17/08/2017 - 2ª - CPI dos Maus-tratos - 2017

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Havendo quórum regimental, declaro, em nome de Deus, abertos os trabalhos da CPI que visa investigar os maus-tratos infantis no Brasil.
Registro que é a nossa primeira reunião. É uma audiência pública, em que nós estamos começando pelo começo - área de saúde, área dos crimes cibernéticos -, para que nós possamos balizar o que esta Casa precisa propor à Nação.
Eu saúdo o relator, Senador José Medeiros, e a nossa Vice-Presidente, Senadora Simone. E já estou com um bom sentimento: de que não vou tocar esta CPI sozinho, como a outra. Mas, se tocando a outra sozinho, fomos aonde fomos, com a força desses dois presentes, espero que os outros vão se incorporando ao longo do tempo, nós ainda daremos uma resposta melhor à Nação brasileira.
A Presidência informa que a CPI dispõe do seguinte e-mail para recebimento de denúncias e sugestões: cpimt@senado.leg.br.
Registro, para que fique gravado, que nós não toleraremos denúncias criadas, forjadas para atacar adversários políticos, como tivemos. Detectado isso, certamente enviaremos de volta à Polícia por falsa comunicação de crime. E falsa comunicação de crime é crime. A CPI não estará à disposição de quem está de plantão para atacar a honra alheia. Que fiquem registradas as atitudes que nós vamos tomar.
Vou aproveitar e votar logo esses requerimentos para que possamos chamar os nossos convidados.
Apreciação dos requerimentos.
Item 1:
ITEM 1
Requerimento Nº 47/2017
Convida para Audiência Pública o Secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário, Sr. Cleber Cesar Buzotto.
Autoria: Senadora Vanessa Grazziotin
Item 2:
ITEM 2
Requerimento Nº 48/2017
Convida para Audiência Pública o Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho, Sr. Ronaldo Curado Fleury.
Autoria: Senadora Vanessa Grazziotin
Item 3:
ITEM 3
Requerimento Nº 49/2017
Convoca Redes Sociais para oitiva - Representantes: Facebook, Google, Youtube, Yahoo (Tumblr), WhastApp, Instagram e Twitter.
Autoria: Senador Magno Malta
Esse está sendo refeito, porque nós, na instalação, convidamos. E, como gato escaldado tem medo de água fria, da vez passada, eu convidei, e eles mandaram um retorno dizendo que estavam honrados por terem sido convidados. Mas era tudo mentira. No dia de vir, todo mundo adoeceu. Aí, eu fui obrigado a convocar. Agora, eu estou convocando.
Então, estou convocando os representantes de Facebook, Google, Youtube, Yahoo, WhastApp, Instagram e Twitter.
Item 4:
ITEM 4
Requerimento Nº 50/2017
Requer do Ministério Público do Mato Grosso do Sul relatórios sobre investigações das denúncias de maus tratos de crianças no Centro de Educação Infantil Santa Edwirgens.
Autoria: Senador Magno Malta Que também é da minha autoria.
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ITEM 5
Requerimento Nº 51/2017
Convida para Audiência Pública o Prefeito de Curitiba/PR, Dr. Rafael Greca de Macedo.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 9
Requerimento Nº 55/2017
Convida para Audiência Pública Representante do ISOC - Internet Society.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 10
Requerimento Nº 56/2017
Convida para Audiência Pública a Sra. Lucélia Rodrigues, vítima de maus tratos.
Autoria: Senador Magno Malta
Também meu requerimento.
ITEM 11
Requerimento Nº 57/2017
Requer documentos das Audiências Públicas realizadas em todas as Comissões Permanentes da Câmara do Deputados sobre o tema "suicídio e automutilação".
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 12
Requerimento Nº 58/2017
Requer à Comissão de Educação do Senado Federal, todo material coletado em Audiências Públicas sobre o tema "suicídio e automutilação".
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 6
Requerimento Nº 52/2017
Requer autorização para os meios de comunicação do Senado Federal acompanhar as diligências externas da Comissão.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 7
Requerimento Nº 53/2017
Convida para Audiência Pública o Secretário de Segurança de Pernambuco.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 8
Requerimento Nº 54/2017
Convida para Audiência Pública o Diretor Geral da Policia Federal, Sr. Leandro Daiello Coimbra.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 13
Requerimento Nº 59/2017
Convida para Audiência Pública o Secretário Nacional da Juventude.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 14
Requerimento Nº 60/2017
Requer aprovação de visita ao Presidente da República para apresentação do plano de trabalho e objetivos da CPIMT.
Autoria: Senador Magno Malta
Explico, Srs. Senadores. Penso que nós devemos ir em comissão ao Presidente da República, como fizemos na outra, para apresentar o trabalho desta Comissão - e discuti isso mais detalhadamente junto com a Senadora Simone -, porque nós não podemos encerrar este trabalho sem dar ao Brasil a criação de varas específicas para tratar de crimes contra a infância no Brasil - varas específicas. E aí nós precisamos da vênia e da mão da Presidência da República.
Estou requerendo aqui essa audiência pública, para que a gente possa ir ao Presidente da República e também - não sei se já está aqui - convidar para vir aqui a esposa do Presidente da República, a Primeira-Dama do Brasil, porque ela apresentou... Ela tem uma proposta de trabalho que envolve a defesa das crianças no Brasil. É muito importante que esteja conosco nessa luta.
Penso que escassez de recursos no Brasil será o primeiro argumento que nós vamos ouvir para não se criarem essas delegacias e essas varas. Nós temos onde pedir auxílio, e o faremos, em um primeiro momento, até porque a Vice-Presidente, juridicamente, está me ajudando, porque o meu negócio é mais no impulso, é no impulso que eu vou.
Penso que nós também precisamos requerer uma audiência com a Ministra Cármen Lúcia, que é afeita às causas sociais e à defesa de crianças, e em seguida com o Juiz Sergio Moro, para que parte do dinheiro repatriado da corrupção - vamos buscar um mecanismo - seja destinado à montagem dessas delegacias.
É tanto dinheiro que dá para mudar até o sistema penitenciário do Brasil, para que essas delegacias sejam criadas. Que parte desse dinheiro, que tem sido repatriado e diretamente entregue à Petrobras, seja também destinado à criação dessas delegacias para facilitar a criação dessas varas, com juiz, promotor, assistente social e psicólogo, para dar assistência aos crimes cometidos contra as crianças no Brasil.
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ITEM 15
Requerimento Nº 61/2017
Requer informações das Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal, sobre dados numéricos mensais de suicídios e tentativas de suicídios de crianças e adolescentes dos últimos 05 (cinco) anos.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 16
Requerimento Nº 62/2017
Requer cessão do Dr. José Carlos Concezo, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, para atuar como Consultor desta Comissão.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 17
Requerimento Nº 63/2017
Requer convocação da Sra. Helena Ramos.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 18
Requerimento Nº 64/2017
Requer o envio mensal, ou quando julgar necessário, de documentos analisados por esta CPI aos órgãos de investigação.
Autoria: Senador Magno Malta
ITEM 19
Requerimento Nº 65/2017
Requer que informe às Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas a instalação desta CPI.
Autoria: Senador Magno Malta
Sugiro que as Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores por todo o País também abram uma CPI para facilitar esse trabalho em todo o Brasil, já que eles têm condição de chegar aonde nós não podemos chegar. O que for legislação federal será legislação federal; o que for municipal será municipal; o que estiver envolvido em código de postura, de comportamento, de hotéis pelo interior deste País caberá às Câmaras de Vereadores. Então, há uma série de coisas a serem feitas. É preciso criar essa movimentação por toda a Nação.
Aproveito para apresentar os Vereadores de Mogi Guaçu, interior de São Paulo, que vieram ontem para cá para acompanhar a instalação da CPI - eles vão levar a instalação da CPI para a Câmara de Vereadores - e agradeço a presença.
Agradeço ao Vereador Luciano e ao Vereador Fábio, que estão conosco. Estavam também outros dois, ontem, com vocês - são quatro.
Sejam bem-vindos! Contem conosco no trabalho lá.
ITEM 20
Requerimento Nº 66/2017
Requer ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo a cessão da Dra. Gladys Henriques Pinheiros.
Autoria: Senador Magno Malta
É uma juíza especialista em depoimento sem dano. Penso que também vamos precisar dos trabalhos da Drª Tatiana, que trabalhou conosco, uma psicóloga juramentada, especialista em depoimento sem dano, porque há muita coisa que envolve crianças. É muito abuso e muito vagabundo que nós vamos ter que enfrentar pela frente aqui. Essas crianças não podem ser penalizadas com... Para a informação dos senhores, no caso de uma criança abusada, minimamente há 11 depoimentos. É mutilação demais para uma criança que já foi abusada e que precisa ser ouvida no depoimento sem dano.
Coloco...
Eu queria ler o ofício da Ministra Laurita.
Coloco em discussão.
Os Senadores que queiram discutir... (Pausa.)
Não havendo...
Os Senadores que os aprovam permaneçam como estão. (Pausa.)
Estão aprovados os requerimentos.
Recebi... "Ao Exmo Sr. Senador Magno Malta, indicação do representante do STJ para atuar nessa Comissão de Inquérito." A Ministra Laurita foi mais rápida. Enviamos um ofício na semana passada, e ela já mandou ofício fazendo a indicação. "Em atenção ao Ofício nº 6 dessa Comissão, indico o Ministro Rogério Schietti como representante do STJ para atuar como Consultor na Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus-Tratos do Senado Federal."
Seja bem-vindo o Dr. Rogério para atuar no nosso grupo de trabalho!
Também perguntei ao Dr. Thiago, que está conosco, se a SaferNet já recebeu o ofício para disponibilizar um membro da SaferNet para nos assessorar - recebeu também.
Eu estou sempre citando o Dr. Thiago. Para quem não o conhece, o Dr. Thiago foi um dos assessores mais importantes da CPI da Pedofilia. E, para a nova legislação que temos hoje, essa legislação de crimes cibernéticos, ele foi determinante durante aqueles três anos de CPI da Pedofilia.
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A SaferNet é uma ONG importantíssima nesse mister, nesse viés de proteção das nossas crianças e a SaferNet de volta aqui conosco é um prazer. A SaferNet é indispensável.
Coloco em votação a Ata da 1ª Reunião, solicitando a dispensa da sua leitura.
Os Srs. Senadores que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada.
Aprovados os requerimentos e a ata.
Convido para sentar à mesa conosco aqui o Sr. Thiago Tavares, Presidente da SaferNet. (Pausa.)
A Srª Solange Xavier, Coordenadora-Geral de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, representando a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança. (Pausa.)
Srª Gracielly Alves Delegado...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É Delgado. Eu pensei que era Delegado. Eu li o nome errado e ainda falei o sobrenome errado.
É Assessora Técnica da Coordenação-Geral de Saúde do Adolescente e Jovem do Ministério da Saúde. (Pausa.)
E o representante do Comitê Gestor da Internet, Sr. Fábio Novaes de Senne. É Senne? (Pausa.)
Eu quero agradecer a presença de todos e os representantes dos Ministros. Respeito cada um deles e tenho muita felicidade em tê-los aqui, penso que numa impossibilidade dos Ministros, mas, na verdade, dada a importância desta CPI, eu gostaria ainda de ter a presença desses Ministros dessas pastas. Numa questão de respeito, eu os convidei, não os convoquei. E quem está no serviço público pode ser convocado.
Eu vou ouvir, até porque tecnicamente ambos têm o conhecimento que vai nos ajudar, mas ainda vou insistir com a convocação dos Ministros, porque, dada a importância, criança não é o futuro deste País, jamais, criança é o presente. Se não cuidar do presente, aí que não haverá futuro. Para nós, que vivemos um momento de esgarçamento do País, de corda esticada que só prejudica a Nação, é importante que tratemos do presente da melhor maneira possível, para que nós tenhamos um futuro. Por isso, eu vou pedir à assessoria que reitere aos Ministros, porque, numa oportunidade próxima, eu gostaria de tê-los aqui.
Eu vou passar a palavra...
Eu vou começar pela Srª Gracielly Delgado, não Delegado, Assessora Técnica da Coordenação-Geral de Saúde do Adolescente e Jovem do Ministério da Saúde.
Gracielly, seja bem-vinda, você tem a palavra e você tem 15 minutos. Se precisar de mais tempo para a sua exposição, certamente nós daremos.
Fique à vontade.
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A SRª GRACIELLY ALVES DELGADO - Bom dia a todos e todas!
Em nome do Sr. Ministro, queria agradecer muitíssimo o convite e dizer que, de fato, para nós da saúde o tema sobre a infância, criança e adolescente, é de grande primazia. Tratar sobre essas questões é de uma grande satisfação, ainda mais nesse contexto atual em que nós estamos e em que tivemos alguns avanços. Eu vou falar um pouquinho deles aqui.
Nós temos vários instrumentos na saúde que, ao longo de algumas décadas, nós vimos tentando implementar com mais qualidade em relação à atenção a crianças e adolescentes em situação de violência. O trabalho com a família, a notificação, o trabalho em rede, os cuidados aos agravos, são um grande desafio, porque, como todos nós aqui temos o conhecimento em relação à violência de crianças e adolescentes, ela tem um contexto de acontecimento no ambiente doméstico, perpetrada por familiares ou por pessoas muito próximas, que nem sempre deixam marcas físicas, ou visíveis, ou de fácil detecção. Então, esse é um grande desafio em relação à saúde, e inclusive à responsabilização desses agressores.
Nós trabalhamos com relação à violência física, sexual, negligência e abandono, embora, ao longo dos anos, nós tenhamos investido bastantes esforços em relação à violência sexual, com portarias, inclusive, que falam sobre isso, por conta da necessidade do atendimento urgente. São necessárias menos de 72 horas para que a gente possa proferir as profilaxias, fazer todo o atendimento. Então, é uma questão de horas para que a gente consiga evitar uma gravidez decorrente de uma violência, ou uma possível infecção, e por conta disso o prazo é muito urgente. O Ministério tem investido esforços bem expressivos na organização desses serviços, em que todos eles atendam crianças, adolescentes - inclusive meninos, porque era uma dificuldade na nossa rede que eles atendessem essa população, por que, fruto do movimento de mulheres e de uma série de discussões, o nosso serviço e os serviços, de modo geral, atendiam em grande parte mulheres adultas. Então, é um desafio importante para que pensemos que crianças e adolescentes, inclusive meninos, também são vítimas dessas violências e que necessitam do cuidado importante para manutenção da sua saúde em caso de ocorrência.
Outra preocupação que também foi relatada pelo Presidente da Comissão foi em relação a tentativas de suicídio. Nós estamos vivendo hoje um movimento muito expressivo de sofrimento dessa população, em que há tentativas e de fato o suicídio, e não só isso, como também há mutilação entre adolescentes, e cada vez mais jovens. Nós já temos dados de suicídios em crianças, inclusive. Isso é muito preocupante, porque os serviços - eu diria, a sociedade - ainda não estão preparados para a gente lidar com essa situação, e é necessário um esforço conjunto, coletivo, em que todas as instituições, a educação, a saúde, a assistência social e demais parceiros possam integrar esse processo, para que a gente possa de fato identificar em tempo oportuno, intervir de forma adequada e proteger essa população dessas situações.
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A nossa ficha de notificação é um instrumento que é uma garantia por lei - inclusive já está no ECA -, que fala sobre a atribuição dos profissionais de saúde, bem como da educação, de comunicarem os sistemas em caso de violência. Entretanto, acho que é importante ressaltar o grande desafio que é a realização da notificação, principalmente nos contextos em que temos, por exemplo, violência urbana, em que, se você faz a notificação, no outro dia a pessoa sabe quem foi que fez, vai ao serviço de saúde, ameaça o profissional. Então, notificar está intimamente ligado a um sistema mais protetivo para aquele que faz esse processo, porque os profissionais se sentem desprotegidos diante da situação de encaminhamento dessas notificações, em que podem ser identificados e depois sofrerem algum tipo de penalidade. Então, acredito que é mais um trabalho para ser feito de forma coletiva, porque não vamos avançar nesse processo de notificação se não garantirmos que aquele que cometeu essa violência seja de fato responsabilizado e tirado do contexto social.
Nós temos dados muito preocupantes em relação à infância e à adolescência. O número de violências, seja de violência em geral ou violência sexual, infelizmente tem crescido. O Saúde Brasil, que ainda não foi publicado por completo mas tem dados públicos, traz essa afirmação. Por exemplo, a gravidez na faixa etária de 10 a 14 anos continua crescendo em todo o Território nacional. Embora a gravidez de um modo geral tenha caído nessa faixa etária específica, ela mantém o seu crescimento; ela gira em torno de 1,5%, o que a gente acha que é um valor pequeno, mas isso significa quase 29 mil meninas que engravidam antes dos 14 anos. Então, é de grande preocupação porque nos indica que, se elas estão em situação de violência - a nova lei diz isso, que abaixo de 14 anos é estupro de vulnerável -, não estamos conseguindo atendê-las a contento. Como está essa rede, que não está fazendo essa relação de forma adequada? As meninas, infelizmente, ainda sofrem mais violência em todos os contextos em que a gente consegue obter os dados, seja na violência geral ou na violência sexual; ela é expressamente maior em relação aos meninos.
A notificação de violência também indica que há uma disparidade quando tratamos em relação a raça/cor. A população preta e parda é a mais atingida. Nós temos também riscos significativos na população indígena, o que nos faz refletir sobre como temos tratado, como os serviços e a saúde pública, e eu diria as políticas públicas, estão integrando essa população em relação não só aos maus-tratos mas também ao suicídio, ao uso de álcool e outras drogas, e outros acometimentos a essa população, que é extremamente preocupante.
A violência sexual, como eu disse anteriormente, é um fato que ocorre com as nossas crianças e adolescentes - inclusive, ela é maior do que da população em geral - e ocorre em espaços que geralmente a gente tem o hábito de achar que são espaços protetivos, como a residência, a escola, e por conta disso é importante que a gente desvele assuntos complexos. Que espécie de território é esse? Quais famílias são essas? Quais serviços são esses que não conseguem proteger a contento essa população?
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Nós temos casos que são públicos, e não é necessário a gente fazer uma pesquisa muito apurada para identificá-los, de estupros coletivos, de violações dentro da residência, como tivemos o caso da adolescente que teve de fazer um vídeo em que estava sendo violentada pelo pai, porque a conselheira tutelar não acreditou na denúncia dela; então ela precisou fazer uma prova para mostrar isso.
A voz da adolescente, a voz das crianças em muitos momentos é questionada: será que isso é totalmente verdade? Será que eles não estão contando uma história? Será que não é uma invenção? Deve-se refletir sobre isso, porque, se queremos de fato proteger crianças e adolescentes e colocá-los no centro, como protagonistas de suas próprias vidas e sujeitos de direito, é importante que reconheçamos sua fala como uma fala que nos diz algo de relevante importância, porque ainda que aquela história não seja completamente verídica, algo está acontecendo ali, e é necessário verificarmos esse tipo de situação.
Eu diria que a população de dez a quatorze anos, sem dúvida, no rol do número de adolescentes, está mais vulnerável, pois tem menos acesso, tem menos autonomia, e existe uma série de restrições, inclusive que o próprio serviço público impõe para seu atendimento; e isso deixa essa população desprotegida. Entretanto, as faixas etárias menores também são vítimas de violências que preocupam muito, por exemplo, as crianças de zero a nove anos que morrem principalmente por causas externas, em acidentes de trânsito. Isso, de modo geral, pode ser tratado como um acidente; entretanto, se uma criança anda desprotegida, se não está na cadeirinha, se quem conduzia o carro estava alcoolizado ou uma série de outras situações, isso indica uma negligência nesse processo. E é importante também que a gente observe como oferecer alternativas para que essas famílias mudem a sua maneira de compartilhar atenção relevante com essa criança.
Nós temos algumas portarias que falam sobre essa questão, que inclusive destinam recursos para o atendimento da população em situação de violência, que foi uma forma de a saúde identificar e fomentar esse cuidado de maneira mais atenta, porque se uma criança chegava com um tipo de lesão que aparentemente poderia ser uma queda ou outro tipo de acidente, às vezes seria cuidada apenas para o tratamento daquela lesão: faz-se uma sutura, faz-se o acompanhamento... A observação mais cuidadosa sobre se, de fato, aquilo é violência ou não poderia passar despercebida, devido à demanda, devido a outras necessidades. E esse processo entrou como um incentivo para que os profissionais, de fato, verifiquem essa situação, para que a gente acione uma equipe multidisciplinar que trabalhe de forma diferenciada, apoie a família e veja se de fato aquela criança ou adolescente está sofrendo risco ou não.
Nós temos também a política da saúde da criança, que trabalha com a primeira infância, de zero aos cinco anos, e também com a infância, que vai até os nove. Está-se elaborando agora uma caderneta, que não será mais a Caderneta de Saúde, será uma caderneta da criança. A intenção é de que possamos integrar uma série de ações com a educação, com a assistência social, a que todos tenham acesso, que todos possam ler e preencher em algumas situações para apoiar essas famílias, principalmente aquelas que estejam em situação de risco. Temos alguns outros materiais, e eu não poderia deixar de falar aqui principalmente do lançamento, no início do semestre, da nova portaria do Programa Saúde na Escola, que tem como um dos eixos a prevenção e promoção da cultura de paz. Fazer essa discussão na escola é extremamente importante, porque é um espaço onde crianças e adolescentes passam a maior parte da vida, onde há profissionais preparados para fazer essa discussão, para identificar possíveis situações de violência, para saber, na identificação, o que fazer, para onde encaminhar, com quem se pode contar. É muito importante para que se diminua a repetição da violência.
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Sabemos que a violência contra a criança começa com um familiar que, às vezes, só penteava o cabelo daquela criança e de repente começa a fazer isso com a criança sentada no colo; de repente, leva para o quarto e pede o segredo e outras coisas vão acontecendo gradativamente. Se a gente conseguir observar que aquela criança está com outro comportamento, que outras coisas estão ocorrendo, talvez a gente consiga intervir antes que algo mais grave ocorra.
Nós fizemos também uma nota técnica, que é a Nota Técnica nº 4, do dia 3 de abril de 2017, que fala sobre o direito de adolescentes serem atendidos nas unidades básicas de saúde desacompanhados dos pais. Eles podem ou não ser atendidos desacompanhados dos pais. Essa é uma tentativa porque, muitas vezes, crianças e adolescentes que sofrem violência - seja ela de qual natureza for...
(Soa a campainha.)
A SRª GRACIELLY ALVES DELGADO - ... em relação à violência sexual, principalmente em relação à violência sexual - vão aos serviços acompanhados dos agressores. Isso às vezes impede a detecção, impede que essa pessoa fale o que está acontecendo. Além disso, a gente garante o acesso para que ele chegue lá e possa falar sozinho o que está acontecendo, peça ajuda se for necessário e faça as intervenções, caso necessite.
Queria só falar rapidamente da lei que foi lançada agora em abril, nº 13.431, que é a lei do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Essa lei foi um grande avanço, de fato, foi uma parceria importante do Executivo, do Legislativo, do movimento social e dos organismos internacionais. Constitui-se esse sistema de garantias de direitos o trabalho com a escuta especializada, o depoimento especial, no qual a gente pode pensar numa escuta diferenciada para criança e adolescente: Quem vai ouvir? Como se vai ouvir? É necessário ouvir? Em situações de violência, é sempre necessário? Quantas vezes é necessário? É um questionamento. Essa lei traz de forma muito significativa o envolvimento da rede nesse processo e logo foi regulamentada pelos parâmetros da escuta de criança e adolescente, que é uma publicação que traz o que cada um dos membros desse sistema de garantia de direito deve fazer.
Então, se chega na saúde, nós ouvimos, identificamos, para onde vamos encaminhar? Então, encaminhamos uma informação ao Conselho Tutelar, que aciona sua rede. Ela é um passo a passo de como qualificar e atender essa população que está em situação ou foi testemunha de algum tipo de violência.
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Agradeço a oportunidade de falar nesta CPI e quero dizer que, de fato, não há como trabalhar a violência se nós não estivermos muito integrados, o Legislativo, o Executivo, as demais Pastas. É muito importante que tenhamos o mesmo objetivo e que trabalhemos conjuntamente nesse processo, porque é impossível enfrentar algo de tal complexidade sem esse trabalho coletivo.
Nós nos colocamos em completa disposição para fazer a consultoria, para participar das atividades e trazer maiores dados e as informações que forem necessárias para que tenhamos o melhor resultado possível.
Muito obrigada. Bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado a você.
Consulto os Srs. Senadores: vamos ouvir os três e, depois, fazemos os questionamentos? (Pausa.)
Vou passar a palavra ao Fábio Novaes de Senne, que é representante do Comitê Gestor.
Lembro também que a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança, que penso que teria que ter sido a mais interessada, aqui não veio nem mandou representante. Então, peço à assessoria que reitere, não mais com convite, mas com convocação. Convoque a Ministra. Passe da cortesia do convite para a convocação - peço à Secretária.
Fábio, você tem a palavra.
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - Obrigado. Bom dia.
Agradeço ao Sr. Presidente, ao Senador Relator, aos outros membros da Mesa, em nome do Comitê Gestor da Internet no Brasil e do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. É um prazer estar participando e poder contribuir com os trabalhos da Comissão.
Se puder passar o próximo eslaide...
Eu queria só, no início, ressaltar: o Brasil tem... A gente tem que ter orgulho de dizer que o Brasil tem um dos modelos de governança da internet mais participativos e inclusivos do mundo. A gente é reconhecido por isso internacionalmente. Desde 1995 a gente tem trabalhado em um modelo multissetorial de governança da internet.
Do ponto de vista de informações que a gente pode trazer para a sociedade, para a melhoria da internet no Brasil, o NIC (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) tem implementado uma série de projetos para melhoria da internet no Brasil, entre elas a produção de estatísticas periódicas sobre acesso e uso da internet em diversas áreas, incluindo os domicílios brasileiros, as crianças e adolescentes, saúde, educação, cultura. Então, é uma fonte de dados... Eu diria que é uma das fontes de dados mais avançadas do mundo em termos de produção de estatísticas sobre o uso da internet. A gente tem que ter muito orgulho disso, e o Brasil tem sido reconhecido por isso ao longo dos últimos 20 anos de exercício desse modelo.
Então, eu falo especificamente... Eu sou Coordenador de Pesquisas do Cetic.
Se puder passar os próximos eslaides...
O Cetic foi criado em 2005 justamente por uma demanda do Governo brasileiro e do IBGE, porque a gente não tinha nenhuma estatística em 2005 sobre o uso de internet no Brasil, nem por indivíduos em geral, nem por crianças. E a gente, pela primeira vez... Foi feita uma parceria do NIC com o IBGE para produzir um módulo da PNAD - que é a principal pesquisa amostral do Brasil - para haver estatística sobre quantas pessoas usam ou não a internet no Brasil.
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A partir deste ano, o Cetic seguiu a sua trajetória de produção. O IBGE segue produzindo alguns indicadores muito básicos sobre o uso das tecnologias. Mas o Cetic, hoje, é a principal fonte oficial de dados e estatísticas sobre o uso da internet no Brasil em diversas áreas. Nós temos 12 anos de trajetória atuando nessa área.
Pode passar para o próximo eslaide, por favor.
Hoje em dia, são dez projetos de pesquisa anuais ou periódicos - alguns são anuais; outros são feitos a cada dois anos -, que cobrem áreas como domicílios, empresas, governos, saúde, educação, cultura. Então, é uma fonte bastante importante de resultados.
Pode passar para o próximo eslaide, que mostra as últimas publicações lançadas em 2005 e mais uma.
O objetivo fundamental é oferecer informação para a política pública de inclusão e de proteção à infância, de todas as áreas, no sentido do uso da internet. Todos esses dados são de acesso público. São todos oferecidos gratuitamente para a sociedade, estão à disposição de quem quiser consultar.
Não vou conseguir falar aqui de todos os projetos, mas vou focar especificamente o tema da infância e da adolescência, que é o nosso assunto aqui hoje.
Falo um pouco do dado nacional. Antes de chegar ao foco nas crianças, é importante trazer alguns dados da pesquisa TIC Domicílios, que é a pesquisa mais antiga do CGI e do NIC. É uma pesquisa feita em caráter nacional, de abrangência nacional, com mais de 23 mil entrevistas realizadas em todo o País. É uma amostra representativa. São entrevistados indivíduos de dez anos ou mais, ou seja, a gente começa na faixa da infância, a partir dos dez anos, na pequisa TIC Domicílios.
O que a gente pode ver ao longo dos últimos tempos é um crescimento bastante importante do número de domicílios que possuem acesso à internet. Em 2008, havia 18% dos domicílios com acesso à internet, e, no último ano em que há dados divulgados, que é o ano de 2015, chegamos à metade, a 51% dos domicílios brasileiros com acesso à internet.
A gente sabe que isso ainda é muito desigual. Por exemplo, no gráfico acima, vocês podem ver a diferença segundo as classes sociais, da Classe A até as Classes D e E: há uma variação de quase 100% dos domicílios conectados na Classe A até 16% dos domicílios conectados nas Classes D e E. Também é bastante sensível a falta de conexão nas áreas rurais, que ainda estão com 22% dos domicílios conectados. Então, queremos dizer que, apesar de estarmos num contexto, como todo mundo fala, em que a internet está presente na vida de todo mundo, das crianças e dos adolescentes, ainda precisamos vencer um contexto de exclusão digital. Não vencemos ainda a barreira da internet para todos.
No próximo eslaide, a gente vê isso pelas regiões. A gente nota que há uma diferença regional importante: enquanto na Região Sudeste, chega-se a 60% dos domicílios conectados, na Região Norte esse valor cai para 38%. Então, a gente tem dificuldades regionais também para vencer do ponto de vista das políticas de conectividade.
No próximo eslaide, aí sim, destaco a importância de a gente falar disso e de haver políticas voltadas para a área da infância e da adolescência. Entre os usuários de internet, a gente nota que as crianças e os adolescentes são os usuários mais intensivos, a parcela da população que mais utiliza a internet.
Aqui, o dado vem de um conceito internacional, de um conceito da União Internacional de Telecomunicações, que considera o usuário de internet aquele que fez uso nos últimos três meses. Então, não necessariamente é o que faz um uso avançado da internet, mas o que fez algum uso nos últimos três meses. A gente nota que, se pegarmos só as faixas de dez a quinze e de quinze a vinte e cinco anos, em torno de 80% da população nessas faixas utiliza a internet. Então, de fato, é preciso considerar que o público da infância e da adolescência entra primeiro nesse universo da internet.
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Então, temos hoje 58% dos brasileiros de dez anos ou mais como usuários de internet. Esse valor é maior do que os domicílios conectados, o que significa que a pessoa não necessariamente acessa no domicílio, ela pode acessar na escola, em pontos de acesso público e em outros locais.
Quando vemos os usuários, também há uma diferença muito clara entre as classes sociais. Então, há uma desigualdade de uso entre as classes A, D e E. Mas quando a gente observa os usuários das redes sociais, notamos que as redes sociais entre os usuários de internet está bastante disseminada por todas as classes. Então, as redes sociais são realmente um tipo de utilização da internet que afeta todas as classes sociais quando se trata dos usuários, ou seja, entre aqueles que venceram a barreira do acesso.
Bom, na sequência, passo a falar um pouco mais da pesquisa Kids Online, que é a nossa pesquisa focada em crianças e adolescentes, e tem esse nome em inglês porque é uma adaptação para o Brasil de uma metodologia criada na União Europeia. Todos os países da União Europeia implementaram essa pesquisa a partir de 2010, e na Europa já tem uma tradição de quase vinte anos de investigações nessa área de infância e adolescência.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Dr. Fábio, só a título de esclarecimento, volta um pouquinho aquele eslaide anterior. Ali tem classe A, 95%; classe B, 82%... Ali embaixo, com 28%, são as classes D e E?
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - É. Desculpa. Acho que sumiu ali... Deve ter algum problema no eslaide, mas a última é uma junção da D e da E.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - O.k. Obrigado. Era isso.
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - Bom, na pesquisa de crianças e adolescentes a gente segue um parâmetro internacional que permite que comparemos um pouco os dados do Brasil com os dados de outros países. O Brasil é o primeiro País que implementou essa pesquisa em nível de América Latina e hoje a Argentina, o Chile e o Uruguai já estão medindo com o mesmo parâmetro, o que permite que depois a gente possa estabelecer comparações.
Foram feitas cerca de três mil entrevistas com crianças e pais ou responsáveis por essas crianças, entrevistas domiciliares, e a faixa etária que é internacionalmente comparável é de nove a dezessete anos; os que estão considerados na pesquisa.
No próximo eslaide, em primeiro lugar a gente vê que também entre as crianças e os adolescentes, mesmo a criança e o adolescente sendo o público que entra primeiro na internet, ainda há uma dinâmica de exclusão de crianças e adolescentes que não estão introduzidas nesse universo. Então, nós temos diferenças importantes entre o número de usuários segundo as regiões do País, com variações de 90% a 88%, nas Regiões Sul e Sudeste, até 54% na Região Norte. Mas no âmbito geral, nós temos 79% da população de nove a dezessete anos conectada à internet, ou usuária regular da internet. Então, são 23,4 milhões de usuários de internet no Brasil, mais ainda 6,3 milhões de crianças e adolescentes desconectados.
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Se a gente entender a internet não só como uma via de riscos em que as crianças vivem, mas também de oportunidades, de informação, de formação, eu diria também que esses desconectados devem ser uma preocupação da política do ponto de vista de crianças que não estão tendo o mesmo acesso à informação que as outras que estão on-line.
Entre esses, 3,6 milhões nunca acessaram a rede, ou seja, não acessaram nem a menos de três meses, que é o caso do conceito internacional.
No próximo eslaide, a gente pode ver os usuários de internet também pelos perfis sociodemográficos. Então, a gente não tem muita diferença do ponto de vista do uso entre meninos e meninas, mas é bastante diferente segundo a escolaridade dos pais. Então, entre os pais mais escolarizados também o uso das crianças é maior. A faixa etária acho que é o principal fator sociodemográfico a ser considerado. Quando a gente chega dos nove a dez anos, o percentual é de 63 e sobe para 86 entre os dez a quinze. Então, a internet cresce e avança muito rapidamente conforme aumenta a faixa etária. Também há uma desigualdade de classes sociais ali quanto a quem é ou não usuário de internet, conforme a gente já tinha visto.
No próximo eslaide, eu gostaria de destacar - e esse eslaide é um eslaide comparativo de 2012 a 2015. Eu gostaria de destacar como mudou o cenário nesse período de conectividade. Quando a gente pergunta qual é o dispositivo, qual equipamento utilizado pela criança para acesso à internet, a gente teve uma inversão entre a relevância do computador, seja ele computador de mesa ou portátil, para o telefone celular. Então, o telefone celular que estava na faixa dos 21%, em 2012, hoje é utilizado por 85% dos usuários de internet nessa faixa de nove a dezessete anos.
O celular superou a soma de todos os outros dispositivos juntos. Então, ou seja, somarmos computadores de mesa, portátil, tablet e videogame não chegamos no celular como principal dispositivo de uso. Muito provavelmente, o Thiago vai comentar esses desafios da proteção quando estamos falando de um dispositivo que é portátil, que está em todo lugar, que tem uma mediação dos pais um pouco mais complexa de ser realizada.
O celular também é relativamente mais democratizado entre todas as faixas socioeconômicas. A gente pega a classe A, B, C e DE, o gap, a diferença entre quem já acessa a internet segundo o dispositivo celular, é pequeno. Ele é, de fato, um tipo de equipamento que penetra em todas as classes sociais.
No próximo eslaide, por favor, o celular tem-se tornado não só o principal equipamento utilizado pelas crianças para acessar internet como, para muitas delas, ele tem sido o único equipamento utilizado para acessar a internet. São crianças - e aí, eu destaco o ponto de vista da inclusão, a relevância de pensar políticas de inclusão - que não têm outra forma de acessar, não têm acesso na escola via computadores de mesa, não têm computador portátil em caso e só têm acesso via telefone celular, que, de certa forma, limita alguns tipos de uso e não outros. O celular é caracterizado por viabilizar alguns tipos de uso, mas por restringir algumas oportunidades também. Então, vejam que quem usa só celular tem o perfil de estar mais presente em áreas rurais, na Região Norte e nas classes D e E, que são justamente as faixas mais desconectadas e têm mais dificuldade de introdução da internet. No próximo eslaide, por favor - já estou...
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(Soa a campainha.)
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - ...caminhando para o fim - vemos que o principal acesso da criança e do adolescente ainda é o acesso domiciliar. Apesar de termos um acesso crescente (32%) em deslocamento ou em lugares públicos, como shoppings e outros locais, a grande maioria acessa em casa ou em casa de outra pessoa. Então, o acesso domiciliar é ainda a principal forma de acesso.
É relevante notar, nesse indicador, a estabilidade da escola como local de acesso. Então, a escola ainda não tem sido um espaço prioritário de acesso para esse público, e isso tem várias implicações do ponto de vista da oportunidade que se tem. Vou mostrar um pouco como está o cenário da escola.
No próximo eslaide, medimos uma série de atividades on-line. Fica à disposição aqui a pesquisa para que se tenha um contexto geral daquilo que a criança e o adolescente, tanto meninos quanto meninas, fazem na internet. As atividades on-line são, como os pesquisadores internacionais chamam, uma escada de oportunidades. Então, basicamente, o que a pesquisa tem concluído é que, quanto mais se usa, mais habilidade se cria, e, quanto mais se usa, ao mesmo tempo, se tem mais oportunidades e mais riscos. Portanto, oportunidades e riscos não são, segundo a literatura, opostos. A criança, ao mesmo tempo em que usa mais, cria mais habilidades, tem mais oportunidades e tem, complementarmente, mais riscos on-line.
O que é fundamental que a gente compreenda e busque entender é que o desenvolvimento de habilidades para lidar com informação on-line é fundamental dentro desse público, e ele cresce com a idade e com a experiência on-line que a criança tem. Na parte de baixo, que é a porta de entrada da internet são, de fato, as redes sociais, os aplicativos de mensagem instantânea, mas também vejam que o primeiro item mencionado é a pesquisa para fazer trabalhos para a escola. Então, há também a dimensão de oportunidade educativa fundamental do uso da internet.
No próximo eslaide, já caminhando para o fim, a pesquisa mede uma série de riscos on-line. É preciso dizer que, segundo essa metodologia internacional...
A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Desculpe, poderia voltar ao eslaide anterior?
Quando está dito ali que postou imagens...vamos ali ao terceiro "postou ou compartilhou na Internet o lugar onde estava", "usou mapas", "postou na internet textos e imagens", dentro dessa pesquisa, há condições de se fazer um filtro ou um percentual em relação a que tipo de imagem se refere: lícita ou ilícita; ao compartilhamento de informações, se são informações consideradas crimes ou não? Há a possibilidade de depurar em números essas informações, sem que, com isso, se entre na questão...
(Soa a campainha.)
A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - ...do direito à preservação da intimidade, enfim?
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - A pesquisa entrevista crianças e adolescentes, que respondem ao questionário em um ambiente de privacidade. A gente garante que a criança responda ao questionário, ainda que seja no domicílio, sem que o pai esteja vendo, sem que o pesquisador esteja vendo, justamente para garantir uma resposta mais próxima do que é realmente a prática dela. Infelizmente, a gente não tem como perguntar, em uma pesquisa dessas, sobre cada tipo de conteúdo que é postado.
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A gente faz uma classificação de atividades, e cada uma dessas atividades pode ser lida por todos aqueles perfis anteriores: classe social, renda... Mas, infelizmente, não dá para medir, com esse público, ainda mais que é um público que ainda não tem muita clareza do que é ilícito ou não e como é que ele pode classificar esse tipo de uso... Enfim, é impossível fazer isso com esse tipo de dado. A gente teria que ter outro tipo de fonte de informação para esse fim.
A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - A minha pergunta, de forma bem objetiva, é a seguinte... Eu vou dar um exemplo então: "leu ou assistiu a notícias on-line?" Dentro desta pergunta faz-se alguma outra pergunta como: "que tipo de notícia?" Isso para saber se é jogo, se o que interessa a ele são questões violentas...
Não há nenhuma especificidade em relação às perguntas; elas são todas genéricas?
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - Nessa lista de atividades, elas se concentram nesse nível genérico. Aqui, o interesse fundamental do pesquisador é saber quantas crianças buscam informação, utilizam redes sociais, se elas fazem jogos, que tipo de atividade elas estão implementando.
No caso dos riscos, a gente vai poder ver um pouco mais alguns tipos de conteúdos que são arriscados. A gente mediu isso. É o próximo eslaide que eu estava passando.
Aqui, a gente precisa fazer uma ressalva importante: segundo essa metodologia também, o contato com conteúdos de risco também não significa dano. E, aí, é muito diferente do tipo de dado que a SaferNet vai dar, por exemplo, que é a criança que efetivamente denunciou um problema que viveu etc.
Aqui é uma pesquisa que mede, no total de crianças, quantas tiveram contato com algum tipo de conteúdo inadequado.
A gente também não perguntou para as mais novinhas, porque isso não fazia sentido. Então, a faixa aqui é de 11 a 17 anos. E o que mais apareceu, do ponto de vista dos riscos ligados a conteúdo, foram conteúdos de discriminação, seja ela racial, de gênero e questões de crianças discriminadas pela aparência física, enfim. Então, isso apareceu com mais intensidade, chegando a 52% na faixa de 15 a 17 anos.
Na sequência, aparece o acesso a conteúdo sexual, que, apesar de ser o conteúdo que é bastante mencionado pelas crianças, não é o que mais as incomoda, no sentido de que elas se disseram incomodadas com esse tipo de conteúdo.
O principal conteúdo que incomoda a criança e o adolescente é, em geral, conteúdo de bullying, ou seja, quando elas são afetadas por outro processo.
E, no final, nós temos uma lista de conteúdos mais pesados, como os ligados a drogas e até à questão de suicídio, que são muito pouco mencionados.
Aqui, a gente não consegue, infelizmente, fazer uma estratificação que garanta que a gente conheça efetivamente quantos por cento.
Você tem ali de 4% a 7%, a depender da faixa etária.
Então, de fato, a gente precisa tratar essa questão do ponto de vista de entender o escopo da população que, efetivamente, está tendo acesso a esse tipo de conteúdo, o que também aqui não é um resultado de crime efetivamente. Não necessariamente, essa criança... Posso dizer que não é uma investigação; é uma pesquisa amostral representativa do universo.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Pela ordem.) - Pela ordem, Presidente. Peço licença ao Presidente para aproveitar o eslaide.
As três primeiras indagações são genéricas e envolvem terceiros, como por exemplo: "Você viu alguém?"
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - Exatamente.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Então, o jovem ou o adolescente vai, eu imagino, sentir-se na condição meio de juiz: "Ah!, eu vi e eu acho que não está certo." Ele tem essa compreensão.
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Quando chega às três perguntas finais, já leu os comentários de formas de machucar a si mesmo, viu o conteúdo sobre droga, e entra numa coisa mais psicológica, é mais: "Eu posso estar dentro disso. Eu posso ter um juízo. Não, eu vou me proteger, porque, com isso aqui, eu posso me comprometer." Porque o adolescente tem noção do que está fazendo, quando vai responder a essa questão. Então, ele pode não...
Veja a diferença de reação: para as três perguntas aqui à direita, a reação é bem diferente em relação às da esquerda. E elas têm uma característica: você faz uma consulta sobre um aspecto e, quando se chega a perguntas mais profundas, que é direto para a pessoa dizer, ela já tem uma... Eu penso que ela tem. Poderia ser o mesmo desempenho das primeiras. As primeiras são mais gerais: "Você viu?" "Ah!, eu vi, sim. Eu não concordo." Então, é uma suposição. Quem poderia falar sobre isso seriam os psicólogos que tenham, digamos, conhecimento da psicologia infantil e do adolescente.
Eu acho que, nessas respostas, há muito mais uma proteção. Ele pode pensar: "Não, eu posso estar delatando um amigo ou alguém vai vir me perguntar o que eu sei sobre isso, e criar um pouco de defesa e não responder.
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - De fato, neste tipo de metodologia, é muito mais...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E é um tipo de colaboração que esta CPI pode dar. Estou muito feliz, porque estou vendo aqui sobre o Comitê Gestor na internet, falava aqui com o Dr. Thiago. Em 2008, houve uma comissão aqui, a CPI da Pedofilia, com o Comitê Gestor, e a audiência pública foi um verdadeiro constrangimento para o Comitê Gestor, porque não sabia nada, não fazia nada; tudo o que fez naquele ano foi mandar imprimir acho que 5 mil cartilhas. Agora imagine!
E houve esse avanço. Estou vendo aqui, inclusive, o fato de o Comitê Gestor ter se tornado referência já para a América Latina - que está copiando o nosso modelo - e ter avançado de lá para cá. E, aliás, a leitura que se faz é de que, tecnicamente, no crime cibernético, do ponto de vista penal, o Brasil foi o que mais avançou a partir daquela CPI. E eu fico muito feliz, até porque para nós foi constrangedor ver os diretores aqui, com o tipo de pergunta que se fazia, e eles não tinham nada para dar, nada para informar; um constrangimento total.
E, certamente, nós vamos ter a oportunidade, como CPI, de ir ao Comitê Gestor, porque eu não fui lá ainda, para que a gente possa então...
A sua fala, Senadora Ana Amélia, certamente é uma contribuição que esta CPI pode dar, porque nada é suprassumo que não possa ser mudado ou melhorado.
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - Claro.
Muito obrigado pelo comentário, Senador e Senadora.
De fato, nesse tipo de metodologia, a estratégia que se usa é um pouco perguntar sobre os outros, às vezes, para saber sobre a pessoa mesmo, porque ninguém... "Ah!, eu vi alguém que sofreu isso, mas eu não!" Há um pouco dessa...
Tanto é que, no caso da discriminação, a gente também perguntou sobre a perspectiva pessoal, e aí o valor chega naquele também mais baixo, depois. Em torno de 6% das crianças que a gente entrevistou se sentiram discriminadas on-line, o que é muito diferente dessas que viram alguém ser discriminado, mas que também é um conteúdo que precisa ser conhecido.
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E, para fechar, nos próximos três eslaides, eu só queria falar da perspectiva da escola, o que foi mencionado aqui também pela representante do Ministério da Saúde.
Desculpem, há mais um eslaide aqui que acho que é fundamental, o próximo: na literatura internacional, fala-se também que o conteúdo de risco afeta mais ou menos a criança na medida em que essa criança tem a mediação de outros atores, a família, a escola e outros pares. Uma criança pouco mediada nesse conteúdo, isolada desse tipo de mediação é muito mais vulnerável do que uma criança que tem um pai, uma mãe...
Próximo. Quando a gente pergunta para os pais, muitos deles ainda nem são usuários de internet, então, têm uma dificuldade muito maior de fazer esse tipo de discussão em casa porque não usam. Então, você vê, nas faixas de menor escolaridade - aqui é um dado dos pais, não é da criança - ou por classe social ou por áreas rurais, que realmente há uma parcela dos pais que ainda não está utilizando a rede e que, portanto, tem maior dificuldade de fazer esse tipo de mediação.
No caso da escola, para concluir, o próximo eslaide é da Pesquisa TIC Educação, em um universo de escolas públicas e privadas no Brasil, com uma amostra representativa também do cenário nacional: nós avançamos muito nos últimos anos no processo... E aqui estou falando, infelizmente, só das escolas urbanas, ainda não conseguimos que uma pesquisa representativa chegasse às escolas rurais, que têm um contexto muito mais desafiador, mas, nas escolas urbanas, nós tivemos um avanço significativo no sentido de conectar a escola à internet, mas ainda não de conectar todos os espaços da escola, incluindo os espaços pedagógicos. No último ano, 2015 para 2016, nós observamos que podemos ter acesso à internet na sala de aula em 55% das escolas públicas e temos 47% das bibliotecas, por exemplo, conectadas à internet nas escolas públicas, um valor que é muito mais intenso nas escolas particulares. Então, nós notamos que, apesar de termos tido avanços no processo de conectar a escola, ainda temos muito desafio para que o uso da internet seja parte dos processos de ensino-aprendizagem.
No próximo indicador, a gente mostra que os professores já utilizam recursos on-line numa intensidade muito grande, então, entre os recursos, seja para questões de prova, textos e imagens, o professor consulta ativamente a internet para preparação de aulas, os professores usam os portais, blogs de professores, sites de revistas. A internet virou uma fonte de consulta também para o processo de ensino-aprendizagem e para as propostas pedagógicas de aulas expositivas, trabalhos em grupo, realização de trabalhos e temas específicos. Isso aqui é para dizer que a internet, de certa forma, ainda que haja um desafio de conectividade, já está presente no ambiente da escola.
No último eslaide, o próximo, até por conta do Marco Civil da Internet, a gente começou a medir se as escolas estão oferecendo atividades de promoção, de capacitação para o uso seguro da internet. Esse percentual, nos últimos dois anos, principalmente nas escolas públicas, ainda é muito reduzido: cerca de 20% das escolas promoveram algum debate no último ano sobre o uso seguro da internet, o que, de fato, é uma política que poderia ser reforçada no sentido de que a escola seja um ator efetivamente mais decisivo nesse tipo de formação quando a gente está falando de cidadania digital. Quando a gente pergunta para os alunos com quem eles discutem internet, com quem eles aprendem sobre o uso das TIC, eles falam muito que aprendem sozinhos ou com outros amigos e falam com muito menos intensidade do professor ou de espaços formais de educação. Então, aqui, a gente tem um desenvolvimento importante a fazer, que é a perspectiva da escola nesse processo de aprendizagem.
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Acho que é o último eslaide.
Estamos à disposição para compartilhar todo esse rol de informações e detalhá-las no que for necessário para o avanço da Comissão.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Agradeço.
Vou passar a palavra ao Dr. Thiago. Há algumas questões colocadas pela Senadora Simone. Certamente agora é com o Thiago.
Mais uma vez a SaferNet é pioneira. O Brasil tem de agradecer o trabalho que a SaferNet tem feito, não somente relativamente à denúncia e às ferramentas para detectar crimes e denunciar abusos de crianças, mas relativamente a crimes de ódio, crime de racismo.
Inclusive, hoje pela manhã eu estava vendo um documentário, uma matéria especial na GloboNews, às 6h30min. Estava dizendo ao Thiago que o estava vendo hoje na televisão pela manhã, exatamente numa matéria falando sobre os neonazistas. Há quase 200 grupos aqui no Brasil trazendo a perspectiva dos skinheads, dos carecas de São Paulo e tal. Por que essa gente... Por que essa tara, essa loucura por Hitler e pelos seus ensinamentos? Isso acontece no mundo globalizado em que estamos vivendo! Você estava mostrando as estatísticas dos crimes de ódio detectados entregues às autoridades do Brasil. Acho que, de 180 e poucos, a investigação teve resultado em 150. A SaferNet realmente se constituiu numa ferramenta importante para o Brasil.
O meu sonho, como eu dizia lá no Ministério da Justiça em Washington em 2008, quando nós lá estivemos, a CPI inteira, com toda a sua assessoria, por um período longo, é que a SaferNet no Brasil se equipare ao NCMEC dos Estados Unidos, que é uma ONG ligada ao governo que é quem, de fato, toma conta de todo esse viés de crime, desde criança sequestrada a criança abusada de todas as formas. Acho que nós podemos estudar mais e sermos mais incisivos para que possamos adotar esse modelo. Você tem essa questão tratada por um monte de ministérios e, no final de tudo, o resultado é pífio, dada a dimensão do país que nós temos e o tamanho dos seus problemas.
Eu passo a palavra ao Dr. Thiago para que faça a sua explanação.
O SR. THIAGO TAVARES - Sr. Presidente, Exmº Sr. Senador Magno Malta, Exmº Sr. Senador José Medeiros, Relator desta Comissão Parlamentar de Inquérito, Exmª Senadora Simone Tebet, Exmª Senadora Ana Amélia, eu quero dizer da minha honra e da minha alegria de poder participar desta audiência pública.
Quero cumprimentar ainda a ilustre representante do Ministério da Saúde e também o Fábio Senne, meu colega do NIC.br, Comitê Gestor da Internet, por sua excelente e muito esclarecedora apresentação.
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Eu quero, Senador Magno Malta, cumprimentá-lo pela iniciativa de propor a CPI, V. Exª que se tem notabilizado, como Parlamentar, como líder de CPIs - acho que esta é a terceira ou a quarta CPI que V. Exª conduz.
Eu queria, nesta primeira oportunidade, explicar um pouco o trabalho da SaferNet, especialmente em benefício do Senador José Medeiros, da Senadora Ana Amélia e da Senadora Simone Tebet, e também falar um pouco de como evoluímos de 2008 para cá.
Há aqui um passador de eslaide?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. THIAGO TAVARES - Pode passar.
A SaferNet é uma organização não governamental fundada em 2005 - então, estamos completando 12 anos em dezembro deste ano - com a missão de promover e defender os direitos humanos na internet.
Pode passar.
O nosso compromisso é conscientizar, é trabalhar com a educação e promover boas escolhas on-line.
Pode passar.
A gente acredita que a educação promove o conhecimento, que o conhecimento proporciona escolhas e que, quem tem escolhas, tem a liberdade. Navegar com segurança é navegar com liberdades e é também fazer boas escolhas on-line.
Pode passar.
Então, esse binômio liberdade-conhecimento é o que nós acreditamos como principal instrumento para que essas boas escolhas sejam feitas.
Como exemplo da nossa atuação, eu trago alguns números com foco, por exemplo, em ações educativas. Hoje mesmo, agora, neste exato momento, a SaferNet está realizando uma oficina com mais de 180 educadores da rede pública de ensino na cidade de Curitiba, no Paraná, em parceria como Ministério Público Federal, com a Secretaria de Educação do Estado e com o Departamento de Polícia Federal.
Temos termos formais de cooperação com várias instituições, dentre elas a própria PFDC, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, nosso principal parceiro no desenvolvimento dessas oficinas, mas também com a Procuradoria-Geral da República, no que concerne à apuração das denúncias de que vou falar mais à frente.
Então, nesses anos realizamos mais de 460 eventos em 63 cidades em todo o Brasil, para um público de mais de 115 mil pessoas, incluindo 15 mil crianças, 18 mil pais e educadores e 865 autoridades. Até o final do ano, teremos coberto todo o Território nacional com oficinas de multiplicação e de formação de multiplicadores, principalmente na rede pública. A gente acredita que a educação é central nas estratégias de prevenção aos ilícitos na rede.
Pode passar.
A SaferNet também oferece um serviço gratuito de orientação psicológica. Temos uma equipe de psicólogos para atender, acolher e orientar crianças, adolescentes, pais e responsáveis que estejam vivenciando alguma situação de risco na internet. Esse serviço gratuito já atendeu mais de 13 mil pessoas, que nos procuraram em uma sala de chat ou por e-mail, buscando ajuda e orientação para situações de risco on-line, desde dúvidas, por exemplo, sobre privacidade, vazamento de dados pessoais, cyberbullying...
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Há uma questão muito contemporânea que é o vazamento de nudes, que tem afetado sobretudo as mulheres - 81% das vítimas de vazamento de nude não intencional são mulheres. Então, há uma questão de gênero muito forte nesse tipo de abuso. E esse serviço, então, orienta essas pessoas sobre o que fazer, como fazer, como registrar um boletim de ocorrência, como solicitar a remoção do conteúdo, como preservar a prova, enfim, são orientações feitas por técnicos, psicólogos especializados nesses temas.
Por fim, o terceiro serviço que oferecemos e que o Senador Magno Malta enfatizou muito é o canal de denúncias. A SaferNet, desde 2005, recebe denúncias anônimas de crimes e violações aos direitos humanos na internet. Esses números não são os mais atualizados, um período de nove anos, mas hoje já estamos próximo de 4 milhões de denúncias no acumulado de quase 12 anos, envolvendo um pouco mais de 600 mil páginas distintas.
Essas denúncias envolvem não só crimes sexuais contra crianças e adolescentes, ou seja, conteúdos de abuso e exploração sexual que estejam disponíveis na rede, mas também outras violações aos direitos humanos, como, por exemplo, racismo, xenofobia, neonazismo, como V. Exª comentou, tráfico de pessoas, apologia e incitação a crimes contra a vida - páginas que fazem apologia e incitação a linchamentos, assassinatos, suicídios -, e também homofobia, que, em que pese ainda não ser crime, é uma flagrante violação a direitos humanos e precisa ser entendida e enfrentada como tal.
Se V. Exª me permitir, Senador Magno Malta, eu gostaria de fazer um brevíssimo relato sobre o legado da CPI da Pedofilia no que diz respeito à internet. Quando V. Exª me ligou, na quinta-feira, para me fazer o convite para estar presente aqui hoje nesta primeira audiência pública da CPI, eu dizia a V. Exª que o cenário tinha mudado muito de 2008 para cá e eu dizia do quanto a CPI presidida por V. Exª naquela ocasião foi determinante para a gente conseguir avançar em determinados temas. Eu não conseguirei, no tempo disponível, fazer um balanço completo da CPI, mas certamente destacarei três pontos que considero muito importantes.
O primeiro deles é o aspecto legislativo. V. Exª talvez se recorde desse gráfico que apresentei nove anos atrás na primeira audiência pública da CPI da Pedofilia. Esse é o resultado de um estudo que fiz, em 2005, abordando a primeira década da internet comercial no País e a atuação do Congresso, tanto da Câmara quanto do Senado. Então, é um retrato, uma fotografia daquela época, um retrato de 1996 até 2005.
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E essa avaliação feita dos projetos de lei que tinham sido propostos na primeira década da internet comercial no País resultou em uma série de recomendações, que foram apresentadas por mim naquela ocasião. E, naquela ocasião, V. Exª tinha constituído um grupo de trabalho para se debruçar sobre a análise desses projetos e elaborar um projeto de lei - pode passar; essa aqui é apenas a divisão de Câmara e Senado - um projeto de lei que resultou na Lei nº 11.829, de 2008.
Esse projeto foi apresentado, eu me recordo, em junho de 2008, ou seja, três meses após o início dos trabalhos da comissão, e, em 25 de novembro do mesmo ano, ou seja, em um período de seis meses, ele estava sendo sancionado pelo então Presidente da República na abertura de um congresso mundial que aconteceu no Rio de Janeiro. E nove anos depois, quando a gente olha, por exemplo, os números da Polícia Federal, a gente consegue visualizar diretamente o impacto que essa lei teve na questão da repressão aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes pela internet.
Percebam V. Exªs que, de 2003 a 2008, a Polícia Federal praticamente não conseguia prender ninguém em relação a esse crime. Por quê? Dentre outras razões, porque a posse não tinha flagrante. Ou seja, a posse e o armazenamento não eram criminalizados, não eram tipificados como crime. Isso, na prática, consistia no seguinte: ao chegar ao local... Ao cumprir um mandado de busca e ao chegar ao local, os peritos, os delegados encontravam, muitas vezes, coleções enormes de imagens contendo fotografias e vídeos de crianças em cenas pornográficas ou de sexo explícito, ou seja, encontravam a materialidade do crime, mas não poderiam dar voz de prisão, não poderiam prender o dono do conteúdo em flagrante delito, porque a posse e o armazenamento não eram crimes. Então, os computadores eram apreendidos, eram levados para a perícia, e cabia à perícia o ônus de provar que aquele conteúdo tinha sido transmitido, tinha sido publicado na internet etc., e isso muitas vezes não acontecia.
A partir de 2008, já no ano seguinte, em 2009, as operações começaram a resultar em prisões; prisões em flagrante de delito. E esses números não pararam de crescer ao longo dos anos. Esse infográfico foi publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, em 2014, de modo que ele não traz os dados mais recentes. Por exemplo: em 2014, foram 126 prisões em flagrante; e, em 2015, 185 prisões em flagrante e quase 1,5 mil inquéritos policiais instaurados. Então, esse é um resultado, um indicador palpável, que materializa o resultado concreto de uma lei que foi aprovada em 2008 e que é um legado daquela CPI.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Permita-me, Thiago, até porque o fato determinante dessa CPI, entre outros que nós citamos, foi a Operação Carrossel, que foi demandada pela Polícia Federal da Espanha e prendeu 200 alvos no Brasil. Foram 200 computadores com imagens, 200 pessoas, e a Justiça pagou o mico de ter que soltar essas pessoas por falta de legislação e, dois anos depois, devolver os computadores porque não existia também a legislação. Além de não prender o pedófilo, ainda devolveu o material dele, completo, que foram 200 computadores na época, naquela Operação Carrossel. Aí, é o que você está dizendo: a partir da lei, as coisas começaram a acontecer.
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O SR. THIAGO TAVARES - Exato.
Então, eu queria transmitir a seguinte mensagem, Senador Magno Malta e Senador José Medeiros: nós temos uma lei exemplar. A lei nós já temos. A Lei nº 11.829, além de criminalizar a posse e o armazenamento, criminalizou um total de 34 condutas. São núcleos verbais distintos, separados em artigos distintos, com penas distintas, que, normalmente, são somadas nos casos concretos, que envolvem produção, posse, armazenamento, divulgação na internet, e as penas são consideráveis. Por exemplo, filmar ou fotografar uma relação, um ato sexual com uma criança ou adolescente no Brasil, só pelo simples fato de se filmar ou fotografar, a pena vai de quatro a oito anos. Então, se o sujeito filmou ou fotografou, quatro a oito anos. Se armazenou aquilo num pen drive ou no celular, Senadora Ana Amélia, soma-se a pena de um outro artigo, que é o art. 241, b, cuja pena vai de um a três anos.
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO TAVARES - Então, quatro a oito por produzir, mais um a três por armazenar.
Normalmente, o sujeito também divulga aquilo ou compartilha de alguma forma, por algum aplicativo, ou publica na internet. Então, incorre num terceiro crime, que é o crime de publicar e divulgar. Pena de três a seis anos.
E, aí, no processo, nos casos concretos, essas penas vão sendo somadas, de modo que as sentenças variam entre 8, 10, 15, até 20 anos de reclusão. Isso pela conduta de fotografar, armazenar e divulgar. Ou seja, não se está considerando aí o estupro em si, o ato de abuso, o ato de estupro em si. Esse seria um quarto crime, que não tem relação com a internet, acontece fora da rede, e que terá uma pena também bastante considerável.
Então, nós já temos uma lei em vigor, que é considerada uma lei modelo, não só no Brasil, mas em vários países do mundo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Só para ressaltar, Thiaguinho, nós entregamos essa lei ao Brasil, lei aprovada, com apenas 90 dias de CPI. É o que eu penso sobre CPI. Eu não quero comandar CPI para, ao final, fazer indicação do que se possa fazer ali na frente. Nós precisamos encerrar a CPI com a legislação aprovada, com proposições concretas, e foi a primeira alteração do Estatuto da Criança em 18 anos, quando se alterou o 240, com a criação dessa lei que nós demos ao Brasil com 90 dias de CPI.
O SR. THIAGO TAVARES - Então, a mensagem que eu trago é: naquela ocasião, eu vim aqui, Senador José Medeiros, e disse que nós precisávamos mudar, que nós precisávamos atualizar o Estatuto da Criança e do Adolescente.
E, hoje, eu venho trazer a seguinte mensagem: nós não precisamos mexer no Estatuto da Criança e do Adolescente, porque a lei está em vigor. Ela está sendo aplicada, e ela é considerada uma lei extremamente rígida e extremamente importante para a defesa dos direitos da infância on-line.
Então, seguindo mais um item.
Pode passar.
Um outro legado de que V. Exª certamente vai-se lembrar: os TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) que foram feitos e os termos de cooperação. Naquela ocasião, e tenho certeza de que V. Exª vai se lembrar desse gráfico, Senador Magno Malta, houve um esforço muito grande daquela CPI para aprovar requerimentos de quebra de sigilo. Foram, que eu me recorde, mais de 50 requerimentos de quebra de sigilo aprovados naquela CPI. Chegaram gigabytes de dados aqui, referentes a suspeitas de casos envolvendo a publicação de imagens de abuso sexual.
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Naquela ocasião, havia um grupo de trabalho, com delegados, com procuradores da República, com promotores, procuradores de justiça e assessores também da Consultoria Legislativa do Senado, foi feita uma análise, uma triagem desses dados, que resultou nesse mapa - a SaferNet, naquela ocasião, produziu uma ferramenta para poder analisar e visualizar esses dados -, e foi deflagrada uma operação pela Polícia Federal - pode passar -, que foi a Operação Turco, resultado aí de 643 alvos investigados.
Hoje, nove anos depois - pode passar -, eu queria trazer a boa notícia para V. Exª de que aquele desafio inicial, que era aprovar requerimentos de quebra de sigilo, conseguir que os provedores fornecessem os dados, fazer a triagem desses dados e subsidiar as investigações, foi muito facilitado. Por quê? Porque hoje, no que diz respeito a imagens suspeitas de casos envolvendo pornografia infantil, envolvendo imagens de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, as próprias empresas já encaminham, proativamente para o NCMEC, nos Estados Unidos, relatórios detalhados de cada uma das suspeitas, de cada um dos casos. Então, não há mais necessidade de fazer quebras de sigilo para se obter um dado que já está disponível e que já está acessível pela Polícia Federal.
Para que V. Exª tenha uma ideia, o congresso americano, em 2011, aprovou uma alteração na lei dos Estados Unidos para permitir que o NCMEC pudesse compartilhar esses relatórios e essas informações com outros países, inclusive o Brasil, e a prova disso é que, - pode passar -, aqui apenas alguns dados que comprovam isso, em 2011, no primeiro ano de vigência, a gente tem esse número de relatórios que foram produzidos pelas empresas e encaminhados ao NCMEC, e aquilo que tem relação com o Brasil já segue um fluxo normal, já previamente acordado, já estabelecido, um fluxo de informações que vem diretamente para a Polícia Federal.
Nesses relatórios - pode passar -, já há informações sobre, por exemplo, quem é o suspeito, quem é o alvo daquilo que pode gerar uma investigação, quando o perfil foi criado, quais são os logs de acesso, o número IP da máquina que o criou - pode passar -, quando o fato aconteceu. Então, os relatórios também são completos nesse sentido, eles orientam um aspecto temporal quando aquele fato que pode ensejar uma investigação aconteceu.
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Pode passar.
Ele traz também outras informações úteis como, por exemplo, os diferentes locais em que o perfil foi acessado, em que a conta foi acessada, em que as imagens foram feitas de uploads de diferentes locais.
Pode passar.
Além dessas informações que são fornecidas ao NCMEC e que são disponibilizadas para a Polícia Federal, foram também criadas novas tecnologias. E destaco, Senador, uma tecnologia muito importante que foi inicialmente criada pela Microsoft e que, depois, foi adotada por todas as empresas, Senador José Medeiros, que atuam principalmente em redes sociais que se chama PhotoDNA. Essa tecnologia hoje é um padrão global. Ela é usada no mundo inteiro e foi implantada pelas principais plataformas. O que ela faz? Ela aperfeiçoa os mecanismos de prevenção de detecção e remoção de imagens de abuso e de exploração sexual de crianças e adolescentes.
A própria SaferNet, em parceria com o Google e com o Ministério Público Federal, desenvolveu um conjunto de ferramentas, Senadora Simone, para auxiliar na triagem e no processamento das denúncias envolvendo não só casos com suspeita de abuso e exploração sexual de crianças, mas também casos envolvendo crimes de ódio e discriminação. Portanto, houve um avanço tecnológico enorme de 2008 para cá e a maioria dessas imagens que já foram classificadas - e são imagens conhecidas de abuso sexual - sequer chegam a ser publicadas em perfis de redes sociais, porque as ferramentas já detectam que se trata de uma imagem que já foi previamente classificada como sendo uma imagem de abuso sexual, a ferramenta já detecta isso na tentativa de upload e impede que o conteúdo se espalhe, seja publicado e seja, então, viralizado na rede.
Evidentemente, existem outras técnicas também de detecção que vão desde a detecção, por exemplo, da quantidade de pele na imagem, de sangue em imagens, e isso vai também ajudar a detectar conteúdos de violência. Mas é evidente que nenhuma tecnologia será 100% ou conseguirá atingir 100% de eficiência. Mas o índice de sucesso dessas ferramentas é muito elevado e isso tem contribuído bastante para prevenir o problema. De modo que esses avanços nesses anos todos sinalizam uma mudança clara na postura das empresas.
Ouvi atentamente V. Exª na abertura desta reunião anunciar que estaria convertendo o convite em convocação. Eu diria o seguinte: o cenário de 2008 era um. Hoje, certamente, é outro. E eu não tenho dúvida de que as empresas, pelo menos as grandes plataformas, virão independentemente de convocação. Elas virão como convidadas, até porque elas têm total interesse, imagino eu, de compartilhar esses bons resultados que foram acumulados nesses últimos anos, não só no Brasil, mas também no exterior.
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Eu incluí apenas dois eslaides aqui para falar um pouco de um cenário mais amplo no que diz respeito à governança da internet.
Pode passar.
Essa imagem é bastante ilustrativa, porque ela nos remete a uma área que está em construção, ou seja, à área de governança - o cenário de governança da internet ainda está em construção.
E eu, olhando os requerimentos da CPI, percebi que a Comissão convidou várias instituições ligadas ao ecossistema de governança da internet. Eu vi convites à ICANN, eu vi convites à ISOC - e me parece que foi aprovado hoje -, eu vi convites ao próprio CGI, que é o melhor exemplo, é aquilo de que mais nos orgulhamos como brasileiros, uma vez que é o modelo copiado hoje no mundo inteiro. Nós vimos aqui a apresentação do Fábio em relação às pesquisas do CETIC, mas o Comitê Gestor desenvolve um conjunto de atividades que vão muito além das pesquisas.
Existe o centro de tratamento de incidentes de segurança, que é o CERT.br, e V. Exªs precisam conhecer esse trabalho. E eu já faço aqui, Senador, um convite, de viva voz, para que os Senadores desta CPI possam fazer uma visita técnica à sede do Comitê Gestor da Internet no Brasil e à sede do NIC.br, que é o seu braço operacional.
A sede fica em São Paulo, na Avenida das Nações Unidas. São três andares que existem lá. Existe um outro prédio que foi inaugurado recentemente só para o Data Center e são mais de 200 funcionários dedicados, de altíssimo perfil de qualificação técnica, de altíssimo nível de especialização, que desenvolvem esse trabalho não só de pesquisas, mas também de tratamento de incidentes de segurança, de projetos de infraestrutura que melhoram o tráfego e otimizam a troca de tráfego na internet, nos pontos de troca de tráfego da internet no Brasil.
A própria gestão de nomes e números atingiu um nível de excelência reconhecido no mundo inteiro, de modo que seria muito importante se V. Exªs pudessem, dentro da disponibilidade de agenda de cada um, conhecer, in loco, o trabalho que é feito pelo Comitê Gestor da Internet e o quanto o Brasil avançou nesses últimos anos no que diz respeito à governança da internet.
Então, esse ecossistema tem-se complexificado ao longo dos anos. Hoje existe uma miríade de instituições, uma miríade de entidades trabalhando com temas relacionados à governança da internet.
E o que eu queria destacar com esse eslaide é apenas uma mensagem clara que é a seguinte: para funcionar, as soluções precisam ser acordadas globalmente. Como não existe uma internet do Brasil, o Brasil não é o dono da internet, ele faz parte da internet, mas ele não é o dono da rede, ele não controla a rede, o Brasil não é como a China, a China tem um... Nem a própria China tem um controle total sobre a internet, embora eles tenham construído uma grande muralha, chamada Great Firewall, para estabelecer barreiras quanto ao que entra e ao que sai; ao que é trafegado, ao que não é trafegado; ao que é publicado, ao que não é publicado. Mas essa é antítese do que nós queremos como País democrático, como País que respeita e valoriza direitos humanos fundamentais, como liberdade de expressão, privacidade, direitos de minorias etc. Nós não queremos transformar a rede no Brasil à luz e semelhança da China, mas nós queremos, sim, que ela continue livre, aberta, segura e que sejam espaços, sobretudo, para o exercício da cidadania.
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De modo que as soluções, para elas funcionarem, precisam ser acordadas globalmente, e o Senador Magno Malta, especialmente, já teve a oportunidade de ver isso na prática - e eu me recordo -, porque V. Exª esteve no IGF, em 2008, e conheceu, naquela ocasião, como os debates acontecem e como esses acordos são construídos no âmbito da comunidade internacional envolvida com os temas de governança da internet.
Pode passar.
Esse eslaide é apenas para mostrar o conjunto de temas que tangenciam esse debate. O tema da proteção à infância, certamente, é um dos grandes temas em discussão no mundo inteiro, e esses temas também interagem entre si e acabam sofrendo interferências mútuas. Então, é importante ficar atento também para isso, e eu farei, Senador, alguns alertas em relação a alguns erros que a CPI não precisa cometer quando estiver discutindo esses assuntos.
Vamos lá. Eu vou acelerar aqui. Pode passar.
Este é o nosso grande desafio: encontrar o ponto de equilíbrio. Nós vimos que, de 2008 para cá, houve vários acontecimentos, entre eles as revelações do Snowden, que mostrou que havia um grande aparato de espionagem instalado no mundo e que essa espionagem é direcionada a autoridades e empresas - empresas que tenham ativos relevantes, ativos de informação. Imagine V. Exª quanto vale uma informação sobre um projeto sigiloso da Embraer, da próxima aeronave que a Embraer vai lançar; qual é o valor desse ativo de informação para o País, da mesma forma outras informações de governo, informações de Estado que precisam ser protegidas e que acabam sendo devassadas aí por agências de inteligência.
Então, encontrar esse equilíbrio entre segurança e privacidade; entre liberdade de expressão e necessidade de reprimir e prevenir situações de ódio, de violência, de abuso e de exploração sexual; encontrar esse ponto de equilíbrio continua sendo o grande desafio.
Pode passar.
Algumas boas práticas internacionais. E aqui eu - pode passar - tenho a satisfação, Senador, de lhe dar a informação que talvez V. Exª não saiba, mas eu vou mostrar aqui o trabalho que é feito pelo Inhope, que é uma associação internacional que reúne organizações similares a Safernet em 48 países. São 51 organizações espalhadas em 48 países, inclusive o NCMEC, que é o representante nos Estados Unidos.
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Esta associação Inhope tem sede em Amsterdã, na Holanda, e ela foi fundada em 1999, ou seja, no início da internet comercial, com apoio da Comissão Europeia. Até hoje o trabalho dessa associação é financiado pela Comissão Europeia.
Pode passar.
Essa... Pode passar.
O Inhope, o conjunto de organizações e membros do Inhope emprega 170 analistas, espalhados ao redor do mundo. Esses analistas recebem e acessam as denúncias, as URLs que são denunciadas, verificam se essas URLs constituem crime de acordo com sua legislação local e trabalham em parceria com as autoridades locais, com as polícias, com o Ministério Público em cada um desses países, e com as empresas sediadas nesses países, para que removam e preservem as evidências necessárias para subsidiar o trabalho de investigação.
Pode passar.
Esse é o mapa de países membros do Inhope. Esse mapa já foi atualizado, porque foram incluídos alguns outros países - ali há 43 países; hoje são 48 -, que ingressaram na rede nos últimos anos.
Em 2013, por exemplo, foram 1,2 milhão de denúncias processadas por esses analistas.
O Brasil é membro do Inhope. A SaferNet é membro oficial do Inhope.
Pode passar.
Eu tive o privilégio de ter sido escolhido, de ter sido eleito pelos meus pares para integrar a diretoria do Inhope do período de 2014 até maio de 2016. Eu fui Presidente da fundação Inhope, de modo que conheci e conheço muito de perto o cenário internacional e as boas experiências, aquilo que deu certo e aquilo que deu errado em cada um dos países que estão empenhados no enfrentamento a esse crime.
V. Exª talvez se recorde de John Shehan, que é o Vice-Presidente do NCMEC. Ele era meu colega na diretoria do Inhope. O NCMEC é o equivalente da SaferNet nos Estados Unidos. E outros membros, da Croácia, Dinamarca, África do Sul.. E atualmente, ao concluir o meu mandato, a nova Presidente do Inhope, por sinal, é uma Senadora da Holanda, chamada Arda, que é também a fundadora de uma organização não governamental, chamada Meldpunt, que tem sede em Amsterdã.
Pode passar.
Em 2014, das quase 90 mil páginas comprovadamente com indícios de pornografia infantil, Senadora Simone, 98% estavam no hemisfério norte, sobretudo nos Estados Unidos, 37%, e 24% na Rússia.
Esse número não mudou muito de lá para cá.
Pode passar.
A gente tem percebido uma divisão... Há uma diferenciação entre os sites comerciais e os sites não comerciais. Ou seja, site não comercial é aquela página criada por alguém que quer compartilhar um conteúdo, por um indivíduo; e os sites comerciais são operados por organizações criminosas - organizações criminosas que lucram com a produção, com a compra e com a venda de imagens de abuso e exploração sexual de crianças. Eu lamento dizer, mas, sim, existem organizações criminosas e sites que lucram com isso. Talvez este possa vir a ser um eventual foco desta CPI: tentar entender como acontece a atuação do crime organizado na exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.
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Pode passar.
O relatório mais importante sobre esse assunto é do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, que é o UNODC, e, nesse relatório, a ONU identificou que há um comércio ilegal que movimenta em torno de US$250 milhões por ano, na compra e venda de imagens de abuso e exploração sexual de crianças.
Então, mapear o fluxo financeiro de quem está comprando, de quem está vendendo, os estabelecimentos que são utilizados para não só receber esse recurso ilícito, mas também para proceder aos mecanismos de branqueamento, de lavagem desses recursos provenientes da atuação ilícita dessas organizações criminosas é um desafio que ainda está para ser superado no Brasil.
As operações deflagradas pela Polícia Federal até o momento não focaram a dimensão comercial da distribuição, da produção e da compra e venda de imagens de abuso e exploração sexual de crianças. E essa pode ser, Senadora Simone, uma das vertentes aí do trabalho investigativo, caso a CPI decida por esse caminho.
Uma forma de fazer isso é através deste mapeamento de fluxos financeiros. Eu me recordo de que, naquela ocasião, em 2009, foi assinado um acordo com as operadoras de cartão de crédito; esse acordo está em vigor, Senador José Medeiros, mas ele não vem sendo implementado. Eu não tenho notícias de casos concretos que tenham sido resolvidos, no Brasil, a partir da implementação prática desse acordo. Então, talvez, revisitá-lo e ver de que maneira é possível implementá-lo seja uma das contribuições que a CPI possa dar.
V. Ex há de se recordar daquele acordo, do termo de cooperação que foi assinado com a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços) e que pode auxiliar no mapeamento do fluxo financeiro dos sites mantidos por organizações criminosas e que se dedicam à compra e venda de imagem de abuso sexual.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Como você tem informação de quem cumpriu e de quem não cumpriu e há um termo de ajuste de conduta conosco, eles cumpriram? Eles iam criar dois cartões ou um cartão cego que ia para a mão das autoridades, que eles podiam acessar... Eu, sinceramente, não vi isso.
O SR. THIAGO TAVARES - Parece-me. A informação que eu tenho...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - De qualquer maneira, com a fala que eu abri com você aqui, eu já dou a palavra para a Senadora Simone...
O SR. THIAGO TAVARES - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - ...porque ela tem um compromisso lá no Estado dela, e depois o Relator vai falar, mas ela vai falar primeiro para a gente poder quebrar o galho dela desta vez.
O SR. THIAGO TAVARES - Por favor.
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A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Obrigada, Sr. Presidente.
Antes de mais nada, eu gostaria de parabenizar V. Exª - não tive a oportunidade, ainda, de fazê-lo em público -, que apresentou e colheu as assinaturas para que pudéssemos estar criando esta Comissão, que talvez seja uma das comissões parlamentares de inquérito mais importantes da história do Senado Federal. Acredito, acima de tudo, que V. Exª já tem experiência para isso, e vai contar com o apoio decisivo do nosso Relator, o Senador José Medeiros.
Quero agradecer aos nossos convidados. Peço desculpas, realmente tenho um compromisso inadiável. O voo não nos espera, e temos ainda agenda antes de podermos retornar ao Estado.
Mas quero dizer que, quando V. Exª instalou a CPI, num primeiro momento me surpreendeu o tamanho e a abrangência do objetivo desta CPI. Depois, ao ler a justificativa, ficou muito claro: V. Exª abriu um grande guarda-chuva, porque afinal de contas estamos tratando de crianças e adolescentes, não há limite no que se refere à nossa proteção e nossa obrigação de protegê-los, mas nesse grande guarda-chuva nós estaríamos aqui, através de audiências públicas, colhendo informações valiosas de pessoas que têm, muitas vezes, mais experiência que nós. Poderemos estar tendo aí um foco mais claro e objetivo e com isso contribuir no resultado final para que possamos avançar não só em políticas públicas, quando nós falamos na parte de gestão, mas também de legislação.
Quando nós colocamos aqui questões que acontecem dentro e fora de casa, nas instituições públicas ou privadas, dentro das creches, das escolas, dos abrigos, mas também dentro de casa; quando nós falamos da violência física se estendendo, infelizmente, à violência sexual, chegando à violência psicológica - essa hoje mais atual e mais grave, porque não conseguimos alcançar ainda o grau de complexidade e até de estrago que essa violência psicológica é capaz de fazer nas nossas crianças -, nós vamos desde o trabalho infantil, chegando a questões que no passado nós não víamos.
Chama-me a atenção, e eu quero me debruçar, com a ajuda de V. Exª e dos demais Parlamentares, em relação a algo que me preocupa muito, que é objeto desta audiência pública, que é a questão não só dos crimes cibernéticos, mas do mundo virtual; o que este mundo virtual está fazendo de aspecto negativo na vida dessas crianças e adolescentes, porque nós somos uma geração muito diferente dessa geração chamada geração Y, que nasceu até 2010 - consequentemente, tem de sete a vinte e poucos anos. É uma geração que nasceu plugada, uma geração que vive, o seu mundo é virtual e em tempo real; ela tem acesso muito precocemente a questões do mundo, do universo adulto. Consequentemente, eu estou falando tanto da questão da violência que chega a uma criança de quatro anos, quando a nossa geração tinha condições e maturidade para presenciar essa violência aos 18, quanto da questão de crimes, apologia ao crime, e a questão sexual. É um mundo velado, é um mundo obscuro, é um mundo onde todo mundo tem coragem de fazer o que quer porque não tem cara, não tem rosto, não tem nome. Então, aquilo que não teria coragem de fazer enquanto cidadão, faz por trás de uma câmera, por trás de uma internet, por trás de um celular. Isso nos leva, realmente, a uma questão, nosso Relator, de muita atenção.
Acredito que teremos outras audiências públicas, Sr. Presidente, em relação a essa questão virtual. Acima de tudo, eu quero parabenizar aqui o Presidente da SaferNet, porque sei que é uma associação privada sem fins lucrativos, que tem colaborado muito, inclusive com convênios com os órgãos públicos, com o Executivo e com o Ministério Público Federal.
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Eu gostaria de deixar realmente essa mensagem, Sr. Presidente. Esse fenômeno, que é novo e complexo - e, se muito o mundo virtual -, vai requerer desta Comissão uma atenção muito clara e específica. Nós temos hoje verdadeiros crimes cometidos no aspecto principalmente psicológico, contra as nossas crianças e adolescentes, com os quais nossa geração não conviveu. Nossa geração tinha o chamado - entre aspas - "bullying", mas era um bullying que nós mesmos tínhamos a capacidade de, sem precisar passar por profissionais, superar essas dificuldades. Hoje, infelizmente, não, porque além do bullying ser cometido na sua privacidade, entre dois ou três, ele é divulgado nas redes sociais, e as nossas crianças, partindo dessa situação, começam a entrar em um processo psicológico muito grave, chegando à automutilação e até ao suicídio.
Essa é uma questão que para mim é muito cara. Eu tenho duas adolescentes dentro de casa.
Acho que esses fenômenos levam a um desdobramento muito grande da CPI. Nós temos carência de políticas públicas de algo que é novo. O papel da CPI vai ser procurar achar meios para que possamos coibir, não só no aspecto da legislação, que, embora esteja avançada, ainda temos muito o que avançar. Esta Casa mesmo tipificou como crime estupro coletivo e a divulgação pela internet, por rede social, desse estupro coletivo, como aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, passa a ser considerado crime qualificado. Temos, sim, condições de avançar no aspecto legislativo, mas mais do que isso, fornecer subsídios para que venham políticas públicas sérias, atuantes, para que possamos coibir esse grande mal.
Encerro, Sr. Presidente, parabenizando V. Exª mais uma vez, pedindo desculpas, e dizendo que temos uma grande missão, que é garantir essa proteção física e mental e a própria formação da futura geração, que vai um dia governar, se Deus quiser, este País melhor do que nós.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Agradeço a Senadora Simone, e até para que V. Exª tenha uma certa alegria dentro da sua proposição, a nossa assessoria da CPI, diferentemente de outras CPIs, não se reúne no dia em que há audiência. A assessoria, tanto do Ministério Público Federal quanto do Estadual, Polícia Federal, SaferNet, todos aqueles que aceitaram os nossos convites, o pessoal que está vindo do Ministério da Justiça, está vindo do STJ e do Supremo se reúnem diuturnamente, todas as semanas, construindo essas políticas, essa legislação. Então nós teremos, Dr. Thiago, não só uma audiência pública, mas nós vamos explorá-lo, mais uma vez no comando dessa assessoria, e nos dando direcionamento para aquilo que, como legisladores, nós temos que fazer, ou colocando no papel aquilo que nós sonhamos e que queremos entregar para a Nação. Então, nós vamos ter isso, com fé em Deus. Não tenha dúvida de que nós vamos entregar, ao final a CPI, o que preocupa tanto V. Exª, e que é a preocupação de todos nós.
Concedo a palavra ao Relator, Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT. Como Relator.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Aproveito para cumprimentar os convidados e dizer que, enquanto nós estamos tratando desse tema, inúmeros casos pelo Brasil inteiro - estava aqui, agora há pouco, recebendo, tanto do Mato Grosso do Sul, quanto do Mato Grosso, enfim, no Brasil inteiro - estão acontecendo, enquanto tratamos do tema. Mas, para não nos delongarmos mais, eu gostaria de ir já às perguntas aos nossos convidados. As redes sociais proporcionam comunicação, informação e lazer; são ferramentas que têm se disseminado com grande velocidade e crescente penetração social. Contudo, temos observado problemas resultantes da exposição direta ou indireta das crianças e dos adolescentes nas redes sociais. Há casos nos quais a intimidade das crianças e dos adolescentes é exposta de modo que as deixam vulneráveis a ações de criminosos como pedófilos e sequestradores. Há também exposição de crianças e adolescentes a conteúdos impróprios em modos que, aparentemente, escapam aos controles de conteúdo e atenção dos pais ou responsáveis. Finalmente, há casos de mau uso das redes sociais pelos próprios adolescentes para prática de condutas como intimidação ou bullying, como foi dito aqui, e para exposição de fotos ou vídeos de si mesmos ou de outros adolescentes nus ou em atos sexuais.
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Certamente, grande parte da solução desses problemas passa pelo envolvimento direto dos pais ou responsáveis, seja educando as crianças e os adolescentes sobre o bom e o mau uso das tecnologias de informação, seja monitorando a forma como efetivamente usam essas ferramentas mediante a habilitação de controles parentais e o acompanhamento próximo de suas atividades. Porém, a facilidade de acesso a redes sociais, inclusive com dispositivos pequenos e móveis, como é o caso dos smartphones, dificulta esse acompanhamento e os adolescentes costumam ser hábeis em descobrir e difundir meios de escapar aos controles parentais. De que forma as redes sociais e os governos podem contribuir para que os pais não estejam sozinhos na tentativa de evitar que seus filhos sejam expostos a conteúdos impróprios e também para que, na tentativa de proteger os seus filhos, não criminalizem ou culpem o aparelho e tentem retirar seus filhos do mundo virtual?
A segunda pergunta. Observamos na internet e nas redes sociais uma constante tensão entre privacidade e segurança. No caso de crianças e adolescentes, a privacidade é relativizada devido à responsabilidade dos pais de proteger e de ensinar limites, promovendo o uso saudável das novas tecnologias. Porém, é notório que geralmente crianças e adolescentes aprendem a usar essas tecnologias com mais rapidez que seus pais, chegando a ensiná-los em vez de com eles aprender. Diante da crescente ameaça de mau uso das redes sociais e da vulnerabilidade de crianças e adolescentes nesses meios, têm surgido pelo mundo iniciativas no sentido de promover, inclusive nas escolas, aulas de segurança na rede, abrangendo internet e redes sociais. De que forma avaliam a possibilidade de inclusão desses conteúdos nas escolas brasileiras e como isso pode ser estendido para os pais?
Ainda uma terceira. Quais são as principais vertentes de crimes e ameaças contra crianças e adolescentes observadas recentemente pelos senhores e pela senhora na internet e nas redes sociais? E quais tendências antecipam que possam ser preocupantes para o futuro próximo?
Agora, uma pergunta diretamente para a Drª Gracielly. Foi falado aqui - a senhora expôs aqui - que há um programa de proteção à criança em situação de violência. Eu queria que a senhora falasse se há recurso, quais os recursos, como esse programa está funcionando. Esse programa de proteção de criança e adolescente do Ministério da Saúde está fazendo uma interface com o programa do Governo Federal que foi lançado pelo Ministério do Desenvolvimento Social? Eles estão conversando entre si ou ainda não se falam esses dois programas?
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Outra coisa: a senhora falou sobre o sofrimento das crianças - e, aí, eu suponho que a senhora esteja falando sobre doenças como ansiedade, depressão. Eu queria lhe perguntar se o Ministério tem dados referentes à ligação entre essa ansiedade, depressão com automutilação e suicídio e se esses itens estão no radar do Ministério da Saúde. Se sim, como o Ministério da Saúde está se preparando ou se isso tem se tornado uma epidemia. Como está? Gostaria de que a senhora falasse sobre esse tema para nós.
As outras perguntas são direcionadas mais ao Dr. Fábio e ao Dr. Thiago, que bem explanaram, já tocaram, de certa forma, no tema.
Sobre o cartão de crédito o Dr. Thiago falou aqui. Eu gostaria de que V. Sª pudesse nos falar mais sobre esse acordo que foi feito com as empresas de cartão de crédito.
Essas são as perguntas que eu tenho a fazer aos palestrantes, lembrando àqueles que nos assistem que a CPI está aberta através do portal e-Cidadania para receber indagações, perguntas, sugestões e até mesmo, como foi dito pelo Presidente, Senador Magno Malta, denúncias. Também está sendo disponibilizado um disque-denúncia, através do 0800, Presidente, que, com certeza, vai ser colocado no rodapé da tela durante as reuniões desta CPI.
Lembro que aqueles casos... Eu recebi alguns e-mails de pessoas querendo denunciar casos que estão ocorrendo. O Presidente já até deixou isso aqui bem claro, mas vale repisar: não vamos tratar de casos que estão nas mãos das autoridades. Estamos tratando aqui do tema sobre aqueles casos que foram apreciados por autoridades, mas que não foram para frente; vamos tratar de casos que foram - vamos dizer assim - extremamente repisados, mas não chegaram à conclusão. Mas esses casos que estão nas mãos das autoridades não são tema da CPI. Portanto, esses aí têm as instâncias. A CPI pode até encaminhar os que receber aqui, mas não vão ser tema que a CPI vai tratar.
Deixo as perguntas com nossos convidados.
A SRª GRACIELLY ALVES DELGADO - Antes de responder diretamente a pergunta ao Ministério, eu queria me meter um pouquinho nessa questão das redes, em relação à prevenção.
O binômio Estado e família é sempre muito bem conjugado quando estamos falando de crianças e adolescentes. Então, em que pese a atuação de um, é da responsabilidade do de outro dividir essa complexa atribuição de extrema relevância, que é a educação das crianças e dos adolescentes.
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Eu queria ressaltar que o Estado tem suas responsabilidades, quando nós conseguimos observar, nas apresentações dos doutores anteriormente, que falam que há uma disparidade entre as classes econômicas e que é de profunda relevância.
Então, quando vocês têm famílias que ainda necessitam de apoio para que possam inclusive prover cuidados básicos em relação à educação, ao acesso à vacinação, a outro tipo de questão, existem aspectos em que essa família fica completamente desprotegida. E esse e um deles, porque são famílias que não necessariamente têm já o seu aporte ou a sua estrutura para poder fomentar inclusive essa proteção às crianças e aos adolescentes.
Nesse sentido, acho que é de extrema relevância que o Estado proporcione uma situação de apoio e não que a gente delegue exclusivamente à família esse dever de orientar, porque a saúde tem que cumprir esse papel de prevenção e falar da importância dos aspectos, seja na internet ou em outros, bem como a educação, bem como a assistência, porque, em algumas situações, as famílias, juntamente com as crianças e adolescentes, também estão em situação de risco. Então, a gente precisa pensar num contexto protetivo completo nessa situação.
A pergunta que foi feita do programa, se ele está envolvido com o MDS, eu suponho que seja o Criança Feliz. Não sei quem foi que fez a pergunta. Não sei se é exatamente isso, mas suponho que sim. Sendo o Programa Criança Feliz, que foi lançado este ano e que tem como madrinha a Primeira Dama, o que inclusive foi citado aqui no início, nós temos um comitê gestor e um comitê técnico, que envolvem toda a esplanada. Inclusive, vamos fazer agora uma reunião com especialistas em setembro em que um dos aspectos é pensar nessa questão do desenvolvimento e que, com o estresse contínuo e as situações de violação, sejam elas quais forem, interrompe o desenvolvimento das crianças e interfere profundamente, para toda a vida. Então, o desenvolvimento cognitivo e outras ações cerebrais são interrompidas e pode ser que esse sujeito jamais as desenvolva, num caso de violência extrema, quando ocorrida logo na primeira infância.
Então, as ações de prevenção, de cuidado e de intervenção são fundamentais, nas quais o Governo tem investido esforços importantes, principalmente em relação à gravidez na adolescência. Quando essa menina fica grávida, quando ela ainda é muito jovem, quando não tem o apoio suficiente, quais são os instrumentos que o Governo pode possibilitar para estimular esse vínculo e proteger tanto os pais quanto a criança, para que ambos possam ter um desenvolvimento mais completo?
O Programa Saúde na Escola não é um programa novo. Ele foi estabelecido em 2006 e já tem a cobertura de todo o Território Brasileiro. Agora, no ano de 2017, foi assinada uma nova portaria, que tem um repasse financeiro da saúde e vai para as equipes da saúde que fazem a cobertura dos alunos. E o valor depende do quantitativo de alunos que têm em cada escola. Essa pactuação é feita por Municípios. Eles têm algumas metas e o nosso grande objetivo é articular ações de educação e ações de saúde, porque sabemos que é um território extremamente propício porque é lá onde crianças e adolescentes passam a maior parte das suas vidas.
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Então, nós queremos discutir, sim, temas como a prevenção - por exemplo, agora foi ampliada a faixa etária da vacina contra o HPV, inclusive estamos cobrindo os meninos, o que é muito importante -; outras ações de saúde; ações de promoção da cultura de paz, em que se fomenta o respeito pelas relações; o autocuidado, pelo qual você cuida de si e cuida do outro. O que ocorreu agora, numa mudança muito rápida da vivência da adolescência, é que passou de uma fase da experimentação, em que alguns vivenciam, por exemplo, enviar uma foto para um namorado ou algum tipo de experiência via internet, e isso pode virar uma violência, porque, em alguma decisão, ele resolve passar para um amigo, e esse amigo passa para outro, que passa para outro, e essa decisão passa num momento muito rápido entre uma vivência nova, em que o adolescente passa por essas situações de experimentação, para uma situação de violência e exposição de si e do outro. Então, é muito importante que nós trabalhemos com essas ações de prevenção, que entendamos esse novo contexto em que a infância e a adolescência estão envolvidas e que nós, os agentes públicos, possamos fomentar e fortalecê-los com instrumentos na superação dessas dificuldades, enfim, ou outras atribuições e novidades que aparecem no desenvolvimento da infância e da adolescência.
Em relação às questões psicossociais, elas são, como foi abordado aqui, complexas. Nós estamos vivenciando um momento bem diferenciado. No início do ano nós tivemos dois fenômenos que o mundo inteiro acompanhou, não só o Brasil: um jogo que inclusive apareceu muito nas redes, apareceu na novela, que estava em discussão; e uma série que falava de uma adolescente que cometia suicídio e dava algumas justificativas para tal. Isso culminou com um boom: os adolescentes começaram, de fato, a se manifestar muito em relação a essa temática. Nós tivemos alguns territórios que inclusive fizeram recomendações internas por conta do acesso e do pedido desses adolescentes para atendimento. Não há dados suficientes, até pela rapidez do fenômeno, para dizer se de fato aumentou ou não, qual o impacto disso. Não houve tempo suficiente para que pudéssemos analisar esses dados. Entretanto, houve uma demanda maior, sem dúvida alguma.
Para nós, isso não é uma novidade. Vêm crescendo os dados de suicídio e de outras questões em relação a isso ao longo dos anos e, por conta disso, o Ministério da Saúde, junto com o Ministério Público e com outras pastas, fez um documento que se chama "Traçando Redes", em que se discute sobre a saúde mental de crianças e adolescentes, sobre como envolvê-los nesse processo, porque estamos falando de algumas vivências que trazem sofrimento, que podem ser decorrência de violência - muitas são -, mas também existem outras. E, quando se trata de crianças e adolescentes, para onde encaminhar? O que fazer? Quais os procedimentos? Quem deve atendê-los? Então, esse documento tem como objetivo trazer algumas diretrizes, mas principalmente informar que todos nós temos que estar envolvidos nesse processo, porque a criança e o adolescente transitam no território. Então, ele está na saúde, para fazer uma ação específica, mas ele também está na escola, e é importante que situações, por exemplo, como o bullying e outras sejam identificadas, sejam trabalhadas de forma coletiva, porque não adianta a gente pensar de forma cirúrgica, quando ocorre uma situação e a gente queira resolver, porque não vai ser possível. Esse adolescente tem um contexto, tem um grupo, tem uma participação, tem uma família, e tudo isso tem que estar envolvido nesse processo, porque senão as ações não são efetivas. São ações complexas, que demandam tempo, e acho que é por isso o nosso envolvimento e a nossa parceria junto com o Executivo, o Legislativo e também as organizações não governamentais, porque de fato a gente precisa trabalhar diversas estratégias. Com um grupo populacional, às vezes funciona de uma forma; com outro grupo, funciona de outra maneira. A gente precisa pensar nesse contexto e na diversidade da nossa população.
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Acho que eram essas as questões.
Obrigada.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Correto. Só mais uma coisa, Drª Gracielly. A senhora tinha falado das dificuldades que os servidores da saúde têm em relação a represálias por notificarem violência contra crianças e adolescentes. O Ministério tem pensado em alguma solução ou já criou algum canal para que isso possa ser feito de forma a não ficarem expostos esses servidores? Essa é uma pergunta. E aí, só para ficar bem claro, então, segundo o que a senhora disse aqui, esses dados de automutilação e suicídio mantiveram - vamos dizer assim - a constância, tendo só um pico quando o advento do Baleia Azul surgiu. É isso?
A SRª GRACIELLY ALVES DELGADO - Retomando essa questão do suicídio e de outras ações relacionadas à saúde mental, elas vêm de um investimento de longo prazo. A gente já vem pensando, tanto é que a publicação é bem anterior a essa temática. Entretanto, na mídia, nos nossos contextos...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Dentro disso aí ainda, a gente sabe que há uma portaria de 2006, a Portaria nº 1.876. Em 2006, essa portaria veio e até foi recebida com muito aplauso pela sociedade, porque iria tratar da questão do suicídio. Eu fiz uma análise disso, pedi à assessoria que fizesse uma análise disso, até porque achei que o Ministro estaria aqui e era a ele que eu queria perguntar. De fato, ele é Ministro de muito pouco tempo, não é de 2006. Mas o Ministério fez muito pouco. Fez um estardalhaço com a portaria e só ficou na portaria.
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Então, realmente nos preocupa esse advento de tantos suicídios. Aliás, o Ministério tem que falar do que está fazendo, mas é um troço que nasce muito mais dentro das redes sociais. É um crime cibernético e, depois do crime feito, vem a área da saúde. Há uma determinação para que essa portaria seja de fato colocada em prática com veemência, com base nessa série de crimes que se avassalaram nesses últimos tempos?
A SRª GRACIELLY ALVES DELGADO - Então, essa portaria fala de algumas diretrizes justamente para o enfrentamento do suicídio e o Senador tem razão quando coloca algumas críticas. De fato, caminhou-se muito pouco por conta, enfim, dessas diversas questões que já foram colocadas da complexidade do tema.
Entretanto, já em 2014, houve uma retomada de forma muito expressiva por conta justamente dessa preocupação. O Ministério da Saúde fez um grupo de trabalho, que, inclusive, está em reunião neste exato momento, para implementação dessa portaria e para elaboração de novos desafios.
Fizemos um evento agora, no primeiro semestre, que era justamente com alguns especialistas, para que pensássemos formas mais efetivas desse trabalho e várias ações estão compostas. Então, temos a saúde do homem, criança, adolescente, mulher, idoso, porque cada um tem seu contexto de atuação. E a ideia é que consigamos pensar de forma mais efetiva a relação dos fluxos de atendimento. Então, na tentativa de suicídio, já temos orientação de que a ficha de notificação tem que ser feita logo nas primeiras horas, para que possamos fazer uma intervenção. E o que ocorre depois? Como essa pessoa será acompanhada? Esse é o nosso grande objetivo nessa ação.
Entretanto, destaco novamente que é muito importante que atuemos na prevenção dessas situações, porque, quando uma pessoa já chega à tentativa efetiva, é porque várias outras ações já ocorreram para trás. E estamos falando de pessoas ainda muito jovens. Então, é importante que tenhamos um espaço coletivo para que esses adolescentes vivenciem essa fase da vida com outras oportunidades, porque, às vezes, é colocado assim: você não tem atividades esportivas, às vezes, você não tem outras formas de lazer, e a violência, às vezes, de forma muito incisiva, vai colocando um contexto muito complexo de difíceis sensações de prazer. E, às vezes, isso fica muito situado em guetos complexos.
Então, é importante que pensemos obviamente não só na atenção - e é isso que está sendo feito, Senador, em relação a essa portaria - do fluxo, na atenção da pessoa que tentou suicídio, mas também na prevenção, porque, sem ação de prevenção, só vamos conseguir atuar em casos em que já ocorreu essa situação e é muito mais difícil para nós identificar, intervir e acompanhar esses casos.
Em relação à notificação, o Ministério trabalha de forma muito intensa nas capacitações e nas orientações para o preenchimento dessa ficha no trabalho com os fluxos, para onde ela vai, para que serve essa informação, até por conta do sigilo das informações que estão ali. E também fizemos uma estratégia que é tornar essa notificação intersetorial.
Nos territórios, aqui temos uma pactuação em que é possível a escola, a assistência, a polícia e outros agentes dessa rede também poderem fazer essa notificação. Isso auxilia quando ampliamos o número de notificadores para poder cobrir o maior número de casos possível e também para dificultar a identificação de quem foi o agente notificador.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Deixe-me adiantar o lado aqui, só para incluir para depois não ter que perguntar, se o Sr. Relator me permite: temos casos - temos que estudar isso e eu quero saber como o Ministério está se relacionando com a Funai - de infanticídio e de estupro coletivo em aldeias. Nós temos denúncias de estupro coletivo de adolescentes, de crianças. O Ministério já tem estudo de quem são esses agressores? Qual a motivação? Se essa motivação é cultural, não podemos aceitar.
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É porque é muita coisa descabida. Por exemplo, índio não nasceu bebendo cachaça, mas aprendeu a beber cachaça; ninguém quer impedi-lo de beber cachaça, porque se diz que é cultural, mas não é verdade. Agora, estuprar criança e matar criança viva, porque nasceu com bracinho torto, com perninha torta, aí ele tem que ser sepultado vivo. É infanticídio. Não tem que deixar matar, porque é cultural. Isso é um negócio esdrúxulo.
E estamos avançando. Quando falamos no avanço - até porque a esquerda gosta muito disto, do que é politicamente correto -, eles são contraditórios. Índio beber cachaça é cultura, cultural e também matar criança é cultural, criança de 12 anos pode fazer mudança de sexo sem autorização dos pais, porque já sabe o que quer, mas, em compensação, com 17 anos, pode estuprar, sequestrar e matar, que está tudo certo, porque é criança, não vai responder pelo crime. Essas inconsequências e irresponsabilidades de raciocínio.
Então, eu gostaria de saber se, nesse grupo de estudo, já está se falando e qual a relação com a Funai; se já tem essas informações que temos de estupro coletivo, de violência contra crianças e de infanticídio. Eu gostaria de saber de você, porque você já faria a sua...
No final do ano passado, o Fantástico trouxe uma reportagem impactante - e o José Medeiros colocou aqui para você agora -, que é sobre essa epidemia, que vai calhar com o que eu gostaria que o Thiago falasse logo em seguida também, que é o mito da Baleia Azul. Há muita gente falando sobre Baleia Azul. Há um crime instalado aí? Há, mas as pessoas não sabem nem origem disso. Até dos chamados especialistas que vemos na televisão falando dá vontade de rir, porque o cara está falando que ele não sabe, mas diz que é especialista. Aí, o cara fala que inventaram um aplicativo e essa coisa não é bem assim, a origem disso. O Ministério também está se valendo disso? E depois o Thiago vai falar disso aí para nós.
Mas basicamente eu gostaria que você incluísse na sua resposta, porque penso que, depois das outras perguntas, como fez o Senador José Medeiros, com os dois aqui...
A SRª GRACIELLY ALVES DELGADO - Com relação à população indígena, há, sim, Senador, uma grande preocupação justamente de identificar esse cuidado, do que é cultural, do que não é cultural, do que é cultural e que devemos trabalhar na superação de algumas dificuldades.
Afirmo que não é um trabalho simples. É um trabalho bem complexo. Ele geralmente não é puxado, coordenado, liderado pelo Ministério da Saúde, mas nós obviamente sempre compomos essa discussão. Semana que vem, por exemplo, haverá um seminário que é dirigido pelo Ministério dos Direitos Humanos para falar da primeira infância indígena, que tem como objetivo pensar justamente nessas questões, porque temos obviamente esse fator aí, o infanticídio, que é extremamente grave e preocupante, mas temos ainda questões bem antigas e tradicionais, como a desnutrição. Então, como faremos o cuidado dessa população e da população da infância e juventude, já que, na população indígena, não há a faixa etária adolescente?
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Então, semana que vem, haverá esse seminário, cujo principal objetivo é fazer um documento em que seja possível que as redes consigam identificar qual o seu papel de atuação e que consigamos tornar mais ágil a observação desses casos - o que fazer, chegou no serviço - e tornar mais rápido, porque obviamente a questão do tempo é muito importante nesse processo. Então, é uma grande preocupação. Já os convido também. Caso queiram participar conosco, vai ser um grande prazer, porque é uma discussão bem complexa e é necessária a participação de todos nesse processo.
Em relação ao jogo, eu concordo que não temos nenhum tipo de dado para dizer se o jogo existe, se não existe, qual o impacto dessa situação, enfim. O que podemos afirmar, já que é uma questão muito midiática - apareceu, tornou-se um ponto de discussão que é impossível de negar -, é que houve, de alguma maneira, uma identificação de alguns grupos de adolescentes. Isso é inegável. Então, se navegamos pelo Facebook, em que nós da Coordenação de Saúde dos Adolescentes e Jovens temos uma página em que convidamos os adolescentes para postarem as suas questões, conseguimos identificar algumas páginas que orientam como fazer mutilação. Aí, você clica num link, que vai para outro, que vai para outro, que tem os melhores instrumentos de como fazer, como eu me sentia. E há um grupo de adolescentes.
De fato, é uma área muito nova, Senador, da nossa atuação. Acho, assim, que, nesse sentido, esse processo de discussão vai contribuir muito. Precisamos avançar nisso, porque, de fato, você tem um grupo populacional que veste uma roupa que você não consegue ver, que não tem um lugar de discussão. Então, às vezes, quando é possível observar ou tentar intervenção, ela já está muito mais grave. Já houve até, inclusive, uma tentativa de suicídio. É por isso que a prevenção é importante.
Mas realmente essa temática específica com esse recorte, com essa ação é um trabalho sobre o qual também estamos buscando novas informações, inclusive na literatura não há muitas certezas. Eu acredito que vamos poder avançar bastante nesse processo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Maravilha.
Nós precisamos realmente... Nós enviamos convite ao Ministério convidando... Que o Ministério disponibilizasse alguém do Ministério para assessoria da CPI? Se não, vamos fazer, porque precisamos tomar essas decisões legislativas juntos.
Eu vou passar a palavra ao Dr. Thiago e gostaria de que ele pontuasse o que ele entende, na legislação de combate a crimes cibernéticos - e já há as perguntas do Senador José Medeiros -, em que direção a CPI deve caminhar e que proposição deve fazer até para... E vamos construir isso juntos. Também a mesma pergunta faço para o Fábio.
Gostaria de que você começasse falando, até porque eu recebi uma aula de Baleia Azul. Eu gostaria de que a aula da Baleia Azul que você me deu desse também aos nossos espectadores e tal, às pessoas que estão nos vendo pelas redes sociais, às pessoas que estão conosco.
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Eu gostaria só de fazer um reparozinho aqui. As pessoas podem não ter entendido o que o Senador José Medeiros disse. Se você tem uma demanda já no Ministério Público ou você fez um boletim de ocorrência de uma criança abusada, já existe um inquérito, já existe a denúncia do Ministério Público, o troço está emperrado no Ministério Público, o troço está emperrado, e você já foi ao conselho tutelar, você pode, sim, fazer a sua denúncia, porque a CPI se torna um braço rápido do Ministério Público e da própria Justiça.
Veja, quando, por exemplo, as telefônicas não estão cumprindo direito um termo de ajuste de conduta que fez conosco - porque fazem tudo seletivamente. Você pede a quebra de um sigilo de uma criança que está com risco iminente de vida, sendo abusada, eles levam seis meses para depois virem dizer que não encontraram. E assinaram um termo de ajuste de conduta em que, para uma criança com risco iminente de vida, seriam 48h ou 24h. Foi uma coisa, assim, muito rápida. E pode ser feito. E por que não se faz?
Então, nós temos que tratar desses assuntos. E eles podem vir. E, aí, nós podemos quebrar esse sigilo. Se ele não quebrou, eu quebro. Então, não preciso das 24h dele. Então, se o Ministério Público está emperrado, por quebra de sigilo, porque pediu àquele juiz lá do interior, que tem qualquer envolvimento com os ricos do Município - porque foi o filho do rico que abusou ou o rico - e que está segurando o processo, aquilo que vai demorar lá não demora aqui, porque aqui eu não preciso do juiz para quebrar sigilo; eu quebro, porque a CPI tem poder de Justiça e de polícia. O juiz aqui sou eu. Então, a gente se torna esse braço.
O que nós não aceitamos é denúncia anônima no 0800 de alguém que faz a denúncia sem que ela esteja no Ministério Público, sem que ela esteja no Conselho Tutelar ou esteja numa delegacia já com o inquérito aberto. Porque há muita gente que vem à rede e inventa uma história com um desafeto político, para que a CPI possa desonrar alguém e cumprir o papel que ele gostaria que fosse cumprido. Não seremos nós.
Só que, se nós identificarmos pelo e-mail de onde veio - volto a dizer: falsa comunicação de crime é crime -, nós enviaremos às autoridades para que esse indivíduo responda. A CPI não é instrumento para fazer disputa politiqueira em qualquer área, em qualquer região deste País. Há gente também que faz - e fizeram muito - alienação parental, que vem à rede e faz denúncia mentirosa para que a CPI possa fazer intimidação em seu nome. Nós devolveremos às autoridades as denúncias com falsa comunicação de crime.
Então, nós não estamos aqui para brincar e não queremos que ninguém brinque, de lá para cá, conosco. O 0800 existe? Existe, mas é para esse tipo de contribuição.
Bom, eu concedo a palavra a você, Thiago.
O SR. THIAGO TAVARES - Muito obrigado, Senador Magno Malta.
Eu gostaria de iniciar enfrentando as questões formuladas pelo Senador José Medeiros, começando pela última, Senador. Eu acho que, até em termos de prioridade, no que diz respeito à atuação e à estratégia da política criminal do País, existem muitos crimes que são praticados em todos os lugares. Existem, por dia, dezenas de milhares de pessoas que são vítimas de furto, que são vítimas de todo tipo de atos de violência num país profundamente marcado pela violência, como é o caso do Brasil, onde 60 mil pessoas são assassinadas por ano, e apenas 7% dos casos de homicídio no País têm inquéritos relatados e concluídos com a identificação da autoria, ou seja, 93% dos casos de homicídio no País acabam sequer com uma conclusão em relação à autoria.
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Então, em um país profundamente marcado pela violência, como é o caso do Brasil, a rede espelhar essa violência, ser a caixa de ressonância dessa violência não me surpreende. De modo que, na minha opinião, eu acho que seria uma grande contribuição desta Comissão Parlamentar de Inquérito se ela mergulhasse na investigação da atuação do crime organizado, no que diz respeito à compra e venda de imagens de abuso e exploração sexual de crianças.
Eu até me adiantaria na minha conclusão: no meu último eslaide - não sei se minha apresentação ainda está aí -, eu listei... E aí V. Exª me perguntou sobre a questão dos cartões de crédito. Houve um acordo, um termo de cooperação que foi assinado entre o Senado Federal, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, o Departamento de Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e as empresas de cartões de crédito e serviços. Isso, em 2009. Por meio desse acordo, foi estabelecido um conjunto de procedimentos para permitir que as autoridades responsáveis pela persecução criminal pudessem investigar o fluxo financeiro envolvendo sites comerciais. E eu dizia...
Não, voltando. Pode voltar. Não é esse, não. Pode voltar. Aí.
Eu dizia que existem páginas, especialmente na chamada Deep Web, que são dedicadas ao comércio de imagens contendo cenas de abuso sexual, de sexo explícito envolvendo crianças. Ou seja, se há alguém vendendo é porque há alguém disposto a comprar. Se há oferta é porque há demanda. E isso, segundo esse mercado, segundo o Escritório das Nações Unidas para combate ao crime organizado, movimenta US$250 milhões no mundo. E, no Brasil, não existe um histórico de operações não só da Polícia Federal, mas também no âmbito das polícias civis, com foco nesse tipo de investigação.
Então, eu acho que seria uma contribuição e uma inovação que a CPI poderia dar. Por quê? Porque se estariam focando os esforços, que são limitados - os recursos são limitados, de tempo, de pessoal, de prazo, os recursos são limitados -, naquilo que é mais gravoso, que é a atuação de quadrilhas que se dedicam a aliciar, ao tráfico interno de crianças e adolescentes, à realização de abusos sexuais e de exploração sexual, à produção de conteúdos durante esses atos de violência e à venda desses conteúdos on-line. Então, existe um conjunto aí de atores que compõem uma organização criminosa, que precisa ser investigado.
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Essa linha de investigação estaria, inclusive, em sintonia com uma iniciativa recente do Departamento de Polícia Federal, que foi a criação de um grupo de pesquisa sobre a criminalidade organizada cibernética. Esse grupo, Senador Magno Malta, se reuniu pela primeira vez, aqui em Brasília, na semana passada. E ele reúne vários delegados, de várias partes do País, inclusive...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Com foco nesse assunto também?
O SR. THIAGO TAVARES - Com foco no desenvolvimento de pesquisa sobre criminalidade organizada cibernética.
E um dos delegados, que inclusive é um dos delegados mais atuantes - ele conduziu investigações emblemáticas da Polícia Federal no País -, que é o Delegado Flúvio, do Paraná, pretende se dedicar exatamente a este ponto, que é a utilização da internet, sobretudo a Deep Web, pelas organizações criminosas que ganham dinheiro, que lucram com o comércio ilegal de produção e venda de imagens de abuso e de exploração sexual de crianças e adolescentes. Então, eu acho que esse instrumento assinado em 2009 pode ser um instrumento útil nesse sentido.
Eu não saberia dizer se o acordo, Senador, que foi feito em 2009 com a Abecs, teria sido descumprido. É provável que eles não tenham sido sequer demandados. Percebe? Ou seja, eu não consigo... Eu não acho que haja nenhuma resistência por parte das empresas de cartão de crédito, ou mesmo dos bancos, em cooperar com essas investigações e implementar o acordo, mas eu acho que eles não foram sequer demandados. Então, não houve demanda pelos cartões, pela criação dos cartões rastreadores. Não houve sequer demanda, me parece. Então, eu acho que o acordo foi assinado, está previsto, está em vigor, mas não foi implementado talvez por falta de demanda. Ou talvez, porque é muito possível - e muito provável, eu diria - que tenha sido por essa razão.
E eu acho que é uma maneira de a CPI dar uma contribuição efetiva e inovar; inovar, trazendo uma... Jogando luz sobre um fenômeno que simplesmente está acontecendo, mas que não está tendo a atenção merecida no País.
Eu, como contribuição - e esse é o último eslaide que eu trago -, já fiz um levantamento prévio na base de dados da Safernet, e nós identificamos 1.433 URLs da rede Onion, que é uma rede, Senador José Medeiros, que não é da internet aberta como nós conhecemos, aquela internet que está indexada pelos buscadores - quando a gente vai num buscador e busca um conteúdo, o buscador retorna esse conteúdo. A Deep Web é uma camada da rede que está invisível para os buscadores, ela não está indexada pelos buscadores, ela não está visível para o usuário comum. É uma camada encriptada, uma camada mais abaixo.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - No subterrâneo.
O SR. THIAGO TAVARES - É. É um... Exatamente. Ela está abaixo da... Quando olhamos para um iceberg, costumamos ver só a face visível do iceberg, que é aquela que está acima da linha d'água, que equivale a 10%, mas 90% de um iceberg está abaixo da linha d'água e não é visível para quem está na superfície. Então, uma das imagens que representa a Deep Web é exatamente a imagem de um iceberg, porque a internet aberta seriam os 10% visíveis da linha d'água, e os 90% invisíveis da linha d'água seriam os espaços fechados da rede. Isso vai desde uma atividade lícita, como, por exemplo, uma intranet de um banco, até um fórum de agressores sexuais, em que eles trocam informações sobre vítimas e trocam conteúdos provenientes de abusos e atos de violência contra crianças.
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Existem 1.433 URLs dessa rede que mereceriam ser investigadas. Que eu saiba, que eu tenha conhecimento, não há nenhuma investigação em curso no País sobre essas 1.433 URLs. Talvez esta possa ser o início de uma investigação que a própria CPI poderia conduzir. Essas URLs foram denunciadas por suspeitas de abrigar fóruns destinados a trocas de informações entre abusadores sexuais no Brasil e no exterior.
Nós também podemos contribuir com a CPI fornecendo, gratuitamente, o apoio técnico especializado em assuntos de internet. Eu reconheço aqui, Senador, as minhas enormes limitações em contribuir com os debates que não envolvam internet. A minha área de especialização é, realmente, temas de internet, temas cibernéticos. Eu não sei se eu consigo contribuir muito com os trabalhos da Comissão no que diz respeito a maus-tratos e violências off-line, que aconteçam em outros temas.
Nós também podemos fornecer gratuitamente ao Senado uma ferramenta tecnológica integrada à Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. Essa é uma ferramenta que já foi utilizada por outras CPIs.
Eu pediria que passassem ao próximo eslaide. É esse aí.
Eu trouxe esse exemplo. Essa foi uma CPI aqui do Senado que investigou o tráfico de pessoas. E uma das dimensões do trabalho de investigação da CPI era o tráfico de pessoas através de sites, falsas agências de modelo que recrutam brasileiras para tráfico interno, para fins de exploração sexual no Brasil e fora do Brasil. Então, a CPI queria, naquela ocasião, receber denúncias de sites que estavam se dedicando ao tráfico interno e também ao tráfico internacional de pessoas, sobretudo para fins de exploração sexual.
Então, o que nós fizemos? Nós fornecemos essa ferramenta que está integrada a uma base de dados nacional a que o Ministério Público Federal tem acesso em tempo real. Nós temos um convênio, um acordo assinado com a Procuradoria-Geral da República que permite que procuradores da República e analistas do Ministério Público Federal acessem essa base em tempo real. Então, se chegar uma denúncia de uma página que foi feita usando essa ferramenta, a informação já está automaticamente disponível para o Ministério Público Federal. Com isso, eles conseguem não só verificar se já há um procedimento instaurado em alguma unidade do MPF do País como também dar andamento, através da instauração do procedimento ou adoção daquelas medidas que forem entendidas cabíveis. Como é uma ferramenta on-line, pode-se estabelecer um mecanismo em que o grupo de trabalho que venha assessorar a CPI possa ter informação, em tempo real, se já existe ou não um procedimento instaurado em outra unidade da Federação, até mesmo para evitar, Senador José Medeiros, a duplicidade, ou seja, que haja investigações duplicadas sobre o mesmo fato, gerando desperdício de recurso público e gerando também um esforço duplicado que pode, eventualmente, até prejudicar a persecução criminal. Então, isso está disponível.
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Voltando ao eslaide anterior, nós também podemos facilitar o contato da CPI com provedores de acesso de serviços no Brasil e no exterior em caso de necessidade e, respondendo à pergunta do Senador Magno Malta, podemos ajudar a identificar eventuais lacunas legislativas e operacionais existentes no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Era isto que eu perguntar: quem é o detentor dessa Deep Web?
O SR. THIAGO TAVARES - Não há um dono, não há um provedor, não há uma estrutura empresarial ou pública ou acadêmica ou corporativa por trás dessa rede. É uma rede difusa...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - The phantom, o fantasma.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Você diria que é do submundo ou não?
O SR. THIAGO TAVARES - Eu diria que é um espaço que é como uma faca: serve tanto para passar manteiga no pão como para matar alguém.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Aqui, a nossa intranet é...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas ela tem sido muito usada para matar alguém, não é?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Senador, a nossa intranet faz parte desse espaço, porque é aquele espaço que não está público - podemos caracterizar assim, não é? Nós temos uma intranet aqui, a que só os servidores do Senado ou os Senadores têm acesso. É um espaço fechado, que quem está fora não consegue... Esses espaços têm a mesma semelhança, não é isso?
O SR. THIAGO TAVARES - Tecnicamente, é diferente, porque, nas intranets, existem credenciais de acesso. Então, eu só consigo acessar a uma rede do Senado se eu tiver um login, uma senha, uma credencial emitida e gerenciada pelo próprio Senado; no caso dessas URLs, não. Nesse caso, eu preciso baixar um programa, instalar esse programa no meu computador, esse programa vai ser capaz de ler e acessar o conteúdo que está nessas URLs. Esses conteúdos têm de tudo, desde ativistas, jornalistas que querem produzir uma matéria, por exemplo, sobre direitos humanos em países como a Síria, em países como...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT. Fora do microfone.) - A Venezuela.
O SR. THIAGO TAVARES - ... a Venezuela, até agressores sexuais. Se um jornalista produzir um conteúdo sobre determinados temas na Venezuela, ele, muito provavelmente, será perseguido pelo governo ditatorial...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - De Maduro.
O SR. THIAGO TAVARES - ... do Maduro.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Do "Podrão".
O SR. THIAGO TAVARES - Se ele quer conduzir o seu trabalho e ficar imune à bisbilhotagem do governo especialmente em países não democráticos, ele vai usar certamente ferramentas e fóruns disponíveis na Deep Web, até para garantir o sigilo da fonte e também para se autoproteger em relação a eventuais represálias.
Agora, como toda tecnologia, ela pode ser usada para o bem ou para o mal. Então, esse...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Não dá para culpar a faca pelo corte.
O SR. THIAGO TAVARES - Exatamente, Senador. Exatamente isso. Não é pela existência da faca por si só. Não é culpa da Tramontina o fato de alguém usar uma faca para matar alguém.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu ter cortado o dedo...
O SR. THIAGO TAVARES - De o senhor ter cortado o dedo...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E foi justamente da Tramontina. Eu sou cozinheiro, eu sou Malta Chef. Eu estava cortando lá e fui ao dedo primeiro - dei uma errada lá.
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Fale um pouco a respeito de Baleia Azul, porque é muita coisa que as pessoas ouvem sobre Baleia Azul: que nasceu na Rússia, que foi criado um aplicativo. Na primeira vez em que ouvi, era um aplicativo que o pessoal acessava. Eu queria que, tecnicamente, falassem um pouco sobre isso.
O SR. THIAGO TAVARES - Eu até incluí - pode voltar um pouquinho - alguns eslaides sobre a Baleia Azul, Senador. Nesses eslaides, eu procuro chamar a atenção de V. Exªs para não caírem em algumas armadilhas durante a condução da CPI. Uma delas é exatamente esta: deixar-se influenciar por fake news. Fake news é um fenômeno global hoje. Fake news existe por haver audiência e por ser rentável. A atividade jornalística hoje custa muito caro. Então, para se apurar uma história, para se ouvirem fontes, para se terem números, dados, evidências, isso leva tempo, exige profissionais qualificados e custa dinheiro. Fake news, não. Fake news é um boato que parece real, que parece verdade, em que as pessoas acreditam e que as pessoas compartilham, espalham, o que gera audiência e receita para quem veicula.
A representante do Ministério da Saúde falava sobre as políticas de prevenção ao suicídio...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Havia um boato - um exemplo de fake news - de que o Palmeiras tinha título mundial. É um exemplo, não é? (Risos.)
O SR. THIAGO TAVARES - Entre vários outros.
Isso é um fenômeno que está aí, não é um fenômeno no Brasil, é um fenômeno no mundo inteiro. Fake news tiveram um impacto muito grande no Brexit, na Inglaterra; tiveram um impacto muito grande nos Estados Unidos, com a eleição do Donald Trump; e vão continuar tendo impacto no Brasil e no resto do mundo, nos próximos anos. Esse é um dos desafios que estão colocados. Não podemos nos deixar influenciar por fake news. Essa é uma armadilha com que V. Exªs precisam ter cuidado.
No caso da Baleia Azul, sendo muito prático, existem, por ano, 120 mil tentativas de suicídios no País.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT. Fora do microfone.) - Incluindo adultos e...?
O SR. THIAGO TAVARES - Adultos, pré-adolescentes e adolescentes. Inclusive, Senador José Medeiros, praticamente 50% das tentativas de suicídio no País estão na faixa etária dos 15 aos 22, 23 anos. São 120 mil tentativas por ano, e 12 mil se consumam, ou seja, são 12 mil mortes. O Brasil tem um dos maiores índices de suicídio no mundo. São 34 ou 38 suicídios por dia. Então, durante o tempo desta audiência pública, pelo menos 4 pessoas cometeram suicídio no País.
É preciso falar sobre isso. E eu até coloquei uma foto de uma das audiências públicas que V. Exª presidiu na Comissão de Direitos Humanos para tratar do assunto Baleia Azul. A Safernet participou de quatro audiências, duas na Câmara e duas aqui no Senado, só para tratar de Baleia Azul. O que nós apuramos? Nós apuramos que a Baleia Azul começou como fake news. Onde? Na Rússia. Quando? Em março do ano passado. E, naquela ocasião, um veículo russo anunciou que mais de cem jovens teriam cometido suicídio por causa desse suposto jogo. E isso acabou se espalhando pela Europa e pelos Estados Unidos. Em toda apuração que fizeram, concluíram que essas mortes não aconteceram, elas não estavam associadas, diretamente, a atos de incitação ao suicídio por esse suposto jogo, mas que a Rússia, evidentemente, também tanto quanto o Brasil, tem altos índices de suicídio.
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Então, trocando em miúdos, a Baleia Azul é um aplicativo? Não é um aplicativo. Ela é um website? É um site que você acesse? Não. Ela é um jogo que você possa jogar com joystick? Também não.
A Baleia Azul começou como um boato, mas ela se valeu de um efeito que está amplamente descrito na literatura clínica e está explicado desde o século XIX, que é o Efeito Werther. O que é o Efeito Werther? É o efeito contágio. O efeito contágio funciona, Senador José Medeiros, da seguinte forma: das 120 mil tentativas de suicídio por ano no País, há 12 mil mortes. Quem já tentou suicídio uma vez provavelmente pode vir a tentar novamente.
Quando há um caso de grande repercussão, em que a imprensa conta detalhes de como o caso aconteceu, qual foi o instrumento utilizado, qual foi o método utilizado, gera-se um efeito de emulação, ou seja, quem já tentou suicídio pode vir a tentar de novo usando o mesmo método. Isso não significa dizer que suicídio é um tabu e que não se deve falar sobre isso. É o contrário. Nós não podemos encarar o suicídio como um tabu; nós temos de falar do assunto; nós temos de tratar do assunto, mas existem protocolos para falar sobre isso, e esses protocolos existem e estão publicados pela própria Organização Mundial da Saúde, que tem guias, voltados para a imprensa, de como abordar o tema suicídio nas suas apurações jornalísticas.
E uma das recomendações da OMS é exatamente não valorizar os detalhes, os atos preparatórios; não focar a cobertura jornalística no modus operandi de como o ato suicida foi cometido. Por quê? Quando você foca no modus operandi, naquelas pessoas que estão em profunda situação de sofrimento mental - e não são poucas, são dezenas de milhares de brasileiros que estão em profundo sofrimento mental, estão em situação de vulnerabilidade -, quando há uma ampla divulgação do modus operandi, gera o efeito de emulação, o efeito contágio, ou seja, aqueles que já tentaram podem vir a tentar de novo usando o mesmo método.
Então, a ampla divulgação que houve e toda a polêmica em torno da Baleia Azul acabaram resultando no seguinte: fóruns que não existiam de incitação ao suicídio passaram a existir.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Então, você diria que esse jogo, aqueles passos no jogo foram nascendo aleatoriamente?
O SR. THIAGO TAVARES - Eles começaram como uma fake news, uma notícia falsa, mas a repercussão da fake news, a repercussão da notícia falsa interferiu diretamente na realidade. É como... Imagine V. Exª o seguinte: roleta-russa. Eu não conheço ninguém que não esteja enfrentando um quadro de profundo sofrimento mental que pegue um revólver, coloque uma bala na agulha e comece a brincar e a jogar roleta-russa; só faz isso quem está em situação de sofrimento. A utilização de fóruns on-line para incitar o suicídio é algo documentado pela Safernet no Brasil desde 2008, e eu posso encaminhar à CPI exemplos concretos da existência de fóruns para incitação ao suicídio.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, isso eu entendi. Eu só estou dizendo o seguinte: que eles têm uma sequência não sei se é de 40 passos e tal, 50: primeiro você faz isso, depois você faz isso. Você diria que isso, na medida em que o fake news foi pegando e a divulgação de que era um jogo, esse troço foi nascendo sozinho, essa lista?
O SR. THIAGO TAVARES - Não existe uma lista fixa, não existe alguém que criou uma lista e essa lista se espalhou. Não, existem dezenas, centenas, milhares de listas diferentes; cada um cria a sua. Quem quer cometer o crime, o crime de incitação ao suicídio, pode criar a lista que melhor lhe convier.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Você diria que um sádico, que tem prazer no sofrimento alheio, pode criar uma lista dessas, porque ele tem prazer de ter a notícia de que fulano se suicidou cumprindo aquela lista?
O SR. THIAGO TAVARES - Sim, sim, é possível sem dúvida nenhuma. E houve uma operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro que identificou algumas dessas pessoas que atuaram, que cometeram o crime. Qual crime? Incitação ao suicídio. Essa incitação ao suicídio - esse crime - existe no Código Penal desde 1940. A diferença é que, com a ampla repercussão que houve, disseminou-se um modus operandi que até então não era utilizado para a prática desse crime que é a incitação ao suicídio. E esse modus operandi foi disseminado por uma notícia sensacionalista falsa que surgiu na Rússia, cujo principal vetor de propagação no Brasil é a própria agência russa de notícias, uma agência estatal chamada Sputnik, é o principal vetor. E nas apresentações...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Ela é o vetor e ela replica essa notícia de um fake news?
O SR. THIAGO TAVARES - Ela gera, ela vai alimentando o fake news, ela vai dando sobrevida ao fake news, como, por exemplo, prenderam o criador do jogo, e aí eles veicularam isso como sendo uma notícia nova no Brasil. A notícia já tinha saído na Rússia em novembro do ano passado e há vídeos no YouTube mostrando a prisão desse sujeito na Rússia. E nós mostramos nos eslaides que fizemos sobre a fake news...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Desse sádico?
O SR. THIAGO TAVARES - ... a mesma notícia publicada em novembro do ano passado, na Rússia, pela mesma agência, sendo veiculada aqui no Brasil em português como uma grande novidade.
E, aí, nós voltamos para a questão da imprensa, ou seja, o jornalismo de qualidade hoje custa muito caro. Então, a tendência dos veículos pequenos é o quê? É reproduzir releases, copiar e colar matérias que são veiculadas por agências de notícias. Então, se alguém conseguiu plantar numa agência de notícia uma notícia com essa, não tenha dúvida de que isso vai se espalhar como fogo em canavial e vai ganhar uma dimensão que é desproporcional e uma dimensão que não precisaria haver.
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Então, fake news criam fatos.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - E esse jogo Fada do Fogo existe ou é fake news também?
O SR. THIAGO TAVARES - Esse eu preciso apurar. Eu não tenho informações sobre ele, Senador, mas posso apurar e dar informações.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Gostaríamos.
O SR. THIAGO TAVARES - Mas é isso que quero destacar: um boato gera consequências.
Em 2012, houve um boato em Guarulhos de uma dona de casa que estaria supostamente associada a maus-tratos infantis, a magia negra, etc. Esse boato circulou na cidade. Resultado: as pessoas acreditaram, e ela foi linchada e assassinada. E comprovou-se que não havia relação alguma.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Era só um boato.
O SR. THIAGO TAVARES - E a polícia instaurou o inquérito, investigou os fatos e descobriu-se que era um boato. Alguém espalhou o boato, mas o boato gerou uma consequência. E qual foi a consequência? O linchamento e a morte dessa dona de casa.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Tenho pergunta que quero fazer para Google e para outros, mas já que você está aqui.
Existe maneira de se criar ferramentas para que esse tipo de coisa seja impedido ou não há como impedir fake news?
O SR. THIAGO TAVARES - Existe um esforço global - e as empresas poderão, certamente, dar mais detalhes sobre isso - das grandes plataformas e também das agências de checagem de fatos. O Brasil tem várias. Há agência Lupa, agência checagem de fatos, a Agência Pública, há várias agências de notícias que estão se dedicando à checagem de fatos. E as próprias plataformas criaram ferramentas e mecanismos para identificar aquilo que pode ou não pode vir a ser uma notícia falsa.
O desafio é enorme, porque como você contém um boato? Você conter um boato, só vejo uma forma: com uma narrativa verdadeira, com fatos, com evidências, dados concretos. Não há como combater uma mentira a não ser a verdade.
Então, o desafio está dado, é um desafio também tecnológico, porque uma das formas de você combater fake news também é evitar que esse conteúdo seja monetizado, porque existem fábricas de fake news, Senador. É muito rentável, quem produz essas notícias ganha dinheiro monetizando audiência.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Vai dar acesso, né?
O SR. THIAGO TAVARES - Exatamente. Monetiza-se a audiência.
Então é muito barato produzir e muito rentável.
Então, uma das estratégias é exatamente dificultar a monetização desse tipo de conteúdo. E trabalhar junto com agências com checagem de dados e ter jornalismo de qualidade, o que também é benéfico não só para combater fake news, como também para o aperfeiçoamento da própria democracia.
Então, sobre fake news posso disponibilizar os eslaides que nós preparamos, há uns 40 eslaides. Perdão, só sobre a Baleia Azul.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - O senhor me permite?
O SR. THIAGO TAVARES - Claro.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Você acabou de falar aqui que, enquanto acontece aqui a nossa audiência, devem estar acontecendo nesse período três suicídios na sua conta. Recebo da minha assessoria do meu Estado, que está assistindo pela rede e dizendo o seguinte: hoje a Terceira Ponte - porque quem conhece o Espírito Santo sabe que a terceira ponte é a ponte que liga Vila Velha a Vitória - ficou interditada por mais de três horas, por mais uma tentativa de suicídio.
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E a campanha pela rede tornou-se proteção. Houve tanto suicídio lá na ponte que está aqui "proteção já". E aqui está a foto do rapaz sentado, para saltar da ponte, lá embaixo.
Não dá para as pessoas verem aqui, mas esse rapaz que foi para o suicídio interditou a ponte exatamente neste momento que nós estamos tratando do assunto aqui.
O SR. THIAGO TAVARES - Por isso a importância das políticas públicas, Senador.
E a própria Gracielly reconheceu que existem desafios a serem superados no âmbito das políticas públicas no tocante ao Ministério da Saúde em relação ao suicídio.
Existe uma portaria que V. Exª mencionou definindo a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio. Essa portaria é de 2006. Ou seja, ela está em vigor há 11 anos. Mas, de acordo com o que foi dito aqui, o grupo de trabalho que está discutindo maneiras de como implementá-la está-se reunindo hoje.
Então, eu acho que existe muito espaço para se avançar nessas políticas públicas, que deve ser o foco.
Certamente é um tema complexo. O suicídio é multifatorial. Não existe uma única causa que leve alguém a pensar em cometer suicídio. Existem múltiplos fatores. E, se não houver, primeiro, um esforço de se romper o tabu, que é falar do assunto; e, segundo, falar de forma adequada e com responsabilidade e com foco nas políticas públicas de saúde, esses números que já são alarmantes no Brasil vão continuar crescendo ainda mais.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Quero agradecer, Thiago.
Quero pedir à assessoria que formalizemos o convite ao Presidente da Associação das Operadoras de Cartões de Crédito, porque ele, na época, foi um dos mais disponíveis, ele que veio, que queria falar e que queria fazer.
A Senadora Marta, que não participou hoje, mas pertence à esta CPI, é a Presidente da CAS, onde está um projeto meu, pronto para ser votado, relatado, que proíbe as empresas de cartões de pagamento de autorizar transações relacionadas com jogo de azar, pornografia infantil via rede mundial de computadores. Trata-se exatamente dos termos do ajuste de conduta que fizemos com eles. Há uma outra informação, de que há falta de demanda, mas, se você tem um ajuste de conduta, você cumpre a sua parte. Se vai haver demanda ou não vai haver, a sua parte está pronta. No dia em que houver uma demanda, a sua parte está pronta. Penso que o projeto contribui muito. Ainda vamos ouvi-lo aqui em audiência pública.
Falo àqueles que participaram desta audiência pública: se fosse uma audiência pública de briga de partido, de aumento de fundo para campanha ou se fosse um troço de aborto, casamento homossexual, a imprensa estava toda aqui. Mas da coisa mais nobre que é proteção de criança, proteção da vida as grandes redes não querem nem tomar conhecimento até porque... Sei lá, até vou ficar quieto, porque...
O SR. THIAGO TAVARES - Se V. Exª me permitir, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Permito. Fique à vontade.
O SR. THIAGO TAVARES - Se pudermos voltar uns 15 eslaides apenas para mostrar sobre o que V. Exª me perguntou a respeito das medidas legislativas. Eu deixei a resposta incompleta. No curso da apresentação, os eslaides vão ficar disponíveis, e eu posso detalhá-los em uma outra oportunidade, tendo em vista o avanço da hora, mas eu gostaria de apenas enfatizar as coisas que também deram errado e que eu acredito que são erros que a CPI não precisa cometer.
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O primeiro deles - pode passar - é a questão de não incentivar a vigilância como estratégia de prevenção. Permita-me, rapidamente, Senador, usar um exemplo - pode seguir o próximo eslaide - do próprio comitê gestor. Uma das recomendações das notas que o comitê publicou foi em relação a uma proposta legislativa que propõe a criação de um cadastro nacional de acesso à internet. Veja só V. Exª, Senador José Medeiros...
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - A proposta é nossa, não é?
O SR. THIAGO TAVARES - Não, acho que não, é uma proposta da Câmara.
Essa proposta pretendia cadastrar todo e qualquer usuário da internet no Brasil com o objetivo de combater a criminalidade.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - É verdade. Lembro-me. É Senador Azeredo.
O SR. THIAGO TAVARES - Não. Não. É derivada da época do Senador Eduardo Azeredo.
Veja V. Exª: V. Exª presidiu a CPI do Narcotráfico. V. Exª sabe melhor do que ninguém que o cadastro obrigatório de telefone celular não impediu que os celulares entrassem no presídio. Existem celular em presídio até hoje, e o cadastro é obrigatório. V. Exª sabe que o cadastro obrigatório para se abrir uma conta bancária não impediu que o tráfico de drogas utilizasse o sistema financeiro para movimentar seus recursos. Então, parte-se de uma premissa absolutamente equivocada de que, ao se cadastrar todo mundo, o crime vai diminuir. Pelo contrário. Eu não conheço ninguém que se cadastre para cometer um crime. O cadastro só afetaria pessoas que não praticam crime.
E mais: seria, Senador José Medeiros, absolutamente inviável de ser implementado. Por quê? Porque esse cadastro, pelo projeto, seria gerido pelo Poder Público. Então, caberia ao Governo cadastrar hoje 130 milhões de usuários no País, e você só poderia ter acesso à internet depois que se autenticasse na rede do Governo. Então, imagine a estrutura que teria que ter para poder cadastrar e controlar o acesso de todo mundo. Isso geraria certamente uma invasão de privacidade, porque geraria a possibilidade de quem gerenciasse o cadastro monitorar o que cada um está acessando, o que cada um está fazendo, e não resolveria o problema. Sempre que houvesse um crime na rede, quando se precisasse da informação para investigar a autoria, ir-se-ia chegar muito provavelmente aos dados de um inocente, porque o criminoso iria certamente usar o cadastro falso de alguém.
Então, existem propostas que, por mais bem-intencionadas que sejam, acabam gerando efeitos colaterais que pioram a situação.
Um outro exemplo de cadastro: nos Estados Unidos - o próximo eslaide, por favor -, aprovaram uma lei obrigando o cadastro obrigatório de todo agressor sexual, não só de criança, mas em geral. E esse cadastro é público.
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O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Nós estivemos lá e já existia, eles acessaram e nos mostraram.
O SR. THIAGO TAVARES - Já existia. Exatamente.
Isso aqui é um dado público. O senhor pode entrar naquele site, acessar, colocar um endereço ou um CEP - este aqui, no caso, é a ilha de Manhattan, em Nova York -, e aí você clica ali e tem acesso à foto do condenado, aos dados de nascimento, etc. Sabe qual foi a consequência imediata disso - e V. Exª se lembra da explicação dos americanos? Criaram-se guetos de criminosos, condenados, sentenciados. Por quê? Porque ninguém quer ter um agressor sexual como seu vizinho. Então, as próprias comunidades reagiram, procurando expulsar essas pessoas de alguns endereços, e aí elas começaram a formar guetos. Ao formar guetos, houve uma intensificação muito grande da troca de informações, de imagens, de cenas de abuso, etc., ou seja, o efeito foi o inverso. E pior: nos endereços em que esses condenados permaneceram, houve um impacto tremendo no mercado imobiliário, no valor dos aluguéis, no valor do preço dos imóveis, etc. O efeito prático que se conseguiu com essa lei foi: a diminuição do preço dos imóveis e dos aluguéis e a formação de guetos formados por agressores sexuais já condenados pela Justiça.
Então, essas medidas precisam realmente ser muito bem pensadas e sopesadas porque elas podem ter o efeito inverso daquele a que se propõem.
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Mas a linha nessa questão é tênue e tudo na vida tem prós e contras; eu prefiro ficar com os prós dessa lei. Pode haver os contras, mas eu ainda sou muito a favor desse cadastro. Eu acho que tem mais benefício do que malefício. Se existe o gueto, você concentra a investigação em cima do gueto. Ainda sou mais a favor. Tudo tem prós e contras.
Você fez a sua conclusão sobre isso dizendo o seguinte: as coisas precisam ser muito bem pensadas - essa é a frase - e realmente precisam ser muito bem pensadas mesmo, porque coisa triste é você saber que alguém alugou a casa perto de uma escola porque é pedófilo, está mal-intencionado, está ali porque sabe o que estar querendo, está preparando o bote dele; que o sujeito alugou a casa botou uma escolinha de música perto da igreja para preparar o bote dele.
Eu penso que aqui tem mais a favor do que contra, mas isso nós vamos discutir com a assessoria e com a Comissão. Se bem que já existe uma proposta na Casa, que foi retirada pelo Ministério da Justiça na hora de votar. Lembro-me de que a proposta nem saiu da CPI, mas era da ex-Senadora Marisa Serrano, do Mato Grosso. Mas, dentro dos prós e contras, eu ainda fico com os prós, porque eu acho que são menores do que os contras dentro dessa proposta. Mas é coisa que nós estamos discutindo.
O SR. THIAGO TAVARES - E aqui encerro, Senador.
Eu fiz três alertas. Um foi não se deixar influenciar por fake news. O primeiro foi esse não incentivar a vigilância como mecanismo de prevenção. E o segundo deles - eu queria não perder a oportunidade de enfatizar isso; pode passar, por favor - é não misturar proteção à infância com combate à pirataria. E por que estou dizendo isso? Porque houve uma CPI na Câmara dos Deputados que começou como crimes cibernéticos e terminou com combate à pirataria. Virou palco de propostas que não tinham relação com o objeto inicial da CPI e, sim, com o interesse corporativo de algumas associações interessadas no combate à pirataria.
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E há um tensionamento crescente, Senador José Medeiros, entre as medidas que são apresentadas, que seriam supostamente para proteção à infância, mas que, na prática, são medidas para combater pirataria.
Passo rapidamente - esses eslaides vão ficar disponíveis. Certamente vão estar publicados no site no Senado. Essa aqui é uma experiência no Reino Unido. Aprovaram várias leis, e ali há um quadro com todas as leis que foram aprovados no Reino Unido para combater a exploração sexual, a pornografia infantil. Mas, na prática, dessas oito mil remoções que houve de nomes de domínio na Inglaterra, 7.617 foram para combater a violação de propriedade intelectual. Então, é distorção do processo.
Então, eu faço e me sinto na obrigação de fazer esse alerta, porque eu não tenho dúvidas de que esse processo vai chegar aqui, e V. Exªs certamente serão abordados em relação a propostas que supostamente teriam a finalidade de proteger a infância, mas que, na verdade, servem a outros propósitos.
Aqui um exemplo claro: um relatório inglês mostra que 77% dos sites comerciais que estão relacionados à pornografia infantil estão no exterior. Então, estão na Rússia, estão em domínios genéricos. Ou seja, o .br sequer figura nas estatísticas de domínios utilizados indevidamente para hospedar conteúdo relacionado à pornografia infantil. São todos domínios genéricos, são todos domínios no exterior. Não são domínios registrados sob o .br. Não há incidência estatística relevantes de sites contendo pornografia infantil alojados debaixo do .br.
Pode passar.
Uma outra evidência, grupos de antipirataria. Aqui é um público. Diz-se que pornografia infantil é ótimo, que os políticos entendem pornografia infantil e aceitam as sugestões que são úteis para o combate à pirataria. Diz-se expressamente isso aí nessa notícia. Dizem que, quando se começar a bloquear, a implementar mecanismos de bloqueio com argumentos de pornografia infantil, na sequência, quando a tecnologia estiver implementada, será iniciado o bloqueio de sites de pirataria. Então, esse é realmente o real objetivo.
E existem experiências internacionais - pode passar - concretas. Esse aqui é um projeto de lei que foi apresentado por uma das associações de combate à pirataria e que consta do relatório final da CPI de Crimes Cibernéticos da Câmara. Percebem? Então, essas coisas vão surgindo. É importante que V. Exªs fiquem atentos para que não se perca o foco e que não se desvirtue o trabalho da CPI que está sendo instalada neste dia.
E existem referências internacionais - pode passar. Existem muitos argumentos contrários a esses filtros e bloqueios, mas o principal deles está resumido nessa frase aí: "Os crimes devem ser punidos e não escondidos". Ou seja, os crimes devem ser investigados e os seus autores devem ser responsabilizados e não jogados para debaixo do tapete. Quando se impede, quando simplesmente se bloqueia o acesso, o crime continua acontecendo, só que ninguém está vendo. A vítima continua sendo abusada, os crimes continuam acontecendo, outras crianças podem ser vítimas da mesma organização criminosa, mas, como ninguém está acessando, ninguém está sabendo. Então, os autores não são investigados e não são responsabilizados.
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Pode passar.
Existem relatórios e documentos da Comissão Europeia sobre alguns países onde essas iniciativas foram implementadas, e há uma reavaliação sobre a eficácia dessas medidas: eles concluíram que hoje não é uma política que deva continuar no âmbito europeu.
Pode passar.
Aqui há mais informações sobre a legislação de cada um dos países da Comissão Europeia. Eu não vou entrar em detalhes, mas o material estará disponibilizado para a CPI. Destaco que nenhuma delas, com exceção da Itália, estabelece um bloqueio mandatório. Então, todos os acordos que existem nessa direção são voluntários, não são feitos por imposição legal, ao contrário do que algumas associações de combate à pirataria afirmam.
E, por fim - pode passar -, um exemplo do que pode acontecer.
Essa é uma capa de um álbum. Scorpions. 1976. É uma banda de rock. Eles, ao lançarem o álbum, em 1976, o álbum tinha essa capa. Não vou entrar no mérito, controverso, polêmico, mas essa era a capa do álbum.
Pode passar.
E esse é o perfil do álbum na Wikipédia.
Em 2003, o IWF, que é o equivalente da SaferNet na Inglaterra, recebeu uma denúncia referente a essa URL por conta daquela foto. Na dúvida, eles encaminharam para a Scotland Yard e perguntaram: "Vocês entendem essa foto como crime, de acordo com a legislação inglesa?" Aí, o primeiro analista, o policial que recebeu a consulta disse: "Entendo que sim". Bom, então, se entende que sim, como na Inglaterra eles têm mecanismos de bloqueio, incluíram a URL na lista de bloqueio para os provedores bloquearem. O resultado foi que...
Pode passar.
Toda a Wikipédia foi bloqueada no Reino Unido. Por uns três ou quatro dias nenhum cidadão da Inglaterra conseguiu acessar a maior enciclopédia do mundo. Isso gerou uma repercussão internacional até hoje. Este é o The Guardian, o principal jornal inglês. E gerou um amplo debate sobre o bloqueio, sobre as consequências do bloqueio, do banimento da maior enciclopédia por conta de uma interpretação discutível. Depois que gerou a repercussão na imprensa, aí veio o chefe da polícia e falou: "Não, o analista se equivocou". Existiam 15 mil policiais trabalhando na Scotland Yard na época. Se você fizer uma enquete, metade vai achar uma coisa e metade vai achar outra, porque a avaliação, nesse caso, dá margem a subjetividade. E o ato, a iniciativa de bloqueio acabou gerando essa repercussão e gerando um debate internacional sobre essas medidas, o que acabou gerando uma reversão no Parlamento Europeu nessa direção.
Eu acho que acabou o tempo.
Próximo eslaide.
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Bom, existe uma manifestação também do Comitê Gestor da Internet em relação ao relatório da CPI dos Crimes Cibernéticos, que sugeriu a adoção desse mecanismo no Brasil. E, como eu disse, é um mecanismo que interessa às associações de combate à pirataria, mas não tem respaldo em evidências e não tem o apoio das organizações sérias que trabalham na proteção à infância.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Thiago, eu agradeço a você.
Vou passar a palavra ao Fábio também, para que faça as suas considerações dele. Eu também tenho um avião daqui a pouquinho. E a doutora já pediu licença para sair, porque também tem outro compromisso. Após ouvir o Fábio, a gente vai encerrar a reunião.
O SR. FÁBIO NOVAES DE SENNE - Obrigado.
Eu gostaria só de agradecer a oportunidade e reforçar o compromisso do CGI de produzir informações rigorosas e atualizadas sobre o uso da internet no Brasil. Junto com o trabalho da SaferNet, acho que a gente tem muita informação disponível e evidências disponíveis para tomar as melhores decisões. Então, não vai ser por falta de evidências que não se tomarão decisões. Então, nesse sentido, me coloco à disposição, como centro de pesquisa, dos trabalhos legislativos aqui da Casa no sentido de fornecer qualquer tipo de informação. Eu agradeço o convite para estar aqui.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Nós vamos precisar muito. Estamos agradecendo o Comitê Gestor. Vamos precisar do Comitê Gestor. Vamos precisar da participação de técnicos da Comissão para que a gente possa elaborar as nossas proposições. Agradeço à Srª Gracielly, do Ministério da Saúde, o nosso amigo Thiago Tavares e o Fábio Novaes. Muito obrigado a todos que estiveram conosco.
Antes de sair, só fizemos uma modificação, porque individualizamos os requerimentos tanto do WhatsApp, quanto do Google ou do Yahoo.
E proponho votar em bloco.
Se algum Senador quiser discutir... (Pausa.)
Se não, continuem como estão. (Pausa.)
Está aprovado.
Assim como começamos, em nome de Deus, estão encerrados os trabalhos da CPI.
(Iniciada às 9 horas e 29 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 54 minutos.)