Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Boa tarde a todas e a todos! Havendo número regimental, declaro aberta a 7ª Reunião da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher. A presente reunião destina-se à realização de duas audiências públicas e à apreciação de requerimentos. As audiências públicas serão realizadas em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211. De acordo com o art. 94, §§2º e 3º, do Regimento Interno do Senado Federal, c/c o art. 256 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Presidência adotará as seguintes normas: a convidada fará a sua exposição por dez minutos e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Srªs e pelos Srs. Parlamentares inscritos. Nós damos dez minutos e mais cinco minutos se a pessoa ainda quiser fazer algumas considerações. A palavra às Srªs e aos Srs. Parlamentares será concedida na ordem de inscrição. A primeira audiência pública destinar-se-á a debater o tema da mutilação de mulheres por companheiros, em atendimento ao Requerimento nº 35, de 2015, de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin. Eu queria justificar que tanto a Senadora Vanessa Grazziotin como também a Presidente desta Comissão, Senadora Simone Tebet, estão exatamente, neste momento, participando do Prêmio Berta Lutz, na segunda sala. Por isso, elas não estão aqui presentes. Então, nós vamos tocar as nossas audiências públicas, inicialmente, convidando para assento à mesa a Srª Maria Esther de Albuquerque Vilela, que é Coordenadora Geral da Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde; a Srª Silvia Rita Souza, que é Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; a Srª Gislene Valadares, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria; e a Srª Eduarda Mourão Pereira de Miranda, Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Enquanto as nossas convidadas - a quem eu agradeço e fico muito feliz por estarem aqui conosco - vão chegando, eu queria fazer algumas considerações. É de uma indignação sem igual pensar em tal violação, na brutalidade com que alguns homens agem contra as mulheres. Às vezes, eu me pergunto sobre essa ideia de posse que alguns seres humanos têm, se achando no direito de agredir e de matar uma mulher e, quando não conseguem, vão ao ápice da crueldade. |
| R | Quando nos debruçamos sobre esses casos, nós percebemos a banalização da vida, a naturalização da violência e realmente vamos à extrema indignação e revolta pelo que vivem algumas mulheres. Não sentimos suas dores, mas, neste momento, precisamos reforçar o nosso trabalho de fiscalização e prestar o nosso apoio a essas mulheres, dizer que elas não estão sós, buscar punir severa e justamente esses agressores e trabalhar bastante as políticas locais para empoderar as mulheres. Acompanhamos por esta Comissão, ano passado, um caso ocorrido no Rio Grande do Sul. Uma jovem de 22 anos teve, pelo companheiro, as mãos decepadas e a tentativa dos pés também. Felizmente, os pés conseguiram, através de uma cirurgia... Foi tentado... Ela está em processo de recuperação para andar. Os pés ele também tentou decepar, mas os médicos conseguiram que fossem costurados novamente ao corpo. Vimos de perto o sofrimento dessa jovem. Eu fui lá, como Relatora desta Comissão, para conhecer essa menina que, acima de tudo, estava com uma imensa vontade de viver. Foi o que mais me chamou a atenção. A nossa Comissão acompanhou esse caso pela imprensa e, no mesmo momento, nós tivemos a curiosidade e uma imensa vontade de ajudar, porque essa jovem deu um depoimento aos jornais nacionais, Folha de S.Paulo, Estadão, etc., relatando o sofrimento que ela viveu. Ela teve várias facadas no corpo, e, principalmente, as mãos decepadas e os pés tentaram também fazer acontecer. Repito: uma jovem de 22 anos, como eu falei, que teve as mãos decepadas e a tentativa de decepar os pés. Vimos de perto o sofrimento dessa jovem e de tantas outras que tiveram mãos, pés e rostos desfigurados sob a alegação de ciúmes, rompimento de relacionamento. A maioria dos agressores anuncia o planejado, como foi o caso em Santa Catarina. A criatura disse à mulher quando ela pediu a separação: “Fica tranquila, você não vai mais me ver nem sentir o meu cheiro”. E jogou ácido em seu rosto. Agora mesmo, no concurso de vídeos que esta Comissão promoveu, nós estamos na fase ainda de apreciação, que é "1 Minuto contra a Violência", uma outra jovem nos conta o seu depoimento: “Certo dia, bateram à minha porta e eu abri. Fui surpreendida com ácido em meu rosto". Foi jogado por um desconhecido, que a olhava e ela não o enxergava, não havia gostado dele. Eu queria, também, relatar outra situação. Eu não era ainda Deputada Federal, mas as Deputadas Federais que aqui estão hoje, que eram da Legislatura passada, contam com muito sofrimento que uma jovem, em Minas Gerais - uma senhora que era casada, na verdade -, quis se separar do marido, ele já vinha em um processo de espancamento e furou os dois olhos dela. A partir daí, considerada cega, com necessidades especiais, arguindo que ela não enxergava, portanto, não poderia cuidar bem dos filhos, brigou na Justiça. A Justiça estava no limite de dar para ela a posse, a guarda da criança. Foi aí que eu soube, as Deputadas contaram-me, isso foi na Legislatura passada, quando elas se reuniram. Também estava no limite para espirar a pena, para poder interferir junto à Justiça e pedir que a Justiça não fizesse não desse a guarda a ela sob a alegação de que ela estava cega, e estava cega porque ele havia furado os dois olhos dela. Situações como essas não podem continuar acontecendo. Portanto, parabenizo a Senadora Vanessa pelo teor do seu requerimento, por trazer essa discussão e conclamo todas a nos unirmos em luta para combater todo e qualquer ato de violência contra a mulher e, principalmente, contra a mais cruel, a mais bárbara violência, que é a morte ou a mutilação. |
| R | Com essas palavras, eu gostaria de chamar a nossa primeira inscrita, a Srª Maria Esther de Albuquerque Vilela, Coordenadora Geral da Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde. A ideia, Esther, é que você terá dez minutos e mais cinco. São quinze no total: dez para falar e, depois, mais cinco para ir finalizando. Muito obrigada pela presença de todas aqui. Será, certamente, uma audiência muito rica, para trocarmos experiências, informações e compor o nosso relatório. Muito obrigada. A SRª MARIA ESTHER DE ALBUQUERQUE VILELA - Boa tarde a todas! Eu cumprimento a Deputada Luizianne Lins e cumprimento esta Comissão tão importante para superarmos essa cultura que violenta as mulheres. Já vou me desculpar porque eu estou em outro evento e vou ter que sair antes do término, mas quero dizer, primeiramente, que a violência contra as mulheres é uma questão que diz respeito a todas nós, à sociedade brasileira, uma sociedade machista e com resquícios ainda de um patriarcalismo no qual a mulher se vê em uma situação em que é dominada pelo homem, como posse de um homem. Ou seja, precisamos agir de uma forma integrada, porque a violência contra a mulher, na saúde, encontra limitações e são essas as limitações culturais que nós temos, mas a saúde, sem dúvida, é um locus privilegiado para trabalharmos a violência. Nós sabemos que a violência sexual, principalmente, é uma violência que muitas vezes não deixa marcas no corpo da mulher, mas deixa marcas na alma. E muitas vezes uma mulher vítima de violência sexual não procura o serviço de saúde, não procura a Justiça, não procura ninguém, porque ela tem medo, inclusive, de que duvidem do que ela sofreu. Então, cabe ao serviço de saúde a identificação das situações de violência que as mulheres vivem, principalmente a violência doméstica e sexual insidiosa e permanente e, aí, acolher essas mulheres e, de certa forma, ampliar toda uma situação de vida para que essa mulher possa vencer o ciclo da violência, sair desse ciclo de violência em que ela se encontra. Nesse sentido, o Ministério da Saúde vem trabalhando junto aos Estados e Municípios de uma forma muito, vamos dizer, potente. Eu considero potente, desde 2011, principalmente quando a Presidenta Dilma lançou o Programa "Mulher, Viver sem Violência", que tem como eixo a questão do atendimento à saúde e também nos institutos médicos legais. Ou seja, nós precisamos ampliar a porta de entrada para essas mulheres que procuram serviços contra a violência, e não só das que os procuram, mas daquelas que estão ali com múltiplas queixas, com queixas diversas e que no fundo estão passando por uma situação de violência. Então, o que nós fizemos? Nós fizemos normativas para que os serviços que atendem violência possam ser identificados pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, porque até antes de 2011/2012 nós não sabíamos qual rede estava preparada para atender as pessoas em situação de violência. Aí eu não falo só de mulheres, mas também de homens, idosos, jovens, crianças. |
| R | Nós fizemos essa classificação dos serviços de atenção à violência e fizemos um procedimento. O procedimento chama-se Atenção Multiprofissional às Pessoas em Situação de Violência Sexual. A partir de então, todas as pessoas que forem atendidas poderão ser identificadas, não nominalmente, mas para fins de tomada de decisão e de uma discussão como essa, para nós termos os números dos atendimentos de violência que vão somar-se à notificação compulsória também do sistema de saúde sobre a violência contra a mulher. E não fizemos só isso. Nós sabemos que, para atender a violência, precisamos de sensibilidade e precisamos de qualificação nesses serviços. Então, fizemos a capacitação de 85 hospitais de referência para atendimento à violência sexual contra mulheres e também outras pessoas, mas principalmente mulheres, porque a grande maioria da violência sexual é contra mulheres, e fizemos uma qualificação com três objetivos. O primeiro, o referenciamento em rede, tanto para os institutos médicos legais quanto para os serviços de saúde, qualificando esse trabalho intersetorial entre os dois sistemas. O segundo, qualificar o acolhimento e o atendimento. E o terceiro, possibilitar nos serviços do SUS a coleta de vestígios de violência sexual para que as mulheres não precisem perambular em vários serviços na delegacia, no IML e no serviço de saúde para terem o seu atendimento completo. Então, a partir desse momento, nós autorizamos, e aí não somos só nós, saúde, mas nós, também, Justiça através da Norma Intersetorial de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual; está autorizado que façamos arranjos locais potentes que combinem um fluxo menos penoso para as mulheres, para que elas não precisem peregrinar, perambular e, principalmente, não tenham adiado um atendimento tão urgente que é o atendimento da violência sexual. Eu, como médica, falo de um simples e único atendimento, que não pode esperar uma, duas ou três horas, que é a pílula de emergência. Uma mulher vítima de estupro, se ela espera em um banco para ser atendida uma, duas, três ou quatro horas, além do traslado, quando ela mora no interior, muitas vezes, ali, ela perde a chance de não ter uma gravidez decorrente de violência sexual e isso é uma outra vitimização das mulheres. Ou seja, a demora para o atendimento, a não oferta de um atendimento integrado e integral às mulheres e, além disso, uma não escuta qualificada dessas mulheres. Nós temos casos de mulheres que, após um estupro, não procuram o serviço de saúde, nem de Justiça, nem delegacia, nem nada. Elas vão procurar o serviço de saúde quando se veem grávidas. E quando elas se veem grávidas em decorrência de um estupro e chegam ao serviço de saúde dizendo isso, sofrem uma segunda vitimização, que é a dúvida dos profissionais de que ela esteja falando a verdade. Então, nós lançamos, inclusive, juntamente com juízes de direito, uma norma técnica de atenção às mulheres em situação de abortamento e de aborto legal, colocando claramente que uma mulher que se diz grávida de um estupro tem como primeira ação dos profissionais de saúde e de Justiça o direito de terem acreditadas as suas palavras. Ou seja, através de uma equipe multiprofissional que as atende, elas vão ter, como dizem, a questão da fé pública de que o que elas disseram, de que o que ela disse é verdade. Isso comparado com uma ultrassonografia que vai também comprovar aquele fato que ela falou, e ela vai ter direito ao aborto legal. |
| R | O aborto legal é um desafio no País. Nós sabemos que as mulheres têm restrição de acesso ao serviço de aborto legal. Já estou terminando. Com base nisso, nós também estamos ampliando os serviços de aborto legal. Fizemos um projeto agora junto à Unifesp para qualificar 30 hospitais de ensino universitários que não realizam aborto legal. E nós temos como premissa que o aborto legal deve ser ensinado como uma prática honesta, como uma prática digna, e que todos os profissionais de saúde da ginecologia e da obstetrícia devem saber fazer um aborto previsto em lei, porque isso é um direito das mulheres. Nós trabalhamos muito com a questão da objeção de consciência e sabemos que embora exista a objeção de consciência individual, os gestores têm de prover serviços de saúde que ofertem esse serviço às mulheres e que coloquem ali profissionais que não tenham objeção de consciência para realizar um serviço que é previsto em lei e que o Sistema Único de Saúde deve prover às mulheres. Esse trabalho não é fácil. É um trabalho que... Inclusive, dentro dos hospitais, as equipes que trabalham com a violência sofrem discriminação interna por outras equipes. É como se fosse um trabalho de menor valor, de menor qualidade, um trabalho, entre aspas, "sujo." E nós temos tentado, por meio das qualificações, por meio da discussão junto com a Justiça, por meio também de espaços como este, tão importantes para se discutir esse tema, reverter essa questão do lugar que ocupa o atendimento às mulheres, especialmente o atendimento às mulheres em situação de violência, o lugar que eles ocupam dentro do serviço público. Por fim, nós temos uma lei, que é a Lei nº 13.239, de dezembro de 2015, que acrescenta ao atendimento às mulheres em situação de violência a possibilidade de recorrerem à cirurgia plástica reparadora. Nós trabalhamos juntamente com a SPM nessa lei, e é uma lei de extrema importância, não só pela reparação física, porque se perdeu um pé, porque se perdeu um dedo, porque se perdeu um olho tem a reparação simbólica, pois uma mulher que tem uma cicatriz no rosto e se olha todo dia no espelho com essa cicatriz permanece com essa marca da violência de uma forma muito violenta, vamos dizer assim. Ou seja, a violência contra a mulher tem um grande caráter de risco para sua vida e também de risco simbólico para sua alma. Precisamos, de uma forma bem integrada, trabalhar na prevenção da violência, com os autores de violência, com a questão da violência entre parceiros íntimos. Existe um projeto nosso com a Universidade Federal de Santa Catarina que trata da violência entre parceiros íntimos, porque a maior parte da violência é dentro de casa, entre parceiros, para podermos superar esta nossa sociedade já tão violenta e que subjuga as mulheres de uma forma tão cruel. Então, para terminar, estou aqui representando o Ministério da Saúde e quero dizer que essa é uma das nossas pautas, de várias áreas do Ministério da Saúde. Nós estamos trabalhando junto com a Secretaria de Políticas para as Mulheres para superar a questão da violência e para ofertar um melhor atendimento às mulheres nessa situação. Muito obrigada. |
| R | A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Bom, gostaria de agradecer. Foi muito importante, muito interessante a fala da Maria Esther Vilela, que é Coordenadora Geral de Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde. Antes de passar para a nossa próxima convidada, queria só, Esther, sei que você não vai poder ficar até o final, mas eu queria já dizer que fiquei atenta à sua fala e fiquei com uma pergunta, um questionamento. Você falou dos hospitais universitários, que não estavam... (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - ... que não estavam fazendo aborto legal. Aí eu fiquei na dúvida. A pergunta que eu queria fazer era por quê. Como você é médica, qual é a justificativa ou qual é o impedimento, porque, se na universidade, que, em tese, tem uma compreensão mais profunda da vida, acontece isso, que dirá... Aí, como já fui Vereadora, Deputada Estadual, Prefeita, fico imaginando o que há de ser de um hospital do interior de um Estado, qualquer que seja ele. As mulheres teriam o mesmo direito, porque a lei é universal, é uma lei nacional. Então, se os hospitais universitários não estão preparados, não estão sensibilizados, eu fiquei com a curiosidade enorme de saber a motivação. A segunda coisa que eu queria colocar é que também, como fui Prefeita, mesmo não sendo necessariamente uma coisa do âmbito do Município, a gente se empenhou muito, porque eu já vinha de uma luta desde Vereadora com relação à violência contra a mulher, para que as pessoas entendam que muitas vezes o foco da violência, a gente não entende direito, está no rosto das mulheres. Em especial, você vê marcas no olho, o olho machucado. E a gente começa a entender o motivo disso, que é para... Você imagina como é uma cicatriz. Todo dia você se olha no espelho e se vê com aquela cicatriz. Você não tem outra visão de si mesma, porque é o que você está vendo no espelho. Inclusive, esse projeto que você falou, de dezembro de 2015, é fundamental, porque estabelece que o SUS passe... O SUS tem a obrigação de fazer a cirurgia reparadora advinda de uma violência que a mulher sofreu. Isso pode ser uma coisa simples, mas é uma conquista absolutamente gigantesca para a maioria das mulheres, porque senão elas têm que carregar a cicatriz e, consequentemente, a lembrança dessa violência, por conta dessa cicatriz, para o resto da vida. Então acho que são coisas importantes. E a violência que acontece no rosto é muito simbólica. Nós mulheres temos muito essa coisa da própria vaidade, de você olhar para o outro, quando você está mutilado no próprio rosto, e ter vergonha. A gente vivenciou muitas mulheres talhadas, literalmente - não era uma cicatrizinha, não; o rosto talhado. Toda a vida que elas sofriam violência, tinha a marca. A faca ia e marcava, como se fosse mais de uma vez. Então, quando elas iam se dirigir... Quando a gente ia buscar, tentar ajudar, elas não conseguiam enfrentar com a cabeça erguida. Elas estavam sempre encolhidas, escondendo o rosto. Então, aí faz parte também o que a gente chama de violência simbólica. Muito obrigada pelas suas palavras, Esther. (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Eu quero, se você puder rapidamente fazer isso. A SRª MARIA ESTHER DE ALBUQUERQUE VILELA - Rapidamente, quero só dizer... A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Sobre os hospitais universitários. A SRª MARIA ESTHER DE ALBUQUERQUE VILELA - ... que o aborto legal qualquer serviço de obstetrícia pode realizar, você não precisa ser habilitado. Faz parte do atendimento de um hospital que atende ginecologia e obstetrícia. |
| R | Como você atende um abortamento, você também pode atender, dentro da norma técnica do Ministério da Saúde, o aborto legal. Mas não é isso que acontece, nem no interior, onde a cidade é muito pequena e há toda uma questão de uma vigilância social, moral, ali, daquela situação, porque pela nossa lei restritiva do aborto o que acontece é que aquilo é quase como se estivesse no muro de um crime. Então temos isso. Outra coisa é que nós olhamos pela produção do SH, do sistema de informação nacional, que qualquer um pode olhar, os hospitais que realizaram esse procedimento. Só assim a gente sabe os que realizaram. Há em torno de duzentos hospitais que a cada ano colocam ali o registro de que fizeram entre um... O que fez mais, realizou duzentos abortos legais em um ano. Aí a gente sabe quais são os hospitais que estão realizando esse procedimento. Cruzamos os dados com os dos hospitais universitários e vimos que mais de trinta - nós escolhemos trinta hospitais universitários - não registraram nem um procedimento de aborto legal. Falam que é porque não procuraram, têm várias desculpas para não atender o aborto legal. Então, nós pegamos esses trinta hospitais e fizemos uma capacitação para que eles passem a ter equipes decididas a acolher essas mulheres e a realizar o procedimento. Então é um pouco isto: qualquer hospital pode fazer o aborto legal, tanto que nós temos casos de hospitais do interior que fizeram um aborto legal no ano passado de algum caso que aconteceu naquela cidade. Agora nós estamos trabalhando também junto à Comissão de Residência Médica para, no currículo mínimo de um profissional que se especializa em ginecologia e obstetrícia, estar a questão do aborto legal, dentro da exigência do seu currículo, para que ele saiba realizar essa ação tão importante para as mulheres. Já peço desculpas de novo. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Muito obrigada, Esther. Bom, eu gostaria, Esther, antes de você sair, de lhe solicitar publicamente essa sistematização dessas normas técnicas a que você se referiu para que a gente possa fazer constar do nosso relatório. Gostaria que você enviasse para a Comissão, está certo? Nós temos aí a nossa Secretária da Comissão, a advogada Gigliola, que vai colher isso, para a gente poder ter essas normas técnicas em mãos. Muito obrigada mais uma vez. Queria então passar a palavra para Silvia Rita Souza, que é Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. A SRª SILVIA RITA SOUZA - Eu quero agradecer à Deputada Luizianne e cumprimentar a Eduarda, a Maria Esther, a Gislene. Estamos discutindo aqui este importante tema, e é bem propício, porque nós estamos na campanha dos 16 Dias de Ativismo no Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Na sexta-feira passada, dia 25, a Secretaria de Políticas para as Mulheres lançou a campanha "Machismo pode parar". Realmente tem tudo a ver com esta audiência pública de que nós estamos participando hoje aqui. A Esther falou muito bem. Ela já iniciou algumas coisas que eu pensava falar, sobre o programa "Mulher, Viver sem Violência", que é levado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, que tem um eixo da saúde. Ela falou um pouquinho sobre isso. E falou também de algumas iniciativas que nós temos feito em conjunto, como o protocolo de coleta de vestígios, que a Secretaria de Políticas para as Mulheres também contribuiu na sua construção, e as diretrizes do feminicídio, que são essas diretrizes aqui. Eu até trouxe para vocês conhecerem o material, que foi publicado, foi feito junto com a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a ONU Mulheres também participou dessa construção, que vem de uma diretriz internacional, inclusive, de um protocolo internacional. |
| R | O que causa a mutilação? Nós já vimos alguma coisa da área de saúde. A Esther falou muito bem. Eu queria trabalhar um pouquinho a questão da violência, que é o meu foco. Por que essa violência contra a mulher? Qual é o objetivo da mutilação? O objetivo da mutilação do ex-companheiro é causar sofrimento e dano. E é um causar sofrimento e dano permanente. Não é um dano pequeno. É uma coisa que marca aquela mulher. Normalmente, como muito bem falou a Deputada Luizianne, algumas partes do corpo são focos dessa agressão. Por quê? Para tornar visível a violência, para impossibilitar a realização de atividades cotidianas ou laborais e para tornar a mulher dependente desse agressor. Ou seja, braços, mãos, pés, olhos e orelhas, normalmente, são focos de atenção nessa mutilação, quando o agressor resolve fazer essa mutilação. E por que isso? A Esther também falou muito bem que são aspectos representativos da dominação patriarcal. É uma forma que se tem de impor, de uma maneira muito forte, nítida e direta, que o corpo da mulher é público, é direito dele. O agressor pensa que lhe pertence. Ele pode fazer o que quiser com aquele corpo. Essa mutilação também é expressão do sentimento de controle sobre a mulher: "Ela não se submeteu a mim, então, ela merece ser punida." Além dessa mutilação, existem outras formas de violência que advêm dessa mutilação. Não é só a mutilação do corpo. Com a mutilação do corpo dessa mulher, do braço, da perna, da orelha, do olho, vêm outros tipos de violência. Eu ia citar o exemplo que a Deputada citou, da vítima que teve os olhos perfurados pelo parceiro, o qual, depois, requereu a guarda das crianças. Então, há a questão do impedimento da guarda dos filhos e a questão da exposição no ambiente de trabalho, até o impedimento de trabalho. Quer dizer, além da violência da mutilação, existem outros tipos de violência que vêm com essa mutilação. O feminicídio é um tema que devemos debater muito. Eu gostei muito da presença aqui da Eduarda, da Ordem dos Advogados do Brasil, porque precisamos sensibilizar muito a área do Direito, sensibilizar os operadores do Direito para essa questão do feminicídio. No contexto do feminicídio, muitas formas de mutilação levam à morte. Podem não levar à morte, mas muitas vezes levam à morte. Normalmente, no feminicídio, onde é o foco do agressor? Rosto, seios, ventre e órgãos sexuais. O foco já é um pouquinho diferente do da mutilação. A intenção dele é matar. Às vezes, a vítima não morre, mas não deixa de ser um crime hediondo. Ele tentou matar essa mulher. Então, é importante essa sensibilização dos operadores do Direito para caracterizar esse crime como hediondo, porque, quando o crime é hediondo, ele vai para o tribunal de júri e, quando o crime é apenas lesão corporal grave, ele não vai para o tribunal de júri. Então, é importante nós garantirmos - quem sabe muito mais que eu sobre isso é a Eduarda - que esse agressor vai ser julgado por crime hediondo e não por lesão corporal grave. |
| R | A questão do feminicídio, que tem a ver com a questão da mutilação também, pode ocorrer junto com o sofrimento físico e mental. Há outras violências por trás do feminicídio e da mutilação, que é um meio cruel de mutilação do corpo da mulher. Isso é terrível, é uma marca, como foi falado aqui, que segue a mulher pelo resto de sua vida. Não tem cura, fica no emocional daquela vítima. A cirurgia plástica reparadora, que já foi falada aqui também, oferece essa oportunidade para a mulher recompor o corpo, mas nem sempre consegue, porque como você vai recompor um braço que foi cortado? Não é a cirurgia plástica reparadora que vai resolver isso. Não resolve. Agora, há uma abertura na lei para que se consiga a prótese. Dentro da lei há essa possibilidade. E também a portaria que foi assinada entre o Ministério da Saúde e o antigo Ministério das Mulheres, porque agora nós somos uma secretaria especial, diz que há outras formas de aplicação da lei que não só a cirurgia reparadora. Então, há as próteses que podem ser utilizadas. Os exemplos de causas que a gente pode usar como justificativa para essa cirurgia reparadora ou tratamento reparador são as agressões por meio de arma de fogo, material explosivo, água quente, vapor, fumaça, fogo, gases e até a própria força física. Há vários tipos de objetos quentes e cortantes que podem atingir essa mulher. São casos em que se pode utilizar a lei para atender, apoiar essa mulher. A portaria que foi assinada entre o Ministério da Saúde e o Ministério das Mulheres abrange uma série de questões interessantes, além da cirurgia plástica. Como eu falei, pode ser uma prótese ou outro tipo de tratamento. A nossa portaria - e a própria lei - cita um fato interessante no art. 5º: a central de atendimento à mulher, o 180. A secretaria administra esse serviço, que é a central de atendimento à mulher, que presta informação às vítimas de violência. Olha, eu tenho um dado deste ano: de janeiro a outubro, 108 pessoas - imagino que tenham sido mulheres - consultaram a central de atendimento à mulher sobre a questão da cirurgia plástica reparadora causada por atos de violência. Esse número, no nosso entendimento, é baixo. A gente precisa divulgar mais que o 180 presta esse tipo de informação também. Com certeza, se mais mulheres soubessem disso, nós teríamos muito mais ligações perguntando sobre essa lei. Em todo lugar, a secretaria tem esse intuito, esse desejo de ressaltar que a culpa nunca é da vítima. A culpa não é da vítima. A culpa é do agressor. Então, quando a mulher é revitimizada, além de estarmos agredindo essa mulher moralmente, nós estamos dizendo que ela é merecedora da violência. E ninguém é merecedor da violência - ninguém! Nenhum de nós é merecedor da violência. Então, culpar a vítima, desacreditar a vítima é incentivar a perpetuação dessa violência. E nós todos temos que ter muito cuidado - eu sempre me policio quando vejo uma notícia dessas -, em qualquer situação, em nos policiar como estamos julgando aquela vítima. A roupa dela contribuiu para isso? O comportamento dela? Nada justifica uma mutilação. (Soa a campainha.) A SRª SILVIA RITA SOUZA - Existe uma iniciativa da Secretaria de Políticas para as Mulheres e do Ministério da Saúde da capacitação e humanização tanto dos operadores do Direito quanto dos da saúde. A Esther falou um pouquinho sobre isso. Estamos fazendo esse trabalho já há algum tempo. Não é desta gestão. Outras gestões já vêm fazendo esse trabalho. |
| R | A nossa proposta é que o nosso serviço especializado de atendimento à mulher possa encaminhar esses casos. Nós temos as Casas da Mulher Brasileira. A proposta é que haja uma em cada capital brasileira, que vai receber essa mulher, que pode ser uma porta de entrada dessa mulher para esse serviço de atendimento à saúde também, que vai ser encaminhada para o serviço de saúde. Mas só isso não basta. Nós precisamos também sensibilizar os outros hospitais para esse tipo de cirurgia reparadora, precisamos sensibilizar os operadores do Direito e precisamos dar um atendimento necessário e integral a essa mulher. Não é só a cirurgia que resolve. Nós, Estado, precisamos oferecer a essa mulher atendimento psicológico, assistência social e reposição no mercado de trabalho, que é a nossa proposta no Programa Mulher, Viver sem Violência, onde está inserido o ligue 180 e a Casa da Mulher Brasileira. Uma coisa muito importante, mais uma vez - e a gente precisa da ajuda da OAB -, é garantir que esse crime vá ao tribunal de júri. Esse crime é hediondo e tem que ir para o tribunal de júri. Ele não pode ser considerado um crime qualquer. A mulher foi mutilada. Ela perdeu as suas funções. Tem que ser julgado como crime hediondo, porque é um crime hediondo. Foi uma tentativa de assassinato. Uma pessoa que corta o braço de outra não está brincando. Ela teve a intenção. Não é possível. Então, é um crime hediondo. Essa garantia de que esse autor da violência tenha esse julgamento é importante. Outra questão que estamos trabalhando muito na Secretaria de Políticas para as Mulheres é a responsabilização do agressor. Não adianta só colocar esse agressor na cadeia. A gente não educa agressor. A gente responsabiliza o agressor, o faz refletir com grupos de reflexão sobre a seriedade do ato que cometeu. Ele já está preso. Ele pode ou não estar preso, mas, se está preso, ele precisa participar desse grupo para refletir sobre o ato que cometeu. Então, ninguém educa agressor. A gente o responsabiliza pelo que fez. Ele tem que entender que o que fez é sério e foi um ato contra uma vida. Então, a gente tem trabalhado nisso também. A ideia é ter grupos reflexivos em todos os Estados brasileiros. Nós estamos trabalhando para isso. E é responsabilidade do Governo Federal, junto com o Ministério da Saúde e os outros órgãos do Governo Federal, trabalhar neste sentido: no combate à violência, no apoio a essa vítima, na recolocação dessa vítima no mercado de trabalho, na garantia de que ela possa sustentar o seu filho mesmo sem um braço ou sem um olho. Esse é o nosso papel como política pública, como Secretaria de Políticas para as Mulheres. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Muito boa a exposição da Silvia Rita Souza, que é a Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Agradecemos a colaboração. Passo a palavra, imediatamente, à Gislene Valadares, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria. Quando tocar o barulhinho, só para explicar para vocês, é porque acabaram os dez minutos e têm mais cinco para concluir. A SRª GISLENE CRISTINA VALADARES - Boa tarde a todos! Eu trouxe uma apresentação, mas não sei se vou conseguir passá-la adequadamente, porque a orientação que me deram é que seriam em torno de 20 minutos. Então, talvez não seja muito adequada. Eu vou começar pelo final. |
| R | Quero comentar com vocês que trabalho com saúde mental de mulheres há mais de 25 anos, no Hospital das Clínicas da UFMG. Comecei a minha trajetória trabalhando com pesquisa neuroquímica hormonal, só que, na prática, fui observando como as questões da violência contra a mulher, na verdade, são os principais fatores de risco para o adoecimento psíquico nosso. Não é à toa que as mulheres têm duas a três vezes mais depressão e ansiedade do que os homens, e não é à toa que as mulheres, em especial as vítimas de violência, são quatro a cinco vezes mais acometidas e têm maior sofrimento em relação ao uso de drogas e álcool e seis vezes mais tentativas de suicídio do que a população em geral. Então, é um quadro extremamente grave e que bate à nossa porta. Nós temos um serviço de saúde mental de mulheres que funciona já há muitos anos e temos também um serviço de acolhimento e tratamento de famílias incestuosas. Também, dando sequência, nessa lógica da minha evolução vital nesta luta contra a violência que acomete as mulheres, a observação é que a grande maioria das mulheres que é vitimizada na idade adulta, na adolescência e mesmo na velhice já sofreram outros tipos de violência na infância que funcionam como um trauma precoce e que vão predispor essa mulher a repetir a sua vitimização, infelizmente. Então, temos que fazer um trabalho desde o início. Quero comentar com vocês que, apesar de eu trabalhar já há 25 anos com isso, no início deste ano, a minha irmã de 15 anos foi vítima de uma violência sexual. Voltando da escola às 13h30, ela foi abordada por um homem armado que a levou até uma casa, a estuprou e deixou-a presa por três horas. Depois, abriu a porta, ela conseguiu sair. Estava numa comunidade muito violenta, que ela nem conhecia direito, e ela foi até a casa dela e foi levada até uma delegacia de polícia. Eu estou citando esse caso por ser uma situação de ordem até pessoal, porque aconteceu na minha família, apesar de eu ser profissional e trabalhar com isso, para vocês terem a noção de que é uma realidade a peregrinação por que as mulheres passam. Essa menina foi até uma delegacia de polícia; na delegacia de polícia, disseram que, por ela ser menor de idade, deveria ir à delegacia da infância e adolescência. Chegando à delegacia de infância e adolescência, em torno das 18h50, 19h, já não havia mais ninguém trabalhando. Então, ela foi encaminhada para um dos hospitais de referência, só que a encaminharam erradamente para um outro hospital que não tem a coleta humanizada; não faz parte do protocolo da cadeia de custódia - talvez vocês já saibam o que é, e eu não vou me delongar com esses detalhes. Em torno das 21h, eu fiquei sabendo o que havia acontecido e orientei que fossem - e eu também fui encontrá-la - ao Hospital das Clínicas, onde ela foi atendida, fez a coleta do material. É uma coleta humanizada, que não necessita de a paciente ir até o Instituto Médico Legal. Foi feita a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez, e ela recebeu todo um cuidado, orientação, etc., etc., mas, daí a dois dias, ela foi solicitada novamente a ir à delegacia, onde ela e meu pai foram ameaçados de que, caso ela não fosse ao IML, meu pai seria responsabilizado legalmente por ela ser menor. Então, ela foi para o IML. |
| R | Os apenados todos têm privilégios no sentido de serem atendidos no IML rapidamente. Então, eles ficaram por lá durante, aproximadamente, cinco a seis horas - meu pai tem 92 anos - e, quando chegaram ao atendimento médico, a médica disse que não havia necessidade de eles estarem ali, porque o material dela já fora coletado. Então, eu queria dizer a vocês que, até hoje, não houve nem a aquisição das câmeras que estão instaladas no transporte coletivo, para que haja a responsabilização do agressor, que, provavelmente, pelo método dele, continua abordando outras mulheres e outras meninas, provocando também um sofrimento muito grande. Eu estou levantando isso, porque nós temos, no ideal, em nos nossos ideais, uma série de ideias sobre o que deve ser feito, mas, na realidade, está faltando muita coisa. Está faltando muita coisa. Nós precisamos ter uma preocupação muito grande com o tipo de atendimento feito às mulheres. Não adianta somente fazer uma cirurgia plástica reparadora se essa mulher não tiver um acompanhamento, porque a marca na alma é extremamente profunda, mesmo que não haja uma lesão física visível. São traumas que acompanham a pessoa pelo resto da vida. Eu lanço para todas vocês e também para os homens aqui presentes um desafio: se na família de vocês ou vocês próprias nunca tiveram algum tipo de assédio ou também não foram vítimas de algum tipo de violência de gênero. Nesse sentido, acho que todas nós temos testemunhos a dar, e eu gostaria de levantar para vocês algumas questões. Temos que pensar em responsabilidades e compromissos. Estou representando a Associação Brasileira de Psiquiatria. (Pausa.) Não há nenhum conflito de interesses nessa apresentação. A Associação Brasileira de Psiquiatria é uma associação sem fins lucrativos e que congrega cerca de 12 mil psiquiatras. Atualmente, ela tem 53 federadas, 5 núcleos em todos os Estados da Federação e 5 departamentos. E realiza um grande congresso. Não está passando a apresentação. (Intervenção fora do microfone.) A SRª GISLENE CRISTINA VALADARES - Então, nós temos um trabalho sistematizado contra o preconceito, e o objetivo é combater o preconceito contra os portadores de doença mental e contra os profissionais que trabalham com doença mental. No nosso caso, somos psiquiatras. Então, dentro disso, há uma campanha, que é A Psicofobia é um Crime, e estou trazendo isso, porque, dentro das próprias entidades, das associações, nós temos, além da psicofobia, uma psicofobia de gênero, e isso é muito importante. As mulheres são tidas com as nervosas, as que têm crises, as cheias de piti, de chilique, mas ninguém sabe o que acontece na história de vida das mulheres desde muito pequenas. |
| R | No mundo, cinco das dez maiores causas de afastamento do trabalho estão relacionadas com a saúde mental, em especial, a depressão e a ansiedade, que acometem mais quem? Nós, mulheres. No entanto, o preconceito e a falta de informação dificultam tanto o diagnóstico desses quadros quanto fazem com que as pessoas evitem buscar tratamento, porque elas temem o estigma. Existe um envolvimento grande de Parlamentares e de artistas com essa campanha, e uma outra questão, como eu disse também a vocês: as mulheres vítimas de violência são quatro a cinco vezes mais sensíveis ao uso de álcool e drogas. Não é o uso social; é o uso deletério, com prejuízo. Então, temos também uma proposta de envolver esportes, artes. Para nós, mulheres, as artes são mais interessantes, não é? E comunicação e outras entidades, nessa campanha "Craque que é craque não usa crack". Nós temos também uma campanha de prevenção ao suicídio, cujo principal objetivo é a defesa da vida, e essa campanha se estende atualmente a vários Estados, sendo que, no mês de setembro, são feitas várias atividades de esclarecimento da população, e nós temos, dentro dessa campanha, também uma visão de gênero, que é muitíssimo importante e que passou a ser exercida a partir desse último ano, com muita luta de nós mulheres psiquiatras também dentro da associação, para conquistarmos um espaço que levasse em consideração a questão de gênero. A violência por parceiro íntimo é causa de morte. Ela faz com que as mulheres busquem muitos serviços de saúde. Então, a gente tem um prejuízo de Estado com a violência contra as mulheres, sem contar os problemas psicossociais, físicos, sexuais e as sequelas na saúde mental - depressão, ansiedade, estresse pós-trauma, as tentativas de suicídio e o uso de drogas. Então, a Associação Brasileira também tem uma campanha pela eliminação da violência contra a mulher. Temos, no site da Associação, vários programas que são de livre acesso, com vários profissionais que trabalham nessa área de saúde mental da mulher, também discutindo essas questões. Os prejuízos que as mulheres têm são físicos, com maior risco de obesidade, enxaqueca, doenças cardiovasculares e doenças de médio e de longo prazo. Na saúde mental, chance maior de sofrer de distúrbios mentais com hospitalização, quatro vezes mais dependência de álcool, cinco vezes mais dependência de drogas e seis vezes mais risco de tentativa de suicídio, sendo que isso é agravado pelas mulheres que têm algum tipo de déficit intelectual. Temos que lembrar também dos homossexuais e transgêneros, que também são vítimas, e que têm um prejuízo também muito potencializado nessas situações. As mulheres que engravidam em situação de violência, sendo violência pelo próprio parceiro, que, na maioria das vezes, não é denunciada, muito menos do que a violência sexual por um estranho. Elas tendem a ter mais problemas obstétricos, os bebês nascem com baixo peso, e os partos prematuros são mais frequentes, ou seja, causa também de morte obstétrica e de morte de recém-nascido. |
| R | O trauma da criança que também é exposta à violência pelo parceiro íntimo, a criança que assiste às brigas dos seus pais e à violência do pai contra a mãe, essa criança também fica exposta e essa violência fica na mente dessa criança de uma maneira muito ambivalente. De um lado, com um medo muito grande, também porque as crianças são muito ameaçadas pelos parceiros, para acuarem mais ainda as mulheres, e também pela identificação com os agressores, quando mais tarde essas mesmas crianças passam a ter comportamentos abusivos em relação a suas mães, que foram maltratadas, e em relação às mulheres que eles escolhem como parceiras. Então há uma transmissão geracional da naturalização da violência e da vitimização feminina, pois as meninas também aprendem um papel feminino de vítima dentro de casa. As estatísticas, eu não vou me delongar nelas porque vocês podem ter acesso a elas de maneira muito fácil através da internet. As graves consequências, como gravidez indesejada, riscos de infecções sexualmente transmissíveis e de outras doenças graves. O estupro é uma das mais perversas violências que pode acontecer com uma mulher. As violências com as mutilações, que são visíveis, elas ainda causam uma certa compaixão em determinados setores - digo "uma certa" porque na prática também muitas vezes há a interrogação: o que será que ela fez para isso acontecer? Então, isso causa um prejuízo muito grande para a vida saudável, em torno de 1 a 5 anos de vida perdida pelas vítimas de violência, um prejuízo grande no bem-estar, na autoestima, nas possibilidades de educação... A minha irmã este ano vai perder um ano de escola. Ela não conseguiu. E olha que é uma pessoa que tem amparo, eu estou do lado dela. E imagina o que está acontecendo com a maioria das nossas mulheres? Eu digo nossas mulheres porque eu também sou uma delas e tenho um grande amor e apreço pelo trabalho que eu faço e solidariedade por esse sofrimento que é nosso, não é só delas. Então há um prejuízo de US$8 trilhões/ano com a violência por parceiro íntimo. Como a gente faz no hospital com a questão da documentação dos atendimentos, das urgências, seja da violência por parceiro íntimo sexual, as lesões que podem acontecer, as notificações? Quero levantar uma questão em relação à notificação compulsória de violência. Essa notificação não é feita na grande maioria dos hospitais. Eu trabalho num hospital universitário onde, em especial, os colegas que são da área de pediatria morrem de medo de notificar e de serem responsabilizados. Então, só mesmo com certo pulso e até uma ameaça de que se não notificar o profissional de saúde será considerado conivente e copartícipe da violência que a gente consegue que algumas pessoas que têm muitas questões, talvez até pessoais, em relação à violência contra a criança, o adolescente e a mulher passem a exercer adequadamente, de maneira ética, a sua função dentro do serviço público como profissionais de saúde. |
| R | No nosso serviço, todas as mulheres que são atendidas são encaminhadas para a psiquiatria. Nós tínhamos um fluxo em que só se houvesse um diagnóstico do sofrimento psíquico é que elas eram encaminhadas. Atualmente o encaminhamento passou a ser rotina, porque muitas vezes a mulher não apresenta uma doença psiquiátrica que um plantonista na urgência vá diagnosticar, mas a gente recebe muitos anos depois as consequências disso na psiquiatria, mesmo nos quadros graves, como transtorno bipolar e esquizofrenia. A história pregressa de violência, de violência doméstica e de violência sexual, está presente em mais de 40% das mulheres. Então é também uma questão que está ainda abafada dentro das avaliações de saúde mental e de adoecimento mental feminino, e nós precisamos estar atentos a isso. As mulheres geralmente, quando não são acolhidas e atendidas, elas usam mais os serviços de saúde, têm mais dores e acaba que existe uma série de prejuízos em vários aspectos e em vários sentidos. Eu vou disponibilizar este eslaide para as relatoras da Comissão. Se tiverem algum interesse também, solicitem, para vocês terem. E façam um bom uso. Se quiserem citar a fonte, ótimo! Se não quiserem, também é de uso público. Quanto mais gente conhecer e souber sobre isso melhor. A idade no momento de exposição ao trauma é um efeito modulador sobre os sintomas psíquicos das vítimas de violência, como eu disse a vocês, tanto no transtorno bipolar quanto na esquizofrenia. E a questão do estigma da mulher vítima de violência. Nós falamos do estigma em relação às doenças mentais e ao estigma da mulher também vítima de violência, que tem uma grande chance de se transformar em uma doente, de ter um sofrimento mental. Ela é muito importante na modelagem das sequelas que a violência por parceiro íntimo e violência sexual trazem. E elas têm um grande interesse na nossa área, na nossa linha de trabalho. Os estressores diários, sociais, as dificuldades de moradia, a falta de creche, o desemprego, as doenças consequentes à violência vão agravar esse estigma também, vão funcionar como agravante. E uma forma mórbida disseminada nas comunidades, nas escolas, nas redes sociais e nas famílias, gerando reações de julgamento, de culpabilização, de estigma da vítima e de justificativa do agressor, que são também fatores de adoecimento psíquico para as mulheres. Eu queria que a Esther estivesse aqui, porque, pelo que é do meu conhecimento, apenas 37 unidades estão realmente atendendo as vítimas de violência por parceiro íntimo e de violência sexual. Nós temos somente, no Brasil inteiro, três unidades que possuem assistência psiquiátrica para essas vítimas. E nós temos sete Estados brasileiros que não têm nenhuma infraestrutura para atender as mulheres vítimas de violência. Dentro de toda esta situação, algumas instituições que fazem o atendimento fazem exigências que são ilegais, como solicitar boletim de ocorrência da mulher, exame de corpo delito no Instituto Médico Legal, foi o que aconteceu com a minha irmã, ou aprovação para o aborto ou para os procedimentos cirúrgicos pós-violência do Comitê de Ética do hospital em questão. |
| R | É muito importante que, nos currículos dos profissionais de saúde, dos profissionais da área da Justiça, haja treinamentos gênero-específicos. Nós defendemos mulheres sendo formadas para cuidar de mulheres. Pode parecer excludente, mas a mulher sabe melhor o que acontece com outra mulher. Ela tem uma condição melhor de acolhimento. Essa história de que mulher compete com mulher é um machismo para poder nos afastar umas das outras, para que a gente não tenha um comportamento solidário e de confiança umas com as outras. Os agressores contam com o silêncio das mulheres. E sair da sombra, revelar, ter confiança, ter um profissional de saúde ou um profissional da Justiça que saiba ouvir e acolher essa mulher é de extrema importância para que esse silêncio seja rompido. Outra questão muito grave é a responsabilização dos agressores. Numa relação de parceiro íntimo, nós temos dois lados. A mulher é também partícipe, mas ela tem uma responsabilidade na violência infinitamente menor, porque nós vivemos realmente numa sociedade em que o machismo e as culturas de agressão sobre as mulheres imperam desde a muito tenra infância. Não temos estruturas adequadas para acolhimento, tratamento e punição dos ofensores. No nosso ambulatório de famílias incestuosas, quando o ofensor não está preso, ele é convocado a participar. Nós recebíamos inicialmente encaminhamento somente da Justiça e atualmente já temos famílias que fazem demanda espontânea, além dos serviços de saúde. É um serviço pequeno, mas que tem uma experiência já de 8 anos atendendo famílias incestuosas. As memórias do trauma reveladas precisam ser ressignificadas, diminuindo nas mulheres a autoacusação, diminuindo o senso de violação e abrindo possibilidades para um reencontro interno e externo com figuras amorosas e atenuando a sua ambivalência. Então, transpor a visão da mutilação não como uma parte estragada de si mesma, mas se ver como uma outra mulher, também livre dos seus antigos sentimentos e medo, além de também se ver livre da personificação do ódio e do próprio agressor no seu corpo mutilado. As mulheres que têm suporte familiar, social e mesmo religioso têm maior probabilidade de superação do trauma e algumas se sentem, como a moça que perdeu os dois braços, que revelou inclusive que no coração dela ela perdoava o agressor, que ele tinha que ser responsabilizado, mas que ela o perdoava, que ela tinha compreensão da limitação emocional que esse agressor tem e, como ela, têm um sentimento muito maior também na questão da coragem para denunciar e da generosidade consigo e com outras vítimas de violência. |
| R | Muitas vezes as mulheres que chegam no nosso ambulatório não estão prontas para receber cuidados. Elas estão muito vitimizadas. Como nós fazemos avaliação psíquica para o aborto legal, o que elas querem, logo depois do procedimento, é fugir desse ambiente e buscar a sua reparação pessoal e a reconstrução da sua vida de outra forma. (Soa a campainha.) A SRª GISLENE CRISTINA VALADARES - Só que, infelizmente, dois, três, às vezes quatro anos depois, elas retornam ao nosso ambulatório com traumas muito graves, já adoecidas ou então trazendo seus filhos também adoecidos. Então, é importante que as equipes tenham uma identificação dos aspectos de suporte e também dos aspectos problemáticos mais frequentes na abordagem dessas mulheres, servindo como um ponto importante de avaliação, de planejamento de foco dos tratamentos nos diversos níveis, seja em nível hospitalar, seja em nível comunitário, seja na atenção da rede pública, tanto de saúde quanto de Justiça. A violência por parceiro íntimo está associada a altas taxas de trauma genital, e a maioria das vítimas não relata isso por vergonha e receio de serem estigmatizadas. A Associação Brasileira de Psiquiatria foi uma iniciativa de um grupo de psiquiatras que trabalha com saúde mental de mulheres e de psiquiatras que têm uma visão feminista sobre a necessidade de que a Associação faça um rastreio de como os psiquiatras - que são 12 mil no Brasil - lidam no seu dia a dia com a violência por parceiro íntimo, a fim de saber se esses psiquiatras sabem do impacto físico e psicológico dessa violência não apenas sobre a mulher, mas principalmente sobre os seus filhos e sobre outras pessoas do seu convívio social, laboral, e das repercussões socioeconômicas da violência por parceiro íntimo. É importante que o rastreio seja realizado durante as consultas médicas, que os médicos se habituem a perguntar sobre violência para as mulheres. É necessário que eles sejam alertados de que os sinais não são só físicos e que podem ser relativamente, facilmente reconhecidos. Entre esses sinais, temos os sintomas de depressão e ansiedade, as dores inespecíficas e crônicas, os sintomas de estresse pós-trauma. E a gente tem uma certeza, pelo nosso trabalho cotidiano, de que o serviço de saúde desempenha um papel muito importante no cuidado dessas mulheres. Muitas mulheres só conseguem revelar a violência por parceiro íntimo durante a gravidez e às vezes nas vésperas mesmo do trabalho de parto. Então, é importante que o profissional de saúde - médico, enfermeiro, assistente social, psicólogo - pergunte sobre a violência. Isso tem de deixar de ser um tabu. Muitas vezes existe um receio de que, perguntando, não se tenha o que fazer. Realmente, a gente não tem uma estrutura suficiente para poder cuidar adequadamente das necessidades das vítimas de violência. Mas nós temos que começar por algum ponto, nem que seja pela conscientização dos profissionais e das mulheres, para que, juntos, lutemos para que isso se modifique. E foi por isso que eu vim aqui hoje. |
| R | Em relação às políticas públicas, nós consideramos que é necessário que haja treinamento de gênero específico, que as questões de violência sejam incluídas nos currículos, porque é um problema de direitos humanos, é um problema de cidadania. Não é só um problema de saúde pública. Isso até já bastaria. Mas não é só isso. Reparação das lesões como prioridade e também uma reparação da identidade da autoestima da mulher. Estou encerrando. Sinto muito que não haja aqui nenhum representante da área financeira, porque necessitamos de financiamento para que os mecanismos de acolhimento e tratamento, como as Casas da Mulher Brasileira, como as Casas-Abrigo, que funcionam como consórcio, sejam efetivados nessa transição, quando a mulher tem de abandonar a sua casa e não tem para onde ir. É necessária a qualificação, o foco na qualificação profissional da mulher vítima de violência. Investir na saúde mental da mulher é investir na saúde das gerações futuras. A Associação Brasileira de Psiquiatria tem a responsabilidade e o compromisso na luta contra a psicofobia... (Soa a campainha.) A SRª GISLENE CRISTINA VALADARES - ... na luta para a prevenção do uso de drogas e para o cuidado com as mulheres usuárias de droga. Tem o compromisso com o combate com a violência de gênero e de ampliar, dentro da própria instituição, a participação feminina para aplicar esse survey, para conhecer e agir em relação à violência por parceiro íntimo de acordo com a psiquiatria. No próximo ano, vamos fazer uma força-tarefa para conseguirmos delimitar as diretrizes clínicas para o atendimento em saúde mental de mulheres com as questões de gênero e de violência incluídas. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - A gente agradece à Drª Gislene Valadares. Foi muito interessante e significativa para esta Comissão a sua apresentação, até por ter relatado uma questão pessoal, para a gente ver que nenhuma de nós está longe e nem está alheia a esse tipo de problema. Ela é uma pessoa que já lida e combate, há 25 anos, no seu exercício profissional, esse tipo de coisa e teve a tragédia, digamos assim, de ter uma irmã de 15 anos, uma menina, que foi vítima direta de uma violência brutal como essa. A SRª GISLENE CRISTINA VALADARES - Só queria dizer a vocês que a minha irmã me autorizou a relatar a história dela. A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - É importante, porque, como essa violência sempre é velada, sempre é escondida, acaba que a gente não tem conhecimento de quanto ela está perto da gente. Então, acho que quase todas nós temos algum caso para relatar. Quando não é conosco, é com alguém muito próximo. Isso é um fato concreto. E se a gente não se unir para, inclusive, desmistificar esse tipo de coisa, a violência cada vez mais aumentará. Então, eu queria muito agradecer-lhe as suas palavras, a sua exposição, o seu trabalho e parabenizá-la pelo seu trabalho, pela sua coragem. A gente vai, com certeza, levar esses dados, como também os das nossas convidadas, para o nosso relatório. Isso vai ser muito significativo. Eu vou ter de, rapidamente, dar uma saidinha para registrar a minha presença em uma comissão. Daqui a pouco eu retorno. Passo a palavra para a nossa companheira Senadora Regina Sousa, para que ela fique aqui conosco presidindo a reunião por um tempo. |
| R | Nós vamos passar, então, a palavra à Srª Eduarda Mourão Pereira de Miranda, que é Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. É muito importante este depoimento da Ordem sobre essas questões. Muito obrigada pela presença, Eduarda. A SRª EDUARDA MOURÃO EDUARDO PEREIRA DE MIRANDA - Muito obrigada, Deputada Luizianne. Para mim, é uma honra estar aqui representando a Ordem dos Advogados do Brasil. E agora a minha satisfação aumenta com a presença ilustre da Senadora Regina Sousa presidindo esta importante reunião, não só por ser minha conterrânea, mas por eu ser testemunha da sua luta, do seu trabalho e do seu compromisso com o direito humano das mulheres, enfim, com os direitos humanos, inclusive, fazendo parte da Comissão de Direitos Humanos. Iniciando pela nossa Presidente da Mesa, quero também cumprimentar a Drª Silvia Rita, nossa Secretária Nacional. Cumprimento a Drª Gislene Valadares, que acaba de fazer uma exposição muito importante relativa à área de psiquiatria. Além de Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Federal, eu sou Presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada. É uma comissão criada, permanente, no seio da OAB e se expande também por todo o País. É importante que vocês saibam, porque a Ordem dos Advogados, por ser uma instituição que goza de grande credibilidade da sociedade, tem em seu papel institucional não só a defesa dos direitos e das prerrogativas dos advogados e das advogadas, mas também a defesa da sociedade, preservar e defender os direitos humanos. E os direitos humanos das mulheres nós sabemos que são parte indissociável, inalienável dos direitos humanos, desde a Convenção de Viena, de 1993. Então, ainda bem que isso foi formalizado. Mas, de uma certa forma, ainda não é tão compreendido. Depois das falas tão importantes e informativas de todas as autoridades que me antecederam, nós percebemos que o que está diante desse quadro - eu estava em busca de uma palavra e a encontrei - é a intolerância. Nós estamos percebendo, Senadora Regina, que a intolerância está crescendo em todo o mundo, em todas as partes do mundo. As sociedades mundial e brasileira têm vivido situações de intolerância, de crimes contra as pessoas, de violações dos direitos humanos que ocorrem em todo o mundo. Com relação à questão da mutilação, quando nós aqui no Brasil ouvíamos falar sobre esse tipo de crime na África, da mutilação da genitália da mulher para que ela não sinta prazer, para que seja tolhida e arrancada dela essa possibilidade de sentir prazer, víamos isso como uma coisa muito distante, que ocorria na África, nos países da Ásia, do Oriente Médio. Mas percebemos, lendo um pouco mais sobre o que ocorre no mundo, que esse tipo de crime, que é um absurdo, tem se espalhado por todas as partes do mundo. |
| R | Nós vemos Estados Unidos, Austrália. Então, observamos, por exemplo, que na África, em vários países do continente africano, isso é muito comum, para nossa tristeza e indignação. A Índia, por exemplo, tem um índice terrível divulgado. No Egito, percebi que as mutilações ocorrem em torno de 92%. Mulheres casadas, no Egito, sofreram mutilações em suas genitálias. Então, essas mulheres tiveram seu prazer rompido, delas foi tirado o prazer e a felicidade. E aqui, como anda o Brasil sobre isso? O País já está, Drª Silvia Rita, figurando em quinto lugar como o país que mais mata as suas mulheres, um país violento e que agride suas mulheres. E a violência não se restringe às mulheres, atinge a comunidade LGBT também. Devido à intolerância que cresce em nosso País, a gente observa que é importante a união de forças, e, se já era importante, cada vez mais se torna importante. E, nesse ponto, a Ordem dos Advogados se coloca sempre aberta ao diálogo e à soma de trabalho com todas as instituições. Nós ouvimos aqui instituições importantíssimas, o Estado falando na defesa das mulheres que sofrem mutilações ou qualquer outro tipo de violência. E o que a OAB tem a falar para todos que estão aqui presentes? A Ordem dos Advogados, como já falei, por ter essa responsabilidade para com a sociedade, através de suas comissões que tenho a honra de presidir, Comissão Nacional da Mulher Advogada e a Comissão de Direitos Humanos, dentre muitas outras comissões congêneres, que temos espalhados pelo País, desenvolve uma política interna, nós temos um Plano de Valorização da Mulher Advogada, que também não fica adstrito à profissional advogada, mas que se expande na defesa da mulher na sociedade, como um todo. Então, a gente vem acompanhando esse trabalho, percebendo que a violência tem crescido em todas as partes do País. Internamente, nós já temos cursos de capacitação para desenvolver e trabalhar a sociedade. A gente tem voluntários e voluntárias, advogadas, que promovem ações sociais, que vão aos bairros, que vão às escolas, que se voluntariam para ações no sentido de levar conhecimento na área jurídica, mas, acima de tudo, levar o nosso braço, a nossa mão amiga, porque é isso que a sociedade brasileira precisa na verdade: romper com essa intolerância crescente e, ao mesmo tempo, se unir e dar as mãos e trabalhar juntos. Fora essa questão dos cursos, nós também lutamos para combater a violência contra a mulher. |
| R | E, ontem e antes de ontem, por coincidência, dentro desses 16 Dias de Ativismo - e as campanhas são fundamentais para o despertar, para poder haver uma mobilização maior na sociedade -, nós, sensibilizados e sensibilizadas com isso, realizamos a II Conferência Nacional da Mulher Advogada. E muito nos animou porque, naquele plenário, naquele auditório, nós reunimos mais de 2.500 advogadas comprometidas com o movimento na defesa da mulher e na defesa dos direitos humanos como um todo. Foi muito salutar. Ouvimos o Instituto Patrícia Galvão, ouvimos a ONU Mulheres, ouvimos muitos juristas e mulheres comprometidas, como mencionei, no sentido de encontrarmos mais soluções. Quando a gente se depara com as mutilações, a gente pensa, e eu quero que vocês me acompanhem nesse raciocínio: a gente tem dois lados, a vítima e o agressor, e também um terceiro, que é o Estado. E aí o que acontece com a vítima? A gente já ouviu aqui inúmeras providências, inúmeras ações, inclusive normas, voltadas à proteção dessa vítima. De fato, nesse aspecto formal, Secretária, a gente sabe que o Governo tem se imbuído, o Estado tem se colocado à disposição para cada vez mais ajudar a mulher vítima. (Soa a campainha.) A SRª EDUARDA MOURÃO EDUARDO PEREIRA DE MIRANDA - Mas nós, ao mesmo tempo, sabemos que falta ainda mais estrutura. Nós reconhecemos essa ausência de estrutura. E o que a advocacia percebe ouvindo a comunidade, ouvindo a sociedade? Percebe que essa ausência da estrutura impede, por exemplo, que uma lei tão formidável, como é a Lei Maria da Penha... E se coloque de forma prejudicada. É uma lei que muitas vezes as pessoas dizem: "A Lei Maria da Penha não funciona." Ela em si funciona, ela é fantástica, mas nós precisamos estruturar melhor o Estado, criarmos mais delegacias. Nós precisamos dar maior atendimento à vítima nessa rede. Achei importantíssima a colocação de todas as pessoas que me antecederam porque já tiraram muito do que eu gostaria de falar aqui. E quando nós percebemos por que essa vítima sente dificuldade quando... Ela se encoraja para denunciar. A denúncia vira inquérito. O que ocorre com o inquérito? Ali se coloca uma situação de fragilidade para ela por causa da precariedade da coleta das provas; na coleta, por exemplo, ou fica tarde ou ela não encontra estrutura nessas unidades de saúde para que essas provas sejam coletadas devidamente. Quanto às provas testemunhais, muitas vezes também há uma ausência de estrutura naquela delegacia e na cidade onde se encontra, no sentido de que isso possa formalizar melhor o inquérito. Então, percebemos em pesquisas que os inquéritos policiais chegam ao Poder Judiciário com falhas imensas, que vão prejudicar a vítima mais uma vez. (Soa a campainha.) A SRª EDUARDA MOURÃO EDUARDO PEREIRA DE MIRANDA - Eu solicito um pouco mais de tempo, Senadora, mais alguns minutos. Então, a vítima já se encontra nesse prejuízo. No Poder Judiciário, por sua vez, com todo o respeito aos nossos magistrados, nós nos deparamos com um gargalo que é muito doloroso para as vítimas. Precisamos de uma mudança urgente em relação a isso. |
| R | Sabemos que estamos também em plena semana de campanhas, como Justiça pela Paz em Casa, que foi criada pela Ministra Cármen Lúcia, no sentido de promover a celeridade no julgamento de processos de violência doméstica e familiar. Mas o gargalo é imenso. Muitos desses processos, quando são julgados, não são julgados no mérito, Secretária. O que ocorre? É aplicada a prescrição, porque demorou tanto na Justiça que, ao chegar para ser julgado, a prescrição já se operou. Então, é aquilo que você mencionou e chamou a atenção, e com que nós, da OAB, concordamos plenamente. E já nos colocamos à disposição para lutarmos juntas nessa causa. É preciso trabalhar esse tipo de crime como crime hediondo de verdade. Inclusive, em virtude de como os tribunais estão formados, o tribunal de júri, muitas vezes a vítima já se coloca de maneira prejudicada porque a própria composição do tribunal é totalmente machista e certamente a criminalização da vítima vai se operar naquele julgamento, porque, pelos resultados dos julgamentos, nós já percebemos que não são tão favoráveis às vítimas mulheres. O que a gente observa quanto à questão da vítima? Você também mencionou isso: o que vai acontecer com ela? Ela ingressou com um processo judicial, esse processo já está em curso. Sabemos da morosidade da Justiça e o grande risco que ocorrerá no final desse processo de não ter a resolutividade ideal. Ela trabalhava? O que vai acontecer com essa vítima? Ela está mutilada, já está sofrendo um dano moral pela dor que sente e, ao mesmo tempo, aquela lesão física resultará no que a nossa psiquiatra acabou de mencionar, nesse crime que diz respeito à questão do preconceito. Então, ela não vai, com certeza, facilmente conseguir outro emprego. Ela vai necessitar do apoio do Estado. E esse apoio do Estado, por mais que exista o benefício que essa vítima que está impossibilitada de ser provida ou de prover recebe, sabemos que, na prática, não é suficiente. (Soa a campainha.) A SRª EDUARDA MOURÃO EDUARDO PEREIRA DE MIRANDA - Vou solicitar mais um minuto. Vou me esforçar para terminar. Então, a gente está aqui diante dessa situação da vítima. E o que ocorre com o agressor? O agressor pode ser punido criminalmente na esfera civil, mas a vítima tem que percorrer esse périplo, para provar o nexo de causalidade, juntar aquelas provas que já foram prejudiciais lá naquele início, então, ela também se depara com uma situação difícil no que diz respeito à responsabilidade civil voltada para o agressor. E a responsabilidade civil do Estado? São tantas mulheres para que o Estado brasileiro se responsabilize, não é verdade? Porque, num país como o nosso, que se encontra em quinto lugar no Mapa da Violência mundial, em que a gente já percebe que não basta aquela mulher morrer, ela tem que ser esquartejada, ela tem que passar por mutilações terríveis... (Soa a campainha.) A SRª EDUARDA MOURÃO EDUARDO PEREIRA DE MIRANDA - Então, é importante que a sociedade realmente se una nesse aspecto, não só a sociedade civil organizada, como no caso a OAB, uma instituição comprometida com os direitos humanos, com os direitos humanos das mulheres. E nós nos colocamos à disposição de todas as representantes das instituições governamentais e não governamentais que aqui se encontram. E quero parabenizar esta Comissão Mista por trazer esse tema, que está crescendo no mundo, e nós precisamos cuidar dele antes que seja tarde. |
| R | Eu me coloco à disposição para outras colocações. Muito obrigada pela tolerância. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. PT - PI) - Obrigada, Drª Eduarda. Desculpe a campainha, mas é que temos uma outra Mesa também. E, quando ela apita, é um minuto a mais. Mas a gente é sempre generoso aqui, é porque ainda temos quatro companheiras para falar. Eu queria só dizer uma coisa: primeiro, você falou da questão dos processos, da morosidade. Eu estive no Tribunal de Justiça e quero dividir com a senhora essa tarefa, até porque eu fui ao Presidente do Tribunal para pedir que ele formasse um grupo que selecionasse os crimes contra mulheres, exatamente o feminicídio, e que ele tivesse outra fila, que não fique na fila normal dos processos. Mas que tenha a fila do feminicídio. Acho que isso pode até virar um projeto de lei, estou pensando nisso. Mas aí ia ajudar, porque já tem um tempinho, já tem pelo menos uns três ou quatro meses, para ver o que é que já andou lá para a gente. É muito importante que os processos de violência contra a mulher não fiquem na fila normal dos outros processos de crimes. E também, eu só ouvi um pouquinho da Gislene, mas quero dizer que uma coisa que me chamou a atenção e que é uma coisa nova, é uma discussão mais nova discutir misoginia, não é? Eu tenho lido muito e vendo como ela pode levar a mulher à loucura. Eu vi um vídeo e fiquei espantada: ela deixa o celular num lugar, o marido pega o celular dela e bota em outro lugar. Aí ela volta e aí diz: "O meu celular estava aqui." "Não, só estamos nós dois aqui. Não deixei..." Ele tinha escondido o celular. Aí ele vai procurar com ela, e tudo: "Está aqui, você está ficando é doida! Cuidado, você tem que se tratar!" Aí foi o fogão: ela apagou, e ele foi lá e acendeu. Então, essas coisas... Aí eu fico pensando assim... Eu me apaixonei por Nise da Silveira, eu fiz uma leitura da Nise da Silveira e depois comecei a ler muito mais. E vi o filme Nise - O Coração da Loucura, que eu acho que todo médico psiquiatra, todo mundo que trabalha nessa área tinha que ver. É um filme lindo, que não deu ibope, não deu bilheteria, infelizmente, mas ele está disponível para baixar, com a Gloria Pires, vendo a questão do tratamento também. Aqueles personagens que a gente vê no filme a gente encontra na rua. Aquelas pessoas vagando, assim, como se estivessem... E quem sabe não é resultado de alguma coisa que aconteceu em casa? Justamente quando a gente encontra mulheres vagando, dopadas, assim como quem não... Porque ela mesma se dopa quando ela começa... Ele começa tanto a dizer que ela está ficando doida, que ela está precisando se tratar, que ela começa a tomar mais tranquilizante; se ela já toma um, ela vai tomar dois. Então, é muito séria essa questão de a gente discutir a misoginia, no sentido da questão de levar a mulher à doença mental também. Então, nós vamos desfazer esta Mesa. Estão convidadas a permanecer. Vamos ter uma outra Mesa, de uma outra audiência - são duas audiências no mesmo dia. Hoje eu tive uma audiência sobre mulher negra. Quer dizer, era o lançamento do Fopir, que é o Fórum pela Igualdade Racial, que foi muito bom, e o pessoal se juntou agora, até mesmo aqui no Cone Sul, para cuidar dessa questão do racismo, que está desavergonhadamente se apresentando no Brasil, mais ainda do que já era - era velado, agora está se mostrando muito -, e esse fórum é muito importante, as propostas, falei até agora na tribuna sobre ele. Quer dizer, hoje de manhã já se tratava, dentro da audiência pública, da questão da violência contra a mulher negra, porque os índices são muito maiores: violência obstétrica, mortalidade materna no parto, tudo da mulher negra - e a violência doméstica também, os índices da mulher negra só crescem. Então, também, é outra questão séria que a gente tem que enfrentar. Então, desfaz-se essa Mesa. As convidadas podem sentar, se tiverem condições de permanecer. |
| R | Nós vamos para a segunda audiência, destinada a debater a situação da violência contra mulheres trans e travestis, em atendimento a Requerimento nº 6, de 2016, de autoria da Deputada Luizianne Lins. Convido para assento à mesa a Srª Tatiana Lionço, professora do Instituto de Psicologia da UnB. (Palmas.) Srª Paula Benett, representante da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil. (Palmas.) Srª Bianca Moura, representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. (Palmas.) Srª Melissa Massayury, que é ativista trans. (Palmas.) Sejam bem-vindas. Dez minutos para cada, porque quando vai começar a abrir o plenário não é permitido continuar comissão. Então, vão ser dez minutos para cada uma. Por volta de 5h, o Presidente chega lá e começa a tocar a campainha lá, chamando tudo que é Senador para lá. Vamos começar com... Vamos deixar a professora, porque... É melhor ouvir, professora? Você ouve todo mundo e depois fecha, não é? (Pausa.) Está bom. Então vamos começar com a Paula Benett, que é representante da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil. Aquele relógio marca dez minutos e vai baixando e, quando falta um minuto, ele toca. A SRª PAULA BENETT - Boa tarde a todas e todos. Então, eu sou a Paula Benett, estou representando aqui a Rede Trans Brasil. Sou também conselheira do Conselho da Mulher do Distrito Federal, e isso é muito simbólico. Por quê? Porque nunca uma trans havia adentrado ao Conselho, e ainda bem que conseguimos uma cadeira, e demonstra o quê? Que o Conselho não diminui mais a mulher por sexo, e sim enxerga por gênero. Nós temos que falar de mulheres trans e travestis nesse trabalho em relação à violência contra a mulher, por quê? Porque nós, mulheres trans e travestis, carregamos essa vulnerabilidade feminina. E quando somos agredidas na rua é porque a gente transitou de gênero, para o gênero feminino. E se estamos sendo agredidas porque estamos nesse gênero, devemos, sim, ser protegidas também por leis que são direcionadas às mulheres. Eu vou fazer uma breve apresentação sobre a violência trans. Vamos lá: transrespeito versus transfobia. |
| R | Vamos lá. Então, a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil - Rede Trans Brasil teve sua fundação e registro no ano de 2009 na cidade do Rio de Janeiro, instituição nacional que representa as travestis e transexuais do Brasil - e quando eu digo transexuais é mulheres trans e homens trans também, certo, gente? - e coloca-se como instrumento de expressão da luta pela garantia dos direitos humanos e cidadania plena de travestis e transexuais masculinos e femininos contra quaisquer formas de discriminação, além de priorizar o fortalecimento de políticas públicas governamentais nas três esferas e a garantia de uma legislação em nível das três esferas que ampare nossa comunidade. Esse é o nosso símbolo, nossa logomarca, RedTrans. Aí está a nossa equipe, mulheres e homens do Brasil inteiro. Nenhum grupo social no Brasil sofre mais discriminação do que as travestis. Os assassinatos costumam ser muito cruéis, e é um nível de violência elevadíssimo. A expectativa de vida dessa população não ultrapassa os 35 anos de idade. São excluídas da escola, da família, do mundo do trabalho, levando-as muitas vezes a terem que trabalhar com a prostituição. E lembrando, gente, que o problema não é a prostituição, que nós devemos respeitar as pessoas que também lá trabalham. A questão é quando é uma imposição da sociedade. De acordo com o Registro de Violência contra as Pessoas LGBT na América, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil é o país líder no continente em número de mortes violentas de pessoas trans. Ser uma pessoa trans, portanto, é correr o iminente risco de ser assassinada, violentada, privada de sua liberdade e dos serviços básicos prestados à população. No Brasil, dados oficiais são escassos, pois geralmente os boletins de ocorrência não possuem campos que assinalam orientação sexual e identidade de gênero das vítimas, ou a possibilidade de os crimes cometidos terem uma motivação transfóbica. Existe uma insuficiência de estudos e pesquisas relacionadas ao universo das pessoas travestis e transexuais no Brasil que procure reconhecer em maior profundidade a realidade desse segmento, muitas vezes discriminado e afastado da sociedade. Ainda não é notificado o número de travestis e transexuais que sofrem constantemente com a violação dos seus direitos humanos, são registrados apenas os números de assassinatos. Centenas de travestis morrem por ano vítimas do uso de silicone industrial ou por problemas causados pelo uso indiscriminado de hormônios. Mesmo com alguns avanços na área de saúde integral para travestis e transexuais, ainda são escassos os hospitais que atendem essa população - no caso, também, ausência de ambulatórios trans específicos. Esse é o site da Rede Trans Brasil, para quem quiser anotar: redetransbrasil.org. Então, no final do ano de 2015, surgiu a ideia de construir um site com notificação somente de pessoas travestis e transexuais, pois também não é notificado o número dessas pessoas que sofrem constantemente com a violação dos seus direitos humanos, são registrados apenas os números, como eu disse, de assassinatos. Centenas de travestis morrem por ano vítimas do uso de silicone, como eu já expliquei, e também pela questão dos hormônios. São vários tipos de agressões e tentativas de homicídio. |
| R | E o que acontece? A nossa Rede Trans notou que havia essa ausência e essa incapacidade, às vezes, da força policial por falta de informação e capacitação de estar colocando mulheres trans e travestis... Por exemplo, quando uma travesti é assassinada, às vezes, está lá na notícia: "Homem morre"; e, quando vamos lá, há um corpo feminino estirado no chão, ou seja, sofremos duas agressões: o assassinato e a agressão póstuma, pois não respeitam a nossa identidade de gênero. Isso nos atrapalha. Por quê? Porque atrapalha os indicadores. Nunca temos um dado preciso. E o que nossa Rede fez? Ela começou, desde janeiro agora, a catalogar essas mortes, a ir atrás, a ver se são travestis, mulheres trans e transexuais. Desde janeiro até agora, estamos catalogando não só assassinatos, mas suicídios, tentativas de homicídios e agressões em relação aos direitos humanos. Aí, como eu expliquei, para realização das pesquisas, utilizam-se duas bases de dados: a primeira, o Google Notícias e a segunda, as páginas de plantões policiais. As palavras-chaves utilizadas para a busca são: travesti, transexual, morte, assassinato, agressão e mais a data do dia da busca. Aqui é até setembro - este número já avançou. São 99 casos de assassinatos; 10, de suicídios; 35, de tentativas de homicídios; 38 casos de agressões; morte por silicone industrial, 5 casos. O número de assassinatos já passou de 130, só para atualizar. São pessoas trans, homens trans e mulheres trans, e travestis, vítimas de transfobia. De acordo com o levantamento da organização Transgender Europe, de 2008 a 2015, 1.500 pessoas travestis e transexuais foram assassinadas na América do Sul e na América Central, sendo que, no Brasil, foram 891 pessoas até agosto de 2016. A maior parte é de jovens. Entre os casos brasileiros levantados pela organização, chamam atenção cinco mortes de crianças e adolescentes com menos de 15 anos. Crianças trans. "Você sabia?" Aí é um dado mundial. Entre 2008 e junho de 2016, foram 2.185 mortes, sendo que - este dado assusta - 78% são na América do Sul e na América Central e 40% no Brasil. Por isso, o Brasil é o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo. O desrespeito às pessoas travestis e transexuais segue toda a sua vida, são desrespeitadas até na hora da morte. A nós é recusado, desde o nascimento até a trajetória final, o direito de ser nós mesmos e nós mesmas. É o caso que eu expliquei da agressão póstuma. Está lá: nós já temos uma identidade, mas eles fazem questão de nos colocar no masculino, no caso das mulheres trans, e no feminino, no caso dos homens trans e mostram até o documento. (Intervenção fora do microfone.) A SRª PAULA BENETT - Pois é, mesmo quando é. |
| R | Dados por região. No caso, esses dados... (Soa a campainha.) A SRª PAULA BENETT - Eu vou dar uma corridinha aqui. Essas mortes são em todo o Brasil. Características dos assassinatos: com as próprias mãos, espancamentos, asfixia, facadas e armas de fogo. No caso, o que chama atenção são os requintes de crueldade. Nós sabemos que, para matar uma pessoa, só necessita, às vezes, um golpe, uma facada, um tiro, mas, nas pessoas trans, esse número se eleva. São vítimas, às vezes, de cem facadas. O último caso que me chocou foi de uma trans que foi morta, mas, antes de ser morta, pegaram um ventilador, ligaram e colocaram no rosto dela com ela viva. Idade. Está prevalecendo a faixa de 20 a 30 anos, aí é o maior número. Por isso, esse índice... (Soa a campainha.) A SRª PAULA BENETT - Vou pedir uns minutinhos pela importância, mas eu não vou me demorar. A estatística: 54% dessas agressões são assassinatos; 21%, agressões; 19%, tentativas de homicídios; e 6%, suicídios. Mais dois dados só. Pode colocar o site, por gentileza? Vou mostrar como vocês acessam essas informações. Monitoramento. Assassinatos - pode clicar. Quando clicarem no site, está lá desde a última morte - pode descer - até janeiro. (Soa a campainha.) A SRª PAULA BENETT - Todas são mulheres trans, travestis e homens transexuais. Lá explicam, está o link da notícia. Pode voltar a Monitoramento. Suicídios. Agressões. É só clicar. Para finalizar, um minuto mesmo. Antes, eu quero agradecer. Muito obrigada, Senadora, por tudo. Obrigada à Comissão. Obrigada a todas e todos vocês que estão aqui prestigiando este evento, dada a importância, que nos ajuda na visibilidade de pessoas trans e travestis. Eu quero terminar com um poema de minha autoria, porque eu sou também poetisa. Externamente A pessoa que me julgas e me diz tantos absurdos é a mesma que recusas a evoluir o mundo. julgamentos equivocados, palavras desperdiçadas ao vento, direitos sempre negados, o sufocar dos sentimentos. Em meio à invisibilidade, eu me molho com a chuva, que se torna tempestade, me deixando quase nua. Mesmo estando molhada, banhada nesse líquido de ódio, sozinha e desamparada, vítima de humanos sórdidos, consciências desvairadas, revestidas de ignorância. Na minha alma, levo as marcas dos limites da arrogância. Que eu possa viver sem medo Que eu possa ser quem sou Que eu ande sem receio Que eu beije meu amor. Mas a hipocrisia tem cheiro fétido O preconceito tem gosto amargo. Para uns, eu sou só sexo Para outros, sou pecado. Nos espaços tão sonhados, que eu possa pertencer Da escola ao trabalho, eu só quero é vencer. Então, eu grito Mas quem se importa? Fogem da triste realidade Pessoas trans estão sendo mortas Com requintes de crueldade Por isso, chega de silêncio Escutem a minha voz Pois é grande o sofrimento E ninguém chora por nós. |
| R | Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. PT - PI) - Obrigada, Paula Benett, representante da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil. Vou passar para a Bianca Moura, representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. A SRª BIANCA MOURA - Boa tarde a todos e a todas. Primeiramente, eu quero agradecer à Senadora pela felicidade de estar, mais uma vez, aqui com Tatiana Lionço, que uma defensora nossa, de mulheres travestis e transexuais do Brasil, que conheço já há 15 anos. Ela luta fervorosamente para que essas políticas públicas venham acontecendo em nosso favor. Eu sou Bianca Moura de Sousa, sou uma mulher transexual. Eu já tenho o meu nome oficializado desde 2011. Sou servidora pública do Governo do Distrito Federal há 27 anos, trabalho na Secretaria de Planejamento. Eu trago esses dados para vocês poderem entender por qual motivo nós estamos aqui, três mulheres transexuais: lutamos, desde cedo, contra a sociedade, contra todo o preconceito que nos acusa, impondo-nos a marginalidade. Se estamos hoje aqui, presentes nesta Casa, nos espaços políticos, é porque fizemos um trabalho árduo. Ficamos até triste, porque, muitas vezes, as pessoas perguntam: "Cadê as outras meninas? Elas não vão brigar também com vocês?" É muito complicado uma garota que se prostitui, uma mulher transexual sair do seu leito para enfrentar a sociedade, porque essa sociedade, a todo momento, nos esbofeteia. Falar de agressão às pessoas trans é falar desde o início da nossa infância: aquele tapa, aquele bofetão, aquelas palavras. Não temos um esposo que nos agride e, em determinado momento, vamos falar sobre aquele crime: somos criadas, nascemos e envelhecemos sofrendo e apanhando. É uma violência diária que sofremos. Eu queria só que a nossa colega colocasse a foto para fazer uma apresentação. Eu sou da Antra, nossa Associação Nacional de Travestis e Transexuais. A Antra já atua, vem lutando no Brasil desde 2005. As meninas mais antigas, que sofreram, acharam a necessidade de falar por elas, não deixar outros grupos LGBT, no caso, os gays e as lésbicas, falarem por nós. Esse medo que tínhamos é exatamente esse empoderamento que, de lá para cá, vimos tendo de ocupar os espaços e falar para vocês que também temos voz e que também podemos falar por nós. Portanto, eu trago mais um relato. A ANAV-Trans é a associação aqui do DF, que é afiliada à Antra. Essas fotos lá de cima são do 19º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais que lutam contra a aids. Esta é uma marca da Antra: as doenças, principalmente a aids, esse fenômeno que mata as meninas a cada momento, a cada dia. Portanto, a bandeira da Antra é a aids e políticas públicas. Não ocupamos o espaço de rua, como já estava falando com a Dani. Dani, não temos mais que ir nas ruas dar camisinha para as meninas, porque elas já estão empoderadas demais em saber que os postos de saúde dão camisinha. Temos que lutar pelas políticas públicas, porque políticas públicas é que vão resgatar essa dignidade, porque, quando falamos em agressão, estamos falando de rua. |
| R | O primeiro foco é travesti e transexuais na rua, prostituição. E por que a prostituição? Nós já somos estigmatizadas. É como se houvesse, em nossos rostos, uma placa dizendo que somos completamente sexuais, que nossa vivência é o mundo do sexo, é a prostituição. E não é. Somos levadas à prostituição. Aquele tapa, as primeiras agressões que levamos em casa dos nossos irmãos, de nossos pais é que fazem com que tenhamos esse desestímulo de vivenciar, de estudar. Aí, chega-se à escola e há as agressões dos amiguinhos. Por quê? Porque não somos homossexuais, não temos orientação. Somos mulheres transexuais, já temos aquela feminilidade no corpo, trazemos essa feminilidade. Não adianta a mãe, o pai, o irmão colocarem uma roupa masculina e tentarmos passar, porque não vai rolar. As transexuais vivenciam isso. Com dez anos, já começamos a sofrer essa situação, porque a mãe chega: "Meu filho, é mais fácil você ser um homenzinho, seu pai aceita, o seu irmão aceita você como gay." Não se fala dessa maneira, mas o que ouvimos na primeira infância é isto: "Vivencie sua homossexualidade." E sabemos que a nossa identidade de gênero é diferente da orientação. Até aprendermos isso, vimos sofrendo. Abandonarmos a família e tentar vivenciar a nossa identidade de gênero é uma agressão enorme por que vimos passando a todo momento. É isto que falo para vocês: é esse histórico que é a nossa infância, essa dificuldade que temos de adentrar nas escolas, porque são poucas as meninas que têm essa coragem de pegar um tapa de um amigo, de pegar palavras de um professor e voltar naquele outro dia, e voltar no segundo dia, e são quatro anos, e mais quatro. É difícil. Aí é que vem aquela outra história da prostituição: "Ah, porque é fácil demais se prostituir." Não é fácil se prostituir. Elas estão morrendo. Uma mulher que se prostitui, muitas vezes, é até agredida por um cliente delas por uma situação até de ela não querer fazer determinadas coisas com eles, mas as meninas que estão nas ruas são mortas todos os dias pelo simples fato de serem mulheres transexuais. Não é porque ela roubou cliente. Muitas vezes, quem rouba são os clientes. São outras agressões que perpassam a situação da polícia, da segurança; tudo que envolve o mundo das mulheres travestis e transexuais vem negativamente para o nosso lado. Eu estou trazendo esses dados, porque são coisas mais simples. A Paula já trouxe dados mais oficiais, e eu trago mais a vivência mesmo, do nosso dia a dia, desse comportamento que somos obrigadas a vivenciar no lado masculino que não temos, escondendo essa nossa identidade. Quando pomos para fora, para vivenciar a nossa transexualidade, são poucas que conseguem vivenciar uma vida, entre aspas, "digna", um emprego mais cômodo, um emprego formal. Portanto, quando aquele pai nos expulsa de casa, o caminho que existe é viver na rua, e, ao viver na rua, você está sujeito a todos os tipos de agressões. E viver na rua como uma mulher transexual ou travesti triplica essa situação de agressões. Se eu arranjar um namorado na rua, não é um namorado decente, é um namorado cafetão, que me agride para tomar o meu dinheiro que eu acabei de pegar do cliente. Se eu vou para a Europa, minha família me acolhe, minha família é maravilhosa, porque estou mandando dinheiro do meu corpo para eles comprarem as casas deles, mas, quando eu volto da Europa com um HIV no corpo, quem foi que disse que aquela família vai me aceitar? |
| R | Essas são as vivências trans. Eu acho que uma política pública, uma lei que criminalize a transfobia é que vai começar a mudar esse quadro, porque, na nossa vivência, temos meninas inteligentes, meninas que são capazes. Eu digo porque eu conheço. A partir do momento em que eu passei a militar, eu conheci psicólogas, enfermeiras, cabeleireiras. Em todo tipo de profissão, as meninas trans conseguem se manter e se firmar, com todas as situações difíceis, desde o momento em que você vai entrar no banheiro, em que você está numa repartição pública, como eu, que trabalho no anexo do Palácio do Buriti - estou lá dentro, já sou acolhida, porque a minha transformação foi lá dentro, eles conhecem o antes e o depois. Essa briga que tenho e esses tapas que tenho com amigas minhas de religiões diferenciadas... E aquele momento em que estou no toalete em que alguma amiga mais íntima: "Bianca, você está aí?", e aquele meu calar de não falar: "Eu estou!", para outra pessoa não denotar que há uma pessoa estranha ali, é muito constrangedor. Vivenciamos isso. E estou falando de uma vivência minha, agora imagine uma menina que não é passiva ainda, não tem essa passividade feminina, que ainda está num processo de transformação e quer usar um banheiro feminino num shopping? Vocês veem, a todo momento, escândalos, seguranças que batem. Não há nada, nada, nada, Deputada, Senadora, que nos respalde sobre isso. Caímos sempre naquela situação: o cliente já não vai para a polícia conosco, para juntos discutirmos quem está errado, portanto a polícia só leva travesti, só leva transexual, e é mais um dado de agressão, de violência contra a nossa dignidade, contra esse respeito por que tanto lutamos. São estes dados que temos: são meninas morrendo, são meninas novinhas que começam a transformação com 12, 15 anos e que, com 17, já estão mortas, esquartejadas, conforme os dados da Paula. É uma violência muito grande, diária, que, a cada dia está aumentando. (Soa a campainha.) A SRª BIANCA MOURA - Só mais um segundinho. É isso que eu trago para vocês. O estudo da Antra é este: políticas públicas. Estamos dentro desses espaços, dentro dos conselhos, infiltrando-se para poder trazer e dar voz a nós. Sabemos falar por nós. Eu queria encerrar com um poema que hoje encontrei e de que tirei uma foto numa parada de ônibus. Nesses 16 Dias, eu acho que muitos movimentos de mulheres começaram a aparecer. Eu vi uma frase da Margarida Maria, que eu acho que vocês conhecem, que é uma defensora dos direitos de mulheres libertárias. Eu tirei uma foto, pensei: "Vou tirar uma foto e vou levar." O poema fala assim, Margarida Maria: E se a flor já é seu próprio nome É melhor morrer na luta do que morrer de fome. Eu peguei isso para nós, porque realmente temos que trabalhar para comer. Como a sociedade não tem políticas públicas, políticas sociais para trabalharmos dignamente e socialmente, temos que trabalhar para não morrer de fome. Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. PT - PI) - Vamos ouvir a Melissa Massayury, que é ativista trans. A SRª MELISSA MASSAYURY - Boa tarde a todos e todas. Meu nome é Melissa Massayury e eu sou garota de programa. Foi por ser garota de programa que eu me tornei ativista trans. Eu cansei de sofrer a violência, eu cansei de sofrer a opressão, eu cansei de sofrer o descaso das autoridades, ainda mais depois de eu descobrir que eu tenho direitos que não são dados a mim nem à minha população, depois que eu aprendi que eu nasci livre e igual em dignidade e direito. Eu cansei de ver muitas amigas minhas morrerem muito jovens, a começar a transição na vida com 15, 16 anos e morrerem aos 19. Eu vi isso acontecer. |
| R | Eu vi muitas serem espancadas. Eu já fui vítima de agressão, assalto, estupro. Eu podia não estar viva hoje, com 27 anos de idade. Eu já podia estar morta, porque eu estava numa esquina. Na esquina, a pessoa perde toda a sua dignidade. Ela está ali simplesmente exposta, para que seu agressor possa agredi-la, matá-la. Quem está ali por elas? Quem luta por elas? Ninguém; nem a família a quer dentro de casa. "Por que ela está na rua? O que ela está fazendo ali, expondo seu corpo? Eu tenho o direito de agredi-la e de matá-la. Ela mancha o nome da sociedade." E foi exatamente por isso que eu passei, durante anos, na vida de prostituição. Eu ainda sou garota de programa, mas estou lutando para sair disso. As políticas públicas são muito difíceis para se conseguir empregabilidade no meio trans. Para mim, a prostituição deu certo - eu consegui me estabilizar na vida -, mas, para muitas, não dá. Muitas vivem em situação marginal, muitas moram na rua. Como a própria psicóloga disse, a opressão social faz com que essas pessoas sejam mais propícias ao uso de drogas, de álcool, levando-as, todos os dias, a se entorpecerem e, cada vez mais, se iludirem com o mundo que elas acham que é delas, que elas merecem: a rua e a prostituição. Porque elas estão ali na rua, tão vulneráveis? Alguém pode me responder? Sabem por quê? Porque o nosso primeiro desafio, o primeiro desafio que nós enfrentamos é a dificuldade de nos respeitarmos como transexuais, a falta de respeito à nossa identidade de gênero. Enquanto as pessoas nos virem como homem, do sexo masculino, e não nos tratarem como mulher, nós não teremos direito a nada e sofreremos violência ainda mais, todos os dias. Enquanto as pessoas não compreenderem que nós fazemos parte da sociedade e que nós somos mulheres trans e temos direito, essa violência vai continuar. Se já é difícil para uma mulher conseguir isso, nessa luta que ela trava cotidianamente contra a desigualdade de gênero, contra a violência que cometem contra ela, imaginem para nós que somos trans e ainda temos que provar que somos mulheres. É muito mais difícil! Nós estamos lutando ainda para provar a nossa feminilidade, para provar que somos mulheres trans. Em consequência disso, vem a luta por leis que possam punir o nosso agressor, o nosso assassino. O que mais acontece são trans morrendo todos os dias. Foi dito que o Brasil é o país que mais mata transexuais e o que mais fomenta o mercado do sexo. Então, nós vivemos um paradoxo: aquele que alimenta o mercado do sexo é aquele que nos mata também. Nós também vivemos um paradoxo quando vamos à polícia para fazer um boletim de ocorrência contra agressão e a polícia simplesmente cruza os braços e nos trata com descaso. Na hora de prender, na hora de colocar alguém na cadeia, a lei funciona. E, para nos defender, ela não funciona? A violência começa dentro de casa; muitas das vezes, é dentro do lar que começa a violência. Vou citar aqui um exemplo muito forte que vi na internet. Em 2014, uma menina trans de oito anos foi espancada até a morte, no Rio de Janeiro, pelo pai, que queria ensiná-la a se comportar como homem. Quer dizer, esse pai matou essa menina transexual. E as outras que não morrem e que são agredidas, violentamente, todos os dias, dentro da própria casa? Se a família não aceita e não respeita, quem vai respeitar? Quem vai impor esse respeito a essas pessoas? |
| R | A violência também está nas escolas. Quando a gente fala de bullying, na verdade, o bullying é uma violência contra aquilo que você é, principalmente quando você é transexual e você é apontada todos os dias como "bicha", "veado", "baitola". Esse preconceito começa nessas piadas machistas e termina em assassinatos cruéis, todos os dias, pessoas mortas, transexuais, com várias facadas, tiros, enforcamentos. Eu já cheguei a encontrar notícias de transexuais que foram encontradas com arame farpado enroscado no pescoço, neste ano de 2016. São mortes cruéis. Mostram requintes de crueldade com que a pessoa está atuando. E fora que a violência vaga nas instituições; ela é institucional, a partir do momento em que elas não empregam as leis a que temos direito. Nós temos direitos e sabemos disso. A partir do momento em que não são empregados a nosso favor, é cometida uma violência. É cometida uma violência quando não sou tratada pelo gênero que eu sou, por ser mulher. A violência... Muitas vezes, pelo fato de não ter essas leis aplicadas a nós, nós mesmas, as transexuais e travestis da rua, fazemos com que essas leis funcionem para nós. Nós fazemos a lei para vivermos no mundo sem lei, onde nós temos de nos proteger. Se nós formos à polícia, eles não são nossos aliados; eles são nossos inimigos. Muitas vezes, é o nosso agressor. Eu já presenciei várias cenas, onde eu estava, e tive que correr da polícia, para que não acertassem aquele - não sei exatamente o nome - bastão que eles usam para nos espancar. E aquele bastão, quando atinge uma área do seu corpo com silicone, é muito doloroso. Além de doer no corpo, dói na alma, porque você estava ali trabalhando e, de repente, você é rechaçada, você é posta para correr por aqueles que poderiam simplesmente estar protegendo você. E não estão. Prova disso é que, nos boletins de ocorrência, como foi dito aqui, não existe claramente dito que a violência foi feita com agressão a uma transexual. Isso ajudaria muito a criar políticas públicas. Quando uma trans é levada ao pronto-socorro, com um ferimento grave por bala ou por facada, muitas vezes, a pessoa que vai fazer o laudo não põe ali também que a pessoa é transexual, que a pessoa sofreu aquela agressão por ser transexual. E vai colocar o nome José, João. Por mais que não saibam o nome social da pessoa, por que não pôr a identidade de gênero; que a pessoa é transexual e sofreu agressão por aquilo? Aquilo ajuda a aumentar os índices de pessoas que estão sofrendo agressão todos os dias, porque isso é real. E quando isso vai acabar? Quando isso vai acabar, porque transexualidade não vai acabar; ela vai existir, ela vai perpetuar-se por anos e anos? Isso nunca vai acabar. E quer dizer que vai se perpetuar por anos e anos e vamos continuar vivendo numa sociedade que ignora isso, que ignora que a vida de uma transexual vai até 35 anos de idade. Isso é vida que uma pessoa mereça viver? Não é vida! É preciso conscientizar as pessoas do que é transexualidade, do que é ser transexual. Como disse também a psicóloga, é necessário um treinamento de gênero, para que as pessoas possam tratar melhor a pessoa transexual. Ela já sofre tanta agressão nas ruas pelas pessoas, por que o Estado não a trata com o respeito que ela merece? Mulher trans sendo tratada por outra mulher, mulher cis ou trans, o que seja, isso é digno. Isso mostra que a gente pode enfrentar ainda mais, porque, se eu cheguei aqui hoje em dia, se eu sobrevivi a tudo isso, foi porque eu lutei muito, pois não tive apoio de nada, nem de ninguém. Não tive apoio de família, não tive apoio do Estado, e tudo o que eu consegui até hoje foi através do trabalho de sexo, sexual. |
| R | E se hoje eu estou aqui eu agradeço simplesmente por estar viva e por batalhar todos os dias pela minha vida, porque todo dia eu saía de casa, já imaginando: que violência será que eu vou sofrer hoje? A violência já estava naturalizada naquele meio, porque você já sabia, a partir do momento que você saía de casa, que você podia sofrer qualquer tipo de violência. (Soa a campainha.) A SRª MELISSA MASSAYURY - Será que eu vou chegar inteira em casa? Será que eu vou chegar viva? E para terminar o meu discurso, eu gostaria de dizer que o Brasil é um país signatário de tratados internacionais que protegem o direito das transexuais. Todas as pessoas têm direito de desfrutar de todos os direitos humanos, temos direito de igualdade perante a lei. Há leis que proíbem qualquer forma de discriminação e garantem a todas as pessoas proteção igual a todos os seres humanos, que nascem livres e iguais em dignidade e direito. E quem não faz com que essas leis funcionem, quem veta essas leis para que elas funcionem para nós está sujando também as suas mãos de sangue, está contribuindo para que mais transexuais morram todos os dias. E é preciso que isso seja modificado já e agora. Estar conversando sobre isso hoje, para mim, já é um triunfo, porque há um tempo atrás não se falava sobre transexualidade, sobre gênero, e hoje em dia se fala, então para mim isso é uma vitória. E eu não vou desistir, porque se eu cheguei até hoje sem desistir, eu não vou desistir agora que eu estou aqui. E é essa a minha palavra. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. PT - PI) - Obrigada, Melissa Massayuri. Parabéns pelo pronunciamento. Este programa está sendo gravado e vai ser repetido, esta audiência. Ela não está sendo transmitida direto porque quando a sessão plenária está funcionando, a prioridade é o plenário. Se não estivesse o plenário funcionando, estaria sendo transmitida direto, mas a TV Senado grava e, em algum momento, geralmente à noite, ela repete. Então, são milhões de pessoas, a TV Senado tem uma audiência boa. Acho que essas audiências públicas servem para isso. Está sendo transmitida pela internet. Essas audiências dão visibilidade aos invisíveis. É para isso que a gente faz muitas audiências aqui, para, pelo menos, as pessoas verem e saberem que existe o problema e que é preciso trabalhar soluções para ele. Então, nós vamos ouvir a Professora Tatiana Lionço, que é do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. A SRª TATIANA LIONÇO - Boa tarde. Não há motivos para agradecimentos. É importante mencionar que hoje esta Casa está fechada. Eu apenas consegui entrar porque eu consegui provar que eu integrava a Mesa na audiência pública, de modo que esta audiência pública está fechada para a participação da sociedade civil. Evidentemente, é preciso que alguém diga isso, porque talvez o enquadramento da câmera não permita que seja revelado, inclusive, que não há Deputados e Senadores, Senadoras e Deputadas presentes na reunião, o.k? Então, neste momento, sequer me comoverei, com exceções às quais eu poderia agradecer. Eu não farei isso neste momento. Ocupo o lugar de fala nesta reunião hoje unicamente pelo meu compromisso com a ética democrática e com a garantia de direitos sociais para todas as pessoas no País, incluindo explicitamente as pessoas travestis e transexuais. Não agradecerei a nenhuma autoridade presente e nem ausente, pois não há o que agradecer. |
| R | Decidi tomar a palavra para dizer que esta Casa Legislativa vem sendo insuficiente no combate às desigualdades e opressões, se não conivente com a manutenção da violação de direitos para grandes parcelas da população. E hoje nos dedicamos a pensar especificamente na brutalidade da violação de direitos das pessoas travestis e transexuais no Brasil. Estamos em tempo de protagonismo trans, o que quer dizer que precisamos, inclusive, problematizar por que uma pessoa cisgênero, ou seja, não transexual, como eu, ocupa hoje espaços de fala nesta audiência pública sobre violência contra travestis e transexuais. Para além da necessidade evidente de alianças entre nós, infelizmente, pode-se dizer que a transfobia, incluindo aí a transfobia institucional, requer que uma pessoa cisgênero fale, de preferência com titulação que lhe confira alguma autoridade, como no meu caso, doutora em Psicologia e professora de uma das melhores universidades do País. É preciso lembrar que há, inclusive, travestis e transexuais doutoras e doutor também neste País, atualmente. Vim aqui hoje para falar para as pessoas que ainda precisam que eu sustente aqui o meu título e meu cargo, que ainda precisam que uma pessoa cisgênero ateste o valor do que as pessoas travestis e transexuais teriam a reivindicar e a nos ensinar, que vocês estão equivocadas. Talvez faça alguma diferença ainda não ser uma pessoa transexual e estar aqui falando. Mas o que eu tenho a dizer eu aprendi com as travestis e transexuais. Portanto, o melhor uso que eu poderia fazer da palavra, neste momento, é lhes contar que a sua necessidade de acolher uma doutora, uma professora universitária cisgênero é sintoma da desqualificação das reivindicações populares, bem como da manutenção da lógica opressiva que divide a sociedade entre aquelas pessoas que merecem ser escutadas e aquelas pessoas que são apenas protocolarmente escutadas, se não meramente, brutalmente e letalmente, silenciadas, como é o caso de travestis e transexuais neste País. É uma contradição insuportável a realização desta audiência pública no dia de hoje, um dia após a aprovação de uma emenda constitucional que precariza o Estado democrático de direito social pelas próximas duas décadas, tempo suficiente para que seja formalmente destruído em prol de interesses empresariais e dos donos do poder. Esta Casa Legislativa está afrontando a nossa democracia, o que me leva à convicção de que não devo respeito algum às suas normas antidemocráticas e que, se for preciso, desobedecerei, estarei de prontidão para desobedecer às leis injustas que vocês vierem a aprovar. Estive de prontidão para o processo democrático na construção do processo transexualizador no SUS, mas estarei de prontidão para desobedecer quaisquer leis que vierem a prejudicar o avanço da garantia de direitos para pessoas transexuais e travestis neste País. Os senhores e as senhoras estão dificultando o processo. Não é possível debater garantia de direitos sociais para travestis e transexuais sem enunciar aqui o meu repúdio à decisão que tomaram, nesta Casa Legislativa ontem, com a aprovação da PEC 55. O que fizeram foi atestar a conivência do Estado com a manutenção das violações de direitos para a população travesti e transexual entre outros segmentos da sociedade brasileira, os quais não importam aos donos do poder. |
| R | Há, inclusive, uma Senadora que fez trajetória política e se elegeu com a bandeira LGBT e que votou pela aprovação da PEC 55. Então, vamos parar de hipocrisia nesse momento. Inclusive, ela é membro desta Comissão e não está presente aqui agora. Ainda tomaram essa decisão que prejudica ações de garantia de direitos para travestis, transexuais e muitos outros segmentos populacionais, ao custo de um massacre real e simbólico contra a nossa juventude, contra servidores e servidoras públicas que vieram ontem, aqui, à Esplanada dos Ministérios, contar a vocês quais eram os nossos anseios, os quais vocês decidiram não representar ou mesmo abandonar. Ainda tramitam nesta Casa projetos de lei que visam a retroceder, explicitamente, na garantia de direitos conquistados, no Poder Executivo, por travestis e transexuais. Seria possível escutar e entender que o nome social deve ser respeitado? Que o uso dos banheiros, por quaisquer adolescentes, nas escolas, é importante para a garantia de sua permanência nas instituições de ensino? Seria possível escutar e entender que a identidade de um sujeito, seja ele quem for, deve ser respeitada, pois se trata de um direito básico à dignidade, a poder existir como pessoa que reconhece a si mesma? Acaso já pararam para pensar que, se um projeto de lei tal como o Escola sem Partido for aprovado nesta Casa, também se legitimará a compulsoriedade do silêncio, diante de toda violência de gênero, incluindo a homofobia e a transfobia, e que o silêncio é irmão da conivência, que é irmã da responsabilidade ou - se preferirem - culpa? Essa hipocrisia assumam os senhores e as senhoras, porque nós não temos dever de o fazer. Mesmo que pareça deselegante, temos o direito de não cumprir o seu rito da hipocrisia nesse momento. O meu direito de ocupar lugar, hoje, aqui, sequer é respeitado pelos Srs. e Srªs Parlamentares, donos do poder. Se fosse, não seria sempre insuficiente lembrar que, por mais que vocês me convoquem a estar aqui, como uma autoridade, Parlamentares não param - e a última ocorrência foi em junho de 2016 - de me usar, de usar a minha imagem, inclusive, tomando a palavra, nesta Casa Legislativa, para construir uma personagem pedófila e anticristo, alvo de massacre moral, diante da necessidade de discutirmos publicamente direitos de travestis e transexuais no País. Sabem por que Parlamentares fizeram isso comigo? Por eu trabalhar na luta pela garantia de direitos das pessoas travestis e transexuais no País, única e exclusivamente, entre outras vidas, evidentemente, que não merecem respeito e consideração por parte dos estelionatários do poder do povo. É isso que vocês são. Espero que escutem, depois, a audiência, porque não há ninguém aqui, do Parlamento, presente, a não ser, desculpe-me, a Senadora que preside a reunião. É lastimável que precisemos tomar assento aqui, hoje, para lhes ensinar o básico: os senhores e as senhoras ocupam cargos e funções públicas, aqui, para nos representar, para trabalhar pela garantia dos nossos direitos. A todos e a todas nós. Isso significa que devem representar, democraticamente, a todos e todas, a despeito de nossas divergências políticas, ideológicas, de concepções de mundo. |
| R | Não é cabível que representem apenas determinadas formas de pensar e de viver. Não é cabível que representem ideais de abolição e de violação de direitos para segmentos populacionais dos quais os senhores e as senhoras discordem que existam tal como existem. Esta Casa não tem o poder de decidir o que é a sociedade, o que é a humanidade. Deveriam ter a obrigação de reconhecer à sociedade a diversidade na humanidade e representar esta pluralidade. Acaso os senhores e as senhoras realmente acreditam que detêm o poder de governar o que é a sociedade e o que é o povo? Então, saibam que nos multiplicaremos como praga e adentraremos todos os cantos, como vidas que escapam às normas, pois é a vida que vem primeiro, e as normas deveriam atender às necessidades da vida, e não o contrário. Por mais indelicada que eu seja nesse momento, eu realmente não posso deixar de mencionar que falta sensibilidade democrática no Parlamento e que sobra politicagem na ritualização da eternização de privilégios nesta Casa. O que os elegeu, Srªs e Srs. Deputados, Deputadas, Senadoras, Senadores, foi o dinheiro. O que lhes garantiu ocupar vaga aqui foi slogan sensacionalista, de senso moral oportunista. O que estão a fazer aqui é teatro de má qualidade, visto que não mais nos comove e não mais nos ilude. Sabem qual é o nível da omissão do Estado brasileiro diante da violência contra travestis e transexuais? São elas e eles - travestis e transexuais - que contabilizam os próprios corpos mortos. É disso que se trata. Se dependesse do Estado, a cada travesti caída no chão, a cada transexual morta a facadas, estaria contado mais um homem morto. De acordo com a Rede Trans Brasil, apenas em 2016, já se contabilizaram 127 pessoas trans assassinadas e 12 pessoas trans que se suicidaram. Como trabalham com notícias, esse número não representa a realidade, apenas nos dá a noção do mínimo que temos que saber, diante do silêncio brutal de um Estado transfóbico genocida que os senhores e as senhoras representam aqui nesta Casa Legislativa. Eu gostaria de dizer ainda que travestis e transexuais começaram a ocupar vagas nas universidades. Sabem como? Diante da omissão absoluta do Estado, auto-organizando-se e fazendo revolução, como é o caso da Casa Nem, no Rio de Janeiro. Infelizmente, Indianara, eleita vereadora suplente no Rio de Janeiro, foi objeto de um ataque, neste mês, e felizmente está viva, para o terror da Nação. Então, eu gostaria ainda de dizer que, se eu lhes pareço, hoje, uma pessoa desagradável e indelicada, é porque os senhores e as senhoras têm nos maltratado. Por fim, não agradecerei por nada, ainda, a não ser às travestis e transexuais que se disponibilizaram a participar desse momento ritualístico - grotesco, eu diria. Se precisam de agradecimentos, os senhores e as senhoras, por favor, façam por onde conquistá-los. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. PT - PI) - Obrigada, Profª Tatiana Lionço, do Instituto de Psicologia da UnB. Onde está a Luizianne? (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. PT - PI) - É que, infelizmente, há o Regimento. Estou aqui e tenho de cumpri-lo. O Presidente chegou, e a sessão do plenário abriu. Mas a Luizianne pode continuar, porque, certamente, a Câmara não está com pressão de votação. Ali vai haver votação nominal, e temos de acompanhar e votar. A pauta deste fim de ano é uma pauta bomba e gira ali. Então, é tudo muito rápido. Hoje, votaram a medida provisória que trata do ensino médio na Comissão, a qual, certamente, vai para a pauta ainda neste ano. Quero convidar a minha companheira Deputada Luizianne para assumir a Presidência, porque o plenário me chama. Quero lhes agradecer. Quero parabenizar todas pelos pronunciamentos. Infelizmente, tenho de me retirar para acompanhar a sessão e votar a favor ou contra. Ainda não vi o que está na pauta hoje. Ontem, votei contra, ouviu, gente? (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Eu estou com o coração partido, porque eu queria muito ter ouvido as falas. Mas, antes de encerrar, eu queria agradecer à Tatiana Lionço, Professora do Instituto de Psicologia da UnB; à Srª Paula Benett, representante da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil; à Srª Bianca Moura, representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, e à Srª Melissa Massayury, ativista trans. Quero agradecer a todos vocês que ficaram atentos, às pessoas que participaram desta audiência interativa. Quero me desculpar, porque, de fato, eu estava relatando um projeto que já estava sendo adiado por três sessões, em função exatamente desta correria. Quero dizer que, como a reunião está nos nossos Anais, como ela está gravada pela TV Senado, terei a maior alegria - tenho a maior curiosidade - de ouvi-las. Temos ouvido diversos setores que dizem respeito diretamente à violência de gênero. Desde o ano passado, tivemos as mais diversas audiências nesta Comissão, embora tenha sido um momento muito turbulento da República brasileira desde o ano passado. Caiu o Presidente da Câmara, subiu o novo Presidente da Câmara, houve o processo de impeachment da Presidente Dilma. Então, foi um momento muito tumultuado do ponto de vista político. Talvez, pudéssemos ter produzido muito mais. Mas, mesmo assim, esta Comissão tem sido uma experiência absolutamente fantástica. Nós socializamos aqui a questão da violência contra as mulheres de diversos setores, como as policiais militares, que sofrem assédio, assédio moral, inclusive. As policiais, hoje, estão na luta contra a violência, assumindo tarefas e cargos importantes. Agora, discutimos a questão da mutilação das mulheres, a questão da violência contra as trans e travestis. Isso tudo para nós é um enriquecimento muito concreto. A nossa perspectiva é de dar pluralidade a essa compreensão, porque acho que é importante que nós, nesta Comissão, tenhamos um pouco a noção de que a violência não acontece de uma forma só, de que ela acontece de múltiplas formas. Acho que esta audiência se deu um pouco para isso. Foi um requerimento de nossa autoria. Tenho muito orgulho de dizer isso a vocês, tenho muito orgulho de vocês, tenho muito orgulho da luta de vocês, da compreensão de vocês e da ousadia e coragem de vocês. Acho que é disso que estamos precisando. Vocês para nós são exemplo de coragem, de determinação e de luta. |
| R | Portanto, nada mais havendo a tratar, agradecendo a presença de todos, agradecendo às nossas secretárias da Comissão, às nossas assessoras, que são pessoas extremamente qualificadas para conduzir esta Comissão conosco, declaro encerrada a presente reunião. Agradeço a presença de todos. Tenham todos uma ótima tarde! (Palmas.) (Iniciada às 14 horas e 50 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 18 minutos.) |
