenho opinião pessoal de que esse deve ser um órgão da Presidência da República, porque o Ministério de Minas e Energia, por exemplo, que tem as usinas nucleares, deve ter uma autoridade acima dele, que não deve estar no nível de ministério, para se impor. Por exemplo: hoje, a CNEN, que é um órgão promotor e fiscalizador, faz parte do Sipron (Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro). Então, ela divide a responsabilidade com todas as empresas que trabalham na área nuclear, que são todas do Estado. Como fica a independência nesse caso? Creio que ela não pode participar do Sipron. Com relação ao seguro contra danos que pode uma usina causar ao público, eu tenho pouco conhecimento, mas indicaria que os Senadores verificassem como é feito isso. A informação que eu tenho está nas normas da CNEN, de que o seguro tem uma quantia fixa que vai ser rateada entre as pessoas que sofreram prejuízo de vida em um acidente nuclear. Podem sobrar R$10 para cada um. É um problema. Não vão poder construir a casa para a pessoa que tiver que sair, etc. Rateio, creio que não é o caminho. Por outro lado, se a opção for geração elétrica através de energia nuclear, deve haver um mecanismo para que a população não sofra da forma como está sofrendo a população de Fukushima. As pessoas devem ser retiradas do campo de atingimento do acidente com as mesmas condições e atenções, por terem saído do seu local de trabalho, do ganha-pão, do lugar onde tinha amigos. Então, que tenham uma atenção especial, o que seguramente esse rateio não deverá cobrir. Talvez haja outra interpretação do que eu cheguei a ler. Com relação aos acidentes severos que foram mencionados, como o acidente de fusão do núcleo do reator ou o acidente de fusão do combustível nuclear decorrente de falhas múltiplas, tudo isso está regulamentado na documentação americana, a primeira que desenvolveu isso e é base de projeto de todas as usinas novas nos Estados Unidos. Então, hoje, o acidente de fusão nuclear tem que ser levado em conta no projeto claramente, se é provado que, havendo uma fusão nuclear, uma fusão do núcleo do reator, haverá todos os recursos para isso não vazar para o meio ambiente e prejudicar as pessoas. Isso tem que ser provado. E Angra 3 não prova isso. |
| R | As normas americanas foram traduzidas para normas da Agência Internacional de Energia Atômica. No início dos anos 2000, já havia as normas internacionais da Agência Internacional de Energia Atômica e nós teríamos que seguir essas normas. E Angra 3 não prova que nós seguimos isso. Eles até se negam a prová-las. Estou falando apenas do projeto de segurança nuclear. Não estou falando do projeto disso ou daquilo. É o projeto conceitual da usina como um todo, em que temos que pensar em todos os acidentes que podem ocorrer e, para cada acidente, mostrar que a usina impede que ele ocorra. E, uma vez ocorrido, que ele fique contido dentro do edifício do reator. Então Angra 3 deve provar o que acontece quando há a fusão do núcleo. Tem que ser provado que não vai atingir o público nem o meio ambiente, que vai ficar contido no edifício do reator. Isso não está provado. Dizem que outros países não têm o projeto com o tanque coletor de combustível fundido. Se os outros países querem correr risco, nós não queremos. Já sabemos que isso vai acontecer. Temos que nos atualizar, usar as normas da Agência Internacional de Energia Atômica para seguir, para dar segurança para o nosso povo, para o nosso meio ambiente. Um lugar tão lindo como Angra não pode correr risco desse tipo. Então, Srs. Senadores, no momento em que olharem o projeto de uma usina nuclear, perguntem: cadê o tanque coletor do combustível fundido? Cadê o reservatório de água para refrigerar esse tanque? Essas duas coisas têm que estar dentro do edifício do reator, dentro da contenção do reator. Imaginem só, a Areva é a projetista de Angra 3. A Areva vende para o mundo todo um reator seguro, com tanque coletor e reservatório de água para refrigerar esse tanque coletor. Agora, para o Brasil, não! Por quê? Isso deve ser perguntado. Deve-se investigar por que isso está acontecendo. Por que colocam projetos da década de 70? A característica de projetos da década de 70 e da atual é a usina estar protegida contra a fusão do núcleo do reator, isto é, leva-se em conta que vai fundir o núcleo do reator e que isso vai ficar preso dentro do edifício do reator. Não vai prejudicar ninguém, como em Fukushima, não vai prejudicar ninguém, como em Chernobyl, não vamos correr os riscos que correram os americanos em 1979, em Three Mile Island. Então, estou falando apenas do projeto de segurança nuclear e acrescentando este acidente: a fusão do núcleo do reator. Apenas isso. Quanto às demais coisas não nos cabe tratar aqui. Era só isso. |
| R | O SR. ANDRÉ PACHECO ASSIS - Eu vou, então, tentar responder as perguntas no âmbito da engenharia civil mais convencional, não da engenharia civil nuclear. O primeiro ponto que eu acho que vale a pena a gente discutir um pouco é sobre a corrupção que nós vimos em tantos tipos de obras, não apenas na Eletronuclear, mas nas refinarias, nas barragens, na infraestrutura de estradas, etc. Eu não tenho como dizer que não houve prejuízo da qualidade técnica. Portanto, a obra pode sofrer uma ruptura e isso levar a uma consequência que afeta a segurança de pessoas. Não há como separar as coisas. Dentro da experiência que eu tive de investigar alguns acidentes que aconteceram, claramente ficou provado que houve prejuízo de qualidade material ou de procedimentos construtivos relevantes que levaram àquele acidente. Portanto, o conluio entre a corrupção, a contratação, a alteração de projeto - essa coisa fraca que nós falamos desde o início, quando o projeto não é benfeito na licitação -, dá margem a todo tipo rearranjos ao longo da construção da obra. Tudo isso, então, capitalizado por um projeto de corrupção entre as partes, certamente afeta a segurança dos usuários. Muitas vezes, pela qualidade do asfalto, abre-se um buraco, que pode ter apenas um custo de manutenção, mas pode causar um acidente rodoviário. Isso não parece ser tão grave quanto o caso de vocês, mas é uma consequência importante. Portanto, temos que ter essa ideia. Outro aspecto do seguro: a engenharia com gestão de risco como elemento principal de tomada de decisão, ou seja, calcular o risco da obra. Ele passa a ser agora um elemento importante. A obra não é aquela obra que você olha só pela sua segurança estrutural, ela passa a ser julgada agora também pelo risco da presença dela no meio social e ambiental. Esse risco, da forma como é calculado - se ele for calculado por uma metodologia quantitativa, de monetização do risco, ou seja, dando valor a ele -, é o melhor indicador de quanto vale o seguro dessa obra. Porque eu já cálculo se há probabilidade de ruptura, já cálculo a quantidade de consequência que a obra vai gerar e, portanto, isso é um indicador de caução ou de seguro. Na engenharia civil convencional poucas obras têm seguro, apenas grandes obras, como barragens, construção de túneis urbanos, etc. Isso tem seguro. Por esta Casa mesmo passa um projeto que está neste momento discutindo se a caução será obrigatória para grandes obras civis. Como houve a lei de segurança de barragens, nos anos de 2010, agora se discute se deve ser ou não obrigatória a caução de grandes obras civis. Na minha visão, a gestão de risco é obrigatória para uma engenharia mais moderna e, consequentemente, o seguro deveria ser obrigatório para as grandes obras civis. Gostaria de voltar aqui ao que o Ricardo falou. A 8.666 não é uma lei de licitação, porque obriga a contratar pelo menor preço. No entanto, tem lá a sua salvaguarda de qualidade. Mas as pessoas, por não se conduzir os processos licitatórios de forma correta, ficam com tanto medo dos órgãos de controle da sociedade e do que vai acontecer depois que quase se obrigam a contratar pelo menor preço, para depois não ficarem na mão dos controles do TCU, do Ministério Público. etc. |
| R | Então, acabou que foi um viés ao contrário. Foi feita uma lei que, em princípio, pode até ser boa - ela tem defeitos -, mas, da forma como ela é usada, é muito ruim. Ela é muito ruim e causadora de muitos problemas que temos. Quando eu calculo o risco de uma obra civil, eu posso, então, reinterpretar a 8.666. Qual é a melhor obra? É aquela em que a soma do custo de construção mais o risco calculado passa a ser o custo de decisão de qual é a alternativa que deve ganhar. Então, se a pessoa apresenta uma proposta mais cara, mas que tem, por ser mais cara, melhor qualidade e menor risco, ele pode ganhar a obra que foi apresentada num curso rasteiro de construção. Portanto, uma porcaria. Só que, se eu for calcular o risco dela, aparece claramente que aquela obra não deveria ser contratada nunca daquela forma. Então, há formas de evoluirmos nesse uso da lei. Uma coisa para a qual eu queria também chamar a atenção é que os nossos órgãos de controle gostam de atuar na obra já em construção. Isso é um erro total, porque uma obra em construção, se ela for parada, como já foi dito aqui na Mesa, é uma obra muito cara. Manter uma obra em construção parada é caríssimo e perde toda a qualidade construtiva que eu tenho. Para recuperar isso depois, eu não vou conseguir de forma razoável, exceto por um custo absurdo. Então, essa obra vai ficar três, quatro, cinco vezes mais cara. Então, os órgãos de controle têm que atuar na licitação. A licitação está bem feita? Está bem estudada? O projeto é são? Ele foi feito por engenharia decente ou eu tirei ele da gaveta, com duas semanas, só porque tem que atender um prazo político ou qualquer outro interesse que não é o real da engenharia? Nós temos que voltar a valorizar os procedimentos de engenharia, dos quais fomos tão orgulhosos nas décadas de 60 e 70, pois, aí sim, a engenharia brasileira se tornou famosa. Não sou saudosista, mas acho que nós temos que voltar a aprender a fazer engenharia. O SR. PRESIDENTE (Deca. Bloco Social Democrata/PSDB - PB) - Encerrando as respostas, passo a palavra ao nobre Senador Cristovam Buarque. O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É apenas para dizer, Presidente, que estou satisfeito e que esta audiência pode dar um bom texto, um bom relatório, quando nós fizermos as transcrições das diversas falas. Obviamente, tendo aqueles cuidados para evitar repetições, que cada um da gente sempre usa oralmente, nós podemos ter um bom elemento, tanto para mostrar que há cuidados, como também para mostrar que há riscos. E é isso que precisamos esclarecer à opinião pública, mas, sobretudo, saber que, em um caso desse, qualquer risco é grave, até mesmo, para a minha surpresa, quebra-molas na estrada... O SR. RICARDO NICOLL JÚNIOR - Foram retirados. O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Ah, foram retirados. Ou seja, nós temos desde problema de vazamento de resíduos nucleares, com radiação, até mesmo quebra-molas. O SR. RICARDO NICOLL JÚNIOR - Eram em torno de 23. O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eram 23. Então, eu acho que é uma boa audiência, Senador, que pode servir de alerta para que continuemos este debate. Não podemos prescindir de uma fonte de energia em algum momento, no futuro, capaz de produzir sem o que gera o combustível fóssil, por exemplo, mas, ao mesmo tempo, não podemos correr riscos que podem levar a tragédias, como já vimos, embora se possa dizer nem tantas, mas, ao mesmo tempo, tão grandes. Das 430 usinas, foram poucas que deram problemas, mas os problemas foram de uma dimensão, de uma tragédia monumental. Agradeço muitos a todos que vieram. Este tema merece continuar em debate. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Deca. Bloco Social Democrata/PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Cristovam. Quero aproveitar o momento para deixar registrada a minha solidariedade aos familiares do time Chapecoense pela tragédia que aconteceu esta manhã, na Colômbia. Que Deus possa confortar os seus familiares, neste momento tão difícil! Submeto à apreciação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior. As Srªs e os Srs. Senadores que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.) A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal, juntamente com as notas taquigráficas. Agradeço a participação de todos que vieram debater esse tema tão importante para a sociedade brasileira. Apesar de não ter acompanhado desde o início, vejo que foi muito proveitoso o debate. Certamente teremos outros para que possamos chegar a uma matéria realmente muito boa. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a audiência. Muito obrigado a todos. (Iniciada às 8 horas e 54 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 35 minutos.) |
