04/09/2017 - 34ª - Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Declaro aberta a 34ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da 3ª Sessão Legislativa da 55ª Legislatura do Senado da República.
Hoje cumpriremos mais uma etapa da série de painéis que realizamos às segundas-feiras, quinzenalmente, na sala de reuniões desta comissão. Será este o 11º Painel, com o título "Mercosul, 25 anos depois: para onde caminha a integração sul-americana?" Para discutir esse tema, teremos a participação de convidados e debatedores especiais, a quem convidaremos em seguida para comporem a Mesa.
Antes disso, relato do nosso ciclo de debates, especificamente o 10º Painel, realizado no dia 4 de setembro de 2017. Esse 10º Painel teve como tema "Integração e as alianças estratégicas no limiar da terceira década do século XXI: cooperação ou conflito?" Participaram como palestrantes o Embaixador Marcelo Baumbach, o Prof. Eiiti Sato e o Prof. Dr. Bernardo Palhares Campolina Diniz.
Segundo o Embaixador Marcelo Baumbach, nos campos do multilateralismo e do regionalismo, o momento atual reflete relativo desencanto. O que se nota no contexto internacional é uma desilusão, não apenas com a capacidade de o regionalismo entregar aqueles valores aos quais se propunha, mas também uma desilusão com a capacidade de o multilateralismo fazer isso. A União Europeia não seguiu entregando bem-estar a todos os seus cidadãos, e o Mercosul, depois de um momento de euforia, está agora numa situação mais complicada, exemplificou o Embaixador. A crise se deve, em primeiro lugar, a essa incapacidade, tanto do multilateralismo - vide fracasso do Rodada Doha - de integrar esse desenvolvimento econômico quanto à constatação de que o regionalismo não se demonstrou apto a cumprir esse papel da melhor maneira possível. Vivemos um cenário em que as pessoas têm medo do seu futuro, e decidem baseadas nesse medo, a exemplo da decisão tomada pelo Reino Unido de sair da União Europeia.
R
Pelas características do Brasil, pelos nossos recursos de poder, pelo nosso histórico, temos tudo a ganhar em preservar a importância do multilateralismo, considerou o Embaixador. O Brasil tem interesse em preservar esse valor e tem feito isso, já que o multilateralismo é baseado em regras, e as regras beneficiam os países cujos elementos de poder nas relações internacionais não são tão acachapantes como das grandes potências internacionais.
Existe agora no Brasil uma consciência renovada de que precisamos proceder à liberalização da nossa economia, mas não pode ser uma liberalização que não leve em conta os interesses das camadas mais desfavorecidas ou dos trabalhadores, asseverou o Embaixador Baumbach.
Os países da Aliança do Pacífico tendem a ser mais liberais do que os do Mercosul, e esse aprofundamento das nossas relações com a Aliança do Pacífico pode trazer ao Mercosul uma dimensão e um regionalismo mais abertos, o que será extremamente produtivo para o próprio Mercosul, concluiu ele.
Já na opinião do Prof. Eiiti Sato, há, de fato, um recuo visível do multilateralismo. Por outro lado, disse ele, há alguns desenvolvimentos importantes que nos convidam ou nos impelem à cooperação, como, por exemplo, o terrorismo e a segurança internacional, que hoje estão na pauta. Narcotráfico, lavagem de dinheiro, mudanças climáticas, grandes fluxos internacionais de dinheiro, elencou o professor, são áreas que trazem problemas, e nas quais é preciso que haja cooperação. Do contrário, considerou ele, não há como avançar nessas questões.
O fato de termos essa disponibilidade de terras, de recursos naturais, nos dá um espaço grande para melhorarmos nossos pactos internos, que são elementos que fragilizam inclusive a política externa. Há uma precariedade enorme de infraestrutura, de segurança pública, e uma coisa pouco citada, que é o problema do nosso sindicalismo exacerbado. Esse movimento sindical, ressalvou o Prof. Eiiti Sato, está concentrado no setor público, e é o único lugar no mundo onde há greve paga.
Quando se inaugurou a primeira linha de metrô em São Paulo, a norte-sul, com 22km, asseverou o professor, todo o processo foi nacional: o projeto, a engenharia que fez a linha, a fabricação dos trilhos, que não é uma tecnologia fácil, e também os trens. Tudo foi fabricado no Brasil; hoje o processo é todo importado. Não sei onde foi parar a capacidade brasileira que existia. A nossa engenharia sofreu um recuo, deixando de ser companhias de engenharia para serem companhias de negócios, disse ele.
O Brasil, que era predominantemente exportador de manufaturas, hoje é exportador de commodities. O que aconteceu com a nossa competitividade? - questionou ele. Os jovens que estão na universidade se formando precisam desse ambiente de trabalho de atividades que gerem bons empregos, bom trabalho, e é a indústria que proporciona essas oportunidades para essas pessoas, concluiu o Prof. Sato.
R
Segundo o Prof. Bernardo Palhares Campolina Diniz, precisamos ter em mente que esse processo de integração, de globalização, não é novo; é algo que remonta, pelo menos, à segunda metade do século XIX. Esse processo, disse ele, durou até o início da Primeira Guerra Mundial, quando foi interrompido pelas duas grandes guerras. A partir daí, ele sofreu uma inflexão e uma retração, o que fez com que vários países do mundo adotassem políticas econômicas anti-integração, nacionalistas e ligadas ao protecionismo. Acabada a guerra, o mundo se dividiu em um bloco socialista, liderado pela União Soviética, e um bloco capitalista, liderado pelos norte-americanos, onde, disse o professor, foi reconstruída uma agenda com base em um tripé: um sistema de financiamento, um sistema de recriação das condições do sistema monetário internacional e um sistema de comércio. Esse processo, com base no GATT, no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional de um lado e na Organização das Nações Unidas de outro, representa um movimento de multilateralismo que foi exitoso até um determinado momento histórico, quando passou a ser cada vez mais questionado.
De outro lado, há o movimento de se buscar regionalismos, que tem na União Europeia o exemplo mais conhecido. O processo, explicou o Prof. Palhares, tem como primeira inspiração a necessidade de pacificar o continente europeu, chegando ao final do século XX com quase 25 países no bloco, e passa de um acordo ligado a dois setores para um mercado completamente integrado por uma união monetária. A primeira debacle, considerou ele, vem da crise de 2008, que não está ainda resolvida do ponto de vista das diferenças estruturais existentes entre os países europeus.
Diante de sua incapacidade de avançar, de se reformar, o multilateralismo passa a sofrer questionamentos, e isso leva países a buscarem no regionalismo ou no bilateralismo outras formas de integração econômica. Em decorrência disso, surgiram diversas tentativas de integração regional, na busca por outras formas de integração, a exemplo do Mercosul, da Comunidade Andina e do próprio Caricom.
Há inúmeros conflitos surgindo no mundo. Há novos atores com importância não apenas econômica, mas também política, como é o caso da China. Isso tudo, considerou ele, torna o mundo muito mais complexo e com um número muito maior de desafios para pensarmos a inserção brasileira nesse mundo em que o sistema econômico faz um pêndulo que rapidamente se volta para a Ásia.
Para conseguirmos nos integrar nesse mundo cada vez mais competitivo e ter uma projeção externa, precisamos fazer uma reflexão do ponto de vista interno, do ponto de vista estrutural da nossa economia e do Estado brasileiro. Falta planejamento de médio e longo prazos e sua compatibilização com o planejamento de curto prazo. O Orçamento é uma coisa; planejar estruturalmente a longo prazo é outra coisa - é pensar que sociedade nós queremos e buscamos daqui a 20, 30 ou 50 anos, explicou o palestrante.
A integração comercial latino-americana é pequena porque as nossas economias são pouco complementares: elas produzem e vendem as mesmas coisas, lembrou ele. As possibilidades existem, considerou, seja com a Aliança do Pacífico, seja com a China, seja com a Coreia, seja com outros parceiros, seja a própria relação do Mercosul com a União Europeia. Devemos liberalizar, abrir a economia e combater a corrupção, mas precisamos tomar um certo cuidado, porque o que vai acontecer é que as grandes estruturas internacionais vão entrar no mercado brasileiro varrendo e tirando capacidades da nossa engenharia, que se construiu ao longo de anos e anos, concluiu o Prof. Palhares.
R
Respondendo a questionamentos, o Embaixador Baumbach considerou que nas relações internacionais, evidentemente, os principais fatores daquilo que se convencionou chamar de hard power são o poder econômico e o poder militar, mas, ressaltou, há outros elementos, uma multiplicidade de outras características que formam o que se chama de soft power, que são igualmente importantes.
Se é para reavivar o Mercosul, afirmou o Prof. Eiiti Sato, seria melhor deixar a política de lado e investir no comércio. A História tem mostrado que, pela natureza do que tratam, o comércio une e a política divide.
Segundo o Prof. Bernardo Palhares, a assimetria entre os parceiros do Mercosul pode ser vista como um problema, mas também pode ser vista como uma oportunidade. Podemos enxergar a assimetria, mas temos que ver como conseguir extrair benefícios e gerar oportunidades maiores a custos menores, finalizou ele.
Solicito à Secretaria da Comissão que dê como lido à inteireza este comunicado de que acabo de ler apenas trechos.
A nossa audiência pública interativa da noite de hoje, como já foi anunciado, é uma continuidade do 10º Painel, do qual acabamos de fazer o relato. Trata-se de debatermos "Mercosul, 25 anos depois: para onde caminha a integração sul-americana?", discutindo sobre em que situação se encontra o Mercosul decorridos mais de 25 anos desde a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991. (Pausa.)
Que relações pode ter o Mercosul com outros blocos? Há espaço para o Mercosul no cenário internacional? Qual o papel do Brasil nesse contexto? Esses são alguns questionamentos que os nossos palestrantes poderão, se desejarem, enfrentar.
Eu gostaria de anunciar, em primeiro lugar, que faz parte da Mesa dos trabalhos na noite de hoje, como sempre vem fazendo, prestigiando os trabalhos desta Comissão, a Deputada Bruna Furlan, Presidenta da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, a quem mais uma vez agradecemos a deferência que sua presença nos traz.
Convido para fazerem parte da Mesa os nossos palestrantes: o Embaixador José Botafogo Gonçalves, Vice-Presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri); o Dr. Alcides Costa Vaz, Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB); e o Dr. Luiz Afonso dos Santos Senna, Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a quem damos as nossas melhores boas-vindas. (Pausa.) Hoje temos este grande tema como objeto da nossa audiência pública interativa.
R
Quero agradecer, mais uma vez, a participação dos nossos internautas, que sempre comparecem, com as suas considerações, com as suas perguntas, melhorando o panorama e o resultado dessas reuniões.
Obrigado a S. Exªs os Srs. Embaixadores aqui presentes, pelas suas honrosas presenças aqui no nosso painel.
Eu passaria, em primeiro lugar, a palavra a S. Exª o Embaixador José Botafogo Gonçalves, que foi um dos grandes idealizadores, motivadores, desde os seus mais longínquos primórdios, dessa unificação, dessa integração latino-americana a partir do Cone Sul.
A S. Exª o Embaixador José Botafogo Gonçalves passo a palavra, com muita honra e com muita satisfação.
O SR. JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES - Muito obrigado.
Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Fernando Collor, Srª Presidente da Comissão da Câmara dos Deputados, Bruna Furlan, colega Luiz Afonso, é tanta coisa que pode ser dita a respeito desses 25 anos de Mercosul, que eu vou fazer um esforço para não ser repetitivo.
Há várias maneiras de abordar o tema: fazer um histórico, fazer um resumo de fracassos e sucessos, procurar identificar as principais causas desses fracassos e sucessos. Eu acho que já foi feito isso, com muita abundância, e tem sido feito com frequência pelo mundo acadêmico, pelos políticos, pelos governantes. Eu vou me preocupar em chamar a atenção das senhoras e dos senhores para um erro de perspectiva que eu acho que parece até muito óbvio, mas ele persiste, quase que automaticamente, na visão de todos nós ou de muitos de nós.
Esse erro de perspectiva é o seguinte, para usar uma expressão um pouco exagerada: o Mercosul não existe. O que significa isso? Evidentemente, é um pouco de brincadeira da minha parte, mas eu vou explicar. O Mercosul é um acordo intergovernamental. Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram o Acordo de Assunção, em 1991, e depois o Protocolo de Ouro Preto, em seguida, e estabeleceram as principais regras dentro das quais o Mercosul funcionava. Estabeleceram, na época, quais seriam as metas do Mercosul e quais seriam as suas ambições. Ao fazer isso, criou-se o hábito de considerar o Mercosul como um quinto elemento: Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Mercosul. Não é bem assim. O Mercosul é o que esses quatro países querem que o Mercosul seja; o Mercosul não é um quinto que está em confronto, em conflito com os quatro países. Mas eu vou simplificar: o Mercosul é o que o Brasil e a Argentina decidiram que o Mercosul tenha sido até hoje, pelo tamanho não só das suas economias, mas pelo tamanho dos seus territórios e das suas populações. Então, o que aconteceu em 1991? Já sabemos da mudança política, já sabemos de Sarney e Alfonsín. Não vou repetir nada disso. Simplesmente o seguinte: naquela ocasião, o Brasil... Vou falar primeiro do Brasil, mas na Argentina também, se bem que a Argentina, em matéria de política econômica, é muito errática. Ela vai de um lado para o outro com muita frequência. Pelo menos naquela época era assim: passava do liberalismo para o centralismo, do centralismo para o liberalismo, com a maior facilidade. Nós éramos um pouco mais constantes, e somos até hoje. Nós sempre fomos mais protecionistas, mais desenvolvimentistas, no sentido de dar preferência ao mercado interno; sempre fomos mais nacionalistas, mais autárquicos.
R
Naquela época, os funcionários, sobretudo do Itamaraty - e também gente de fora, mas não muitos -, decidiram que chegava o momento de abrir a economia brasileira, mas com cuidado, porque a empresa privada brasileira não estava preparada para nenhuma abertura. Então, estabeleceram-se alguns princípios. O que era o livre comércio? Eliminavam-se todas as barreiras tarifárias entre os quatro sócios, mas para que essa eliminação não fosse dramática e não afetasse sobretudo a indústria brasileira e a indústria paulista, estabeleceu-se então a chamada união aduaneira, e o Itamaraty, o governo brasileiro, vendeu para Argentina, Paraguai e Uruguai um modelo de união aduaneira que é o reflexo da então tarifa aduaneira brasileira. Uma funcionária brilhante, Rosário Batista, que foi a grande operacionalizadora desse processo. O Mercosul adotou a barreira, a união aduaneira, baseado na tarifa aduaneira brasileira, que era aquela que estava mais pedindo proteção. Os industriais brasileiros tinham medo da concorrência da indústria argentina, e os agricultores brasileiros tinham também medo da concorrência da agricultura argentina, que na época era bem mais deficiente do que é hoje. Hoje nós temos uma agricultura exemplar, mas naquela época éramos mais deficientes.
Então, nós fizemos o Mercosul, mas o Brasil manteve uma série de ressalvas e proteções, que se refletem no resultado que estamos vendo agora. Nós temos um sucesso considerável na expansão da nossa atividade industrial, sobretudo em relação à Argentina. Crescemos muito as nossas exportações industriais. Compramos também mais. O setor automobilístico é o responsável por esse toma lá dá cá importantíssimo. Mas, de um modo geral, a indústria brasileira ganhou muito. Em um primeiro momento, a agricultura brasileira ficou preocupada, porque a eficiência, sobretudo na área de grãos, era maior na Argentina e no Uruguai do que no Brasil. O Paraguai ainda tinha papel pequeno nessa área. Os nossos gaúchos ficaram muito preocupados. Nós tivemos - eu era subsecretário na época - um problema grave, porque um belo dia, um juiz de primeira instância - acho que foi em um Município que produz trigo no Rio Grande do Sul, ou Ibicuí, não me lembro - baixou uma liminar dizendo: a partir de hoje está proibido importar arroz, lácteos e trigo de todos os países, inclusive do Mercosul, porque se o Brasil tem capacidade de produzir, para que importar? Foi contrariamente a todas as decisões do Tratado de Assunção. Levamos três meses para derrubar essa liminar. Isso mostra qual era o espírito prevalecente. As pessoas tinham medo da abertura. Esse quadro mudou. Hoje a agricultura brasileira é extremamente competitiva. Não está mais em conflito com a agricultura argentina, porque ambos os países estão vendendo para o mundo. As agriculturas dos dois países hoje permitem que a ambição seja vender alimentos para o mundo inteiro, em particular para a China, que vai precisar cada vez mais de ser alimentada, e no campo da indústria, com o acordo automobilístico, a Argentina sobrevive, industrialmente falando.
R
Então, é preciso perceber isso: o Mercosul será sempre aquilo que a Argentina e o Brasil decidirem fazer do Mercosul. Os dois menores não têm muita alternativa, se não seguir esse rumo. Às vezes, protestam, sobretudo o Uruguai, porque em troca da adesão do Uruguai ao Mercosul, foi feita a promessa de que haveria abertura de mercado no Brasil e na Argentina. O Brasil cumpriu, acho que mais basicamente, o compromisso com as exportações uruguaias. Tal não aconteceu com a Argentina, sobretudo durante o período Kirchner, em que houve praticamente uma guerra comercial e um fechamento de fronteiras, físico - aquela famosa ponte por causa da papeleira -, uma aberração dentro do Mercosul. Então, a Argentina tratou mal, muito pior, o Uruguai.
Então, é assim que nós chegamos hoje. O que vai ter que ser feito? Vai ter que ser feita uma revisão dos nossos objetivos, nacionais e regionais. Nós estamos aqui no processo de recuperação da nossa economia, ainda tímida. Faltam investimentos. Falta criar condições para a atração de investimentos e de infraestrutura, que acho que é um tema que nós vamos ouvir do professor em seguida. Faltam investimentos produtivos, que estão aguardando sinalização de que a situação fiscal do Brasil não vai explodir, por causa dos gastos da previdência.
Supondo que isso tudo se resolva razoavelmente nos próximos tempos, eu acredito que nós vamos entrar em um novo ciclo de crescimento econômico, mas aí é preciso redefinir os objetivos da integração nacional. E aí eu vou repetir aqui, com permissão do Presidente, o que disse na nossa reunião anterior: há três áreas em que a integração regional do século XXI deve orientar os trabalhos do Mercosul, do Brasil e da Argentina, sobretudo. A primeira é o agrobusiness. Não é problema de estabelecer vantagens de custos entre exportações brasileiras de alimentos para Argentina, de alimentos argentinos para o Brasil. Isso aí já é um período totalmente ultrapassado. Os dois juntos, com Paraguai e Uruguai, são aqueles que devem determinar qual é a política de acordos internacionais e comércio na área agrícola que lhes interessa, e incorporar isso às normas do Mercosul. Eu tenho certeza de que, uma vez tomada essa decisão, várias das decisões que foram tomadas pelos ministros do Mercosul e que jamais foram internalizadas acabarão sendo internalizadas. Então, esse é o principal objetivo, a meu ver: rever nossa visão do mercado global na área de alimentos. Isso é possível também fazer na área da energia. Todos estamos convencidos, Sr. Presidente, de que não só o Brasil, mas o mundo, tem que caminhar para um sistema de economia de baixo carbono. Isso eu acho que é uma regra consagrada já no Acordo de Paris, mas cada vez mais penetrando na sensibilidade de todos os atores nacionais e regionais. Ora, nós temos um enorme potencial na região. Não é um problema brasileiro; é um problema brasileiro, argentino, paraguaio e uruguaio. Nós temos a bacia do Mercosul, que é uma bacia energética capaz de produzir cada vez mais apoiada em recursos renováveis, inclusive pelas mudanças climáticas também. Combinamos as vantagens que temos, tanto na área da agricultura, quanto na área de energia, porque, veja bem, a agricultura argentina e uruguaia é uma agricultura temperada. Tem vantagens e tem desvantagens. A agricultura brasileira é tropical. A principal vantagem da agricultura tropical é que ela dá duas safras - em alguns casos até três safras - por ano. O grande inconveniente é que a capacidade de equilibrar o gasto do solo é menor, é mais difícil. Mas, mesmo assim, com a Embrapa e companhia, estamos superando esse problema, com a nossa agricultura cada vez mais sustentável. Mas essa combinação de mercado mundial fornecido por uma agricultura temperada e uma agricultura tropical contíguas geograficamente não existe em nenhum lugar do mundo - só no Brasil, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina. Então, esse é o caminho que nós devemos seguir, e com isso também o programa de energia sustentável, usando todos os métodos e todos os critérios. Nós temos abundância de sol, temos abundância de terra, temos abundância de vento, temos abundância de tudo aquilo que faz com que a matriz energética seja cada vez mais sustentável e mais produtora com baixo carbono. Em consequência disso, obviamente, você precisa ter um programa completíssimo de modernização da infraestrutura, tanto na ferrovia, quanto na hidrovia, quanto na rodovia e no transporte aéreo; e sobretudo também na conectividade digital. Esses elementos é que têm que constituir a base para rever o Mercosul e partirmos para uma visão em que o Mercosul seja o caminho do mercado global.
R
Agora, eu não vou dizer que essa é minha opinião só, Sr. Presidente. Por acaso, no Estado de S.Paulo de hoje - eu o trouxe aqui -, na página D8: "Presidente da China pede reforma aos BRICS". É o Presidente chinês que está falando. Eu vou ler, porque é muito curtinho.
R
O presidente da China, Xi Jinping, defendeu ontem que os cinco países dos BRICS [claro que ele está falando dos BRICS, inclusive Brasil] abram suas economias, promovam reformas, criem cadeias de produção globais [olhe lá se vai essa fantasia do conteúdo legal, que só amarra a produtividade da indústria brasileira] e surfem na revolução industrial tecnológica para criar novos motores de desenvolvimento.
O grupo que impulsionou a expansão mundial na década passada teve performances díspares nos últimos anos, quando China e Índia mantiveram forte ritmo de crescimento, enquanto Brasil, Rússia, África do Sul mergulharam na recessão.
Porque não seguimos esse modelo. E o Mercosul é o reflexo da indefinição brasileira. Ainda estamos tentando conciliar a revolução industrial, a globalização, com o processo de substituição de importações, com a preferência ao mercado interno, com o conteúdo legal, com a crescente não globalização, mas nacionalização das cadeias produtivas, coisa que, na metade do século XX, já talvez fosse contestável; na metade do século XXI, é absolutamente ultrapassada.
Então, termino só com o que disse o Presidente da China: "Nós devemos aproveitar a oportunidade apresentada pela nova revolução industrial para promover o crescimento e mudar o modelo de desenvolvimento por meio da inovação”.
Eu diria que esse é o modelo que nós do Mercosul devemos fazer. Vestir a carapuça que ele nos colocou, mas essa carapuça cabe perfeitamente aos quatro: Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai.
Esse programa de nova visão da integração regional com essa perspectiva global foi aprovado na reunião de que eu tive a honra de participar sob a sua Presidência, há duas semanas. Então, não vale a pena nem repetir, porque está tudo lá escrito. É só implementar aquele programa e fazer exatamente aquilo que está sendo recomendado pelo Presidente da China.
Nesse sentido, eu creio que o Mercosul terá que sofrer uma transformação provavelmente institucional. Eu não estou convencido, eu não estou seguro, melhor dizendo, de que sejam consertos que se façam apenas nas práticas, reunir os grupos de trabalho e mudar a agenda. Eu acho que é preciso eventualmente considerar um novo tratado ou pelo menos uma reforma do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro Preto. Eu não adiantaria detalhes, mesmo porque acho que me falta um pouco de competência. Isso seria talvez... Ouso sugerir que o próprio Ministério das Relações Exteriores, se me permite, participasse desse exercício de verificar se essas modificações estruturais de globalização dos objetivos do Mercosul são viáveis usando como está o Tratado de Assunção ou é preciso fazer uma reunião inovadora.
Eu acho que provavelmente a conclusão vai ser fazer um novo acordo, melhorar o antigo, modificar, mesmo porque, se este acordo é o reflexo de uma visão global do mundo, o Mercosul tem que estar equipado para poder, num primeiro momento, negociar a sua relação com a Comunidade Andina ou com a Aliança do Pacífico, que eu acho que é o caminho a seguir mais interessante, porque fica toda a América do Sul mobilizada. E depois negociar com os outros países do mundo.
R
Mas, se conseguirmos reformular a visão regional do Cone Sul e, ao mesmo tempo, mobilizar a América do Sul, eu não tenho a menor dúvida: a América do Sul, para o segundo, terceiro, quarto, quinto decênio do século XXI, vai ter um papel de atração de polo de investimento semelhante àquele que a Ásia e a China em particular estão tendo nos últimos tempos.
Essa é a minha avaliação.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado a V. Exª, Embaixador José Botafogo Gonçalves, que é Vice-Presidente Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), pela sua explanação.
E passo agora a palavra ao Prof. Dr. Luiz Afonso dos Santos Senna, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a quem eu tenho o prazer de passar a palavra para a sua exposição.
O SR. LUIZ AFONSO DOS SANTOS SENNA - Obrigado, Senador Collor.
É com prazer que compareço novamente a esta Comissão, é um enorme prazer para mim estar aqui.
Deputada Bruna Furlan; nosso Embaixador José Botafogo Gonçalves, nosso mestre permanente, de longa data.
Eu começaria, Senador Collor, dividindo o otimismo com que o Embaixador Botafogo Gonçalves encerrou a sua exposição. Eu também acredito que temos um futuro brilhante pela frente, mas, para que possamos chegar mais rapidamente a este futuro, que imagino seja brilhante, acho que temos muitas lições de casa ainda a fazer.
Eu preparei um pequeno texto, Senador, que eu tentei consolidar e distribuir para a Comissão. Chamei de Reflexões sobre o Mercosul: o Desafio da Eficiência e da Competitividade. E coloquei como capa desse pequeno texto uma ligação entre Porto Xavier, lá no Rio Grande do Sul, com a Argentina, cuja travessia é feita por balsa. O Embaixador, ainda um pouquinho antes de começarmos aqui, dizia: "Puxa, essa é uma tecnologia do século XIX". E eu vejo que há uma discussão muito grande sobre em qual cidade vai haver uma ponte. Lá no Rio Grande do Sul, são três cidades, uma próxima à outra. As três precisam ter pontes, porque ponte é uma tecnologia do século - aliás, é antiga - XX, que precisamos ter, e no século XXI com muito mais razão ainda.
Então, eu procurei, mais ou menos, fazer rapidamente uma breve síntese do que é o Mercosul. Na realidade, como o Embaixador já mencionou, é uma tentativa de uma união aduaneira, que hoje ainda está incompleta por uma série de razões que não foram completadas, mas que, de alguma forma, reflete que temos, na realidade, uma evolução entre o início e o momento em que estamos hoje, passados 25 anos.
Então, a partir de 1994, foram instituídas algumas Tarifas Externas Comuns, o Regime de Origem, o regime de zonas francas, o Regime de Adequação etc., que, de alguma forma, tentavam reproduzir esse ambiente de consolidação de uma possível união aduaneira.
Foi criado um conjunto de órgãos para que se tentasse operacionalizar essa busca dessa união, sendo que o mais elevado nível desses órgãos está no Conselho do Mercado Comum. Eu faço rapidamente aqui - não vou entrar no mérito -, só descrevo rapidamente o conjunto de órgãos, comitês, reuniões, etc., que funcionam hoje no âmbito do Mercosul e que refletem a preocupação, sim, de termos que avançar nas várias dimensões econômicas, políticas etc., no âmbito do Mercosul.
R
Portanto, aqui temos o Conselho do Mercosul, alguns subgrupos de trabalho, então vemos indústria, meio ambiente, transporte etc. Existe uma estrutura montada para que se pudesse, então, trabalhar na evolução das questões que dizem respeito à integração.
Bom, mas uma das questões que eu acho que é extremamente importante é que esse avanço que conseguimos fazer não se deu da forma como se esperava na sua plenitude. Mais recentemente, tivemos, então, a questão da Venezuela, uma crise econômica e política, que expôs fraturas muito fortes e algumas divergências no bloco, e, em paralelo a essa questão da Venezuela, tivemos também uma turbulência muito grande econômica dos vários países que compõem o Mercosul, notadamente o Brasil e a Argentina, acompanhada de problemas internacionais, com uma queda no preço das commodities, a má gestão econômica - que é observada nos principais países do bloco -, que levaram a algumas consequências que estamos sofrendo hoje, e isso tudo contribuiu negativamente para o crescimento da região, do bloco como um todo. Mas fundamentalmente tivemos - e é daqui que eu vou partir para o que eu pretendo expor aqui na minha apresentação - a baixa performance econômica do bloco.
Eu trouxe aqui, sintetizei alguns indicadores do Fórum Econômico Mundial, que, de alguma forma, estão vinculados à nossa capacidade de atração de recursos internacionais, os chamados Investimentos Estrangeiros Diretos (FDI), com os quais poderíamos contar e espero que possamos contar no futuro. Mas esses indicadores, de certa forma, expressam a precariedade de muitos itens no âmbito do Mercosul. Então, eu fiz, inclusive, uma comparação - bastante singela comparação -, só para vermos a real situação em que nos encontramos. Então, eu comparei o Mercosul com a Aliança do Pacífico, que é também um outro conjunto de países, que envolve o México, o Chile, o Peru e a Colômbia, e eu fiz o seguinte: eu juntei alguns indicadores de performance do Índice de Competitividade do Fórum Econômico Mundial e agreguei mais algumas pequenas coisas. Mas, aí, vemos e fiz o seguinte: eu peguei pelos vários países do bloco como, então, estão.
Eu vou dar um exemplo: quando pegamos a média do ranking do Índice de Competitividade em nível global, os países do Mercosul ocupam a posição 101ª e os países de um bloco de menor expressão econômica, que é o bloco da Aliança do Pacífico, ocupam o ranking 53º. Isso é muito expressivo.
Se começarmos a olhar nas várias dimensões, então, eu coloquei ali: nas instituições - o nível de desenvolvimento das instituições -, a diferença até se aproxima um pouquinho, mas num nível muito baixo, vamos dizer assim.
R
Então a média do bloco é a 110ª; depois, em infraestrutura, que é um item absolutamente fundamental para a performance econômica e para a competitividade de um país e de um bloco econômico, ocupamos a desagradável posição de 89º lugar; no ambiente macroeconômico, 109º lugar; em saúde e educação primária, 83º; na sofisticação dos negócios - a business sophistication -, 97º; no Índice de Inovação, que é algo fundamental, como dizia o Embaixador Botafogo, para que possamos estar incluídos nas cadeias produtivas globais, que é para onde o mundo está se movendo, ocupamos a desagradável posição de 105º; no Índice de Liberdade Econômica, que também é algo extremamente importante, 118º; e no Índice de Logística, que não é do Global Forum, mas do Banco Mundial, também lá no lugar 82º.
Então, com isso aqui, fica muito claro o esforço que vamos ter que fazer para que consigamos melhor nos posicionarmos e sermos efetivamente um player global.
Eu venho da área de infraestrutura - a minha especialização é transportes -, aí eu puxei um pouco a discussão para as questões de transporte e logística. Dando sequência, então, por exemplo, mantendo essa mesma comparação entre os dois blocos, coloquei aqui a posição em relação a vários itens que compõem a infraestrutura.
Então, temos: na qualidade geral da infraestrutura nos países do Mercosul, 114º lugar, contra 85º desse outro bloco. E insisto: esse não é o nosso benchmarking, o nosso benchmarking não é a Aliança do Pacífico. Eu só estou comparando com outro bloco latino-americano para mostrar o tamanho do esforço que temos que fazer ainda.
A qualidade das rodovias é muito ruim; e do Brasil, em particular, é muito ruim. E essa é uma das questões centrais para a eficiência e produtividade do país e, por consequência, do bloco. As ferrovias, da mesma forma. Eu costumo afirmar sempre que, no Brasil, se diz - e essa é uma questão que na Argentina se repete - muito que o Brasil é um país rodoviário. Ninguém é rodoviário - e vou mostrar alguns índices - quando há apenas 12% de rodovias pavimentadas, das quais 50% estão em más condições.
Isso se repete na Argentina, só que na Argentina não há 12%, lá é um pouquinho mais, são 26% de rodovias pavimentadas, mas muitas delas também em péssimas condições. Dos países do BRICS, tirando o Brasil, o menor que tem é a Índia, que tem 40% de rodovias pavimentadas. Então, esse é o tamanho do esforço que temos que enfrentar.
A disponibilidade de assentos-quilômetros. Nisso aqui estamos bem, porque o País é longo e, na realidade, quando se multiplica o número de passageiros pela distância percorrida, fica alto, então estamos só no 112º.
Bom, e assim vai. A própria questão da qualidade da oferta da eletricidade - para não ficar só na questão de transporte -, telefonia. Então, todas ainda precisam de melhorias substanciais.
O importante - e aí entra uma questão que eu diria que é crucial nessas atividades que o Mercosul se propõe a fazer de coordenação também entre os vários países - é a observação do conceito de networking, conceito de redes. Então, temos redes de transporte, redes de telecomunicações, de energia e assim por diante e obviamente elas precisam estar conectadas de forma adequada para que consigamos produzir a eficiência desejada. Então, eu destaco essa ideia de rede, porque o IIRSA, que é um organismo que pensa as questões de transportes no âmbito do Cone Sul - e, aí, vai além só do Mercosul -, conseguiu identificar - e eu trago aqui alguns deles - que seriam os grandes projetos, que são relevantes sobre a perspectiva de network ou de rede para a região como um todo. Então, há muitos projetos nacionais que são importantes para um bom fluxo nas redes. Então, ele dividiu em vários eixos de integração que transcendem aos países - isso é interessante de novo destacar. Aqui, a área de influência de cada um desses eixos, mas mais interessante: ele tem uma carteira de projetos, de que o IIRSA/Cosiplan dispõe, que mostra que, em um primeiro momento, para pensar bases dessa rede, nós estaríamos falando da ordem de US$191 bilhões para que conseguíssemos consolidá-los. Então, isso aí é fruto de 581 projetos; cinco são multinacionais, ou seja, passam por vários países; 94 são binacionais, envolvendo a conexão entre dois países; e a maior parte deles - diga-se de passagem -, 482 são projetos no âmbito nacional com repercussão no Cone Sul de uma forma mais ampla.
R
E aqui estão mais ou menos segmentados os vários tipos de projeto.
Vou passar aqui para os setores, que eu acho que é interessante. Então, a maior parte dos projetos é no âmbito de transportes, 518; energia, 56; depois, temos ali - não consigo enxergar agora ali direitinho - comunicações, são sete; o setor público, 475, e assim vai. Mas o importante é ver que transporte, dentro dessas preocupações de conexões da rede no âmbito do Cone Sul, são 518 projetos, ou seja, concentra tanto a maior parte dos projetos como a maior quantidade de recursos envolvidos, e ali ele mais ou menos segmenta para os vários modos de transporte, e aí destaque para as rodovias que estariam então na ordem de 258 projetos, envolvendo US$63 bilhões.
Mais alguns projetos na área de energia.
Aqui é uma síntese dos projetos pelos vários eixos de desenvolvimento.
Esse é um trabalho muito interessante feito pelo IIRSA/Cosiplan, que pensa estrategicamente a região como um todo. E aí é que a gente vê que o Brasil é o segundo País que mais demanda projetos e o que mais demanda recursos, ou seja, os projetos são de maior dimensão comparados com os demais países do Cone Sul.
E aqui eu trago, mais uma vez - e tenho insistido em todos os fóruns de que eu tenho oportunidade de participar -, para mostrar o quanto precisa ser feito ainda. Aqui nós temos essa imagem que mostra o percentual de rodovias pavimentadas nos vários países da América Latina, e a gente vê que, de uma forma geral, é muito carente do ponto de vista de rodovias qualificadas o nosso continente e, por consequência, o nosso Mercosul e, finalmente, o nosso País.
Essa figurinha é bastante emblemática. Ela mostra no mundo inteiro os percentuais de rodovias pavimentadas. Achei bastante interessante para trazer hoje porque ela mostra que, na realidade, os países - acho que eu não consigo mostrar muito no Point aqui -, mas, fundamentalmente, ali a gente olha aquele meio - Brasil, Paraguai e Bolívia - e vê que são os países que têm a menor quantidade de rodovias pavimentadas no mundo.
R
Então, isso é absolutamente emblemático. A Argentina, que aparece ali entre 20 e 40, é só 26%. Então, nós continuamos no nível... E como eu disse logo no início, quando a gente olha para os BRICS, a gente vê que, na realidade, o País que tem a menor quantidade de rodovias pavimentadas é o Brasil, da ordem de 12%, e, em seguida, o que tem menos é a Índia, com 40. Então, isso é um salto gigantesco que nós precisamos dar do ponto de vista da eficiência da nossa infraestrutura.
Aqui rapidamente também mostrando os principais países, as redes de rodovias nos vários países, e a gente vê, por exemplo, que o Brasil hoje apresenta 1,7 milhão km de rodovias, dos quais apenas 200 e qualquer coisa são pavimentados. É muito pouco. E aí a gente vê que, em países como Estados Unidos, China, Índia, só a rede pavimentada é maior do que a rede do Brasil como um todo. E todos eles são países com dimensões semelhantes. Então, isso é uma questão realmente emblemática e o mesmo vale para outras dimensões como dutos, hidrovias, ferrovias e assim por diante.
Aqui a qualidade das rodovias em que eu - diria - , numa síntese de tudo isso, 50% - isso é um estudo da CNTE, que anualmente publica das rodovias, no caso do Brasil - das rodovias pavimentadas, que são apenas 12% do conjunto de rodovias, estão em más condições de qualidade. São índices que realmente não fazem jus ao País e ao Mercosul que nós queremos.
Já encaminhando, então, para as considerações finais, nós temos algumas evidências que eu acho que o Embaixador Botafogo já mencionou. Parece que nós estamos num caminho de irreversibilidade. Quer dizer, a ideia de que o Mercosul vai ter continuidade me parece extremamente importante e todos os indicadores, todas as evidências mostram nesse sentido. Mas nós temos que realmente trabalhar de forma muito forte, muito responsável e muito pragmática as questões que dizem respeito às assimetrias que nós temos entre os países, mas fundamentalmente em relação às questões de infraestrutura. Eu pensei em infraestrutura.
Obviamente outros aspectos são importantes. Mas eu diria que, inclusive, para essa retomada do crescimento. Eu ouvia de um economista esses dias que, em boa parte do Brasil mesmo, temos, com a queda da atividade econômica no País, uma indústria que está ociosa. Então, nos próximos anos, o crescimento vai significar deixar que essas indústrias passem a não ser mais ociosas. Então a grande alavancagem para injeção de recursos na economia para alavancar esse desenvolvimento e essa retomada do crescimento provavelmente tenha que ser feita na infraestrutura, inclusive através de programas modernos de concessão, chamamento da iniciativa privada para auxiliar no esforço do investimento e, mais do que investimento, é dar uma capacidade de gestão dessa infraestrutura que eu diria que, tão ou mais importante do que o recurso propriamente dito, é a sustentabilidade econômica e financeira desses projetos, para que a gente possa ter assegurado que as rodovias, as ferrovias, os aeroportos, portos, etc., vão estar nas condições adequadas permanentemente.
Essas melhorias, então, são da parte de infraestrutura. Há uma maior liberalização da gestão, busca de eficiência sistêmica nos vários países.
R
Como eu mostrei, os nossos indicadores tanto de competitividade quanto de produtividade são muito baixos, são insuficientes e devem sofrer melhorias drásticas em relação a eles; mais eficiência e competitividade com marcos regulatórios claros com estabilidade jurídica estaremos entrando na linha de foco do grande investimento internacional, porque tudo o que tenho lido a respeito e conversas que tenho tido com investidores etc... Tem muita liquidez, o mundo hoje tem muito recurso para investir. O que ele precisa é ter condições favoráveis para que esses recursos venham para cá.
A utilização de mecanismos eficientes como a concessão à iniciativa privada, incentivos à inovação nas várias indústrias que são relevantes na região e, fundamentalmente, a inserção nas cadeias produtivas globais. O Embaixador Botafogo mencionou e eu assino embaixo, quer dizer, é muito importante que a gente faça parte da indústria do século XXI e do século XXII que estão logo ali na frente também. E talvez a gente possa ser - essa expressão que eu gosto bastante - um País e um bloco softpower, em que vamos nos impor por sermos modelo em várias ações e não necessariamente pela força. Então, ocupar esse espaço acho que é muito importante e eu destaco essa expressão cunhada há alguns anos e que acho muito própria que vale para o Brasil, mas que eu diria que vale para o Mercosul: nos impormos pelas coisas diferentes que nós fazemos, e são várias, inclusive transcendendo as questões econômicas e culturais, entre outras.
Eu concluiria aqui dizendo que não tenho dúvida - e que bom que ouvi o Embaixador Botafogo dizendo isso com toda sabedoria e a experiência dele sendo otimista porque estou fechando de uma forma otimista também, Senador Collor, juntamente à esperada estabilidade política e econômica -, eu tenho é absoluta certeza de que o Mercosul vai chegar ao destino promissor a ele reservado na comunidade das nações. Basta que nós façamos a nossa lição de casa.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Professor Dr. Luiz Afonso dos Santos Senna, Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, agradecendo muito especialmente as presenças, na nossa reunião de hoje, de S. Exªs os Srs. Embaixadores Nabil Adghoghi, do Marrocos; do Embaixador Nelson Manuel Cosme, de Angola - sejam muito bem-vindos -; da Embaixadora Gisela Padovan, da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares do Ministério das Relações Exteriores; do Brigadeiro Maurício Augusto Silveira de Medeiros, Chefe da Assessoria Parlamentar da Aeronáutica; do Ministro-Conselheiro Ahmed Drif, da Embaixada do Reino do Marrocos; do Conselheiro Wilfredo Chávez Serrano, da Embaixada do Estado Plurinacional da Bolívia; do Sr. Secretário Rodrigo Conde Garrido, da Embaixada da República Argentina; do Primeiro Secretário Faleg Valdez Cópas, da Embaixada do Estado Plurinacional da Bolívia; do Segundo Secretário Sebastião Tomas, da Embaixada de Angola, e do Adido Civil Aleksandr Tserkowsky, da Embaixada da República de Belarus.
R
A todas as Excelências e senhoras e senhores aqui presentes os nossos agradecimentos pelas honrosas presenças com que nos brindam na noite de hoje. Cumprimento muito especialmente S. Exª o Senador Moka, que aqui também dá a sua presença engrandecendo e aumentando a densidade dos nossos trabalhos.
Temos aqui já algumas perguntas que nos chegaram pela internet que eu gostaria de passar aos senhores debatedores e que, por gentileza, anotassem para posterior resposta.
De Andreia Amorim Campos, do Rio Grande do Sul. Ela se dirige aos especialistas da Mesa: "Sanções econômicas aplicadas aos países com graves crises sociais e políticas é a solução? Misturar questões sociais-ideológicas com econômicas-comerciais não prejudicam as negociações do mercado internacional?"
E ela, em outra pergunta, também acrescenta um outro trecho que diz: "Sanções comerciais para punir posições políticas e sociais trazem transtornos ao crescimento econômico-comercial aos países envolvidos. Tratados como o de ASSUNÇÃO que visam à construção social, pela complexidade, deveriam sair do MERCOSUL e ir para a ONU para sanções políticas."
De Monica Ebersol, também do Rio Grande do Sul, prestigiando o nosso Prof. Afonso: "Que a Presidência brasileira do Mercosul defenda a extinção das sanções comerciais para outros países e tentar buscar a conciliação e mediação mais equilibrada possível para o bem do povo."
De Anezio Matias de Barros, do Rio de Janeiro: "Nesses mais de 25 anos dá para apresentar a sociedade um breve resumo dessa união mostrando a sociedade das nações participantes sobre como estava a situação em 1991 em saúde, transporte, saneamento, segurança, emprego, economia, educação, corrupção, e mostrar os índices hoje."
Essa é uma pergunta bem mais complexa.
E do Sergio Luis Peixoto, de São Paulo ele nos traz aqui algo que nunca ouvi falar, acredito que também alguns não tenham ouvido falar, mas pelo sim e pelo não, já que a pergunta foi feita, passo a lê-la: "Para a maioria que não conhece, o H.A.A.R.P., sigla para 'Projeto de Pesquisas em Auroras de Alta Atividade' está patenteado nos EUA sob o número 4.686.605 e descrito como 'Aparato Físico para Mudanças Climáticas'. É capaz de gerar terremotos, tornados e furacões como o Harvey... Foram construídas usinas [...] [dessas] em alguns países do Mercosul. No Brasil localiza-se em São Luiz - MA. Essas usinas estão sendo utilizadas de forma perversa, desconhecida da maioria das pessoas. Está na hora de desmascarar essa perversidade!"
Fica aqui a leitura dessa consideração feita por Sergio Luis Peixoto, de São Paulo, em respeito aos nossos os internautas. Se alguém souber o paradeiro desse projeto de pesquisa, por favor, que nos esclareça.
Seriam essas as indagações que nos chegaram até agora, além daquelas que logo no início da nossa reunião foram feitas.
R
Talvez pudéssemos encontrar um ponto mais objetivo para as respostas. Que relações pode ter o Mercosul com outros blocos? Foi aqui muito citada a questão da Aliança para o Pacífico. É demasiado pensar que haja possibilidade de um acordo, de um entendimento entre os países que formam a Aliança para o Pacífico e o Mercosul? Que pontos em comum haveria entre esses dois blocos para que pudessem, mutuamente, fortalecer um ao outro? Há espaço para o Mercosul no cenário internacional? Isso já foi respondido, sem dúvida. Acho que ficou muito claro pela exposição feita pelos nossos palestrantes. Qual o papel do Brasil nesse contexto? No contexto, que eu entendo, tenham sido colocados esses outros grandes blocos comerciais. O Brasil, por intermédio do Mercosul, tem interesse, por exemplo, de que haja um acordo comercial com a União Europeia, de que haja um acordo comercial com países da África? Enfim, haveria espaço para que, nesse contexto de multilateralismo, nós pudéssemos encaminhar o Mercosul para um viés que não se concentrasse tão somente na nossa região?
Essas são as questões. Eu passaria, em primeiro lugar, a palavra a S. Exª o Embaixador José Botafogo Gonçalves, para as respostas.
O SR. WALDEMIR MOKA (PMDB - MS) - Eu poderia, antes...
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Com licença.
Antes de passar a palavra, com a permissão do Sr. Embaixador, com a palavra o Sr. Senador Waldemir Moka. Por favor.
O SR. WALDEMIR MOKA (PMDB - MS) - Se me permite.
Srª Bruna, Embaixador Botafogo, Dr. Luiz Afonso, não faço parte desta Comissão, mas fiz um pronunciamento hoje no plenário, Presidente Fernando Collor, e o Senador Pimentel achou que seria importante que eu pudesse trazer - já que nós teríamos esta audiência e talvez o assunto fosse importante.
No meu Estado - sou de Mato Grosso do Sul - forçados, vamos dizer assim, pelo setor privado, acabaram de fazer uma caravana que saiu de Campo Grande e foi até os portos do norte do Chile, especialmente Iquique e Antofagasta. Presidente Collor, estive em Assunção porque essa caravana terminou lá. Existe uma carta assinada por quatros Presidentes: do Brasil, da Argentina, do Chile e do Paraguai. O corredor, eles chamam de... Eu acho errado. É integração latino-americana, mas não chega a ser uma integração latino-americana porque envolve quatro países, inicialmente, mas pode ser um embrião disso, na minha modesta opinião.
Esse corredor é um corredor...
R
Sempre de defendeu isso da forma fluvial. Ouço falar dessa ligação há pelo menos 30, 40 anos, por conta do Prefeito de Iquique, hoje Senador da República no Chile.
De Campo Grande até Antofagasta devem ter menos de 2 mil quilômetros. Eles foram em caravana. Acho que foram 30 caminhões. Fizeram todo esse percurso. Inclusive, foi um diplomata brasileiro, de nome Parkinson. Ele foi, participou. Além do Prefeito de Porto Murtinho, além de todos esses empresários, vários acadêmicos. Foram assinados nove convênios entre universidades.
Se isso acontecer, nós vamos encurtar em 9 mil quilômetros a distância para colocar produtos do chamado Brasil Central, vale dizer: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso - de Rondonópolis para baixo -, todo o Goiás e o Distrito Federal. Isso representa, em termos de encurtamento de frete, de custo de frete, 12%. Nós podemos avaliar quanto seriam competitivos os nossos produtos.
Mas eu não estou falando só da questão comercial. Vários campo-grandenses, vários sul-mato-grossenses iriam - porque fica a 1,2 mil quilômetros - sair de Mato Grosso do Sul para conhecer a Cordilheira dos Andes, para ver a neve. E o contrário também seria verdadeiro. Eles sairiam de lá para visitar o nosso Pantanal, a nossa querida Bonito. Estou falando de Mato Grosso do Sul. Mas isso não é só Mato Grosso do Sul, isso é o País como um todo, na minha avaliação. Nós evitaremos toda essa roda atlântica para chegar até o Pacífico. De Antofagasta, nós colocaríamos esses produtos com preços altamente competitivos para o mercado asiático.
O representante do Governo de Goiás disse que do que eles exportam, entre carne e grãos, 70% já são para a China. Então, penso que essa discussão... Sei que o assunto, aqui, é muito maior, é muito mais...Estou querendo introduzir isso como uma forma, como um início. Sabe qual o investimento que o Brasil precisaria ter? A metade de uma ponte sobre o Rio Paraguai, em Porto Murtinho, a metade de uma ponte, porque a outra metade o Governo paraguaio já se prontificou a fazer. O Governo paraguaio licitou, agora, a pavimentação do chamado Chaco paraguaio, que seria a maior dificuldade. Da Argentina, que eram cento e poucos quilômetros, estão faltando vinte quilômetros para terminar. Isso daí é um sonho, aquela região do Brasil central, que envolve o Paraguai de um lado, a Bolívia do outro.
R
É impressionante como isso despertou em Mato Grosso do Sul uma vontade enorme. É como se nós realmente pudéssemos descobrir um mercado novo, e os nossos preços, que têm que dar toda essa volta via Atlântico, seriam altamente competitivos.
E como já disse a V. Exª, eu não estou falando só da questão comercial. A mim, e eu acho isso importante, eu estou falando de uma integração: nós, só nós, falamos português; todos eles falam o espanhol. E isso é, sempre foi, um contrassenso aqui no Brasil. Eu acho que o estudante brasileiro tinha que aprender espanhol. Até porque a primeira tradução dos livros - eu sou médico -, depois dos grandes autores americanos, alemães, a primeira tradução é em espanhol.
Então, eu estou só querendo dizer com isso que essa integração que cita o Dr. Luiz é a questão de infraestrutura. E nós estamos falando de uma ponte que custa - a metade dela - menos do que R$100 milhões. Veja como isso é uma coisa... E até Porto Murtinho tem asfalto, e o Presidente Cartes, com quem eu tive o prazer, aqui, no Palácio do Planalto, ele diz: "Vocês não me façam chegar com asfalto até Carmelo Peralta [que é a divisa com Porto Murtinho] sem estar com essa ponte construída".
Eu acho que esse seria um grande passo para a gente demonstrar que o Mercosul pode, sim - ele está vivo, e pode, realmente -, iniciar, aí, comércios importantes.
Eu peço desculpa antecipadamente se eu estou introduzindo um assunto que não seria...
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Importantíssimo, Senador.
O SR. WALDEMIR MOKA (PMDB - MS) - ... da alçada desta audiência, mas me perdoem por não fazer parte da Comissão, mas, por outro lado, entendam o anseio de um sul-mato-grossense que vê uma realidade que ele há 30 anos ouve dizer: o sonhado Corredor Bioceânico e a ligação nossa... Porque nós estamos, lá no Mato Grosso do Sul, de costas para o Pacífico e ao mesmo tempo estamos tão próximos, não é?
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Sem dúvida.
O SR. WALDEMIR MOKA (PMDB - MS) - Para que a gente pudesse ter essa valorização não só comercial, mas cultural, turística.
Olha, eu fiquei encantado, e as pessoas, eu achei que eu fosse encontrar - foram cem pessoas - cansadas - porque foram dirigindo à noite, na Cordilheira dos Andes, e tal -, mas não havia um que não estivesse entusiasmado e pedindo para que eu... E aqui eu quero ter o apoio do Presidente da Comissão de Relações Exteriores, porque, como se trata de uma ponte internacional, há que se ter autorização da Câmara; já está na Comissão de Constituição e Justiça, mas aqui no Senado nós só precisamos aprovar essa autorização em uma comissão, que é exatamente a Comissão que V. Exª preside, e por isso eu me atrevi, ousei, mesmo não sendo membro, participar desta audiência pública.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Senador Moka, nós é que agradecemos a V. Exª a participação que V. Exª está tendo hoje, de forma brilhante, nos trabalhos desta Comissão.
R
Membro integrante dela ou não, V. Exª sempre será muito bem recebido como um Senador de escol, como V. Exª o é, conhecedor dos problemas nacionais, conhecedor dos problemas da nossa infraestrutura, sobretudo vindo de uma Região em que hoje é fundamental que se equacionem esses problemas. Vamos tratar, por exemplo, das nossas hidrovias, da construção das nossas eclusas, para nós podermos fazer escoar essa grande produção de que o seu Estado é um dos maiores contribuintes, para nós fazermos com que o comércio do nosso Cone Sul possa funcionar da melhor maneira possível.
E o tema que o senhor traz, portanto, que V. Exª traz nesta noite, é da maior importância. Gostaríamos de agradecer a grande contribuição que V. Exª nos traz ao fazer essa indagação e a constatação dessa viagem recentemente realizada. Muito obrigado a V. Exª.
Então, com a inclusão da indagação feita por S. Exª o Senador Waldemir Moka, passo a palavra a S. Exª o Sr. Embaixador José Botafogo Gonçalves.
O SR. JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES - Muito obrigado, Sr. Presidente.
As perguntas que me foram formuladas por seu intermédio eu acho que dá para lhe dar uma resposta abrangente, que tratará praticamente dela, com exceção daquele misterioso projeto lá no Maranhão, a respeito do qual eu não sei falar nada.
A ênfase da minha apresentação, e creio também que do professor, foi de que a solução para problemas do Mercosul é ter o enfoque global, mundial, ver como evoluiu o mundo, como a globalização afeta o comportamento dos países e afeta o comportamento do Brasil, como da Argentina e do Paraguai e do Uruguai.
Então, isso significa mudar o modelo de crescimento econômico. Não é uma bobagem. Não é negociar Mercosul só para uma reuniãozinha num dos quatro países, não. É mudar a nossa concepção de modelo de crescimento. Baseado, sobretudo, como também disse o professor, na inovação e na integração das cadeias globais.
Esse enfoque global pressupõe que o Mercosul não vai se fechar negociando só entre si. Ele vai negociar entre si as condições para que ele, junto, comece - eu acho que por ordem de prioridade, deveria começar com a Aliança do Pacífico, porque é extensão natural do território dos quatro países e está na América do Sul. Geografia tem um peso, não há dúvida nenhuma, não é? E muitas das questões, inclusive a que foi formulada pelo ilustre Senador do Mato Grosso do Sul, poderão estar mais bem resolvidas na medida em que se conheça melhor a realidade econômica, política e geográfica da América do Sul, e não ficar pensando abstratamente só em América Latina, porque é um conceito um pouco mais complicado.
Esse eu creio que responde a uma parte das perguntas sobre se o Mercosul deve ser um bloco, se deve negociar com outros blocos. É óbvio que o Mercosul, e o Brasil tem um papel de liderança normal, necessária, junto com a Argentina. Eu acho que os dois juntos, mas há um peso específico do Brasil, que é maior do que da Argentina, em termos de população, de produto bruto, em termos de área de diversificação, de número de vizinhos, somos dez vizinhos, estamos virados para o Atlântico, então temos muita coisa para confirmar a nossa posição de liderança nesse processo e, com isso, não parar com a Aliança do Pacífico, mas, a partir da Aliança do Pacífico, ir para os mercados da Ásia, certamente.
R
Acho que rever toda a nossa estratégia de negociação com a China é absolutamente fundamental. Nós hoje temos uma relação, embora numericamente a primeira, em termos comerciais, mas ela é muito injusta, porque a gente vende commodities agrícolas e minerais e compra produtos industriais.
No meu tempo de estudante, reclamavam dos Estados Unidos. Era o imperialismo americano que fazia isso. Agora é o imperialismo chinês que está fazendo isso. Então, temos de combater esse processo; não combater hostilizando, mas tornando a exposição brasileira competitiva, tanto na parte agrícola quanto na parte industrial.
Há outras questões relativas a sanções.
Esse é sempre um tema muito delicado. Evidentemente, cabe ao Ministério das Relações Exteriores, ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Justiça avaliar isso. Mas acho que é impossível, no mundo de hoje, você dissociar as questões econômicas das questões políticas. As Nações Unidas existem para isso. O Conselho de Segurança existe para isso. O importante é preservar a capacidade de atuar em nome de uma comunidade. Ações isoladas e unilaterais é que são negativas.
Nós tivemos essa experiência desastrosa dos Estados Unidos, no Governo Bush, que resolveu unilateralmente invadir sem pedir permissão à Corte das Nações Unidas, e o resultado foi catastrófico, sobretudo nos Oriente Médio. Essas guerras no Iraque e na Síria são consequências dessa atitude soberba do Governo americano que não acha que precisava consultar os organismos internacionais.
Então, eu acho que essa é uma pergunta genérica. Nós podemos e devemos levar em conta sanções econômicas, discutindo usando os argumentos da negociação diplomática até esgotar todas as suas possibilidades. Se for necessário encaminhamos nesse sentido.
Por último, Senador, quero fazer duas observações.
Primeiro é que, afortunadamente, os Estados fronteiriços - Argentina, Paraguai e Uruguai - estão mais atentos à integração regional do que no passado. Eu participei, neste ano, de dois eventos em que os Governadores de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e os seus vizinhos argentinos estiveram juntos, uma vez em Buenos Aires, em Porto Alegre, e agora em Corrientes. Então, isso está indicando que é para aí que nós estamos indo. A presença desses Estados e desses Governadores locais vai permitir que se tome conhecimento dos interesses locais, dos interesses regionais.
Quanto à viabilidade de um ou de outro projeto, vou permitir permissão para deixar nas mãos do Prof. Luiz Afonso, porque ele se referiu a uma coisa mais importante que são os trabalhos que a Irsa fez. Eu acho que lá talvez se encontre a resposta para um determinado projeto específico.
Mas acho que realmente os Governadores do Centro-Oeste brasileiro e de Mato Grosso do Sul, mais para o norte, e em Goiás, estão cada vez mais envolvidos nesse desenvolvimento regional, porque os interesses deles estão ligados com os interesses da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Essa integração física com o lado de lá vai ocorrer. O importante é que ela ocorra com rentabilidade financeira, senão ela se desmoraliza.
Mas acho que isso o Irsa tem condições de responder.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Embaixador José Botafogo Gonçalves.
Passo a palavra ao prof. Luiz Afonso dos Santos Senna.
R
O SR. LUIZ AFONSO DOS SANTOS SENNA - Eu concordo também com o Embaixador Botafogo.
Acho que essas relações todas têm que ser feitas com muito pragmatismo, acerca da questão levantada, na questão do internauta, sobre as questões ideológicas e tal. Ou seja, o Bloco tem alguns pressupostos. Os valores democráticos, por exemplo, são basilares, são ponto de início. Sempre que houver o rompimento desse item, algumas sanções, obviamente, precisam ser pensadas.
Do ponto de vista das relações comerciais e da relação com os outros blocos também acredito que são absolutamente fundamentais. Uma discussão está em andamento com a comunidade europeia, com a União Europeia, e que se arrasta - não é isso, Embaixador? -, há alguns anos, e que é muito importante que ela aconteça.
O SR. JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES - Há vinte anos.
O SR. LUIZ AFONSO DOS SANTOS SENNA - Vinte anos, para ser mais exato.
Isso, de alguma forma, tranca um pouco a relação com um dos principais blocos econômicos do País. Nós temos ali uma boa parte do PIB mundial, e nós temos dificuldade de nos relacionar.
Em relação à questão colocada pelo Senador Moka, eu diria o seguinte: no nível que nós estamos hoje de ineficiência da nossa infraestrutura, todos os projetos que sejam sustentáveis - e essa é uma questão absolutamente importante do ponto de vista econômico e financeiro - precisam ser implementados.
Eu diria mais.
Já em relação ao Mato Grosso do Norte, o Mato Grosso, por exemplo... Eu coordeno, no Rio Grande do Sul, um estudo. O País fez vários estudos de plano de logística e de transportes. Então, existe o Nacional, o PNLT, e cada Estado fez o seu. Mato Grosso do Sul, por exemplo, fez recentemente - ele completou, se não me engano, no ano passado - o Plano Estadual de Logística e Transportes do Mato Grosso do Sul.
Uma das coisas, coordenando o estudo no Rio Grande do Sul, que eu observei é que parte das cargas que sai, como a soja, por exemplo, as commodities que saem do Mato Grosso do Sul sai a maior parte por Santos e por Paranaguá. Em alguns anos, como em 2014 e 2015, saíram pelo Porto de Rio Grande. Nós estamos falando em quase três mil quilômetro da carga se movimentando. Isso aí é uma ineficiência sistêmica.
O Mato Grosso hoje está lá com uma proposta, o Governo Federal está propondo para o Mato Grosso, a Ferrogrão, que é uma saída em direção ao norte e que vai encurtar também, na ordem de mil quilômetros, a movimentação em terra. Ela já larga próximo ao Canal do Panamá, sai pelo Pará e vai aos mercados da Europa e, obviamente, da Ásia.
Eu saúdo esse tipo de iniciativa do Mato Grosso e as instituições do Mato Grosso que têm tido a iniciativa, pois é absolutamente fundamental. Eu diria que esse tipo... Só que isso pressupõe, como eu havia mencionado antes, nós olharmos como rede. Eu credito parte dos equívocos que a gente vem cometendo, ao longo dos séculos, eu diria, porque a gente olha para as intervenções pontuais. Por exemplo, lá no Estado do Rio Grande do Sul, nesse estudo que coordenei, existem alguns investimentos que são extremamente baixos e que têm um impacto na rede extremamente elevado.
Então, a identificação desses gargalos, do que realmente é relevante, é fundamental para essa eficiência sistêmica das redes no âmbito dos Estados, no âmbito do País e, por consequência, no âmbito dos países membros do Mercosul.
R
E eu diria mais, acho que é muito importante essa aproximação e tratarmos a América do Sul como um todo. O Irsa já faz isso, e eu acho que é bastante importante. Quer dizer, união das conexões essenciais, e essa que o senhor menciona vem ao encontro dessa lógica de termos ligações eficientes para que possamos escoar a nossa produção.
E um dos pontos que eu reitero, que o Embaixador também mencionou, é a questão realmente de nós termos uma preocupação de estarmos, insisto mais uma vez, inseridos nas grandes cadeias globais, em que nós temos produtos de alto valor agregado. Nós não podemos ficar também - e aí é uma questão talvez um pouco mais estratégica dos países do Mercosul - só condicionados da lógica de produção de commodities. Quer dizer, essa ideia de trocar um navio de soja por cinco chips, obviamente que eu estou criando uma caricatura, isso pode nos condenar a uma relação de dependência permanente.
Então, nós também investirmos pesado na inovação, novos produtos. Há uma questão que eu acho muito interessante, que se tem discutido muito, quando se discute inovação, que é a inovação reversa. E há um caso muito interessante. Há dois casos, se me permitir citar como informação geral.
Um deles é a questão da telefonia celular no Quênia. Então, o Quênia é um país que tem suas dificuldades, do ponto de vista de infraestrutura, e hoje é um dos países que tem a maior inclusão digital do mundo. Porque eles não tinham infraestrutura física e a telefonia celular permitiu esse tipo de coisa. E o mais fascinante desse caso é que o Banco Barclays, que é um dos maiores bancos ingleses, do Reino Unido, comprou a tecnologia do Quênia, porque ela sofisticou uma inovação em nível mundial.
E o segundo caso que eu citaria - e esse é um exemplo bem nosso mesmo de exportação para o mundo, e aí é da minha área de transportes - são os chamados BRTs, os Bus Rapid Transit, diante de uma realidade que nós não vamos ter como construir metrôs nas nossas cidades por uma razão muito simples, um metrô custa cem milhões de dólares por quilômetro, então ele vai ficar fora da realidade econômica dos países em desenvolvimento. Enfim, os países que construíram redes sofisticadas de metrô o fizeram no final do século XIX, início do século XX, com a mão de obra extremamente barata, com uso do solo, com o valor da terra muito baixo. Então, nós não vamos conseguir. Por outro lado, nós conseguimos desenvolver tecnologia com ônibus, com capacidade bastante elevada, se aproximando da capacidade dos metrôs.
Quer dizer, hoje, a Colômbia, Bogotá, é o benchmark para o mundo de um sistema. O pessoal da Europa e dos Estados Unidos vai lá para conhecer como funciona um sistema eficiente de ônibus.
Então, isso estamos chamando de inovação reversa, quando desenvolvemos uma tecnologia e os países mais avançados econômica e tecnologicamente acabam importando tecnologias desenvolvidas por nós.
Acho que esse é um espaço muito importante que nós podemos preencher, desde que nós coloquemos sobre isso os nossos esforços.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Prof. Luiz Afonso dos Santos Senna.
Indago se algum dos presentes gostaria de dirigir mais alguma pergunta aos nossos palestrantes.
Pela ordem, S. Exª o Senador Moka.
R
O SR. WALDEMIR MOKA (PMDB - MS) - Eu queria me dirigir ao Dr. Luiz Afonso.
Eu sou médico e professor, Dr. Luiz Afonso. O país para ser considerado desenvolvido tem que ser industrializado. Eu acho isso uma meia verdade. Porque, no meu Estado, nós produzimos qualquer coisa de 9 mil toneladas de milho. E o nosso consumo interno é de 2 milhões. É claro que nós queríamos poder não vender milho, queríamos vender, através da avicultura, o frango, o suíno, porque nós estaríamos agregando valor. Porém, há uma sobra de 7 mil toneladas. Então, nós podemos tanto estimular a vinda de mais indústrias, mas o excedente nós podemos também transformar em riqueza, vendendo as nossas commodities.
E existem países desenvolvidos, sim, cuja principal arrecadação, a principal fonte de riqueza são commodities.
Por isso, eu acho que essa afirmação que eu já ouvi, não do senhor, evidentemente, mas ao longo da minha vida de que todo país civilizado ou em desenvolvimento tem que ser industrializado, para mim, é uma meia verdade, porque nós somos um País tropical, talvez o único país do mundo capaz de colher três safras num único ano. E isso faz de nós uma potência agrícola.
Então, nós temos a capacidade de desenvolver tanto a nossa indústria como vender o nosso excedente na forma de commodities.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Professor.
O SR. LUIZ AFONSO DOS SANTOS SENNA - Estou de pleno acordo com o senhor, inclusive vou além.
A produção que nós temos no Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste, de uma forma geral, é fruto de alta tecnologia. O que eu digo é que, só corrigindo, há uma expressão em economia que o pessoal usa que é a maldição da commodities. Qual é o problema quando se depende só do petróleo? A Venezuela depende só do petróleo.
Na realidade, o que eu estou dizendo é que nós precisamos... E mais do que isso, Senador, eu diria assim: um país como o Brasil, a soja não é produzida em São Paulo. Então, nós temos que explorar a vocação de cada região, e dar para essa região... Eu não tenho a menor dúvida. Cada vez que eu vou ao Mato Grosso do Sul e vou ao Mato Grosso eu volto encantado de lá porque lá nós temos os maiores índices de produção do agrobusiness no mundo. Nós somos a referência, nós somos o paradigma. E é fruto de uma estratégia que o País desenvolveu, ou aportou. Quer dizer, temos lá na base a nossa Embrapa desenvolvendo sementes e grãos resistentes ao tempo, às pragas, etc., que faz com que nós tenhamos isso.
Na realidade, a soja é uma commodity hoje com alto valor agregado, no sentido de que tem muita tecnologia. Eu venho de um Estado em que a soja começou por lá. E em um momento disseram assim: olha, o Rio Grande do Sul não tem como produzir mais soja agora porque toda área factível de ser explorada para plantação de soja já foi... O pessoal está desenvolvendo soja onde havia arroz, onde havia gado, porque desenvolveu tecnologia para isso.
R
Então, óbvio que nós temos que investir pesadamente, porque nós somos os melhores. O grande problema que nós temos é o que o senhor apontou hoje: nós produzimos soja por uma fração da produção da soja americana, por exemplo, só que quando chega ao mercado consumidor ela chega mais cara. Então, quando eu falo... Para nós sermos desenvolvidos, eu não tenho dúvida, nós também temos que ser industriais, mas nós temos que explorar a vocação de cada região e dar as condições.
Eu diria o seguinte, o grande problema, hoje, no Brasil, não está da cerca da fazenda para dentro, da porteira da fazenda para dentro, o grande problema está da porteira para fora, nossos portos são ineficientes, as nossas rodovias são ineficientes. O custo Brasil, o custo logístico do Brasil, é que nos está deixando ficar com indicadores de competitividade aquém dos que nós poderíamos.
Eu não tenho a menor dúvida, a soja, o milho, tudo o que nós produzimos, nós somos ponta no mundo. Os americanos nos invejam, isso é uma coisa diferenciada.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Senador Moka, satisfeito?
O SR. WALDEMIR MOKA (PMDB - MS. Fora do microfone.) - Estou satisfeito, muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado a V. Exª.
S. Exª, o Embaixador de Angola, Nelson Manuel Cosme.
V. Exª tem a palavra.
O SR. NELSON MANUEL COSME - Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Collor de Mello. Gostaria também de cumprimentar a Mesa.
A integração regional é um tema que nos interessa, sobretudo vindo de um país africano em que vemos a integração como uma solução, como um caminho da aceleração do nosso crescimento e também do nosso desenvolvimento.
Então, Embaixador Botafogo, eu compartilho imensamente, assim como com algumas informações que foram aqui prestadas e dadas pelo Prof. Luiz Senna.
A minha questão fundamental, Embaixador, é a seguinte. Podemos considerar que o Mercosul está realmente, em uma visão global, em uma perspectiva de integração global? Ou está em uma fase de cooperação que deve ser realmente transformada em um processo de integração?
Faço-me compreender, Embaixador?
Vou repetir.
Os economistas, quando a gente fala em processo de integração, há processos de integração, mas há processos de cooperação que não chegam ao processo de integração. Pode haver a cooperação entre quatro países, mas essa cooperação não significa integração regional.
Pelo que nós assistimos no Mercosul realmente e se considerarmos o processo de integração como um processo em si com várias etapas, olhando para o modelo europeu, nós estamos em uma etapa incipiente e, mesmo nela, não concluída. Estamos de acordo, professor.
Esta etapa mais se assemelha a um processo de cooperação elevado do que um processo profundo de integração, a meu ver.
A minha pergunta é, professor, nesta nova visão de integração regional com perspectiva global, estará, por exemplo, o Mercosul preparado para um processo de integração global, onde a etapa de defesa, com uma política de defesa conjunta, pode ser possível?
Uma questão.
R
A outra questão que eu coloco, Professor, é saber se, na perspectiva em que coloca, que Brasil e Argentina lideram - como digo, como todo processo de integração - a locomotiva, não estaríamos face a um processo de integração à geometria variável? E se isso seria bom realmente nesta nova visão de integração regional que o Professor e que, realmente, o Embaixador Botafogo nos colocam?
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado a V. Exª, Sr. Embaixador Nelson Manuel Cosme, pela sua participação e pela pergunta que acaba de formular.
Passo a palavra ao Sr. Embaixador José Botafogo Gonçalves e, em seguida, ao Prof. Senna para respostas.
O SR. JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Embaixador, a primeira resposta é a seguinte: o Mercosul não está ainda preparado para essa segunda fase. Acho que essa foi uma observação que fiz durante a minha palestra. Por quê? Porque, para que se prepare a segunda fase, nós temos que mudar a nossa concepção de crescimento. Nós temos que adotar um modelo de crescimento diferente daquele que funcionou até hoje e que, diga-se de passagem, não funcionou mal não, funcionou bem e é por isso que ele persiste.
O processo de substituição de importações - que foi estabelecido a partir de 1950, no Brasil, por impulso da Cepal -, a ideia de industrialização, Senador, que nós adotamos transformou o Brasil de um país rural para um país industrial. O País mudou dramaticamente para melhor nesses anos todos. Então, funcionou bem.
O fato de ter funcionado bem não quer dizer que ele vai continuar funcionando bem, está na hora de mudar esse sistema. Se mudarmos esse sistema e adotarmos essa visão global, evidentemente, então, as consequências serão de que o Mercosul terá um processo de integração, que é mais do que um processo de aumento de comércio, é um processo de integração que envolverá duas questões - eu já vou responder a sua pergunta: uma, a energia, ao longo das próximas décadas - isso é uma especulação, Sr. Presidente, importante que esta Comissão talvez devesse fazer -, vai sofrer grandes transformações mundiais, o comércio de energia. O Oriente Médio vai, cada vez mais, ter um papel menor na produção e no seu valor político, porque o petróleo está deixando de ser a principal commodity para ser substituído por outras fontes mais renováveis e de baixo carbono. O poder político do Oriente Médio vai cair.
Em compensação, o movimento de energia no Atlântico Sul vai disparar. Então, o Atlântico Sul será o mar da energia a partir da segunda metade do século XXI. E isso implica, obviamente, uma visão de defesa que o Brasil, a Argentina e Uruguai, que são países atlânticos, terão que ver com relação a toda a costa ocidental da África.
Muito cedo, muito rapidamente, mais do que se imagina, vai ser necessária uma estratégia em que a defesa dos interesses seja uma defesa compartilhada com os países da África Ocidental e Angola, obviamente, vai ser um deles, mas não me refiro só ao seu país, é de modo geral assim. E isso implicará, evidentemente, uma transformação da relação que Brasil e Argentina têm com o resto do mundo. Eu acho que, como a Europa, França e Alemanha resolveram os seus problemas e são motores e continuam sendo motores da integração, nós vamos poder realizar que Brasil e Argentina sejam motores da integração sul-americana, que não pode parar na América do Sul, terá que parar... Vai continuar sempre.
R
Então, acho que com isso eu respondo as suas indagações, não há dúvida nenhuma. Mas esse tema... Esta Comissão é de relações exteriores e defesa. Acho que esse tema de como vai ficar o comércio do Atlântico Sul e o comércio de energia no Atlântico Sul, no futuro, seria de extremo interesse que fosse tratado no seio desta Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado, Embaixador José Botafogo Gonçalves.
Passo a palavra ao nosso Prof. Luiz Afonso dos Santos Senna.
O SR. LUIZ AFONSO DOS SANTOS SENNA - Eu não tenho muito o que acrescentar ao que o Embaixador já mencionou. Eu só diria que o processo de globalização - que talvez esteja agora momentaneamente em uma segunda marcha, em seguida vai engatar uma terceira e quarta, isso é inevitável que aconteça - vai realmente demandar posturas diferentes.
Eu diria que o Mercosul, por exemplo, é um dos locais em que nós temos um grande potencial de crescimento, até porque os grandes outros blocos, que já estão mais velhos... Tu pegas a própria Europa, por exemplo, em que tu tens que a expectativa de taxas de crescimento da Europa não vai ser muito grande por definição: a população está velha, os níveis de consumo já estão no seu topo.
Eu participei de um estudo que envolveu os BRIC, os quatro países do BRIC sem a África do Sul, os BRICm comparando algumas questões de transporte, de tendências, observando tendências para os próximos 20, 40 anos de mobilidade e comparando com países já em estágio mais estabilizado, como Alemanha, Estados Unidos etc.. E o que a gente vê é que realmente no Brasil - e eu diria que na Argentina, juntamente - é onde há populações ainda relativamente jovens, que estão envelhecendo rapidamente, mas com grande potencial de consumo. Então, a gente é naturalmente um grande polo, grande foco de um interesse global.
E algum nível de coordenação desses países para enfrentar esse novo cenário mundial, global, acho que é muito fundamental. Daí a relevância, eu diria, do Mercosul em relação a isso, eu não tenho dúvida. Por exemplo, as questões de renda, expectativa de crescimento de renda, expectativa de poder de consumo crescente, a gente encontra aqui no Brasil, e não encontra nos outros países do BRICS.
A população da Rússia é velha e ainda com problemas a serem enfrentados, até em nível institucional de organização do próprio país pós-União Soviética, que ainda está em andamento. A Índia com uma superpopulação e a própria China, que tem que controlar, porque tem uma superpopulação. A gente tem o tamanho ideal, juntando, do ponto de vista populacional, recursos naturais de todas as ordens. Então, realmente acho que essa inserção pode se dar de forma bastante qualificada.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Professor Luiz Afonso Dos Santos Senna. Indago a S. Exª o Embaixador se está satisfeito com as respostas.
Agradeço a V. Exª, mais uma vez, a sua participação e gostaria, com a permissão de V. Exªs, de fazer alguns comentários sobre esse processo de integração. Nós costumamos sempre ver um processo de integração pelo lado econômico e pelo lado político, nos esquecendo de outros fatores que o processo de integração carrega no seu bojo. No caso da constituição do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), o que ela trouxe de mais importante no seu bojo, logo no primeiro ano de sua existência como bloco, foi a construção de um clima de paz no Cone Sul, porque, em todo processo de integração, aqueles que estão fazendo dele parte estão dizendo: se nós estamos nos integrando, nós estamos dizendo um ao outro que quereremos viver em paz. No Mercosul, isso foi muito mais ainda adiante.
R
Havia, em 1990, 1991, uma corrida armamentista entre Brasil e Argentina, em busca de quem, qual dos dois países, primeiro alcançaria o conhecimento da fissão nuclear para construção de artefato nuclear, o que era naturalmente algo que criava uma instabilidade muito grande nessa parte do nosso continente.
Antes mesmo de o Mercosul começar a dar os seus primeiros passos, o governo brasileiro e o governo argentino assinaram um acordo que hoje é um acordo reconhecido internacionalmente como um dos mais avançados e mais apropriados. Dentre de todos os acordos de área nuclear já firmados, Brasil e Argentina assinaram um acordo em que abdicaram da sua corrida armamentista, não do conhecimento do átomo para fins humanitários, para fins medicinais, por exemplo, mas abriram mão da corrida armamentista na busca de se construir artefatos atômicos. Mais do que isso, Brasil e Argentina abriram e baniram do continente qualquer construção, pesquisa em relação a armas químicas ou bacteriológicas.
Em um mundo conturbado como esse em que hoje nós estamos vivendo, quanto que não vale algo como isso conquistado pela Argentina e pelo Brasil, de nós temos uma zona desnuclearizada, sem qualquer possibilidade de haver rusgas que façam, que friccionem, fatos que friccionem e que causem alguma instabilidade na nossa região? Paz, integração econômica significa paz.
Essas questões comerciais todas são discutidas - e têm que ser discutidas. Temos vários problemas na questão nossa aqui do Mercosul, temos inúmeros pontos para debatermos e superarmos. Agora mesmo foi constituída a comissão, o Grupo Parlamentar Brasil-Argentina, constituído por Parlamentares brasileiros e Parlamentares argentinos.
R
Nós fizemos aqui a nossa terceira reunião semana retrasada - inclusive o Embaixador José Botafogo Gonçalves esteve presente -, em que nós elegemos a nossa agenda. Temos uma pauta em que estaremos tratando dessas questões constantes da pauta aprovada nessa reunião do lado do Brasil e do lado da Argentina, com o apoio dos embaixadores da Argentina no Brasil, o Embaixador Carlos Magariños, e o embaixador do Brasil na Argentina, que é o Embaixador Sérgio Danese.
Enfim, então, estamos trabalhando para retirar e não somente detectar os gargalos que nós já conhecemos, como aqui disse o Prof. Luiz Afonso com muita propriedade, sobretudo os gargalos nessa área de infraestrutura, mas também na questão aduaneira, na questão fitossanitária, na questão das nossas hidrovias, nas questões ainda aduaneiras. Para isso, existe a vontade política de se vencer esses obstáculos e de se constituir, então, o mercado realmente como nós desejamos.
Estamos mais atrás, um pouco mais atrasados do que desejávamos? Sim, estamos, mas eu gostaria de anunciar aos senhores e trazer aqui a palavra de um colega dos senhores embaixadores, de V. Exªs senhores embaixadores aqui presentes, que é a do embaixador da União Europeia aqui no Brasil, o Embaixador Cravinho, que me disse - esteve fazendo uma visita extremamente gentil e generosa a esta Comissão - que, dentro de oito meses, e isso já lá se vão dois ou três meses, já estariam superadas as dificuldades no campo fitossanitário para que pudéssemos assinar o acordo Mercosul-União Europeia.
Então, se já estamos às vésperas... Eu espero que esse não foi um prognóstico que o Embaixador Cravinho fez, foi algo que ele me disse, inclusive me deu as datas da agenda que ele tinha a ser cumprida para resolver essa questão fitossanitária. Se isso vai acontecer com a comunidade europeia, o Mercosul não está tão mal das pernas. Ele pelo menos existe, está sendo reconhecido. Poderia estar melhor? Sim, sem dúvida, poderia e haverá de estar melhor.
Há hoje uma conjugação de esforços dentro do Mercosul, com todos os parceiros, o Paraguai, o Uruguai, a Argentina, o Brasil. A Argentina e o Brasil, em um processo de sinergia extremamente forte no presente momento, com as duas Casas Legislativas, ou melhor dizendo, com os dois Congressos, da Argentina e do Brasil, também empenhados dentro da diplomacia parlamentar de poder dar um suporte à diplomacia tradicional, que é insubstituível. A diplomacia parlamentar não substitui a diplomacia tradicional. Essa a V. Exªs e aos governos de V. Exªs, como ao governo brasileiro, é que cabe ditar qual serão os rumos da nossa política externa.
R
Mas, fazendo um trabalho complementar àquilo que está estabelecido em relação às linhas mestras das políticas externas de nossos países, os nossos Parlamentos podem trabalhar de forma proativa, de forma muito producente para ajudarmos a acelerar esse processo, já que várias dessas medidas que são tomadas no processo de integração passam pelas Casas Legislativas, a imensa maioria delas. E é preciso que essas Casas estejam, portanto, mobilizadas.
De modo que eu acredito, sou um daqueles que acreditam em um processo de integração como fator de estabilidade, de paz e de segurança no mundo. Eu sou absolutamente favorável, ardoroso defensor de uma integração do acordo do Mercosul com países da África, com países amigos. Nós temos na África, por exemplo, nossas raízes, onde nós temos o nosso sentimento, o nosso coração ali está plantado.
Tivemos agora, in loco, o conhecimento do extraordinário trabalho que vem realizando o Reino do Marrocos nessa questão da integração econômica com países da África. E é algo impressionante o que o Reino do Marrocos vem realizando, já tem mais de 55 acordos comerciais, dos quais 33 com países do continente africano. Quer dizer, o que demonstra tudo isso é que há uma vontade, um afã, um desejo, algo que vai dentro de cada um de nós em um mundo tão conturbado, no presente momento, extremamente conturbado, que é nós fazermos, pela via do comércio, a construção de um mundo de paz. Simples assim.
Quem comercializa, quem faz o comércio não briga, discute. Discute o preço, discute o preço. E faz parte, inclusive, da negociação, é até um processo instigante e prazeroso. Mas quem comercializa não quer guerrear, quem comercializa quer viver em paz. Então, o comércio é um dos caminhos que nos conduz à construção de um mundo de paz e de estabilidade, que nós hoje tanto ansiamos.
Dito isso, agradecendo mais uma vez a participação dos senhores, eu passo a palavra a S. Exª o Senador Jorge Viana, Vice-Presidente desta Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e Presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) - Sr. Presidente, queria cumprimentá-lo, cumprimentar a Deputada Bruna Furlan também, meu colega Moka. Estamos aqui em um dia diferente, temos sessão deliberativa. Tivemos hoje, eu acabei de retornar. Queria cumprimentar o Sr. Embaixador José Botafogo, a quem todos nós temos em extraordinária conta, e, claro, também ao Dr. Luiz Senna. E cumprimentar também os embaixadores, convidados todos aqui presentes, servidores que nos auxiliam aqui na nossa Comissão.
Eu queria apenas fazer alguns comentários finais, não é nenhum questionamento. Há pouco tempo, nós tivemos aqui a presença do Embaixador Roberto Azevêdo, numa iniciativa do Presidente Fernando Collor, Presidente desta Comissão, de convidá-lo. Foi uma extraordinária manhã quando nós pudemos ouvir aquele que, como brasileiro, pela primeira vez ocupa um dos cargos mais importantes, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, foi reeleito e reassume agora, em setembro. Exatamente agora ele está assumindo um mandato de mais quatro anos. Ele pôde explanar um pouco dos desafios das relações comerciais, econômicas, da integração no mundo.
R
Aproveitando esse debate... Porque o nosso propósito é estender pontos ou erguer barreiras? Esse é um dos propósitos, já é o 11º painel que nós estamos fazendo, e eu fiquei muito reflexivo, assim, como fazer uma reflexão sobre... Ele falou muita coisa importante, mas algumas delas me chamaram muito a atenção. Ele associou a questão do comércio com internet, por exemplo, e falou do mercado eletrônico. Quando se discute mercado eletrônico, vale para dentro. Nós estamos em uma situação ainda pouco definida. Alguns Estados trabalham muito com o mercado eletrônico, são bases de empresas, e outros não. É um desafio para a tributação, é um desafio para os tributos dentro do Brasil, mas, quando você vai para o mundo, é mais complexo ainda. Ele deu números que são assustadores, falando que, de 2012 e 2013 para cá, o comércio eletrônico saiu de US$12 trilhões ou US$13 trilhões para US$22 trilhões, que é o último dado - US$22 trilhões, e o nosso País está fora, segundo informações dele.
Estou falando isso porque acho que o Brasil tem algo, Presidente... Nesse debate, eu não sei... Não estou ocupando o Itamaraty, não estou ocupando o Ministério do Comércio Exterior, mas é algo que eu queria entender um pouco melhor. A política que nós temos com os vizinhos, com os países vizinhos, eu já falei uma vez aqui, é uma política um pouco perversa. Nós ganhamos dinheiro com todos os vizinhos, tiramos dinheiro de todos os vizinhos e perdemos para quem não é nosso vizinho. Ou seja, nós ganhamos dos vizinhos, vivemos em função deles e perdemos, gastamos com os que não são nossos vizinhos. Exatamente o contrário do que a China faz: a China perde dinheiro com todos os países vizinhos, do entorno dela, talvez aí ela estabeleça uma relação de dependência deles com ela, e o Brasil faz o contrário. E nós nunca fomos um país, pelo menos eu não vejo assim, de explorar, mas eu acho que falta muita integração nossa com Bolívia, com Peru. Eu vivo ali na fronteira, eu vivo na fronteira. Mesmo com a Argentina, nunca resolvemos... O Presidente está falando desse grupo, e eu fiz um apanhado breve aqui.
Nessa crise que nós estamos vivendo, veja a situação, nessa crise econômica que nós estamos vivendo, o reflexo dela nos países vizinhos: a queda nas importações, que já são precárias, nossas com os vizinhos, foi de 27% de 2014 para 2015 - quase um terço do que os nossos vizinhos exportavam para nós desapareceu. O problema não foi só esse, mas chegou a quase 30% no ano passado de queda de novo. Então, nós deixamos de importar quase a metade do que importávamos. E aí eu estou pondo aqui Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Vou dar os números. Participação do Brasil nas exportações desses países: da Argentina, 18%, pelo menos era; Bolívia, 27%, quase um terço; Chile, 5%; Colômbia, 3%, mas aqui já há uma queda, que foi de 2014 para 2015, esses são números de 2016; Paraguai, 31%; Uruguai, 14%, Venezuela... Então, a queda nas importações da Argentina - aqui eu estou falando em 2015 - foi de -27%; da Bolívia, -34%.
R
Já imaginou o baque que esses países tiveram nas suas contas? A Bolívia exportava quase 1 bilhão para o Brasil, claro, tem o gás, mas deixou isso... Virou a metade, em dois anos virou a metade. Imagine um país como a Bolívia, com o PIB que tem. No Chile, foi 15% a queda; na Colômbia, foi 30% a queda; no Equador, 17%; Paraguai, 26%. Ora, o Paraguai também tem 31%. Claro, tem Itaipu nas exportações dele para o Brasil, e isso cai 26% em um ano e o mesmo número no outro; Peru, 26% também de queda; Uruguai, 36%; e a Venezuela 42% em um único ano.
Então, eu não sei, nós não debatemos isso. Acho que o Brasil precisava trabalhar um pouco melhor essa política com os vizinhos. Discutimos sempre Mercosul, agora vamos estabelecer um acordo com a União Europeia, que é óbvio que eu defendo, mas eu acho que é muito... Não sei se é muita política e pouca economia, porque eu vejo os Estados Unidos com a Venezuela nessa crise, até de ameaça de intervenção, mas os negócios eles põem à parte e seguem - ainda bem que seguem - comercializando lá petróleo, um comprando, outro vendendo.
Eu queria pôr um aspecto só, Presidente. Eu ressalto esse. Quando eu falo do comércio eletrônico, voltando um pouco, eu acho que nós... Vejo isso lá no Acre, na fronteira com o Peru. Fizemos uma rodovia, e é absolutamente precária a aduana, do ponto de vista da facilitação. É uma tecnocracia proibitiva, na relação com os vizinhos, de ir e vir, do comércio, proibitiva. É o pior negócio do mundo alguém que está em um Estado vizinho ao Acre, ou no Acre, ou em um Estado vizinho, Madre de Dios, ou Pando, Bolívia e Peru, e o Acre querer estabelecer uma relação comercial. É um sofrimento sem fim, todo tipo de dificuldade acontece. É muito mais fácil o pessoal exportar via portos para Santos e depois internalizar aqui do que tentar fazer via fronteiras.
Isso é gravíssimo e se reflete no tal comércio eletrônico. Eu perguntei para o Embaixador Roberto Azevêdo: "Mas, por quê?" Ele disse: "O comércio eletrônico é usando rede de computadores de absoluta confiança. Eu vou, entro, escolho o produto, compro, mas esse produto, quando chega à minha casa, pode ter algum problema, eu posso ter que trocá-lo." Ele falou: "No Brasil, isso não existe; se vender algo e a pessoa não gostar, trouxer de volta para cá, quando for sair, ou na entrada, vai ter de pagar imposto ou vai desaparecer nos armazéns das aduanas." E foi o Secretário-Geral da Organização Mundial do Comércio.
E o Brasil está fora, porque não é confiável para essa relação de ir e vir das mercadorias que, pela internet, é algo que ganhou o mundo em uma dimensão exponencial, que ninguém sabe onde vai parar. Os Estados Unidos já estão vendendo carro pela internet, você compra pela internet e depois vai receber o carro - não tem que passar por nenhuma concessionária ou coisa que o valha.
Então, talvez, Presidente - eu concluo -, eu acho que nós deveríamos aqui, já que nós queremos estender pontes e não pôr barreiras, fazer uma discussão um pouco melhor, e até como legislador eu pretendo entrar um pouco nisso porque vou levar a sério o que eu ouvi, de ver se criamos uma política diferenciada, como os outros países já estão fazendo, para o comércio eletrônico internacional, que eu estou dizendo, para que o Brasil possa exportar, possa ganhar a confiança de quem compra, o que nós não temos hoje. Mas talvez um debate um pouco mais objetivo sobre quais são as barreiras, os muros que nós temos para exportar e até mesmo para importar hoje? A nossa legislação é moderna? O sistema que nós temos de aduana é atual, é competitivo ou não é? Porque, se não for, esqueçam, não vai haver solução. Uma coisa é exportar commodities. São milhões e milhões de toneladas. Aliás, eu nunca gosto disso, Professor. Eu ouvi V. Sª falando da soja, mas o Brasil começou exportando pau-brasil, não deu certo. Depois, pegou todo o ouro que tinha em Minas, não deu certo; pegou diamante, também não deu certo; pega madeira, não dá certo; minério de ferro... Nós vamos passar... Por 500 anos já foi assim.
R
Acho que nós tínhamos que pensar em agregar valor de verdade. Eu fui ao Rio Grande do Sul. Vou pegar um exemplo: o arroz do Rio Grande do Sul é fantástico. Eles têm uma produção de arroz maravilhosa, têm clima, têm um ambiente solo, dominaram, mas produzir arroz, armazenar, ensacar e vender, será que é um bom negócio? Eu acho que não. Que tal se lá fosse um dos lugares que mais desenvolvessem produtos a partir do arroz, que agreguem valor, vendendo dezenas de possibilidades que o arroz gera. Eu acho que falta isso para o nosso País.
Como a gente tem muita terra, tem muito volume, tudo aqui é muito grandioso, a gente resolve vender tudo in natura também. Mas, se já exportamos ouro, não deu certo; diamante não deu certo; pau-brasil não deu certo, minério de ferro não deu certo, soja, também. Imagine. Só nós que fazemos essa loucura de exportar tudo in natura em commodities. E aí não cuidamos de trabalhar o refinado das aduanas para exportar coisas que possam, de fato, agregar muito valor e possibilitar que pequenos exportadores se apresentem.
Também aí há o mais grave problema que talvez valha um debate aqui: todos os outros países trabalham com pequenos exportadores. O Brasil trabalha com grandes exportadores. Nesse caminho, nós não vamos ter margem para poder entrar nesse mundo novo da internet, da exportação, do comércio eletrônico. Pode-se exportar tudo por ele, desde que criemos as condições para que ele aconteça e se instale. Então, o Brasil está fora de um mercado que, daqui a cinco anos, talvez, vire US$50 trilhões, e o Brasil está fora.
Eu queria deixar essa sugestão para, em algum momento, quando formos pensar em alguns nomes, fazer esse debate sobre as barreiras, os muros que nós temos para que o Brasil seja competitivo na facilitação de exportação e também, obviamente, de importação.
E, claro, um debate da relação nossa com os vizinhos. Por que importamos tão pouco dos vizinhos e não criamos uma política de: "Olha, Bolívia, produza isso. Peru, produza aquilo?" E nós vamos importar, em vez de importarmos da Ásia, ou sei lá de onde, para suprirmos as nossas necessidades.
Se tivéssemos a chance de ter um pequeno comentário do Embaixador Botafogo ou mesmo do Professor, eu agradeceria.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Obrigado a V. Exª, Senador Jorge Viana.
E passo a palavra ao Embaixador José Botafogo Gonçalves.
O SR. JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES - Senador, o que o senhor falou é absolutamente correto. Não sei se a resposta vai ser satisfatória para todos. A verdade é que o modelo brasileiro, volto a repetir - e a minha experiência de 40 anos no Itamaraty confirma isso -, é um modelo que dá preferência ao mercado interno em relação ao mercado externo.
Qualquer esforço de negociação, desde a Rodada Tóquio, de que participei, tinha sempre um funcionário da Cacex de então que dizia o seguinte... Sobre chocolate... Eu me lembro porque participei. A Europa queria vender chocolate ao Brasil. Então, vinha um estudo da Cacex que dizia: o Brasil exporta menos chocolate do que importa. Nós somos deficitários no comércio internacional de chocolate. Então, não faz acordo, não oferece nada. E assim era.
R
Nós, com relação à América do Sul, continuamos, apesar de termos reduzido as barreiras, praticamente eliminado as barreiras tarifárias, continuamos com as barreiras não tarifárias.
Não me lembro... Acho que há pouco tempo o Equador queria vender banana. Não conseguiu vender um pouquinho mais de banana que o Brasil. Sempre aparece alguém aqui que quer impedir o Brasil de comprar banana, de importar frutas.
Eu também me lembro de que, quando trabalhava no Mercosul, o então ministro da Indústria da Bolívia queria vender mais camisas, parece que a camisa boliviana era muito boa, e vendia para essa cadeia Richards, que é uma cadeia de roupa chique de homem aqui no Brasil. Não conseguia cota para vender mais camisa, porque a indústria brasileira se sentia ameaçada pela indústria boliviana de camisa. Esse problema, desculpe-me, Senador, ainda existe hoje com grande força.
Então, esse é um esforço que realmente - e o senhor tem toda a razão - é preciso fazer. E é preciso encontrar uma maneira de penalizar a burocracia que fica amarrada a esses hábitos e que não respeita os acordos internacionais que foram feitos.
Nós temos superávit comercial praticamente com todos os países da América do Sul. E isso não se justifica, porque nós somos protecionistas. Eles se queixam com razão. É tudo meio escondido, é tudo complicado. Vá a Camex e verá a quantidade de queixas que eles têm.
Então, vale a pena fazer um exercício especificamente sobre isso, para verificar como a burocracia estabeleceu-se aqui no Brasil dentro ainda do conceito de proteção absoluta ao mercado brasileiro, o que significa o seguinte: importar é sempre ruim, exportar é uma maravilha. Não dá para fazer comércio, que é uma via de mão dupla, como acabou de dizer aqui o Senador. Tem que ser dos dois lados. É um processo cultural, é um processo burocrático, é um processo político. E eu acho que esse é um problema que vai mais do que a burocracia. Acho que devia haver um debate entre os principais partidos políticos, porque os nossos partidos políticos também são muito confusos em relação ao comércio internacional, seja de esquerda, seja de direita, seja de centro. Os nossos partidos políticos têm também uma agenda de comércio internacional muito mal estruturada.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Obrigado, Embaixador.
Eu perguntaria ao Prof. Luiz Afonso se teria alguma consideração a fazer.
O SR. LUIZ AFONSO DOS SANTOS SENNA - Não, eu acho que o Embaixador complementou com maestria.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado a V. Exª.
Então, eu gostaria, mais uma vez, de agradecer a presença no nosso painel de hoje de S. Exªs o Embaixador Nabil Adghoghi, do Reino do Marrocos; o Embaixador Nelson Manuel Cosme, de Angola, no nosso País; a Embaixadora Gisela Padovan; o Brigadeiro Maurício Augusto Silveira de Medeiros; o Ministro Conselheiro Ahmed Drif, da Embaixada do Reino do Marrocos; sim, antes, S. Exª o Encarregado de Negócios da Côte d'Ivoire, Lamine Kanté; também o Conselheiro Wilfredo Chávez Serrano, do Estado Plurinacional da Bolívia; o Secretário Rodrigo Conde Garrido, da Embaixada da República Argentina; Primeiro Secretário Faleg Valdez Cópas, da Embaixada do Estado Plurinacional da Bolívia; o Segundo Secretário Sebastião Tomáz, da Embaixada de Angola; o Adido Civil Aleksandr Kratkovsky, da Embaixada da República da Bielorrússia; e S. Exª a Srª Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados Deputada Bruna Fulan.
R
Muito obrigado a V. Exªs pela participação e pela presença.
Conforme já divulgado aqui anteriormente, nós daremos prosseguimento aos nossos painéis e, no próximo dia 18 de setembro, segunda-feira, ocorrerá o 12º Painel, às 18h, no plenário desta Comissão, quando será abordado o tema: "Os BRICS e a ordem internacional contemporânea: para onde vão os gigantes emergentes?"
Para debater e expor o tema, teremos como convidados o Dr. Renato Balmann, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília; o Dr. Agnelo de Oliveira Segrillo, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo; e o Dr. Marcos Degaut, Secretário-Adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Agradeço, mais uma vez, a participação das senhoras e dos senhores já citados aqui presentes, além dos palestrantes, S. Exªs, o Embaixador José Botafogo Gonçalves e o Prof. Dr. Luiz Afonso dos Santos Senna, pelas suas brilhantes exposições.
Antes de encerrarmos os trabalhos de hoje, convoco as Srªs e os Srs. Senadores para a nossa próxima reunião deliberativa a realizar-se no dia 14 de setembro, quinta-feira, às 9h neste plenário.
Agradecendo a todos, mais uma vez, pela audiência, aos nossos internautas e àqueles que nos acompanham pela TV e Rádio Senado, declaro encerrada a presente reunião.
Boa noite.
(Iniciada às 18 horas, a reunião é encerrada às 20 horas e 16 minutos.)