20/09/2017 - 32ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Bom dia a cada uma e a cada um!
Havendo número regimental, declaro aberta a 32ª Reunião, Extraordinária, desta Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 3ª Sessão Legislativa Ordinária dentro da 55ª Legislatura.
A presente reunião atende ao Requerimento nº 41, de 2017, desta Comissão, de minha autoria, para a realização de audiência pública destinada a debater o tema "Base Nacional Comum Curricular: desafios para implementação e o combate às desigualdades educacionais."
E, dando início à audiência, vou convidar os palestrantes, os debatedores, para que venham à mesa: José Francisco Soares, que é Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação; José Francisco de Almeida Pacheco, um grande educador que nos honra com sua presença aqui; André Duarte Stábile, que representa o Movimento pela Base Nacional Comum Curricular; Cleuza Rodrigues Repulho, que é Consultora do Movimento pela Base Nacional Comum Curricular; a Prof. Guiomar Namo de Mello, que é Consultora em Projetos Educacionais do Ministério da Educação; e - não sei se já está conosco - Ricardo Coelho, que chegou na hora, mas tivemos dificuldade para o ingresso dele, tendo em vista que hoje, por alguma razão que se explica, mas que não se justifica, está difícil o acesso a esta ala das comissões, em função de debates em outras comissões.
De qualquer maneira, estamos resolvendo o assunto, porque ele substitui quem estava previsto. Quem estava previsto estava na lista; quando ele veio, não entrou na lista, e estamos tentando, porque a presença do Ricardo Coelho é muito importante.
De qualquer maneira, temos aqui o Senador Wellington Fagundes, que nos honra com sua presença nesta Comissão.
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Como é do conhecimento, esta audiência tem por objetivo debater essa experiência brasileira, que já vem um pouco tarde, de implantar um currículo comum nas escolas brasileiras. Lamentavelmente, ainda só no ensino fundamental. O ensino médio creio que vai ficar para 2019.
Eu preparei algumas perguntas, que poderia deixar para fazer depois, mas que eu poderia já ler, como um indicativo, embora cada um esteja livre de falar o que quiser, como quiser, dar sua opinião, até porque vocês já vêm estudando esse assunto há muito tempo. Mas as perguntas que eu ainda tenho e que acho que a opinião pública, a população, os professores do Brasil querem saber é se essa terceira versão da Base Nacional Comum Curricular atende aos objetivos que estão inscritos no art. 205 da Constituição Federal, buscando o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
A segunda é: que medidas acham que devemos tomar para que a Base Nacional Comum Curricular seja implementada com sucesso e não seja mais um conjunto de intenções que não viram a realidade? O que é que a gente precisa fazer para que todas as crianças tenham acesso ao currículo com igual qualidade?
A terceira é se a implementação da Base Nacional poderá ser bem-sucedida sem uma presença mais forte da União na coordenação do processo de educação de base no Brasil. Se deixamos nas mãos dos Municípios, vai ser possível se ter uma base comum para 5,566 mil - da última vez que eu vi o número - Municípios?
A quarta é: qual é o papel dos professores?
Professor, muito obrigado e desculpe as dificuldades para seu ingresso aqui, que foi por culpa do Senado.
A quarta pergunta é: qual é o papel dos professores para o sucesso da implementação da Base? O que será exigido desses profissionais, que eles não têm ainda, e o que é que nós vamos oferecer a eles para que eles sejam os agentes dessa Base Comum Curricular?
Uma quinta pergunta é lembrando que as pesquisas apontam para a necessidade de articulação da Base Curricular com a formação inicial dos professores e qual será ou deverá ser a estratégia do MEC para assegurar essa articulação nacional na formação dos professores.
Uma sexta - são dez perguntas - se os senhores e senhoras entendem que tais questões foram adequadamente contempladas na última versão oferecida pelo MEC. Quais questões? As questões que a nossa Constituição prevê de que o ensino deve exprimir claramente valores, como a tolerância, a busca da igualdade, o direito a buscar a felicidade, o repúdio à corrupção e outras.
Ao mesmo tempo, nós queremos, de acordo com os nossos documentos de Constituição e leis, que essas crianças adquiram aptidões, competências, valores cívicos e tenham padrões de comportamentos sociais condizentes com a nacionalidade.
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Então, a pergunta, essa sexta, é se essas questões foram adequadamente contempladas.
A sétima é se o currículo nacional comum, na opinião dos senhores e das senhoras, supera o caráter enciclopédico que caracteriza os currículos escolares do Brasil ou, se ao contrário, vai perpetuar essa tendência.
A oitava pergunta é quais são as principais lacunas que vocês acham que existem no documento. Sabem que algumas foram apontadas nas cinco audiências públicas realizadas pelo Conselho Nacional de Educação. Então, para vocês, quais são as lacunas?
A penúltima pergunta é se procedem as críticas que se ouvem de que as mais de 12 milhões de contribuições da consulta pública feita pela internet foram pouco aproveitadas, ou se o processo de aproveitamento não foi transparente.
E a última pergunta, o que não impede que tenhamos onze, doze, treze perguntas, etc., é: quais as experiências internacionais em matéria curricular que os senhores apontariam como referência para não apenas fechar a formação do currículo nacional como também implementar a sua realização para que não fique apenas no papel?
Dito isso, eu quero dizer duas coisas, ou seja, a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com o serviço de interatividade com o cidadão, através do Alô Senado, pelo telefone 0800-612211, e pelo e-Cidadania, por meio do Portal www.senado.leg.br/ecidadania, e que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
A segunda questão que eu quero colocar é que a Presidente desta Comissão está presente, Senadora Lúcia Vânia, e eu a convido para presidir a reunião pelo menos durante o período em que puder ficar aqui.
A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - GO) - Eu agradeço, Senador Cristovam, mas gostaria de ficar aqui mesmo para prestar mais atenção na discussão.
Quero aproveitar a oportunidade também para cumprimentar os senhores expositores. Estarei aqui para ouvi-los.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Muito obrigado, Senadora.
Espero que a sua presença não iniba a Mesa, porque a senhora é a Presidente da Comissão.
Bem, dito isso, eu vou dar início às exposições dos convidados na ordem dos nomes que eu citei: José Francisco Soares, José Francisco de Almeida Pacheco, André Duarte Stábile, Cleuza Rodrigues Repulho, Guiomar Namo de Mello e Ricardo Coelho.
Prof. José Francisco Soares, a palavra está com o senhor.
Nós temos aqui, em geral, 15 minutos para cada expositor. Mas não vamos ficar cortando a palavra. Creio que esse assunto merece um debate com a maior liberdade possível. De qualquer maneira, não se assuste, porque, automaticamente, uma campainha toca aos 15 minutos. Isso é mais para orientar do que para cortar a sua palavra.
Prof. José Francisco.
O SR. JOSÉ FRANCISCO SOARES - Vou começar agradecendo o convite para estar aqui na presença desses colegas, com os quais já participei de tantas discussões a respeito da Base Nacional Comum, e dizendo da minha satisfação de, pela primeira vez, ter um companheiro com o nome igual ao meu: José Francisco Pacheco e José Francisco Soares.
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Eu queria começar dizendo o que é uma Base Nacional Comum. Eu queria sublinhar o "nacional" e o "comum", que são expressões da cidadania. Nós estamos vivendo um momento no País onde o comum não tem tido a voz que deveria ter. Nós temos o específico, o identitário. E a base, portanto, terá dificuldade à medida que ela procura dizer o que todos devem aprender. Agora, em cima desse "todos" se constrói o singular. O segundo termo, naturalmente, é base, é base para construir. E o que se constrói? O Senador Cristovam sinaliza lendo o 205. Em cima do comum, eu vou construir o meu desenvolvimento, o meu pleno desenvolvimento, a minha inserção no trabalho e a minha inserção na cidadania. No entanto, é muito importante dizer que a lei brasileira sempre, ao se referir ao nacional e comum, se refere à parte diversificada. Não existe um Brasil. São muitos brasis. Portanto, o legislador, desde a Constituição, insiste nesta complementariedade: o comum e o específico. Gosto de dar exemplos, sendo mineiro: seria um absurdo que a proposta pedagógica das escolas de Mariana não contemplasse o desastre ecológico, que mudou a cidade do ponto de vista social e do ponto de vista físico. Então, existe uma parte diversificada, que resolveria grande parte dos problemas que estão sendo colocados. Em muitas das discussões, há uma certa reclamação: "Ah, isso não pode estar..." Bem, insira no projeto da sua escola, mas outros terão outra visão. O que a gente não pode abrir mão é do comum, do nacional, do que constrói a cidadania.
A educação está intimamente ligada ao aprender. A LDB trouxe a aprendizagem para o centro. É muito interessante aqui, olhando os textos anteriores: a Constituição fala muito no ensino. A LDB vai falar muito mais no aprender, na aprendizagem. E o que a gente aprende? O que a criança deve aprender? Também ao longo dos anos, isso foi se sedimentando. A criança deve aprender os conhecimentos - sim, os conhecimentos -, que são fundamentais, disciplinares, mas também as atitudes e os valores. Atitudes e valores eram, vamos dizer, saberes, para usar uma expressão geral, que estavam pouco enfatizados na educação mais tradicional. Agora, isso veio para o centro. A sociedade mudou, as necessidades mudaram. Então, o que a lei do PNE vai dizer? Ela vai falar em objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Percebam: aqui eu estou falando de aprendizagens - no plural, de forma bem ampla -, e a palavra desenvolvimento aqui está utilizada no sentido de desenvolvimento humano, mas também das atitudes e valores que a gente não aprende. A gente adquire e incorpora na interação com as outras pessoas. Então, há uma nuance aqui, mas educação é aprendizado, e, portanto, a pergunta do que aprender é absolutamente essencial.
Deixe-me insistir nesse ponto. Com todas as dificuldades da discussão, desde os PCNs, há 20 anos, nós temos uma discussão muito importante, que é a discussão pedagógica dentro do educacional.
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Não sei se uso as palavras corretas, mas o educacional começa com o filosófico, com o político, com o gerencial, com o econômico, com o social. Mas temos muita dificuldade para chegar numa pergunta que define a educação. O que a criança vai aprender? Como ela vai aprender? Como eu vou saber que ela aprende ou não?
Então, se não fosse por nada, o Brasil, com toda essa discussão, está colocando um foco correto. No entanto, como vamos expressar o que a criança deve saber? São quatro níveis de explicitação. Há um nível mais geral, que é o nível da constituição, dos três que o Senador Cristovam mencionou e que, no documento enviado ao CNE, estão expandidos.
Então, ali, nós temos que diferentes grupos vão usar diferentes termos. Há as aprendizagens essenciais, as competências gerais, as aprendizagens chave, os objetivos gerais.
É muito importante que tenhamos essa clareza. E quem ler o texto vai ver que, ali, existe uma síntese de muita sabedoria.
O que queremos hoje? São exatamente dez grandes princípios.
Essa é uma visão.
A segunda é a base. Ou seja, aquilo é muito geral. É ótimo. Mas é geral demais. Então, a base vai ser mais específica. A terceira é na rede. Ou seja, as redes de ensino vão ter de pegar a base e fazer um trabalho em cima dela. O primeiro trabalho qual é? De adição. O que não está na base que, aqui onde estou, eu preciso incluir. Eu dava o exemplo de Mariana. Mas existem muitos outros exemplos em outros lugares.
Bem, a segunda dimensão que a rede vai fazer é a contextualização. Ou seja, nós vamos pegar a base e dizer: "Olha, aqui, nós vamos usar esse processo pedagógico." Isso é constitucional. A Constituição diz: pluralidade de concepções pedagógicas. E rede vai ter de fazer uma opção.
E, finalmente, ela vai ter de fazer, por causa do estilo que optamos pela Base - falo disso mais à frente -, ou expansão ou agregação de objetivos. O que a rede não pode fazer? Ela não pode tomar a decisão de não incluir um objetivo no seu currículo. A Base é normativa. Ela será uma diretriz. Portanto, ela tem de ser atendida. O que não é fixo? É o "como". São quatro maneiras. Nós estamos falando, portanto, da Base, da segunda explicitação.
Percebam que estamos falando de uma coisa só. Seja no geral, seja na base, seja... Estou usando currículo, mas tem gente que vai dizer que o currículo é da escola, não da rede, mas permitam-me essa nuance, e proposta pedagógica. É uma coisa só, com diferentes níveis de explicitação. A granularidade é diferente. Diferentes pessoas vão ter diferentes grupos.
Pois bem, com criamos esses objetivos? É muito importante de onde eu vou tirar dois grandes princípios: que País queremos ter e a formação integral. Percebam que a formação integral está lá no 205, quando falamos no pleno desenvolvimento da pessoa humana.
Mas percebam que a Base serve a um projeto de País que nós queremos. O preâmbulo da Constituição nos cria um país fantástico. Mas a realidade da nossa sociedade é uma realidade muito mais dura. Então, é muito claro.
Há muitos anos, eu falando, defendendo a Base, uma pessoa me perguntou: "Mas por que a Base?" Eu falei: "Porque a Base é fundamental para lutar contra as desigualdades."
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Quer dizer, para mim, é muito claro que, neste momento, neste País concreto, a desigualdade tem de ser um objetivo da Base. É claro que esse objetivo vai ser implementado de diferentes maneiras.
Deixem-me eu dar um exemplo. Na Austrália, quando se criou algo parecido - e lá é currículo nacional, não é base -, um dos princípios que causaram enorme dificuldade foi dizer: "Nós somos um país asiático, e não um país europeu que, por acidente, está na Ásia." Percebe? É uma mudança importantíssima.
Então, para nós aqui, em um país desigual como o nosso, é muito importante a gente ter a clareza de que há problemas reais, e eu insistiria no problema da desigualdade.
"Desigualdade" é uma palavra politicamente incorreta, a politicamente correta é "diversidade". Claro, a diversidade tem que estar na Base, porque é um valor nosso, é um valor que queremos manter. O Brasil é um produto diferentes grupos, que estão em um processo enorme de criação de um povo. Mas, o problema é que a nossa diversidade, a fala da diversidade ela pode jogar para debaixo do tapete a desigualdade que é muito forte.
Finalmente, nós precisamos ter a clareza de que existe uma dificuldade estrutural para o desenvolvimento de uma base. Base é uma necessidade de país federativo. Não é uma necessidade de país unitário, onde o governo, o executivo faz uma proposta para todo o país.
Aqui não é possível, não é legal e nem é possível. Mas isso cria uma dificuldade muito grande. Acabo de voltar do México e lá havia representantes de vários outros países na reunião de que eu participava, e é muito interessante como eles resolveram essas questões por atos do executivo. Você chamou um conjunto de pessoas, essas pessoas discutiram e apresentaram uma proposta.
Eu achava isso, há dois anos, ruim, mas eu acho que faltou no caso da Base - os mais velhos vão lembrar disso - uma Comissão Afonso Arinos. Em 1988, antes da Constituição, o Brasil criou e basicamente circulando-se um projeto que eram um primeiro projeto.
Então, aqui no Brasil, a discussão da Base Nacional Comum não é um conceito, não era um conceito que estava completamente introjetado. Então, quando a gente pergunta às pessoas, quando pede a contribuição, a contribuição não vem para uma base, no sentido de que ela é básica, que ela não é currículo, que ela tem que ser complementada. Ela vem para o currículo.
Muito bem. Eu estou Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE. O CNE recebeu o documento e fez audiências. Se ele fez audiências, é porque a lei manda e porque é o costume do CNE.
Nós temos alguns problemas que as audiências colocaram. O primeiro, eu não vou citar em ordem de importância, mas problemas que... O uso da tecnologia. Há uma percepção de que a gente não pode, agora, nesse momento histórico, fugir da dura questão de que a tecnologia, que o celular, que os tablets, que hoje estão na vida de todo mundo e, portanto, têm que estar na escola.
Como isso vai interagir? Há uma discussão em um nível até um pouco mais conceitual, que a gente recebeu. Hoje, você tem um mundo digital. Voltando lá na história da humanidade, você tinha os mitos. Hoje, o celular é um mito.
Perceba, de repente você poder entrar em um site que está do outro lado do mundo é uma coisa meio assustadora. Então, é importante... Muita gente defende, eu inclusive, que isso tem que estar na educação.
Quer dizer, nós temos um mundo novo a conhecer.
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Nós temos um problema também muito específico, que é o ensino religioso. Aqui há uma leitura de muitos de que as leis, desde a LDB às resoluções do CNE, já estabeleciam o ensino religioso e, portanto, não caberia a Base se silenciar em relação ao ensino religioso.
Mas se eu tivesse que escolher um problema, eu escolheria o problema da alfabetização de Língua Portuguesa. Perceba que nós temos um grande problema no País. Quando estive no Inep, e os dados vão sair de uma segunda versão proximamente, nós constatamos que ao fim do terceiro ano a criança está fazendo nove anos - não é que ela está fazendo oito, ela está no terceiro ano e a maioria está completando nove anos - e 20% delas não tinham o conhecimento compatível com escrever cavalo (consoante, vogal, consoante, vogal). Não é que elas não soubessem escrever cavalo, mas o conhecimento delas era tão limitado que não permitia isso. Eu acho isso um problema seriíssimo. Portanto, com todas as outras dificuldades, se eu tivesse que eleger uma prioridade eu elegeria esta prioridade. E ainda não vejo essa clareza no debate. É muito impressionante que isso praticamente ainda não tenha aparecido nas audiências públicas.
Aqui eu sinalizo uma questão...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ FRANCISCO SOARES - E caminho para terminar.
Uma questão que está sendo muito discutida. O que nós precisamos é sequência. O que é isto? O que a criança deve saber no primeiro ano, o que ela deve saber no segundo ano, o que vai saber no terceiro? Há muita discussão de quando termina a alfabetização. Eu acho que essa é uma discussão falsa. É importante saber: olha, você está no segundo ano e tem que ter adquirido um determinado conjunto de conhecimentos. Se o Governo decide avaliar no fim do segundo ano, isso não é problema conceitual. O que é um problema sério é não sabermos o que a criança deve dominar naquele momento.
Bem, mas temos um problema sério, que é a discussão de gênero. Em todas as audiências públicas isso apareceu de forma muito pesada. E aí estamos trabalhando primeiro com dificuldades. Percebe-se que há um extremo em determinadas pessoas, determinados pensadores que dizem que o biológico não limita. Você pode ser qualquer coisa. Eu quero crer que poucos concordariam com isto. Mas não é isso o que está colocado. O que está colocado é uma ideia importante que trouxemos agora para o conjunto da sociedade de algo que estava escondido. Existem meninos que não se veem como meninos, mas como meninas, e desde que nasceram. E a gente está dizendo que essa criança não pode ser excluída. Mas entre isso e o outro dizer que não existe biologia, acho que há um passo, um grupo grande de alternativas.
Nós precisamos de mudanças, é verdade, e elas devem cair nos objetivos de aprendizagem. E eu termino dizendo que a BNCC será uma diretriz que completará um ciclo. Quando olhamos as diretrizes do CNE, todas feitas depois da Emenda nº 59, todo mundo anuncia: "Deve existir uma BNCC."
Eu quero crer que a norma mais importante dessa BNCC será dizer que ela deve ser modificada com o passar do tempo, porque agora nós teremos no debate educacional a discussão do que a criança deve saber. Então, a diretriz será uma base e eu entendo que a diretriz da BNCC deve dialogar com as diretrizes anteriores que estão vigendo.
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Estou no CNE e termino dizendo que o debate sobre essas questões internamente, no CNE, está muito intenso. Mas eu vejo da parte dos colegas uma vontade genuína de terminar neste ano, seja de parte do Presidente da Comissão, o Prof. Callegari, seja de parte do meu colega de relatoria, o Prof. Neto, o Conselheiro Neto. Mas o CNE não é o único ator. Com relação à questão da Base, o fato de estarmos aqui está mostrando que existem outros atores - o Parlamento, o Governo e a sociedade civil.
Este é um momento importante e, num segundo momento, Senador, havendo oportunidade, eu responderia as perguntas que me foram colocadas.
Muito obrigado.
Era isso.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigado, Professor.
Foram bastante esclarecedoras as suas posições.
Eu vou pedir licença aos outros dois da Mesa para saltar dois expositores e passar a palavra à Profª Cleuza Rodrigues Repulho, porque ela terá que se ausentar antes do final da reunião. Eu espero que os outros entendam. Depois eu volto à ordem prevista antes.
A SRª CLEUZA RODRIGUES REPULHO - Muito obrigada, Senador.
Eu vou ao Rio Grande do Norte para justamente me encontrar com mais de 150 secretários de educação para discutir sobre a implementação da Base. Por isso, eu agradeço muito a troca dos expositores.
Eu sou Cleuza Repulho. Eu fui Secretária de Educação durante 14 anos e fui presidente da Undime nacional. Então, estou reencontrando aqui várias pessoas. Vim muito aqui por ocasião da discussão do PNE. E queria abrir, Senador, a discussão justamente dentro das questões que o senhor colocou para a Base e dizer que ela não vem solta e não está fora de um processo de educação que é muito maior e que é o Plano Nacional de Educação. Várias vezes esta Casa foi espaço de audiências públicas e de muita discussão a respeito. O senhor mesmo deu muitas chances para que Estados e Municípios viessem colocar suas necessidades para essa discussão do Plano Nacional. E nós temos que cumprir isso. Não cabe mais inventar coisas novas ou necessidades novas. Nós temos um Plano Nacional de Educação que coloca várias ações e uma delas é a Base Nacional Comum Curricular.
Eu queria seguir um pouco além do que colocou o Prof. Chico Soares no que se refere à questão do direito. Eu sou uma defensora da Base antes de todas essas discussões, porque neste País nós temos escolas e redes ainda com duas horas de aula por dia incluindo a merenda escolar. Então, é muito importante organizar o direito de aprender dessas crianças, de jovens e de adultos. Isso só vai ser organizado a partir da Base. Eu tenho a convicção e a certeza de que as redes... Nesses dois últimos anos eu tenho conversado com mais de 30 mil professores por este País todo, os novos gestores, e não sinto resistência em relação à Base. Mas sinto resistência em alguns momentos em relação à participação.
Então, o senhor pergunta em relação às 12 milhões de contribuições e eu digo que elas são fundamenteis e vêm de diferentes atores e principalmente de escolhas distintas, o CNE vai precisar optar. Isso porque ao mesmo tempo em que há uma série de gestores, professores que querem discutir questões como gênero, há outro grupo de pessoas que não querem isso de maneira nenhuma. Eu sou do grupo que acredita que a escola precisa discutir sobre tudo. Até porque tudo que acontece na sociedade passa pela escola. As crianças ao entrarem na escola não deixam de ser as crianças ou os jovens que estão com os seus problemas e com as suas certezas.
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Então, é fundamental que a gente organize e conclua isso na medida do possível. Eu espero, sinceramente, que o Conselho Nacional de Educação consiga organizar tudo até o final deste ano. Eu queria lembrar que várias pessoas que estão nesta sala começaram conosco a discussão do PNE e numa dessas audiências públicas eu disse que as crianças que nasceram no início da discussão do Plano Nacional de Educação hoje estão entrando no Fundamental II. Não é uma questão que a gente possa levar tanto tempo para discutir, porque as crianças continuam fazendo aniversário. Mais de 45% dos jovens não concluem o Ensino Médio. A gente tem uma leva muito grande de jovens ainda no Fundamental II que sequer vão acessar o Ensino Médio. A ideia de que a Base possa colaborar na questão da equidade não está desassociada da questão do investimento em educação. Eu quero lembrar aqui da discussão dos valores que nós precisamos para garantir uma educação de qualidade. Eu estou falando dos 10% do PIB. Não há implementação da Base sem recursos.
O Senador pergunta sobre a formação de professores. Nós temos dois milhões de professores em exercício neste País e todos eles precisam de formação continuada. Isso é um recurso que tem um custo, numa dimensão de um País que tem mais de 40 milhões de matrículas, 2 milhões de professores e 190 mil escolas. Então, tudo é muito grande, tudo é muito urgente, e a gente não tem visto isso na dimensão de orçamento público. Os Estados e os Municípios têm reservado recursos, mas nós também precisamos garantir que a União nos ajude e ajude lá na ponta a formar esses professores, a garantir espaço e sala de aula para todos os alunos.
Com relação a essa implementação da Base, se foi difícil construir a Base, será duplamente mais difícil implementá-la. Muitos professores sequer conhecem o processo de discussão da Base. E o que a gente tem feito, através do Movimento e através de outros atores, é andar por este País, conversar com os professores, conversar com os gestores.
Senador, este ano, que foi o ano de os prefeitos assumirem os seus governos, nós tivemos mais de 85% de trocas de secretários municipais. Destes, mais de 85%, a maioria absoluta, mais de 90% nunca foram gestores. Então, o MEC tem um papel importante, o Movimento pela Base tem um papel importante e a sociedade civil organizada tem papel importante e esta Casa tem um papel fundamental no sentido de garantir a condição para a Base chegar na ponta e chegar para todas as crianças.
Ainda temos algumas lacunas, como a questão de gênero, a questão da educação de jovens e adultos, a questão da inclusão das crianças com deficiência, inclusão de jovens e adultos. Eu entendo que o CNE vai discutir e vai trabalhar nesse processo.
Em linhas gerais, Senador, eu queria agradecer muito a oportunidade de falar sobre a Base. A gente precisa falar mais sobre ela, a gente precisa encontrar as pessoas que ainda não sabem a respeito e a gente precisa defender mais educação e equidade neste País, senão a gente não muda de fato a história.
Obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigado, Professora.
Eu passo a palavra ao Prof. José Francisco de Almeida, conhecido como nosso amigo Pacheco.
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O SR. JOSÉ FRANCISCO DE ALMEIDA PACHECO - Bom dia!
Agradeço o convite. Apesar de ser português e pouco entender do Brasil, talvez possa ser útil, porque estou há quase meio século na educação. Vou tentar, no tempo que me é destinado, responder às dez perguntas. É provável que em determinados momentos haja alguma perplexidade em face daquilo que eu possa dizer ou até porque alguém possa interpretar como oposição à Base, à necessidade da Base. Mas não é nada disso. Eu considero que não há dois lados - aqueles que são apologistas e aqueles que são contra. Há um terceiro caminho, uma terceira via que eu percorro tentando religar as coisas.
Eu estou aqui numa situação bem difícil, porque no meu país eu acompanhei dois processos de criação de base curricular. O primeiro foi logo após a revolução de abril. Eu tinha quarenta e poucos anos e era um pouco aquilo que foram as diretrizes curriculares nacionais aqui no Brasil. Depois fui membro do Conselho Nacional de Educação e, por azar do destino, alguém me incumbiu de ser relator de um parecer sobre uma proposta de base curricular. Eu aceitei e naquele tempo eu estava em três lugares diferentes, o que me deu a possibilidade de ter uma perspectiva mais abrangente do processo. Eu era professor na Escola da Ponte há 30 anos. A escola tem quarenta e tantos anos. Eu era formador de formadores, dava teoria de currículos em pós-graduações e formação inicial e continuada e era membro do Conselho Nacional de Educação em Portugal. Foi muito difícil porque eu tinha participado de um projeto anterior, que era o projeto da Gestão Flexível do Currículo. E o relatório que foi apresentado à comissão encarregada de elaborar a base curricular acabava por dizer que só era possível uma aplicação, ou seja, para que a base não fosse inócua, para que efetivamente fosse exequível, só seria possível se o velho modelo, o modelo tradicional fosse alterado. Se não fosse, isso seria inútil. Infelizmente, isso se verificou.
Quando eu percebi que ia no caminho da base possível, porque diziam: "Ah, mas os professores não interpretam desse modo. Ah, porque os gestores não vão entender..." Discretamente, eu me afastei. A proposta da base foi aprovada, em 1999, creio eu, foi implementada, e 20 anos depois percebe-se que ela não foi exequível, não foi implementada. E voltou-se, em setembro deste ano, porque o ano letivo em Portugal começa em setembro, de novo à gestão flexível do currículo, mais um projeto. Ou seja, perdemos 20 anos!
Eu não quero que o Brasil corra esse risco. E é por isso que eu estou aqui e aceitei o convite. Eu atuei também como pesquisador na época e detectei três grandes problemas na proposta de base. E esses três grandes problemas eu também encontrei na proposta de base curricular do Brasil: um problema de omissão, um problema de equívocos e um problema de incoerência. Começarei por omissão. É dito que - ainda agora o companheiro José Francisco falou isso - essas escolas, no exercício da sua autonomia, e os Municípios e os Estados, farão as adaptações necessárias à lei, no exercício da autonomia, mas se omite que o art. 15 da Lei de Diretrizes e Bases nunca foi regulamentado, nunca foi posto em prática. O art. 15 diz que se devem outorgar às escolas graus progressivos da autonomia pedagógica, administrativa e financeira. A gente conhece.
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A Meta 19 do Plano Nacional de Educação estabelecia que, no prazo de dois anos, os Municípios, Estados e a Federação deveriam criar condições do exercício da gestão democrática. Nas escolas, esta Meta 19 não foi cumprida.
O advento da vivência hierárquica liquida qualquer hipótese de autonomia nas escolas. Os gestores continuam sendo nomeados por indicação política. Onde é que está a autonomia das escolas? Quando se diz que se pode adaptar localmente, porque as escolas dispõem de autonomia, eu penso que é uma grave omissão.
Mas iria mais longe: os arts. 12 e 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dizem que a escola exerce autonomia através da produção. E produção em discussão de um projeto político-pedagógico. Um exemplo: os projetos político-pedagógicos brasileiros existem no papel, não existem na prática. E, se existissem na prática, ainda restava um outro problema. É que os projetos não são políticos. Quem os redige? Professores, normalmente professores universitários, ou um conjunto de professores indicados para. A pólis - projeto político - a pólis não é escutada. Ninguém quer ouvir quais são as necessidades, as lições da comunidade.
Então, vamos ver se estamos falando sério. Foi dito aqui outra coisa: a questão da formação e da alfabetização. É evidente que a formação não aborde essa questão toda. É que a formação ia continuar a ser dentro do velho modelo. O professor continua a ser considerado objeto, como o aluno continua a ser objeto.
A formação é isomórfica. O modo como o professor aprende é o modo como o professor ensina. Então, podemos estar em curso, escutando métodos ativos, que não vamos fazer métodos ativos, vamos dar aula. É preciso pensar nisso.
Mas, no capítulo da alfabetização - eu penso que posso falar mais um pouquinho sobre isso, porque sou alfabetizador linguístico especializado, foi uma das especializações que tive -, o problema de ver tanto analfabetismo e dos índices de proficiência em língua portuguesa não irem além dos 10% - o que é um escândalo nacional - tem a ver com o fato de as crianças chegarem à escola, serem colocadas numa turma, com uma professora que ensina todos do mesmo modo, ao mesmo tempo, sem respeito pelo ritmo, sem respeito pelos estilos, sem respeito por nada! E a culpa não é dela, o problema é da cultura profissional. Os professores são seres solitários em sala de aula. E sala de aula, mesmo para quem não tenha estudado sociologia da educação, é o dispositivo central de um modelo pedagógico nefasto, que provoca milhões de analfabetos, ignorância, corrupção, exclusão. E é esse modelo que está plasmado na proposta da Base Curricular do Brasil.
Eu sei que isso pode perturbar, mas quem me conhece sabe que eu sou franco no respeito por toda gente. Isso por quê? Quando eu leio a introdução da Base, eu concordo. Foi apropriado o discurso contemporâneo das ciências da educação. Está lá tudo: competências, educação integral, etc. Porém, aquilo que está no preâmbulo não está no conteúdo da Base. Dou um exemplo: muitos Municípios e Estados trabalham na base do ciclo de ensino.
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Ciclo pressupõe que não haja faseamento por ano. Não há segmentação. Ciclo é um período de três ou dois ou quatro anos, em que uma criança tem a oportunidade de desenvolver o seu potencial, etc.
E é preciso perceber que não é por anos que as crianças são organizadas, mas a Base Curricular propõe que a criança, qualquer uma, ao mesmo tempo em que as outras, aprenda, por exemplo, no oitavo ano, as produções de... No oitavo ano? Por quê?
Alguém me consegue dar uma explicação que tenha fundamento científico ou critérios de natureza pedagógica?
A escolaridade, o que é isso? Qual é o modelo epistemológico que está por traz dessa base? Dirão: "Ah, mas os professores sabem dar aula." Então, que vão dando aula para passar para outra coisa através da formação.
Quando vim para Brasília, acompanhei o Renato Janine, o Ministro, no levantamento de escolas com caráter inovador.
O Ministério da Educação comprometeu-se com 178 escolas a fazer acompanhamento e avaliação, e não cumpriu. Mas não estou aqui para criticar nada, nem ninguém. O que estou a dizer é que, se nessa introdução da Base, surgem os termos que nós conhecemos como avançados no campo da educação, esse discurso contrasta com o conteúdo da Base. Por quê? O que é o currículo? O currículo não é só um conjunto de conteúdos ou habilidades ou o que se chamar, mas também experiências, vivências e tudo mais.
E o currículo não pode ser considerado uniforme. O problema é que foram inspirar-se nos modismos curriculares anglo-saxônicos, inclusive na Austrália. Eu conheço muito bem os anglo-saxônicos e respeito.
É que o problema é que o currículo não é monolítico, tem três dimensões: a dimensão da subjetividade, a dimensão da comunidade e a dimensão da unipessoalidade. Isso não é contemplado na Base.
Se houvesse mais tempo, eu explicaria melhor.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Há tempo.
O SR. JOSÉ FRANCISCO DE ALMEIDA PACHECO - Não, eu quero respeitar o tempo que me foi dado.
Amigos, aquilo para o qual quero chamar a atenção é que, quando utilizamos conceitos, é preciso esclarecê-los.
Quando estava a preparar a vinda para cá, li uns trabalhos do meu amigo António Nóvoa. Ele disse que, com o tempo, a sofisticação do discurso contrastou sempre com a pobreza das práticas. E é isso que está evidente nessa Base.
O que gostaria era de sugerir que nós respeitássemos a tradição pedagógica do Brasil, que não fôssemos ao norte. Do norte, não vem nada de bom, inclusive, de Portugal.
Então, o que pretendo é que se respeite a memória de Anísio Teixeira, de Darcy Ribeiro, de Lauro de Oliveira Lima e tudo mais, que, já há meio século, mostraram que é possível criar no Brasil novas construções sociais de aprendizagem.
Posso dizer - esta é a boa notícia - que essas novas construções já existem, e é por isso que estou no Brasil, para aprender e tentar ser útil.
Só que essas novas construções, as que identifiquei no projeto do Ministro Renato Janine, foram praticamente destruídas na transição de prefeituras. Entenderam? Ou seja, daqueles projetos só sobreviveram alguns, que acompanho mais de perto, não por meu mérito, mas porque essas pessoas propuseram termos na autonomia da escola, nas secretarias. E a secretaria parou de destruir. É verdade, amigos.
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Destruição de projetos, do melhor que temos no Brasil e que estão confederados numa coisa que se chama Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação, que estão plasmadas no Terceiro Manifesto à Educação, que não foi ouvido na produção desta Base.
Eu não estou a ser porta-voz de ninguém. Estou a fazer um apelo e um convite, porque, quando se fala do currículo, pensa-se que é aquilo, o conjunto de conteúdos, para dar por aula. Não é nada disso, amigos. Mas isso, em sede própria, poderei discutir tecnicamente, não aqui.
Quando se pergunta o que é uma escola, quando eu falo a palavra escola, o que é que vem a nossa mente? Sinceramente, o que é que vem? Qual é a representação mental? Um edifício, salas de aula. Não é. Mentira, meus amigos! As ciências da educação mostram que aula não é isso. Isso é um modelo da Revolução Industrial do século XIX, fundamentada em produção filosófica do século XVII. Hoje, temos alunos século XXI com professores do século XX a trabalhar como século XIX, e a desgraça está aí, as violências estão aí. Escolas são pessoas, não são edifícios, e essas pessoas são os seus valores. E, quando esses valores são transformados em princípios de ação, conduzem a projetos, que são coletivos. E esses projetos visam à melhoria do sistema, ao bem-estar, à aprendizagem de todos, e isso não é assegurado por esta Base.
Aquilo que eu proponho, para respeitar o tempo - teria aqui muitas coisas que poderia dizer, mas não quero atrasar -, é que deverá restabelecer-se - se é que houve algum dia algo - entre quem produziu esta proposta de Base e aqueles que não foram escutados uma comunicação dialógica.
Outra coisa que eu proponho, que, após uma eventual revisão do conteúdo da Base, ela seja introduzida de modo gradual e avaliada, porque neste Brasil não se avalia absolutamente nada, ou, se se avalia, faz-se pesquisa, produzem-se relatórios e ficam guardados não sei onde.
É preciso, realmente, que sejamos rigorosos.
Então, eu proponho que haja uma comunicação dialógica que reinstaure o diálogo, se ele alguma vez existiu, para que haja uma revisão profunda da segunda parte do documento, porque, com a primeira, eu estou de acordo. Só porque, pelo menos acho que não escapo, é que ele faça um pouco de análise da política educativa - não é o meu caso, eu sou um ignorante -, é que, enquanto se fala de autonomia e se fala de novas condições sociais, a palavra mais abundante na Base Curricular é a palavra aula. Aparece 75 vezes. Acho que não é preciso dizer mais nada. Aula é um escândalo epistemológico no século XXI, com todo o respeito por quem dá aula, e, se nós continuarmos a pensar que esta Base vai ser plasmada, concretizada em sala de aula, com turma, por ano, nós estamos em risco de perder 20 anos.
Eu penso que as crianças merecem respeito e que nós devemos assumir um compromisso ético com as contribuições teóricas da educação, porque há, com os projetos que o Brasil tem, que são pormenores.
Há poucos meses, eu fui convidado para ir à Europa. Sete ministérios me convidaram para apresentar um projeto. Eu pensei que fosse a Escola da Ponte, que está lá há 42 anos. Quando eu cheguei, eu lembro, em Roma, de ter feito a minha intervenção depois da intervenção da Finlândia. Quando eu passei um vídeo sobre o Projeto Âncora, a Finlândia calou-se. Agora, todo mundo veio para o Distrito Federal, para um projeto que está para começar, com o apoio do Júlio Gregório, que é um excelente Secretário de Educação, e muitas outras pessoas.
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Meus amigos, é no Brasil que está a nova educação do mundo, com pessoas que escrevem um livro - que o Salgado pôs com fotografias -, O Berço da Desigualdade. Eu li, eu vi.
Nós estamos aqui a discutir as oportunidades de acabar com as desigualdades. É nesse propósito que todos nós estamos. Estamos todos do mesmo lado. Mas é preciso que se perceba que esse compromisso ético com a educação pressupõe que essa Base seja revista.
Eu peço desculpas por ter abusado da sua paciência.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigado, Prof. Pacheco, por sua experiência.
Eu passo a palavra ao André Duarte Stábile.
O SR. ANDRÉ DUARTE STÁBILE - Bom dia Senador, bom dia aos demais membros da Mesa e bom dia a todos que podem trabalhar nesta manhã aqui conosco.
Eu estou muito feliz e agradecido por esta oportunidade, em que pese já queira fazer de início uma ressalva, no sentido de que eu não sou representante do Movimento pela Base Nacional Comum. Eu sou apenas um membro, porque também estive por um período como Secretário Municipal de São Caetano do Sul, que é uma cidade conhecida no Brasil por liderar o ranking do IDH já há 30 anos neste País, mas que continua sofrendo ainda de todas as mazelas e dificuldades das precariedades do sistema de educação pública no nível do Município.
Não fizemos ensaio para esta manhã, e como eu percebo aqui, em uma espécie de campo das sutilezas, a presença de pequenos beija-flores invisíveis, que são as crianças que estão aguardando a Base Nacional Comum, eu também queria dizer que não fizemos ensaio sobre as perguntas que o Senador formulou logo de início para esta audiência pública. Mas o que eu tinha preparado para falar se encaixa na pretensão de responder a primeira e a segunda perguntas que o senhor fez, Senador.
A primeira, que trata do art. 205 da Constituição, fala do pleno desenvolvimento da pessoa. Geralmente, os currículos e as políticas curriculares ao redor do Planeta têm copiado conteúdos que precisam ser memorizados durante a jornada escolar de todos nós. Todos nós aqui, os 7 bilhões de pessoas que vivem neste Planeta, somos fruto de uma educação familiar, de uma educação escolar e de uma educação social, sem exceção.
Então, nós temos reproduzido muitas vezes modelos, e quanto a este pleno desenvolvimento da pessoa humana eu acho que a Base Nacional Comum, na sua terceira versão, ela acerta em cheio. Há um gol nesta Base Nacional Comum, que apareceu nas 12 milhões de sugestões, quando houve a consulta pública; nos seminários estaduais organizados pelo Consed e também nas audiências públicas organizadas pelo Conselho Nacional de Educação, que é a orientação da Base para o desenvolvimento integral.
Mesmo os críticos e as pessoas que discordam de vários outros pontos, até mesmo porque a Base não é um documento perfeito e precisa ser aprimorado, eles concordam que essa orientação de que o ser humano não é apenas capaz de decorar conhecimentos e conteúdos horizontais que estão no currículo, mas que tem outras dimensões que precisam ser desenvolvidas, até porque a educação do século XXI tem falado em realização do projeto de vida. Então, essa multidimensionalidade do ser humano está contemplada no texto de introdução e, de fato, nos preocupam ainda a sua articulação e as suas conexões com os conteúdos nas práticas das escolas brasileiras.
O Brasil tem vivido uma sucessão de crises.
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Todos nós temos acompanhado os desafios no campo da segurança pública, no campo da saúde pública, no campo da educação, a violência, os desafios ambientais inclusive, os desafios de toda ordem, inclusive nas questões éticas de corrupção e também naquelas ligadas ao próprio financiamento da educação, os problemas que a gente tem para conseguir fazer com que o financiamento da educação seja pleno.
E nós acreditamos que estes desafios são efeitos colaterais daquilo que não acontece, que seria o desenvolvimento integral nos ambientes das escolas, porque o primeiro ambiente onde nós construímos as nossas perspectivas de futuro são as nossas famílias e logo o segundo já são as escolas. Então, se nós imaginamos que a educação pública de qualidade ainda hoje, no Brasil, custa caro é porque nós não calculamos direito ainda quanto custa a ignorância. No dia em que nós fizermos este cálculo do custo social para o País da ignorância, certamente haverá uma atenção maior à educação, à Base Nacional Comum, do que à seleção brasileira de futebol, Senador.
Dentro disso, a Base, então, acerta quando menciona fortemente o alinhamento da Base Nacional às competências gerais, que são chamadas em outros lugares de habilidades socioemocionais. Não haverá mudança de cultura e não haverá mudança na sociedade - podemos desistir desde já, porque tudo já foi tentado - se não houver uma reformulação do processo educacional.
Neste ponto, eu concordo integralmente com os educadores que já têm práticas mais inovadoras, porque a gente observa o jogo do sofrimento, em muitas escolas, ainda contra as crianças, que não têm, às vezes, nem condições emocionais de aprender, porque têm sido submetidas a várias experiências adversas na sua infância. Então, elas não têm mesmo condição emocional de adquirir algum tipo de aprendizagem que não seja uma memorização mediana para o dia da prova, e, depois, logo tudo isso é esquecido, como nos ensinava o Prof. Rubem Alves também, que a memória faz um trabalho inteligente de deletar tudo aquilo que é inútil para todos nós. E acho que até que, se nós fizéssemos aqui uma avaliação sobre seno, cosseno e tangente, todos nós teríamos muita dificuldade de lembrar desse tipo de conteúdo e para o que ele pode ser utilizado na nossa vida prática.
Então, estas mudanças na sociedade só vão acontecer se nós reformularmos este processo educacional. E nisso nós precisamos incluir aquilo em que a Base acerta, que são essas competências gerais, em especial o autoconhecimento, que é aquilo que vai permitir com que cada um de nós possa realizar o seu projeto de vida.
Sobre o pleno desenvolvimento da pessoa, não me lembro que ele estivesse, em algum outro documento declaratório de educação no Brasil, mais bem detalhado do que na Base Nacional Comum. A Constituição o cita genericamente; a LDB no art. 2º cita também o pleno desenvolvimento da pessoa humana genericamente.
Mas esse detalhamento acontece agora neste documento que avança muito na educação brasileira, que é inovador em alguns princípios, inclusive neste benchmark comparado de outros currículos em outros países, quando menciona, por exemplo, o autocuidado, o pensamento crítico e criativo e em especial, volto a dizer, o autoconhecimento. Porque, se as pessoas não aprenderem a gerenciar suas emoções e a lidar com a sua própria mente, não haverá revolução na aprendizagem de que o Brasil precisa. Esta é uma habilidade sutil, dá trabalho para desenvolver, demanda um esforço de compreensão até sobre o propósito de vida dos educadores e dos professores, mas é a dimensão mais importante que eu destacaria na Base.
Também - e aí está o grosso da minha da minha fala nesta manhã, aqui de trabalho - sobre as medidas que precisam ser pensadas para que a Base Nacional Comum Curricular seja implementada com sucesso.
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Meus amigos, o Brasil tem escrito bons documentos, tem escrito alguns textos de educação realmente de qualidade, mas nós temos falhado na implementação.
Eu recebi um clarão e tenho a pretensão de compartilhar essa ideia da visão, que o Chico e o Prof. Pacheco falaram, da educação na fase de implementação, que, a meu ver, na gestão e na avaliação das políticas públicas, tem sido um pouco frágil no Brasil. Eu tenho dito, por onde tenho tido a oportunidade de passar, nos Estados que já fui visitar, que existem sete dimensões da educação que não estão observadas com clareza e que os pesos e contrapesos dessa implementação da base precisam observar. Nós temos falhado nisso de maneira grave.
Eu vou citar, inicialmente, as dimensões para poder, depois, exibir um eslaide que tem um pequeno detalhamento, também sem a pretensão de cansá-los nesta manhã. As dimensões para implementação da Base Nacional Comum, no meu ponto de vista, são: a dimensão da política pública mesmo, da necessidade de que o Brasil tenha permanência nos seus projetos e programas educacionais, que não haja essa praga da gestão pública que é a descontinuidade, que mata bons projetos Brasil afora. Às vezes, mesmo dentro da própria linha ideológica ou partidária, projetos são exterminados porque as pessoas que assumem, muitas vezes, os governos não têm a coragem de abrir mão da autoria. Então, às vezes, eles querem mudar o nome ou mudar o próprio conteúdo do projeto. O Senador sabe bem do que eu estou falando. Então, essa primeira dimensão das políticas públicas demanda que nós possamos observar a permanência, o ordenamento jurídico e o financiamento da educação.
Vai surpreender o que eu vou falar aqui para vocês agora: o Brasil só está adotando práticas de contabilidade internacional para monitorar o Orçamento, que tem sofrido ataques da corrupção, normas internacionais de auditoria e contabilidade no Orçamento público a partir de 2014, senhores - 2014. Em todos os outros anos anteriores não havia e não há controle sobre a forma como são investidos os recursos em educação. São surpreendentes os ataques que acontecem nas folhas de pagamento nos Estados e Municípios. E preciso falar que muitos contratos no setor de educação são peças de ficção científica, são coisas inacreditáveis que só alimentam esta enorme área de sombras que existe no Orçamento. Então, se os recursos são desviados para o bolso de algumas quadrilhas, não chegam à merenda, não chegam ao plano de carreira dos professores, não chegam à remuneração, não chegam à internet que as escolas precisam para que as crianças tenham acesso ao conhecimento.
Então, todos os formuladores e os tomadores de decisão, especialmente aqui do Senado, precisam ficar atentos à questão de transparência do Orçamento público. Ontem mesmo, estive numa reunião com a equipe mais alta do Tribunal de Contas da União. E eles também me informaram que existe uma enorme dificuldade para se conhecer a qualidade, a efetividade do gasto e o percurso do recurso público. A partir do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), que percursos esse recurso público toma para chegar até às salas de aula. É uma área de sombras que existe. E nós vamos ter, em algum momento, que ter coragem de enfrentar isso, porque as notícias de corrupção se sucedem em todas as áreas, e a área da educação não é diferente.
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A segunda dimensão é a dimensão humana. O movimento pela base tem defendido que, de fato, a formação dos professores para implementação da base é elemento crucial de sucesso. Os professores nem sequer são conhecidos no Brasil, e as pesquisas mais recentes - uma delas, que eu li, é da Fundação Lemann - nos dão conta de que os professores acham que o principal problema da educação é o fato de que os pais e as crianças não têm atendimento psicológico e psiquiátrico.
Sob o ponto de vista dos professores, acho que a pesquisa reflete uma realidade. Existe um jogo do sofrimento nas relações humanas tanto das crianças em casa quanto das crianças com os professores e das escolas com as comunidades. Ainda existe uma ilusão de separação muito grande, achando que as escolas estão num campo e as famílias estão em outro, assim como existe, dentro da discussão no MEC e da própria Base, a ilusão de separação, de que um grupo que serviu ao ex-Ministro Fernando Haddad estaria em contradição em relação àqueles servidores que serviram ao Ministro Paulo Renato. Essa pseudodivisão é uma ilusão, e nós precisamos ter a coragem de abrir nosso coração para entender que o documento da Base Nacional Comum não é de um governo, mas é um projeto de país. Nós precisamos ter coragem de abrir mão da autoria, de entregar nosso melhor conteúdo para as crianças.
Então, nessa segunda dimensão, vai ser necessário recurso público ampliado e bem gerido para formação de professores. Os recursos são insuficientes? Eu acredito que são, sim, insuficientes ainda, mas eu não estou discutindo isto agora. Eu estou discutindo o fato de que a gente precisa pelo menos conhecer, a partir do Siafi, do Tesouro Nacional, da partição orçamentária e do Pacto Federativo, quais são as responsabilidades da União, dos Estados e dos Municípios na formação dos professores.
A terceira dimensão da educação que eu queria relatar e que eu acho que é muito importante é aprender com as boas práticas, onde aconteceram boas implementações de bases curriculares no Brasil, de currículos, de projetos políticos pedagógicos que não sejam aqueles de gaveta, que ficam lá empoeirados, e onde, apesar das dificuldades socioeconômicas, as crianças conseguem exercitar numa plenitude mais alta o seu direito de aprender.
Vem à minha mente agora um estudo do Ministério da Educação de 2008 que se chamava O Direito de Aprender. Numa das páginas, os pesquisadores disseram assim: "Existem alguns lugares no Brasil em que, apesar das dificuldades socioeconômicas e da infraestrutura escolar inadequada, as crianças aprendem mais do que em escolas onde a infraestrutura é mais completa, onde a infraestrutura está resolvida". Então, esse estudo recomendava que os próximos pesquisadores estudassem a qualidade da prática pedagógica, das relações que acontecem nas interações entre os professores e os estudantes, porque as crianças que tinham mais dificuldade tinham resultados melhores.
E hoje o jornal Folha de S.Paulo está publicando o estudo de uma consultoria - eu o recebi agora de alguns amigos -, de uma ...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ DUARTE STÁBILE - ... consultoria internacional - desculpem-me pelo tempo -, de que, também por estarem motivados, alunos das camadas mais pobres do País têm conseguido resultados de aprendizagem melhores. Ou seja, é um fator que, aparentemente, é subjetivo daquele propósito do estudante, mas que eles têm conseguido resultados melhores, e isso avaliado agora a partir de indicadores e de evidências muito claras.
Para finalizar, já me encaminhando para o final da minha fala, a quarta dimensão da educação para a qual os formuladores e tomadores de decisão precisam atentar é a dimensão organizacional. As escolas, Senador, são, realmente, além de muito diversas, muito desiguais. Muitas aulas de informática não acontecem porque aquele senhor que toma conta das escolas fechou a sala e levou a chave embora. Então, eles não têm acesso ao laboratório de informática, não têm acesso aos equipamentos que estão na quadra e, muitas vezes, não têm acesso à internet.
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Então, a nossa proposta tem sido de que os diretores de escola deste País se aprofundem na liderança pedagógica, para que observem o direito de aprender, e que os vice-diretores criem condições administrativas de merenda; de salas de aula que não sejam excessivamente quentes; que as crianças tenham água potável para tomar; que possam ter um banheiro para utilizar. São as condições básicas físicas e horizontais, materiais, para que o direito de aprender seja exercitado, porque nesse mesmo livro O Direito de Aprender, do Ministério da Educação, em 2008, aponta que existe, sim, um impacto do ambiente nos níveis de aprendizagem.
A quinta dimensão da educação que os formuladores e tomadores de decisão precisam observar é que deve existir gestão democrática e participativa. Como eu falei no começo, o primeiro ambiente em que nós construímos as nossas perspectivas de futuro são as famílias. As escolas são apenas o segundo. Então, se o documento da Base Nacional não for mais conhecido do que a Seleção Brasileira de Futebol, nós vamos ter dificuldades. Se os muros das escolas continuarem fechados, e as escolas continuarem isoladas no território da comunidade em que eles participam e em que eles deveriam ter centralidade, nós vamos continuar tendo dificuldade.
Gestão. As famílias precisam ser chamadas para dentro das escolas. Elas precisam participar e reconhecer a sua importância na jornada dos estudantes. A sua importância e o papel crucial que eles desenvolvem. Isso não é claro no Brasil ainda. Existe ainda uma separação ilusória muito grande, um abismo, entre as escolas e também entre as universidades e as comunidades em que eles estão inseridas. Existe uma espécie de orgulho místico sobre o saber e o conhecimento da universidade que os distancia muito da realidade prática das crianças que estão no Acre, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e na Bahia. Existe uma separação ilusória enorme ainda.
A sexta dimensão, e são apenas sete dimensões que eu volto a convidar os tomadores de decisão e os formuladores de políticas públicas para olharem, é a articulação de parcerias intersetoriais. A base nacional e a educação de um país não são um projeto apenas público e político governamental. As empresas precisam integrar-se, as organizações da sociedade civil precisam integrar-se, precisam participar e contribuir, pois eles têm conhecimentos e sabedorias e podem contribuir com esse processo. É preciso que haja uma articulação de parcerias permanentes.
Na iniciativa privada, por exemplo, eu sei que existem metodologias muito avançadas de acompanhamento. Existem metodologias muito avançadas de uso dos recursos tecnológicos para a educação.
Então, por que não chamá-los de maneira permanente para um fórum permanente, para um diálogo permanente, para que eles possam contribuir?
Muita gente diz lá no princípio africano de educação que nós precisamos "ubuntar", que é preciso toda uma aldeia para se educar uma única criança. Então, cada criança aqui não deve ser deixada para trás; ou seja, para que todas as crianças tenham acesso a esse currículo, é preciso chamar a sociedade como um todo, é preciso fazer articulação de parcerias intersetoriais.
E o último item, que já foi falado aqui na Mesa, a sétima dimensão: no Brasil - e é verdade o que o Prof. Pacheco falou -, não existe um sistema de monitoramento e avaliação de indicadores educacionais confiável. A maioria dos dados do Siop, para minha surpresa, Senador, são dados meramente declaratórios.
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Não existe auditoria daquilo que os prefeitos e secretários municipais informam ao Governo Federal sob nenhuma dimensão, de matrículas, da qualidade do gasto, em quais contratos foram investidos. Para minha surpresa, nem os técnicos da equipe mais alta do Tribunal de Contas da União conseguem desvendar essa área de sombra. Então, o Brasil precisa criar um sistema de monitoramento e avaliação que seja processual e permanente e que possa dar conta de indicar em que o Brasil está encerrando e em que está errando ainda.
Com isso, meus amados amigos, com esta contribuição, eu queria ver se é possível colocar o eslaide dessas sete dimensões... Já está colocado. Porque, se nós não olharmos essas sete dimensões ao mesmo tempo, nós vamos parecer aquela apresentação de um número circense em que existem lá umas varetas e uns pratos para serem colocados para rodar nelas, e nenhum deles pode cair. O Brasil tem falhado nisso.
O plano de desenvolvimento da educação do governo anterior, ou de alguns governos anteriores, tinha 40 ícones, e apenas um falava da participação das famílias. E a gente pergunta: como assim só uma política intencionalmente dedicada ao empoderamento das famílias na educação e na jornada escolar das suas crianças? Então, faltou ali uma atenção para a dimensão da gestão democrática e participativa.
Eu queria agradecer a paciência e a atenção de todos vocês.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Nós que agradecemos ao Prof. André.
Eu passo, com muito prazer, a palavra para a Profª Guiomar de Mello.
A SRª GUIOMAR NAMO DE MELLO - Senador, cumprimento esta Casa e os demais Senadores na pessoa do senhor, um eterno batalhador da educação que a gente tem no Brasil. E queria agradecer esta oportunidade.
Gostaria de começar falando uma coisa bastante corriqueira, quer dizer, a Base Nacional Comum é das poucas políticas públicas que eu vi sobreviver a uma mudança traumática de governo, a uma turbulência política como o País nunca viveu.
Desde 1913, 1914, existem pelo menos umas cem pessoas - para dizer pouco - de peso na área da educação, de todos os níveis, das universidades, das representações de organizações, dos governos, etc, trabalhando, brigando e fazendo pressão de vários lados, em busca de resolver a anomia curricular que o Brasil viveu. Então, se é verdade que o produto final desse grande esforço praticamente vale muito pouco para algumas pessoas, eu acho que, para o Brasil, vale a pena a gente reconhecer que existiu um empenho muito grande na produção disso e deixar de ser tão arrogante de achar que só nós, ou que só uma pessoa tem a verdade; que cento e tantas pessoas, há três anos trabalhando, não tinham.
Posto isso, gostaria de lembrar também que nós temos que honrar uma tradição no Brasil. Este é um País que nasceu desigual; nasceu com uma profunda desigualdade no dia em que a corte portuguesa trouxe para cá a sua família e trouxe todas as instituições da cultura letrada da Europa a um país que tinha 90% de analfabetos no começo do século XIX. E, de lá para cá, essa elite que se transfere é uma elite que se julga dona do conhecimento, do mundo e do dinheiro público no Brasil. Então, para que a gente pudesse vencer essa profunda desigualdade, várias medidas vêm sendo tomadas.
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O legislador nunca faltou, Senador. O legislador desta Casa, com todos os problemas que possa haver, nunca faltou com a atenção para a questão curricular no Brasil. Desde 1971 existe na legislação brasileira esta preocupação sobre como você coordena, num País federal grande, diverso e desigual, aquilo que deve ser comum para todos, como tão bem o meu amigo Francisco Soares colocou, e aquilo que é específico de cada um. É um problema que todos os países federativos têm: a Austrália viveu esse problema; os Estados Unidos estão vivendo esse problema; de certa maneira a Europa, principalmente a Alemanha, tem esse problema de você ter Estados, membros, entes federados com autonomia, ou com uma relativa autonomia em relação às questões educacionais, e você também ter que ter uma política pública de caráter nacional.
Vejam só, se a gente for pegar desde 1971, esse esforço para pensar essa questão existe; talvez não com os mesmos termos, quem sabe não com um conteúdo idêntico, mas lá estava o legislador dizendo "tem de ter uma parte comum e tem de ter uma parte diversificada". Nos termos possíveis daquelas circunstâncias dos anos 70, era um grande avanço, porque a Constituição de 1946 e a LDB de 1961 ainda não apresentavam esse tipo de problema. Dez anos depois, em 1971, na Lei 5.692, esse problema foi reconhecido. E, de lá para cá, ele vem sendo equacionado em todas as legislações. Isso significa que alguma coisa é preciso... O legislador tem um faro, uma sensibilidade, e percebe que alguma coisa é preciso fazer neste País para garantir de um lado o nacional, de outro lado o diverso, o desigual, como nós temos. Então, é bom a gente lembrar disso, porque há uma história por trás, e a história nos faz; nós somos produtos da história que nós vivemos.
Então, depois de 1971, nós tivemos a LDB de 1993-1994, que voltou a dar mais especificidade para as questões federativas na gestão curricular deste País e propôs uma Base Nacional Comum - lá estava, desde a LDB de 1993-1994, a partir da Constituição de 1988. Então este caminho é longo. Nós não estamos aqui inventando uma jabuticaba nova: se é que é jabuticaba, é das muito conhecidas, que foi o nosso modo de entender como é que a gente resolve o problema federativo neste País continental.
Depois nós tivemos toda uma nova geração de diretrizes curriculares nacionais. Eu sou Relatora de uma delas, nos anos 90. Eu chamo isso, esse conjunto, de a primeira geração de diretrizes educacionais que o Brasil teve e, apesar do esforço de ter essas diretrizes, elas não afetaram os currículos propriamente ditos, não empoderaram Estados e Municípios - talvez porque fossem vazadas em termos muito genéricos, termos com que dificilmente você poderia ter uma avaliação do tipo que o André Stábile estava colocando. Não contentes, nós tivemos uma segunda geração de diretrizes educacionais, que é a geração de diretrizes educacionais dos anos 2000.
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Então, nós temos duas diretrizes para o ensino médio, duas diretrizes para a educação básica, duas diretrizes para a educação profissional, duas diretrizes de formação de professor. Quer dizer, produzimos um conjunto de normas que não resolveu o nosso problema de qualidade e, na medida em que essa questão vem equacionada com todos os problemas e deságua no Plano Nacional de Educação, lá, no Plano Nacional de Educação, se consagra a ideia da Base Nacional Comum, que não é um currículo.
Um currículo não é apenas o conjunto daquilo que os alunos têm que aprender; o currículo é o modo de fazer, o currículo é o tipo de capacitação, educação e apoio pedagógico que você dá aos professores, o currículo é a maneira como você gerencia o tempo e o espaço dentro da escola, o currículo é a maneira como você dosa a progressão e, sobretudo, o currículo é a maneira como você contextualiza.
Eu acho que é a explicação que Chico Soares deu é perfeita; quer dizer, todo mundo vai ter que aprender a respeito de algumas questões ambientais - elas estão lá, na Base -, só que, em Mariana, essas questões ambientais vestem outra roupa ou, se a gente quiser ter uma comparação - perdoem-me a simplicidade da comparação -, eu diria que a Base Nacional Comum é um pretinho básico que todas as mulheres têm e que elas mudam - elas botam um colar, elas botam um xale -, dependendo da situação que elas vão usá-lo. Esse mesmo vestido serve para várias ocasiões porque ele é básico. Então, isso quer dizer base.
A Base não é um currículo, e a falta de compreensão disto nos faz cobrar da Base aquilo que ela não pode dar. Por exemplo: reconhece-se que no Brasil nós temos muitas línguas indígenas, da mesma forma como nós temos comunidades que falam japonês, comunidades que falam ídiche e assim por diante, nós temos coreanos hoje. No entanto, a Base não está prevendo, não está propondo outra língua senão a língua portuguesa.
Para dar ideia de todas as línguas, a língua portuguesa é aquela que nos une, é aquela que dá uma identidade entre nós, não uma identidade "eu" porque nós vivemos no momento em que a identidade sempre é pensada nos termos de "eu": eu sou assim, eu sou assado, eu sou transgênero, eu sou mulher, eu sou homem. Não, é uma identidade em termos de "nós", quer dizer, de nós podermos falar uns com os outros e entendermos a língua que nós estamos falando. Só que lá, no Amazonas, as escolas terão que introduzir outras línguas porque são da realidade deles, como - em São Paulo nós temos feito - algumas escolas já têm aula em espanhol para receberem as crianças bolivianas ou como os Estados Unidos têm toda a sua política de segunda língua, que dá um atendimento especial para as crianças que vêm e não falam inglês. Isso é currículo; e nós estamos falando de base, nós estamos falando daquilo que nos une, não daquilo que nos divide. E por que o que nos une é importante? Porque o que nos une garante um ponto de chegada de igualdade.
Eu quero que todos, mas todos, sem nenhuma exceção, tenham direito de chegar neste ponto de conhecimento, de desenvolvimento pessoal, de preparação para a cidadania e para o trabalho, só que as pessoas são diferentes e são muito desiguais. Eu não posso dar a mesma medida para todo mundo, na Base, eu posso.
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No currículo, eu vou cuidar de outra coisa, da equidade - a combinação na Base Nacional Comum com os currículos. E vejam só, o legislador foi sábio aqui, Senador, em nenhum momento a legislação fala em currículo; a legislação nossa só fala em currículos, no plural, reconhecendo que não é possível um país como o Brasil ter um currículo único nacional, que isso é uma questão que deveria ir para essa Base.
Foi pensado assim no Plano Nacional de Educação. É assim que trabalhou esse grupo. Eu pertenço a esse grupo do movimento pela Base, junto com o André. Nós nos reunimos exaustivamente, nós viajamos, conhecemos experiências de outros países, nós voltamos e discutimos, nós produzimos textos, nós fizemos uma série de coisas, até que o próprio Governo assumisse isso que estávamos advogando, porque não foi... Vejam só, é muito interessante isso, a iniciativa de fazer a Base Nacional Comum não foi uma ideia tipicamente do Governo; ela foi uma ideia que foi penetrando o Governo através de várias abordagens, eu diria assim, que vieram desse movimento pela Base, dos Municípios muitas vezes, não é? Não foi uma coisa, assim, que o MEC se reuniu. E eu estou falando do MEC de 2014, não estou falando do MEC com o qual eu colaboro hoje, mas não foi uma coisa que o MEC se reuniu. A Beatriz Luce naquela época era Secretária da Educação Básica, se reuniu e disse assim: "Vamos fazer a Base Nacional Comum." Não!
Eu vou usar uma palavra forte, mas é verdade, o MEC até foi um pouco à reboque da ideia. Não nasceu dos movimentos sociais, com certeza, mas nasceu de uma mobilização de educadores que têm peso neste País, que têm história. Eu mesma tenho 45 anos de educação neste País. Então, depois de ser relatora das diretrizes, de ter visto a questão das diretrizes, como é que ela se colocou na visão, na realidade brasileira, eu fui uma das que apoiou e apoio até hoje a existência da Base.
Uma Base Nacional Comum é um motivo de conflito sempre. Ela sempre tem tensão. Segundo, ela jamais será perfeita. Compatibilizar os grandes objetivos, as grandes competências que estão na introdução da base, que muita gente acha que é muito boa, compatibilizar isso com as competências específicas da língua portuguesa e depois com os temas e os objetos de conhecimento que terão que ser examinados na língua portuguesa, não é uma tarefa trivial.
Portanto, é muito possível que haja a necessidade de permanentes ajustes no futuro. No entanto, o escopo da Base, no meu modo de ver, vai ser sólido, ele vai permanecer.
É uma Base voltada para a escola e é uma Base voltada para a sala de aula, sim, até porque a sala de aula não é necessariamente aquela sala de aula física. Na educação, quando falamos de aula e sala de aula, falamos de um conjunto muito maior de atividades, de reuniões e de interações do que aquela que se dá na sala de aula tradicional, embora, na minha modesta opinião, a sala de aula tradicional continua tendo um papel vital.
Eu aqui me lembro muito da educadora portuguesa Olga Pombo...
(Soa a campainha.)
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A SRª GUIOMAR NAMO DE MELLO - ... que escreveu um artigo muito interessante chamado O insuportável brilho da escola. Quer dizer, por que a escola sempre brilha e por que os intelectuais, sobretudo aqueles que têm uma visão muito grande e muito profunda, epistemológica das questões, acabam sendo grandes críticos da escola? Porque a escola permanece. A escolinha que está aí é aquela que vai ficar. Ela vai mudar o seu procedimento, ela vai mudar sua sala de aula, vai ser por ilhas, não vai ser por ilhas, vai ter pátio, não vai ter pátio, vai ter série, não vai ter série, vai ser por núcleos, vai ser por eixos? Isso tudo é uma questão de decisão curricular.
Por que é que a Base vem desenvolvida por anos? Porque essa é a nossa prática, essa é a nossa tradição. Dificilmente nós conseguiríamos... Já vai ser dificílimo convencer os nossos professores sobre interdisciplinaridade, sobre outras questões que estão na Base, quanto mais se a gente, por exemplo, não colocasse a questão seriada. O mundo funciona assim. Infelizmente o mundo funciona por ano. Ele começa em janeiro e termina em dezembro. E neste País ele vem sendo assim na educação. Vai mudar um dia? Tomara. Eu não tenho nada contra que mude o ano. Eu só não acho que posso agora, a partir de um valor específico, abolir o ano, abolir a série e abolir a aula. Acho que nós temos que pensar na nossa realidade e partir dela, para que a Base tenha aderência.
Então, eu gostaria de deixar com vocês esta mensagem: não há bala de prata na educação. A educação é um fenômeno extremamente complexo, sujeito a subjetividades de cada qual. E, como todas as questões ligadas à subjetividade, ela tem toda a complexidade que o humano tem.
Segundo, a implementação não vai ocorrer se nós não conquistarmos os professores. E aí eu me lembro muito, até hoje eu tenho uma pasta no meu computador, Senador, que se chama: "Cabeça, coração e bolso." É uma expressão sua, certo? Quer dizer, me parece que tão pertinente nesse sentido. Por quê? Porque nós precisamos conquistar os professores com o bolso, sim; de conhecimento, sim; mas nós precisamos do coração dos professores.
A Base não é uma política pública neutra. A Base é uma convocação. Ela está convocando cada professor e cada escola para pegar isso que ela tem, que pode ser defeituoso, pode ter problemas, tem omissões, muitas vezes tem dificuldades de ter incompatibilidades internas. Mas que, com tudo isso, consiga construir um ambiente de aprendizagem melhor na sua escola, consiga pegar esse pretinho básico, enfeitar e botar ali o sabor local.
E que tenha esse compromisso, que é o compromisso com a aprendizagem, que nós aprendemos com a LDB. E eu acho que nós devemos agradecer ao Legislativo, que a aprovou naquele momento, o fato de ela ter feito uma revolução copernicana na educação. A nossa LDB mudou o centro, do ensino para a aprendizagem, e isso para nós tem sido muito importante.
Então, a Base está aí. Ela foi feita com muito empenho, por um grupo muito grande de pessoas, num processo muito complexo e muito diverso, e sobreviveu à intempérie política mais forte. Não foi um furacão Irma; foi um furacão muito mais forte que o Irma o que nós vivemos, e a Base não balançou. A Base continuou e continua de governo para governo, e é isso que a gente está entregando para o Conselho Nacional.
Também estamos tendo os nossos problemas com o Conselho Nacional. Sempre vai haver, mas eu acho que ela vai sobreviver também ao trabalho do Conselho Nacional.
Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigado, Profª Guiomar.
Eu passo a palavra ao Prof. Ricardo Coelho, que aqui representa o Ministério da Educação, obviamente falando em caráter pessoal. Não quero aqui comprometer o Ministro.
O SR. RICARDO COELHO - Obrigado, Senador Cristovam.
Eu gostaria de louvar a sua iniciativa de promover esta audiência pública para debatermos a Base Nacional Comum Curricular e também mostrar, apresentar aos aqui presentes e aos que nos acompanham virtualmente o que é esse trabalho, a importância e a amplitude dele para este País.
Eu gostaria, na pessoa da educadora Guiomar Namo de Mello, de cumprimentar todos desta Mesa; na pessoa da Senadora Lúcia Vânia, todos os Senadores desta Casa; e da Srª Maria José da Rocha Lima, os demais presentes aqui e todos os que nos acompanham.
Eu elaborei uma apresentação, que vou passar rápido, durante a qual vou tentar responder as dez perguntas formuladas pelo Senador.
No primeiro eslaide, nós temos uma apresentação de qual foi o processo de construção dessa Base. Já foi salientado aqui que essa é uma construção coletiva que perpassa diferentes governos e muitos ministros, que começa com um amplo processo de debate. Foram referidas aqui as 12 milhões de contribuições, incorporadas na medida do possível. A partir delas, resultou uma segunda versão da Base, que foi novamente submetida a seminários estaduais, com a participação de em torno de 9 mil professores e educadores. Com base nisso, foi elaborada a terceira versão, que hoje se encontra em apreciação do Conselho Nacional, da qual o nosso colega Francisco Soares é um dos relatores. O Conselho submeteu a cinco audiências públicas, que receberam novas contribuições que serão incorporadas ao documento final.
É claro que esse é um trabalho longo de recuperação das diversas contribuições, de seleção de determinadas contribuições, de forma a torná-lo um documento sólido, coerente, o que não é fácil. Mas isso foi o máximo que o Poder Executivo, o melhor que o Poder Executivo conseguiu fazer, e não será uma Base perfeita.
Esse trabalho poderia ser estendido ad infinitum, mas o Brasil precisa de uma Base. Ela está prevista desde a Constituição de 1988, e o Brasil precisa de uma Base agora. Ela pode e deverá ser revista ao longo do tempo, da mesma forma como a legislação brasileira e a própria Constituição brasileira são revistas quando assim se faz necessário.
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A Base define um conjunto de aprendizagens essenciais a que todos devem ter direito. Então, esse é um compromisso antigo do Estado brasileiro com a sociedade brasileira, que contou com a participação não apenas de muitos educadores, mas de toda a sociedade civil, por esse processo que foi mostrado anteriormente.
Como falou a Profª Guiomar, a Base não é o currículo. A Base é o rumo, é o norte, é aonde nós queremos chegar. Os currículos são os variados caminhos que vão ser traçados pelas escolas, pelos sistemas de ensino, considerando as suas especificidades, de tal forma a torná-la acessível a todos. Uma Base única, ou seja, um currículo único não é compatível com um país das dimensões e da estrutura brasileira. Países menores ou países unitários optam por esse modelo: é o caso de Portugal, é o caso da Finlândia, é o caso da Inglaterra. Agora, o Brasil segue o caminho de grandes países que têm a estrutura federativa, como os Estados Unidos, que têm o Common Core; e a Austrália, com o National Learning Standards. Nós, observando esse conjunto de experiências internacionais, montamos uma Base de acordo que seria o mais adequado para o Brasil, para a realidade brasileira, com o que nós temos neste País.
A Base é um instrumento para favorecer a igualdade. Já foi salientado aqui que o Brasil é marcado por muitas desigualdades, mas, ao procurar atingir essa igualdade, é necessário que se tenha em conta a obrigação de levar em consideração a diversidade, de tal forma que se consiga fazer equidade neste País. Ou seja, os currículos serão um instrumento para promover a equidade. É por isso que a Base trata apenas daquilo que é comum a todos, ela não entra em detalhes sobre modalidades de ensino, sobre temas transversais. Como os temas transversais serão trabalhados e como a educação indígena será trabalhada numa determinada escola de uma determinada etnia, como a Base será trabalhada numa escola rural, como será trabalhada numa escola da periferia, numa cidade grande, numa cidade pequena, isso caberá ao currículo e, sobretudo, aos projetos pedagógicos das escolas.
A Base não revoga nenhuma lei, nenhuma norma do sistema que rege a educação neste País; ela vem complementá-las. À União cabe, portanto, obedecendo, em primeiro lugar, à Constituição e à legislação, estabelecer o que é comum; aos Estados e Municípios, que têm suas redes públicas, cabe fazer os seus currículos, e às escolas privadas também; e, a cada escola, cabe desenvolver suas propostas pedagógicas, adequando-as ao seu público, ao seu alunato.
A Base vai ter um impacto muito grande sobre o conjunto do ensino escolar neste País. O primeiro ponto fundamental que foi aqui ressaltado é a formação de professores.
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Todas as pesquisas internacionais mostram que, depois da formação familiar, da educação dos pais, acesso a livros, etc, o grande fator de sucesso e de desenvolvimento escolar é o professor. Uma vez na escola, o professor é o elemento primordial no sucesso educacional.
Portanto, esse é o primeiro ponto, que não vai ser trabalhado posteriormente à Base. Já está sendo pensada e trabalhada uma nova política de formação de professores que vai acompanhar a implementação dessa Base.
Da mesma forma, as matrizes de avaliação terão que ser revistas à luz do que a Base estabelecer e os materiais didáticos - não apenas livros, porque estamos num mundo digital, onde temos diversos outros recursos de ensino mais interativos e mais baratos também a serem utilizados nas escolas - deverão ser revistos à luz da Base.
Em relação aos valores que orientaram a Base.
O primeiro deles é a formação integral. Quando se fala em formação integral, não se deve confundir com escola em tempo integral. A formação integral diz respeito à formação do aluno, do indivíduo, em todas as suas dimensões - intelectual, física, afetiva, social, ética. Enfim, esse valor perpassa todos os elementos que constituem a Base, da introdução geral às áreas e componentes que constituem a Base.
O segundo ponto é a indicação para que os conteúdos curriculares sejam desenvolvidos para o desenvolvimento das competências necessárias para que os indivíduos sejam capazes de mobilizar os conhecimentos para enfrentar situações e tomar decisões no mundo real, não apenas na escola, mas também na sua vida quotidiana e no mundo do trabalho. Enfim, na sua vida como cidadãos ativos e produtivos.
Essas competências gerais estão ancoradas nos princípios éticos, políticos e estéticos que se encontram inscritos nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Elas não foram tiradas do nada. Elas estão ancoradas nele.
Aqui neste quadro, que é ilegível, mas que está por cores, mostra como os sete princípios éticos, estéticos e políticos das Diretrizes Curriculares Nacionais se traduzem em dez competências gerais que vão orientar todo o trabalho, toda a elaboração dos currículos, mais uma vez salientando o plural.
Aqui eu tenho apenas um exemplo de como um desses princípios, o político, é traduzido a partir de um verbo que vai dar mais clareza para as escolas, para as redes de ensino e para os professores, de como trabalhar, como chegar ao desenvolvimento dessas competências nos seus alunos.
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Aqui está a estrutura da Base. Existe uma estrutura para a educação infantil, que não é a mesma para o ensino fundamental - a estrutura é elaborada de acordo com as especificidades de cada etapa. No caso do ensino médio, a estrutura está sendo desenvolvida. Logo após ser aprovada a resolução pelo Conselho Nacional de Educação e homologada pelo Ministro, vai ser encaminhada a Base do ensino médio, que está alicerçada nas mesmas competências gerais, mas que obedecerá a uma estrutura compatível com essa nova etapa de ensino, que deve ser flexível por força da reforma do ensino médio aprovada no início deste ano.
Em relação ao cronograma, que é uma das questões que foi colocada, a Base não é o fim. A conclusão, a aprovação da Base é apenas o começo de um grande processo de implementação que vai depender muito da ação cooperativa entre União, Estados, Municípios e escolas.
A União, o Ministério da Educação não tem escolas de educação básica, excetuando uma ou outra, como o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e as escolas de aplicação das universidades federais ou dos institutos federais. Enfim, é um trabalho conjunto, que segue, mais ou menos, diversos pontos, entre eles a homologação pelo Ministro. Se for como está previsto, aprovada a resolução pelo Conselho até o final deste ano, o Ministro deverá homologá-la em dezembro, e, a partir do ano que vem, começará todo esse processo de revisão da formação de professores, matrizes de avaliação e materiais didáticos. Entra também o papel fundamental dos Conselhos Estaduais de Educação...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO COELHO - ... de fazerem suas normas complementares para suas próprias redes, a fim de que, a partir der 2019, a Base de fato chegue às escolas de educação infantil e ensino fundamental. O mesmo procedimento, afastado no tempo, vale para o ensino médio. Um vez entregue ao Conselho Nacional de Educação, o Conselho submeterá a Base a novas audiências públicas e contará com o apoio do Ministério da Educação, tal como contou com o apoio do Ministério da Educação nas audiências públicas realizadas de julho a setembro deste ano para a Base que se encontra lá hoje. E isso vai passar por homologação do Ministro, além da revisão específica de formação, materiais didáticos e matrizes de avaliação, notadamente o Enem, para a adequação e a normatização dos Conselhos Estaduais.
A implementação necessariamente será gradual - e por aqui eu vou terminando.
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Os sistemas - a lei prevê isto claramente - terão um cronograma de implementação que começará no primeiro ano subsequentemente à publicação da Base, e terá início, isso para ensino médio, a partir do segundo ano letivo subsequente à homologação.
Passei um pouco do meu tempo e encerro aqui a minha apresentação.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Eu quero agradecer bastante a todos que falaram. E quero fazer alguns comentários.
Primeiro, quero dizer que ultimamente tenho rodado por aí, Profª Guiomar, Prof. Pacheco, dizendo que o maior problema da crise brasileira não é o excesso de maus políticos, mas sim a escassez de bons filósofos que nos orientem.
Na educação, estou achando que é o contrário. O problema é excesso de filósofos e a escassez de políticos comprometidos com a educação. Nós temos muitos educadores e poucos educacionistas.
No caso do currículo comum, eu creio que dá para se perceber que é um pouco disso. Nós estamos definindo um currículo comum, que é algo absolutamente necessário, mas sem definir um sistema comum. Obviamente que tem que haver liberdade pedagógica dentro de cada sala de aula e gestão descentralizada em cada escola, mas um sistema.
Eu até estava pensando aqui que, em vez do título dessa sessão, Senadora, que é Desafios da Base Nacional Comum Curricular, não deveria ser desafios de uma carreira nacional unificada para o magistério ou desafios para formação nacional equivalente, não digo igual, do professor.
Eu creio que a gente trabalhou pouco o sistema e está trabalhando bastante o conteúdo, que é absolutamente necessário.
E fazendo alguns comentários específicos. Eu achei muito interessante quando o Prof. José Francisco lembra que nós queremos que cada criança tenha o conhecimento que precisa dominar para cada ano de sua idade. Embora eu lembre que o Prof. Pacheco levanta que cada criança é uma unidade especial em si, não dá para termos a mesma ideia na cabeça de cada aluno conforme a sua idade biológica, até porque a idade mental não é igual à biológica.
O problema de gênero. O que me preocupa são duas coisas hoje: um é que, ainda no século XXI, ainda estejamos discutindo se o assunto de gênero deve entrar ou não. Essa é uma preocupação. E tenho outra: é que no século XXI esse assunto tem dominado o debate, polarizando posições dos que querem e dos que não querem colocar o assunto de gênero. São duas coisas lamentáveis. Eu lamento que ainda precisemos debater. "Mas precisa sim, precisa incluir, eu defendo." Mas, por favor, vamos discutir também matemática, geografia, física, comportamento em todos os sentidos. Mas não estamos conseguindo porque esses grupos estão polarizando bastante o debate.
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Eu quero lembrar o que a Profª Cleuza disse: que muitas escolas no Brasil só funcionam duas horas por dia. E ela não incorporou quantos dias por semana, e não são os cinco. E nem as semanas, porque se nós levarmos em conta as paralisações, se levarmos em conta o tempo para planejamento, se levarmos em conta tudo que paralisa a palavra aula - depois eu vou lembrar o que é o monstrengo epistemológico no século XXI, como disse o Prof. Pacheco -, é pouco tempo que a gente tem na escola, pouco tempo, e muitos vão apenas pela merenda.
E nós nos enganamos com uma verdade, dizendo que temos 97% matriculados. É verdade, mas é uma ilusão comemorar isso. Primeiro, porque 3% estão fora, a gente deveria estar chorando. Segundo, porque matriculado não significa frequência; frequência não significa assistência; assistência não significa permanência até o final do ensino médio; permanência não significa aprendizado; e aprendizado não significa necessariamente melhoria, porque pode -se aprender coisas ruins também.
Então, ela lembrou isso, interessante, mas eu anotei aqui uma pergunta.
A Base vai resolver esse problema de que temos crianças apenas duas horas? Eu acho que só a Base pode ficar - como alguém falou aqui - como uma letra de intenções, como foi o primeiro PNE, e o segundo PNE está encaminhando para isso.
Eu tenho discutido também... E um dia desses me perguntaram o que é uma boa escola para mim. Eu disse que uma boa escola é aquela em que criança entra, fica nela com prazer e, ao sair, sai confiante de que vai enfrentar o mundo. Quando eu digo sair, sair não no ano, não no dia, sair ao final do seu curso, do ensino médio. Ele entra, fica com prazer e sai com confiança, inclusive para aprender todas as coisas novas que não lhe ensinaram na escola e que ele vai ter que aprender a cada dia, das coisas novas que surgem.
A Prof. Cleuza falou que não há implementação sem recursos - isso aí é fundamental; e que é duas vezes mais difícil implementar do que fazer - isso é verdade. E aí vem a diferença do filósofo, do pedagogo, do educador para o político educacionista, esse aqui é que vai dar as condições.
Aí fica a pergunta, que eu vou repetir aqui algumas vezes. Ela defendeu, aliás muitos defenderam, a equidade do Plano. Mas como é que a gente vai fazer a equidade com um currículo comum com escolas tão diferentes? Porque os Municípios são tão diferentes. Como a gente vai conseguir ensinar a mesma coisa em Axixá, lá no meu Pernambuco, e em Americana, em São Paulo, com condições absolutamente diferentes?
O Prof. Pacheco, como sempre, com a sua visão, a sua inquietação e a sua generosidade, mas que eu também apoio, de reconhecer os grandes educadores que nós já tivemos no Brasil, trouxe os três problemas: omissão, equívocos e incoerência.
As omissões, ele referiu-se à LDB e à meta do PNE. Lembrou que os gestores continuam nomeados; que a Base, que traz uma coisa positiva, que é ser comum, mas não está trazendo uma coisa positiva e pode até negar, que é a autonomia, que é a liberdade, melhor dito.
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Falou de um dos equívocos, que a sala de aula é um dispositivo nefasto no século XXI, que provoca analfabetismo e exclusão, ou seja, é uma maneira dura de dizer uma realidade. Temos salas de aula hoje que excluem, porque o aluno não gosta, porque o que ele aprende não lhe interessa.
Falou em condicionar o mesmo conteúdo por ano, se os alunos são tão diferentes, cada aluno é um. Isso é o que tem de especial na experiência dele, na ponte, na escola da ponte, que é a ideia de que cada aluno tem que ter uma atenção especial; cada aluno é um ser e não dá para trabalhar em conjunto. Por isso, o currículo não pode ser uniforme e não podemos nos inspirar em modismo. Ao mesmo tempo, não podemos deixar que cada escola de uma nação tenha um currículo como quer. Essa é a contradição ideológica que ele falou, que a gente precisa fazer combinar a busca da unidade sem uma camisa de força.
Lembrou o professor, que é uma figura formidável, que é preciso esclarecer os conceitos, e a gente não está conseguindo. Por isso que comecei falando: o que está atrapalhando mais do que tudo hoje não é político que leva dinheiro e guarda em uma caixa em casa, o que é uma vergonha e uma tragédia, mas é político que não tem coisa na cabeça para orientar a sua ação política.
A gente tinha filosofia, fosse marxismo, fosse o liberalismo, o desenvolvimentismo. A gente vinha para cá com uma filosofia, às vezes até não sabia que tinha, mas tinha. Hoje, a gente está sem isso.
E um político sem filosofia é um candidato a corrupto. Podemos diferenciar dois tipos de corrupção: a corrupção de colocar dinheiro na cueca ou a corrupção do poder pelo poder, que é uma forma também de corrupção.
Então, a ideia de precisar esclarecer os conceitos confirma essa ideia de que nós precisamos de filosofias. Mas, na educação, hoje, talvez a gente tenha até demais. A gente precisa de políticos da educação.
Continuando na linha de comentários de cada um, ainda o Prof. Pacheco disse que escolas são pessoas e não prédios e que é preciso - e isso achei muito importante, professor, o resto também, mas isso - implantar, paulatinamente, avaliando constantemente e adaptando. Isso é muito importante. Não pode ser uma Lei Áurea da educação. Diz-se que não há mais escravos no Brasil, que, aliás, terminou também não sendo executada, porque continua escravo, não pode é vender mais oficialmente.
Então, essa ideia é muito importante. Não sei o que o Ministério está pensando, nem o movimento de que tem que ser paulatino, com avaliações e com adaptações.
E a última coisa é essa ideia, a que certamente já me referi, de aula, que é o escândalo epistemológico do século XXI. O problema é que a gente sabe disso, mas não sabe ainda o que colocar no lugar, com clareza, apesar das suas experiências práticas e outras também até mais antigas.
Do André anotei aqui aquela ideia dos desafios: como obter o desafio da Base Comum antes ou independentemente do desafio de uma carreira comum para o professor.
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Eu diria até mesmo padrões comuns, que não querem dizer iguais, padrões comuns de edificações, porque a escola são pessoas, não são prédios. Mas prédios ruins, cadeiras furadas, buraco no telhado, quadro sem giz não permitem uma boa escola. Não são suficientes.
A ideia das sete dimensões, que o André colocou e que ficou aqui um bom tempo, deu para a gente refletir bastante. As políticas públicas sem a descontinuidade, as boas práticas serem copiadas, a administração da escola, isso é fundamental. Parcerias intersetoriais, monitoramento e avaliação. E eu deixei por último uma que me preocupa porque esse é um dos conceitos mais não definidos: gestão democrática. O que é gestão democrática? É a gestão pelo voto, sem levar em conta o mérito, sem levar em conta a capacidade? E como é que a gente faz para levar capacidade e mérito para o processo democrático?
Isso aí não é só para professor não, isso eu acho que vale também para vereador, Deputado, Senador, governador. A gente precisa trazer a dimensão do mérito para o processo democrático. Não me pergunte exatamente como, mas eu vou dizer uma coisa que a gente fez. A Lei da Ficha Suja é uma intervenção no processo democrático porque, na democracia pura, o povo devia ter direito de votar em corrupto. Nós demos um avanço, a meu ver, proibimos que ele seja candidato graças à ficha suja, se ele não tiver ficha limpa. A precisa começar a pensar como é que tem um currículo limpo, e não só a ficha limpa.
O prefeito que quebrou o Município, mesmo sem roubar. Aliás, eu dou um exemplo aqui, sem querer partidarizar. O governador que fez o estádio está com muito problema por causa de desvio de dinheiro na construção. Isso é ficha suja. Mas no currículo dele devia estar escrito que, em vez de colocar esse dinheiro em saneamento, em água e em escola, botou no estádio. Mesmo que não houvesse propina, era um desvio de conduta. O currículo sujo.
O que não quer dizer diploma, não quer dizer instrução. Mas algo a gente tem que pensar para trazer a ideia de mérito na gestão democrática. E isso vale, sobretudo, para as universidades porque nós confundimos gestão democrática com voto apenas.
Gostei muito foi da ideia da motivação. E eu vi que o Prof. Pacheco balançou a cabeça, quando você lembrou como é importante a motivação para o aluno aproveitar. E isso é o que está faltando muito, o aluno ser motivado, gostar da escola.
A Profª Guiomar, na linha do que ela sempre falou, escreveu, ela lembrou que na legislação, mas mais do que na legislação, no pensamento, curriculum sempre é no plural. Como criança é sempre no singular. E, para criança, ser no singular, é preciso que o currículo seja no plural, para se adaptar às singularidades das crianças.
E aqui uma coisa que eu queria refletir um pouco, é que não há bala de prata na educação. Aí, eu anotei aqui, querida Guiomar, que não há bala de prata, mas eu acho que a gente tem que procurar um revólver de prata, que seria um grande sistema com uma vontade nacional, que a gente não tem ainda pela educação; com um sistema nacional, que não quer dizer camisa de força.
Aliás, hoje até filosofia, eu digo que a gente está precisando de filosofia na política, mas não pode ser mais uma filosofia.
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Tem que ser filosofias, tem que ser um sistema, e não uma, como nos viciamos no passado; um sistema nacional com descentralização gerencial e liberdade pedagógica. Ricardo Coelho, que o Brasil precisa de uma base, que é um instrumento de equidade, eu não tenho dúvida: sem a base, não vai haver equidade. Mas só a base, ela não vai ser eficiente se a gente não criar a base da base curricular. A base da base é o professor, são os equipamentos, é a permanência da criança. E aí, a ideia de que a educação integral não se pode confundir com horário integral, eu estou de acordo; mas no mundo de hoje eu não vejo como fazer uma educação integral sem o horário integral. Antigamente dava. Porque você deixava o menino e a menina quatro horas, e, em casa, a família complementava a educação. Mas a família não está mais em casa.
O horário integral hoje eu acho que é necessário, primeiro, para fazer a escola agradável. Porque horário integral não é sentar na cadeira seis horas. Não. É brincando, é nadando, é correndo, é fazendo balé, ginástica. A escola tem que se adaptar a isso. Mas hoje o horário integral para mim é importante, porque a gente precisa tirar as crianças da rua. Quando eu falo "rua", é rua digital, não é só rua física. O menino hoje sai, das quatro horas, se ficasse quatro horas, e vai para a televisão, vai para o videogame, vai para companhias que a gente não vê; na escola, a gente vê as companhias.
Ficar em horário integral é importante até para ter uma relação de amigos e amigas que se possa perceber para onde vão. Eu tenho dito muito - eu acho que, na linha das influências, de ler o que o professor Pacheco escreve e faz - que, para mim, hoje os amigos podem ser mais complicados ou mais benéficos do que os professores. Porque professor a gente observa, a gente sabe como ele está; professor é capaz de ensinar o menino a ler. Mas quem ensina a gostar de ler é o namorado ou a namorada, é um colega. E quem ensina droga ou a não gostar de droga também não é professor. Por mais que o professor faça propaganda contra a droga, se um amigo o leva para isso, é muito fácil de uma criança cair na amizade.
Então, o horário integral é uma necessidade da educação integral. O problema, aí sim, que é importante, é que tem horário integral que não dá educação integral. Então, um horário integral pode não dar educação integral. Mas eu não vejo como dar uma educação integral sem o horário integral. E isso não vai ser possível mantendo a pura e simples municipalização. Vai ter que ter algo acima da municipalização das escolas. A palavra federalização é muito grosseira, ruim. A ideia do Governo Federal - adotar as escolas das cidades que não têm condições -, eu acho que pode ser mais palatável do que federalização; um sistema nacional da educação eu acho que é mais palatável ainda, algo vai ter que ter. Mas a pura e simples municipalização não vai permitir a Base Nacional Comum Curricular em todas as escolas. Não vejo como, se não houver mais interferência, sem tirar a descentralização gerencial na escola nem a liberdade pedagógica na sala. Com avaliação - aí sim, que é fundamental.
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Bem; vocês viram que tivemos poucas presenças físicas aqui, por dificuldades hoje para entrar nesta ala onde está a Comissão, mas vamos publicar. Eu acho que merecem ser publicadas, sim, todas essas falas. E vamos... Isso vai passar na televisão em outros horários. Não sei se foi ao vivo, porque havia... Foi ao vivo? Está vendo? Nem sabia... Porque tem outras comissões. Pelo menos uma parte foi. E eu não posso deixar, até por uma questão de respeito, de ler alguns comentários e perguntas que chegaram aqui.
Um do Giuseppe Valitutti Netto. Ele diz que a Base Nacional Comum Curricular "ataca o problema da educação pelo lado errado: a falta de disciplina em sala de aula e a total impotência dos professores e funcionários diante de alunos aloprados afastam os bons profissionais da escola e desmotiva os alunos interessados. Só os relaxados temem a disciplina".
Ou seja, ele lembra que é preciso ter disciplina. Agora, a disciplina pode-se buscar de duas maneiras: com a palmatória, como antigamente, ou com o prazer da escola. Se a escola dá prazer, eu não vejo como ela vai ser indisciplinada, salvo alguma outra pessoa fora da curva, como se diz.
Marcos de Carvalho diz: "Sou contra a implantação da cultura de gênero nas escolas. [...] [O currículo] deveria se preocupar em melhorar os níveis de conhecimento das escolas. O Brasil tem um dos piores índices mundiais em termos de conhecimento. A educação quanto à orientação sexual é responsabilidade da família".
Eu diria ao Marcos, e depois vou dar um minuto ou dois para cada um poder comentar isso, que não dá mais para deixar a orientação de qualquer tema apenas para a família. Eu creio que a escola tem que ser laica, a escola tem que ser imparcial, a escola tem que ser aberta, mas ela tem que trazer todos os temas e problemas para dentro. Não pode deixar de trazer.
Alcenir da Silva: "Creio que há um equívoco neste quesito [deve ser o mesmo: de gênero]. Deverá ser revisto. Os professores são meros transmissores de conhecimento. Educadores são os pais. Há uma inversão de papéis. Inclusive, os professores reclamam. Porém, eles mesmos se apresentam como educadores. [...]"
Eu quero dizer que muitas vezes os professores nem gostam de receber os pais para debater. Eu ouvi, Guiomar, uma proposta que é extremamente um tabu no Brasil, mas que, mesmo tabu, a gente deve citar, sem defender, se não tem ainda coragem nem o conhecimento. Eu ouvi um dia desses que, sem família, sem pais, não tem boa educação. É preciso levar os pais para dentro da escola, e a única maneira seria cobrando R$5 por mês por aluno. Você não quebraria a gratuidade, porque R$5 é possível; e os pais, ao pagarem um pouquinho, eles se sentem empoderados para irem à escola debaterem com os professores, pois hoje eles não se sentem assim.
Eu acho que é cedo para se propor uma coisa dessas, mas eu acho que é tempo de se debater. Primeiro, o conceito de gratuidade. Não existe nada grátis. Há coisas que todos pagam para alguns, mas alguém está pagando. Segundo, como fazer o empoderamento dos pais e atrair a motivação dos pais para irem à escola?
Eu tenho um projeto que o governo anterior fez tudo e não conseguiu impedir, mas está na brecha de sair. É que uma das condições para receber a Bolsa Família seria ir à escola dos filhos. Não é só os filhos irem à escola; é os pais irem. E olha que eu coloquei, no mínimo, uma vez por ano. E o governo se manifestou de uma maneira brutal e conseguiu barrar na Câmara, nas comissões, mas conseguimos que voltasse.
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O Alcenir da Silva, creio que... Esse foi o que eu li.
Leonel Mattjie diz: "Se vai haver aumento de carga horária e diminuição de disciplinas obrigatórias (ainda que em parte da grade curricular), deveria haver mais uniformização sobre disciplinas facultativas, sob pena de permitir direcionamento indevido de formações específicas".
Eric Bressan diz: "Para resolver [o problema da educação], tira o MEC, desregulamenta, baixa impostos, libera o setor educacional. Aí, você encontrará empresas privadas fornecendo todo tipo de educação, mais simples, outras mais complexas, com vários alunos por professor, ou com poucos, algumas específicas e outras comuns." "É óbvio que quem ganha mais dinheiro teria uma escola melhor, mas é natural. E o governo, para emparelhar, piora a educação dos ricos e não melhora a dos pobres. Se fosse privatizado e desregulado também poderia haver um bom corte de taxas, que estamos precisando".
Eu acho, Eric, que isso daqui já é há 500 anos no Brasil. A gente deixou as escolas boas para quem pode pagar. Está precisando resolver isso, sem - e aí, sim, ele tem razão - o Estado emparedar demais a educação. Tem que - eu não diria, como ele, desregulamentar - diminuir a regulamentação, sim. E, com o ensino a distância, a regulamentação não vai conseguir influir muito, não. Eu não sei o que o Conselho Nacional da Educação pensa, sobretudo no ensino superior. Vai ser difícil você regulamentar muito. Hoje em dia, qualquer pessoa abre o computador e assiste uma aula em Harvard, onde for. A gente vai regulamentar Harvard? Vai proibir que se assistam aulas pelo ensino a distância? De fato, nós temos um excesso de regulamentação, embora eu ache que o Eric radicaliza.
Finalmente, o Carlos Silvana: "Temos que fazer prevalecer no Brasil uma educação integral com qualidade. As crianças e jovens não podem fica à mercê dos traficantes e de um futuro sem perspectiva. Vejo na educação integral a única fórmula para [...] [resolvermos] a vergonhosa estatística de homicídios [...] [no Brasil]." "Um país que cuidar de seu futuro e acabar com a violência... Coloca seus jovens em escolas integrais e de qualidade. Simples assim."
Aliás, a Guiomar citou a frase que eu falei algum tempo atrás, que o professor é feito de cabeça, coração e bolso. Na verdade, qualquer pessoa é mais ou menos isso, mas o professor ainda mais, porque a cabeça é fundamental, o coração é fundamental, e o bolso também. Mas eu queria colocar na sua coleção mais uma que eu gosto de dizer, que o futuro de um país tem a cara de sua escola do presente. Você olha como é a escola de um país hoje e você está vendo a cara do país daqui a 30 anos. E essa escola é no sentido E maiúsculo, o conjunto das 200 mil. Portanto, sobretudo as públicas.
Flavia Luiza Santos Scabio, é a última. "Precisamos de uma educação integral e não de escolas integrais com conteúdos que não acrescentam nada à realidade do educando. Precisamos de escolas democráticas com metodologias que auxiliem na ampliação do olhar em relação ao mundo que se vive. Educação com significado." Eu acho que é uma boa maneira de terminarmos esta audiência, com essa frase da Flávia Luiza Santos Scabio, que aqui a gente não sabe de onde é, mas trouxe uma boa contribuição, como as demais.
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Bem, eu termino a minha fala aqui, comentei cada um, dei minhas ideias, mas eu vou, de lá para cá, Guiomar, se quiserem, usando um minuto, dois ou mais - não estou com pressa -, concluir as suas falas.
Por favor.
A SRª GUIOMAR NAMO DE MELLO - Eu acho que não há muito o que acrescentar, Senador.
O senhor fez um bom apanhado de tudo o que foi dito e eu acho que a conclusão que deve ficar e a seguinte: a implementação dessa Base exige um tipo de comprometimento não só da escola e do professor - esses daí são, mais ou menos, óbvios -, da classe política, dos formadores de opinião e de outros setores da sociedade interessados em educação porque não vai ser um processo rápido e não vai ser um processo fácil. Esperar que a gente por milagre, no ano de 2019, tenha a Base já realizada em todas as escolas é realmente ser otimista demais.
Acho que a expectativa tem que ser de que a implementação vai ser bem sucedida, mas também cautelosa no sentido de que teremos problemas, sobretudo com a questão da formação dos professores. A formação dos professores no Brasil e, aí, eu concluo, vai exigir um esforço até maior do que o da construção da Base porque a construção da Base foi um processo que envolveu educadores que, de alguma maneira, comungavam do mesmo objetivo e na formação de professores nós temos visões conflitantes muito fortes. Quer dizer, temos a realidade de que a maioria dos professores do Brasil é formada nas instituições particulares de ensino, quase 80% dos professores brasileiros não vêm das instituições superiores públicas, universidades ou não. Eles vêm das instituições particulares, as universidades públicas, por tradição, sempre foram afastadas da formação de professores, elas têm muito mais atração pelas carreiras de maior prestígio como é a medicina, como é a engenharia, como é a pesquisa de ponta acadêmica na área de física, na área de linguística etc. A universidade não está, infelizmente, não tem nenhuma aderência com a realidade das escolas básicas e talvez até a gente precise repensar as instituições mesmo as encarregadas de formar professores. Então, vamos precisar de muito apoio inclusive desta Casa para promover as mudanças que teremos que promover na formação de professores.
Com isso, encerro e agradeço muito a atenção de todos. Espero que não seja a última vez que falemos da Base, embora nós que estamos envolvidos nisso estamos um pouco cansados, mas acho que nós vamos ter que falar sobre isso muito tempo ainda.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigada, Professora.
Professor André.
O SR. ANDRÉ DUARTE STÁBILE - Senador Cristovam Buarque e amigos Senadores e demais amigos, os desafios estão colocados e são conhecidos. São quatro os principais: novos currículos nas redes estaduais e nos Municípios brasileiros, novos recursos didáticos e materiais didáticos e que implicam num impacto enorme - o Brasil tem o maior Programa Nacional de Livros Didáticos de distribuição governamental estatal do mundo -, a formação de professores - que já foi falado - e as avaliações de larga escala.
Todos esses quatro desafios estão sustentados pelo que o Senador chamou de base da Base e que nós temos chamado de alicerce da Base, que é o financiamento da educação. Então, se nós não colocarmos uma luz, se nós não iluminarmos o percurso dos recursos públicos até as salas de aula, a Base Nacional Comum não terá o sucesso que nós pretendemos que ela obtenha.
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O País hoje está discutindo diretamente a questão da corrupção, a Operação Lava Jato e etc. Por trás desse assunto que domina a sociedade brasileira, existe um valor, que é o valor da honestidade, que está esquecido por boa parte de todos nós. Então, a gente vai ter de fazer uma reflexão para que a honestidade possa ser aquilo que sustenta o alicerce desses quatro desafios. Sem um financiamento claro, sem um percurso conhecido dos recursos públicos a partir do Tesouro Nacional, nós não obteremos sucesso e nós precisamos ter coragem de enfrentar isso.
Obrigado a todos que puderam nos ouvir nesta manhã.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigado, Professor.
Professor José Francisco Pacheco.
O SR. JOSÉ FRANCISCO DE ALMEIDA PACHECO - Como eu disse no início da minha intervenção, eu apenas vim partilhar um pouco da minha experiência portuguesa. É evidente que eu concordo com a Guiomar: os portugueses têm grande responsabilidade na situação que o Brasil vive hoje. Mas eu sou um pouco anticabralista e venho para apreender o Brasil e para tentar ser útil. Aquilo que aconteceu lá há 20 anos, eu não quero que aconteça aqui. O que aconteceu foi que uma base curricular, que não é o currículo, muito idêntica à brasileira, os professores não cumpriram a base curricular. Eles continuaram a dar aula pelo livro didático. O currículo que eles deram foi o livro didático, que é um currículo restrito. E não foi culpa deles. É questão de formação.
No Brasil, eu acompanho muitos processos formativos. Nós temos de partir daquilo que as pessoas são, do que elas são; não exigir que elas deixem de ser o que são, inclusive valorizar o que elas sabem. Elas estão contentes dando aulas, mas é preciso, com elas, a partir do que elas sabem - não vamos tirar aquilo que elas sabem, senão fica a insegurança -, da cultura que elas têm, propiciar aos professores, através de outra formação, porque as diretrizes curriculares para formação de professores não foram cumpridas também, mas eu não falei disso. Então, a partir do que as pessoas são, nós vamos ajudá-las a reelaborar sua cultura pessoal e profissional. É aí que está o nó da questão. Então, os professores lá em Portugal voltam ao que fizeram há 20 anos, e eu penso que aqui não podemos dar lições.
Quanto à questão da aula ou não aula, nós tivemos que os jesuítas foram os criadores do sistema educativo, se é que houve, no Brasil, antes do Capanema. Mas, se nós formos ver o que os jesuítas estão a fazer hoje em dia, olhamos para a Catalunha. Vocês sabem que os jesuítas da Catalunha, que são talvez, a instituição mais respeitada do Brasil, acabaram com a aula, acabaram com a turma, acabaram com a série, acabaram com a prova. Eu penso que os jesuítas da Catalunha não são loucos nem irresponsáveis, e a primeira avaliação que foi feita foi de excelência.
Então, meus amigos, pouco importa se há aulas ou não. Não é isso. A questão é esta: se o modo como os professores trabalham não garante direito à educação, que está na Constituição, no art. 205, os professores terão direito de continuar a trabalhar desse modo? Onde é que está a ética. Se o modo como as escolas trabalham e o sistema conduz, com aula, com turma, não garante o direito à educação de todos, que está consagrado na Constituição, será direito continuar a fazer isso? Todos estamos contentes, mas é preciso ser ético. É assim, meus amigos, e peço desculpas por esta forma de falar.
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Finalmente, os professores brasileiros, que já cumprem o currículo integralmente... Ouviram bem? Cumprem integralmente! Na dimensão, na medida, como na moral, sociomoral, espiritual até, ética, estética, emocional, cumprem todo o currículo, eles não são arrogantes; eles apenas pedem que sejam respeitados e escutados, e não foram. Então, eu diria que começássemos a fazer perguntas, perguntas que qualquer criança faria. A gente aprende por antropofagia, aprendemos o outro, aprendemos quando sabemos por que aprendemos, quando a aprendizagem é significativa, aprendemos quando existe um vínculo afetivo com o outro. Então, esses professores apenas fizeram perguntas uns aos outros. Por exemplo: por que há aula? Por que há turma? Por que há série? Por que há ano letivo? Por que o ano letivo tem 200 dias? É isso que está na Lei de Diretrizes e Bases? Não é. Por que há férias escolares? Por que os banheiros do professor são diferentes dos banheiros dos alunos? Estou a falar de valores, meus amigos, valores para um país fraterno e para um Brasil em que a desigualdade desapareça.
Peço desculpas se fui veemente em algumas afirmações. Não estou a falar em nome de ninguém, mas eu conheço o lado saudável da educação do Brasil. Por isso é que estou aqui, para apreender e, se quiserem, retomar a conversa, para ser útil.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Muito obrigado, professor.
Vamos continuar. Prof. Ricardo.
O SR. RICARDO COELHO - Senador Cristovam, eu ouvi com atenção o seu brilhante resumo sobre tudo que se falou nesta Mesa. Eu gostaria de lembrar que a Base dá um grande passo neste País. Existe um consenso de que educação é a base, mas nunca se discutiu neste País como se discutiu o que é a base para a educação neste País como agora, nestes últimos anos. Esse é um grande avanço. A questão de como a escola deve tratar os conhecimentos, o desenvolvimento das habilidades e competências dos alunos, a formação integral dos alunos ganhou espaço na sociedade e no Estado brasileiro. E isso abre uma janela de oportunidades muito importante para o País.
Os demógrafos e economistas falam que nós vivemos o final do bônus demográfico neste País, o que quer dizer que temos jovens e crianças na escola, e mais crianças que vão entrar na escola. E isso é uma oportunidade para que se consiga, com a elevação da qualidade de ensino, que é para o que a Base existe, para isso que ela vem, para que se consiga criar um conjunto de brasileiros mais bem preparados para agirem como cidadãos, como indivíduos que se insiram no mundo do trabalho de forma produtiva, de forma independente, para que os nossos filhos e netos venham a ter uma situação mais próspera e um melhor futuro do que nós tivemos hoje.
É claro que a Base não é tudo, não é bala de prata; a Base é apenas um ponto de partida para algo maior que exige a cooperação interfederativa e também da sociedade e da família. A Constituição deixa isto muito claro: a educação é dever do Estado, da família e da sociedade. Sem essa cooperação, não chegaremos lá.
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Para que a Base chegue à escola, além dessa cooperação, precisamos também, como o Senador citou aqui diversas questões, de inovações sobre o sistema etc. de ensino. E, nisso aí, mudanças legislativas cabem a esta Casa, quer dizer, o que o Ministério da Educação fez, ao formular essa Base, foi considerar o que preveem as leis atuais - e é esse o papel do Poder Executivo, ou seja, traçar políticas de acordo e estritamente de acordo com a previsão legal. Foi isso que fizemos.
Avanços adicionais. Cabe a esta Casa, ouvindo a sociedade, que é o papel das Casas Legislativas, discutir e propor inovações que venham a tornar a implementação da Base e a favorecer a melhoria da educação neste País.
São essas as minhas palavras.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigado, professor.
Prof. José Francisco.
O SR. JOSÉ FRANCISCO SOARES - Senador Cristovam, eu me preparei para responder as minhas perguntas iniciais. Elas ficarão para outra oportunidade.
Eu queria sintetizar, primeiro, essa ideia que o Senador sempre nos puxa, a ideia um pouco da utopia. Eu queria sintetizar a utopia escolar, a escola no centro, tempo integral para alunos e para professores. O professor deve estar numa única escola. Ele sai de casa como todos nós e vai exercer o seu trabalho. Aí, sim, nós vamos ter essas diferentes realidades.
Segundo ponto: não se faz justiça com artesanato. Num país tão grande, com carências tão grandes, precisamos dar bons serviços para todo mundo. Preocupam-me muito essas propostas que são propostas extremamente caras e que vão atender a poucos. Eu quero, quando penso a Base, atender todos, entretanto não se faz transformação sem experimentação. A LDB já deixa isso claro. A LDB diz que a escola pode se organizar por ciclo e por uma série de outras maneiras. Não há nada proibido lá. Agora, com a Base, o que essa escola vai fazer? Ela vai verificar o que está esperado para esse aluno e vai readaptar. Então, precisamos de experimentação. Para usar um exemplo muito extremo: nós precisamos das escolas outdoor, mas não está demonstrado se essa proposta pedagógica seria adequada para os milhões de alunos e a diversidade.
O terceiro ponto é o papel dos entes federados. Eu disse que são quatro níveis de explicitação. É impossível uma escola isolada, porque a irregularidade, o turnover, os professores deste ano não estão em muitas escolas. Então, as redes têm que produzir um documento para que seja discutido na escola. A LDB não foi revogada. A LDB fala em proposta pedagógica da escola. Como essa proposta vai ser feita? Vamos pegar um documento que a Rede fez e agora nós vamos ver como vamos ensinar. Muitas escolas vão aceitar aquela orientação. O que não pode é uma escola aceitar sem pensar. Então, os documentos das redes têm que ser documentos orientadores.
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Como eu disse, eu estou vindo de uma reunião internacional e eu me enamorei do documento da Colômbia, porque ele dá exemplos. A nossa Base usa uma linguagem que é própria do documento. E leio um pequeno exemplo. "Inferir o tema e o assunto com base na compreensão geral do texto." Isso é claro para todo mundo? Percebe? Então, o documento orientador vai dizer: esse objetivo de aprendizagem significa isso. Ele pode ser ensinado dessa forma, ele pode ser avaliado dessa forma. Então, esses documentos não cabem num documento de Base, porque são específicos demais, mas têm que ser produzidos para que haja implementação. A implementação será isto: será a explicação, será a escolha e também será verificar como a criança aprendeu ou não.
O Brasil está muito dividido em todos os sentidos. Compreender não é concordar. Precisamos fazer um esforço de compreensão dos outros argumentos. E, aqui, peço licença ao Senador para colocar um tema polêmico. Nós precisamos na educação que a justiça faça paz com a eficiência. O termo eficiência não pode ser - entre aspas - "um termo da direita", nem o termo justiça - entre aspas -, "um termo da esquerda", porque, sem bom uso dos recursos, não vamos produzir justiça. Ou vamos produzir aprendizado do jeito que este País é acostumado: para poucos. Nos dias em que estou mais afetado, eu digo que este País adora dar tudo para poucos e nada para muitos. Nós só vamos dar para todos, quando usarmos bem os recursos. Então, precisamos trazer a discussão da eficiência com um viés educacional. Usar bem o recurso, porque estamos olhando para todos. Qual recurso? O tempo do professor, a carreira do professor, a estrutura da escola, mas também a orientação pedagógica - está muito claro que não resolve tudo, mas vai dar a sua contribuição, é a contribuição que esta discussão nos pede: dar um passinho para frente, construir o comum, construir o nacional quando essa ideia não há quem defenda.
Estamos num momento em que só se defende o específico e o radical. Precisamos descobrir como vamos construir o Brasil nesse meio.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - Obrigado, professor.
Eu quero dizer que o senhor trouxe um tema que daria uma outra audiência e eu gostaria muito, apesar da polêmica que surge quando eu digo que, no mundo de hoje, a economia tem que ser eficiente, ponto. Passou o tempo de construir justiça por dentro da econômica, como aprendemos. E a justiça vem como fazemos com o dinheiro que a economia eficiente gera. E, aí, sobretudo, duas coisas têm que ser iguais: saúde e educação. No resto, temos que tolerar as desigualdades que vierem pelo talento de cada pessoa.
O SR. JOSÉ FRANCISCO SOARES - As diversidades.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) - É.
Então, na economia, se não for eficiente, não vamos ter justiça, mas esse seria outro tema.
Eu quero aqui, agradecendo a todos, convocar para o dia 25 de setembro, segunda-feira, às 14h, reunião extraordinária desta Comissão em forma de audiência pública destinada a instruir e elaboração do relatório de avaliação de política pública dedicado ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).
Essa audiência é em atendimento ao Requerimento nº 50, de 2017, de autoria do Senador Roberto Muniz.
E, para encerrar a reunião, convido a Senadora Lúcia Vânia, que é Presidente da Comissão, para dizer algumas palavras e encerrar a audiência. A SRª PRESIDENTE (Lúcia Vânia. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - GO) - Eu gostaria de cumprimentar todos os expositores e dizer da minha satisfação de ter podido ouvir o que eu ouvi aqui. Eu acho que todos puderam expressar a importância da base e acho que o Presidente hoje desta Comissão, o Senador Cristovam, pôde decodificar tudo o que foi dito, a importância dessa base - e eu concordo absolutamente com o que foi colocado aqui.
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Quero dizer que é uma riqueza ter um político educador ou um educador político, porque ele, com palavras simples, pôde externar a importância do que foi explicitado aqui pelos educadores.
Acho que esta Comissão ficou mais rica, mais importante e clareou bastante essa questão da base e, principalmente, respondeu a uma questão que o Senador Cristovam sempre coloca e sempre reclama: da omissão da União em relação à participação no processo de aprendizagem.
Acho que a base curricular vai chamar a União de forma muito mais forte, como também chamar as famílias e a sociedade para que, integrados, possamos fazer um trabalho muito melhor do que temos feito até hoje.
Portanto, os meus agradecimentos e, principalmente, o meu respeito e a minha admiração por essa dedicação que os senhores educadores estão fazendo em favor do Brasil e em favor, principalmente, das nossas crianças, buscando uma melhor qualidade de ensino.
Portanto, eu agradeço a todos e declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 09 horas e 48 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 24 minutos.)