Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PMDB - MA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 30ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012, que dispõe sobre a reforma do Código Penal brasileiro, conforme o Requerimento nº 22, de 2017, da iniciativa do Senador Antonio Anastasia. |
| R | Esta reunião será realizada em caráter interativo com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211 São convidados de hoje o Dr. Douglas Fischer, Procurador Regional da República; Dr. Pierpaolo Cruz Bottini, Advogado e Professor da Universidade de São Paulo - USP; Dr. Antônio Carlos de Almeida Castro, Advogado, aqui representado pelo Dr. Marcelo Turbay; Dr. Luís Grego, Professor da Universidade de Augsburg; Dr. Alaor Carlos Lopes Leite, Professor da Universidade de Augsburg; Dr. Gustavo de Oliveira Quandt, Defensor Público da União; e Dr. Frederico Gomes de Almeida Horta, Professor universitário da Universidade Federal de Minas Gerais. Peço aos Srs. Convidados que tomem seus lugares à mesa. (Pausa.) De acordo com o art. 94 do Regimento Interno, a Presidência adotará as seguintes normas: cada convidado fará sua exposição e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Srªs e Srs. Senadores inscritos. A palavra às Srªs e Srs. Senadores será concedida na ordem de inscrição. Os interpelantes dispõem de três minutos, assegurado igual prazo para resposta do interpelado, sendo vedado interpelar os membros da Comissão. Os Srs. Convidados terão de 20 a 30 minutos para sua exposição inicial. Concedo a palavra ao Senador Antonio Anastasia. O SR. ANTONIO ANASTASIA (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Muito obrigado, Sr. Presidente, eminente Senador Edison Lobão, pela gentileza de me conceder a palavra para uma introdução da audiência, resultado de um requerimento de minha autoria como Relator da proposta de revisão do Código Penal. |
| R | Eu quero agradecer muito e de maneira bastante efusiva a presença de todos os convidados, por dedicarem parte do seu tempo a um tema tão delicado como esse, eles que são especialistas, doutrinadores e procuradores, enfim, profissionais que lidam nessa área. Quero saudar as eminentes Senadoras Simone Tebet e Ana Amélia que aqui se encontram. Se V. Exª me permite, Sr. Presidente, gostaria de dizer que o propósito desta audiência é exatamente o de fornecer subsídios não só ao Relator, no meu caso, mas ao próprio Senado da República em um tema controverso, complexo e cujo projeto já se arrasta há alguns anos nesta Casa. Não terei, como Relator, qualquer tipo de açodamento, de pressa; ao contrário, Senador Lasier, a quem estendo os meus cumprimentos também, a nossa pretensão é exatamente auscultar diversos segmentos. Esta é a primeira audiência de uma série que pretendo realizar, ouvindo segmentos especializados, inclusive magistrados de Primeira Instância, advogados, mais procuradores e outros professores, com o objetivo de dar o caráter mais democrático possível a essa proposta. O objetivo fundamental da metodologia que adotei é tentar dividir a Parte Geral da Parte Especial, de tal modo que tenhamos, num primeiro momento, uma proposta da Parte Geral para, depois, discutirmos a Parte Especial, que é assim mais trabalhosa, Sr. Presidente, porque cuida dos crimes em espécie, cada qual com a sua pena. Mas repito: nós o faremos sem pressa, sem nenhum açodamento, com muita cautela, como demanda uma matéria com essa dimensão e com essa complexidade. Então, mais uma vez, agradeço muito a presença de todos os eminentes convidados e agradeço a V. Exª a oportunidade de falar esta introdução. Obrigado, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PMDB - MA) - Obrigado, Senador Antonio Anastasia, Vice-Presidente desta Comissão. Concedo a palavra, inicialmente, ao Dr. Alaor Carlos Lopes Leite, por 20 minutos. O SR. ALAOR CARLOS LOPES LEITE - Obrigado, Sr. Presidente desta Comissão de Constituição e Justiça, Senador Edison Lobão. Cumprimento o Relator do PLS nº 236, de 2012, Senador Antonio Anastasia, a quem agradeço pelo honroso convite que nos dirigiu para discutir esse tema relevante. Cumprimento, naturalmente, todos os presentes, os colegas Consultores, Senadores e Senadoras que aqui nos acompanham neste debate. Dentro do tempo que me cabe, gostaria de contar brevemente os caminhos tortuosos por que passou essa reforma penal, desse PLS nº 236, que já se arrasta há cinco anos. E um dado central do PLS nº 236, de 2012, é que a história dessa proposição legislativa se confunde com a história da sua crítica científica. Esse projeto é controvertido desde o primeiro dia em que foi proposto. Esse caminho tortuoso, então, desde 2012, produziu, em cinco anos, três versões do PLS nº 236. Uma primeira versão apresentada após sete meses, um primeiro relatório redigido por uma comissão oficial coordenada, à época, pelo Procurador da República Luís Carlos dos Santos Gonçalves. A esse primeiro relatório, que foi objeto de grande crítica, seguiu-se um substitutivo, já sob a relatoria do Senador Pedro Taques. E após, no final de 2014, seguiu-se um segundo substitutivo, uma reforma dentro da reforma, sob a relatoria do então Senador relator desse PLS 236, Senador Vital do Rêgo. Em cinco anos três versões. E aquele que se propõe a analisar hoje o projeto se depara com o primeiro problema: não se sabe bem qual é a versão válida. |
| R | Esse caminho tortuoso é marcado, ademais, por duas características. A primeira, pela ausência de diálogo entre os reformadores e a ciência jurídica. A ciência jurídica produziu farto material crítico em relação à reforma, e esse material, apesar dos cinco anos de processos revisionais, não foi levado em consideração. A primeira característica, então: uma ausência de diálogo entre legislador e ciência. E a segunda característica, altamente preocupante, é a existência, a partir do segundo substitutivo, de uma espécie de comissão de bastidor. Não havia mais, desde o primeiro relatório, uma comissão oficial; essa comissão havia sido extinta. E, a partir do segundo relatório do primeiro substitutivo e do segundo substitutivo, há uma espécie de trabalho conjunto de mãos que não são conhecidas do público em geral. Essa ideia de reforma penal com comissões de bastidor é recorrente na história nacional. Foi também assim com o Código de 1940, que decorria de um projeto de 1937, de Alcântara Machado, e foi revisado por uma comissão desconhecida de todos e que apresentou, então, o que se conheceu depois como Código Penal de 1940. Todo esse caminho tortuoso indica a razão pela qual, então, após cinco anos, essa reforma ainda não pôde prosperar. A excessiva ambição, qual seja a de reformar globalmente o Código Penal, somada a um açodamento e somada a uma desorientação técnica que produziu três versões fizeram com que a relevante missão de reformar a legislação penal brasileira não prosperasse. Depois de um ano sem relatoria, esse PLS encontra, então, guarida segura no Senador Antonio Anastasia, e surge, com esse fato novo, depois desse caminho errante, um alento, qual seja o de discutir - e para isso estamos aqui no dia de hoje - o essencial, o coração da legislação penal, que é precisamente a parte geral. Naturalmente, o debate público se centra nos crimes em espécie, num aumento de pena aqui, numa diminuição de pena acolá, numa criação de crime aqui, numa descriminalização acolá. Mas todo esse sistema é suportado por um coração, por uma viga mestra, por uma fundação, que é precisamente a parte geral do Código Penal. O fato novo, então, com a nova relatoria do Senador Antonio Anastasia, nos permite um retorno à discussão essencial, uma sistematização da legislação penal brasileira pressupõe segurança e consistência na Parte Geral. A Parte Geral, diferentemente dos crimes em espécie, não deve ser revisada periodicamente. Ao contrário, a Parte Geral do Direito Penal consolida um processo de interação bastante complexo entre legislação, ciência e jurisprudência que se dá ao longo de uma tradição jurídica e, na Parte Geral do Código Penal, estabilidade é uma garantia. A Parte Geral não deve ser adaptada periodicamente porque está precisamente nela o germe para que todo o restante da legislação se adapte. A Parte Geral é, portanto, o músculo que permite que todo o organismo, que todas as leis penais se adaptem às circunstâncias. Nesse sentido, a partir da convocação do Senador Antonio Anastasia e depois de cinco anos de crítica científica da reforma penal, surgiu-nos a pergunta: como contribuir com esse relevante PLS 236, na medida em que tudo o que já foi proposto anteriormente, seja pelo substitutivo do Senador Pedro Taques, seja pelo substitutivo do Senador Vital do Rêgo, já foi objeto de crítica científica? Como contribuir? Como fazer essa reforma caminhar? |
| R | No momento em que a reforma atingiu o seu ápice, no final de 2014, parte da ciência brasileira entoou um certo coro, que era o seguinte: deixem a Parte Geral como está. E propomos que a reforma se confinasse, então, à Parte Especial, na medida em que os equívocos constantes do PLS 236 eram tais e tantos que não havia como propor emendas e reparos pontuais, insulares. A nossa proposta, portanto, era manter a Parte Geral, que não é de 1940, mas que é de 1984 e produto de várias alterações posteriores. Surgiu, então, o desafio de buscar um modo de contribuir com esse projeto de lei. Descartamos, de saída, um remendo ao último substitutivo do PLS 236 e pensamos que os caminhos da reforma devem partir, como texto base, não do confuso e assistemático PLS 236, a partir de seu último substitutivo, mas, sim, do texto vigente, produto de uma reforma conscienciosa realizada em 1984. O texto base sobre o qual trabalhamos, então, é o código vigente e não a versão atual do PLS 236. A partir desse texto base é possível propor novos caminhos, e nos pareceu que a maneira mais adequada, que o formato mais responsável para contribuir com esse PLS 236, era a oferta de propostas concretas a partir do texto base da Parte Geral de 1984. |
| R | Propomos, então, alteração de redação para os dispositivos vigentes, sem nenhuma tentativa de consertar o inconsertável. A ideia é de que após essa discussão se possa, então, confrontar o PLS nº 236 tal como ele está na última versão do substitutivo com o novo texto-base por nós humildemente proposto, de lavra do Prof. Luís Greco, do Prof. Frederico Horta, do Prof. Adriano Teixeira que não está presente, do Prof. Gustavo Quandt, e de minha lavra. Propomos, então, redações concretas como alternativa ao último substitutivo. E se trazemos essas propostas em formato acabado, não é por crer que essas propostas são definitivas, não é por crer que elas se encontram em estado perfeito, mas é porque um debate racional só é possível a partir de propostas concretas, de outro modo o debate corre o risco de se perder em divagações, tal como, lamentavelmente, ocorreu no processo anterior do PLS nº 236. A reforma de 1984 manteve muito do Código Penal de 1940. Mas também a decisão de manter alguns dispositivos e de manter a moldura do Código Penal de 1940 é uma decisão relevante, uma decisão em favor da estabilidade. A reforma de 1984 expulsou da parte geral do Código Penal alguns equívocos essenciais, como a responsabilidade penal objetiva, presente nos crimes qualificados pelo resultado, e adaptou o sistema de penas à nova realidade do País. De fato, superveniente à reforma de 1984, temos nada menos do que a Constituição da República de 1988. Então, qualquer nova proposta para a parte geral do Código Penal deve levar em conta aquilo que a Constituição da República inaugurou ou reconheceu. E para o Direito Penal, é fundamental o respeito, por parte da parte geral do Código Penal, dos princípios da legalidade e da culpabilidade; da ideia de que a lei deve ser precisa o suficiente para orientar comportamentos e de que a culpabilidade é individual, é personalíssima, e não há transferência de responsabilidade no Direito Penal brasileiro. A parte geral atual conhece, ainda, dispositivos que estão em fricção com a ideia de legalidade e com a ideia de culpabilidade, sobretudo no regime da autoria e da participação, a respeito do qual o meu colega, Luís Grego, falará depois. Tendo como texto-base não mais o substitutivo, mas a parte geral atual em vigor, é preciso dizer quais foram os objetivos que nos animaram nessa contribuição para o debate. O primeiro objetivo era analisar toda a parte geral do Código Penal brasileiro, confrontá-la com tudo aquilo que foi inaugurado ou reconhecido pela Constituição de 1988, mas através da lente da tradição jurídica brasileira, através da lente da doutrina brasileira, dos projetos do passado e da jurisprudência de nosso País. |
| R | Esse Código, naturalmente, é um Código para o Brasil. Mas um código para os dias de hoje tampouco pode fechar os olhos para as experiências estrangeiras, tomando um cuidado de, ao incorporar experiências estrangeiras, realizar uma inspeção alfandegária minuciosa para evitar o transporte de teorias alienígenas que tanto mal produziram para o Direito Penal brasileiro, vide o caso da Ação Penal nº 470 e a tal teoria do domínio do fato, mal recepcionada pela nossa jurisprudência e mal recepcionada pelo PLS nº 236 em sua última versão do substitutivo. De um lado, reconhecer a tradição jurídica brasileira; de outro, observar a experiência estrangeira. Estes foram os nossos propósitos mais amplos. Dentro desses propósitos, era preciso adotar critérios que pudessem nos orientar no sentido de decidir o que deve e o que não deve ser alterado na Parte Geral do Código Penal atual. Já foi dito que, nesse setor, no coração, na fundação do Direito Penal, estabilidade é uma garantia. Constantes alterações na Parte Geral produzem efeitos sobre todos os delitos em espécie e são, portanto, mais perniciosas do que um equívoco qualquer que fique confinado a este ou aquele delito. Não é possível errar na Parte Geral do Código Penal. Desse modo, o equilíbrio que buscamos foi um equilíbrio entre parcimônia e inovação: parcimônia onde há dúvida e inovação onde há estabilidade dogmática na discussão nacional e na discussão internacional. Pareceu-nos que, então, apenas os defeitos reconhecidamente insuportáveis deveriam ser expungidos da Parte Geral atual. Seguimos aqui a máxima de um conhecido penalista alemão, Karl Binding, que dizia que o bom legislador é como o bom cirurgião, só recorre à faca onde há enfermidade. E, lamentavelmente, o que se observou no PLS nº 236 é que essa máxima de parcimônia do legislador, além de não ser respeitada, foi violada no sentido de que o PLS nº 236, na sua última versão, num afã de inovação, esfaqueou inclusive órgãos que andavam saudáveis. O que são defeitos insuportáveis para uma parte geral de Código Penal? Em primeira linha, esses defeitos insuportáveis são aqueles que implicam uma fricção direta com princípios constitucionais, como o da legalidade e como o da culpabilidade. Nesse setor, o maior exemplo e o maior exemplo de fricção é a regulação da autoria e da participação que será objeto de escrutínio pelo Prof. Luís Greco. Mas também há outros setores que andavam em confronto com a Constituição da República de 1988 e com princípios basilares reconhecidos por essa Constituição, como é o caso, igualmente, do regime da embriaguez voluntária ou culposa, disposto no art. 28, II, do Código atual. |
| R | O conserto de defeitos insuportáveis exige alterações reflexas para garantir a sistematicidade do Código. Também a esse tipo de alteração reflexa nós procedemos pontualmente, como na exclusão dos dispositivos soltos, como dispositivos sobre o erro sobre a pessoa, que, em verdade, era uma forma de autoria mediata escondida no artigo equivocado do Código Penal - topograficamente equivocado. Então, consertamos defeitos insuportáveis, que exigiram algumas alterações reflexas. Também a essas alterações reflexas nós procedemos nessa nossa proposta, que não é mais do que uma proposta de debate. A parte geral atual também conhece defeitos lógicos, conhece incoerências, e também essas incoerências deveriam ser expulsas de uma parte geral minimamente razoável. Para ficar apenas como exemplo bastante técnico, havia uma contradição, há uma contradição muito grande entre a não punição do chamado crime impossível e a regulação do erro sobre a pessoa no art. 20, §3º. Também defeitos internos, incoerências internas à parte geral foram, então, objeto de nossas preocupações. Além de defeitos insuportáveis, havia necessidade de atualização legislativa, especialmente no setor de penas, em face de leis posteriores. É o caso, por exemplo, da regulação das medidas de segurança, que exigiam uma renovação a partir da edição da Lei da Reforma Psiquiátrica, a Lei 10.216, de 2001. Também o regime da detração estava defasado, depois da grande reforma pela qual passou o sistema de penas em 1998 e também em razão da nova lei das medidas cautelares pessoais no processo penal, Lei 12.403, de 2011. Então, defeitos insuportáveis, alterações reflexas, atualização legislativa: essa é a expressão da parcimônia daquele que propõe uma reforma da lei penal de seu país. Mas há também o aspecto da modernização, uma nova proposta de parte geral deve buscar precisamente esse equilíbrio, e não hesitamos, portanto, em inovar em alguns aspectos que gozam de estabilidade dogmática no ambiente nacional e no ambiente internacional. Dois exemplos. O primeiro, o regime do estado de necessidade, altamente defasado, produto da imaginação do legislador de 1940, foi amplamente reformado. Também esse instituto será objeto das próximas exposições. Autoria e participação, conforme já expus, foi também objeto de uma total remodelação, de modo que a legislação penal brasileira não admite sequer um flerte com qualquer modalidade de responsabilidade penal objetiva. Também o regime de concurso de penas, de caráter nitidamente medieval e sem par nas tradições jurídicas contemporâneas, foi revisto e será objeto de cuidado do Prof. Frederico Horta. |
| R | Mas a nossa parcimônia também nos indicou que temas excessivamente polêmicos sobre os quais não há consenso científico e que podem ser regulados posteriormente por lei especial sem que se agrida a sistematicidade da Parte Geral do Código Penal foram deixados de lado na nossa avaliação, na nossa proposta alternativa. Foi o caso da colaboração com a Justiça, da colaboração premiada, que vinha prevista, que vem prevista no último substitutivo do PLS 236, de 2012, com uma regulamentação bastante diversa daquela vigente atualmente na Lei 12.850, de 2013, e tocando em pontos que ainda são muito sensíveis para o Direito Penal brasileiro. De modo que não nos parece agora o momento ideal, o momento de estabilidade suficiente para que se possa trazer para o regime da Parte Geral do Código Penal uma figura que hoje tem sua existência limitada a um setor da legislação penal brasileira. Também foi essa a nossa opção em relação à responsabilidade penal da pessoa jurídica, prevista amplamente no PLS 236, de 2012, e que hoje, no Direito vigente, está cingida aos crimes ambientais na Lei 9.605. Também a responsabilidade penal da pessoa jurídica não ingressa e não ingressaria na parte geral de um código penal, segundo aquilo que nos parece o correto, segundo aquilo que consta dessa proposta que oferecemos agora para debate. Essas palavras iniciais visam a introduzir o que os meus colegas posteriormente apresentarão aos senhores e às senhoras. Nossa ideia central, portanto, é abandonar o último substitutivo do PLS 236, produto de caminhos tortuosos e produto de uma comissão que não se conhece, de duvidosa solidez dogmática, e cuja aprovação representaria um grande fracasso legislativo, pois no dia seguinte à promulgação do PLS 236 haveria necessidade de reformá-lo. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PMDB - MA) - Muito obrigado, Dr. Alaor. Nós vamos ouvir os demais conferencistas, se o Relator estiver de acordo, e, ao final, realizo o debate. Concedo agora a palavra ao Dr. Luís Greco, que é também Professor da Universidade de Augsburg, para a sua exposição. O SR. LUÍS GRECO - Senador Edison Lobão, muito obrigado pela oportunidade de estar aqui presente. Senador Antonio Anastasia, também lhe agradeço muito pela oportunidade. Agradeço a todos os presentes e cumprimento também aquelas pessoas com quem tenho a honra de compartilhar esta mesa. O objeto das minhas considerações será a Teoria do Delito na Parte Geral do Código Penal. Eu vou cuidar especificamente daquilo que na Parte Geral vigente está regulado no Título II, Do Crime. Introdução. |
| R | O Direito Penal, especialmente a chamada Teoria do Delito, que define os pressupostos gerais a que tem de atender uma conduta para que se lhe possa chamar delituosa, é matéria eminentemente técnica que maneja complexos aparatos conceituais compostos de princípios, estruturas e definições. Por trás dessa complexidade, contudo, existe o esforço de instituir e regular uma ordem de liberdade, de delimitar o que cada qual pode fazer, tanto em relação aos demais cidadãos quanto em relação ao Estado. O Direito Penal determina os limites da liberdade de cada um de nós, diz-nos quando podemos atuar sem temer uma reação em legítima defesa praticada por um concidadão ou um sancionamento mediante pena estatalmente imposta. O Direito Penal é, assim, não apenas um direito de combate aos delinquentes, mas ele incide sobre a vida de cada um de nós, de cada membro de nossas famílias, de cada cidadão brasileiro. Minha presente exposição se concentrará nessa dimensão que está por trás da parte técnica, nessa dimensão em que o Direito Penal incide na vida de cada cidadão brasileiro. Tentarei demonstrar como a falta de técnica do PLS 236, que os Srs. Senadores agora também examinam, afetará a vida dos senhores, de suas famílias, de seus eleitores, de cada um de nós - bem, não tanto a mim, uma vez que moro fora. Mas, de novo, a crítica não é um fim em si próprio. Nós, Alaor Leite, Frederico Horta, Gustavo Quandt e Adriano Teixeira, que hoje infelizmente não está presente, mas participou da elaboração dessa nossa proposta alternativa, nós tentamos demonstrar como se poderia ter feito melhor, ao menos na Parte Geral. O nosso objetivo hoje aqui, o objetivo dessas quatro pessoas ao menos, é convencer os Srs. Senadores a não levar adiante a reforma nos termos em que ela está proposta no PLS 236, e isso não apenas pelos erros técnicos que esse projeto contém, mas principalmente pelo impacto que essa reforma teria sobre a vida de cada cidadão brasileiro. Procederei da seguinte forma. Em um primeiro momento falarei das chamadas causas de justificação. Meu objeto é a Teoria do Delito, então vou falar, num primeiro momento, das chamadas causas de justificação ou causas de exclusão da antijuridicidade; a seguir, das causas de exculpação; e, por fim, tecerei algumas considerações sobre a problemática do concurso de pessoas. Causas de justificação - algumas considerações prévias -, causas de justificação e dever de suportar. Causas de justificação geram, como se diz na doutrina, dever de suportar. Isso, no seguinte sentido: elas retiram o direito da vítima de atuar em legítima defesa, uma vez que essa legítima defesa pressupõe injusta agressão. Na redação do Código Penal vigente, mantida em sua integralidade pelo PLS 236, cito: "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Causas de justificação ou de exclusão da antijuridicidade excluem a natureza de injusta de uma agressão. Isso quer dizer concretamente, olhando de novo para a vida das pessoas: a vítima que resiste a um agressor que atua justificadamente, por exemplo empurrando-o e jogando-o ao chão, responderá pelo crime de lesões corporais. Isso é o que significa justificar uma conduta, significa punir a vítima por lesões corporais. Mantenhamos isso em mente em relação aos últimos tópicos em que pretendo adentrar, quais sejam o princípio da insignificância, o estado de necessidade e o exercício regular de direito - vou falar desses três tópicos. Princípio da insignificância. O PLS 236 previu o chamado princípio da insignificância entre as causas de exclusão do crime. Reza uma das versões do PLS, parece-me que a última, que: "Não há crime quando cumulativamente se verificarem no caso concreto e sendo possível o seu reconhecimento - português meio complicado - as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão jurídica provocada." |
| R | Depois vem o parágrafo único, que aqui não nos interessa. Esses requisitos, originários em boa parte da jurisprudência, não são apenas obscuros e plenos de redundâncias. O que quero recordar é que, se o dispositivo desse artigo virar lei, nenhum cidadão brasileiro que estiver sentado em um parque lendo o seu jornal ou bebendo a sua latinha de cerveja ou de Coca-Cola poderá empurrar um marginal que tente subtrair-lhe um desses dois objetos, uma vez que correrá o risco de ser punido por lesões corporais sem legítima defesa. Pensamos, assim, que, se é de reconhecer-se o princípio da insignificância, tal não pode ocorrer da maneira que fez o PLS. Na nossa proposta alternativa, optamos, assim, por não prever esse princípio. Estado de necessidade. O PLS 236 manteve o amplíssimo estado de necessidade, conhecido de nossa legislação, reformulando-lhe a redação e criando uma distinção que, no momento, não interessa discutir. A ideia central do art. 29 do PLS é que age justificadamente aquele que interfere na esfera de outrem para eliminar perigo - e agora cito, entre aspas - quando "não seja razoável exigir o sacrifício do bem jurídico levando-se em consideração sua natureza ou valor". Fecho aspas. Quero outra vez apontar para o que esse dispositivo concretamente significa para a vida de cada um de nós. Se, em um hospital, um paciente necessita urgentemente de um rim e o paciente do quarto ao lado tem, como sói ocorrer, dois, não se enxerga por que, na redação do dispositivo, não estará o médico autorizado a tirar um rim do paciente do quarto ao lado para salvar a vida do primeiro. Mais: o paciente do quarto ao lado não poderá dizer "não", não poderá resistir em legítima defesa. Se ele ou alguém que o queira proteger o fizer, lesionando o médico que se aproxima com um bisturi, serão os dois punidos por lesões corporais. O PLS 236 olha apenas para aquele que age para escapar da situação de necessidade - em nosso caso, para o médico - e ignora as vítimas, aquelas cujos bens são lesionados para que se possibilite esse escape. O paciente do quarto ao lado poderia ser cada um de nós. Nosso segundo rim não estará mais seguro se for aprovado o PLS 236. Nosso segundo rim estará sujeito a uma reserva de bem comum. Em nossa proposta alternativa solucionamos esse problema, que no CP vigente ainda se apresenta, se bem que não de forma tão aguda quanto no PLS 236. Consideramos inaplicável o estado de necessidade - e cito - se não for "razoável impor ao lesado" - e não mais ao agente; ao lesado - "o sacrifício do seu bem". Fecho aspas. Exercício regular de direito. O PLS 236 mantém entre as causas de justificação o exercício regular de direito, já presente no Código Penal vigente. Nós propomos a supressão do dispositivo. O médico que nos opera corta o nosso corpo. À primeira vista, ele não difere, assim, do delinquente que nos agride com uma faca. Parece evidente, contudo, que tem de existir uma diferença entre o médico e o delinquente. E a explicação tradicional, dada com base na legislação vigente, é que a diferença está em que apenas o médico exercita regularmente um direito. Médicos estudaram, obtiveram diploma, e isso os autoriza a operar, isto é, a também cortar nossos corpos. A explicação tradicional, entretanto, não convence. Não é o diploma universitário do médico que lhe confere um direito sobre o corpo de cada um de nós - que poderia ser eu, poderiam ser os senhores ou um cidadão brasileiro qualquer. Apenas o próprio paciente, isto é, o seu consentimento pode conferir ao médico esse direito. Essa obviedade já é assente na Alemanha desde 1894 e é admitida em vários países estrangeiros. No Brasil, a figura do exercício regular de direito cria a perigosa ilusão de que o médico tem uma faculdade de dispor do corpo de outra pessoa segundo seu juízo pessoal. |
| R | Isso significa concretamente - de novo olhando para o que essas regras abstratas e técnicas representam para a vida de cada um de nós - que, se um médico procede a uma ligadura de trompas de uma paciente grávida porque em meio a cesariana bastante complicada ele acredita que seria melhor para essa paciente não engravidar outra vez, esse médico não seria punível pela lesão corporal praticada, ainda que não tenha consultado a paciente a respeito da esterilização e muito menos obtido a autorização dessa paciente para tanto. Isso significa também que nenhum brasileiro tem a garantia de que, ao se submeter a uma operação, o médico, que se crê autorizado pela lei a curar, lhe conte realmente tudo que esse paciente precisa saber para consentir de forma esclarecida ou não aproveite a situação de anestesia para livrar o paciente de outros tantos males que, ao ver do médico, deveriam ser eliminados. Em outras palavras, se o estado de necessidade do PLS 236 põe em risco nosso segundo rim, o exercício regular de direito põe em risco as trompas das mulheres que se submetem a cesarianas. Mas se alguma pessoa resolve impedir o médico de proceder a essas intervenções arbitrárias e tem de lesioná-lo para tanto, de novo essa pessoa será punível pelas lesões corporais cometidas contra o médico, uma vez que não atuará para repelir a agressão injusta. Agora, um aspecto adicional que é um dos erros mais gritantes do PLS, o erro de tipo permissivo, a regulamentação das chamadas descriminantes putativas. De que se trata aqui? Trata-se da situação de alguém que se supõe em legítima defesa. Ele se supõe agredido, mas reage, mata seu suposto agressor, e depois se descobre que não havia essa injusta agressão naquele caso. O que se discute é se essa pessoa tem de ser castigada por um homicídio doloso ou por um homicídio culposo, e a tradição do nosso Direito e a opinião internacionalmente mais difundida é de que uma pessoa que atua numa situação como essa atua com desatenção, então responde por culpa e não responde como criminoso doloso. Aqui o PLS intervém e muda essa tradição do Direito brasileiro no sentido de uma punição por fato doloso. O PLS, remando contra a maré da tradição jurídica brasileira e contra o que é majoritariamente entendido como correto fora do País, entende que atua dolosamente quem supõe a existência dos pressupostos objetivos de causa de justificação. Como acabei de dizer, a nossa tradição é de que nesses casos haveria, no máximo, culpa. De novo, observemos o que isso significa para a vida dos brasileiros uma vez que o projeto que os senhores têm em mãos virasse lei. Nosso problema agora não será mais o chamado dever de suportar a perda do direito de legítima defesa, e sim uma injustiça que creio que salta aos olhos se pensarmos sobre as situações da vida que a lei regula e não apenas sobre os conceitos que ela contém. Essa injustiça implicará também, como veremos, uma desvalorização da legítima defesa dos cidadãos. Eu pediria aos senhores que imaginem dois casos bastante claros e, em seguida, um terceiro, e que reflitam se o terceiro caso se assemelha mais ao primeiro ou ao segundo. Na primeira situação, teríamos uma menina de 19 anos que encontra o revólver do pai que se mantinha escondido em uma gaveta. Ela não resiste à tentação de brincar com a pistola. De repente, toca a campainha, ela se assusta e, por infelicidade, aciona o gatilho da arma, que acaba por ferir mortalmente a pessoa que estava à porta, o pai da menina. A filha poderá responder, no máximo, por homicídio culposo, com pena de um a três anos e com a possibilidade de o juiz deixar de aplicar a pena em razão das graves consequências de infração para a própria autora, que acaba de se fazer órfã. Imagine-se agora que a campainha toque, a menina, que tem a pistola da mão, se aproxime da porta e veja, pelo olho mágico, um sujeito que ela considere, por qualquer razão, suspeito. Ela pensa: "Não correrei risco algum, isso só pode ser um ladrão, eu não sou obrigada a autorizar ninguém à minha porta mexendo na minha campainha". Ela abre a porta e dispara mortalmente contra o suspeito. Na verdade, tratava-se de um vizinho que queria perguntar se seria possível obter uma colher de manteiga. Aqui não há dúvida de que o fato é doloso, A pena não é mais de um a três anos e, sim, de seis a vinte. Não há mais possibilidade de deixar de aplicá-la. A crença de estar autorizado a matar em uma situação como essa é, no máximo, como se diz, um erro sobre a ilicitude do fato, que deixa o dolo intacto e permite uma redução de pena. Segundo o PLS, impõe uma redução de pena; segundo o Código vigente, pode haver uma redução de pena. |
| R | O que me interessa aqui, entretanto, é a terceira situação. Imagine que o pai, que poderia ser um advogado, um arquiteto, um motorista de táxi, um Senador, consiga sair mais cedo do trabalho do que de costume para fazer uma surpresa à filha. Ele passa em uma loja de chocolates, entra em casa sem tocar a campainha e aproxima-se sorrateiramente da filha. Quando ela, que tem o revólver na mão, percebe a presença de alguém a poucos metros da sua pessoa, assusta-se, supondo um invasor que haveria de incapacitar antes que fosse tarde demais, e dispara matando o próprio pai. A nossa tradição trata esse fato, em que a filha mata o pai supondo tratar-se de um invasor, como caso, como eu disse, de culpa e não de dolo, isto é, análogo ao primeiro caso, ao caso da menina que brinca com a pistola e dispara sem querer, em que a filha dispara por acidente. O PLS, contudo, propõe um tratamento análogo ao segundo caso, da pessoa que dispara porque se crê autorizada a matar suspeitos. O PLS determina que a pena da filha na terceira situação será de 6 a 20 anos, reduzida, de 1/6 a 1/3, sem possibilidade de perdão judicial, passando por alto o fato de que a menina atua por desatenção, como na primeira hipótese. A diferença fica ainda mais clara se os disparos não matarem ninguém. No primeiro caso, do disparo acidental, não há homicídio. No segundo, há claramente tentativa, punível. Segundo o PLS, no terceiro caso, a filha também deveria ser punida por tentativa de homicídio, com se ela tivesse querido matar o pai e não apenas se defender. Parece-me que aqui o PLS simplesmente não sabe o que está fazendo. Concretamente, ele gera um risco inaceitável a todos os cidadãos que se vejam em situação de atuar em legítima defesa. Se eles avaliarem erroneamente a situação, uma situação que, observe-se, exige decisões rápidas serão tratados como criminosos ordinários que atuam com dolo. Aqui, por razões frívolas as quais não quero adentrar, o PLS acaba por desvalorizar o direito de legítima defesa de cada um de nós. Com isso, concluo a parte sobre causas de justificação e passo às causas de desculpação. O PLS, quando inova, em geral, erra, e, diante dos defeitos mais insuportáveis do Direito vigente, ele se omite. No que diz respeito à chamada culpabilidade, esses defeitos são principalmente o tratamento dispensado à embriaguez e ao fato por praticado por emoção ou paixão. Começo, outra vez por um esclarecimento preliminar a respeito do que significa essa misteriosa ideia que os penalistas chamam de culpabilidade e que, na linguagem cotidiana, se designa mais pelo termo culpa. O conteúdo dessa ideia é objeto de profunda controvérsia científica cujos detalhes técnicos, de novo, não interessam. O fundamental aqui, mais uma vez, é a relevância para a vida de cada um de nós. E essa relevância está no fato de que não queremos correr o risco - nenhum de nós quer - de ser punido por aquilo que não podemos evitar. A pena estatal não é uma fatalidade do destino tal qual uma doença que nos acomete e, sim, algo que, de certo modo, o criminoso escolhe trazer para si ao decidir-se pelo cometimento do crime. Os cidadãos, quer dizer, cada um de nós tem o direito de conduzir a própria vida de modo que lhe seja possível evitar a pena. A pena que deixa de ser uma escolha e se torna uma fatalidade do destino tem, assim, um problema de legitimidade. A culpabilidade é escolha em favor do crime e, portanto, em favor da pena. No plano da culpabilidade, não se trata mais, ao contrário do plano da justificação, de limitar as esferas de liberdade dos cidadãos e, sim, de determinar se aquele que interveio na esfera de liberdade alheia escolheu fazê-lo, podendo, portanto, ser responsabilizado ou se o fez por uma fatalidade do destino. |
| R | No que diz respeito ao tratamento da embriaguez e da emoção ou paixão, o PLS, é verdade, não acrescenta injustiças, apenas perpetua as injustiças já existentes na nossa legislação. Nossa proposta alternativa soluciona, entretanto, esses problemas. Primeiramente, a embriaguez. Supõe-se que, numa ocasião festiva, algum de nós - e apenas os abstinentes estarão livres disso - passe um pouco da conta no que diz respeito ao consumo de álcool. De súbito, outro dos presentes, que, como se diz coloquialmente, está procurando problema, começa a injuriá-lo e a provocá-lo. Nosso autor perde a cabeça e o ataca, lesionando-o. Aqui, o Código Penal vigente castiga o nosso autor por lesões corporais dolosas, independentemente de mais, simplesmente pelo fato de que a embriaguez não isenta de pena. O PLS, depois de fazer uma tentativa de melhorar um pouco a situação, na versão original, castigando apenas quando o fato, quando as lesões fossem, no momento do consumo do álcool, previsíveis, retornou, pelo que eu entendi, ao regime do Código vigente. Como o Prof. Alaor Leite disse, é difícil saber qual é a última versão do PLS nº 236. Mas, enfim, o PLS continua a declarar penalmente arriscado para os cidadãos embriagar-se, ainda que a comercialização e o consumo de álcool sejam atividades lícitas. Quem se embriaga, voluntariamente ou mesmo culposamente, responde pelo que ocorrer nessa situação de embriaguez. O correto seria punir por dolo caso quem se embriaga, ao embriagar-se, quer ou assume o risco de cometer o fato; e por culpa caso esse fato fosse previsível já no momento anterior. Essa, a solução que apresentamos em nossa proposta alternativa. Mais grave é o regime da emoção ou paixão previsto no PLS. Aqui, se lhes nega, terminantemente, qualquer efeito excludente de culpabilidade. O mais correto, pensamos, seria operar aqui com a regra geral da imputabilidade, ou seja, de que uma perturbação mental, qualquer que seja a sua origem, pode, sim, afetar a culpabilidade caso ela retire do agente a possibilidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento. Essa é a solução de vários Direito europeus, como o alemão. Na emoção ou paixão, isso muito dificilmente ocorrerá. Quase nunca vai haver exclusão de culpabilidade por emoção ou paixão, mas pode ocorrer. Assim, não há que supor, de antemão, que isso não seja possível. Último tópico: concurso de pessoas. A matéria do concurso de pessoas, isto é, do envolvimento de vários na realização de um delito, é de enorme tecnicismo. Tentarei capturar aqui apenas as ideias iniciais, que não podem ser perdidas de vista quando se pensa sobre a tecnicidade da matéria. A ideia essencial é a seguinte: no Direito Penal, impõe-se ao delinquente uma sanção que, prototipicamente, o atinge num direito personalíssimo, em especial na sua liberdade de locomoção. A perda desse direito tem que ser legitimada. Isso se faz exigindo que o delito seja uma escolha do delinquente e não apenas uma fatalidade do destino, como disse agora atrás. (Soa a campainha.) O SR. LUÍS GRECO - Como cada um responde com a sua própria liberdade, cada um responde apenas pelas suas próprias escolhas. E, no Direito Penal, não existe então a escolha de responsabilizar a outrem. Cada um responde pelo "seu". É à teoria do concurso de agentes que incumbe determinar o que é esse "seu", o que pertence, o que é a escolha de cada um dos envolvidos, que fato é obra de cada um. Aqui há, fundamentalmente, duas respostas possíveis: uma, que vinha do nosso Código Penal do Império, de 1830, que foi continuada pelo primeiro Código Penal republicano, de 1890, e outra, inaugurada no Brasil pelo Código Penal de 1940, que foi mantida, ainda que com alguma mitigação, no Código Penal de 1984 e que se pretende perpetuar com o PLS nº 236. Começarei com a descrição dessa segunda proposta, para criticá-la e chegar ao porquê da necessidade de que voltemos à tradição dos nossos primeiros Códigos Penais. A resposta atual é a seguinte: o "seu", pelo qual o agente responde, é a totalidade da obra, é o "nosso", é o de todos. Isso se enxerga do dispositivo-chave do Código Penal vigente que é mantido pelo PLS. O dispositivo reza: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas". |
| R | O crime é o todo, pelo qual todos os envolvidos respondem. Mesmo que o crime só possa ser realizado por alguém dotado de uma qualidade especial, como a condição de funcionário público, há norma que garante que também o não funcionário envolvido responderá tal qual funcionário fosse. As diferenciações são introduzidas apenas no segundo momento, por uma série de dispositivos que, contudo, não modificam a decisão inicial de que se responde pelo todo e não pelo seu. Esse modelo de responsabilização de todos pelo todo é o que no Direito Penal se chama de conceito extensivo de autor. O problema dessa resposta é manifesto: o crime deixa de ser uma escolha de cada um, torna-se uma grandeza como que objetiva, a qual depois é posta na conta de todos, ainda que com algumas correções. Desaparece, em um primeiro momento já, a diferença entre apertar o gatilho e emprestar a pistola, porque aquilo pelo que responde cada indivíduo não é mais a sua escolha em favor de determinado ato, e sim a totalidade que ao final se produziu, isto é, a morte da vítima. Há, sim, uma relação de tensão entre esse modelo de concurso de pessoas e a ideia de pessoalidade da pena e de pessoalidade do delito. A resposta tradicional do Direito brasileiro a que julgamos correto voltar insiste nessa ideia de que a pena, enquanto sanção que toca em direitos personalíssimos, precisa ser legitimada por uma escolha personalíssima, isto é, por um erro próprio, cometido por cada qual dos que devem vir a ser apenados. A pena se legitima não mais como referência a um todo delitivo inicial, e sim aos atos específicos praticados por cada qual dos envolvidos. Não existe mais uma escolha de alguém de responsabilizar outra pessoa. Isso significa que não se pergunta mais por aquele que concorre para o crime, como diz o Código vigente e o PLS, e sim por quem realiza na própria pessoa o crime, respondendo, assim, pelo próprio ato de violar diretamente os dispositivos da Parte Especial - esses são os chamados autores -, e, em segundo lugar, pergunta quem responde pelo próprio ato de participar na violação desses dispositivos por outrem - esses são os chamados partícipes. Nesse modelo, que se chama no Direito Penal de um conceito restritivo de autor, os dois, autor e partícipe, respondem pelas próprias escolhas, pelos próprios atos, e isso desde o começo. Quem efetua o disparo que venha a matar a vítima é autor; quem empresta a arma é partícipe. Quem não é funcionário público nunca poderá ser autor de peculato, mas poderá participar nesse delito quando realizado pelo funcionário. Uma palavra só sobre a ideia de domínio do fato, que aparece na primeira versão do PLS nº 236 e desaparece na que parece ser a última... Não tenho certeza se ela desapareceu ou não. Parece-me que, no momento em que o conceito de domínio do fato vem sendo recepcionado pela nossa jurisprudência para responsabilizar alguém sequer por um ato de outra pessoa, e sim só pelo fato de deter uma posição, é temerário colocar essa palavra na lei. E eu digo isso como discípulo do autor que foi o grande desenvolvedor da ideia de domínio do fato, Claus Roxin, cujo livro eu continuo... Eu não gostaria de ver esse termo dentro da lei e também não gostaria de ver imputação objetiva dentro da lei. E observo que o próprio Roxin, em 1966, quando construiu, junto com outros professores, um projeto alternativo de Código Penal, já havia desenvolvido algumas dessas teorias e não as colocou dentro da lei. Não há por que, então, o PLS querer aqui passar adiante, ou ainda, querer ser mais papista que o Papa, vamos dizer assim. E responsabilizar alguém por uma posição significa concretamente que, em qualquer organização mais ou menos hierárquica, seja dentro da minha cátedra, seja no gabinete de um Senador, seja numa padaria, se algum subordinado comete um delito, automaticamente se vão voltar as atenções dos acusadores para aquele que está na posição de comando. O que fundamenta a responsabilidade penal, como eu disse, são escolhas, são atos de cada pessoa e não só a detenção de uma posição, e é por isso também que não conseguimos aceitar uma responsabilização penal da pessoa jurídica, ao contrário do que faz o PLS. A própria ideia de responsabilizar uma pessoa jurídica significa que alguém vai responder pelo que decidiu outra pessoa. Isso não bate com os princípios básicos do Direito Penal. |
| R | Conclusão - já concluo. Tentei restringir-me em minhas críticas mais técnicas, que seriam muitas, a insistir naquilo que a lei que os senhores têm diante de si influi na vida de cada um dos brasileiros que estão aqui representados. Esses brasileiros têm o direito de defender o seu jornal e a sua latinha de Coca-Cola ou de cerveja, seu segundo rim e suas trompas. Se matam alguém para defender-se de suposta agressão injusta - suposta -, não podem ser igualados àquele que mata, porque se supõe no direito de matar pessoa de aparência suspeita. Eles têm o direito de ser responsabilizados apenas quando o delito é fruto de uma escolha pessoal, e não de uma fatalidade do destino. Eles têm o direito de ser responsabilizados apenas pelos próprios atos, e não por um todo realizado por terceiros. Muito obrigado pela atenção dos senhores. O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PMDB - MA) - Agradeço também ao Prof. Luís Greco pela sua brilhante exposição. Agora concedo a palavra ao Dr. Gustavo de Oliveira Quandt. O SR. GUSTAVO DE OLIVEIRA QUANDT - Exmos Srs. Senadores Edison Lobão e Antonio Anastasia, ao tempo em que os cumprimento respeitosamente, agradeço encarecidamente a oportunidade de expor aqui pessoalmente, nesta Casa da democracia, as razões pelas quais em oportunidades anteriores eu critiquei o PLS 236 e afirmei que ele era imprestável e insalvável. Se hoje nós dirigimos palavras muito duras contra esse PLS 236, não é por falta de respeito a quem pôs o seu tempo e a sua energia a serviço desse projeto, mas por acreditar que o Brasil merece o melhor Código possível, imperfeito naturalmente, e que o PLS 236 não reúne condições mínimas de se transformar em lei. Então, as críticas são sempre com todo o respeito a quem o elaborou, mas também com toda a franqueza que o País merece. O setor das penas do PLS 236 traz para o texto do Código vários assuntos de cunho penitenciário que hoje são tratados na Lei de Execução Penal. O PLS fala dos direitos do preso provisório, da revista íntima do visitante e da progressão de regime. Essa importação é equivocada, porque esses assuntos ficam muito mais bem situados na LEP, a Lei de Execução Penal, do que no Código, uma vez que a prisão provisória, por exemplo, não é uma manifestação do Direito Penal, mas, sim, do Direito Processual Penal. Todos sabemos que um dos objetivos da edição de um novo Código, e do PLS 236 em particular, era essa consolidação, essa compilação, mas esse objetivo não legitima tirar as coisas dos seus devidos lugares. Não existe justificativa para prever, no Código Penal, os direitos do visitante do preso, ainda que esse visitante tenha direitos e eles devam ser preservados. Isso é um assunto penitenciário. Se o PLS propusesse a revogação da LEP, a Lei de Execução Penal, seria uma decisão ruim, mas coerente. Como ele não propõe essa revogação, existe apenas uma invasão de temas despropositada no PLS. O PLS unifica as penas de reclusão e detenção, o que é correto e foi seguido também na nossa proposta que apresentamos hoje à Nação. Atualmente não existem razões suficientes para manter duas penas privativas de liberdade diferentes, que são a reclusão e a detenção. No entanto, a matéria de fixação do regime inicial de cumprimento das penas, que, essa, sim, identifica verdadeiramente as feições do princípio do cumprimento da pena, recebeu pouca atenção no PLS. |
| R | No Código vigente, o art. 33 estipula essencialmente dois critérios para fixação do regime inicial de cumprimento das penas privativas de liberdade. Esses critérios são: a duração da pena a cumprir e as circunstâncias do caso concreto. No entanto, a relação entre esses dois critérios não é muito clara na lei, e o PLS que deveria melhorar a lei não contribui em nada para essa questão. Além disso e mais importante, o atual Código dá a impressão de que o condenado reincidente sempre iniciará o cumprimento da pena em regime fechado, e isso não é verdade, porque os tribunais admitem que, para penas breves e sendo favoráveis as circunstâncias do crime, o condenado reincidente cumpra a pena desde logo em regime semiaberto. Esse contraste, ainda que aparente, entre a lei e a prática forense é muito perigoso, é muito ruim, porque o leigo consulta o Código, conclui equivocadamente que o condenado iniciará o cumprimento da pena no regime mais severo, que é o fechado, e depois descobre, para sua grande decepção, que o regime será apenas o semiaberto, e isso alimenta esse lugar-comum tão conhecido de que as leis não são cumpridas neste País. Uma vez que a orientação jurisprudencial é correta, porque é vantajoso e justo até para a sociedade que o condenado reincidente cumpra a pena desde logo em regime semiaberto se o segundo crime for relativamente leve e sob condições que indiquem menor gravidade do fato, seria de esperar que o novo Código tomasse partido expressamente da questão, eliminando esse contraste entre lei e jurisprudência. O PLS, no entanto, mantém a estrutura da lei vigente, que é confusa e dá margem a equívocos. Na nossa proposta que hoje apresentamos é expressamente acolhida a orientação jurisprudencial já referida. O problema da superveniência de transtorno mental ao condenado à pena privativa de liberdade recebe hoje duas disciplinas diferentes. Ele é tratado de uma forma no Código Penal e de outra forma na Lei de Execução Penal. No primeiro se prevê a internação do condenado, ao passo que, na segunda, autoriza-se a substituição da pena por medida de segurança. O PLS tentou conciliar essas duas soluções diversas, prevendo-as conjuntamente. No entanto, ele insiste na premissa de que o transtorno mental se trata necessariamente com internação, o que está na contramão da história, da medicina e da Lei 10.216, que meu colega Alaor já mencionou, segundo a qual a internação só é cabível quando for clinicamente indispensável. Aparentemente, o PLS supõe que o condenado louco, antes de ser um doente, é um criminoso e deve permanecer isolado a qualquer custo, o que é um grande erro. Nas duas grandes reformas recentes da parte geral, o principal tema foram as penas restritivas de direitos, também chamadas de penas alternativas, introduzidas em 1984 e ampliadas em 1998. Como se tratava de reformas setoriais, foi utilizada na época a técnica de manter, na parte especial, a previsão de penas privativas de liberdade - reclusão e detenção - e incluir na parte geral uma cláusula que permite a substituição dessas penas pelas penas ditas alternativas. Esse método é plausível e nós o seguimos na nossa proposta, mas era de esperar que um projeto todo novo, como o PLS 236, que se destinava a substituir todo o Código Penal, fizesse um uso mais ousado e mais inteligente dessas penas alternativas já na parte especial, cominando essas penas diretamente pelo menos a algumas infrações, ainda que previsse uma possibilidade de converter essas penas em privativa de liberdade no caso de descumprimento. |
| R | A Lei Antitóxicos tem crime punido exclusivamente com pena restritiva de direito; o Código de Trânsito Brasileiro tem crime punido cumulativamente com pena restritiva de direito. E é apavorante perceber que um projeto destinado a substituir todo o Código se mantenha fiel a um critério que só surgiu, porque apareceu numa época de uma reforma setorial. Então, o PLS perdeu uma boa oportunidade. No mínimo se espera que na sua parte especial haja previsões autônomas, avulsas e oportunistas da pena restritiva de direito. O principal desafio em relação a essas penas alternativas, um desafio que a nossa proposta não pôde vencer inteiramente, é imaginar novas modalidades das penas. Quando elas surgiram, em 1984, eram apenas três, hoje são apenas cinco, e nós precisávamos de mais penas alternativas que completassem esse leque legal, para dar mais versatilidade para o sistema. Os mentores do PLS nº 236 perceberam esse desafio - essa deficiência - e o resolveram de uma forma muito pouco satisfatória e muito pouco honesta. Eles criaram duas penas a mais, muito pouco expressivas, que se confundem até com efeitos da condenação, efeitos que decorrem automaticamente da existência de uma condenação criminal. O projeto suprimiu uma das penas já existentes. Então, nós já tínhamos poucas penas e ele eliminou uma. E uma das versões dele previu que o juiz pode aplicar penas diversas das previstas em lei. A ideia de que um juiz vai aplicar uma pena não prevista em lei contraria a Constituição da República! Ela contraria um princípio básico do Direito Penal que é a legalidade das penas. Então, o projetista percebeu o problema, não teve criatividade para dar a solução, delegou a solução para o juiz e violou a Constituição da República. Isso é inadmissível! Então, realmente é um ponto que deve ser melhorado no Código Penal, tem que ser melhorado na nossa proposta, mas que jamais poderia ser resolvido dessa forma cômoda e pouco leal do Projeto de Lei nº 236. Na realidade, parece que o Projeto de Lei nº 236 não é muito favorável às penas alternativas, porque ele restringe ainda mais a possibilidade de aplicação dessas penas. Na sua redação original, ele tinha uma ideia muito boa que era permitir a aplicação das penas alternativas aos crimes de menor potencial ofensivo. Esses crimes de menor potencial ofensivo estão previstos... A ideia desses crimes, a existência desses crimes está prevista na Constituição da República e, portanto, deve ser levada em conta pelo legislador. No projeto original, uma das possibilidades de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos era justamente o crime ser de menor potencial ofensivo, mas ao longo dessa tramitação e da instituição de substitutivos essa proposta se perdeu. Então, o projeto hoje mantém uma incongruência da lei vigente, que é os crimes de menor potencial ofensivo admitirem a transação penal, que é a aplicação imediata de penas não privativas de liberdade sem que haja sequer um processo, mas não permite que, caso o réu não aceite essa proposta, ele seja beneficiado com essas mesmas penas alternativas em caso de condenação. É praticamente uma chantagem. Na nossa proposta, nós retomamos a ideia original do PLS nº 236, porque o PLS nº 236 tem, sim, boas ideias e nós tentamos aproveitá-las, na medida do possível, revigorando esse sistema de penas alternativas. Um problema que hoje existe na realidade forense é o problema contrário, não mais o da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, mas de conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade no caso de descumprimento. Como a lei permite que uma pena privativa de liberdade seja substituída por duas penas restritivas de direitos, acontece com muita frequência que o condenado cumpra uma pena em maior medida do que a outra, e é necessária essa conversão para pena privativa de liberdade, mas a lei não esclarece como se vai computar, no saldo de pena a cumprir, essas diferentes proporções de pena que ele já cumpriu. A lei hoje é omissa e esse problema aparece na prática. |
| R | O mínimo que nós esperávamos de um projeto de novo Código Penal é que ele mantivesse os pontos fortes do Código vigente e sanasse as omissões, as lacunas e os defeitos desse mesmo Código. No entanto, o Projeto de Lei 236 não diz uma palavra sobre como resolver esse problema. Na nossa proposta, nós tentamos colocar a solução que nos parece prevalecer na jurisprudência, que é mesmo a solução mais justa. Na nossa proposta, nós tentamos dar uma especial atenção à pena de multa, que foi colocada em um impasse com a reforma da parte geral do Código Penal em 1984. Na redação do Código, a redação original, de 1940, cada crime que era punido com multa tinha uma multa diferente, e o tamanho dessa multa, a magnitude dessa multa era mais ou menos proporcional à gravidade do crime e ao aspecto econômico desse crime. Então, os crimes com conteúdo patrimonial eram apenados também com multa, e o valor dessa multa variava conforme a gravidade do crime e conforme a influência desse aspecto patrimonial da infração. Infelizmente, com a inflação, em 1984 essas penas de multa já não tinham valor algum, porque o Código não previa nenhuma forma de correção monetária. Em 1984, o reformador, de forma muito inteligente, muito sagaz, retomou o sistema de dias-multa do Código Penal do Império. No entanto, como a reforma foi confinada à parte geral, houve um nivelamento, uma parificação das penas de multa, o que faz com que hoje um furto sofra a mesma pena de multa de um latrocínio ou de uma extorsão mediante sequestro. Nós temos que hoje uma extorsão mediante sequestro qualificada pela morte pode sofrer uma pena de 10 dias-multa, o que é um acinte à família da vítima. Isso foi por conta, como eu disse, de a reforma ter sido setorial. Era de se esperar que, em uma reforma global, como é a do PLS 236, se aproveitasse o sistema de dias-multa, que é um sistema bom, um sistema útil, que evita o problema da inflação ao atrelar o dia-multa ao salário mínimo, mas se consertasse esse problema de nivelamento das penas de multa, prevendo, por exemplo, para cada crime em espécie um número de dias-multa diferente. Nós já tínhamos um precedente para isso, que é a Lei Antitóxicos. A Lei Antitóxicos vigente faz exatamente isso que eu disse. O PLS 236 simplesmente ignorou o assunto e mantém o regime da lei em vigor, que é o de prever uma multa, uma faixa de multa padrão para todos os crimes. Para piorar, no Código em vigor, a pena de multa aparece ou como substituta da pena privativa de liberdade ou por previsão expressa em relação a alguns crimes, não a todos - tanto o é que o homicídio, por exemplo, não tem pena de multa. Uma das versões do PLS, que eu nem sei dizer exatamente qual, tem a cláusula de que a pena de multa pode ser aplicada a qualquer crime, o que significa, mais uma vez, uma violação do princípio da legalidade, pois nós não sabemos se aquele crime, na sua aparição concreta, vai ser punido com multa ou não vai ser. Mais uma violação à Constituição da República. Apesar disso, o PLS 236 mantém na parte especial a cominação da pena de multa apenas para alguns crimes, o que prova - repito, com todo o respeito - aquela acusação que nós vínhamos fazendo, há cinco anos, de que esse PLS 236 não passa de uma compilação muito malfeita da nossa legislação penal. Pegaram a legislação, que previa a pena de multa para alguns crimes, condensaram em uma nova parte especial, introduziram uma cláusula de que a pena de multa é cabível sempre - o que não faz o menor sentido nesse contexto - e não resolveram o problema prático, que qualquer juiz conhece, que é o de definir qual é a pena de multa para cada crime. A nossa proposta, confinada que é à parte geral, procura vincular a pena de multa à pena privativa de liberdade daquele mesmo crime, de maneira que um furto, que tem uma pena privativa de liberdade relativamente breve, vai sofrer uma pena de multa menor, ao passo que um latrocínio, que tem uma pena privativa de liberdade imensa, como tem que ser, vai sofrer uma pena de multa também grande, como tem que ser. |
| R | Um tema bastante sensível em qualquer reforma da parte geral é a reincidência. Comparando-se às várias versões do PLS nº 236, percebe-se um progressivo agravamento do tratamento da reincidência. A manifestação mais evidente desse agravamento é o aumento, a duplicação do período depurador da reincidência. Hoje, pela lei vigente, após cinco anos do término da pena da primeira condenação, o sujeito não é mais considerado reincidente, caso cometa um novo crime. Então, existe uma expiação daquela reincidência pelo decurso do tempo. Esse prazo de cinco anos remonta ao Código de 1969, ele foi mantido pela reforma de 1977, ele foi mantido pela reforma de 1984. Ele não é fonte de grandes problemas, uma vez que esse prazo só começa a correr depois da extinção da primeira pena, o que significa que podem ter passado dez ou quinze anos do cometimento do primeiro fato. Para o PLS, esse prazo é insuficiente e é aumentado para dez anos, o que significa que, na prática, talvez esse período de depuração da reincidência sequer exista. Praticamente, retorna-se ao modelo de perpetuidade dos efeitos da reincidência, que foi abandonado em 1969, em 1977 e em 1984. Então, é um evidente retrocesso demonstrado pela experiência histórica, que parece enxergar na reincidência a fonte de todos os males da nossa criminalidade. A reincidência que é verdadeiramente preocupante na visão da nossa proposta é aquela específica, é aquela relativa a um mesmo crime. É essa reincidência que demonstra uma predisposição para o crime, um compromisso com o crime, a eleição do crime como modo de vida. Na nossa proposta, um sujeito cometeu um crime de trânsito culposo - ao qual todos nós, em princípio, estamos sujeitos - e vários anos depois, mais de dez anos depois, cometeu um furto. Isso não expressa nada. O que é problemático é uma pessoa ser condenada por tráfico, ser solta e praticar um novo tráfico. Isso, sim, merece um tratamento mais severo e é o que a nossa proposta sugere. A ideia de reincidência específica, de reincidência relativa ao mesmo crime, tem antecedentes históricos, ela aparecia na parte geral original, ela aparece na Lei dos Crimes Hediondos, ela aparece no Regime de Substituição das Penas. Não é uma aventura, não é um invencionismo. É uma ideia que tem uma certa tradição na nossa legislação, como também tem uma certa tradição na nossa legislação esse período depurador de cinco anos que o PLS nº 236, por alguma razão, achou pouco. Hoje, quando para um mesmo crime existem tantas circunstâncias agravantes como circunstâncias atenuantes, o art. 68 do Código prevê uma espécie de álgebra de circunstâncias que dá origem às discussões infinitas em tribunais de superposição sobre quais circunstâncias devem prevalecer e uma discussão sobre se a reincidência é mais importante que a menoridade, ou vice-versa. Essa discussão chega até ao STF. No nosso modelo - esse modelo é mantido pelo PLS nº 236, com pequenas alterações, parece-nos francamente inconveniente - o que nós propomos é que o juiz que conhece o caso concreto, que apreciou as provas, que travou contato com caso, verifique, naquele caso, quais circunstâncias devem preponderar, conforme a sua influência no caso concreto. Então, se vai haver uma sentença mais justa, na medida em que ela reflete melhor as circunstâncias do caso - e é isso que se espera da dosimetria da pena -, e se vai evitar essa discussão infinita que aparece semanalmente nos informativos do STF e do STJ sobre o que é mais importante do que o quê, se é minoridade ou se é reincidência, uma discussão abstrata que não vai terminar nunca, enquanto esse modelo for mantido. |
| R | Por fim, no que diz respeito às minhas breves considerações, o PLS nº 236 retoma a iniciativa do legislador de 2010 de eliminar completamente a chamada prescrição retroativa. Todos nós conhecemos a polêmica a respeito dessa forma de prescrição. Ela já foi chamada, de maneira debochada, de prescrição à brasileira, como se tudo que fosse do Brasil necessariamente fosse ruim. É interessante mencionar que Nelson Hungria criticava essa forma de prescrição, e depois voltou atrás. (Soa a campainha.) O SR. GUSTAVO DE OLIVEIRA QUANDT - Heleno Fragoso, que deu esse apelido, também voltou atrás. Mas o PLS nº 236 enxerga na prescrição retroativa a fonte de todos os males e pretende erradicá-la de vez. É uma solução plausível, não é uma solução impossível, não é uma solução inaceitável. Mas ela teria que ser acompanhada, na parte especial, de esforços para se evitar que o mesmo crime tenha uma pena mínima de um ano e uma pena máxima de dez anos, porque, ao se eliminar a prescrição retroativa, nós fazemos com que um fato relativamente leve fique sujeito a um prazo prescricional imenso apenas, porque a pena máxima daquele crime é muito alta. Então, no PLS nº 236, por exemplo, o crime de maus tratos é punido com pena de um a cinco anos. Ao se eliminar a prescrição retroativa, o prazo prescricional passa a ser regulado pela pena máxima de cinco anos, o que redunda num prazo prescricional de doze anos. Então, o mesmo crime que admite por exemplo a suspensão condicional do processo, porque a pena mínima não é superior a um ano, tem prescrição de doze anos, que é uma enormidade. São três mandatos de Deputado Federal, por exemplo. Então, caso se queira eliminar a prescrição retroativa, o mínimo que se esperaria é que a parte especial não previsse esses limites tão grandes e previsse mais causas de aumento e diminuição, que permitissem saber de antemão qual será mais ou menos a pena ser sofrida por aquele crime e por aquele criminoso. Como o PLS nº 236 propunha uma reforma global, uma substituição global do Código, é inadmissível que ele queira eliminar a prescrição retroativa sem fazer a lição de casa que é evitar esses marcos penais excessivamente dilatados. Ele não o fez e é mais um motivo, senhoras e senhores, pelo qual eu insisto, com todo respeito a quem gastou seu tempo e sua energia na sua elaboração, que o PLS nº 236 não é o Código que o Brasil merece. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Muito obrigado ao Prof. Gustavo de Oliveira Quandt pela sua exposição. Vamos passar ao próximo expositor. A Senadora Simone parece que iria pedir pela ordem? A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Sim, por favor, Sr. Presidente. Eu tenho uma votação na CAE. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Pois não. Com a palavra V. Exª. A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Eu até retorno, mas não sei se retorno para as considerações dos Srs. Senadores. Eu gostaria apenas de perguntar a V. Exª, com data venia dos colegas, se eu poderia rapidamente fazer uma consideração antes de me retirar. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - A determinação do Senador Lobão foi de ouvir todos, mas, evidentemente, eu jamais iria refutar uma solicitação da eminente Senadora Simone. Com a palavra V. Exª. A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS. Pela ordem.) - Obrigada, Sr. Presidente. Antes de mais nada, parabenizo V. Exª por ter proposto esta audiência pública para tratar desse PLS que visa, nada mais, nada menos, tentar reformular quase na integralidade o nosso Código Penal, que está desatualizado. É uma tarefa hercúlea, é uma tarefa que exige de todos nós uma concentração muito grande de esforços. Gostaria de parabenizar aqui os nossos convidados, agradecer a presença, pedir desculpas, porque terei de me retirar momentaneamente, mas retorno. Então, cumprimento, em nome do Dr. Luís Greco, que é filho de um professor meu da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dr. Leonardo Greco, que é também, consequentemente, sobrinho do Dr. Vicente Greco, que tive o prazer de estudar, através dos livros de processo penal. |
| R | Quero dizer que tenho boas memórias do seu queridíssimo pai, um homem extremamente rigoroso como professor, responsável por eu não conseguir ter uma nota máxima, na média geral, acima de nove na universidade, porque, ao lado dos meus dez, tinha alguns sete, ou, às vezes - até confesso -, notas menores do que essa ofertadas pelo Dr. Leonardo Greco. Mas, aqui, com isso, quero homenageá-lo, dizendo que não me recordo muito dos professores que me deram dez, mas, com certeza, daqueles que me deram sete. Quero rapidamente dizer, Sr. Presidente, que não tivemos oportunidade ainda - estamos começando agora - de nos debruçarmos em relação ao PLS que visa a alteração do Código Penal. Então, a minha breve consideração não é um aspecto jurídico, mas um aspecto político. Antes de mais nada, quero dizer aquilo que já havia dito na semana passada - V. Exª estava presente na CCJ, junto com o Senador Lasier Martins -: nós temos que parar de legislar pela exceção, mas, mais grave do que isso é não legislar. Não podemos, diante das diversas crises, momentâneas ou um pouco mais perenes, que atravessamos ou vivemos, deixar de cumprir o nosso dever, que é, acima de tudo, não só o de fiscalizar, mas de elaborar leis, modificá-las e atualizá-las, principalmente uma legislação do porte do Código Penal, que mexe com o bem mais precioso do cidadão ou do indivíduo, ou os bens: a vida e/ou a liberdade dele ou deles. Consequentemente, nós temos que ter ousadia e coragem. Então, a minha palavra aqui é no sentido de parabenizar V. Exª pela coragem. Não vai ser fácil. Um fator midiático vai levar a alguns desentendimentos em relação ao propósito de V. Exª e desta Casa, no que se refere à alteração do Código, fazendo-se, inclusive, confusão em relação à alteração do Código Penal com a alteração do Código de Processo Penal, este, sim, talvez, neste momento, temerária a sua alteração, embora devamos discutir, se vier, porque jamais podemos refutar a nossa obrigação de discutir qualquer e possível alteração legislativa. Sei que V. Exª vai sofrer pressão em relação a isso. É importante deixar claro - é uma pena que não estejamos sendo televisionados - a quem estiver nos assistindo no futuro, porque não é ao vivo, mas será repassado, que aqui não se está falando de modificar questões como delação premiada, prisão preventiva, prisão ou não com julgamento em segunda instância. Nós não estamos tratando absolutamente de nada disso. Aí, quero parabenizar toda a equipe, porque havia conversado com o Dr. Lasier, que também é advogado, Senador, colega nosso. Vejo com muitos bons olhos darmos um passo de cada vez: ao invés de tentar reformular o Código Penal como um todo, trabalhar naquilo que é a sua essência, que é a parte geral. A partir daí, o tempo dirá o que vai ser necessário, no que se refere à parte específica. Peço vênia e desculpas. Não é a minha área o Direito Penal. Nunca atuei no Direito Penal. A última vez que vi Direito Penal foi na minha formatura, em 1991, mas gostaria, aqui, de parabenizar V. Exªs pela coragem. É muito bom olhar para uma banca como esta, de jovens juristas, e ver que o País tem jeito, através do direito, da juventude, experiência e competência de V. Exªs. |
| R | Finalizo aqui, com uma questão que me é muito cara, porque sofri na pele essa questão. Sei o que significa e qual é o grande pecado que estamos cometendo com o futuro político deste País. Falo especificamente da teoria do domínio do fato, que foi recepcionada pelo Direito brasileiro, muito bem recepcionada no que se refere ao processo do mensalão. O Supremo fez bem quando, havendo uma lacuna legal, tentou atingir outros partícipes numa questão que envolvia corrupção, mas nós não podemos deixar colocar a teoria do domínio do fato na parte geral do Direito Penal. Isso significa sepultar da vida política o que eu já disse no plenário uma vez: as boas almas. Essas pessoas de boa índole, esses jovens, como V. Exªs, V. Sªs, não vão querer fazer política se a teoria do domínio do fato deixar a esfera de condenação no que se refere aos crimes de corrupção e, de forma generalizada, como hoje já acontece, erroneamente interpretada pelo Ministério Público, a meu ver, atingir toda e qualquer situação. A dominar-se essa teoria, a colocar-se essa teoria na parte geral, qualquer gestor público... Eu falo especificamente dos prefeitos municipais, são mais de 5.500 a cada quatro anos, e governadores, que estarão sujeitos a qualquer responsabilidade criminal, e consequentemente vai-se estender à esfera cível. Sabendo ou não do que está acontecendo, tendo assinado ou não um ato, vai ser responsabilizado; qualquer cidadão vai poder entrar com uma ação popular responsabilizando o gestor, mesmo que de boa-fé no exercício da sua atividade. Nós estaremos afastando as pessoas de bem e bem-intencionadas de fazer política, cometendo, talvez, o maior crime com o futuro deste País. Desculpe ter-me delongado, Sr. Presidente, nem sei se era o intuito de V. Exª nesta primeira audiência pública abordar questões como essa, mas acho que são questões em que nós temos que ter a coragem... Infelizmente, não temos, como a magistratura, a vitaliciedade, a irremovibilidade, a irredutibilidade de salários para termos condições de falar tudo que queremos, mas nosso papel é este, falar aquilo que precisa ser falado, independentemente do que a opinião pública possa pensar daquilo que pensamos. Nesse sentido, eu peço desculpas. Se puder, eu volto para fazer algum questionamento que tenha, porventura, diante da exposição, mais uma vez, brilhante de V. Exªs. Presidente, essa relatoria não poderia estar em melhores mãos. Eu quero, de público, fazer um reconhecimento. V. Exª já fica, nesta Legislatura, reconhecido como o maior Senador jurista do nosso mandato. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Jamais. A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Com certeza ou talvez abaixo do mestre de todos nós, Senador e jurista Rui Barbosa, V. Exª já escreve na história desta Casa ao lado de grandes juristas. Por isso é que eu não tenho dúvida: nós podemos avançar em relação à alteração do Código Penal, como recentemente já fizemos em relação ao Código de Processo Civil e ao Código Civil, porque sei que o bom senso, a competência e a experiência de V. Exª vão nos conduzir ao caminho certo. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Muito obrigado, Senadora Simone. As alegações de V. Exª são todas procedentes, fora, evidentemente, a parte final, que atribuo ao carinhoso coração sul-mato-grossense de V. Exª, mas essas ponderações, especialmente a da oportunidade, são muito importantes, porque a nossa função de fato é legislar, e vamos legislar com calma, esclarecendo a todos qual o objeto do nosso trabalho. Eu passo a palavra agora ao Prof. Frederico Gomes de Almeida Horta, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, para sua exposição. |
| R | O SR. FREDERICO GOMES DE ALMEIDA HORTA - Exmo Sr. Senador Antonio Augusto Anastasia, Relator do PLS nº 236, a quem tenho a honra de chamar também de professor, visto que é eminente professor de Direito Administrativo da instituição que represento, a Casa de Afonso Pena, a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e a quem agradeço pelo convite e confiança para compor esta sessão tão importante e pela disposição para retomar, de maneira mais ampla, o debate sobre o PLS nº 236 do novo Código Penal. Em sua pessoa, cumprimento os demais componentes da Mesa, eminentes colegas, professores, professoras, procuradores, esta Mesa tão representativa, que torna ainda mais honrosa e responsável a minha participação nesta audiência. Exmos Srs. Senadores aqui presentes, assessores legislativos, consultores, demais participantes, cidadãos brasileiros, bom dia a todos! Como já adiantado pelo Prof. Alaor Leite, também vim a esta audiência trazendo uma proposta alternativa ao PLS nº 236, de 2012, uma proposta que elaboramos com intuito de dar um passo além da crítica e apresentar uma contribuição para a reforma. Tratarei, nesta exposição inicial, de nossas propostas de reforma para três pontos em que nos parece especialmente importante que a atual parte geral do nosso Direito Penal avance. Como já dito, embora consideremos que a parte geral do Código Penal de 1984 seja infinitamente superior, em técnica, qualidade e adequação das suas soluções ao que o PLS nº 236 veio a ser, guardado o devido respeito ao esforço dos seus elaboradores, a parte geral de 1984, como toda a obra humana, tem defeitos, tem pontos em que merece avançar. E nós estamos aqui, todos reunidos, para esse esforço. Entre esses diversos pontos, trataremos aqui, nesta exposição, de três: o instituto da detração; o instituto do concurso de crimes, o regime do concurso de crimes, quer dizer, da aplicação da pena ao sujeito que é condenado por diversos delitos; e o instituto da medida de segurança. Alguns desses, podemos dizer, guardam vícios já antigos, vícios tradicionais, e os projetos do passado não conseguiram alcançar um ponto de observância do princípio da culpabilidade, da legalidade ou da proporcionalidade. Outros pontos naturalmente são susceptíveis à evolução da própria legislação e precisam ir se adaptando historicamente conforme as mudanças no ordenamento jurídico como um todo. Desses são exemplos exatamente a detração e o instituto das medidas de segurança. Muito bem. A detração é um dos pontos claramente defasados da parte geral do Código Penal. Ali se prevê exclusivamente o desconto, na pena privativa de liberdade ou na medida de internação, do tempo de prisão processual ou de internação provisória sofridos pelo condenado ao longo do processo ou investigação que resultou na sua condenação. A lei vigente desconsidera completamente os outros tipos de penas, cujo rol e aplicabilidade se viram ampliados na Constituição de 1988 e pela Lei 9.714, de 1998, e desconsidera também todas as medidas cautelares pessoais não privativas de liberdade multiplicadas no Direito Processual Penal brasileiro a partir da Lei 12.403, de 2011. Ou seja, só desconta da pena de prisão o eventual tempo em que o sujeito esteve submetido a uma prisão provisória. Não prevê, portanto, desconto em razão de medidas cautelares e outros tipos de penas que venham porventura ser aplicadas no lugar de uma pena privativa de liberdade, como a pena de multa ou as diversas penas restritivas de direitos. E também não considera, para fins desses descontos, outras medidas cautelares que não exclusivamente a medida de prisão processual. A nossa proposta vem tentar ampliar, numa e noutra ponta. |
| R | É evidente que o instituto demanda uma ampliação para autorizar e regular o desconto também das penas restritivas de direitos ou mesmo da pena de multa, não só do tempo de prisão processual, mas também do tempo de outras medidas cautelares, como o recolhimento domiciliar, a monitoração eletrônica, a suspensão do exercício de função pública, entre outras. São muitas as medidas cautelares hoje, muito comumente aplicadas, desde a reforma que, em 2011, alterou no Processo Penal brasileiro todo o sistema de medidas cautelares pessoais. A proposta de ampliação da detração no PLS 236. O PLS 236 percebeu, em alguma medida, essa defasagem. Trata-se, contudo, de uma proposta limitada, ou formulada, na verdade, pela metade, pois embora preveja também a detração de outros tipos de pena, como a pena de multa e a pena restritiva de direitos, o PLS 236 deixa de considerar como causa de detração as medidas cautelares diversas da prisão, como faz a nossa proposta. Quer dizer, a nossa proposta não apenas possibilita a detração de outros tipos de pena, mas vai considerar como hipótese de detração, como fator de detração, outras medidas cautelares que não exclusivamente a prisão processual, a prisão durante o processo, a prisão durante a investigação. Pela redação que apresentamos para o art. 42 - ela está na página 34 da nossa proposta, que alguns já a têm em mãos neste momento -, não apenas a pena privativa de liberdade fica sujeita à detração, mas as penas em geral e, portanto, também as penas restritivas de direitos e a multa, assim como as medidas de segurança, e o fator de detração deixa de ser apenas o tempo de prisão ou de internação provisória para ser também o tempo de qualquer outra medida cautelar anteriormente imposta ao condenado no Brasil ou no estrangeiro. Muito bem, a detração na pena do tempo de outras medidas cautelares não é uma invenção nossa, ela tem precedentes, por exemplo - eu cito aqui o mais próximo -, no Código Penal espanhol, no seu art. 58, IV, mas sua previsão demanda regulamentação específica, uma espécie de calibragem do sistema, para as hipóteses em que a medida cautelar tiver natureza diversa ou for menos gravosa que a pena aplicada, por exemplo, uma medida cautelar de comparecimento periódico em juízo que preceda uma condenação à pena privativa de liberdade. |
| R | Para essas hipóteses, propôs-se um parágrafo primeiro permitindo uma diminuição do desconto, com ampla margem correspondente a variada gama de combinações possíveis entre penas e medidas cautelares. Segundo esse dispositivo que nós humildemente propomos ao debate, o desconto na pena decorrente de medidas cautelares anteriores de natureza distinta pode variar desde o tempo integral da restrição sofrida até a apenas um sétimo desse período. Viabiliza-se, dessa forma, um desconto justo na pena, tanto pelas medidas de gravidade quase equivalente, assim, por exemplo, a monitoração eletrônica em relação à privação de liberdade em regime aberto, como pelas medidas muito menos aflitivas que a pena, assim, como no exemplo que eu citei, a imposição de comparecimento periódico em juízo em relação à privação de liberdade em regime fechado. A proposta traz ainda uma regra especial para detração das penas de natureza econômica. Ocorre que estas, a multa, a pena restritiva de direitos, a pena de perda de bens e valores, diferentemente das demais, não se medem em tempo, o que é um problema para quem se propõe um regime tão amplo da detração. Prevê-se, então, que a detração das penas de multa, de prestação pecuniária ou de perda de bens será subsidiária, isto é, só se dará quando a pena de natureza econômica for a única aplicada, e desde que ela não esteja substituindo uma pena privativa de liberdade já detraída, ou seja, tendo sido aplicada uma pena temporal, a detração deverá incidir sobre ela. Só haverá detração de pena de natureza econômica se não houver outra pena temporal sobre a qual descontar eventual restrição processual nas suas liberdades, sofrida pelo investigado ou processado. Enfim, a essa altura, condenado. A medida da detração das penas de caráter econômico há de ficar a cargo do aplicador da lei, que para tanto, segundo a proposta, deverá se orientar pelo critério da equidade. Bom, outro tema, ainda no campo da detração, em que nos parece que o PLS comete um erro grave foi em uma inovação que pretendeu fazer ao tratar explicitamente da chamada detração cruzada, que é o desconto na pena de um condenado em razão do período de prisão processual que ele tenha sofrido em processo diverso, num processo no qual ele tenha resultado absolvido ou tenha tido a sua punibilidade extinta. É uma possibilidade, amplamente reconhecida pela nossa doutrina e pela nossa jurisprudência, que decorre de uma noção elementar de justiça; a situação em que um sujeito venha a responder, por exemplo, por roubo, no curso do processo venha a ser preso pela suspeita de um tráfico que ele não cometeu e, bom, depois de ter sido absolvido desta acusação de tráfico, vem a ser condenado futuramente pelo roubo que cometeu. Pois bem, após o crime que ele realmente cometeu, sofreu uma prisão processual por um crime que não cometeu. A nossa doutrina e jurisprudência reconhece o direito deste período ser descontado desse período da pena - desculpas - da medida de prisão sofrida em razão de uma acusação injusta vir a ser descontado do tempo de pena a cumprir. |
| R | O PLS nº 236, não obstante, discorda dessa possibilidade e a restringe drasticamente, dizendo que isso só pode se aplicar em casos de conexão, restringindo, de forma extraordinária, a possibilidade da aplicação da detração cruzada. Ou seja, aquele que venha a ser condenado por um roubo que realmente cometeu não pode ter a sua pena detraída se por ventura vier a ser preso por um crime que não cometeu. É um desrespeito, de fato, com a liberdade do brasileiro que vai sofrer a pena; uma disposição para puni-lo duas vezes. Um pouco dentro daquela lógica: não sei bem por que está sofrendo, mas o senhor há de saber, porque o estou punindo, entre outras razões, por um fundamento que desconheço. Bom, não concordamos de modo nenhum com essa emenda e por isso apresentamos uma proposta alternativa. Outro ponto carente de intervenção é o regime do concurso de crimes em que pesem os dispositivos pertinentes terem sido mantidos essencialmente intactos no PLS 236, de 2012. Neste tema concurso de crimes, ao contrário do que pareceu ao projetista de 2012, impõe-se uma reformulação completa. Ocorre que a atual previsão de distintas competências para o concurso de crimes, conforme eles tenham sido praticados por meio de uma mesma conduta, o chamado concurso formal, ou de condutas distintas, o concurso material, parte da questionável premissa de que haveria maior desvalor ou reprovabilidade nos ilícitos decorrentes de condutas distintas que naqueles praticados por uma mesma conduta. Como se matar várias pessoas com uma bomba fosse menos grave que matá-las com vários disparos de arma de fogo; como se lançar o anzol na água diversas vezes para pescar em lugar interditado fosse mais grave que jogar e puxar ali uma vez só a rede; ou como se fosse mais grave disponibilizar pornografia infantil por diversas conexões à internet que por meio de uma mesma conexão que durasse dias. Bom, em lugar de um complexo e vacilante tratamento do concurso de crimes, baseado em uma equívoca e problemática dicotomia, propõe-se um regime único, aplicável tanto nos casos de unidade quanto de pluralidade de ações. Entre os Códigos que também o fazem, cito aqui: o português, no seu art. 30, inciso I, e art. 77, inciso I; o austríaco, no seu parágrafo 28, inciso I; o suíço, no art. 49, inciso I; e o colombiano, no art. 31. Para punição dos crimes concorrentes, abandona-se a regra da acumulação de penas, hoje prevista para o concurso material e para o concurso formal impróprio, em favor da fixação de uma pena global resultante da aplicação das mais graves das penas cabíveis de mesma espécie, porém aumentadas, se necessário, de um sexto até o triplo, observados os limites de 30 anos para pena privativa de liberdade e 730 dias-multa. Essa proposta está detalhada no art. 69 da nossa proposta alternativa, na sua página 51. |
| R | Supera-se, dessa forma, um modelo brutal, quase sem paralelo, entre os ordenamentos de tradição romano-germânica, que não enxerga limites para a aplicação da pena e tende fortemente à desproporcionalidade nos casos do concurso material de crimes. O sistema brasileiro leva a possibilidade de aplicações de penas de 100, 300, 500 anos, quando, na prática, a execução da pena fica limitada a 30, mas, de todo modo, esse número extraordinário vai ter efeitos sobre a execução nos termos da Súmula 715 do Supremo Tribunal Federal. E essa é uma peculiaridade exclusiva do Direito Penal brasileiro. Se chamam as nossas peculiaridades, comumente com sentido pejorativo, de jabuticaba - muito embora a jabuticaba seja uma coisa extraordinária do Brasil -, essa seria uma jabuticaba, uma triste jabuticaba. Nesse ponto, nós não estamos acompanhados por ninguém. Talvez exclusivamente no Código Penal chileno, que é do século XIX e que, além da acumulação das penas, prevê a pena de morte, a pena de banimento, a pena de desterro, entre outras penas medievais. O abandono da acumulação de penas da mesma espécie não significa que ao criminoso é facultado seguir delinquindo após cometer um primeiro crime. Pelo contrário, a concepção aqui desenhada insiste na relevância de cada um desses crimes realizados que apresentem conteúdo de desvalor próprio, isto é, não suprimido pela via do concurso aparente de normas. A condenação deve espelhar tudo o que o autor cometeu, pelo que a sociedade lhe reprova. Para tanto, propomos um modelo que não conta ações, e, sim, crimes, isto é, dimensões de desvalor a serem todas consideradas na aplicação da pena, não mais segundo uma tosca acumulação de reprimendas, mas segundo um verdadeiro juízo de necessidade e suficiência para cumprir suas funções em face de todos os crimes praticados. No Direito comparado, o regime proposto da exasperação, quer dizer, do aumento da pena mais grave, é consagrado tanto pelos já citados Códigos que dão tratamento único ao concurso de crimes - o austríaco, o suíço, o colombiano e o português - como por aqueles que distinguem o concurso material ou real do concurso formal ou ideal, tal como o alemão, o argentino e o peruano. E, mesmo os que admitem a acumulação de penas, fazem-no de forma temperada, limitando, de alguma forma, o resultado. Assim é o sistema espanhol, que tem por teto o triplo da pena mais grave, ou 20, 25, 30 ou 40 anos conforme o caso, art. 76, inciso I, ou o italiano, que é inspiração do vigente sistema brasileiro, cujo teto é o quíntuplo da pena mais grave ou 30 anos de reclusão, 6 anos de arresto, entre outros valores absolutos estabelecidos para as penas de multa ou outras pecuniárias nos art. 73 e 78 do Código Penal italiano. Para fazer frente ao incremento da culpabilidade do agente pelos outros injustos praticados, é que se prevê uma margem ampla de aumento da pena mais grave. A proposta incorpora as frações de exasperação da pena pelo concurso de crimes tradicionalmente consagradas no Direito Penal brasileiro, desde a mínima do concurso formal, que é um sexto, até a máxima do crime continuado qualificado, que é o triplo da pena mais grave. E, para atender desde a aplicação da pena, o princípio da humanidade e a regra da não perpetuidade, inclui-se no art. 69 a ressalva de que a pena privativa de liberdade aplicada resultante da exasperação não poderá ser superior a 30 anos. (Soa a campainha.) O SR. FREDERICO GOMES DE ALMEIDA HORTA - As limitações das penas aplicáveis ao concurso de crimes tampouco representam novidade no Direito comparado, mas estão presentes na imensa maioria dos sistemas jurídicos e encontram seus modelos mais próximos nos Códigos português, alemão, colombiano, além dos já citados italiano e espanhol. Atualmente compreendemos que há concurso material quando o agente é condenado, no mesmo processo, por vários crimes cometidos em razão de condutas distintas. |
| R | A ampliação da regra da exasperação - que hoje é prevista no nosso sistema só para o concurso formal, também agora para o concurso material de crimes, ou seja, inclusive para aqueles casos de concurso decorrentes de ações distintas - impõe desvincular esse conceito do concurso material, enfim, do concurso de crimes da unidade de julgamento para que o seu reconhecimento e aplicação da pena global não dependam da mera conexão processual. Ocorre que as hipóteses de conexão entre os crimes, quer dizer, as hipóteses que fazem com que diversos crimes sejam reconhecidos, ou julgados, ou apurados no mesmo processo, não repercutem necessariamente na culpabilidade do agente, especialmente quando a conexão é apenas probatória. E a conexão sequer tem o condão de impor terminantemente a unidade de julgamento. Quer dizer, pode haver crimes conexos que, não obstante, são julgados em processos diferentes, conforme o disposto os arts. 79 e 80 do Código Processo Penal. Por isso, na redação proposta, o caput do art. 69 reúne, como crimes concorrentes, todos aqueles praticados antes de a primeira condenação por qualquer um deles transitar em julgado. Esta solução é expressa no Código alemão, no seu §55, inciso I, bem como no Código português, segundo o qual, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado em uma pena única, isto é, em uma pena global, que englobe a todos (art. 77, inciso I, do Código Penal português). Justamente, tendo em vista a abrangência do regime do concurso, propôs também uma reformulação no art. 75 do Código Penal, nele prevendo a unificação de penas aplicadas em processos distintos, segundo as regras da exasperação, propostas para o art. 69, em se tratando de condenações por crimes praticados antes de qualquer uma delas transitar em julgado. Fora dessa hipótese, isto é, quando se tratar de novo crime, praticado após a condenação pelo primeiro transitar em julgado, aí, aplicam-se todas as penas cumulativamente, porque aí já não se trata de uma hipótese de concurso de crimes. Procurou-se, pelos dispositivos propostos para os arts 69 e 75, estabelecer condições para que nos casos de concurso de crimes seja indiferente, para efeito de punibilidade, que as diversas condenações tenham sido proferidas em um mesmo ou em diversos processos. Bom, finalmente, clama por reforma e atualização o instituto das medidas de segurança. Não pode mais ser adiada a tarefa de adequá-lo ao novo modelo de atenção à saúde mental e aos direitos do portador de transtorno mental, consagrados na Lei nº 10.216, de 2001, a chamada Lei Antimanicomial, bem como ao regime reconhecido aos portadores de deficiências, inclusive, de transtornos mentais, na recente Lei 13.176, de 2015. O PLS 236 reconhece tal necessidade, mas pouco avança nesse sentido. Não faz mais do que inserir no Código um dispositivo para lembrar que os direitos dos portadores de deficiência devem ser observados na aplicação das medidas de segurança. Uma providência correta, mas que, isolada, não tem mais do que um efeito cosmético. Funciona como uma hipócrita, data venia, carta de intenções no seio de um projeto que não tem o menor compromisso com a adequação das medidas de segurança às necessidades do tratamento. De relevante, o PLS 236 apenas retira a obrigatoriedade da internação quando o injusto praticado pelo inimputável for punível com reclusão. Isso, contudo, não se deve tanto a uma preocupação com a adequação da medida de segurança ao caso concreto. Se deve mais uma imposição sistemática, já que o PLS 236 também abole a distinção entre reclusão e detenção. Por isso é que o projeto apenas permite ao juiz, em qualquer caso, que ele imponha internação ou tratamento ambulatorial, sem prever, contudo, qualquer critério ou baliza para a escolha de uma ou outra medida; nisso nós procuramos avançar. Nossa proposta, às fls. 63 e seguintes do livreto, vai além e procura concretizar, nas regras do Código, duas premissas fundamentais da Lei 10.216, de 2001: um, a de que ao portador de transtorno mental é devido o melhor tratamento do sistema de saúde consentâneo às suas necessidades - art. 2º, inciso I. E a de que a internação, em qualquer das suas modalidades, inclusive a compulsória, que corresponde à medida de segurança, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes - art. 4º da Lei 10.216, de 2001. Por isso, o tratamento ambulatorial assume o papel principal no sistema de medidas de segurança em consonância com a orientação antimanicomial da política brasileira de saúde mental, consagrada na Lei 10.216, de 2001. |
| R | A internação deixa de figurar no Código como medida obrigatória para os injustos mais graves, hoje puníveis com reclusão, para ser medida de ultima ratio, aplicável somente quando necessária. Ademais, como medida coercitiva privativa de liberdade, fundada na prática de um injusto penal pelo agente, a internação deve ser proporcional ao tipo de injusto praticado e, sendo assim, não é cabível quando a lei sequer comine pena privativa de liberdade para o injusto correspondente. Essas limitações da internação já são reconhecidas, por exemplo, no código espanhol, que, em seus art. 101 a 104, vincula todas as hipóteses de medidas de internação à necessidade concreta e à previsão de pena privativa de liberdade para o injusto correspondente. Segundo a nossa proposta, em vez de prazo mínimo da medida, o Código passa a prever a fixação de um prazo máximo para o exame de cessação da periculosidade. A vigente previsão de prazo mínimo de medida de segurança é equívoca e, na verdade, é mera insinuação de um traço retributivo das medidas de segurança que, felizmente, não se confirma, pois é contrariada - sempre foi - pelo art. 176 da LEP. Segundo o art. 176 da LEP, vigente desde a década de 80, o exame de cessação da periculosidade pode acontecer a qualquer tempo, mesmo no curso do dito prazo mínimo. Então, não faz sentido e nem é legítimo que a sentença estabeleça prazo mínimo para a medida, que é tratamento e não pena, mas, sim, o prazo máximo para realização do primeiro exame de cessação da periculosidade. O PLS 236, em sentido contrário, ignora ou conscientemente pretende aniquilar esse evidente avanço da LEP, pois repristina a exigência de que o exame de cessação da periculosidade aguarde o transcurso de um a três anos, correspondente ao prazo mínimo da medida, o que é uma contrariedade evidente ao seu sentido de tratamento e aos próprios direitos do portador de deficiência ou transtorno mental, que eles cosmeticamente dizem observar nas partes preambulares do dispositivo. Bom, observando a lógica da subsidiariedade da internação, nossa proposta prevê, para além da hipótese de conversão do tratamento ambulatorial em internação, a conversão inversa, isto é, da medida de internação em tratamento ambulatorial. Essa previsão se impõe, porque, se a internação é fundada na necessidade, ela deverá ser convertida em tratamento ambulatorial tão logo os recursos extra-hospitalares se mostrarem suficientes. |
| R | Por fim, propomos incluir um §5º no art. 97 do Código Penal, prevendo duração máxima para as medidas de segurança. Nesse ponto, também divergimos do PLS 236, que, ao tratar desse limite - a ideia de limitar as medidas de segurança já é um consenso no Direito Penal brasileiro; embora a nossa parte geral do Código Penal não o faça, a nossa jurisprudência já tem apontado nesse sentido. Há diversos caminhos. Um desses é consagrado na Súmula 527 do Superior Tribunal de Justiça, que diz que o tempo máximo da medida de segurança seria aquele correspondente à pena máxima, cominada ao tipo de injusto praticado pelo inimputável. O PLS tenta, de certa forma, incorporar essa orientação do STJ, mas de uma forma um pouco vacilante. Ele adota essa ideia da pena máxima cominada ao crime para aqueles injustos cometidos sem violência, mas nos casos dos injustos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa impõe o limite máximo da medida de segurança correspondente a 30 anos. Ocorre que nenhuma dessas soluções faz justiça aos autores inimputáveis ou semi-imputáveis de injustos, na medida em que os sujeitam, pelo seu transtorno mental, a privações ou restrições das suas liberdades muito mais duradouras do que as destinadas aos autores culpáveis. Um autor culpável de roubo, por exemplo, jamais estaria sujeito a uma pena de 30 anos. E os culpados pelos crimes, em geral, rarissimamente, podem vir a ser condenados à pena máxima cominada ao seu crime. A nossa proposta, então, leva a sério a premissa de que, se a medida de segurança pressupõe a prática de um injusto punível - e isso está no primeiro artigo que trata das medidas de segurança, no art. 96 do Código Penal -, a intervenção na liberdade e autonomia do seu autor, do autor do injusto punível, para tratá-lo só pode estender-se até onde iria uma intervenção para puni-lo. E o limite da punição de um crime concreto não é a pena máxima abstratamente prevista na lei para um tipo correspondente, mas aquela a ser dosada na sentença, proporcional à magnitude do injusto praticado, de acordo com os parâmetros legais. Impõe-se, assim, uma dosimetria do limite máximo da medida de segurança aplicada aos inimputáveis, que levaria em conta as circunstâncias judiciais e legais relevantes para determinação do grau de injusto atribuído àquele agente que tem um déficit de culpabilidade. Tal solução também não é uma invenção nossa. Tal solução não é inédita. No próprio Direito brasileiro, ela já apareceu em alguns setores da jurisprudência. Amilton Bueno de Carvalho, por exemplo, na condição de magistrado, em algumas vezes, a propôs e a fez valer na jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do Sul. E na nossa doutrina também, em algumas vezes, foi proposta mais recentemente, por exemplo, por Saulo de Carvalho, em obra especialmente dedicada ao tema. Mas essa solução também é consagrada no código penal espanhol, em seus arts. 101 a 103, que preveem hipóteses diversas de internação, sempre limitadas pela seguinte fórmula: a internação não poderá exceder o tempo que duraria a pena privativa de liberdade se o sujeito tivesse sido declarado responsável. E, para esse efeito, o juízo ou tribunal fixará na sentença esse limite máximo. Para além das ações jurídico-dogmáticas expostas, a medida proposta atende uma reivindicação da Psiquiatria e da Psicologia Forense de que a imposição da medida de segurança tenha um conteúdo simbólico de responsabilização, fundamental para o próprio tratamento. Com efeito, um limite máximo, fixado a partir do injusto concreto praticado, é consequência da obra do agente, que, dessa forma, ocupa o lugar de sujeito, autor de seu destino, não sendo mais exclusivo objeto de um juízo alheio de periculosidade. Bem, essas são modestamente as nossas contribuições para o debate de V. Exªs. Eu agradeço imensamente a atenção em ouvi-las. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Muito obrigado, Prof. Frederico. Antes de passar ao eminente Procurador da República Dr. Douglas Fischer, pede pela ordem o Senador Lasier Martins. A palavra está com ele. O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS. Pela ordem.) - Muito obrigado, Presidente. Presidente, a exemplo da colega Simone, eu também vou ter que me retirar daqui a pouco, mas não sem antes ouvir ao menos uma parte da preleção do meu prezado conterrâneo e amigo Douglas Fischer, que, com muito brilho, participou, durante longo tempo, do processo da Lava Jato. Mas eu queria dizer, Presidente, que esta nossa reunião de hoje acende uma luz neste processo tão reclamado pela sociedade brasileira, que é a reforma do Código Penal. Há cinco anos não acontece praticamente nada; e hoje se renova uma grande esperança. Nós percebemos aqui, pela avalanche de críticas - não só aqui, mas dos especialistas em geral - com relação ao PLS 236, que está sendo praticamente sepultado pelo que nós vimos. Mas, quando era de se temer pelo início de tudo, nós estamos vendo que não vai ser assim, porque está surgindo aqui, está nascendo aqui uma magnífica proposta alternativa, pelo que nós ouvimos até agora e pelo conteúdo que está aqui neste volume, que pretendo ler cuidadosamente. Então, para V. Exª, que tem essa grande incumbência de relatar a reforma do Código Penal, eu acho que nós reiniciamos hoje um trabalho que vai ser bem mais célere e brevemente poderemos trazer ao debate na Comissão e depois no plenário, para atender a essa reivindicação que se impõe nesses tempos modernos e diferentes que nós estamos vivendo. Nós teremos oportunidade de ver uma ampliação no rol de crimes hediondos, que é uma imposição; nós precisaremos ver essa questão da população carcerária, que é uma grave situação; nós vamos ver a responsabilização aos crimes de corrupção, que dominam os debates na opinião pública nos dias de hoje; enfim, há muita novidade que já está emergindo nesta reunião de hoje. Então, não poderei assistir até o final, porque tenho uma comitiva já esperando no meu gabinete há mais de uma hora - fui avisado agora - e depois tenho uma nova comissão logo no início da tarde, que, aliás, vai ser um duro debate no Conselho de Ética, sobre um assunto que teve repercussão há bem pouco tempo. Então, Presidente Anastasia - e reiterando o que disse aqui a Senadora Simone Tebet -, não poderia estar em melhores mãos essa relatoria, a não ser em suas mãos, que tem tido um trabalho brilhante, destacado, saliente em todos os temas que temos debatido. Eu queria apenas dizer isto: não posso ficar até o fim, mas saio daqui hoje com a esperança de que aquilo que vinha se constituindo numa frustração, isto é, a letargia da reforma do Código Penal renova-se hoje com esta nossa reunião com brilhantes juristas, jovens juristas, qualificadíssimos juristas pelo que ouvimos até agora, preparados, estudiosos, porque eles estão nos trazendo alternativas que, certamente, V. Exª vai aproveitar. Então, quero ouvir um pouco do meu prezado e brilhante amigo Douglas Fischer e depois tenho que me retirar, porque já deveria estar no meu gabinete há bastante tempo. |
| R | Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Muito obrigado, Senador Lasier. Sua presença é sempre enriquecedora. Agradeço as palavras de V. Exª. Passo a palavra ao eminente Procurador da República, Prof. Dr. Douglas Fischer, a quem agradeço muito a gentileza de ter aceitado o nosso convite. Com a palavra o eminente Procurador. O SR. DOUGLAS FISCHER - Sr. Senador Antonio Anastasia, Professor Anastasia, é honroso o convite que recebi para estar aqui hoje. Faço a minha saudação também ao Senador José Pimentel e, igualmente, ao Senador Lasier Martins, que eu conheço pelo trabalho lá no Rio Grande do Sul. Agradeço as palavras. É uma grande honra poder estar aqui hoje neste debate tão importante e sobretudo na companhia, também honrosa para mim, de professores do Direito Penal, conhecedores e estudiosos do Direito Penal e do processo penal, que muito me auxiliam no estudo que faço do dia a dia do Direito. Acho que isso é importante. Todos nós aprendemos com essa troca de ideias. Eu tentarei fazer uma síntese aqui, porque os temas são os mais variados. Eu acho que há inúmeras críticas - e eu as ouvi hoje aqui - extremamente importantes e necessárias, a serem ponderadas pelas Casas Legislativas. Eu preciso fazer um pequeno histórico, Senador, porque eu fui recuperar aqui e fazer um comparativo do PLS nº 236. Eu tive um honroso convite também quando foi feito o estudo pela Comissão de Juristas. O Relator do PLS foi o então Senador Pedro Taques, e ali é que se originaram todos os debates, o trabalho hercúleo da Comissão, que merece seus créditos, na minha modesta opinião, embora todas as críticas sejam importantes sob o viés técnico. A questão toda não é pessoal, ela é técnica. O Senador Pedro Taques me fez o honroso convite para auxiliá-lo na época. Eu tive autorização do Ministério Público e da própria Casa, do Senado, para vir aqui e fazer uma recepção de todas as emendas parlamentares e populares que foram apresentadas ao PLS nº 236. E todas elas - e aí eu me refiro a esse dado histórico - foram publicizadas, estão referidas na movimentação do PLS nº 236. Então, diante da consideração feita pelo Prof. Alaor, todas as emendas foram analisadas. Se elas foram acolhidas ou não, são outras circunstâncias. Aproveito para fazer também minha saudação aqui à Senadora Ana Amélia, do meu Estado, o Rio Grande do Sul. Há dois representantes do meu Estado aqui neste debate. Prossigo. Vejo hoje aqui que esse projeto, na verdade, não foi um relatório inicial que o então Senador Pedro Taques - em que, modestamente, eu auxiliei um pouco - tinha como ideia apresentar ao Parlamento para discussão. Ele é praticamente a manutenção daquele projeto originário da Comissão de Juristas. Eu preciso referir alguns dados importantes. O primeiro deles: nós temos um hábito, no Brasil, de querer legislar sobre Direito Penal, sobretudo na parte especial, e quase que criminalizar tudo. E nós temos que ter o viés contrário. |
| R | O Direito Penal - e falo isso com absoluta tranquilidade - tem que ser utilizado para aquelas situações absolutamente necessárias. E, no PLS, no relatório originário, que não foi o aprovado, nós não tínhamos 421 figuras penais da parte especial. Nós tínhamos 355, e isso considerando algo que eu concebo como equivocado, que é trazer muitas legislações especiais para dentro do Código Penal. Nós temos que ter uma limitação dos tipos penais. Para dar um detalhe, o que falta, dentro da minha visão, neste PLS e que se tentou fazer no relatório anterior foi um escalonamento de penas racional. Se há uma coisa que nós temos no nosso ordenamento jurídico hoje que é uma irracionalidade são as penas. Vou dar dois exemplos aqui, na sequência, para que todos tenham essa noção, porque nós vamos emendando a legislação e chegamos a situações, com o perdão da palavra mais coloquial, sem pé nem cabeça. E aí algumas penas são aumentadas, outras não são aumentadas, e nós chegamos a um descalabro, por exemplo, em que quem cometer um homicídio - o que agora não é mais chamado de homicídio simples, mas de homicídio - é punido com seis anos de reclusão, mas, para quem praticar crimes contra a fauna, cuja pena começa em dois anos, e se este crime for decorrente de prática desportiva proibida profissional, é a mesma pena do homicídio, começa em seis anos. Quer dizer, essas circunstâncias precisam ser eliminadas do Código Penal que se queira racional. Nós temos que eliminar tipos penais - eu peço desculpas a quem pensa o contrário -, por exemplo... São só alguns exemplos que tinham sido excluídos. E depois, se V. Exª me permitir, eu vou encaminhar a sugestão que havia à época. Por exemplo, o art. 280, abandonar cargo público fora dos casos permitidos em lei: pena de três meses a um ano. Na minha modesta visão, o Direito Penal não é para isso; isso é para o Direito Administrativo. Não tem sentido para nós penalizar tudo. Se nós formos olhar alguns outros tipos penais, foi colocado - eu respeito muito - que a violação de prerrogativa legal de advogado é crime. Por que só a prerrogativa do advogado? E por que criminalizar? Isso tudo estava na originária. Os crimes contra o sistema financeiro, que foram trazidos da Lei 7.492, trazem inúmeros problemas que não foram solucionados e continuam sendo mantidos aqui. Nos crimes contra o meio ambiente, nos crimes contra a fauna, eu dei esse exemplo. São apenas algumas circunstâncias para as quais eu quero alertar os Srs. Senadores que participarão desse trabalho muito difícil para tentar estabelecer, primeiro, na parte especial, se isso for feito, além da parte geral. Da parte geral, vou me restringir a falar só de um tópico, porque eu li rapidamente as propostas que foram trazidas aqui e acho que elas merecem, sim, ser levadas em consideração. Esse debate é profícuo por isto: precisamos ouvir quanto mais cabeças pensantes e mostrar o porquê da necessidade de rever o sistema penal melhor, muito melhor. E talvez esteja aí, Senador Anastasia, o reconhecimento da sua iniciativa de tocar isso adiante, mas fazê-lo de um modo em que se ouça tanto quanto mais seja possível. O que no passado não foi possível fazer se faça agora. Eu parto sempre da seguinte premissa: eu acho que nós podemos aproveitar, sim, e ajustar as coisas que estão. |
| R | Eu faço apenas uma referência: o Prof. Gustavo fez uma crítica de que nós temos muitos crimes que não permitem a substituição de penas. Eu acho que nós temos que ter uma legislação que, como regra, permita substituição de penas. E o relatório anterior, não este... Eu vou dar alguns números. No Código Penal, hoje, pelos meus cálculos, há 97 tipos penais que não excedem a dois anos; já no PLS, no relatório anterior, diminuía-se para 81 tipos penais que não excediam a dois anos. Ou seja, diminuía-se o número de crimes. Houve, na verdade - eu posso apresentar esses dados -, uma tentativa de endurecer, e eu acho que merecem um endurecimento alguns crimes. Existe uma discussão muito grande, mas, por exemplo, a pena de homicídio começa em 6 anos - 6 anos para um crime doloso! -, mas que, se for de 7 anos e 11 meses, o que não é difícil, dá regime aberto tirar a vida de alguém. Mas, em compensação, nós temos outros crimes que têm que ter uma redução drástica - drástica! - de penas. E mais: a exclusão do Direito Penal, para concentrar naquilo que é necessário. Eu sou favorável - e aí sim são as considerações que eu gostaria de trazer aqui -, divergindo um pouco do que foi dito aqui no tema da prescrição. A prescrição é um grande problema que nós temos hoje, na minha visão, no ordenamento jurídico brasileiro. Ela foi corrigida em parte, e, aliás, eu louvo uma observação que está aqui na sugestão da parte geral feita nessa obra que está lá na p. 69. Vejam os Srs. Senadores, eu vou tentar explicar a situação. Nós temos a prescrição e ela diz o seguinte: Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena [...] Olhem só a situação que nós vivenciamos hoje: se alguém é condenado em primeiro grau por um juiz, e o Ministério Público não recorre, pois está satisfeito com a condenação, e a defesa recorre porque é um direito de ela recorrer, nesse momento, como o Ministério Público não recorreu, começa a correr a prescrição executória da pena, mas - um detalhe - a pena não pode ser executada. Por quê? Porque há recurso da defesa. Esse é o primeiro problema, que está muito bem solucionado aqui na proposta, que eu apoio, dizendo: quando é que começa a correr? Do dia em que transita em julgado a sentença condenatória. Para quem? Para ambas as partes - o que é óbvio, pois eu só posso executar a pena quando transitada em julgado, ou então, vamos admitir a interpretação. O Supremo, hoje, depois do HC nº 126292, admite, em tese, a execução da pena após o exaurimento das instâncias recursais ordinárias. Isso será ajustado, mas o princípio é o de que eu só posso executar uma pena se eu tiver a disponibilidade para tanto. Pelo Código Penal hoje isso não é possível. Nós temos que mudar urgentemente. Nós temos que mudar urgentemente, mais ainda - é o que eu acho e neste ponto eu discordo do Prof. Gustavo respeitosamente - a prescrição retroativa. A prescrição retroativa, embora já tenha sido alterada em parte, ela ainda permanece com outro problema. |
| R | O que é a prescrição retroativa? Nós temos os chamados marcos de interrupção de prescrição. O fato foi cometido, há o recebimento da denúncia e a sentença condenatória. Não vamos colocar os delitos de júri, mas vamos colocar dentro da regra geral. Então, fato, recebimento da denúncia, sentença condenatória. Antigamente, havia a prescrição retroativa, que poderia se dar entre o fato e o recebimento da denúncia e entre o recebimento da denúncia e a condenação. Hoje não há mais, para os fatos posteriores - alteração do Código Penal -, a prescrição retroativa entre o fato e o recebimento da denúncia, mas ainda há a prescrição entre o recebimento da denúncia e a condenação. E mais, essa mesma pena - aí está um dos maiores problemas -, nós temos a chamada prescrição intercorrente, aquela que vai começar a fluir na pendência de todos os recursos para as instâncias superiores, que demoram. E vou dar um exemplo. Fiz um levantamento. A crítica que o Professor Gustavo fez foi de que seria interessante termos a prescrição retroativa, porque temos alguns tipos penais que têm uma pena mínima pequena e uma pena máxima grande. Então, dependendo da pena que levasse, nós trataríamos diferentemente duas situações. Fiz um levantamento rápido. Apenas 4% dos crimes do Código Penal têm essa amplitude grande se esse for o problema, mas os outros 96% não têm. E vejam uma situação muito corriqueira. Vou pegar o exemplo de um crime de falsidade ideológica, art. 299 do Código Penal, cuja pena é de um a cinco anos. Não vou cogitar da condenação no mínimo, mas ela é muito comum. Se alguém for condenado a até dois anos, o prazo prescricional será de quatro. Então, se ele for condenado a 1 ano, 11 meses e 29 dias, a prescrição será de quatro. Se for igual ou superior a dois anos prescreverá em oito. Vejam esse limiar. Então, o absurdo da prescrição retroativa é o seguinte: estou trabalhando com alguém que pode ser condenado entre um e três anos. Se ele for condenado a três, a prescrição será em oito. Então, se o juiz fixar uma pena de 1 ano e 11 meses, ou melhor, de dois anos e um mês, se o juiz condenar a dois anos e um mês a prescrição será de oito. Imaginemos que o réu apele para o tribunal e que este diminua essa pena para 1 ano e 11 meses. Muda o cálculo prescricional para trás, ou seja, aquele prazo que eu tinha antes, que era de oito anos, para responsabilizar aquela pessoa, pela redução da pena imposta pelo tribunal, apaga-se todo aquele prazo, que era de oito, e passa a ser de quatro. Eu sou pego de surpresa. Então, a prescrição retroativa traz esse problema que, na minha modesta visão, repercute não só nesses casos que são menores, mas sobretudo para a prescrição intercorrente, que ocorre na pendência dos recursos extraordinários, porque o prazo será pela pena fixada e não, pela pena prevista. |
| R | Qual é a solução que se apresenta para isso? A solução, modestamente... Poderíamos, inclusive, se acabássemos com a prescrição, até rever os prazos prescricionais. Eu falo isso porque nós poderíamos até ter prazos menores, se nós tivéssemos os marcos interruptivos, se nós não tivéssemos o prazo fluindo na pendência de recursos extraordinários. Ou seja, exauriu a jurisdição ordinária, nós não temos mais uma prescrição intercorrente. E como nós podemos fazer uma individualização da pena? Se alguém é condenado a dois anos, a prescrição executória, aí sim, é regulada pela pena em concreto, porque aí nós tratamos com prazos diferenciados para quem teve, efetivamente, uma pena diferenciada. Esse é um dos maiores problemas do Código Penal que nós temos que resolver hoje, na minha modesta visão. Eu vejo, eu tenho o hábito, Senador, de ler, curiosamente, o Diário de Justiça do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça e vejo que o índice de prescrição intercorrente é altíssimo, sobretudo nesses crimes em que a pena está dentro desses limites. Na minha modesta visão. Eu não quero trazer aqui a tensão. Eu quero deixar muito claro que eu sou um defensor da redução do Direito Penal. Eu acho que eu já deixei isto muito claro aqui. Mas nós não podemos gerar essa situação de quase iniquidade para os crimes que têm uma pena menor. Os crimes com pena maior normalmente não prescrevem, mas os crimes com pena menor quase sempre prescrevem. Se não der a retroativa entre o recebimento da denúncia e a sentença condenatória, ele vai dar depois. E nós não queremos um sistema que seja de faz de conta; nós queremos um sistema não encarcerador. Não estou defendendo isso. Aliás, eu sou um defensor de que a pena carcerária tenha que ser para os crimes mais graves, mas uma pena de natureza criminal efetiva, que aquela pena que vai ser imposta a alguém que violou o sistema jurídico vai ser cumprida, seja de prestação de serviço, substitutiva, sem problema nenhum. No exemplo que eu dei, de falsidade ideológica, a pena é de um a cinco anos. Coisa muito rara é alguém ser condenado por falsidade ideológica a quatro anos ou mais, que é quase a pena máxima. Ou seja, a regra será o quê? No caso concreto, a substituição da pena. Então, nós temos que atentar. Vou sintetizar minha fala neste tópico, que eu quero realçar muito, aderindo, inclusive, a algumas considerações, trazidas, bem organizadas, pelos colegas que me antecederam, da necessidade de revisitar, repensar um pouco a questão técnica e alguns problemas conceituais que existem, sendo que alguns haviam sido, inclusive, corrigidos. Eu posso adiantar. Estavam corrigidos, e não sei por que retornaram. Mas, independentemente disso, nós temos que pegar o que está aí, ajustar e aproveitar este projeto. Eu acho que ele não é inaproveitável. Não há por que nós partimos do zero. V. Exª tem o trabalho árduo, Senador, de fazer isso andar com bastante tranquilidade. Agora, se nós quisermos um sistema mais eficiente, ele vai passar. Ponto número um, repetindo e encerrando, até para permitir que o Prof. Pierpaolo faça suas considerações. Eu queria apenas fazer esses destaques. Ponto número um, repetindo, revisar esse tópico da Parte Geral; revisar, urgentemente, o sistema prescricional. Eu tenho sugestões aqui de um modo muito claro, que depois eu posso encaminhar a V. Exª, até para não cansar, porque são muitos aspectos técnicos que, em uma audiência pública fica até difícil explicar. Eu procurei pegar um exemplo apenas da prescrição retroativa para mostrar os problemas que nós vivenciamos no dia a dia, e isso não é um problema só do Ministério Público, não é uma questão de Ministério Público, mas... (Soa a campainha.) |
| R | O SR. DOUGLAS FISCHER - ... uma questão de sistema jurídico. De um lado, se eu não quero punir alguém injustamente, eu também não quero uma deficiência por conta desse tipo de regra que gera impunidade. Realmente, gera impunidade, e o maior índice que vejo hoje nos processos judicializados de impunidade são nesses crimes, com penas um pouco menores dando a prescrição retroativa ou intercorrente. Nós temos como solucionar, e eu não vejo mais, sinceramente, outro exemplo. Não vejo mais como justificar que ainda tenhamos a redução da prescrição pela metade se o sujeito, ao tempo do crime, era menor de 21 anos. Esse dispositivo foi feito quando a menoridade era de 21 anos; hoje a menoridade é 18, ou seja, se ele está entre 18 e 21 anos, embora sendo maior ele, tem a prescrição pela metade se na data do fato ele estava entre 18 e 21 anos. Na minha modesta visão isso tem que ser revisto porque, além dos prazos prescricionais já serem curtos, sobretudo o da prescrição retroativa, já se conta pela metade, ou seja, aquela prescrição que era de quatro passa a ser dois, e a que era oito passa a ser quatro. E ainda temos a prescrição etária se, na data da sentença condenatória, o réu era maior de 70 anos. Vamos falar não da sentença condenatória; vamos falar da condenação, que pode ser tanto na sentença como no acórdão no caso de absolvição. Existe uma razão histórica criada lá trás, a expectativa de vida, a necessidade de prioridade, enfim, toda uma questão, mas se formos olhar hoje a expectativa de vida aumentou. A nossa legislação estabelece como - aspas - "idoso" aquele que é de 60 anos ou mais, mas prescreve que, com 70 anos ou mais na data da sentença condenatória, o prazo será contado pela metade. Como é que nós podemos resolver esse problema também? Nós podemos jogar a prescrição pela metade sem problema nenhum, inclusive baixando para 60 anos - não deixando 70 -, mas baixando para 60 para fins de execução, ou seja, se alguém condenado é maior de 60 e a prescrição é quatro pela pena, eu tenho um prazo menor; meu prazo é dois. Aí eu faço uma lógica e uma individualização no caso concreto. É como penso isso. Então, Sr. Senador Antonio Anastasia, Senadora Ana Amélia, são apenas algumas considerações. Se nós pudermos contribuir trazendo ideias para que os senhores que são representantes do povo... Eu acho muito importante, eu sou incentivador. Sempre que me perguntam sobre o legislador, eu digo: "Eles são muito importantes para nós". A atividade legislativa é fundamental, nós temos que firmar a consciência de que o Parlamento precisa ser reforçado, precisa ter o reconhecimento popular. Isso eu falo não só nesta Casa, eu falo abertamente em todos os debates de que participo. Faço apenas uma observação que, infelizmente, se eu tiver oportunidade eu falo para a Senadora Simone. Realmente o Prof. Alaor e o Prof. Luís Greco escrevem muito sobre a teoria do domínio do fato e realmente há muita confusão nisso. Há muita confusão, e muitos acham que a teoria do domínio do fato permite eu pegar alguém para além do normal. Não! Ela é restritiva. Se nós formos estudar a teoria do domínio do fato, ela restringe a responsabilização e não a amplia. Claro que se pegam conceitos e se aplicam esses conceitos um pouco indevidamente e, às vezes, não compreendidos. |
| R | Na visão do Ministério Público, ao menos do que eu participei e do que vi, a descrição sempre estava dentro do tema da autoria mediata e autoria imediata. São duas coisas completamente diferentes da teoria do domínio do fato. Agora se isso foi utilizado para condenar ou não condenar não é um problema que eu possa reconhecer como meu, porque nós temos que diferenciar muito bem esse tema. E eu digo: colocar essa discussão da teoria do domínio do fato dentro do Código é problemático, bem mais problemático. E, se nós formos aplicar a teoria do domínio do fato, nós vamos ter que ver bem e alterar todo o sistema de coautoria e participação. Esse é um outro problema que vai ter que ser resolvido. Então, parece-me não ser o ideal trazer isso para dentro do Código Penal. E nós precisamos alertar a comunidade jurídica de que esse tema precisa ser aplicado com muito cuidado. Então, agradeço, mais uma vez, Senador, esta oportunidade. As críticas - que fique muito claro - são críticas todas aliadas aqui com o propósito de melhoria do que nós temos aí. O trabalho é hercúleo, mas eu tenho certeza de que com V. Exª o tema não poderia estar em melhores mãos para dar andamento, com tranquilidade, com organização, de quem é professor e conhecedor do Direito nessa área. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Agradeço, Doutor Douglas Fischer, a colaboração de V. Sª. Desde logo eu agradeceria de fato essa colaboração efetiva e concreta das propostas, não só sobre o tempo da prescrição, mas sobre outros também que V. Sª julgar pertinentes e puder colaborar com esta relatoria. Serão muito bem-vindas as propostas de V. Exª, e eu vou recebê-las com muito gosto. Eu vou passar agora a palavra ao Prof. Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e professor da USP, a quem igualmente agradeço muito a gentileza de ter aquiescido ao nosso convite. Passo a palavra para as suas considerações. O SR. PIERPAOLO CRUZ BOTTINI - Sr. Relator, queria agradecer o convite para participar deste debate ao lado de grandes professores, acadêmicos e juristas. Queria cumprimentar todos os demais presentes, Senadores, em especial o Gabriel, a Heloísa, colegas de várias reflexões a respeito de Direito Penal. E vou ser bastante breve, dado ao adiantado da hora, mas compartilho algumas ponderações que me parecem importantes a respeito tanto do projeto original como do projeto que nos foi apresentado há alguns dias pelo grupo de professores que nos presenteou com esse tema. Mas, rapidamente, quando nós falamos da reforma de um Código como um todo, me parece que duas coisas são fundamentais. Em primeiro lugar a finalidade dessa reforma e, em segundo lugar, alguns pontos metodológicos que me parecem fundamentais. Quando nós falamos de finalidade, acho que a questão é: o que nós queremos com esse novo código ou com essa reforma? Quando se quer alterar toda uma sistemática, alterar os fundamentos de uma dogmática, diante de uma ruptura de um sistema, ou de uma mudança drástica de um regime político, evidentemente a proposta de reformulação integral do Código se faz necessária. Não me parece ser o caso aqui. Parece-me que nós estamos diante de um Código cuja parte geral - e eu vou me fixar aqui na parte geral - é uma parte que tem substância, que, apesar de ter alguns problemas pontuais, resolve inúmeros problemas. Alguns problemas que ensejam inúmeros debates fora do País, de alguma forma, são resolvidos por algum dos dispositivos previstos na legislação brasileira, principalmente, no campo da omissão e em alguns campos do concurso de pessoas, de forma que o que me parece aqui fundamental é identificar quais são os problemas da parte geral, os problemas práticos da parte geral atualmente vigente e buscar resolvê-los da melhor forma possível. |
| R | E, para isso, a discussão acadêmica, a discussão doutrinária e também, em especial, a discussão jurisprudencial, quando nós temos as reflexões dos operadores do Direito acerca desses problemas. Bom, então, parece-me que a finalidade é corrigir algumas fricções constitucionais da nossa parte geral ou alguns dispositivos que nos causam problemas concretos. Para isso, o método que me parece mais relevante ou mais adequado deve evitar alguns equívocos que me parece que ocorreram na elaboração do projeto original. Em primeiro lugar, evitar o fetichismo dogmático. A gente sabe que no exterior são desenvolvidas ideias muito interessantes a respeito de conceitos penais, a respeito de institutos penais que se propõem a resolver na interpretação dos dispositivos alguns problemas concretos, mas a positivação, a incorporação disso no nosso ordenamento acaba gerando problemas também práticos, problemas de interpretação, porque nós não estamos acostumados com determinados institutos e nós sabemos que a comunidade jurídica, ao receber esses institutos, pode efetivamente acabar interpretando de uma forma diferente, inclusive da sua proposta original, e gerando outros problemas. E aqui, para não citar diversos deles, eu queria citar o instituto da imputação objetiva e o instituto do domínio do fato. Ou seja - não que o nosso art. 13 da relação de causalidade seja absolutamente perfeito - substituir isso por um risco adequado, por um risco permitido, por um risco não permitido isso vai gerar uma problemática brutal de interpretação de algo que de alguma forma está assentado. E, da mesma forma, em relação ao domínio do fato, em que muitas vezes a interpretação de algo que veio no sentido de criar critérios para distinguir autoria de participação, acaba dando ensejo a uma decisão de identificar ou não identificar aqueles que participaram ou não participaram do delito. Portanto, me parece que esse fetichismo dogmático tem que ser evitado. Isto é, por mais interessantes que sejam essas ideias, o nosso Código Penal, a nossa parte geral tem dispositivos que são dispositivos extremamente interessantes, relevantes, e não me parece que essa alteração só por conta de um ineditismo seja salutar. Em segundo lugar, evitar também propostas que engessem a jurisprudência - eu vejo no PLS 132 uma série de propostas que surgem com o objetivo de positivar questões relevantes - e tentar buscar avanços na jurisprudência e trazer para dentro do texto legal. Aí, por exemplo, a ideia de positivar a consunção, de vedar expressamente o bis in idem ou o princípio da insignificância, porque, parece-me, o intuito aqui é de trazer para dentro do texto legal alguns avanços, alguns progressos no campo da jurisprudência. Mas, por outro lado, em primeiro lugar, isso pode gerar alguns problemas dogmáticos. E não falo aqui em relação à questão de interpretação de norma, mas, principalmente, em relação ao princípio da insignificância - eu acho que o Prof. Luís Greco trouxe isso muito claramente - mais do que isso, tentar engessar na lei algo que na realidade é muito mais rico. Então, me preocupa essa tentativa de positivar todos os eventuais avanços, porque, ao positivar, a gente engessa a criação jurisprudencial e isso pode gerar também alguns problemas. No terceiro ponto, também faço coro ao Prof. Luís Greco. Parece-me que nós não podemos mexer em questões que são polêmicas e ainda não foram suficientemente amadurecidas, tanto no plano jurisprudencial quanto no plano doutrinário. E digo, entre todas elas, a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Hoje, nós trabalhamos essa sistemática no campo do Direito Administrativo sancionador, não sem problemas. Nós temos aqui a Lei Anticorrupção, que nos permite a discussão de algo muito próximo de uma responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas me parece que, ao trazer tudo isso para dentro da parte geral do Código Penal e, mais, sem regras processuais específicas, nós geraríamos aqui uma confusão ainda maior. |
| R | A mim me parece que, se nós optarmos politicamente pela responsabilidade penal da pessoa jurídica, nós deveríamos ter uma lei específica para isso, uma legislação penal especial que incorporasse a parte material e a parte processual, como a gente faz com a lavagem de dinheiro e com todos os outros temas. A mim me parece que incorporar tudo dentro do Código Penal nos traz em alguns campos uma assistematicidade, porque eu coloco a parte material dentro do Código Penal, e a parte processual não fica conectada. E nós sabemos que alguns crimes têm peculiaridades processuais que precisam ser regulamentadas em um mesmo diploma. Daí me parece que alguns temas devem, sim, ser remetidos à legislação penal especial. Uma outra questão, só para encerrar essa primeira consideração a respeito do método, é que também me parece que, ao buscar reformar o Código Penal, nós precisamos nos limitar ao Código Penal, ou seja, ao Direito Penal material. Portanto, tudo aquilo que tiver índole processual ou se aproximar muito do campo processual precisaria estar num diploma legal em separado. E aqui faço uma referência específica à colaboração premiada. Ainda que ela traga benefícios penais e materiais, ela é um instituto com uma característica processual muito peculiar. De forma que não me parece que aqui, embora me pareça que esse instituto precise, sim, de uma regulamentação nova, precise, sim, de um enfrentamento novo de algumas questões que têm surgido na prática e têm deixado os operadores do Direito com uma insegurança brutal a respeito da utilização desse instituto, seja o locus, o lugar para legislar sobre esse tema. Feitas as considerações rápidas a respeito da metodologia, só vou passar por alguns pontos, porque falar depois dos que me antecederam sobra muito pouco para que eu complemente. Mas eu só queria trazer alguns pontos para a reflexão que ainda não foram pautados aqui e que me parecem importantes. Em primeiro lugar, sobre a sistemática dos crimes omissivos. Eu acho que o nosso Código Penal, na parte geral, regulamenta os crimes omissivos no art. 13, §2º, e fala dos crimes omissivos impróprios. A mim me parece que essa regulamentação, embora ela não gere problemas brutais e estruturais, precisaria de alguns reparos e reparos com relação à pena ou à equivalência de pena prevista entre os crimes omissivos e os crimes comissivos. O nosso Código Penal, em seu art. 13, § 2º, prevê três hipóteses em que o sujeito se torna garante, ou seja, ele se torna responsável pela proteção do bem jurídico, pelo controle da fonte do perigo e, se aquele bem jurídico for lesionado, ele é apenado ou ele é imputado como se ele tivesse praticado aquele crime, em primeiro lugar pela lei e, em segundo lugar, pela assunção daquela responsabilidade e, em terceiro lugar, se ele criou o risco do resultado. Nessas três hipóteses, ele tem o dever de impedir o resultado e a omissão equivaleria - e aqui eu não vou entrar na discussão técnica do que é equivalência ou não -, do ponto de vista da imputação penal, à comissão. A mim me parece que, quando nós tratamos dos três incisos do § 2º, nós temos situações bastante diferentes em relação à imputação. Isso porque me parece que, no inciso I, quando eu tenho a obrigação legal de evitar um resultado e, no inciso II, quando eu assumo o dever de evitar um resultado, eu não crio nenhum risco. Eu simplesmente sou responsável por controlar ou impedir riscos alheios, produzidos por terceiros ou pela natureza. Portanto, parece-me que nesses casos, se eu não impeço o resultado, a gravidade da conduta ou a reprovabilidade da conduta é menor do que nos casos em que eu efetivamente criei esse risco e não impedi o resultado. |
| R | Então, a mim me parece que no inciso I e no inciso II... No caso da ingerência, no inciso III, nós podemos discutir um pouco melhor, mas nos incisos I e II, quando tenho a responsabilidade por lei ou eu assumi a responsabilidade de impedir o resultado e não o fiz, e o resultado acontece, eu posso até ser punido pelo crime como se eu o tivesse praticado na forma ativa. Mas aqui me parece que uma atenuação ou uma causa de diminuição da pena seja importante, ainda que seja facultativa como acontece na legislação de alguns países, como na legislação da Alemanha, como na legislação de Portugal e de outros tantos países. Portanto, uma causa de diminuição ou ao menos uma atenuante nos casos de omissão imprópria, quando o dever de garante decorre da lei ou decorre da assunção, me parece fundamental. No campo da ingerência, eu ainda dúvida se ainda há ou não há uma equivalência, mas certamente nesses dois primeiros em que, de alguma forma, sou responsável por risco de outros ou de terceiros parece-me importante uma causa de diminuição ou uma atenuante. Uma segunda questão aqui sobre a proposta do PLS original - e aqui faço coro às críticas que já foram feitas - em relação ao concurso de pessoas. Acho que, mais uma vez, incorporar a ideia do domínio do fato e, mais, incorporar a ideia dos aparatos organizados de poder sem nenhum tipo de ressalva, sem nenhum tipo de exceção pode, sim, ensejar interpretações que levem à responsabilização de alguém pera mera posição que ele ocupa em uma empresa ou em um cargo político ou na Administração Pública, e certamente não isso que nenhum de nós quer, inclusive aqueles responsáveis pela redação original. Mas me preocupa muito aquela sistemática. Em relação ao projeto que foi apresentado pelos juristas, eu só teria uma ponderação a fazer aqui. E me permitam, até para que a gente faça o debate. Eu ainda tenho dúvidas e vinha falando aqui como Prof. Luís Greco sobre a questão da equiparação, ou seja, no caso em que há concurso de pessoas entre alguém que tem uma das condições especiais para a prática do crime - por exemplo, um funcionário público - e outro que não a tenha, eu prever obrigatoriamente uma causa de diminuição para esse segundo, porque - isso estávamos falando aqui - não necessariamente, entre o crime especial, o crime próprio, o crime comum, o crime próprio ter uma pena maior do que a do crime comum. Eles podem ter a mesma pena ou, eventualmente, até o crime comum ter uma pena maior do que o crime próprio. Então, haveria uma dificuldade em relação a isso. Parece-me que essa causa de diminuição vale quando a pena do crime próprio é maior do que aquela prevista para o crime comum. Então, essa é uma questão de que eu gostaria, depois, de entender melhor a sistemática proposta. Em relação à prescrição, parece-me que tanto o PLS quanto a proposta alternativa apresentada enfrentam um problema que é um problema antigo da jurisprudência e que já foi levantado aqui: o problema do marco inicial da prescrição da pretensão executória. Ou seja, não faz sentido eu iniciar a contagem quando há o trânsito em julgado pela acusação. Evidentemente esse problema era muito mais sensível e muito mais incômodo quando se podia aplicar a pena no trânsito em julgado final. Com a mudança de posição do Supremo Tribunal Federal, com a possibilidade de se aplicar a pena antes, esse problema fica atenuado, mas, ainda assim, há a hipótese de transitar em julgado para a acusação em primeiro grau. Logo, essa mudança proposta de substituir o marco inicial da prescrição da pretensão executória do trânsito em julgado para acusação, do trânsito em julgado para ambas as partes me parece fundamental. E é bom que nós façamos isso no Legislativo antes que o Poder Judiciário o faça, como já ensaiou fazer, interpretando contra legem algo em prejuízo do réu. Então, efetivamente não me parece legítimo que o Judiciário faça isso, com já ensaiou fazer. Portanto, é fundamental que o Legislativo resolva esse problema. |
| R | Queria só fazer uma ponderação. Lendo o PLS original, eu também acho que não é de todo de se jogar fora, embora eu ache que haja vários pontos problemáticos. E um dos pontos que me chamou a atenção e me pareceu interessante é o ponto da questão da exclusão da culpabilidade dos indígenas. Eu acho que é um tema que a gente precisa enfrentar, e me pareceu que a proposta de enfrentamento - eu não entendo da questão indígena - é bastante interessante, bastante racional e adequada. Em relação - e aqui eu já caminho para o final; como eu disse, não vou tomar todo o tempo -, às penas, permitam que eu faça uma sugestão aqui, em relação ao projeto alternativo. Uma antiga proposta que já tramitou nesta Casa - depois, eu não sei o que aconteceu com ela - apresentava uma ideia muito interessante, que era substituir o regime aberto pela prisão domiciliar. Regime aberto é uma ficção que não existe no País, a casa de albergado não existe no País. E me parece que é muito menos hipócrita, do ponto de vista sistemático, que nós reconhecêssemos que o regime aberto não funcionou, nunca foi instituído no País e, na prática, é substituído, sim, por uma prisão domiciliar. Hoje, com o advento do monitoramento eletrônico, com ou sem o monitoramento eletrônico, me parece muito mais adequado que nós substituamos o regime aberto pelo regime domiciliar, que é o que efetivamente acontece na prática. Queria fazer coro à proposta muito relevante: eu acho fundamental, para resolver problemas de injustiça concretos da detração, aplicar a detração não só para a hipótese de prisão, mas uma detração mitigada, quando o sujeito, durante o processo, está submetido a cautelares diferentes ou distintas da prisão. Nós alteramos o Código de Processo Penal recentemente, prevemos cautelares distintas da prisão, mas nós não regulamentamos a detração no Código Penal, em relação a essas cautelares distintas da prisão, de forma que parece que vem em muito boa hora essa sugestão. No entanto - e aqui é a minha última ponderação; e, mais uma vez, eu peço desculpas, porque eu não tive tempo de ler, na sua integralidade, o projeto alternativo -, aqui talvez seja mais uma dúvida do que uma crítica, mas, quando eu li a proposta de redação do art. 44 de penas restritivas de direito, pareceu-me que é uma substituição do critério de quatro anos pelo critério de crime de menor potencial ofensivo. Se isso efetivamente aconteceu, parece-me que merece reparos, porque o espaço de quatro anos é um espaço que garante a dizer que, na redação do 44... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PIERPAOLO CRUZ BOTTINI - Sim. Então, o.k. Passou-me a impressão, porque ele substituiu os quatro anos por crime de menor potencial ofensivo. Então, se esse ponto puder ser mais bem esclarecido, porque, senão, a gente reduz muito o campo de incidência das penas alternativas e evidentemente a gente aumenta o encarceramento. E tenho certeza de que essa não foi a intenção dos expoentes. Enfim, essas eram as minhas ponderações. Certamente existem muitos outros temas a serem discutidos, muitas outras angústias e perplexidades diante da nossa legislação atual e diante das propostas, mas, diante do tempo, diante do avançado da hora, eu vou encerrar por aqui e me colocar à disposição desta Casa sempre que for necessário para debater um projeto de tal importância como a reforma da parte geral e da parte especial do Código Penal. Agradeço. O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Muito obrigado, Prof. Pierpaolo Bottini. Queria cumprimentá-lo pela exposição. E, da mesma forma, tenho certeza de que teremos ainda outra colaboração nesse processo que, como disseram a Senadora Simone e o Senador Lasier, está se iniciando neste momento, sob a minha relatoria, revendo e aproveitando o que foi feito, mas também ouvindo novos atores e novas ponderações, como aquelas feitas por V. Sª. Agradeço, portanto, muito a participação de V. Sª. |
| R | Passo a palavra ao derradeiro expositor, o eminente advogado Dr. Marcelo Turbay, que vai também apresentar aqui as suas ponderações sobre o tema. Com a palavra o Dr. Marcelo Turbay. O SR. MARCELO TURBAY - Sr. Presidente, Senador Antonio Anastasia, na pessoa de quem cumprimento os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras que estiveram de alguma forma presentes à sessão e contribuíram para os debates. Caros componentes da Mesa, é uma honra estar aqui presente. Agradeço muito prontamente o convite. É sempre muito bom que a advocacia possa também contribuir e estar presente em oportunidades como estas. Vejo esta audiência pública como oportunidade única para que se crie um espaço democrático, livre, aberto de discussão, um genuíno convite à sociedade, para que compareça ao Parlamento e participe, de alguma forma, do processo legislativo. Talvez - esta é uma opinião muito particular minha - estejamos vivendo atualmente um momento muito complicado no Brasil no que se refere à aplicação do Direito Penal, um momento de recrudescimento da legislação penal, um momento em que alguns setores da sociedade - e aí vai minha opinião pessoal - tentam, ainda que em vão, criminalizar a atividade parlamentar, o que eu vejo com grande preocupação. Entendo como um verdadeiro absurdo que desprestigia as instituições, que desprestigia a harmonia e o equilíbrio entre os Poderes. Então, é com muita satisfação que compareço a este espaço livre e democrático de discussão, dentro do Parlamento, dentro da Casa do povo, para também trazer aqui algumas contribuições em nome da advocacia criminal. Vejo presentes aqui não apenas a academia e a advocacia, mas também o Ministério Público. Sei que o convite foi feito também ao Poder Judiciário. Entendo que assim deve ser, que assim se faz um processo legislativo melhor, ouvindo-se o povo, ouvindo-se as demandas da sociedade. Assim, entendo que, de fato, esse código sairá como deve ser, alcançando todos, fazendo valer a Justiça. Que tipo de contribuição eu poderia prestar como advogado? Aqui as minhas palavras serão muito breves, até pelo adiantado da hora, mas talvez a contribuição do advogado criminal nesta audiência pública seja trazer os problemas do dia a dia dos tribunais, os problemas da prática forense, os desafios que a advocacia enfrenta em meio aos tribunais. Aqui, optei por eleger um tema muito específico - aliás, até mencionado pelo Prof. Douglas Fischer -, que é o tema do concurso de pessoas e mais especificamente - é o recorte a que me proponho a fazer - a participação de menor importância. É curioso observar que o Código atualmente em vigor, em seu art. 29, diz o seguinte: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade". Ao que parece, o atual Código Penal, hoje em vigência, rompeu com a tradição legislativa brasileira; adota um sistema que não diferencia autores e partícipes e tampouco diferencia o partícipe de menor importância. Não adota um critério restritivo de autoria; ao revés, adota um critério extensivo da autoria. E até tomando emprestado o gancho do Prof. Douglas Fischer, ora, se tivermos de trazer para dentro da parte geral do Código Penal a teoria do domínio do fato e, como disse o Prof. Pierpaolo, a teoria da imputação objetiva, teremos de alterar todo o sistema de concurso de agentes. Ora, talvez seja o momento de fazer isso! Talvez seja o momento de resgatar a tradição legislativa brasileira e realmente propor um critério diferenciador de autores e partícipes. |
| R | Muito gratamente pude constatar que o atual projeto de lei aqui do Senado se propõe a fazer essa distinção. Ele expressamente procura diferenciar o que seria o autor e o que seria o partícipe. Só que, por outro lado, ele simplesmente repete o §1º do art. 29 no que se refere à participação de menor importância e se limita a dizer apenas que, se a participação for de menor importância, a pena será diminuída de um sexto a um terço. O projeto de lei repete esse dispositivo praticamente do mesmo modo e com o mesmo patamar de diminuição de pena proposto, mas a dificuldade remanesce. E essa dificuldade é prática, é do dia a dia. Em 2012, tive a oportunidade de, em meio a minha dissertação de mestrado, estudar a participação de menor importância e me propunha ali a uma pesquisa qualitativa da participação de menor importância, como os tribunais estavam tratando a participação de menor importância. E muito tristemente pude constatar que um número enorme de julgados por todo o Brasil, inclusive dos tribunais superiores, resolve a participação de menor importância de forma muito sutil e breve, com uma frase que causa até certa perplexidade: "Ora, o sujeito não será um partícipe de menor importância porque sua contribuição para o crime foi de suma importância". Essa frase se repete ao longo de muitos julgados. Aqui cumprimento também o meu colega de mestrado, o Prof. João Trindade. Essa frase muito singela se repete ao longo de muitos julgados. E o problema, ao que parece, vai permanecer se o projeto de lei continuar trazendo esse abismo conceitual que é a participação de menor importância do jeito que está previsto hoje no Código Penal. Vivemos hoje, talvez, uma crise dogmática no Brasil. Essa frase não é minha. É do Prof. Ney Bello, da Universidade de Brasília. Vivemos uma crise dogmática. Então, é com muito bons olhos que eu vejo a academia vir aqui ao Parlamento trazer essa densidade dogmática que nós precisamos incorporar aos diplomas legislativos hoje no Brasil, sobretudo no que se refere ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. É com muito bons olhos que recebo muito bem essas discussões, essas ideias colocadas, esse projeto alternativo que chegou às minhas mãos. Cumprimento aqui os participantes, de muitos dos quais eu tenho a honra de ser um assíduo leitor. Para mim, também é uma gratíssima satisfação poder dividir essa mesa. E como alterar isso? Talvez justamente reformulando todo o sistema de concurso de agentes, adotando, enfim, em resgate ao que era antes do código atual vigente, o sistema diferenciador, a concepção restritiva da autoria, e talvez também diferenciando realmente e efetivamente, para que isso seja incorporado à prática forense, a participação de menor importância. E como fazer isso? São muitas as propostas, e uma delas talvez seja trazendo para a discussão da participação de menor importância a imputação objetiva, a concepção do risco, quando uma pessoa pratica determinada ação que importa mais ou menos risco ao tipo penal; inclusive, trazendo também para discussão aqui da parte geral o conceito de ações neutras, muito bem trabalhado pelo Prof. Luís Greco, num livro que eu particularmente acho belíssimo, que é Cumplicidade através de Ações Neutras. Talvez incorporando esses conceitos, trazendo isso à discussão, seremos capazes de efetivamente reformular o Código Penal nessa parte e conferir mais densidade realmente, sob pena de continuarmos simplesmente aguardando na expectativa e na esperança eterna de que os tribunais possam conferir essa densidade em meio a seus julgados, realmente explicitar o que seria uma autoria, uma coautoria, uma participação e, sobretudo, uma participação de menor importância. |
| R | Do jeito que é colocado hoje no projeto de lei, eu não acho que este problema será resolvido, e é preciso que seja resolvido porque, como eu disse, tristemente observamos um recrudescimento da legislação penal. Estamos vivenciando talvez, para minha tristeza, uma nova realidade punitiva no Brasil, que espero que termine por aqui, que termine a realidade punitiva, a forma de tratar os institutos penais, a interpretação, talvez com o código incorporando esses conceitos, trazendo essa maior densidade dogmática na parte penal, na parte geral do Código, e que nós possamos ter esse norte interpretativo que vá depois guiar toda a prática forense, todo o dia a dia dos tribunais. Poderemos vencer todas essas dificuldades que não só a advocacia, mas também o Ministério Público, a Polícia Federal, os operadores do Direito, o Poder Judiciário enfrentam no seu dia a dia. Então são estas as contribuições: apenas uma crítica e uma ponderação muito sutil e breve sobre esses elementos, especificamente no que se refere ao concurso de agentes. Obrigado novamente pela oportunidade, Senador. Meus cumprimentos aos nobres colegas! Não tinha visto o senhor chegar, Senador. Agora pessoalmente agradeço o convite para comparecer a esta audiência pública e prestar minhas contribuições. Para mim foi realmente uma honra estar presente. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PMDB - MA) - Muito obrigado ao Dr. Marcelo Turbay. Agora concedo a palavra ao Relator, Senador Antonio Anastasia. O SR. ANTONIO ANASTASIA (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Na conclusão desta audiência, acredito e digo a V. Exª que o seu objetivo me parece que foi cabalmente cumprido. Nós tivemos a oportunidade de ouvir, com muita atenção, ponderações as mais profundas sobre diversos aspectos do Direito Penal, tendo por objeto o projeto em tramitação. Novas contribuições foram trazidas à lume. Outras já estão sendo esboçadas, estão compromissadas também de serem encaminhadas à Relatoria. Como eu disse, no momento inaugural desta audiência, Sr. Presidente, e seguindo a orientação de V. Exª, que é Presidente da CCJ, eu, como Relator designado neste tema, vou fazer o trabalho com todo esmero e dedicação, mas também sem pressa, para que seja participativo, ouvindo agora também segmentos da magistratura, do Ministério Público de primeira instância, promotores de justiça que estão muitas vezes nas comarcas do interior, advogados que cuidam do Direito Penal no seu dia a dia, demais professores, porque quanto mais ouvirmos tenho certeza de que vamos ter mais elementos para nossa convergência. O objetivo, no primeiro momento, como eu disse, a médio prazo, ainda neste semestre, é apresentar esta parte chamada parte geral para discussão dos nossos membros da CCJ, nossos pares, os Senadores. Portanto, eu queria, se me permite V. Exª, agradecer, de modo muito empenhado, a participação de todos que vieram - alguns até da Europa - participar deste evento, dedicaram seu tempo na apresentação, apresentaram contribuições, vão apresentar novas contribuições, uma atividade cívica, verdadeiro múnus público que eles aqui realizam. Agradeço a V. Exª a realização desta audiência. Certamente teremos outras na tramitação do Código Penal. Eu pude observar, durante a audiência, que recebemos algumas indagações e comentários de acompanhantes pela Internet, todos mencionando exatamente a experiência na renovação da legislação, porque sabemos do seu dinamismo. A sociedade reclama muito isso. Claro - volto a dizer -, com muita paciência e extremo equilíbrio e serenidade, o trabalho será feito e apresentado em breve, como eu disse, no curso deste semestre, no que se refere à parte geral. Concluo, portanto, agradecendo a V. Exª a oportunidade, e, de modo especial, a todos os eminentes professores, advogados e procurador que aqui estiveram e se dedicaram a este assunto. Tomarei a liberdade de voltar a procurá-los, de abusar da paciência e especialmente do conhecimento que V. Exªs têm sobre o assunto. |
| R | Muito obrigado, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PMDB - MA) - Srs. Senadores, senhores convidados, esta Comissão tem sido um viveiro de grandes valores do meio jurídico nacional e internacional, ela própria. E nós temos sido assistidos aqui por homens do Direito, cientistas do Direito, como os senhores que hoje se encontram aqui dando-nos a honra e a alegria de suas presenças, dividindo com a Comissão os conhecimentos que ao longo do tempo obtiveram. A Câmara dos Deputados, se é um pouco diferente hoje, não foi no passado: a Câmara dos Deputados conseguiu reunir, a um só tempo, juristas como Prado Kelly na Comissão de Constituição e Justiça, Adauto Cardoso, Bilac Pinto, Martins Rodrigues e tantos outros luminares. Quando este projeto do Código Penal, este PLS, foi entregue aos cuidados e à responsabilidade do Senador Antonio Anastasia, nós tínhamos a convicção de que estávamos na persuasão completa de que ele se incumbiria bem, com a sua desenvoltura e com a sua competência jurídica. O convite a V. Sªs não foi de minha autoria. Recebi com entusiasmo a seleção, que foi feita entre os melhores pelo próprio Senador Anastasia, e, ao examinar os nomes, percebi, mais uma vez, o nível da responsabilidade do Senador Antonio Anastasia, que, não querendo ter a primazia de fazer tudo, foi se abeberar dos conhecimentos de juristas como estes que honram esta Mesa diretora dos trabalhos. Agradeço, portanto, aos Drs. Alaor, Luís Greco, Gustavo Quandt, Frederico Gomes, Douglas Fischer, Pierpaolo e Marcelo Turbay por terem vindo, aceitando o nosso convite, ilustrar esta Comissão e nos trazer as luzes dos seus conhecimentos. Muito obrigado. Nada mais havendo a ser tratado, encerro a presente reunião. (Iniciada às 10 horas e 11 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 15 minutos.) |
