21/09/2017 - 5ª - CPI dos Maus-tratos - 2017

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Declaro, em nome de Deus, abertos os trabalhos que visam investigar maus-tratos infantis no Brasil, havendo quórum regimental.
Cumprimento a Senadora Simone Tebet, que tanta falta tem feito aqui; Senador José Medeiros, nosso Relator.
Os requerimentos que votamos na reunião passada, que foram enviados, as convocações, eu atendi a um apelo do Senador Flexa Ribeiro e da Senadora Ana Amélia, mas os advertindo, até porque conheço quem estavam convocando, e eles pediram, atendendo ao apelo dessas pessoas que foram bater em seus gabinetes - eles só não batem no meu, porque sabem que eu os conheço e também não atenderia -, as operadoras de telefonia no Brasil, que não cumprem a lei, porque há um termo de ajuste de conduta assinado com a CPI da Pedofilia de que, havendo risco iminente de vida e abuso de criança, dar-se-á entre duas horas e no máximo de vinte e quatro horas a quebra de sigilo às autoridades, na proteção das crianças. E nunca fizeram. Mas eu atendi aos dois Senadores, dizendo a eles que, um dia antes de acontecerem as oitivas, eles mandarão uma carta dizendo: "Com os compromissos já assumidos, cumprimentamos essa douta CPI, que faz um belo trabalho para o Brasil, mas infelizmente não vamos poder comparecer." Aviso que, sendo dessa forma, virão coercitivamente. E aí não haverá mais convocação, a Polícia Federal buscará coercitivamente, avisando que CPI tem poder de justiça e de polícia. Da mesma forma... E, no dia seguinte, li uma matéria da Oi: está condenada a pagar R$50 mil por dia, condenada em todos os tribunais, recorreu, por negar informação de abuso de criança. Mas eles são muito trabalhadores nos seus interesses e nos seus lobbies. Aviso de novo: comigo não cola. Nós vamos cumprir o termo de ajuste de conduta.
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Atendi também na convocação dos diretores do Santander. O advogado veio, pedindo para mudar o nome, não o do Presidente, mas o do Diretor Cultural do Santander; eu atendi; ele deu um outro nome. A assessoria da CPI, Senador José Medeiros e Senadora Simone, entrou em contato, querendo o endereço desse Diretor para poder notificá-lo, eles não sabiam informar; entrou em contato também com o advogado, que também não sabia informar. Mas a Polícia Federal sabe.
Ontem, eles vieram aqui dizendo que há um encontro de diretoria na terça-feira próxima - e na terça-feira seriam as oitivas -, pedindo para transferir para quinta. Eu transferi. Advirto: fim de festa. E, advogado, atendi o senhor tão bem, de forma educada, mas depois o senhor não soube informar o endereço do seu cliente, mas advirto que a Polícia Federal sabe, e a convocação dele, coercitiva, acontecerá, e ele virá.
Esta é uma CPI para investigar maus-tratos de criança; esta não é uma CPI que cabe lobby; esta não é CPI que cabe conversa fiada, e, se fosse com conversa fiada, eu estaria... Se fosse para não ir para lugar nenhum, eu estaria na CPI do BNDES, eu estaria em outro tipo de CPI aí, de disputa e de briga política. Eu só estou nesta porque é convergência, é vida, é criança, é família. E aqui eu não abro mão.
Então, eu estou avisando, eu estou avisando: nós não estamos brincando. Não é uma CPI de brincadeira. Aviso aos Srs. Senadores que a Polícia Federal já nos atendeu, definindo o delegado federal de crime cibernético que estará conosco; também o Ministério Público Federal; o Ministério Público estadual, de São Paulo, que está mandando o Dr. Cosenzo; também o Ministério Público do meu Estado, e notificado também foi o Tribunal do seu Estado, Senador José Medeiros, na indicação do juiz, e eles já responderam que o estão cedendo para que esteja compondo a nossa assessoria durante todos os dias de trabalho nesta Casa - terça, quarta, quinta-feira, a assessoria estará reunida em profundo trabalho.
Nós ainda estamos, no momento, ouvindo autoridades, especialistas em crime cibernético. Nós estamos vivendo numa época de muito suicídio em função do avanço da internet e da criminalidade. Com uma nova modalidade de crime, muito jovem se suicidando, muito jovem se automutilando, e é sobre isso que vamos falar hoje aqui, na questão da vida, na questão desse socorro.
Temos autoridades aqui, especialistas por nós convidados, não convocados, convidados para poderem nos ajudar a construir uma legislação correta, importante, que revele a nossa preocupação com as nossas crianças... Digo os nossos filhos, porque todas as crianças são filhos de todos nós. Independente de onde elas estejam e quais sejam suas origens, eles são nossos filhos e deles nós temos de cuidar, e, cuidando dessas crianças, fazendo um enfrentamento à bandidagem que se utiliza da sua mente criminosa para levar vantagem e para poder ganhar dividendos na mutilação das nossas crianças.
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Nós não temos requerimentos a serem votados.
Os Srs. Senadores que aprovam a dispensa da leitura da ata permaneçam como estão. (Pausa.)
Está aprovada.
Eu quero convidar para se assentar conosco aqui, na mesa, a Srª Fernanda Benquerer - eu quis inglesar seu nome, mas é mais fácil do que eu imaginei, é Benquerer -, representante da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio; é um prazer ter a senhora aqui conosco; o Sr. Antonio Carlos Braga dos Santos, representante do Centro de Valorização da Vida, a quem agradeço também; o Sr. André de Matos Salles, psiquiatra. Muito obrigado, Dr. André. Muito obrigado, Dr. Antonio. E o Sr. José Carlos Henrique Aragão Neto, psicólogo, agradeço também a sua participação conosco. Dr. André, seja bem-vindo.
Bom, para que haja praticidade, eu queria fazer um encaminhamento aqui - não sei se a Senadora Simone gostaria de propor alguma outra coisa e o nosso Relator também - para que nós concedêssemos o tempo a cada um deles e, em seguida, nós formularíamos as perguntas relacionadas às nossas dúvidas e àquilo que eles podem nos acrescentar, até porque, de pronto, eu já queria convidá-los a nos ajudar na formulação de uma legislação nesse sentido.
Eu não costumo encerrar nenhuma CPI que comando sem que ela tenha aprovada para a sociedade. Essa coisa de você recomendar... Você faz uma solenidade, lê o relatório, recomenda e só fica na recomendação e não acontece nada. Então, nós queremos aprovar uma legislação - penso que é necessário neste momento - e nós queremos contar com quem entende, com quem vive, com quem tem vivência nesse assunto, e, para nós, vocês são muito importantes. Dada essa disponibilidade, os senhores poderão nos informar depois com a nossa assessoria, até porque têm falado com a nossa assessoria. Vamos ficar muito agradecidos.
Senador José Medeiros e Senadora Simone, podemos ouvi-los?
Então, a gente pode começar com o Dr. Antonio. A princípio, eu lhe dou dez minutos, mas, se o senhor precisar de mais tempo, teremos o tempo. Está certo?
O SR. ANTONIO CARLOS BRAGA DOS SANTOS - Não, é suficiente.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E, depois, a Drª Fernanda e, depois, os nossos outros queridos, já agradecendo.
O SR. ANTONIO CARLOS BRAGA DOS SANTOS - Bom dia, Senador. Bom dia a todos.
Obrigado pelo convite da participação do CVV (Centro de Valorização da Vida).
Nós somos voluntários, nós não somos técnicos, especialistas; para isso, a Mesa compõe esses profissionais.
Nós podemos falar um pouco da vivência prática que o CVV tem de 55 anos na prevenção do suicídio. O CVV tem dois mil voluntários, atende no Brasil todo a um milhão de ligações por ano, dando apoio emocional às pessoas que vivem um momento difícil na vida e chegam a achar que a vida não vale mais a pena. Há 55 anos, nós tentamos despertar a sociedade para o tema suicídio, mas ninguém quer falar sobre esse assunto. Então, parabenizamos o Senador pela iniciativa, porque o suicídio infantil cresce no mundo todo, e no Brasil não é diferente. De 1984 a 2014, aumentou em quase 30% o número de suicídios infantis no Brasil. Quem diz isso é o Mapa da Violência, publicado pelo próprio Ministério da Saúde.
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Nós fazemos um atendimento por telefone e, há cerca de quatro anos, Senador, nós começamos a fazer o atendimento por chat, para tentar chegar mais próximos da população jovem, porque esse é o meio de comunicação que eles utilizam hoje. Foi muito difícil tentar entender e discutir se o atendimento por chat escrito poderia substituir o atendimento telefônico. E foi uma surpresa. A surpresa aconteceu em dois momentos. Primeiro, que as pessoas escrevem aquilo que não falam. A objetividade sobre falar sobre morte e suicídio é impressionante.
Nós fizemos no ano passado 30 mil atendimentos por chat, e 50% dessas pessoas falam em morte e suicídio. E o que nos impressionou mais é que metade desses contatos foram de jovens entre 13 e 19 anos de idade - 50%. E um terço desses falam em suicídio e falam em ferir a si mesmos, automutilação, e metade desses está entre a faixa de 13 e 16 anos de idade. Nós identificamos isso no atendimento por chat.
A CVV não faz estatística, não é uma atividade profissional. É uma atividade voluntária, as pessoas são capacitadas a entender o momento da dor e do sofrimento do outro e, para isso, lhe dar o apoio. Ele ouve quando ninguém mais quer ouvir ou quando as pessoas não têm com quem falar e ouvir. Falar é terapêutico. Falar diminui a pressão. Ouvir, o mundo tem muitos cursos de oratória e poucos cursos de "escutatória", e o CVV é um curso de "escutatória", capacita pessoas a isso.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E a "escutatória" é tão importante que a Bíblia diz que a fé vem pelo ouvir. É tão importante! Se a fé vem pelo ouvir, imagina as outras coisas.
O SR. ANTONIO CARLOS BRAGA DOS SANTOS - E vivemos num mundo em que ninguém ouve ninguém, ninguém mais tem tempo para ouvir as pessoas.
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E a angústia, a dor e o sofrimento dessas crianças, dos jovens, desorientados, perdidos, com lares desfeitos, não sabendo lidar com esse sofrimento que a vida promove - e nós sabemos disso tudo na sociedade -, a depressão infantil, tudo isso acontece não é na sociedade, é nos nossos lares. Nós temos parentes, amigos que sofrem de depressão - e a Drª Fernanda tem capacidade para falar sobre a questão da psicopatologia da depressão. O CVV está aí à disposição para contribuir com o tema.
Eu abriria colocando essas informações e fico aqui à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Agradeço ao Sr. Antonio.
A Drª Fernanda tem a palavra. Fique à vontade. Pode até usar os cinco minutos que ele deixou para você e, se precisar de mais, tem.
A SRª FERNANDA BENQUERER COSTA - Bom dia a todos.
Eu queria agradecer pelo convite para estar aqui hoje e falar de um tema com que a gente tem se envolvido muito.
Este mês, o tema do suicídio está muito em evidência, mas quem trabalha com prevenção tem que trabalhar o ano inteiro. Assim, o risco de suicídio não aparece só em setembro, não é só no Setembro Amarelo, mas é o ano inteiro, e aí eu trouxe algumas informações no geral.
O suicídio é a décima terceira causa de morte no mundo, é a terceira causa no grupo etário dos 15 aos 34 anos e é a segunda causa de morte nos jovens dos 15 aos 19 anos. Então, são pessoas muito jovens que estão tirando a vida muito cedo, e isso tem muitas consequências para as famílias e para a sociedade como um todo.
As tentativas de suicídio representam a sexta causa de incapacidade funcional permanente. Então, há as pessoas que tentam e têm sequelas, têm tratamentos, têm outras consequências. A gente sabe que há dez a vinte tentativas para cada suicídio consumado. É possível, inclusive, que esse número esteja subdimensionado porque muitas tentativas não são notificadas ou não têm algum tipo de assistência, e há a questão do impacto nos sobreviventes. As pessoas que já passaram por uma situação, que têm algum familiar, alguma pessoa próxima ou conhecem alguém sofrem o impacto também do suicídio.
Eu trouxe rapidamente um modelo teórico.
Eu não vou falar disso tudo, que é uma questão mais técnica, mas, se a gente pegar ali, nos quadrinhos de cima, a gente tem fatores predisponentes, fatores de risco, de proteção e fatores precipitantes. A gente não consegue dizer a causa do suicídio. Não existe isto: se matou porque aconteceu isso. Na verdade, é uma junção de fatores, de questões individuais, questões sociais, coletivas, culturais. Então, não é nunca um fenômeno simples de ser explicado, mas, se a gente pegar ali, na segunda coluna dos fatores de risco, a gente tem o transtorno mental e os eventos estressores de vida. Eu vou chamar atenção para os eventos estressores de vida, que são quaisquer eventos. Na verdade, isso também é individual, mas a questão do abuso, negligência, abuso físico, psicológico, abuso sexual na infância e na adolescência são fatores de risco importantes para o comportamento suicida em algum momento futuro.
O suicídio tem uma relação muito próxima com os transtornos mentais. Ter um transtorno mental é um dos fatores de risco mais importante, e a gente sabe que 90%, possivelmente mais de 90%, das pessoas que se matam tinham um transtorno mental à época do suicídio. Isso significa que a gente pode prevenir uma série de suicídios se a gente conseguir intervir em momento adequado, fazer o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento.
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Uma outra questão são as tentativas prévias. Então, quem já teve uma tentativa prévia de suicídio tem um risco maior de tentar novamente ou de vir a morrer por suicídio.
E há a questão das situações de vulnerabilidade. Como eu comentei antes naquele quadrinho dos fatores de risco, a gente tem abuso físico, sexual, psicológico, negligência e os eventos de vida negativos: as perdas, separações, luto, doenças, a pessoa que está envolvida em um ambiente violento. Isso tudo são fatores que vão aumentando o risco de suicídio e de lesões no futuro.
Mais recentemente, a gente tem o bullying e o cyberbullying como fatores de risco também na infância e na adolescência, que são outras formas de maus-tratos nas quais também é preciso que a gente preste atenção, que a gente aborde. Tanto o bullying pessoal quanto o cyberbullying no ambiente virtual propiciam um aumento de risco - isso foi colocado pela Associação Americana de Pediatria.
Eu acho que os colegas vão comentar um pouco mais sobre a automutilação... Ele é um comportamento que não necessariamente tem intenção suicida. Muitas vezes, ele é para o alívio de uma ansiedade ou de uma angústia que aquela pessoa está sentindo naquele momento, mas existe uma associação da automutilação com o comportamento suicida. Muitas vezes a pessoa pode ter as duas coisas: em alguns momentos, a automutilação; em alguns momentos, tentativa de suicídio.
Aqui eu trouxe um exemplo. São alguns artigos científicos. Isso já é um projeto grande. Há mais de 20 anos, nos Estados Unidos, já está sendo pesquisado o efeito dos eventos adversos na infância no comportamento de risco, nas mortes por várias causas e nas doenças na vida adulta. Então, esse último artigo fala especificamente de experiências adversas da infância, e aí engloba abuso, negligência, todos os tipos de abuso e comportamento suicida em um momento mais tardio.
Uma das teorias - eu trouxe esse gráfico - tenta explicar mais ou menos como esses eventos adversos na infância levariam a um comportamento suicida ou a um comportamento mais adoecido. Então, as experiências adversas da infância poderiam levar inclusive a alterações no neurodesenvolvimento. A gente precisa lembrar que as crianças estão ainda formando a sua relação com o mundo, estão desenvolvendo sinapses, inclusive o desenvolvimento neurobiológico está acontecendo nesse momento, e há pesquisas já mostrando que maus-tratos na infância levam a esse desenvolvimento com pertubações e com alterações. Isso levaria a dificuldades sociais, emocionais, cognitivas e, depois, à adoção de comportamentos de risco para saúde, doenças, lesões, problemas sociais e morte precoce, e aí não só por suicídio, mas por outras causas também. Muitas doenças que a gente tem na idade adulta estão relacionadas ao estilo de vida e a comportamentos de risco. Então, aqui há um grupo grande de experiências que levam a consequências tardias, e hoje está sendo estudado como uma coisa leva a outra, sendo que são fenômenos tão complexos.
Em relação à prevenção do suicídio, o que a gente pode fazer? Como eu comentei, a existência de um transtorno mental é um fator de risco. Então, a gente precisa tratá-lo adequadamente, a gente precisa diagnosticar e tratar, e tratar não é necessariamente medicação, não é só a medicação, é internação. É um tratamento com todas as modalidades que estão disponíveis para a pessoa melhorar daquele transtorno e poder ter um desenvolvimento melhor.
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Restrição de acesso a meios e a métodos potencialmente perigosos. Isso funciona individualmente na clínica. Eu atendo um paciente em risco, eu vou orientar o paciente e orientar a família. Essa pessoa não deve ter acesso a meios que ela possa usar para se machucar. Isso serve coletivamente, inclusive para a questão de construções de proteção, de controle de métodos perigosos, de venda de determinadas substâncias. Isso já foi comprovado que reduz o índice de suicídio.
Capacitar os membros da sociedade para a identificação e a abordagem a pessoas em risco - e aqui é a sociedade inteira. A maioria das crianças e adolescentes em risco não estão com o psiquiatra da infância, não estão com o psicólogo; elas estão nas escolas, elas estão na sociedade, e a gente precisa que a sociedade identifique essas pessoas para poder encaminhá-las para o tratamento.
Fortalecer os fatores de proteção. Quando a gente fala do tratamento, a gente já está pegando uma fase mais tardia, com mais risco. A gente precisa agir antes disso, a gente precisa agir, então, para fortalecer os fatores de proteção, que são os vínculos sociais, habilidades de resolução de problemas, trabalhar a autoestima dos adolescentes, trabalhar a expressão emocional e a busca de alternativas. Isso é como se fosse uma vacina para que os adolescentes, em um momento de crise, não tendam necessariamente para o lado da automutilação e do suicídio.
E, aí, uma política pública de prevenção depende de: ações intersetoriais da educação, da saúde, da segurança pública, da mídia, dos legisladores - a gente precisa de ações articuladas entre todos os setores da sociedade para ter uma política efetiva e realmente ter uma melhora na prevenção -; do acesso a serviços especializados; da conscientização da população; de reduzir o estigma dos transtornos mentais - a gente percebe que ainda existe muita resistência à busca de ajuda, a falar sobre as emoções, a buscar um profissional capacitado. E são necessárias melhorias na coleta de dados para a gente poder ter ações mais específicas, mais direcionadas e mais adequadas em um dimensionamento adequado.
O Antonio trouxe aqui dados alarmantes...
(Soa a campainha.)
A SRª FERNANDA BENQUERER COSTA - A gente trabalha com isso, a gente está acostumada, mas realmente é um número de atendimentos muito grande.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Doutora, só um parênteses nisso que a senhora disse, que os números são alarmantes por causa dos transtornos.
Eu não sei se a partir de agora, desta CPI, não sei... A Senadora Simone e o Senador José Medeiros, até com a convivência, porque ela não vai se acabar rápido...
Já é uma coisa mais ou menos normal na minha agenda fazer palestra sobre abuso, sobre pedofilia - isso é uma coisa com a qual eu corro o Brasil -, e é muito interessante: quando você termina uma palestra para adultos e se forma aquela fila, as pessoas chegam no seu ouvido e dizem: "Eu fui abusado na infância. Queria falar com você, queria falar com você." As pessoas convivem com um monstro, esse transtorno é um monstro.
Um médico me disse assim: "Olha, eu sou um homem de fé, eu não tenho vícios, eu sou cirurgião. Todas as vezes que eu chego na sala de cirurgia, eu começo a tremer, minhas mãos começam a suar e eu começo a lembrar do abuso que eu sofri do meu tio." Falando comigo sozinho: "Eu não tenho vícios, mas eu saio, preciso sair, acendo um cigarro, quatro, cinco cigarros, um atrás do outro, sem saber tragar. Fico tossindo, tossindo, tossindo, vou me acalmando, volto e faço a cirurgia."
Bom, sobre isso eu vou falar depois, mas quero dizer que seria o caso de a gente incentivar essas pessoas a vomitarem esse monstro, porque a pessoa, quando consegue falar... A pessoa tem pesadelo, a pessoa é mal humorada, a pessoa está bem e está mal, o transtorno do abuso sofrido na infância, como foi colocado... Eu me lembro que, numa comissão na Câmara dos Deputados, havia uma delegada do Rio, uma delegada muito respeitada no Rio, valente, corajosa. Eu fui convidado para falar nessa comissão na Câmara e fui falar desse abuso de adultos. Ela foi, então, ligou o microfone e falou: "Então, eu vou tomar coragem agora; tomei coragem e vou contar..." E ela vomitou o monstro dela ali, começou a falar dos problemas dela em função desse monstro que ela carregava por causa do abuso na infância.
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Então, penso que nós já estamos sendo ajudados, a CPI, quando essa coisa vem à tona, para que possamos também buscar mecanismos, quer dizer, coordenados, gente, mídia e rede social... Aliás, a rede social hoje é absolutamente mais forte para incentivar as pessoas a vomitarem o seu monstro com alguém da sua confiança, sei lá o que, porque, de fato, há um índice altíssimo de pessoas que se suicidam por conta de um abuso na infância.
Desculpe ter cortado aí, mas é que eu achei que era oportuno.
A SRª FERNANDA BENQUERER COSTA - Eu já estava encerrando.
Quero deixar aqui o contato da Abeps, que é a Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio, que eu represento hoje, e o meu e-mail. Eu me coloco à disposição para esclarecimentos e para outros eventos, para outros assuntos, para a gente poder ter um contato melhor e poder desenvolver essa solução da melhor forma possível.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Muito obrigado, Drª Fernanda.
Vamos passar a palavra ao Dr. André de Mattos Salles.
Doutor, fique à vontade.
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Um bom-dia a todos.
Agradeço muito o convite do Senador Magno Malta e cumprimento os Senadores presentes.
Eu sou psiquiatra da infância e da adolescência. Trabalho no Hospital Universitário e faço parte dessas duas instituições de psiquiatria, da Associação Americana de Psiquiatria e da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Bom, eu acho fundamental, a partir do momento em que a gente está falando de uma faixa etária das mais importantes, a gente poder situar um pouco sobre quem a gente está falando, sobre essa particularidade grande que é a adolescência.
A gente não tem como, através de teorias, ter toda a completude do ser humano, e também não vai ter isso com relação ao adolescente. Então, a gente usa várias teorias para poder fazer o arcabouço mais completo possível e tentar entender o que se passa e qual o momento que o adolescente está vivendo.
Um dos primeiros teóricos, Freud colocava os estágios do desenvolvimento psicossexual. O adolescente está ali na fase genital. Isso quer dizer que o adolescente está retomando os seus impulsos sexuais, buscando por pessoas do seu grupo familiar com objetivo de intimidade, de amor, ele está elaborando a perda da sua identidade infantil e organizando uma identidade adulta e uma capacidade biológica para orgasmo e para relacionamentos íntimos.
Outro autor teórico bastante importante é o Erikson, que coloca, na sua teoria, todo o desenvolvimento do ser humano, desde o nascimento até o óbito, e, a partir de cada estágio, você tem que cumprir uma meta, uma tarefa, para você poder chegar ao estágio seguinte. Segundo ele, então, o adolescente estaria nesse estágio Identidade X Confusão de Papéis. O que seria isso? Ele tem uma identificação com um grupo de colegas, preocupação com as aparências, uma instabilidade emocional grande, está adquirindo senso de identidade, de valores e de objetivos pessoais, e vive toda uma série de incertezas que isso traz.
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Outro autor importante é Piaget, que coloca o adolescente na fase operatório-formal. Ele está atingindo o ápice do seu raciocínio lógico dedutivo, capacidade de processamento de informação, formulando hipóteses, está chegando ao seu ápice; a capacidade metacognitiva: pensar sobre o pensar, raciocínio abstrato e todas as questões que isso traz.
Na filosofia, a gente tem o Bauman, que fala sobre a constituição do sujeito pós-moderno. O adolescente seria uma pessoa que está vivendo um medo de não garantir o seu futuro, não conseguir se fixar na estrutura social, um medo da sua integridade física. Os relacionamentos tendem a ser cada vez mais superficiais, sem compromisso, pautados pelo prazer momentâneo, nada é para durar. E há a dúvida quanto aos valores tradicionais dando lugar à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade.
Nas avaliações neuroendócrinas, a gente tem que lembrar que é o momento do amadurecimento dos eixos hipotálamo-hipófise-gônadas-adrenal. Os estágios de Tanner são os estágios do amadurecimento sexual, dos caracteres sexuais. E a gente tem que lembrar que o adolescente está no estirão de crescimento, mudanças corporais intensas, ganho de musculatura e reorganização do seu esquema corporal.
Neurobiologicamente, o adolescente está desenvolvendo, primeiro, as áreas responsáveis pela emoção - diferentes trajetórias do desenvolvimento das regiões límbicas subcorticais nesta idade - e, depois, vai caminhando, até o final da adolescência, para poder ter um controle de regiões mais corticais, principalmente do córtex pré-frontal, que é responsável pelo controle cognitivo e funções cognitivas. Isso quer dizer que o adolescente tem maior exposição a riscos, grande reatividade emocional e menor planejamento e controle das suas ações. Então, ele fica suscetível a ir para o Instagram fazer concurso de quem tira selfie em lugares mais perigosos. Se você entrar no Instagram, vai ver que vários adolescentes ficam duelando entre si para saber quem a tira no maior arranha-céu, em situação mais difícil, em posições de risco. E essas pessoas, que são de várias partes do mundo, têm inúmeros seguidores nas redes sociais. Aí também acabam tendo um pouco mais de susceptibilidade a comportamentos mais impulsivos.
Eu trouxe uma menina com marca de autolesão e do ponto e vírgula, que é um símbolo que as pessoas usam quando pensam em dar um ponto final na própria vida. As pessoas refletem, colocam um ponto e vírgula e seguem adiante. Então, é uma marca importante que os adolescentes usam, uma campanha bastante interessante.
A diferença entre a autolesão não suicida e o suicídio é o caráter da intenção. Na tentativa de suicídio, ela tem a intenção de morrer, enquanto que, no caso da autolesão suicida, ela não tem essa intenção. Não necessariamente são menos ou mais grave. Muitas vezes, a autolesão toma proporções mais graves do que uma tentativa de suicídio. Então, a gente tem que ficar atento, até porque uma leva a outra e vice-versa.
Aqui eu trouxe um print do DSM-5, uma publicação da Associação Americana de Psiquiatria que norteia os critérios diagnósticos na psiquiatria atualmente. A Classificação Internacional de Doenças, a CID, é bastante desatualizada na psiquiatria. O DSM-5 é de 2005. E a gente tem lá, nas condições para estudos posteriores... Eles colocam de uma maneira bem clara que isso são possibilidades para serem averiguadas mais para frente.
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E por que eu trouxe isso? Porque lá eles falam da autolesão não suicida. Então, é uma entidade que ainda não tem potência suficiente para ser uma entidade isolada, mas ela tem sido estudada cada vez mais, e a tendência é que ela acabe sendo uma entidade nosológica distinta das outras patologias psiquiátricas.
Como é que funciona, de uma maneira bastante simplificada, a autolesão não suicida? O adolescente tem grandes dificuldades de lidar com as emoções, acaba utilizando da autolesão para buscar um alívio imediato, porém de uma maneira falseada, e, a partir daí, ele vai aumentando a sua tensão e vai tendo que criar comportamentos cada vez mais intensos para poder lidar com esse sofrimento, retroalimentando toda essa situação.
O diagnóstico associado à autolesão não suicida: depressão, 92%, transtorno obsessivo-compulsivo, o transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e os transtornos alimentares, anorexia, bulimia. Os transtornos de personalidade também estão associados - 62% das pessoas que fazem autolesão acabam tendo um diagnóstico de transtorno de personalidade -, e entre eles os principais são: obsessivo-compulsivo, histriônico e personalidade borderline.
Aqui é um mapa que a OMS traz do suicídio no mundo. Você vê que o Brasil não é uma das cores mais escuras, mas a gente tem que ponderar alguns fatores.
E, aqui, em jovens, em adultos jovens e jovens. Nos Estados Unidos já é a segunda causa de morte; na África, outros fatores acabam ficando na frente; na Europa, acaba seguindo a tendência norte-americana; na América do Sul - aqui é um dado mais geral - a gente tem uma diversidade muito grande de contextos, sendo que, no Brasil, a gente acaba seguindo um pouco mais a tendência dos Estados Unidos e da Europa.
Não vou falar muito sobre epidemiologia porque outras pessoas já falaram de maneira muito mais consistente do que eu.
Eu trago esse gráfico por faixa etária, e a gente vê um aumento importante na faixa etária dos adolescentes; há estudos associando adolescência com escolas.
Eu trago esses dados aqui, de 2009, do CDC americano. Eles perguntaram sobre o comportamento de autolesão e planos de suicídio nos últimos doze meses: 14% praticamente dos adolescentes tiveram uma consideração grave de tentar o suicídio; 10% ou 11%, plano suicida; e tentativas, uma ou mais, 6,5%, 7%. São dados bem importantes.
E, sobre a autolesão, um estudo do Reino Unido: 70% de aumento com relação aos dois últimos anos. Se você for pegar a faixa etária um pouco mais precoce, de 10 a 14, e, se você for buscar até os 30 anos de idade, em 20% dos registros houve pelo menos um episódio de autolesão ao longo da vida.
Sobre os fatores de risco, a Drª Fernanda falou, então não vou falar de uma maneira muito específica. Tentativa prévia, os transtornos psiquiátricos, história familiar: geralmente quem tem ...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Pode seguir?
E as adversidades... Eu paro aqui um pouquinho. Fernanda falou sobre o bullying, sobre os abusos físicos e violências domésticas, e aqui a gente faz um link para falar um pouquinho sobre a internet e sobre as redes sociais. Então, a gente vai falar um pouco sobre WhatsApp, Facebook, Instagram, Google e Tumblr - foram os que eu trouxe aqui, dentre vários outros.
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Acabou que o WhatsApp passou, e a gente passou direto para o Google. Eu coloco o WhatsApp ali para a gente poder lembrar que, há 20, 30 anos, o bullying e os problemas que um adolescente enfrentava ao longo da vida eram restritos a determinados contextos, a determinados ambientes. Por exemplo, quando havia um desentendimento com um colega na turma ou alguma situação em que a turma pegava no pé dele, ele ia para casa e tinha uma zona de conforto até o dia seguinte. Hoje, inserido dentro de um grupo, dentro de uma rede social - por exemplo, geralmente os adolescentes têm um grupo de escola, têm um grupo do esporte que ele faz -, o bullying tomou uma proporção avassaladora. Quase 24h por dia, ele pode receber ameaças, receber conteúdos vexatórios. Então, aquela zona de conforto que ele tinha em determinados lugares ele praticamente não tem hoje.
A gente tem que se lembrar também da velocidade da informação e da facilidade que as pessoas têm hoje de documentar tudo. Uma situação constrangedora que aconteça com um adolescente é filmada, é colocada na rede social, e, em algumas horas, em alguns dias, o mundo inteiro está vendo aquilo. Então, o impacto disso numa personalidade em formação é de fato avassalador.
Eu trouxe aqui o Google, que é importante, porque o Google criou uma ferramenta chamada Kiddle, que é uma ferramenta para crianças, para pessoas mais jovens, em que você joga o conteúdo, mas não vem conteúdo adulto ou conteúdo inapropriado. Por que isso é importante? Porque, muitas vezes, a gente está em casa, o filho está pesquisando no Google e joga lá - eu trouxe aqui o exemplo - Peppa Pig, e pode vir esse tipo de conteúdo para o filho. Então, havendo uma plataforma que restrinja o uso, você consegue minimizar esse tipo de situação. Aí são exemplos. É só digitar que você tem como chegar a esse tipo de situação.
O Facebook, por ser a maior rede social e a que tem maior impacto, tem tentado buscar alternativas para poder lidar com situações que acabam aparecendo. Há um botão ali em que você denunciar qualquer conteúdo que achar inapropriado, ofensivo, agressivo. Você pode clicar lá, e eles vão perguntar por que aquilo está sendo denunciado, o que aconteceu com aquele conteúdo. Você pode colocar que é ameaçador, violento, ou suicida, ou sexualmente explícito, ou grosseiro. A partir dali, ele vai dar algumas opções para você poder tomar uma decisão. Então, você pode acessar um amigo próximo, acessar redes, grupos de apoio e, em alguns casos, pode até acessar o CVV. Na campanha agora, em setembro, eles lançaram um vídeo de prevenção do suicídio, informando, a partir disso, como você pode fazer para tentar ajudar amigos que porventura estejam postando conteúdos de cunho depressivo ou pensamentos de morte ou de autolesão.
Eu trouxe o Tumblr mais para a gente poder lembrar que existem outras plataformas, outras redes sociais. O Tumblr é uma rede social muito jovem, e talvez os jovens se sintam um pouco mais à vontade nessas plataformas, porque os pais, os avós, as pessoas que geralmente estão mais próximas deles não têm tanto acesso. Virou até um estilo Tumblr, um estilo adolescente de se vestir, de se portar, e, quando você coloca lá no Google, vêm mais ou menos essas imagens aí sobre o Tumblr. Então, é para lembrar que muitas vezes você está mais atento a redes sociais mais tradicionais, mas o adolescente muitas vezes usa redes sociais mais de acordo com a sua faixa etária.
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Por que é importante a gente falar das redes sociais? Isso aqui foi um caso que aconteceu, de uma menina que usou uma rede social para poder transmitir, ao vivo, o seu óbito. E aí, logo depois, os pais não aguentaram a pressão, não aguentaram lidar com essa situação, e acabaram falecendo também. Então, é uma situação bastante complicada, bastante complexa que esses meios, essas mídias têm trazido para a sociedade lidar com elas.
Aqui, falando de rede social, falando do impacto disso na vida das pessoas, não tem como a gente não falar da Baleia Azul. Principalmente em março e abril foi um assunto que tomou uma proporção avassaladora na mídia. Muitas pessoas se posicionaram, falaram sobre o jogo em si e de instigar as lesões. Algumas pessoas bastante importantes da união dos psiquiatras lá de São Paulo colocaram como o tema é bastante pertinente. Foi preciso a Baleia Azul aparecer para a gente poder falar sobre esse assunto que está aí já há muito tempo e que tomou uma proporção maior por conta dessas notícias específicas. Até que ponto devemos nos preocupar com a Baleia Azul etc. Então, é importante a gente lembrar que a gente tem que se preocupar com o jovem, com o adolescente e com como ele está inserido na sociedade. A Baleia Azul veio, acho que mostrou de uma maneira muito clara toda a vulnerabilidade que o jovem tem, mas o jogo em si acabou ficando no primeiro semestre, e a gente hoje está vendo toda a repercussão que isso está trazendo.
O jogo da Baleia Azul e outras questões de internet trazem para a gente a questão do efeito Werther. O que é o efeito Werther? É o fator de propagação, de disseminação que o conteúdo acaba tendo na mídia. Werther é em homenagem ao livro do Goethe Os Sofrimentos do Jovem Werther, que é um livro em que, em seu final, tomado de amor e de desilusão amorosa, ele termina por acabar com a própria vida. Aí, a publicação desse livro acabou disseminando esse tipo de comportamento entre os jovens nos países em que ele ia sendo lançado. Então, a partir daí, a gente começou a estudar e a ver esse efeito Werther, e eu acho que a gente pode fazer um paralelo bastante importante disso com o que aconteceu com a Baleia Azul e com o que aconteceu com a série de que eu vou falar aqui mais para frente.
A ABP, Associação Brasileira de Psiquiatria, tem um manual para a mídia lidar com a situação. No mundo inteiro existe esse tipo de situação. Essa documentação foi refeita na ocasião do óbito do Kurt Cobain, do Nirvana, que era uma pessoa que estava no auge da carreira e era uma influência muito grande para os jovens e adolescentes, e isso terminou reforçando esses caráteres de como lidar com esse tipo de notícia, com esse tipo de situação na mídia.
Falando também do efeito Werther, a gente não pode deixar de falar sobre uma série que também teve uma repercussão enorme. A série foi produzida pela Selena Gomes, uma jovem que tem uma influência e uma quantidade muito grande de seguidores. A série fala sobre muitas questões adolescentes e termina com o óbito da Hannah, que é a personagem principal, essa que está no poster. A série trouxe algumas polêmicas muito importantes, porque ela, de certa forma, traz a questão do Efeito Werther de uma maneira muito importante.
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Aqui, a revista da Academia Americana de Medicina, uma das revistas médicas mais importantes, falando que, logo depois da série, a quantidade de pesquisas no Google sobre o tema aumentou muito. Eu tentei procurar, mas não achei especificamente depois da série dados sobre suicídio e autolesão, mas, tendo em vista a quantidade aumentada de pesquisa, a gente pode predizer que alguns problemas podem ter sido criados.
Aí, os psiquiatras e as pessoas se posicionaram quanto à série. O Luís Fernando Tófoli, lá da Unicamp, fez um texto bastante interessante sobre a série, todos os erros e tudo o que a série, do ponto de vista dele, traz de repercussão negativa para o tema. O Felipe Neto é um dos "youtubers' dos mais conhecidos do Brasil e, nessa época, ele chegou a falar sobre o quadro depressivo dele e de como o assunto importante. Geralmente ele é um menino que traz coisas engraçadas, de zoação, mas apresentou um vídeo bastante sério falando sobre o tema.
Aqui um pouquinho sobre o comportamento suicida. Não vou entrar muito nesse mérito. Formas de lidar, mensagem para pais, familiares e escola. A Marjorie, no Sob Pressão - que ainda está passando, está para terminar -, uma série que tem passado aí na mídia: ela é uma médica que, muitas vezes, para poder lidar com a pressão do trabalho dela, acaba se cortando, mostrando que esse tipo de comportamento está cada vez mais na sociedade e que as séries e os programas televisivos têm mostrado como isso acontece na prática.
Lá na época da Baleia Azul foi proposta esta CPI, e aqui estamos discutindo o tema extremamente pertinente...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Apareceu uma foto minha na automutilação?
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Oi?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Na automutilação aparecia uma foto minha?
Isso aqui foi uma pancada no treino de boxe, não foi nada de automutilação.
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Mas aí foi a notícia do início da CPI.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - O pessoal está em casa, ao vivo, e pensa que eu fico me mutilando...
(Risos.)
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Não, ali foi a proposta do início da CPI, e aqui estamos.
O Senado...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Mas ele faz automutilação sim, porque ele se mete a lutar UFC e já está com idade...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Vamos prosseguir, porque os dois entraram no negócio de idade aqui agora, começou com ofensa pessoal. Então, vamos embora. (Pausa.)
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Existe um projeto de lei a respeito de atendimentos psicológicos para alunos e professores. Eu coloquei aqui porque, em todo lugar em que eu falo sobre automutilação e sobre o suicídio, a grande maioria das pessoas que estão lá são pessoas ligadas à educação. Então, é um tema em relação ao qual eles têm estado na linha de frente, uma situação extremamente grave, e eles têm muita dificuldade e muito receito em lidar com essa situação que realmente é catastrófica. E há o efeito de contágio: muitas vezes um começa a se contar e, logo, vários na turma estão se cortando. Então, o impacto disso na educação é absurdo.
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Agora, no dia 14, o Senado aprovou a Semana de Prevenção ao Suicídio. Foi aprovado também pelo Senado o projeto que criminaliza o incentivo à automutilação. Acho que isso vai ser colocado no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Sociedade Brasileira de Pediatria lançou, em novembro, orientações para a saúde da criança e do adolescente na era digital. É um documento que pode ser acessado via PDF, na internet. Eu trouxe aqui alguns detalhes, mas vamos deixá-los um pouco mais para frente. Quero lembrar também que, vira e mexe, na mídia aparecem situações que falam sobre o tema e que vão trazer, de certa forma, impacto muito grande na vida das pessoas.
Era isso, gente. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Muito obrigado, Doutor.
Passo a palavra agora ao Doutor André para suas considerações. O doutor tem a palavra.
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu perguntei ao Senador José Madeiros, porque o computador estava tampando o nome. Ele falou: André.
O doutor tem a palavra.
O SR. CARLOS HENRIQUE ARAGÃO NETO - Bom dia a todos.
Queria, inicialmente, agradecer a presença da Senadora Simone, do Senador José Medeiros, e, especialmente o convite do Senador Magno Malta.
Cumprimentando todos e já dando início à minha fala - depois de tantas coisas já bem colocadas pelos colegas -, quero dizer que sou psicólogo clínico e trabalho há uma década mais ou menos com três temas principais, que são: o luto, a automutilação entre jovens, e o comportamento suicida. Neste momento estou terminando o meu doutorado e quero pautar a minha fala exatamente pelo meu tema de dourado aqui na Universidade de Brasília, que é a relação entre a automutilação e comportamento suicida. O Dr. André já deu o tom desse aspecto, mas quero aprofundar um pouquinho.
Quero também aproveitar para divulgar essa sociedade que se chama ISSS. É a única sociedade internacional que se dedica exclusivamente aos estudos sobre automutilação. Neste momento, infelizmente, sou o único latino-americano representante da ISSS. Este ano... Tenho certeza de que o Dr. André já se comprometeu e já convido também a Dr. Fernanda para que se junte a nós na ISSS porque é muito importante que o Brasil cresça nesse estudo. Nós estamos engatinhando nos estudos científicos sobre automutilação.
Retornei agora de um encontro da ISSS na Filadélfia com o compromisso de que, no próximo encontro, na Holanda, no ano que vem, nós teremos pelo menos dez brasileiros. A intenção é que possamos dar, realmente, um peso maior ao Brasil nesses estudos. Temos a Iasp, a Associação Internacional de Prevenção do Suicídio, e a Abeps, que está aqui sendo muito bem representada pela Fernanda, que é a Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio.
Essa é a automutilação que nós estudamos na ISSS e que também é objeto da nossa conversa aqui, que é a automutilação não suicida. Esse conceito é importante porque é o conceito mais difundido internacionalmente, aqui colocado pelo Dr. David Klonsky, que é um pesquisador da British Columbia, no Canadá.
O que significa a automutilação, para não ficar algo confuso? Automutilação não suicida é quando você causa um dano no seu próprio corpo sem a intenção de morte, sem a intenção de causar a própria morte, e a sociedade não valida esse comportamento. Então, é diferente, por exemplo, de você se tatuar, de você colocar um piercing, porque isso é validado socialmente. Os cortes ou os outros métodos utilizados na automutilação não suicida não são validados socialmente, e esse é o conceito mais difundido internacionalmente. Esse é um fenômeno muito complexo, tanto quanto o suicídio, ou seja, nós não podemos dar explicações simplistas para algo tão complexo. Por quê? Porque a automutilação envolve questões biológicas, ambientais, comportamentais, emocionais e cognitivas. E é exatamente na interação desses fatores que um fenômeno como esse pode ocorrer.
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O método mais utilizado no mundo inteiro, e no Brasil não é diferente, é o corte, que os americanos chamam de cutting. Esse é o mais prevalente, é o que nós mais encontramos tanto na clínica como nos ambulatórios e que gira em torno de 90% dos casos. Mas há muitos outros métodos, como se morder - neste momento eu estou com um paciente adulto jovem que pratica automutilação mordendo a própria mão; ainda ontem eu estive com ele -, machucar feridas, se furar, beliscar; em surtos psicóticos, em casos mais graves, você pode ter amputação de membros, e a pessoa quebrar um osso, por exemplo.
Aqui, um dado importante. Infelizmente nós não temos dados. Esse é um dos meus apelos aqui na CPI, Senador, porque nós não temos dados brasileiros, todos os dados que eu posso apresentar aqui são dados americanos ou europeus, e eu acho que o primeiro passo que nós devemos dar, se nós quisermos realmente trabalhar com esse fenômeno em alto nível, é fazer um amplo estudo epidemiológico no Brasil e falar de dados brasileiros, não de americanos, como eu vou falar agora.
Então, por exemplo, no início dos anos 80, 400 pessoas nos Estados Unidos para cada 100 mil habitantes se mutilavam. Uma década depois, praticamente dobrou: foi de 400 para 750 o número de pessoas que se mutilavam em cada 100 mil habitantes. Nas crianças, apesar de ser um pouco mais raro ainda, existe sim, tanto que há casos registrados a partir de quatro anos. Esse estudo americano de 2006 fala que 5% dos estudantes dessa amostra disseram que iniciaram seus comportamentos autolesivos antes dos dez anos de idade, mas na adolescência é a prevalência é maior, na adolescência e na idade que a gente chama de adulto jovem, que a gente pode circunscrever dos 20 aos 30 anos.
Vocês vejam a quantidade de pesquisas, algumas delas colocando que, às vezes, até quase 50% desses jovens pesquisados relataram um episódio de automutilação no ano anterior. Então, sem dúvida alguma, é um período, como disse o Dr. André, muito pródigo em comportamentos de risco, e muitas vezes esses jovens não estão, digamos assim, equipados com habilidades sociais e emocionais para lidar com as dificuldades da vida e, muitas vezes, recorrem a comportamentos autodestrutivos, como a automutilação e comportamento suicida.
A questão do efeito de contágio é um detalhe muito importante na automutilação. Por quê? Vocês chegam, por exemplo, a uma escola - nós somos chamados sistematicamente nas escolas para falar sobre isso ou para discutir esse assunto - e veem que uma sala de aula há uma garota se mutilando. Se vocês voltarem três meses depois e nada tiver sido feito, haverá três, e isso vai em progressão geométrica.
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A propósito, temos hoje uma dissertação de mestrado orientada pelo Prof. Hugo Monteiro Ferreira - e eu já deixo aqui esse nome como sugestão para ser chamado -, que é um dos principais pesquisadores de bullying do Brasil, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Eu estive recentemente com o Hugo - nós estamos escrevendo um artigo sobre isso -, e ele está orientando uma dissertação de mestrado sobre uma escola em Garanhuns em que, em uma sala de aula com 53 alunos, há 50 se mutilando. Isso é algo extremamente sério. O efeito de contágio, o efeito Werther que o Dr. André comentou no comportamento suicida, existe sem dúvida, mas o efeito de contágio, de propagação do fenômeno, na automutilação é ainda maior.
Nos adultos jovens nós também temos um grupo de risco. Aqui, por exemplo, nessa pesquisa de 2006, nós vemos que 40% dos alunos universitários relataram o começo da sua automutilação nos últimos anos de adolescência e no início da idade adulta, com a prevalência de 5% a 35% em adultos jovens.
Em adultos, a taxa já vai caindo. Esse estudo mostra que em torno de 4% dos adultos relataram automutilação. Ele é um fenômeno transitório, ou seja, com o tempo a tendência é ele ir diminuindo - desde que seja tratado, desde que seja cuidado.
O Dr. André também já disse, mas eu faço questão de frisar: há diferença entre automutilação e tentativa de suicídio, ou seja, o comportamento suicida tem a intenção de morte. Na automutilação eu não tenho a intenção de morrer. Eu tenho a intenção principalmente - não é a única intenção - de conseguir um alívio emocional por causa de uma angústia com a qual eu não consigo lidar. Na tentativa de suicídio eu tenho, sim, a intenção de causar a minha própria morte. A frequência de automutilação é maior do que a de tentativa de suicídio. A variedade de métodos é maior na automutilação do que na tentativa de suicídio, mas a letalidade é maior na tentativa de suicídio do que na automutilação.
Aqui estão alguns estudos internacionais que eu só estou trazendo para chamar a atenção de vocês para o fato de que nós não temos estudos consistentes no Brasil ainda. E esse estudo, por exemplo, fala das razões para que o adolescente se mutile e se isso é. de fato, um choro pela dor ou um pedido de ajuda. E esse estudo vai mostrar não só a correlação importante entre a automutilação...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS HENRIQUE ARAGÃO NETO - ... e o comportamento suicida, mas também que o pedido de ajuda é mais proeminente.
Vou passar adiante.
Aqui há um detalhe importante, que é o seguinte. Ele fala que um programa de saúde mental de sucesso precisa incluir a capacitação, principalmente dos professores e dos gestores nas escolas, para ajudar os jovens a desenvolverem habilidades sociais e emocionais.
O que são essas habilidades? E aqui também já deixo outro nome importante para uma futura reunião da Comissão, que é o da Drª Tania Paris, Presidente da Associação pela Saúde Emocional de Crianças. Essa associação tem um vínculo com o Canadá e tem programas em que trabalham com as crianças nas escolas para elas aprenderem, desde os seis, sete anos de idade, que é uma fase importante, a lidar com o bullying, a resolver conflitos sem se machucar e sem machucar o outro, a lidar com perdas e a lidar com situações estressantes, aumentar a resiliência. Eu penso que esse é um ponto fundamental se não quisermos trabalhar só para apagar incêndios. Ou seja, a gente está falando do comportamento instalado, que é importante tratar quando o jovem já está se mutilando ou querendo se matar, mas isso não começou ali, isso vem da infância. Portanto, eu penso que é muito importante a gente pensar também nas causas e trabalhar nelas.
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Aqui, o pessoal de Portugal, que também pesquisa muito. E eles atestam a questão da correlação entre automutilação e comportamento suicida.
Esse é um artigo muito importante - "A automutilação não suicida como a porta de entrada para o suicídio em adultos jovens". É de um dos principais pesquisadores do mundo, da Drª Jennifer, que é a Presidente da ISSS. Eu espero que, no ano que vem, ela esteja conosco no Brasil para um congresso.
Aqui, uma relação entre automutilação sem intenção suicida e o risco de suicídio. Isso já foi falado, eu vou adiante.
Alguns fatores de personalidade. São jovens que têm uma dificuldade enorme de regular suas emoções, de lidar com afetos intoleráveis, como nós chamamos, como raiva, culpa, ciúme, inveja etc. Então, eles têm dificuldade nessa regulação de emoções e, muitas vezes, recorrem aos comportamentos autodestrutivos. São jovens que se depreciam muito, que muitas vezes não se veem dignos de viver e que são muito impulsivos também.
Vou em frente.
Em torno de 20% dos adolescentes se mutilam no mundo.
Esse é o discurso que eu escuto na clínica sistematicamente e ao qual quero também dar um destaque aqui no meu depoimento como clínico. É um discurso duríssimo de você escutar, ainda que você seja um terapeuta experiente. Senta-se um jovem à sua frente, às vezes de onze, doze, treze anos, olha no seu olho - às vezes nem olha - e diz para você... E quando você pergunta "o que está te levando a se mutilar, a querer tirar sua vida?" E ele olha no seu olho, mas o olhar dele é um olhar opaco - esse é um sintoma clássico desses meninos em sofrimento grave -, é um olhar sem brilho, justamente em um momento em que o olhar deveria estar completamente vibrante. E eles olham com esse olhar opaco e dizem para você "Doutor, eu sinto uma dor no meu coração tão grande que eu não consigo lidar com ela". Citam o coração, a alma, o peito ou a mente, varia, mas é uma dor, uma angústia com a qual não conseguem lidar, e dizem que a única forma que têm de aliviar essa dor é se cortando. Então, vejam que discurso paradoxal: você precisa causar uma lesão e um outro tipo de dor em você mesmo para aliviar uma dor com a qual você não consegue lidar. Isso é muito, muito, muito sério.
Aqui, algumas fotos de pacientes meus que me autorizaram a mostrar. Aqui é a coxa de uma ex-paciente minha. Vejam que não são cortes tão superficiais assim.
E aqui, rapidamente mesmo, é o David Klonsk novamente. Ele fez uma pesquisa, e esses jovens diziam para ele o seguinte. "Quando eu me mutilo, eu estou..." Ou seja, são as funções que esses jovens alegam para se mutilar. E essa é a escala que eu vou usar agora no meu doutorado. O Dr. Klonsk já me autorizou a traduzir a escala, e nós vamos usá-la aqui no Brasil.
Então, o jovem diz o seguinte: "Quando eu me mutilo, eu estou..." - eu vou citar para os senhores e senhoras apenas os principais - "...eu estou regulando os meus afetos, me acalmando; eu estou liberando uma pressão emocional que se acumulou dentro de mim."
Depois ele vai falar dos limites interpessoais, mas eu quero destacar os principais. Essa é a segunda função mais prevalente. Depois do alívio da dor emocional, a função mais prevalente alegada pelos adolescentes é que eles estão se punindo. Eles estão expressando a raiva deles próprios, ou seja, são meninos e meninas que dizem para você o seguinte: "Eu me sinto um nada, eu me sinto um lixo, eu me sinto desprestigiado pela minha família, pela sociedade etc. Então, eu preciso me punir para continuar vivendo aqui, eu não me sinto digno de estar vivo."
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Mais uma outra importante, que é gerar sentimentos. Esses meninos com os olhares opacos estão, muitas vezes, entorpecidos. Entorpecida é aquela pessoa que não sente nada: não sente amor, nem sente raiva, nem sente paixão, nem sente ódio, não sente nada. E muitas vezes eles alegam que se cortam ou se mutilam para sentir algo.
Mais uma vez o objeto de estudo, que é a relação entre a automutilação e o suicídio. Muitas vezes, eles se mutilam para não chegar à tentativa do suicídio, é como se fosse um meio do caminho.
Bom, me encaminho para o final.
Muitas vezes também há a vinculação a pares. Nós sabemos que, na adolescência, o pertencimento a um grupo é muito importante e, às vezes, eles entram em grupos, ou querem entrar em grupos, que têm esse tipo de comportamento e isso serve como um ritual de entrada.
Muito bem, vou em frente.
Muitas vezes também é para se vingar e, aí, eles se expõem.
A ISSS mais uma vez, a Dr. Jennifer, presidente, que estará conosco, espero, no ano que vem.
E essas são as três expressões que eu mais escuto na clínica do suicídio e da automutilação, é quase uma sequência. As pessoas chegam, os jovens chegam e dizem: "Doutor, a minha vida não tem mais sentido, eu não vejo mais sentido em nada." Depois, para quem não tem sentido, com "S" maiúsculo, sobra o quê? Um grande vazio, que nós chamamos de vazio existencial. Se isso não for tratado, esses jovens entram em desespero, e o desespero humano é o traço mais característico do suicida.
Aqui são algumas pontuações sobre as quais nós precisamos refletir. Qual é o contexto da vida de um jovem médio de hoje? O excesso de virtualização, a confusão do virtual com o real - disso eu poderia dar inúmeros exemplos clínicos para vocês.
Outra coisa para a qual eu chamo sempre atenção: o padrão de sono desses garotos e garotas. Uma pessoa sem dormir não serve para nada. É só você passar três dias sem dormir e você vai ver quais são repercussões disso. Imagine um jovem que está em sofrimento e que não dorme. Então, precisa dormir, dormir com quantidade de horas suficientes e com qualidade.
Os jovens estão desconectados da natureza. Isso é algo seriíssimo. A natureza talvez seja a principal fonte de energia que uma pessoa pode ter, e os nossos jovens, muitas vezes, nem colocam o pé no chão.
Prática de esportes - inevitável que toquemos nesse assunto. Muitas vezes, esses jovens não têm mais tempo, com a agenda tão corrida como é a de hoje, ou tão concorrida, e prescindem da prática de esportes.
A questão da espiritualidade. Os jovens precisam ter tempo para a cultura, para o lazer e para o ócio. O ócio é não fazer nada. Os meninos, muitas vezes, nos seus tempos de férias ou de feriados, são colocados diante de desafios. Muitas vezes os pais querem que estudem mais para aproveitar o tempo, e muitas vezes esses garotos e garotas não têm tempo para o ócio.
A pressão pelo autodesempenho, a competitividade, o excesso de estímulos e informações, e o individualismo crescente, muito também em função do mundo virtual.
Aqui, algumas diretrizes que eu penso para o Brasil, como a criação do Ibea.
Nós estamos - a Rose está sentada, eu e o Dr. André - criando o Instituto Brasileiro de Estudos de Automutilação. Estamos na reta final para isso. Espero que tenhamos apoio para que esse instituto realmente dê frutos para estudar e pesquisar a automutilação sem intenção suicida. Já estamos - não é, Rose? - com a logomarca pronta, o estatuto está sendo feito.
Campanhas informativas e preventivas sobre esse assunto na mídia, nas escolas e em eventos. Por que eu falo em escolas? Porque os jovens passam quase 100% do tempo deles em casa ou na escola. Para entrar em casa, na casa deles, é um pouco mais complicado, mas, na escola, a gente pode desenvolver programas de informação e de prevenção.
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Há um calendário para isso, eventos nacionais, internacionais e locais também. Solicitei ao Dr. Humberto Corrêa, Presidente da Associação Brasileira para o Estudo e a Prevenção do Suicídio, que criássemos um comitê para tratar desse assunto dentro da Abeps. Ele já aceitou, precisamos apenas formatar. Quem sabe, nos próximos 5 anos, nós traremos o encontro da ISSS para o Brasil.
E aqui, meu penúltimo eslaide. Eu queria chamar a atenção de vocês para esse diário de uma paciente minha - ela ainda está em tratamento. Estou desenvolvendo esse estudo de caso - apresentei agora, na Filadélfia, o estudo de caso desta garota. Esse diário, ela escreveu quando tinha 15 anos. Ela é de uma cidade o interior do Piauí chamada Campo Maior. Ela me autorizou, obviamente, a gravar as sessões para que eu possa produzir ciência com o caso dela e me deu a cópia do diário. E eu trago duas páginas pra gente encerrar. Acho que aí fica muito caracterizado tudo isso que estamos falando aqui. Nessa época, ela tinha 15, agora ela tem 17. Ela se mutilava desde os 12, quando sofria bullying numa escola em São Paulo - o pai estava trabalhando lá à época.
Essa é uma página onde ela coloca os sentimentos, que são muito, muito prevalentes e muito presentes em um jovem em sofrimento grave. Ela fala de insegurança: "Eu tenho medo, eu me sinto só, sinto dor, eu tenho tristeza, eu me sinto abandonada, são lágrimas que caem de mim, me sinto humilhada, sinto um vazio, me sinto um nada e por isso eu me corto". É o que está dito no diário dela.
E aqui, realmente para finalizar, ela diz uma frase que, para mim, é emblemática, ainda que eu escute isso semanalmente. Ela coloca: "A minha mente é o meu hospício particular." Uma garota de 15 anos escreve isso. E ela diz: "Eu não sou bonita, nem inteligente, ninguém gosta de mim." Ela usava, como uma técnica terapêutica, o diálogo com ela própria. Então, ela pergunta: "Eu posso te confessar uma coisa?" E ela própria responde: "Sim, o que é?" "Sabe por que eu ainda não me matei?" Não. Por quê?" Porque, no fundo, no fundo, eu tenho medo da morte, eu tenho medo de doer. Algumas partes do meu coração partido ainda carregam a esperança de que um dia as coisas se ajeitem." Senador Magno e todos aqui presentes, quero dizer a vocês que a chance que temos é aqui, quando ela fala que carrega a esperança de que um dia as coisas melhorem. É aí que temos que trabalhar.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Muito obrigado, Dr. Carlos Henrique, Dr. André, Srª Fernanda, Sr. Antônio.
Fico triste porque não há muita gente aqui, a grande mídia não está aqui. Não há nenhum assunto sendo tratado nesta Casa que seja mais importante do que o que se falou aqui. Mas, se fosse uma audiência pública para falar de casamento homossexual, isso aqui estaria lotado de gente. Se fosse para falar de aborto, a grande mídia estaria aqui. Ideologia de gênero, estaria aqui. Qualquer coisa que seja acinte à família, eles adoram, dá repercussão. Mas não há nada mais importante do que a vida. O que é mais importante do que criança, do que cuidar de filho? Isso me entristece muito. Qual é o futuro que nos espera? Esperar o futuro para tratarmos desses assuntos? Criança não é futuro de nada, criança é o presente. Ou cuidamos do presente ou não vamos ter futuro.
Quando fiz aquela intervenção... É por isso que temos uma sociedade de gente tão doente, tão problemática, convivendo com monstros, porque não lhes deram oportunidade lá.
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Eu quero parabenizar os senhores pela dedicação ao tema. Isso é voluntarismo, isso é sacerdotal - isso é sacerdotal. Essas coisas vão de... Imaginem o que nós ouvimos aqui, o que uma criança acumula na sua mente, na sua alma.
"A minha mente é o meu próprio hospício." Com o advento da internet, das redes sociais... Antigamente, a mãe dizia assim "Você não passa por aquela rua" - porque naquela rua havia uma banca de revista em que se estava expondo mulher nua. Hoje não há mais nada disso, o bem e o mal, a água suja e a limpa estão no laptop, estão no tablet que o garoto está levando para a escola.
Como tratar disso? Penso que nós temos que acrescentar aqui valores familiares - valores familiares. Há um princípio: criação de filho é dádiva de Deus, é um privilégio ter filhos. Nós temos que buscar essas ferramentas. A tecnologia veio, ela vai se aguçando e levando essa criançada, desequilibrando tudo. Naqueles que não se suicidarem, teremos uma geração de adultos absolutamente doentes e que certamente criarão filhos mais doentes ainda lá na frente.
Este é o momento de nós refletirmos sobre o papel da família, sobre o papel do pai, da mãe. E ainda temos meia dúzia de pessoas que insistem em violar esses valores, em fazer enfrentamento no sentido de derrubá-los, de desmerecê-los, de desconsiderá-los, que acham que uma sociedade tem de ser formada com a ideologia daquilo que eles imaginam, daquilo que eles pensam ou do que é o seu próprio comportamento adulto.
A maior riqueza que um pai pode deixar para um filho é o investimento na sua própria vida. Se abre mão disso... Eu digo isso porque sou fruto de uma mulher simplória, analfabeta, que nunca passou de um salário mínimo - ganhava meio. Mas a maior riqueza da minha vida recebi da minha mãe, que foi dignidade, amor a Deus, investimento de vida mesmo.
E é esse investimento de vida... Um dos nossos doutores dizia aqui da vida avassaladora da família: nego tem que correr daqui para ali, dali para cá, é grande o número de atividades que se dá para os jovens, para os adolescentes hoje. Isso lhes tira o tempo até do ócio.
Então, penso que este debate, tudo o que foi colocado... Não debatemos ainda, mas tudo que foi colocado aqui é de uma riqueza, Senadora Simone, que eu acho que todos os pais do mundo tinham que estar aqui, todo mundo tinha que estar "linkado" aqui, todo mundo tinha que estar vendo isto aqui, a grande mídia tinha que estar aqui.
Eu quero até solicitar ao Presidente da Casa, à TV Senado, que repita isto aqui um monte de vezes - coisa boa a TV Senado não gosta de repetir não, eles gostam de repetir muito... Nessa programação da TV Senado, há Senadores de primeira classe e de segunda. Aqui, quem manda está muito e quem não manda nada não está nada - esse é um defeito ruim que eu tenho de falar as coisas que eu penso e que eu vejo...
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É.
Então, solicito que neste final de semana haja muita repetição disto aqui. Os pais precisam vir, precisam ver. Precisamos contribuir. Eu vejo cada coisa besta que passa nessa TV Senado que fico impressionado... Nós precisamos contribuir.
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Antes de passar a palavra ao Relator e ao Senador, eu quero convidar os senhores para que nós possamos ir à sala da comissão e possamos almoçar junto com os nossos convidados, porque dois são daqui e dois não são, para que possamos complementar, ter uma conversa. Eu sei que vocês estão cheios de sugestões para dar - o cardápio é rabada mesmo, é o que eu gosto, mas quem é que não gosta disso, não é? Então, estou convidando que a gente possa sentar juntos. Eu gostaria de ouvir mais, de acumular mais essas informações. Penso que é um dever e é o bem maior, mais uma vez lamentando, porque a grande mídia gosta mesmo... Não sei se eles gostam de criança, porque eles gostam é de botar criança se beijando na televisão, na novela; gostam de fazer exposição com imagem de criança, escrito criança "viada", criança lésbica; dois homens segurando uma criança e outro abusando sexualmente; botar criança para ver um homem tendo coito com um animal. Isso que eles acham normal? Mas nós vamos cumprir o nosso papel e fazer esse enfrentamento o tempo inteiro, porque acho que a coisa mais significativa do meu mandato é exatamente essa luta na direção das nossas crianças.
Senador José Medeiros, Relator, tem a palavra. Em seguida, a Senadora.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Muito obrigado, Senador Magno Malta.
Quero cumprimentar aqui a Senadora Simone Tebet, os nossos convidados.
Quero fazer uma pergunta ao Dr. André, mas qualquer um dos outros também pode.
Em seu clássico estudo sobre as causas sociais do suicídio, o sociólogo francês Émile Durkheim apresenta a hipótese, que se comprova com estatísticas, de que a principal força que move ao suicídio é a sensação subjetiva de não pertencimento a comunidade alguma, de isolamento e de, em certo sentido, excesso de atenção a si mesmo, dada a falta de ideais de vida que só se cultivariam na vida comunitária e que ensejariam uma economia psicológica mais bem balanceada entre a atenção a si e a atenção aos outros e ao mundo. Sabemos da crise da família e do baixo índice de associativismo entre nós. Como, então, lidar com os problemas do egoísmo excessivo, do individualismo e de suas vertentes - o consumismo, o hedonismo - de modo a alcançar as causas sociais do suicídio? Como reforçar a dimensão comunitária da vida individual, evitando a exposição da criança e do adolescente à força deletéria da solidão contrabandeada no interior dos valores individualistas?
Eu acho que vou fazer as perguntas em globo e aí eu passo.
Esta aqui é para todos, mas principalmente para os representantes da Abeps, do CVV e para o Dr. Carlos. Se a intenção suicida é causada ou reforçada pela experiência da solidão e pela frouxidão dos laços comunitários, não se tratam de um problema de qualidade de vida social as altas taxas atuais de suicídio entre crianças e adolescentes? Isto é, não estaríamos aqui diante de um problema que, na verdade, é político, ou seja, uma questão sobre o modo como nos unimos uns aos outros?
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E mais uma para o Dr. André de Mattos. Entende-se atualmente que o suicídio é uma questão psicossocial, na qual fatores psíquicos e biológicos interagem com aspectos sociais, produzindo desapreço pela própria vida. Se a intenção suicida é causada ou reforçada pela experiência da solidão e pela frouxidão dos laços comunitários, de que modo a psiquiatria pode ajudar? Como se pode combinar a capacidade de ajustar a mente individual à necessidade de transformação dos laços sociais?
E ainda mais uma, que eu deixo para quem quiser responder. Sua experiência indica que alguma mudança na legislação atual poderia contribuir para dirimir as causas, sejam sociais ou individuais, dos suicídios de crianças e adolescentes? Digo isso porque nós estamos com o objetivo, os Senadores que estão aqui, principalmente, de a CPI não ser simplesmente um palco de debate ou de investigação do tema, mas também, ao final, de ser uma CPI que possa contribuir para uma possível legislação.
Ainda outra: como lhes parece que os assistentes sociais, normalmente em maior contato com as populações vulneráveis, devem ser treinados para abordar o tema no interior dessas famílias?
Essas são as perguntas. Eu estava vendo aqui e tentei até lembrar - os anos já se vão, e não me lembro se foi em Dom Casmurro ou no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas; eu sei que foi Machado de Assis -, eu tinha em torno de 16 para 17 anos, que Machado de Assis fazia uma definição sobre os adolescentes, o jovem adulto, como foi colocado aqui, com que me identifiquei muito na época. Eu lembro até hoje que ele dizia mais ou menos assim, grosso modo: o menino de 17 anos está num momento muito difícil, porque nem é homem nem é menino, mas, ao mesmo tempo, lhe cobram responsabilidades de homem e o tratam como menino. Então, parece um pouco complexo, mas quem está vivendo a fase se identifica muito com isso, porque ele não tem muito... Numa roda de conversa, à fala dele não é dada muita importância, mas, ao mesmo tempo, em qualquer tema, falam "você já é um homem" e acabam cobrando dele responsabilidades. É justamente nessa fase em que há, como foi dito aqui, o estirão de crescimento, o desenvolvimento todo, a ebulição desses sentimentos, e eu creio que essa fala de Machado tem tudo a ver com o que nós estamos tratando aqui.
Procurando, fui ao "pai dos burros", o Google, e não achei, mas achei outra muito boa do Machado de Assis, em que ele diz o seguinte: a adolescência é uma fase encoberta; o adolescente é, ao mesmo tempo, "um almirante e um sol de outubro".
Só Machado sabia descrever todas as situações da vida. O pessoal fala muito de escritores internacionais, há muitos bons, mas eu acho que o melhor escritor do Brasil - sou um fã incondicional - é o Machado. Acho que ele retratou bem, e isso exemplificaria bem o debate que nós tivemos hoje.
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Eu queria parabenizar desde logo - porque vou passar, vou economizar e não vou falar mais - todos que falaram hoje aqui e concordar com o Senador Magno Malta: este assunto aqui é da mais alta relevância. Porque eu tenho encontrado pais que estão no desespero; eles não sabem como lidar. Está ali, às vezes, o resultado todo, a convergência do seu amor, da sua vida, e de repente a criança ou o adolescente se depara com esse olhar aqui que o Dr. Carlos disse, o olhar opaco, o olhar do nada.
Eu estive numa tribo indígena há poucos dias, e o cacique me falava sobre isso. Eu me lembrei disso quando o senhor disse aqui. Ele falou: "Olha, eu tenho um problema sério aqui, porque eu me sinto um guarda..." - ele fazia uma crítica à situação dos indígenas no Brasil. Ele falava o seguinte: "Eu me sinto um guarda patrimonial, um guarda ambiental sem salário, porque aqui nós estamos vivendo... Nós temos madeira, mas nós não podemos fazer manejo; nós temos terra, mas não podemos plantar; nós temos jazidas, e não podemos explorar. E vivemos aqui. E nossos jovens já estão habituados ao mundo virtual, já têm acesso a todas essas coisas." E ele falou: "Mas eles vão para a cidade; depois, voltam e ficam assim." Ele me mostrou um adolescente sentado lá. Nós ficamos umas duas horas, e ele sentado lá. Ele falou: "Olha, eles ficam aqui e depois se suicidam." Aí, eu notei que até os indígenas já estão passando por essa agonia que os nossos pais estão passando.
Então, eu quero aqui divergir do meu Presidente. Eu sou um fã da TV Senado. E não é confete, não. É lógico que há programas que... E eu acho também e concordo que alguns Senadores, talvez pelas suas bandeiras e, de repente, a pauta, por se identificarem mais com certa ideologia, aparecem mais, mas eu não tenho dúvida de que a TV Senado vai passar esse programa aqui.
Queria aproveitar para cumprimentar o Diretor da FenaPRF, Carniel, que trabalhou muito nesse tema, nas rodovias, casos de maus-tratos de crianças e prostituição infantil.
Mas eu não tenho dúvida de que a TV Senado vai repassar este programa aqui. E este programa, com o que foi falado aqui, vai servir para ajudar muitas pessoas, porque a TV Senado - talvez vocês não tenham a dimensão da exposição que vocês terão, a fala de vocês aqui - vai do interior do Amazonas ao interior do Mato Grosso. Ela tem uma capilaridade nacional muito grande. Por vezes, as pessoas não têm acesso às TVs abertas, mas têm a parabólica. E a TV Senado pega nesses rincões do Brasil.
E a CPI, se fosse só por essa reunião de hoje, Senador Magno Malta, já teria valido a pena. Estou muito contente.
Essas são as minhas palavras.
Muito obrigado.
O SR. CARLOS HENRIQUE ARAGÃO NETO - Eu vou fazer algumas considerações aqui acerca do que o senhor colocou, Senador, iniciando pela questão dos índios.
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Todos que estão dentro da causa da prevenção do suicídio sabem que, no mundo inteiro, comunidades indígenas ou aborígenes estão com altíssima prevalência de casos de suicídio. Aqui no Brasil não é diferente. Tanto que, se nós tomarmos o mapeamento das taxas de suicídio por Município, nós vamos ver que São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, é o Município com a maior taxa do Brasil. Por exemplo, se nós pegarmos Boa Vista, é a capital que está com a maior taxa de suicídio entre os jovens. Por quê? Porque há comunidades indígenas ali próximas. Teresina, a minha cidade, está em segundo. Ou seja, onde o senhor colocar o dedo, havendo comunidade indígena, as taxas estão altíssimas. E um dos problemas é este, a aculturação. Os jovens índios estão usando muito álcool, drogadição. E isso tudo traz não só a questão dos transtornos mentais - etilismo, o alcoolismo é, sem dúvida, um alto fator de risco para o comportamento suicida -, mas também uma desesperança. O que se faz com o jovem índio, por exemplo? Se os jovens brancos, muitos deles, estão desesperançosos, por causa do desemprego e essa situação toda, imaginem quem está lá num rincão como esse. Muito bem. Então, é realmente muito importante que a causa da prevenção do suicídio trabalhe nas comunidades indígenas.
Um outro ponto que o senhor colocou foi a questão de Durkheim. Durkheim, considerado o pai da Sociologia, escreveu uma obra clássica, em 1897, chamada O Suicídio. Nessa obra, ele inclusive tipifica o suicídio: vai falar do suicídio altruísta, do suicídio egoísta, do suicídio anômico e do suicídio fatalista rapidamente. O suicídio anômico... Uma sociedade anômica é uma sociedade sem regras - qualquer semelhança é mera coincidência -, ou seja, onde as regras sociais estão frouxas, onde as pessoas não sabem para onde se direcionar. E isso, sem dúvida alguma, traz um prejuízo muito grande para a sociedade.
Então, quando ele coloca... Obviamente, para ele tudo é um fato social, inclusive o suicídio. Mas os estudos acerca do suicídio avançaram, e nós sabemos hoje, como já foi dito aqui amplamente, que o suicídio é um fenômeno tão complexo que é multideterminado, o que significa que o fator social ou o aspecto social é apenas um entre tantos, como, por exemplo, o fator psiquiátrico, o fator psicológico, o fator religioso, o fator cultural, o fator social também, o fator genético. Ou seja, é nessa interação, que é complexa, entre alguns desses fatores que um caso de suicídio ocorre. Portanto, o fator social, sem dúvida alguma, na minha opinião, também é muito importante que nós vejamos, mas não é o único.
Agora, quando nós falamos, como o senhor colocou, desses jovens que estão cada vez mais solitários, qual é o bordão que nós escutamos hoje? Nós nunca estivemos tão conectados, mas nunca estivemos tão solitários. Ou seja, eu tenho aqui computadores, celulares e todo o aparato para me conectar com uma cidade no interior do Japão agora, mas isso não quer dizer que eu realmente crie vínculos sustentáveis, vínculos fortes e saudáveis. E é isso que vai dar a sustentação para que a gente possa ter uma qualidade de vida melhor, na minha opinião.
Ou seja, eu tenho três mil amigos no Facebook? Eu não sei que conceito de amizade é esse, porque eu sei que você ter, pelo menos, três bons amigos, como diz um grande suicidologista australiano que esteve na UnB conosco... Ele fez todo um discurso técnico para nós, mas no final disse assim: "Vocês sabem qual é, na minha opinião, o maior fator de proteção contra o suicídio? É você ter três bons amigos."
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Então, isso ilustra a importância, sem dúvida alguma, dos vínculos, em família, na comunidade, na igreja, na escola, no trabalho, etc. Mas, muitas vezes, nós estamos confundindo o que é real com o virtual, e isso traz um prejuízo enorme lá na frente, porque na hora em que a gente precisa da pessoa, na hora realmente em que a gente precisa, a pessoa está do outro lado da tela, ou do celular, e ela não vai chegar para te ajudar.
Portanto, esse início, dentro de casa... Pelo menos eu aprendi tudo dentro da minha casa. Eu acredito que a maioria de nós aprende a andar, a falar, a comer, os primeiros passos, etc., dentro de casa. Nós precisamos olhar para isso. E, depois, a escola. Então, família-escola, para mim, é a díade mais importante nesse sentido, porque aí é que nós temos a chance, realmente, da prevenção, antes que os comportamentos autodestrutivos estejam instalados. Muitas vezes, a gente sabe que, com jornadas de trabalho extenuantes, os pais chegam em casa cansados; os jovens também chegam em casa cansados. Aí eu pergunto: quem tem tolerância para, por exemplo, estabelecer um diálogo? Quem tem disposição e disponibilidade em um momento como esse?
Então, digamos assim, eu poderia fazer uma caricatura do que acontece hoje nesse sentido. E os pais, muitas vezes, chegam para dizer o seguinte: "Eu não sei como dar conta do meu filho. Eu não sei o que fazer com ele. Eu estou perdido". É a frase que eu mais escuto: "Eu estou perdido na formação do meu filho". E, em não dando conta, eles se culpam. Então, há o sentimento de culpa de muitos dos pais de hoje, que não conseguem estar com seus filhos, dar uma qualidade de relacionamento melhor, etc. E eles tentam compensar essa culpa em função de consumismos, de dar o que eles querem, de não estabelecer limites, vão compensando um erro com outro, e essa engrenagem é perversa. Esse é um ponto importante também.
Nas escolas, quando o senhor fala da questão da legislação, eu queria deixar apenas um registro de que eu penso que é fundamental que o Ministério da Educação esteja junto nessa empreitada e que se discutam - espero eu - ações efetivas para que, dentro das escolas, nós tenhamos uma lei ou alguma obrigatoriedade de que se trabalhe com as crianças no sentido de se desenvolverem habilidades sociais e emocionais para que justamente elas não cheguem à adolescência querendo se matar ou se mutilando. Então, a educação emocional dentro das escolas, para mim, é ponto fundamental nessa estratégia, assim como, obviamente, campanhas na mídia - desde que elas sejam feitas com a ajuda de especialistas, para que a campanha não tenha o efeito contrário - e a capacitação dos profissionais da rede pública de saúde. Isso é muito importante, por quê? Porque todo psiquiatra atende comportamento suicida? Sim. Todo psicólogo atende? Sim. Mas nem todo psiquiatra e nem todo psicólogo atende com qualidade. Disso eu não tenho dúvida, porque nós precisamos ter conhecimentos específicos sobre essas demandas, e a minoria tem. Então, eu acredito que essa questão da capacitação também é muito importante.
Então, fico por aqui para passar a palavra para o Dr. André.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. PODE - MT) - Com a palavra o Dr. André.
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Eu estava aqui ouvindo um pouco das ponderações do Carlos, um pouco da questão das perguntas, e estava tentando formular aqui o que eu poderia dizer. O Carlos falou bastante sobre as questões das relações interpessoais.
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A gente tem que lembrar que o ser humano, de uma maneira majoritária e fundamental, é um ser social. Eu acho que, se a gente quer criar seres humanos de qualidade, a gente tem que pensar no pré-natal, a gente tem que pensar no nascimento, a gente tem que pensar no primeiro ano de vida, a gente tem que pensar em todas as faixas etárias em que o indivíduo vai se colocar, para a gente poder ter adolescentes seguros, adolescentes com olhos vibrantes, e adultos também cumpridores das suas atividades, daquilo que se propõem a fazer.
Se a gente for pensar, a gente nasce com uma bagagem genética, neuronal, para a gente poder se desenvolver, mas o desenvolvimento se dá através da relação. Uma criança que, a partir do momento em que chora, não tem a sua demanda correspondida, vai criando marcos, e o desenvolvimento dela vai se dando dessa forma. Então, se a gente for pensar de uma maneira mais precoce, a partir do nascimento, o contato social materno, ou com quem faz a função materna, talvez seja o primeiro gancho que a pessoa tem para um desenvolvimento saudável. A partir do momento em que essa criança chora de fome e ela tem o seu desejo, a sua necessidade atendida, e ela se sente segura, e ela se sente amparada, ela vai modulando, vai organizando a sua estrutura psíquica e a sua estrutura neuronal para que aquilo seja algo que ela consiga fazer. Então, ela sabe que, toda vez que ela chorar, vai ter a sua demanda atendida. Ela se sente segura. E o que vai moldando o nosso sistema nervoso central, o que vai moldando o nosso desenvolvimento é, sem dúvida nenhuma, os afetos que a gente tem. Então, a partir do momento em que a gente faz algo e que a gente tem uma resposta afetiva àquilo, aquilo é marcado, e a sinapse, a ligação entre os neurônios que possibilitam fazer aquilo de maneira vigorosa cria uma cola que você nunca mais vai deixar de ter. Ao mesmo tempo, a ausência disso traz um prejuízo muito grande.
Então, se a gente for pensar em prevenção, se a gente for pensar em seres humanos, de uma maneira geral, a gente tem que estar muito atento aos vínculos sociais que essa pessoa vai ter, principalmente aos vínculos precoces. Uma criança que tem boas vinculações, uma criança que tem um bom contato social, um bom contato afetivo, e tem suas necessidades nutricionais, de saúde atendidas, tem tudo para se tornar um adolescente saudável, um adolescente seguro, e um adulto saudável e seguro.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. PODE - MT) - Drª Fernanda.
A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Se me permitir, Presidente Relator...
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. PODE - MT) - Sim.
A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) - Eu tenho um compromisso, mas eu gostaria de fazer uma intervenção apenas, e com isso tanto a Srª Fernanda quanto o Sr. Antonio, se quiserem, já podem responder conjuntamente, depois voltariam - já que só somos dois a perguntar, se a Presidência deferir -, porque eu acho que é um pouco do complemento dos seus questionamentos. Ela faria uma única intervenção, o Sr. Antonio também, e depois voltariam. Pode ser, Presidente?
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Antes de mais nada, quero parabenizar mais uma vez a CPI pela escolha do tema e também dos convidados e dizer que para nós, aqui, foi um aprendizado. Por mais que, para mim, especificamente, como mãe de duas adolescentes, tia de algumas tantas sobrinhas e pouquíssimos sobrinhos, também em fase de pré-adolescência, sejam temas que, de alguma forma, nós conhecemos, lemos e acompanhamos, sempre nos trazem informações valiosas.
Eu começo aqui pelo Sr. Antonio, que nos deixa muito felizes quando fala que moderniza essa instituição tão importante para nós, de mais de 50 anos, quando apresenta o chat como uma oportunidade para essa juventude que realmente - eu convivo com muitas dentro de casa, dentro da minha família - gosta de escrever, mas não gosta de falar. Eles são a geração... Eu acho que fui a geração X, já passou pela geração Y, agora está na geração Z. Eles são a geração Z. Nasceram no mundo virtual, e essa é a forma de comunicação. Não adianta remar contra a maré. Nós temos que nos incorporar, tentar entender o mundo deles, entrar no mundo deles. Então, eu fiquei muito feliz com as colocações e as estatísticas na prática que foram apresentadas aqui.
Da mesma forma a Srª Fernanda em relação à questão dos fatores. Muito interessantes não só esses números que mostram que o suicídio não é mais uma questão de saúde pública, é uma questão de epidemia mundial. É uma epidemia. É uma forma dessa juventude conflitosa, que não consegue entender e lidar com todos esses fatores hormonais e pessoais, de um período que sempre foi, desde o início da humanidade, talvez um dos momentos mais conflitosos da vida de um ser humano.
Eu falo com muita tranquilidade, eu que já estou chegando aos 50. Eu digo assim se me perguntarem: "Você quer voltar à sua adolescência? Você não tem outra opção." Há opção de voltar 10 anos, 15 anos? Não, para a adolescência eu não quero voltar mais. Todos nós passamos por essas angústias. E agora com um conflito a mais: um mundo muito maior. O nosso mundo não é só o nosso quintal. O nosso mundo é o mundo globalizado, onde não apenas eu, minha família e meus amigos temos conhecimento do que acontece comigo, mas, através das redes sociais, o mundo sabe o que acontece comigo. E esse mundo pode ter 1 mil, 2 mil, 5 mil, mas pode ser realmente o mundo mesmo. Diante de tudo isso, volto a repetir que nós temos que voltar e tentar entender o mundo deles.
Então, todas essas informações foram valiosas até para que as mães e os pais que estejam nos assistindo, por mais que nós falemos muito... E aqui o psicólogo Carlos comentou que também é uma questão familiar, de problema familiar, de tempo, de dentro da família. E, muitas vezes, os pais se culpam: "Por que meu filho se automutila? Por que meu filho tentou o suicídio? Por que eu perdi um filho dessa forma?" Eu sempre digo que tempo não é tudo, a qualidade não é quantidade.
Às vezes, numa mesma família, dois filhos são criados da mesma forma, estudando no mesmo colégio, tendo o mesmo perfil, a mesma educação, a mesma atenção, às vezes gêmeos estudando até na mesma sala, e um faz e outro não. Então, nessa questão do fator, ficou muito claro tudo aqui; a predisposição genética, a predisposição... Foi utilizado outro termo para englobar a predisposição biológica e genética, eu acho que foi fator predisponente.
Talvez de tudo o que mais me chamou a atenção foi essa correlação com, entre aspas, "transtorno mental". A gente remonta no tempo passado como se transtorno mental fosse alguma coisa muito associada à loucura, à esquizofrenia, e o transtorno mental hoje tem uma gama cada vez maior de certos e pequenos distúrbios mesmo, começando pelo TOC. Não é possível um ser humano que não tenha algum TOC, do mais simples até aqueles casos mais graves que precisam ser tratados. Também foi muito valiosa a contribuição.
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Eu gostaria muito de agradecer também ao nosso psiquiatra, Dr. André, que traz justamente essa questão das redes sociais. Eu mesma fui descobrir o que era o Tumblr quando a minha filha tinha de nove para dez anos. Eu falei assim: vou descobrir a senha e vou saber por que ela não sai deste aplicativo que não conheço. E fiquei escandalizada e assustada de ver que realmente é um site extremamente dark, em que as pessoas ali são uma tribo que tende a ter uma tendência mais no estilo depressivo, de ver o mundo de uma forma diferenciada. Isso passou, porque passou a idade dela também, mas é algo que realmente nos chama a atenção. Então, foi bom ter trazido essas questões todas, inclusive a do efeito de Goethe, do efeito do jovem Werther, que é algo que precisa ser trabalhado.
Esta Comissão tem, através dessas informações, condições de ver de que forma nós podemos estar atuando não só em relação às políticas públicas, mas em relação também à legislação, tipificando como crime algo que ainda não é considerado como crime, porque são coisas novas, aumentando a pena ou mesmo criando, através da legislação, políticas públicas que possam depois dar ao Executivo suporte e orçamento para que possam desenvolver todas essas questões.
Da mesma forma, foi aqui também muito bem colocada, o que acabou finalizando e arrematando tudo o que já foi dito pelo psicólogo Carlos - também fiz todas as anotações referentes a isso - principalmente essa questão dos fatores da personalidade, da questão desse alívio. Porque é muito comum as pessoas prejulgarem, as pessoas julgarem e não terem condições de... Como é que alguém chega ao ponto de se machucar ou de tentar o suicídio? É porque ela não consegue mais lidar com tamanha dor. Quer dizer, a dor da automutilação é tão menor que para ela é melhor do que conviver com... Então, isso tudo nos dá suporte e subsídio.
Fiquem à vontade para me corrigir naquilo tudo que eu falei, mas principalmente, e aqui fica a minha consideração final a respeito, para que nós possamos - e o Senador Magno Malta, como Presidente da Comissão, tem toda razão - começar a repensar algo até anterior a isso, que não só ajuda na CPI dos Maus-tratos, mas nos faz lidar com toda essa sorte de, infelizmente, novidades negativas que hoje assolam a humanidade e o Brasil.
Recentemente nós criamos, por exemplo, o crime de feminicídio: matar uma mulher pelo fato de ser mulher. Aumentamos a pena para ver se, de repente, desperta-se para esse mal. Da mesma forma, criamos um crime que não existia, que era o estupro coletivo, que começou a ser uma coisa que pipocou aqui e ali. Não sei se agora levantou-se a poeira do tapete ou criou-se esse efeito do Jovem Werther. Se é realmente: "Ah, vamos lá!"
Da mesma forma, colocamos - aí há relação com a questão da rede social - que divulgar de qualquer forma, repassar ou criar um vídeo expondo esse tipo de violência que é o estupro, o que não era um crime antes porque não se fazia isso antes, passa a ser crime. Da mesma forma, nós podemos com essas valorosas contribuições... E vamos aguardar também sugestões de V. Sªs, dos senhores e das senhoras, para podemos implementar.
Eu volto aqui para concluir, Senador Magno Malta e Senador José Medeiros, porque nós temos que voltar a repensar os princípios, da mesma forma como se fala da questão do seio familiar ou como se fala da questão... É a questão do Direito; é isto que nós fazemos aqui: leis. E lei nada mais é - e aqui eu até fiz um parêntese: lei ética -, como Parlamentar, do que uma avaliação política e social de algo que interessa à sociedade. Se isso interessa à sociedade, eu tenho que fazer uma avaliação política e uma avaliação social para ver qual é o meu voto ou de que forma eu vou propor algo.
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E acho que passa por aí essa discussão de repensarmos a própria Constituição Federal no que se refere ao direito individual versus interesse e direito coletivo. Porque tudo não pode. Nós queremos proteger a criança e o adolescente; "ah, mas é liberdade de imprensa". Então, nós não podemos atacar a imprensa ou restringir. Não podemos restringir a imprensa nem quando nós estamos diante de uma situação em que a imprensa está daquela forma, depois de ouvido todo o setor médico, psiquiatra, psicólogo, todas as associações, comprovado por termos científicos, que aquele comportamento da imprensa vai levar a algo destrutivo para o jovem e para a criança?
Da mesma forma nós queremos às vezes legislar e estamos diante de certos interesses ou direitos individuais, como o direito de liberdade de expressão. Ora, o direito de liberdade de expressão não vai chegar ao ponto em que ele pode mais do que o direito coletivo de se proteger. A própria Constituição estabelece - art. 227 da Constituição Federal - que é dever da família, dos pais, da sociedade e do Estado, a proteção da criança e do adolescente nos seus aspectos físico, mental e psicológico.
Então, quando nós estamos diante de um próprio conflito interno do Congresso Nacional, do Direito, de discutir o que nós podemos, até onde nós podemos ir, nós temos que ter uma reinterpretação da Constituição Federal para podermos chegar àquilo que queremos, que por exemplo, nesse caso da CPI, é a proteção das nossas crianças e dos nossos adolescentes. Porque às vezes vocês vão nos propor algo, os senhores e as senhoras, e nós vamos esbarrar não no Direito ou na Constituição, mas às vezes na interpretação tortuosa, torta dessa Constituição, que coloca ali o direito à liberdade de expressão acima do direito à honra de um indivíduo, de um cidadão, de uma criança, de um adolescente.
Então, questões como o bullying, questões como... E aí entra a questão da rede social. Por que é que nós não podemos restringir naquilo - e muitas até já o fizeram, como o doutor comentou, o Google já tem lá para as nossas crianças, quando o pai der um computador aos seus filhos, dê com acesso limitado a tudo aquilo que seja possível, e no Google já deixe claro que o acesso que ele tem é aquele acesso em que o próprio Google vai fazer um filtro.
Enfim, eu acho que o que fica para mim, depois dessas informações - porque não vou fazer perguntas nesse âmbito, porque isso é algo que interessaria num outro congresso, porque eu já tenho as informações necessárias -, o que fica é realmente voltar àquela preocupação que tenho: o que eu posso fazer, dentro dos limites da minha atribuição, tendo a Constituição como nosso parâmetro. Não vou falar "bíblia", porque senão o Senador Magno Malta vai ficar bravo comigo, até porque nós temos a mesma Bíblia em comum, mas a bíblia do Direito, a Constituição é a nossa bíblia do Direito, mas a bíblia real, a Constituição real, aquela que permite interpretar que um direito coletivo de defender e proteger crianças, adolescentes e jovens está acima de qualquer direito individual, da imprensa, do cidadão, de quem quer que seja, de fazer uma postagem, de dizer o que quer e de prejudicar toda uma sociedade.
Eu finalizo agradecendo ao Presidente o tempo que me concedeu também.
Quero dizer que muito do que foi colocado aqui, doutor, eu vi, inclusive aquela série das treze razões, do porquê, e o conteúdo da Peppa - eu tenho um sobrinho de sete anos, e um desses episódios também nos chocou. Então, eu acompanho muito de perto. Para nós agora fica aqui o compromisso de procurar, dentro do conhecimento técnico dos senhores e das senhoras, poder contribuir na CPI, legislando e apresentando propostas no que se refere a políticas públicas.
Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado, Senadora Simone.
Eu não sei quem vai responder agora, mas eu gostei de uma frase de V. Exª que eu vou guardar: o direito de expressão não se sobrepõe, não está acima do direito à honra. Eu gosto muito de frases fortes e que sejam verdadeiras. E essa é uma frase forte, verdadeira, que eu certamente vou agregar às minhas falas.
Obrigado pela intervenção de V. Exª.
Srª Fernanda.
A SRª FERNANDA BENQUERER - Eu fiquei com a missão difícil de falar depois do Carlos e do André, porque eles foram bastante consistentes nas considerações. E eu corroboro as considerações que eles fizeram em relação às questões sociais, de desenvolvimento, psicológicas, emocionais em relação à prevenção.
Eu queria trazer mais uma questão, que é um problema cultural. Talvez um outro aspecto que a gente tenha que prestar atenção é de a gente enfrentar o assunto, de a gente ter coragem de falar sobre isso, ouvir sobre isso e buscar ajuda. O que a gente percebe é que muitas vezes as pessoas chegam para os especialistas já há muito tempo em sofrimento, com quadros muito graves. Não foi uma coisa que começou de ontem para hoje; é uma coisa que já vem há vários meses, há anos, a pessoa já está adoecida, não consegue entender aquilo, não busca ajuda, ou às vezes tenta buscar ajuda e é rejeitada. A gente tem muitos mitos e muitos preconceitos a respeito do suicídio que a gente coloca para as pessoas, e isso fecha a porta da comunicação. A pessoa está sofrendo, está triste, está pensando em morte, e a gente entende: ah, ele está querendo manipular, ele está querendo um atestado, ele está querendo chamar atenção. A gente precisa rever e, de alguma forma, mudar essa cultura, porque isso está arraigado na sociedade toda. E isso é o que impede, muitas vezes, a busca de ajuda.
Outra questão é que existem políticas públicas, diretrizes de prevenção de suicídio no papel. Daí a elas estarem efetivamente funcionando há uma distância. Já há muita coisa escrita, mas que precisaria estar funcionando. Por exemplo, em relação ao serviço de saúde, a pessoa precisa entender que precisa buscar, mas precisa chegar, precisa do acesso. Para isso também, muitas vezes, há uma dificuldade. São poucos especialistas, poucos profissionais qualificados, a fila é grande, a gente sabe que sempre há uma demanda muito grande, e acho que essa questão também não é só botar no papel; tem que estar funcionando.
Acho que essa parte dos preconceitos, dos mitos vem muito do senso comum. A gente precisa aprender a questionar e a abrir realmente o ouvido, abrir realmente um espaço para a escuta. Para um adolescente poder chegar e falar que está com uma dificuldade, ele precisa sentir que a gente vai conseguir entender aquela dificuldade, ouvir sobre aquilo que está acontecendo. Porque ele vai para a internet, ele vai buscar e encontrar influências que podem não ser as mais saudáveis, as mais adequadas.
Acho que é isso.
Eu queria agradecer a oportunidade de estar aqui hoje e vou tentar contribuir como puder.
O SR. ANTONIO CARLOS BRAGA DOS SANTOS - Senador, Senadora, o CVV trabalha há 55 anos com este tema: prevenção ao suicídio. Prevenção se faz com informação. Não se falava sobre isso e ainda se fala muito pouco sobre isso. E há muita desinformação.
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Esta semana, nesta série que a Globo está passando, houve um suicídio, uma cena de suicídio, deseducando. Ao final da série, rapidamente, três segundos, 141 - Prevenção de Suicídio. Mas não falou que esse telefone era do CVV, porque não pode fazer publicidade. Se você vai mostrar alguma marca...
Na prevenção do suicídio - e os profissionais que estudam o assunto falam isso -, quem pede ajuda não comete o suicídio. Noventa por cento dos casos - 90% dos casos! - poderiam ser prevenidos se a pessoa pedisse ajuda. Mas pedir ajuda em que situação? As pessoas não reconhecem os seus estados emocionais. Elas não sabem o que estão sentindo e nem sabem que aquilo que estão sentindo pode até ser mesmo uma doença. Ele pode estar com uma depressão. O que o CVV faz é ouvir as pessoas, mas não ouvir os seus problemas. As pessoas contam os seus problemas, as suas histórias, as suas situações, mas ouvimos o que elas estão sentindo, ouvimos como eles estão se sentindo, porque muitos deles não têm, e muitos de nós não temos, três amigos. Muitas pessoas não têm nenhum amigo, não têm com quem falar.
Foi dito... E foi sugerida pelo Dr. Carlos a educação emocional. A educação emocional pode ser feita, existem programas para isso. E foi sugerido e eu ratifico que o MEC participe desse processo, porque ainda há muito que pode ser feito. Há quase dez anos o Brasil tem, e é um dos poucos países do mundo que tem, um programa nacional de prevenção ao suicídio, mas que está na gaveta. O que os senhores podem fazer é ajudar a tirá-lo da gaveta e colocá-lo em prática. O Brasil é um dos poucos países que tem um programa de prevenção ao suicídio, mas está no papel; não existem ações práticas sendo utilizadas.
A Abeps é uma associação que foi criada há menos de dois anos, apoiada pelo CVV e por outras organizações para que o assunto venha à pauta, como está na pauta hoje. Agora acabei de receber uma mensagem do André Trigueiro; acabou de ser publicado agora, hoje: suicídios sobem 12% em quatro anos e se torna a quarta maior causa de morte de brasileiros entre 15 e 29 anos. Acabou de ser publicada e divulgada essa informação hoje.
Então, parece que o assunto começou a vir para a pauta. Esta CPI não é de suicídio, mas é de maus-tratos. E o tema que nós tratamos do início ao fim aqui foi o suicídio. Parabéns e nos ajudem a fazer com que a informação seja a prevenção do suicídio.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Bem, a riqueza desta audiência pública é tremenda.
Mais uma vez quero lamentar e dizer ao Senador José Medeiros, que discorda de mim com relação à TV Senado, mas parece que ele está discordando de um item de que eu não falei. Realmente, a programação dela chega a tudo que é lugar. Pela parabólica, ela chega a todo lugar. Isto é fato. E é porque chega que eu estou dizendo que deveria repetir, repetir, repetir. Isto é fato. Eu só estou dizendo que tem coisa aqui que é repetida ou coisa colocada no ar que não versa em nada sobre o propósito para o qual foi criada a televisão, que é dar informação sobre o Parlamento. Coisas de externas que vêm para cá...
Isto aqui poderia ajudar a salvar vidas, ajudar um leigo a aprender como lidar, ajudar crianças da sua comunidade, seja dentro da Amazônia, ajudar um padre, um pastor, um professor a lidar com esses temas todos aqui, que são caros e importantes, e num negócio como este aqui eles colocam a orquestra tocando lá. Ninguém quer ver orquestra. O povo quer ver Ratinho, o povo quer ver Raul Gil, o povo quer ver não sei o quê, e fica nesse horário em que a orquestra está tocando sem audiência de nada, e ninguém aprendendo nada. Isso é que eu estou falando. Que chega, chega, né? Agora, que tem coisa sem propósito, só tem. E eu estou falando aqui para, se o pessoal estiver me ouvindo, mudar, ou, então, vou continuar falando.
Mãe dizia que isso é um defeito que eu tenho, mas eu acho até que é uma virtude. Ela errava nisso aí com relação à minha pessoa. Ela dizia: "Você tem um defeito muito sério. Tem coisa que não precisa falar". Fazer o quê, mãe? Eu falo, não tem como. Conversou comigo e não pediu segredo, aí já foi. (Risos.)
Principalmente aquilo que se pode falar.
Eu gostaria de... Nós estamos agulhados. Eu sei que a Senadora Simone tem tempo, assim como o Senador José Medeiros, mas as minhas perguntas eu vou passar para vocês, até porque eu os convidei, e vocês aceitaram, a almoçar comigo.
Ao CVV (Centro de Valorização da Vida), você respondeu. Eu ia perguntar algumas coisas tipo: qual a idade que tinha a criança mais nova que vocês atenderam em situação de suicídio? E se existe algum projeto do CVV para atender pessoas, para alcançar os povos indígenas, porque o índice de suicídios entre eles é absurdo. No dia em que eu fui a Tabatinga, convidado pelo Exército, quando eu desci lá foi a coisa que... Duas coisas mexeram comigo: primeiro, quando eu saí de lá, eu senti que, de fato, eu era brasileiro, e que todo brasileiro tinha que descer na Amazônia para sair de lá sabendo que é brasileiro mesmo; e a segunda coisa foi o índice de suicídio dos índios. Por isso a pergunta.
O CVV tem informações sobre tentativa de suicídios de crianças e adolescentes dentro de abrigos?
Ao Dr. Carlos Henrique eu vou fazer todas essas perguntas - eu vou entregar-lhe em mãos, porque eu sou mais organizado que o Relator. Estou brincando; é a minha assessoria aqui. É brincadeira. Ele também pode entregar o papel dele - ele estava com um papel aí. Ele nem leu todo porque ficou com pena de todo mundo. Pois é. Ele só leu a primeira página.
Qual a estimativa de crianças e adolescentes se automutilando? Você colocou isso aqui.
Pode apontar causas de automutilação? A violência sexual é uma dessas causas, para mim. Você colocou.
O que pode ser feito na área de saúde para prevenir e combater a automutilação?
O que pode ser feito na área de educação para prevenir e combater a automutilação?
Até que ponto as redes sociais, por meio de fotos e vídeos, estimulam as crianças e os adolescentes a se automutilarem?
Pode nos dizer sobre casos de crianças que moram em abrigos ou casas acolhedoras e que se automutilam?
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Conhece casos de crianças indígenas que se automutilam?
Qual a idade para uma criança navegar sozinha na internet?
E qual a idade que vocês podem indicar para uma criança criar um perfil nas redes sociais?
Tome, responda e mande, sabe porquê? Veio uma coisa à minha cabeça agora. Isso, na linguagem teológica, é o Rhema, a revelação que você tem. Responda para mim, responda para mim e responda para mim. Vou passar o seu também. Porque nós podemos, com essas respostas, fazer uma cartilha, mandar imprimir na Gráfica do Senado uma cartilha já desta CPI. Já sai uma coisa boa daqui.
Eu vou dar o seu papel também, viu?
Agora, Dr. André.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT) - Aí tem que dar o crédito ao CVV também.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, o do CVV já está ali. Eu já passei as perguntas dele. Olha lá o dele!
O SR. JOSÉ MEDEIROS (PODE - MT. Fora do microfone.) - Tem que colocar a marca lá. Não faz que nem a Globo, não.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não vamos fazer como a Globo, não.
A Globo, aliás, tem se tornado uma escola. Vejam o que os bandidos estão fazendo no Rio! Vejam a briga da Rocinha de dois exércitos de milícias, armadíssimos, e alguém ainda fazendo uma sugestão, um político, para que o Governador receba o advogado do Nem, que é o traficante que manda na Rocinha, para que o Nem mande parar. Olha onde nós chegamos! E a novela da Globo ensinando os caras a cometer os crimes, como fazer um assalto, como ser dono de uma boca de fumo, como comandar o tráfico na sua favela... Está lá a escola. E a escola do suicídio ao vivo. E depois coloca lá uma marquinha...
Eu acho que nós precisamos dar limite a isso. O Congresso Nacional precisa ter coragem, porque a concessão é pública. Record, Rede Globo, SBT, todas as televisões, ninguém é dono de nada! O cara é dono do equipamento. A concessão pertence ao povo. E a concessão não foi dada para isso.
Ele diz que não colocou a marca do CVV. Não colocou mesmo, porque o CVV, para colocar a marca, tem que pagar. O negócio lá é ganhar dinheiro. É muita audiência para pegar muito dinheiro dos grandes anunciantes. Não estão preocupados com vida de criança ou de ninguém. Não estão preocupados com crianças que estão se automutilando. Muito pelo contrário. Vocês viram alguma câmera aqui do SBT, da Record, da Globo? Os senhores viram? Ninguém viu nada aqui. De qualquer televisão, seja ela pequena, grande ou média. Ninguém viu! Só está aqui a TV Senado e rede social, a internet, porque não interessa. Interessa casamento homossexual, aborto, ideologia de gênero, infanticídio, em nome da cultura. A criança nasceu com a perninha torta, mata, sepulta viva na tribo, e ninguém pode falar nada, porque isso é cultura. Você não pode entrar... Um padre, um jesuíta, um católico, um menonita, um evangélico não pode entrar em tribo de índio para eles, porque vai quebrar a cultura do índio. Mas beber cachaça, morrer e se suicidar, isso pode, deve.
Então, nós estamos vivendo um disparate, um descolamento de qualquer coisa que possa ser verdade. Imaginem o seguinte: nós estamos cumprindo o nosso papel, e temos que cumprir mesmo, mas parece que o fato é tão desanimador, que a sensação é de que você está querendo dar um passo para a frente e o estão empurrando dez para trás.
Ele fala que existe uma legislação que nunca saiu do papel. Há uma resolução no Ministério da Saúde há seis anos para tratar da questão do suicídio. Faz seis anos que foi feita essa portaria, e ninguém nem sabe dela. Então, o negócio é oba-oba. É igual ao Presidente que chega a um país e a mídia mostra eles assinando protocolos; assinam o de lá e o de cá. Aquilo é tudo mentira! Não vai acontecer nada!
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Então, penso o seguinte: nós vamos produzir o primeiro. Vai ser embrionário. Tudo isso de tecnologia é muito novo para nós; essas coisas que estão acontecendo, que estão vindo para cima de nós, e a gente não sabe nem como tratar. Eu me lembro de que, na CPI da Pedofilia, quando nós começamos a tratar com crime cibernético, o Brasil não tinha nada de legislação, nem tecnicamente. O que nós temos, o que avançou foi com a CPI da Pedofilia, com o que nós aprovamos.
Hoje, essa vagabundagem, mesmo a Justiça colocando na rua, é outro descolamento. Adianta você fazer lei se o juiz solta? O juiz lá de São Paulo, Dr. Eugênio, não viu nada naquilo; não viu nenhum tipo de escândalo em o sujeito colocar o pênis de fora e ejacular no rosto de uma moça de 23 anos. Ele disse que não há constrangimento. Aí o desânimo é total. Se a gente não focar na missão que a gente tem para cumprir, a gente desanima e para com tudo. Como um juiz faz isso? Aí o cara no outro dia entrou num ônibus e fez a mesma coisa, acho que até dizendo "eu vou dar uma cusparada na cara desse juiz para ele aprender a ser homem". Foi lá e fez a mesma coisa.
Mas esse cara, quando foi solto, o povo podia ter matado de paulada na rua, não podia? Podia. A culpa era de quem? Do juiz. Quando ele reincidiu, a culpa foi de quem? Do juiz. Foi por isso que eu representei contra esse juiz no Conselho Nacional de Justiça. Porque o Conselho Nacional de Justiça precisa tomar uma providência.
As pessoas falam "tem que fazer lei dura contra a corrupção". Para que lei dura contra a corrupção se os corruptos são todos votados por vocês mesmo? Não venha querer cobrar de mim o que você faz no seu Estado. Porque fulano é... Ele é de que Estado? O povo votou nele. Ele não foi nomeado. Lei dura contra corrupção é título de eleitor. É o seu voto. Ué! Adianta lei dura? Rocha Loures foi pego com uma mala e está solto. E o mesmo ministro que mandou soltar o Rocha Loures no outro dia negou habeas corpus para uma mulher que foi presa pegando biscoito num supermercado. E aí?
Desculpem-me por estar falando isso tudo. Fica parecendo que não tem nada a ver com isso, mas tem tudo a ver com isso. Tem tudo a ver com isso. Mas vamos voltar lá para a nossa cartilha.
Dr. André, minha pergunta é: o que pode ser feito em relação às escolas para a orientação emocional dessas crianças e adolescentes?
Existe algum mecanismo nos hospitais e postos de saúde para atendimento diferenciado das crianças e adolescentes vítimas de automutilação?
Terceira. Sabemos que existem muitas ocorrências de adolescentes indígenas que se suicidam no Brasil. O senhor tem uma estimativa sobre o quadro? Pode dizer a causa do suicídio de adolescentes indígenas?
O Brasil...
Nós estamos perguntando tanto sobre índio porque nos incomoda o infanticídio, o descaso que o Ministério da Saúde, que as redes de saúde no Brasil têm com eles. Essa coisa nos incomoda muito.
O Brasil, nos últimos anos, tem falado sobre ideologia de gênero de uma forma muito efetiva nas escolas para crianças e adolescentes. Pelo menos, essa é a tentativa dos esquerdopatas aí. O tema é abordado em todas as matérias e já estão catalogadas no Brasil 70 identidades de gênero.
Sabemos que a Associação Americana de Médicos Pediatras já publicou nota recomendando que não se fale para crianças sobre as opções de identidade de gênero. Médicos no Brasil também já começam a manifestar sua preocupação. O senhor tem dados sobre crianças e adolescentes com dúvida sobre sua identidade sexual que se automutilam ou tentaram o suicídio?
Essa é para o senhor, para a Associação Brasileira de Prevenção ao Suicídio.
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Este ano, a campanha Setembro Amarelo teve uma grande repercussão e muitas adesões. Estamos ouvindo muitos falarem de prevenção ao suicídio. Havia, no passado, um grande silêncio sobre o tema. As crianças e os adolescentes precisam mesmo ouvir sobre prevenção ao suicídio? É a pergunta.
Há um protocolo para se falar sobre o tema para crianças e adolescentes?
Dois: é viável psicólogos ou educação emocional nas escolas? Isso é viável, é importante, é necessário?
Até quando o bullying tem provocado a automutilação e o suicídio?
A Associação tem dados sobre o suicídio de adolescentes jovens indígenas? Pode apontar as causas? Conhece algum projeto ou algum programa de prevenção ao suicídio de indígenas?
Esse aqui é o seu.
Em tese, de tudo o que eu perguntei, acho que pouca coisa deixou de ser falada tanto na apresentação dos senhores quanto nas respostas.
Vocês vão levar essas perguntas. Se não estiverem à vontade para devolver as respostas, também não há problema. Mas acho que as respostas serão importantes. Nós procuraremos mais, e penso que, nos próximos 30 dias, nós poderemos oferecer ao Brasil uma cartilha desta CPI. O Senado tem uma gráfica, e nós temos direito a isso. E quem sabe... Nós vamos começar já um pouco tarde, mas oferecendo alguma coisa que é da lavra de quem tem sacerdócio, de quem está envolvido, de quem estuda, de quem quer participar deste momento para dar o seu conteúdo vivencial, porque, muitas vezes, você não tem o conteúdo intelectual. Eu não tenho. Eu não sou psicólogo, não sou psiquiatra, mas tenho 37 anos da minha vida tirando gente drogada da rua, de toda ordem. E a vivência no debate desse assunto e mais a minha disposição em focar minha vida na defesa das crianças fazem o meu conteúdo, que, de repente, livro nenhum pode me dar. Então, penso que nós podemos contribuir com este momento.
Vou ficar muito honrado com essas respostas para que a gente possa acrescentar alguma coisa e estudar juntos e oferecer... Acho que outros que vamos ouvir aqui também vão nos oferecer... As próprias plataformas, como o Google, o Facebook, todos que vão vir aqui vão receber de nós também, e nós queremos publicar também o que eles vão falar, até porque o Dr. André fez algumas citações de sites e aplicativos ali, e nós já estivemos com os diretores dessas plataformas e duas coisas foram faladas aqui que eles não falaram para nós. Mas, certamente, eles serão ouvidos aqui também em audiência pública, e este será o meu intento: fazer essas publicações daqui para frente. O nosso será o marco zero e vai me orgulhar muito nós podermos fazer isso.
Dr. Carlos.
O SR. CARLOS HENRIQUE ARAGÃO NETO - Senador, só mais dois minutinhos.
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Eu queria finalizar a minha parte dizendo ao senhor que a Associação Brasileira, aqui representada pela Drª Fernanda, mas da qual também faço parte... A minha preocupação pessoal, vendo, no meu Estado, no Piauí, aqui, em Brasília, onde faço doutorado, e na interlocução com vários atores que trabalham na prevenção ao suicídio no Brasil, a minha preocupação com falar sobre suicídio, em escolas, para crianças e adolescentes é enorme, tanto o é que o Presidente da Abeps, que é o Dr. Humberto Corrêa, psiquiatra da UFMG, em duas ou três oportunidades, quando eu tive oportunidade de jantar com ele, conversar, em cursos e palestras, eu dizia a ele: "Humberto, nós precisamos regulamentar, via Abeps" - porque, se eu falar como Carlos o som fica ecoando no vazio, mas com a chancela da Abeps, pelo menos, nós precisamos regulamentar ou, pelo menos, dar uma diretriz para as pessoas que querem entrar em escola, e estão entrando de toda forma possível, porque o apelo é muito grande, Setembro Amarelo, etc., e todas as escolas ligam para as ONGs, para as instituições, para os profissionais. Então, é uma enxurrada de gente despreparada, falando sobre esse assunto, que é extremamente perigoso quando você não tem uma fundamentação teórica e prática para falar com adolescentes e crianças principalmente.
Então, o Humberto, sensível a essa minha preocupação, criou uma comissão, uma subcomissão dentro da Abeps, da qual eu faço parte, com cinco pessoas do Brasil inteiro, para nós falarmos, para nós pensarmos e fazermos uma cartilha até o ano que vem - pelo menos é o nosso tempo; quem sabe, com a ajuda do senhor e de outras pessoas interessadas, possamos abreviar esse tempo - porque nós precisamos fazer... Do mesmo jeito que a ABP tem a cartilha para a mídia, dizendo o que falar, o que não falar, como falar, como não falar, nós precisamos dar essas diretrizes para as pessoas que se arvoram a entrar em uma escola, por exemplo, para falar com crianças e adolescentes.
É muito perigoso. Por quê? Porque nós sabemos que o efeito Werther, que já foi falado, existe e é profundamente negativo, principalmente em jovens vulneráveis; aquele jovem que já está ali, no caminho, no túnel, em que a luz já está se apagando. Então, é muito perigoso. Eu, por exemplo, não recomendo. Toda vez que me ligam: "ah, eu vou, quero entrar em uma escola". Eu falo: "Eu não entro!" Quando eu entro em uma escola é para falar de resiliência, de valorização da vida, de outras questões, de aprender a resolver conflito, e lá depois, em perguntas e respostas, talvez toquemos nesse tema, mas não chegar e fazer uma palestra dentro de uma escola, sobre suicídio, para crianças e adolescentes. Eu jamais faria e não recomendo que façam. Então, é muito importante essa colocação - eu sei que depois a Abeps vai responder, mas eu estou me adiantando aqui um pouco.
É viável, sim, nós trabalharmos com o Ministério da Educação para estabelecermos uma pauta dentro de uma matriz curricular para a questão da saúde emocional dentro das escolas. Eu não tenho dúvida; fui muito enfático com isso. E quero dizer também que esse tema da saúde emocional, do desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais é muito, muito importante. Por quê? O André aqui também colocou a questão das redes sociais, mas, mesmo que nós consigamos regulamentar alguma coisa nas redes sociais, ainda assim nós sabemos que a cada mês ou a cada temporada nós vamos ter um psicopata lançando um desafio como o Baleia Azul e coisas dessa natureza. Nós não vamos ter, penso eu, o controle completo disso.
Então, como dizia o Sartre, "não importa o que fazem comigo; o que importa é o que eu faço com o que fazem comigo". Ou seja, o que importa é que nós possamos trabalhar com as nossas crianças para que elas possam até estar diante de um conteúdo como esse, mas também saber como responder a esse conteúdo sem se machucar e sem machucar o outro.
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A questão da busca de ajuda é fundamental. Isso foi falado aqui, muito bem falado, e isso é o mantra que eu repito em todo final de apresentação que eu faço, quando eu digo que saber a hora de pedir ajuda é fundamental, e isso não é um sinal de fracasso e nem de covardia; isso é sinal de inteligência e de sabedoria. Quando eu sei que eu tenho alguma limitação neste momento da minha vida, eu percebo essa limitação e busco ajuda, esse é um passo fundamental realmente para que eu consiga resolver essas questões e ter uma qualidade de vida melhor.
Então, a cultura de busca de ajuda, inclusive dentro das escolas, é o que eu prego, como, por exemplo, a instituição de núcleos de acolhimento de jovens em sofrimento dentro das escolas, o que é completamente possível, e a disseminação da cultura dentro das escolas, por exemplo, e das instituições todas de que as pessoas que estiverem em sofrimento procurem ajuda. Mas, obviamente, para procurar, eu preciso saber para onde eu vou, e essas pessoas que vão me acolher precisam ter um mínimo de qualificação, como tem o CVV, para uma escuta qualificada no mínimo. E, depois, os encaminhamentos aos profissionais de saúde, se isso for necessário.
Então, eu queria muito agradecer o convite e essa discussão muito profícua. Eu espero realmente que isso frutifique, que possamos fazer alguma coisa em função da prevenção do suicídio e da automutilação entre os jovens.
O SR. ANDRÉ DE MATTOS SALLES - Eu queria agradecer o convite.
Coloco-me à disposição para poder contribuir no que for necessário para podermos, de fato, transformar esse debate em algo que fique para a sociedade.
Agradeço a todos.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - O senhor pode fazer as suas considerações. Depois, a Fernanda.
O SR. ANTONIO CARLOS BRAGA DOS SANTOS - Eu acho que tudo já foi dito. Eu acho que nós temos agora é que arregaçar as mangas e começar a trabalhar. E já está com o Reinilson - eu passei por e-mail agora - uma sugestão de cartilha cujas primeiras páginas já estão prontas lá.
A SRª FERNANDA BENQUERER - Agradeço de novo pelo convite e, em relação a essa questão de falar com crianças e adolescentes sobre o suicídio, já há estudos mostrando. Se chegar um professor na sala e falar "vamos fazer uma redação sobre o suicídio", isso não é legal, isso não é benéfico. Mas, se propusermos, por exemplo, fazer uma redação sobre o enfrentamento de problemas, sobre busca de alternativas, sobre questão de habilidades emocionais, isso é produtivo, isso ajuda o adolescente a refletir e a construir alternativas para um momento de crise eventualmente. Não é que seja proibido falar sobre o suicídio; a questão é o como falar. A gente precisa ser muito responsável com as consequências para os adolescentes. A maioria deles pode não ter problemas maiores, mas alguns que estejam mais vulneráveis, em momentos específicos, podem ter mais dificuldade.
Este ano, eu tenho feito muitos trabalhos na Secretaria de Educação daqui, do DF. Eles têm demandado muito. Eu sou da Secretaria de Saúde, e a Secretaria de Educação chamou, eu fui a um fórum de pedagogos, trabalhei com os gestores das escolas, porque a demanda tem aparecido muito lá, de forma muito intensa, com grupos, com demandas, com situações de risco, com adolescentes às vezes em situações muito graves e com os professores tendo que manejar isso na escola.
Então, no DF já tem sido feita essa parceria. A gente trabalha com capacitação e tem trabalhado a construção da rede, de até que ponto o professor pode atuar ou deve construir uma rede, um contato com a família, e fazer essa ligação com a Secretaria de Saúde, para tratar desses adolescentes também.
Então, acho que essas ações articuladas é que vão poder propiciar mais prevenção.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Muito obrigado, Sr. Antonio, Fernanda, Carlos, André - falo em nome de todos os Senadores.
Antes de encerrar, eu quero registrar a presença do Sinval Silva, lá de Porto Seguro, que me mandou este bilhete aqui. Obrigado por estar aqui, participando com a gente deste momento tão importante.
Havendo quórum regimental, voto em globo os requerimentos que estão comigo.
Os Senadores que os aprovam permaneçam como estão. (Pausa.)
Estão aprovados.
Esses requerimentos são extrapauta a esta audiência pública, excluindo tão somente o nome do Sr. Rogers Elizandro Jarbas de um requerimento do Senador José Medeiros. O restante está aprovado.
Eu agradeço muito e gostaria de continuar contando com vocês ao longo desta CPI e à disposição para prepararmos esse material. Acho que, a mim, de uma forma muito pessoal, acrescentou muito. Também sou um homem muito demandado País afora para palestrar sobre essas questões que envolvem criança e sou muito grato mesmo. Falo em nome do Senado da República - penso que esta é a única Comissão funcionando neste momento -, falo em nome desta Comissão e em nome da assessoria, a que também sou muito grato pela preparação da audiência pública.
Muito obrigado a todos.
Minha vó dizia o seguinte, Dona Martinha, mãe de minha mãe: "Meu filho, a alegria vem das tripas. Quando você vê o povo com cara triste, você pode saber que é fome." Então, eu percebo que, a esta altura, todo mundo está de cara triste, porque a alegria vem das tripas.
Em nome de Deus, está encerrada esta audiência pública.
(Iniciada às 10 horas e 29 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 58 minutos.)