12/12/2016 - 114ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a 114ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 2ª Segunda Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A audiência pública de hoje será realizada como todas as outras, nos termos do Requerimento nº 158, de nossa autoria e de outros Senadores, para debater o Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado no último dia 10 de dezembro.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que têm interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800 612211.
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Como sempre, faremos uma pequena introdução, para que os telespectadores e os que estão nos assistindo pela TV Senado, pela Internet e pelas redes sociais e ouvindo pela Rádio Senado tenham uma visão do motivo da audiência de hoje sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Com essa frase, o primeiro artigo da Declaração Universal de Direitos Humanos, gostaria de com muita satisfação dar início à presente audiência pública para debatermos o Dia Internacional dos Direitos Humanos celebrado no último dia 10 de dezembro.
Nos quase 70 anos transcorridos desde a proclamação da Declaração Universal, Senhoras e Senhores, é inegável que avançamos na garantia desses direitos inerentes a todas as pessoas, direitos que são, em essência, aqueles nos caracterizam como seres humanos. Os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos e o direito ao desenvolvimento foram reconhecidos como direitos universais e indivisíveis e de direitos mutuamente fortalecidos de que são titulares todos os seres humanos sem exceção.
A não discriminação e a igualdade têm sido cada vez mais reafirmadas como princípios fundamentais do direito internacional, dos direitos humanos e como elementos essenciais da dignidade humana, contudo é evidente que ainda temos muitos desafios a nossa frente. A pluralidade dessa Mesa de debates ilustra o fato de que direitos humanos ainda não são uma conquista plena da maioria da população brasileira. Aqui no debate, no dia de hoje, vai ficar claro como infelizmente ainda os direitos humanos são atacados.
Índios, mulheres, negros, brancos, pobres, jovens, pessoas com deficiência, ciganos apenas para mencionar momentos de segmentos que foram fortemente atacados. Ainda são vitimados pela falta de direitos e pela discriminação de oportunidades. São brasileiros e brasileiras que, inegavelmente, carecem de maior assistência do Poder Público para que essas violações sejam mitigadas. São setores mais vulnerários e, repito, eles, sejam brancos, sejam negros, sejam índios, sejam mulheres, sejam crianças, sejam adolescentes, sejam ciganos. Quantos jovens negros, por exemplo, ainda morrem nas favelas de nosso País marginalizados por um sistema desigual? Quantas mulheres ainda são vítimas da violência e de abusos simplesmente por serem mulheres? Quantos índios ainda lutam pela demarcação de suas terras para que suas tradições não sejam esquecidas e para que sua identidade não seja perdida na história? Quantos homens e mulheres, brancos ou negros lutam para ter o direito à terra? Vejam aí o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e o dos sem-terra, vejam o movimento dos quilombolas.
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Senhoras e senhores, da mesma maneira é fundamental a presença de toda a sociedade nesses debates. Queremos a paz. Queremos tranquilidade. Queremos respeito. É importante que possamos compreender melhor os motivos dessa infindável crueldade em nossa sociedade, bem como os motivos dessa violência generalizada, uma verdadeira guerra, em que a preocupação com a vida do outro não é, infelizmente, relevante, não é o mais importante, quando o direito à vida deveria estar em primeiro lugar.
Vale mencionar ainda que se trata de momento oportuno para que possamos expressar nossas homenagens a todos os militantes dos direitos humanos assassinados, torturados, presos, além dos que se encontram presos ainda em função de serem lutadores dessa causa. Chico Mendes, Dorothy, e mais recentemente o Marcus Vinícius de Oliveira Silva são algumas dessas personalidades, conhecidas ou anônimas, que merecem toda a nossa reverência na vida e na morte. Esses verdadeiros heróis trouxeram ainda mais luz aos graves problemas humanitários de nosso País.
Da mesma maneira, vários militantes de movimentos sociais, Movimento Quilombola, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, entre tantos outros, que se encontram presos justamente em razão de lutarem pela qualidade de vida de todos.
Para concluir, gostaria de relembrar que sem direitos humanos não há democracia, não há a menor possibilidade.
Espero que os trabalhadores da presente Comissão, que o trabalho hoje, o nosso aqui nesta Comissão, com representantes de todo segmento da sociedade, possa contribuir para que a visão humanitária prevaleça numa visão democrática e na construção de um mundo melhor para todos. Essa é apenas uma introdução que fazia eu, os que chegaram agora, da importância do dia que lembramos hoje, que é o dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Mas como eu havia me comprometido, enquanto estão liberando o pessoal, inclusive nas portarias, para virem para esta Comissão, eu vou ler um outro documento que me foi entregue na Comissão de Direitos Humanos. Eu me comprometi a lê-lo na abertura dos trabalhos.
Brasil: teto de 20 anos para o gasto público violará direitos humanos, alerta relator da ONU
Genebra, 9 de dezembro de 2016 [, um dia antes do dia 10 agora.]
Os planos do Governo de congelar o gasto social no Brasil por 20 anos são inteiramente incompatíveis com as obrigações de direitos humanos do Brasil, [palavras] do relator especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alston.
(...) o efeito principal e inevitável da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, elaborada para forçar um congelamento orçamentário como demonstração de prudência fiscal, será o prejuízo aos mais pobres pelas próximas décadas - alertou o relator da ONU. A emenda [que] deverá ser votada pelo Senado [brasileiro] no dia 13 de dezembro, [é conhecida como a PEC 55 ou o novo regime fiscal.]
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[Diz o relator da ONU:] “Se adotada, essa emenda bloqueará gastos em níveis inadequados e rapidamente decrescentes na saúde, [na] educação e segurança social, [portanto] colocando (...) toda uma geração futura em risco de receber uma proteção social muito abaixo dos níveis atuais” - fecha aspas.
O relator especial nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou ao Governo brasileiro que garanta um debate público apropriado sobre a PEC 55; que estime seu impacto sobre os [setores] mais pobres da sociedade; e que identifique outras alternativas para atingir os objetivos de austeridade.
[Diz ele:] “Uma coisa é certa - ressalta. É completamente inapropriado congelar somente o gasto social e atar as mãos de todos os próximos governos por outras duas décadas. Se essa emenda for adotada, colocará o Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social.”
O plano de mudar a Constituição para os próximos 20 anos vem de um Governo que chegou ao poder depois de um impeachment e que, portanto, jamais apresentou seu programa a um eleitorado. Isso levanta (...) ainda maiores [preocupações] sobre a proposta de amarrar as mãos de futuros governantes (...).
O Brasil é a maior economia da América Latina e sofre sua mais grave recessão em décadas, com níveis de desemprego que quase dobraram desde o início de 2015.
O Governo alega que um congelamento de gastos estabelecido na Constituição deverá aumentar a confiança de investidores, reduzindo a dívida pública e a taxa de juros, e que isso, consequentemente, ajudará a tirar o País da recessão. [Mas o relator especial alerta que essa] medida (...) terá um impacto severo sobre os mais pobres (...).
[Diz ele mais uma vez:] “(...) é uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão. Vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade (...) extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão [muito baixa] prioridade (...) nos próximos vinte anos.”
[Diz mais ele:] “isso evidentemente viola as obrigações do Brasil de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que o País ratificou em 1992 e que veda a adoção de ‘medidas deliberadamente regressivas’ a não ser que não exista nenhuma outra alternativa e que uma profunda consideração [seja] dada de modo a garantir que as medidas adotadas sejam necessárias e proporcionais”.
[O Sr. Alston] apontou que, [nas] últimas décadas, o Brasil estabeleceu um impressionante sistema de proteção social voltado para [erradicar a] pobreza e o reconhecimento dos direitos [como] educação, saúde, trabalho e segurança social.
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Tivemos uma época em que o desemprego no Brasil, com o Lula, chegou a 5%; hoje, neste Governo já falam que está ultrapassando os 15%.
“Essas políticas - diz ele, referindo-se às políticas importantes adotadas naquele período - contribuíram substancialmente para reduzir os níveis de pobreza e desigualdade no País. Seria um erro histórico atrasar o relógio nesse momento,” disse [ele].
Chegamos a tirar da pobreza mais de 30 milhões de brasileiros.
O Plano Nacional de Educação no Brasil [clama por] um aumento (...) de R$37 bilhões [anualmente] para prover uma educação de qualidade para todos os estudantes, [enquanto] que a PEC reduzirá o gasto planejado em R$47 bilhões nos próximos oito anos. Com mais de 3,8 milhões de crianças fora da escola, o Brasil não pode ignorar o direito deles de ir à escola, nem o direito de todas as crianças a uma educação de qualidade (...).
(...) o debate sobre a PEC 55 foi conduzido apressadamente no Congresso Nacional pelo novo Governo, com a limitada participação dos grupos afetados e sem considerar seu impacto sobre os direitos humanos. Um estudo recente sugere que 43% dos brasileiros não conhecem a emenda e, entre aqueles que conhecem, [quem a conhece é contra ela].
O relator especial, que está em contato com o Governo brasileiro para entender melhor o processo e [a substância] da emenda proposta, ressaltou (...) que “mostrar prudência econômica e fiscal e respeitar as normas internacionais de direitos humanos não são objetivos mutuamente excludentes, já que ambos focam na importância de [desenhar] medidas cuidadosamente (...) [de forma a] evitar ao máximo [o impacto negativo sobre] as pessoas”.
“Efeitos diretamente negativos têm que ser equilibrados com potenciais ganhos a longo prazo, assim como esforços para proteger os mais vulneráveis, [e] os mais pobres, na sociedade” (...).
[Diz mais ele:] “Estudos econômicos internacionais, incluindo pesquisas do Fundo Monetário Internacional, mostram que a consolidação fiscal tipicamente tem efeitos de curto prazo [reduzindo a] renda, aumento do desemprego e da desigualdade de renda. E a longo prazo, não existe evidência empírica que sugira que essas medidas alcançarão os objetivos sugeridos pelo [atual] Governo” (...).
O apelo do [Sr. Alston] às autoridades brasileiras foi endossado também pela relatora especial sobre o direito à educação, Koumbou Boly Barry.
Essa é a carta que eu recebi. Recebia-a na sexta, já li uma parte na tribuna e me comprometi a lê-la hoje na abertura dos trabalhos, que foi escrita no dia 9 de dezembro pelo relator da ONU.
Vamos agora, a partir deste momento, com todos os convidados presentes, montar a nossa Mesa para o debate de hoje.
Primeira Mesa.
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Convidamos Lucimara Cavalcante, Diretora Fundadora da Associação Internacional Maylê Sara Kalí. Está certo? É isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Kalí. Seja bem-vinda.
José Valdir, Coordenador do MST no Estado de Goiás, onde estive visitando. Inclusive numa época em que o mesmo, sem motivo nenhum para nós, ficou preso durante um período. José Valdir Misnerovicz, Coordenador do MST do Estado de Goiás. A pronúncia ficou por minha conta. Depois, na sua fala, você esclarece.
Clementina Bagno, Conselheira Tutelar.
Rogério Giannini, Presidente do Conselho Federal de Psicologia.
Essa é a primeira Mesa. E vou já anunciar que na segunda Mesa teremos: Pedro Wilson Guimarães, Secretário da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Goiânia; Jolúzia Batista, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras; Valter Junior de Melo, cantor; Silvio Albuquerque, Embaixador, Secretário-Adjunto da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Terceira Mesa: Igor Diógenes Bezerra, representante da Casa de Cultura Carlos Marighella; Fábio Félix, Presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente; Porã Potiguara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; Cláudia Macedo, representante do movimento Coturno de Vênus; Ana Bock, especialista em causas da violência.
Muito bem, sejam todos muito bem-vindos.
Pedro Wilson, que me recebeu lá quando eu estive em Goiânia, amigo de longas datas. Fomos Deputados Federais juntos e estamos neste momento, claro, onde deveríamos estar: na trincheira do bem, defendendo os direitos humanos e defendendo a democracia, em todos os embates que o Governo atual tem provocado, como essa PEC nº 55, sobre a qual já li uma carta inclusive de um secretário da ONU, condenando-a, secretário da ONU, de direitos humanos, condenando-a, e essa reforma da Previdência, que não há como a gente...
Só vou falar uma frase: qual o país do mundo em que a aposentadoria, o cidadão, para se aposentar, vai ter que ter entre 65 e 80 anos? Resumindo, quem começar a trabalhar com 16 anos e não ficar um mês sem emprego, contribuindo 49 anos, o que é praticamente impossível, eu vejo por mim mesmo, ele vai se aposentar com 66 anos, não é nem 65, porque com 65 não vai conseguir nunca. Mas quem, por motivos da vida, começar a trabalhar depois dos 30, por motivos outros, só vai se aposentar depois de 80 anos. E eu tenho toda a tabela que já li na tribuna. Então a aposentadoria aqui no Brasil ficou entre 65 no mínimo, podendo chegar a mais de 80 anos para ter direito. Se começou a trabalhar com 31, pode saber que é oitenta e poucos anos para se aposentar. Essa é a realidade.
E ainda aumentam as contribuições de todo mundo, não mexem na sonegação, nada. Porque a grande questão hoje do País é combater a fraude, a sonegação, o desvio. Os auditores fiscais - e depois nós vamos até passar alguma coisa nesse sentido - mostram que daria para arrecadar 250 bi a mais, só combatendo a sonegação, e não dão estrutura para eles fazerem isso.
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Essa reforma da Previdência, no meu entendimento, não passará aqui no Congresso, devido à pressão que a sociedade vai fazer em cima desta Casa.
Quanto à PEC 55, infelizmente, não tenho esperança de que ela não passe no dia 13. Gostaria que ela não passasse. Vamos fazer de tudo! Mas o quadro é terrível em matéria da PEC 55. Ela não se sustenta sem a reforma da Previdência.
Contra a reforma da Previdência, nos moldes em que se encontra, não tenho dúvida de que a população brasileira vai às ruas. Eles terão grandes dificuldades para aprová-la. Acredito até que ela não passe se continuar a mobilização, que percebo crescer a cada dia que passa.
Vamos lá. Primeira Mesa.
Com a palavra de imediato a Diretora Fundadora da Associação Internacional Maylê Sara Kalí, Lucimara Cavalcante.
São dez minutos para cada convidado.
A SRª LUCIMARA CAVALCANTE - Bom dia a todos e a todas. Saúdo todos os defensores de direitos humanos do nosso País e também de todos os países que celebram este dia como uma forma de luta e de resistência.
Sou Lucimara Cavalcante, Diretora Fundadora da Associação Internacional Maylê Sara Kalí, que lida na defesa dos direitos humanos dos povos romani, os assim chamados ciganos, no Brasil.
Inicio aqui a minha fala mostrando a nossa bandeira do povo Romani, que foi criada no ano de 1970, como símbolo de resistência. No dia 8 de abril, Senador, celebramos o Dia Internacional do Povo Romani, em respeito aos nossos ancestrais, que sempre lutaram pelo direito à vida.
Senador, V. Exª deve lembrar-se que, hoje, dia 12 de dezembro de 2016, completam-se exatamente quatro anos, porque, no dia 12 de dezembro de 2012, esta Comissão fez especificamente, em celebração aos direitos humanos internacionais, uma audiência pública específica para o povo romani. Tivemos aqui representantes de todos os governos da área federal, de todos os gestores públicos.
É com muita satisfação que viemos hoje aqui dizer o que caminhou e o que precisa ainda caminhar, em relação a políticas públicas para a população de etnia romani do nosso País. Gostamos muito de manter a história do nosso povo, pela sua memória.
No ano de 2012, trouxemos três grandes defensores dos direitos humanos: Bruno Gonçalves, o mediador da Romed, de Portugal, da etnia Calon, que faz um trabalho excelente de defesa dos direitos humanos na Europa; Ana Dalila Gómes Baos, do processo organizativo da população romani da Colômbia; e Juan de Dios Ramírez Heredia, Presidente da Unión Romaní da Espanha, que estava, em 1970, criando essa bandeira; eurodeputado e grande defensor dos direitos humanos da população romani.
A partir daí, conseguiram sensibilizar o Governo brasileiro, principalmente deixando bem clara a necessidade de que tanto os romanis do Brasil como os da Europa passam pelas mesmas situações: o preconceito, a discriminação e o racismo.
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Eles estiveram aqui no Brasil e puderam conversar com a nossa saudosa Profª Luiza Bairros, como a chamávamos. E a partir dela, toda a pauta de políticas públicas para os povos romanis neste País começou a andar, ao lado da Profª Silvany Euclênio, que até então era a Secretária de Políticas de Comunidades Tradicionais. Esses defensores dos direitos humanos internacionais conseguiram sensibilizar o governo brasileiro de que existia uma população que estava aqui neste País, desde 1549, e que merecia o respeito as suas expressões culturais e ao seu modo de vida.
No ano de 2012, eis aqui a nossa conferência, a Procuradoria Federal dos Direitos Humanos e a 6ª Câmara de Revisão do Ministério Público Federal, juntamente com a ouvidoria Nacional da Seppir e esta Comissão, propiciaram o debate com todos os gestores públicos da área federal. Estiveram aqui, eu lembro muito bem que o senhor disse que estava surpreendido, os gestores públicos da área federal de todos os Ministérios, foi a primeira vez que esta comissão havia dito.
Então, Senador, no ano de 2013, a Seppir coordenou o Brasil Cigano, a 1ª Semana dos Povos Romanis, trazendo aqui em Brasília 350 pessoas entre mulheres, crianças, adultos, jovens, homens para falar das suas necessidades, em que, mais uma vez, a Seppir conseguiu - claro - com que todos os gestores públicos tivessem a sua tenda, na Granja do Torto, para ouvir essa população. E a partir daí a AMSK passa realmente ser, solicitar e demandar, assim como várias outras lideranças deste País da etnia Calon e da etnia Rom.
No ano de 2014 e 2015, o MEC cria o grupo de trabalho Ciganos, em que aí, sim, nós vimos o cumprimento da Convenção nº 69, trazendo cada representante das etnias existentes aqui neste País, seja Rom ou seja Calon. E tivemos discutindo qual seria a implementação da resolução, do Conselho Nacional de Educação, da Câmara Especial Básica de Educação, nº 3, que trata das crianças e adolescentes em situação de itinerância, entenda-se aí a população também cigana. Em situação de itinerância, é aquela criança circense, parquista, ciganos e, principalmente, aquelas que muita gente desconhece que são as crianças e adolescentes que acompanham seus responsáveis num tratamento médico. Esta matrícula tem que ser imediata nas escolas.
E foi criado, como resultado desse grupo de trabalho, que lá estavam representados por esses grupos étnicos, o documento: "Ciganos - Documento Orientador para os Sistemas de Ensino".
E precisamos ainda mais, Senador, Srs. defensores de direitos, fazer com que essa resolução seja de fato atendida nos Municípios, porque quando as crianças, os pais dessas crianças romanis que vivem em situação de itinerância, levam a cópia deste resultado, nós ainda ouvimos alguns gestores públicos dizendo: "Mas o que prevalece é a nossa legislação municipal". Então, a gente sempre se pergunta: de que valem as leis neste País? De que valem os marcos internacionais e os marcos nacionais se, na ponta, a essa população são negados os seus direitos fundamentais.
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No ano de 2016, é lançado, agora recentemente... A Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, do Ministério da Saúde, desde 2013, vem conversando com a população romani para que fizéssemos, então, também, a exemplo do MEC, um guia orientador para os profissionais trabalhadores da saúde. Porque o atendimento em hospitais, o atendimento nas UPAs ainda é muito marcado pelo racismo institucional aos povos romanis, que são mal atendidos em alguns locais. E quando essas populações lutam pelos seus direitos, a primeira coisa que dizem: "Não, o que prevalece aqui é a lei municipal".
Muito se tem feito neste País. E eu quero aqui passar, em suas mãos, a cópia desta cartilha, que agora o grande trabalho é fazer a formação continuada desses trabalhadores de educação.
Educação, educar... Nós precisamos educar os agentes públicos do nosso País, sem essa educação não haverá entendimento de qual é o modo de vida da população de etnia romani. E assim eu diria para todas as pessoas pertencentes a povos e comunidades tradicionais, que hoje são massacrados em nosso País pelos seus direitos. E o trabalho da AMSK Brasil tem sido esse: pautar os gestores públicos com dados e informações da realidade dessa população.
Desafios, como já disse aqui, temos o desafio contra este preconceito, racismo e discriminação. Esse desafio de fazer uma formação permanente dos agentes públicos para que conheçam essa população, o seu modo de vida, para que possamos quebrar esse preconceito que impede que essa população seja atendida, que essa população ingresse numa universidade, ingresse no ensino fundamental, ingresse no ensino médio. Precisamos educar, educação é a pauta que a AMSK tem, de fato, alavancado neste País. Porque somente com a informação é que podemos quebrar esse preconceito.
Desafios também, Senador, e aí já, há quatro anos, havíamos dito aqui, nesta Comissão de Direitos Humanos, que o Programa Nacional de Direitos Humanos, que é o Decreto nº 7.037, não tem sido cumprido neste País. Ele existe no papel, maravilhoso, e muitos gestores públicos estiveram na Comissão de Direitos Humanos da ONU dizendo que PNDH 3 estava perfeitamente sendo cumprido no nosso País. Isso é engano, porque nós temos aqui:
Eixo Orientador III: "Universalizar direitos em um contexto de desigualdades";
Na Diretriz 7: "Garantia dos Direitos Humanos de forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena";
Objetivo estratégico III: "Garantia do acesso à terra e à moradia para a população de baixa renda e grupos sociais vulnerabilizados";
Ação programática na linha K, ouçam bem, há quatro anos eu chamava a atenção desta comissão: "Garantir as condições para a realização de acampamentos ciganos em todo o território nacional, visando a preservação de suas tradições, práticas e patrimônio cultural".
E essa ação programática diz respeito à Secretaria de Direitos Humanos e ao Ministério das Cidades. A AMSK, juntamente com vários líderes ciganos, encaminhou para Secretaria de Direitos Humanos, para o Ministério das Cidades que isso fosse cumprido. Esse é o maior desafio que nós temos. Porque, atualmente, principalmente na região sul da sua região, Senador, essas famílias que vivem em situação de itinerância, que vivem em situação de acampamento...
(Soa a campainha.)
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A SRª LUCIMARA CAVALCANTE - ...são impedidas de acampar, são, de uma forma muito brutal, retiradas do Município.
Então, olha só os dados do IBGE de Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Nós já temos esses dados. Atualmente, na MUNIC2014, são 337 Municípios que declaram ter acampamentos ciganos. E por que eles não têm esse direito de acampar? Os dados oficiais deste Governo brasileiro existem. Então, somos nós, defensores dos direitos humanos, pertencentes à população de povos e comunidades tradicionais, que devemos lutar pelos nossos direitos. As leis, os marcos legais existem.
Desafios, também, de dados oficiais. E, mais uma vez, estamos aqui, Senador, defensores públicos, para pedir, encarecidamente... A nossa população,...
(Soa a campainha.)
A SRª LUCIMARA CAVALCANTE - ...nós não somos quantificados por este Governo brasileiro. O IBGE necessita inserir, no Censo de 2020, a coleta de dados sobre os povos ciganos, para que aí, sim, possamos saber o número, onde eles estão e de que maneira eles vivem.
De que maneira eles vivem, nós já estamos dizendo aqui aos governantes, através dos dados e também os dados do programa Bolsa Família. Nós temos hoje, no Cadastro Único, 4.803 famílias, beneficiárias: 3.592, total de pessoas beneficiárias são: 11.976, e 53% é o público feminino. Então, vejam bem, dados nós temos e até pautados pelo próprio Governo Federal, essa é uma plataforma pública. E aí nós pedimos encarecidamente que essas políticas públicas sejam garantidas, que a nossa Constituição Federal seja cumprida.
Mais uma vez, estamos aqui celebrando o dia internacional dos Direitos Humanos...
(Soa a campainha.)
A SRª LUCIMARA CAVALCANTE - ...solicitando que a nossa Constituição seja cumprida em todos os termos, tendo em vista o desmantelamento que se encontra o nosso País politicamente.
A PEC 55, como o senhor disse aqui bem no início, vai ser votada. Então, como encaminhamento a essa audiência pública, eu peço referendo, porque eu quero votar. Eu enquanto cidadã, assim como muitos cidadãos brasileiros querem votar, porque são 20 anos do futuro das nossas crianças e adolescentes. Eu faço o encaminhamento aqui e peço o apoio de todos que aqui estão, defensores públicos, queremos votar, a população brasileira necessita votar, porque é o futuro na nossa Nação. Peço que retire dessa pauta esses encaminhamentos que estão sendo dados, que se retire a educação, saúde, assistência social desse plano desastroso para o nosso País.
Peço aqui também e agora as Srªs e Srs. Senadores, amanhã os senhores estarão voltando 20 anos, que provavelmente eu não vou estar viva para ver o resultado disso. Que a herança de um povo nunca seja a fome, a miséria, o preconceito, o racismo e a discriminação.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Lucimara Cavalcante, Diretora Fundadora da Associação Internacional Maylê Sara Kalí, que deixou, como sugestão para esta Mesa, nós já assinamos esse documento, junto com outros Senadores, que é o referendum.
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Faremos de tudo para que ele seja aprovado, mas precisamos ter claro que neste Parlamento, infelizmente, não temos mais do que 20% dos votos. Esse é um fato real. Eles têm praticamente 80% dos votos na Câmara e no Senado. Só há uma forma de mudarmos esse quadro: a mobilização popular de fora para dentro da Casa. Aí, sim, podemos mudar o curso da história que eles estão escrevendo, sem a participação da população.
Em abril do ano passado, junto com outros Senadores, já dizíamos que se não houvesse saída, iríamos para as eleições diretas. Vamos deixar o povo escolher, então. É claro que eles não aceitaram. Não quiseram nem discutir. A PEC foi apresentada, das diretas, e também a PEC de uma assembleia revisional exclusiva, onde 124 personalidades, homens e mulheres do Brasil, seriam eleitos para fazer uma reforma política, eleitoral e partidária, porque este Congresso não tem condição nenhuma de fazer uma reforma política, eleitoral e partidária decente. Infelizmente, isso não aconteceu; o referendum, a mesma coisa.
Apresentamos também a emenda - já que eles dizem que não atinge - para tirar a seguridade social e a saúde. Então, tiraria a Previdência, a saúde, a assistência e a educação; a seguridade social já pega a saúde, a assistência e previdência, e também a educação. Eles dizem que não atinge, mas não acataram também. Não teve jeito: rejeitaram por 60 e pouco a 14 essas nossas emendas, mas o embate continua.
Não sou de jogar a toalha antes, mas tudo indica que, amanhã, eles aprovam a PEC 55, mas, repito, com relação à reforma da Previdência, a discussão é outra.
Passaremos um vídeo, aproveitando esse momento, quando for adequado, para a população entender - e já está entendendo - o que é essa reforma da Previdência.
José Valdir Misnerovicz, Coordenador do MST de Goiás, que tive a satisfação de conhecer, mas a tristeza de visitá-lo preso, sem nenhum motivo que o levasse àquela prisão.
Com a palavra.
Felizmente, o senhor está agora em liberdade.
O SR. JOSÉ VALDIR MISNEROVICZ - Quero iniciar cumprimentando todos os militantes e todas as militantes aqui presentes, companheiras e companheiros que militam nas mais diversas organizações deste País, que também estão acompanhando. Quero também agradecer o convite de estar nesta Comissão, especialmente ao Senador Paulo Paim, pela iniciativa desse evento e por tudo o que tem feito nessa luta para garantir os direitos do povo brasileiro.
Quero aqui também agradecer todo o apoio, toda a solidariedade, que tivemos neste período em que ficamos presos por 140 dias, mais quarenta e oito dias evitando a prisão e, depois, ficando no núcleo de custódia e segurança máxima do sistema prisional do Estado de Goiás, no Município de Aparecida de Goiânia, por um período de 140 dias.
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Como já disse o Senador, o crime é lutar por um direito de ver a terra democratizada e o povo produzindo alimento saudável para alimentar a sociedade. Não tem outro crime, a não ser esse.
De qualquer forma, digo que, apesar de em liberdade condicional, o processo está concluso para a sentença do juiz - viu, Senador? -, e provavelmente nos próximos dias saia uma sentença. Estamos bastante preocupados, porque até agora 93% das testemunhas de defesa não foram ouvidas e o juiz decidiu por si mesmo encerrar o caso e sentenciar. Então, um total o cerceamento da defesa está ocorrendo um caso bastante emblemático, e pedimos, inclusive, acho importante que entremos na comissão, e todos os segmentos possam acompanhar esse caso, por conta do que ele significa.
E quero aqui, Senador e demais que estão aqui presentes e que estão nos acompanhando, fazer um pedido muito especial, muito especial mesmo, de que a gente possa fazer um grande esforço esta semana para libertar o companheiro Luiz, que está preso desde o dia 14 de abril, em Rio Verde, e existe um recurso, um habeas corpus que foi impetrado segunda-feira passada no Tribunal de Justiça de Goiás e está lá, aguardando uma decisão. E eu queria fazer um pedido muito especial de que a gente pudesse fazer um esforço grande de devolver o Luiz à sua família para passar o Natal, que ele possa passar o Natal junto da sua família, e o final do ano.
Eu disse hoje aos advogados que o maior presente que nós podemos ter neste ano é poder também conseguir a liberdade dele, e queremos pedir que possa ser feito algum requerimento, algum pedido ao desembargador que está com o caso - nós podemos passar as informações depois e tal - ou talvez até uma visita ao desembargador que vai apreciar esse pedido, que nós possamos ajudar.
Então, eu quero...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu pedi para a Secretaria Geral da Mesa que todas as propostas de encaminhamento eles vão colhendo, preenchendo aí no computador, para, no final, a gente dar o devido encaminhamento.
O SR. JOSÉ VALDIR MISNEROVICZ - Então, fica esse pedido e esse esforço coletivo que possamos fazer, além de acompanharmos o caso agora, que possa acontecer e, enfim, os desdobramentos. Esperamos que possamos todos ser absolvidos e seguir a vida, o que sempre fizemos, que é lutar pela causa, a qual nós defendemos.
Mas eu quero aqui, Senador e demais que acompanham, que estão assistindo, dizer do quanto essa relação entre o tema, discutir direitos humanos e discutir a questão da democratização da terra e da função da terra como uma função social e ambiental. Tem tudo a ver. É impossível nós discutirmos a questão da garantia dos direitos mínimos, dos direitos humanos, como é concebido e definido, conceituado, sem pensarmos na questão da terra como um elemento central para os povos do campo, das águas, das florestas.
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Enfim, a terra é fundamental para que a gente possa de fato ver concretizado aquilo que é fundamental, que é dos nossos direitos.
É impossível a um camponês, aos povos tradicionais, indígenas, toda essa camada da sociedade, de pensar em questão de viver sem a terra. Viver sem a terra é como o peixe fora d'água, é impossível. Então, é fundamental que possamos debater isso nessa perspectiva, e que nós possamos aqui, cada um com as suas demandas, não precisam... Aqui não estou outorgado para representar outras demandas, mas vou me ater mais à questão da luta pela reforma agrária, na qual nós estamos envolvidos, no MST, na Via Campesina, com que nos articulados. Digo o quanto é importante, neste momento, reafirmarmos a necessidade de pensarmos a questão da democratização da terra em nossa sociedade.
Sabemos, historicamente, a terra no Brasil foi sempre sinônimo de disputa, de negação de direitos e de privilégios de poucas pessoas. Sempre foi e continua sendo a terra como uma questão para atender a poucos e para excluir a sua grande maioria. Então, é importante que recoloquemos essa questão como uma questão central da temática da vida das pessoas, e ela é uma questão de interesse do conjunto da sociedade.
Como discutir a garantia de direitos humanos em um País em que, neste momento, são mais de cem mil famílias em acampamentos? Nós temos hoje mais de 100 mil famílias acampadas nas beiras de estrada, em ocupação, a maioria ameaçada de despejo, de violência. Todo dia estamos acompanhando o aumento crescente, ontem, na semana, foram divulgados os dados e um aumento significativo da violência no campo, no Brasil, por conta dessa ausência de um debate, de uma política concreta de democratização da terra.
Infelizmente, o que nós estamos vendo aqui, Senador e demais, nós temos milhares, milhões de brasileiros clamando pela terra e pelas condições para nela trabalhar, para viver, e nós estamos assistindo um debate aqui de interesse, que está na agenda, para a questão da abertura para a aquisição de terra pelos estrangeiros. Olha o contrassenso que nós estamos vivendo: enquanto milhões clamam para ter a terra, nós temos aqui uma iniciativa de abertura da legislação para poder garantir a quem? Aos fundos de investimento, os grandes bilionários, as grandes fortunas poder se apropriar das nossas terras, usurpar da nossa terra, dos bens, do seu conjunto para atender a quê? Ao interesse de ganhar dinheiro, enquanto que, para nós, a terra significa vida, ter um lugar para viver, para poder cuidar dos seus, ter uma comodidade, um espaço. O capital quer e vê a terra como cifra, a possibilidade de acumular as suas fortunas.
Então, é um contrassenso que nós não podemos aceitar. Será que o povo brasileiro, nós vamos assistir a essa situação, enquanto aquilo que deveria ser para todos vai acabar sendo destinado apenas para atender a esses interesses do capital?
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Então, quero aqui dizer que nós estamos muito preocupados com essa movimentação toda, esse conjunto de ações e de medidas que estão sendo tomadas, que vêm a retirar direitos, conquistas geracionais, e elas comprometem conquistas geracionais e comprometem gerações futuras. Então, de fato, é um momento muito delicado a que nós precisamos estar atentos, acompanhar e poder, então, encontrar formas com que possamos avançar naquilo que já foi conquistado, e não retroceder.
De nossa parte aqui, Senador, mais uma vez, apenas agradecer pela oportunidade de estar aqui, agradecer por tudo o que o senhor tem feito nessa nossa caminhada e dizer que nós estamos acompanhando. É verdade que um pouco aflitos, porque não sabemos o que vai acontecer ainda nos próximos dias. Bastante preocupados, mas, de qualquer forma, convictos de que essa causa na qual estamos envolvidos, que é a causa de que todos possam ter um lugar, um espaço. Para quê? Não para enriquecer; para produzir alimento, não só para ele comer, mas para alimentar a todos. E não produzir qualquer alimento, porque todo o debate, junto com a questão da terra, que nós estamos fazendo, é da produção do alimento saudável para alimentar a todos.
Então, nós não podemos aceitar que quem luta por essa causa, que é a causa coletiva, uma causa de interesse do conjunto da sociedade, receba e troca processos, prisões, condenação, ou assassinato, ou morte, como está tendo o caso do aumento do assassinato no campo.
Acho que é o momento de a gente estar bastante atento.
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ VALDIR MISNEROVICZ - E o caminho que nós temos é aquilo que nós aprendemos historicamente a fazer? É nos juntar, é nos unir. Agora é hora de botar aquilo que nós temos de melhor, de energia, de pensamento, de conhecimento, nessa construção de um projeto de interesse de todos. E nós estaremos aí para dar a nossa pequena contribuição nesse processo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, José Valdir Misnerovicz, Coordenador do MST no Estado de Goiás, que fala sobre o momento que nós estamos vivendo.
Todos nós assistimos, esse fim de semana, as últimas denúncias da Odebrecht, que pega todo o núcleo central do Governo, do Presidente aos seus Ministros. Isso, na minha avaliação, não pode ficar só o dito pelo não dito. É grave, é gravíssimo, e, por isso, você tem razão. De todas as nossas preocupações aqui, há quem diga que esse Governo não se sustenta até o Carnaval, porque a situação é, de fato, da maior gravidade.
E o que acontecerá? Teremos eleições indiretas de novo, e quem vai eleger o novo Presidente? Este Congresso. E quando eu olho para aquela Câmara, assusta-me quem é que pode ser eleito Presidente. Mas por isso que a saída seriam as Diretas Já. Eu sou um apaixonado pelas Diretas Já. Não deu, tudo bem, vamos para o voto, como foi dito aqui, deixar a população decidir, inclusive a 55, na questão do referendo, como você lembrou muito bem.
Mas parabéns, José Valdir.
Agora, Clementina Bagno. A Clementina Bagno é conselheira tutelar; consequentemente, trabalha com a nossa adolescência, a nossa molecada, a nossa criançada.
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A SRª CLEMENTINA BAGNO - Bom dia. Cumprimento todos e todas da Mesa, em nome da companheira Lucimara, porque é triste termos de vir até aqui para mostrar que o nosso povo somos pessoas humanas.
Infelizmente, ainda me cabe o papel de trazer o assunto sobre extermínio da juventude negra brasileira. E os dados que vou apresentar aqui são muito alarmantes, e vamos conseguir visualizar, no final, que existe ainda um genocídio contra a população negra do Brasil.
Os dados do Mapa da Violência, pelo Ministério da Saúde, apresentaram a realidade de um país em guerra. Em 2014, foram registrados 23.100 homicídios diários de jovens negros, entre 15 e 29 anos. São 63 por dia e um a cada 23 minutos.
A Unesco também afirmou que, em 2014, há uma queda de 32,3% de número de homicídios de jovens brancos, enquanto o percentual de homicídios de jovens negros cresceu na mesma proporção, com o aumento de 32,4%.
Em 2012, por exemplo, foram contabilizados 56 mil assassinatos no Brasil, sendo 30 mil jovens, entre eles 77% negros.
São dados da Anistia Internacional no Brasil, alertando que no nosso País se mata mais do que em doze das maiores zonas de guerra no mundo. As estatísticas apresentadas apontam que, no Brasil, um perfil de pessoa é matável: o jovem negro.
Desde 1981, existem dados sobre genocídio da população negra, especialmente no alto índice da juventude. A sociedade sabe que o nosso povo está morrendo e permanece no silêncio genocida, no fingimento de uma democracia racial. É necessário parar de relativizar os assassinatos contra a juventude negra, pois a bala contra o nosso povo nunca foi perdida. Ela tem direção, e é o povo negro que ela mata.
Yuri, 19 anos, morto na madrugada de domingo na Cidade de Deus, filho da artista Tati Quebra Barraco, foi atingido por um tiro no rosto, pela UPP. Os racismos expostos nas redes sociais atacaram a Pati, culpabilizando-a por provavelmente não ter sido uma boa mãe e justificando o homicídio, já que o Yuri tinha passagem pela polícia. Afinal, bandido bom é bandido morto, mas os pretos mortos fazem bem à sociedade racista.
A Polícia Militar é a que mais mata a juventude negra periférica. É a representação da mãe estatal. É quem puxa o gatilho. Porém, a ausência e a ineficácia de políticas públicas também matam.
O sucateamento da escola pública, a não implementação e execução de políticas de cultura e lazer, a falta de política e de profissionalização delimitam o caminho de segregação socioespacial para a juventude negra.
Com a PEC 55, a reforma do ensino médio e da Previdência, a juventude negra, que está na periferia, será a maior atingida. Precisamos urgentemente barrar esses retrocessos. Há um descompasso quando dizemos que, com a reforma da Previdência, todas trabalharemos até morrer com 75 anos, já que a juventude negra morre aos 29, não tendo acesso ao mercado de trabalho formal. Para os que passam dos 29 anos, essa argumentação já é válida há 516 anos, pois a pele negra sempre trabalhou até a sua morte nos empregos subalternos.
Nesse cenário, as jovens negras são as mais afetadas pelos trabalhos precarizados, pela ineficácia da política de saúde, pelas políticas ineficazes relacionadas ao combate de violências contra a mulher.
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Se o feminicídio das negras aumentou 11%, e 70% das violências sexuais são contra crianças e adolescentes, podemos inferir a correlação de gênero, raça e classe associadas para a não qualidade, dignidade e garantia do direito à vida.
Para além da violência sexual e física que causa a nossa morte, há uma mortalidade materna advinda, muitas vezes, de violências sexuais, principalmente entre meninas de 10 e 16 anos, e dos abortos clandestinos entre as negras.
Segundo o Relatório Socioeconômico da Mulher, 62% das mortes entre mulheres grávidas eram de negras, enquanto 31% eram de brancas.
Precisamos pautar o direito ao aborto seguro e legal e não retroceder nos casos já aprovados legalmente e também combater a violência institucional nos hospitais, que são recorrentes, contra adolescentes e jovens negros vítimas da violência obstétrica.
Infelizmente, esse cenário de práticas desumanizadas, do racismo de cada dia e do genocídio contra a juventude negra não nos remete a qualquer celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos. Somente nos cabe denunciar o descumprimento com os pactos internacionais assinados pelo Brasil e que providências devem ser tomadas.
A juventude negra quer viver. O preto vive. E é pelo bem viver. Assim, eu finalizo convocando a todos para que, amanhã, nós possamos, novamente, estar nas ruas do Distrito Federal, resistindo, com certeza, a mais um massacre como o do dia 29, que foi realizado pela Polícia Militar do Distrito Federal e pelo Depol desta Casa, e com o aval da Segurança Pública do Distrito Federal, a mando do Rodrigo Rollemberg, porque talvez não tenhamos dimensão do que a PEC 55 vai causar às nossas vidas. E o silêncio da classe média não pode ser o silêncio de nós pretos da periferia.
Então, para finalizar, não à PEC 55!; fora, Temer!; fora, Maia!; e fora, Calheiros! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa fala foi da Clementina Bagno, conselheira tutelar, que lembrou o que aconteceu aqui no dia 29, o espancamento da juventude aqui em frente ao Congresso. Nós fizemos diversas falas nesse sentido, condenando, naturalmente, e a extrema direita só dizia que eram bagunceiros. Era só o que ela sabia dizer. Quando nós falávamos do princípio da liberdade e da mobilização legítima em um sistema democrático, eles só chamavam de bagunceiros. Era tudo bagunceiro. Ficou dito pelo não dito. Por isso, você faz bem ao denunciar. E já estamos alertando a Casa para que isso não aconteça no dia de amanhã. Nós temos que nos preparar para grandes embates. V. Exª está com toda razão.
Aqui no Congresso, nós tivemos a CPI do Assassinato de Jovens Brancos e Negros, e os dados são esses que você colocou com muita precisão. Parabéns! Mas, infelizmente, ainda é assim. Somos um país, sem sombra de dúvidas, onde a pobreza e a violência, como você falou, têm mira: o povo negro, principalmente - principalmente. Não é que a gente não tenha que admitir que pessoas brancas e índios também são atingidos por essa violência enorme, mas, principalmente, índios e negros.
Eu passo a palavra, neste momento, a Rogério Giannini, Presidente do Conselho Federal de Psicologia.
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O SR. ROGÉRIO GIANNINI - Primeiramente, cumprimentar a Mesa, Senador, e todos e todas presentes em uma data tão importante, dizendo que eu sou o Presidente eleito, tomando posse esta semana, do conselho. Fica registrada nos Anais a precisão da informação para depois a gente não ter problemas. E também esclarecendo que nós da Psicologia também estamos, neste ato, homenageando o nosso Marcus Vinícius Matraga. Depois, a Ana Bock também comporá a Mesa e tratará com mais profundidade, mas é impossível, na minha fala, não citá-lo. E aí já justifico na minha fala a citação da presença do Marcus aqui também.
Eu escrevi aqui um texto para tentar ficar nos dez minutos - talvez até um pouquinho antes.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fique tranquilo, porque a Mesa saberá ser tolerante.
O SR. ROGÉRIO GIANNINI - Eu tenho uns descontinhos.
No dia 10 de dezembro, nós comemoramos o 68º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. E, para falar dessa data, inicio com a seguinte frase: "Direitos humanos não se conquistam todos de uma vez e nem de uma vez por todas." É uma frase do Norberto Bobbio. Essa frase, que inicia a minha fala, pode ter duas chaves subjetivas: a da esperança e a do pessimismo. A da esperança, porque nos remete à processualidade, à dinâmica dos movimentos, tensões e contradições da vida social. Nesse sentido, nos liberta do maniqueísmo do tudo ou nada e nos impulsiona para a luta. Não se conquistam todos de uma vez.
A segunda parte da frase é um alerta, pois, se é verdade que a vida social vigente comporta disputas de interesses de classe e de como esses interesses se expressam na história, nada está, indefinitivamente, assegurado. Nós, nosso País, somos a prova viva disso. E diria que, nestes tempos sombrios que estamos vivendo, não é difícil nem incompreensível que nos abatamos pelo pessimismo.
Se analisarmos a nossa história recente, constataremos que pudemos produzir avanços importantes nos direitos sociais e nos direitos humanos. Falo da Constituição de 1988; falo do SUS; falo das políticas públicas estruturantes da vida social digna, como o Suas (Sistema Único de Assistência Social), por exemplo, ou como a recuperação do poder de compra do salário mínimo - esses são bons exemplos -, mas falo também dos últimos anos, em que se observou o desenvolvimento de políticas públicas de direitos humanos, que, inclusive, obtiveram reconhecimento internacional, como as políticas de combate à tortura, organizada no terceiro PNHD; a Lei Brasileira de Inclusão; a aprovação, depois de mais de 20 anos de tramitação, da lei que cria a Comissão Nacional de Direitos Humanos, cujo segundo plenário tomou posse na última sexta-feira, que tem o Paulo Maldos, aqui presente, como representante da sociedade civil, eleito pelo Conselho Federal de Psicologia; e, por fim, a Comissão da Verdade, que se instalou e inspirou diversas comissões estaduais, municipais e comissões específicas, como o projeto "Testemunhos e Memórias de Psicólogos e Psicólogas sobre a ditadura civil-militar de 1964", realizado pelo Conselho Federal de Psicologia, com coleta de testemunhos de 15 Estados do País.
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Do mesmo modo, analisando nossa história recente, desafortunadamente, constataremos que os direitos humanos, que o Estado democrático de direito não marcou a vida dos pobres, de modo geral, e, se precisarmos a análise, passou longe da vida dos homens e mulheres negros e negras, como bem atestou a fala da companheira que me antecedeu.
Falam sobre isso, eloquentemente, os dados. Vamos a alguns deles: mais de 3 mil mortos por ano pelas PMs - dados apontados como subnotificados. Na sua maioria, de jovens negros e periféricos. Metade desses mortos somente no Estado de São Paulo e no Estado do Rio de Janeiro. A tortura, antes método da ditadura civil e militar, agora é cotidiana nas delegacias e prisões. O encarceramento banalizado já atinge perto de 650 mil pessoas. Aqui, por incrível que pareça, também se suspeita de subnotificação. Agravando esse encarceramento, temos o fato de que 40% dessa população estão presos em caráter provisório, ou seja, sem julgamento. Acho que essa é uma dimensão fundamental para a gente pensar o problema do encarceramento. Curiosamente, desses presos provisórios, cerca de 40% depois de julgados não recebem pena de prisão, o que atesta, comprova, demonstra o arbítrio e o exagero do aprisionamento.
Pois bem. Fica a pergunta: Estado de direito?
Marcus Vinícius, o nosso Matraga, foi entre nós um percursor e trouxe para a autarquia, que agora vou presidir, a preocupação com os direitos humanos e com as desigualdades sociais. O chamado compromisso social da Psicologia, que Matraga ajudou a plasmar e se pôs ferrenhamente a construir, é sem dúvida um legado indelével que, inspirados na sua biografia e amparados pelo seu pensamento fervilhante, temos a pretensão de seguir em frente em novos desafios, em novas traduções. Ao apresentar os direitos humanos de forma não apologética, mas tocando na ferida das contradições em que esses direitos são afirmados e, muitas vezes, negados na sociedade brasileira, quis também homenagear o Marcus Vinícius.
Penso que a negação histórica de direitos à maioria da população brasileira incide na atual conjuntura, em que percebemos a apatia das classes populares frente ao golpe institucional em curso e à monumental perda de direitos sociais ensejados. O Marcus, que sempre trouxe nas suas profundas reflexões, a análise sobre as desigualdades e as subjetividades que delas emergem, está fazendo muita falta para a compreensão e para a transformação desse fenômeno.
Por fim, digo que Marcus, certamente, recebeu a visita do anjo torto, aquele de Carlos Drummond de Andrade. E o anjo também lhe disse: "Vai, Marcus, ser gauche na vida!" E Marcus foi ser gauche, esquerda, e ele mesmo ser também torto, e ele mesmo também ser anjo e para muitos dizer: "Vão, vão ser gauche, esquerda, e saiam dos seus lugares cômodos e de suas certezas preguiçosas."
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Que a sua voz retumbante, agora imortal, porque pertence à história, siga nos despertando e nos pondo em prontidão para construir um mundo novo.
Marcus Matraga vive! Marcus Matraga, presente!
Muito obrigado. E encerro com "Diretas Já!" (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito bem, Rogério Gianini.
Permita-me que diga somente: toda palestra brilhante, como a do senhor, como de toda a Mesa, deixa muito claro que, às vezes, eu mesmo fico cuidando-me, porque dizemos sempre que o massacre maior é sobre negros e índios, mas podem ter clareza de que temos o mesmo compromisso que há um massacre, uma violência, contra os ciganos, assim como contra os sem-teto e os sem-terra.
Temos essa clareza. E esta nossa audiência pública vem nesse sentido, porque, às vezes, digo, por força do hábito, acompanhamos muito a questão dos povos indígenas e o massacre do povo negro. Lembro-me de que, numa sessão que tive aqui no plenário, uma senhora cigana se levantou e disse: "Senador Paim, nunca se esqueça da invisibilidade do povo cigano, que sofre a mesma violência que os outros povos estão sofrendo."
Nunca me esqueci disso. Por isso, sei que não é consenso. Tomei a liberdade de apresentar, depois que me apresentaram, o Estatuto do Povo Cigano.
Esse é um tema que se vai discutir, e vocês é que darão o toque e o momento que deve ser aprovado. Podem ter certeza: apresentei, mas não deixarei votar enquanto o povo cigano não disser se é isso que eles querem ou não. Podem ter certeza disso.
Então, uma salva de palmas para o povo cigano. (Palmas.)
Fica aqui o meu esclarecimento.
E vocês sabem também do compromisso que tenho com os sem-teto e com os sem-terra, tanto é assim que encaminharemos o documento de que você já falou. Gostei muito de tudo e do encerramento: "diretas já!"
Estou convencido de que, para que este País não fique sofrendo até 2018, se conseguíssemos antecipar... Cada um que apresente o seu candidato e deixe o povo votar! Seja quem for! Não estamos policiando, nem fiscalizando quem deva ou não ser candidato. Apresentem-se! E deixem o povo escolher quem ele quer na Presidência da República. Particularmente, tenho o meu, mas não vou falar aqui, porque não é o momento.
Libera-se esta Mesa, e já vamos convidar a 2ª Mesa. (Palmas.)
Parabéns a todos aí.
Segunda Mesa: Pedro Wilson Guimarães, Secretário da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Goiânia, que já foi, inclusive, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, um militante histórico dessa causa, que pude acompanhar; Jolúzia Batista, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras, que conhecemos também pela sua militância; Valter Junior de Melo, cantor, militante também dessas causas, e por isso está conosco; Porã Potiguara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Sejam bem-vindos. (Palmas.)
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Eu vou pedir... A cada intervalo entre uma Mesa e outra, são três Mesas, a gente passa um pequeno vídeo. Esse primeiro vai ser sobre... Não são cinco minutos. Esse vídeo, pessoal - segura um pouquinho aí -, já passou de um milhão e meio de pessoas que o acessaram. Ele foi construído pelo Movimento Social; construído, pago, patrocinado, tudo de baixo para cima, e desmascara o que a gente chama de a farsa do déficit da Previdência.
Pode tocar.
(Procede-se à execução de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k., pessoal.
Mais de um milhão de pessoas já participaram, viram esse vídeo - o acesso já está em um milhão e quatrocentos e poucos -, que foi construído pela Frente Parlamentar em defesa da Previdência pública, que está sob a nossa coordenação, mas têm outros vídeos também da mesma qualidade, que estão circulando pelo Brasil.
Depois, no intervalo da outra Mesa, vamos passar um sobre a PEC 241, que é a PEC 55.
Mas, de imediato, vamos a esta Mesa.
Pedro Wilson Guimarães, Secretário da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Goiânia, militante histórico desta causa.
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Bom dia a todos e a todas. Como se diz, a língua portuguesa é machista, não é? As mulheres foram à luta e não aceitaram quando o singular do feminino com o singular do masculino passava para o plural do masculino.
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Então, é todos e todas. Tem gente que acha ruim, porque esse todos contempla todos, mas nem todos os homens, nem todas as mulheres, pode-se dizer, são todos na luta. Eu gostaria de saudar aqui, das mulheres, dos índios, que é maioria no Brasil tratada como minoria.
São três maiorias no Brasil: mulheres são maioria tratada como minoria, negros são maioria tratados como minoria, e a história, se tivéssemos deixado as populações indígenas crescerem às taxas que tivemos no Brasil, hoje eles seriam maioria no Brasil, mas são tratados como povo invisível.
Então, eu quero saudar aqui também o Senador Paulo Paim, com quem tive a honra de trabalhar na Câmara, militante sindicalista da CUT, dos Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, que beneficiou o Brasil.
Na sua luta autêntica, até no nosso governo, ele foi força de criticar, como está criticando. Ele tem toda autoridade moral hoje quando vêm essas reformas, porque ele queria alargar cada vez mais os direitos.
O Brasil comemora aí, então, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, porque nós estamos com uma delegação de Goiânia na área jurídica, na área do Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno, que foi constituído para a luta contra a criminalização dos movimentos sociais e o José Valdir está aqui, é uma figura que representa, não tendo nada, foi preso e corre o risco de amanhã ter uma sentença sem terem ouvido inclusive as testemunhas de defesa.
E lá estão o Luiz, o Lázaro e outros que têm que fugir de casa para não serem presos, Senador Paulo Paim.
Por isso, essa audiência, nesse final de ano de 2016, porque vai ficando aquela figura histórica, que a gente fala, o ano que não termina, nem vai terminar, a não ser que haja justiça, democracia, liberdade, Diretas Já ou um governo que possa representar o povo brasileiro numa eleição legítima e direta.
Então, a luta dos direitos humanos, Senador, e eu trago aqui o protesto, a maioria dos Conselhos, a começar do Nacional, dos Estaduais, Conselhos de Direitos Humanos, e outros que participam conosco dessa luta. Não têm o nome de Direitos Humanos, mas tem o Conselho da Mulher, da Cidade, da Saúde, da Psicologia, da Economia.
Quer dizer, a maior parte desses Conselhos, principalmente em níveis Estaduais e Municipais, praticamente não se reúnem. Ou seja, esses Conselhos todos e, depois, a pressão que se está tendo sobre o movimento sindical, a luta da história do Brasil, do Brasil recente.
Então, nessa manhã, nesse mês de dezembro, que na Revolução Francesa se transformou metade de novembro com metade de dezembro no mês brumário, mês das brumas, e eu lembro do grande livro de Karl Marx, O 18 de brumário de Luís Bonaparte , uma das melhores análises de conjuntura de golpe de Estado, Napoleão III, e ele escreve dizendo o espectro neoconservador que rege hoje o mundo moderno e que regia também, àquela época, a velha França.
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Então, o espectro ronda todos nós da retirada de direitos de maneira desavergonhada.
Quer dizer, quem imaginava, Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, senhores representantes aqui de diferentes órgãos, que se apresentasse um projeto desse em três, quatro, cinco anos atrás? Mas hoje há o interesse, a força que se faz, no sentido de retirar os direitos que estão escritos, que nem sempre são complementados em políticas públicas afirmativas.
Então, nós estamos vivendo uma página do Brasil em que um Ministro da Saúde diz que as mulheres não vivem mais, porque não trabalham. E fala isso e não acontece nada. Senador da República...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E um outro Deputado chama os aposentados de vagabundo, e é isso mesmo. E é Relator ainda da reforma da Previdência.
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Então, a gente está vivendo o mundo do domínio da mídia. Poderíamos ter até um projeto dizendo: todo noticiário tem que ter uma bancada que fala de um jeito e outra bancada que fala de outro, para a gente tirar... Muitas vezes a gente vai descobrir a verdade daqui a quantos anos?
Hoje eu ouvi, de manhã, alguém dizendo assim, a trupe aí de coxinhas e trouxinhas, que talvez não vá ter julgamento nenhum. Agora, tem gente a quem interessa acabar logo com essas operações. Outros, querem que elas prossigam, daqui a cinco, dez anos, quando for julgada, não tem mais ninguém para falar.
Então, a questão dos direitos humanos, e eu quero lembrar aqui de uma figura emblemática da luta dos direitos humanos, rememorando os tempos da Segunda Guerra Mundial. E aqui, Senador Paulo Paim, eu tenho acompanhado e, quando Presidente da Comissão de Direitos Humanos, nós fizemos uma audiência, certamente, não sei a quantidade, mas o povo mais massacrado pelo nazifascismo foi o povo cigano, mas ele não tem grandes jornais.
Nós tivemos um grande massacre de judeus. Nós tivemos um massacre de 22 milhões de russos. Nós tivemos massacre de homossexuais, mas a questão do povo cigano é que ele tem uma cultura milenar. E mais ainda, proporcionalmente, se fala numa estatística, e eu falava com a colega ali, de um milhão e meio, que representa, talvez, na proporção, o número maior de pessoas em relação a sua existência, e não acontece nada. Quando a gente fala de holocausto, temos que falar da morte dos judeus, terrível para nós aquilo.
Então, a Hannah Arendt, uma lutadora dos direitos humanos, disse assim: "Olha, a luta dos direitos humanos - e como também aqui o companheiro, Presidente do Conselho Federal de Psicologia -, a luta dos direitos humanos é a luta para aquelas pessoas que não têm e nem sabem dos seus direitos".
Quantas pessoas talvez estejam aplaudindo aí a PEC 55... Tem uma grande propaganda na televisão: "Nós queremos tirar isso tudo de vocês para que vocês tenham um amanhã".
Isso me lembrou, permita aí, acho que eu sou mais velho aqui, o Brasil tinha uma cartilha para se aprender a ler e escrever, o Brasil do amanhã. Era sempre assim, o Brasil amanhã. Não, nós queremos o Brasil hoje.
Então, essa é a questão dos Direitos Humanos, as leis, os instrumentos de luta a favor.
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Aqui, eu quero repetir uma denúncia que já fiz aqui do assédio sexual a meninas e meninos, principalmente meninas, do quilombo Kalunga. A denúncia era de 400, passou para 200 e hoje está em 20 no inquérito policial. Será que todo mundo mentiu ao levantar isso? Todo mundo sabe da cultura brasileira, especialmente aqui no Centro-Oeste, especialmente em Goiás, daquela cultura de que, quando a mulher ou o fazendeiro vem para a cidade para colocar os filhos na escola, eles trazem uma babá, normalmente uma menina pobre lá da fazenda, agregada, serviçal lá, não é? E no que se transformam essas meninas? Elas estudam? Quais os estudos que existem na pesquisa aí de que essas meninas que saem da sua casa e vão para a capital depois elas se transformam em trabalhadores de menoridade e de maioridade? Vejam bem, esta Câmara e este Senado, foram daqui de Brasília até lá - a Deputada Erika Kokay e outros. Mas o processo já tem quase dois anos, e o número vai diminuindo.
Agora mesmo, Goiás e o Governo Federal estão discutindo a questão da Chapada dos Veadeiros, do Cerrado. Porque, hoje - como o Papa Francisco fala para nós -, não existe solução se nós não estivermos ligados à questão da ecologia social, do meio ambiente. Como é grata a questão básica de se defender que o meio ambiente hoje é um dos pontos dessa plataforma, ao lado dos direitos humanos, políticos e econômicos. A gente é a favor tanto do direito econômico para todo mundo quanto a gente é a favor da luta da reforma agrária, da luta do teto, da luta de se possuir carro, da luta de se possuir propriedade. Se a propriedade é boa, por que não?
Nessa lei da previdência, eles poderiam colocar três itens - permita-me até uma sugestão, mas eu sei que não passa -, Senador Paim: 30% para financiar a próxima previdência sairão das grandes fortunas; combate à fraude... Num debate em São Paulo, eu falava para o pessoal: "Olha, eu só aceito falar de impostômetro se nós também falarmos de sonegômetro. Vamos fazer chegar os dois juntos e ver quem mais está devendo ao povo brasileiro." (Palmas.)
Então, se nós tivéssemos uma política ...
A questão da priorização dos rentistas: o que a nossa República faz hoje? Doar dinheiro para banqueiro brasileiro e internacional. E nós temos hoje...
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Na questão da educação, Senador Paim, o senhor que lutou - nós todos - para o primeiro e o segundo Plano Nacional de Educação, veja bem: está se fazendo uma reforma do ensino no Brasil sem olhar que está em vigor um plano nacional, o segundo Plano Nacional de Educação!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E por medida provisória, não é? Eles estão fazendo uma reforma por medida provisória.
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Por medida provisória: o nome já diz tudo!
O que eu lamento é que, muitas vezes, as coisas vão acontecendo e a gente vai aceitando o que eles dizem: "Ah, não! Nós temos que priorizar o ensino médio: jovem não pode fazer três anos para prestar vestibular!" Concordo com essa crítica até porque, muitas vezes, os nossos filhos, os nossos sobrinhos, os nossos netos.... O ensino de segundo grau caiu na mão de escolas que preparavam. O Enem veio e deu uma grande democratizada. Tanto é que muitos colégios pagam, e eles ficaram com raiva porque generalizou.
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E, mais ainda, no sentido das cotas, porque, daqui a pouco... Eles estão colocando, inclusive, um jovem negro fazendo uma propaganda para acabar com as cotas.
Então, a luta dos direitos humanos não é a luta para o bandido, é para todo mundo. Uma das maiores conquistas da humanidade aconteceu lá pelo ano de 1200, a Lei de Habeas Corpus, na Inglaterra. Não quer dizer que o cara não pode: ele pode ser preso, mas ele tem que ter o corpo livre. Preso ou livre, ele tem que ter o corpo livre. Livre da depressão, livre da tortura, que é ainda um dos males que mais se propaga no Brasil. Tanto é que existe gente aí, operadores do Direito - não são todos, mas muita gente no Judiciário e no Ministério Público -, defendendo o direito de buscar a verdade a qualquer forma; de interpretar a lei segundo a sua imaginação. E, mais, a mídia vai repetindo e, então, daqui a pouco, fica como a propaganda da Previdência, não é? Por que não põe lá um aposentado para falar? O Ministro da Saúde até falou aquela barbaridade. Então, a mulher vai aposentar com 65 anos. Outros já estão falando que isso é para alguém colocar uma emenda: "Não, para a mulher, vamos colocar 60 anos." Fizeram uma pesquisa recente no Nordeste sobre a vida média da mulher nordestina. Qual a vida média? É de 65 anos. Ou seja, ela vai fazer 65 anos e morrer. No meu tempo de jovem, quando se falava de aposentado, a gente pensava que o cara já estava morrendo. Hoje, eu, como avô - eu tenho uma nova profissão de avô -, quero viver mais 10, 20, 30 anos para brincar com os meus netos. Agora, por que eu tenho que morrer logo depois?
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Existe esse desafio.
E eu quero aqui homenagear, neste dia 10, o Senador Paulo Paim e todos aqueles nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, no Senado e na Câmara federais, aqueles que perseguem o objetivo. Direitos humanos é o direito de ter vida, e vida digna; é o direito de pobre viajar de avião, de ir para a rodoviária, de ir para o aeroporto, de ir para o supermercado.
E há um desafio no Brasil, também: a democratização da mídia. Nós temos hoje a verdade única, pronta! Por isso é que eu falo assim: "Vai haver noticiário?"
Eu posso dizer isso porque eu sou católico apostólico romano, mas existe hora em que a gente não tem nada de programa na televisão a não ser milhares e milhares de programas falando em Jesus. As religiões sequestraram Jesus para elas. A grande mensagem de Jesus está aí presente, mas se ninguém acredita em Deus ou não... A grande mensagem Dele, que é universal, é o exemplo Dele. Mas o que estão fazendo hoje? As igrejas fazem mais propagandas dos padres e dos pastores do que do povo pobre, inclusive, que alimenta esses aí com o seus dízimos. Nós temos hoje fortunas na mão de pessoas que têm propriedade privada de igreja. Por isso é que Jesus foi sequestrado. Eu tenho até uma amiga que vai fundar uma religião: Jesus sequestrado, e quem quiser conversar com ele tem que passar por ela.
E nós estamos também sequestrando os direitos humanos. Será que aquele pessoal que fez a luta contra a Dilma - nós todos tivemos erros e acertos -, será que eles sabem o que vai acontecer ou sabem quando eles vão se aposentar? Ou aqueles que já se aposentaram: o Fernando Henrique Cardoso aposentou-se com 57 anos; Michel Temer com 66 anos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foi aos 55 anos.
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O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Sim, 55 anos. E olhem lá se o salário dele foi reduzido, se se contou o tempo, ou se se buscou... Como é que brasileiro vai achar documento, Senador Paim? Por exemplo, é uma dificuldade quando, ao se mudar de um Estado para outro, você perde a carteira, perde isso ou aquilo outro. Você leva, às vezes, dois, três anos para juntar documento e chegar lá para aposentar, não é?
Então, o desafio para nós, agora, - alguém falou aqui, eu queria dizer e repetir - é nós nos mobilizarmos, sairmos do nosso conforto, irmos à luta e enfrentarmos uma eleição geral. Acho que os partidos políticos, todos, se querem o bem do Brasil, se querem o bem da nossa população de hoje e de amanhã, devem lutar pelos direitos humanos, em concreto: direitos sociais; direitos políticos; direito de eleger e ser eleito. Mas direito também do recall: direito de derrubar as pessoas ou de fazer novas eleições. Pode estar vindo aí um sistema, que é chamado de distrital, que pode mascarar muito a eleição. Mas nada melhor do que uma eleição. Também o direito econômico, a luta da terra, a defesa do meio ambiente, a defesa da vida na cidade e no campo. E direito ambiental: estão destruindo o Cerrado, a Caatinga, os Pampas, estão destruindo a Mata Atlântica, o Pantanal e a Amazônia - vocês viram aí na televisão.
Então, eu quero saudar este encontro aqui em Brasília e dizer, Senador, que nós precisamos muito desta Comissão no ano que vem e em outros anos. Muita gente diz que a Comissão de Direitos Humanos não dá voto, mas ela dá a resposta para todos nós dos compromissos históricos de militantes de igrejas, de sindicatos, de centrais, de movimentos de mulheres, de movimentos de meninos e meninas de rua, dos conselhos tutelares, que, em sua maioria, no Brasil, estão sem condições de fiscalizar realmente a vida das crianças na cidade, pois em muitos Municípios eles não existem.
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Estão acabando com os conselhos de assistência social. Nós precisamos desses conselhos como instrumentos de participação nas políticas públicas.
O Orçamento vai ser aprovado agora, nos Municípios, nos Estados e na União, e o que nós sabemos desses Municípios? E ainda existe o PPA. Concluindo, se estão fazendo um projeto, Senador Paim, para 10, 20 anos e que depois poderá ser revisto, até lá muito de nós aqui, com todo o respeito, como dizem os advogados... E posso falar que sou advogado sociólogo, pois acabaram com a minha disciplina porque o pessoal quer a escola sem cabeça. Eu tenho a honra de dizer, em público, aqui, que fui professor durante 39 anos na PUC de São Paulo, na PUC de Goiás e na Universidade Federal tendo até cargo, e eu nunca convidei um aluno para entrar na minha religião ou no meu partido. Nunca! No entanto, discutia com ele toda verdade, dava livro sobre os dois lados. E falava para ele: "Você quer escrever um pensamento contra o que eu estou falando? Fundamente, pois." Então, é isto o que nós queremos: escolas com capacidade de formar gente para pensar o Brasil hoje e amanhã.
A luta dos direitos humanos é uma das lutas mais... E nós temos que pegar casos concretos: a luta da reforma agrária, a luta dos sem tetos, a luta das crianças e dos adolescentes. Nós vimos aí que é uma luta invisível, pois os conselhos são eleitos e, mais ainda - permita-me dizer à nossa amiga que esteve aqui -, eu não sei nos outros Estados, mas lá em Goiás os conselhos tutelares estão sendo utilizados como corrente para alguém ser candidato a vereador. O sujeito entra no conselho e faz chapa de igreja "A", igreja "B", igreja "C".
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Agora que o Ministério Público está dizendo que não vai mais aceitar chapa e tem que se votar só num candidato. Quer dizer, ele está dormindo no ponto, pois há dez, quinze anos está acontecendo esse jogo de pessoas comprometidas e formadas, que não entram na chapa, que têm lá os votos, e que não ganham porque já existe um processo.
Então, em nome da Secretaria Municipal de Direitos Humanos... Tive a honra de participar da sua fundação lá em Goiânia, oxalá ela continue! Eu termino o mandato agora, mas não termino o mandato de crer que os direitos humanos são instrumentos poderosos.
Alguém falou aqui do Noberto Bobbio e eu vou falar dele também. O último texto dele foi de que o século XXI seria o século do amor e dos direitos humanos, mas a gente vendo aquela realidade dos imigrantes na Europa.... No ano passado eu estive na Europa e se via aquelas cercas de arame farpado - não precisa, não: existem milhares de fotografias delas aí - para impedir as pessoas. Isso lá na Hungria. Então se ficava vendo aquele monte de gente de lá e outro monte de cá - na Hungria, inclusive, que é um grande centro de povo cigano, não é?
Então, vamos dar visibilidade ao povo indígena, aos quilombolas, ao povo cigano, à população LGBT, aos homens e às mulheres, a todos aqueles que querem um Brasil para o povo brasileiro. Viva o Dia dos Direitos Humanos, que é todo dia! Como disse Hannah Arendt, todo dia é dia de lutar pelos direitos humanos nas nossas profissões de advogado, de professor, de psicólogo, de operário, de servidor público.
Muito obrigado. E que nós possamos repetir essas audiências com o Senador Paim e com outros Senadores e Deputados e com gente da comunidade que tem a coragem de nos chamar. Existe gente que não faz a audiência porque pode ser como aquela do Presidente da Assembleia Legislativa do Paraná que fez uma audiência sobre o principal movimento hoje do Brasil, que é o movimento da juventude ocupando as escolas, ocupando as universidades e dizendo que quer participar da discussão da reforma educacional. Mas não é só isso: a Ana Júlia deu uma lição lá para o Presidente, que ameaçou mandar ela embora, e ela falou assim: "Então eu vou retificar." E, na retificação, a burrice dele lá, como dizia Gregório de Matos, grande poeta baiano, foi tão grande que ele não entendeu que, na resposta dela, ela confirmou que ela tinha dito que aqueles Deputados não sabiam o que estavam acontecendo nas escolas do Paraná - e para muitos deles - nem do Brasil. Então, uma salva de palmas aos jovens que, de maneira anônima, sem muita liderança explícita, promovem hoje no Brasil um confronto com essa realidade que nós queremos mudar!
Obrigado, e que Deus nos ajude! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pedro Wilson Guimarães, Secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de Goiânia.
Somente uma frase, permita-me que eu diga: eles plantaram essa ideia de que quem trabalha com direitos humanos não tem voto. Não é bem assim: as grandes causas nos dão votos, a nossa história mostra isso. E as grandes causas são vinculadas aos direitos humanos. Barack Obama começou a sua luta como militante de direitos humanos; podemos ter as nossas divergências, mas eu confesso, se eu estivesse lá, teria votado nele - se eu estivesse lá, eu confesso. Porque foi a primeira vez que um negro chegou à Presidência da maior potência do mundo. E, também, pelos os candidatos que havia na época, eu teria votado nele. E ele começou sua vida com os direitos humanos. Eu sempre me considerei um militante dos direitos humanos e assim tenho tratado as causas, e estou há 30 anos aqui, no Parlamento. Então, não venha com esse papo de que os direitos humanos não dão voto. As causas dão votos e as causas nos vinculam aos direitos humanos.
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Eu estou com quatro mandatos como Deputado Federal e no segundo de Senador. Entrei na Constituinte e nunca saí. Acho que sou um dos poucos, deve haver uns três ou quatro que entraram na Constituinte e que ficaram até este momento.
Só não pergunte a minha idade, que eu digo a mesma. Eu tenho 66, pessoal. Não tenho problema algum com idade. Às vezes o pessoal fica dizendo... Eu sou o primeiro a anunciar a minha idade.
Vamos em frente. Parabéns, Pedro, pela brilhante palestra, que só veio valorizar a nossa audiência pública.
Em matéria de audiência pública, em média são 150 por ano que eu faço aqui. Na Casa, o normal são 30 ou 40, alguns chegam a 50. Nesta aqui, se não me engano, neste ano já são 115. Mas até o término serão algo em torno de 120.
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Eu gostaria de 20 segundos apenas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai lá.
O SR. PEDRO WILSON GUIMARÃES - Eu gostaria de registrar o pessoal de Goiás, da luta pelos direitos humanos. Estão aqui a Ângela, a Erilene, a Cida, o Odílio, A Grace kelly, a Natália, a Helena, o Dilmo e o Vanilson.
Fizemos questão de vir aqui não só para falar da luta, Senador, mas para prestigiá-lo e dizer que nós temos que cobrar dos outros Parlamentares que eles também possam estar presentes na luta.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Valeu.
Uma salva de palmas a todos os Estados que estão aqui representados. (Palmas.)
Jolúzia Batista, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras.
A SRª JOLÚZIA BATISTA - Bom dia a todas e a todos.
Eu quero saudar a Mesa, na figura do Senador Paulo Paim, que tem sido, na verdade, um grande aliado da causa das mulheres.
Eu mesma, durante 2015, acompanhei aqui uma série de audiências proporcionadas pela instrução da Sugestão Legislativa nº 15/2014. Ela foi proposta por um cidadão e alcançou o marco de 20 mil votos favoráveis e, por conta desse mecanismo de legislação participativa que o Senado tem, nós conseguimos submetê-la aqui por um esforço muito bravo do Senador - é preciso reconhecer -, e conseguirmos realizar cerca de cinco audiências bastante concorridas.
E quero dizer que esse lugar se colocou para o movimento de mulheres, na luta das mulheres, na luta por uma das questões centrais na criminalização das mulheres no Brasil, que é a questão do aborto, da morte por aborto clandestino - a quinta causa de mortalidade materna. O espaço desta Comissão se tornou um grande cenário de qualificação desse debate. Realmente, foi muito importante, porque aqui também a gente conseguiu adensar argumento e resistência pública nas ruas, contra o PL nº 5.069.
Então, quero dizer que para uma causa considerada menor - ainda somos chamadas de minoria... E aí eu quero também parabenizar a fala de Pedro Wilson, que tão bem colocou aqui a dificuldade desses enquadramentos, quando somos a metade da população.
É importante considerar, então, que nesse dia, nessa audiência, apesar de todo o contexto dramático que a gente vai enfrentar amanhã e dos riscos para o futuro de um País - que deve viver de novo um processo de acirramento das desigualdades, da pobreza da população brasileira... Porque é o que está proposto nessa PEC do Teto dos Gastos, o empobrecimento radical da população brasileira, acentuando profundas desigualdades que a gente já vinha tentando superar.
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Então, é importante ter um pouco desse fôlego, para aqui, junto dos pares, nesse processo de diálogo, retomar e dar mais força a nossa luta.
Eu ainda queria dizer, nesse momento, que é importante colocar que a gente, especificamente as mulheres brasileiras, nesses últimos dias, no fechar das luzes de 2016, estamos em uma batalha terrível, porque tivemos um respiro, com aquela brilhante decisão e o voto do Ministro Barroso, no STF - por uma circunstância específica no Rio de Janeiro -, que argumentou que a morte das mulheres por aborto clandestino é uma violação de direitos fundamentais, da livre decisão por sua vida, contra a sua decisão existencial, reconhecendo sobretudo ainda o recorte de classe e, por conseguinte, de raça.
Então, tivemos dois dias de celebrações, de felicidades, de notas públicas, reforçando um argumento de profundo sentido cívico e democrático de reconhecimento da luta e do direito das mulheres. Mas agora estamos enfrentando uma contraofensiva terrível na Câmara Federal, porque já temos uma Comissão Especial e uma outra PEC, PEC nº 58, de 2011, que pretende criminalizar o aborto em todas as circunstâncias.
A gente também tem denunciado aqui que esse esforço de deslegitimar o nosso querido PNDH-3, que foi realmente fruto de uma grande luta, apesar de ter sofrido impactos em sua implementação, mas nós perdemos e estamos agora em um conflito - que chamamos de conflito simbólico mesmo, e argumentativo -, porque especificamente a agenda das mulheres tem perdido para essa ideia de direito à vida, e agora é direito à vida desde a concepção.
Então, nós temos discutido que a nossa luta é pela vida das mulheres, e nós defendemos a descriminalização do aborto e o aborto legal para evitar que as mulheres continuem morrendo, porque, é fato, é uma decisão pragmática, tomada em consentimento com os companheiros.
A última Pesquisa Nacional do Aborto 2016, lançada pela Anis, coloca que mais ou menos, a cada um minuto, uma mulher procede a uma intervenção voluntária de gravidez. Essa mulher tem, em média, 40 anos. Essa mulher é casada; ela confessa religião; ela tem pelo menos dois filhos; ela decidiu com o marido. Então, é dado de uma realidade. E a gente tem visto alguns exemplos de casos terríveis de morte de mulheres por conta dos procedimentos clandestinos, como foi o caso agora de Mato Grosso do Sul, na semana passada, em que uma jovem de 26 anos morreu - ela era mãe de duas crianças.
Então, as mulheres continuam tomando essas decisões, enfrentando esse problema. E eu quero usar uma expressão que uma feminista pernambucana cunhou, que eu acho muito importante. Ela diz mesmo o sentido desse problema e dos nossos dilemas. Sueli Costa diz que as mulheres tomam essas decisões "entre o crime e o pecado". Então, isso dá mesmo o grau da complexidade da nossa sociedade.
Aqui também nós temos reafirmado como é importante o debate sobre a laicidade do Estado brasileiro, que está cada vez mais tensionada. Nós reconhecemos que a gente precisa realmente, talvez numa perspectiva decolonial, pensando a nossa dinâmica latino-americana de constituição de sociedade, dialogar sobre esse sentido de laicidade.
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Mas é importante fazer isso com muita honestidade, porque nós estamos submetidas a uma tentativa de relativização do princípio da laicidade por conta dessas religiões, que a gente chama de mercado da fé, que têm um projeto radical, visível e explícito de poder para o Brasil. Porque vai ser um pensamento único, uma religião única.
Nós estamos aqui em uma resistência importante. Acho que esta Comissão tem sido o centro de importantes debates, e eu queria ainda dizer que, além das mulheres vítimas, mortas pela questão do aborto clandestino, nas piores condições, eu queria também chamar atenção aqui para outros debates que ocorreram nesta Comissão e que têm a ver também com a violação de direito das mulheres atingidas pelo feminicídio, por exemplo, e a cultura do estupro.
E quero dizer que tem sido um debate importante chamar a sociedade para os parâmetros da coerência mínima, porque nós também estamos vivendo esse processo do movimento "escola sem pensamento", como diz o povo da UnB, e fica descompassado.
Como vamos enfrentar a questão do feminicídio, o sexismo, a misoginia brasileira na nossa sociedade, a cultura do estupro, que tem, inclusive, respaldado estupros corretivos de meninas lésbicas no interior das famílias? Como vamos enfrentar esses problemas que atingem a nossa vida e a vida de uma população de pessoas LGBT, se agora existe esse pensamento conservador, e, como se não bastasse ser conservador, também é reacionário?
Uma coisa seria fazer um debate honesto e horizontal com um pensamento conservador - dá ainda para prover algum diálogo -, mas com o pensamento reacionário, fundamentalista, fascista, que não admite uma contra-argumentação, que tem sua verdade única, irrebatível... Acho que na nossa persistência, e agora na nossa insurgência junto à sociedade brasileira, é muito importante colocar esse conflito, esse tencionamento, e chamar as pessoas para uma reflexão, porque, de fato, parte da sociedade está com o pensamento embotado por essa questão que a grande mídia tem colocado.
Essa ideia do antipetismo, que colocou todo o campo da esquerda dentro de um o saco, e as pessoas estão completamente cegas com qualquer argumentação, com o sentido de igualdade, com o sentido de direitos humanos. Hoje, todos esses valores estão em disputa.
Na fila do banco, no supermercado, na parada de ônibus a gente escuta tremendos absurdos. As pessoas abriram mão do seu livre arbítrio e estão sendo conduzidas realmente por essa massificação da informação e por esses discursos teológicos da prosperidade, profundamente homofóbicos e misóginos.
Então, a gente precisa, infelizmente, denunciar esse fato, esses aspectos e, por fim, quero aqui também chamar atenção para o que está colocado para os movimentos sociais e para os partidos que estão, na persistência, no campo da esquerda. Urge, é importantíssimo que seja feito um diálogo profundamente honesto e horizontal com os movimentos sociais, mas em condições de igualdade. Que nós não sejamos pegas, em nossas articulações e nossas representações políticas, como manobra ou como uma massa para contar em manifestações públicas ou para assinatura de notas.
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Eu acho que isso é importante, eu acho que esse é um momento importante. O Senador Paulo Paim é um militante aguerrido na defesa da sua legenda e é um homem que tem um pensamento crítico, pelo que a gente acompanha. É muito importante que a gente possa fazer esse diálogo e colocar que a estrutura partidária, de uma forma muito orgânica, precisa considerar esse novo momento da nossa democracia.
É preciso um diálogo honesto e considerar as agendas que os movimentos sociais colocam, sobretudo os movimentos sociais dessa chamada minoria: a população LGBT, as mulheres, os indígenas, crianças e adolescentes.
Acho que nós temos agora que lidar com o que se chama "os novos movimentos sociais", uma categoria que já está no Brasil há pelo menos 15 anos nas Ciências Sociais. Mas nesse momento democrático, essa grave crise nos chama para essa responsabilidade.
Eu queria, por fim, deixar na verdade essa mensagem. Agradeço muito essa oportunidade, esse momento, e vamos assim. Seguimos na luta.
Resistir é preciso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Grande Jolúzia Batista, que falou pela Articulação das Mulheres Brasileiras, chamando essa reflexão coletiva.
Permita que eu traduza: inclusive, que muitos setores façam uma autocrítica, e possamos, de fato, caminhar juntos numa frente ampla pelo Brasil, onde os direitos humanos sejam os nossos guias, nesse novo momento que vamos ter que enfrentar.
Com certeza, teremos dois anos muito difíceis. Para mim, 2017 e 2018 serão dois anos muito difíceis.
Parabéns.
Valter Junior de Melo, por favor.
Ele é cantor e militante dos direitos humanos.
O SR. VALTER JUNIOR DE MELO - Quero cumprimentar o Senador. É um prazer estar novamente com o senhor. Quero cumprimentar os integrantes da Mesa e todos os presentes.
Eu apreciei muito ser apresentado como cantor, porque quando se é deficiente, o que a gente espera é que as pessoas percebam algo em nós, além da deficiência.
É verdade que o meu ofício é o de cantor. Eu componho, canto, tenho CDs gravados, mas, é claro, não é sobre isso que eu vim falar.
Eu gostaria de abordar... E, claro, quando a gente pensa sobre direitos humanos e pessoas com deficiência, o espectro é bem amplo, e não quero aqui falar em nome de, mas como um dos.
Eu gostaria de tocar em algumas questões breves, mas não muito densas. No entanto, a repercussão de cada uma delas é muito importante no dia a dia da pessoa com deficiência, e o natural é que as coisas com as quais ela lida sejam as que mais a afetam.
Do que eu falo? Da pessoa com deficiência que acorda, que vai para o trabalho ou para a escola, que no intervalo do almoço procura um restaurante para almoçar, uma farmácia onde vai comprar um remédio, um mercado onde vai fazer compras, que retorna para o seu segundo turno de trabalho ou de estudo, enfim, e à noite retorna para casa.
Essas pessoas, no seu dia a dia, deparam-se com inúmeras questões que drenam a sua energia, e muito em função de um desconhecimento, por parte da maioria da população, quanto a quão simples é uma interação pessoal, ou seja, uma proximidade maior com pessoas com deficiência.
Nos últimos anos, eu capacitei centenas de instrutores e professores do Senai para que eles pudessem receber pessoas com deficiência - no caso pessoas cegas - nos cursos que o Senai oferece.
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O que me surpreendeu é que a maioria dos professores e instrutores não receavam assimilar os softwares e as tecnologias assertivas com as quais eles iam trabalhar para ensinar, por exemplo, informática aos cegos. Eles tinham receio de como interagir com a pessoa cega.
E esse receio manifestado por esses instrutores é legítimo, é compreensível. E só vai terminar quando nós tivermos ações direcionadas no sentido de fazer com que a população brasileira, no seu computo geral, possa ter a noção do simples fato de perguntar a uma pessoa com deficiência se precisa de ajuda, e ela responder sim, e você perguntar como. Aí já se está estabelecendo um relacionamento que vai ser produtivo e eficaz no sentido de uma interação.
Se eu pedisse a quaisquer de vocês que estão aqui que me ajudassem a sair de onde estou para ir a uma cadeira, você teria receio, e é razoável. Agora, o que não podemos permitir é que uma informação, que é simples, seja o obstáculo para que uma interação aconteça.
Se nós imaginássemos, por exemplo, um trabalho junto às escolas, onde as crianças deixariam de ver pessoas com deficiência como seres diferentes dos humanos, e, ao invés de darem vazão ao que a gente entende como uma certa criancice, brincadeira que a criança, ela desde pequena teria interesse pela pessoa com deficiência e a auxiliaria. Ou seja, nós precisamos conscientizar e esclarecer para que, assim, as pessoas possam ter a interação. E, a partir da interação, ela não vai questionar se a pessoa com deficiência tem direitos.
A questão do amor ao próximo, do empenho pelo bem do próximo, passa pelo meu interesse com relação a ele. E aí não fico perguntando o que é direito dele. Eu estou interessado em tudo que se traduz em bem para ele.
Pensando nas escolas, temos as salas com recursos. Se, por um lado, temos pessoas que não têm ainda uma instrução de como seria a melhor forma de interagir com pessoas com deficiência, você pensa na escola pública que tem as salas de recurso com pessoas que ali estão para atender os alunos. E essas pessoas, os professores, recebem as ferramentas tecnológicas, mas, na maioria das vezes, não sabe como usá-las. Por exemplo, o Ministério da Educação e Cultura tem o Mecdaisy, que é uma ferramenta tecnológica, um software, que possibilita as editoras enviarem às escolas ao mesmo tempo o livro em tinta e o livro digital. Portanto, a criança, o aluno, vai receber o software, o livro digital, e vai ter pleno acesso. E aí eu falo das crianças com deficiência visual ou baixa visão. Só que o que está acontecendo? As editoras mandam os livros, e os professores da sala de recursos não sabem usar o software. E assim os livros se acumulam nas prateleiras, e a criança continua sem acesso. É verdade que existem os livros em Braille, mas é muito difícil para a escola ofertar os livros em Braille ao mesmo tempo que os livros em tinta.
Ora, eu, quando falo do Mecdaisy, dei uma oficina recentemente para os professores da rede pública do Distrito Federal explicando em apenas duas horas como instalar, como utilizar. E eles ficaram surpresos com a simplicidade. E saíram dali muito animados porque sabiam que seus alunos teriam acesso ao livro digital.
Eu não sou aluno da rede pública e nem professor. Eu fui aprender a usar o Macdayse para, então, ensinar para eles. E fui fazer isso de modo voluntário. Uma coisa que me preocupa é o fato de que muito se espera do Poder Público, e é razoável, mas eu tenho certeza de que todos nós podemos fazer algo. Ninguém sabe tão pouco que não possa contribuir. E se uma ação voluntária no sentido de cooperar nas diferentes frentes com as quais lidam as pessoas com deficiência acontecer, será maravilhoso. No entanto, o que acontece? Uma coisa não exclui a outra.
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Vamos demandar o Poder Público, mas vamos ver o que nós podemos fazer. E um pouco da invisibilidade da pessoa com deficiência passa também pelo fato de que em certos espaços públicos, você não as identifica tão claramente e nem as percebe com frequência.
Por exemplo, se você imaginar um templo onde se reúne uma determinada religião, se você for falar com o líder daquela congregação, ele vai dizer: "olha, com relação a essas questões de acessibilidade, eu não sei se devemos nos determinar tanto no sentido de promovê-las, porque eu não percebo entre os que frequentam o templo da minha congregação pessoas com deficiência". Ora, talvez a pergunta certa seja a seguinte: será que não há tantas pessoas com deficiência frequentando o templo, onde se reúne a sua congregação, exatamente porque você não promoveu as alterações visando à deficiência?
Pense num usuário de cadeira de rodas que está na calçada e percebe uma escadaria de 40 degraus até a porta, por exemplo, de um templo. Ora, a pessoa, ao final desses 40 degraus, pode estar sorridente e acenando para ele, querendo com isso demonstrar que ele é bem-vindo, mas os 40 degraus dizem o contrário. Ainda que essa pessoa diga "estou disposto a ir até aí e carregar você com sua cadeira até aqui", não é isso que o usuário de cadeira de rodas quer. Ele quer autonomia para que ele possa se movimentar, se locomover com dignidade, de modo que ele possa entrar e sair.
E isso me remete a algo que traduzi no livro que escrevi, chamado O que pode dar esperança, em um dos seus capítulos, que a indiferença não está nas palavras, ela está nos gestos. Se nós sairmos com um microfone perguntando às pessoas no Brasil: "Você é solidário com as pessoas com deficiência?" "Sou". "Você tem interesse em contribuir de alguma forma?" "Claro que sim". Mas esse desejo solitário tão claro no povo brasileiro quase sempre não se manifesta quando a questão é mais isolada. Só quando há um movimento coletivo, e aí ase aflora.
Nós precisamos, portanto, passar das palavras aos gestos. E, nesse sentido, eu desafio todos, não só o Poder Público, mas nós, de per si, cada brasileiro, porque, na medida em que, como falei no início, estabelecemos um relacionamento mais próximo com as pessoas com deficiência, na medida em que as ferramentas que já existem, que foram conquistadas com muito esforço, possam efetivamente funcionar, como por exemplo, o software Mecdaisy, e as pessoas ao não perceberem a nossa presença, percebam nisso que falta algo da parte delas fazer para que possamos estar próximos delas, possamos então ver a passagem das palavras para as atitudes, porque, com certeza, as pessoas com deficiência estão prontas a ouvir, mas elas ouvirão principalmente se antes perceberem gestos.
Eu sou cego, perdi a visão aos 22 anos, tenho 48, e tenho também paralisia infantil. E isso que falo é o que percebo na minha interação com os meus colegas cegos, também deficientes visuais.
E como fui apresentado como cantor, queria, pode parecer um elemento estranho nessa audiência, mas eu queria terminar não falando, mas transmitindo a mensagem com uma canção. Está bom?
Permitam-me ficar de pé?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bom, não. Deve.
O SR. VALTER JUNIOR DE MELO - Vamos lá, espero que vocês gostem.
(Procede-se à execução musical. )
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O SR. VALTER JUNIOR DE MELO -
(Procede-se à execução musical.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Valter Junior de Melo, cantor, compositor, que nos deu aqui uma bela mensagem. Como se diz, deu uma palinha para nós aqui, com enorme competência, ilustrando a nossa audiência pública.
Fiquei muito feliz, eu que participei muito, porque apresentei há 15 anos, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que hoje, graça aos trabalhos dos militantes, é lei. Senão, não teria se tornado lei.
Vamos ao Porã Potiguara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
O SR. PORÃ POTIGUARA - Bom dia a todos e a todas.
Bom dia à Mesa, em nome do Senador Paulo Paim.
Primeiramente, quero agradecer pela oportunidade de estar aqui e mais uma vez denunciar as inúmeras violações, os inúmeros descasos que nós, povos indígenas do Brasil, temos sofrido desde a colonização.
Costumo dizer que o Brasil quando foi Colônia, depois Império e, hoje República, sempre teve violação, sempre causou, sempre impôs sofrimento aos povos indígenas.
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E aí, Senador, em um ano que vemos a visita da Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, que em seu relatório apresenta a ausência de progresso em relação aos direitos dos povos indígenas, em relação à consulta - o Brasil é signatário da Convenção 69, que diz que se deve fazer consulta para os povos indígenas. Hoje, pela manhã, ao vir a esta Casa, nós fomos surpreendidos com uma matéria que saiu na Folha de S.Paulo, que diz que o Decreto nº 1.775, que regulamenta a demarcação das terras indígenas no País, que foi promulgado por Fernando Henrique Cardoso, está sofrendo, possivelmente sofrerá mudanças. Mudanças estas que respondem justamente àquilo que diz a PEC 215, que seriamente nos ameaça, que seriamente vai colocar em xeque todos os processos demarcatórios de terras indígenas no País que tramitam e aqueles que já foram finalizados, porque eu levo em consideração o marco temporal.
Um fato muito curioso desse novo decreto que está prestes a sair do papel, isso é uma proposta, é que há um incentivo - e fiquei assustado com isto: o Governo quer pagar indenização para os povos indígenas que resolverem não mais lutar pela demarcação de suas terras.
Para mim isso é estarrecedor, é algo que realmente: que Brasil estamos vivendo? Que Brasil? E aí mediante tamanha situação das populações indígenas, a gente sabe que historicamente a quantidade de líderes assassinados não é pequena. E aí a gente em muitas discussões, particularmente, conseguia entender que na década passada tinha-se o hábito de, não apenas, criminalizar lideranças, mas assassinavam, prendiam. Era algo para enfraquecer a luta do movimento. Hoje, a gente percebe que, além desse ato de criminalização dos líderes, vêm as ameaças aos nossos direitos. E aí a PEC 215 e tantas PECs que tramitam nesta Casa que só incitam a violência aos povos indígenas, só nos negam o direito de viver.
E aí no Acampamento Terra Livre deste ano, que é a maior mobilização dos povos indígenas, o tema justamente era esse: pelo direito de viver. Direito de viver negado há mais de 500 anos. Quando se discutiam lá na colonização se nós tínhamos ou não almas. E aí têm ou não têm almas?
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Se têm alma, não são animais. Mas a Igreja afirmou que temos alma. E a Coroa, na época, falou que, se têm alma, então vamos trazê-los à sociedade, vamos fazer com que eles deixem de ser selvagens. E o índio de hoje, esse indígena de hoje no Brasil, quando não tem essa visão romanticista agregada, do índio romântico, do bom selvagem, do que está lá, que tem o bem viver com a natureza, é o indígena que invade propriedades privadas, é o indígena que mata, que faz mobilização, que fecha BRs.
O Brasil não consegue entender até hoje, passados estes 500 anos, que nós só queremos o direito à vida, o direito de viver em um território sagrado, e não será indenização de governo que vai fazer com que mudemos de ideia. Se você for a uma terra que tenha muita água, suponhamos uma aldeia, uma comunidade da Amazônia e oferecer para eles dinheiro, eles não vão querer sair porque vão alegar que ali é de onde tiram o seu pescado, o seu direito à vida. E se você for a uma aldeia do sertão brasileiro nordestino, que não tem água, eles vão alegar a mesma coisa: aqui está o meu direito de viver, aqui existe algo que é a minha forma de vida.
Então, eu queria denunciar essa proposta que está tramitando, que vai começar a surgir da Casa Civil, como algo que só incita mais a violência.
Lembro que a consulta livre, prévia, informada, regida pela Convenção 69 da OIT, de que o Brasil é signatário, nunca, Senador, nunca foi feita numa comunidade indígena. Para nada. Para nada. Desde a realização de estudos, em relação a impactos ou para construção de grandes obras, até mesmo para mudanças, como essa, mudanças tão importantes.
O Movimento Indígena Nacional vai continuar lutando. Eu costumo dizer que sinônimo de indígena no Brasil hoje é luta, é lutar, é resistir. Por isso, a política que se instaurou há 500 anos de integrarmos ou de integrá-los à sociedade até hoje não funciona, e não funciona porque somos muitos resistentes e lutamos, sim, e vamos continuar lutando.
Aí você percebe que - nossa, gente - existe uma negação de direitos, de direitos assegurados na Constituição, de direitos pétreos, de direitos originários que nós temos, porque estávamos aqui antes mesmo de ser constituída a República. E isso não é levado em conta quando se pensa em PECs que incitam a violência.
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E há uma em especial, que eu gostaria que o Sr. Senador, se possível, denunciasse aqui nesta Comissão, para que pudesse parar. É a chamada PEC do infanticídio. É polêmica. É muito polêmica, mas é uma violência, porque eu não posso dizer para outro povo o que é certo e o que é errado. Eu vou estar agindo de uma forma tão colonizadora quanto agiram há 500 anos. É a mesma coisa que eu chegar para você e dizer "você não pode mais dirigir um carro porque é errado, porque, na minha cultura, não se pode dirigir carro". E é isso que está acontecendo. Ela incita a violência aos povos indígenas, além de generalizar, porque ela diz, essa PEC, que todos os povos causam ou provocam infanticídio. E não é verdade. Não é verdade.
Nós temos o entendimento de que essa PEC é uma forma de controle social, gente. Tudo bem. Vamos questionar o direito à vida, mas vamos questionar o direito à vida, respeitando o papel social do indivíduo naquela sociedade, naquela comunidade.
E, aí, Senador, peço que esta Casa possa de fato barrar essa PEC ou que possam discutir com a gente, porque está sendo mais um processo que está tramitando e em que não há discussão, não há consulta com os povos indígenas.
E aí nós temos sofrido muito.
A CPI da Funai coloca em xeque o interesse que se tem em extinguir hoje o único órgão que ainda trabalha com questões indígenas, órgão esse que tem, juntando com o SPI, quase 100 anos. Percebe-se, então, um total interesse mascarado em expandir fronteiras agrícolas. A gente sabe disso. É fato que...
(Soa a campainha.)
O SR. PORÃ POTIGUARA - Se você pegar hoje qualquer imagem de satélite no Brasil, você vai observar que onde há verde ou são unidade de conservação ou são terras indígenas ou áreas quilombolas. (Palmas.)
E aí eu digo: que progresso é esse? E nos culpam, nos colocam adjetivos: os indígenas são pedra no desenvolvimento do País, são um atraso para o Brasil. E eu digo: nós não somos atraso para o desenvolvimento do País. Nós somos o desenvolvimento.
Para finalizar, eu sempre gosto da frase de uma líder, in memoriam, que faleceu faz quase 10 anos, a Maninha Xukuru-Kariri, de Alagoas - Xukuru-Kariri é seu povo.
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Ela disse uma vez que "eles arrancaram nossas folhas, quebraram nossos galhos, derrubaram nossos troncos, mas se esqueceram do fundamental: de arrancar nossas raízes". Então, enquanto existirem raízes indígenas neste País, vai existir a luta indígena, vai existir o povo indígena, vai existir essa força, que resiste há mais de 500 anos. Queremos construir outros 500 anos. Porém, o Brasil não permite que façamos isso. Quando não se demarca uma terra indígena, o País diz automaticamente está nos matando, porque nos tira o direito...
(Soa a campainha.)
O SR. PORÃ POTIGUARA - ... de viver. Nos tira o direito de manter culturas, costumes, crenças, tradições milenares, que vão junto com a não demarcação daquele território.
Por isso pedimos: que o Brasil nos reconheça o direito e viver, o direito de existir neste País tão colono ainda, Senador.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Porã Potiguara, representante da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil.
Nós estamos acompanhando a PEC 215. E pode saber, Porã, que esta Comissão está à disposição. Lá na Câmara, eu não tenho controle, mas lá temos a nossa Deputada, que é uma guerreira. Controle, nós não temos nem lá nem aqui. Mas que a gente peleia, peleia. E a Deputada vai falar no momento em que ela entender mais adequado, a Deputada Erika Kokay.
Mas aqui você pode contar conosco aqui no Senado. Não só comigo, mas também com outros Senadores que têm compromisso, porque a gente sabe também que eles querem derrubar o decreto que o Lula fez da demarcação dos povos quilombolas. Estão tentando no Supremo. Nós entramos com o projeto aqui, para transformar em lei, inclusive. E o embate continua.
E já fizemos uma audiência aqui sobre a questão da morte das crianças indígenas que nascem com algum tipo de deficiência. Foi um debate num bom nível, um debate do mais alto nível. Mas, como dizem as pessoas com deficiência, nada sem nós e tudo com nós. "Se querem discutir a origem dos povos indígenas, nos chamem por favor" - é esse o clamor que está fazendo aqui. Pode contar conosco.
Eu pediria que esta Mesa agora retornasse ao plenário. E nós vamos para a terceira Mesa.
Aviso, Deputada, que a senhora fala no momento em que entender mais adequado.
Peço que se exiba, neste intervalo, o vídeo da PEC 241, ou seja da PEC 55, enquanto se monta a Mesa. Já passamos o vídeo da reforma da Previdência, porque, para mim, tudo isso são direitos humanos. E agora passaremos outro vídeo, que é pequeno também, tem 13 minutos.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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(Continua exibição de vídeo. )
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(Continua exibição de vídeo.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado. Feito, moçada.
De imediato, vamos à terceira Mesa: Ana Bock, especialista na causa da violência; Fábio Felix, Presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA). (Palmas.)
Palmas para ambos.
Paulo Freire, advogado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aqui está Paulo Freire. Eu não tenho culpa de estar o nome de Paulo Freire. Quem é o Paulo Freire? Você? Seja bem-vindo. Mais uma vez, uma salva de palmas ao Paulo Freire. (Palmas.)
Igor Diogenes Bezerra, representante da Casa de Cultura Carlos Marighella. (Palmas.)
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não veio. O.k.
Silvio Albuquerque, Embaixador - Secretário Adjunto da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania. Seja bem-vindo, Silvio. (Palmas.)
Vieram aqui duas listas para registrar presença. É só uma: Drª Diva Lúcia Conde, Presidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia e Presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro; Inea Giovana da Silva Arioli, Conselheira titular do Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina e membro da União Latino-Americana de Entidades de Psicologia; Fernanda Sans Magano, Federação Nacional de Psicologia e Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo; Túlio Louchard Picinini, membro da Diretoria do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais; Luiz da Silva, Vice-Presidente do Conselho Regional da Paraíba; Alessandra Almeida, Vice-Presidente do Conselho Regional de Psicologia da Bahia; Professora Doutora Regina Lúcia Sucupira Pedroza, Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional e Vinícius Cesca de Lima, Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região, de São Paulo. Também citamos a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.
Ana Bock, por favor, especialista em causas da violência.
A SRª ANA MERCES BAHIA BOCK - Bom dia, Sr.Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Senador Paulo Paim.
Pediram-me que anunciassem um pequeno vídeo. Na verdade, o vídeo é de 24 minutos, mas vamos assistir só cinco minutos, um pouquinho, para ver a figura do Marcus Vinícius, a quem eu venho homenagear, em nome do Instituto Silvia Lane, aqui nesta Comissão. Então, vamos assistir a um pedacinho.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu já marquei lá cinco minutos para o vídeo. Depois, inicia o seu tempo.
(Procede-se à exibição de vídeo. )
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(Continua exibição de vídeo.)
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(Continua exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cumprimento o Marcus Vinícius, que foi um dos que mais puxou essa caminhada e esteve à frente, liderando essa luta.
Esse vídeo em homenagem a ele é muito bem feito e lembrou o Paulo Delgado, que foi Deputado Federal. Tive a satisfação de votar essa lei, porque estou aqui há mais tempo que as pedras. Votei nessa lei e quem nos orientava era o Paulo Delgado, Ele, realmente, lutou muito por essa causa. Por essa justa homenagem ao Marcus Vinícius, ficam aqui nossos cumprimentos.
Eram cinco minutos, pessoal, mas eu, democraticamente, dei dez.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, é bom anunciar.
A SRª ANA MERCES BAHIA BOCK - Esse vídeo está disponível no site do Senado Federal para quem quiser assistir ao restante. (Fora do microfone.)
Retomo, cumprimentando, pedindo licença para cumprimentar especialmente a Erika Kokay e o Milton Rondó que, durante essa caminhada de direitos humanos que fizemos nos Conselhos, nas lutas com psicólogos, estiveram como parceiros. Peço licença e cumprimento todos os representantes as entidades já citadas aqui pelo Senador Paulo Paim, que estão aqui comigo, dividindo este espaço.
Quero registrar a presença da Júlia Vereda Queiroz de Oliveira, filha do Marcus Vinícius.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Está aqui?
A SRª ANA MERCES BAHIA BOCK - Aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, uma salva de palmas. Levante, por favor. (Palmas.)
Valeu, guria. É mais para a TV.
A SRª ANA MERCES BAHIA BOCK - Estou aqui como Instituto Silvia Lane - Psicologia e Compromisso Social, em nome de um conjunto de militantes. Desculpem-me, vou voltar para cumprimentar o Paulo Maldos. Desde a faculdade, o Paulo Maldos já era meu colega, estivemos juntos. (Palmas.)
Continuando, estou aqui em nome de um conjunto de militantes que formam comigo esta entidade: o Instituto Silvia Lane. Esse instituto foi idealizado por Marcus Vinícius de Oliveira, o Marcus Matraga. Nós o criamos para podermos ter um espaço afetivo e político, de onde deveriam sair projetos, atividades e ideias que contribuíssem para a transformação do lugar da Psicologia como ciência e como profissão no Brasil.
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A Psicologia, desde a sua instalação no Brasil, esteve aliada aos interesses da elite; serviu ao projeto de modernização do Brasil sempre atuando para responder às demandas e as necessidades da elite brasileira. Se olhou para os pobres, se trabalhou atendendo uma população sofrida, em empresas, escolas, instituições de cuidado à saúde, foi sempre para contribuir com a formação de uma mão de obra capaz de produzir riqueza para aquela elite.
Tínhamos como meta, no Instituto Silvia Lane e em todos os movimentos de que participamos, contribuir para mudar a Psicologia, mudar os seus conceitos, sua epistemologia, as suas práticas, os seus interesses e as suas perspectivas. Juntamo-nos, então, a todos aqueles que, como nós, alimentavam esse projeto de uma Psicologia comprometida com a construção de condições dignas de vida para todos, com o fim da desigualdade social, tão profunda em nosso País.
Buscamos isso no Sindicato dos Psicólogos, nos conselhos profissionais, em espaços que reuniam entidades, como o Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira, o FENPB, na União Latino-Americana de Entidades de Psicologia, a ULAPSI, e, nos últimos tempos, fizemos isso no Instituto Silvia Lane - Psicologia e Compromisso Social.
Vamos realizar, em março de 2017, com o apoio da PUC-SP, o I Simpósio Nacional de Psicologia e Compromisso Social: da crítica à Psicologia à Psicologia crítica.
Hoje, orgulhamo-nos de estar aqui. Pena que já não temos conosco o amigo Marcus Vinícius, sem o qual nada disso que apresento teria sido possível. Marcus era, entre nós, um analista e estrategista dos mais competentes, capaz de ler as necessidades sociais e o momento político de forma aguçada e competente.
Então, estamos aqui por dois motivos: primeiro, para apoiar e estarmos juntos neste momento de encontro de pessoas que lutam pelos direitos humanos. E viemos para dizer que estamos aqui e que fazemos parte desse coletivo, que os psicólogos, hoje, fazem parte desse coletivo. É nele que queremos estar e é com ele que queremos lutar, e lutar neste momento brasileiro de tantos riscos ou afrontas às conquistas de direitos; lutar para restabelecer as condições democráticas de convivência, denunciar os ataques e resistir.
Saibam que somos uma entidade pequena, muito pequena, mas com clareza das suas escolhas e de com quem queremos estar e de com quem queremos andar, como diria Marcus Vinícius.
A quantidade de entidades de Psicologia aqui representadas mostra que o Instituto Silvia Lane jamais esteve ou está sozinho; mostra a disposição da Psicologia brasileira, hoje, de estar neste cenário.
O outro motivo que nos traz aqui é representar e homenagear Marcus Vinícius.
Marcus pensava no coletivo sempre e, por isso, penso que, quando a gente homenageia Marcus Vinícius num espaço como este, nós homenageamos todos aqueles que nos antecederam, todos os que vão ainda se manifestar, todos aqueles que estão na luta pelos direitos humanos. (Palmas.)
Marcus lutou pelos direitos humanos, trouxe os direitos humanos para o Conselho Federal de Psicologia e, dali, para a categoria dos psicólogos. No Conselho de Psicologia, instituímos o Prêmio de Direitos Humanos, fizemos seminários e publicações sobre direitos humanos, criamos a Comissão de Direitos Humanos, que se instituiu como efetiva nos Conselhos Regionais de Psicologia e no Conselho Federal.
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Fizemos caravanas de vistoria das condições de cuidado em asilos, na Instituição Casa, nos hospitais psiquiátricos, e denunciando ao Ministério Público toda a violência com a qual nos deparamos.
Ali vimos pacientes amarrados, queimados, mortos ou morrendo sem cuidados; vimos meninos descalços e com pouca roupa no frio, privados não só de sua liberdade, mas de sua história, de sua gente, de sua identidade; vimos marcas profundas de violência em todas essas instituições que se propõem a cuidar. Publicamos tudo isso em relatórios e os entregamos ao Ministério Público, ainda quando o Brasil era Brasil. Imaginem agora neste Brasil não brasileiro.
Marcus Vinícius teve a ver com tudo isso que fizemos, com todas essas lutas e ações das quais os psicólogos e psicólogas brasileiros se orgulham muito. A Psicologia nunca mais foi a mesma depois de Marcus Vinícius, porque passou a olhar, a notar, a se interessar pelos sujeitos como sujeitos de direitos, avançou para o trabalho nas políticas públicas, assumiu um compromisso com a sociedade brasileira, e, com isso, todo dia passou a ser um dia de direitos humanos.
Psicologia e direitos humanos se amalgamaram, e Marcus Vinícius tem a ver com isso. Mas, em 4 de fevereiro deste ano, Marcus foi brutalmente assassinado, vítima de uma emboscada no local que havia escolhido para descansar em sua recente aposentadoria. Ali ele foi se tornando incômodo por defender o mangue, por defender uma gente negra e pobre.
Tráfico de drogas? Defesa da terra e do mangue? Resistência contra a violência do capital? Talvez tudo isso junto, mas, sem dúvida, alguém que ensinou e viveu coerentemente, respeitando e lutando por um país com condições dignas de vida para todos e foi assassinado por todas essas forças contrárias a essas lutas.
Neste dia em que comemoramos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Instituto Silvia Lane - Psicologia e Compromisso Social presta a sua homenagem a Marcus pela sua importância no campo da Psicologia brasileira, reconhecendo a sua contribuição fundamental para que se instalasse o pensamento e a perspectiva dos direitos humanos como forma de compromisso com a sociedade brasileira, como forma de luta contra a violência, contra as arbitrariedades, a discriminação, o preconceito, a dominação e a desigualdade, que são forças sociais cuja atuação exige a nossa atenção permanente aos direitos humanos.
O Instituto Silvia Lane, aliado à família e aos amigos de Marcus Vinícius e a todas as entidades que aqui se fizeram representar, reafirma a necessidade de vermos a morte de Marcus investigada a fundo, com diligências do Senado à Bahia e com outras providências que coíbam esse tipo de situação que atingiu e tirou a vida de Marcus Vinícius e tira, todos os dias, a vida de milhares de brasileiros.
Obrigada pelo convite para estar aqui neste lugar de luta e com todos esses lutadores.
Marcus Vinícius, presente!
Pelas diretas já! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem!
Essa foi Ana Bock, especialista em causas da violência.
Marcus Vinícius, presente!
Eu vou dizer então: Marcus Vinícius...
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presente!
Marcus Vinícius...
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presente!
Diretas quando?
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já!
Diretas quando?
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já!
Muito bem!
Agora, vamos passar a palavra a Fábio Félix, Presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
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O SR. FÁBIO FÉLIX - Olá, bom dia a todos.
Quero agradecer ao Senador Paulo Paim pelo convite para a gente estar compondo esta Mesa, esta audiência pública. Este momento é um momento importantíssimo para que nós afirmemos a nossa posição em defesa dos direitos humanos. Acho que a sociedade vive uma conjuntura muito complicada, especialmente nesses últimos dias. A gente vive um cenário muito tenso, e afirmar direitos humanos nesse cenário é fundamental. Acho que há alguns setores da sociedade que têm tentado de alguma forma não dizer claramente que defendem direitos humanos. Então, é nesse momento que a gente tem que dizer claramente o que a gente defende, e a gente defende o direito das pessoas. Isso é defender direitos humanos, defender direitos sociais.
Eu estou aqui hoje representando o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal, que é um órgão paritário, representativo tanto da sociedade civil como do Governo, mas que, este ano, está sob a Presidência da sociedade civil. A agenda dos direitos da criança e do adolescente é uma agenda também fundamental no contexto dos direitos humanos, tendo em vista que é uma das agendas que tem sido mais atacada no Congresso brasileiro hoje, especialmente com as iniciativas de redução da idade penal e de aumento do tempo de internação das medidas socioeducativas.
Há uma comissão especial na Câmara dos Deputados hoje para discutir só o aumento do tempo de internação, e a dúvida do relator é se vai aumentar para dez ou doze anos o tempo de internação de adolescentes. As medidas socioeducativas são instrumento de responsabilização social que já existe no Estatuto da Criança e do Adolescente há 26 anos. As medidas socioeducativas não têm o investimento público necessário para o seu funcionamento, portanto, funcionam nas condições mais precárias em todo o Brasil, condenando esses adolescentes a condições de indignidade no processo da internação e do cumprimento da medida socioeducativa, sem as políticas sociais necessárias para a prevenção e para o cuidado para que o adolescente não chegue na medida socioeducativa, e agora querem piorar essas condições, com aumento do tempo de internação e a redução da idade penal. Então, esse é um grave problema que precisa ser enfrentado.
Parece-me que hoje, nesse processo de reorganização conservadora e da extrema direita no Brasil, uma das principais agendas desses setores é a redução da idade penal. Querem criminalizar a juventude a todo custo. A CPI que o Senado fez percebeu isso, a Comissão de Direitos Humanos. Todos os atores, sujeitos, sujeitas, que estão aqui dos movimentos sociais, das entidades representativas precisam também ter como bandeira fundamental o enfrentamento à redução da idade penal.
Nós sabemos que, por exemplo, em 1990, nós tínhamos um contingente de presos no Brasil de 90 mil detentos. Agora, em 2016, nós temos mais de 600 mil presos, e isso não resolveu o problema da segurança pública. Cadeia, encarceramento não resolve o problema da segurança pública, e a redução da idade penal é a aposta no encarceramento. Essa é a aposta desse segmento da sociedade, e essa não deve ser a nossa aposta. Problematizar isso hoje não é uma tarefa fácil.
Quando, na primeira Mesa, a Keka comentou da morte do filho da Tati Quebra Barraco, assassinado ontem, apontou que ela precisou defender o filho dela porque é naturalizado que um jovem negro seja assassinado, e as pessoas desconfiam dele e não desconfiam de um Estado que assassina jovens negros todos os dias. Isso é preocupante. A gente sabe. Eu vi até uma postagem no Facebook agora, alguém falando que a gente sabe que a situação está tensa quando a gente tem que defender que as pessoas não podem ser assassinadas com naturalidade. (Palmas.)
A gente sabe que a situação está tensa na sociedade porque, ao invés de as pessoas perceberem que as pessoas não podem ser assassinadas, a gente precisa defender que as pessoas não podem ser assassinadas, com essa banalização do assassinato e da morte.
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As instituições precisam ser fiscalizadas. Nesse processo da redução da idade penal, uma das principais instituições que assassinam no Brasil é a Polícia. As polícias precisam ser fiscalizadas. As polícias, hoje, no Brasil, são instituições incontroláveis. Não tem governador nem Presidente da República que responda pelas polícias. As polícias são órgãos autônomos ingovernáveis. As polícias precisam de controle externo, controle da sociedade. As polícias são um órgão armado do Estado que tem que estar sob o controle democrático da sociedade. Não dá para nós acharmos natural que a Polícia, o braço armado do Estado, possa agir da forma como age hoje, assassinando jovens sem investigação. É a condenação à pena de morte que existe, banalizada no Brasil.
Então, a gente vive hoje uma situação muito tensa. E a pauta da criança e do adolescente, a juventude é a mais atacada nesse processo. E a redução da idade penal no Congresso Nacional, a forma como ela tem tramitado é a prova de que a juventude é a mais atacada nesse processo. Outros segmentos também. Essa reorganização conservadora que faz com que nós estejamos aqui hoje tendo que afirmar a importância dos direitos humanos ataca uma série de direitos. Ela quer impedir, como já foi falado aqui, o debate de gênero, diversidade, orientação sexual na escola, que é o debate crítico na escola, e eles chamam isso de Escola sem Partido, mas é escola sem pensamento, é escola sem reflexão, porque é isso que eles querem para o espaço da educação. Porque eles querem, na verdade, impedindo o debate de gênero, de identidade de gênero, de orientação sexual e diversidade, ampliar o processo da homofobia, da LGBTfobia no Brasil. Então, é um debate fundamental.
O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, ao contrário, defende o debate de gênero e diversidade na escola. Este ano nós tivemos um professor aqui, no Distrito Federal, Professor Deneir, da Ceilândia, que foi atacado pessoalmente por uma Deputada Distrital por defender e fazer a discussão de gênero na escola, e o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente defendeu o professor porque é direito da criança e do adolescente que esses debates sejam feitos na escola. Isso está previsto no Estatuto e está previsto na Constituição brasileira. É dever da escola promover esse tipo de debate, inclusive e fundamentalmente para que se combata, como já falou a Jolúzia, também a Keka, o machismo, o racismo e a LGBTfobia em todos os espaços. Então, esse debate é fundamental, e essa extrema direita tem tentado, de todas as formas, impedir que esses debates sejam feitos no âmbito da escola.
E é uma extrema direita também racista que não se organiza só no Brasil. A gente viu a eleição do Donald Trump. Ela se organiza na Europa: nas eleições da Dinamarca, por exemplo, quase 30% dos votos; na eleição francesa; no Reino Unido, com o Brexit, e outras representações que a gente tem desse processo de reorganização da extrema direita no mundo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Na Argentina.
O SR. FÁBIO FÉLIX - Na Argentina. E a reorganização dela no Brasil tem uma agenda clara: redução da idade penal, proibição do debate do pensamento na escola, legitimação da violência institucional todos os dias e fortalecimento da lógica racista na sociedade. Esse fortalecimento é muito evidente, dessa lógica racista na sociedade, inclusive reforçando um mito, porque a gente sabe que é um mito, de uma democracia racial: "Ah, o Brasil é um país miscigenado, então, não há racismo." Porque é um país miscigenado, então, não há racismo, altamente miscigenado, o que é uma grande mentira. E eles reforçam esse discurso todos os dias.
Então, é tempo de resistência, é tempo de a gente se posicionar, se posicionar pelos direitos humanos se posicionar no enfrentamento a essas opressões. Não dá para a gente silenciar num cenário onde esse Governo tenta congelar os gastos por 20 anos. A PEC 55 é um ataque direto aos trabalhadores, à classe trabalhadora brasileira.
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Ela é um ataque direto aos LGBTs, às mulheres. Ela é um ataque a todos os setores da sociedade que vivem do trabalho, porque é um ataque às políticas sociais fundamentais e estruturantes, como a política de saúde e a política de educação. E parece que as pessoas não têm percebido a dimensão que essa PEC tem para o processo estrutural da educação e para o fortalecimento do papel do Estado no próximo período.
Então, é muito preocupante. A criança e o adolescente - por isto, esta é uma preocupação também do Conselho - são o alvo também desse processo de congelamento dos gastos na saúde e na educação. O resultado disso - é o que eles querem - é a privatização, é o fortalecimento do mercado nessas áreas, tanto na educação quanto na saúde, e isso nos preocupa muito.
Quero agradecer muito ao Senador Paulo Paim pela oportunidade de estarmos aqui hoje. Quero reforçar a luta em defesa dos direitos da criança e do adolescente, no enfrentamento - isto tem de ser feito em parceria com todos os movimentos sociais que estão aqui, independentemente de esses movimentos sociais terem esta como sua pauta central - à redução da idade penal e na defesa da juventude brasileira e da juventude negra brasileira, que não pode ser assassinada, como foi assassinado ontem o filho da Tati Quebra Barraco. Falou-se sobre isso porque foi o filho dela, porque é alguém que a gente conhece. Mas são muitos os invisíveis e sem nome de que a gente não sabe e que não podem continuar sendo assassinados...
(Soa a campainha.)
O SR. FÁBIO FÉLIX - ...de forma banal no Brasil.
Então, fica aqui minha homenagem, em especial, a essa mãe que perdeu seu filho ontem. Hoje, a gente vê o Brasil inteiro se solidarizando com ela, mas muita gente ainda, especialmente organizada por essa extrema direita, questiona o que o filho dela fazia, em vez de questionar o papel e a violência da Polícia.
É isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Fábio Félix, Presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, que nos chama a algo que também é fundamental: a unidade de todos os movimentos nessa linha dos direitos humanos, para mudarmos o verdadeiro estado de truculência, de agressão à nossa gente, principalmente aos mais pobres, sejam eles negros, brancos ou índios; sejam eles LGBT; sejam eles de alguma opção religiosa, o que também é legítimo, sejam eles de matriz africana, sejam eles evangélicos ou católicos. Só com a unidade podemos conseguir mudar essa caminhada de tanta violência contra a nossa gente.
Parabéns pela sua fala!
Agora, passo a palavra, em homenagem ao grande Paulo Freire - e o Paulo dizia: "A mim, nada; só a ele!" - e, naturalmente, a você, pelo trabalho que faz também, ao Paulo Freire, advogado.
O SR. PAULO FREIRE - Boa tarde a todos e a todas!
Quero cumprimentar o Senador Paulo Paim, já lhe agradecendo pelo convite e pela oportunidade de socializar um pouco o debate que fazemos no setor dos direitos humanos, no MST, a respeito da criminalização das lutas populares, das lutas sociais.
Estamos aqui em homenagem ao dia 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Vamos, então, tentar colocar alguns elementos que nos possam ajudar a ver como é que vamos nos posicionar daqui em diante. Acho que o nosso grande objetivo é que possamos construir uma unidade, um posicionamento em comum em defesa dos direitos humanos, em defesa das lutas populares.
Como o próprio nome já diz, a criminalização diz respeito a tornar as lutas populares em atividades criminosas.
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Há uma tentativa de setores do Poder Judiciário e do próprio Poder Legislativo, do Estado brasileiro, de transformar as lutas populares legítimas e constitucionais, de setores populares, em crime. Isso já foi feito durante todo o processo de luta por direitos. Em alguns momentos, tentam transformar isso em atividade criminosa.
Estamos fazendo o seguinte debate: temos de reconhecer que a luta por direitos humanos é uma luta de séculos, de muitos anos atrás, inclusive da época das revoluções burguesas francesa e inglesa do século XVIII e do século XIX, que tinham bandeiras de luta pela igualdade, pela liberdade. Sabemos que foram apenas conquistas formais, que não se efetivaram na prática. A desigualdade social permaneceu e continua sendo a toada da luta pelos direitos humanos, como vimos no filme anterior.
No nosso caso, onde estão elencados os principais direitos humanos, simplesmente pelo fato de sermos humanos? Estão no art. 5º da nossa Constituição Federal. Há um leque enorme de direitos humanos em outros textos legais, mas o nosso principal arcabouço jurídico que nos orienta na luta pelos direitos humanos é o art. 5º da nossa Constituição, que materializa os principais direitos nossos, simplesmente por sermos humanos. Inclusive, regula os direitos de estrangeiros que vivem ou residem em nosso País.
Quais são esses direitos que estão sendo mais atacados no momento, que acreditamos que estão sendo mais enfrentados? Nós temos o direito, por sermos humanos, de nos reunir. Nós temos o direito, por sermos humanos, de nos associar, de nos organizar. Nós temos o direito, por sermos humanos, de nos manifestar, de expressar livremente o nosso pensamento. Nós temos o direito, por sermos humanos, de que toda a propriedade cumpra a sua função social, de que todo imóvel rural, especificamente, cumpra a sua função social. E nós temos o direito, que também está no art. 5º, por sermos humanos, de sermos considerados inocentes até que haja a sentença transitada em julgado. Lá há a presunção de inocência, que o Supremo reviu, acabando com a presunção de inocência em segunda instância. Mas está no art. 5º da nossa Constituição que, até haver sentença transitada em julgado, devemos ser considerados inocentes.
Esse é o leque, que tentei mais ou menos pontuar, dos principais direitos humanos que temos, que estão no art. 5º, que, inclusive, não pode ser alterado nem por emenda constitucional, somente através de uma nova Constituição, porque é considerado cláusula pétrea. É direito e garantia individual de todos nós, coletivamente. É direito, é garantia fundamental para que sejamos considerados humanos.
Vou destacar, especialmente, a questão da função social da propriedade, que é o tema mais afeto à questão da reforma agrária. Está lá que todos nós temos direito à propriedade e que toda propriedade tem de cumprir sua função social.
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E a Constituição foi além: do art. 184 ao art. 186, elenca o que é função social da propriedade rural. Ela não apenas diz que tem de cumprir; ela diz quais são os requisitos que o proprietário deve cumprir para que a propriedade seja considerada uma propriedade que cumpre a sua função social, para, portanto, não ser destinada à reforma agrária. O que diz o art. 186? Diz que ela tem de ser produtiva, tem de ser ambientalmente sustentável e tem de respeitar os seus trabalhadores e trabalhadoras, que têm de ter os seus direitos trabalhistas garantidos. Então, para que uma propriedade seja considerada como uma propriedade que cumpre a sua função social, ela tem de cumprir esses três requisitos simultaneamente. Não basta que se cumpra um deles.
Então, a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras que se organizam para reivindicar a reforma agrária, que também é um direito fundamental - e é dever do Estado implementá-la -, serve para que isso seja efetivado, para que a Constituição seja cumprida. Então, os trabalhadores e as trabalhadoras rurais sem terra se reúnem, manifestam-se e se organizam para que a Constituição seja cumprida e para que todas as propriedades cumpram sua função social nos seus três pilares, não somente no pilar da produtividade, para a exportação de commodities e para a acumulação de riqueza por parte de poucas pessoas, mas para que cumpram também principalmente o pilar ambiental e o pilar trabalhista, para que ambientalmente elas sejam sustentáveis. Ela não pode ser produtiva utilizando o trabalho escravo, ela não pode ser produtiva depredando todo o meio ambiente que se encontra nela. Então, a luta é feita para que isso se efetive. Isso está na Constituição de 1988, no pacto político realizado em 1988. Então, a organização se dá para que isso se efetive.
Como é que tem sido a reação a essas organizações, a essas lutas? Vou dar o exemplo do caso do Paraná. O Valdir já tratou um pouco do caso de Goiás, e eu entraria no caso do Paraná. Como esses setores do Poder Judiciário têm reagido a essas lutas? E, agora, há o elemento novo da Lei de Organização Criminosa, a Lei nº 12.850, de 2013, que passa a considerar alguns movimentos sociais como organizações criminosas que se reúnem. A lei fala especificamente em reunião de quatro ou mais pessoas de forma estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas, para a obtenção de qualquer tipo de vantagem. Inclusive, no caso de Goiás, o Ministério Público imputa um tipo de vantagem ao se fazer reforma agrária; esse seria um tipo de vantagem que não se poderia obter, em tese, pela teoria adotada pelo Ministério Público. Então, é isso! E fala que isso se dá mesmo que seja informal. Então, não é preciso haver estatuto, não é preciso haver nenhum tipo de documento que comprove a estruturação de uma organização. É óbvio, como sabemos, que isso não se encaixa para movimentos sociais, para movimentos políticos e tudo mais.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO FREIRE - Mas se tem utilizado isso. Já há dois casos de utilização dessa lei para considerar militantes da reforma agrária, militantes de causas sociais, como integrantes de uma organização criminosa.
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Então, é uma ferramenta que está sendo utilizada para criminalizar ainda mais os trabalhadores e as trabalhadoras que lutam pela terra.
Há uma série de outras situações. A própria Lei Antiterrorismo ainda não está sendo utilizada, mas já foi dito pelo Ministro da Justiça que, em algumas atividades contra o impeachment, ela se encaixaria. Então, também há a possibilidade de utilização dessa lei contra organizações populares.
Há a questão da autotutela como ato de império, cumprimento de reintegrações de posse sem ordem judicial, simplesmente com a utilização de força policial extremamente desproporcional contra ocupantes desarmados. Nós vimos isso frequentemente na questão das escolas públicas em São Paulo e em outros Estados, onde, sem ordem judicial nenhuma, com a utilização de força policial armada, ocupantes desarmados foram retirados de escolas.
Especificamente, Senador, sobre a questão do Paraná, de companheiros e companheiras que estão presos preventivamente em decorrência de ordens de prisão preventiva. São seis companheiros e companheiras que estão presos e há seis que estão ainda em liberdade, mas com ordem de prisão decretada. Dentre esses seis, há uma companheira de 20 anos que se encontra presa em Cascavel, inclusive dividindo uma cela com homens, sem banheiro. Portanto, para fazer suas necessidades vitais, tem que se utilizar de sacolas. Isso tudo não sou eu quem está dizendo, a Defensoria Pública foi lá e fez um laudo de vistoria da situação daquela carceragem específica.
Nós já impetramos habeas corpus para todos esses que estão presos e gostaríamos que, através da Comissão de Direitos Humanos, pudéssemos fortalecer essa tese, que inclusive foi vencedora agora, dia 18, no STJ, de que organização popular não é organização criminosa. A 6ª Turma do STJ disse isso, mas localmente, principalmente em primeira e em segunda instância, ainda se utiliza muito o poder local para tentar criminalizar e tentar evitar que avancem as lutas por direitos.
O caso especifico dessa companheira: a prisão dela foi em virtude de uma ação do 8 de Março, supostamente liderada por ela, numa empresa de pínus e eucalipto que atuava numa área que a Justiça Federal já decretou como área da União. Ela grilou e utilizava aquilo de forma irregular, inclusive usando de má-fé. Utilizou-se de má-fé para isso, o que retirou o direito dela de receber indenização pela produção e, eventualmente, pelas benfeitorias que tem na área. São mais de 60 mil hectares utilizados, e houve, então, uma ação para denunciar essa grilagem de terras públicas, terras já reconhecidas pela Justiça Federal, TRF 4. Ela foi considerada líder de uma organização criminosa por fazer uma atividade de denúncia e demonstrar que havia uma empresa utilizando bem público para produzir e se enriquecer individualmente.
(Soa a campainha.)
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O SR. PAULO FREIRE - Então fica essa sugestão aqui para a Comissão de Direitos Humanos para que a gente possa, em conjunto, atuar no Tribunal de Justiça do Paraná, ou aqui mesmo no STJ, para tentar desconstruir essa ideia que estão querendo dizer que o movimento popular, que a organização popular que luta por direitos constitucionais são organizações criminosas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Paulo Freire, advogado do MST, que lembra, no conjunto da sua fala, que estão trabalhando fortemente para criminalizar os movimentos sociais, atingindo diretamente os militantes.
Mas eu fiquei muito, eu diria, até assustado, porque há muitos anos, quando eu presidia ainda esta Comissão de Direitos Humanos, e é a terceira vez que eu venho presidir, tivemos um caso semelhante a esse de uma menina estar numa cela com os homens.
Enfim, a denúncia veio, nós agimos, e eles, de pronto, resolveram. Agora você me reafirma que hoje, novamente, existe isso. Ela está numa cela com homens?
O SR. PAULO FREIRE - Sim, no mesmo pavimento.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Que barbaridade.
Vamos para os encaminhamos e vamos estar juntos. No final seria bom que você ajudasse na forma de como eu posso intervir, participar em nome da Comissão nessas situações.
Silvio Albuquerque, Embaixador, Secretário Adjunto da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania.
O SR. SILVIO JOSÉ ALBUQUERQUE E SILVA - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.
Cumprimento a Mesa, senhoras, senhores.
Inicialmente, Senador Paulo Paim, quero reconhecer a importância da realização desta audiência pública que reflete a preocupação do Senado e do senhor especificamente com a discussão de todas as questões relativas aos direitos humanos. E como um diplomata que está na carreira há 31 anos, sou testemunha do engajamento do senhor com a temática dos direitos humanos em todas as suas dimensões.
E como ao longo da minha carreira eu permaneci mais de 20 anos militando dentro do Itamaraty com os direitos humanos, havendo trabalhado na divisão dos direitos humanos, a divisão de temas sociais, eu me recordo da sua participação essencial na definição de posições avançadas que o Brasil levou para a Conferência Mundial de Durban quando o paradigma do Estado brasileiro em relação à questão racial mudou a partir dali, da preparação em 1999 e 2000.
E sendo esse um tema da minha afinidade eletiva, direitos humanos e a luta contra a discriminação racial, eu faço um reconhecimento público ao seu papel no fortalecimento da linguagem da política externa brasileira, que reflete hoje na questão racial aquilo que, de fato, é o quadro real do Brasil.
Quero saudar o meu amigo Paulo Maldos, fomos copresidentes do grupo de trabalho que buscou regulamentar a consulta prévia prevista na Convenção 169, fizemos um trabalho hercúleo. Eu no Itamaraty, Paulo Maldos como secretário nacional de articulação social. O trabalho não chegou ao seu final, por várias razões, mas foi um grande aprendizado para a sociedade civil, para o Estado brasileiro em relação a essa dívida que o Estado ainda tem com todos aqueles que são sujeitos de direito da Convenção 169 da OIT.
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Fazendo referência à história que eu não conhecia, a história de vida de Marcus Vinícius, eu faço aqui uma digressão biográfica, me permitam, recordando que sou neto de um ex-Deputado negro, alagoano, radicado no Rio de Janeiro desde 1910, que teve três mandatos parlamentares na década de 40. E numa audiência que lhe foi concedida pelo então Presidente Getúlio Vargas, no início dos anos 50, questionou o Presidente pela inexistência de negros na carreira diplomática.
Passei num concurso da carreira diplomática em 1985, Senador, e desde então percebe-se que, embora tenhamos tido uma evolução na inserção de negros na carreira diplomática, ainda dista muito do sonho do meu avô, José Bernardo da Silva, de que o Itamaraty tivesse, hoje, uma realidade racial que refletisse a diversidade do povo brasileiro.
Mas reconheço também aqui o seu papel central, por meio de legislações e de audiências públicas que levaram a instituição a que eu pertenço e também o meu colega Milton Rondó, que cumprimento aqui, cuja trajetória no Itamaraty em defesa dos direitos humanos é reconhecida por todos, que estivesse ainda distante o Itamaraty da realidade racial do povo brasileiro.
Eu queria fazer uma referência histórica ao fato de que celebrou-se agora, no dia 10 de dezembro, o 68º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa declaração nasceu como uma recomendação ou, na linguagem das Nações Unidas, como uma resolução da Assembleia-Geral das Nações Unidas, realizada em 10 de dezembro de 1948, em Paris. E poucos sabem que ela foi aprovada com voto favorável de 48 países, mas com abstenção de 8 países.
Era uma ONU ainda pouco representativa da população mundial. Alguns anos mais tarde, em 1993, com a Conferência de Viena, essa Declaração Universal foi reforçada nos seus aspectos centrais ligados à universalidade e indivisibilidade dos direitos quando foi confirmada na sua legitimidade por um universo de 177 países.
Essa Declaração Universal inicialmente era vista como mera recomendação aos Estados-membros, uma relação deles com os cidadãos submetidos à jurisdição dos Estados, mas aos poucos o seu caráter jurídico e de costume internacional veio a ser consolidado, basicamente por meio de decisões da Corte Internacional de Justiça.
E hoje é reconhecidamente a Declaração Universal o instrumento central de proteção dos direitos humanos no mundo e aquele de linguagem mais acessível ao homem comum dos quatro quadrantes do mundo.
Curiosamente, países que lideraram processo de redação da Declaração Universal não praticavam os valores e princípios que foram consagrados na Declaração Universal.
Os Estados Unidos, em 1948, ainda conviviam com o sistema de Jim Crow de segregação racial, só superado anos depois, em 1954, com a decisão da Suprema Corte norte-americana que acabou com a segregação racial nas escolas, e, mais tarde, em 1965, com a lei dos direitos civis. E ao mesmo tempo a Europa ainda convivia com um império colonial, basicamente a Grã-Bretanha e a França.
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Portanto, a Declaração Universal nasce com essa contradição intrínseca. Daí ela ter exigido um trabalho extraordinário da parte daqueles que são os verdadeiros redatores da Declaração, que, ao contrário do que o senso comum indica, há muitos que criticam a falta de pluralismo e universidade da Declaração Universal, ela teve como seus redatores, primeiro Eleanor Roosevelt, norte-americana; mas também John Humphrey, canadense; dois filósofos extraordinários no papel que tiveram na introdução de direitos sociais e econômicos, que foram Charles Malik, que era libanês, e Chang, chinês, e um latino-americano pouco conhecido por muitos Hernán Santa Cruz, que foi o principal responsável pela introdução dos direitos econômicos e sociais na Declaração Universal.
Ela estabelece aquilo que a Secretária Especial dos Direitos Humanos, a Profª Flávia Piovesan, chama numa expressão muito feliz de mínimo, ético e redutível. Ou seja, os trinta artigos da Declaração Universal que hoje são ensinados desde as escolas básicas até as universidades de todo o mundo são perfeitamente compreensíveis e foram depois sedimentados em convenções internacionais que vieram a proteger tanto o ser humano na sua capacidade global, como ser humano universal, com direitos universais, como o ser humano na sua especificidade mais direta.
Mas é essa Declaração de 1948 que merece ser exaltada porque é o pontapé inicial contemporâneo a tudo aquilo que se erigiu a partir de então, como proteção internacional às pessoas em todo o mundo. Ela sofre hoje talvez a sua mais grave ameaça, havendo superado desafios como o desmoronamento dos impérios coloniais, os dilemas da Guerra Fria, a queda do muro, o fim do Apartheid e as chagas, algumas delas, da globalização, hoje ela enfrenta desafios internos e internacionais de grande monta.
Comentou-se aqui sobre o Brexit, que foi a decisão dos eleitores da Grã-Bretanha de se afastarem da União Europeia.
Essa decisão infeliz foi denominada pela socióloga Angela Alonso como uma guerra da província aos cosmopolitas. Ela questiona o coração da universalidade dos direitos humanos e ela se alimenta de preconceitos e desvalores que estão consagrados em 1948, na Declaração Universal.
A razão de fundo da decisão tomada pelos eleitores britânicos, que também se reproduz em outros horizontes e dentro da Europa Ocidental, fonte inspiradora de evoluções jurisprudenciais e legislativas mundo afora, ela reflete um profundo mal-estar que é também o mal-estar que está presente em outras partes do mundo. E difere muito pouco do mal-estar de cidadãos brasileiros e latino-americanos em geral. Ela foi uma votação que expressa uma reação ao desmonte das políticas de bem estar social erigidas na Europa e partes do mundo depois da Segunda Guerra Mundial. É uma reação aos efeitos nocivos da globalização e também é uma recusa da aceitação de um padrão de liberalismo econômico radical que ignora os interesses do cidadão comum protegido pela Declaração Universal.
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Diante desse cenário, é preciso lembrar Zygmunt Bauman, talvez aos 90 anos o mais lúcido analista desse mal-estar existencial da pós-modernidade, que no seu conceito de modernidade líquida mostra que a questão dos refugiados hoje se transferiu na Europa de uma discussão do campo dos direitos humanos para uma discussão para o campo da segurança interna.
E Bauman enxerga a humanidade como em crise e é uma crise de longa permanência. Não nos iludamos. E ela é ampliada tremendamente pelos grupos que controlam o que ele chama de medos sociais. Para Bauman, não há outra saída para essa crise existencial que não seja a da solidariedade entre seres humanos. Daí o papel central - e eu resgato o início da minha intervenção - que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem hoje em dia.
Eu finalizo com duas reflexões sobre esse dilema que enfrentamos no Brasil e mundo afora em que se questionam os valores contidos nos trinta artigos da Declaração Universal e se questionam, portanto, a legitimidade da luta em favor dos direitos humanos.
Neste fim de semana, sábado, o jurista Oscar Vilhena disse que paradoxalmente, na América Latina, com algumas exceções, as novas gerações têm ampliado sua adesão aos princípios contidos na Declaração Universal.
É o que vimos nas ruas, nas ocupações, a juventude tomando para si os valores contidos na Declaração Universal direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente, e fazendo desses trinta artigos e também da Constituição brasileira uma barricada em defesa dos direitos humanos.
Na visão de Oscar Vilhena, o que mais preocupa em nossa região, em especial no Brasil e no México, é aquilo que ele chama de um profundo declínio na confiança em relação à capacidade das instituições em cumprirem com as suas promessas.
Embora tenhamos uma multiplicidade de problemas, Vilhena diz: "Não fomos engolfados pela raivosa maré que nega a centralidade dos direitos humanos." Ou seja, apesar de reconhecer a perigosa existência do discurso de ódio, de cisão de valores contidos na Declaração Universal por parte da direita e extrema direita brasileira e mundial, ainda há esperança na América Latina, porque ao contrário do que vige em boa parte dos continentes, na América do Norte, na Europa, há uma juventude que no Brasil pulveriza a discussão sobre direitos humanos influenciando geracionalmente a capacidade de reinvenção do próprio conceito de direitos humanos.
E finalmente Nelson Mandela, em 1998, seu último ano como Presidente da África do Sul, ele discursou na celebração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 1998, nas Nações Unidas.
E Mandela lembrava que a Declaração Universal para um homem que ficou preso a partir de 1964, por 27 anos, a Declaração Universal foi talvez a fonte inspiradora maior dele para resistir à opressão e buscar, ao sair da prisão, concretizar os valores que o inspiraram ao longo de sua luta contra o racismo na África do Sul.
Mandela dizia que a Declaração Universal constituiu para ele ao mesmo tempo um desafio, uma vez alcançada a liberdade, pois obrigou permanente os governos sul-africanos eleitos pelo voto legítimo do povo negro sul-africano e branco a dedicarem-se à plena implementação dos direitos contidos naquele instrumento, sem rancor, sem revanchismo.
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Para ele, para Nelson Mandela, em 1998, nas Nações Unidas, o grande desafio da comunidade internacional no final do século XX, início do século XXI, seria a construção de um mundo consistente com um conjunto de valores consagrados da Declaração.
Então, as minhas palavras são palavras de reflexão no momento de profunda preocupação no Brasil mundialmente, com os retrocessos no campo dos direitos humanos, mas acho que ali na Declaração, que nós celebramos seu 68º aniversário, no último dia 10, ali estão, nos trinta artigos, os princípios básicos que devem inspirar não só o agente do Estado, porque os direitos humanos devem ser vistos como política de Estado, política pública, mas também todos os militantes que sacrificam as suas vidas.
O exemplo maior do Marcus Vinícius, cuja filha está aqui presente, para que os retrocessos que já vivenciamos não sejam retrocessos que perdurem, ao contrário, que tenhamos força e que tenhamos consciência clara de que Estado e sociedade civil podem e devem atuar em defesa dos valores contidos na Declaração de 1948.
Senador, muito obrigado pela oportunidade.
Em nome da Secretária Flávia Piovesan, mais uma vez, cumprimento o senhor pela realização da audiência e pelo seu trabalho em defesa dos direitos humanos no Senado Federal. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos ao Silvio Albuquerque, Embaixador, Secretário Adjunto da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania, que fez toda uma retrospectiva histórica, inclusive, muito interessante, e termina com Nelson Mandela, que foi, deste século, o líder número um em matéria de direitos humanos.
Meus cumprimentos pela fala.
Nós estamos com um problema de horário. Nós temos uma reunião ainda e está prevista a votação da PEC amanhã. Nós vamos passar a palavra neste momento à Deputado Erika Kokay. Depois eu vou ler os encaminhamentos. Se o pessoal entende que os encaminhamentos são esses, nós podemos adiantar.
Nós temos ainda a fala... A sua fala está assegurada.
O senhor pode se identificar.
(Intervenção fora do microfone.)
Vocês dois vão poder falar em seguida.
Deputada Erika Kokay, sempre é um prazer ouvi-la.
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Primeiro quero parabenizar a Comissão de Direitos Humanos do Senado, Senador Paim, que tem feito uma discussão acerca dos direitos na sua concepção.
Estamos lembrando o dia 10, que é o dia em que a humanidade tentou fazer o luto dos campos de concentração, fazer o luto dos fornos de crematório, das câmaras de gás. Nós temos a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana que, dentre outras coisas, diz que todo ser humano nasce livre. Nasce livre igual em direitos e dignidade.
Portanto, os direitos humanos pressupõem a dignidade humana. É um conceito, penso eu, que está acima da própria cidadania que envolve direitos e deveres. Porque os direitos humanos são o conceito de dignidade humana.
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Nos cabem os direitos à medida que somos seres humanos. Não somos donos da vida, fazemos parte de uma trama de vida, rica e bela e diversa, mas temos peculiaridades, peculiaridades de transformação, porque o ser humano tem a possibilidade de ter consciência da vida, de pegá-la pelas mãos e transformá-la.
Portanto, a nossa humanidade se faz na luta. A luta nos faz e nos traz o reconhecimento humano, como também o afeto e o amor nos trazem reconhecimento humano porque somos seres faltantes. É com o outro que nós definimos as nossas identidades. É com o outro que nós construímos um processo de transformação. Negar a alteridade, como o fundamentalismo busca negar, seja o fundamentalismo religioso, o patrimonialista ou o punitivo, é negar a nossa própria humanidade e a nossa construção de sujeitos.
Então, na luta, no amor e na liberdade é que a gente se faz humano. A gente se faz humano, na condição de sujeito, carregando as nossas identidades e tendo a liberdade de implementá-las e de expressá-las, porque isso só se faz também com a liberdade. Eu digo isso porque nós vivemos um processo muito semelhante, uma lógica manicomial invadindo as relações sociais - uma lógica manicomial. A lógica manicomial anula o outro, cala o outro e impede que seja reconhecido na sua condição humana. A condição humana é negada.
Quando o Basaglia esteve aqui, o que ele disse do Hospital de Barbacena? Ele disse: "Isso é um holocausto." Nós não reconhecemos os nossos holocaustos e temos inúmeros holocaustos: o holocausto dos navios negreiros, o holocausto do genocídio, do etnocídio e do epistemicídio que envolve as populações indígenas, aqueles que acham que é possível as pessoas viverem a sua etnia sem que tenhamos os espaços e os territórios. Os territórios são negados porque passam a ser alvo do desejo e da cobiça dos que querem ampliar as suas cercas e fincá-las nas terras indígenas. É a PEC 215. Mas também é a CPI do Incra e da Funai, onde eles vão buscar de novo quebrar sigilo bancário. Quebraram o sigilo bancário do Cimi, de um bispo com reconhecida capacidade de intervenção social, da Associação Brasileira de Antropologia, que virou inimiga dos latifúndios porque são os antropólogos que elaboram os laudos que dão origem ao processo de demarcação das terras, vejam. Então, eles quebraram o sigilo, nós conseguimos restituir, anularam a decisão no Supremo e agora eles vão quebrar de novo. Esta semana, devem apresentar a nova quebra de sigilo bancário, porque reeditaram a CPI sem objeto definido. A CPI existe para poder alimentar a PEC 215, que é a ousadia dos que acham que podem rasgar a Constituição brasileira.
Nós estamos vendo uma etapa de disputa da implementação da própria Constituição brasileira, e mais do que isso: quando a gente vê um negociado se sobrepor ao legislado, que é um direito dos trabalhadores e trabalhadoras, nós temos ameaçada a CLT, ameaçado o que é da década de 40. Quando nós temos a dificuldade para que as mulheres possam ser identificadas como vítimas de violência sexual, que é um projeto do ex-Presidente da Câmara Federal que hoje se encontra preso, que dizia que violência sexual não é toda relação sexual não consentida, violência sexual tem que ser atestada nas secretarias de segurança... Ou seja, nós temos meio milhão de mulheres estupradas. Meio milhão!
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Meio milhão de mulheres, estimam-se, são estupradas no Brasil. E negam haver uma cultura do estupro, negam haver uma construção do estupro que caminha com a condição de coisificar as mulheres, quando se impede a discussão de gênero dentro das escolas.
O Escola sem Partido é a mordaça das escolas. Retirar gênero das discussões e dos planos distritais, estaduais, municipais e nacional de educação significa perpetuar uma coisificação das próprias mulheres e perpetuar o não dizer o nome do próprio amor e as pessoas não terem a liberdade de ser, que é negada à população transgênera. É negada a condição de ser o que se é, a liberdade de ser, a liberdade de amar e o direito à cidade.
O Movimento Ocupa, que os meninos desenvolvem nas escolas, traz isso e me lembra muito de quando as pessoas com transtorno mental também ocuparam os espaços que antes lhes eram negados, onde antes eles não entravam nem de forma subalterna, nem como a mucama saía da senzala e adentrava a casa grande, internalizando a sua própria subalternização. Eles ocuparam.
Eu digo isso, Ana, porque, talvez, um dos movimentos em que a população mais se apropriou das suas conquistas seja o Movimento de Saúde Mental, porque, quando se ousou tirar o responsável pela política de saúde mental do Ministério da Saúde e colocar uma pessoa manicomial, que tinha dirigido manicômio, nós não imaginávamos que fôssemos ter um movimento tão homogêneo no Brasil inteiro e com a participação tão ativa das pessoas com transtorno mental e sofrimento psíquico, que diziam o seguinte: "Para o manicômio eu não volto, para o manicômio eu não volto." As pessoas ocuparam Brasília, ocuparam as instituições dentro dos seus Estados para dizerem: "Para o manicômio eu não volto, porque tem muita dor na minha conquista de estar fora de um manicômio na reforma psiquiátrica."
Nesse sentido, eu encerro fazendo as minhas homenagens ao Marcus Vinícius e dizendo, Senador Paim, que nós deveríamos fazer uma carta, as duas Comissões - a Comissão da Câmara, e eu falo, com certeza, em nome do Padre João, que é Presidente da nossa Comissão de Direitos Humanos, e a Comissão do Senado -, exigindo a apuração do seu assassinato, uma carta dirigida à Secretaria de Segurança ou ao Governador do Estado da Bahia. (Palmas.)
Isso não pode ficar impune - não pode! -, por tudo o que representa Marcus Vinícius para cada uma de nós, pela sua imortalidade, porque ele é imortal.
Quando nós vemos os movimentos e as pessoas que sofreram no manicômio irem às ruas para dizer: "Para o manicômio eu não volto, e eu não vou permitir que o manicômio se estabeleça", nem esgueirado nem nítido... Porque nós temos muita ambiguidade, muitos manicômios que se reproduzem, inclusive, com a capa da luta pela reforma psiquiátrica. Muitos CAPS nós vemos nos manicômios e muita internalização. Muitas comunidades terapêuticas vemos nos manicômios, dentre outras coisas.
Estamos colhendo assinaturas para fazer uma CPI das comunidades terapêuticas, para que nós possamos passar a limpo o que significa um setor que agora foi classificado - e estamos fazendo também um projeto de decreto legislativo para sustar essa portaria - dentre as instituições de saúde do nosso Brasil.
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Então, encerro dizendo, em homenagem ao Marcus Vinícius, que embala as nossas lutas todos os dias - todos os dias -, a luta contra a desigualdade, todas elas, porque uma desigualdade maior vai se naturalizando, a luta contra a naturalização da não existência, da não existência simbólica, da não existência literal, e a luta em defesa de uma reforma psiquiátrica que realmente possa se impor e que já foi apropriada pelas pessoas, que nós possamos fazer essa solicitação de informações e acompanhar todo o processo de apuração do seu assassinato, até porque assassinou cada uma de nós, um pedacinho de nós foi ferido, porque não temos mais aqui todos os dias... Penso como estaria Marcus Vinícius nessa etapa de golpe, de ruptura democrática, como estaria empunhando a sua voz, a sua própria estrutura e a sua própria militância em defesa da radicalidade democrática. Nós temos que acompanhar e fazer com que não tenhamos o manto da impunidade, que faz com que nós tenhamos essa dor que nos atingiu aqui e que nós iremos e vamos transformar em luta pelo exemplo do Marcus Vinícius.
Era isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Deputada Erika Kokay.
Agora passamos a palavra do Delegado da Polícia Federal, Dr. Francisco Badenes.
O SR. FRANCISCO VICENTE BADENES JÚNIOR - Boa tarde, Senador Paim! Boa tarde a todos, especialmente, também, ao Dr. Pedro Wilson e demais presentes.
Eu até iria sugerir, Senador Paim, que fosse ouvida primeiro a testemunha...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só me permita...
Deputada Erika Kokay, quero só dizer que sua sugestão já está colocada aqui na mesa, por sugestão da Ana Bock. Está atendido o seu pedido também.
O SR. FRANCISCO VICENTE BADENES JÚNIOR - Eu agradeço a oportunidade de estar aqui. Inclusive, o meu objetivo é acompanhar o depoimento da testemunha, o Sr. Deusdete, que veio relatar fatos extremamente graves que estão ocorrendo na cidade de Alvorada do Norte, relacionados à prática de um grupo de extermínio que vem agindo no Estado de Goiás e que já foi alvo, recentemente, de uma operação da Polícia Federal comandada por nós, denominada Operação Sexto Mandamento, neste momento, segunda fase da Operação Sexto Mandamento.
Eu iria sugerir que a testemunha fosse ouvida e que depois eu pudesse dar algumas pequenas explicações sobre o que a Polícia Federal vem fazendo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deusdede Rodrigues Neves, vítima de violação dos direitos humanos praticado em Goiás, pela Polícia de Goiás.
O SR. DEUSDETE RODRIGUES NEVES - Boa tarde a todos.
Eu agradeço a oportunidade de estar aqui com vocês.
Sou morador de Alvorada há 37 anos. Fui para Alvorada com 12 anos. Hoje estou com 49 anos. Então, conheço bem a cidade, tenho meus filhos, minha família, todos lá.
De uns anos para cá, eu vim presenciando muito abuso de autoridade, ameaças, intimidações. Muitas mortes vêm ocorrendo, e nada é solucionado na questão das mortes.
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A partir do ano de 2014, tentei até evitar que José Neto Barbosa de Andrade fosse executado. Ele seria executado. Já vinham atrás dele várias vezes, alvejando tiro nele, tentando executá-lo. Então, no ano de 2014, eu tentei, conversando com o PM Freitas, José Wilson de Freitas, por ele estar sempre rodeando a casa dos parentes, conversei com ele e disse que poderiam fazer a prisão dele, que tinha como fazer, por ele ser tio dos meus meninos. Ele disse o seguinte: que eu não entrasse nisso aí não, que eu deveria sair fora porque ele seria executado.
Em seguida, procurei um policial civil. Ele até pediu que a família tirasse o José Neto da cidade. Por aquele dizer que o pessoal repete: bandido bom é bandido morto, eu sempre acreditei que bandido bom é aquele que volta para a sociedade, que vai cuidar dos seus filhos, que volta para a família. Esse policial tentou me ajudar, só que no momento em que o Zé Neto estava em um local, havia sempre informantes para poder tentar ajudar na sua execução, porque sempre estavam ajudando civis, militares, carcereiros, diretor de presídio, todo esse pessoal. Então, quando o policial civil e eu propusemos que se fizesse a apreensão dele - apreensão, e não execução -, prometeram, sim, que iria ser feita a apreensão de José Neto. Tudo bem! Passaram dias, eles invadiram a residência da irmã de José Neto, fizeram barbaridades, espancando toda a família, batendo em crianças, jogando crianças nas paredes. O que aconteceu? José Neto saiu daquele local e eu procurei o policial e pedi que ele não mexesse mais, porque eu não tinha como ajudar, já que o José Neto não estava naquele local e o local onde ele estava eu não sabia mais.
O que aconteceu? No dia 9 de janeiro de 2015, ele foi executado em uma emboscada na beira do rio, por conta de informantes. Ele seria executado no dia 8. Uma pessoa me ligou e pediu que avisasse à família e tirasse o José Neto do local onde ele estava, só que eu não sabia; que o tirasse de lá, porque ele iria ser executado. Conversei com a irmã dele, minha ex-esposa, avisei para ela: "Tire o Zé Neto de lá porque ele vai ser executado hoje." No dia seguinte, ela conversou comigo e perguntou: "E aí? Por que ele não foi executado?" Aí, eu disse: porque o informante sabia que ele não estaria lá no dia 8. No dia 9 ele foi executado.
Para resumir, de lá para cá, já estava sendo feita uma investigação da Polícia Federal a respeito de três rapazes que foram executados, um deles em Alvorada.
(Soa a campainha.)
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O SR. DEUSDETE RODRIGUES NEVES - No mesmo tempo em que estavam executando um rapaz, eles desapareceram com mais dois. Eu prestei depoimento para a Polícia Federal e, de lá para cá, estou sendo alvo de perseguição o tempo todo pela Polícia Militar. Eu fui abordado pelo policial José Wilson de Freitas, fui ameaçado, passei mais de meia hora com uma pistola na minha cabeça, na minha testa, pelo PM Jerônimo. Então, mesmo depois da prisão deles, eu continuo sendo ameaçado por policiais militares. Na minha cidade, quem manda são eles. Eles é que mandam lá, o território é deles.
Peço aqui, para finalizar, por caridade, pelo amor de Deus, que levem a Alvorada do Norte uma comissão dos direitos humanos para que seja feito um trabalho, em Alvorada e em toda a região, a respeito da conduta de policiais militares e civis que estão trabalhando desonestamente, invadindo residências, colocando fogo, espancando adolescentes. Inclusive, tirei meus filhos, há um ano, de 14, 17 e 18 anos de Alvorada. Estou em Alvorada apenas com minha filha de 4 anos e minha esposa. E estou correndo risco de vida, porque já tive minha casa danificada mais de quatro vezes.
Segunda-feira passada um rapaz, inclusive, as fotos estão com eles, foi todo arrebentado. Só porque citou o nome de José Wilson de Freitas, apanhou muito. E os PMs disseram o seguinte: "Não se preocupe, quarta-feira ele estará aqui, nós teremos o prazer de trazê-lo aqui na sua casa. Ele vai visitar todas as pessoas que o denunciaram."
O que eu tenho a dizer é isso. Peço a vocês, mais uma vez, que não esqueçam Alvorada, porque lá não é mais aquela pacata cidade, mas uma cidade que se tornou, em 2016, uma cidade terrorista. Nossa cidade virou uma favela, um lugar como se fosse o mais perigoso do Brasil não pelo bandido, mas, sim, pelo trabalho das polícias civil e militar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Importante esse depoimento.
Nós vamos nos encaminhando, depois da fala do Delegado Francisco Badenes...
O SR. FRANCISCO VICENTE BADENES JÚNIOR - Para concluir, um breve relato. A Polícia Federal instaurou um inquérito, por determinação do STJ, mediante Incidente de Deslocamento de Competência, para apurar a atuação de grupo de extermínio na região de Goiás. Isso gerou a denominada Operação Sexto Mandamento, agora Operação Sexto Mandamento segunda fase, pela qual, inclusive, esses policiais militares citados pelo Deusdete se encontram presos.
A situação descrita pela testemunha, pelo Deusdete, é de extrema gravidade, porque ela vem sendo comprovada pelas investigações realizadas pela Polícia Federal, que estão extrapolando os limites do inquérito que eu presido, porque meu inquérito tem o objeto de apuração muito restrito, que é o extermínio, no caso, de dois rapazes que foram levados, e é um crime conexo com outro homicídio.
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Mas o que a gente tem percebido é que a situação é muito mais grave do que versa o primeiro objeto de apuração desse inquérito. Seria realmente oportuno, eu acho, que a Comissão fizesse uma visita na cidade para poder verificar aquilo que está acontecendo.
A par disso, como a gente considera que o crime praticado por grupo de extermínio afronta a vida humana, que é o maior objeto jurídico tutelado, eu também gostaria de sugerir ao senhor e aos demais membros da Casa que fosse feito um projeto de lei no sentido de que, na existência de um inquérito com relação a grupo de extermínio, que essa investigação seja considerada prioritária e que os organismos policiais disponibilizem os recursos necessários para essa investigação. Isso numa analogia a uma lei mais recente, que determinou que a tramitação dos crimes considerados hediondos deva ser prioritária.
Assim, eu acho que seria muito oportuno que no âmbito policial as investigações sobre grupos de extermínio também fossem prioritárias, devido ao objeto jurídico que é a vida humana, e que também fossem disponibilizados os recursos necessários para tal fato, para tal apuração. Como bem colocou aqui o representante da Secretaria de Direitos Humanos e todos os demais que falaram, a violência contra a vida humana, aqui no Brasil, já excedeu os limites do razoável. Nós estamos assim em níveis alarmantes, que perpassam países que estão em guerra.
Acredito que a investigação policial tem que ser privilegiada nesse sentido.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Delegado Francisco Vicente Badenes Júnior.
Deixe-me ver aqui rapidamente os encaminhamentos, pessoal. É só para situar.
Eu também não poderia deixar de falar. A barbárie está tanta, lá fora e aqui dentro - aqui dentro! Só vou listar porque não temos tempo.
Eu sou Relator de um projeto que, em vez de proibir o trabalho escravo, quer regulamentar o trabalho escravo. E claro que o meu relatório vai ser pela proibição. Mas o que eles querem não é isso - está uma briga -, eles querem regulamentar o trabalho escravo.
Há outro projeto, que consegui tirar de pauta, que quer acabar com o horário do almoço dos trabalhadores, que diz: "naquele período de uma hora, vai ao banheiro e volta para a máquina, trabalha com uma mão e come com a outra." Parece mentira, mas é verdade. Consegui tirar de pauta.
Outro projeto é o NR-12. O que é NR-12? É uma norma construída por empregados e empregadores, no governo que antecedeu este - para não entrar que a questão é política ou ideológica -, que diz que as máquinas têm que ter proteção. Eles querem derrubar a NR-12 para tirar as proteções das máquinas que protegem o trabalhador de acidentes, para não perder braço, para não perder mão, para não perder a vida. E disseram que não, não precisa.
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Vão derrubar a NR-12. Deixem a máquina trabalhar à vontade. Quem morrer morreu, quem perder o braço... Em nome da produtividade, olhem a selvageria e a barbárie!
Trabalho intermitente querem votar amanhã. O que é isso? Daqui para a frente, você vai trabalhar por hora para mim. Você fica em casa aguardando. Eu mando te chamar, tu trabalhas duas horas e pago duas horas. Eu te pago duas horas, sem vínculo nenhum. Na outra semana, eu vou te dar dez horas. Você vai receber dez horas, recebe o dinheiro, e pronto. Está para aprovar amanhã. Vai ser uma briga para não deixar aprovar amanhã.
Terceirização da atividade-fim. Como consegui pegar o projeto para relatar, depois de viajar todo o Brasil denunciando, fui aos 27 Estados, agora, conseguiram ressuscitar um outro, que está lá na Câmara. Como eu peguei esse, disseram que vão votar aquele lá, que acaba...
Trabalho terceirizado. Aqui dentro do Senado, por exemplo, há oito empresas que fecharam as portas e não pagaram ninguém. E continua assim. A última agora, a tal Qualitécnica, com 484 trabalhadores. Fechou, foi embora e ninguém foi pago. O pessoal, aqui dentro, perdido, sem saber o que fazer, veio à Comissão, eu fui para cima, mas a verdade é que não foi pago.
Só para terem uma ideia da terceirização da atividade-fim, que vai atingir 45 milhões de trabalhadores que têm carteira de trabalho assinada, a cada 10 acidentes de trabalho com sequela, 8 são de empresa terceirizada; a cada 5 mortes, 4 são de empresa terceirizada; a cada 100 ações na Justiça, 80%, de empresa terceirizada. O salário é 40% a menos. E querem garantir esse espaço para essas empresas terceirizadas.
Nem vou falar da reforma trabalhista e da reforma previdenciária, do negociado sobre o legislado. Isso é para verem a que ponto chegamos, só para mostrar como nós estamos vivendo dentro do Congresso.
Eu tinha de estar, em meia hora, em uma reunião em que veríamos o que vamos fazer diante desse ataque violento ao direito dos trabalhadores.
Vamos agora aos encaminhamentos, rapidamente. Eu botei aqui rápidas frases, mas, depois, naturalmente, com a equipe, a gente vai aprimorar os instrumentos para dar um passo à frente.
Apoiar o referendo para a PEC 55. O referendo já está registrado, é da Gleisi Hoffmann, e nós, desta Comissão, o apoiamos. Infelizmente, a votação é amanhã. Eu já estou apoiando o referendo. Significa chance quase zero de que a PEC não seja aprovada.
Fazer contato com o Tribunal de Justiça de Goiás para tratar do habeas corpus do Sr. Luiz Batista, a fim de que seja julgado de forma rápida e, claro, vamos trabalhar para que seja liberto ainda este ano. Aqui está a ideia. Depois vamos discutir ali com a assessoria.
Apoiar eleições gerais, diretas já, para tirar o País da situação de caos em que se encontra.
Oficiar a Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania e Ministério das Cidades, solicitando o cumprimento do PNDH-3, já aprovado pelo Decreto nº 7.035, de 2009.
Oficiar a 6ª Câmara do Ministério Público Federal para tomar as providências cabíveis ao descumprimento do PNDH-3.
Oficiar o IBGE para que adote medidas cabíveis para realizar coleta de dados sobre o Povo Romani no Brasil no Censo de 2020.
Oficiar o desembargador relator do habeas corpus impetrado em favor de Tiago Ferreira, Fabiana Braga, Antonio Ferreira, Claudelei Lima e Valdemir de Camargo no Tribunal de Justiça Estado do Paraná.
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Desembargador Antônio Carlos Ribeiro Martins, solicitando a série de julgamento dos processos, bem como considerar que fazem parte de uma organização popular que luta por direitos e não são criminosos. Aqui também eu botaria a questão dessa menina, que, de imediato, eles separem-na do pavilhão dos presos.
8) enviar ofício ao Secretário de Segurança e ao Governador do Estado da Bahia para exigir a série de apuração do assassinato do Marcus Vinícius. Você havia solicitado para mim, eu disse que tudo bem, e a Deputada reafirmou.
9) trabalhar pela derrubada da PEC 55, que limita os gastos públicos, e pela derrubada da PEC 287, que trata da reforma da previdência.
10) fortalecer o decreto legislativo para garantir a terra dos quilombolas, que eles querem derrubar.
11) trabalhar contra a PEC 215, que visa trazer para o Congresso Nacional a demarcação da terra dos povos indígenas. Este Congresso que está aí, e vocês conhecem muito bem.
12) fazer os encaminhamentos cabíveis em relação a denúncias feitas pelo Sr. Deusdete e, entre eles, segundo havia me pedido eles, a própria proteção a você como testemunha dos fatos. Urgente. Então, isso aí vocês têm que ver com a assessoria aqui, junto com o Augustinho e com o departamento jurídico, como vocês encaminham isso hoje ainda.
O SR. DEUSDETE RODRIGUES NEVES (Fora do microfone.) - Eu pedir até meu emprego, me tirou até do meu emprego. Depois que ele me tirou do meu emprego, eu não tenho nem como sair mais de casa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Entendi, mas agora aqui o passo primeiro é isso que você foi pedir. Ver como é que a gente faz uma solicitação de proteção à testemunha.
Nós vamos fazer contato com a Comissão de Direitos Humanos da Presidência da República, que está vinculada ao Ministério da Justiça, para essa visita solicitada lá, que seja uma coisa oficial, vinculada ao próprio Ministério da Justiça uma visita na cidade.
Enfim, a última proposta foi ver o que a gente pode construir e fazer contra esses crimes feitos por grupos de ser extermínio que estão se multiplicando em diversos Estados. Você falou na questão da lei.
O SR. FRANCISCO VICENTE BADENES JÚNIOR - Sendo possível que sejam considerados objetos prioritários de investigação. A pessoa tem 500 processos, mas, se tem um de grupo de extermínio, como é vida humana, que seja prioritário.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou botar aqui: prioridade...
O SR. FRANCISCO VICENTE BADENES JÚNIOR - Para investigação policial.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... para investigação policial.
O SR. FRANCISCO VICENTE BADENES JÚNIOR - E com os devidos recursos para a investigação.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aí a gente vai... Eu não vou botar todos os detalhes aqui porque é só uma frase para marcar: com prioridade para investigação. O.k., pessoal?
Essa é a leitura.
A SRª GRAZIELLE CUSTÓDIO DAVID - Senador, tem como acrescentar três encaminhamentos sobre a PEC 55?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu posso.
A SRª GRAZIELLE CUSTÓDIO DAVID - Considerando a carta da ONU, que o senhor leu hoje?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A carta da ONU eu li aqui na íntegra.
A SRª GRAZIELLE CUSTÓDIO DAVID - Sim. Eu posso falar três encaminhamentos referentes a isso?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, já dite aí. Sem problema. Fale.
A SRª GRAZIELLE CUSTÓDIO DAVID - O primeiro que a Comissão faça uma solicitação para o Governo sobre o que ele está repassando para o relator especial da ONU, uma vez que o relator solicitou do Governo informações sobre esse processo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você pode ler agora, mas, depois, você entregue à assessoria.
A SRª GRAZIELLE CUSTÓDIO DAVID - Entrego, sim.
A segundo que o Governo dê transparência e garanta a participação social nessa troca de informações com a ONU.
E o terceiro que a Comissão de Direitos Humanos encaminhe para o Plenário ou para a Mesa Diretora um requerimento pedindo o adiamento da votação da PEC, considerando esses novos fatos que ocorreram entre a primeira e a segunda votação, com o pronunciamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da ONU, de que o Brasil irá não apenas atacar diretamente direitos humanos, mas também tratados os quais ele já ratificou em 1992 e 1996.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sem problema nenhum. Nós colocaremos o documento, mas lembrando que a Senadora Vanessa Grazziotin - inclusive me informaram aqui há minutos atrás - e outros Senadores estão entrando com uma ação no Supremo Tribunal baseada nessa terceira questão que você levantou. Aqui nós colocaremos os encaminhamentos.
Aprovados os encaminhamentos?
Valeu. Um abraço a todos.
Missão cumprida. A luta continua, companheiros. (Palmas.)
Vamos tirar uma foto aqui para marcar essa data do dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Está encerrada a nossa audiência pública de hoje.
Amanhã pela manhã - lembramos a todos -, é o debate aqui sobre a PEC da Previdência, com especialistas, centrais, confederações, advogados de todo o Brasil. O.k.?
Encerrados os trabalhos de hoje.
(Iniciada às 9 horas e 3 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 14 minutos.)