31/08/2017 - 3ª - CPI dos Maus-tratos - 2017

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Declaro, em nome de Deus, abertos os trabalhos que visam investigar maus-tratos infantis no Brasil.
Havendo número regimental, declaro aberta esta 3ª Reunião, destinada a esta audiência.
A Presidência informa que a CPI dispõe do seguinte e-mail para recebimento de denúncia: cpimt@senado.leg.br. Avisando às pessoas que falsa comunicação de crime é crime. Então, quem pensa que pode usar isso para atacar os seus desafetos está cometendo um erro contra si.
Esse e-mail é para que as pessoas comuniquem, de preferência, denúncias já feitas ao Conselho Tutelar, com o registro do Conselho Tutelar, à Delegacia, com o registro do Boletim de Ocorrência, e ao Ministério Público.
E algumas pessoas que têm como registrar, com horário, porque não existe um outro registro, o fato de ter comunicado ao 0800, digo, ao Disque 100, que é o instrumento mais inútil possível na luta de combate a abuso de criança. E é por isso que estou pedindo esta audiência com o Presidente da República, para explicar para ele o que é o Disque 100, como funciona, como expliquei para a Presidente Dilma, no dia da sanção da lei que relatei que tornou pedofilia crime hediondo, e ela trouxe a sua convidada, Xuxa, e o Sérgio Reis, pelo trabalho que fazia, patrocinado pela BR, com os caminhoneiros do Brasil, que divulgou muito o Disque 100. E eu disse naquela ocasião, Senador José Medeiros: Presidente Dilma, a senhora podia explicar um pouco para a Xuxa o Disque 100, porque Xuxa fala muito no programa dela e fala muito em Disque 100, e do jeito que ela fala parece que o Disque 100 é aquilo mesmo. E a senhora está com duas Ministras aqui, a Maria do Rosário e a Ideli Salvatti, para que elas possam explicar para senhora, porque quem sabe a senhora nem sabe, como nenhuma das três sabiam de nada.
Então... Sai da frente, espelho sem luz.
Então, até eu me perdi agora.
Eu vou explicar o que é o Disque 100. O Disque 100, você chega no aeroporto: "Diga não ao abuso de criança, disque 100." Nas estradas: "Diga não ao abuso de criança, disque 100." Uma criança está sendo abusada aqui do lado, a pessoa vê o Disque 100, fica empolgada, corre lá e disca, e fica na janela, olhando de butuca, esperando a rádio patrulha chegar. Eles não vão chegar nunca.
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Você discou para um call center do Ministério da Justiça em Brasília, você, de Tocantins, do Acre, do Espírito Santo... Uma pessoa terceirizada vai atender, vai dizer que o seu anonimato está mantido, você, então, relatará o crime. Ela, então, com a suposta tentativa de crime ou com suas desconfianças, vai relatar, escrever e enviar ao Ministério Público local, do seu Estado.
Se fez lá no Tocantins, o que você relatou vai para o Ministério Público aí, para o Procurador-Geral, o Procurador-Geral do meu Estado de São Paulo. E lá o Procurador do Ministério Público manda para o Promotor local.
Se o Promotor local não for um concurseiro e tiver sangue no olho e coragem, vai atrás da investigação. Se ele não tiver, recebe na quinta e joga na sexta, e não há investigação de nada.
Aí o aeroporto: Disque 100. O pedófilo desembarca, abusa, vai embora, e o Disque 100 nunca o pega.
Isso é que nós temos que levar ao Presidente da República, para que nós - digo como disse no começo - não encerremos esta CPI, sem que isso tenha sido mudado. Por quê? É preciso que o Brasil tenha uma vara especializada em crimes infantis, em que haja juiz, promotor, delegado na mesma vara, para dar resolução, em risco iminente de vida, em 24 horas.
Onde ficam os processos de abuso de criança? Há a delegacia de defesa da criança, mas os processos vão para onde depois? Tudo pronto, prende-se o vagabundo. Tudo pronto. O Ministério Público, aí, pilhas de processo, a dificuldade da denúncia. Demora, demora, demora, chega ao juiz, e, se for seletivo, se for em um lugar onde o sujeito é poderoso ou é filho de um poderoso - ou sei lá o quê -, a lei jamais será cumprida. Então, é preciso que se criem varas especializadas.
Se não houver como neste momento... Por isso, eu disse que precisamos, Senador José Medeiros, também tirar uma comissão. Não sei nem se dá para fazer uma comissão, porque toco esse trem sozinho. Já são três vezes, só eu e V. Exª.
Mas nós dois somos uma comissão. Fazemos um ofício ao Juiz Sergio Moro e pedimos a ele que cada 50% de retorno de dinheiro de corrupção seja investido numa estrutura - numa estrutura -, para que tenhamos onde abrigar essas varas de combate a abusos de criança.
Se pegássemos só a devolução do Barusco, daria para fazer até nos distritos, não seria só na cidade, não. Se se quisesse, até em distrito daria.
Então, precisamos tomar essas atitudes - e não estou falando como brincadeira -, para que possamos... Eu odeio esta história de CPI que se encerra, dizendo-se que a CPI leu o relatório, fazendo propostas e indicações. Não será dessa forma. Esta CPI será encerrada com mais outras: com a legislação aprovada para a sociedade brasileira e com trabalho prestado.
Quero alertar também que o servidor público que é convidado a vir a esta CPI é convidado por respeito, porque servidor público é convocado e é obrigado a vir. Servidor público não vai dizer "Eu quero", "Não vou". Não existe isso.
Os convites acontecem por uma questão de respeito. Convidei o delegado. É elegância, respeito. Então, se ele me diz de lá "Não, eu me recuso". Ele é servidor público. Aí vou convocá-lo.
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Em havendo convocação, explicando às pessoas que nos assistem, é o Judiciário que convocou, porque CPI tem poder de Justiça e poder de polícia. Para que fique claro isso, os delegados que convidamos para estarem conosco hoje, o Dr. Lorenzo Pazolini, que é do meu Estado, um jovem delegado da Polícia Civil, que faz um excepcional trabalho, desbaratando, investigando e dando resolução aos problemas que lhe chegam, à sociedade do meu Estado, tendo repercussão nacional, muito menos pelo trabalho dele, muito mais pelo teor dos crimes, pela capacidade do cometimento do crime, pela violência do crime. Mas, por ser um jovem delegado, eu quero cumprimentá-lo, agradecer por ter aceito o nosso convite.
Quero convidar para que sente conosco aqui o Delegado Federal Dr. Flávio Augusto Palma Setti também. Ele me avisou ontem que ele estava vindo de Curitiba e certamente teria atraso no voo. E a razão pela qual nós mudamos o horário da Comissão, porque ela ia começar às 9h, foi exatamente para poder esperar a chegada do Dr. Flávio Augusto Palma Setti. E aí nós o ouviremos de forma derradeira.
Dr. Lorenzo...
Não sei se o Senador José Medeiros quer fazer alguma consideração.
Dr. Lorenzo.
Bem, vamos votar logo, Senador José Medeiros, esses requerimentos.
Nos termos regimentais, considerando o trabalho a ser desenvolvido pela investigação e os crimes relacionados aos maus-tratos às crianças, que esta Comissão convoque para ser ouvido em audiência pública, Sr. Cristiano Vieira Gonçalves, Coordenador Geral da Funai.
EXTRAPAUTA
ITEM 1
Requerimento Nº 74/2017
Requer Convocação do coordenador Regional da FUNAI - CR Litoral Sudoeste, Sr. Cristiano Vieira Gonçalves Hutter.
Autoria: Senador Magno Malta.
Para a Comissão solicitar ao Ministério Público de Divinópolis relatórios e documentos sobre investigação para apurar as denúncias de maus-tratos praticados contra jovens acolhidos nos abrigos Homem de Nazaré e Mãe Perpétuo Socorro.
EXTRAPAUTA
ITEM 2
Requerimento Nº 75/2017
Requer informações do Ministério Publico de Divinópolis/MG
Autoria: Senador Magno Malta.
Que esta Comissão convoque para ser ouvida em audiência reservada a Srª Natalia Iencarelli.
EXTRAPAUTA
ITEM 3
Requerimento Nº 76/2017
Requer convocação da Sra. NATALIA IENCARELLI.
Autoria: Senador Magno Malta.
Convoque para ser ouvida em audiência reservada a Srª Thais Ferreira Alves.
EXTRAPAUTA
ITEM 4
Requerimento Nº 77/2017
Requer Convocação da Sra Thais Ferreira Alves.
Autoria: Senador Magno Malta.
Que esta Comissão convoque para ser ouvido em audiência pública o Sr. Juliano Soares Prado, Secretário de Desenvolvimento Social de Divinópolis.
EXTRAPAUTA
ITEM 5
Requerimento Nº 78/2017
Requer convite do Sr. JULIANO SOARES PRADO, Secretário de Desenvolvimento Social Divinópolis /MG.
Autoria: Senador Magno Malta.
O Sr. Juliano, convide-o, porque ele é Secretário, por questão de cortesia, para a gente mudar o termo.
Que se convide para ser ouvido em audiência pública o Sr. Matheus Baraldi Magnani, Procurador da República.
EXTRAPAUTA
ITEM 6
Requerimento Nº 79/2017
Convite ao Dr. MATHEUS BARALDI MAGNANI Procurador da República, para Audiência Pública.
Autoria: Senador Magno Malta.
EXTRAPAUTA
ITEM 7
Requerimento Nº 80/2017
Convite ao secretário municipal de saúde de São Paulo, Sr. Wilson Modesto Pollara, para participar de Audiência Pública.
Autoria: Senador Magno Malta.
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Os Senadores que aprovam permaneçam como estão. (Pausa.)
Aprovado.
Coloco em votação a Ata da 2ª Reunião e solicito a dispensa da leitura.
Os Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada a ata.
Não havendo mais nada, agradeço seu voto.
Vou passar a palavra ao Dr. Lorenzo Pazolini.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Exmo Sr. Senador Magno Malta, Presidente da CPI dos Maus-Tratos, Exmo Sr. José Medeiros, Senador da República, Relator da CPI, senhoras e senhores, bom dia.
Inicialmente, eu agradeço, Senador, pelo convite, pela convocação, pela nossa presença aqui hoje e pelas palavras elogiosas que o senhor proferiu agora há pouco em relação ao nosso trabalho. Em nome, então, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente do Estado do Espírito Santo, em nome de todos os policiais que compõem aquela unidade - são poucos, mas são guerreiros briosos -, nós agradecemos pelas eloquentes e pelas elogiosas palavras.
Eu farei um pequeno corte histórico, mas não tomarei muito tempo, só para introduzirmos um pouco o assunto e tentar contextualizar essa realidade.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - O senhor tem 20 minutos, mas prorrogáveis pelo tempo que o senhor achar necessário para apresentar o seu trabalho.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Também serei breve até para a gente discutir.
Para entender um pouco do que nós vivemos hoje dessa série de abusos, dessa série de crimes, essa série, na verdade, Senador, de horrores que nós vemos no dia a dia, sobretudo temos visto na Região Metropolitana da Grande Vitória. É uma área hoje com 2 milhões de habitantes. Nosso Estado tem aproximadamente 4 milhões de habitantes, e a metade vive na Região Metropolitana da Grande Vitória.
Infelizmente, nós temos vivenciado uma série de crimes covardes, cruéis, sobretudo crimes vitimando pessoas absolutamente indefesas, seres em formação, crianças e adolescentes, que sem dúvida nenhuma têm sofrido horrores na mão desses criminosos.
Para entender um pouco disso, nós vamos voltar, então, a 1927, quando houve a primeira legislação que norteou os direitos das crianças e adolescentes em nosso País. Então, em 1927, nós tivemos a promulgação do chamado Código Mello Mattos. Quem era Mello Mattos? Mello Mattos foi o primeiro juiz de direito da infância do Brasil. Era um juiz de direito nascido no Estado da Bahia. O código recebeu esse nome pelo fato de ele ter sido o primeiro magistrado que tratou da infância, na época ainda Código de Menores, em 1927.
E, nessa época, qual era a doutrina que regia? Era a doutrina da situação irregular. Ou seja, aquela criança ou adolescente não era sujeito de direito, não tinha tutela estatal, ele era um objeto familiar, vamos dizer assim, no sentido de que o Estado não se preocupava com ele, não tinha que tutelar, não havia o direito à educação plena, saúde, como nós temos hoje no art. 227, da Constituição Federal. Então, era a doutrina da situação irregular. Se o adolescente causasse algum problema, a família era responsável por ele. Não havia nenhum tipo de chancela, de tutela estatal em relação àquele infante, a criança ou adolescente.
Chegamos, então, a 1979. Houve uma proposta do Senador Nelson Carneiro para alterar esse estado de coisas, visando proteger a criança e o adolescente - em 1979, Senador Nelson Carneiro. Essa proposta não prosperou, e continuamos, então, diante daquela doutrina da situação irregular. Ou seja, a criança e o adolescente são objeto de tutela familiar, e não objeto de tutela estatal.
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Chegamos a 88, à Carta Magna de 1988, e o art. 227, então, enumera aquela série de direitos, a gama de direitos para criança e adolescente: saúde e educação, desenvolvimento, segurança, tudo o que vem garantir o adolescente. A partir daí, dessa inspiração, vem o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, lei promulgada e sancionada, que entrou em vigou em 1990.
Só para dar uma realidade, contextualizando o Espírito Santo, a nossa unidade, por exemplo, só foi criada em 1993. Então, quer dizer, até 1993, apesar de nós termos o Estatuto da Criança e do Adolescente desde 1990, no Estado do Espírito Santo não havia ainda uma delegacia especializada que apurasse esse tipo de crime. Então, é algo em que se vê a inércia e a demora, infelizmente, do Poder Público, em efetivar esse direito, em botar em prática tudo aquilo que foi aprovado, sancionado e que já estava em vigor, uma omissão que houve do Estado, claramente, sem dúvida nenhuma.
E, a partir daí, então, talvez... Eu fiz essa pequena introdução histórica para nós entendermos o porquê, hoje, dessa série de violações, para entendermos como esses direitos são recentes. Se pegarmos de 88, quer dizer, de 90 para cá, nós estamos em 2017... Então, ainda é uma mudança cultural que é muito difícil de inserir na sociedade. Talvez aí seja um dos elementos, mas não o determinante, não acredito, porque nós ainda convivemos atualmente com essa série de violações de direitos, essa série de crimes, essa série, na verdade, de horrores que nós presenciamos ainda na sociedade. Então, hoje temos também a Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, de que o Brasil foi signatário, declaração da ONU, e que foi inspiração para a Constituição, para a Carta de 88, lá no art. 227.
O que nós temos que entender, Srs. Senadores e demais presentes: por que dessa série de violações? Como, o que leva a esse tipo de crime? Inicialmente, essa é nossa experiência, eu estou desde 2015 na unidade e eu sempre procurei tentar entrar um pouco na mente do abusador, entender o que leva, qual a motivação que leva a fazer aquilo. Talvez pelo fato de acreditar que ele possa subjugar alguém visando satisfazer seus interesses sexuais, sobretudo sua lascívia. E, em razão dessa covardia, talvez seja o principal motivador. E, além disso, até 2009 nós tínhamos uma legislação fraca, uma legislação que não amparava, nem a atuação estatal, nem a tutela na atividade policial, muito menos a tutela do Poder Judiciário.
E toco só no assunto porque, Senadores, nós estamos vivendo uma época em que precisamos nos manter atentos, porque, com o advento da Lei nº 12.015, que foi fruto da CPI que V. Exª presidiu, nós tivemos um avanço legislativo, mas hoje temos observado alguns retrocessos. Por exemplo, eu já recebi várias decisões judiciais em que o toque, o ato libidinoso consistente no toque, o toque em regiões íntimas de crianças tem sido considerado uma mera contravenção penal, e não um estupro de vulnerável do art. 217-A. Ou seja, um crime que sequer gera prisão. Ele vai lá, em um juizado especial criminal, e aquilo ali vai ser encerrado, uma transação penal. E isso nós consideramos, com todo o respeito, um precedente bastante perigoso e que pode gerar reflexo em todo o Brasil.
Por isso, espero que essa matéria chegue ao Superior Tribunal de Justiça, que o Superior Tribunal de Justiça possa rever de forma bastante serena e que, nesse caso concreto, haja condenação efetiva, porque me parece que não ser a melhor adequação ao tipo penal do art. 217 e abre um precedente que, com certeza, já está reverberando em todas as unidades da Federação. É um precedente perigoso.
(Intervenção fora do microfone.) O SR. LORENZO PAZOLINI - Essa decisão, salvo engano, foi do Tribunal de Justiça de São Paulo - Tribunal de Justiça de São Paulo. Ela tem circulado bastante pelo Brasil.
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Qual o panorama que nós temos hoje na Região Metropolitana da Grande Vitória, no âmbito da nossa atuação? No ano passado, nós tivemos 60 presos, 60 pedófilos presos, por força de inquérito policial, mandado de prisão, sem considerar os autos prisão em flagrante.
Então, são 60 pedófilos que foram retirados das ruas por força de investigação, inquéritos policiais instaurados por portaria. Até ontem nós já tínhamos, 2017, até o dia de ontem, 61 presos pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente no âmbito da Grande Vitória.
Portanto, vemos claramente: nós já superamos o número do ano passado, o que é um dado perigoso, um dado que chama a atenção. Por quê? Nós estamos praticamente entrando em setembro agora. Nós já superamos todo o número do ano passado. Então, é algo que realmente chama a atenção.
Hoje, no sistema penitenciário capixaba, as informações que nós temos: há mais de 1.504 presos, o que corresponde a mais de 8%. Quase 9% dos presos do Espírito Santo são pessoas presas por envolvimento em crimes de natureza sexual, o que também é um número bastante alarmante.
Vejam só, Senadores: nós temos o Código Penal mais as leis extravagantes, uma gama infindável de crimes. E praticamente 9% dos presos estão presos só por um tipo de crime: os crimes contra a dignidade sexual, o que demonstra claramente que a sociedade está doente. Por quê? É um crime que, além de ocorrer em sua grande maioria dentro das casas, deixa sequelas gravíssimas para todas aquelas crianças e adolescentes vitimados. E ainda que haja um trabalho psicossocial muito forte, uma equipe multidisciplinar engajada e que realmente trabalhe, aquilo ali praticamente vai deixar marcas indeléveis naquelas crianças.
Temos uma informação relevante também no Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo: as câmaras criminais julgaram aproximadamente, de fevereiro a junho, 350 recursos em ações penais, processos criminais que envolvem crimes de natureza sexual. Ou seja, no Estado do Espírito Santo, as câmaras criminais do Tribunal de Justiça julgaram aproximadamente 350 recursos envolvendo crimes de natureza sexual, o que também é um fato bastante alarmante, porque, em menos de um semestre - imagine só -, 350 processos chegaram ao Tribunal de Justiça - fora a primeira instância, só os recursos, em nível de segunda instância. É algo que realmente nos chama atenção.
E o que fazer para tentar melhorar esse quadro, para a gente tentar avançar e superar essa situação, essa situação de dor, sofrimento, de intensa... Até mesmo... Eu digo assim: aquela criança que passou por aquilo nunca vai esquecer, jamais.
Então, nós temos algumas sugestões. No âmbito do Legislativo, sabemos que muito foi feito em 2009, mas temos uma pequena sugestão aqui de alteração, Senador, se me permite, lá do art. 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente, porque ele fala assim: "Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso [...]". É o 241-D do Estatuto.
Nós, respeitosamente, trazemos essa sugestão lá do Espírito Santo, no sentido de que o termo "criança" aqui seja substituído ou por "criança e adolescente" ou "vulnerável". Por quê? Durante todo o tempo, a legislação fala em criança e adolescente, e esse artigo especificamente, o 241-D, trata só da tipificação como criança. E nós recebemos, às vezes, pais angustiados de adolescentes, e nós temos que explicar: "Olha, infelizmente esse fato é atípico, nós não podemos fazer nada." E ele fala: "Não, mas o delegado não quer fazer." Eu falo: "Não é que... Eu tenho total disponibilidade em fazê-lo, mas, infelizmente, essa conduta não é criminalizada, não é tipificada." Então, nós estamos de mãos atadas. Nada podemos fazer. Então, fica essa nossa sugestão.
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Temos uma sugestão também de alteração, na verdade, da Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas. Por quê? Muitas das vezes, as nossas testemunhas são ouvidas em sede policial, e é feito um envelope pardo, e aquele depoimento... Nos autos do inquérito policial e, posteriormente, da ação penal, aquela testemunha não é qualificada. E aquela qualificação vai no envelope. Só que, posteriormente, durante a ação penal, aquele envelope acaba sendo juntado à ação penal. Muitas das vezes, aquilo é juntado. Então, todo aquele trabalho foi por água abaixo. Por quê? Você garantiu à testemunha que ela não seria identificada.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LORENZO PAZOLINI - Exatamente.
E, às vezes, acontece o seguinte: o oficial de Justiça vai cumprir o mandado judicial. O mandado é cumprido, e aí volta o mandado cumprido, com o endereço da testemunha. E é juntado aos autos com o ciente, com o conhecimento da testemunha. Aí todo aquele trabalho de não identificação da testemunha é perdido. Ele não serve mais para nada.
Então, temos aqui uma singela proposição nesse sentido.
Eu trouxe alguns casos aqui - estão ali no data show -, para tentarmos entender. Essa decisão é uma decisão que tem origem num processo do Piauí, que foi um divisor de águas também em nosso País. Trata-se de decisão do Superior Tribunal de Justiça. Ela está em sede de repercussão geral.
O que aconteceu aí? Foi um caso em que o acusado tinha sido condenado em primeira instância. Foi absolvido em segunda instância. E o Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação. Ou seja, ele cassou aquele acórdão, reformou o acórdão e condenou. Por quê? Havia um relacionamento amoroso. Vou ler aqui o extrato, só a ementa dela:
Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos [o que já diz a lei, já diz o 217-A; prosseguindo]; o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime.
O que acontecia aí? Em muitos dos casos, as famílias entregavam essa criança ou o adolescente abaixo de 14 anos. Entregavam essa criança. E, quando ela era ouvida em juízo, ela dizia "não, eu já era namorada" do cidadão de 30 anos, 35 anos; "eu já tinha um prévio relacionamento sexual com ele". Ou até mesmo algumas falavam: "não, eu já me prostituía".
Na verdade, o que aconteceria era o seguinte...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Quando elas não falam isso, o advogado alega isso.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Exatamente. Exatamente. Na maioria das vezes, são famílias muito pobres, famílias bastante humildes, que recebiam algum tipo de contraprestação, uma vantagem, seja econômica, seja financeira. Um tipo de vantagem chegava para aquela família. Aí, em juízo, ele desmentia tudo o que havia sido dito antes na delegacia. Isso era muito comum, infelizmente.
Essa decisão é uma decisão muito importante, é um divisor de águas, que sedimentou na nossa jurisprudência esse entendimento.
Pode passar, por favor.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Essa decisão foi de qual Ministro?
O SR. LORENZO PAZOLINI - O Ministro Rogério Schietti Cruz, da 3ª Seção.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Vou convidá-lo.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Trouxe alguns exemplos de crimes. Esse caso foi o caso de uma criança que foi exposta em site de compra de venda. Ela foi, entre aspas, "anunciada". E havia esse anúncio: "Vendo bebê com 1 e 11 meses". Foi agora, em 25 de janeiro. Foi postado às 19h17. Criança anunciada em site de compra e venda.
Nesse caso, nós conseguimos apurar, chegamos ao autor, identificamos a pessoa que fez a postagem, identificamos a família da criança, e todos hoje respondem por esse fato aí. Foram identificados tanto quem postou, o terminal que postou, o computador, e a criança recebeu depois o auxílio do Conselho Tutelar, hoje ela é acompanhada, e também a família. É um caso verídico, eu só reproduzi ali, essa é a reprodução do site do jeito que estava lá; foi reproduzido dessa forma aí.
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Próximo caso. Esse caso é de um idoso, aproximadamente 65 anos, no Município de Cariacica, que chamava a atenção porque ele tinha esse carro chamado Fapinha, um Mini Buggyzinho dentro de casa, e não morava nenhuma criança na casa. O que ele fazia? Ele disponibilizava esse carro para as crianças, elas andavam, davam voltas e, posteriormente, iam à casa dele. Esse é o local onde o veículo ficava guardado. E ali aconteciam os atos sexuais. Foram, salvo engano, quatro vítimas aí desse cidadão. E ele utilizava esse modus operandi: atraía as crianças através desse Mini Buggy.
Esse caso foi muito famoso lá no Estado do Espírito Santo, Senador, é o caso do maníaco do parque da cidade. Foram nove vítimas desse maníaco. Esse é um dos crimes. Essa é a imagem na hora que ele rendia uma das vítimas. Nós fizemos o mapeamento genético nesse caso e conseguimos comprovar, nos nove, que ele foi o autor desse delito. Ele rendia as vítimas próximo à Avenida Norte/Sul, ali no Município da Serra, próximo ao parque da cidade, e entrava para um terreno baldio limítrofe ali com parque, e lá, então, ele praticava o estupro. Algumas vítimas eram menores de 14 anos e outras vítimas eram maiores de 14 anos. Inclusive uma das adolescentes teve um início de gravidez, depois foi feito o aborto legal. Esse fato é um fato verídico, aconteceu. Hoje também ele está preso.
Nossa estatística, só para apresentar. Ano passado, nós saímos em 2014 de aproximadamente 300 inquéritos, fechamos o ano passado com 1.050 inquéritos policiais concluídos, com indicação da autoria e indiciamento; então, 1.050 pessoas que, em um ano, estão respondendo pelos crimes contra a dignidade sexual. Ano passado, como eu disse, 60 autores de crimes contra a dignidade sexual presos, hoje já estamos em 61.
Perfil dos autores das vítimas. O que nós vemos claramente lá, no nosso dia a dia? Os autores são pessoas do gênero masculino, homens entre 25 e 45 anos de idade, e as vítimas, meninas de 9 a 16 anos de idade. Esse é o perfil tanto de autor quanto de vítima que nós temos hoje na Região Metropolitana da Grande Vitória.
Em relação aos crimes praticados no âmbito da internet, nós temos bastante dificuldade ainda em relação à obtenção de dados, porque, infelizmente, não se dá de forma célere. Muitas das vezes nós temos que, ainda que haja desnecessidade, mas, na prática, não se consegue efetivar a ordem judicial, e temos que recorrer a ordem judicial. E nós sabemos que, por exemplo, os dados cadastrais, a requisição da autoridade policial é suficiente para a obtenção e para o fornecimento, mas, infelizmente, algumas operadoras ou concessionárias ainda não atendem a contento. Então, nós temos bastante dificuldade em relação a isso.
Talvez, se me permitem, Senadores, eu até, ontem, pensando sobre isso, sobre uma facilidade, uma tipificação em relação a um crime dessa negativa, um crime em relação à negativa.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Depois eu vou te perguntar isso, mas, só para fazer um parêntese na sua fala, nós temos um termo de ajuste de conduta assinado com todas as operadoras de telefonia do Brasil. Foi uma resistência, ameaça de prisão que fizemos na CPI da Pedofilia, porque eles não queriam de forma alguma. Eles querem é ganhar dinheiro, porque eles agem seletivamente. Se pede uma quebra de sigilo, uma criança em risco iminente de vida, eles passavam seis meses para depois dizerem que não acharam. Como não acharam se o telefone estava lá? Então, a coisa é seletiva.
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A sua palavra demonstra, como o Ministério Público demonstrou e também a SaferNet, que eles não cumprem o termo de ajustamento de conduta que assinaram. Então, eu gostaria que a assessoria fizesse uma convocação de todos eles de volta, para a gente aqui.
O SR. LORENZO PAZOLINI - E até mesmo, se me permite, de repente um tipo penal inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que uma infração de menor potencial ofensivo, com pena máxima de até dois anos, mas que criminalizasse essa conduta. E que essa negativa injustificada a uma requisição da autoridade policial fosse considerada crime, porque creio que isso com certeza inibiria condutas atentatórias à dignidade da Justiça como um todo e facilitaria a apuração de crimes.
Ainda no âmbito...
(Soa a campainha.)
O SR. LORENZO PAZOLINI - ... dos crimes praticados no virtual - já estou concluindo -, nós temos uma regra de ouro que utilizamos lá na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, do Espírito Santo, que é a seguinte - e há sempre essa orientação, acho importante até frisar: não publique nada numa rede social que você não constaria, que você não inseriria em um outdoor.
Sempre que podemos, sempre que temos a oportunidade, nós damos esse tipo de orientação aos pais, nas redes sociais ainda, e sobretudo quando nos permitem as palestras, por quê? Muitas vezes as pessoas postam, por exemplo, na fila do banco; aguardando o atendimento médico num consultório médico; e postam uma foto que se pensassem um segundo não postariam, porque estão expondo a família. Elas mesmas expondo! Se for uma foto de alta resolução, é muito pior.
Nós temos casos, Senadores, por exemplo, de pais que postam fotos com os filhos com uniforme da escola e posteriormente foram vítimas de chantagem, de extorsão. Por quê? O criminoso obtém o telefone, liga para o pai e fala: "Olha, eu sei onde seu filho estuda, sei o horário que ele chega..." Na verdade, toda informação ele obteve na rede social do próprio pai. Ele não teve trabalho nenhum, só acessou, de dentro de casa, a rede social, obteve o telefone, porque para isso também não há dificuldade, e a partir daí passou a chantagear aquela família. Então, principalmente as fotos de alta resolução são facilmente manipuladas.
Outra seara que acontece: bullying. O pai publica a foto da criança, alguém, um coleguinha ou algum outro, um irmão mais velho faz uma manipulação digital, modifica aquela foto, e aquela criança passa a ser vítima de bullying dentro da escola. Aí ela vai sofrendo diariamente por uma coisa que foi criada pela própria família.
Claro que o Estado tem a parcela de responsabilidade dele, mas as famílias também podem evitar muitos dos crimes.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - O Estatuto da Criança e do Adolescente tem sanções para os pais com determinado tipo de comportamento e crime. Penso que o que parece filigrana não é, o que você acabou de colocar, e que nós possamos mexer nesse texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, porque o crime vai ficando moderno e nós precisamos modernizar a lei. E nada é tão absolutamente bom que não mereça ser mudado, que não precise ser mudado. E que a gente possa, realmente, inserir-se numa mudança. E parece que se faz isso inconscientemente.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Exatamente. Faz-se isso de forma absolutamente inconsciente. De boa-fé, ressalto.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - De boa-fé, estão agindo de boa-fé, sem dúvida.
O SR. LORENZO PAZOLINI - É. Só para finalizar, aproveitar o gancho, Senador, do que o senhor falou, nós temos um caso aqui, do Rio Grande do Sul, em relação às varas da violência doméstica. Por quê? Nós percebemos que, muitas das vezes, ao chegar a uma vara comum, aquela vítima, a criança vítima aguarda a audiência muitas vezes sentada num banco em frente do abusador. Então, está aqui aguardando no fórum, dentro das dependências do fórum. A vítima, antes de ser ouvida, muitas vezes aguarda a audiência - ou os familiares da vítima - em frente do abusador.
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E o que foi feito no Estado do Rio Grande do Sul? O Estado do Rio Grande do Sul inovou porque as Varas da Infância e da Juventude já têm estrutura, por exemplo, para fazer o depoimento sem dano, a oitiva dessa criança com profissionais especializados...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - Começou lá.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Começou lá. E o que hoje eles fazem? Eles fazem o julgamento desses crimes contra a dignidade sexual nas próprias Varas da Infância e da Juventude. Houve economia, porque não se precisou ser criada uma nova estrutura, e o atendimento ao interesse público. Então, conseguiram-se conciliar dois princípios constitucionais: a economicidade e o atendimento ao interesse público e ainda a prevalência do interesse do menor.
Esse caso foi impugnado. No caso, os representantes, os advogados das partes dos réus alegavam que a Vara da Infância não poderia julgar crimes contra a dignidade sexual. Esse caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça também e o STJ disse o quê? "Olha, pelo contrário, é uma medida louvável, porque a criança está sendo ouvida num ambiente absolutamente preparado para sua oitiva, um ambiente que já permite condições de ela dizer a verdade, que evita distorções, sobretudo eventual alteração, ou que essa vítima seja influenciada ou se sinta pressionada." E hoje, lá no Rio Grande do Sul, é feito assim. Então, talvez, não sei se caberia uma alteração legislativa ou, no âmbito até mesmo do CNJ, uma recomendação, algo nesse sentido, para que se aproveitassem essas estruturas das Varas de Infância, que não haveria nenhum gasto, não haveria dispêndio de dinheiro público, e essa estrutura fosse utilizada nos julgamentos desses recursos.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu lembro que tratamos desse assunto na CPI da Pedofilia. Não sei se avançamos na legislação com relação a isso porque, assim que a CPI começou, em 2006/2007, foi quando, na verdade, o Rio Grande do Sul também começou. Aí, as crianças que nós ouvimos abusadas na CPI já ouvimos com o depoimento sem dano, ouvimos os psicólogos - o que podemos fazer novamente - e os delegados da infância do Rio Grande do Sul. Podemos convidá-los para virem aqui, convidá-los para que voltem aqui. E podemos agendar uma visita lá, até para podermos fazer essa orientação aos Estados. Se tivermos que mexer na legislação agora... Eu não lembro se tratamos da legislação, até porque uma criança abusada é vitimada 11 vezes; minimamente, ela é ouvida 11 vezes. No mínimo, ela é ouvida mais 11 vezes, ela é confrontada com o mesmo crime 11 vezes, e isso traz problemas absolutamente sérios.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Essa revitimização é uma chaga, porque é exatamente isso, Senador: ela é ouvida, reouvida 11, 10, 12, 13 vezes.
Então, com esse entendimento, lá no Rio Grande do Sul, hoje você já faz o julgamento do processo criminal e do processo relativo à Vara da Infância e da Juventude. Você consegue unificar e evita exatamente esse tipo de coisa, evita a revitimização.
Então, eu acho que é uma solução barata, porque ela não demanda criação de nova estrutura judiciária, e você permite que essa criança seja atendida de forma célere, eficaz e bastante humanizada.
Além disso, temos uma... Não seria bem uma proposta, mas uma proposição talvez no sentido de que os departamentos médico-legais contem com a chamada - que nós denominamos - sala lilás. Seria o quê? Seria uma sala para o atendimento. Aí, tanto das vítimas mulheres e crianças. Tanto mulheres vítimas de violência doméstica quanto crianças vítimas de violência sexual. Por quê? Muitas vezes é aquele ambiente frio, a criança chega ali, é atendida no meio de mutilados, pessoas que são, por exemplo, vítimas de acidente automobilístico - Seguro DPVAT -, ou até mesmo corpos passando do lado, corpos de vítimas de homicídio que vão ser necropsiados. Isso para a criança é terrível, porque ela já sofreu uma violação sexual, sofreu um abuso e ela chega no Departamento Médico-Legal e se depara com aquela cena do rabecão abrindo e descendo seis, sete corpos simultaneamente.
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Quer dizer, é um cenário absolutamente inadequado para uma criança. Ela não deveria conviver com aquilo, mas, infelizmente, na maioria dos lugares, na maioria das unidades da Federação, é o único espaço disponível que há para ela passar pela perícia.
Eu sei que meu tempo já está encerrado, mas vou encerrar, Senador, e fico à disposição de V. Exª e do Senador José Medeiros para perguntas e para eventuais colaborações.
Agradeço pelo convite e pela disponibilidade de vir até aqui, agradeço, de forma muito sincera, em nome da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, e vou encerrando por aqui.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Passo a palavra ao Relator, Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Muito obrigado, Dr. Lorenzo.
Senador Magno Malta, todos que nos assistem pela TV Senado e nos acompanham aqui, nós temos feito algumas pesquisas recentemente, após o início da CPI. Depois que você começa a trabalhar com o tema é que você nota o tanto de reincidência que há nesse tipo de crime, o tanto que falta para o Estado brasileiro avançar no combate a esse tipo de delito.
O que eu pude ver é que, recentemente, Doutor, nós, aqui no Senado, começamos a tratar do tema da primeira infância. Nós temos a Frente Parlamentar da Primeira Infância e temos feito alguns seminários, alguns fóruns com especialistas que tratam do desenvolvimento cerebral do ser humano. Todos eles são unânimes - não são só estudos brasileiros, mas de outras universidades como Harvard e Oxford - no sentido de que existe uma janela em que o cérebro humano forma as suas estruturas, forma o seu alicerce. E também todos eles são unânimes em acreditar que, durante esse período, principalmente nos 3 mil dias de vida, a criança precisa ter tranquilidade, ou seja, não pode haver obstáculos ao desenvolvimento do cérebro, senão aquele lá não se recupera mais. Tanto é que, se uma criança, por exemplo, nascer com catarata, e se, dentro de seis meses, essa catarata não for retirada, ela vai ficar cega para sempre. Por quê? Porque, na formação do cérebro, ele está aprendendo, são os estímulos que fazem com que esse adulto venha a ser formado depois. Assim é com a parte auditiva e, lógico, com todas as ligações dos axônios, das sinapses. Todos os estudiosos também são unânimes em dizer que, se houver obstáculos a esse desenvolvimento, o futuro adulto vai ter problemas para sempre.
Eu pude acompanhar esses estudos, fiz um curso de uma semana, que achei, Senador Magno Malta, que ia ser tempo perdido. Eu fiz muitos cursos de extensão aqui no Brasil. Você chegava, passava quatro, cinco horas no local e ganhava um diploma de 40 horas para poder contar ponto - quem era professor -, e aquilo era uma perda de tempo. Quando fui convocado a ir à Universidade de Harvard para fazer esse curso, eu pensei que ia ser mais um desses, mas tive uma grata surpresa. Nós passamos, das 7h da manhã às 8h da noite, todos os dias, com intervalo de 15 minutos só para o almoço, tratando do tema do desenvolvimento da primeira infância e como isso é determinante na formação do futuro adulto.
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E o que me chamou atenção, Dr. Lorenzo, foi que fizeram um estudo de duplo-cego numa comunidade de alta vulnerabilidade quanto a todos os termos que se possam pensar, sem saneamento, enfim... E separaram um grupo de 11 crianças para serem monitoradas semanalmente - para que o Estado mandasse para lá um monitor para verificar as condições da mãe, desde o início do pré-natal, saber se ela tinha tido depressão pós-parto, acompanhar, enfim, a criança, todos os passos, semanalmente, ver se não tinha havido abuso, violência e tudo mais -; e outro grupo também de 11 crianças simplesmente para serem observadas.
E o interessante é que, após 18 anos, eles fizeram a primeira aferição; eles monitoraram as crianças até 6 anos de idade e, após 18 anos, fizeram a primeira comparação, e o gráfico foi uma boca de jacaré: aquelas crianças que foram monitoradas, que foram protegidas tiveram bons indicadores de aprendizagem, sem haver diferenciação de bairros com poder aquisitivo maior, enfim, o índice de aprendizagem delas não diferiu em nada da média dos outros estudantes. Tiveram baixo índice de drogadição, baixo índice de alcoolismo, baixo índice de criminalidade. Enfim, tornaram-se adultos dentro do que se espera da sociedade, dentro da normalidade. Do outro grupo, boa parte já tinha morrido; houve gravidez na adolescência, drogadição, criminalidade - totalmente o inverso. Então, um gráfico apresentou uma reta para cima e o outro uma reta totalmente negativa.
E o interessante é que eles chegaram à conclusão de que para cada dólar que foi gasto com aquelas crianças que foram monitoradas, o Estado teve que gastar sete com os outros com que não se tinha gastado nada. E também chegaram à conclusão de que, se o Estado não fizesse uma proteção, uma política de primeira infância, por uma questão humanitária, que o fizesse por uma questão econômica. E daí surgiu - não vou me alongar - a legislação, aqui no Brasil, que aprovamos em 2016, de que o Senador Magno Malta também participou, do primeiro projeto em 2016, que foi o Marco Legal da Primeira Infância.
Eu estou tocando nesse ponto, porque V. Sª trouxe aqui o fato de que nós já chegamos a ter um momento em que a primeira infância era vista, ou seja, a criança era vista como uma coisa, e não como um sujeito de direitos, e hoje até os animais já não estão sendo mais visto como coisas. E, com esse raciocínio, é que está a nossa preocupação, porque a sociedade brasileira inteira hoje se debate com... Se você fizer uma pesquisa, vai notar que a preocupação principal já está se tornando a segurança pública.
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Nós todos debatemos - e V. Sª principalmente, pois trabalha na área - o que fazer, por exemplo, com essas crianças que estão perambulando pelas praças, drogadas, que são soltas; há crianças que têm 14, 15 entradas na delegacia; crianças de oito, nove anos.
E eu fiz essa pergunta lá em Harvard para um dos cientistas que ali estavam. Eu falei: "O que fazer? O que vocês fazem? Qual a expectativa que vocês têm para esse problema?" Ele falou: "Quase nenhuma." Aquilo foi estarrecedor, porque ele falou que, se o Estado investir pesadamente, com prioridade, nessa faixa, e a família e a igreja e tudo mais, haverá um índice de recuperação ainda não satisfatório. Ele falou: "Por isso que nós temos que - o Estado, todo mundo - nos dedicar muito no início, no começo."
E lá nós também vimos algo que achei interessante: o impacto que tem essa questão do abuso, essa questão do ambiente da criança no lar. Eu achei interessante ele dizer o seguinte: quando o sujeito vem à Terra, quando ele nasce, ele é um ET; ele não conhece nada; são os estímulos que ele está recebendo que vão formar a visão que ele tem de mundo daí para a frente. Então, nessa...
O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) - Já dizia a psicóloga, doutora na universidade, que inventou a universidade de Harvard, D. Dadá, minha mãe, que "casa de pai, escola de filho".
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Essa é forte. D. Dadá! E o que D. Dadá não falou, ele coloca na conta dela também. (Risos.)
Então, é o seguinte, gente, depois que nós começamos a tratar do assunto, eu vi que Mato Grosso, por exemplo, é menor, em termos de população, do que o bairro de Diadema em São Paulo, Senador Magno Malta. E eu passei a ver o tanto de casos que têm recentemente saído.
Mas eu queria perguntar ao Dr. Lorenzo o seguinte: se há uma relação ou se ele já percebeu - eu sei que é uma temática bem nova que tem aparecido - se há alguma relação entre o fato de crianças cometerem suicídios, mutilação e o abuso sexual. O senhor já conseguiu perceber alguma relação desses fatores?
Outra coisa também: quais são os tipos de crimes cometidos contra crianças que os senhores consideram mais relevantes sob duas perspectivas: a numérica, ou seja, por tipo de crime; e a da gravidade da violência praticada. Quais relações o senhor vê entre os crimes mais e menos comuns e os mais e menos graves?
Uma outra pergunta: algumas condutas que são por si só crimes, como o aliciamento e o tráfico de pessoas, geralmente são elos numa cadeia criminosa. O aliciador usa a criança ou o adolescente para praticar atos ilícitos; o traficante de pessoas faz o rapto ou recebe de raptores crianças ou adolescentes, que serão explorados sexualmente, submetidos a trabalho ilegal, adotados irregularmente ou mesmo mortos para a retirada de órgãos, entre outras possibilidades macabras. Há casos nos quais esses crimes são cometidos por agentes isolados, mas sabemos que há redes que se organizam para viabilizar esses ilícitos. De que forma o senhor percebe que organizações criminosas têm atuado contra crianças e adolescentes para práticas de quais crimes e de que modo? Qual a relevância da perspectiva transnacional no combate a essas redes? E que tendências acham preocupantes para o futuro?
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Um dos principais objetivos das Comissões Parlamentares de Inquérito - aí é a terceira - é o de identificar a possibilidade de aprimorar a legislação pertinente ao objeto de suas investigações. Quais problemas o senhor vê na nossa legislação e quais sugestões teria para aprimorar o nosso ordenamento? Sei que o senhor já sugeriu algumas.
Sobre esse fato da questão de órgãos, gostaria que o senhor pudesse falar alguma coisa também. Eu, por exemplo, morria de medo. Contaram-me isso quando eu era criança. Minha mãe aproveitava para aterrorizar a gente, esse negócio de não ir para a rua e tal, falava: "Olha, tem ladrão de órgãos." Mas eu nunca vi um caso concreto e queria saber se vocês já se depararam com um caso em que pegaram uma criança ou se isso é uma lenda urbana.
Mais uma pergunta. Como o senhor avalia o trabalho, hoje, dos Conselhos Tutelares?
Quantas, de todas as denúncias que o senhor investigou, tiveram origem no Disque 100? E qual a sua avaliação sobre o serviço? Se o senhor tem a mesma avaliação "positiva", aspas, que o Senador Magno Malta.
As crianças e adolescentes abusados, pela sua experiência, estão tendo prioridade nos hospitais e dentro dos prontos-socorros? Creio que o senhor já até fez uma explanação sobre isso.
O senhor tem recebido denúncias de abusos e maus-tratos em abrigos?
Ainda outra: existem casos de abusos de crianças indígenas no Espírito Santo?
Mais uma. Esta CPI está investigando motivos de automutilação de crianças e de adolescentes. Em sua investigação, tem encontrado crianças e adolescentes se automutilando? Consegue informar se algumas das crianças em suas investigações... É a repetição daquela pergunta que eu tinha feito: se tem alguma ligação da automutilação com o abuso de crianças, com o abuso sexual de crianças.
Mais uma pergunta que eu gostaria de fazer. As pessoas sempre relacionam - ainda mais que está na moda - a questão da cor, de posicionamento na pirâmide social. Gostaria de perguntar se o senhor tem visto se existe essa ou aquela classe social que sofre mais abusos ou se isso é independente de cor, de sexo, se ocorre indistintamente. E também com relação aos meninos e meninas, se tem ocorrido mais com meninos, mais com meninas.
Também se desse para o senhor repetir, o senhor falou sobre a regra de ouro da questão da idade.
São essas as minhas considerações. Muito obrigado.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Senador José Medeiros, agradeço a oportunidade e as perguntas, que são absolutamente pertinentes ao nosso tema. Talvez, por uma falha nossa, tenham ficado fora da explanação inicial.
Com relação ao perfil das vítimas, nós temos que absoluta maioria, mais de 90%, é do gênero feminino. São meninas entre 9 e 14 anos, até os 16 anos de idade. Os abusadores são homens em sua grande maioria de 25 a 45 anos. Então, as vítimas são meninas de 9 a 14 anos - até os 16 anos ainda há - e os abusadores são homens entre 25 e 45 anos de idade.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Só algo que eu me esqueci, mas como está dentro do seu raciocínio, eu gostaria de fazer esse parêntese. A gente sabe, ou eu, por exemplo, tenho notícias de que minhas bisavós, por exemplo, minha avó, acho que tinha 13 anos, 14 anos quando se casou, e muitos de nós aqui talvez tenhamos tido avós ou bisavós, e era meio que um costume casarem muito cedo, até porque as famílias costumavam ter vinte e tantos filhos e parece-me que, por uma questão até social, quanto mais casar-se rápido, melhor.
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E aí eu queria fazer mais uma pergunta, acrescentá-la às que eu fiz: o senhor acha que essa geração... Porque a gente tem sentido que muitos, até pela idade dos abusadores que o senhor disse... O senhor acha que essa influência ainda é um fruto, resquício dessa tradição, desse costume de antigamente de, de repente, as pessoas acharem: "Olha, a menina tem 14 anos", e a família: "Não, mas ela já é uma mulher"? Isso pode, na cabeça dessas pessoas, acharem que nem estão abusando? É isso que eu gostaria de perguntar.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Exatamente. É um resquício.
Como eu disse, a mudança cultural é lenta e gradual. Não há possibilidade de alteração de conduta e, sobretudo, de entendimento social de forma abrupta, do dia para a noite; isso leva décadas e gerações. Então, esse resquício é absolutamente presente, sobretudo nas regiões mais distantes das áreas metropolitanas. Sem dúvida alguma, muito do que acontece é reflexo ainda desse costume que perdurou durante uma época e que era aceito socialmente, havia uma aceitação social dessas condutas que hoje são criminalizadas. Então, sem dúvida nenhuma, esse resquício, esse comportamento ainda é reflexo daquilo que acontecia na década de 40 até a década de 50, e muitos desses adultos hoje ou muitos desses abusadores conviveram nessa época.
Principalmente quando você tinha a coisificação do gênero feminino, a coisificação da mulher, porque durante muito tempo a mulher era tida como uma posse, ela era entendida como uma propriedade do companheiro ou do marido. Então, isso também reflete, sem dúvida nenhuma, nesse comportamento atual. Não há dúvida alguma disso. Por isso, eu acredito em uma mudança intergeracional, ou seja, isso cada vez mais a sociedade debate. Esta Casa Legislativa tem a sua importância fundamental porque permite que esse debate chegue à sociedade, e, a partir daí, há uma reflexão, e aí gera a mudança.
A mudança, eu acho, sobretudo, chega com conhecimento, sem dúvida nenhuma, e não só com a repressão, quando se faz necessária, e com a atuação da força policial, mas a difusão do conhecimento permite uma alteração de comportamento de forma espontânea e perene porque, é claro, a prisão em alguns casos é fundamental e imprescindível, mas, se você não tiver uma mudança de comportamento daquela sociedade, daquele espaço, naquele espaço de local definido e com aqueles habitantes, você fatalmente vai ter outros casos posteriores.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - É enxugar gelo.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Exatamente, você vai enxugar gelo. Eu costumo dizer que às vezes falam que se está enxugando gelo, mas não tem jeito, a conduta é uma conduta criminosa e tem que ser combatida.
Então, essa alteração social é fundamental. Por isso, eu digo que esse tema tem que ser um tema permanente de discussão, tanto nas igrejas quanto nas Casas Legislativas estaduais, nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas e na sociedade. É um tema que tem que ser conversado na mesa do almoço, na mesa da refeição, no sábado e no domingo, em uma família, em um café da manhã porque isso afeta diretamente a vida dessa família.
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O abusador está na porta. Ninguém sabe quem é. Não é mais aquele com estigma do abusador. Por exemplo, nós tivemos o caso, no Espírito Santo, até 2016, de três grandes abusadores que agiam, e um deles nós ilustramos na apresentação. Hoje, felizmente, nós não temos mais... O abusador hoje não pula o muro da casa, não quebra o cadeado, não derruba a porta. Ele está ali dentro. Ele está dentro. Ou é alguém da família, ou um familiar, um amigo próximo, alguém que conheceu em uma confraternização, em um aniversário, que se aproximou, com que trocou um WhatsApp, cujo perfil pegou na rede social, que ficou no Facebook, e ele levou, conseguiu influenciar aquela criança, seja pelo meio virtual, seja pelo meio presencial, pelo meio físico. Então, hoje, o abusador com aquele estigma de que rende a vítima é a minoria absoluta dos casos. Hoje não representa nem 5% dos casos. É um perfil bem definido.
Quanto à relação entre mutilação, suicídio e estupro, essa é uma relação direta. Nós notamos isso claramente. Por quê? Primeiro, um dos sintomas que a vítima vai apresentar - nós temos muitos casos - é se retrair, se fechar. Por quê? Ela passa a não confiar em nenhum adulto mais, porque, imaginem, ela é vítima de um adulto. Em quem ela vai poder confiar? Quem ela vai procurar? Então, isso muitas vezes gera mutilação, a automutilação e, sem dúvida nenhuma, o suicídio.
Aí, eu ressalto - V. Exª é professor - o papel do docente. Por quê? Eu recebo muitos casos. Até, Senador, um dos casos aqui que tivemos e cuja reportagem está sobre a mesa, chegam, por coincidência, através dos professores, porque o professor muitas vezes convive mais com a criança do que o próprio familiar, o pai e a mãe, que estão nas atividades do dia a dia, trabalhando, tentando manter a família.
Então, o professor muitas vezes percebe a angústia daquela criança dentro da sala de aula. Percebe o seu desestímulo, vê que a nota caiu, que a criança não está mais praticando as atividades regularmente. Era um bom aluno, mas está tirando nota baixa e vai ser reprovado. E, aí, esse professor se aproxima da criança e procura saber, com a ajuda de um pedagogo, o que está acontecendo, o que está se passando, e a criança às vezes tem dificuldade. Mas este caso aqui, por exemplo, é clássico; o professor obteve o relato da criança, e aí o conselho entrou, a delegacia entrou, e nós conseguimos elucidar o caso, mas a atuação...
Eu digo lá que são três pessoas, três agentes públicos, o professor, o profissional da saúde - médico, psicólogo, assistente social - e os conselheiros tutelares. São personagens fundamentais nessa seara em relação aos crimes contra a dignidade sexual, porque eles têm o primeiro contato com a vítima, e esse primeiro contato é determinante para o sucesso ou não da investigação. Se a vítima é recebida num ambiente hostil, ou é mal recebida, ou maltratada, ela nunca mais vai falar. Ela já não queria falar, ela já é pressionada a não falar, ela já sofre a dor daquele crime e, se ela não tem oportunidade, aí, passou, não tem mais volta: ela não vai se manifestar novamente. Dificilmente. Talvez, na idade adulta, e olhe lá. Então, isso é claro.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Só para dar uma contribuição. Hoje pela manhã, eu fiz uma reflexão. Eu faço uma reflexão todo dia, que vai para muitas emissoras do Brasil e para pessoas que também acabaram se acostumando com isso. Eu fiquei na obrigação de ter que fazer uma reflexão todo dia, todo dia, todo dia. Todo dia eu tenho que pedir a Deus que me dê uma graça aqui para eu...
E, hoje pela manhã, eu lembrava às pessoas, na reflexão que fiz, de uma frase que eu usei muito. Ajudei a construí-la muitos anos atrás, porque, afinal de contas, são 37 anos tirando drogado da rua. Fiz muita camiseta com esta frase: "Seja pai do seu filho antes que um traficante o adote". Todo mundo conhece essa frase, e ser pai de filho é investimento de tempo, é investimento de vida, é cuidado. Ser pai e ser mãe não é levar para o shopping. "Eu trabalho muito, fico pouco com ele, tudo o que ele quer na loja eu compro para poder satisfazê-lo, e ele pode fazer o que quiser." É dar presente, oferecer viagem, se ele passar. Não é nada disso. É investimento de vida, é cuidado, é atenção.
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Isso vale muito mais do que um presente da Estrela, da época em que a gente era menino. Quem ganhava um presente da Estrela era sensacional. Nunca foi o meu caso. E muitos pais e mães deixaram de ser pais e mães porque achavam que ser pai e mãe era dar coisa para o filho, é ver um filho fazer panaceia na frente dos outros, estrebuchar no chão, chorar e dizer "não faço", chutar a canela da mãe: "O que é isso, meu filho?" "Não, eu não vou corrigir, porque meu filho não tem juízo." Juízo de menino é na bunda. E menino tem que ser corrigido no juízo. Então não corrige, e o marginal, o traficante o adota.
Hoje ainda o Estado brasileiro, Senador José Medeiros, é a grande fábrica que produz a mão de obra do tráfico, porque com essa história de que um homem de 14, 15 anos não pode trabalhar... Mas sequestrar, estuprar, matar ele pode. Trabalhar, não pode, porque é tratado como criança. Se pudesse trabalhar, além de ser uma contribuição de renda para a família...
Quando eu comecei, com 10 anos, 12 anos de idade, a gente fala carrego na Bahia: a mulher comprando na feira, a gente com um cesto na cabeça e ela colocando dentro e levando aquilo na casa dela e tal. E nunca morri, estou aqui. Hoje, se você faz isso, quem der trabalho para um menino desse, mesmo que seja pai e mãe, vira reportagem, é exposto, o Conselho Tutelar vai lá, o Ministério Público manda prender. É uma coisa louca isso.
Então é investimento de vida, é cuidado, é tempo. E neste mundo avassalador, um mundo consumista onde as pessoas precisam se virar para ganhar o pão, dificilmente mãe e pai... O menino faz seis meses, a creche já toma conta dele. Depois, quando ele faz um ano, quando tem tempo em casa também, chega cansado, bota a Galinha Pintadinha no tablet, e a Galinha Pintadinha cria o menino até os cinco anos de idade. É um negócio de maluco! Então, seja pai do seu filho antes que o traficante o adote.
Agora, essa frase vale de outro jeito. O seu filho pode ser aliciado pelo tablet que você deu a ele no aniversário. O tablet que tem a Galinha Pintadinha é o mesmo tablet que tem lá, "seja modelo kids": a criança vai entrando, vão aparecendo as roupinhas, daqui a pouco uma cena mais, uma cena mais, uma dancinha, uma cena mais, e a criança é levada para dentro de um site de pornografia.
Antigamente, pai e mãe diziam assim: "Você não passe por aquela rua, não", porque botaram uma banca de revistas e havia revista com capa de mulher nua. O menino não passava. Mas hoje não é capa de revista de mulher nua e "não passe por aquela rua". Está no tablet que seu filho está levando para a escola. A água suja, a água do esgoto e a água boa, está tudo ali, ensinando a matar você dormindo e a fazer uma bomba caseira ou como se ensina um menino a ser amoroso, a ser cuidadoso com pai e mãe, a respeitar pai e mãe, a respeitar professor.
Então, o que você está colocando é que - e isso é identificado desde 2006 - de cada 10 crianças abusadas sete foram no âmbito do relacionamento, ou seja, pode ter sido um vizinho, pode ter sido o professor de natação, de futebol infantil, sei lá o quê - no caso da Joana Maranhão, foi o de natação, só para exemplificar. Não estou dizendo que todo professor de escolinha seja abusador -, pode ter sido o professor de escola infantil dentro da própria igreja, pode ter sido o padre, pode ter sido o pastor. A família não quer expor esses indivíduos nem expor os filhos. De cada dez, sete estão no âmbito do relacionamento. E, de cada dez, em seis foi o pai quem abusou. É outra coisa.
Então, isso é papel de mãe. Esse crime é tão nojento, tão... É a mãe do crime hediondo. Pedofilia é a mãe do crime hediondo. É preciso ensinar uma criança a fazer autodefesa. É tão incrível isso! O crime é tão terrível que você tem que ensinar uma criança de dois anos, de um ano a se autodefender.
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É mãe que tem que dar banho na menininha ou no menininho, botar o menino aqui. Costumo dizer isso: bote o seu filho aqui e diga "Está vendo isso aqui? Isso aqui é o seu pintinho, seu 'piu-piu'. Papai do céu deu para fazer xixi, sua bunda é só para fazer cocô. Aqui é o seu bumbum; ninguém põe a mão aqui. Não pode colocar a mão, não pode colocar a boca. Se colocar a mão, você grita e diz que a mamãe falou que não pode." Tem que proteger uma criança que não vai estar debaixo dos seus olhos o tempo todo. E esses desgraçados são tão covardes que um grito de uma criança pode salvá-la. "Mamãe falou que não pode. Aí não pode." Ensinar à criança que carinho é na mão, e tal.
E o que temos de fazer com essa CPI agora? Tratar da questão do abuso, porque você está dizendo que uma criança abusada sinaliza, e ela sinaliza mesmo. Ela não abre a boca para falar, porque o segundo momento dela é o império do medo. Primeiro, ela é conquistada com presente, com um agrado. O pedófilo é uma figura enigmática, uma sombra, e qualquer um o defende, porque ele conquista a família e depois conquista a criança. Quando ele chama a criança, dando, dando, dando, a criança depois se sente culpada; ela acha que o problema não é o cara, mas foi ela que deixou. Aí ela não fala, mas volta a fazer xixi na cama, cai o rendimento na escola, começa a ter pesadelos, grita à noite, tem depressão, come compulsivamente, fica obesa, ou, então, não come mais, ou fica viciada em querer dormir na casa do vizinho, porque mexeu na sexualidade; quer dormir na casa do avô todo dia, ou, então, não quer mais ir lá. É uma série de coisas que se mostram.
Eu me lembro de quando ouvi aqui a mãe da Joana Maranhão, uma médica pernambucana, que chorava e dizia assim: "Eu sou médica. Joana me deu tantos sinais, tantos sinais, e eu não entendi. Joana chorava, Joana não queria nadar, Joana não queria mais aquele... Ela tinha medo dele. Eu dizia: minha filha, ele é seu mestre, ele é seu amiguinho. Quando ele aparecia na porta para levá-la, ela não queria ir mais de jeito nenhum. Joana estava me dizendo, e eu não entendi nada". A mãe de Joana dizia isso. Então, há filhos dizendo tudo, e, com o corre-corre da vida, porque deu um tablet, deu um iPhone, você vai dormir e o deixa no tal iPhone até de madrugada. Ele acorda na marra, sonolento, às 7h da manhã para ir à escola, sem querer ser acordado, e você não sabe o porquê. "Tem de levar esse menino..." O porquê é ele ter ficado de madrugada na internet, vendo coisa, vendo postagem, é o amiguinho que põe uma coisa, outra. Então, é o seguinte: antes que um traficante o adote, antes que a internet o tire de você, antes que o pedófilo, o abusador... Muitas vezes, o crime acontece porque o pai disse ao criminoso: "A escola do meu filho é essa. Essa é a cor do uniforme dele". E ainda faz postagem com identificação do local pelo Google. Está lá identificado o local. Você põe que está na porta da escola do seu filho e ainda coloca o lugar. É só o cara tocar ali, cai no Waze dele, e ele vai certinho na porta, sem problema nenhum, e pode pegar o seu filho cinco minutos antes de você. Então, o nosso desafio, Senador José Medeiros, é muito grande.
Delegado, eu conheço o seu trabalho no meu Estado e fiz um ofício - não sei se já fizemos aqui - requisitando à Polícia do Espírito Santo, ao Secretário para deixá-lo um pouco à disposição, porque essas formulações suas de projeto de lei ou de alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente... Eu e o Brasil precisamos muito, nós precisamos da sua presença com a assessoria para que nós possamos redigir o texto e colocá-lo nos moldes legislativos, para continuarmos avançando nessas proposições que já estão aqui na minha mão.
E eu gostaria de que, ao final desta audiência, você já fosse ao gabinete da assessoria da CPI para sentar e começar a trabalhar, fora daqui essas questões que certamente vão nos ajudar, porque no que a CPI da Pedofilia avançou, avançamos criando tipos penais e uma série de coisas para a punibilidade. Nós precisamos criar instrumentos que evitem que o crime aconteça, para que não haja a punibilidade, ou seja, muito mais na área da prevenção.
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Tivemos dificuldades sempre com as operadoras de telefonia. Eles vendem um pacote mentiroso. Não existe ninguém no Procon mais do que essas empresas que se acostumaram a roubar e não sofrerem punição, a cometerem indignidade e não sofrerem punição. Então, eu tive uma batalha homérica com eles aqui, de ameaça de prisão, muita coisa mesmo em 2007, e estou disposto a voltar com tudo de novo.
Por isso, eu os estou reconvocando. Estou fazendo um requerimento oral; depois, vou materializá-lo, mas já fica o requerimento, Senador José Medeiros, convocando as operadoras de telefonia, convocando o Ministério Público Federal para que ele dê conta do termo de ajuste de conduta que foi assinado com o Ministério Público Federal, com o Ministério Público Estadual, com a Polícia Federal e com as polícias estaduais, para que eles, depois, quando pediram um delegado estadual, eles dissessem: "Não, o nosso termo de ajuste é com a Polícia Federal".
Nós tivemos todos esses cuidados e assinamos isso solenemente. Toda a rebelião foi comandada pela Telefônica, que fez uma rebelião com os outros para que os outros não aderissem. Então, é o seguinte: a primeira que eu quero ouvir é a Telefônica.
Temos número regimental no painel, e posso votar o meu requerimento. V. Exª entendeu o teor do meu requerimento, Senador José Medeiros?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT. Fora do microfone.) - Para trazer ...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - As telefônicas.
Então, ficam convocadas as operadoras de telefonia no Brasil, todas elas, inclusive aquelas que operam internet, telefonia por internet - que é o caso da GVT e outras, que difere um pouco da Oi, da Claro, que são linhas convencionais -, todas elas, absolutamente todas elas para serem ouvidas em oitiva nesta Comissão.
Como o Brasil certamente verá essa audiência pública, fica essa orientação para os pais, porque o pai tem de saber a rede social do filho. O celular do seu filho tem de ser desligado por você. Dizer: "Está aqui e você tem até esse horário. Deixe-me ver quem faz parte do seu grupo de WhatsApp. Quem é a mãe desse? Quem é o pai desse?" Com toda essa triagem, o seu filho ainda vai correr perigo. Mas, quando a gente educa... Quando falamos de Bíblia, há um monte de gente da imprensa que se ofende, há um monte de esquerdopatas que ficam revoltados, mas me mostre um livro melhor do que a Bíblia que eu vou trocar. E uns são revoltados sem nem conhecer nada, sem nem conhecer nada. Ensine ao menino o caminho em que ele deve andar. Isso é cultural, e, quando for grande, ele não se desviará dele; quando ele crescer, ele não se desviará dele. Quer dizer, mãe acabou parafraseando coisas da Bíblia sem saber nem o que era parafrasear, quando falou: "Casa de pai, escola de filho." Que sejam as vossas vidas um livro aberto na criação de filhos, para que os nossos filhos possam ler. É exatamente isso - para aqueles que nos veem pela televisão -, é exatamente esse o sentimento dessa CPI.
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As perguntas que o Senador José Medeiros fez e aquelas que eu ia acrescentar, acredito que, pelo número de casos ocorridos no Espírito Santo, alguns emblemáticos, que a CPI levantou e passou à minha mão... Até porque é aquela coisa: no jornal escrito, já não acompanho nada. Eu já tinha dificuldade com ele antes do advento da internet; com o advento da internet eles publicam 24 horas. O jornal impresso publica o enterro, porque a pessoa já morreu, e não deu tempo de ele publicar o assassinato.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Ele só convoca para a missa de sétimo dia.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Para a missa de sétimo dia. Então, já está tudo atrasado.
Agora, há alguns casos emblemáticos terríveis que podem contribuir. E muita coisa que levamos para a lei foi contribuição de abusador que nós ouvimos na cadeia. Perguntamos: "Por que fez isso?" E eles diziam: "Porque, se fosse desse jeito, teria..." A palavra de um criminoso...
Eu pretendo fazer oitivas no meu Estado, dada a demanda do Estado. E, nessa contribuição, eu gostaria até - nesse convite que lhe fiz, isso já foi oficializado - que, ao sentar com a assessoria da CPI, você pudesse passar, doutor, para nós o nome daqueles que você acha que devem ser convocados para serem ouvidos em oitiva, as autoridades e até mesmo as crianças. Nós fizemos aqui um pedido ao tribunal que nos cedesse a Drª Gladys, que é a especialista que temos no Estado em depoimentos sem dano. Também fiz contato com a Drª Tatiana, que é uma psicóloga juramentada e especialista em depoimento sem dano, que foi quem ouviu as crianças para nós na CPI da Pedofilia.
Esse caso de ouvir criança é muito grave. Nós recebemos uma mãe aqui, uma médica que veio denunciar o marido; o cara tinha sido preso, com inquérito e tudo direitinho, um diretor da Chesf, e eu percebi alguma coisa estranha naquela mulher. Aprofundamos a investigação, trouxemos o cidadão; no final, o cidadão nunca abusou de filho nenhum, de criança nenhuma. A mulher é psicopata, e nós, então, destituímos, porque era um crime de alienação parental. Foi ela que perdeu a criança. Ela preparou uma criança tanto para mentir para poder levar o pai às grades e à humilhação, como aquele cidadão viveu.
É muito importante essa figura do depoimento sem dano, com as pessoas preparadas. Eu acho que é alguma coisa que nós temos que inserir na legislação rapidamente. É obrigação haver nos quadros esse tipo de psicólogo. Não é psicólogo por ter uma formação de faculdade, acabou a faculdade, fez o concurso e entrou, pois, nessa área de criança, não basta ter um diploma, é preciso realmente ser especialista nessa questão do depoimento sem dano, que é muito importante.
Doutor, eu não tenho nenhuma pergunta a lhe fazer. Eu não sei se o Senador José Medeiros tem.
Eu gostaria que a assessoria me informasse se o Delegado, o Dr. Flávio Augusto, chegou para ser ouvido. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu gostaria que fizessem um requerimento para que nós pudéssemos aprovar também, já que ele não veio, porque, ontem, a conversa comigo foi outra. Então, ele não está vindo como convidado, e eu quero trazê-lo agora como convocado.
Eu não sei se o Senador tem alguma pergunta a fazer ao doutor.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Não.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não havendo consideração, eu voto que o Dr. Flávio Augustos seja convocado, não mais convidado. Ele é servidor público e é obrigado a comparecer. Lamento que o delegado institucional que trabalha aqui no Congresso, fazendo a interface parlamentar, como ocorre com todos os órgãos, tenha tido uma conversa tão mentirosa comigo ontem. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, eu vou aprovar é agora. É agora. Eu faço um requerimento oral. O Senador José Medeiros tem alguma coisa a opor?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Não. Vou só dar um voto de confiança para o doutor, porque sabemos que essas conexões, às vezes, são complicadas. De repente...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas sabemos que já inventaram telefone também - e não é nem sem fio, cada um carrega o seu no bolso.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Não, vamos fazer o requerimento, sim, dando um voto de confiança, porque pode ter acontecido alguma coisa que não...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - V. Exª está propondo um voto de confiança, mas eu não sei o que seria um voto de confiança. Eu estou dando, eu estou trazendo de volta. Agora, é convidar de novo? O meu telefone não está quebrado, o telefone da CPI não está. O mesmo telefone em que ele falou comigo é o que está lá. O outro delegado, o institucional, veio aqui ontem e conversou comigo. Eu expliquei tudo para ele. Estamos trazendo uma pessoa que está prestando um serviço digno, que fez uma grande operação no País, que é o Delegado Flávio. Eu não sei por quê... Até porque ele estava resistindo para não vir...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Está convocado.
Os Senadores que aprovam permaneçam como estão. (Pausa.)
Está aprovado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Doutor, desculpe, desculpe.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Se me permite, Senador...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Encerrei. Tem a palavra.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Eu vou prosseguir, Senador, se me permite, respondendo às perguntas do Senador José Medeiros em relação à pirâmide social.
O que nós temos claramente é que é um crime absolutamente democrático. Ainda que nós não tenhamos um número de registros nas classes mais elevadas como nós temos com as pessoas em vulnerabilidade social, nós notamos claramente, Senadores, que o equipamento público é mais procurado pelas classes que têm menos posse, porque o único profissional a que ele tem acesso é o servidor público. Já uma pessoa que tem uma condição financeira um pouco melhor, que esteja no topo ou na média para cima da pirâmide social, geralmente, procura um equipamento privado, um profissional privado, um psicólogo privado, uma assistente social privada, mas o número de casos é absolutamente proporcional. Não registrados! Há uma subnotificação, sem dúvida alguma, nas camadas mais elevadas, mas o fato ocorre, não tenho dúvida nenhuma. Há uma igualdade, é um crime absolutamente, totalmente democrático. Nós demonstramos claramente. Por quê? Nos últimos 45 dias, houve no Espírito Santo casos envolvendo profissionais do setor jurídico, casos envolvendo conselheiros tutelares, casos envolvendo profissionais de nível superior com mestrado e doutorado. Então, não há nenhum tipo de distinção; o que há é uma subnotificação nas camadas mais elevadas, sobretudo quando o crime ocorre no âmbito intrafamiliar, porque aí a família tenta - entre aspas - "resolver" a situação no âmbito interno, no sentido de tentar uma composição para que aquilo não chegue... Talvez a palavra não seja composição, mas o objetivo principal é que aquilo não chegue ao conhecimento da polícia judiciária e que o fato não seja investigado. Não há dúvida nenhuma.
Agora, eu me esqueci de outras perguntas de V. Exª.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Algo me ocorreu aqui, doutor, porque ouvi, certa feita, dizerem que a mãe percebeu que a filha estava sendo abusada, mas o único mantenedor também era... O senhor já tem uma experiência sobre isso.
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O SR. LORENZO PAZOLINI - Era o abusador. Era o abusador, não é?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - É.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Aí nós temos duas searas determinantes: dependência financeira e dependência afetiva. Muitas vezes essa mãe deixa de denunciar porque depende financeiramente do abusador, que é seu companheiro, marido ou companheiro. Outra seara é a afetiva. Em razão daquela dependência amorosa, ela não denuncia.
Tivemos casos, lá no Espírito Santo, em que a criança ou o adolescente, já tinha mais de 12 anos, dormia no quarto do padrasto. A mãe saiu do quarto e foi dormir na sala ou em outro quarto e a criança ou o adolescente dormia com o padrasto. Ou seja, não há como ela alegar, de forma alguma, que não tinha conhecimento daquele abuso. Ela saiu do quarto, e a criança ou a adolescente dormia com o abusador, dormia com o padrasto, diariamente, numa rotina da casa. Era a rotina da casa.
Então, quer dizer, nesse caso, por exemplo, não há, de forma nenhuma, maneira de você dizer que ela não sabia. O conhecimento dela era um conhecimento absolutamente incontestável. Só o fato de ela deixar a filha dormir com o abusador caracteriza a ciência plena e inequívoca de que aquela criança era violada. Não há dúvida nenhuma.
V. Exª tinha perguntado outra coisa. Deixa eu tentar lembrar. Se V. Exª puder me auxiliar, porque eu...
Ah, desculpe-me. Vou só aproveitar aqui a deixa.
Eu acho e considero, Senador, que houve um avanço, como V. Exª falou, em relação à 2015, mas talvez seja hora de nós virarmos e olharmos um pouco para as vítimas, porque as vítimas são absolutamente esquecidas no âmbito do processo penal. Aí, além da proatividade na linha do que o Senador Magno Malta disse, para que o crime não ocorra - obviamente, nós trabalhamos para que aquele crime não ocorra, em razão da sua gravidade e das suas consequências -, nós precisamos nos virar e atentar para as vítimas, porque as vítimas carregam, além da dor, o trauma daquele crime. E o Estado brasileiro é omisso, absolutamente omisso em relação às vítimas. E aí, de repente, fica aqui uma reflexão sobre talvez um atendimento mais humanizado, uma possibilidade de aquela vítima receber algum auxílio estatal, porque, no Estado do Espírito Santo, por exemplo, ao ser preso, ele é conduzido à unidade prisional - esses mil quinhentos e poucos que nós temos lá - e recebe o atendimento psicossocial. Há psicólogo, há assistente social... Não que não deva ter, mas a vítima é esquecida. Ela só é lembrada no dia da audiência.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - A outra pergunta era sobre crianças indígenas, se há esse problema no Espírito Santo, sobre os abrigos, a automutilação e o Disque 100.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Em relação às crianças indígenas, nossa área de atuação, nossa circunscrição é na região metropolitana da Grande Vitória. Então, em relação à região...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Só um minutinho, doutor, para fazer o registro de que o Dr. Flávio, da Polícia Federal, estará chegando em dez minutos.
Obrigado.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Em relação à região metropolitana...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Retiro meu requerimento.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Em relação à região metropolitana, não, mas nós tivemos a oportunidade, no início da carreira, de atuar no Município de Aracruz, que é um Município onde há uma extensa população indígena, que foi colonizado por indígenas... Na verdade, não colonizado, mas os primeiros habitantes eram indígenas, e havia relato, sim, de abusos sexuais. Eu não sei a situação atual, tendo em vista minha alteração, minha saída de lá.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT. Fora do microfone.) - Os abrigos.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Ah, em relação a abrigos, nós tivemos um pequeno problema, mas que não chegou a ser um abuso sexual. Houve uma tentativa de abuso, mas a equipe foi bastante prudente, porque essa criança já estava abrigada, e nesse caso havia a conivência da família com o abusador. A família era conivente com o abusador. Então, a criança foi abrigada, e nos dias em que o pai, o genitor biológico, tinha o direito de visitar, ele levava ou tentava levar o abusador ao abrigo, como forma de intimidar a vítima e até como forma, talvez, de praticar uma nova conduta.
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Mas a equipe - esse caso é bastante recente - foi muito eficiente e notou isso. Houve, então, uma decisão judicial nesse caso concreto que impede que o abusador e que o próprio pai visite a criança no abrigo, porque notou-se que havia uma relação espúria, havia um conluio de interesse: o pai recebia uma vantagem, obtinha uma contraprestação, uma vantagem para permitir que essa vítima fosse abusada. Então, a criança foi protegida.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT. Fora do microfone.) - E os casos de mutilação com que o senhor havia deparado?
O SR. LORENZO PAZOLINI - Automutilação. Temos aquele caso da Baleia Azul, que hoje, felizmente, em razão da repercussão e sobretudo da divulgação desse fato, diminuiu bastante, nós não temos mais registo. Tivemos alguns casos no Espírito Santo, investigamos, conseguimos chegar até aos terminais e às pessoas que mandavam aqueles desafios seguidos e que iam aumentando de gravidade conforme o tempo. Alguns casos ainda não foram concluídos, porque havia autores fora do Estado e há dificuldade de comunicação, tem-se que fazer um intercâmbio com a polícia, mas a identificação nós já temos. Outros já foram concluídos.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT. Fora do microfone.) - O Disque 100.
O SR. LORENZO PAZOLINI - O Disque 100.
Senador Magno Malta, se me permitir, faço das palavras de V. Exª as minhas palavras. É um serviço hoje que é muito burocratizado, porque, muitas das vezes, a pessoa quer denunciar e faltam lhe perguntar se sabe o CPF do abusador, a profissão, o endereço, o nome, o carro, a placa, e a pessoa só sabe que ele mora na rua tal, numa casa azul. E a informação que ele tem, ele não tem como investigar, apurar a conduta nem a qualificação do acusado. Então, muitas das vezes as pessoas desligam a ligação. Eu recebo cidadãos que falam que ligaram e desligaram, porque...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas, muitas vezes, eles recebem também tudo direitinho. Muitas vezes é uma mãe que está denunciado o padrasto dentro de casa ou o pai, vai lá fora, no orelhão, dá tudo isso que eles pedem, mas roda o Brasil todo até chegar ao promotor, o promotor é um frouxo, zero a zero.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - E esses telefones de emergência parece que não têm essa característica só aqui não. Eu já assisti a filmes - e aqui no Brasil também funciona assim muitas vezes - em que o sujeito está numa emergência, ele liga, começa a tocar uma musiquinha, e aí fica passando, e o sujeito desiste.
O SR. LORENZO PAZOLINI - "A sua ligação é muito importante, aguarde".
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Exato.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Se é importante, então que seja atendida. Basta ser atendida.
V. Exª tem mais alguma pergunta? Estou à disposição.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Eu queria sugerir, Presidente, que a gente pudesse ouvir o Dr. Flávio numa próxima oportunidade, porque já que...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Meu amigo, vamos ouvir o cara agora.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Então, pronto.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Já que ele veio do Estado dele, está aqui, ele está chegando em dez minutos. Ele não deve estar tão longe. Então, é importante que a gente escute ele hoje.
Se V. Exª tiver alguma outra atividade, eu posso ouvi-lo. Não tem problema.
Doutor, muito obrigado. A sua colaboração é muito importante para nós e o seu conhecimento. Apesar de ser um jovem delegado, é dedicado, com conhecimento jurídico. As suas ações vão nos ajudar muito na construção de uma nova legislação ou de melhorarmos o que temos, e também na construção da ida dessa Comissão ao nosso Estado do Espírito Santo.
Agradeço-lhe. Muito obrigado.
Suspendo a sessão até a chegada do Dr. Flávio.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Eu agradeço, Senador, pelas palavras e agradeço o convite e a atenção do Senador José Medeiros.
Muito obrigado.
(Suspensa às 12 horas e 33 minutos, a reunião é reaberta às 13 horas e 1 minuto.)
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Em nome de Deus, declaro reabertos os trabalhos da CPI que visa a apurar abusos e maus-tratos a crianças no Brasil. Como envolve crime cibernético, crianças no mundo todo.
Eu quero convidar para sentar à mesa conosco o Dr. Flávio, mas também quero convidar o Dr. Lorenzo. Que se assente aqui também, no seu lugar de origem.
Quero também registrar a presença do Delegado Marcos Paulo, que é assessor parlamentar da Polícia Federal - relações institucionais é o termo. E quero agradecer ao Dr. Flávio o estar conosco aqui.
Registro que o Dr. Flávio, Senador Zé Medeiros, comandou a Operação Glasnost, que chamou a atenção de todos nós no Brasil. Pedi, logo em seguida, à assessoria que se fizesse um pedido de maneira a levantar o ocorrido, para que nós pudéssemos ter a oportunidade de ouvir, até onde der, sobre a operação, que está na sua segunda fase e que atingiu 14 Estados. Trata-se de uma operação contra pedofilia, em que a Polícia Federal prendeu 30 por pedofilia.
O que me alegra muito, doutor, é que, quando a Operação Carrossel foi demandada em 2006, pela inteligência da Espanha, e demandou o Brasil - e foi o fato determinado que me conduziu à CPI do Brasil -, a Justiça brasileira fez busca e apreensão em 200 alvos no Brasil, que foram demandados. Foram 200 pessoas, 200 alvos. Comprovados os crimes de pedofilia, a Justiça "paga o mico" de devolver - porque a gente não tinha legislação -, dois anos depois, o computador de todo mundo, cheio de pornografia e não conseguiu prender ninguém, porque também não tínhamos legislação.
E hoje, passada a CPI da Pedofilia, é alguma coisa que a gente não tem o que comemorar, porque é abuso de criança, mas temos que comemorar - e fico feliz - pelo que nós avançamos na legislação e pelo fato de o mundo reconhecer que a Polícia Federal do Brasil foi a que mais avançou tecnicamente, e o Brasil foi o que mais avançou na legislação, de melhoria e de criação de tipos penais.
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O Brasil entrou num clube seleto, até aquele dia, de 19 países no mundo; nós viramos o 20º que tinha uma legislação que podia, na verdade... As pessoas falam: "Como é que fez investigação? Criou tanta lei, e vem aumentando o número." Aumenta o número porque eles existem, e as pessoas perderam o medo de falar, de denunciar. E criamos todos os mecanismos.
Eu vou lhe passar a palavra, doutor, para que o senhor fale um pouco sobre a operação, até onde o senhor puder. Se precisarmos que o senhor fale para nós reservadamente, até porque alguns desses Estados estão na nossa mira, para que nós possamos fazer oitivas neles, justamente em cima desses alvos...
E a segunda coisa é que uma CPI, quando ela se instala - para a sociedade entender -, na minha leitura ela se torna um braço ligeiro da polícia e um braço ligeiro do Ministério Público, porque aquilo que é dificuldade de uma investigação, que é pedir para o juiz "me dá essa quebra, me dá essa quebra..." E muitas vezes eles fazem de forma seletiva para, no final, dizer que não deu, para conviver com a desobediência das operadoras de telefonia, para, no final, seletivamente, dizer que não achou, pois como é que um IP de um computador tem a ver com uma linha telefônica? E o cara vem dizer a você que cedeu a ele a linha telefônica, você tem o endereço e o número, e ele diz que não achou o IP do cara? Como é que não achou? Não tem como não achar, não é?
Então, isso se torna... Porque nós, aqui, não dependemos do Judiciário. Nós somos o Judiciário. Eu não preciso de juiz nenhum para quebrar sigilo para mim. Nós quebramos o sigilo. Então, é isso que uma CPI se torna, quando é CPI de causa e CPI séria, não é? Quando não é CPI séria, negócio de CPI de Petrobras, que é só cachorrada, para nego tomar dinheiro de não sei quem e tal, outra CPI que é só cachorrada também... Entendeu?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT. Fora do microfone.) - Vira um mercado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Hein?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT. Fora do microfone.) - Vira um mercado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É. Entendeu?
Com as delações, nós estamos vendo no que aquelas CPIs deram, com um monte de vagabundo na cadeia, "tu me dá 5 milhões, não te convocam..." Entendeu? Paga lá, para não convocar não sei quem, coloca fulano de Presidente. E não foi exatamente o sentimento do legislador quando, na verdade, criou a CPI com essa força que ela tem, para ser usada em favor da sociedade.
É por isso, Senador José Medeiros, que eu não deixo colocar o meu nome em CPI nenhuma, não entro em CPI nenhuma. Se não for CPI de causa, eu estou fora. CPI do Narcotráfico: comandei. CPI da Pedofilia: comandei. Para a gente poder dar resultado para o Brasil. E certamente, aqui também, nós daremos.
Então, doutor, hoje fico muito feliz por V. Sª estar aqui, ter comandado uma operação, já com uma legislação vigente a partir de 2006, quando nós instalamos aquela CPI, para que a gente possa avançar no Brasil.
Quanto às suas dificuldades, como o Dr. Lorenzo colocou as dele, certamente essas dificuldades é que vão se converter para nós em um texto de melhoria da lei. E naqueles dias a Polícia Federal me deu o Dr. Sobral, que hoje é o Presidente da associação. O Sobralzinho ficou comigo três anos e meio - ele e o Estênio. O Estênio chegou depois. E o Sobral realmente é um sujeito que conhece crime cibernético, que conhece crime cibernético como ninguém.
Até aproveito aqui a televisão para mandar um abraço para ele. Se vocês encontrarem com ele, digam que o Sobralzinho foi uma pessoa muito importante, inteligente juridicamente, que nos ajudou a construir... Muita coisa que nós votamos veio como demanda da Polícia Federal, e nós fizemos transformar em lei aqui, para esse avanço.
Espero que assim que nós nos mantenhamos, nessa relação, ao longo desta CPI.
Eu lhe passo a palavra.
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O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Em primeiro lugar, bom dia a todos. Gostaria, antes de mais nada, de agradecer ao Senador Magno Malta pela lembrança do meu nome, pelo convite para participar desta audiência. E, na pessoa do Senador Magno Malta, eu cumprimento todas as demais autoridades aqui presentes.
Em primeiro lugar, eu gostaria de contar um pouquinho da minha história na atuação junto a esse tipo de crime. Então, eu sou delegado da Polícia Federal desde o ano de 2006 e, desde 2008, eu venho me especializando, focando a minha atuação no combate de crimes cibernéticos, em especial o combate de crimes de divulgação de imagens e materiais de pornografia infantil na internet.
Esse trabalho, como bem disse o Senador, no começo era muito complicado - não que hoje isso daí seja fácil. É, em todos os aspectos, um trabalho muito difícil de se fazer e muito complicado.
Mas o que acontecia antes dessa mudança da legislação comentada pelo Senador? Em muitos casos, nós identificávamos indivíduos, identificávamos pedófilos, chegávamos até essa pessoa, apreendíamos computadores, equipamentos - esses equipamentos abarrotados de imagens, de materiais de pornografia infantil, e nós não tínhamos o que fazer com isso, porque a simples posse desse material não era criminalizada. Então, com uma grande contribuição da CPI da Pedofilia, esse quadro acabou sendo alterado, e a legislação se tornou muito mais severa para a punição desse tipo de crime.
Desde 2008, eu venho atuando em operações principalmente no Estado do Paraná; eu sou chefe da Delegacia de Defesa Institucional do Paraná. Então, coordeno esse tipo de atividade no Estado do Paraná, mas também, devido ao tempo que eu tenho tratado disso, acabo sendo demandado para coordenar e atuar em investigações dessa natureza, em âmbito nacional, em diversos lugares do País.
Até o foco, o ponto principal a partir do qual acabou surgindo meu nome para ser chamado, para ser ouvido aqui hoje, foi a deflagração da Operação Glasnost. Então, passarei um panorama do que foi, do que era essa Operação Glasnost.
Então, a Operação Glasnost começou com a prisão de um indivíduo em Curitiba, um abusador sexual, mas antes quero voltar um pouquinho só para contextualizar.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - Fique à vontade! Pode ficar à vontade!
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Então, vou contextualizar a atuação da Polícia Federal em crimes dessa natureza. Como se dá a atuação da Polícia Federal? Via de regra, quando estamos tratando de abuso de menores, abuso de crianças, abuso sexual, a competência é da Justiça Estadual e da Polícia Civil. Então, a competência originária para a atuação, nesse tipo de caso, é a Polícia Estadual, a Justiça Estadual. E quando a Polícia Federal entra? Quando surge algum tipo de repercussão internacional. Então, a Polícia Federal, via de regra, começa a atuar nesse tipo de situação de uma forma transversa. Então, ela atua a partir do momento em que é identificado que existem imagens de abuso e que essas imagens foram divulgadas, compartilhadas na internet. Então, aí surge a competência federal para agir.
A Operação Glasnost começou com a prisão de um indivíduo que, durante seu interrogatório, mencionou a existência de um site, de um ambiente virtual hospedado em servidores da Rússia. Daí acabou surgindo o nome da operação.
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Esse ambiente virtual funcionava como uma espécie de ponto de encontro para pedófilos do mundo inteiro. Então, a partir da prisão desse indivíduo, nós começamos - até para outras pessoas que foram presas em situações semelhantes -, durante o interrogatório, a perguntar se conheciam, se sabiam da existência desse site. A grande maioria sabia e participava ativamente desse ambiente virtual hospedado em servidores da Rússia.
Isso daí acendeu de imediato uma luz vermelha, eu falei: "Não, tem alguma coisa errada, muito errada e muito grande que está acontecendo aqui." Começamos, então, a investigar esse ambiente virtual na Rússia. Essa investigação não poderia se dar de forma diferente: contando, de uma forma intensa, com cooperação internacional. Então, trabalhando, em um primeiro momento, diretamente com a Interpol, com oficiais de ligação da Rússia e, posteriormente, até diretamente com a Polícia Federal da Rússia.
Uma coisa que verificamos é que o que costumava acontecer é que as pessoas se conheciam por ali, naquele ambiente, mas não necessariamente compartilhavam imagens, compartilhavam situações de abuso ali, naquele local. Então, eles se conheciam por ali e dali começavam a manter outros tipos de relações em outros ambientes, em outros aplicativos de celular, em outros sistemas, por e-mail, e a trocar imagens e materiais de crianças sendo abusadas.
Então, a primeira fase da Operação Glasnost foi deflagrada no final do ano de 2013 e, nessa primeira fase, foram presas, no dia da operação, em flagrante, aproximadamente 30 pessoas, cumpridos 80, 80 e poucos mandados de busca e apreensão espalhados em todo o País. Essa operação foi cumprida no final de 2013, quando cumprimos as medidas. Isso teve uma grande repercussão no País. Imaginamos que, como a partir dali as pessoas sabiam que esse tipo de ambiente estava sendo monitorado, iria pelo menos reduzir o número de pessoas, de usuários naquele ambiente. Para a nossa surpresa, não teve alteração nenhuma no fluxo, no volume de pessoas participando dessas comunidades. Então, com base nisso, nós voltamos a atenção para aquele local e seguimos a investigação do que estava acontecendo lá dentro.
Agora, no mês passado, foi deflagrada a segunda fase da operação, onde nós cumprimos mais aproximadamente 80 mandados de busca e foram presas mais 30 pessoas em flagrante no dia da deflagração da operação.
Eu até tenho aqui um quadro com o total do resultado de como foram os números finais da operação, que é uma coisa que chama a atenção pela quantidade. Então, é uma coisa que acontece muito mais do que imaginamos, é um volume absurdo de informações, um volume muito grande de criminosos que vêm surgindo, que vêm abusando de crianças e participando desses tipos de comunidades para trocar experiências, para trocar materiais.
Então, aqui um balanço final da Operação Glasnost: foram cumpridos 165 mandados de busca e apreensão, 10 mandados de prisão preventiva. Esses casos de prisão preventiva foram situações em que identificamos que as pessoas que estavam participando desses ambientes, além de comentar, além de compartilhar imagens, de fato estavam praticando abusos sexuais contra crianças, trocando experiências acerca de abusos. Então, chegavam a situações absurdas de, por exemplo, um pai perguntando para um outro pai que tipo de anestésico deveria usar para poder abusar de um filho. Isso daí, esse tipo de situação aconteceu não uma, não duas, mas, várias vezes - uma coisa impressionante, chocante. Foram também, durante o cumprimento dos mandados, presas 65 pessoas em flagrante. Então, esses flagrantes, a grande maioria das vezes, eram por posse de imagem de pornografia. Ou seja, esses 65 flagrantes, caso não fossem...
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E só para ressaltar isso aí... O que o Estatuto da Criança e do Adolescente dizia antes da CPI da Pedofilia é que o sujeito só podia ser preso - mesmo que o computador dele estivesse abarrotado - somente se ele estivesse compartilhando, fosse pego ali remetendo, como destinatário, na hora - quer dizer, um absurdo. E aí, justiça seja feita, foi exatamente com 60 dias que a gente alterou o 240, criminalizou a posse, o que pode, de fato, levar a esse tipo de resultado.
Então, às pessoas que estão ouvindo em casa: ele está falando que o hospedeiro é na Rússia, mas esses alvos trocando esse tipo de informação de que ele acaba de falar - um pai perguntando ao outro absurdamente que tipo de anestésico que podia usar - são alvos nacionais, são pessoas daqui.
Pode continuar, doutor.
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Exatamente, todas essas pessoas que foram presas eram brasileiros, pessoas residentes aqui em praticamente todos os Estados do Brasil. Somando a primeira e a segunda fases, nós efetuamos prisões em todos os Estados do Brasil. É uma situação muito grave, muito séria.
Voltando à questão da atuação da Polícia Federal, o foco da atuação da Polícia Federal é internet, porque a competência surge com o compartilhamento, com a divulgação das imagens dos abusos na internet. Em decorrência disso, grande parte do trabalho se baseia em uma sequência de pedidos de quebra de sigilo - em primeiro momento para receber informação de provedores de internet, de operadoras; e na sequência para receber dados cadastrais de usuários.
Quanto a isso daí também, recentemente, houve algumas alterações legislativas que acabaram trazendo uma eficiência um pouco maior para esse trabalho, permitindo à própria autoridade policial requisitar dado cadastral de número de telefone, de operadora de telefonia, mas, ainda assim, a gente acaba tendo muita dificuldade - acredito até que o colega tenha comentado isso na explanação dele - para o efetivo recebimento das informações das operadoras. Então, a lei prevê, de forma clara, a possibilidade de requisição, mas ainda hoje existem operadoras que questionam, que se recusam a encaminhar os dados, porque dizem que só vão fazer isso com base em uma determinação judicial - o que é um absurdo, pois estão indo contra o que prevê, de forma clara, a legislação.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E o termo de ajuste de conduta que eles assinaram?
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Pois é, o termo de ajuste de conduta é ainda anterior à alteração legislativa. Então, ainda com base... Quando era só o termo de ajustamento de conduta, a dificuldade era muito maior, principalmente porque as empresas que não participaram, que não assinaram aquele termo, elas simplesmente se negavam e diziam que não iriam mandar porque nada obrigava que elas mandassem. Com a criação, com a fixação, com a determinação dessa obrigação das empresas em lei, essa situação melhorou muito, mas, ainda assim, nós temos dificuldades para o recebimento de informações. As empresas dizem ou simplesmente respondem que não têm os dados. Então, se eu peço lá uma conexão, alguma coisa de menos de um ano atrás, a empresa simplesmente diz: "Não, excepcionalmente, neste caso, eu não tenho como informar, porque nosso sistema não registrou essa informação". E não existe o que possa ser feito para responsabilizar ou a empresa ou os responsáveis por conta disso.
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O SR. LORENZO PAZOLINI - Dr. Flávio, desculpe-me, mas se me permite...
Parece até uma resposta padrão, já é uma resposta que, acho, não passa nem pelo crivo de análise nenhuma: "Encaminha aí o que tiver e toca para frente." Talvez seja uma total falta de respeito com a autoridade policial e falta de respeito com a sociedade, porque o delegado está requisitando aqueles dados ali...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E pior: sensibilidade com uma criança violada em todos sentidos. Você imagina a violação física, moral, emocional e uma série de coisas. E eles...
O grande problema da CPI da Pedofilia foram eles: tive enfrentamento, ameaça de prisão, Polícia Federal trouxe coercitivamente para depor. E nós vamos repetir a dose - vamos repetir a dose! -, não existe essa história. Hoje o Procon do Brasil é abarrotado com denúncia contra eles, que são os maiores do Brasil.
O SR. LORENZO PAZOLINI - O que era para ser uma concessionária de serviço público.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não são donos de nada: é concessionária de serviço público. Mas é seletivo mesmo - é seletivo mesmo!
E, sobre isso que você está falando, é uma mentira padrão, como é uma mentira padrão, por exemplo, quando um gerente de banco não quer emprestar dinheiro para o sujeito e fala assim: "Vem aqui amanhã que eu vou ver". O cara volta e ele diz: 'Não, acabei de receber uma norma do Banco Central". Essa frase é padrão. É mentira, porque ele não quer te emprestar o dinheiro. "Acabei de receber. É norma do Banco Central". E aí o cara vai falar o quê?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - E o "sistema fora do ar"?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - "O sistema está fora do ar". (Risos.)
O doutor pode continuar, porque está muito bom.
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Ainda aproveitando até essa questão dessa deixa da dificuldade do recebimento de informações, um exemplo: dentro da Operação Glasnost, dentro da operação foram milhares de pedidos, quebras de sigilo. Então, nós chegávamos a fazer pedidos com 2 mil, 3 mil endereços IP por pedido. E, no meio da operação, a dificuldade no recebimento dessa informação chegou a um ponto tal que o juiz responsável pelo caso chegou a determinar, a marcar uma audiência na Justiça Federal em Curitiba, convocando os responsáveis por todas as operadoras de telefonia. Então, foram representantes lá, os responsáveis por todas as operadoras, e foi fixada uma multa diária em caso de descumprimento. E várias operadoras não cumpriram as determinações e foram condenadas a pagar alguns milhões de reais em multa pela demora ou pelo não fornecimento da informação. Então, isso ocorreu dentro da Operação Glasnost - para se ver como isso atrapalha o trabalho. Isso, por si só, acabou atrasando ali por praticamente um ano o andamento da operação.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E viva o juiz! Porque nem todo juiz tem essa atitude, tem essa coragem. Se você pegar um juiz que é conivente para fazer as coisas seletivamente, é pior ainda. Realmente, Curitiba tem dado uma demonstração muito grande de juízes machos.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Doutor, permita-me, dentro desses parênteses.
O que o senhor identificou? São dificuldades técnicas que eles alegam? Qual o cenário que o senhor pôde observar? O que leva a esse tipo de comportamento das operadoras?
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Na verdade, a gente vê todo tipo de justificativa para não prestar informação. Então, via de regra, principalmente nessas operadoras de um porte um pouco menor, elas dizem que não têm condições técnicas para registrar todos aqueles dados e encaminhar a informação referente a quem era o responsável por determinada conexão. E também, em outros casos, a empresa simplesmente diz que não tem esse dado armazenado e não apresenta uma justificativa, o porquê de não ter esse dado armazenado.
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Também uma coisa aconteceu, se não me engano, após a entrada em vigência do Marco Civil da Internet - porque o marco civil fixou o prazo de um ano para as empresas obrigatoriamente armazenarem esses dados: com base nessa lei, que tem essa fixação de prazo de um ano, muitas das grandes empresas operadoras de telefonia, passado um ano, simplesmente não informam mais nenhum dado para a polícia. E é muito comum acontecer de a gente precisar de informações anteriores.
Antes do marco civil, ainda com base até mesmo no termo de ajustamento de conduta que foi firmado dentro da CPI da Pedofilia, essas informações eram armazenadas, via de regra, por, pelo menos, três anos. Por um lado, o marco civil colocou as coisas de forma mais claras, como cada coisa deveria ser para as empresas de telefonia e empresas de internet, mas, por outro lado, isso acabou trazendo um empecilho, uma complicação a mais para a polícia, para a investigação.
Voltando a essa questão da atuação junto à empresa de internet, que é o foco da Polícia Federal, como eu comentei no início, essa alteração legislativa trouxe para autoridade policial o poder de requisição de dado cadastral. O que é isso? Com base nessa alteração legislativa, o próprio delegado pode requisitar à operadora de telefonia para que informe quem era o responsável por determinado endereço IP em determinado dia, ou quem é o titular de uma determinada linha telefônica, isso é só no que se refere a dado cadastral. Então, não existe possibilidade de o próprio delegado, sem uma autorização judicial prévia, pedir conteúdo de conversas, pedir conteúdo armazenado em contas. Isso é uma coisa que não existe.
Uma coisa com que a gente depara de forma corriqueira, todo dia, praticamente em todos os processos, são pedidos de dados cadastrais e logs de acesso, ou seja, registro de acesso a empresas de internet. Por exemplo, estou investigando um usuário de Facebook; se eu peço o dado cadastral, ou seja, o que aquele usuário informou no momento em que ele cadastrou a conta, o Facebook me informa. Mas isso só, para mim, não auxilia em praticamente nada, porque, no momento do cadastro, o usuário pode colocar ali a informação que ele quiser. O que é importante para mim? Logs de acesso, os registros de acesso, quais endereços IP determinado usuário usou para acessar aquela conta. Isso, hoje em dia, só pode ser obtido com base em autorização judicial prévia.
Eu acredito que eu esteja no melhor lugar para tratar desse assunto.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Com certeza.
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Uma coisa que seria ...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Coragem nós temos.
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - ... fundamental, eu acredito, para o andamento, não só de investigação de pornografia infantil, mas de qualquer investigação que tenha como meio a internet, seria a possibilidade de requisição, além desse dado cadastral, ou seja, aquele nome que foi informado ali no momento da criação da conta, para que as empresas fossem também obrigadas e encaminhar os registros de acesso, não o conteúdo de conversa, não o conteúdo de caixa de e-mail, não o conteúdo do que está sendo postado naquele perfil do Facebook, mas só os logs, os registros de quais conexões o usuário usou para acessar aquela conta.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Só uma pergunta: o que eles alegam? Por exemplo, o Facebook. Em algum momento, eles negaram isso ou não?
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O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Esse tipo de pedido feito diretamente pela autoridade policial é negado de pronto, porque dizem que a legislação não prevê, que o que a legislação prevê é o dado cadastral. Eles entendem o quê como dado cadastral? O que a pessoa informou na hora de criar a conta e, no máximo, o endereço IP que a pessoa estava usando no momento em que criou aquela conta.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu gostaria já de fazer o convite. Aliás, o meu ofício pediu... Agora já entendeu por que nós precisamos de uma pessoa dentro, na assessoria. Se não estiver dentro, na assessoria, por mais boa vontade que o seu assessor ou o seu gabinete tenham, ele não consegue viajar nesse Boeing. E aí eu reputo que a assessoria é a coisa mais importante.
Eu só cheguei aonde cheguei com a CPI da Pedofilia, porque na assessoria havia a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e estadual, a Polícia Civil, que trabalhavam. O tempo do Senador era o tempo deles aqui. Havia uma sala deles; eles chegavam na terça e iam embora na sexta-feira. Nós só chegamos aonde chegamos, como quebrar sigilo de Google e uma série de coisas, porque havia tudo aqui dentro. Foi montada uma estrutura. Quer dizer, não é uma CPI por causa de informação de jornal, é para ter resultado.
Por exemplo, eu recebi o pessoal do Facebook, que queria falar comigo no meu gabinete, mas não adianta vocês quererem dar explicação para mim aqui. Eu escuto vocês educadamente. Eu quero vocês lá. E aí, desde já, acho que demorou chegar ao meu raciocínio, e você também estava entendendo pouco ontem. É por isso que nós precisamos de alguém dentro. Quando eu estou falando de assessoria, não é, se precisar, chama, não. Eu preciso de assessoria aqui; eu preciso da Polícia Federal, que conhece o crime de internet, aqui; quem está combatendo aqui. Eu preciso da Polícia Civil aqui. Eu estou pedindo ao secretário que libere o delegado para estar conosco aqui, até porque para onde foi a necessidade da Operação Glasnost?
Aqui deveria haver uma legislação e não há. O que nós vamos ter que fazer agora? Nós vamos ter que tapar os buracos de rato agora. Vamos avançar, vamos melhorar, mas como fazer isso com assessor de gabinete, por mais que eles tenham vontade e boa vontade de estar junto, e com os assessores da própria da Casa, para coordenar trabalho, ordenar trabalho? Mas não é essa profundidade aonde nós estamos querendo chegar.
No dia da audiência do Facebook, eu preciso de vocês aqui - já estão convidados, se não quiserem vir, estão convocados - para estar comigo, porque o cara vem tecnicamente falando um monte de coisa em linguagem de ferramenta. Ele pode enrolar o lero para mim aqui, e eu de besta achar que estava tudo bonito. Eu preciso de gente aqui para formular as perguntas e dizer: "E isso aqui? Por que isso foi negado?" Entregar aqui na mão: "É isso que o senhor tem que perguntar, é isso aqui que tem que fazer."
Não chegaremos a lugar algum sem uma assessoria, principalmente numa coisa como essa, num crime transnacional, que é crime de abuso, sem que aqueles que se alimentam com esse dinheiro não estejam dispostos a reinvestir o dinheiro construindo ferramenta, e até no crime físico, que é esse que está dentro de casa, que está nas ruas, que não é o crime transnacional, que não é da Polícia Federal, já é da Polícia Civil. E nós precisamos de muito mais.
Foi criado, no Espírito Santo, o botão do pânico. A mulher que é espancada pelo marido vai lá, o juiz determina que ele fique longe da casa, e ela recebe um botão do pânico. Se o cara se aproximar, ela aperta o botão do pânico, está tudo interligado e o cara vai chegar.
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Muita gente questiona o tal botão do pânico, porque o ladrão pode roubar a bolsa, apertar o botão do pânico, a polícia corre para aquele e rouba aqui. A polícia acha que vai atender uma vítima, e tal... Então, tem de tomar cuidado.
Mas pode-se melhorar, porque, se você tem uma coisa como esta, por exemplo, no caso de uma mãe que sabe que o filho está sendo abusado, e o filho contou para ela, certo? Se você tem um negocinho daquele, eu falo: "Ponha debaixo do seu travesseiro; na hora que ele chegar, você aperta". Entendeu ou não? E dá o flagrante no vagabundo.
Quer dizer, mas como se faz isso se a gente não tem técnico? O Senado me deu o melhor na CPI da Pedofilia, e realmente o conteúdo, porque aqui não tem... O sujeito que vira assessor aqui no Senado passou num concurso público e tem a vivência dele. Na construção da legislação, eu preciso de todo mundo, que esteja junto; que eu tenha lá uma assessoria, pelo menos, de 15, 20 pessoas, que trate 24 horas por dia do assunto.
Então, que o Ministério Público esteja dentro, que as pessoas estejam dentro. Por exemplo, se eu tenho essa assessoria formada hoje, estamos no meio da CPI, e acontece uma operação lá no Acre, é o tempo de deslocar alguém aqui do Ministério Público para ir lá tratar com o Ministério Público, com a Polícia Federal, e trazer tudo na mão, porque, se nós formos para uma oitiva lá, nós temos tudo na mão. "Não, porque, no avião, eu li o jornal, e o jornal falou isso do senhor. É verdade?" Aí, o cara está morrendo de ilusão que o cara vai dizer que é verdade. Nós estamos gastando energia, gastando tudo, para fazer tolice? Não é tolice.
Por isso, essa assessoria é muito importante. Do que nós necessitamos nesse enfrentamento, nesse combate? Segunda fase da operação, o que está pegando? O que não fizeram ainda? Esse é o braço. O que precisa quebrar? O que precisa adiantar? Vamos adiantar aqui, vamos fazer aqui. "Não, estamos esperando que o juiz me dê esse sigilo". Não, me dê aqui agora. Semana que vem, eu voto e quebro aqui.
Eu me lembro quando eu trouxe aqui o Alexandre Hohagen, da Google. Ele passava quatro anos no Brasil debochando das autoridades, debochando. Debochava. Tinha uma banca de advogados do Brasil recebendo muito dinheiro em São Paulo que ensinava e o ajudava a debochar das autoridades. E debochava. O Ministério Público fez um monte de ações, e nada. Quando eu os trouxe aqui, e quero lembrar para o Brasil que ele me mandou um ofício, Senador José Medeiros, me elogiando: "CPI maravilhosa, o Brasil está precisando. Parabéns ao senhor! Nós que temos filhos, não sei o quê. Estarei aí na quarta-feira". Na terça à noite, ele mandou outro: "Lamento. Quero parabenizar o senhor. O senhor é uma figura... Mas não poderei comparecer. Numa outra oportunidade, quem sabe [olhe só!]. Eu estou indo aos Estados Unidos". Quando eu li aquilo, falei: "Não, ele vem, ele vem." Mandei buscá-lo coercitivamente. Mandei buscar, e, em seguida, o advogado dele me liga, o Dr. Márcio Thomaz Bastos: "Oi, Magno, é o Márcio". "Oi, Márcio, tudo bem?" "Estou te ligando porque fui contratado agora pela Google e não entendo nada disso. Você não me dá uns 15 dias, não?" Falei: "Eu te dou até um mês se você fizer esse cara cumprir a lei". Eu me lembro de que, quando ele veio para depor, já veio bonzinho, com termo de ajuste de conduta melhor do que o Ministério Público queria ainda, e sentou aí, começou a falar, começou a falar. Bonzinho, o cara mais maravilhoso do mundo. Quando terminou de falar, determinei a quebra do sigilo da Google, e ele bateu no braço do Dr. Márcio e falou assim: "O senhor acha que a Justiça vai dar?" Ele falou assim: "A Justiça não se mete. Ele quebrou, e o juiz é ele".
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Foi quando recebemos tudo, os discos rígidos todos, abrimos aqui numa estrutura, o Prodasen montou uma estrutura tremenda numa sala, com telões em tudo o que é lugar. Quando começamos a abrir aquilo, os discos rígidos que vieram dos Estados, nós vimos a degradação da humanidade. Foi quando nós, com a Polícia Federal - vejam agora a importância - e a Interpol começamos a distribuir isso para o mundo inteiro. Foi quando o Vaticano foi obrigado a falar. Saiu daqui! E o mundo começou a prender o que saiu daqui, porque quem quebrou o sigilo da Google fomos nós.
Então, não é simplesmente "quando você precisar ir lá prender alguém, eu te chamo". Não é nada disso. Aí, nós vamos ficar gastando a nossa energia aqui sem que tenhamos qualquer tipo de resultado. Então, é para ter resultado! É para ter resultado!
O que eu ouvi do Facebook, avançaram. Tem umas coisinhas lá, mas o problema é a passagem secreta. A passagem secreta. O que nós queremos é a passagem secreta. Nós não queremos juiz determinando que o "zap" paralise o mundo, que ele dê uma determinação e pare o WhatsApp por 72 horas. Tem gente que come do WhatsApp hoje, o cara que oferece o serviço dele ali e fala com a empresa, e fala com o empregado. Você não pode fazer isso. Mas a lei tem que proteger o cidadão de bem e não o bandido. O bandido tem que entregar. O bandido tem que entregar. Como é que vamos tratar isso? Como é que vamos tratar isso? Como é que vamos fazer essa legislação? Construir essa legislação aqui, agora, a partir daqui? E nós temos como fazer.
Agora, quem sabe onde está o buraco do rato - não é nem para tapar o buraco, é para matar o rato mesmo - são vocês, são vocês, são essas pessoas. Então, por que... É a minha experiência que diz isso. Então, eu espero - quando acabar aqui eu vou ligar para o Daiello - contar com você, entendeu? Na assessoria. Não quero. "Não, mande ele vir aqui". Não, eu quero que você libere o cara, deixe o cara aqui, dê a diária dele aqui. Entendeu ou não? Porque eu preciso, o Brasil precisa. Nós precisamos.
Então, você está vivendo um segundo momento, eu vou para uma operação dessas, num Estado desses, onde eu tenho um alvo desses que foi pego e eu preciso publicamente ouvir esse peste, como eu vou saber alguma coisa dele se eu não tenho você? Se nós não o temos? Não é isso? Não vamos viver de informação de jornal.
Por isso, eu lhe devolvo a palavra, porque você tem muita coisa para falar ainda, a não ser que não queira mais falar. É uma operação absolutamente importante, para que a sociedade entenda. Fala assim: os Estados, se tivesse pego um alvo só no Estado... Quando você prende alguém, um alvo, você prendeu ou você achou 10 mil pessoas, ou achou mil ou achou um milhão de pessoas, porque o crime é transnacional. O cara pode estar lincado com um milhão de pessoas ou pode estar lincado com dez ou com cinco. Então, "Ah, só foi um?" Só foi um não. Em crime de internet, você pegou o alvo. O alvo pode estar lincado a uma eternidade de pessoas, e você certamente compartilhará isso com os respectivos.
Como nós fomos demandados na Carrossel, nós também nos acostumamos a demandar os outros. Eu me lembro de uma demanda que nós fizemos, e, numa noite, eles prenderam 14 pedófilos em Israel, demandados da CPI da Pedofilia aqui. Quer dizer, é dessa interação que nós precisamos.
Quando os nossos países aqui da América Latina... Nós temos muito pouca coisa assinada de cooperação com eles. Essas coisas que presidentes assinam publicamente quando vão a um país, isso é só para inglês ver. O cara assina um papel lá, é nada com nada, é a mesma coisa, entendeu? E, no fundo, quando você precisa da tal cooperação, ela não existe, ela não existe.
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Doutor, eu fui fazer um parêntese aí, quase que eu falei mais do que você. Continue falando o que você achar que deve, que é importante para nós, para o Brasil, para a CPI. E, quando você achar que o Senador José Medeiros pode usar a palavra para lhe fazer algumas perguntas...
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Senador, acredito que, em princípio, o que teria nesse primeiro momento a falar é isto, essa breve passada dessa experiência de investigações e internet relacionadas à pornografia infantil.
Com relação a esse ponto que o senhor mencionou agora no final: "Ah, o alvo era uma pessoa, mas isso daí vai ramificar." O Glasnost é exatamente um grande exemplo disso. Tudo começou com a prisão de uma pessoa. Assim como, se for pegar todas as grandes investigações da Polícia Federal, de todas as polícias, na verdade, acabam, via de regra, começando com a prisão de uma pessoa.
Eu queria, mais uma vez, bater na tecla do que para mim é um dos principais pontos para auxiliar as investigações que seria essa possibilidade dessa necessária alteração legislativa para possibilitar o acesso aos registros de acesso a perfis de internet e esse tipo de coisa. Isso, sem dúvida, ia agilizar muito o trabalho da polícia, o trabalho dos órgãos que estão atuando na investigação de crimes praticados via internet. Mas, em princípio, o que eu teria que passar era isso.
E também gostaria de me colocar aqui à disposição, falando em nome da Polícia Federal, para auxiliar no que for necessário. E todos juntos acabam conseguindo trazer um resultado muito mais efetivo, na verdade, no auxílio ao combate desse tipo de crime que, para mim, no meu ponto de vista, é um dos piores tipos de crimes que existem, porque as vítimas são pessoas que não podem se defender e que mereciam, que merecem todo o apoio, toda a proteção de todos os órgãos, de todos os âmbitos do Estado.
Então, acho que seria isso, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Muito obrigado, Dr. Flávio. Vamos transformar para convite. Nós vamos fazendo, para não lhe abarrotar com tantas perguntas logo de cara, gostaria de fazer duas perguntas.
Como o senhor trabalhou recentemente nessas operações, dá para saber quais são os tipos de crimes cometidos contra crianças que o senhor considera mais relevantes sob duas perspectivas: a numérica, ou seja, por tipo de crime; e o da gravidade, a violência praticada? E qual a relação o senhor vê entre esses crimes mais e menos comuns e os mais e menos graves?
Outra: um dos principais objetivos das Comissões Parlamentares de Inquérito é o de identificar a possibilidade de aprimorar a legislação pertinente ao objeto das suas investigações. O senhor já falou um pouco disso, mas eu gostaria que o senhor pudesse aprofundar um pouco mais. Quais os problemas que o senhor vê na nossa legislação e qual sugestão teria para aprimorar o nosso ordenamento, tanto na questão de instrumentos que possibilitem o melhor trabalho das instituições como também na parte de possível tipificação desses crimes cometidos?
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São essas as duas iniciais.
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Primeiramente, no que diz respeito a tipos de crime, à gravidade de crime, eu posso responder ao senhor com base na perspectiva da Polícia Federal. Como eu mencionei no começo, essa atuação da Polícia Federal vai acabar se dando de uma forma reflexa em crimes de abuso contra a criança e o adolescente. Por que reflexa? Porque a Polícia Federal não vai começar a atuar no momento do abuso, ela vai entrar depois, caso esse tipo de material, esse abuso seja registrado, e esses registros tenham algum tipo de repercussão internacional.
Então, para mim - e para mim que eu digo é a Polícia Federal hoje -, a maioria esmagadora de casos é referente ao compartilhamento, à divulgação de imagens de abuso de crianças na internet. Esses abusos são praticados muitas vezes por pessoas muito próximas à criança, familiares, conhecidos, e outras vezes por pessoas que têm essa prática de abuso contra crianças como um tipo de uma prática habitual. Então, pessoas que costumam fazer isso.
Como a Polícia Federal só vai atuar depois que esses abusos forem compartilhados na internet, é muito comum que nós cheguemos a situações em que imagens circulando mundo afora já há muito tempo, em muitos casos, as pessoas envolvidas já foram até identificadas e em muitos casos também presas pela Polícia Civil, na maioria das vezes, porque a Polícia Civil chegou à raiz, chegou ao local onde foi cometido o abuso.
Sobre a questão de gravidade de crime envolvendo abuso de crianças. Sem dúvida, o crime mais grave, no meu ponto de vista, é o abuso sexual de crianças. Eu já cheguei a pegar casos ali de abusos que tinham registros - como eu digo, esses casos chegaram para mim já depois de os registros desses abusos terem circulado na internet - das crianças em várias fases, com várias idades, desde bebê até uma determinada idade, abusos sofridos por essa criança em várias idades, e até mesmo situações em que, depois de vários abusos, aparecem registros dessa criança morta pela pessoa que a abusou. Sobre a gravidade, para mim, esse é o crime mais grave que pode existir. Eu não vejo um crime mais grave e mais revoltante do que esse.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Só mais uma coisa, doutor. A gente sabe que existem certas comunidades, como o senhor citou... Eu gostaria de saber se há um amplo comércio disso ou se isso é mais compartilhado tipo em uma confraria ou se isso tem relevância comercial também?
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Existem, sim, casos de venda. Então, nós já inclusive fizemos também operações em cima de pessoas que estavam vendendo pornografia infantil, mas essa é uma parcela muito pequena das investigações, pelo menos com as quais eu tive contato.
Via de regra, esse tipo de material é compartilhado; é usado, na maioria das vezes, como moeda de troca para a pessoa obter mais material dessa natureza. A pessoa tem interesse nesse tipo de assunto e acaba obtendo - muitas vezes até mesmo produzindo - pornografia infantil, abusando de crianças e produzindo pornografia infantil para usar esse material como moeda de troca para conseguir outras imagens.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Deixem-me entrar nessa seara aqui um pouquinho. Mas existem imagens cujo valor em dólar é muito grande. Por exemplo, quando eu vi aquele juiz branquinho, aquele juiz do Trabalho de Tefé, aquela desgraça, aquele peste, ele tinha 450 mil imagens que foram pegas naquela operação da Polícia Federal, que foi quem pegou o branquinho. Agora, como eu poderia pegar esse cara se eu não conhecesse a operação e nem o delegado da operação. Veja só como é que é. E o que resultou para esse sujeito resultou da CPI.
Então, para a gente entender essa cooperação, o Brasil hoje participa de um bolo de faturamento de crime de abuso de crianças de US$3 bilhões por ano porque é o maior consumidor, está entre os três maiores consumidores. Esse juiz branquinho, o que eu estou querendo dizer? Esse cara só gostava de abusar de criança ribeirinha doente, criança com verme, barriga grande, criança catarrenta. Era a doença desse peste.
Uma imagem de uma criança dessa de repente, por exemplo... Havia pedófilo dando US$800 em uma imagem de uma criança com síndrome de Down vestida, de roupa. O cara acha bonitinho, vai à porta da escola, à porta da Apae... "Deixa eu bater a foto". Porque há doentes tarados, quer dizer, na verdade, para mim é sem-vergonhice misturado com isso tudo, vagabundagem, demônio, o que vocês quiserem. Mas a criança sem a roupa vale US$3 mil.
Aí você falou: "Não, o pai inocentemente..." Então, o cara tem uma fixação em um tipo de criança. O pai, inocentemente, e os pais vão fazer isso, posta lá a criança tomando banho na banheira no fundo de casa, naquelas banheirinhas plásticas, de calcinha. O cara captura aquela imagem, e aquilo vale dinheiro. O movimento é de US$3 bilhões, e o Brasil está entre os três maiores abusadores. O Brasil chega a ganhar de Bangkok. Quando alguém ganha de Bangkok, é porque ele já chegou no lixo.
Então, Senador José Medeiros, não sei se eu estou contribuindo com a sua pergunta. E aí o que vale? É igual aos caras que colecionam figurinhas. Agora, aqui é o que o delegado falou. Ele coleciona figurinha, mas ele não quer o dinheiro. Ele quer botar valor na figurinha dele para trocar com o outro, e aí ele começa a botar valor em imagem para adquirir imagem. E tem o outro que adquire a imagem para poder vendê-la.
Existe essa troca. Esses alvos que estão lincados mundo afora estão trocando imagens porque, de certa forma, eles estão trocando porque para um interessa de um jeito, para o outro interessa de outro. Para uns interessa ter novas formas de abuso. Ele tem uma imagem com um tipo de abuso que ele nunca praticou.
Por exemplo, a gente tem um tipo de pedófilo... Há aquele que foi abusado na infância e se torna homossexual - não estou aqui dizendo que todo homossexual é pedófilo; não estou dizendo nada disso. Estou dizendo que ele foi abusado na infância e se tornou homossexual. E estou dizendo que há um tipo - de cada dez, seis - que vira abusador não pelo prazer sexual, mas para devolver o sofrimento. O prazer dele é a dor do outro, da criança, é ver a criança sofrer essa doença que lhe foi imprimida. Por isso que a gente fala: a barbaridade desse crime não tem limite, não tem limite.
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Para você ter uma ideia, doutor, onde eu faço palestra sobre isso, auditório grande, não tem lógica o que acontece no final. Faz aquela fila de adulto, quer dizer, você acha que é para tirar uma foto e não é. É para a pessoa chegar no seu ouvido e falar: fui abusado na infância, sou isso, sou profissional liberal, sou mãe, sou não sei o quê. E cada pessoa dessa com um trauma diferente, cada pessoa dessa é acometida de pesadelos, de calafrios, de ignorância desnecessária fora de hora, porque convive com um monstro que não vomitou, que está dentro dela, fruto de um abuso.
Então, Senador José Medeiros, o que eles fazem é fruto daquilo que eles adquiriram. Existe um grupo trocando figurinha, trocando imagem; um grupo trocando imagem para revender a imagem; e um grupo que pratica tão somente; e existe um outro grupo, que não tem sentimento nenhum, nem abusa, que é o atravessador, é o comprador de imagem para revender a imagem.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Só mais uma pergunta, Dr. Flávio. Como V. Sª trabalhou na operação que tratava basicamente sobre a questão do abuso sexual, gostaria de saber se V. Sª já deparou também com casos de mutilação e até mesmo de coisas que levaram ao suicídio. Essa é a pergunta.
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Com esse tipo de situação eu não cheguei a trabalhar diretamente, até porque essa questão dessas automutilações, houve aquela questão daquele jogo Baleia Azul. Nisso quem estava atuando de forma direta eram as polícias civis porque, pelo menos em um primeiro momento, isso não se enquadrava ali na atuação da Polícia Federal.
Acredito que a maioria dos Estados deve ter recebido situações relacionadas à questão desse jogo, mas eu, pessoalmente, não cheguei a trabalhar diretamente com isso.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Doutor, sem comentários à sua contribuição. Sobre alguns detalhes da operação, como álbuns, eu certamente gostaria de conversar reservadamente contigo, até porque houve uma publicação, isso aí sim, dos nomes, das pessoas e até porque há um interesse da parte da CPI de ir a alguns desses lugares.
Mas a contribuição da operação em si e a contribuição sua aqui - acredito que vocês não tinham noção do que ia acontecer, como o que ia acontecer aqui - é muito importante. E os relatos das dificuldades e adversidades da investigação, mais importante ainda; ruim, mas mais importante ainda para que a gente possa avançar.
E, aí, a minha gratidão aos dois. Digo a vocês que vocês agora vão almoçar comigo, vão comer uma rabada lá no meu gabinete. Toda quarta-feira é dia de rabada, mas a pessoa tem de se inscrever, da imprensa tem de se inscrever. Botar o nome para poder participar.
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Estou encerrando porque estou olhando para vocês que estão atrás... Minha avó dizia que a alegria vem das tripas. Quando a pessoa perde a alegria e começa a rir sem graça, você pode ter certeza de que ela está com fome. Minha avó dizia isso. E nem foi mãe, foi a professora de mãe. "Meu filho, a alegria vem das tripas", minha avó falava. Se a pessoa é triste, é porque a tripa dela está vazia. Você também está convocado porque eu tenho certeza de que agora você entendeu qual era o meu propósito.
E, para que a gente possa conversar um pouco mais, não vou prescindir dessa participação de vocês. Eu me lembro também de que - hoje a gente já tem tanto conhecimento - quando nós começamos, em 2006 para 2007, não tínhamos conhecimento de nada. Todo mundo era leigo, e a minha dificuldade de montar essa assessoria foi maior ainda porque as pessoas achavam que eu estava viajando na maionese. O que se sabia em 2006 era de um padrasto desempregado e bêbado que abusou de uma enteada. Era só o que o Brasil sabia falar sobre abuso. Abusou de uma enteada, não falava nem de pai que abusou de filho, não. É um padrasto que abusou da enteada.
E, realmente, na fatia de um a dez, a cada sete indivíduos que procuram uma mulher separada ou viúva para casar que tenha filho pequeno, sete estão interessados nas crianças. Então, o índice de abuso é alarmante, é alarmante, é uma coisa horrorosa, é uma coisa horrorosa! Nós não vamos resolver os problemas do Brasil com esse novo momento, mas certamente avançaremos um pouco mais, como avançamos com a CPI da Pedofilia.
Eu agradeço. Vocês têm a palavra para fazer a consideração final, e a gente encerrar a nossa reunião.
O SR. FLÁVIO AUGUSTO PALMA SETTI - Uma vez mais, eu queria colocar que esse tipo de atuação é, sem dúvida, uma das prioridades da Polícia Federal. Essa matéria tem recebido um apoio institucional cada vez maior dentro do órgão. E coloco novamente a Polícia Federal à disposição para auxiliar naquilo que for necessário ao andamento dos trabalhos da Comissão.
O SR. LORENZO PAZOLINI - Serei bastante breve, Senador, colega Dr. Flávio, Senador José Medeiros, Senador Magno. Nossa palavra final é de agradecimento pela oportunidade de estar presente e expor um pouco do nosso trabalho, e, sobretudo, no sentido de juntar forças com a Polícia Federal, com os Ministérios Públicos tanto no âmbito estadual quanto no âmbito federal, para a gente poder desenvolver um trabalho que certamente vai gerar frutos para a sociedade brasileira e, sobretudo, facilitará a apuração e identificará quais são os grandes entraves, ou seja, onde hoje está difícil de a polícia chegar por uma ou por outra circunstância.
E sempre lembrando que essas empresas que hoje eventualmente dificultam são concessionárias de serviço público. Então, elas têm o dever legal obviamente de praticar a conduta porque, como concessionárias, não são donas de nada. Simplesmente estão ali exercendo, seja por uma licitação pública ou por um chamamento público, mas elas exercem uma atividade estatal de forma delegada. Então, quer dizer, precipuamente o Estado brasileiro deve agir com rigor e, sobretudo, para facilitar a apuração desse tipo de crime que deixa danos quase indeléveis para os nossos jovens, para a nossa juventude.
Fica o nosso agradecimento.
Boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado aos nossos convidados. Obrigado à assessoria. Obrigada à imprensa, que está aqui. A grande imprensa não está aqui porque, se fosse uma questão para debater casamento homossexual, estava cheio. Se fosse para debater ideologia de gênero, estava cheio. Eles viriam todos com as câmeras filmar, porque isso interessa muito. Degradar a sociedade interessa, mas um assunto como esse, que é primordial, essencial, necessário, urgente...
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Ainda bem que a gente tem hoje a jovem internet, que pode cumprir o seu papel, e também a TV Senado, mas eu lamento muito que eles se comportem como se não estivessem no mundo, como se não tivessem filhos, como se não tivessem crianças, como se nada estivesse acontecendo.
Obrigado à imprensa que aqui esteve. Sei que não é a grande imprensa que está aqui, mas agradeço à imprensa que aqui esteve. E ela é grande, até porque falávamos do impresso na abertura dos trabalhos, e hoje... De fato, eu até volto atrás porque a grande imprensa é a internet mesmo, são as redes sociais, e, certamente, nós precisamos de todos eles colaborando conosco aqui nessas oitivas que vamos fazer.
Muito obrigado.
Em nome de Deus, encerro os trabalhos desta Comissão.
(Iniciada às 11 horas e 02 minutos, a reunião é encerrada às 14 horas e 01 minuto.)