Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. PMDB - ES) - Bom dia a todos. Quero saudar todos os que participam deste belíssimo encontro, que tem sido objeto da apreciação de vários Senadores e Deputados desta Casa, e vou declarar reaberta a reunião conjunta. Esta reunião é da Comissão de Meio Ambiente (CMA), do Senado Federal, e da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas, do Congresso Nacional, cujo Presidente se encontra aqui, o Senador Jorge Viana. A presente reunião visa à realização do Colóquio Judicial Regional para a América Latina e o Caribe, com o seguinte tema: "Constituição, Meio Ambiente e Direitos Humanos: prática e implementação do Estado de direito ambiental". Eu gostaria de convidar, mas já se encontra aqui na mesa, o nosso Ministro Herman Benjamin, que foi quem coordenou todo o trabalho, pelas mãos do qual se realiza hoje aqui. E, ao lado, o Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que vai fazer a conferência. Portanto, estão todos à mesa. Eu queria só ressaltar aqui a importância desta reunião, dizer que fui Constituinte e sei que historicamente escrevemos um capítulo sobre a questão ambiental. Os avanços que foram permitidos não contemplam a realidade que o Brasil precisa frequentar, construir e enfrentar, sobretudo pela necessidade de discutir, como faz o Presidente Jorge Viana, a questão das mudanças climáticas. A questão ambiental é de outra Comissão que também faz parte deste trabalho, presidida pelo Senador Davi Alcolumbre. Esses aspectos práticos da implementação da legislação, tanto do comportamento quanto do cumprimento das leis, têm que falar sobre a questão de direitos humanos, tem que coadunar com o Estado de direito ambiental. E hoje é realmente o Estado de direito ambiental, porque essa pauta não é mais desconhecida dos brasileiros. Portanto, saúdo o trabalho e sobretudo a iniciativa, Ministro Herman, e saúdo o Ministro Barroso, que aqui se encontra, parabenizando o Presidente da Comissão. Nós damos início à conferência. Eu, inicialmente, gostaria, com muito prazer, de dar a palavra, para fazer a abertura e a saudação, ao Ministro Herman Benjamin. O SR. HERMAN BENJAMIN - Obrigado, Senadora. Em primeiro lugar, eu queria agradecer a V. Exª por presidir este painel, que, a rigor, é uma conferência de honra do nosso Ministro Luís Roberto Barroso, que é um amigo muito querido de muito tempo. Tanto com ele quanto com a sua mulher, temos uma irmandade de várias décadas. Se me permite, Senadora, eu queria dizer uma palavra sobre o seu Estado do Espírito Santo, que é um dos mais bonitos do Brasil. Eu, apenas para deixar todos com água na boca, nas férias de dezembro, fui com a minha família exatamente para o Estado do Espírito Santo, para visitar o Parque Nacional do Caparaó e também o monumento natural, os chamados pontões, que são rochedos que saem do nada. Sem falar que a cidade de Vitória, a capital... |
| R | O Senador Jorge Viana, que está tão longe do mar, lá no Acre, está mais perto do Pacífico do que do Atlântico, e o Ministro Barroso, que é do Estado do Rio de Janeiro, ambos certamente concordarão comigo que a culinária capixaba é uma das mais extraordinárias do nosso País. Então, para aqueles que pretendem ficar mais uns dias no Brasil ou voltar ao Brasil, eu recomendo o Estado do Espírito Santo. A Senadora Rose de Freitas, como ela disse, está no Congresso brasileiro há muitos anos. Foi constituinte, em 1987 e 1988 e, portanto, uma das redatoras do texto extraordinário que nós temos na Constituição de 1988, que será debatida hoje pelo meu colega Luís Roberto Barroso. No Senado, S. Exª tem ocupado posições de muito destaque, sobretudo como Relatora do Orçamento, aliás, Presidente da Comissão do Orçamento. E todos sabem que este é um dos cargos mais importantes no Parlamento de qualquer país. O meu amigo, grande jurista, Luís Roberto Barroso é uma dessas figuras encantadoras do Direito brasileiro e mundial. Eu o reputo um dos grandes constitucionalistas não só da América Latina,mas do mundo. Os seus livros são referências. É um convidado de eventos não só no Brasil, mas em todas as partes, e sobretudo de universidades de renome - na semana passada, por exemplo, ele estava em Oxford -, e é um grande organizador, eu diria um grande agitador intelectual, um homem de letras, mas sobretudo com uma grande preocupação com sujeitos vulneráveis e com a eficácia do Texto Constitucional. E foi exatamente sobre isso que nós pedimos que ele dissesse alguma coisa - ele tem um livro escrito sobre a eficácia da norma constitucional, entre tantos: que trouxesse as suas luzes sobre o tema central desse nosso evento, que é precisamente compliance and enforcement e a eficácia das normas constitucionais que protegem o meio ambiente. Queria agradecer ao Senador Jorge Viana mais uma vez, o nosso anfitrião. E, com isso, Senadora, eu devolvo a palavra a V. Exª para prosseguir. A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. PMDB - ES) - Convidamos para a mesa o Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Senador Davi Alcolumbre. Antes de dar a palavra ao Ministro Barroso, eu gostaria de agradecer a generosidade e o carinho pelo Estado do Espírito Santo. Não se esqueçam do que ele disse aqui sobre a moqueca capixaba, e que nós temos praia a dez minutos de Vitória, dentro de Vitória, e também a trinta minutos, temos montanhas que chegam a zero grau, com belíssimas cachoeiras e lagos. Muito obrigada pela lembrança. O povo capixaba, por essa deferência, vai agradecer muito. |
| R | Portanto, eu agradeço as palavras e gostaria que deixasse aqui os registros mais notáveis sobre esse Ministro fabuloso que é o Ministro Herman Benjamin, nas considerações do Ministro Barroso. Eu pergunto ao Presidente se ele gostaria de fazer alguma consideração? O SR. JORGE VIANA (PT - AC) - Só porque eu acho que é tão importante, agradecendo e cumprimentando todos que ontem trabalharam... Trabalhamos juntos o dia inteiro. O Sr. Ministro Luís Roberto Barroso, Ministro da Suprema Corte brasileira, como bem falou o Ministro Herman Benjamin, tem publicações, é um advogado e agora um juiz da maior importância no nosso País. Como Presidente da Comissão de Mudanças Climáticas, que organiza, juntamente com a Comissão de Meio Ambiente e outras organizações, e também com a ajuda fundamental do Ministro Herman Benjamin, esse evento, para nós é um momento muito especial que estamos iniciando aqui, neste segundo dia, mas a presença, Ministro Barroso, de tantas autoridades aqui, Ministros da Suprema Corte, da América Latina, do Caribe e de outras partes do mundo é algo que o Senado nunca tinha recepcionado com essa intensidade, e para tratar fundamentalmente do Direito Ambiental nas Constituições, daquilo que o Ministro Herman Benjamin falava ontem com muita propriedade. Como nós podemos fazer, os juristas e nós legisladores, para trabalharmos o direito de gerações que virão, daqueles que não estão aqui para reclamar seus direitos? É um papel muito nobre que nós temos, quando cuidamos e trabalhamos em prol da proteção do meio ambiente, que, no fundo, é sinônimo de proteção à vida. Então, para nós é uma satisfação muito grande tê-lo aqui, Ministro. Esta é uma reunião conjunta da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão Mista de Mudanças Climáticas. No caso, a Comissão que eu tenho a honra de presidir é do Congresso Nacional; e a Senadora Rose foi convidada para presidir esta reunião que inaugura o segundo dia deste colóquio internacional que estamos realizando aqui sobre Constituição, Ambiente e Direitos Humanos. Obrigado. A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. PMDB - ES) - Pois não. Passamos, então, à palavra do Ministro Barroso, que fará sua conferência ao lado do nosso Ministro, Magistrado ambientalista, Ministro Herman. Com a palavra o Ministro Barroso. O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Prezada Senadora Rose de Freitas, prezado Senador Jorge Viana, prezado Senador Davi Alcolumbre, meu querido amigo, Ministro Herman Benjamin, meus amigos, my dear friends, queridos amigos, tenho muito prazer e muita honra de estar aqui neste evento para compartilhar algumas ideias e algumas reflexões sobre este tema de meio ambiente, Direitos Humanos e efetividade das normas constitucionais. O Herman, como muitos saberão e conhecerão, mais do que um grande jurista e um grande juiz é um dos grandes militantes desta causa. Na vida, não basta a gente ter conhecimento, temos de colocá-lo em atuação. E ele, desde o Ministério Público e, depois, como autor, um dos coautores do Código do Consumidor, e agora como juiz, tem sido uma das inteligências mais vigorosas na tentativa - um pouco mais difícil do que seria de se esperar - de incluir as preocupações ambientais na agenda brasileira. |
| R | O Herman me dizia que todas as pessoas aqui são, de certa forma, especialistas em Direito Ambiental, e que, portanto, todos são caciques. É esquisita a sensação de falar num lugar em que todo mundo entende mais desse assunto do que eu. E acho que, como tinham muitos caciques, aos organizadores pareceu bem trazer um índio. Portanto, sou eu aqui o índio deste evento. Outra observação que rapidamente gostaria de fazer é que finalmente eu tenho chance de falar sobre alguma coisa que não é o momento complexo que o Brasil está vivendo atualmente, de modo que variar de temas também é positivo. Eu apenas faria um registro que considero importante, sobretudo para os nossos visitantes estrangeiros: se alguém achar que tudo vai mal, está caindo aos pedaços e que nós estamos indo rumo ao buraco, eu gostaria de dizer que é exatamente o contrário. Talvez nenhum país do mundo tenha se disposto a enfrentar os males da corrupção institucionalizada como nós temos nos disposto a fazer, com grande sofrimento para as pessoas, com grande custo econômico, mas com uma oportunidade verdadeira de mudarmos de patamar e passarmos a ser um País com novos horizontes e um novo padrão na ética pública e na ética privada. Nós vivemos um momento de diagnóstico severo de uma corrupção que se institucionalizou e se infiltrou em toda parte; um País em que a corrupção passou a ser um meio de vida para muitos e um modo de fazer negócio para outros. Portanto, nós estamos vivendo o momento dificílimo de fazer a cirurgia extensa e profunda necessária para começar um novo País sobre novas bases, um País em que não exista tanta gente com disposição para viver com o dinheiro dos outros, com o dinheiro do povo brasileiro, com o dinheiro que faz falta para quem precisa. Assim, não suponham um momento sequer que nós estamos rumo à banca rota. Nós estamos rumo a fazer um País que vai mudar de patamar econômico, de patamar social e de patamar ético. Eu vivo cada dia dessa crença e gostaria de compartilhá-la com todos. O tema da minha palestra poderia ser, Herman, "Pra não dizer que não falei das flores", que é uma música que fez grande sucesso ao final ou em algum ponto do regime militar e foi um pouco um hino da superação do regime militar. Acho que nós estamos à beira de superar também um momento ruim e difícil. A Constituição brasileira de 1988 desfruta até de um certo pioneirismo na questão ambiental. E aqui eu gostaria de fazer uma observação que considero relevante do ponto de vista mundial e do ponto de vista brasileiro que é essa ideia do constitucionalismo, e aí chegaríamos ao constitucionalismo ambiental. |
| R | O constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do século XX. A ideia de constitucionalismo como poder limitado e de respeito a direitos fundamentais se agrega, ao longo do século XX, à ideia de democracia, de soberania popular, de governo da maioria, e faz esse arranjo institucional que hoje prevalece na maior parte dos países do mundo, que é a democracia constitucional. Em muitas partes do mundo e no Brasil particularmente, nós vivemos um processo que muitos autores identificam como sendo a constitucionalização do direito, e que chega até o Direito Ambiental. Aqui eu queria fazer uma observação interessante. No Brasil, como nós temos uma Constituição extremamente analítica, uma Constituição que tem 250 artigos e oito dezenas de disposições transitórias, um observador típico poderia supor que constitucionalização significa que muitos temas que seriam de Direito ordinário vieram para a Constituição. Portanto, há uma constitucionalização pela vinda de muitos temas para a Constituição, o que, de fato, no Brasil é verdade. Mas a constitucionalização significa sobretudo a ida da Constituição para os diferentes ramos do Direito infraconstitucional. A constitucionalização significa a mudança da lente pela qual se deve ler o Direito. Ela significa a leitura do Direito infraconstitucional à luz da Constituição. Significa, portanto, a leitura de todo o Direito infraconstitucional à luz dos valores constitucionais. Isso é uma revolução no modo como se pensa e se pratica o Direito. E acho que a ideia de constitucionalismo ambiental deve significar isto também, e em primeiro lugar: a leitura de todos os ramos do Direito infraconstitucional pela lente dos valores que a Constituição consagrou em matéria de Direito Ambiental e que se encontra sobretudo no art. 225 da Constituição brasileira, do qual eu leio apenas o caput, porque os senhores já terão tido a oportunidade de travar este contato. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. E aí vem um longo elenco de dispositivos. Eu gostaria aqui de enfatizar, inicialmente, a questão do direito ao meio ambiente saudável figurar como um direito fundamental, não sem antes fazer a observação de que o tratamento dado pela Constituição brasileira nesta matéria é, na sua aparência, essencialmente antropocêntrico, colocando o homem no centro das preocupações o que evidentemente faz sentido por ser uma obra humana. |
| R | Mas quero dizer, e vou exemplificar, que a jurisprudência no Brasil, em casos importantes, tem incorporado uma visão mais biocêntrica da vida, inclusive reconhecendo algum grau de dignidade, não dignidade humana, mas algum grau de dignidade, porque relevante, tanto à fauna como à flora. Portanto, há uma sinalização de um modelo essencialmente antropocêntrico, mas acho que temos avançado para a criação de um modelo em que nem tudo no universo deve estar funcionalizado aos interesses imediatos dos seres humanos ou do Homo sapiens. Outra observação que eu gostaria de fazer é que, no caso brasileiro, a proteção ambiental não vem no capítulo dedicado especificamente à proteção dos direitos fundamentais. Mas também tem sido entendimento pacífico, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que o fato de um direito não estar no elenco dos direitos fundamentais, se ele for revestido de fundamentalidade material, ele conserva essa característica, e ela prevalece sobre a sua localização topográfica no texto. Portanto, gostaria de dizer, logo de saída, que considero que o direito ao meio ambiente saudável é um direito fundamental. E, ainda quando não fosse, pela extensão que me parece que tem, ele certamente deveria ser enquadrado na categoria que é identificada doutrinariamente como mínimo existencial. Esta é uma construção que vem sobretudo da doutrina e da jurisprudência alemãs, que reconhece que, para o desfrute das liberdades tradicionais, das liberdades convencionais, existe o mínimo de garantias sociais e existenciais que as pessoas precisam ter no tocante à habitação, moradia, alimentação e acesso às utilidades mínimas. E eu penso que, no mundo contemporâneo, a proteção ambiental e um direito ao meio ambiente minimamente saudável figura dentro desta ideia de mínimo existencial. Portanto, e sintetizando, o fato de não estar no capítulo de direitos fundamentais não muda a sua natureza substantiva de ser um direito fundamental. E, ainda quando não fosse - e é - certamente o direito ao meio ambiente saudável integraria o mínimo existencial, o mínimo vital de que as pessoas necessitam para desfrutarem de uma vida digna. Dizer que uma determinada situação jurídica constitui um direito fundamental significa que ela faz parte de uma reserva mínima de justiça e de dignidade a que todos os indivíduos têm direito. Portanto, o direito à preservação ambiental figura, em primeiro lugar, como um direito individual para, em seguida, ser também um direito difuso a exigir proteção coletiva. A segunda característica que me parece digna de nota, ao se identificar a proteção ambiental como um direito fundamental, é que ele é oponível às maiorias. É um direito que decorre diretamente da Constituição tem aplicabilidade direta e imediata - portanto, não depende de intermediação legislativa - e, em muitos casos, pode ser exigido e imposto independentemente mesmo de regulamentação. Em muitos casos, eu acho que o direito ao meio ambiente pode paralisar a eficácia de normas infraconstitucionais que o contravenham. Portanto, ele é um fundamento legítimo para a declaração de inconstitucionalidade de normas que contravenham o seu núcleo essencial. |
| R | Não é desimportante nem é uma filigrana doutrinária identificar direito ao meio ambiente como sendo um direito fundamental, porque ele é oponível às maiorias; pode ser exigido diretamente com base na Constituição; ele investe os indivíduos em pretensões individuais; e, além dessa dimensão subjetiva, eles têm - os direitos ambientais - uma dimensão objetiva, a significar duas coisas: a primeira, que o Estado e o Poder Público têm deveres de proteção e podem ser demandados se não protegerem na intensidade e extensão necessárias esse direito; e, em segundo lugar, a dimensão objetiva do Direito Ambiental reconduz ao meu primeiro comentário, de que todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado à luz da realização dos direitos fundamentais. Portanto, sempre que uma determinada norma infraconstitucional comporte mais de uma interpretação possível e razoável, ela - a interpretação a prevalecer - deve ser a que melhor realize os valores constitucionais, dentre os quais a proteção do meio ambiente. E aqui nós chegamos a um trópico que eu considero especialmente importante: O direito ao meio ambiente saudável é um direito fundamental que, em muitas situações, concorre com outros direitos fundamentais. E, portanto, essa é uma questão delicada que nós vivemos no Brasil em mais de uma situação. Quem acompanhou pela imprensa, por exemplo, a construção de duas usinas hidrelétricas na Amazônia testemunhou um embate entre dois valores constitucionais, ambos previstos da Constituição brasileira, que prevê mais ou menos qualquer coisa que alguém possa imaginar. A Constituição brasileira só não traz a pessoa amada em três dias, mas, fora isso, quase tudo que se procure é possível encontrar lá. E a Constituição tem uma cláusula que preconiza o dever do Estado de promover o desenvolvimento nacional, o que, evidentemente, em muitas situações, significa aumentar o potencial energético e, por outro lado, esta Constituição assegura, como acabamos de noticiar, a proteção do meio ambiente também como um direito fundamental. De modo que, em muitas situações, direitos fundamentais têm que ser ponderados entre si. E aí, como não há hierarquia entre direitos fundamentais porque não há hierarquia entre normas constitucionais, é preciso argumentativamente demonstrar qual direito deve prevalecer num determinado caso concreto. |
| R | No caso desta discussão sobre a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, de um lado defendia-se a ideia de que a criação de uma grande represa afetaria uma área relevante, deslocaria populações ribeirinhas e produziria um impacto relevante sobre a fauna e a flora. Esses eram os argumentos de um lado; e, do outro lado, você tinha os argumentos de que a energia hidrelétrica, embora produza esse impacto ambiental, é mais segura do que algumas alternativas, como seria a energia nuclear, e mais limpa do que a alternativa dos combustíveis fósseis ou a opção por termoelétricas. Portanto, a vida nem sempre é singela, em que as coisas possam ser decididas com a clareza de preto ou branco. E nós precisamos estar em condições de defender com argumentos, fatos, pesquisa e dados empíricos por que razão o Direito Ambiental deve ter preferência num determinado caso concreto em que esteja disputando com outros direitos. E talvez ele não possa vencer sempre, mas deverá vencer muitas vezes. É preciso eliminar a crença de que o desenvolvimento sempre deva prevalecer sobre o meio ambiente, que é tragicamente a crença que ainda prevalece na maior parte do mundo, que não consegue distinguir adequadamente entre o que seja um desenvolvimento ou um crescimento pontual do que seja um desejável desenvolvimento sustentável que verdadeiramente possa produzir justiça intergeracional. Então, um ponto que eu enfatizaria como um defensor da causa é: não basta o discurso, é preciso ter dados empíricos e é preciso ser capaz de oferecer projetos alternativos onde eles existam, porque, neste caso das usinas, perdeu-se a disputa argumentativa, porque a necessidade do desenvolvimento e as opções mais poluentes ou mais arriscadas prevaleceram trumped a preservação do meio ambiente. Trumped no sentido antigo, de trunfo, de prevalecer sobre - acho que a palavra vai adquirir uma nova conotação nos dias atuais. Acho que essas são as primeiras ideias que eu gostaria de compartilhar sobre a questão dos direitos fundamentais e pontuar que o direito ao meio ambiente frequentemente é aplicado aos casos concretos em disputa, em ponderação com outros valores. Portanto, é preciso estar preparado para este debate, para um debate qualitativo porque parte do Direito hoje, num mundo complexo, nas sociedades complexas, já não é mais um direito que se encontra pré-pronto e revelado na norma, é um direito que se constrói, à luz do caso concreto, por uma disputa de argumentos. E, por isso, eu estou enfatizando essa questão da ponderação. É claro que a ponderação envolve muitas vezes escolhas trágicas, acabam-se fazendo concessões recíprocas, e, às vezes, é preciso escolhas. Mas assim é a vida. A vida é feita de algumas escolhas trágicas. Tragic Choices é o título de um livro do meu querido professor Guido Calabresi. |
| R | Eu gosto de exemplificar a ideia de ponderação com um caso concreto que me contaram. Um sujeito comprou um carro, um Opala - a história é antiga, um Opala - e aí ele colocou o Opala em alta velocidade, Senador, numa estrada de Minas, perto de Alfenas. Ele ia no máximo da velocidade, subiu uma colina, quando ela começa a descer a colina, com toda a potência do Opala, vem atravessando um enterro à estrada. Ele vê que não vai consegui frear, ele se desespera e fala assim: "Ai, meu Deus do céu, vou mirar no caixão". Essa era a escolha menos ruim que ele podia fazer diante daquela conjuntura. Assim é um pouco a ponderação: às vezes, a gente tem que escolher a alternativa menos trágica. Estabelecido que é um direito fundamental e, portanto, um direito humano - eu estou usando aqui a expressão direito fundamental, o que, nos Estados Unidos, chamariam de direito constitucional, mas, mais tradicionalmente, os direitos humanos -, uma vez os direitos humanos incorporados a um ordenamento jurídico interno passam a ser tratados como direitos fundamentais. É apenas uma convenção terminológica. Estabelecido que a proteção do meio ambiente é um direito fundamental, nós passamos para o tópico seguinte que é o da sua efetividade. Quando eu comecei a me dedicar ao tema da efetividade - em algum momento da década de 80, antes, portanto, da Constituição brasileira - era um esforço para superar uma visão que era uma visão que nós havíamos importado da Europa e que era muito prevalecente na América Latina, de que as constituições não tinham aplicabilidade direta e imediata. Elas não valiam por si, elas dependiam da intermediação do legislador ordinário para dar concretização ao que se previa na Constituição. Esse era o modelo europeu tradicional, que vinha desde a primeira Constituição francesa. O constitucionalismo começa tendo como dois grandes marcos a Constituição americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791, mas elas dão origem a modelos constitucionais diferentes. Nos Estados Unidos, desde a primeira hora, ou pelo menos desde Marbury versus Madison, que é de 1803, a Constituição é vista como um documento jurídico que pode ser aplicado diretamente pelo Judiciário para a defesa das situações ali contempladas. O constitucionalismo europeu percorreu uma outra trajetória em que vigorava não a supremacia da Constituição, mas, sim, a supremacia do parlamento, de modo que as Constituições eram vistas mais como um documento político, uma convocação à atuação dos poderes Legislativo e Executivo. Essa era a visão tradicional que prevalecia na Europa, pelo menos até a Constituição alemã de 1949, e que, na América Latina, prevalecia até o final do século. A ideia de efetividade que se construiu no Brasil nos últimos 20 anos do século passado era a ideia de que a Constituição é um documento jurídico e que as normas que nela estão previstas podem ser direta e imediatamente aplicadas pelo Poder Judiciário. E, portanto, a Constituição é um instrumento de trabalho de advogados, juízes e membros do Ministério Público. Isso pode parecer óbvio para as novas gerações, mas isso, no Brasil, é um fenômeno dos últimos 30 anos, se tanto, a Constituição como um instrumento de atuação do advogado. |
| R | A efetividade, como conceito, se conquistou a duras penas no Brasil e com resistência até do próprio Supremo Tribunal Federal, porque é mais fácil para um tribunal, diante de situações difíceis, dizer que essa matéria depende de regulamentação legislativa. Com isso, ele tira o problema do seu colo. Mas o Judiciário não está aí para tirar problemas do colo, ele está aí para resolver problemas e fazer a história avançar na medida em que isso seja compatível com as suas competências. De modo que essa ideia de uma Constituição cujos valores fundamentais e cujos direitos possam ser judicializados e afirmados - enforced - pelo Poder Judiciário é o que está subjacente à ideia de efetividade, foi uma conquista recente e muito importante que nós obtivemos no Brasil e penso que em parte da América Latina também, onde há decisões extremamente importantes de tribunais como os da Colômbia, da Argentina e da Costa Rica, como os senhores bem saberão. Portanto, nós conquistamos doutrinariamente a ideia de que a Constituição é dotada de efetividade, inclusive as normas ambientais, e a judicialização de direitos passou a ser um espaço de luta importante na vida brasileira e acho que da América Latina, de uma maneira geral. Essa foi, de certa forma, uma americanização do Direito Constitucional, o Direito Constitucional que passa a ser um direito judicializável e que as grandes questões podem e, em muitos casos, devem ser decididas pelo Poder Judiciário, sobretudo quando elas não são decididas a tempo e a hora pelo Poder Legislativo. Aqui eu gostaria de fazer uma observação que talvez seja a mais importante da nossa conversa: a judicialização é um capítulo extremamente importante da concretização de direitos e representa um avanço. Porém, a judicialização não apenas não é suficiente como não pode ser considerada a forma normal de se resolverem as grandes questões nacionais. E eu gostaria de demonstrar isso por um argumento doutrinário e depois por um argumento empírico. O argumento doutrinário é de que a judicialização... Nós, que integramos o Poder Judiciário, vivemos um mundo patológico. É que uma matéria só chega ao Poder Judiciário quando houve briga, litígio, disputas não resolvidas amigavelmente nem administrativamente. Ninguém na vida pode achar que a melhor forma de se resolverem os problemas seja a briga, seja o litígio. Portanto, a primeira observação, a judicialização é importante, muito importante, mas não pode ser vista como a forma natural de se resolverem problemas, porque onde há judicialização significa que não houve acordo, não houve composição amigável, não houve um atendimento não contencioso de uma determinada situação. E, na vida, o ideal é que se resolvam os problemas amigavelmente e não litigiosamente. |
| R | O segundo problema associado à judicialização é que juízes e tribunais nem sempre têm as capacidades institucionais adequadas. Nem tudo deve ser resolvido no Poder Judiciário. Questões como transposição de rios ou demarcação de terras indígenas geralmente serão melhor resolvidas nas instâncias políticas e técnicas, antes que no Poder Judiciário. Acho que a judicialização é muito importante - eu mesmo fui um defensor e um militante dela -, mas, na vida, não se deve presumir demais de si mesmo, portanto, há um limite para a judicialização. Até porque - e aqui duas ações importantes - a judicialização, ou seja, a decisão de uma matéria relevante por pronunciamento de um tribunal, para ser concretizada, depende dos outros Poderes. O Judiciário não tem dinheiro nem armas. Assim, o Judiciário achar que pode resolver problemas por si só é uma fantasia, quando não uma pretensão. De modo que, no fundo, no fundo, a concretização, mesmo das decisões judiciais, irá depender dos outros Poderes. Mas, ao falar de efetividade e de judicialização, eu gostaria de destacar uma questão que considero muito importante. Eu vou falar pelo Brasil, mas talvez valha para boa parte do mundo. Nós discutimos mais judicialização do que orçamento. Nós discutimos a ponta final, quando alguma coisa não foi atendida adequadamente, mas não temos o bom hábito de discutirmos no ano anterior, quando as grandes escolhas que um país precisa fazer - escolhas políticas, escolhas sociais, escolhas econômicas e escolhas éticas - são feitas, que é o momento do orçamento. O grande momento da democracia não é, evidentemente, a disputa no Poder Judiciário. O grande momento da democracia é a definição de quanto dinheiro vai para a saúde, de quanto dinheiro vai para a educação, de quanto dinheiro vai para a proteção ambiental, de quanto dinheiro vai para a publicidade institucional, essa praga brasileira que eu não sei quanto é disseminada pelo mundo que é o uso de dinheiro público para fazer propaganda pessoal de governantes. Mas, seja como for, é este o momento da disputa política: saber quanto o País está alocando para tratar da aids, quanto o País está alocando para construir hospital, quanto o País está alocando para cuidar dos índios, quanto o País está alocando para medidas elencadas no art. 225, de concretização dos direitos ambientais. Nós nos acostumamos a discutir efetividade na ponta da judicialização, o que é compreensível, pelo menos da parte de nós, que somos advogados ou juristas em geral, e porque o orçamento é muito complicado, porque o orçamento é uma caixa-preta e porque é uma discussão que os entendidos fazem com que seja muito chata. Portanto, ninguém acaba se aproximando daquilo. Mas esse é o grande momento da democracia, porque, a partir do momento em que você diz: "Eu tenho cem para a proteção ambiental", você vai disputar a melhor alocação daqueles recursos. |
| R | Em saúde, só para fazer um parêntese, nós temos no Brasil um problema dramático, que é a judicialização da saúde, obtenção de medicamentos, de tratamentos, de remédios não registrados, tudo por decisão judicial. E nós estamos debatendo a judicialização, quando nós tínhamos que debater, com transparência, quais foram as escolhas alocativas feitas no orçamento da saúde e, se elas forem racionais e razoáveis, elas devem prevalecer e o juízo deve se meter o mínimo possível. Portanto, a falta de transparência no orçamento leva à judicialização em muitos casos. Eu gostaria de destacar um ponto da questão ambiental brasileira. Estava imaginando, Herman, ir mais uns oito a dez minutos. Está bem? O SR. JORGE VIANA (PT - AC. Fora do microfone.) - Essa aula pode seguir o dia todo. O SR. LUIS ROBERTO BARROSO - Que é a questão do saneamento básico, que é talvez a mais importante política pública de saúde. Quer dizer, o saneamento básico se situa numa interseção que envolve saúde, proteção ambiental e dignidade, vida digna, em condições mínimas de higiene, em condições saudáveis. Desnecessário que eu diga aos senhores que, no mundo inteiro e por imposição da Organização Mundial da Saúde, o saneamento básico é a principal política preventiva de saúde, e acho que é uma das principais políticas em matéria de preservação ambiental, porque indispensável para impedir a contaminação do solo, a contaminação dos mananciais, a contaminação dos rios, a contaminação das praias. Por saneamento básico, estou me referindo basicamente às ações de abastecimento de água, coleta de esgotos, tratamento de esgotos antes de devolvê-los à natureza, o modo de tratar o lixo, os resíduos sólidos, e ainda também o manejo das águas pluviais. Portanto, o saneamento básico é uma política complexa, que envolve diferentes componentes, cujos traços essenciais, eu diria, são a distribuição de água, a coleta do esgoto, o tratamento do esgoto, e o modo como se tratam os resíduos sólidos, como se trata o lixo. Nós temos problemas, no Brasil, em todas essas áreas, em todas elas. E eu anotei aqui a estatística: mais da metade dos domicílios brasileiros não têm acesso a uma rede de coleta de esgotos. O Brasil é a nona maior economia do mundo, e mais de 50% dos domicílios não têm coleta de esgoto. Porém, tão ruim quanto, se não pior, é que 70% dos Municípios devolvem os esgotos à natureza in natura, sem nenhum tipo de tratamento, despejando no meio ambiente. No tocante ao lixo, mais de 50% dos Municípios despejam o lixo em vazadouros abertos conhecidos como lixões, que também produzem contaminação do solo, da atmosfera, doenças além de uma tragédia brasileira que é a das pessoas que sobrevivem recolhendo sobras nesses lixões. |
| R | Em matéria de meio ambiente, uma das principais políticas públicas deve ser uma política de saneamento básico, prioridade máxima em matéria de saúde. Por que destaquei o saneamento básico? Porque essa é uma área em que há uma judicialização relevante. E, aí, recolhi um trabalho de uma autora brasileira - foi até minha aluna, foi meu braço direito no escritório durante muitos anos, agora vive nos Estados Unidos, portanto, um artigo em inglês - em que ela faz um levantamento dos resultados da judicialização em matéria de saneamento básico, para dizer que há bons resultados. A conclusão é de que 76% dessas ações que demandavam saneamento básico em diferentes Municípios foram bem-sucedidas. Porém, embora bem-sucedidas, ela detectou alguns problemas. Para quem tiver interesse, a autora chama-se Ana Paula de Barcellos, e o artigo chama-se Sanitation Rights, Public Law Litigation, and. Inequality: A Case Study from Brazil. Ela chegou a algumas estatísticas interessantes. A primeira e mais relevante é de que houve ações em 177 Municípios, ações bem-sucedidas, mas é um número muito pequeno, porque, segundo o levantamento dela, 2,5 mil Municípios não tinham nem coleta de esgoto, nem tratamento. Portanto, 2,5 mil Municípios não tinham, e a judicialização, a litigiosidade conseguiu atenuar ou, eventualmente, resolver o problema em 177. Isso demonstra que a judicialização, importante como seja, acaba sendo estatisticamente menos relevante dentro do universo de demandas. A segunda constatação dela, importante, é que esses 177 Municípios em que houve a judicialização não eram os mais pobres. A judicialização é uma característica das comunidades mais esclarecidas, mais avançadas, mais ricas. Não que seja ruim, mas não se enfrenta a verdadeira pobreza com judicialização, porque nós todos, sejam os advogados, sejam os defensores públicos, sejam os membros do Ministério Público, temos a percepção do mundo e dos problemas a partir do nosso ponto de observação, que, geralmente, é um ponto de observação de classe média. Portanto, a judicialização não é o grande remédio contra a pobreza. Mas houve uma constatação final que me deixou mais triste em relação à judicialização em matéria de saneamento: é que, embora o êxito judicial tenha sido relevante, as decisões favoráveis em grande quantidade, a execução, ou seja, a efetiva concretização da decisão correspondeu a um percentual relativamente baixo do total de vitórias, vale dizer, advogados, juízes e promotores, com frequência, se contentam em ganhar a ação, mas, no momento de efetivar a ação e concretizá-la, muitas vezes, isso não acontece. |
| R | Estou usando esse exemplo do saneamento básico para dizer que, em matéria de efetividade e normas ambientais, nesse domínio específico do saneamento, que considero um dos capítulos mais importantes, a judicialização, importante como tenha sido, é claramente insuficiente, o que nos devolve para a política, para o orçamento, para o momento anterior de se definirem estratégias de alocação de recursos. Há um último tema que eu gostaria de destacar, já que estamos no Brasil, em matéria de proteção ambiental, que é a questão dos diferentes ecossistemas importantes que temos no Brasil. A Constituição Federal, inclusive, refere-se nominadamente a muitos deles, que incluem: Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga... Mas eu gostaria de enfatizar aqui a questão que talvez seja a mais importante no Brasil hoje que é a da Amazônia, da Floresta Amazônica. O Senador Jorge Viana certamente conhece mais desse tema e desse problema do que eu e do que boa parte das pessoas aqui por ser dar região. As estatísticas em relação à Floresta Amazônica eram aterradoras; melhoraram muito, mas eram aterradoras. De 1970 a 2013, foi desmatada, na Amazônia, uma área equivalente ao território de duas Alemanhas - duas Alemanhas de desmatamento! Há um significativo esforço, deve-se dizer, de contenção do desmatamento, e, portanto, em 2014, ele fica reduzido a 5 mil quilômetros quadrados. Mas 5 mil quilômetros quadrados ainda é Brasília, que é a idade em que estamos, ainda um número excessivo. E, de 2014 para cá, a situação piorou. Infelizmente, essa foi uma matéria em que nós tivemos um atraso. O SR. JORGE VIANA (PT - AC. Fora do microfone.) - Agora está em 7.989. O SR. LUIS ROBERTO BARROSO - Portanto, passou de 5 mil para quase 8 mil. O SR. JORGE VIANA (PT - AC. Fora do microfone.) - Era 5 mil, mas, em dois anos seguidos, aumentou, e, agora, o último número é quase 8 mil. O SR. LUIS ROBERTO BARROSO - A pior coisa que há na vida é andar para trás. É uma sensação muito penosa a de que estávamos melhorando e começamos a piorar. Isso tem que entrar na agenda brasileira novamente. |
| R | E aqui vai a minha sugestão de um observador interessado, mas não de um expert: o Brasil e boa parte dos atores econômicos e sociais tratam a Floresta Amazônica como um passivo, como uma liability, e não como um ativo, como uma benção que recebemos, porque é provavelmente a maior reserva de biodiversidade do mundo. Tratamos a Amazônia como se fosse um problema. Acho - e precisávamos, Senador, fazer - que deveríamos reunir as melhores cabeças que se interessam por isso e conhecem o problema. Eu fiz Direito, mas fiz dois anos e meio de Economia na minha vida. Estudei Cálculo I, Cálculo II, Matemática Financeira, Estatística I, Estatística II. Num dia, descobri que eu não era feito daquele material e fiquei no Direito. Mas eu me lembro de que o meu professor de Economia, no primeiro dia de aula - isso na década de 70, outra vida -, fazia a seguinte pergunta: "Quando é que a gente deve cortar uma árvore?" Essa era a pergunta do primeiro dia de aula, na década de 70. E, no último dia de aula, ele respondia a pergunta: "A gente deve cortar uma árvore quando for economicamente mais interessante cortá-la do que mantê-la". E possivelmente ele estava certo. Portanto, o que temos que fazer? Tornar economicamente mais interessante manter a floresta do que devastá-la. De modo que acho que o Brasil e o mundo querem a floresta. Todo o mundo está preocupado com a floresta. Então, a floresta vale; ela é um ativo para o Brasil e para o mundo. Portanto, é preciso pensar mecanismos legítimos de compensação da Região Amazônica para que seja mais interessante manter a floresta do que fazer fazenda de gado, do que plantar soja, do que fazer qualquer outro tipo de desenvolvimento. É preciso ter um projeto de sustentabilidade para a Amazônia para fazer com que seja economicamente mais interessante ter uma política de desmatamento líquido zero. Como é impossível não se desmatar nada, deve-se ter uma estratégia de reflorestamento que compense aquilo que se está sacrificando por inevitabilidade do progresso. O SR. JORGE VIANA (PT - AC. Fora do microfone.) - Mas o ilegal tem que ser zero. O SR. LUIS ROBERTO BARROSO - O ilegal, sim, grilagem, claro, claro. O desmatamento ilegal tem que ser zero. Portanto, o que eu acho? Precisamos criar os estímulos certos para a preservação da floresta. Eu não saberia dizer quais são, mas tenho certeza de que é possível pensar, numa riqueza daquele tamanho, em um mecanismo adequado para a preservação da floresta ser melhor do que a sua destruição. Acho que essa tem que ser uma preocupação a entrar na agenda. Pode ser uma consultoria internacional, podem ser as melhores cabeças brasileiras para fazer um brainstorming de ideias e, depois, tentar implementá-las. Eu falei que a vida depende de estímulos certos. Tenho um amigo - história trivial - cujo sogro morava no interior e ficou muito doente, estava em semicoma, completamente inconsciente. Ele foi visitar o sogro, tinha que trazê-lo para a cidade, que era Brasília, mas o transporte em uma ambulância seria fatal para o senhor, que já era idoso. Ele tinha condições e então fretou um avião, uma UTI aérea para transportar o sogro, que estava lá inconsciente, quase moribundo. Aí, quando levam o sogro e o colocam dentro do aviãozinho, ele percebe que está dentro do avião, abre o olho, dá uma olhada em volta e fala: "Quem é que está pagando por isso?" Quer dizer, com o estímulo certo, o homem ressuscitou, que foi a sensação de que aquilo podia estar custando mais dinheiro do que ele tivesse. Na vida, temos que criar os estímulos certos para as pessoas despertarem e tomarem suas decisões. Eu gostaria de terminar citando algumas decisões do Supremo acerca dessa matéria, que considero relevante. Houve uma decisão muito importante, em que se validou uma decisão governamental de proibição de importação de pneus, um caso historicamente importante. Foi feita uma audiência pública, inclusive, em que se discutia se esse tipo de lixo industrial, que, no entanto, convinha para determinado tipo de comércio ou indústria, a importação, mas que, em última análise, significava importar lixo de países mais desenvolvidos. O Supremo Tribunal Federal entendeu que era válida a proibição da importação, em uma disputa que envolvia livre iniciativa, de um lado, e proteção ambiental de outro, ambos valores constitucionais. Aqui prevaleceu a proteção ambiental, numa decisão que considero importante. |
| R | O Supremo tem decisões importantes em matéria de proteção animal, proteção da ética animal, enfrentando alguns costumes arraigados no Brasil, que envolviam a farra do boi, um espetáculo em que se espancava até a morte um boi que era solto nas ruas, e a multidão o açoitava. Era uma coisa primitiva e altamente cruel, mas era uma prática cultural em um determinado Estado da Federação. O Supremo, em mais de uma decisão, validou leis de proibição da briga de galo, que era uma prática disseminada sobretudo no interior do País. E, em uma decisão mais controvertida, recente, da qual eu mesmo participei intensamente, o Supremo considerou inconstitucional, por importar em crueldade contra os animais, a vaquejada, uma prática muito popular no Nordeste do Brasil. Foi uma decisão muito apertada, de seis a cinco, que inclusive produziu uma consequência interessante ainda em curso, que foi uma tentativa de aprovação, no Senado, de uma emenda constitucional legitimando a vaquejada como uma prática cultural. Não estou criticando, estou apenas fazendo o registro, porque é uma questão interessante em que se tenta, em nome de valores culturais muito arraigados em outras partes do Brasil, superar, por emenda, uma decisão do Supremo, até porque a vaquejada tinha importância econômica em algumas regiões do País, portanto, envolvia essa delicadeza. |
| R | A verdade é que há uma progressiva conscientização de que os animais evidentemente não têm dignidade humana, mas não podem ser funcionalizados para sofrerem um tipo de crueldade evitável para fins de desfastio e lazer da comunidade. É uma luta culturalmente difícil. Quem tiver tido chance de ler um livro chamado Homo Deus, de um escritor israelense chamado Yuval Noah Harari, pôde ver que ele discute um pouco, na medida em que o Homo sapiens vai se tornando dominante no mundo, como ele passa a oprimir os animais, impor sofrimento aos animais. Estou falando para fins de entretenimento. Há outras duas discussões que, acho, em algum lugar do futuro vão entrar na agenda, que são para fins de alimentação e para fins religiosos. Mas, neste momento, o Supremo decidiu que impor sofrimento cruel a um animal para fins de entretenimento não é constitucionalmente legítimo, o que gerou esse debate, que considero saudável em uma democracia. A matéria foi judicializada, mas acho que, em uma democracia, ninguém dá a última palavra. Numa democracia, as questões continuam abertas a debate. Portanto, sou capaz de defender o meu ponto de vista em um espaço público e sou capaz de respeitar as pessoas que professam a crença diversa. Assim é feita a democracia: às vezes, eu ganho; às vezes, eu perco, e não chuto a bola para longe se eu perder. Pois não, Senador. O SR. JORGE VIANA (PT - AC) - Agora mesmo, sou relator de uma matéria que delibera se é possível ou não usar animais em testes e experimentos para produção de cosméticos. Animais são usados para a produção de medicamentos. Sou Relator na Comissão de Meio Ambiente e vou deliberar sobre ela a partir de uma audiência pública. É um caso também... O SR. LUIS ROBERTO BARROSO - Muito interessante. Vejam, a superação do preconceito e da opressão já valeu para estrangeiros, já valeu para negros, já valeu para mulheres, para homossexuais, para transgêneros. Quer dizer, a história da humanidade é um pouco a história da superação de preconceitos e de opressão. Portanto, está hoje na agenda mundial a questão da ética animal e o quanto é legítima essa dominação que a condição humana impõe aos animais. Não é um debate moralmente fácil, nem juridicamente barato; é uma questão complexa mesmo. Alguém dirá "mas eu produzo medicamentos que salvam vidas" ou "eu produzo alimentação que mantém as pessoas vivas". Não é simples esse debate, não nos devemos iludir, mas o fato de ser complexo não quer dizer que não devamos debatê-lo e tentar encontrar soluções moralmente justas e legítimas. Por fim, o Supremo tem uma decisão muito importante em tema de demarcação de terras indígenas envolvendo a demarcação de uma região conhecida como Raposa Serra do Sol, que, acho, foi um marco na questão indígena no Brasil. Faço aqui um último comentário antes de encerrar: a demarcação de terras indígenas no Brasil estatisticamente, empiricamente, produz um resultado muito significativo sobre a preservação ambiental. Onde há demarcação de terras indígenas, a preservação ambiental é muito mais bem-sucedida do que onde ela não existe e, portanto, no conjunto de considerações que se deve ter nesse tema, acho que esse é um dado relevante. Demarcar terra indígena é igual a preservar áreas florestais. |
| R | Eu gostaria de terminar. Sou sempre assombrado por um texto que li, que dizia que George Washington fez o menor discurso de posse na Presidência dos Estados Unidos, com 130 palavras, e que outro cavalheiro, de nome William Henry Harrison, fez o maior discurso de posse, com mais de oito mil palavras, pronunciadas ao tempo, em uma noite muito fria e tempestuosa em Washington. William Harrison, Senador, morreu 30 dias depois, de uma pneumonia gravíssima, que ele contraiu naquela noite. (Risos.) Considero que essa é a maldição que recai sobre os oradores que falam além do seu tempo. Portanto, aqui quero concluir para dizer que a questão ambiental, os direitos ambientais e o meio ambiente ingressaram na agenda constitucional do Brasil e do mundo como um direito fundamental, com as implicações relevantes que isso tem. A efetivação dos direitos ambientais não pode se limitar à judicialização. Pelo contrário, ela tem que disputar espaço em um capítulo antes, que é o da elaboração do orçamento e a definição de políticas públicas e de prioridades. Evidentemente essa é uma luta que demanda tempo, paciência e perseverança como foi a luta para introduzir novos valores e superar preconceitos em relação a índios, em relação a negros, em relação a mulheres, em relação a homossexuais, em relação a transgêneros. E penso que, nesse elenco, entra a questão da proteção do meio ambiente. Como as pessoas não sofrem imediatamente o impacto da agressão ao meio ambiente, elas não conseguem ver que há, entre outros problemas, uma questão de justiça intergeracional. Não proteger o meio ambiente significa deixar o mundo pior para os nossos filhos. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. JORGE VIANA (PT - AC) - Desculpe-me, Senadora Rose, mas imagine se fosse cacique! Ele nos dá uma aula como essa... Fico muito agradecido. A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. PMDB - ES) - Com certeza, ele trouxe aqui reflexões importantes. Ministro, quero registrar que V. Exª tratou de temas fundamentais, um deles a legislação não só para a iniciativa concreta e correta das leis para preservar o futuro e as gerações, a saúde, mas de uma questão fundamental, que esta Casa não enfrenta, que o orçamento não enfrenta: é a infraestrutura básica, que é o saneamento, tratamento da água, tratamento de resíduos sólidos. Todos os governos lançam suas campanhas e não cumprem. Se pegarmos a peça orçamentária de hoje, que está dentro desta Casa, vamos ver que os recursos, Ministro, destinados à atuação efetiva da questão ambiental, da preservação da qualidade de vida, da melhoria e da perspectiva de um futuro melhor para os brasileiros, para as nossas cidades e para o nosso povo, eu diria, não chegam a 5% de consideração do Orçamento da União. |
| R | Eu quero agradecer a V. Exª. V. Exª falou da questão da judicialização, o que é muito importante. Nós vivemos em um país onde se judicializa tudo: os direitos, as leis, os deveres desta Casa. Portanto, V. Exª trouxe aqui ensinamentos e tratou de uma questão que é cara à sociedade, ao mundo, ao Planeta, que é a questão ambiental. Assim, eu só tenho a agradecer. Registro a minha admiração e também registro, pela iniciativa do nosso Ministro, a importância que o Judiciário tem por estar inteiramente comprometido com essa questão da preservação ambiental e com o futuro do nosso País e do nosso Planeta. Eu só tenho, pois, reitero, a agradecer. Não sei se o Presidente gostaria de fazer algumas considerações... Mas como o Ministro tem que sair agora... O SR. JORGE VIANA (PT - AC) - Imediatamente, mas... A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. PMDB - ES) - Nós temos aqui a presença do Presidente Davi Alcolumbre. Também quero registrar a presença do Senador Paulo Rocha, que aqui esteve, e convidar para tomar assento à mesa o Senador Flexa Ribeiro, para coordenar o próximo painel. Antes, porém, concedo a palavra ao Presidente da Comissão de Mudanças Climáticas. O SR. JORGE VIANA (PT - AC) - Sem correr o risco de pegar uma pneumonia, sequer uma gripe, eu serei brevíssimo. Eu quero muito agradecer a S. Exª o Sr. Ministro Luís Roberto Barroso. E tenho que agradecer também ao Ministro Herman Benjamin, pois, sem ele, nós não teríamos o senhor aqui, apesar da sua disposição de sempre. O senhor simplificou algo que é muito complexo no mundo contemporâneo: o cuidado, o respeito que devemos ter para com o meio ambiente. Eu lido com isso há muitos anos, mas nunca havia ouvido uma tradução tão simples, que me ensinou tanto e que abriu tantas perspectivas de normativas que a gente pode fazer aqui no Senado federal. Então, agradeço ao senhor, que deu outra dimensão, com todo respeito aos demais expositores, a este seminário, a este colóquio que nós promovemos e que vamos transformar em uma publicação. Certamente, tudo o que o senhor disse aqui será muito útil para orientar a todos nós que atuamos e militamos em defesa de um mundo melhor, com uma convivência mais harmônica entre homem e natureza. Eu falo, às vezes, que a natureza não nos dá nada; ela pode emprestar. Porém, quem pega emprestado tem que devolver de alguma maneira. Nas relações entre homem e natureza, a natureza nunca pode sair perdendo, porque, se ela sair perdendo, é a vida que sai perdendo. Então, Ministro, eu agradeço muitíssimo e quero dizer que, no ano que vem, nós devemos preparar um outro evento sobre um tema que aqui tratamos também, ou seja, o número de pessoas que defendem o meio ambiente e que seguem sendo assassinadas no mundo é de três por semana. Assim, nós devemos fazer um evento sobre os 30 anos da morte de Chico Mendes. Acho que será um momento para nós passarmos um pouco dessa reflexão que o senhor trouxe aqui sobre o quanto avançamos e sobre o quanto ainda temos de avançar em todos os aspectos, no sentido de termos garantias de que não vamos ter mudanças no clima do Planeta, que é o tema da nossa Comissão, e, ao mesmo tempo, que encontraremos uma maneira de ter uma atividade humana, com produção e consumo, que possa ser sustentável e em padrões que não ponham em risco a vida no Planta. Muitíssimo obrigado pela sua colaboração neste nosso encontro. A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. PMDB - ES) - Gostaríamos de convidar para estar aqui no próximo painel dessa mesa-redonda o Senador Flexa Ribeiro, esse notável e atuante Parlamentar com quem tenho o prazer de compartilhar o Plenário do Senado Federal. Vamos passar para o próximo painel, mas, antes, queria, em nome da Ministra Michele, agradecer a presença de todas as mulheres que aqui estão, porque muito nos honra ver mulheres à frente desse trabalho. |
| R | Agradeço também, em nome do Desembargado Cláudio Leal, a presença de todas as senhoras e de todos os senhores. Muito obrigada. (Pausa.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. Bloco/PSDB - PA) - Bom dia a todos! Quero iniciar a terceira mesa-redonda do nosso seminário, que tem como tema "Medidas judiciais e seu cumprimento". Eu quero, inicialmente, agradecer o convite do Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, para moderar a terceira mesa-redonda, que, como já disse, tem por objetivo tratar do tema "Medidas judiciais e seu cumprimento". Ressalto que o Ministro Herman Benjamin é, para todos nós, uma referência nas questões relacionadas à proteção do meio ambiente. Sua colaboração na discussão do novo Código Florestal e na elaboração da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente foi valiosíssima. E falo isso, Ministro Herman Benjamin, como amazônida que sou. Todos nós temos preocupação com a preservação da nossa Floresta Amazônica, mas nós, que lá vivemos, temos a preocupação maior de deixar para os nossos descendentes essa riqueza que é não só de todo o povo brasileiro, mas de todo o mundo. Sobre o tema desta mesa, preciso observar que, além de importante, me é extremamente caro. Sou membro titular da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, bem como da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas - a primeira, tão bem presidida pelo Senador Davi Alcolumbre e a segunda, de Mudanças Climáticas, que funciona no âmbito do Congresso Nacional, presidida com competência pelo Senador Jorge Viana. Além disso, sendo representante do Estado do Pará no Senado Federal, tenho como um dos meus interesses primordiais a atenção ao meio ambiente. O meu Estado possui uma das maiores áreas de floresta do mundo e enfrenta os dilemas angustiantes de conciliar a preservação dessas áreas com o respeito aos seres humanos que lá vivem, pessoas que, muitas vezes, sofrem de uma carência material assustadora e vivem em condições sociais precárias. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico acelerado, sobretudo a partir da década de 1970, trouxe questões adicionais que devem, ainda, se conciliar com uma legislação que nem sempre facilita a implementação das garantias dadas pela Constituição brasileira. Este seminário se realiza em boa hora, inclusive porque temos a presença de especialistas de vários países que podem nos oferecer a sua contribuição para que possamos tornar a Justiça mais rápida e eficiente no que diz respeito ao meio ambiente. Um dos grandes dilemas da Justiça contemporânea é a dificuldade de conciliar medidas de urgência, sempre tão necessárias, com a análise adequada dos fatos concretos, o que, sem sombra de dúvida, exige uma atenção especial dos magistrados. Por fim, agradeço aos presentes por disporem do seu tempo, sempre escasso, para que estejam aqui com a finalidade de discutir o tema, que é tão importante para nós, brasileiros. |
| R | Antes de chamar os nossos palestrantes, quero convidar - aliás, já está aqui à mesa - a Professora Denise Antolini, da Faculdade de Direito Williams S. Richardson, Universidade do Havaí (EUA); e o Professor James R. May, da Faculdade de Direito, Widener University Delaware (EUA). Passo a palavra ao Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça. O SR. HERMAN BENJAMIN - Sr. Presidente, eu queria apenas realçar a importância da presença aqui de V. Exª e do Senador Paulo Rocha, ambos representando o Estado do Pará. Só para dar uma ideia do tamanho do Estado do Pará aos colegas que não conhecem bem a geografia do Brasil, lembro que o Estado tem uma área de mais de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, o que significa dizer que é, mais ou menos, do tamanho da África do Sul. É o segundo maior Estado brasileiro e tem uma grande cobertura florestal. E tanto V. Exª como o Senador Paulo Rocha têm uma história de convivência e de militância no sentido de proteger essa floresta. Portanto, eu queria deixar aqui a minha homenagem, como cidadão, a V. Exª e ao Senador Paulo Rocha, que está sentado aqui à minha direita, à esquerda dos que nos veem. Quero também registrar a presença do Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, que não pôde estar conosco ontem, tendo viajado praticamente a noite inteira para chegar às 7 horas da manhã, o Senador Davi Alcolumbre. Trata-se de um dos mais jovens Senadores da nossa República. Eu o conheço há muitos anos, ainda quando não era Senador. S. Exª vem do Estado do Amapá. Houve uma referência aqui feita pelo Senador Jorge Viana de que o seu Estado, o Acre, tem nascentes do Rio Amazonas, mas a foz do grandioso Rio Amazonas é exatamente em Macapá, a capital do Estado do Senador Davi Alcolumbre, que preside a Comissão de Meio Ambiente do Senado, que, como eu já disse, é uma das "coauspiciantes" deste evento. Portanto, hoje, começamos o dia sob o espírito e a influência da nossa Floresta Amazônica, que, como todos nós sabemos, é um patrimônio universal que todos nós temos a preocupação de proteger, para os amazônidas, para os brasileiros e também para as gerações futuras. Faço, então, apenas este registro, agradecendo, mais uma vez, o apoio desses três grandes Senadores a este evento que estamos realizando. O SR. PAULO ROCHA (PT - PA) - Ministro, o endereço do Amapá é Rio Amazonas, esquina com o Oceano Atlântico. Mas, se me permite, já que o senhor falou de uma curiosidade sobre o tamanho do Pará, eu lembro que o Amapá foi desanexado do Pará, porque esses caras pertenciam ao Pará. Isso é para provocar ciúmes no Davi. O SR. HERMAN BENJAMIN - E V. Ex ª sabe que a capital, Macapá, é, entre todas as capitais brasileiras, a única banhada pelo Rio Amazonas? O SR. DAVI ALCOLUMBRE (DEM - AP) - E cortada pela Linha do Equador. O SR. HERMAN BENJAMIN - Exatamente. O SR. DAVI ALCOLUMBRE (DEM - AP) - É a única cidade do Planeta cortada pela Linha do Equador. O SR. HERMAN BENJAMIN - A única capital cortada pela Linha do Equador. |
| R | O SR. DAVI ALCOLUMBRE (DEM - AP) - Estamos no meio do mundo! O SR. HERMAN BENJAMIN - Eu ressalvo isso: quem vai a Manaus acha que está visitando o Rio Amazonas, mas, a rigor, está visitando o Rio Negro, que é um afluente que, mais à frente, se encontra com o Rio Solimões para formar o Rio Amazonas. É um pouco de geografia brasileira aqui para estimular os ilustres juízes que estão aqui, os nossos professores, a visitarem esses dois Estados que considero extraordinários. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Ministro Herman Benjamin, V. Exª colocou aqui questões da maior importância para que todos os nossos convidados possam se situar melhor em relação à Amazônia, ao Pará, ao Amapá e ao Estado do Amazonas. E, se nós fôssemos avançar nesse entendimento, fruto da "provocação" de V. Exª, nós iríamos ocupar o tempo da nossa mesa-redonda, o que não cabe, porque nós temos que ouvir V. Exª e todos os nossos convidados. Mas quero, sobretudo, dizer do respeito que todos nós, brasileiros e amazônidas, temos pela pessoa de V. Exª, seja na questão que nós estamos aqui discutindo, seja pelo exercício da magistratura. Eu quero dizer a V. Sªs que cada um disporá de cinco minutos para fazer a sua explanação. Eu inicio pela Professora Denise Antolini. Com a palavra V. Sª. A SRª DENISE ANTOLINI (Tradução simultânea.) - Obrigada. É um grande prazer estar aqui com o senhor, Senador, bem como com alguns outros Senadores que agora estão indo embora. A última discussão pareceu ser uma competição apaixonada para ver quem ama mais a sua terra. Foi muito legal ver isso. Eu vou falar por alguns minutos, depois falará o Professor May; e ainda temos muitos painelistas que têm muito a dizer. Eu também vou participar dessa competição romântica de amor à terra e vou falar um pouco sobre as ilhas do Havaí, onde eu moro. Lá é muito pequeno. Provavelmente, todas as ilhas havaianas poderiam caber, tranquilamente, na cidade de Brasília. Mas são espetaculares! Nós as amamos tão apaixonadamente quanto vocês amam esta terra incrível do Brasil. Agora, amarrando tudo isso aos tribunais ambientais e essa sessão sobre remédios, devo dizer que a nossa Corte Ambiental do Havaí, conforme vocês aprenderam ontem na exposição do Juiz Michael, que está sentado ali atrás e que foi instrumental no estabelecimento do nosso tribunal ambiental, está localizada no Estado de número 50 dos Estados Unidos. Nós existimos há muito pouco tempo como Estado dos Estados Unidos, e o motivo pelo qual eu menciono isso é porque o tribunal começou sem ter nenhum tipo de financiamento, sem novos poderes, sem uma sede física, sem uma logomarca, sem nada. O tribunal foi criado simplesmente como uma divisão dos tribunais existentes. Uma parte importante do que nós estamos fazendo, do ponto de vista do Judiciário, é aumentar a gama de ferramentas no conjunto de ferramentas dos juízes para que possam lidar com os casos ambientais de forma mais criativa. |
| R | Deixem-me dar um exemplo e, em seguida, eu passo a palavra ao Professor May. Como vocês sabem, nas ilhas, a pesca é criticamente importante. Nós temos o oceano à nossa volta e dependemos da pesca para subsistir; além disso, há corais que precisam sobreviver. Então, é muito importante que as pessoas cumpram as leis relacionadas à pesca. Se alguém pescar um peixe que não é do tamanho certo, essa pesca não é ecologicamente sustentável. O sistema judicial atual só tem um remédio para isso: dar à pessoa uma sentença de condenação por crime. Então, no ano passado, nós permitimos que isso fosse mudado de crime para uma ofensa menos grave, que permitisse que a penalidade fosse o trabalho comunitário. Naturalmente, a ideia é permitir que as pessoas mudem os seus comportamentos, que possam se reabilitar, ao invés de introduzirmos uma pessoa no sistema penal por causa de algo assim. Esse é só um exemplo muito pequeno, vindo de uma ilha do Pacífico, mas todos nós precisamos estar juntos e trabalhar em conjunto para melhorar o acervo de ferramentas que os juízes têm para lidar com esses assuntos ambientais. Agora, cedo a palavra ao meu colega de Delaware, do outro lado dos Estados Unidos. O SR. JAMES R. MAY (Tradução simultânea.) - Obrigado, Denise. A Denise é do Estado do Havaí, o Estado de número 50 dos Estados Unidos; eu sou do Estado de Delaware, que, tenho orgulho em dizer, foi o primeiro. Dito isso, não há muita coisa a se ver por lá. Se vocês quiserem visitá-lo, conversem comigo antes. É o menor Estado dos Estados Unidos; é tão pequeno que, se alguém tiver que pedir um visto para viajar para o Brasil, provavelmente teria o visto negado. O tópico deste painel é "remédios judiciais", e é claro que eu preciso começar agradecendo aos organizadores deste colóquio, aos meus colegas painelistas e, particularmente, a vocês por estarem aqui, porque, sem vocês, não haveria leis, não haveria argumentos e esse trabalho todo seria em vão. Como eu disse, o tópico que nos traz aqui é "remédios judiciais", e eu vou falar sobre eles no contexto constitucional. Vocês podem me ouvir aí atrás? Parece bom para vocês? Pois bem; ouvindo do Ministro o papel das medidas judiciais, dos remédios judiciais, eu me lembrei da máxima ubi jus ibi remedium, ou seja, "para cada direito existe um remédio". É claro que a minha pronúncia foi terrível. Mas, se vocês tiverem percebido, as medidas judiciais são provenientes de uma lei adequada, e essa lei, para conseguir uma reparação adequada, precisa estar adequadamente fundamentada e precisa promover a dignidade humana sobretudo. E, para isso, duas coisas: primeiro, é preciso que exista um texto; e, segundo, é preciso que exista uma gama de medidas de reparação judicial. |
| R | Se vocês quiserem ler mais sobre isto aqui - quem não iria gostar? -, recomendo duas coisas. Primeiro, recomendo o Judicial Handbook on Environmental Constitutionalism, que é o Manual Judicial de Constituições Ambientais. Eu o recomendo vivamente. Segundo, recomendo um artigo que minha colega Erin Daly e eu escrevemos em 2009 sobre a vindicação judicial de direitos ambientais, que, por coincidência, tem muito a ver com o que nós ouvimos há pouco do juiz Barroso. A última coisa que eu queria dizer é que o Texto Constitucional é importante. Passamos muito tempo analisando as constituições, porque elas são importantes. Mas pensem no que dizem! Dizem algo sobre nós como pessoas, sobre o que vamos deixar para as gerações futuras. São, na verdade, cartas de amor para as gerações futuras. Então, as medidas de reparação são uma maneira de dar resposta a essas cartas de amor. E, a meu ver, o Judiciário deve fazer tudo o que puder para responder a essas cartas de amor, para que elas não fiquem sem resposta. Então, quanto ao texto da Constituição, existem 12 tipos de variações de constituições ambientais, sobre as quais ouvimos desde ontem. Rapidamente, aqui vão, em 15 segundos: direitos ambientais procedimentais, procedimentos, sustentabilidade, mudanças climáticas, doutrina de confiança pública, direitos hídricos, direitos de povos indígenas, direito à informação, direito de acessibilidade e direito a medidas de reparação. Existem ainda mais variações. Acho que acabei de ganhar um prêmio. Vemos isso na América Latina, inclusive na Argentina, no art. 41; no Brasil, no art. 225; na Bolívia, no art. 33; no Chile, no art. 19; no Paraguai, no art. 7º; na Venezuela, no art. 127. Vocês têm tudo isso nos materiais que receberam. É um material muito interessante. Na verdade, este é um material fundamental de se ler: as constituições. Pelo menos eu adoro. A segunda coisa tem a ver com a gama de medidas de reparação que vemos na jurisprudência constitucional ambiental. Os tribunais basicamente fazem cinco coisas. Primeiro, emitem medidas de restrição temporária, para que aqueles que estão prejudicando o ambiente sejam obrigados a parar já. Exemplos existem no Brasil, na Bolívia, na Venezuela. Segundo, há liminares em que as Cortes exigem mais do que simplesmente parar de prejudicar o meio ambiente, exigem que se repare o meio ambiente. Isso existe na Venezuela, na Bolívia, no Brasil. Existem medidas assim em vários outros países. Vemos que os tribunais permitem que o Governo destrua a propriedade e prejudique o meio ambiente, com base em infrações das disposições ambientais, como ocorre no Equador, que permite a mineração com maquinário prejudicial. Agora, quantos de vocês, que são juristas, já emitiram ordens específicas, medidas de cumprimento, para que se cumpra a legislação ambiental? Então, elas existem e têm muito potencial. Então, há outras medidas que exigem educação, que exigem que se ensine sobre sustentabilidade, que exigem que o governo faça políticas nacionais e as cumpra, que exigem que os governos limpem os rios, que exigem a aplicação progressiva de outros direitos. Isso vale para vários campos, não só para o Direito Ambiental. Vemos também ordens para limpar áreas como a baía de Manila, como a baía do Paquistão. Em Manila, há áreas afetadas por mineração tóxica. E há outros exemplos semelhantes. Então, é mais ou menos isso. Aqui, a ideia novamente sobre as medidas de reparação é a de tentar descobrir quais são as cartas de amor das nossas constituições para as gerações futuras, para permitir que haja mais oportunidades de proteger a dignidade humana. |
| R | Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Agradeço à Drª Denise Antolini e ao Prof. James R. May, que são nossos facilitadores. Peço que eles permaneçam aqui à mesa, enquanto passo a palavra aos dois primeiros debatedores. Desembargador Carlos Humberto Cuestas, Presidente do Tribunal Superior de Chiriquí, no Panamá, V. Exª tem a palavra por cinco minutos. O SR. CARLOS HUMBERTO CUESTAS (Tradução simultânea.) - Bom dia a todos! Muito obrigado pelo convite. Tenho aqui a representação da Corte Suprema de Justiça e dos juízes do Panamá. Serei o mais breve possível, para que eu não tenha de ouvir o sino. No Panamá, como nos demais países da América Central e do Caribe, também temos a proteção do meio ambiente no nível constitucional, legal, regulamentar. Temos uma Constituição que, talvez, não seja das mais recentes, mas que, no seu art. 118, fala do dever do Estado de garantir que a população viva num ambiente saudável, livre de contaminação, onde a água, o ar e os demais elementos possam satisfazer os requisitos do desenvolvimento adequado da vida humana. Também fala do dever do Estado e dos habitantes do território nacional de propiciar um desenvolvimento social e econômico que possa prevenir a contaminação do ambiente, que mantenha o equilíbrio ecológico e que possa evitar a destruição dos ecossistemas. Esse texto é dos anos 70. O Panamá tem a dívida de ter de atualizar a sua Constituição. Contudo, isso não significa que não exista uma proteção adequada, porque uma reforma de 2004 estabeleceu um parágrafo no art. 17, em que se fala dos direitos fundamentais, como o direito a um meio ambiente saudável e livre de contaminação, de poluição. São direitos ou garantias fundamentais mínimos. Entende-se que os juízes podem aplicar um bloqueio normativo, que, normalmente, está dentro da convencionalidade. Então, temos, acredito eu, e podemos ter, obviamente, um marco de referência de proteção desse direito fundamental mais amplo. Temos também uma lei geral de ambiente, que foi feita em 1998 e que levou essa questão para o nível ministerial. Foi criado o Ministério do Meio Ambiente. Antes, havia a Autoridade do Meio Ambiente, que foi elevada ao status de Ministério em 2015. No Código Penal, o Título 13, com quatro capítulos, tipifica os crimes contra os recursos naturais, contra a vida silvestre, contra a tramitação, a aprovação e o cumprimento urbanístico e territorial e também - menciono aqui algo bem específico - contra os animais domésticos. Ou seja, não se trata somente da vida selvagem, mas também dos animais domésticos. Quem maltrata um animal doméstico pode sofrer uma pena de prisão de até seis meses; essa não é uma ofensa menor, porque está em nível penal. |
| R | Com relação à proteção em nível constitucional e legal, nós temos, em nível constitucional, o amparo das garantias constitucionais, conforme o que está previsto na Constituição, no Código Judicial, e, em nível legal, temos um contencioso administrativo de proteção dos direitos humanos. É interessante o fato de que, por um lado, a Constituição, normalmente, tem a tutela dos direitos fundamentais e de que, às vezes, também temos direitos que, digamos, são fundamentais, mas que estão no nível legal. Estamos falando de direitos "justiciáveis"; isso está na Terceira Sala da Corte Suprema de Justiça. Eu gostaria de dizer da experiência como magistrado. Há um caso em que uma instituição privada que tinha a tarefa de cremar cadáveres fez isso em um local que era habitado. Nós, depois de nos referirmos à Constituição e ao Pacto de São Salvador - estamos aplicando aqui também normas convencionais e regionais -, fazendo a análise da Corte Suprema, revogamos esse ato, pois um estudo ambiental não havia permitido a consulta necessária, estabelecida pela lei. É preciso consultar os vizinhos, para que eles estejam informados a respeito disso. O ponto aqui é a relação, como foi dito ontem, com a falta de eficácia, às vezes, das sentenças dos tribunais. Apesar de nós termos revogado essa decisão... Não é que a autoridade não tenha atendido aquele caso ou não tenha atendido a revogação dada a partir do estudo de impacto ambiental. Mas, na verdade, continuou a situação, de fato, pois a tal empresa continuava com a cremação. E a parte afetada apresentou um incidente de desacato, que é um mecanismo que não acredito que seja dos mais eficientes, porque é necessário iniciar novamente todo o procedimento para ver se a autoridade cumpriu ou não o dever que está presente na sentença. E não é que a autoridade não o tenha cumprido. Na verdade, a autoridade ditou um ato dirigido à empresa que estava fazendo a cremação. Aqui, acho que é onde entra a questão da falta de eficácia, porque essa decisão não depende somente dos outros Poderes do Estado, mas pode depender do próprio sistema judicial. Se é ato administrativo, poderia ir para a Terceira Sala da Corte Suprema de Justiça, o tribunal onde há mais causas, porque temos o contencioso administrativo intermediário. É praticamente uma sala que recebe todos os casos do Panamá. Então, nós precisamos refletir muito sobre isso. É necessário buscar um mecanismo... (Soa a campainha.) O SR. CARLOS HUMBERTO CUESTAS (Tradução simultânea.) - ... que não será o último, mas pode ser que, de alguma forma, essas decisões dos tribunais tenham maior eficácia. |
| R | Então, estou completamente de acordo com o que disse o Ministro Barroso: os tribunais, sim, devem participar dessas decisões grandes, porque, senão, a judicialização das causas, dos casos, acaba sendo inócua. Precisamos pensar em todos os tipos de decisões. Agradeço a atenção. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Agradeço ao Desembargador Carlos Humberto Cuestas. Passo a palavra ao Desembargador Cândido Leal Junior, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Com a palavra V. Exª. O SR. CÂNDIDO LEAL JUNIOR - Srs. Senadores, senhores professores, senhoras e senhores, falarei da experiência cotidiana de um juiz brasileiro do Sul do País que lida com problemas e com conflitos em ações ambientais. Começo destacando a experiência do Direito brasileiro com a ação civil pública, criada pela Lei 7.347, de 1985. A ação civil pública é uma ação coletiva com legitimação ampla que foi criada por lei federal, que foi recepcionada pela Constituição de 1988 e que, nesses mais de 30 anos, tem servido para a proteção nas mais diferentes situações. Juízes e tribunais brasileiros instruem e julgam essas ações tratando dos mais diversos temas ambientais. E, ao fazê-lo, esses juízes interpretam as leis, ouvem a sociedade, tentam conciliar os interesses em conflito e, assim, criar um rico repertório de jurisprudência para consolidar direitos e deveres em matéria de meio ambiente. Uma segunda questão que me parece importante destacar do Direito brasileiro é o papel preventivo do juiz na tutela pelo equilíbrio ambiental. Juízes e agentes ambientais devem estar atentos para essas ferramentas processuais que asseguram o acesso à Justiça enquanto se realiza o devido processo, como é o caso das medidas cautelares, das tutelas de urgência e das liminares, matéria bastante desenvolvida, em estado bastante avançado no Direito brasileiro. Sem garantia de manutenção provisória desses equilíbrios ambientais enquanto as questões são discutidas num processo que, muitas vezes, é complexo e demorado, de pouco proveito teria o Direito Ambiental para a proteção do Planeta. Por isso, parece-me que os juízes devem ser generosos, quase bondosos, ao avaliar os riscos de prejuízos de difícil ou incerteza reparação que envolvem essas questões da tutela preventiva, da tutela de emergência. Devem proteger a aparência do direito, enquanto não vierem ao processo as informações necessárias para uma decisão definitiva, para uma cognição plena. A terceira questão que me parece importante destacar também do Direito brasileiro é a ideia da prevalência da restauração in natura sobre outras formas de recomposição ou de indenização. Quando a prevenção falha, temos de tentar recuperar e temos de recuperar da forma mais completa possível. Por isso, nada melhor do que a reparação in natura. Essas ações têm sido feitas principalmente através de ações civis públicas, que eu já havia mencionado no início. Essa reparação in natura faz com que o poluidor, o infrator ou o causador do dano suporte tudo aquilo que for necessário para o total restabelecimento do equilíbrio e das relações ecológicas rompidas. Mas aqui é preciso destacar que a reparação deve ser integral; não basta apenas que essa reparação pareça integral. Em outras palavras, aquela reparação deve guardar relação com a realidade, e não apenas com uma aparência de realidade. Todos os danos devem ser recuperados da forma mais completa possível, inclusive quanto àqueles períodos em que o ambiente esteve degradado ou enquanto as relações de equilíbrio ecológico ficaram afetadas ou impedidas pela conduta ilícita do infrator. Daí me parece importante também destacar, além da nossa legislação brasileira bastante avançada na matéria, com essa ação civil pública, que, já há 30 anos, é utilizada e que vem evoluindo pelos juízos e tribunais, o trabalho de construção jurisprudencial que vem sendo feito pelo Superior Tribunal de Justiça, que me parece bem representado aqui, no nosso evento, pelas preciosas lições do Ministro Herman Benjamin, que sempre deu norte aos juízes brasileiros. Esse trabalho da construção da jurisprudência tem sido para nós muito importante. |
| R | Enfatizo, dessas tantas lições, aquela que diz que a possibilidade de recuperar a área lesionada não exclui, só por isso, o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente. Para concluir, tentei demonstrar rapidamente como a ação civil pública ocupa papel importante no Direito brasileiro para a tutela preventiva e reparatória do equilíbrio ambiental, permitindo esse labor judicial, essa construção jurisprudencial, que já remonta a 30 anos. (Soa a campainha.) O SR. CÂNDIDO LEAL JUNIOR - A ação civil pública é o principal instrumento processual usado pelos juízes brasileiros para transformar normas abstratas em realidades concretas em matéria ambiental e aí abarcaria as mais diversas questões que se pudessem imaginar. É a nossa ação ambiental por excelência. Essa é a mágica, parece-me, do devido processo legal, que se aplica também aqui no Direito Ambiental e que permite tentar alcançar a justiça ambiental e fazer efetivas as nossas decisões. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Agradeço ao Desembargador Cândido Leal Junior. Antes de passar a palavra, quero saudar, pela presença, o Prefeito Zenaldo Coutinho, da cidade de Belém, capital do meu Estado, o Estado do Pará. Passo a palavra ao Desembargador Enrique Peretti, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Cruz, na Argentina. V. Exª está com a palavra. O SR. ENRIQUE PERETTI (Tradução simultânea.) - Muito obrigado. Agradeço pelo convite aos organizadores, ao Senado Federal e, sobretudo, a Antonio Herman Benjamin, grande precursor e militante do Direito Ambiental na América Latina. Simplesmente vou comentar alguns aspectos que acredito que mais influenciam a decisão judicial no que se refere à aplicação da nossa cláusula constitucional, que é o art. 41, como já foi comentado pelo expositor que falou antes de mim. É uma cláusula que apresenta uma série de desafios à decisão judicial. Alguns têm a ver com aspectos que são especificamente estabelecidos e que foram claramente determinados pela doutrina, como, por exemplo, a operacionalidade da norma, a obrigatoriedade para o juiz de realizar ações positivas em defesa do meio ambiente. A norma, em si, estabelece que as autoridades devem prover a proteção do ambiente. E também se fala dos desafios de articular com os demais direitos, como também já foi dito pelo Ministro Barroso hoje, por meio do juízo de ponderação, com as demais garantias e direitos reconhecidos pela Constituição, basicamente com o devido processo, com o direito de propriedade. Não obstante tudo isso, eu gostaria de comentar especificamente sobre outro grande desafio apresentado pela decisão judicial ambiental com relação à necessidade de cumprir essa obrigação que o juiz tem, porque não pode ser alegado, como já foi dito, que existe uma falta de regulamentação ou uma insuficiência de regulamentação para a aplicação da norma. Eu gostaria de falar de dois desafios que, hoje, existem para o magistrado ambiental com relação ao cumprimento da Constituição. O primeiro se refere ao ponto de vista da dimensão temporal; o outro se refere à perspectiva da dimensão espacial. Da perspectiva temporal, surge um novo requerimento, uma nova exigência para os magistrados: a sua decisão deveria ser convincente de forma atemporal. Isto é, não somente deve haver as bases lógicas para decisões sustentadas, mas também se devem projetar essas bases lógicas, ou seja, esse sustento jurídico precisa ser projetado para o futuro. É uma questão que entra em jogo em algumas decisões judiciais que, às vezes, não estão acostumadas com essa nova visão. Mas a exigência da tutela dos direitos das gerações futuras, no cumprimento do princípio da ideia intergeracional, coloca-nos nessa situação. A nossa solidez lógica e jurídica precisa transcender os tempos, ou seja, precisa ser projetada para o futuro, de forma tal que possa manter essa força para aqueles embates que podem surgir nas gerações futuras. Então, uma decisão tem de ser sustentável do ponto de vista lógico, jurídico e factual hoje, mas, talvez, não o seja no futuro. Esse pensamento precisa estar hoje na decisão judicial. |
| R | Outro aspecto que tem grande impacto decisivo tem a ver com a dimensão espacial. Nós também vimos isso pelas apresentações de ontem. Aqui, estou falando da perspectiva de um País federativo. A decisão de um juiz local não vai satisfazer de forma absoluta a perspectiva da necessidade ambiental se também não forem levados em consideração outros aspectos que têm a ver com a dimensão global dessa decisão. Bauman nos diz claramente que as competências e as faculdades locais são cada vez mais insuficientes para dar uma resposta lógica e eficaz à temática, à problemática globalizada - globalizada no sentido negativo, pela exacerbação do individualismo, do consumismo. Então, nessa perspectiva, hoje, os juízes, além dessa dimensão temporal, além de terem de pensar em projetar sua decisão lógica para o futuro, também precisam pensar que a decisão judicial precisa conter, de alguma forma, algum padrão judicial que seja válido globalmente. É preciso fazer a obra local, mas pensando no global. Essa perspectiva também é única no Direito Ambiental, é uma exigência, é um desafio que hoje nós juízes temos nesse tema, nessa temática ambiental. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Muito obrigado, Enrique Peretti. Vamos fazer um intervalo de 15 minutos, para fazermos um lanche, que será servido nas bancadas dos senhores e das senhoras. Em seguida, daremos continuidade à Terceira Mesa-Redonda. (Iniciada às 9 horas e 16 minutos, a reunião é suspensa às 11 horas e 10 minutos.) |
| R | (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Podemos retomar os trabalhos. (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Antes de conceder a palavra ao Desembargador Antônio Souza Prudente, só quero lembrar a todos que este seminário está sendo transmitido, via internet, para todo o mundo e, pelo Portal e-Cidadania, para aqueles que podem interagir com os nossos debatedores. Tenho aqui a participação de um deles, que faço questão de registrar, pelo Portal e-Cidadania, questionando aqui os debatedores. Participação de Alexandre Santos, do Paraná: "Uma das melhores formas de garantir uma proteção ambiental adequada às nossas florestas é investindo no ecoturismo, pois o meio ambiente só será realmente protegido no Brasil quando se tornar lucrativo protegê-lo." Participação de Alexandre Santos, do Paraná, a quem eu agradeço. E passo a palavra ao Desembargador Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Com a palavra V. Exª por cinco minutos. O SR. ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE - Muito obrigado, eminente Senador Flexa Ribeiro, na pessoa de quem cumprimento o seleto auditório. Agradeço também o convite do Ministro Herman Benjamin para aqui estar representando o nosso TRF da 1ª Região, com jurisdição ambiental sobre os quatro maiores biomas do Brasil e sem dúvida do Planeta, considerando o Bioma Amazônico. |
| R | A questão relativa ao cumprimento das decisões judiciais, na minha ótica, tem raízes na disposição do §1º do art. 5º da Carta Política federal, que expressamente dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição do Brasil e nos tratados e convenções internacionais em que o Brasil é signatário têm eficácia imediata. Ou seja, a Constituição do Brasil expressamente ordena ao juiz que tome as medidas efetivas de proteção ao meio ambiente, independentemente de resoluções, portarias, etc. A questão da eficácia das decisões judiciais também, eminente Senador, perpassa pela formação e a consciência que deve ter o juiz de ser um dos agentes de um dos Poderes da República, que são três; não são dois. O Poder Judiciário é poder republicano. Portanto, o juiz tem que estar compenetrado da sua alta responsabilidade, nos termos do art. 5º, inciso XXXV, da Carta Política federal, que o elege como um protetor de direitos, e não como um matador de direitos. Portanto, o juiz tem que estar preparado para a última prova da magistratura, que é a da legitimação popular. O juiz que não decide com esta consciência de decidir com justiça nunca será juiz. E, portanto, muitos chegam ao final da vida e nunca foram juízes, porque são apenas aplicadores e escravos da lei. O nosso Código de Processo Civil vigente repete, com felicidade, as disposições do Código Buzaid, anterior, que em rigor tinha disposição mais expressa no sentido de tomar o juiz todas as medidas necessárias, inclusive com prisão em flagrante de quem resistisse aos provimentos mandamentais. Quero registrar aqui que, ainda ontem, tive a felicidade de ter a notícia nos autos de uma última decisão que nós tomamos para expulsar os grileiros de Anapu, onde foi morta a Freira Dorothy Stang. Esse processo foi ajuizado em 2013, e nunca a decisão foi cumprida. E há uma técnica também que precisa ser ensinada nas escolas da magistratura: é que as decisões mandamentais em matéria de defesa do meio ambiente que envolvem obrigações específicas de fazer e de não fazer têm que ser imediatamente cumpridas. E, na medida em que o juiz ordena a uma determinada empresa poluidora que deixe de poluir e recebe a apelação em ambos os efeitos, é inibir a eficácia do próprio julgado. E é isso que nós observamos todos os dias. Outro registro, Presidente, que se faz necessário neste momento é a decisão histórica da nossa Corte Especial do TRF da 1ª Região, que, pela primeira vez, tem a decisão política do seu Presidente cassada por maioria expressiva no que tange à cassação da decisão política do Presidente em nível de suspensão de segurança, um instrumento fóssil dos tempos da ditadura,... (Soa a campainha.) O SR. ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE - ... para inibir a eficácia da decisão da juíza de Altamira, que, por sua vez, não outorgou a licença de operação ao esqueleto de Belo Monte, que não tem a mínima condição material de funcionalidade. Belo Monte não tem sequer linhas de transmissão, e não é possível dar uma licença de operação para uma transmissão de energia virtual. Belo Monte tornou Altamira uma grande fossa a céu aberto. E é exatamente por não cumprir esta condicionante imprescindível do saneamento básico da cidade de Altamira que a nossa Corte, através de minha relatoria, cassou a decisão do Presidente e restabeleceu a eficácia plena da juíza federal de Altamira. |
| R | Era só isso. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Muito obrigado ao Desembargador Antônio Souza Prudente. Passo a palavra a S. Exª a Ministra Damaris Vargas Vásquez, da Corte Supremo da Costa Rica. V. Exª tem a palavra por cinco minutos. A SRª DAMARIS VARGAS VÁSQUEZ (Tradução simultânea.) - Bom dia a todos e todas! É uma honra estar aqui com vocês neste fórum, com especialistas na área ambiental. Agradeço particularmente ao Ministro Benjamin, da Suprema Corte de Justiça, e também ao Senado. É muito importante para a Costa Rica estar aqui presente, e estou feliz também de ter aqui a minha conterrânea, a Diretora da UICN para a América Latina e o Caribe, a Drª Aguilar. O Poder Judicial da Costa Rica, na pessoa do Dr. Carlos Chinchilla, especialista em matéria ambiental, está mandando os seus cumprimentos e também o seu comprometimento para fortalecer a questão ambiental para o povo da Costa Rica. A Costa Rica é um país pequeno, com apenas 51,1 mil quilômetros quadrados. Em comparação com o Brasil, é realmente pequeno. Contudo, devido à localização estratégica do país, de acordo com dados da UICN, tem 4% da biodiversidade do mundo, ou seja, 0,5 milhão de espécies concentram-se naquele país. Isso é muito importante. Temos também um crescente controle da biodiversidade. Temos, ainda, 50 milhões de habitantes. É um país pequeno, porém, muito comprometido com os direitos ambientais. A Constituição política de Costa Rica incluiu, em 1994, no art. 50, o desenvolvimento sustentável, o respeito às gerações futuras, o direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Porém, o órgão constitucional, desde 1990, vinha desenvolvendo o conceito por hermenêutica jurídica, de acordo com a Constituição política material. Assim, não foi um problema para a Costa Rica a introdução da questão ambiental e da normativa ambiental desde há muitos anos. A Costa Rica estabeleceu por lei algo que funciona há muitos anos, o Tribunal Ambiental Administrativo, que é um tribunal especializado em matéria ambiental que pertence ao Ministério de Meio Ambiente e Energia. Esse Ministério tem as suas resoluções cotadas na via administrativa. Então, embora esse tribunal esteja localizado dentro do meio ambiente, é um tribunal final para o meio ambiente e atua de ofício. Isso foi muito importante para a Costa Rica. No caso do Poder Judicial, nós não temos ainda tribunais especializados na área ambiental, mas existe um grande comprometimento para que sejam criados. Perante essa omissão da especialização, foram projetadas matérias de especialização para que sejam capacitados os tribunais na área ambiental; uma capacitação que é dada por uma série de escolas judiciais do país. Na Costa Rica, temos também um sistema de carreira judicial que garante a indicação por especialização, e não simplesmente por indicação política. Isso quer dizer que os juízes e as juízas são instituídos por competência. |
| R | Temos ainda o estabelecimento da área ambiental como uma questão estratégica para o país. E uma coisa que é essencial para nós é o comprometimento do órgão constitucional com a questão ambiental. A Sala Constitucional, há muitos anos, estabeleceu, de forma vinculante, ou seja, de aplicação obrigatória, que aquilo que for estabelecido nas convenções internacionais na área ambiental passará a ser direito humano, ou seja, faz uma relação direta entre as convenções internacionais e os direitos humanos, indicando que são supraconstitucionais, de tal forma que, estejam ou não ratificados pela Assembleia Legislativa da Costa Rica, por lei específica, precisam ser aplicados... (Soa a campainha.) A SRª DAMARIS VARGAS VÁSQUEZ - ... e estão acima da Constituição, já que outorga direitos maiores. Assim, nós juízes somos obrigados a acatar a normativa internacional, de tal forma que as nossas resoluções precisam aplicar todos os princípios estabelecidos nas convenções internacionais. Muitos deles já foram mencionados aqui e também foram incorporados na Carta em matéria ambiental, de 1996, que recolhe os princípios mais importantes da normativa internacional da área. Assim, se alguma lei interna for contrária a essas convenções internacionais, a nossa Sala Constitucional passa a anular essa disposição. Deixem-me ressaltar rapidamente uma linha de jurisprudência da Suprema Corte de Justiça, perante o grande problema que temos com a execução de sentenças ambientais, que podem até ser muito boas, mas na execução já não o são. Então, temos o exemplo de que, quando existem condenações na área ambiental, é preciso estabelecer um fideicomisso para que o Ministério de Meio Ambiente e Energia possa se concentrar na recuperação efetiva do meio ambiente. Especificamente, em um caso de vegetação ripária, enfatizou-se que era preciso investir os recursos na recuperação dessa área. E isso foi feito, então, através do tribunal, para que esses recursos não entrassem no caixa único do Estado, porque, quando isso acontece, o Estado pode fazer o que quiser com o dinheiro, e isso naturalmente vai contra o princípio da recuperação in natura. Isso é muito importante para nós. Então, agora nós conseguimos fazer com que o dinheiro vá para onde for preciso ir. Na nossa normativa interna, nós também estabelecemos a responsabilidade objetiva por matéria ambiental. Então, nós não admitimos mais a inversão do ônus da prova em matéria ambiental. Na situação dos povos indígenas, nós respeitamos a Convenção 169 da OIT, referente aos direitos dos povos indígenas, e estamos trabalhando no desenvolvimento, de forma concertada com os povos indígenas, de um mecanismo de consulta aos povos indígenas. Isso por causa de um grande projeto hidroelétrico que estava em via de andamento na Costa Rica, mas que foi paralisado, porque não tinha sido feita a consulta aos povos indígenas. Agora, nós estamos trabalhando com esse novo projeto, respeitando as diretrizes da Corte Internacional de Direitos Humanos. É preciso ainda respeitar a posição do Ministério Público da Costa Rica. Com relação à pesca, por exemplo, em um parque da Costa Rica que está em vias de extinção, nós conseguimos estabelecer que os povos indígenas fossem respeitados e que se permitisse que eles protegessem essa área, porque para eles essa área é muito importante para seus direitos espirituais. Então, eles protegem a pesca, e os seus direitos têm que ser respeitados. |
| R | (Soa a campainha.) A SRª DAMARIS VARGAS VÁSQUEZ - Além disso, a nossa normativa interna não tem projetados direitos supraindividuais. Estamos trabalhando nisso. Até agora, isso não representou uma limitação na Costa Rica, porque nós temos já vários processos, inclusive com respeito ao art. 53, em que, em matéria ambiental, várias comunidades se opuseram a projetos. Um deles vocês já devem conhecer, um projeto muito famoso, que foi o caso conhecido como Crucitas. Nesse assunto, houve uma aprovação do estudo de impacto ambiental exigido na Costa Rica para esse tipo de atividades de impacto elevado e até de médio impacto. Mas, com a resolução da Primeira Sala da Corte Superior de Justiça, essa obra foi paralisada, porque o estudo de impacto ambiental foi negado, não foi aprovado. Isso mostra o grande poder dos juízes da Costa Rica na proteção do direito ambiental. Muito obrigada pela atenção. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Agradeço à Ministra Damaris Vargas Vásquez, da Corte Suprema da Costa Rica, pela sua participação em nosso seminário. Passo a palavra à Ministra Michelle Weekes, da Corte Suprema de Barbados. V. Exª tem a palavra por cinco minutos. A SRª MICHELLE WEEKES (Tradução simultânea.) - Bom dia a todos! Primeiro, eu gostaria de agradecer aos organizadores pelo convite tão gentil para participar deste colóquio. Considero uma honra e um privilégio estar aqui com vocês todos. Barbados é uma ilha pequena e um país em desenvolvimento, com uma população de aproximadamente 285 mil pessoas. Por causa do nosso tamanho, somos mais vulneráveis do que a maioria com relação às mudanças climáticas e, no nosso caso, com o componente adicional de que somos classificados como um país com uma quantidade escassa de água. Além dos dispositivos básicos de direitos humanos, nós não temos dispositivos específicos da nossa Constituição relacionados ao meio ambiente e não temos tribunais especializados para o meio ambiente. Neste momento, a nossa carga de casos nessa temática não torna necessário haver um tribunal dedicado a esse tema. Contudo, desde a nossa independência, governos sucessivos de Barbados têm buscado proteger o meio ambiente, reconhecendo-o não somente como um grande recurso para as gerações futuras, mas também reconhecendo a necessidade de preservá-lo por meio de políticas e mecanismos de proteção, fomentando o desenvolvimento sustentável para gerações futuras. Para tal fim, um dos exemplos mais recentes do nosso envolvimento nesse sentido tem sido o nosso atual Primeiro-Ministro, que foi membro das Nações Unidas, no Painel de Alto Nível do Secretário-Geral sobre Sustentabilidade Global. Em 2012, aquele painel apresentou o relatório "Povos Resilientes, Planeta Resiliente", um trabalho que foi apoiado pelo Secretário-Geral. O papel do Judiciário é essencial como a maquinaria de cumprimento dessas políticas. Em qualquer legislação que tenha a intenção de proteger esse recurso, os membros do Judiciário têm poderes de reparação nesse sentido. Como exemplo, sobre o ato da poluição marinha, destaca-se que nenhuma pessoa deve lançar ou permitir que seja lançado qualquer contaminante para o meio ambiente que viole qualquer padrão aplicável a condições ou requisitos especificados neste ato ou regulações. E uma pessoa que entra em contravenção em relação à seção 1 é culpada de uma ofensa, de um crime. |
| R | Na seção 16, também, fala-se que: (1) qualquer um que cometa um crime com relação à seção 3 desse ato é responsável pela primeira convicção para uma multa ou até prisão de até cinco anos ou ambos, dependendo da situação, ou até mesmo uma multa maior e tempo de prisão maior, dependendo do ato. Qualquer pessoa que comete um crime previsto nessa seção também é responsável por qualquer tipo de sentença que possa chegar até US$400 mil de multa, ou até sete anos, ou ambos, ou também até US$200 mil, ou prisão por dois anos, ou ambos. O cumprimento de tal dispositivo, por necessidade, requer um sistema de monitoramento eficiente, cuja previsão também é encontrada neste ato, nesta lei, que dá poderes ao chefe da divisão ambiental, ao diretor, assim como também aos inspetores de controle da poluição marinha, que permitem fazer com que seja conferida essa lei. O tribunal deve colaborar com esses oficiais para garantir que a aplicação adequada dessas proteções seja fornecida. Além disso, sobre a zona costeira, a lei referente a este tema tem condições que proíbem certas ações que possam danificar os recursos naturais, acompanhadas também por penalidades. (Soa a campainha.) A SRª MICHELLE WEEKES - A seção 22 destaca que, do dia 1º de maio até 2000, qualquer pessoa que colha corais em Barbados ou na região de zona econômica para o propósito de comércio, ou para exportação ou importação - de qualquer coral ou qualquer item produzido parcialmente ou totalmente por coral -, é culpado de um crime. E a penalidade para tal é: (1) qualquer pessoa que cometa um crime, de acordo com o que está já dito pela lei ou nas suas regulações, está responsável por uma multa de US$200 mil junto a, quando aplicável, um valor equivalente à propriedade que foi apreendida, ou até cinco anos, ou ambos, ou até uma multa de US$5 mil e prisão por não mais do que dois anos, ou ambos. E, na seção 26, cita-se que qualquer pessoa que retire um pedaço de coral é culpado por um crime e também pode ter a penalidade de multa e tempo de prisão. O monitoramento e a investigação são feitos por um diretor e inspetores da zona costeira e também incluem a necessidade de colaboração entre órgãos para facilitar as denúncias. Essa legislação à qual me referi inclui a reparação que pode ser realizada. E também temos um ato administrativo que lida com a questão de revisão judicial. A tarefa de proteção do meio ambiente requer fiscalização e expertise. É uma área de especialização crítica, e os legisladores têm reconhecido isso. Para garantir que essas legislações importantes sejam implementadas adequadamente, existe uma colaboração entre os órgãos sempre para trabalhar com essa temática. Também devo acrescentar que, além da legislação que atualmente existe, temos dois atos na temática que estão atualmente sendo redigidos. O papel do Judiciário não fica sozinho nessa busca de proteção do meio ambiente. Dentro do escopo da proteção ambiental, o Judiciário é o último bastião de proteção, mas busca o cumprimento também. É reconhecido pelo Judiciário que o trabalho de campo e a educação são essenciais para garantir que o menor número possível de pessoas tenha que ser apresentada diante de um tribunal, para garantir que possamos evitar danos irreparáveis ao meio ambiente. |
| R | E, finalmente, totalmente sem conexão alguma a tudo o que eu acabei de falar, eu não poderia deixar de convidá-los todos a irem a Barbados. Tenho certeza de que vocês vão se apaixonar com o nosso povo e com a beleza do nosso país. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Agradeço à Ministra Michelle Weekes, da Corte Suprema de Barbados. Eu acho que todos nós aceitamos o convite de V. Exª para visitarmos seu país. Passo a palavra ao Prof. Marcelo José Cousillas, da Universidade de Montevidéu, Uruguai. Com a palavra V. Exª por cinco minutos. O SR. MARCELO JOSÉ COUSILLAS (Tradução simultânea.) - Muito obrigado, Sr. Senador. Agradeço ao Senado brasileiro, à ONU Ambiente - sua divisão de direito ambiental - e ao Ministro Herman Benjamin o convite feito para participar desta oportunidade. Tenho um prazer especial porque eu não sou magistrado nem juiz, sou professor da Universidade de Montevidéu, no Uruguai, e assessor no Ministério do Meio Ambiente. Então, é um prazer poder falar com vocês dessa temática que vincula o direito em todas as suas expressões. Eu vou tentar dividir a minha apresentação breve em duas partes: eu vou fazer uma referência ao regime constitucional e de direitos humanos e ambientais no Uruguai; e, depois, vou fazer algumas considerações com relação a uma perspectiva de fora do exercício da magistratura. O Uruguai tem uma Constituição de 1967. Isso quer dizer que, originalmente, não se previa, de forma explícita, referências ao tema ambiental, mas houve duas reformas posteriores: em 1996 foi incorporado especificamente o tema ambiental no seu art. 47; e, em 2004, o direito de usar os serviços de água potável e saneamento foi incluído, depois de uma reforma constitucional que foi realizada após uma iniciativa popular. Ou seja, foram feitas assinaturas, e foi apresentado um referendo para se incluir o acesso à água no texto constitucional. A referência ambiental na Constituição reformada declara que é de interesse geral a proteção do meio ambiente. Isto é, em termos constitucionais uruguaios, a proteção do meio ambiente está um pouco acima dos outros direitos fundamentais, salvo o direito à vida. A Constituição uruguaia estabelece que a lei, por razões de interesse geral, poderá limitar o exercício e o gozo de qualquer um dos direitos fundamentais, salvo a vida, justamente. O único tema, a única temática ou matéria que a Constituição expressamente estabelece que é de interesse geral é a proteção do meio ambiente. Daí vem o poder, a importância e a transcendência que o art. 47 confere à aplicação, desde o ponto de vista constitucional e o jurisdicional. |
| R | Não obstante, o artigo reúne pelo menos três das técnicas de incorporação das quais falava ontem Herman Benjamin, porque aqui é consagrado um dever, aqui é estabelecida uma espécie de princípio in dubio pro ambiente, ou seja, dando um plus à temática ambiental, e finalmente é incluído o acesso à água. Não aparece especificamente o direito a gozar de um ambiente saudável na Constituição uruguaia, mas essa Constituição está filiada a uma tendência, a uma filosofia naturalista, em que os direitos são inerentes à pessoa humana e à forma republicana e democrática de governo, apesar de a Constituição não deixar isso explícito. E, concretamente, o art. 332 da Constituição diz que os direitos reconhecidos nela, de forma explícita ou implícita, e as faculdades e os deveres das autoridades públicas não deixarão de ser aplicados por falta de regulamentação. Isto é, a aplicação direta desses direitos está garantida a partir da Constituição em si. O panorama jurisdicional do Uruguai... (Soa a campainha.) O SR. MARCELO JOSÉ COUSILLAS - ... não é muito volumoso. Na verdade, existem poucos procedimentos que são seguidos em matéria ambiental e menos ainda aqueles que fazem referência a temas constitucionais relacionados ao meio ambiente. Contudo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já reconheceram, em ações de amparo em que existia a intenção de amparar os direitos fundamentais, ações judiciais de acesso à informação, a aplicação desses direitos, inclusive por legitimação de direitos difusos. E, para concluir, eu gostaria de pontuar três ou quatro ideias de caráter geral que são tomadas da experiência uruguaia, mas que podem ser aplicadas em outras situações provavelmente. Primeiramente, o desafio que nós todos temos, todos os estudiosos do direito, especialmente os magistrados, para dar maior valor ao caso concreto, isto é, a sentença, a atuação judicial tem o drama, digamos, do caso concreto, especialmente os regimes latino-americanos, especialmente os regimes que usam civil law, a sentença judicial é exclusiva. Então, quando nós fazemos uma revisão, especialmente no nível internacional, e identificamos casos, vemos casos que são verdadeiramente épicos, nós precisamos nos perguntar: como nós podemos fazer para repetir isso e levar isso para outras situações? Isso demandou um exercício exclusivo, poderoso de um tribunal, mas precisamos encontrar formas de replicar isso, de que isso possa ser usado como um modelo, de forma que a lei, a norma jurídica possa também incluir essa experiência, que foi derivada daquela sentença judicial. Eu acho que este é o segundo drama, o segundo desafio que é proposto aos juristas: a análise do caso concreto e a análise da decisão judicial; como fazer para que tenhamos uma adequada relação... (Soa a campainha.) O SR. MARCELO JOSÉ COUSILLAS - ... entre a decisão judicial e a lei? Como fazer para que esses dois pratos de equilíbrio da Justiça, que implica que o juiz seja ativo, que não seja passivo, e que, ao mesmo tempo, não se transforme num juiz pretoriano, num juiz que acredita no direito sem uma base. E aí a criatividade - não a judicial, mas, sim, a criatividade da investigação - é essencial. Por isso, eu gostaria de concluir destacando a importância da formação e da educação - a formação dos juízes. Eu acredito que é altamente saudável a iniciativa da criação e de colocar em funcionamento o Instituto Mundial para o Meio Ambiente, mas também para os demais que estão operando a Justiça. Ou seja, a Justiça tem um conjunto de operadores; pensemos que os casos que chegam à Justiça chegam porque um advogado propôs aquele caso, e, se chega à Justiça e se houve uma falha, isso acontece porque existe um órgão administrador junto com o Poder Judiciário. Ou seja, todos os operadores precisam estar convencidos da plena necessidade de proteção ao meio ambiente. |
| R | E eu concluo com uma frase ou com um lema que eu escutei uma vez, aqui no Brasil, da OAB. Ontem estivemos, à noite, jantando na sede da OAB, e a OAB disse que, sem os juízes, não há Justiça; sem Justiça, não há democracia; mas, sem advogados, não existe a possibilidade de se apresentarem processos perante a Justiça. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Quero agradecer ao Prof. Marcelo José Cousillas, (Fora do microfone.) da Universidade de Montevidéu, Uruguai, pela sua exposição. E aproveito para agradecer a todos que nos honraram com as suas exposições, tanto os nossos facilitadores quanto os nossos debatedores, nesta 3ª Mesa Redonda, cujo tema é "Medidas Judiciais e seu Cumprimento", do Seminário "Constituição, Ambiente e Direitos Humanos", organizado pelo Instituto Global Judicial para o Meio Ambiente - com o Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça. Então, agradeço a todos, e vamos encerrar essa 3ª Mesa Redonda, para que possamos iniciar a próxima. Muito obrigado. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Vamos dar início à 4ª Mesa Redonda do Seminário "Constituição, Ambiente e Direitos Humanos". Esta Mesa será presidida pelo Senador Fernando Bezerra Coelho. Ele está em uma sessão da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal e pediu-me para que eu pudesse fazer a abertura, para iniciar a Mesa Redonda, enquanto ele chega aqui para assumir a Presidência. Então, para compor a nossa Mesa de exposições - a 4ª Mesa Redonda: "Próximos Passos, Conclusões e Recomendações" -, convido para tomarem assento à mesa os seguintes facilitadores: Profª Denise Antolini, Profª Erin Daly, Prof. Louis Kotzé, Arnold Kreilhuber e Prof. James May. |
| R | Iniciamos as nossas exposições pela Profª Erin Daly. V. Sª tem... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Passo, então, a palavra ao Sr. Arnold Kreilhuber. V. Sª tem a palavra por cinco minutos. O SR. ARNOLD KREILHUBER - Muito obrigado, Senador. Estivemos discutindo mais cedo, com os facilitadores desta reunião, que gostaríamos que esta reunião fosse interativa. Chegamos ao final desse colóquio sem ter dado um estudo de caso da Amazônia. Então, Senador, com a sua permissão, nós gostaríamos, na verdade, de ouvir do público agora. Assim, nós tentaríamos reagir aos comentários dos juízes que estão no público, com relação ao que faremos, agora, com os resultados desse colóquio. E nos ocorreu também propor três maneiras de examinar esta reunião. A primeira seria começar com os desafios. No último dia e meio, nós discutimos alguns elementos críticos, para fazer com que o constitucionalismo ambiental fosse operacional na América Latina e no Caribe. Discutimos questões procedimentais, legitimação, estabilidade, prescrição, acesso à Justiça, acesso aos tribunais, casos de ação, remediação; nessa última reunião, medidas judiciais. E pensamos que poderíamos refletir agora sobre essas questões, no sentido de quais são os desafios que nós identificamos, para que possamos anotá-los como resultados desse colóquio. Poderíamos, então, passar para as oportunidades. Vocês devem concordar conosco que muitos de vocês já destacaram que há muitas oportunidades que surgem das apresentações dos países em que os juízes já forneceram contribuições tremendas, no sentido de assegurar que as pessoas desta região tenham uma maior oportunidade de exercer os seus direitos a um ambiente limpo e saudável. Poderíamos, então, discutir - e eu acho que isso é algo que muitas das organizações parceiras e o comitê de organização gostariam de ver - como é que nós podemos apoiar vocês daqui em diante: quais são as ferramentas, quais são os recursos, como é que poderíamos melhorar interações como essa que nós tivemos, no último dia e meio, no futuro; o que vocês sugerem que façamos daqui para frente. Se concordarem comigo, poderíamos, talvez, pensar nestes três aspectos: quais são os desafios que restam, quais são as oportunidades que vocês veem na discussão que nós tivemos, e que apoio vocês precisariam receber e como nós poderíamos melhorar a maneira como organizamos iniciativas como este colóquio no futuro. |
| R | Então, Senador, se o senhor me permite, eu gostaria de abrir a palavra - e, por favor, não sejam tímidos. Esta é uma oportunidade para identificar os desafios, as oportunidades e as questões nas quais vocês precisam de apoio de qualquer uma das organizações que estão apoiando este colóquio. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Eu quero agradecer aos expositores e aos facilitadores também, que acataram a sugestão para que nós abríssemos a discussão não só para aqueles que estão participando deste colóquio, mas também para aqueles que estão acompanhando por meio do portal do Senado Federal. Podem também encaminhar seus questionamentos, como S. Sª bem colocou, sobre os desafios, as oportunidades e os apoios que nós vamos aqui poder debater. Então, está aberto o debate. Aqueles que quiserem fazer uso da palavra podem se pronunciar. Desembargador Antônio Prudente, V. Exª tem a palavra. O SR. ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE - Muito obrigado, Senador. Uma grande preocupação da Justiça brasileira - e eu peço vênia aqui para falar em nome do nosso TRF da 1ª Região - é sobre o que pertine à tutela administrativa do meio ambiente, isto é, o Ministro Barroso fez uma colocação que nos desperta uma reflexão. Disse S. Exª que há muitas questões que não precisam ser judicializadas, ou seja, a Administração há de buscar a solução. Não há dúvida. A nossa Constituição do Brasil possui a melhor tutela do meio ambiente equilibrado. É uma Constituição que cristaliza todos os princípios dirigentes do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Já na norma matriz, diz o art. 225: "impondo-se ao poder público" - e aí estabelece o princípio da oficialidade: ao Poder Público, que não é só o Legislativo, nem é só o Executivo, mas também é o Poder Judiciário - o dever de preservar e defender o meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Nesse art. 225 nós temos o §1º, que trata da eficácia desse direito fundamental. Para a efetividade desse direito humano e fundamental ao meio ambiente equilibrado, diz a Constituição que compete ao Poder Público, em primeiro plano - porque a coletividade também tem a responsabilidade social de defender o meio ambiente, mas a Constituição dá ênfase à ação do Poder Público, para não ser omisso: Art. 225. ........................................................................................... § 1º .................................................................................................. I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; Ou seja, só neste inciso I nós temos um desafio ao poder de Polícia Ambiental, do Poder Executivo, sobretudo, e especificamente através dos seus órgãos, que têm o dever legal, como o Ibama, o Instituto Chico Mendes e outros, de implementar as políticas públicas necessárias à defesa do meio ambiente. |
| R | O que me preocupa - e essa é a questão -, Sr. Presidente, Senador Flexa Ribeiro, é que tramita nesta Casa, que zela tanto pela proteção do meio ambiente, um projeto de lei que trata sobre o procedimento do licenciamento ambiental especial para empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional. E, numa leitura ainda que sumária desse texto, Presidente, eu verifico que o art. 3º do projeto diz o seguinte: "O procedimento de licenciamento ambiental especial orientar-se-á pelos princípios de celeridade, cooperação, economicidade e eficiência, com o objetivo de promover o desenvolvimento nacional sustentável, por intermédio de empreendimentos de infraestrutura estratégicos." Ele esqueceu o princípio alfa, que é o princípio da precaução - sem precaução, não é possível atingir esses objetivos, Presidente -, exatamente através de um rigoroso Estudo Prévio de Impacto Ambiental, que leva a sigla Epia - o "p" é de prévio. Eu tenho sustentado, mas não só academicamente, na universidade - pois fundei o curso de Direito da Universidade Católica de Brasília e tenho uma linha de pesquisa nessa direção, direito e sustentabilidade -, que essa sigla Epia também deve ser aplicada ao estudo póstumo de impacto ambiental, nas mesmas linhas e diretrizes das Resoluções Conama nºs 1 e 237, de 1979, porque falta essa cultura de interpretação sistêmica da legislação que protege o meio ambiente, como no caso, por exemplo, da maior tragédia do Planeta, que foi a tragédia de Mariana. O que nós tivemos ali? Sem dúvida, uma omissão do Poder Público gritante. Só Mariana, Senador, mereceria uma Lava Jato especial para saber como essas licenças foram assim dispensadas sem o rigoroso Estudo Prévio de Impacto Ambiental. E agora? Os juízes e o nosso tribunal ficam num impasse de como prevenir que esses danos não aumentem, como remover as consequências desse dano. E se fariam necessários também estudos póstumos, com uma equipe multidisciplinar, não com um perito isolado, como se fosse periciar uma geladeira ou um carro velho. A perícia ambiental é uma perícia complexa. E aqui o projeto assim prevê. Mais uma observação final: o que me preocupa também nesse projeto, Presidente, é o disposto no art. 9º, que mantém uma agressão ao princípio da proibição do retrocesso ecológico, que já se cristaliza no art. 11 da Resolução Conama nº 237, que aqui se repete, e que não pode se repetir nessas letras: " Os estudos ambientais necessários ao procedimento de licenciamento ambiental especial deverão ser realizados às expensas do empreendedor [...]". Presidente, eu instalei a Justiça Federal no coração da Amazônia, em Santarém, e vi com meus olhos como o empreendedor leva os peritos do seu interesse, nos seus jatos, e ali servem uísque importado e seus pratos de lentilha. E é o perito servindo ao patrão. Falta exatamente o princípio da imparcialidade para uma perícia isenta em prol da defesa do meio ambiente. Enquanto o empreendedor financiar o seu empreendimento através de uma perícia comprada, nós não teremos como dar efetividade a esse direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. |
| R | O que se propõe - e este é o momento - é que se estabeleça uma norma em que o empreendedor, sim, tenha o dever de financiar o projeto, mas há de se criar um órgão gestor imparcial, que não tenha nenhuma ligação com os interesses empresariais do empreendedor, para que essa perícia ambiental, que se materializa através de uma equipe multidisciplinar, possa efetivamente dar elementos ao órgão ambiental licenciador, para que o projeto seja efetivamente implantado e com o menor impacto negativo ao meio ambiente, que deve continuar sendo equilibrado e protegido. E é por isso que a Resolução Conama é expressa: ninguém tem direito a licenciamento ambiental; ninguém tem direito adquirido para agredir o meio ambiente. São as observações que eu faço para uma reflexão no momento de se discutir e aprovar este projeto de lei. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Agradeço a V. Exª, Desembargador Antônio Prudente. O projeto a que V. Exª se refere está em discussão no Senado Federal. Ele será objeto, com certeza absoluta, de um aprofundamento em audiências públicas, que o Senado fará ao colocar em discussão o projeto a que V. Exª se refere. Mas V. Exª tem razão quando coloca aqui a sua preocupação com relação à questão do licenciamento desses projetos que estão sendo colocados em execução. Quando da sua fala, da sua exposição, V. Exª se referiu à questão de Belo Monte, no meu Estado, nos Municípios de Vitória do Xingu e Altamira. Eu defendo que as condicionantes das obras que venham a reduzir o impacto precedam a implantação do projeto, porque elas servem exatamente para isto: para preparar aquela localidade, aquela região onde o projeto vai ser implantado, para que receba os impactos, e não como tem sido feito. Lamentavelmente, essas condicionantes, "quando" executadas - e eu coloco o "quando" apeado porque muitas vezes não o são -, quando o são, acompanham a execução do projeto, que tem uma velocidade maior do que as próprias condicionantes. Então, acho que esse é um debate rico, que nós teremos de fazer aqui não só no Senado brasileiro, mas com toda a sociedade do nosso País. O SR. ANTONIO SOUZA PRUDENTE (Fora do microfone.) - Para uma observação final, Senador. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Pois não. O SR. ANTONIO SOUZA PRUDENTE - No caso de Belo Monte, houve uma agressão total ao devido procedimento legal ambiental, porque sequer a Convenção Internacional 169-OIT foi cumprida. A oitiva prévia das comunidades indígenas atingidas com o impacto de Belo Monte não se realizou, como determina a Convenção Internacional. E o estudo prévio de impacto ambiental, a rigor, não foi prévio; foi póstumo, através de uma empresa que o Ministério de Minas e Energia à época criou, como braço estendido do governo, para realizar o PAC, o Programa de Aceleração da então presidente da República. |
| R | Portanto, as consequências de Belo Monte estão aí. O dinheiro público que deveria ser destinado a Belo Monte merece aquela indagação cômica de uma rede de televisão com esta frase: cadê o dinheiro que estava aqui? E ninguém sabe explicar. Mas a Lava Jato, com certeza, vai identificar. Só isto. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Consulto os nossos facilitadores se querem fazer algum enriquecimento à fala, ao questionamento do Desembargador Prudente. (Pausa.) A senhora, por favor, poderia se identificar ao microfone, para ficar registrado? A SRª WENDY MARTINEZ (Tradução simultânea.) - Boa tarde. Sou Wendy Martinez, da República Dominicana. Obrigada. Eu gostaria de fazer constar publicamente uma questão que temos discutido nos bastidores com os colegas juízes, para que eu não seja culpada ou responsável por omissão, que se trata de advertir os países aqui presentes quanto à probabilidade de que, no momento em que se estabeleçam jurisdições especializadas em meio ambiente, elas possam ser misturadas com outras matérias que acabam sendo praticamente incompatíveis com relação à natureza delas. Lembro que ontem nós falamos sobre a necessidade de educar, sensibilizar com relação à especialidade da matéria. Eu ouvi, como já disse, nos bastidores, que alguns países estão atribuindo competências a tribunais especializados vinculando matérias como meio ambiente e tráfico de drogas. Eu acho que o que se tenciona criar com uma jurisdição especializada no meio ambiente seria contraditório se nós atribuíssemos também a esses tribunais competência sobre outras matérias que, apesar de terem um assunto em comum, são totalmente diferentes, como o tráfico de espécies, de animais. Temos que entender que são questões totalmente diferentes. Quando se faz um tráfico de coisas, de substâncias ilegais, naturalmente, há alguma semelhança, porque é algo que transita fora das margens da lei. Porém, mesmo assim, são coisas distintas. Então, essa é uma observação para países que já adotaram tribunais especializados e também é uma sugestão para aqueles países que não adotaram essa decisão. Talvez fosse um bom momento para repensar se, do ponto de vista da política judicial, seria conveniente realmente fazer esse tipo de junção de competências, de atribuições. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Desembargador Carlos Cuestas. O SR. CARLOS HUMBERTO CUESTAS (Tradução simultânea.) - Boa tarde. Sou Carlos Cuestas, magistrado do Tribunal Superior do Panamá. Conforme disse a colega da República Dominicana, que não deveriam ser misturadas jurisdições de tribunais, existe outra tendência, em alguns governos, de criar jurisdições, mas não criar tribunais especializados e passar essas matérias para os tribunais ordinários. Isso produz não só uma saturação, uma carga de trabalho muito grande, mas, muitas vezes, os juízes também não estão preparados para analisar questões tão especializadas. |
| R | Então, eu tenho uma preocupação. Fico apreensivo quando vejo análises de impacto ambiental, porque, no final, terminam sendo mais análises burocráticas e não instrumentos de precaução para a tutela ambiental. Normalmente, são análises feitas por instituições que não são verdadeiramente independentes. A corrupção nos golpeia em todos os aspectos possíveis, e, às vezes, esses relatórios de impacto ambiental, na verdade, são requisitos que precisam ser cumpridos, mas que são só passageiros. Proponho ainda a capacitação de juízes. As matérias analisadas são muito técnicas, e nós juízes - eu me incluo entre eles - não estamos sempre capacitados para analisar relatórios de impacto ambiental sem ter ao menos um protocolo; não algo que nos dê certeza absoluta, mas que, pelo menos, nos permita ter alguma seriedade na análise. Então, acho que essas questões devem ser consideradas. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Por favor, identifique-se para registro. O SR. JOSÉ LUIS CAPELLA (Tradução simultânea.) - Bom dia. Sou José Luis Capella, do Peru, da Sociedade Peruana de Direito Ambiental. Vou seguir a ordem do que foi pedido: os desafios, as oportunidades e uma lista das coisas a fazer. O desafio apresentado ontem pelo Prof. John Knox com relação aos defensores ambientais me fez refletir sobre o primeiro estudo de caso que vocês apresentaram, sobre Paul Fabien e o complexo de La Hoya - vocês têm isso no livro, na p. 90, se não me engano. Essas são pessoas que assumiram o papel de defensores ambientais e foram perseguidas, foram estigmatizadas e, às vezes, até assassinadas. O meu país é o quarto na triste lista de defensores ambientais que já foram assassinados. O papel que essas pessoas tiveram, no meu parecer, que foram colocadas na primeira linha de defesa, foi o de exigir ao Estado, tanto nos tribunais, como também em manifestações públicas, o cumprimento da relação entre direitos humanos e o meio ambiente. E a oportunidade que continua existindo é que eles vão continuar exigindo isso, porque os povos indígenas são afetados diretamente pela poluição, pela destruição das suas terras. São usuários da floresta que dependem diretamente do que, para nós, nas cidades é algo que está muito longe. Então, isso quer dizer que existe uma grande oportunidade e uma grande consciência dessas pessoas, que vão continuar naquela primeira linha de defesa. E o que devemos fazer, então, considerando essa reflexão sobre o papel do constitucionalismo e o meio ambiente? É necessário que tenhamos mecanismos inovadores, que sejam suficientes e, sobretudo, que consigam entender bem esse problema pelo qual passam os defensores ambientais, para que não desincentivem o momento de iniciar a defesa dos seus direitos. Vou explicar brevemente. Nós temos uma plataforma chamada Alerta Ambiental, que coloca os casos da Amazônia que estão recebendo apoio por uma clínica jurídica muito pequena. Mas a quantidade de pessoas que tem acesso a esses serviços é muito pequena e, como já falou o meu colega do Chile, a quantidade de advogados que querem defender essas pessoas, que têm esse interesse de defender os seus direitos, também é muito pequena, contra os direitos que têm diante de si, que não somente são das grandes corporações, mas também são da informalidade, da ilegalidade e da corrupção. O exemplo mais claro do meu país é o garimpo, o desmatamento por agricultura e também os desmatamentos para corte de madeira ilegal. |
| R | Então, é necessário empoderar esse defensores, com mecanismos que garantam o devido processo e que possam fornecer a proteção da identidade nos trâmites deles; o impulso de ofício, ou seja, dar legitimidade para poder fazer esse trabalho de forma ativa, ou seja, que os retirem de um processo que possa colocá-los sob perigo, tanto em termos de segurança, quanto da sua vida mesmo; e, finalmente, uma implementação efetiva, porque, como eles estão colocados nessa primeira fila de defesa, eles são expostos pelo fato de que, se o final daquele julgado for favorável, o cumprimento daquilo possa talvez até mesmo deixá-los numa situação ainda mais insegura. Então, isso é um pouco para abordar os temas que foram apresentados. A SRª ERIN DALY (Tradução simultânea.) - Obrigada. Os comentários anteriores levantaram uma pergunta que eu tenho para vocês, na verdade; levaram-me a pensar numa pergunta, à medida que pensamos sobre isso, e talvez elaborar um pouco mais sobre exatamente o que foi dito agora há pouco. Quando pensamos sobre esses comentários, acho que os desafios e as oportunidades do que estamos comentando não são somente sobre como proteger o meio ambiente, mas também sobre como proteger o meio ambiente no contexto dos direitos humanos. Então, temos que entender esses dois aspectos, nesse aspecto interdependente e indivisível. Então, eu me pergunto se de repente poderíamos pensar sobre algumas perguntas que estão sendo propostas, sobre desafios e oportunidades, à medida que pensamos sobre o meio ambiente e a forma como ele tem um impacto sobre os direitos humanos, e como os direitos humanos impactam o meio ambiente também. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - É sua a palavra. Por favor, identifique-se para registro. O SR. GUSTAVO ALANIS (Tradução simultânea.) - Obrigado. Boa tarde. Eu sou Gustavo Alanis, sou do México, do Centro Mexicano de Direito Ambiental. Na minha experiência pessoal, o que eu tenho visto é que grande parte dos problemas ambientais que nós temos tem a ver com o processo de avaliação ambiental e o impacto da poluição ambiental. E isso para mim tem a ver com uma série de aspectos. Primeiro, quem são os consultores? Quem são os assessores - se é que estão fazendo um bom trabalho ou não? Depois, eu diria que os bons são em menor número, e há os que são ruins, os que fazem um péssimo estudo de impacto ambiental. Então, primeiro precisamos nos questionar: quem está fazendo isso? Como fazem esses estudos? E se representam os interesses ambientais, os interesses de direitos humanos ou os interesses dos que estão promovendo - o interesse econômico, interesses políticos, interesses das pessoas que estejam ao redor desse instrumento. Quem é o responsável por dar uma autorização daquele impacto ambiental? Por exemplo, no caso do México, é uma pessoa, e eu considero que deveria ser um corpo colegiado, que fosse composto por técnicos, advogados, cientistas, que pudessem dar força a uma resolução em termos de impacto ambiental. |
| R | O ideal é que isso não chegasse ao Poder Judiciário, e é por isso que nós comentamos muito hoje sobre o aspecto de prevenção. Então, acredito eu que temos uma grande tarefa pela frente, para podermos melhorar e aperfeiçoar o instrumento da avaliação de impacto ambiental. E para efeitos do PNUMA e de outros órgãos, como também acontece com outros assuntos e já foi feito no passado, minha sugestão nessa to-do list é que se pudesse elaborar um guia que pudesse servir de base, algum modelo de instrumento de avaliação de impacto ambiental moderno, que reflita as novas realidades que temos atualmente e que seja aplicável, obviamente dentro do contexto das condições particulares de cada país, para que não haja nenhuma desculpa ou pretexto como "ah, eu não sei", "eu não conheço", etc. Então, eu acho que isso pode ser uma tarefa bem relevante nesse sentido. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Senhora, por favor. A SRª MARA ELISA ANDRADE - Boa tarde. Meu nome é Mara Elisa Andrade, eu sou Juíza Federal na 7ª Vara do Amazonas, Seção Judiciária do Amazonas. Eu gostaria, só como sugestão, de lançar um tema que me parece atual e desafiador para nós magistrados. Como bem colocou o Desembargador Souza Prudente, a tutela ambiental perpassa as três esferas de poder: nós temos a tutela administrativa, a tutela legislativa e a tutela judicial. Tem sido muito recorrente que as omissões dos Poderes Executivo e Legislativo deságuem em pedidos de implementação de políticas públicas ambientais pelo Poder Judiciário. Isso coloca os magistrados em uma posição de protagonismo, por vezes muito criticada, e com as limitações de custo do processo, de complexidade da matéria, de demora na elaboração para que o processo fique pronto à prolação de sentença; e depois vem a fase do cumprimento da sentença, com muitas barreiras orçamentárias, técnicas. Então, eu gostaria de levar isso ao conhecimento dos senhores para que nós todos - juízes, professores, pesquisadores - possamos dar uma atenção especial a esse tema que vem crescendo. Eu mesma, no exercício da judicatura, com muita frequência recebo pedidos que resvalam justamente nesse ativismo judicial. O SR. ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE - Senador, eu não quero abusar, mas V. Exª me permite? Eu tive a honra de ter ouvido aqui a minha colega Juíza Federal do Estado do Amazonas. E diante, também, da observação da Profª Erin Daly sobre focar o direito ao meio ambiente sadio como um direito humano fundamental, isso é inquestionável. Mas quero registrar que uma Juíza Federal, sua colega, brilhante, inteligente e corajosa... Porque há um elemento que é metajurídico, Presidente, que precisa ser levado em consideração. O Prof. Dinamarco, que é um grande processualista, conhecido de todos aqui no Brasil e na América, diz uma grande verdade: não basta a tutela normativa que temos no ordenamento jurídico abstrato; é preciso que tenhamos juízes corajosos, independentes e com vontade de tornar efetiva essa tutela abstrata no mundo real. |
| R | Então, o que observo é o seguinte: essa juíza, que se chama - posso citar o nome com muito orgulho - Célia Bernardes, que está lá na Floresta Amazônica defendendo o meio ambiente, teve a coragem de, juntamente com outros segmentos em defesa do meio ambiente, denunciar as suspensões de segurança abusivas das presidências do nosso Tribunal, que, incoerentemente, ao criar as varas ambientais para proteção do meio ambiente, através deste instrumento fóssil da ditadura que se chama suspensão de segurança e que V. Exªs, aqui, nesta Casa congressual, têm o dever de abolir do ordenamento jurídico brasileiro - porque isso é que emperra, sobretudo, a proteção ambiental através de uma interferência monocrática e política de um presidente de um tribunal para anular a jurisdição protetiva do meio ambiente. Essa juíza foi à Corte Interamericana de Direitos Humanos e denunciou o Brasil. Isso merece louvores. Portanto, o Brasil hoje responde perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos a uma representação da Juíza Célia Bernardes, juntamente com outros segmentos defensores do meio ambiente, pelos abusos praticados pelas presidências do nosso TRF da 1ª Região, que cassavam sistematicamente todas as decisões protetivas do meio ambiente nas varas ambientais. Nós estamos num contexto delicado, V. Exª sabe, neste momento histórico. Eu acho que a força-tarefa Lava Jato está prestando relevantes serviços a este País, e vai também prestar esse relevante serviço de buscar as razões determinantes dessas medidas políticas abusivas. Era esse registro que eu gostaria de fazer. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Agradeço, Desembargador. Passo a palavra ao Sr. Michael Wilson. O SR. MICHAEL WILSON (Tradução simultânea.) - Obrigado e Aloha, Sr. Presidente. Sou Michael Wilson, do Havaí. Os comentários que foram feitos pelo Juiz Macias e pelo Sr. Capella, pelo Juiz Gustavo Alanis, do México, e pela Juíza Mara, da Amazônia, levantam a questão, que é constante, sobre os estresses dos juízes que enfrentam o Estado de direito ambiental. Então, num futuro possível, numa reunião futura deste tipo, talvez com um instituto mundial para o meio ambiente, talvez pudesse haver um encontro com enfoque justamente nisto: os desafios para aplicar o Estado de direito ambiental. Porque acho que todos podemos dizer - e estamos de acordo nisto - que, nessas questões ambientais, para todos os juízes, como já foi comentado pelo Ministro Benjamin e por outros líderes também, a questão principal são as mudanças climáticas. E, pelo fato de que não temos muito tempo - 40 ou 50 anos - antes de chegarmos a uma etapa catastrófica com relação às mudanças climáticas, os juízes ambientais que precisam aplicar o Estado de direito vão se deparar com um estresse crescente, cada vez mais. |
| R | E esses defensores ambientais que estão sendo assassinados talvez se juntarão a eles, juízes. Então, eu acho que o fato de termos juízes corajosos no Brasil e que estão falando aqui agora sobre os tipos de estresse que estão vivenciando serviria como uma ideia para ocasionar uma outra reunião deste tipo, para abordar o estresse, os desafios dos juízes que estão aplicando o Estado de direito ambiental. Porque essas jurisdições, como comentou o nosso colega do Peru, onde há um perigo para a transparência, para a aplicação independente do Estado de direito, são uma ameaça fundamental globalmente, porque esses defensores que têm a coragem de ir se apresentar diante do tribunal são irrelevantes se não houver um juiz que esteja empoderado para tomar as decisões. Então, eu sugiro isso como um assunto para o futuro. E agradeço a oportunidade de falar. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Obrigado, Ministro Michael Wilson. (Fora do microfone.) E passo a palavra à Ministra Damaris Vásquez, da Costa Rica. A SRª DAMARIS VARGAS VÁSQUEZ (Tradução simultânea.) - Muito obrigada. Em relação ao que foi comentado, acredito ser importante destacar o fato de que o aspecto orçamentário que foi mencionado antes, de como dar enfoque à transparência dos orçamentos, no caso dos poderes judiciários, muitas vezes os orçamentos não são dirigidos à matéria ambiental, especialmente naqueles países onde não existem os tribunais especializados, porque não existe uma consciência suficiente com relação ao tema. Na nossa Casa é uma área estratégica dentro do plano estratégico institucional, mas isso não é "transversalizado" para o desenho do plano orçamentário. Isso não é estranho, porque existem outros aspectos transversais, como o gênero, que também às vezes não recebem essa presença em todas as áreas. Mas é importante haver esse enfoque. E talvez especialistas de universidades poderiam dar algum tipo de capacitação àqueles que têm que fazer a elaboração e a aprovação desses orçamentos, e assim poderíamos ter uma grande contribuição. Outro aspecto essencial é que certamente muitos dos países que estão aqui representados, incluindo a Costa Rica, têm limites orçamentários. O Poder Judiciário da Costa Rica tem acesso a 6% do orçamento nacional. Por constituição política, foi estabelecido assim, e isso garante a independência do Judiciário. Não obstante, não nos dão os 6% totalmente, o que é insuficiente para todos os desafios que temos na matéria ambiental. Eu acredito que as instituições nacionais e internacionais que estão aqui presentes e as universidades poderiam, junto conosco, buscar uma forma de colaboração. Não sei se em termos orçamentários, mas talvez de outras formas que possam materializar essa colaboração. Um exemplo disso - e nós temos observado neste e em outros foros - é que temos documentos muito importantes que estão sendo circulados em diferentes idiomas e que são essenciais que sejam conhecidos pelos juízes de todos os países, mas muitas vezes ficam somente naqueles idiomas, não são traduzidos para os outros idiomas que estão aqui representados. E é essencial que, quando uma universidade especializada ou algum instituto que esteja vinculado a isso elabora algum tipo de pesquisa, livro, artigo, tenha também esse compromisso de traduzir para os diferentes idiomas dos países que estão aqui representados ou pelo menos integrados àquele organismo que estamos criando agora, para que possamos ter algum tipo de padronização dos nossos conhecimentos, de forma tal que, em algum momento, consigamos diminuir a lacuna de conhecimentos que existe nos diferentes países. |
| R | Outro aspecto que eu acredito ser fundamental - eu já estou terminando - é que, no caso da Costa Rica - e imagino que seja comum em muitos dos países aqui presentes também - existem muitíssimas leis. No nosso caso, somente para recursos hídricos, temos mais de mil leis sem mencionar os decretos e regulamentos. Então, possivelmente isso dificulta, pois todos os julgadores precisam conhecer todas as leis internas, assim como as internacionais. Nós todos as conhecemos, mas essa normativa interna de cada um dos países seria um importante exercício da parte das universidades que estão aqui presentes e talvez, quem sabe, trabalhando com os diferentes países que estão aqui, criar algum tipo de documento por meio do qual possamos sintetizar essas normas jurídicas para que possamos ter maior clareza em como aplicá-las. Existe um exercício que acredito que está sendo feito em alguns países. A Costa Rica tem uma Procuradoria Ambiental muito robusta para desempenhar esse trabalho no nosso Ministério Público. É um livro que nós temos com uma publicação bastante boa, no qual temos estabelecidas todas as leis que temos na matéria ambiental e como devem atuar os procuradores do nosso País em cada um dos crimes que estão ali. É como se fosse um guia, porque, na Procuradoria Ambiental, são cinco ou seis especialistas no tema, mas não há como cobrir o país inteiro. Então, com isso, eles conseguiram fazer com que os diferentes procuradores das diferentes regiões que nós temos - é um país muito pequeno, com muitas regiões pequenas - possam padronizar a sua forma de atuar. Certamente, nós não conseguimos fazer isso com cada judicatura, por independência judicial, mas seria de grande valor para nós poder contar com algum documento que possa delinear cada uma dessas leis. Cada país tem suas próprias leis internas, e acredito que, assim, podemos compartilhar muito do que já foi estabelecido e, assim, podemos fazer exercícios individuais por países com o compromisso dos que estão representando os nossos países, mas também com o apoio de vocês, que são especialistas das diferentes universidades neste modelo ou que também dão aulas de Direito Ambiental nas universidades dos nossos países. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Eu vou conceder a palavra a mais dois inscritos e lamentavelmente porque a discussão enriquece o colóquio. Mas nós estamos premidos pelo horário. Nós temos que encerrar esta mesa às 12h45 e convidar a todos para o almoço, que será servido no Restaurante dos Senadores, como o foi ontem, para que possamos retomar às 14h30, neste mesmo local, a sequência do nosso encontro. Passo a palavra ao senhor que a solicitou e, depois, à Srª Denise. O SR. RAFAEL ASENJO (Tradução simultânea.) - Obrigado, Sr. Senador. |
| R | Brevemente, acho que uma das questões para a qual eu chamo a atenção, como foi mencionado agora, é a possibilidade de gerar, entre os países que têm jurisdições ambientais especializadas e aqueles que ainda não as tenham uma espécie de intercâmbio sul-sul, como é chamado em nível mundial, ou seja, que, entre os nossos países, geremos oportunidades de intercâmbio, desde endereços e nomes dos juízes e dos tribunais ambientais quanto dos tribunais comuns interessados nessas questões, gerando, quem sabe, um site na página web em comum para fazer esse intercâmbio de informação. Isso sem falar dos livros, porque os livros e os relatórios, tudo isso, costumam chegar para nós muito depois, além do que muito pouca coisa foi publicada até agora sobre a matéria de tribunais ambientais, de tribunais especializados ou interessados. Em Santiago, no nosso tribunal, nós produzimos - e vamos distribuí-lo a todos os endereços que tenhamos - um material a cada dois anos, tradicionalmente. Nós já fizemos edições de 2014 e de 2016. Na verdade, é um fórum internacional sobre justiça ambiental, sobre questões de justiça ambiental. Tivemos em novembro de 2014 e em novembro de 2016 e esperamos organizar outro, em novembro de 2018. Então, a publicação desse fórum, com todas as participações, está começando a ser distribuída. Começamos há poucos dias, em Santiago. Eu vou levar para casa os endereços dos interessados ou de todos os participantes. Vocês vão receber convites, no momento certo, a partir do ano que vem, para participarem em 2018. É uma oportunidade muito interessante de participar de um intercâmbio de questões fundamentais, com a participação tanto de tribunais especializados quanto de tribunais gerais que têm competências ambientais. O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Denise Antolini. A SRª DENISE ANTOLINI - Obrigada, Rafael, por seus comentários, e os comentários prévios nos levam à nossa questão final: quais são os próximos passos que vocês gostariam de ver, em termos de treinamento judicial? Vou mostrar a vocês um panfleto e vou pedir para vocês que depois se dirijam para os seus comentários finais. Cláudia, levante a mão, por favor. Esse flyer é da Claúdia, que é sobre o Programa de Capacitação Internacional Jurídico sobre o Estado de Direito, que vai ser de 17 a 21 de julho. A última data para participar é 12 de junho, e isso vai acontecer muito logo. É um programa de capacitação judicial muito interessante. Todos nós estamos muito interessados em ajudar, seja por parte do PNUMA ou nas nossas várias universidades. Então, vou terminar com um comentário sobre o novo Instituto Judicial Global do Meio Ambiente. Podem levantar a mão, por favor, os que participaram das reuniões nos últimos dias. Muitas pessoas desta sala participaram da reunião do Instituto, como o Ministro Benjamin e o Ministro Michel. Vários estiveram participando e lançando essa nova capacidade judicial que tem, entre outras diretrizes, fornecer capacitação para os juízes e fornecer ocasiões para que os juízes se reúnam. Eu sei que a tarefa de ser juiz, muitas vezes, é uma tarefa solitária, e nós estamos muito felizes de poder apoiá-los. Obrigado, Senador. Obrigada, Senado, por ter-nos dado este local para nos reunirmos com os nossos parceiros e para dar o nosso apoio ao Judiciário, que é tão crítico. |
| R | Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. PSDB - PA) - Eu que agradeço a todos os senhores e senhoras que enriqueceram a todos nós aqui do Senado Federal pela participação neste colóquio. É muito importante trocar experiências, e, como foi aqui colocado, fazer os debates pelos desafios e oportunidades que todos nós teremos no enfrentamento da questão ambiental. Eu queria, ao finalizar esta quarta mesa redonda, deixar aqui, como já o fiz, os nossos agradecimentos ao Ministro Herman Benjamin, ao Senador Davi Alcolumbre, ao Senador Jorge Viana, e colocar - farei isso oportunamente ao Ministro Benjamin e aos Senadores - que possamos organizar um outro colóquio como este em que possamos ter a presença de todos os senhores na Amazônia brasileira. Eu quero colocar aqui o convite, e o faço em nome do Governador do Pará, Simão Jatene, para que possamos em breve, e dentro da organização e do tempo, ter a presença de todos na Amazônia, no meu Estado do Pará. E eu quero sugerir aqui, porque foi citada - acho que pelo Desembargador Prudente - a cidade de Santarém, no coração da Amazônia brasileira. Até por lá. Muito obrigado. (Palmas.) Eu estou sendo lembrado aqui para que solicite que vocês deixem, por favor, os fones da tradução simultânea sobre a mesa, porque eles serão redistribuídos. (Reaberta às 11 horas e 26 minutos, a reunião é suspensa às 12 horas e 51 minutos.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Boa tarde a todos. Recebi a honrosa incumbência de retomar os trabalhos deste colóquio na ausência justificada do Presidente desta sessão, o eminente Senador Davi Alcolumbre, que mandou comunicar, com as escusas, que se encontra em votação plenária aqui, no Senado, não podendo se ausentar no momento. Ele solicitou, então, que os trabalhos fossem reabertos sob a nossa presidência, evidentemente seguindo a pauta normal. |
| R | Portanto, declaro reaberta a reunião conjunta da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal e da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas do Congresso Nacional. A presente reunião visa à realização do colóquio judicial regional para a América Latina e Caribe, com o seguinte tema: "Constituição, Ambiente e Direitos Humanos - Prática e Implementação. Para concluir essa fala introdutória, vamos apresentar aos ilustre participantes um breve vídeo produzido pela TV Senado exclusivamente para este colóquio, no qual conheceremos iniciativas desta Casa na área ambiental e a cobertura jornalística dos temas pelo programa Ecosenado. (Procede-se à exibição de vídeo.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Gostaríamos de convidar para compor a Mesa a Srª Embaixadora Jacqueline Mendoza, Secretária-Geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - Venezuela; a Juíza Flávia Viana, Presidente da União Internacional de Juízes da Língua Portuguesa - Brasil; o Sr. Ministro Duberlí Rodriguez, Ministro-Chefe da Corte Suprema do Peru; o Dr. José Pedro de Oliveira Costa, Secretário Nacional para a Biodiversidade, do Ministério do Meio Ambiente do Brasil; e o Sr. Ministro Éverton Lucero, Secretário Nacional para Mudanças Climáticas e Florestas, do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. Todos já a postos, nos seus devidos lugares, eu passo a palavra à eminente Embaixadora Jacqueline Mendoza para fazer uso do tempo regulamentar de sua exposição. A SRª MARÍA JACQUELINE MENDOZA ORTEGA - Obrigada. Boa tarde a todos e a todas. Eu gostaria de agradecer ao Ministro Benjamin por ter me convidado e ao Presidente da Comissão de Meio Ambiente deste Senado. |
| R | Gostaria de agradecer também me permitirem falar em espanhol, a minha língua materna. Srs. Senadores, distintos participantes, autoridades aqui presentes, para a Secretaria Permanente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica é uma grande honra participar da abertura deste colóquio. O bioma amazônico, visto da perspectiva da Pan-Amazônia, é, sem dúvida, um caso de estudo particular e fundamental, no que concerne ao desenvolvimento de normas e regulamentos das legislações ambientais dos países, em matéria de direitos humanos e de desenvolvimento ecologicamente sustentável. Com base nessa afirmação, em 3 de julho de 1978 - faz 40 anos -, na cidade de Brasília, os países da Bacia Amazônica - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - assinaram o que é reconhecido como o primeiro e único instrumento jurídico regional para a cooperação amazônica, o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). Esse tratado foi assinado pelos oito países, com o propósito comum de unir esforços que os países vinham empreendendo em seus territórios e entre si, para promover o desenvolvimento harmonioso da Amazônia, permitindo uma distribuição equitativa dos benefícios entre as partes contratantes, para elevar o nível de vida de suas populações, de modo a alcançar o pleno desenvolvimento dos territórios e das economias nacionais. O Tratado de Cooperação Amazônica reafirmou também a soberania dos países sobre seus territórios e recursos amazônicos e entre os seus princípios diretores incluiu a preservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais. Desse modo, constituiu-se como um pioneiro, precedendo a instituição do conceito sustentável que depois veio a ser lançado amplamente na reunião da Rio 92 sobre desenvolvimento sustentável. Além disso, institucionalizou o processo de cooperação regional, criando, em 1998, em Caracas, por meio da Emenda do Tratado de Cooperação Amazônica, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, com sede em Brasília. Os principais aspectos através dos quais a Bacia Amazônica destaca sua relevância no âmbito regional e mundial, além da sua riqueza hídrica, são o potencial das florestas, sendo a Amazônia considerada a floresta tropical mais ampla do mundo e reconhecida também, amplamente, pela importância no equilíbrio climático regional, continental e global. Devido ao fenômeno de evapotranspiração, que, nas palavras famosas do pesquisador brasileiro no INPE, funciona como uma bomba biótica, a Bacia Amazônica se caracteriza ainda pela existência de uma megabiodiversidade. É habitada por populações indígenas locais, que detêm conhecimentos tradicionais de valor estratégico para uso sustentável da biodiversidade. |
| R | Além disso, produz 20% da água doce que vai em direção ao Oceano Atlântico. Tudo isso faz com que a importância do bioma seja inegável para o mundo. Em consequência, a participação ativa dos países- membros da OTCA nos diferentes fóruns internacionais e regionais sobre questões ambientais e desenvolvimento sustentável é fundamental. Do mesmo modo que nas conferências das partes nas convenções sobre diversidade Biológica de espécies de flora e fauna ameaçadas pelo comércio, pela desertificação e tantas outras... Mas recentemente nos tornamos também parte do fórum de acompanhamento regional da implementação dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, sem mencionar a grande contribuição que a Organização tem tido no desenvolvimento e aprofundamento das legislações nacionais ambientais e de direitos humanos. De forma a cumprir os mandados dos países-membros e respondendo ainda a todos esses compromissos internacionais em questões ambientais e de desenvolvimento sustentável, a Organização priorizou e definiu as ações que hoje executa, tendo como marco a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica aprovada pelos ministros de relações exteriores no ano de 2010. Nessa agenda, a Organização incorporou uma visão transversal e multissetorial de todos os programas, projetos e atividades que a organização desenvolve. Na questão de bosques, por exemplo, florestas, a Agenda Estratégica tem sido bem-sucedida com projeto de monitoramento da cobertura florestal, que produziu até agora quatro mapas regionais de desmatamento. Além disso, abriu o uso e mudanças no uso do solo. Entre outros resultados, teve também o Atlas da Vulnerabilidade, projetos pilotos, capacitação de pessoal técnico e especialistas nos nossos países. A Organização apresentou ainda um relatório no último Fórum das Nações Unidas de Florestas sobre a situação atual das florestas amazônicas. E em poucos meses, teremos criado um mecanismo de cooperação para o controle de incêndios florestais na Bacia Amazônica. Outra experiência regional que foi de grande benefício para a região foi a elaboração de projetos para o uso sustentável, iniciativas de uso sustentável dos recursos hídricos transfronteiriços da Bacia Amazônica, projeto que se caracteriza por ter um forte componente de cooperação Sul-Sul, graças a organizações de excelência do Brasil, como o BNDES, a Agência Nacional de Águas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Na área da biodiversidade, nós estamos começando a implementação do projeto regional para a gestão, o monitoramento e o controle de espécies de fauna e flora ameaçadas pelo comércio. A matéria de proteção dos direitos humanos conta com uma agenda indígena aprovada pelos países- membros, no marco da qual se executa programa regional para a proteção dos povos indígenas isolados, em isolamento voluntário e em contato inicial, que, na sua segunda etapa, focará questões de saúde de populações indígenas de fronteira na gestão de conhecimentos tradicionais. |
| R | Quanto ao tema saúde, melhoramos a capacidade do sistema de saúde para responder os riscos e ameaças ambientais derivados das mudanças climáticas, por meio do sistema de vigilância em saúde ambiental na Região Amazônica. Com esse propósito a OTCA preparou um guida para adaptação aos riscos climáticos na Região Amazônica da perspectiva da saúde. Dentro da organização, os países membros sabem claramente que através dessas iniciativas e através de uma visão integral compartilhada e integrada da bacia e do bioma amazônico, poderemos contribuir para alcançar o desenvolvimento sustentável para as populações amazônicas, ao mesmo tempo contribuindo para a manutenção do equilíbrio climático do Planeta. Eu gostaria de agradecer a vocês pela atenção por terem me convidado para participar deste importante evento. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Após a fala da eminente Embaixadora Jacqueline Mendoza... Vou passar a palavra ao palestrante seguinte. Mas como estamos aguardando, a qualquer momento, o retorno do Senador Davi Alcolumbre e como terei que me ausentar deste plenário tão rico de conhecimentos, porque na minha mesa, no Tribunal Federal, está aumentando o número de liminares urgentes - tenho certeza de que muitas delas em defesa do meio ambiente -, eu só queria deixar aqui um registro porque não estarei presente na fala que, tenho certeza, será brilhante e proveitosa da nossa colega Juíza Federal Mara Elisa Andrade, que já sinalizou o enfoque que deve dar sobre a Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil. Quero deixar aqui o meu registro. E a comunhão de sentimentos e de incentivo à implementação dessa política no Brasil, que só está no papel... Sobretudo, que esta Casa congressual possa riscar da lei federal que regula a Política Nacional de Educação Ambiental um dispositivo que nega vigência e eficácia à própria lei federal, quando diz que a educação ambiental não pode integrar o currículo regular de ensino no Brasil. Ao contrário, deve integrar. Eu acho que retirando esse dispositivo negativo nós teremos condição de implementar a educação ambiental, desde o ensino fundamental. Passo a palavra, agora, ao próximo palestrante, o eminente Ministro-Chefe da Corte Suprema do Peru, Duberlí Rodríguez. V. Exª tem a palavra. O SR. DUBERLÍ RODRÍGUEZ (Tradução simultânea.) - Boa tarde a todos e a todas. Neste processo de constitucionalização dos direitos ambientais que se deu na América Latina e no mundo, a Constituição política do Peru, de 1993, no seu Capítulo do Meio Ambiente e recursos naturais, consignou no seu art. 68 o seguinte: "O Estado é obrigado a promover a conservação da diversidade biológica e das áreas naturais protegidas." O art. 69 acrescenta: Desenvolvimento da Amazônia. |
| R | O Estado promove o desenvolvimento sustentável da Amazônia. E nessa direção foi expedida a Lei nº 26.000, sobre conservação e aproveitamento sustentável, biológica, e também a Lei Geral do Meio Ambiente. Como nós sabemos, grande quantidade de florestas amazônicas que estão na nossa Amazônia, em particular no Departamento de Madre de Dios, no caso do Peru. E aqui temos, no caso, um fenômeno de depredação, por exemplo, de madeiras de espécies tão valiosas como o cedro, a copaíba e outras tantas que estão sob ameaça de extinção devido ao corte ilegal, que adquiriu dimensões de crime organizado. Nesse tema eu gostaria de falar para o auditório. Estiveram falando agora há pouco sobre os acordos que poderiam ser feitos, e eu acredito que valeria a pena remarcar o seguinte: assim como são protegidos os defensores de direitos humanos na América Latina, por exemplo a Corte Interamericana de Direitos humanos tem várias sentenças sobre a proteção de defensores dos direitos humanos, eu acho que também poderíamos apresentar, como tema para nossa agenda, a proteção dos defensores do meio ambiente amazônico. Ultimamente 122 defensores do meio ambiente foram assassinados na América Latina, somente em 2015. Entre as vítimas, indígenas da Amazônia, temos o líder ashaninka Edwin Chota, que foi assassinado em setembro de 2014 por traficantes ilegais de madeira no limite na Região Amazônica com o Brasil. Também sabemos que a causa principal das mortes são os conflitos devidos às indústrias de extração. E aqui vale uma pergunta talvez um pouco de conteúdo político: quais são os modelos de desenvolvimento que os nossos países estão seguindo? Se eles são apoiados num modelo de extração e de importação, praticamente sempre essa será a causa dos conflitos sociais, e essas questões serão sempre com relação aos problemas ambientais, assim como temos problemas de garimpo atualmente. Então, por isso Madre de Dios neste ano vai ter um Congresso Internacional de Justiça Ambiental em novembro, e esperamos que alguns de vocês possam nos acompanhar nesse congresso. Setecentos e sessenta e cinco mil quilômetros de área verde, quase 1 milhão de quilômetros foram perdidos pela Amazônia nos últimos vinte anos. As guerras, os atentados terroristas, como aquele que aconteceu ontem na Inglaterra, e as crises políticas, sem entender que o problema mais sério que a humanidade enfrenta... (Soa a campainha.) O SR. DUBERLÍ RODRÍGUEZ - ... são as mudanças climáticas. E diferentemente de outras crises, isso afetará a todos, sem exceção. E é por isso que em dado momento nós poderemos dizer que somente quando a última árvore estiver morta, o último rio envenenado e o último peixe preso é que nos daremos conta de que o dinheiro não pode ser comido. Todos nós temos direito de ser felizes, mas para isso depende que respeitemos o meio ambiente. O homo sapiens alcançou as proporções de uma praga. E se nós queremos sobreviver, nós precisamos mudar a nossa forma de viver. |
| R | Eduardo Galeano, que, recentemente, faleceu no Uruguai e era um pensador extraordinário da América Latina, dizia que, muito recentemente, nos demos conta de que a natureza se cansa de nós, seus filhos, e de que, assim como nós, ela pode morrer assassinada. Para concluir, vou falar devagarzinho. Como a música do Panamá: aquele que não ama a Terra não ama a sua mãe. O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Passo a palavra agora ao Dr. José Pedro de Oliveira Costa, Secretário Nacional de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. O SR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA COSTA - Bom dia ou boa tarde a todos. Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer o convite para estar aqui neste importante encontro. Minha tarefa é um pouco diferenciada daquela relacionada aos temas que me antecederam, principalmente do Ministro Rodriguez, porque vou falar um pouco de projetos do Ministério do Meio Ambiente relacionados a uma visão amazônica integrada. Eu gostaria de ser breve para possibilitar, inclusive, perguntas para, conjuntamente, discutirmos. Desde que o Ministro Sarney assumiu o Ministério do Meio Ambiente, nós temos trabalhado na questão de corredores e de conectividade de florestas, que é uma das maiores preciosidades que ainda temos na maior parte da Floresta Amazônica. O grande problema é que nós estamos vendo, inclusive do lado brasileiro, seções enormes de florestas serem distanciadas sem que se preocupe com essa conectividade que passou a ser uma das preocupações fundamentais, inclusive, da própria Convenção da Biodiversidade. Na última COP da Biodiversidade, que se realizou em Cancún, no México, nós tivemos, inclusive, como um dos resultados desse trabalho uma forte indicação da necessidade de trabalharmos a questão da conectividade como um todo, no mundo como um todo. E o Ministro Sarney, lá estando, fez um evento paralelo, que contou com a presença de, praticamente, representantes de todos os países sul-americanos, falando da necessidade de nós pensarmos essa questão de continuidade de uma forma continental. Ou seja, a Amazônia não pode ser separada. Os macacos não falam nem castelhano nem português. Então, eles têm que circular entre as diversas questões. E essa questão da conectividade, que já per se é crucial para a questão da proteção da biodiversidade, se transforma em mais grave ainda quando nós falamos em mudanças climáticas. A questão de mudanças climáticas está transformando, realmente, a situação da localização das diversas plantas e animais. Isso já está comprovado cientificamente. Essas plantas e esses animais terão que se deslocar, como já se deslocaram no passado, durante a última glaciação ou finalização dela, que ocorreu há cerca de 11 mil anos. Nós tivemos um grande deslocamento com a modificação de um aquecimento de cinco graus em todo o Planeta. Nós estamos falando agora numa possível elevação de temperatura de cinco graus no prazo de 100 anos, quando, na última glaciação, isso se passou em cinco ou seis mil anos. |
| R | Ou seja, as plantas e os animais tiveram tempo de se deslocar e de se aclimatar. E não havia barreiras entre elas. Agora, nós temos barreiras, temos cidades, temos estradas, temos campos, etc. Então, a manutenção especialmente em Norte e Sul de grandes corredores passa a ser uma questão crucial para que possamos proteger a nossa biodiversidade. E, mesmo assim, os cálculos são bastante pessimistas. Ou seja, com cinco graus de diferença, a previsão é que venhamos a perder de 30% a 40% da biodiversidade mundial, o que é uma catástrofe sob todos os aspectos, inclusive sob o aspecto humano e econômico. Nós já temos muitas experiências a respeito dessa questão de corredores ou de conectividade no Brasil, na América do Sul. Na América Central, existe El Corredor Pantera, que está há muito tempo sendo tocado. É um trabalho excepcional, que já deu alguns frutos e que precisa de muito mais energia ainda para se solidificar. (Soa a campainha.) O SR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA COSTA - Nós temos a Cordilheira dos Andes, que é um corredor natural. Nós temos as nossas Serra do Mar e Serra Geral, que são corredores naturais, sendo que a parte brasileira já foi transformada numa reserva da biosfera. Existe um trabalho de 25 anos caminhando nessa direção, que está longe ainda de atingir os seus objetivos. E, na Amazônia, nossos prezados queridos vizinhos colombianos já propuseram um grande corredor do Atlântico ao Pacífico, na Calha Norte, corredor esse de que nós temos falado quase semanalmente com os nossos amigos da Colômbia. Terminamos semana passada aqui uma reunião com peruanos e colombianos a respeito da implantação do Programa Arpa, Programa de Áreas Protegidas da Amazônia, exportando um pouco do conhecimento que temos e que tem sido bem sucedido. Estamos trabalhando com o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, que é o mais distinguido centro de ciências que temos aqui. Então, há muita coisa acontecendo. Só que nós precisamos trabalhar de uma forma mais integrada, com soma de esforços. Quando se fala em corredores, em conectividade, não estamos falando apenas em biodiversidade. A floresta, os ecossistemas atuais têm muitas funções: a função de proteger e garantir a qualidade e a quantidade de água; a questão climática, fundamental; um arcabouço, enfim, uma âncora para as populações tradicionais, especialmente as populações indígenas; existe um fator cultural, um fator econômico e um fator político. E essas coisas todas juntas se transformam num elemento muito mais forte inclusive de justiça e de paz, porque nós temos condições de trabalhar essas coisas. E esse trabalho não pode ser feito apenas pelo Governo. É um trabalho que deve ser feito pela sociedade, pela ciência, pelos cientistas, pelas ONGs. Nós temos trabalhos que estão relacionados hoje à Unesco, à União Internacional para a Conservação da Natureza, que, enfim, é uma das patrocinadoras deste evento. Temos cooperação internacional com o Global Environment Fund, com o Banco Mundial, com o Funbio, que está aqui representado pela Rosa, que é uma experiência muito promissora brasileira. Enfim, não há como dizermos que isso é um projeto. Isso, na verdade, é um programa. É uma forma de pensar. É uma forma de trabalhar. É uma forma de encarar a realidade. Nós temos uma necessidade de que esse trabalho seja feito da mesma forma como, na Revolução Francesa, se fez a Declaração dos Direitos do Homem. Nós temos que ter aqui a declaração dos direitos da conectividade. Ou seja, essa conectividade que existe na Amazônia em grande parte, mas está sendo perdida, precisa ser garantida pelo que nós já temos e recuperada em outros lugares. E nós temos, inclusive, na Amazônia já instrumentos. |
| R | A questão do compromisso de Paris e várias outras possibilidades financeiras falam em recuperação e restauração. Então, essa ideia de conectividade traz inteligência a que essa recuperação seja a mais propícia possível para a finalidade que se coloca. Eu gostaria de pedir, se pudesse, eu trouxe três, quatro slides apenas para mostrar alguns trabalhos que nós estamos iniciando ou propondo na Amazônia - não sei quem é que ficou com o meu pen drive. Por exemplo, nós temos aqui a foz do Rio Amazonas. Esse levantamento é extremamente preliminar, mas o que vocês estão vendo em amarelo aí é a grande barreira de coral, que já é conhecida há muito tempo, mas que está agora entrando num processo de discussão pela necessidade de que seja... Enfim, há petróleo, há explorações possíveis, então nós precisamos harmonizar a exploração desta área que nós estamos vendo aí amarela com o um uso que seja sustentável. Eu gostaria de apontar para vocês que o que está em verde, são diferentes tipos de áreas protegidas, que já existem, que já estão consolidadas, e nós temos aí os maiores manguezais do mundo, a concentração maior de manguezais, e que adentra pela Guiana Francesa - apertei o botão errado aqui -, mas, em todo caso, dá para a gente ver aqui os manguezais e dá pra gente ver que isso daqui é um trabalho... Nós estamos pensando em fazer isso junto com a Convenção de Ramsar de áreas úmidas, de aves migratórias. Como vocês sabem, a maré nessa região é mais de oito metros, chega em alguns lugares, em alguns tempos, a mais de dez metros, ou seja, há uma grande plataforma de lamaçal extremamente rica, e isso tudo já está protegido em parte. O que nos está faltando é uma visão integrada de um trabalho comum tanto do País quanto do Continente. Então, quando a gente fala em conectividade, a gente está falando também em questões que são relacionadas ao ambiente marinho. Aqui são detalhes mostrando os manguezais, onde eles estão, em vermelho. Aqui as áreas inundáveis, que, portanto, são extremamente aplicáveis à questão de uma visão Ramsar. Aqui uma primeira mancha ao longo desses corais para que a gente comece a negociar, já estivemos na Comissão Interministerial dos Recursos do Mar e com longas conversas para aprofundar. E esse tem que ser um trabalho de soma, não pode ser um trabalho de conflito também, tem que ser um trabalho pacífico, para usar o termo do que nós precisamos. O outro trabalho em que nós estamos trabalhando, nós estamos mexendo aqui também, resultado de uma nova iniciativa do Programa Ramsar, que criou uma comissão amazônica há cerca de três semanas em Leticia, aqui na Colômbia. Nós temos, ao longo do Rio Negro, que está marcado em azul mais escuro, praticamente toda a sua calha já protegida por áreas protegidas de diferentes modalidades, de diferentes níveis: municipais, estaduais e federais. Existe já uma iniciativa, o Prof. Carlos Durigan, que está aqui, que é conselheiro da IUCN, participa disso, ele mora em Manaus, já temos várias conversas começadas e outras para continuar - não é, Carlos? -, em que a gente quer trabalhar isso de uma forma integrada, e, possivelmente, inclusive, incluindo a parte do rio que adentra até as reservas indígenas, e já tivemos uma conversa preliminar com a nossa Fundação Nacional do Índio. E também os colombianos Martin von Hildebrand, que o senhor deve conhecer, já esteve aqui na semana passada nesta reunião, querendo conversar uma continuidade disso em território colombiano também, que, para nós, seria um prazer. |
| R | Outra iniciativa sobre a qual estamos conversando refere-se ao que temos aí marcado em uma mancha mais clara? é o que chamamos de Pantanal mato-grossense, El Gran Chaco, parte boliviano, parte peruano, e, em sua maior parte, brasileiro. Seguindo para o norte e para o noroeste, nós temos a calha do Rio Guaporé, que faz a divisa do Brasil com a Bolívia, que é uma área extremamente rica em biodiversidade, é quase uma continuidade de um Pantanal, só que muito menos explorado. Na reunião que nós tivemos em Letícia, conversamos com os colombianos, que se mostraram muito interessados em fazer um trabalho conjunto. Então, nós estamos trabalhando essas iniciativas. Há outras, mas eu queria dizer que essas são as principais. O que estamos buscando aqui é uma mudança de escala divisão, ou seja, nós precisamos começar a pensar nesses grandes blocos de uma forma que seja realista em relação a que essas áreas todas têm conectividades, problemas e soluções conjuntas. Não adianta resolvermos um problema, por exemplo, só do Parque Nacional do Pantanal, que está ali em vermelho, que hoje é um sítio do patrimônio mundial, porque ele depende de toda a bacia hidrográfica. Então, o entendimento do trabalho, que passa a ser algo que nós temos que ter como um ideário, como uma ideia... A ideia da conectividade não é apenas uma realização, mas é um conceito que tem de ser admitido por todos, e a sua aplicação tem de ser discutida com todos, porque cada passo que se dá tem alguma implicação, favorável ou desfavorável, em diferentes setores da sociedade. Ele é político e também é um pacto que precisa, integradamente e juridicamente, de uma forma justa, satisfazer os anseios da sociedade. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Passo a palavra agora ao eminente Ministro Éverton Lucero, Secretário Nacional para Mudanças Climáticas e Florestas do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. O SR. ÉVERTON LUCERO - Muito obrigado, Sr. Desembargador Antônio Souza Prudente, por meio de quem cumprimento os demais colegas da Mesa. Senhoras e senhores, boa tarde. Eu gostaria de começar a minha contribuição a este evento retomando a citação que foi feita pelo honorável Ministro Duberli Rodriguez do pensador latino-americano Eduardo Galeano, quando disse - repito: "A natureza se cansa e pode morrer assassinada". Essa percepção é especialmente válida quando nós passamos a estudar o caso específico do Bioma amazônico e a trazer um novo elemento à consideração, que foi mencionado pelo meu colega José Pedro, que é o elemento da vulnerabilidade desse ecossistema, desse bioma: a mudança do clima. Muitos têm a noção de que, entre as principais fontes causadoras do efeito estufa planetário, está o desmatamento. De fato, no Brasil, pelo próprio perfil de emissões do País, em que temos, da parte de energia, geração de energia, uma matriz relativamente limpa com fontes renováveis, sobretudo de fontes hidrelétricas, desponta o setor de mudança de uso da terra e florestas como um dos três setores que mais contribuem para o perfil de emissões, para as emissões do País. Os outros são energia e agricultura. |
| R | Mesmo assim, é importante ter presente que, de acordo com a ciência no âmbito global, com o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, a principal fonte das emissões, portanto, a principal causa da mudança do clima, do efeito estufa, é e continua sendo a queima dos combustíveis fósseis. Portanto, as florestas acabam sendo afetadas negativamente por emissões de outras fontes, por exemplo, energia, transporte, indústria, e isso nos coloca como questão absolutamente prioritária olhar para a floresta da perspectiva da capacidade adaptativa, de como a floresta precisa se adaptar à mudança nos padrões climáticos. Se não fizermos isso, corremos o risco de ter uma perda considerável da cobertura florestal ao longo deste século. Para olharmos essa perspectiva da vulnerabilidade das florestas à mudança do clima, é importante entender o que se considera, quais são os indicadores, digamos assim, dessa vulnerabilidade. Segundo a ciência, três são os principais indicadores: exposição, sensibilidade e capacidade de adaptação. O que indica a exposição das florestas à mudança do clima se revela em variação nos padrões de inundações e secas, mudanças nos padrões sazonais e interferências diretas do homem sobre o bioma, com alteração do uso da terra, com a poluição ou com a exploração de recursos de modo não sustentável, sobretudo recursos minerais, como também já foi mencionado por esta Mesa. A vulnerabilidade no componente de sensibilidade diz respeito às próprias espécies que vivem na floresta, às condições do solo, à frequência de incêndios, à incidência de pragas, à fragmentação e à conversão de áreas florestais. (Soa a campainha.) O SR. ÉVERTON LUCERO - Por fim, a capacidade adaptativa é muito incerta diante dos dados de que a ciência dispõe até hoje, mas, provavelmente, não é suficiente para permitir que as florestas se adaptem aos níveis previstos de mudança do clima. Como o meu colega Zé Pedro falou, na perspectiva que esperamos não se concretize de haver um aumento tão drástico da temperatura média global até o final do século da ordem de cinco graus, isso seria um cenário devastador, completamente catastrófico, as florestas e os biomas, especialmente aqueles que dependem de maiores recursos hídricos, como o bioma amazônico e as espécies que o compõem, estariam seguramente ameaçadas. Por isso, os nossos esforços no nível global, no âmbito da convenção-quadro da ONU sobre mudança do clima, que inclui a recente adoção do Acordo de Paris, recentemente ratificado por esta Casa do Congresso Nacional brasileiro, que está indicando um esforço da comunidade internacional para que esse aumento de temperatura, até o final do século, não exceda dois graus, com esforço para limitá-lo a um grau e meio, se possível, em relação naturalmente, à média da temperatura global no período pré-industrial. |
| R | Se olharmos apenas para o aspecto da seca, que é um dos indicadores dessa sensibilidade que mencionei, a possibilidade de que a mudança do clima possa aumentar a seca na Amazônia deve ser um motivo de grande preocupação para todos, por conta da consequência com relação ao aumento de incêndios, a destruição da floresta, induzida pelo próprio clima, ou mesmo a grande conversão de áreas florestais em cerrado, savana, com fortes implicações para o próprio clima global, desestabilizando ainda mais o balanço climático. Aqui seria importante ressaltar também a importância de práticas locais e que envolvam o fortalecimento de instituições locais e regionais para o desenvolvimento de soluções localmente apropriadas. Nesse aspecto, acredito que há um interesse particular dos operadores de Direito no sentido de construir uma responsabilidade jurídica institucional pela adaptação da floresta, tendo em conta esse cenário possível. Existe ainda uma lacuna com relação a isso, e precisamos nos debruçar mais em desenvolver essas respostas que deem o embasamento jurídico necessário para promover a adaptação. A melhor integração das políticas de adaptação e mitigação nas florestas é absolutamente necessária de forma integrada nos níveis local, nacional e internacional. Aqui no Brasil, temos implementado algumas políticas, tomado algumas iniciativas, formulado soluções e discutido com a sociedade, com parceiros como promover a adaptação florestal, em particular na Amazônia. A própria Organização do Tratado de Cooperação Amazônico, como ouvimos aqui da sua Secretária-Geral, tem ajudado nessa formulação ao reunir os diversos países da Bacia do Amazonas para a busca de soluções conjuntas. O Ministério do Meio Ambiente tem promovido uma discussão a respeito da conectividade de paisagens e corredores ecológicos, como nos foi apresentado aqui também pelo Zé Pedro. Não preciso mencionar, entrar em detalhes. Estamos desenvolvendo um projeto de prevenção de incêndios com base em um projeto bem-sucedido de cooperação internacional com a Alemanha, que deve resultar na construção de uma política nacional de prevenção e controle de incêndios florestais. Temos trabalhado também a questão da regeneração da cobertura nativa de vegetação. Entre as medidas que apoiarão a consecução da contribuição que o Brasil declarou ao Acordo de Paris, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 para múltiplos fins e restabelecer 15 milhões de hectares adicionais de pastagens degradadas também até 2030, além de promover sistemas integrados de plantação agrícola, pecuária e silvicultura. No momento, nos dedicamos a desenvolver uma estratégia nacional para apresentar à sociedade brasileira e ao resto do mundo como o Governo pretende levar adiante a implementação dessas metas. Essa estratégia está no momento, como eu disse, em formulação e em discussão justamente com os setores da sociedade interessados, por intermédio do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que institucionalmente faz essa relação do Governo com a sociedade. Temos consciência de que há custos associados a cada uma dessas ações e esses custos, diante de uma circunstância de limitação orçamentária, tivemos, como deve ser do conhecimento dos senhores, uma emenda constitucional que limita o aumento do gasto público pelas próximas duas décadas aqui no Brasil. Portanto, nós sabemos que esse quadro não permite que nós possamos contar com custos oriundos dos cofres públicos unicamente para implementar toda essa agenda necessária. |
| R | É preciso incentivar o estabelecimento de uma economia baseada na floresta, que valorize a floresta em pé e que valorize o recurso ambiental e os serviços que são prestados pela floresta, tanto para o clima, quanto para recursos hídricos, para agricultura e, portanto, para o Planeta. Um estudo recente que foi encomendado pela coalizão Clima, Florestas, Agricultura, estima que a recuperação desses 12 milhões de hectares a que me referi até 2030 exigiria entre US$10 e 16 bilhões. Do ponto de vista de uma economia florestal, há duas formas de olhar para esse montante: como um custo, um ônus, ou uma oportunidade de gerar empregos, atrair investimentos, aumentar as receitas do próprio Poder Público e a arrecadação de impostos. Há uma indicação de que a implementação dessa agenda pode gerar até 215 mil empregos diretos no setor florestal. Temos ainda a perspectiva de incentivar o manejo florestal sustentável como ferramenta útil, importante, para, por meio do georreferenciamento do aproveitamento dos recursos da floresta, combater práticas ilegais. Para concluir, eu gostaria de dizer que a adaptação da floresta, em particular do bioma Amazônico, nos oferece, portanto, essa oportunidade para melhor gestão e conservação das florestas assim como as florestas fornecem os serviços essenciais do ecossistema que contribuem para reduzir a vulnerabilidade, a mudança do clima, não só da própria floresta, mas também da sociedade além da floresta. E aí cabe destacar o setor agropecuário, que depende da manutenção da floresta para obter os recursos da natureza que permitam a continuidade do próprio negócio. Tais vulnerabilidades não resultam de uma relação causa-efeito direto do setor florestal. Precisamos lembrar, e reitero o que falei no início, que a principal fonte de emissões antropogênicas, causadoras do efeito estufa, continua sendo o uso indiscriminado de combustíveis fósseis, e essa é a principal causa que tem efeito sobre a vulnerabilidade das florestas. Nós temos, no entanto, boas expectativas de que as vulnerabilidades das florestas serão reduzidas se o Acordo de Paris, a que me referi, for devidamente implementado e os objetivos de limitar o aumento da temperatura forem devidamente cumpridos. A mobilização de fluxos financeiros adequados para a gestão florestal sustentável e para o desenvolvimento de uma economia florestal resiliente é, no nosso entendimento, fundamental para o sucesso desses nossos esforços comuns. Por aqui encerro a minha participação e agradeço muito pela oportunidade de poder contribuir para essa discussão. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Agradeço as ilustres presenças dos palestrantes neste módulo. |
| R | Seguindo a programação ainda, com a graça e a oportunidade que a providência ambiental me deu, nesta visão holística do meio ambiente - isso aqui também é meio ambiente congressual - recebi aqui a determinação de continuar com os trabalhos. Neste momento, teremos 15 minutos para discussão. Os participantes que quiserem colocar alguma questão dentro dessa temática têm a palavra. Para quebrar a timidez, porque na verdade eu não a tenho, peço vênia, eu gostaria logo de fazer o encaminhamento, depois dessas falas ilustres sobre a proteção do bioma amazônico. E, na linha das conclusões do Acordo de Paris, COP 21 - o Ministro Lucero sabe o quanto lutamos para estar lá presentes, representando o nosso TRF da 1ª Região -, eu gostaria, com prazer, de dar essa informação aos ilustres participantes deste evento. O nosso Tribunal Regional Federal da 1ª Região construiu uma jurisprudência, lamentavelmente equivocada, no sentido de incentivar o desmatamento ambiental na Amazônia, na medida em que os agressores da Floresta Amazônica, ilegalmente derrubando a floresta, através de serra elétrica, trator de esteira e caminhões que transportam - a doutora sabe muito bem, os colegas da Amazônia - ilegalmente a madeira assim obtida... O nosso TFR nomeava, como fiel depositário, o próprio agente criminoso dos instrumentos do crime ambiental. E nós agora chegamos a uma reformulação dessa jurisprudência. Não é possível devolver a arma do crime ao agressor ambiental, porque ele vai voltar a delinquir, vai voltar exatamente a derrubar a floresta. E assim temos, acredito, dado um basta a essa atividade que contribui sobremodo para o aumento do desmatamento da Amazônia e para o desequilíbrio climático do Planeta. Portanto, aos senhores gostaria de aqui, ao fazer essa comunicação, já deixar o espaço aberto para outras perguntas. Fiquem à vontade. Pois não, doutor, com a palavra. O SR. PAULO ANAISSE - Eminente Desembargador, apenas complementando o que o senhor acabou de mencionar, gostaria de lembrar que a jurisprudência também do Tribunal Regional Federal da 1ª Região é no sentido de que, se o instrumento utilizado na prática da infração ambiental não tiver sido apreendido em reincidência ou ainda a sua utilização não se dê unicamente para a atividade realizada da infração ambiental, a determinação inclusive é da liberação do bem apreendido administrativamente. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Antônio Souza Prudente) - Essa era a jurisprudência dominante. V. Exª tem razão. E mudamos exatamente por isso, porque ninguém adquire um caminhão para declarar no órgão de trânsito que está adquirindo o caminhão para praticar crime ambiental. Portanto, essa premissa de que é necessário identificar a vocação do instrumento para o crime ambiental não se sustenta. Ademais, a legislação ambiental é clara: o órgão de fiscalização ambiental deve nomear como fiel depositário pessoa idônea. Para ser fiel depositário tem que ter idoneidade, e não colocar uma serra elétrica ou um trator que derruba floresta nas mãos de um infiel depositário, que vai voltar a delinquir. Então, essa é a nova jurisprudência da Corte. É exatamente isso que estou comunicando a V. Exª, e essas decisões estão sendo veiculadas agora na nossa Revista do TRF. Contamos com a reflexão também dos ilustres magistrados da Amazônia que aqui estão presentes. Muito obrigado. Os senhores têm a palavra. (Pausa.) Então, se não há mais perguntas a serem formuladas, nós vamos dar um intervalo para o cafezinho. E, às 16h15, retomamos o trabalho. Espero que esteja aqui na direção dos trabalhos o seu titular. Se não estiver, eu vou deixar as minhas liminares aguardando um pouquinho, trabalharei mais um pouco durante a noite, e estarei à disposição da Presidência desta Casa. Muito obrigado. (Reaberta às 14 horas e 48 minutos, a reunião é suspensa às 15 horas e 46 minutos.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Passamos agora, senhores, à última mesa redonda desse colóquio, com a temática sobre desenvolvimento ecologicamente sustentável, áreas protegidas, reservas indígenas e outros instrumentos legais: uma análise comparada. Convido para tomar assento à Mesa Diretora dos trabalhos o eminente ex-Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre, Dr. Sammy Barbosa Lopes; também o Sr. Ministro Pablo Tinajero Delgado, da Corte Suprema do Equador; o Sr. Ministro César de las Casas, Diretor Executivo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica do Peru; o Dr. Cláudio Maretti, Diretor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Considerando que o Sr. Presidente do Instituto Colombiano de Direito Ambiental está com o voo marcado praticamente nesse horário próximo, vamos inverter a ordem das falas nesta pauta, e eu vou passar logo a palavra a S. Exª o Dr. Luis Fernando Macias para se pronunciar. O SR. LUIS FERNANDO MACIAS (Tradução simultânea.) - Boa tarde. Muito obrigado, Antonio, Cláudia e a equipe das Nações Unidas no Quênia pelo apoio na parte logística, e muito obrigado, Sr. Presidente, por me permitir falar antes. Brevemente, a Colômbia, neste assunto de áreas protegidas ambientais territórios indígenas, desenvolvimento sustentável, é um país que tem uma certa tradição. |
| R | Eu vou fazer uma leitura prévia de um texto que, sempre que eu leio, me surpreende bastante. É um autor - em breve vou dizer quem é - que começa o texto fazendo referência a todo o problema do desmatamento, ao problema das águas, da instabilidade, para dizer o seguinte: as considerações anteriores não foram atendidas entre nós, e nós procedemos nesse assunto com uma grande imprevisibilidade. Temos acabado com o nosso patrimônio e, com essa conduta, temos perdido o vínculo de solidariedade com as gerações futuras. O desenvolvimento sustentável fica muito claro, mas o interessante é que isso foi escrito em 1897, por um jurista colombiano, fundador de uma universidade, em um texto que se chama: "A história e a propriedade privada na Colômbia". Foi escrito naquela época. Nós mostramos, assim, como a Colômbia tem uma tradição no assunto. Lá para os anos 40, foi declarada uma reserva natural protegida na zona amazônica do país, chamada de Macarena. No ano de 1959, com a Lei nº 2 daquele ano, foram criadas reservas florestais em boa parte do país. Essas reservas florestais foram criadas e também parques nacionais naquela época. E, nos debates relativos a essa lei, se fazia referência a um aspecto: a necessidade de se preservar uma parte do território do país do processo de colonização que estava ocorrendo. Aquela época foi o começo de um período muito específico do país, um período de violência entre os liberais e conservadores, que terminou mais ou menos naquela época. E, nesse momento, gerou-se uma abertura para se falar nesse tipo de assunto. No ano de 1974, foi emitido o Código de Recursos Naturais Renováveis, consagrando as reservas florestais e as áreas de manejo especial. Essas áreas de manejo especial, posteriormente, com a Convenção de Biodiversidade, vimos que tinham as mesmas finalidades, as mesmas características que essa convenção. As áreas de manejo especial são todas aquelas que formam o sistema de parques nacionais especiais na Colômbia. Foram estabelecidos distritos de manejo integrado ou de gestão integrada, que são uma maneira de fazer o ordenamento do território, e também distritos de conservação do solo, áreas de recreação, e também de ordenamento de bacias. Isso tudo foi criado e, depois, em 1991, com a Constituição, esses princípios que estavam no Código de Recursos Naturais passaram a ter um status constitucional. Através de cerca de 90 artigos, foi instituída uma série de disposições ambientais que protegem a biodiversidade do país, os recursos naturais do país, os parques naturais, e também concedem aos povos indígenas o direito de administrarem os seus recursos naturais. Além disso, em consequência desses princípios e do fato de a Colômbia ter criado uma Constituição que faz referência específica a um Estado pluralista e democrático, a Colômbia também garantiu os direitos de comunidades afrodescendentes, como a comunidade raizal - de uma ilha específica, que talvez vocês conheçam -, e também foi instituída uma lei para os ciganos, os rom. |
| R | Houve sentenças a respeito dos direitos de consulta das comunidades indígenas. Os direitos das comunidades indígenas foram sustentados pelo Tribunal Constitucional, dizendo que a consulta prévia é um dos principais instrumentos internacionais para enfrentar a discriminação e promover a sobrevivência das comunidades étnicas, além de garantir a preservação dos recursos naturais por parte das comunidades. O Tribunal Constitucional também proferiu sentenças com relação às áreas protegidas da Colômbia. Mais recentemente, no ano passado, emitiu uma sentença protegendo os umidais, as terras úmidas. E o mais interessante é que, com relação às atividades de mineração e de exploração de madeira, estas não seriam aceitáveis nessas áreas, porque iam contra a proteção ambiental, e a proteção ambiental deveria vir sempre em primeiro lugar. Portanto, não poderia haver exploração de hidrocarbonetos e mineração nessas áreas - não a exploração de madeira, mas sim de hidrocarbonetos. Assim, a Colômbia vem fazendo muitas coisas. E isso, é claro, acabou tendo efeitos nos investimentos estrangeiros. Mas há outro aspecto. Esse equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento tem gerado alguns conflitos nas comunidades. Fala-se que não existem garantias de investimento, mas, por outro lado, se diz muito que a proteção ambiental, como eu já disse, deve vir em primeiro lugar. Há setores da comunidade que se organizaram para fazer consultas populares e proibir as atividades de exploração de petróleo ou de mineração em seus Municípios. O argumento contrário a isso é que o subsolo é da nação, mas o tribunal reconheceu às comunidades o direito de decidir quanto a isso; de decidir se querem ou não proibir esse tipo de exploração. Agora, é muito importante dizer que a Colômbia está, neste momento, em uma fase pós-conflito. Então, existe uma série de leis sendo estabelecidas com relação à ocupação do território, com relação a projetos agrícolas e com tudo o que tenha a ver com o processo de paz; um processo de paz que tem também muitos inimigos e que está também debilitado, pelo fato de que o tribunal teve, recentemente, uma grande mudança de magistrados, o que atrapalhou as coisas. Muitas terras que antes não podiam ser passíveis de desenvolvimento hoje foram abertas para serem exploradas economicamente, já que o processo de mobilização que existia do grupo armado, que não existe mais, agora permite que isso aconteça. A Colômbia tem muitos desafios nesse assunto; desafios que são aqueles do desenvolvimento sustentável num momento particular da história do país. Depois de 50 anos, o país está tentando conseguir viver em uma situação de paz, em que, justamente, o desenvolvimento sustentável será o grande desafio. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Dr. Samy Barbosa Lopes. |
| R | O SR. SAMY BARBOSA LOPES - Muito boa tarde a todos, senhoras e senhores. Eu gostaria de cumprimentar a Mesa, na pessoa do eminente Desembargador Federal Antonio Souza Prudente, e dizer, Sr. Presidente, da enorme satisfação de estar aqui, nesta tarde, tendo a oportunidade de participar de um evento dessa envergadura, de dimensões internacionais. Eu não poderia, então, deixar de agradecer ao Senador Jorge Viana, Senador pelo meu Estado, o Acre, formulador do convite, e também ao meu amigo dileto, pessoal, e professor Herman Benjamin, uma personalidade de amplitude internacional na defesa do meio ambiente, na difusão do direito ambiental. Eu fui incumbido também, agora há pouco, por telefone, da missão de apresentar as escusas do Senador Jorge Viana, que, dado o momento particular por que o País atravessa, foi convocado para uma reunião de urgência e pediu que eu manifestasse estas escusas, esta justificativa de sua ausência neste plenário. Eu penso, Sr. Presidente, que o convite que me foi formulado para estar aqui nesta tarde e falar a uma plateia tão seleta quanto esta se deva ao fato de vir eu de um Estado que está no coração da Amazônia, o Acre, que é um Estado eminentemente florestal. Praticamente 90% do território do Estado do Acre é ainda de cobertura florestal originária. Trago, portanto, em brevíssima participação, alguns pontos de reflexão a partir desse olhar de alguém que vive a realidade amazônida, alguém que vivencia as dificuldades, os dilemas aqui debatidos ao longo deste profícuo evento. Um desses pontos de reflexão me parece que emerge de forma muito clara, ao longo de todo este evento, que é o fato de que o problema crucial do Brasil não está na ausência, na escassez ou na baixa qualidade dos nossos marcos legais em questão ambiental, mas no desafio diário de executá-lo, de se fazer cumpri-lo, em um País que já nasceu como colônia de exploração de suas riquezas ambientais, por parte da metrópole europeia, e se desenvolveu a partir de um modelo de latifúndio, as capitanias hereditárias. Diante disso, nós temos diversos desafios, e eu apontaria, para reflexão deste seleto Plenário, dois, como ponto de partida. O primeiro é enxergar e fazer ver-se a floresta não como um obstáculo ou empecilho ao desenvolvimento, como alguns apontam, principalmente aqueles ligados ao agronegócio, mas, pelo contrário, como uma grande riqueza... (Soa a campainha.) |
| R | O SR. SAMY BARBOSA LOPES - ...como um grande patrimônio, fonte de riquezas, principalmente para um Estado pequeno, pobre, distante dos grandes centros produtores, dos grandes centros consumidores, dos grandes centros de poder, como é o Estado do Acre. A floresta vista como um diferencial estratégico que só nós possuímos. Temos lá o maior manancial do Planeta em termos de água potável; temos lá, como já foi mencionado hoje pela manhã pelo eminente Ministro Luís Roberto Barroso, fontes de energia renovável, de energia limpa. Outro desafio, Sr. Presidente, não menor que esse, com que nós, principalmente na instituição que eu integro, o Ministério Público, nos deparamos diariamente e que constitui o grande dilema,... (Soa a campainha.) O SR. SAMY BARBOSA LOPES - ...quando tratamos desse tema, é garantir cidadania e oportunidades às populações tradicionais que residem, historicamente, no interior da floresta e vivem em perfeita simbiose com ela: índios, ribeirinhos, seringueiros... Hoje pela manhã, o Ministro Barroso, na aula magistral com que nos brindou, proferiu uma frase, que eu pincei, no sentido de que demarcar terras indígenas - disse o Ministro da nossa Suprema Corte - tem relação direta com a preservação ambiental. Outras preocupações, Sr. Presidente, que foram mencionadas ao longo deste evento e que dizem respeito diretamente à história do Estado do Acre e também à nossa atuação institucional referem-se aos assassinatos de ambientalistas. No Estado do Acre, nós tivemos um fato histórico, que foi o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, que repercutiu internacionalmente. E eu tenho atuado, principalmente ao longo dos anos 90, na atuação de combate a grupos de extermínio, que existem naquela região da Amazônia, desde o final dos anos 70 aos anos 90, notadamente como efeito colateral da transição do modelo econômico do extrativismo vegetal para a pecuária na Amazônia. Então, esse é um ponto muito sensível para a Amazônia, muito sensível para o Estado do Acre e, de forma muito particular, muito sensível ao Ministério Público. Outro ponto de preocupação que também foi mencionado ao longo deste evento diz respeito às perspectivas atuais, nesta quadra da história, de visível retrocesso em diversos temas e em diversos setores. E aqui eu elencaria, apenas a título ilustrativo, a questão indígena, a demarcação de terras indígenas, a ampliação da fronteira agrícola no nosso País, e principalmente o avanço da monocultura na Amazônia, que são temas com que nós nos temos deparado diariamente naquela região. Então, são esses os brevíssimos pontos de reflexão que eu traria como uma modesta contribuição a este brilhante evento, mais uma vez agradecendo o convite e a oportunidade, em nome do Ministério Público do Estado do Acre, em nome de todo o povo do Estado do Acre. Muito obrigado. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Concedo a palavra ao eminente Ministro Pablo Tinajero Delgado, da Corte Suprema do Equador. O SR. PABLO TINAJERO DELGADO (Tradução simultânea.) - Obrigado, Sr. Desembargador. Muito gentil. Antes de mais nada, boa tarde a todos e a todas. Gostaria de agradecer o convite que foi feito para participar deste evento importante. Eu tenho certeza de que ele é de benefício para todos que estão aqui presentes. Pediram-me que fizesse uma breve análise da situação do Equador com relação às áreas protegidas e aos territórios indígenas. Então, devo começar dizendo que o Equador é, eu acredito, um dos pioneiros da América do Sul e talvez do mundo a consagrar na Constituição os direitos da natureza. A nossa Constituição, em 2008, aprovada por consulta popular, nos arts. 71 a 74, desenvolve os direitos da natureza. Devido ao tempo e ao espaço que temos aqui, não posso me deter em cada um desses pontos, mas posso destacar alguns dos pontos que eu considero os mais importantes, entre eles: o respeito integral à existência, à manutenção e à regeneração dos ciclos vitais, às estruturas e funções de processos evolutivos; o direito de toda pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade de exigir o cumprimento dos direitos da natureza; o direito da natureza à restauração, independentemente da obrigação do Estado; e os aspectos particulares de indenização. Assim também, o Estado tem a obrigação de estabelecer os mecanismos mais eficazes para alcançar a restauração, assim como de adotar as medidas adequadas para eliminar ou mitigar as consequências ambientais nocivas. Assim também, é obrigação do Estado aplicar medidas de precaução e restrição de atividades que possam levar à extinção de espécies, à destruição de ecossistemas ou à alteração permanente dos ciclos naturais. Também devo referir-me ao fato de que as pessoas, comunidades, povos e nacionalidades têm o direito de se beneficiar de um meio ambiente e das riquezas naturais que os permitam viver bem. Hoje de manhã, se não me engano, falaram sobre Pachamama, que é uma visão das nossas comunidades e povos indígenas com relação ao mundo. Sobretudo, eu gostaria de destacar um fato muito importante: as comunidades indígenas, nas nossas culturas ancestrais, não podem olhar para o mundo e a natureza sem considerar o homem dentro dela, e eu acredito que no mundo ocidental - com todo o respeito eu digo isso - nós nos afastamos desse conceito. Às vezes, vemos a natureza avessada ao homem, sem considerar que nós somos parte dessa natureza. Também é necessário referir-nos ao fato de que os serviços naturais não são suscetíveis à aprovação. Então, com relação aos territórios indígenas, também a Constituição inclui certas normas, entre elas os direitos da propriedade comunitária e suas características de serem inalienáveis, imprescritíveis. |
| R | As terras comunitárias são isentas de pagamentos de impostos e taxas. Um fato e uma obrigação muito importantes que são estabelecidos pela Constituição se referem à consulta prévia, livre e informada sobre toda ação que afete os recursos não renováveis e que possa afetar, seja de forma ambiental ou cultural. Adicionalmente, com relação aos territórios indígenas e ancestrais, há obrigação de conservar e promover as práticas de manejo da biodiversidade e seu entorno natural, há proibição de serem retiradas de suas terras ancestrais os povos indígenas e as comunidades indígenas. E também há obrigação de manter, proteger e desenvolver os conhecimentos coletivos, a sua ciência, tecnologias e conhecimentos ancestrais. Um dado muito interessante e muito importante é o fato de que, no dia 12 de abril de 2017, isto é, há pouco mais de um mês, foi publicado no registro oficial, no Diário Oficial, o novo Código Orgânico do Meio Ambiente, que basicamente estabelece o novo regime ambiental num único corpo legal. E, evidentemente, desenvolve esses conceitos, esses princípios que eu rapidamente mencionei aqui, constitucionais, na legislação. O nosso Código do Meio Ambiente, nos seus arts. 37 e 54, estabelece principalmente um sistema nacional de áreas protegidas, como funcionam esses sistemas nacionais de áreas protegidas, os objetivos, os princípios, a forma de declaração das áreas protegidas, as categorias de manejo, as ferramentas para sugestão e, adicionalmente, estabelece quatro subsistemas, que são o subsistema estatal, o subsistema autônomo descentralizado, o subsistema comunitário e o subsistema privado. Assim, também regula a delegação de áreas naturais, a participação e a coordenação com a comunidade e com a população, a expropriação e a proibição de invasões; o regime de propriedade e posse estabelece um registro, um cadastro de áreas protegidas. E três aspectos que eu acredito serem muito importantes na prática: tudo que se refere às atividades de turismo e lazer em áreas protegidas; a realização de obras, projetos ou atividades públicas de forma geral nessas áreas protegidas; e também a proibição de atividades extrativistas. Para concluir essa minha rápida intervenção, não posso deixar de me referir a um fator muito importante: quinta que vem, depois de amanhã, no dia 25 de maio, nós estaremos cumprindo no Equador o primeiro ano do aniversário da vigência do nosso Código Orgânico Geral de Processos. Esse Código Orgânico Geral de Processos substituiu todas as normas processuais vigentes no Equador, salvo a parte penal, e juntou tudo num único documento, estabelecendo o cumprimento do mandato constitucional e o sistema oral em todas as matérias, em todas as instâncias, em todos os graus. |
| R | O Código - e nisso eu resgato o seu valor em termos do aspecto ambiental - consagra a representação da natureza e o defensor do povo, uns dos aspectos mais importantes que precisavam ser concretizados, para obter aplicabilidade das normas dos direitos da natureza. Também estabelece a impossibilidade de fazer qualquer tipo de processo contra a natureza e estabelece medidas remediadoras, restauradoras e reparadoras de danos ambientais, assim como que sua implementação seja submetida à autoridade ambiental nacional; e também proíbe a dupla recuperação de indenizações. Obrigado, Sr. Desembargador. O SR. PRESIDENTE (Antonio Souza Prudente) - Eu registro aqui a presença do ilustre Senador Cristovam Buarque, a quem convido para compor a Mesa e presidir os trabalhos daqui para frente. O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Boa tarde a cada um e a cada uma. Lamento que os nossos dias aqui estão muito conturbados. Então, ficamos sem um Senador que pudesse presidir. Eu também estava muito envolvido numa discussão muito tensa bem pertinho, mas, felizmente, deu para chegar aqui. Eu quero assumir essa coordenação e passar a palavra ao Ministro César de las Casas, que é Diretor Executivo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), do Peru. O SR. CÉSAR AUGUSTO DE LAS CASAS DÍAZ (Tradução simultânea.) - Boa tarde a todos e todas. Primeiramente, obrigado, Senador Cristovam Buarque, por me passar a palavra. Eu gostaria de saudar todos os colegas que estão presentes na Mesa e todos os que estão presentes na sala. Agradeço ao Ministro Herman, que teve a gentileza de nos convidar para participar deste evento. Vamos apresentar agora de tarde, brevemente, o tema "Iniciativas de conservação regional e transfronteiriça na Região Amazônica", dentro do marco da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. A Secretária-Geral da Organização falou na reunião anterior e já apresentou as características principais da Organização. Eu simplesmente gostaria de destacar, com relação à importância que a Amazônia tem para a região e para o mundo, que estamos falando da maior floresta tropical que existe no mundo, estamos falando de uma região que tem grande potencial hídrico e que, devido ao seu grande tamanho, ao estado dos seus ecossistemas e à sua localização, a Amazônia é um provedor natural de serviços ecossistêmicos como a ciclagem de ventos, regulação de água e controle climático. |
| R | Estima-se que quase 10% da reserva mundial de carbono armazenado na biomassa terrestre, cujo lançamento na atmosfera podia acelerar de forma significativa o aquecimento global... Nesse território, vivem aproximadamente 33 milhões de pessoas, na Pan-Amazônia. Existem aproximadamente 385 povos indígenas, muitos dos quais vivem em isolamento voluntário, com seus próprios idiomas, e dependem quase que totalmente dos recursos naturais fornecidos pela natureza. Apesar de seu valor relevante, grandes pressões ameaçam hoje em dia a integridade desse território, como é o caso do desenvolvimento da infraestrutura, extração de petróleo e mineração, e agroindústria, que levam à contaminação das águas, com altos níveis de mercúrio, desmatamento, deslocamento de comunidades indígenas para outros territórios e, de forma geral, à pobreza. Mesmo quando várias experiências tentam lidar com as pressões, esforços ainda são insuficientes, de forma tal que é importante, a partir dos resultados de iniciativas bem-sucedidas de conservação como as apresentadas aqui, assim como outras que não estão presentes nos documentos desta tarde, que os países da Bacia Amazônica promovam acordos regionais e setoriais, para que o planejamento e o desenvolvimento econômico sejam baseados em princípios que garantam a proteção da Amazônia como a grande reserva de vida para os que vivem e dependem diretamente dela, assim como para o Planeta. As comunidades da Amazônia enfrentam vários desafios e problemas para alcançar, manter e conseguir ter um equilíbrio efetivo social, econômico, ambiental e de desenvolvimento social sustentável na nossa região. Sem dúvida, isso terá repercussões no resto do Planeta. As florestas e águas amazônicas não veem fronteiras, vão além de qualquer divisão política, já que têm a interconexão de uma série de ecossistemas que, com comunidades tradicionais, indígenas e numerosas espécies de flora e fauna, fornecem serviços e funções ecossistêmicas que são fundamentais para a vida. Num esforço para abordar esses desafios, os países da Região Amazônica se juntaram e estabeleceram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), com a missão de ser um fórum permanente para o desenvolvimento sustentável na região. Ao longo dos 39 anos desde a assinatura do tratado, os países-membros têm trabalhado para fortalecer a gestão dos sistemas nacionais de áreas protegidas, com um enfoque ecossistêmico e contribuindo para a conservação da biodiversidade num contexto regional, de acordo com a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica. Nesse sentido, eu gostaria de compartilhar com vocês algumas das experiências bem-sucedidas realizadas dentro do Tratado de Cooperação Amazônica, que tem um trabalho constante de visibilidade e posicionamento de experiências bem-sucedidas na região, com relação à gestão de áreas protegidas na Amazônia. Essas experiências contribuem para a implementação do convênio de diversidade biológica, especificamente o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011/2020 e as metas de Haiti, especialmente com relação ao manejo efetivo de áreas protegidas e à redução da pobreza. De forma semelhante, contribuem para cumprir os compromissos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e, em particular, o mais recente Acordo de Paris, no que se refere à redução dos níveis de desmatamento e degradação e à manutenção das florestas como reserva de carbono. |
| R | No marco da OTCA, foi executado o Programa de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Corredor de Áreas Protegidas La Paya-Güeppi-Cuyabeno, onde são observados os resultados de esforços governamentais de coordenação dessas áreas protegidas e suas zonas de influência na fronteira entre Colômbia, Equador e Peru, que conseguiu transcender a coordenação de ações num território mais amplo, fortalecendo o manejo sustentável dos recursos naturais e a governança das comunidades locais. O programa trinacional foi desenvolvido num território fronteiriço localizado no leste da Bacia Amazônica, numa área maior que quatro milhões de hectares. O objetivo era gerar um modo de gestão regional coordenada para a conservação e o desenvolvimento sustentável, no âmbito do programa, para ter incidência sobre políticas ambientais, públicas e setoriais, de âmbito regional e nacional. Esse programa obteve importantes resultados na conservação do bioma da Amazônia, assim como também o fortalecimento da institucionalidade e da governança local, do qual é possível destacar os seguintes resultados: foram criadas novas áreas protegidas; foi permitido, assim, em 2012, ter a declaração de áreas protegidas em aproximadamente 600 mil hectares, representadas pelas zonas de Güeppi, o novo Parque Güeppi-Sekime, e as declarações de duas reservas de comunidade Huimeki e Airo Pai, no Peru, favorecendo a conectividade ecológica e evitando o uso do solo a longo prazo. Também permitiu insumos técnicos para as novas áreas de conservação. Isso, concretamente, é a elaboração de documentos técnicos orientados para obter o reconhecimento do complexo da Lagoa Lagartococha, na fronteira entre Peru e Equador, como um novo local Ramsar, assim como a declaração de uma nova área protegida no Rio Cocayo, localizado na zona de reserva cuyabena da produção de vida selvagem. 3 - Possibilitou a melhoria do hábitat de espécies em três áreas protegidas de influência e foram feitas estratégias para o desenvolvimento sustentável da Bacia do Rio Putumayo, com três sessões principais: o manejo sustentável da pesca do pirarucu em Arahuana; áreas comunitárias da La Paya; e a reserva de produção de fauna em Cuyabeno. 4 - Contribuiu para o fortalecimento da institucionalidade. As instituições vinculadas fortaleceram suas capacidades operacionais e de manejo, melhorando assim o seu trabalho e articulação, e trabalho nas comunidades com outros atores locais. Destaca-se o desenvolvimento de instrumentos de gestão para dar apoio ao planejamento, monitoramento, avaliação, assim como ao plano estratégico. 5 - Foi conseguido o fortalecimento local e comunitário por meio da conciliação de territórios com 50 mil hectares de terra para as zonas de influência da reserva de produção cuyabena, de 35 mil hectares, para seis comunidades indígenas na zona do Parque Nacional de Güeppi. Também foram renovados e estabelecidos novos acordos com comunidades indígenas e de camponeses para o manejo dos recursos naturais. Também foram formulados planos no Parque Nacional do La Paya e foi lançado o ordenamento de turismo, comentário na reserva de produção Fauna Cuyabena. Para concluir, quais são as necessidades e os desafios para o futuro que esse projeto nos apresenta? Por um lado, temos a sustentabilidade econômica. Para garantir a sustentabilidade econômica do programa, é necessário desenhar e implementar mecanismos e projetos de apoio que possam permitir o fluxo constante de recursos para a implementação do plano estratégico do programa e o plano de ação vigente. |
| R | Em segundo lugar, em termos de ordenamento territorial, é necessário avançar com os processos de articulação com os governos municipais para poder fazer os ajustes dos instrumentos de planejamento e de uso do solo que regulamentam as atividades fora das áreas protegidas. Em seguida, há também a consolidação do mosaico para as áreas de conservação. É essencial consolidar estratégias de conservação complementares, nas áreas protegidas, como são os sistemas agroflorestais, a proteção de terras privadas, a restauração de áreas degradadas, como um meio de formar mosaicos de conservação. É necessário fazer uma articulação de visões e de perspectivas territoriais dos atores presentes, entre os quais são citadas 107 instituições com competências e interesses no território, 131 comunidades indígenas e cento e 144 assentamentos de camponeses. É necessário seguir com um trabalho efetivo de articulação, prevenção, controle e vigilância, fortalecendo a relação com as autoridades públicas, gerando redes de apoio social e institucional para a conservação para além do corredor. Assim, também, é necessário avançar com a geração de conhecimento. É importante continuar com as redes de pesquisadores comunitários. Finalmente, é necessário fortalecer a articulação setorial para a sustentabilidade do território estabelecendo acordos setoriais e participando das instâncias de tomadas de decisões. Antes de concluir essa intervenção, gostaria de destacar o esforço que tem sido feito na Secretaria Permanente da OTCA para fazer com que essas e outras iniciativas regionais sejam visíveis, para compartilhar dados e também para mostrar que os desafios que nos enfrentamos são os mesmos. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco/PPS - DF) - Com a palavra o Dr. Cláudio Maretti, Diretor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. O SR. CLÁUDIO MARETTI - Muito obrigado, Senador. Boa tarde a todos! É uma honra para mim estar aqui representando Ricardo Soavinski, Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Falo em meu nome e em nome de todos os servidores. Vou falar sobre áreas protegidas. Com esse enfoque, estarei também representando a Comissão Mundial de Áreas Protegidas da UICN, da qual sou o Vice-Presidente para a América do Sul, e a Redparques, que é a rede latino-americana de lideranças nacionais de áreas protegidas, dos sistemas nacionais de áreas protegidas. Aprendi, neste colóquio, que a proteção da natureza se insere entre os direitos fundamentais das pessoas, dos seres humanos e que a conservação da natureza, a proteção do ambiente, é também uma forma de viabilizar a realização dos demais direitos humanos. Nesse sentido, falar de áreas protegidas me parece fundamental porque não há nada mais eficaz, mais consistente para conservar a natureza, que a humanidade já tenha inventado, do que as áreas protegidas. As áreas protegidas, alguns creem, começaram com um parque nacional, nos Estados Unidos. Outros se lembram que havia já a proteção de recursos, como aqui mesmo no Brasil, proteção na Serra da Cantareira, em São Paulo, na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. Antes disso, obviamente, havia reservas de caça, havia áreas das populações tradicionais. |
| R | Nós estamos hoje muito além desses paradigmas iniciais, do importante paradigma dos parques nacionais e do novo modelo que foi anunciado para o mundo no Congresso Mundial de Áreas Protegidas em Durban, há mais de 10 anos. Esse novo modelo já incorporou que as áreas protegidas podem ser aquelas que, no Brasil, nós chamamos de proteção integral, ou também aquelas que nós chamamos aqui de uso sustentável, que não só são governos nacionais que podem criá-las ou geri-las, e que elas podem inclusive ter modelos de governança pelas populações, pelas comunidades, pelo setor privado, combinações entre governos e diferentes atores sociais. Eu diria que, hoje, para países como o Brasil, e provavelmente é o caso de Colômbia, Peru e outros países amazônicos, que têm um esforço de constituição de um sistema significativo de áreas protegidas e que não são países bem desenvolvidos, abastados, nós precisamos ainda de um novo paradigma. Eu diria que a única solução hoje está através da conservação colaborativa, com a participação efetiva da sociedade para conseguir não só essa aproximação maior, prestar melhores serviços, mas também o apoio da mesma sociedade em momentos difíceis, inclusive alguns dos quais vivemos hoje em dia. As áreas protegidas se definem de diferentes formas. A definição técnica de área protegida mais aceita internacionalmente é feita pela União Internacional de Conservação da Natureza, principalmente através de publicações da Comissão Mundial de Áreas Protegidas. Nessa definição, as áreas protegidas têm que ter como objetivo a conservação da natureza, ou seja, seriam as áreas protegidas no seu sentido mais restrito de conservação da natureza ou o que, no Brasil, nós chamamos de unidade de conservação. Na definição da Convenção sobre Diversidade Biológica, já não há essa mesma perspectiva. As áreas protegidas são aquelas que contribuem para a conservação da natureza. E, nessa perspectiva, nós entramos também no que, no Brasil, se chama de áreas protegidas ou que, no mundo, se chama de áreas protegidas no seu sentido mais lato; e, aí, incluem-se as terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas com território definido, com uma pretensão de gestão em permanência e com uma contribuição à conservação. O Plano Estratégico de Conservação da Biodiversidade definiu ainda, na sua Meta 11, outros mecanismos eficazes de conservação da natureza. E esses outros mecanismos eficazes podem ser o que, no Brasil, já se incorporou dentro das outras áreas protegidas, que são, por exemplo, as reservas legais, áreas de preservação permanente e até áreas militares e outras que resultam em conservação da natureza. Faz falta, obviamente, uma medida de eficácia de avaliação se essas outras áreas que não têm como objetivo conservar a natureza estão de fato contribuindo para esse fim. Nós podíamos também discutir que, na verdade, essa é uma definição obviamente baseada num conceito mais ocidental, onde se pode separar o objetivo de conservar a natureza e defender as populações, comunidades locais, populações tradicionais de extrativistas, povos indígenas, comunidades quilombolas e outros. Obviamente - e a UICN tem recebido demanda dos povos indígenas -, a sua cosmologia pode prever que a conservação da natureza e os objetivos sociais, culturais e, às vezes, até econômicos são obviamente conjugados. |
| R | Não obstante, do ponto de vista da definição de área protegida para conservação da natureza, há que se questionar se essa conservação da natureza é objetivo ou consequência. Nessa perspectiva, não há uma segunda ou terceira categoria em termos de importância, mas diferentes formas de entender a legalidade, a gestão e as consequências. A própria biologia da conservação tem defendido há muito tempo, agora consagrado novamente nas definições internacionais - por exemplo, no princípio da gestão por ecossistemas ou mesmo na conectividade, visão de paisagem que está novamente no plano estratégico da convenção sobre diversidade biológica -, que a conectividade é fundamental. A meta de conservação dos espaços terrestres e águas interiores, definida internacionalmente, é de 17%, com uma série de critérios, inclusive a representação ecológica e a equidade. Entre outros, está também a conectividade. O Brasil se colocou a meta de 30% para a Amazônia, o que é quase o dobro do que é a meta internacional, mas, ao mesmo tempo, insuficiente para proteger a Amazônia. Não obstante, não devemos querer que a Amazônia seja conservada só através de áreas protegidas com objetivo de conservação da biodiversidade - não só através de unidades de conservação tampouco de unidades de conservação mais terras indígenas. (Soa a campainha.) O SR. CLÁUDIO MARETTI - Há um sem número de populações tradicionais que não são consideradas indígenas e que fazem a gestão daquilo que nós poderíamos chamar áreas de conservação comunitária, mormente nas áreas ribeirinhas, nas áreas onde há uma ocupação mais histórica, onde há uma quantidade de pessoas que não permite essa definição de uma proteção voltada para a natureza. Essa conectividade mais importante se torna quando pensamos em mudanças climáticas, quando pensamos não só na contribuição que a Amazônia tem que continuar prestando ao mundo em termos de redução de emissões através da redução do desmatamento, mas também em termos de adaptação. Se a Amazônia não é o pulmão do mundo, ela é aparentemente uma espécie de ar-condicionado e é o que gera, provavelmente, a dinâmica climática e aérea que promove a manutenção da chuva em grande parte do continente. Ora, isso só é feito, dizem os cientistas, quando se protegem pelo menos 60%, 70% da Amazônia em termos de não conversão. E, quando estamos falando em 60%, 70%, obviamente, temos que ter atividades para essas populações tradicionais, mas também atividades econômicas que possam manter a floresta em pé. É importante notar que a perspectiva de que a Amazônia é um bioma internacional e que há necessidade de conectividade foi colocada e debatida no Congresso Latino-Americano de Áreas Protegidas, em Bariloche, a partir do qual a Redparques resolveu iniciar o que nós chamamos a visão amazônica. Essa visão amazônica uniu os dirigentes dos nove países amazônicos, portanto, incluindo a Guiana Francesa, à parceria com a OTCA, com o WWF e outras entidades, inclusive a cooperação da União Europeia e do governo alemão. Hoje, tem sido implementado essa visão amazônica na qual há intercâmbio entre os países. Esse intercâmbio propicia, por exemplo, a identificação de quais são as principais lacunas a se conservar do ponto de vista da representação ecológica, quais são os ecossistemas e as espécies que não estão suficientemente protegidas nos sistemas de áreas protegidas dos vários países amazônicos. |
| R | Mas há elementos que precisam ser aprofundados. Recentemente, identificamos que a mudança climática não era bem considerada na gestão das áreas protegidas individuais e nos sistemas de áreas protegidas e desenvolvemos estudos, com o apoio do WWF e do governo alemão, no sentido de identificar a vulnerabilidade não só da biodiversidade, mas do sistema de áreas protegidas e como eles podem servir à nossa adaptação às mudanças climáticas. Essa perspectiva foi traduzida, por exemplo, numa declaração da Rede Parques à Conferência da Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas em Paris em 2015, na qual demonstrava se propunham que as áreas protegidas fossem um instrumento fundamental não só de mitigação, mas de adaptação às mudanças climáticas. No ano passado, em 2016, tivemos a Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica, que enfocou justamente a questão do enfoque central da biodiversidade, o main streaming, ou seja, a biodiversidade e as áreas protegidas como melhor instrumento para sua conservação a serviço do bem-estar da sociedade, e a Rede Parques novamente produziu uma declaração à Conferência de Cancun nessa perspectiva, nos comprometendo a gerir cada vez melhor as áreas protegidas para servir o bem-estar da sociedade. Ora, nós sabemos que as áreas protegidas são muito importantes quando são identificadas, quando são criadas. A Amazônia brasileira tem demonstrado que mesmo só a sua criação já é efetiva no sentido de desviar interesses, por exemplo, da grilagem e do desmatamento ilegal, mas, obviamente, não é suficiente. Os estudos internacionais científicos têm demonstrado que alguns elementos são fundamentais na eficácia das áreas protegidas. Entre eles está o nível de orçamento de pessoas trabalhando... (Soa a campainha.) O SR. CLÁUDIO MARETTI - ... mas também a integração na governança geral e a perspectiva de participação da sociedade local. O Brasil tem demonstrado através de corredores e mosaicos que essa possibilidade de trabalhar numa visão territorial é positiva. A própria OTCA mencionou aqui a possibilidade de fazer isso de forma transfronteiriça. Quando pensamos em mudanças climáticas, a noção de conectividade tem que ser ampliada. Estamos falando de conectividade não só terrestre, mas aquática e até aérea, porque qualquer definição de conectividade também se aplica à circulação atmosférica, que permite, inclusive, a sobrevivência de certos ecossistemas. Mas a governança e a participação local acredito que estejam entre os elementos principais. O que nós temos é o equívoco, às vezes, de supor que os governos, sozinhos, vão poder gerir as áreas protegidas. (Soa a campainha.) O SR. CLÁUDIO MARETTI - Isso está na demanda da sociedade para os governos e na pretensão dos governos de atuar sozinhos. Por isso, precisamos de uma interpretação da legislação que permita fazer a gestão colaborativa, com parcerias. É a gestão das reservas extrativistas com as populações tradicionais que nela habitam, é a gestão das unidades de conservação em parceria com organizações da sociedade civil, é, inclusive, o turismo desenvolvido nos parques nacionais com concessões, a participação da população local nas equipes de brigadistas contra incêndio e de pesquisa e monitoramento da biodiversidade. Isso permitiria chegar mais próximo de um dos critérios da Convenção sobre Diversidade Biológica, que é a equidade. |
| R | Portanto, para encerrar, eu diria que só através de parcerias nós conseguiremos gerir melhor as nossas unidades de conservação... (Soa a campainha.) O SR. CLÁUDIO MARETTI - ...e outros tipos de áreas protegidas, para servir melhor à sociedade, para que a sociedade nos apoie melhor e defenda mais essas áreas protegidas que hoje estão ameaçadas. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Vamos passar a palavra agora para os debatedores, que poderão falar do lugar onde estão. Eu vou ler os nomes para, depois, explicar o porquê: Juiz Paulo Anaisse, Juíza Mara Elisa Andrade, José Luis Capella, Carlos Durigan, Desembargadora Dawn Gregory-Barnes, Ministra Iris Estela Pacheco Huancas, Patrícia Amorim Rêgo, Ricardo Saucedo, Ministro Roberto Serrato, Raul Telles do Valle. São dez. Eu digo isso porque alguns procuraram a Mesa para dizer que têm de tomar o avião, que têm hora de sair daqui. Isso para passar a palavra, pedindo que tentemos concentrar ao máximo... A campainha vai tocar depois de cinco minutos. Claro que não vamos cortar a palavra de ninguém, se precisar de um pouco tempo mais, mas peço que não se esqueçam de que alguns dos nossos vão ter de viajar daqui a pouco e querem ficar até o final para assistirem ao encerramento. Com a palavra o Juiz Paulo Anaisse, que é de Itaituba, Pará. O SR. PAULO ANAISSE - Obrigado, Senador Cristovam Buarque, Presidente destes trabalhos. Boa tarde a todos. Inicialmente, gostaria de agradecer, em meu nome e em nome dos servidores da Justiça Federal que atuam em Itaituba, no Pará, aos organizadores deste importante evento pelo convite e pela oportunidade de mostrar, ainda que de maneira singela, a atuação da Justiça Federal no sudoeste do Estado do Pará, distante dos grandes centros urbanos e no interior da Amazônia brasileira. Congratulo o Senado Federal pela realização deste encontro. Agradeço especialmente ao eminente Ministro Herman Benjamin pelo convite que me foi formulado. Saúdo todos os demais colegas julgadores que se encontram presentes. Saúdo também servidores, professores, pesquisadores e demais participantes que aqui estão. Pois bem. A subseção judiciária de Itaituba, vinculada ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, possui vara única com competência geral. Entretanto, devido à posição geográfica de sua jurisdição, tem processado número expressivo de demandas relativas ao tema proposto, vale dizer desenvolvimento sustentável, unidades de conservação e direitos indígenas. Eu preparei alguns eslaides, com algumas fotos da região, para que, de maneira mais ilustrativa, possa demonstrar a atuação da Justiça Federal no sudoeste do Pará. Essa é nossa sede, na cidade de Itaituba, Pará. Esta é a cidade de Itaituba, às margens da calha do Rio Tapajós, conhecida como "cidade pepita" devido à exploração mineral de ouro na região. |
| R | A Justiça Federal se encontra aqui presente. Trago um contexto territorial. Peço licença para me deslocar até mais próximo da tela. (Pausa.) Obrigado. Pois bem; neste ponto se encontra a cidade de Itaituba, sede da Seção Judiciária de Itaituba, com jurisdição no Sudoeste do Pará, envolvendo o Município de Novo Progresso, Jacareacanga e Aveiro. No Estado do Pará, mencionado hoje pela manhã, de maneira mais detalhada, o Município de Itaituba, área de jurisdição da Subseção Judiciária, é o Sudoeste do Pará, exatamente nesta área, seguindo o mapa da Amazônia Legal... Exatamente nesta parte da Amazônia. Pois bem; você pode observar por este quadro aqui embaixo a área de jurisdição da Subseção Judiciária de Itaituba, na qual existem unidades de conservação, ou seja, é praticamente toda ocupada por unidade de conservação ou terra indígena. Então, vocês têm as imagens dessas áreas verdes, que são unidades de preservação integral; as áreas em amarelo, de desenvolvimento sustentável; e essas áreas em rosa são terras indígenas. Nas áreas em branco não existe demarcação, justamente às margens da rodovia BR-163 - em seguida tecerei alguns comentários -, cuja posse da terra, a ocupação da terra nessa área é bastante valorizada devido a uma perspectiva de eventual regularização por parte da autarquia fundiária brasileira. A maior parte da jurisdição da SJ é composta por áreas afetadas à preservação do meio ambiente. Na área, principalmente aquela área branca... O nome, inclusive mencionado na região, é a "área branca", exatamente a área que não está afetada à proteção ambiental. Na verdade, a ocupação nessa área ela é valorizada diante de uma possível e eventual regularização por parte do Incra. E exatamente por conta dessa possibilidade de regularização, inclusive para fins de reforma agrária, nós lamentavelmente testemunhamos, e é fato notório, conflitos fundiários no Estado do Pará, especificamente nessa região. Apenas a título de informação nessa região existe uma liminar concedida pelo Juízo da Vara da Subseção Judiciária de Itaituba determinando a proteção dos defensores do meio ambiente pelas polícias locais e federal. |
| R | São diversos os processos criminais que hoje tramitam na subseção judiciária de Itaituba. Os mais, vamos dizer assim, relevantes ou mais frequentes dizem respeito à Lei de Crimes Ambientais, arts. 40 e 40-A, justamente dano à unidade de conservação. Como vocês verificaram, há uma grande quantidade de unidades de conservação ou de área afetada naquela região, como foram bem definidas pelo orador que me antecedeu, e o dano àquela área é tipificado no Direito brasileiro como crime ambiental, nos arts. 40 e 40-A. Existe também na Lei de Crimes Ambientais a tipificação do desmatamento sem autorização de terras públicas ou devolutas, o caso da área branca. Ou seja, embora não esteja afetada, o desmatamento daquelas áreas necessita da autorização da autoridade ambiental, e a violação dessa norma representa a violação do art. 50-A da Lei de Crimes Ambientais. Verifica-se, também, na região, a invasão de terras públicas. Essa invasão de terras públicas, a definição desse crime, está prevista no art. 20 da Lei Agrária e se dá na denominada área branca, como verificado. Normalmente, após a regularização por parte do Incra das áreas, o que se tem verificado muitas vezes é uma reaglutinação delas por determinadas pessoas, o que tem sido capitulado na denúncia formulada pelo Ministério Público como invasão de terras públicas. Existe também - verificamos - usurpação de bens da União. Isso representa, justamente, a retirada da madeira. Retira-se como bem público. Por estar em áreas públicas, é considerado bem da União e, portanto, a sua retirada sem autorização viola a lei de crimes contra a ordem econômica. Neste curto espaço de tempo, gostaria também de tecer considerações a respeito da área da BR-163 e da própria rodovia relativa à escoação da produção de grãos do Mato Grosso. Trata-se de grãos de soja. Devido a estudo, verificou-se que a exportação, utilizando-se o transporte fluvial pela calha do Rio Tapajós até o norte do Pará, para ali ser embarcado em grandes transatlânticos para a China ou passando pelo Canal do Panamá ou mesmo para a Europa, se torna mais barata do que transportar essa soja por rodovia até o Porto de Santos ou de Paranaguá, caso em que os transatlânticos teriam que subir a costa brasileira, o que tornaria mais caro. Isso gerou uma demanda bastante grande nessa rodovia que corta a Amazônia, rodovia que é trafegada nesse transporte de Cuiabá até Santarém. |
| R | Essa rodovia... A soja é embarcada em caminhões nesses Municípios do Estado de Mato Grosso, Sinop e Sorriso, sobe até a cidade de Itaituba, na verdade, até um distrito da cidade chamado Miritituba, onde multinacionais possuem grandes silos de armazenagem dessa soja e realizam o transbordo da soja dos caminhões para os rios, que seguem o Rio Tapajós até o Porto de Vila do Conde, Norte do Estado do Pará, que é embarcado pelo oceano. Isso tem gerado uma pressão ambiental na região. Aqui, essa rodovia ultimamente ocupou o espaço nos telejornais nacionais, é a produção de soja do Estado do Mato Grosso, um dos maiores produtores nacionais, seguindo até os portos de Miritituba. Aqui são os portos, atualmente temos quatro grandes portos operados por empresas privadas, aqui são dois deles. Esses portos ficam na margem oposta da calha do Rio Tapajós. Aqui são as barcaças empurrando as balsas, transportando a soja até o Norte. Aqui eu convido... Só um momentinho. Na verdade, aqui é um vídeo, eu vou passar, devido ao exíguo tempo. Uma outra questão que tem atraído a atenção dos órgãos ambientais na área é a extração de ouro, bastante tradicional na região, que tem ocorrido desde os anos 80, e não por outra razão, a cidade de Itaituba é conhecida como a "cidade pepita". Existem garimpos irregulares na região, o que suscita uma questão social importante, porque há uma grande dependência econômica da extração desse ouro no Município de Itaituba. O que nos leva, também, a uma outra questão ambiental, que é a utilização do mercúrio na extração desse ouro, para separar o ouro dos demais detritos que ali estejam. Esse mercúrio é depositado nos rios, poluindo as águas na região. Aqui é uma trilha, essa fotografia é do nosso setor de oficiais de Justiça, trata-se de uma diligência, é um dos processos que nós atuamos lá, é uma trilha, aqui pode-se verificar que já há uma floresta com mata secundária, essa trilha dá acesso a um dos garimpos - são vários garimpos, aqui é um dos garimpos na região, em que a Justiça Federal determinou uma diligência de intimação das pessoas que ali estavam trabalhando. A exploração do garimpo não se dá apenas dessa maneira, mas também no leito da calha do Rio Tapajós. Isso aqui é uma barcaça, essa barcaça possui bombas bastante potentes que revolvem o fundo do rio, sugando o leito do rio, passando através dos carpetes, onde o ouro fica retido, e a água é devolvido por essa tubulação que segue. Aqui, para finalizar, é uma fotografia capturada por mim, quando navegava pelo Rio Tapajós no sentido da cidade de Santarém. Quis deixá-la aqui como uma mensagem de esperança de um mundo de paz e de respeito aos princípios e valores dos direitos humanos e ambientais. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Passo a palavra à Juíza Mara Elisa Andrade. |
| R | A SRª MARA ELISA ANDRADE - Boa tarde a todos. Exmo Senador Cristovam Buarque, na pessoa de quem eu cumprimento todos os presentes, boa tarde. Eu vou tentar ser breve. Na verdade, eu me preparei acreditando que eu teria um pouco mais de tempo para discutir e para expor para os senhores um pouco da realidade da jurisdição ambiental no Estado do Amazonas, especificamente na vara ambiental na qual eu atuo desde de janeiro de 2015, mas, em razão do tempo, eu vou tentar ser breve e vou fazer a leitura de algumas considerações nesse sentido. Bom, uma das maiores preocupações sentidas durante o exercício da jurisdição ambiental é ausência de efetividade das normas constitucionais e infraconstitucionais na matéria. Apesar de a nossa Constituição consagrar normas protetivas do meio ambiente e das várias leis disciplinando o tema, ainda são muitos os desafios para a sua implementação. Especificamente quanto ao bioma amazônico, o art. 225, da Constituição, no §4º, declara expressamente a Floresta Amazônica brasileira como um patrimônio nacional, cuja utilização far-se-á dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. O Estado do Amazonas é o maior Estado da nossa Federação, o mais rico em biodiversidade, o que possui o maior número de etnias indígenas, o que possui uma das mais importantes bacias hidrográficas do mundo - o Rio Amazonas e todos os seus afluentes e efluentes -, a maior parcela de Floresta Amazônica ainda intacta, em razão até da geografia do Estado, e toda essa riqueza natural merece uma atenção zelosa por parte do Poder Público, que deve sempre buscar conciliar os vários interesses contemplados na Constituição. Apesar de ser Juíza Federal há aproximadamente seis anos, só estou lotada na vara ambiental há pouco mais de dois anos e, no tempo no qual eu estou me dedicando diariamente a conhecer cada vez mais a matéria, justamente por tutelar um bem jurídico fundamental à existência humana, no meu imaginário eu acreditava que bastaria conhecer as normas e aplicá-las. Mas não, os desafios vão muito além disso. Os litígios que estão sob a minha jurisdição frequentemente colocam em conflito vários outros interesses também consagrados pela nossa Constituição, e daí eu lanço uma pergunta: como gerar e promover o crescimento econômico, gerar empregos, promover o desenvolvimento do Norte do nosso País sem a severa destruição de nossas florestas, sem o esgotamento dos nossos recursos naturais, sem a diminuição da nossa biodiversidade? Estas são questões inquietantes no exercício da judicatura. A 7ª Vara Federal possui 4.319 processos (dados estatísticos puxados em 30 de abril), dos quais 2.486 estão em tramitação ajustada, que é uma nomenclatura usada pelo nosso Tribunal para se referir aos processos que estão em andamento. Ou seja, existe uma parcela significativa em arquivo provisório e, na sua maioria, ela se refere às multas ambientais, naqueles casos em que ou não encontramos os devedores ou também não encontramos nenhum patrimônio para ser expropriado para fazer face a essas multas. |
| R | Então, o processo fica suspenso até que uma modificação patrimonial do executado seja levada ao conhecimento do juízo e, infelizmente, durante esse período transcorre a prescrição dessas multas. Bom, eu tenho tramitando na vara 250 ações civis públicas. É um número muito elevado se considerado que a maioria delas envolvem questões de alta complexidade. Eu também trabalho com os crimes ambientais e, como eu disse, com as execuções das multas ambientais que são geradas a partir das autuações do Ibama. Preciso registrar aqui que as autuações do Ibama, com uma frequência indesejável têm como autuados pessoas humildes e de baixa escolaridade. Outro problema que aflora é que nem sempre os efetivos exploradores da atividade agropecuária e dos garimpos são identificados na autuação do Ibama. Assim, os senhores podem concluir que fica muito difícil aplicar as normas protetivas do meio ambiente, tanto no que concerne à atividade administrativa do exercício do poder de polícia ambiental como na repressão aos crimes ambientais. É também notório que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a Funai (Fundação Nacional do Índio), a Polícia Federal e vários órgãos públicos federais e autarquias vêm sofrendo fortes cortes nos seus orçamentos, o que prejudica, e muito, a atividade que eles desempenham em relação à tutela do meio ambiente no Estado do Amazonas. Isso porque, sem recursos públicos, fica difícil fazer manutenção e aquisição de equipamentos, pagar por combustível para fazer fiscalizações, abrir concursos para mais analistas e técnicos. E a demanda existe, isso eu posso garantir aos senhores. Em relação às ações civis públicas, a maioria delas envolve licenciamento ambiental, espaços especialmente protegidos na sua maior parte, áreas de preservação permanente e unidades de conservação, e muitas também versam discussão sobre omissão do Poder Público no exercício do dever de fiscalizar obras e empreendimentos de grande envergadura, bem como a omissão no implemento de políticas públicas protetivas do meio ambiente. Aqui eu cito como exemplo várias ações civis públicas que foram ajuizadas entre os anos de 2015 e 2016 para obrigar vários Municípios do Estado do Amazonas a cumprirem o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e dar a destinação adequada aos lixões de suas cidades. |
| R | Só para concluir, com relação às minhas principais preocupações no que diz respeito a essas ações civis públicas, muito já foi dito pelos outros palestrantes. Existe uma dificuldade grande por parte dos juízes em dar efetivo cumprimento às sentenças, que muitas vezes acabam tendo um papel simbólico e declaratório. Nós temos limitações técnicas de custo do processo e várias outras. E como, muitas vezes, no polo passivo dessas ações, nós temos justamente o Poder Público, fica muito difícil conseguir implementar os comandos que estão nas nossas sentenças. Vou abrir um parêntese... Aliás, paralelamente a essas questões da tutela judicial do meio ambiente, eu preciso destacar que reputo de extrema importância uma atuação conjunta de todos os poderes, num verdadeiro compromisso para a implementação das normas constitucionais e infraconstitucionais em matéria ambiental. O Judiciário não é a solução, sozinho, dos problemas ambientais do nosso País. E eu penso que seja muito importante desenvolver, dentre outras políticas, educação ambiental. Sem a conscientização ambiental da população, dos jovens, da sociedade como um todo, fica muito difícil o Poder Público inclusive implementar suas políticas ambientais. Basta pensarmos que, numa cidade como Manaus, com vários problemas de infraestrutura, carências de infraestrutura sanitária, fica muito... (Soa a campainha.) A SRª MARA ELISA ANDRADE - ... difícil fazer obras e criar políticas sem que a população seja chamada a uma responsabilidade compartilhada, sem que ela seja conscientizada de que ela deve assumir posturas ambientais adequadas a esse projeto, que é coletivo. Não podemos nos esquecer de que, para a formação de uma verdadeira consciência ambiental, mecanismo pelo qual a responsabilidade por zelar pelo cumprimento das normas protetivas ao meio ambiente se faz de forma compartilhada entre Estado e sociedade, é necessário acesso à informação. E aqui ganha relevo o processo de licenciamento ambiental e os cadastros ambientais, como o CAR, no caso, no Norte. Existe também, para dar subsídio legal a essa política de educação ambiental, a Lei 9.795, de 1999, que instituiu o Plano Nacional de Educação Ambiental. Quero concluir a minha fala com as seguintes ideias: não existe cidadania ambiental sem educação, sem informação, sem formação de uma consciência coletiva da importância da proteção ambiental. Nós vivemos tempos de exacerbadas desigualdades sociais. As externalidades negativas provocadas ao meio ambiente por determinada obra, empreendimento ou atividade são quase sempre suportadas de forma desigual e com peso maior por aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade financeira e social. Acesso à água potável, saneamento básico, exploração da mão de obra em condições degradantes no campo ou no garimpo são só alguns exemplos dessa desigualdade. Trata-se de uma das mais perversas formas de desigualdade na nossa sociedade, por negar a essas pessoas direitos fundamentais e por inviabilizar qualquer projeto de dignidade da pessoa humana. Muito obrigada. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Passo a palavra ao Dr. José Luis Capella, da Sociedade Peruana de Direito Ambiental. O SR. JOSÉ LUIS CAPELLA (Tradução simultânea.) - Muito obrigado. Eu vou me juntar aos cumprimentos e agradecimentos que meus precedentes já fizeram para evitar tomar mais tempo. Eu sou do Peru e me pediram que falasse da Amazônia, de áreas protegidas e de povos indígenas. É um país que já tem os seus 17% de áreas protegidas em seu território e que também tem um regime de titulação de povos indígenas, com 10 milhões de hectares, aproximadamente, tendo sido titulados, mas mesmo assim ainda tem uma dívida muito grande de titulação. Particularmente, na Amazônia - eu coloquei um exemplo ali na tela -, temos departamentos como o de Madre de Dios, que faz fronteira com o Acre, e o de Pando, na Bolívia, onde 50% do território do departamento são de áreas protegidas. E uma boa porcentagem também foi concedida a povos indígenas, com títulos de terra. Eu vou tomar em conta o que foi falado aqui nesta mesa e vou me referir a dois conceitos que já foram mencionados. Um é de coordenação colaborativa, mencionado por Cláudio Maretti, no sentido de que o papel do Estado não basta para conseguir o que queremos em um bioma, para assegurar o cumprimento à legislação. A outra coisa é titularidade, que já foi explicada. Cabe a nós, como praticantes do Direito, particularmente aos juízes, como servidores públicos que vão tratar de formalizar os espaços, conhecer a lei, saber como aplicar a lei, saber quem são os que agem com relação à lei e aplicar a lei de maneira adequada. Um dos motivos pelos quais nós criamos, na minha organização, essa plataforma é que a única maneira de conhecer a norma é saber como a norma se comporta no território, como ela é aplicada de fato, como as pessoas a compreendem, se ela foi explicada adequadamente, se todo mundo a conhece, indo de crianças até aqueles que realizam as atividades. Em Pando, nós vimos uma situação muito complicada. Foram criadas muitas áreas protegidas, temos muitos povos indígenas afetados, inclusive temos povos indígenas em isolamento. E, em contato inicial, nós encontramos delitos sérios que vão além do marco jurídico regular de atividades, ou seja, não têm relatórios de impacto ambiental, são atividades como mineração ilegal, exploração madeireira ilegal. E nós criamos uma comunidade prática para a comunidade de Madre de Dios, onde nos concentramos em três delitos. Deixe-me explicar. O que vocês veem ali mais embaixo é uma área protegida. O que vocês veem de um lado é outra. E o que vocês veem em verde mais escuro são comunidades nativas, com títulos de terra outorgados para povos camponeses, para fazer turismo, para conservação. E o que acontece é que nós aprendemos que a outorga de títulos é importante e, por isso, devemos continuar fazendo isso. Porém, a ação com relação a esses títulos é mais importante ainda. Ou seja, quando a pessoa recebe o direito da terra, ela deve fazer com a terra o que ficou combinado no título da terra. |
| R | É preciso ver, portanto, como é que a conservação colaborativa vai ser construída, particularmente como vão ser formados também os corredores que juntam as paisagens. Conforme o que nós aprendermos nesses lugares, certamente vamos ver alguns fatores que são comuns a todos. (Soa a campainha.) O SR. JOSÉ LUIS CAPELLA (Tradução simultânea.) - Um Senador, mais cedo, mencionou um exemplo de uma norma positiva para o Brasil, que era o confisco de caminhões e motosserras que faziam parte de um processo ilegal de exploração. Porém, isso não era retornado para a área legal, para o Estado. Nós tivemos o mesmo problema no Peru. Nós fazemos o confisco de materiais, mas as pessoas das quais nós tínhamos confiscado esses materiais acabavam os recebendo de volta. Então, eu me refiro aqui a uma sociedade de aprendizagem, de conhecimento, que, se não tivéssemos tido... Se nós tivéssemos tido, melhor, na época, teríamos compartilhado conhecimentos entre Peru, Colômbia e Brasil e teria sido tudo bem mais fácil. Então, um dos desafios que nós temos, como juízes, é continuar avançando nessa comunidade de conhecimento. E nós, que somos da área do Direito, temos um desafio adicional. Nós precisamos continuar insistindo na proteção e continuar assegurando os direitos dos usuários das florestas e dos povos indígenas e os direitos do Estado mesmo, que acaba não tendo braços suficientes para proteger as áreas protegidas, nem no meu país, nem em outros países. E vou terminar dizendo brevemente que uma das tendências com relação à aplicação do Direito Ambiental hoje é o reconhecimento da multiculturalidade, das práticas e da vigilância comunitária que ocorrem nesses territórios. E eu acho que não se falou muito a respeito disso, mas, na verdade, não houve muito desenvolvimento do assunto nessas sessões. Eu acho que nós deveríamos aprender com as lições de outros países, de outras comunidades que aprenderam com esses seus problemas, particularmente os povos indígenas das áreas florestais onde nós trabalhamos. Essa é uma sugestão. Eu agradeço novamente aos participantes que me precederam. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF. Fora do microfone.) - Passo imediatamente a palavra ao Sr. Carlos Durigan. O SR. CARLOS DURIGAN - Obrigado, Senador Cristovam. Obrigado ao Ministro Herman Benjamim pela oportunidade de estarmos aqui contribuindo neste debate superimportante que estamos fazendo nestes dias, durante o colóquio. Para complementar algumas ideias colocadas pela conferência magna, gostaria de ressaltar alguns pontos que eu julgo que sejam de interesse e fundamentais nessa questão, quando falamos da Amazônia para além de suas fronteiras geopolíticas, a Amazônia natureza, a Amazônia gente, a Amazônia águas. E um ponto bastante importante para ressaltar é que, quando nós falamos em águas, o bioma amazônico passa de 5,5 milhões de quilômetros quadrados para 7 milhões de quilômetros quadrados, quando consideramos a bacia. A Amazônia também tem sua complexidade em questões relacionadas à cobertura florestal, que é muito complexa e diversa. Também temos essa complexidade quando falamos de paisagens apáticas, de áreas úmidas. E mesmo a hidrologia dos rios amazônicos é bem complexa, desde os rios de águas brancas que vêm dos Andes, trazendo em si uma carga de sedimentos e nutrientes superimportantes para nutrir as várzeas amazônicas e as águas amazônicas ao longo de toda a bacia, aos rios de águas pretas e águas negras, que constituem rios ancestrais, rios muito diversos e, ao mesmo tempo, sensíveis a qualquer tipo de alteração em suas paisagens. Há também os rios de águas claras, como foi apresentado o Rio Tapajós, o Rio Xingu, rios que também são rios ancestrais e que têm em si uma carga menor de sedimentos, mas que enriquecem também essa complexidade hidrológica da bacia. |
| R | Toda essa complexidade também gera uma importância muito grande. Há esse olhar sobre a bacia amazônica, as suas águas, sobre diversidade aquática, que é a questão da produtividade. E eu destaco principalmente a produtividade pesqueira, que traz um elemento importante para as populações humanas da Amazônia, que aí constituem e vivem ao longo desses... De um total de 34 milhões a 35 milhões de pessoas que vivem hoje na região, pelo menos 20 milhões vivem ao longo dessas paisagens aquáticas e rios. E nisso se incluem grandes cidades, como Belém, Manaus, Iquitos, Letícia entre outras. Há essa dependência que essas populações têm dos recursos que provêm da riqueza aquática da Amazônia, tanto pela questão da utilização das águas, quanto também do consumo da proteína animal que vem através da pesca, que hoje constitui uma importante fonte alimentar para as populações amazônicas, que também constituem um elemento sensível na paisagem, tanto pela importância, quanto também pela sensibilidade frente aos impactos que nós vemos atualmente em curso. Cito o caso do processo de implementação de infraestrutura na região, tanto relacionada à abertura de novas estradas como à construção de hidrelétricas, que de certa forma acabam por quebrar a conectividade entre esses sistemas aquáticos e barrar os processos migratórios, de espécies migratórias de peixes principalmente - hoje constituem 80% dos embarques pesqueiro as espécies de peixes migradores, e esses embarques é que vão sustentar as populações que vivem ao longo dos rios, tanto urbanas quanto rurais. É importante destacar que, dentro desse cenário, julgamos muito pertinente e importante um olhar sobre a necessidade de construirmos mecanismos de proteção para além das unidades de conservação, e isso inclui uma discussão de nível regional que possa contemplar muito do que o Ministro Cesar havia dito em relação à necessidade de se constituir políticas para além das fronteiras geopolíticas. E nisso se enquadra a ideia de se construir modelos de gestão integrada de bacias, que é um ponto bastante importante a ser destacado quando nós falamos em águas e bacia amazônica. Um outro ponto importante é a questão de trabalhar a gestão pesqueira como um elemento chave dentro desse processo de integração de atores. |
| R | Hoje em dia, a pesca na Amazônia emprega quase 500 mil pessoas diretamente, e se nós consideramos a pesca como um elemento do dia a dia de subsistência das populações tradicionais e indígenas da Amazônia, esse número aumenta bastante. Então, é importante trabalhar formas de integrar os diversos atores, organizações da sociedade civil, organizações de base, lideranças comunitárias, gestores, públicos, tomadores de decisão, a área jurídica dando um suporte mais do que necessário nesses processos, para que se criem formas de trabalhar a gestão pesqueira, considerando as diferentes jurisdições, e como isso pode ser feito de uma forma eficiente, considerando que os rios amazônicos extrapolam as nossas fronteiras geopolíticas. E, para finalizar, um terceiro ponto bastante importante, que é a questão relacionada aos impactos na infraestrutura, como mencionei, que causam problemas bastante importantes do ponto de vista de quebrar a conectividade entre os rios amazônicos e, ao mesmo tempo, a infraestrutura que é estabelecida ao longo das áreas de floresta, com abertura e transformação da paisagem, causando uma série de impactos que devem ser considerados e trazer, no seu bojo, processos de compensação e mitigação que sejam, de fato, efetivos. Hoje vemos que esses processos não têm funcionado e precisamos de uma fortaleza maior nos processos de garantir que as ações de compensações e mitigação sejam, de fato, implementadas, porque sabemos muito bem que, somado à questão da infraestrutura, temos aí um processo que já estamos sentindo na Amazônia. Quem vive e atua na Amazônia sabe bem disso. Nos últimos anos, houve um recrudescimento dos extremos climáticos, que já afeta bastante a vida de quem vive lá e, obviamente, a biodiversidade amazônica, da qual depende a vida das pessoas que lá vivem. Então, posto isso, Sr. Senador, gostaria de mais uma vez agradecer o espaço e ficar à disposição para contribuir em outras discussões. Obrigado. (Palmas.) (Interrupção do som.) A SRª DAWN GREGORY-BARNES (Tradução simultânea.) - Boa tarde a todos. Primeiro, gostaria concordar com os demais participantes e agradecer aos organizadores e patrocinadores pelo que tem sido um colóquio muito interessante e estimulante. O meu país é a Guiana. Estamos ao norte na América do Sul, e temos como fronteira o Brasil ao sul, a Venezuela a oeste, e o Suriname ao leste. Temos 83 milhas quadradas e uma população pequena, de aproximadamente 150 mil pessoas. Na América do Sul, compartilha uma história com o Caribe que fala inglês, mas é, de fato, o único país que fala inglês na América do Sul. A maior parte da nossa população vive na região costeira, e 87% do país são florestas. |
| R | A Guiana tem um marco legal forte e robusto para a proteção do meio ambiente e também para a proteção dos direitos dos povos indígenas, que, aliás, constituem 10% da população. Em 2001 um processo de reforma em grande escala da Constituição foi levado a cabo, e com um novo modelo que agora inclui os direitos de proteção do meio ambiente e direitos dos povos indígenas. Esses direitos foram incluídos depois desse processo. No art. 25, fala-se do dever de cada cidadão de participar das atividades desenhadas para melhorar o meio ambiente e proteger a saúde da nação. O art. 36 declara que o bem-estar da nação depende de preservar o ar limpo, o solo fértil e a rica diversidade de plantas, animais e ecossistemas. Esses princípios estão incluídos entre os princípios que guiam o sistema social e econômico do país. Para além dessas declarações, dispositivos que protegem o meio ambiente e os direitos dos povos indígenas foram estabelecidos como direitos fundamentais e recebem explicitamente o mesmo status dos direitos fundamentais tradicionais, tais como o direito à expressão, o direito à vida, o direito à liberdade pessoal etc. Assim também os direitos dos povos indígenas são descritos como direitos à proteção, à preservação e à promoção das suas línguas, à herança cultural e seu modo de vida. Isso está no art. 1.49-G da Constituição revisada. A característica chave dos dispositivos dos direitos fundamentais é que fornece acesso, o poder de ir aos tribunais para solicitar reparação que é disponível quando há de fato algum tipo de infração ou uma ameaça à infração dos direitos fundamentais - um artigo empodera o tribunal a fornecer a remediação apropriada. O país Guiana adotou a agenda internacional em relação ao meio ambiente desde 1985, quando se tornou signatário de várias convenções regionais e internacionais. Uma ou duas podem ser mencionadas: a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, a Convenção de Basileia sobre o Controle Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e, finalmente, mais recentemente, o Acordo de Paris. |
| R | Eu já ouvi o sino uma vez, então, devido a essa restrição de tempo, vou somente mencionar duas legislações que - acredito eu - demonstram os compromissos do nosso país com relação a esses temas que temos discutido. Essas duas legislações são a Lei de Proteção Ambiental, de 1986, e outra lei, de 2006, sobre a temática. A Lei de Proteção Ambiental foi promulgada antes da constitucionalização da proteção do meio ambiente e é um chamado para o manejo, conservação e melhoria do meio ambiente, com a prevenção e controle de poluição, avaliação do impacto de desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente e o uso sustentável de recursos naturais. Essa lei estabelece a Agência de Proteção do Meio Ambiente, que, de acordo com algumas das discussões que temos ouvido aqui, parece muito com várias agências que já existem em outros países, mas gostaria de mencionar duas funções dessa agência. Uma é para garantir que qualquer atividade de desenvolvimento que possa causar algum efeito adverso sobre o ambiente natural seja avaliada antes de seu início e que esse efeito adverso seja levado em consideração no momento de decidir se essa atividade deve ou não ser autorizada. E a outra função que eu gostaria de destacar é: coordenar e manter um programa para conservar a diversidade biológica e o seu uso sustentável. Não temos nenhum tribunal especializado para o meio ambiente, mas a agência em si pode iniciar os casos relacionados a esse tema, pode levar aos tribunais dos magistrados. Quando alguma pessoa for condenada por algum crime de acordo com essa lei, gostaria de destacar um poder que o tribunal tem ao impor uma remediação ou uma penalidade, gostaria de mencionar o poder do tribunal. Além de qualquer outro remédio ou penalidade imposta pela lei, o tribunal também pode emitir uma ordem proibindo a continuação ou a repetição do ato pelo qual aquela pessoa foi condenada. |
| R | Esses são os destaques que eu queria compartilhar da nossa lei de proteção ambiental. Agora vou falar da lei ameríndia, que fala da proteção e reconhecimento dos direitos coletivos das comunidades ameríndias. Uma das características é que o ato inclui dispositivos específicos para mineração - dentre outros dispositivos, mas eu quero destacar este -, na Seção VIII, que fala que um minerador que decide realizar atividades de mineração em território ameríndio, além de estar em conformidade com os requisitos da lei de mineração, também deve obter o consentimento do conselho daquela comunidade e também precisa fornecer informação a esse conselho comunitário. E é expressamente proibido que... É, na verdade, necessário que a mineradora tome todas as medidas necessárias para proteger o meio ambiente. Peço um momentinho. (Pausa.) Deve tomar os passos necessários para proteger o meio ambiente, para evitar danos ao meio ambiente em si, evitar a contaminação das águas subterrâneas e superficiais, para evitar também interferência com a agricultura, danos ou interrupção à flora e à fauna e também interrupção das atividades normais dos residentes. Essa é uma medida importante para proteger os povos indígenas. E também é necessário que um acordo seja realizado entre a mineradora e o conselho comunitário, representado pelo líder, e certos aspectos podem ser incluídos no acordo, como a proteção ambiental, ou um programa de proteção ambiental, ou um plano para se livrar dos resíduos e também um plano de pagamento de compensação. E está incluída também informação - que deve ser fornecida à comunidade - com o local exato da mineração e o tempo de duração para esse processo de mineração. Então fica claro que o juiz na Guiana não precisa se preocupar tanto com os seus poderes, mas, sim, na verdade... |
| R | (Soa a campainha.) A SRª DAWN GREGORY-BARNES - ... com a aplicação de uma abordagem livre, para poder dar efeito ao espírito da legislação e garantir que as penalidades apropriadas e as reparações necessárias sejam impostas. Agradeço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Eu passo a palavra agora à Ministra Iris Estela, lembrando que ainda temos, além dela, mais cinco oradores, e alguns já estão indo embora para seus aviões. Ministra Iris Estela, por favor. A SRª IRIS ESTELA PACHECO HUANCAS (Tradução simultânea.) - Boa tarde a todos. Eu vou me juntar aos cumprimentos e aos agradecimentos à organização. Ontem o Senador Cristovam Buarque nos falou de quatro desafios que, em resumo, tratam de compatibilizar os âmbitos social, econômico, jurídico e outros para assegurar a proteção ao meio ambiente ao mesmo tempo que o desenvolvimento econômico, ambos como direitos fundamentais dentro de um Estado social e democrático de direito. E é aqui que ocorre a vinculação com os territórios das comunidades indígenas. No Peru isso acontece porque é justamente nesses territórios que se concentra uma boa parte das áreas naturais protegidas, do mesmo modo que depósitos de minerais e de petróleo. Ao mesmo tempo, sabemos que as comunidades indígenas são os melhores gestores dos recursos naturais e são os que melhor os protegem. No Peru, protegem 24,5% da biomassa amazônica, sob várias categorias nas áreas naturais protegidas. Contudo um dos problemas que enfrentamos no Peru é o fato de não termos um cadastro de demarcação de terras indígenas que sirva como instrumento efetivo de conservação do meio ambiente para as políticas públicas, conforme exigido pela OIT. Outro problema que temos é o direito fundamental à consulta prévia. Antes de 31 de dezembro de 2008, no Peru, foram concedidas concessões de hidrocarbonos em duzentos e tantos hectares de terras amazônicas. Essas concessões foram outorgadas sem consentimento e foram, depois, postergadas - foram canceladas, eu diria -, já que o Peru acabou assinando a Convenção nº 169 da OIT. Mas, apesar de ter assinado, disse que não era possível implementá-la automaticamente. Além disso, o país disse que os povos indígenas não existiam no Peru, que o Peru não tinha povos indígenas, mesmo tendo assinado essa convenção, mesmo sendo os povos indígenas parte da natureza do Peru, um povo multicultural. Além disso, o Peru finalmente reconhece os povos indígenas como sujeito, pessoa jurídica de direito. |
| R | A Constituição do Peru também garante o direito à identidade cultural dessas comunidades e reconhece o direito à autodeterminação dos povos indígenas. Tudo isso está ligado ao reconhecimento constitucional, e já se superou o conceito de ser isso uma norma política. É uma norma jurídica, com eficácia direta. E, além disso, existe lá a Lei 157 e o Decreto Legislativo 1.089, que foi criado no momento de assinar um acordo com os Estados Unidos, com relação ao regime de titulação de terrenos urbanos, algo que foi feito sem consulta prévia. Nessa situação, a jurisprudência constitucional do Peru recebeu um pedido da comunidade quéchua de San Martin, assinado por 9 mil nativos, com relação a um processo de inconstitucionalidade referente a esses processos legislativos de ordenamento territorial. O Tribunal Constitucional assinalou... Embora não tendo declarado a inconstitucionalidade dos decretos legislativos, declarou uma sentença interpretativa reiterando o reconhecimento de um Estado multicultural e étnico. Reiterou ainda o valor da tolerância e do respeito à adversidade, bem como o Estado constitucional de direito e o reconhecimento que deve existir de um diálogo intercultural. Do mesmo modo, com relação à consulta prévia, assinalou que a interpretação desses decretos legislativos deve ser feita de acordo com as convenções internacionais e que eles deveriam entrar em efeito diretamente. Uma das coisas que se enfatizou foi o direito da boa-fé. Ou seja, o que se concertar com as comunidades camponesas deve ser cumprido. Em termos da consulta prévia com essas comunidades, devido às suas tradições e à sua biodiversidade, à cosmovisão e aos costumes que têm, deve ser respeitada essa consulta prévia. Estabeleceu-se ainda a necessidade de alcançar um acordo, garantindo os direitos dos povos e a preservação do meio ambiente no território dos povos indígenas. Foi estabelecida também a necessidade de transparência na consulta prévia e a implementação oportuna das consultas prévias. Vemos, assim, que o Tribunal Constitucional deu uma ferramenta de interpretação em temas de povos indígenas, com enfoque intercultural. Nesse contexto, no Peru foi editada a lei de consulta prévia e foi regulamentada também. Mas, na prática, vimos que essa lei não tem tido muita efetividade. E temos tido muitos conflitos ambientais, conforme a relatoria do povo. Nesse sentido, esses casos terminam em boa parte sendo judicializados. |
| R | Os tribunais ordinários têm dado um enfoque de leitura constitucional às questões ambientais, e muitos projetos infelizmente foram suspensos, justamente por não terem realizado consulta prévia antes de implementar o projeto. A jurisprudência, nas diferentes áreas do Peru, vem se desenvolvendo pouco a pouco, particularmente com relação a um enfoque de preservação do meio ambiente. Voltando, então, ao meu ponto inicial, preciso dizer que, do meu ponto de vista, eu acho que não são incompatíveis o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental se todos os autores envolvidos tiverem um comprometimento ético com essas atividades e que, portanto, ao implementar o processo de negociação, o façam respeitando a igualdade, a transparência e o diálogo intercultural com as comunidades e as empresas, e as empresas agindo com responsabilidade social, internalizando o fato de que... (Soa a campainha.) A SRª IRIS ESTELA PACHECO HUANCAS - ... optar pelo desenvolvimento sustentável não é uma perda, e sim um investimento. Nesse sentido, é preciso não só obter uma licença formal das comunidades indígenas, mas também uma licença social. Finalmente, eu gostaria de aproveitar esta oportunidade deste colóquio para pedir que seja tomada em conta a jurisprudência de todas as jurisdições que estão participando deste espaço acadêmico. E, quem sabe, seja interessante utilizar uma ferramenta tecnológica para que todos possamos ter um espaço para compartilhar o desenvolvimento da nossa judicatura, das nossas legislações nesse tema tão importante para que possamos melhorar o trabalho dos juízes nos nossos países. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Gracias! Eu passo a palavra ao Sr. Ricardo Saucedo, Presidente da Sociedade Boliviana de Direito Ambiental. O SR. RICARDO SAUCEDO (Tradução simultânea.) - Boa noite, Sr. Presidente. Eu gostaria de estender o cumprimento que todos meus colegas já fizeram ao Senado por esse convite tão gentil e também particularmente ao Ministro Benjamin por ter tido essa iniciativa. O que eu gostaria de fazer é resgatar parte da apresentação dada magistralmente pelo Ministro Barroso quando falou da efetividade própria da Constituição. E, para isso, eu vou usar, como provocação para a discussão, também os princípios gerais que surgiram para a promoção para o alcance da justiça ambiental, que surgiram, então, da Declaração Mundial da IUCN, com relação ao Estado de direito em matéria ambiental, no ano passado, no Rio de Janeiro. Revisando os 13 princípios que deveriam levar adiante o estado da situação do direito ambiental, particularmente do ponto de vista constitucional - porque, a partir daí, ou se tem uma efetividade direta e própria, ou então terminam sendo desenvolvidas legislações operacionais a respeito -, então eu gostaria de falar um pouco sobre qual é o estado da situação desses 13 princípios no meu país. Tendo eu feito uma análise, a realidade é que a situação não é ruim no meu país. Na verdade, a situação está até bastante boa se formos pensar em um checklist. |
| R | O Princípio 1 está coberto com art. 342 da Constituição. Quanto ao Princípio 2, existe uma lei específica - duas leis, na verdade: a Lei da Mãe Terra e a Lei dos Direitos da Mãe Terra. O Princípio 3, que tem relação com o direito ao meio ambiente, está coberto desde 1992 pela Lei do Meio Ambiente e também constitucionalmente está coberto pelo art. 33, relativo ao direito fundamental, e pelo art. 108 no que diz respeito à obrigação cidadã de proteção do meio ambiente. O Princípio 4, sustentabilidade ecológica e resiliência, está refletido no art. 380 da Constituição da Bolívia, que foi aprovada em 2008. Quanto ao Princípio 5, in dubio pro natura, na verdade, no ano de 1996, nós já tínhamos incorporado esse princípio na legislação florestal, em que nós nos referimos ao princípio como in dubio pro bosque, pró-floresta. Ou seja, na dúvida, é preciso decidir a favor das florestas. Quanto ao Princípio 6, função ecológica da propriedade, a Bolívia tem uma longa tradição na determinação da função ambiental e socioambiental da propriedade. Especificamente na Lei INRA, de 1996, se estabelece o princípio, incluindo a variável ambiental e ecológica, e é também refletida, em 2008, no art. 397. Quanto ao Princípio 7, de equidade intrageneracional, os arts. 303 e 353 da Constituição preveem conceitos semelhantes. E falo aqui de princípios explícitos, não de interpretação implícita. (Soa a campainha.) O SR. RICARDO SAUCEDO (Tradução simultânea.) - Existe uma redação muito semelhante entre um e outro. O Princípio 8, de equidade intergeneracional, está no art. 342. O Princípio 9, de igualdade de gêneros, no art. 306 da Constituição. O Princípio 10, de participação de minorias, no arts. 343 e 352. O Princípio 11, de povos indígenas, no art. 31 e nos próximos da Constituição. E os Princípios 12 e 13 não foram incluídos, e eu não acho realmente que vão ser incluídos no curto prazo. Além disso, temos capítulos desenvolvidos especificamente dentro da Constituição nos assuntos de meio ambiente, áreas protegidas, nações originárias, biodiversidade, recursos hídricos e terras e territórios. De fato, a referência ao meio ambiente no texto constitucional se repete 36 vezes de forma explícita. E para complementar essa informação - eu vou acelerar um pouco -, com relação à estrutura jurídica ou judicial, perdão, constitucional, o Capítulo III dispõe sobre a criação de uma jurisdição agroambiental, formada por varas em três níveis: um Tribunal Agroambiental, equivalente ao Supremo Tribunal; depois, varas de primeira instância espalhadas pelo país. Na minha cidade, no departamento, na verdade, onde eu vivo, em Santa Cruz, há oito tribunais desses, e as competências que receberam, além das competências relacionadas com temas exclusivamente agrários, têm a ver com questões florestais e ambientais, água, biodiversidade e, textualmente falando, para práticas que impliquem perigo para os sistemas ecológicos e a conservação de espécies. |
| R | (Soa a campainha.) O SR. RICARDO SAUCEDO - O curioso, Sr. Presidente - com isso, eu termino e deixo uma reflexão -, é que, embora tenhamos isso há dez anos, não temos uma única sentença por parte do Tribunal Constitucional e dos tribunais de primeira instância de fundo com relação a temas ambientais. Tudo tem a ver com procedimentos administrativos: se o procedimento foi cumprido ou se não foi. Ou, então, finalmente, as partes se retiram e escolhem outras vias de conciliação ou de solução administrativa, ao invés da judicialização. Então, de modo geral, parece-me que a situação não é ruim. Como já disse o Professor, estamos perante a revolução do Direito Ambiental e uma nova cultura jurídica. Então, acho que é um vórtice que temos aqui. Se examinarmos a coisa em contexto, nos últimos 20 anos, nós avançamos muito. Se há 20 anos nós estávamos pensando que, por favor, criassem uma lei para o meio ambiente, olhem só tudo o que temos. Mas eu acho que a grande tarefa que temos pendente aqui é como podemos, efetivamente, assegurar que a nova revolução da nova cultura jurídica aconteça para os atores que operacionalizam o sistema judicial - advogados, juízes, procuradores - para que, de fato, ativem esses mecanismos e vejam no sistema judicial um elemento de solução real e a longo prazo para as controvérsias ambientais. Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Obrigado, Sr. Saucedo. Passo a palavra ao Ministro Roberto Serrato. Depois, terminamos com o Sr. Raul Telles do Valle. O Ministro Serrato está presente? Eu vi que a cadeira dele aqui está vazia, então ele não está. Então, o último debatedor é Raul Telles do Valle, do Instituto Socioambiental e do Grupo de Especialistas em Florestas da WCEL. O SR. RAUL TELLES DO VALLE - Boa noite, Senador Cristovam. Boa noite a todos. Eu tenho aqui a difícil missão de ser o último a falar. Estamos todos cansados, já é tarde da noite. Então, quando se é o último, é difícil falar algo novo, porque já muito se ouviu. Por outro lado, é bom porque, de fato, é possível fazer um balanço geral. E o que eu vou tentar fazer aqui é a minha visão, Senador, do que foi este colóquio de dois dias, de tudo o que se falou aqui o que mais me fez sentido e que eu acho que talvez seja um fio condutor de todas as conversas aqui. De todas as magníficas palestras que houve aqui, ficou claro que, talvez, nos últimos 20 ou 30 anos, todos os sistemas constitucionais, sobretudo dos países latino-americanos, evoluíram e reconheceram - digamos - o direito humano, subjetivo, coletivo a um ambiente saudável. Então, todos os países que aqui falaram têm, em suas constituições, provisões que garantem o direito ecologicamente equilibrado, o ambiente ecologicamente equilibrado a todos. Existem agora tribunais, judicaturas específicas para o meio ambiente. Acho que nisso nós avançamos. |
| R | Falando, sobretudo, de Amazônia, que é o tema específico deste último painel, também ficou claro que a sociedade brasileira, a sociedade latino-americana, a sociedade mundial avançou também em reconhecer que a exploração indefinida de recursos ambientais da Amazônia - por madeira, mineração, exploração agropecuária, hidrelétricas -, ou seja, que esse grande depósito de recursos naturais pelos quais a Amazônia sempre foi vista por todos os países, que esse tipo de exploração é algo hoje não só moral e juridicamente reprovável, porque as nossas constituições garantem, de uma série de formas, um ambiente ecologicamente equilibrado, mas ecologicamente catastrófico e, portanto, economicamente estúpido. Ou seja, aqui foi várias vezes falado do reconhecimento científico que existe hoje do papel que a Amazônia tem no equilíbrio do clima sul-americano e talvez de todo o continente americano. Muito bem, dito isso, eu voltaria aqui às palavras do Ministro Barroso, que deu uma aula magistral hoje pela manhã, e diria que talvez o nosso próximo passo, após reconhecer o direito subjetivo ao ambiente equilibrado, seja dar este passo maior de tirar o Direito Ambiental, de tirar a proteção do meio ambiente exclusivamente do capítulo do Direito Civil, do capítulo do Direito Penal, do capítulo dos direitos individuais - acho que conseguimos avançar e podemos sair dessa trincheira - e talvez passar para uma outra trincheira, avançar e passar para o campo do Direito Tributário, do Direito Financeiro, do Direito Econômico e do Direito Internacional. O que quero dizer com isso? Que não adianta apenas... E aqui foram faladas várias vezes as frustrações dos aplicadores do Direito em ter provisões muito bonitas em suas cartas constitucionais, em seus textos legais sobre a proteção ao meio ambiente, e não conseguir dar efetividade a isso. Então, falando especificamente de Amazônia - aqui é um olhar brasileiro, meu, que vou colocar, mas tenho certeza de que se aplica também a outros países -, temos que avançar para políticas públicas. E aqui foi falado sobre como conseguir criar condições para utilizar e gerir bem esse patrimônio que é a Amazônia, de forma sustentável, algo que nós ainda, como sociedades, não conseguimos fazer. Então, eu diria, colocaria aqui algumas propostas de coisas que já estão andando, mas em que talvez precisemos avançar com mais rapidez. Talvez precisemos bolar melhor, pensar melhor e evoluir. Então, por exemplo, nesta Casa, o Senado Federal, já existe pronto para a aprovação, há anos, um projeto de lei que se chama fundo de participação dos Estados verdes. O que é isso? É um subsídio cruzado entre os Estados mais ricos do País, do sul do País, que hoje acumulam grande parte da produção econômica brasileira, mas que dependem da chuva da Amazônia para poder produzir sua soja, da chuva da Amazônia para poder produzir energia, da chuva da Amazônia para poder dar água para seus milhões de habitantes e que poderiam, via transferência orçamentária, subsidiar os Estados da Amazônia, para esses poderem ter melhores escolas, postos de saúde, estradas e serviços públicos básicos. Se nós reconhecermos que a chuva da Amazônia, a biodiversidade amazônica é importante para todo o País, por que não pensar numa contribuição por intervenção do domínio econômico que possa criar uma pequena taxa sobre a produção de soja brasileira, sobre a produção agropecuária brasileira, sobre a produção hidrelétrica brasileira, que acontecem em outras regiões que se beneficiam hoje gratuitamente dos serviços ambientais da Amazônia, para poder financiar o desenvolvimento sustentável da Amazônia e de outras áreas florestais? Por que não pensar em algo similar a isso do ponto de vista internacional? E a OTCA aqui faz um grande trabalho de coordenação entre os países, mas não existe ainda, do ponto de vista da Amazônia e de outras florestas transnacionais ao redor do mundo, um mecanismo de financiamento coletivo e de vários países, ou seja, multipartidário, multi-institucional e multinacional, para financiar a gestão comum desse patrimônio que é a Amazônia, que - aqui muito bem foi falado - nasce nos Andes, acaba no Atlântico e tem vários milhões de quilômetros quadrados. |
| R | Se nós avançássemos para isso, nós poderíamos ter, aí sim, recursos para podermos fazer aquilo que, digamos, é o espírito da Constituição, mas que não temos ainda instrumentos efetivos para implementar. Que é o quê? É nós termos serviços públicos de qualidade para as populações amazônicas, que possam conviver e sobreviver bem na região, com saúde, com educação, com suas necessidades básicas garantidas, sem ter que apelar para garimpo, madeireiras, grilagem de terra, exploração agropecuária. Que nós possamos investir em conhecimento. Fala-se isto há tantos anos - pelo menos no Brasil se fala: precisamos criar novos conhecimentos. Ou seja, precisamos investir pesadamente em como utilizar em escala os recursos da floresta de forma sustentável. E nisso nós mudaríamos um paradigma, porque passaríamos a reconhecer, valorizar e aproveitar os conhecimentos tradicionais dos povos da floresta, que estão há séculos utilizando bem esse patrimônio, o que nós até hoje não sabemos fazer. E, para essa integração de conhecimentos, é preciso mais universidades, mais pesquisa, mais bolsa, mais gente sendo formada, mais gente aplicando o conhecimento em campo. Por fim, eu gostaria de dizer aqui que precisamos também de recursos para gestão de áreas protegidas, como o Maretti colocou. Ou seja, temos um patrimônio na Amazônia, um potencial turístico gigantesco na Amazônia e, salvo engano, muito mal explorado em toda a Bacia, em toda Região Amazônica. Podemos citar aqui três, quatro, cinco lugares onde, na Amazônia, hoje existe algum tipo de exploração turística sustentável, que gere renda para a população local e que seja acessível. Isso poderia ser expandido, mas precisamos de recursos. Então, como o Ministro Barroso colocou, nós precisamos de fato de políticas públicas, e políticas públicas precisam de recursos. Precisaríamos avançar aqui - acho que este é um grande recado que ficou - do direito subjetivo para a política pública, para o direito financeiro, para o direito orçamentário, para o direito internacional. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Herman Benjamin) - Bem, o Senador Cristovam Buarque foi ao plenário votar. Não sei se todos aqui sabem, mas hoje o Senado está... Não só pela discussão política que ocorre naturalmente num Parlamento, mas o Senado está votando a reforma trabalhista, labour law, que é uma reforma que tem os aspectos, vamos dizer assim, controvertidos - sem entrar no mérito. Portanto, é muito difícil para todos nós termos conosco de forma permanente Parlamentares, Senadores, que estão obrigados a votar nominalmente nas comissões e também no plenário. |
| R | Eu acredito que o Dr. Cláudio Maretti deve ter apresentado as justificativas para a ausência do Presidente do Instituto Chico Mendes, Ricardo Soavinski, que teve um problema de falecimento em família e está no seu Estado de origem, no sul do País. Pelo que eu soube, fui informado, esta sessão da tarde foi extremamente produtiva no sentido de trazer esta perspectiva do Estado de direito ambiental, dos direitos humanos para a perspectiva da realidade. E não há realidade mais desafiante do que a nossa pan-amazônica. Nós não estamos cuidando aqui apenas da Amazônia brasileira, embora o Brasil detenha - e daí a sua grande responsabilidade - mais de 50% do território da Amazônia. Eu queria, em encerramento - sei que todos estão cansados -, agradecer, em primeiro lugar, às duas comissões que, a partir desta Casa, organizaram este evento: a Comissão de Meio Ambiente, presidida pelo Senador Davi Alcolumbre, que está votando também - isso eu sei porque recebo as mensagens desesperadas dos que deveriam estar aqui presidindo -, e, em segundo lugar, da Comissão de Mudanças Climáticas, que, agora todos já sabem, é uma comissão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado. Aliás, o Congresso Nacional, as duas Casas, só tem duas comissões conjuntas permanentes, a Comissão de Orçamento, como seria de se esperar e, curiosamente - e aí talvez um aspecto extremamente positivo a nos dar otimismo -, a Comissão de Mudanças Climáticas: num ano, o Presidente é do Senado; no outro ano, é o da Câmara dos Deputados. E o Relator Geral segue o mesmo sistema de alternância. O atual Presidente, eu queria agradecer-lhe em especial, é o Senador Jorge Viana, do Estado do Acre. Minha última palavra, também de agradecimento, é a todas as instituições que estão listadas como copatrocinadoras deste importante evento. Eu não vou mencioná-las. Mas queria deixar em especial o agradecimento a John Knox, que não deixa de ser o pai remoto, por assim dizer, deste evento, porque foi ele, juntamente como os colegas do Pnuma, hoje chamado ONU Ambiente - UN Environment, e da Organização dos Estados Americanos, que tomaram a iniciativa de nos propor a realização deste evento. |
| R | Senador, estou fazendo aqui alguns agradecimentos, mas já tinha até justificado uma eventual ausência de V. Exª pelas votações nominais que estão ocorrendo no decorrer da tarde inteira de hoje, com o clima, vamos dizer assim, um tanto quente dos debates neste momento tanto na Câmara dos Deputados como no Senado. Eu finalizo, Senador, dizendo que nós começamos de uma forma muito modesta na organização deste evento e terminamos com um evento gigante, que envolveu algumas dezenas de países. Por isso, eu agradeço a todos. Meu último agradecimento é para a Profª Denise Antolini, que trabalhou com uma equipe magnífica na organização deste encontro, com outros professores, com estudantes, com especialistas. E, de uma maneira muito suave, Senador, que, de certa maneira, lembra a sua maneira de ser, a Profª Denise conseguiu reunir a todos. Portanto, agradeço ao Senado e a V. Exª. O Senador Cristovam - é minha última palavra - foi Reitor da Universidade de Brasília, foi Ministro da Educação, se propôs a fazer uma revolução na educação no nosso País, foi Governador do Distrito Federal, mas eu me atreveria a dizer que, entre as suas maiores obras, não estão pontes, hospitais nem mesmo escolas públicas - e todas essas obras estão aí a lembrar o seu nome -, mas a criação na Universidade de Brasília do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), que hoje tem o maior número de doutorados do Brasil, the largest number of PhDs in the country, em ciências da natureza. E aí, não é, Raul, nós do Direito também entramos ali; as ciências sociais, evidentemente. E eu tenho muito prazer de frequentar aquela casa e participar de bancas de doutorado, sobretudo nessas áreas que guardam interface com o Direito. Para mim, Senador, pessoalmente, essa é a sua maior obra. E ela continua viva e crescendo, com um grupo magnífico de professores, com vínculos com as principais e mais conhecidas universidades do mundo. E tudo isso nos dando esperança de que, pela educação, como o senhor muito bem disse, pela geração de conhecimento, nós possamos, se não impedir a degradação do meio ambiente, porque não temos essa pretensão, pelo menos reduzir um pouco esse clima de violência permanente contra a natureza que nos dá a vida. Então, agradeço muito a V. Exª. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Considero um privilégio ter a sorte de estar aqui, ontem e hoje, para encerrar este encontro. Eu não imaginava isso. Meu programa desses dois dias não passava aqui, a não ser ontem à tarde, mas o Senador Jorge Viana teve que viajar a São Paulo e me pediu para estar aqui. E eu fico muito feliz, primeiro, Ministro Herman Benjamin, porque eu não imaginava que fosse um encontro tão grande, em número de pessoas, em número de países, em número de visões. Para mim, foi uma surpresa, ontem e hoje, quando tivemos um número bastante grande de participações. Mas a minha maior satisfação é porque o que nós estamos fazendo aqui é exatamente o que o mundo precisa neste momento. Ele falou desse Centro para o Desenvolvimento Sustentável, que eu concebi quando era reitor. Foi criado depois com a ajuda de muitas pessoas. Eu fui professor lá muito tempo. De fato, é uma coisa muito importante. Para nós brasileiros, mais do que para os outros países, existe uma escola que foi fundamental: em Lisboa, no século XV ainda, a Escola de Sagres. Ali, foram formados os desbravadores que fizeram a grande marcha da Europa em direção à África, à Ásia e ao que veio a ser as Américas. Eu imagino o CDS e outras instituições daquele tipo, em um encontro como este, como centro de reflexão para desbravar algo mais difícil ainda do que um barco através do oceano para encontrar uma terra. É desbravar qual é o projeto civilizatório que a humanidade deve construir daqui para frente. Nós somos pioneiros nisso. Pioneiros, primeiro, na percepção do poder que nós temos no mundo de hoje, e alguém citou aqui ontem da era Antropoceno. Esse é um poder que muitos não percebem. Nós temos o poder de manejar a geologia, o clima. Isso exige uma grande responsabilidade. Segundo, depois da percepção desse poder do ser humano neste começo do século XXI, é a percepção de que estamos caminhando para um destino muito ruim, um destino das mudanças climáticas que podem inviabilizar a agricultura, fazer os oceanos subirem, povos e etnias desaparecerem, patrimônios naturais e culturais desaparecerem. Isso é o que o Sebastião Salgado, nosso grande fotógrafo, tenta fotografar antes que acabe e mostrou naquele livro Gênesis. Então, segundo, é essa percepção dos riscos. E o terceiro é imaginar como será o nosso futuro, desejado. E, aí, eu quero concluir, a partir do que eu ouvi, inclusive hoje, dizer... Ontem, eu falei sobre alguns desafios: o desafio econômico; o desafio filosófico, de olhar a natureza como estando dentro dela e não de fora; social, de sermos capazes de proteger a natureza abolindo a pobreza; e o jurídico. |
| R | E aqui quero dizer dois temas que eu gostaria de ver vocês levarem. Os seminários só são bons quando levamos novas coisas. Duas coisas: consciência e deveres. Como construir uma consciência que traga para cada ser humano o sentimento de sustentabilidade, de solidariedade intergeracional, de respeito ao valor da natureza e das etnias e da consciência dos riscos do poder que a tecnologia hoje colocou nas mãos dos homens. Consciência. E é aí que entra a educação, de que você falou. É através das crianças que nós vamos revolucionar. Eu pensava que o Ministro fosse falar, como minha grande obra, de uma coisa que pode não ser importante para os estrangeiros, mas que é uma marca que eu deixei. É que Brasília é a única cidade do Brasil onde, para você atravessar a rua, basta fazer assim que o carro para. Nós empoderamos o pedestre, e graças às crianças. Pouca gente sabe disto. Nós educamos as crianças para que elas educassem seus pais quando eles estivessem dirigindo. As crianças, no banco de trás, diziam "tem um pedestre; é preciso parar". São as crianças que vão criar essa consciência da necessidade de sustentabilidade, porque não vamos ter sustentabilidade, mas catástrofes, da solidariedade intergeracional, que não temos ainda, a não ser com os filhos e netos, não mais que netos, do respeito ao valor da natureza e das etnias, de cada uma delas, e da consciência do risco do poder. E aí vem minha preocupação com o trabalho dos juristas, de que a gente precisa. É como criar deveres ambientais. Porque nós temos proibições ambientais. Zelamos por reservas. Aliás, devo dizer que eu saí daqui para votar uma coisa que tem a ver com isso. Há uma reserva ecológica brasileira, e no Brasil nós temos um instrumento, que é uma espécie de ofício executivo dos americanos, que são as medidas provisórias. O Presidente determina e entra em vigor, e aí vem para cá para dizermos "sim" ou "não". E há uma que pega uma reserva ecológica e permite produção agrícola. Eu fui lá votar contra, porque eu acho que é uma temeridade fazer isso no Estado do Pará. Pois bem. Como é que criamos deveres ambientais? Nós não pagamos impostos? Como seria um imposto ambiental, não em termos de finanças, mas em termos de não fazer as coisas? Como nós podemos sentir na lei o prejuízo que vem de uma ação depredadora do ambiente? Esse é um desafio que eu acho que fica para os juristas trabalharem. Devemos continuar com as decisões que proíbem ações depredadoras. Mas como é que a gente faz com que cada um pague um imposto pelo que consome da natureza? E eu não falo necessariamente em imposto financeiro, porque também acho que vai ser um caminho. |
| R | E, para concluir, eu quero dizer que, nesse centro que eu criei e onde eu dei aula - e eu não tenho dado -, eu defendo que a utopia que nós devemos ter para o futuro não é mais a da igualdade plena, como nós socialistas defendíamos no passado. A igualdade plena se choca com a liberdade e não promove os valores, os potenciais, os talentos pessoais de quem pode ter mais do que outros. O que eu defendo como utopia é uma linha abaixo da qual nenhum ser humano ficará do ponto de vista de acesso aos bens e serviços essenciais. Todos terão um lugar onde morar, a comida necessária. E aqui haverá um teto ecológico, acima do qual ninguém poderá consumir. Pode ser rico, pode ter renda, mas não pode ter um carro de tal tamanho, ou dois carros. No futuro eu acho que não vai poder nem ter carro privado; vai ter que utilizar serviços públicos. Então, aqui é um teto, ninguém acima; aqui é um piso, ninguém abaixo. E aqui é uma escada que permite às pessoas saírem desse consumo para esse consumo aqui, com liberdade, em um espaço de desigualdade eticamente aceitável. Agora, para isso, para que essa escada funcione, dois fatores têm que ser absolutamente iguais para todos. Não é a roupa, não é comida mesmo, a qualidade, não é a casa onde moram, mas duas coisas têm que ser radicalmente iguais: o acesso à saúde e o acesso à educação. A desigualdade na educação não é desigualdade, é indecência, imoralidade. A desigualdade no acesso à saúde não é desigualdade, é imoralidade, é indecência. Garantidas essas duas igualdades, toleremos as outras, as desigualdades, desde que a desigualdade tenha um teto no consumo, não na renda. Isso é o que eu acho que é um desafio. Como construir um mundo jurídico para isso? Como construir um mundo jurídico para o teto no consumo? E um mundo jurídico onde o Poder Público assegure o piso social dos bens e serviços essenciais. Esse é um desafio sobre o qual, a meu ver, vamos ter muitos anos, décadas talvez de debate, porque rompe - e aí eu falei filosoficamente - com uma mentalidade. E talvez até rompa - e eu concluo - com mais do que uma mentalidade; talvez rompa com uma estrutura cerebral do ser humano, que é individualista e é egoísta, como qualquer animal, com a diferença que nós temos poder tecnológico, e os outros não têm. O grande escritor... Aí eu concluo. O SR. HERMAN BENJAMIN (Fora do microfone.) - Antes de encerrar, eu queria fazer dois agradecimentos. O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Está bom. Um grande escritor, décadas atrás, disse que o ser humano é um animal suicida, porque tem o lado do cérebro da lógica, que é capaz de fazer uma bomba atômica, e, do outro lado, um cérebro animal, que é capaz de usar a bomba atômica. |
| R | O ideal é que nós só tivéssemos descoberto a bomba atômica quando já tivéssemos uma mente capaz de não usá-la. E, aí, nós não a inventaríamos. Mas a história fez com que descobríssemos a bomba atômica antes de haver um espírito de paz. O desafio de vocês, nosso, que trabalhamos esse tema, é, de fato, fazer com que o ser humano não seja suicida e que o lado da inteligência seja capaz de controlar os lados perversos da falta de uma moral. No fim, vai ser um problema de ética e um problema de mentalidade que nós vamos precisar construir. Eu creio que um encontro como este traz, Ministro, perfeitamente, uma contribuição. E eu desejo que vocês que estão à frente transformem as falas em um texto, um texto que fique e que possa ser debatido nas escolas. E, de preferência, traduzido. Não do espanhol ou do inglês para o português e do português para outras línguas apenas, mas sobretudo traduzido da nossa linguagem de adultos para uma linguagem de crianças. É isso que está faltando: traduzir o nosso discurso de adultos para a linguagem que as crianças entendem. Porque, se elas não adotarem essas nossas ideias, elas morrerão com a gente. E o mundo não vai poder esperar muitas outras gerações antes de uma grande hecatombe, por conta do uso equivocado da tecnologia poderosa que inventamos sem uma ética reguladora que a mantenha controlada. Eu estou feliz por ter dado a minha contribuição aqui com vocês, assistindo ao que vocês falaram e dizendo da satisfação. E, finalmente mesmo, vocês não têm ideia de outra importância de um encontro como este. É uma importância existencial, porque ser Senador hoje é um gesto de suicídio a cada minuto no Brasil. E aqui eu vim como se fosse um oásis no pântano - não é nem no deserto. Deserto a gente enfrenta. Deserto é uma coisa até bonita. Agora, pântano é feio e perigoso. Eu me senti aqui num paraíso momentâneo, discutindo ideias como essa com vocês. Por isso, muito obrigado. (Palmas.) O SR. HERMAN BENJAMIN - Eu agradeço, Senador. Senador, nós não poderíamos terminar de uma forma mais eloquente e mais profunda do que com as suas palavras. Portanto, eu acho que não há mais nada, a título de conclusão, a ser dito. Mas há muito a dizer em termos de agradecimento às pessoas que viabilizaram, tecnicamente, o nosso encontro. Em primeiro lugar, os nossos intérpretes, que estão ali. (Palmas.) Eles se escondem. São tão discretos, que não querem aparecer na sua importante missão de propiciar o diálogo nas torres de Babel. Não é uma tarefa fácil. |
| R | Vários outros, mas muitos outros servidores ajudaram na realização desse evento. Eu queria homenagear em primeiro lugar os dois secretários das duas Comissões: o Airton Luciano Aragão, da Comissão do Meio Ambiente, que está aqui... (Palmas.) ... e o Tiago Brum, da Comissão Mista de Mudanças Climáticas. (Palmas.) Veja como é bom trabalhar com o meio ambiente. Trabalharam muitíssimo e não aparentam nenhum cansaço, porque isso é um oásis. Os dois chefes de gabinete dos Presidentes dessas duas Comissões, o Paulo Emílio Dantas, que está aqui... (Palmas.) ... momentaneamente empresado ao Senado, porque o lugar dele é como juiz, eu já disse isso a ele; eu o Paulo Boudens, que eu não sei se está aqui conosco. Eu peço uma salva de palmas para os dois. (Palmas.) Na equipe do Senado, o Aguirre Neto já passou aqui várias vezes, trabalhou muitíssimo com as relações públicas, e a Márcia Yamaguti, que passou também dois dias praticamente acampada aqui entre nós. Eu peço para eles uma salva de palmas também. (Palmas.) E, finalmente, o Danilo Garrido e o Aaron Laur, que foram, eu diria, insubstituíveis na organização desse evento. Nós não teríamos o evento se não contássemos com eles dois. E eu peço uma calorosa salva de palmas para eles. (Palmas.) E por derradeiro, Senador, eu acho que nós temos que agradecer a todos que estão aqui. Hoje, não me recordo se foi o Senador Jorge Viana ou o Ministro Luís Roberto Barroso que definiu muito bem os participantes deste evento. É que no Brasil nós, num sentido coloquial, quando há um encontro dessa natureza, nós dizemos: "Vamos sentar os caciques à frente e os índios atrás", de certa maneira copiando uma estrutura que não é exatamente a indígena, porque ninguém senta à frente. Então, é uma caracterização imprópria. Mas de toda sorte é assim que nós fazemos. E aqui nós não temos índios. Nós só temos caciques. Tanto é que me perguntaram: "Quem sentará à frente?". Eu disse: "Não ponham o nome de ninguém, porque todos são igualmente especialistas nas suas instituições, nos seus países, nessa questão". Cada um aqui sabe um pouco mais do que todos os outros na sua especialidade, e isto faz a riqueza de um grande debate, e é a partir daí, dos anais, que as duas comissões já se propuseram a editar. |
| R | Com estes agradecimentos, passo de novo a palavra a V. Exª para, aí sim, declarar o encerramento deste evento, se quiser encerrá-lo, porque nós podemos continuar com ele. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PPS - DF) - Eu tenho que encerrar e correr para lá. Mas eu quero, antes de encerrar, pedir que deixem o audiofone, o headphone, é melhor, em cima da mesa e dizer, antes que o tirem - é uma palavra -, que faltou, para ser panteísta, um agradecimento à Mãe Terra. Sem ela a gente não existiria e dela a gente tem que cuidar. (Palmas.) Estou sendo informado de que a nossa livraria... Temos aqui uma boa biblioteca e uma livraria com uma editora com muitos livros. Os que quiserem visitá-las nossa equipe vai acompanhar para vocês terem acesso a elas. Peçam um bom desconto. (Iniciada às 9 horas e 16 minutos, a reunião é suspensa às 18 horas e 39 minutos do dia 22/05/2017. Reaberta às 9 horas e 13 minutos do dia 23/05/2017, a reunião é encerrada às 18 horas e 57 minutos.) |
