Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia a todos e a todas. Declaro aberta a 7ª Reunião da Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 137, de 2017 - CDH, de nossa autoria, para debater o tema "Formas inaceitáveis de trabalho (trabalho escravo, trabalho infantil, trabalho indigno, trabalho intermitente e outras) ". Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que têm interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, linking www.senado.leg.br/ecidadania) e do Alô Senado, pelo número 0800 61 22 11. Antes de iniciarmos, quero informá-los de que, em função da relevância e qualidade dos debates realizados nas audiências públicas desta subcomissão, as palestras serão organizadas para publicação ao final de cada semestre, com base nas notas produzidas pelo serviço de taquigrafia do Senado, que desde já ficam solicitadas, conforme encaminhamento aprovado em reunião anterior. Teremos duas Mesas. Vamos à primeira Mesa: Ministro Lélio Bentes Corrêa O Ministro Lélio Bentes Corrêa é Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). (Palmas.) É uma satisfação recebê-lo aqui, Ministro. Convidamos também Ronaldo José de Lira, Procurador do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho. (Palmas.) |
| R | Convidamos Noemia Aparecida Garcia Porto, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). (Palmas.) Convidamos Renato Bignami, Auditor Fiscal do Trabalho, membro do GT sobre Reforma Trabalhista do Sinait, Mestre em Direito do Trabalho na USP e Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de Madri. (Palmas.) Essa é a primeira Mesa. Teremos, depois, uma segunda Mesa com Katleen Marla Pires de Lima, Auditora Fiscal do Trabalho e Coordenadora do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Goiás e membro do GT sobre Reforma Trabalhista do Sinait; Marinalva Cardoso Dantas, Chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho; e Jorge Luiz Souto Maior, Juiz do Trabalho. Eu tinha aqui toda uma introdução, mas, como atrasei, eu é que vou perder. Então, a minha introdução fica fora. O pessoal sempre faz uma pequena introdução, porque nós estamos ao vivo para todo o Brasil pela Agência Senado, pela TV Senado, pela Rádio Senado, enfim, por todo o sistema de comunicação da Casa. E eu faço uma abertura, preparada pela assessoria da Mesa, para situar todos sobre os temas que vamos debater. Enfim, esta audiência pública de hoje é das mais relevantes desta Comissão, que tem por objetivo construir a proposta do Estatuto do Trabalho ou, como alguns dizem, uma verdadeira consolidação das leis trabalhistas, as leis do mundo do trabalho, já que, na verdade, o que surgiu aqui no Congresso e que foi aprovado e sancionado eu considero o estatuto do empregador, ficando muito longe daquilo que sonhavam e sonham empregados e empregadores. Sendo assim, temos a obrigação de discutir esse tema tão delicado como o trabalho escravo - estou simplificando aqui. Com relação ao trabalho escravo, por exemplo, segundo dados do Ministério do Trabalho, nos últimos 20 anos, cerca de 50 mil trabalhadores e trabalhadoras em situação análoga à da escravidão foram resgatados, o que significa, na verdade, que um número muito maior de pessoas permanece ainda nessas condições desumanas. De fato, de acordo com estimativa divulgada por organizações não governamentais neste País, há mais de 150 mil trabalhadores em situação análoga à de escravo. Já no que se fala sobre trabalho infantil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apura que o número de trabalhadores precoce equivale a 5% da população que tem idade entre 5 e 17 anos no Brasil. Trata-se de um exército de crianças e adolescentes de quase 3 milhões de pessoas - quase 3 milhões de pessoas - que são exploradas em jornadas exaustivas diante de semáforos, por exemplo, nos lixões, em feiras, no campo, em indústrias ou dentro de casa e para as quais o direito à educação e à infância é negado. |
| R | O mais alarmante é que desde 2013, ainda conforme dados do IBGE, temos registrado o aumento nos casos de trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos. Em 2015, ano no qual foi publicada a última pesquisa do instituto, quase 80 mil crianças, nessa faixa etária, estavam trabalhando. Quase 80 mil crianças trabalhando no regime de semiescravidão, a maioria dos quais vivendo em áreas rurais, nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil. Faço questão de repetir esse dado, falando de criança, de 5 a 9 anos, gravíssimo. É bom lembrar que o Brasil não cumpriu o compromisso que assumiu com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2016. Na minha avaliação, piorou com essa reforma. Ao invés de erradicar, com essa reforma teremos situações gravíssimas. Do ponto de vista da rentabilidade econômica, lidamos com uma situação de exploração laboral pior do que aquela que conhecemos na nossa triste história da escravidão. Hoje nós chamamos a escravidão moderna. Segundo o economista e professor da Universidade de Harvard, Sr. Siddharth Kara, há 30 vezes mais lucratividade do que a escravidão praticada no século XVIII e XIX. Segundo esse economista e professor, o lucro total auferido pelo mercado infame atinge a cifra anual de US$150 bilhões, dos quais cerca de 50% provêm da exploração sexual e exploração de trabalho escravo, inclusive de mulheres e crianças. Nenhum de nós, por evidente, jamais defenderá essa forma degradante de trabalho e, por isso, condenamos aqui veementemente. Entretanto, na medida em que flexibilizarmos ainda mais normas protetivas nas relações de trabalho, corremos o risco de anuir com as novas formas de escravidão moderna. Não podemos, portanto, cair nessa armadilha que nos avizinha. Essa subcomissão não teria sentido de ser se, ao final, produzisse um texto que não preservasse a dignidade do trabalhador, ou seja, que combatesse todas as formas de trabalho escravo. Portanto, tenho a convicção de que o Senado Federal, aqui representado pelos membros dessa subcomissão, e os nossos nobres convidados e convidadas não permitirão nenhum retrocesso normativo na afirmação da dignidade do trabalhador brasileiro. Pronto, com a tolerância dos senhores, fizemos a introdução. Até quero cumprimentar o trabalho da equipe, com os dados que foram aqui colocados. Então, de imediato, para tratar desse tema, eu passo a palavra para o Ministro Lélio Bentes Corrêa, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O normal aqui, só para situar, é dez minutos com mais cinco; mas eu sempre... Quando os convidados entendem, nós damos vinte minutos para cada um, em resumo. O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - O.k., Senador. Muito obrigado, Senador Paulo Paim, a quem cumprimento pela importante iniciativa de constituir esta Comissão, que põe a discussão do direito do trabalho no Poder Legislativo, no rumo certo. Cumprimento também os ilustres companheiros de Mesa, na pessoa da Drª Noêmia Aparecida, Dr. Ronaldo Lira, Dr. Renato Bignami; é uma honra compartilhar esse espaço com V. Exªs. Cumprimento também todos e todas aqui presentes. |
| R | Sobre a formação da Comissão, Presidente, eu me recordo de uma passagem muito interessante da história da Índia: quando Nehru foi escolhido o primeiro líder da Índia independente e, imediatamente, procurou o seu mentor, Mahatma Gandhi, para pedir orientação sobre o que deveria fazer para se tornar um líder amado pelo povo, democrático. E a resposta de Gandhi foi lapidary, entrou para os anais da história como a fábula, o ensinamento do talismã Gandhi. Gandhi disse a Nehru: "Eu vou lhe dar um talismã. Todas as vezes que você tiver que tomar uma decisão importante, pare, pense na figura do homem mais desvalido que você tenha conhecido na vida e se pergunte: essa decisão que vou tomar vai afetar a vida dessa pessoa? (Palmas.) O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - Vai, de alguma forma, melhorar a sua condição, resgatar a sua dignidade?" E concluiu Gandhi: "Aí, ao se fazer essa pergunta, você perceberá que as suas dúvidas e o seu ego vão se desfazer por completo." Então, Presidente, esta Comissão atinge justamente essa finalidade de superar qualquer questão de ego, qualquer questão político-partidária para se preocupar com quem realmente interessa, que são esses trabalhadores e essas trabalhadoras a que V. Exª acabou de se referir, que se encontram trabalhando abaixo do limite da dignidade humana, trabalhadores para quem não existe limitação de jornada, não existe intervalo intrajornada, não existe descanso, não existe moradia nem condições de vida adequadas, pessoas que compartilham seu espaço de vivência com animais, que bebem daquela água pútrida utilizada para irrigar as plantações ou até para alimentação dos animais, que se banham na mesma água que consomem. Então, esse, me parece, é o rumo correto e o tratamento adequado a se emprestar a uma legislação que diz respeito a tema tão sensível para a sociedade brasileira, uma discussão ampla, aberta, franca, acompanhada pela sociedade brasileira pela TV Senado, para que possamos, enfim, pensar em soluções que realmente consultem os interesses de um país que se quer desenvolvido. Como V. Exª bem ressaltou, o trabalho escravo, Presidente, é uma chaga que, em pleno século XXI, segundo estimativas da OIT, atinge 40 milhões de pessoas no mundo, gerando lucros - também já foi referido - da ordem de US$150 bilhões por ano, o que faz dessa atividade a segunda atividade ilícita mais rentável do Planeta, apenas atrás do tráfico de drogas. Então, são US$150 bilhões de lucro ilícito à custa do sangue, à custa da vida de trabalhadores desprotegidos. |
| R | O Brasil ainda é lembrado, de um modo geral, Presidente, na esfera internacional, como um país que desenvolve ações exemplares, e até provendo outros países com boas práticas que se recomenda venham a ser seguidas. De fato, a evolução do combate ao trabalho infantil do início da década de 1990 até o começo do século XXI foi celebrada em vários relatórios internacionais da OIT, da Organização das Nações Unidas, como a demonstração de um compromisso efetivo com a promoção dos direitos humanos. Nós vimos, nesse período a que me referi, o surgimento dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, que resolviam um problema - aqui me permita, Senador, já fazer uma sugestão de tema para debate na Comissão - resolviam o problema da natureza política da indicação dos cargos, dos então delegados regionais do trabalho, hoje superintendes. Havia uma dificuldade muito grande de contornar a intervenção, que, muitas vezes, comprometia, frustrava o objetivo da fiscalização. A partir daí, então, a Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho constituiu grupos especializados. Nós temos aqui a presença da Drª Marinalva, uma das célebres e corajosas integrantes desses grupos móveis, que passaram a atuar sob a coordenação de Brasília. Então, não havia o risco até de um vazamento de informação ou a necessidade... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Permita que eu diga só... O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - Pois não, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me comunicar a presença da Marinalva. Posso, Marinalva, chamar direto assim de Marinalva? (Risos.) Mas de forma muito elogiosa. Fizemos uma entrevista juntos, e eu fiquei sabendo, ali, que ela teve a sua história contada no livro A dama da liberdade. (Palmas.) O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - A Drª Marinalva merece, Senador, o nosso aplauso e o nosso reconhecimento pelo seu compromisso com a luta pela promoção dos direitos humanos, tanto contra o trabalho escravo como também contra o trabalho infantil. Então, Senador, o grupo móvel veio como uma grande novidade e com um impacto excelente no combate ao trabalho escravo, e foi multiplicado e fortalecido. E é interessante notar que o Brasil, quando celebra o acordo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso Zé Pereira, compromete-se expressamente a fortalecer o Ministério Público do Trabalho e os grupos móveis de fiscalização, diante do que causa perplexidade a situação que hoje nós vivemos de redução do número de grupos móveis e esvaziamento orçamentário da fiscalização do trabalho. Há aqui uma situação preocupante, inclusive sob a ótica do compromisso judicial assumido perante a Comissão Interamericana. É necessário que se tenha muito clara a gravidade desse compromisso, a seriedade desse compromisso assumido perante a Organização dos Estados Americanos. (Palmas.) |
| R | Eu dizia que o grupo móvel foi efetivamente uma novidade importante, elogiada pelos organismos internacionais, assim como as ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho a partir dos relatórios produzidos pelo grupo móvel de fiscalização, que trouxeram consequências econômicas gravosas para aquelas pessoas que exploravam o trabalho escravo. As multas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, o valor é efetivamente muito reduzido diante da gravidade do impacto social da infração cometida por esses supostos empresários, mas que na verdade estão muito mais na cena do crime do que da atividade empresarial. Então essas ações civis públicas cobrando dos infratores a sua responsabilidade por danos morais coletivos trouxe ao Judiciário do Trabalho a oportunidade de impor sanções efetivamente dissuasivas, desencorajadoras e cumpriram assim, vêm cumprindo assim um papel pedagógico no sentido de demonstrar que o trabalho escravo não pode ficar impune, não é? De fato, a impunidade é o alimento de que se nutre a recalcitrância. Então nós vimos essas medidas caminhando e trazendo consequências bastante importantes no combate ao trabalho escravo. Mais recentemente foram desenvolvidas ações de apoio às vítimas de trabalho escravo. A experiência inicial... (Soa a campainha.) O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - ...se deu no... Desculpe, já excedi meu tempo, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bem no tempo ainda. É que a campainha é automática. Quando dá dez, ela toca, depois dou mais cinco e depois mais cinco. O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - Então está bem, está bem. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem mais dez minutos ainda. O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - Está bem, Senador. Está bem, Senador, obrigado. Então, no Mato Grosso se iniciou uma experiência piloto, que agora se busca expandir para todo o Brasil, de assistência às vítimas do trabalho escravo. Primeiro, assegurando a elas o seguro-desemprego, para que tenham condições de uma manutenção inicial própria e de suas famílias. Segundo, com a expedição de documentos. Muitos desses trabalhadores, Senadores, ou não têm documentos, ou têm seus documentos apreendidos pelo empregador. E sem isso fica difícil até ter acesso às políticas sociais colocadas à disposição daqueles que necessitam. A terceira linha de atuação de assistência às vítimas: educação para jovens e adultos. Ou seja, busca-se dar a esses trabalhadores, que, muitos deles, foram vítimas de trabalho infantil e não tiveram uma formação educacional adequada, busca-se garantir a eles a condição necessária para ter acesso ao mercado de trabalho formal. E aí, à educação de jovens e adultos, seguem-se os cursos de formação profissional. Então, com essas medidas se busca dar ao trabalhador, assegurar ao trabalhador acesso a uma condição digna de existência, melhorando suas chances de acesso ao mercado de trabalho formal, e sobretudo, prevenindo que se tornem vítimas novamente de outros escravagistas que venham a explorar, a oferecer falsas oportunidades de trabalho. Ora, Presidente, tudo isso somado às iniciativas legislativas deste Congresso Nacional que, de um lado, aperfeiçoam o art. 149 do Código Penal para inserir as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva, permitindo assim, com o tipo penal mais aberto, a efetiva repressão ao trabalho escravo e também com a aprovação da emenda constitucional que autorizou a expropriação das propriedades rurais e urbanas onde se encontrar trabalho escravo, tudo isso deu grande visibilidade, vamos dizer assim, ao nosso País no cenário internacional, que se encontrava, então, no rumo certo, muito bem aparelhado para dar combate ao trabalho escravo. |
| R | E aí, Presidente, começam eu não diria as decepções, mas as preocupações, porque nós sabemos de iniciativas no sentido de, a pretexto de regulamentar o dispositivo constitucional, propor a revisão do conceito de trabalho escravo. Isso seria, Presidente, deletério, trágico para o combate ao trabalho escravo, inclusive na esfera judicial. Nós temos visto, Senador, contrariamente ao que vem sendo disseminado em algumas conversas aqui no Poder Legislativo, fiz um levantamento com o valioso apoio do Juiz Ronald Krüger, Juiz Federal do Espírito Santo, nós levantamos todas as decisões do TRF da 2ª Região sobre trabalho escravo, todas as condenações. Em nenhuma delas, Senador, em nenhuma delas havia apenas um elemento do tipo penal presente. Sempre se fazem presentes dois, três, quatro elementos conjugados. É a retenção de documentos com vigilância armada, com trabalho degradante; é a jornada exaustiva com o trabalho degradante, com o aliciamento de forma enganosa. Ou seja, sempre há uma conjugação de elementos conduzindo àquela situação. Então, a história que já ouvimos algumas vezes dizerem: "Ah, mas o auditor fiscal chegou e o empregador foi punido porque a espessura do colchão não era aquela prevista na norma regulamentar" é mentira, Senador, é mentira. Esses fatos não ocorrem - não ocorrem. Pelo menos na esfera judicial, o que nós temos são situações que vão muito, muito além da mera inobservância formal da legislação trabalhista. E o mais importante, Senador, é que essa experiência bem-sucedida a que me referi, ela teve, me parece, a culminância da sua repercussão internacional exatamente na aprovação pela OIT do Protocolo 29, que teve a participação efetiva e determinada do nosso convidado Renato Bignami. Quando se lê o Protocolo 29, percebe-se claramente que a sua inspiração é o modelo do combate ao trabalho escravo brasileiro. |
| R | E o que a comunidade internacional esperava era, primeiro, que esse modelo fosse mantido e aperfeiçoado; e, segundo, que o Brasil ratificasse o Protocolo 29. A OIT lançou a iniciativa 50 plus, esperando que até 2018 pelo menos 50 países ratifiquem o Protocolo, a Convenção 29, que atualiza aquela convenção, que é da década de 30, e insere elementos importantíssimos para o combate ao trabalho escravo nos dias de hoje, como, por exemplo, o combate ao tráfico de pessoas; a fixação, a condenação em danos morais; a assistência às vítimas; o acesso à Justiça, ou seja, tudo aquilo que nós vivenciamos aqui está consagrado no Protocolo, na Convenção 29. E, na verdade, eu devo dizer, a expectativa era que o Brasil tivesse sido o primeiro país a ratificar esse protocolo. Não foi. Honestamente, isso gera perplexidade na comunidade internacional, pergunta-se por que o Brasil até o momento ainda não ratificou. E temos por enquanto 20 países que efetivamente já ratificaram o protocolo. O primeiro deles, se não me engano, foi o Níger, mas temos também Reino Unido, Suécia, países de todos os níveis de desenvolvimento econômico, de todos os continentes do mundo. O Brasil, nesse sentido, Presidente, fica devendo à comunidade internacional. Mas é importante que, ao se pensar no combate ao trabalho escravo, tenha-se em mente a fidelidade aos compromissos assumidos internacionalmente pelo País, aquela imagem de um país de vanguarda no combate ao trabalho escravo. Eu devo dizer, Senador: ainda é a imagem que predomina no cenário internacional, mas os órgãos de monitoramento já começam a fazer questionamentos, já começam a perguntar por que a emenda constitucional ainda não está sendo efetivamente implementada, começam a perguntar por que um projeto de lei pretende rever o conceito de trabalho escravo. Ou seja, há que se avançar de forma mais comprometida no sentido do efetivo combate ao trabalho escravo, e, nesse sentido, Presidente, quer me parecer que para combater, para assegurar o combate tanto ao trabalho escravo quanto ao trabalho infantil, é necessário pensar, de lege ferenda, numa posição mais autônoma para a inspeção do trabalho. (Palmas.) A inspeção não pode ficar à mercê de elementos de natureza política, de conjuntura, a inspeção tem que ser... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - De orçamento. O SR. LÉLIO BENTES CORRÊA - Tem que ser um compromisso permanente, determinado e irreversível com a promoção da cidadania no ambiente de trabalho. Eu comentava com Renato Bignami... Estive recentemente no Peru, justamente no contexto de um projeto da OIT em que o Brasil ajuda a transferir know-how para aquele país no combate ao trabalho escravo, e lá a fiscalização do trabalho tem um instituto. |
| R | É verdade, não basta ter a pessoa jurídica autônoma; é necessário, como V. Exª acaba de ressaltar, que se assegure o devido orçamento, para que se tenha verdadeira autonomia. Então, Presidente, já encerrando a minha participação, agradeço imensamente essa oportunidade de estar aqui contribuindo para o debate. Quer me parecer que refletir sobre a necessidade desse compromisso permanente, devidamente executado por intermédio de instituições independentes autônomas e devidamente aparelhadas, mediante um orçamento que atenda às suas necessidades, é essencial para que tenhamos ao final a situação com que o Brasil efetivamente se comprometeu, inclusive no contexto dos objetivos do desenvolvimento sustentável. O Brasil expressamente advogou, na aprovação dos objetivos do desenvolvimento sustentável, a efetiva implementação do trabalho decente no País. Ora, se vamos falar em trabalho decente, vamos começar falando em um País livre do trabalho escravo, livre trabalho infantil e efetivamente comprometido com os direitos humanos. Muito obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cumprimento o Ministro Lélio Bentes Côrrea, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que faz uma exposição brilhante. Estamos muito contentes aqui com as nossas audiências da Comissão pela qualidade dos painelistas. E a sua fala aqui nos deixou muito felizes. E eu posso adiantar sobre a questão da regulamentação da PEC do trabalho escravo... Você iniciou falando da Índia, não é? Às vezes é até uma coincidência, porque eu vou terminar falando da Índia. Esteve aqui no Brasil, por uma promoção inclusive do Judiciário, o Prêmio Nobel da Índia, o Kailash. Para eu dizer o nome dele... Kailash eu ainda consigo. E foi uma promoção dos senhores e das senhoras, praticamente a maioria está aqui representada. E ele veio aqui e deu um depoimento emocionante, emocionante, emocionante. E depois ele foi até o Presidente do Senado; e depois ele foi aos Líderes. E ele conseguiu que eu pegasse a relatoria desse projeto que quer regulamentar o trabalho escravo. Ele fez o pedido, e eu me lembro de que eu estava em Alagoas, casa, mãe terra de Zumbi dos Palmares, líder do povo negro, quilombola. Eu estava lá presidindo uma sessão de debate exatamente de reforma trabalhista e previdenciária na Assembleia de Alagoas quando o Presidente aqui me liga e diz: "Olha, Paim, você foi indicado Relator do projeto de combate ao trabalho escravo." Estava com outro, mas, pela pressão, naturalmente, da sociedade, ele abriu mão e foi indicado para mim. E eu, lá na terra de Zumbi, já anunciei que o meu relatório estava pronto; só ia haver um artigo: o trabalho escravo a gente não regulamenta; a gente proíbe. Então, não votam porque não querem, mas o relatório está pronto para ser votado. E é nessa linha o relatório. É claro que a moçada toda ajudou a construir o relatório, mas, no fundo, o relatório só diz isto: é a garantia de que se cumpra a PEC e de que não se regulamente trabalho escravo. Muito obrigado, Ministro. |
| R | Agora vamos para o Sr. Ronaldo José de Lira, Procurador do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho (Coordinfância). É isso? O SR. RONALDO JOSÉ DE LIRA - É isso, Senador. Bom dia, Senador. Cumprimento o Senador Paulo Paim, o Ministro Lélio, a Drª Noemia Porto, o Auditor Renato Bignami, todos os presentes, todos os telespectadores desta TV Senado. Quero dizer que falar de trabalho infantil é uma coisa muita curiosa porque o trabalho infantil remonta à história da humanidade, assim como o trabalho escravo, e é uma questão cultural. Todos nós sabemos que historicamente os ofícios eram passados de pai para filho, desde a tenra idade. E isso aconteceu durante toda a história que nós conhecemos, mas, em especial - e aí que surge o grande problema do trabalho infantil -, foi a exploração do trabalho infantil na Revolução Industrial, quando as crianças foram levadas para as fábricas, a trabalhar com máquinas perigosas, com longas jornadas, ou seja, uma exploração muito desumana. E estamos nós aqui em pleno século XXI debatendo esse mesmo tema. É importante dizer que ainda existe uma grande parcela da sociedade que se recusa a acreditar e se recusa a debater esse tema por conta da sua invisibilidade. Há hoje, por exemplo, milhares de crianças sendo exploradas no ambiente doméstico que ninguém vê e ninguém denuncia, e é um problema muito grave. Eu costumo dizer que as prefeituras têm um papel muito importante em relação a isso, Senador, porque nós sabemos que há um déficit do número de vagas em creches muito grande no Brasil e isso proporciona a exploração do trabalho infantil. Nós vemos as crianças umas cuidando das outras, às vezes na própria casa, às vezes na casa dos vizinhos, mas infelizmente uma parcela da sociedade encara isso como um a questão normal. E nós temos debatido, há muitos anos, no âmbito do Ministério Público do Trabalho, com a Justiça, com o Ministério Público, os males do trabalho infantil. O trabalho infantil ainda é aceito culturalmente por conta daquela máxima de que é melhor trabalhar do que roubar, o que é uma grande mentira. Nós sabemos que o lugar da criança é na escola, o lugar da criança... (Palmas.) O lugar da criança seria inserida num processo educacional, com metodologia para que ela desenvolva atividades artísticas, atividades culturais, como música, como pintura, como balé, como esportes, e não sendo explorada precocemente. Nós vamos ter a vida inteira para trabalhar. Nós não precisamos explorar a mão de obra de uma criança com cinco anos de idade. Recentemente, nós tivemos estatísticas do aumento do número de crianças que são exploradas de cinco a nove anos, que são crianças que precisam de toda a assistência humana, psicológica, educacional. E ainda há crianças sendo exploradas dessa forma. Eu mesmo já encontrei crianças em lavouras, com diversas categorias de produção. Mas infelizmente ainda há uma certa conivência de alguns segmentos da sociedade - primeiramente, de quem emprega, de quem contrata, de quem permite uma criança ser explorada dessa forma. E a criança está inserida também no trabalho escravo, no narcotráfico. Infelizmente ela tem sido explorada na exploração sexual, nos setores mais perversos da nossa sociedade. |
| R | E falando em tudo isso, a grande pergunta que nós devemos nos fazer, quando olhamos para a Constituição da República, é: que sociedade nós queremos? Qual é a sociedade que está cunhada na nossa Carta Magna e qual a sociedade que nós temos praticado? Se nós queremos uma sociedade de verdadeiros cidadãos ou uma sociedade, como diz lá o italiano Domenico De Masi, de gado humano, em que as pessoas são exploradas de uma forma desumana e não podem exercer a sua cidadania em nenhum momento. E onde fica o princípio da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho? Ou seja, a Constituição da República elegeu o capitalismo, mas o capitalismo socioambiental. Então, para que as pessoas desenvolvam qualquer atividade, nós temos que voltar os olhos para um desenvolvimento sustentável do ponto de vista de meio ambiente, mas também do ponto de vista dos seres humanos. E é o que nós não temos visto no nosso dia a dia. Nós temos visto exploração do trabalho escravo e do trabalho infantil, de uma forma muito despercebida, nos nossos jornais; de uma forma muito despercebida, nos nossos periódicos. Eu tenho visto que os noticiários ultimamente só falam de dois assuntos, basicamente: a corrupção e a violência. Como se o Brasil sobrevivesse unicamente desses dois temas. E nós sabemos que, para que nós possamos enfrentar a violência, que nós possamos enfrentar a corrupção, nós temos que investir nas nossas crianças, em especial na educação. (Palmas.) Eu digo aqui - e é o nosso sonho no Ministério Público do Trabalho - que educação em período integral é fundamental para combater o trabalho infantil. Nós não vamos encontrar criança trabalhando se ela estiver na escola em período integral. E esse é um grande problema. O trabalho infantil causa evasão escolar. Isso é um problema grave, que nós já pontuamos em diversas oportunidades, assim como essa questão do período parcial. A criança fica de manhã na escola, e à tarde vai para o trabalho. Isso ocasiona um desconcertamento social de uma forma absurda, haja vista os temas de que eu já falei: as crianças vulgarmente conhecidas como aviõezinhos do narcotráfico ou as crianças que vão trabalhar no farol e que posteriormente são aliciadas para outros segmentos, como a exploração sexual, ou então ficam nas suas casas cuidando dos seus irmãos ou filhos de vizinho. Há pouco tempo, no Pará, não sei se todo mundo conhece essa publicação, foi feito um anúncio no jornal para adoção de uma babá, adoção de uma criança para ser babá. Ou seja, veja o estágio de civilidade em que nós estamos: um jornal permitir que uma pessoa publique que está adotando uma criança para cuidar de outra criança. Então, é uma coisa que nos mostra que o Brasil precisa evoluir muito, se nós efetivamente quisermos construir uma sociedade humanizada, se nós quisermos construir uma sociedade com pessoas que possam exercer a cidadania na sua plenitude. Ou seja, que possam ter o direito livre de pensar e ter a liberdade de votar em quem realmente elas querem, e não que sejam usadas, manipuladas por poderosos da nossa sociedade. Isso nós temos em diversos segmentos do poder econômico, infelizmente. Nós precisamos investir na educação. Hoje, infelizmente, ainda é um sonho distante a educação em período integral. Então, o que nós do Ministério Público temos feito, além do combate direto da exploração da criança e do adolescente? |
| R | Nós temos investido no projeto de aprendizagem, que é uma resposta importante para que consigamos inserir a criança num programa de educação, com metodologia e educação para o trabalho. Não é uma exploração de trabalho, é uma formação para o trabalho; é uma coisa completamente diferente. E nós temos a oportunidade de inserir as crianças a partir dos 14 anos. Os adolescentes, melhor dizendo. Isso tem acontecido de uma forma sistematizada no Brasil. Nós temos, em parceria com o Ministério do Trabalho, cobrado isso das empresas, porque é uma exigência legal que ainda não tem sido efetivamente cumprida por conta de algumas resistências, alguns embates jurídicos, mas que nós temos exercido de forma a eliminar, a erradicar o trabalho infantil. Nós temos experiências importantes nesse sentido. Temos até promovido debates em que participam as entidades que promovem aprendizagem, as empresas que contratam os aprendizes e os próprios aprendizes, para ouvi-los e saber que experiência nós temos colhido com essa prática. Eu posso afirmar, porque tenho participado de alguns fóruns de discussão, que as experiências são brilhantes. Nós temos experiências de adolescentes que foram contratados... (Soa a campainha.) O SR. RONALDO JOSÉ DE LIRA - ...como aprendizes, galgaram postos importantes em empresas, em multinacionais, e hoje exercem cargos de direção, por exemplo. É óbvio que isso não vai acontecer com todo mundo, mas é uma forma cidadã de inserir o adolescente no mercado de trabalho, para que ele não fique aí desassistido de nenhuma forma. Nós temos também investido e cobrado muito da administração pública com as políticas públicas. Tentamos aparelhar e apoiar os conselhos tutelares, os conselhos de assistência social, para que encontremos formas de eliminar o trabalho infantil, porque no passado a gente falava muito disso: "Nós vamos tirar uma criança do farol e amanhã ela vai voltar, porque na casa dela não tem uma assistência mínima de subsistência". E, diga-se de passagem, o Brasil voltou para o mapa da fome recentemente. Então, para que possamos construir alguns mecanismos de dignidade para as famílias, nós precisamos ter assistência social. Isso é fundamental. Ou seja, é uma engrenagem de que o Estado deve participar, com a sociedade civil, em conjunto com os organismos de Estado, como o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, e os ministérios públicos estaduais, para que todos nós possamos mirar... Ou seja, nós temos uma missão constitucional, nós temos uma missão importante que é a de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Mas nós não temos nos desincumbido dessa missão. Então, isso é importante para que todo cidadão, para que todo pai de família tenha noção dos males que causa o trabalho infantil. Essa é uma forma perversa de exploração humana e se nós almejarmos um futuro melhor para o nosso País, nós devemos investir na erradicação disso. Se almejarmos o combate à corrupção, precisamos investir em educação. Isso é fundamental! Devemos estruturar os órgãos de fiscalização. Essa é uma premissa básica. Se não tiver orçamento, não haverá uma fiscalização efetiva, não terá contratação de membros, não haverá aparelhamento estatal para fazer enfrentamento. Mas de uma forma geral nós devemos contar com a sensibilização da sociedade civil. É fundamental que a sociedade enxergue o mal que é o trabalho escravo e o trabalho infantil. |
| R | Então, como diz lá o Filósofo Norberto Bobbio, no seu livro A Era dos Direitos, nós precisamos encontrar mecanismos para efetivar os direitos. Direitos nós já temos, nós vivemos num país que tem uma legislação muito grande, uma legislação muito densa em todos os segmentos. O que nós não temos é a garantia e a efetivação desses direitos. Então, para que isso aconteça, é importante que nós tenhamos, além de uma legislação importante que efetivamente crie em um sistema de garantias, também como contar com o poder de fiscalização e de vigilância para que esse direito seja cumprido. Mas eu acho, Senador, que nós estamos vivendo um momento muito importante do Brasil, em que se diz, em que se fala muito em modernização da legislação trabalhista. E nós sabemos que isso é uma falácia muito grande. (Palmas.) Eu cumprimento V. Exª, que nós sabemos que é um defensor da categoria dos trabalhadores, que tem combatido essa legislação que está para entrar em vigor. Eu digo que nós temos muito que melhorar. A nossa tão atacada CLT, bem ou mal, garantiu a cidadania de muitos brasileiros. Nós ainda temos muito que melhorar. Eu digo, eu vejo isso pelo o nosso dia a dia. Quando uma criança sofre um acidente de trabalho, é mutilada, por exemplo, ou um adolescente, as garantias que nós temos, que oferecemos, são basicamente indenizatórias, não há uma política de inclusão social, de assistência social para ela e para sua família, o que seria fundamental. Nós vivemos hoje uma sociedade tecnológica e se nós não tivermos um adolescente com uma boa formação escolar, ele vai continuar sendo marginalizado, ele vai continuar sendo explorado num subemprego ou sendo alvo fácil do trabalho escravo. Então, nós, que muitas vezes aqui já resgatamos a mesma pessoa mais de uma vez na mesma situação, sabemos que isso aí é um vício em círculo. As pessoas saem de uma propriedade rural e meses depois são encontradas num outro estado de uma forma de exploração semelhante. Nós temos muita coisa para melhorar no Brasil. Só para resumir e tentar encerrar fala aqui, eu quero contar uma experiência que recentemente aconteceu no interior do Estado de São Paulo que uma colega me noticiou, um caso muito triste, Senador, mas, ao mesmo tempo, é um caso que nos traz uma motivação muito grande no nosso trabalho. É um caso em que de uma família o pai e a mãe estavam presos - estão presos - e o filho estava na Fundação Casa. Ou seja, isso acontece em diversos cantos do País, mas tem uma questão diferente esse caso e aí que é o importante da experiência. Nós temos um projeto da aprendizagem socioeducativa, em que nós temos trabalhado com esses adolescentes. Esse adolescente, em especial, que está na Fundação Casa, que está sendo inserido num projeto de aprendizagem, narrou para a nossa colega: "Eu quero provar para o meu pai e para a minha mãe que existe um outro caminho." Ou seja, vejam a perspectiva de um adolescente que tem um lar destruído, em que o pai e a mãe estão presos e ele estava na Fundação Casa, de poder vislumbrar um futuro melhor através da aprendizagem, ou seja, da educação e do trabalho. (Palmas.) |
| R | Então, nós sabemos que o Brasil tem saída, nós temos instrumentos importantes para isso, mas efetivamente nós precisamos nos movimentar, nós precisamos sair às ruas e cobrar de todo mundo, das autoridades, de todos os poderes, que nós tenhamos uma Constituição Federal que seja plenamente respeitada, que não se resuma a um livro guardado em alguma prateleira de uma estante. Nós precisamos exigir que o Brasil trate os seus brasileiros com respeito e dignidade. Essa é uma questão básica. E não é só uma questão nacional interna, é uma questão que remonta desde o Tratado de Versalhes, de 1919, em que todos os países naquele momento convergiram para uma legislação básica, uma legislação mínima que seja garantidora dos direitos sociais mínimos de subsistência. Era essa, Senador, a minha contribuição. Agradeço a todos os senhores a paciência de me ouvir. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sr. Ronaldo José de Lira, Procurador do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho. Parabéns pela sua fala. E permita-me um minutinho só. Você falou muito do ensino profissional, do ensino técnico. Eu sempre dou o meu exemplo como um dos milhares e milhares de meninos, digamos, pobres que conseguiram sair daquela situação graças ao ensino técnico. Eu, até os 12, 13 anos, vendia produtos na feira livre em Porto Alegre, e meus pais moravam em Caxias, éramos 10 irmãos, mas eu tinha que fazer aquilo, era questão de sobrevivência. E calculem o dia em que o meu pai chegou - já faleceu, a mãe também já faleceu - a casa e disse: "Olha, Renato - meu nome é Paulo Renato -, você vai poder voltar para casa porque você passou para o curso técnico." Calculem a minha alegria. Eu o abracei e voltei para casa. Aí fui para o curso técnico, de manhã eram as oficinas, em Caxias do Sul, e à tarde era sala de aula, em tempo integral. E saí de uma situação, digamos, de pobreza absoluta, como vocês todos relataram, e cheguei aqui. Quer dizer, mal ou bem é um espaço. Mas parabéns a todos. Vamos em frente. Por favor, a Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Drª Noemia Aparecida Garcia Porto. A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - Bom dia a todos e a todas. Bom dia, Senador Pai; integrantes da Mesa, amigo Ministro Lélio Bentes. Eu gostaria de cumprimentar os integrantes da Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que tem feito, sem dúvida nenhuma, um trabalho de peso, um trabalho técnico, um estudo muito profundo sobre aquelas que seriam as necessidades para o mundo do trabalho efetivamente protegido. Quando se refere ao trabalho infantil, mais especificamente para um dos temas que nos cabe nessa Mesa, surgem questões relevantíssimas que foram levantadas aqui. Uma delas as estatísticas que continuam revelando essa dificuldade do combate desse tipo de exploração. E também são referidas, porque são extremamente pertinentes, aquelas que são as questões das maiores formas de exploração do trabalho infantil, combinado, por exemplo, com o trabalho infantil doméstico. Eu acho que a gente poderia inclusive avançar para pensar na perversidade que está contida na combinação entre trabalho escravo e trabalho infantil. |
| R | Mas, aí, Senador, membros da Mesa, integrantes aqui da plateia e os ouvintes que estão acompanhando a TV Senado, a Anamatra gostaria de utilizar essa oportunidade da audiência pública para conferir visibilidade a um tema que está sempre conectado com esse desafio de proteger integralmente e efetivamente crianças e adolescentes. Aqui eu me refiro ao trabalho infantil artístico. Falo desse tipo de trabalho porque, em algumas audiências públicas que aconteceram e acontecem no Senado Federal, nem sempre a Anamatra tem tido a oportunidade de trazer o acúmulo de debate que já há sobre a questão do trabalho infantil artístico. Aqui se trata da possibilidade - eu acho que sem prejuízo de a Anamatra aderir completamente às falas anteriores, mas de fazer referência ao Projeto de Lei do Senado 231, de 2015, em relação ao qual inclusive a Anamatra já apresentou nota técnica, porque esse projeto pretende estabelecer um marco regulatório para o trabalho infantil artístico no Brasil, e o trabalho infantil artístico faz parte da exceção à regra de proibição do trabalho infantil. Daí surge a grande questão de como essa exceção se constrói para não se transformar, dentro de um ambiente pretensamente glamouroso, numa possibilidade, sim, de exploração das crianças e dos adolescentes no Brasil. O trabalho infantil artístico, de certa maneira, é admitido na Convenção nº 138 da OIT, mas que permite essa atividade desde que devidamente autorizada pela autoridade que seja competente. No Brasil, essa autoridade tem sido, até aqui, os magistrados, a autorização judicial via alvará, em que se procura fixar as garantias para o desenvolvimento de um trabalho protegido, um trabalho consentâneo com o princípio da proteção integral. Essa é uma questão interessante, na medida em que, fora os alvarás judiciais, até o momento, o Brasil não conta com o marco regulatório legislativo, salvo evidentemente essas autorizações, para que, ao mesmo tempo, se permita a atividade como manifestação artística relevante, mas, ainda assim, que o seu desenvolvimento ocorra em condições de segurança e de proteção. Isso é importante nesse momento em que se pretende discutir um Código de Trabalho. Fica a sugestão da Anamatra para que esse tema se incorpore ao Código do Trabalho como marco regulatório importante com o primado da proteção às crianças e aos adolescentes. (Palmas.) O trabalho infantil artístico, ainda que não seja emprego propriamente dito, é trabalho. E uma das grandes confusões que se percebe hoje em dia é a tentativa de fazer do trabalho infantil artístico um não trabalho, e, na ideia do não trabalho, ele não seria protegido. É como se pais e responsáveis passassem a ser os donos exclusivamente das crianças. E, na verdade, crianças e adolescentes não pertencem aos seus pais ou responsáveis; eles são sujeitos de direito e sujeitos cidadãos de direito. O trabalho infantil artístico, aliás, para que seja desenvolvido, exige treinamento, dedicação, disciplina e sacrifícios, que, muitas vezes, passam totalmente despercebidos pela maioria das pessoas que apreciam a arte, mas já como resultado desse esforço. E, no trabalho artístico de crianças, também ocorre, em maior grau, a sujeição, a suscetibilidade desses seres que são frágeis e estão em estágio de desenvolvimento ao cansaço, à irritabilidade com maior facilidade. |
| R | Esse convívio com o mundo adulto e a sujeição às regras próprias do ambiente trazem várias influências àquela infância, e uma dessas influências e consequência é justamente o amadurecimento precoce de crianças e adolescentes no meio artístico. Na realidade, diferentemente das manifestações artísticas livres - vale dizer nos centros culturais, nas escolas, dentro do processo de aprendizagem ou de outros ambientes similares -, o trabalho infantil artístico é trabalho e tem impacto na vida das crianças e dos adolescentes, impactos esses que não podem ser considerados apenas sob o ponto de vista positivo. Uma das grandes questões que dificulta uma melhor proteção desses jovens é a tese que se procura desenvolver de se desconsiderar o trabalho infantil artístico como trabalho, ainda que ele não seja trabalho empregado. Na realidade, as autorizações judiciais somente são providenciadas - e esse é um dado importante quando se observa a experiência atual do Poder Judiciário - nas grandes produções e para crianças e adolescentes que têm um papel fixo, como personagens de novela, filmes ou peças de teatro e musicais. Na atuação de figurantes em qualquer produção - cinema, televisão, teatro - ou em participação no mercado publicitário - fotos e vídeos com exposição dessas crianças -, normalmente essas autorizações sequer são pedidas e, portanto, elas sequer são concedidas. Há, nesse sentido, uma invisibilidade para o trabalho infantil artístico, o que é pior em se considerando as famílias mais pobres. Na prática, crianças e adolescentes são extensamente arregimentados para essa modalidade de trabalho. A questão se entrelaça, portanto, com a omissão estrutural do Poder Público do Estado brasileiro, o que conduz à problemática da ausência de Estado com um elemento que é indutor de violência. De fato, é difícil atestar a eficiência do Estado para situações que podem ser chamadas de exploração, mas elas são uma exploração que a gente chama de socialmente diluída e que muitas vezes conta com o deslumbramento e com a cumplicidade dos próprios pais e responsáveis, notadamente os pais ou responsáveis por crianças mais pobres que veem na situação do trabalho infantil artístico quase que uma saída extraordinária para a pobreza, quando isso nem sempre acontece. Os pais ou responsáveis não possuem acúmulo de conhecimento necessário a fim de analisarem se o ambiente de trabalho é propício à criança e ao adolescente. Isso pode deixar a família vulnerável, permitindo quaisquer condições de trabalho que sejam impostas naquele momento por aquele mecanismo, por aquele veículo de comunicação, aquele veículo de mídia, ainda mais, volto a dizer e repito, no caso das famílias mais pobres. São, aliás, conhecidos os casos dos gêmeos que são alternados para que aquela carga horária imensa de treinamento e de filmagens possa ser cumprida a contento. Esse dado é relevante porque, voltando ao projeto de lei, ao PLS 231, a proposta legislativa que tramita nesta Casa praticamente atribui aos pais ou responsáveis o poder absoluto de autorizar, com maior ou menor abrangência e com grande ausência estatal, a situação de exploração. Como o Brasil não tem marco regulatório nesse tema, o PLS é, sem dúvida, salutar como uma possibilidade de marco regulatório, mas extremamente preocupante quando esse marco regulatório pretende uma ausência estatal e uma presença de autorização apenas de pais e de responsáveis, numa consideração de que o trabalho infantil artístico não seria trabalho; seria uma mera manifestação artística ou cultural. Seria, nesse cenário, interessante nós lançarmos olhares para a experiência estrangeira, para a experiência que vem de fora, não porque sejam as melhores experiências, mas apenas para que possamos notar que em outros países a experiência acumulada já demonstrou que o trabalho infantil artístico é efetivamente trabalho. |
| R | Um desses casos, por exemplo, vem de Portugal, onde o trabalho infantil é regido por um código de trabalho, o de nº 7, de 12 de fevereiro de 2009, que, aliás, prevê expressamente, no seu art. 3º, que só será permitido o trabalho infantil a partir dos 16 anos completos, exceto se a criança ou o adolescente tiver finalizado os estudos ou estiver matriculado e frequentando o nível secundário e se o trabalho que vai desenvolver seja considerado um trabalho leve. No Brasil, no caso do trabalho infantil artístico, não há uma idade limite, basta a autorização do juiz, por ser uma atividade que se considera excepcional, e que a criança ou o adolescente esteja matriculado na escola e que o trabalho não lhe seja prejudicial. A legislação portuguesa estabelece faixas etárias e tem uma preocupação com o sistema de proteção contra perigos morais e físicos para crianças e adolescentes. Lá se admite no emprego somente as crianças e os adolescentes que se encontrem física e psiquicamente preparados para essa finalidade. Já o empregador tem a obrigação de proporcionar condições adequadas de trabalho à idade do adolescente, tendo o cuidado de prevenir danos resultantes da falta de experiência ou da inconsciência que o trabalhador criança ou o trabalhador adolescente, mesmo no meio artístico, tenha em relação a riscos existentes ou potenciais. O trabalho infantil por lá, a propósito, independentemente de ser artístico ou não, que for exercido por adolescentes abaixo de 16 anos é punido pela lei penal. Esse rigor, que representa a compreensão quanto à gravidade do trabalho infantil no impacto de uma sociedade, ainda está longe de ser considerado no Brasil e, talvez, uma grande oportunidade seja um futuro código do trabalho. Ainda em comparação com o sistema português, nota-se que, no Brasil, não necessariamente se contempla nos alvarás judiciais a limitação de jornada, não se contempla o horário de descanso no caso do trabalho infantil artístico. Em Portugal, essas atividades, aliás, estão sujeitas a autorização da Comissão de Proteção de Crianças e Adolescentes na área de residência usual daquela criança ou daquele adolescente. Essa autorização, aliás, por lá caduca, tem termo final, não existe uma autorização indefinida ou por prazo indeterminado. No Brasil, essa caducidade não está prevista ou contemplada no possível marco regulatório do PLS 231, o qual ainda não apresenta nenhuma preocupação quanto à instituição de órgão responsável pela fiscalização de eventuais excessos que se cometam no caso do trabalho infantil e artístico. Na Califórnia, um outro exemplo, onde está situada Hollywood, há uma lei específica para o trabalho infantil artístico, conhecida como Coogan Act ou Coogan. A lei resultou da experiência do ator conhecido como Jackie Coogan, que foi descoberto em 1919 por Charles Chaplin, e logo depois ele lançou um filme famoso. |
| R | Quando esse ator já chegava aos 21 anos de idade, portanto no auge, ainda na juventude, mas com uma queda na produção artística, notou que a ele, pessoa física, quase nada tinha sobrado dos rendimentos do seu longo período de trabalho, que começou em tenra idade. Coogan teve que processar a mãe e o seu ex-gerente por seus ganhos. É certo que talvez aqui, na lei da Califórnia que trata sobre os ganhos da criança, exija-se uma excessiva concentração de esforços centrada na preservação dos ganhos da criança e do adolescente, mas certamente concentrar em ganhos da criança e do adolescente não é um aspecto desprezível. No Brasil, como contraponto, nenhuma preocupação como essa permeia nem a atual realidade nem o marco regulatório do PLS 231, que caminha nesta Casa. Em 1º de janeiro de 2000, mudanças na lei da Califórnia atuaram no sentido de que os ganhos na indústria de entretenimento são de propriedade das crianças e dos adolescentes e não dos seus pais. Na Califórnia, também na atual lei de 2000, Child Labour Laws, que disciplina o trabalho de crianças e adolescentes na indústria do entretenimento e em outros setores da economia, definiu... (Soa a campainha.) A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - ... dentre outros aspectos, os limites de jornada e os limites de exposição dessas crianças. Assim, eu poderia seguir talvez com um elenco imenso de exemplos estrangeiros que consideram o trabalho infantil artístico como trabalho; que crianças e adolescentes devem ser destinatários da proteção estatal em temas como jornada, suporte e análise psicológica e física, resguardo dos seus ganhos, existência e prestígio aos órgãos de fiscalização. Essa é a experiência estrangeira. Essa ainda não é a experiência brasileira. Assim, nem de longe se imagina que apenas a análise de pais ou de responsáveis e a presença escolar possam definir suficientemente patamares de proteção no caso do TIA (Trabalho Infantil Artístico). Embora ainda uma parte da sociedade brasileira visualize essas atividades como mero divertimento da criança e do adolescente, como se fosse apenas mais uma brincadeira para eles, em outros países a prática e a experiência já demonstraram que a questão vai para muito além do mero divertimento. Nessa futura regulamentação no Brasil, que a Anamatra espera seja incorporada no debate do futuro novo Código do Trabalho, é importante que se dê atenção à jornada máxima de trabalho da criança e do adolescente em atividade artística. A autorização judicial não pode ser simplesmente retirada e deve contemplar questões mínimas que merecem regulação, como duração da jornada, as condições ambientais, horário em que o trabalho pode ser exercido pela criança ou adolescente e outras questões relacionadas ao trabalho que estejam presentes no caso concreto, sempre com a manifestação do Ministério Público do Trabalho, que deve atuar como fiscal da lei para evitar eventuais irregularidades e eventuais excessos na exploração da criança ou do adolescente. Deve-se analisar também - é esta a proposta da Anamatra -, em uma futura regulamentação, a imprescindibilidade de que exista um contrato formal entre crianças e adolescentes para evitar essa forma de contratação informal para algumas hipóteses, e não apenas em postos fixos. Há necessidade de prévia autorização de representantes legais e concessão de alvará para cada novo trabalho que a criança desenvolver, com caducidade para todas as autorizações anteriores. A criança não pode se tornar uma propriedade do meio jornalístico, da TV, do jornal ou da publicidade. |
| R | Impossibilidade de trabalho em caso de prejuízo ao desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente, devidamente aferido em laudo médico-psicológico; indicação e comprovação de matrícula, frequência e bom aproveitamento escolar; compatibilidade entre horário escolar e atividade de trabalho, resguardados os direitos de repouso, lazer, alimentação, dentre outros; assistência médica, odontológica e psicológica; proibição de labor a menores de 18 anos em lugares e serviços perigosos, noturnos, insalubres, penosos, prejudiciais à moralidade, em lugares e horários que inviabilizem ou dificultem a presença na escola; o depósito em caderneta de poupança ou outro meio similar de percentual mínimo incidente sobre a remuneração devida em favor da criança e do adolescente; jornada e carga horária semanal máxima e intervalos de descanso e alimentação; acompanhamento pelo responsável ou pelo tutor do artista a quem o apresente durante a prestação de serviços. A presença dos pais, eu não tenho dúvida, é importante, pois traz conforto e segurança às crianças e aos adolescentes. Nem todos os pais têm condições de acompanhamento. Aquele que pretende explorar esse trabalho infantil artístico tem de propiciar condições de permanência dos pais ou responsáveis durante essa manifestação artística. Além disso, é uma oportunidade para que se avalie criteriosamente se a criança está em risco. Por todas essas razões, a inspeção do trabalho infantil deve ser reforçada e alargada pelo Brasil, ao contrário do atual desprestígio de que os auditores-fiscais do trabalho sofrem reiteradamente na política brasileira. (Palmas.) É por isso que, conclusivamente, se considera que, mesmo em atividades supostamente glamourosas de divertimento, há risco para crianças e adolescentes. (Soa a campainha.) A SRª NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO - O marco regulatório legislativo brasileiro é importante e urgente, mas não no modo como têm sido levadas essas discussões. A proposta legislativa atual em curso está longe de alcançar esses patamares mínimos de proteção. Um futuro Código do Trabalho precisa incorporar esse debate de se conferir visibilidade à situação do trabalho infantil artístico no Brasil como também sendo uma forma de trabalho infantil. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Essa foi a Srª Noemia Aparecida Garcia Porto, Vice-Presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que aprofundou o debate sobre o trabalho considerado artístico da criança e as suas implicações num trabalho que pode deixar, inclusive, sequelas para a criança. E o grande beneficiado, como a sua exposição diz, não é a criança. Em 90%, no mínimo, dos casos, ou 99% - e os percentuais são meus, você não limitou -, os beneficiados são somente os pais. Tudo isso tem de ser visto com o maior carinho, e assim nós o faremos. Passo a palavra agora para o Sr. Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho, membro do GT sobre a Reforma Trabalhista do Sinait, mestre em Direito do Trabalho na USP e doutor em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de Madri. |
| R | O SR. RENATO BIGNAMI - Sr. Presidente, eu gostaria de cumprimentar V. Exª pela sempre tão tranquila e equilibrada condução de temas que interessam à Nação acima de tudo, cumprimentá-lo pela oportunidade do debate sobre o Estatuto do Trabalho, sobre as formas inaceitáveis de trabalho. Eu gostaria também de cumprimentar meus colegas de Mesa, S. Exª o Dr. Ronaldo José de Lira, Procurador no Ministério do Trabalho, cumprimentar S. Exª Drª Noemia Garcia Porto também, Vice-Presidente da Anamatra, pela oportunidade também de trazer à tona o debate sobre a reforma trabalhista tão importante nos dias de hoje. O nosso País merece e precisa desse debate. É essencial que consigamos fornecer subsídios para a sociedade brasileira para que essa era de pós-verdade seja superada e que consigamos efetivamente mostrar para todos os setores quão deletérias podem ser algumas das medidas que estão propostas na reforma trabalhista. Por fim, cumprimentar S. Exª o Ministro Lelio Bentes por todo o engajamento em prol dos direitos sociais, em prol do direito dos trabalhadores. S. Exª também é o perito brasileiro na Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho, uma comissão formada por 20 juristas de renome e expressão no mundo todo, e S. Exª é o nosso representante nessa Comissão, sempre demonstrando um conhecimento profundo, técnico, isento e neutro sobre todos os temas de Direito do Trabalho e, em particular, sobre os temas relacionados com inspeção do trabalho, como foi muito bem mostrado aqui. Já puxando a oportunidade da fala de S. Exª o Ministro Lelio Bentes sobre os ataques que a inspeção do trabalho vem sofrendo no contexto atual, eu gostaria, Exmo Sr. Senador Paulo Paim, deixar registrado aqui que hoje, hoje mesmo, saiu publicada no Diário Oficial uma nova portaria que nos pegou a todos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho de surpresa. É a Portaria nº 129, Exmo Sr. Senador Paulo Paim, que, a julgar pela interpretação dos termos que estão nesta portaria, ela praticamente inviabiliza o combate do trabalho escravo no nosso País. Ela parte de uma acepção extremamente ultrapassada de que o combate ao trabalho escravo, ou seja, a definição das condições análogas ao trabalho escravo parte apenas e tão somente do cerceamento de liberdade, o que já não é verdade há muito tempo. Eu gostaria de registrar aqui... Não sei se há alguma possibilidade de a Subcomissão fazer um requerimento ao Sr. Ministro do Trabalho ou pedir alguma explicação, alguma moção, mas, se possível, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho gostaria de deixar isso registrado nesta Subcomissão por praticamente inviabilizar... É uma portaria que foi forjada totalmente no âmbito do gabinete do Sr. Ministro - imagino que por pessoas que não conheçam a realidade do enfrentamento ao trabalho escravo no nosso País -, e que certamente não contribuirá nem para o enfrentamento e muito menos para reduzir a tensão e a polarização existentes no nosso País. Na verdade, ela só provoca mais conflito, justamente por partir de uma acepção ultrapassada. |
| R | Veja, Exmo Sr. Senador, o Brasil está na contramão da história, na contramão dos movimentos internacionais. (Palmas.) Então, deixo aqui registrado... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns a V. Exª. Já adianto que ajustamos depois o tipo de redação para fazermos um questionamento junto ao Sr. Ministro sobre essa questão. O SR. RENATO BIGNAMI - Muito obrigado. Agradeço, em nome do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, a quem também agradeço pela oportunidade e confiança da representação aqui nesta Subcomissão. Bem, diante dessa questão, esse foi o prólogo da minha apresentação, já gostaria de partir para ela, o mandato que o sindicato me confiou diz aí sobre as formas inaceitáveis de trabalho. Eu gostaria de começar, bastante brevemente, lembrando que esse tema é um tema estratégico, altamente estratégico no âmbito do sistema ONU de proteção dos direitos humanos, especificamente no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. Em junho de 2013, a Organização Internacional Trabalho compreendeu as formas inaceitáveis de trabalho como uma das Áreas de Crítica Importância e definiu as formas inaceitáveis de trabalho como aquelas que negam direitos fundamentais no trabalho e que põem a vida, a saúde, a segurança, a liberdade e a dignidade da pessoa do trabalhador em risco. Enfim, segundo as conclusões desse grupo de trabalho, constituído no âmbito da Organização Internacional Trabalho, as formas inaceitáveis de trabalho não contribuem para a erradicação da pobreza no âmbito mundial e são as principais responsáveis pela persistência da pobreza nos lares do mundo. Então, vejam, só daí já compreendemos o porquê de as formas inaceitáveis do trabalho constituírem uma das Áreas de Crítica Importância para a Organização Internacional do Trabalho. E aí eu já faço menção ao modelo multidimensional criado, elaborado por estudiosos. Na verdade, ele foi elaborado pelas Profªs Deirdre McCann e Judy Fudge, respectivamente das Universidades de Durham e Kent, na Inglaterra. Criou-se aí um modelo multidimensional - peço desculpas por estar em inglês, eu preparei ontem à noite ainda essa apresentação e o diagrama só existe naquele idioma, mas eu peço vênia aqui rapidamente para fazer a tradução. No centro do modelo estão aí as unacceptable forms of work, formas inaceitáveis de trabalho, das quais o modelo conta então com doze dimensões. A primeira dimensão é o trabalho forçado, nos termos atuais contemporâneos, muito bem lembrado por S. Exª o Ministro Lelio Bentes, atualizado pelo Protocolo Adicional à Convenção 29, incluindo as formas contemporâneas de escravidão, incluindo tráfico humano, incluindo todas as formas - e esse é o texto que inclusive consta do protocolo adicional - e manifestações do trabalho forçado, não apenas aquela definição que já, enfim, merecia uma atualização, aquela definição de 1930, que consta inicialmente do texto da Convenção 29. |
| R | E essa atualização veio por meio do Protocolo Adicional à Convenção 29, que deve ser interpretado e compreendido à luz dos demais instrumentos de Direito Internacional em vigor, notadamente a Convenção da ONU, os tratados da ONU sobre escravidão; o Pacto de São José da Costa Rica; os tratados do sistema OEA, lembrando também o compromisso, que já foi mencionado por S. Exª o Ministro Lelio Bentes, no conhecido caso José Pereira, em que o Brasil, para evitar um julgamento, se comprometeu a combater efetivamente as formas contemporâneas de escravidão, e esse compromisso já anteriormente vinha sendo mitigado diante das inúmeras dificuldades que os auditores fiscais do trabalho encontram no enfrentamento cotidiano, e esse compromisso veio a ser uma vez mais questionado no mais recente caso em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos teve a oportunidade de, novamente, julgar as políticas públicas do Estado brasileiro, condenando-o por não fazer frente, de forma efetiva, ao trabalho escravo no famoso caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Continuando com as outras dimensões: Dimensão nº 2: Segurança e Saúde no Trabalho; Dimensão nº 3: Geração de Renda; Dimensão nº 4: Segurança para o Trabalhador; Dimensão nº 5: Jornada de Trabalho. Vejam que são diversas dimensões que devem ser adequadamente endereçadas pelas políticas com vista a garantir o que os estudiosos de trabalho vêm compreendendo como uma permanente melhoria social por meio do trabalho e não o regresso do social por meio do trabalho, a que estamos assistindo nos dias de hoje. Continuando. Representação e voz, mecanismos de representação da pessoa do trabalhador; combate ao trabalho infantil; proteção social; igualdade, direitos humanos e dignidade para a pessoa do trabalhador; proteção legal à pessoa do trabalhador, enfim, às relações de trabalho; proteção à vida comunitária e à vida familiar; e, enfim, mecanismos que facilitem a organização do trabalho, de modo a propiciar essa melhoria constante Esse é o modelo multidimensional criado pelas Profªs Deirdre McCann e Judy Fudge, que vêm inspirando os debates na Organização Internacional do Trabalho. Continuando. Ainda gostaria de mencionar os estudos de Kallenberg, que é um sociólogo bastante conhecido da Universidade da Carolina do Norte, que, ao estudar o mercado de trabalho norte-americano, nos últimos 20, 30 anos, chegou à conclusão de que os Estados Unidos estão fabricando mais postos de trabalho ruins do que bons. Está lá o nome de sua obra que já é um clássico - é uma obra de 2011, mas já é um clássico: Good Jobs, Bad Jobs, The rise of Polarized and Precarious Employment Systems in the United States, 1970s-2000s. Essa obra diz que empregos de boa qualidade devem proporcionar um salário suficientemente elevado para satisfazer as necessidades básicas de uma pessoa, benefícios adicionais para acomodar essas necessidades, uma renda relativamente alta e oportunidades para a sua elevação permanente, oportunidades para gozo e usufruto de autonomia e controle sobre as atividades relacionadas com o trabalho por parte da pessoa do trabalhador, obviamente, um certo grau de flexibilidade e controle sobre a sua própria jornada de trabalho e as demais condições de trabalho sob a ótica do trabalhador, e algum nível de controle sobre a rescisão do seu próprio contrato de trabalho. Essas foram as conclusões às quais chegou o sociólogo Arne Kallenberg em 2011. |
| R | Também lembrando a célebre Teoria Insider-Outsider dos economistas sueco e alemão, respectivamente, Lindbeck e Snower, que, já nos anos 80, chamavam a atenção para a intensa fragmentação, segmentação dos mercados de trabalho consubstanciados nos contratos de trabalho atípicos, ou seja, aqueles que não contam com segurança no posto de trabalho. São os contratos temporário, part-time, intermitentes, no caso do Brasil, o contrato zero hora britânico. Enfim, todas essas modalidades contratuais que pendem muito mais para o atendimento às necessidades econômicas de determinados setores produtivos, desbalanceando a relação de trabalho em desfavor da pessoa do trabalhador, vêm, na verdade, não apenas desmobilizando completamente os mercados trabalho como não contribuem em nada justamente para que a economia mundial e as economias nacionais superem com tranquilidade esses momentos de crise, e venham novamente a crescer, gerando renda e condições positivas de trabalho para todos e para todas. A colaboração que a inspeção do trabalho traz como olhar oficial do Estado - vejam, inspeção do trabalho é uma política de Estado e não de governo; é uma política permanente a serviço da sociedade nacional. A colaboração que a inspeção traz para esta Subcomissão é justamente como testemunha ocular das reais condições de trabalho que se encontram nos ambientes em que os auditores e as auditoras fiscais do trabalho entram diariamente, com vistas a garantir a efetividade do ordenamento jurídico trabalhista. (Soa a campainha.) O SR. RENATO BIGNAMI - Diante disso, eu gostaria de já mencionar que o trabalho forçado, a servidão por dívida, a jornada exaustiva e as condições degradantes - que são aquelas condições análogas à de escravo - afetam não apenas a dignidade, a saúde, a segurança e a estabilidade econômica do trabalhador e de sua família, mas de toda a sociedade, justamente por exaurirem o trabalho humano para abaixo de um limite considerado razoável. Essas condições devem ser extirpadas, sob pena de continuarmos a provocar desequilíbrios, inclusive de natureza econômica no mercado de trabalho brasileiro, o que também deve ser dito sobre o trabalho intermitente, que afeta a segurança econômica e social não apenas dos trabalhadores e de sua família, mas de toda a sociedade, por não proporcionar uma renda suficientemente elevada para satisfazer as necessidades mais básicas e elementares da pessoa do trabalhador. É a legalização do bico, senhores. É isso que nós estamos fazendo com o contrato intermitente. Não podemos legalizá-lo; precisamos combatê-lo e buscar formas de garantir aquela renda que o Kallenberg trouxe nos seus estudos do mercado de trabalho norte-americano e que estão inspirando, inclusive, estudos para a compreensão de movimentos extremos, movimentos que não vêm colaborando para a democracia nem mesmo nos Estados Unidos da América, que dirá a nossa brasileira, a nossa sociedade tão carente de direitos, tão carente de conhecimento e tão carente de pacificação. |
| R | Vejam V. Exªs que o que a inspeção trabalho traz aqui, o que o Sindicato Nacional dos Auditores de Fiscais do Trabalho traz aqui é a nítida impressão, a nítida sensação de que o ordenamento jurídico, da forma como ele está proposto após as reformas que foram publicadas no curso deste ano, servirá muito mais para a ampliação do conflito do que para a realização e a concretização de direitos. E, nesse sentido, ele não contribui para a economia de maneira alguma; ele apenas estimula mais e mais conflitos entre brasileiros, entre irmãos. (Palmas.) Então, já dito isso, eu gostaria, já indo para o encerramento de minha fala, apenas de faze aquilo que os auditores melhor fazem, que é, enfim, justamente traçar aquela ponte entre a realidade dos fatos, constatada diariamente nos ambientes de trabalho, no chão de fábrica, e a letra fria da lei, no sentido de aproximar uma da outra, e mostrar algumas fotografias do que nós vimos encontrando diariamente nas auditorias de condições análogas às de escravo e, enfim, de trabalho infantil Brasil afora. Essa é uma comunidade para onde tem sido deslocada grande parte da produção têxtil nacional ultimamente. Não contribui para a formação de riqueza, não contribui para sacar essas pessoas da mais absoluta pobreza e não contribui para gerar cidadãos. Na verdade, contribui apenas para gerar mais e mais violência no ambiente de trabalho. Aí podemos ver, enfim, crianças no ambiente de trabalho. Essas fotos são fotos de auditorias de condições análogas às de escravo. Observem: o trabalhador não parou nem diante da presença do auditor fiscal do trabalho. Com seu filho no colo, ele continua costurando. O mesmo acontecendo para essa trabalhadora, enfim, que segura a sua criança e costura, amamenta e trabalha. Observem um berço ao lado do posto de trabalho desse trabalhador. Ele não tem condições nem de cuidar de sua criança, de sua cria, de seu bebê; tem que trabalhar e continuar mostrando. Aí, batata podre sendo fornecida para o trabalhador. Aí vemos - isso já são condições da construção civil - o trabalhador improvisando uma fogueira para comer, pois nem comida vinha sendo fornecida a esse trabalhador. Vejam aí o que foi feito, não é: cadeados, o cerceamento da liberdade. E aí, mais uma vez, Exmo Sr. Senador, a Portaria nº 1.129 não pode reduzir o cerceamento de liberdade, porque o cerceamento de liberdade ocorre até com a comida. Vejam, a comida não está livre, não é, a comida está presa no armário e não era fornecida a esse trabalhador. O trabalhador passando fome, comendo comida podre. Aí trabalhadores da construção civil nas obras de ampliação do Aeroporto Internacional de São Paulo, preparando-o para receber visitas na Copa do Mundo, trabalhadores dormindo no chão, ao relento. Essa auditoria foi feita no inverno de São Paulo, fazia 8 graus na ocasião. Os trabalhadores tinham frio, estavam aí, enfim, ao relento e abandonados pela empresa. Esse é um banheiro também improvisado na construção civil, mais fogão improvisado. Então, são essas as condições análogas à de escravo, às quais os auditores e auditoras fiscais do trabalho se remetem diariamente. Aí, enfim, auditorias no meio rural, carne podre, alojamento improvisado, grilagem, ou seja, há toda uma criminalidade, uma rede de criminalidade que, seguramente, não contribui para que a Nação saia deste momento de crise, pacifique a sua sociedade e venha a voltar a crescer, como desejamos todos nós. Mais carne podre; mais trabalhadores resgatados de condições análogas à de escravo. |
| R | Enfim, essa foi a colaboração do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. Agradeço uma vez mais a oportunidade e coloco-me à disposição da Comissão. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sr. Renato Bignami, Auditor Fiscal do Trabalho, membro do GT sobre Reforma Trabalhista do Sinait, Mestre em Direito do Trabalho pela USP e Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidad de Madrid. Meus cumprimentos. Saiba que me fez lembrar toda a sua exposição que há um projeto lá na Câmara de um Deputado que as suas fotos aqui no final mostram bem: desde que haja uma lona dessas - eu já digo lona preta -, armação de madeira de eucalipto, enfim, de qualquer árvore, chão batido e um prato de comida, que é aquela comida que você mostrou aí, não é preciso pagar salário. A que ponto nós chegamos! Meus cumprimentos a todos os painelistas que falaram até o momento. Brilhantes exposições! Tudo isso vai entrar para um livro, em um primeiro momento, e depois vai ser feito o estatuto. As palestras que temos recebido aqui são de primeira qualidade, as contribuições dos nossos convidados, que vão ilustrar consequentemente, claro, a redação final do Estatuto do Trabalho. Em um primeiro momento vai sair uma versão do primeiro semestre, como é a nossa intenção, para que todos conheçam. Uma salva de palmas para os quatro painelistas, e vamos para a segunda Mesa. (Palmas.) Muito obrigado a todos. Parabéns! Vamos para a segunda Mesa. De imediato, eu vou chamando Katleem Marla Pires de Lima, Auditora Fiscal do Trabalho - Coordenadoria do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Goiás e Membro do GT sobre Reforma Trabalhista do Sinait. Seja bem-vinda. Marinalva Cardoso Dantas, Chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho. Seja bem-vinda. Deuzinéia Nogueira da Silva, Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Eu queria pedir que passassem agora, por favor, neste intervalo de uma Mesa para outra, dois vídeos, de um minuto cada, sobre a reforma trabalhista. É possível? (Pausa.) Vamos lá, então. São dois videozinhos que ilustram a situação da reforma trabalhista aprovada no Congresso. (Procede-se à exibição de vídeo.) |
| R | (Procede-se à exibição de vídeo.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vejam a que nível chegou essa reforma trabalhista. Mas há um segundo, bem rápido aí... É um minuto também (Procede-se à exibição de vídeo.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Valeu, pessoal. (Palmas.) Depois há aquela entrevista que a gente viu, nesta semana, e que não há como não comentar. Aqui ele falou 65, mas o Presidente da República disse que nós vamos viver até os 140 anos, não é? Se houver algum país no mundo em que ocorra esse milagre, irei para lá. Viver até os 140 anos deve ser no paraíso, um paraíso... Bom, eu já estarei lá em cima mesmo há muito tempo. Eu fazia uma palestra neste fim de semana para idosos a 500km de Porto Alegre e perguntei se havia alguém que tinha 140 anos, e não sei por que todos começaram a dar gargalhada. Ninguém falou nada, só começaram a dar gargalhada. Vamos lá, foi só para descontrair. Agora vamos de novo ao nosso tema. De imediato, passo a palavra à Auditora Fiscal do Trabalho, Coordenadoria do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Goiás e membro do GT sobre reforma trabalhista do Sinait, Srª Katleem Marla Pires de Lima. Falaram-me que o Sinait tinha uma nota pública que seria colocada aqui. Ou é para ler no plenário? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bom. Então, é com vocês. A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - Bom dia a todos. Quero agradecer em nome do Sinait o convite feito pelo Senador Paulo Paim para compormos esta Mesa, este debate, e dizer da minha alegria de estar aqui desde o princípio, porque as autoridades que me antecederam falaram com muita propriedade da questão do trabalho escravo, bem como da questão do trabalho infantil, e é sempre um momento em que a gente aprende muito, apesar de estarmos na lida há anos. No meu caso, sou auditora há 22 anos, então nos confrontamos com o trabalho escravo e com o trabalho infantil no cotidiano das nossas atribuições. Toda vez que esses temas vêm à tona, nós aprendemos alguma coisa e sentimos que há muito o que construir em termos de sociedade e País a respeito dessas temáticas. A mim coube a tarefa de trazer pontos relativos à questão do trabalho infantil. E vou pedir licença aqui ao Senador Paulo Paim e às demais autoridades para trazer a perspectiva do contexto real em que se realiza o trabalho infantil e o que a experiência da auditoria tem encontrado com o trabalho infantil. |
| R | A par dos conceitos doutrinários e jurisprudenciais, judiciais, construídos ao longo da nossa história sobre o que vem a ser trabalho infantil, o que a auditoria vê? Qual é a percepção da auditoria? Primeiro, que o trabalho infantil é um trabalho residual. O que é o trabalho infantil? É aquele que o adulto não quer. Então, quando se abre a porta de um estabelecimento a uma criança ou adolescente é para facultar a ela a oportunidade de realizar aquele trabalho que, naquele espaço de produção, nenhum adulto quer fazer. Por que a nenhum adulto interessa fazer aquele trabalho? Porque é penoso, porque é degradante, porque é mal remunerado e porque possui um conteúdo de exploração bem evidente. Então, como o adulto não quer se submeter àquela forma perversa de trabalho, essa oportunidade é dada à criança e ao adolescente. Isso a gente precisa esclarecer, que quando falamos em trabalho infantil estamos falando e um trabalho que ninguém quer. O trabalho infantil não é ofertado à criança e ao adolescente como uma estratégia benevolente de promoção, apoio e acolhimento. A criança vai para o espaço do trabalho fazer o que adulto não quer por um preço que o adulto não aceitaria receber e isso a gente tem que deixar muito claro. A segunda questão relativa ao trabalho infantil que o cotidiano da fiscalização também nos tem ensinado é que a remuneração da criança e do adolescente, quando acontece, ela não diz respeito ao valor do trabalho que é efetivamente realizado por esse indivíduo, seja criança ou adolescente. Os dados estatísticos nos mostram que quanto menor a criança, menor a remuneração ou inexistência da remuneração. Por quê? Porque não se paga o trabalho. Há um termo, Senador, que a gente ouve muito nesse cotidiano que é "ajuda". O explorador do trabalho infantil ele sequer chama o trabalho da criança de trabalho e tampouco chama de salário o que a criança recebe. Ele fala assim: "eu dou uma ajuda". A gente escuta muito essa terminologia de Norte a Sul do País. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Para disfarçar. A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - Não é só de disfarçar. Na realidade, ele não entende aquele sujeito como trabalhador, ele acredita que a miséria daquele sujeito é justificativa suficiente para explorá-lo e que o que se remunera ali é um plus, é um benefício porque se aquela criança não está sendo explorada no trabalho ela vai representar um risco em potencial para a sociedade, porque criança carente é criança delinquente, num pensamento que antecedeu a nossa Carta Magma de 1988. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E dizer que ele pensa que está enganando alguém ou está disfarçando, mas não está enganando ninguém e disfarçando nada. A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - Exatamente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está cometendo um crime contra a humanidade. A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - Exatamente. O que a gente observa eu posso ilustrar aqui com um caso concreto. Eu fui fiscalizar uma feira, num domingo, encontrei um vendedor de hortifruti que tinha três crianças trabalhando: uma de 13, uma de 14 e uma de 15, três adolescentes trabalhando. Esses adolescentes iniciaram a jornada às 4h porque eles foram pegos pelo empregador na sua Kombi, daí eles foram ao Ceasa, essas crianças fizeram movimentação de mercadorias porque elas carregaram a Kombi de produtos do hortifruti e, de lá, elas se deslocaram junto a esse feirante para a feira em que elas iriam trabalhar no domingo e a feira se iniciava às 6h. Então, as crianças iniciaram a jornada às 4h. Eles trabalharam até 14h e eles tiveram que trabalhar vendendo, fazendo troco, fazendo frete, acomodando as verduras, descarregando a Kombi, depois carregando a Kombi, fazendo todo o trabalho de movimentação de mercadoria. Quando eu interpelei esses três adolescentes que iniciaram a jornada às 4h e iam findar, iam chegar em casa por volta das 16h aí nós temos uma jornada de 12 horas, o de 13 recebia R$15,00, o de 14 recebia R$25,00 e o de 15 recebia R$35,00 para a mesma jornada de trabalho, para o mesmo esforço físico desempenhado igualmente pelos três. |
| R | Aí eu perguntei ao feirante por que ele pagava de forma tão distinta àqueles que exerciam a mesma jornada e o mesmo trabalho. Ele me falou: "Esse aqui é mais novinho, então ele não merece ganhar os R$35,00." Isso traduz a forma como a sociedade brasileira remunera o seu trabalhador mirim, não pelo valor intrínseco do trabalho, mas pela estima que a nossa sociedade tem à criança e ao adolescente pobres, que é muito baixa, muito pequena. Então, na realidade, essa ajuda que se dá à criança que trabalha traduz o pouco apreço que a sociedade brasileira, a família e o Estado têm de verdade em relação às nossas crianças, aos nossos adolescentes. Ela é bem reveladora do sentimento que paira em relação a essa população. No trabalho infantil isso é muito claro, é muito perceptivo nessas jornadas que a gente tem ao fazer essas investigações e essa auditorias. Nós temos uma dificuldade muito grande, Senador Paulo Paim, que é a gente combater o trabalho infantil com um discurso que seja para promover a infância e a juventude pobres. Nós temos, em nosso País, políticas que eu chamo de "não deixar morrer", que são muito boas, como a vacinação em massa, as orientações relacionadas à alimentação básica, como o ferro no trigo, que são destinadas a não deixarem os nossos meninos e meninas morrerem. No entanto, nós somos muito ruins nas políticas relacionadas à promoção humana. Quais políticas, em âmbito nacional, de fato são promotoras do bem-estar e do desenvolvimento dos nosso meninos, meninas e adolescentes, no âmbito nacional ou em âmbitos locais? Há um completo vácuo dessas políticas, um completo vazio que dá às famílias brasileiras um completo desespero. Nós acolhemos falas de mães, de avós, de trabalhadores, de mães trabalhadoras, da avó trabalhadora que é chefe do lar ou do pai que nos chegam ao Ministério do Trabalho no afã de requererem de nós alvarás para trabalharem, em que pese nós não tenhamos essa atribuição. Essa população não distingue os Poderes, não sabe o que são os Poderes Executivo, Legislativo. Isso é de difícil compreensão para o brasileiro médio, especialmente para o pobre. Então, quando eles nos procuram...O discurso da mãe que trabalha é o seguinte: "Quero que a senhora ou o Ministério do Trabalho autorize o meu filho a trabalhar com 10 anos." Ou com 11 anos, com 12 anos, com 13 anos. Aí eu pergunto a essa mãe desesperada - desesperada, Senador: "Por que é que a senhora quer que o seu filho, com 12 anos, trabalhe?" "Porque não tenho onde deixá-lo. Vou trabalhar, de manhã, saio às 5h de casa e vou chegar às 8h. Meu filho sai da escola e fica nas ruas." E as famílias, por não terem políticas públicas de atenção à infância e à juventude na demanda necessária, ofertadas de maneira necessária, acabam buscando no trabalho uma resposta para essa ausência do Estado que é, realmente, perniciosa, que é danosa para a nossa criança e para o nosso adolescente. Esquecem-se as famílias de que o espaço do trabalho é um espaço do meio de produção, ele não foi pensado, não foi dimensionado, para proteger, abrigar ou promover a criança e o adolescente. Um espaço de produção é um espaço de produção, ele não tem como dar conta daquilo que é do direito da infância e do adolescente, que é um espaço em que as potencialidades humanas inerentes à criança e ao adolescente podem ser desenvolvidas de forma adequada. Não há nada que seja lúdico, não há nada que seja educativo, nada que seja instrutivo num espaço de produção. Então, o desespero dessas famílias, a angústia dessas famílias nos chegam através desses pedidos. E a gente observa que essa mãe trabalhadora, essa avó, esse pai, quando nos solicitam, é porque, diante da omissão do Estado em relação à assistência social e à educação de qualidade, vão ao trabalho buscar uma guarda adequada ao seu menino, à sua menina, numa total inversão de papéis aí, porque não compete ao trabalho abrigar, educar e promover criança e adolescente. Esse é papel de outros segmentos da sociedade e do Estado, é da educação, é da assistência social, é da cultura, é do esporte, mas não compete ao trabalho. |
| R | O trabalho pode apoiar a profissionalização de uma forma subjacente a uma educação profissional, com um ambiente que facilite a prática dentro de um contrato de aprendizagem, que é a única política pública de atenção ao adolescente, jovem trabalhador que nós temos no Brasil e que está aí, sofrendo ataques em função desse movimento da desconstrução... (Soa a campainha.) A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - ... do conteúdo mínimo de proteção dos trabalhadores, que está sendo implementado hoje no País infelizmente. E nós temos que acolher com seriedade o desespero dessas famílias que vêm até nós, como agentes públicos, no sentido de não só provocar as ações fiscais que nos competem para erradicação do trabalho infantil, mas também como agentes de articular, para articularmos essas políticas, para podermos provocar a implementação numa escala que seja real para atender as demandas reais dessa população, que precisa de que os seus meninos e suas meninas tenham a educação que merecem, a proteção que merecem e a condição para o desenvolvimento de suas potencialidades. Eu vejo no Brasil hoje um retrocesso muito triste em relação à própria história do trabalho, Senador. Antes de 1988, o Brasil trabalhava na perspectiva da teoria da defesa social, em que os nossos meninos e meninas pobres representavam apenas um risco às pessoas de bem e à sociedade. Era a teoria da defesa social - não é, Senador Paulo Paim? - em que a sociedade tinha que se defender dos riscos em potencial que uma criança pobre significava, como se a dimensão humana de uma criança se resumisse a sua capacidade de provocar violência presente ou futura. Com a Constituição de 1988 e o art. 227, houve uma revisão pelo Estado brasileiro de direito dessa percepção relacionada aos nossos meninos e meninas, de sorte que nós adotamos a teoria da proteção integral, e foi um salto histórico de significativa dimensão. Nós fomos capazes, naquele momento, de reconhecer que todo menino e menina, todo adolescente jovem, independentemente do seu status social, é sujeito de direitos humanos e fundamentais, como a educação, como a profissionalização, como estar em família, como estar em comunidade, como ter acesso a esporte, a lazer. Mas o art. 227, quando chamou o Estado, a família e a sociedade a construírem esta realidade, a partir do momento em que ele reconhece como direitos fundamentais aos nossos meninos e meninas esses direitos humanos, ele também nos chamou outra missão, Senador, que é a de colocarmos nossas crianças, adolescentes e jovens a salvo de toda forma de negligência, crueldade e opressão. E, quando nós falamos sobre trabalho infantil, nós estamos falando de uma forma de violência que é véu para muitas outras formas de violência. O trabalho infantil não é uma violência que se realiza só. Quando eu tenho um trabalho infantil, eu tenho um não brincar; quando eu tenho um trabalho infantil, eu tenho um não estudar; quando eu tenho um trabalho infantil, eu tenho uma exposição dessa criança à situação da exploração sexual, sim, também, porque é capa para isso tudo que acontece aí. É exemplo do trabalho infantil doméstico que grande parte das meninas trabalhadoras que estão na invisibilidade sofrem recorrentes abusos sexuais. Eu gostaria de ilustrar essa realidade com outro exemplo de fato também, a gente tem que analisar o trabalho infantil da forma como ele ocorre. |
| R | Eu realizei fiscalização num Município que é turístico em Goiás, por suas águas, por sua temporada de águas, e, durante o dia, eu encontrei crianças e adolescentes trabalhando em oficinas, em bares, lanchonetes, vendendo espetinhos, trabalhando em segmentos de alimentação fora do lar e em outros serviços também que eram realizados pelos habitantes do Município para os seus turistas, porque era época de turismo, de temporada, essa coisa linda. E as crianças estavam todas envolvidas nesses trabalhos, mas havia uma divisão de gênero, ou seja, durante o dia, meninos e meninas trabalhando ali, eu diria, em igual proporção. Quando chegou a noite, nós permanecemos em auditoria realizando ações fiscais e observamos um fato muito curioso: nos estabelecimentos de alimentação fora do lar, as bancas de espetinho, de pastéis, de bebidas, os botecos de jantinhas, de churrascos, os restaurantes, todos eles empregavam meninas com menos de 15 anos para fazerem o serviço de garçonetes. Agora, por que de noite só podem trabalhar meninas até 15 anos de idade para entregar bebidas aos clientes, Senador? Então, veja que aí o trabalho infantil é uma evidente porta à exploração sexual de meninas e meninos. Há uma fala aqui que o Procurador do trabalho trouxe, ou seja: "É melhor trabalhar do que roubar." Há 22 anos que eu sou Auditora Fiscal do Trabalho. Eu já fiz fiscalizações em diversas atividades econômicas e eu diria que é muito difícil alguma que eu não tenha feito, inclusive fora do Brasil, em ações de cooperação técnica com outros governos. Em todas as ações fiscais que eu fiz, em todas, sem exceção, escutei esta famigerada frase: "É melhor trabalhar do que roubar." (Soa a campainha.) A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - E eu pergunto: por que com relação à criança pobre, o Brasil, a família, o Estado e a sociedade só enxergam nela o potencial para o crime? E isso é uma crença tão arraigada que quando a gente contrapõe a educação ou a educação de qualidade, as pessoas têm dificuldade de ouvir. Quando eu falo para o empregador, para a mãe, para a própria criança, para o adolescente que eu gostaria que tivessem um curso técnico profissionalizante de qualidade, que eu gostaria de ver uma escola de periferia de excelência em tempo integral para meninos e meninas pobres, a famílias não ouvem, a criança não ouve, os empregadores não ouvem, e eles insistem: "É melhor essa criança trabalhar do que roubar." Então, é um sentimento muito forte que nós nutrimos de descaso, de desapreço e de não percepção do potencial humano dos nossos meninos e meninas pobres, a ponto de sequer conseguirmos conversar com o público que é vítima do trabalho infantil sobre a educação e a educação de qualidade. (Palmas.) (Intervenção fora do microfone.) A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - Exatamente. É a tradução de um sentimento. E isso é muito triste, Senador Paulo Paim, ou seja, a tradução de um sentimento que impera em nosso País em relação às nossas crianças e aos nossos adolescentes. E eu preciso trazer um elemento novo que é também causador do trabalho infantil, que sustenta o trabalho infantil. Nós temos aí as causas culturais e históricas a ponto de nós termos esta fala "é melhor trabalhar do que roubar", do norte ao sul do País consolidada nos corações e mentes das famílias de todos os estratos sociais. E aí eu falo da família pobre, da família de classe média e da família de classe alta. Há um consenso de que se a criança pobre não estiver trabalhando vai estar necessariamente nos afligindo. Há a questão da educação sem nenhuma qualidade que é ofertada pelo Brasil aos nossos meninos e meninas. Nós fizemos uma reunião com todos os auditores fiscais do trabalho que coordenam as pastas de fiscalização do trabalho infantil. E nos nossos colóquios nós ouvimos, de norte a sul do País, dos 27 auditores de todas as entidades da Federação que a criança que está no trabalho infantil é em regra um analfabeto funcional, em que pese, Sr. Senador, estejam regularmente matriculadas no ensino fundamental ou ensino regular. Elas estão com oito, nove, dez, onze anos de escola e elas não conseguem, quando entrevistadas, fazer a leitura de símbolos, de brasões, de marcas até, que são logomarcas. |
| R | E isso nos tem preocupado muito porque nós sempre trouxemos a educação como um contraponto ao trabalho infantil, porque lá no 227, quando a Constituição, nos chama a criar uma realidade dos direitos humanos fundamentais dos nossos meninos e meninas e a protegê-los de toda forma de opressão, nós, auditores fiscais do Trabalho, entendemos que não basta eliminar o trabalho infantil. Isso é apenas fazer com que se cesse uma violência e que vem com ela outra série de violência. Cessar uma violência não é levar as nossas crianças à situação de dignidade que elas merecem. Cessar uma violência é um princípio mínimo de onde nós partimos para garantir aquilo que elas merecem, que é o bem-estar social e individual. E o que acontece? Nós sempre trazemos nesse confronto com os espaços onde se realiza o trabalho infantil o discurso da educação. Nós precisamos levar esse adolescente para aprendizagem, nós precisamos levar esse adolescente para uma escola de qualidade, essa criança tem que voltar para a escola. E nós temos colhido uma fala que nos tem perturbado profundamente, Senador Paim. No nosso Estado, eles falam assim: "Não adianta colocá-lo na escola de novo porque ele não dá conta de aprender." O não dar conta de aprender tem se tornado uma percepção do aluno do ensino público em relação ao fato de que ele fica dez anos na escola e sai sem ler e sem aprender, ele assume a impotência da educação brasileira para si. E isso é uma crueldade sem precedentes, a gente ouvir de um adolescente que ele não se reconhece capaz de aprender, ouvir de uma mãe do adolescente que ela quer que seu filho esteja trabalhando em situação insalubre nas piores formas porque ela também acredita que seu filho seja incapaz de aprender. Porque, se uma criança sai depois de oito anos na escola, nove, dez, onze, doze anos de escola sem ler e aprender, é culpa de todos nós, menos dela. É culpa do Estado... (Palmas.) ... é culpa da família e é culpa da sociedade, só não é dessa criança ou desse adolescente, que é vítima das nossas omissões recorrentes porque se trata de uma omissão recorrente. Em 2015, nós tivemos um número... (Soa a campainha.) A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - ... que foi avassalador no meu ponto de vista de que 526 mil estudantes brasileiros entre 15 e 17 anos que se submeteram ao Enem tiraram zero na redação. Isso traduz a falência da educação brasileira com números, assim, garrafais. E é um escândalo de âmbito mundial, você ter meio milhão de adolescentes que passaram doze anos dentro do ensino público regular e saíram de lá incapazes de escrever, de traduzir seu próprio pensamento a respeito de qualquer tema. Eu penso que, de todos os problemas relacionados à corrupção que nosso País hoje vive, esse é o mais danoso que nós poderíamos perceber. Dentro das mazelas da corrupção, essa forma de educação a mais perversa de todas justamente porque ela inviabiliza o sujeito que é destinatário dessa educação para a sua vida inteira. Porque, se o indivíduo começa a se sentir incapaz de aprender, como é que ele se sente dentro do trabalho? Que contribuição esse sujeito vai se perceber capaz de realizar no trabalho se ele pensa, ele tem a crença de que ele é incapaz de aprender? Então, ele fica alvo fácil de toda forma de exploração, que são recorrentes no mundo do trabalho. Que essa criança que tem 9 anos, 10 anos, 11 anos, 12 anos, até os 16 anos, que nós encontramos em situação de trabalho infantil, elas não vão ficar crianças e adolescentes para sempre e elas vão ter que ser o adulto que o trabalho vai ter que acolher. |
| R | Qual a condição de empregabilidade, de promoção e de produzir riquezas que o indivíduo que não conseguiu aprender a ler e escrever tem? Como nós podemos pensar em desenvolvimento social, em justiça social, em dignidade para todos, se nós temos a perversa educação que é toda fake, é toda fantasiosa, a ponto de os meninos entrarem e saírem sem ler e aprender das nossas escolas? E convivemos com isso já na perspectiva do normal, nós já estamos acolhendo falas de meninos e meninas de famílias que acham normal a criança sair da escola, depois desse tempo todo, sem ler e escrever, Senador. Está virando normal aqui no Brasil isso. Isso nos tem preocupado muito, muito, muito, muito, por conta de que a criança que é iletrada é o trabalhador iletrado. Aí nós pensamos assim: em um canteiro de obra em que eu tenho uma criança ou adolescente que está trabalhando lá, eu também tenho um adulto iletrado, e os comandos de saúde e segurança, para que eles não se acidentem, são escritos. Qual a condição até de autodefesa que essa gente tem no mundo do trabalho? Qual a condição de autopreservação? Não é a preservação que o ambiente de trabalho vai promover a ela ou o Estado. A condição de autopreservação fica maculada com a condição da educação sem qualidade que nós ofertamos hoje aos nossos meninos e meninas e que, na perspectiva da auditoria fiscal do trabalho, é um elemento novo que promove, sim, o trabalho infantil, no sentido de fazer com que mais meninos e meninas desacreditem na educação como processo de produção humana, uma chance de futuro e vão buscar no trabalho a resposta para as suas demandas individuais, para as suas demandas sociais. E isso é muito triste porque isso é um estágio de pensamento anterior à própria revolução industrial. Então, é um retrocesso que é inédito nos tempos contemporâneos, ver um Brasil, ver um país construir uma crença de que é melhor suas crianças trabalharem porque elas não dão conta de aprender. E essa crença está se alastrando, assim, em uma velocidade devastadora. E por isso que nós não conseguimos ter ressonância na questão do clamor pela educação de qualidade, especialmente as classes mais vitimadas pelo trabalho infantil, porque se a escola é disfuncional, para que apostar nela? Por que demandar escola? Então, cabe aqui aos agentes públicos responsáveis pela eliminação do trabalho infantil e pela criação das condições de vida e dignidade que são inerentes à pessoa humana, à criança e ao adolescente do nosso País garantir que essa educação ocorra, para que essas famílias voltem a ter clareza do que é um sistema de promoção humana que realmente é efetivo, no caso apoiado sobre a educação de qualidade. Então, eu tomei a liberdade de trazer aqui, para a nossa discussão, a realidade do trabalho infantil, como se dá em nosso País, as perversidades do trabalho infantil, as inúmeras violências que estão ali contidas na violência do trabalho infantil, fazer um chamado para que nós possamos nos envolver com as coisas que são afetas à infância e à juventude... (Soa a campainha.) A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - ... como espaços de acolhimento, espaços de promoção humana, as políticas públicas de atenção à criança e ao adolescente. Faço um clamor, Senador, para que esta Casa deixe incólume a Lei da Aprendizagem, porque temos discussões aqui, uma encabeçada recentemente pelo Deputado Izalci, do DF, em que ele quer modificar a Lei da Aprendizagem. |
| R | É a única política pública que nós temos no País para adolescentes e jovens de baixa renda. Se retirarmos a Lei da Aprendizagem, esse vácuo imenso de omissão do Estado vai ficar ainda mais profundo, e isso é muito perturbador, porque não temos respostas e alternativas para aquele jovem, para aquela criança que nós afastamos do trabalho infantil. Nós vamos ao Município pedir uma retaguarda da Assistência Social, ela é inexistente; nós vamos ao Estado pedir uma retaguarda da Assistência Social para a criança afastada pelo trabalho infantil, ela é igualmente inexistente. Como nós vamos poder dar tratamento à criança e ao adolescente que nós afastamos do trabalho infantil se não há investimentos feitos pelos entes da Federação, do Estado e do Município para esse público que é do trabalho infantil? Há uma angústia muito grande por parte dos operadores do Direito, que fazem esse enfrentamento direto em razão justamente de não encontrar uma forma de essa retirada ser efetiva. É muito ruim para mim, que sou Auditora Fiscal do Trabalho, que vou ao ambiente de trabalho e digo: "Você não pode trabalhar aqui" e essa família me conhece, eu aperto a mão do pai e da mãe, eu conheço esse menino. Ele, então, olha para mim e pergunta: "O que a gente faz com o meu filho agora? Vou deixar meu filho na rua?" A gente vai procurar na Assistência Social, não há nada; vai procurar na Educação e encontramos menos ainda. É muito perturbador fazermos o enfrentamento do trabalho infantil quando o Brasil não assume políticas públicas de atenção à criança e ao adolescente, porque é um afastamento fictício, ele existe ali, no ato da ação fiscal. A criança sai daquele espaço de trabalho e vai para outro, porque não há espaço de acolhida; não há espaço de atenção à criança e ao adolescente. Então, mais do que se discutir a eliminação do trabalho infantil, é a construção de mundo melhor para os nossos meninos e meninas. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Katleem Marla Pires de Lima , Auditora Fiscal do Trabalho - Coordenadoria do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Goiás e Membro do GT sobre Reforma Trabalhista do Sinait, que valorizou muito a Lei de Aprendizagem e a importância de valorizar a educação para nossas crianças. Por favor, Drª Marinalva Cardoso Dantas, Chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho. A SRª MARINALVA CARDOSO DANTAS - Bom dia a todos. Quero agradecer ao Senador esta oportunidade de colocar uma Mesa inteira de pessoas que têm na sua história o combate ao trabalho infantil, que veio muito antes da luta contra o trabalho escravo, Dr. Lelio Bentes. Eu pergunto: Qual é o sinônimo de "indigno"? Eu diria "perverso". Tudo que foi tratado na outra Mesa e nesta é tudo perverso em relação ao trabalhador. Imagine em relação à criança. Não é à toa que o símbolo da conferência global que vai haver na Argentina, com todos os países, para discutir o fim do trabalho infantil, o símbolo dos trabalhadores é a mão de um adulto e uma mãozinha bem pequenina aqui embaixo, para mostrar a discrepância de isso ser chamado "mão de obra" infantil. Mas é chamado de mão de obra. Antes de entrar em mais detalhes - senão esqueço -, quanto a essa questão de que Katleem falou da educação, que nos deixa totalmente abatidos, quando a gente conversa com uma criança como conversei na semana passada, em Boa Vista, com crianças no lixo, do lixão, vivendo no lixão misturadas, confundidas com lixo ali. |
| R | E eu perguntei: "Quem sabe ler aqui?" E a menininha só levantou a mão e disse: "Eu sei só escrever, mas não sei direito, não." E as pessoas, meus colegas, perguntaram: "Como ela sabe escrever se ela não sabe ler?" É simples, é simples porque já vi. Elas simplesmente desenham o que elas vêm no quadro. Para elas é um desenho, não sabem o que é aquilo. É como quem desenha um coelhinho, uma bola. Ela desenha o que está no quadro. Por isso que ela disse que sabe escrever. Ela não tem a mínima noção. Então, ela mostra... Você vê os cadernos das crianças escritos, você jura que elas sabem ler. Não sabem nada. E por não saber ler, encontrei um adolescente que perdeu os dedos porque todas as instruções da forrageira do avô estavam na máquina, mas ele não sabia e perdeu os dedos. Nós começamos essa questão do trabalho infantil desde 1992 junto com o Ministério Público do Trabalho, quando o Procurador-Geral do Trabalho praticamente fez com que o Ministério do Trabalho fizesse alguma coisa a respeito disso. E nós tínhamos, então, oito milhões de crianças trabalhando no pior do pior. E, nesses anos todos, conseguimos tirar mais de cinco milhões de crianças. Nós, que eu digo, é o Brasil, porque se precisa de muita gente para lidar com o trabalho infantil, não só os auditores fiscais do Trabalho. Agora que o Brasil ficou modelo de retirada de crianças pelo expressivo número, deu uma estagnada no mundo todo nessa questão do trabalho infantil, porque, claro, depois de tanto terror, uma semana antes de haver uma conferência em Nova York para decidir os rumos da infância para o ano 2000, quando iria haver essa conferência para saber os resultados do que aconteceu na década de 90 para isso, houve um atentado uma semana antes. Então, prorrogaram-se para um ano essas discussões. E aí, tudo o que havia de avanço com relação ao trabalho infantil quase que foi por água abaixo, porque quem é que ia se importar com trabalho infantil vendo crianças explodindo na televisão, na nossa frente, com as guerras que vieram depois disso. Mas, felizmente, a humanidade voltou a colocar o trabalho infantil como uma das grandes violências contra a infância. E agora como estagnamos... Não estagnamos, tivemos um retrocesso e voltamos a avançar, o que compensou o retrocesso de 2014. O Brasil agora tem várias alianças. Há iniciativa regional, América Latina e Caribe, onde 27 países estão alinhados para que essa seja a região no mundo onde primeiro vai se dizer que uma geração nasceu e morreu sem ter precisado trabalhar. Então, é a primeira área livre de trabalho infantil no mundo em que se pensa e se aposta. Nessa iniciativa regional, América Latina e Caribe, está a Venezuela. E a Venezuela está nos trazendo muitas crianças principalmente para Roraima, para o Brasil. |
| R | Estou falando porque em outros países elas também têm ido. Em Trinidad e Tobago, as pessoas têm fugido para a Colômbia até em número maior, mas Roraima já estava precisando que fôssemos olhar o que está acontecendo com a infância, porque ali também estão as haitianas. Estive com crianças que fugiram do Haiti por conta de todos os desastres que aconteceram lá, todas as desgraças, fugiram para a Venezuela, e agora estão fugindo da Venezuela para vir para o Brasil. São crianças que falam três idiomas fluentemente e são miseráveis. Isso me doeu muito na alma, porque sabem ler, sabem escrever, falam três línguas e estão sempre fugindo. Eu espero que elas encontrem o abrigo definitivo delas aqui no nosso País. (Palmas.) Encontramos muitas crianças trabalhando no lixo. O Conselho Tutelar antes já tinha feito um levantamento: 72 crianças e adolescentes vivendo com o lixo, no lixo e para o lixo. Então, essa foi uma nova estratégia que a nossa Secretaria de Inspeção pensou em avançar. Já fizemos um operativo em 2015, estamos fazendo um agora, porque achamos que lá era propício, estava precisando de uma ação de governo, como o grupo móvel do trabalho escravo, que vê chegar o Estado numa situação privada para resolver questão de direitos humanos. Então, nós tivemos todos os indicativos para ir a Boa Vista. Lá chegando, interditamos o lixão, porque foi uma coisa tão horrenda, em que você via famílias fugidas da sociedade, igualmente como os venezuelanos fugiam do seu país, tínhamos essas famílias fugidas da sociedade, que não lhe dava oportunidade, com suas crianças. Um senhor me mostrou o quarto, onde ele fez um mosquiteiro em uma cama grande, onde dormiam a mulher com os três filhos, e ele dormia como cão de guarda do lado de fora, e ele disse: "Eu trago eles para cá, porque tenho medo, já que não tenho outro emprego, de que, quando eu voltar a cidade, tenham abusado desses meus filhos". Então, são coisas que a gente não está acostumada a ver. As pessoas só viam venezuelanos nas ruas e não viam que dentro do coração da cidade havia uma situação tão horrorosa. Esse senhor com quem eu conversei, eu perguntei: "Qual a idade do senhor?". Ele disse que tinha 28 anos. Eu quase morro, porque era um jovem com aparência de mais de 50. O que aconteceu lá foi um tumulto, porque se interditou o único lixão da cidade. Houve uma pressão grande, mas, graças a Deus, nós tivemos uma reunião com todas as autoridades, eles acharam que foi a posição acertada. O juiz do trabalho, para mim, foi a figura exemplar. Ele recebeu o pedido de liminar e concedeu a liminar apenas para prorrogar, para não ser hoje, por exemplo, deu 15 dias para resolverem todos os itens que nós colocamos para levantar a interdição mais a imediata retirada das crianças. E ele foi pessoalmente fazer a inspeção judicial dentro do lixão. Então, já não há mais crianças, já não há mais pessoas morando. As máquinas andaram limpando, já há vigilância, como nós pedimos, para impedir que entrem. (Soa a campainha.) A SRª MARINALVA CARDOSO DANTAS - Já colocaram uma placa do modelo que nós demos, alegando o Decreto 6.481, das Piores Formas de Trabalho Infantil. Hoje mesmo está havendo uma reunião com a Procuradora do Trabalho. Espero que ela peça danos morais para essas famílias, essas crianças. Enfim, há outros desdobramentos. |
| R | O mundo todo está preocupado com aquela cidade. Nós vimos pessoas da ONU, da fraternidade planetária, todo mundo está trabalhando ali. Encontramos pessoas do Ministério da Saúde, que estão fazendo um levantamento das possíveis doenças transmissíveis que eles trouxeram para a cidade. Então, tem muito mais gente envolvida do que a gente pensa. E conseguimos juntar essas pessoas num auditório para dizer: "Bom, a campanha universal da Organização Internacional do Trabalho deste ano foi para que nas crises, calamidades e desastres, se salvassem primeiro as crianças do trabalho infantil. E foi isto que nós fomos fazer: cumprir essa máxima de salvar primeiro as crianças. Ainda, a Prefeitura foi autuada; o Governo, pelas feiras, pelo lixão e pelas vias públicas, também; e o Governo do Estado pela sua feira própria. Então, trouxemos responsabilização para essas pessoas. Vai haver muita discussão ainda, judicial e tudo o mais, mas nós acreditamos que o impacto foi dado para que as pessoas digam assim: "Meu Deus! Nada aqui está normal." Então, a criança é a febre do doente. Se existe uma febre, a pessoa está com alguma doença e tem que se descobrir o que é. E a criança é a febre da sociedade. Nós esperamos conseguir que Boa Vista vença esse seu problema, que nos alertou para um fato para o qual ainda não estávamos totalmente alertados aqui no Brasil, o da migração, apesar de Renato Bignami ter mostrado ali a escravidão de peruanos e bolivianos. Nós estamos finalizando agora o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil - o terceiro, não é? - e eu vou propor que tenha um eixo novo, que é crianças migrantes; crianças e adolescentes migrantes. Aí tem muito problema. Já foi detectado por estudiosos que, nessas migrações, muitas crianças vêm sozinhas, como vocês viram lá na Síria e em todo canto. Elas são abusadas, exploradas, entram para tráfico de órgãos, para empregos domésticos, sofrem exploração sexual, enfim, é uma calamidade. E nós temos de ficar atentos e entender que entrou no solo brasileiro, é brasileiro, para esse fim de dignidade. Já encontrei crianças com 15 dias, com uma semana, no canteiro, porque nasceu em solo brasileiro, e já estava com sua mãe venezuelana com uma placa pedindo alimento para sua mãe, para ela poder dar leite para o bebê, do seu seio. Então, essa foi uma realidade triste; espero que a gente consiga equilibrar. E os brasileiros precisam conhecer e entender que está havendo uma nova vinda de migrantes, como bem disse o meu colega. Já recebemos italianos, alemães, espanhóis, judeus - por que não os venezuelanos? É uma nova cultura que está sendo trazida para miscigenar com a nossa. Em tudo isso, quando a gente olha para uma criança que trabalha, a gente olha para todo o resto, porque não adianta resolver a situação da criança: é a família, é a comunidade como um todo. Então, é um problema que interessa a todos nós e à humanidade inteira. |
| R | A respeito ainda da história de dizer que o menino só ajuda, porque nós estamos cansadas de ouvir isso, existe uma coisa, uma outra denominação para a criança que trabalha, que se chama complemento. Você tem um pai, como nós vimos em Alagoas, em 1995, quando encontramos 23 mil pessoas que, se a lei fosse como é hoje, seriam 23 mil resgatados da escravidão contemporânea. Mas só se falava em restrição de liberdade, porque parece que agora estão querendo puxar para isso, mas, se fosse análogo... (Soa a campainha.) A SRª MARINALVA CARDOSO DANTAS - ... a trabalho degradante, seriam 23 mil resgates. Então, o que é que essas crianças faziam? Vou finalizar. As crianças... Eram oito bracinhos para ajudar dois braços de adulto, para fazer aquela cota desumana. Quando o Brasil emprestou seus esforços todos para carvoarias e cana-de-açúcar, não era por menos. Era uma coisa altamente degradante e havia muita criança. Então, quando se tiraram as crianças da cana-de-açúcar, o que aconteceu? Nós começamos a ver notícias de trabalhadores morrendo por exaustão, porque tiraram os oito bracinhos, e ele continuava com a mesma cota. Então, isso não é uma coisa simples. É uma coisa, como eu disse, perversa. Obrigada por me dar esse espaço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Marinalva Cardoso Dantas, Chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho, que relatou aqui histórias marcantes, que nós não haveremos de esquecer nunca mais - e quem está nos assistindo também. Essa é a realidade, ainda, do nosso País. Vamos agora para Deuzinéia Nogueira da Silva, Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Por favor. A SRª DEUZINÉIA NOGUEIRA DA SILVA - Bom dia a todos e a todas. Aqui quero cumprimentar o Senador Paulo Paim, agradecer também o convite que nós recebemos - o Conanda -, nesse espaço, para tratar do trabalho infantil. O Conanda tem uma agenda muito intensa, com várias violações de direitos, e temos uma pauta do trabalho infantil dentro do Conselho. Depois quero cumprimentar também aqui o Ministro Lelio Bentes - sempre muito atento ao tema do trabalho infantil -, do Ministério do Trabalho. Também vou registrar aqui que eu sou do Ministério do Trabalho. Sou auditora, como as minhas colegas aqui. Cumprimento outros demais colegas também, que estão na plateia. Quero dizer que o Ministro Lelio Bentes está sempre, realmente, nos prestigiando, e há muitos anos. Eu acho que eu fiquei sete anos fora da agenda do trabalho infantil e, quando era coordenadora do trabalho infantil, o Ministro Lelio Bentes já nos prestigiava, estava sempre atento a esse tema. Eu queria registrar também aqui o papel do Conanda, falar um pouquinho do que é o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, porque algumas pessoas nem conhecem talvez. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) é um órgão colegiado, permanente, de caráter deliberativo, com oposição paritária - isso quer dizer que ele é composto por conselheiros governamentais e sociedade civil -, a fim de elaborar e acompanhar as políticas públicas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, previsto no art. 88 da Lei 8.069, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Integra hoje uma nova estrutura básica da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério de Direitos Humanos, que, hoje, é chamado de Direitos Humanos. |
| R | O Conanda atua na área das políticas para criança e adolescente e é o controlador da política de promoção e proteção de defesa dos direitos da criança no âmbito nacional e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Algumas das pautas do Conanda, hoje, são, além da violação de vários direitos, exploração sexual, trabalho infantil, entre outras, mais importantes. Eu não vou aqui me estender muito, porque eu quero falar de algumas pautas importantes para o Conselho e para a causa do trabalho infantil. O que nós temos hoje? Políticas públicas integradas de inclusão social; educação pública de qualidade é o que nós pautamos; saúde pública universal; políticas de inclusão social, garantias de direitos de acesso à política; política de acesso ao trabalhador protegido, e qualificação profissional de adolescente e jovem. Hoje, eu observo em todos os discursos de alguns que se manifestam e vejo que, hoje em dia, não se fala mais que a criança e o adolescente estão nesta condição porque os pais não têm trabalho. Não. Hoje alguns defendem que o trabalho infantil aumentou por conta do consumismo. E eu fico muito preocupada com esse olhar torto da sociedade em achar ou justificar que a culpa do aumento do trabalho infantil está pautada no consumismo; que essas crianças, muitas vezes, vão para o trabalho porque querem comprar um tênis, querem comprar uma camiseta porque está na moda, ou então culpar a mídia, ou as telenovelas, seja lá o que for, que incentivam esse tipo de prática. Na realidade, não é isso. Na minha concepção, com todos esses anos de experiência também - tenho já 22 anos de trabalho na auditoria fiscal e devo ter, mais ou menos, uns 12 anos nessa área de trabalho infantil ou trabalhando com criança e adolescente. Fui sete anos Conselheira do Conanda e voltei há um ano e pouco, agora, e continua o mesmo discurso: o trabalho infantil vem aumentando por conta disso ou daquilo, e voltando a essa questão do consumismo hoje, que algumas pessoas bem renomadas, muitas vezes com doutorados e com mestrados, acreditam; tentam passar nessa pauta. Não precisa ir longe, basta assistir aos vídeos na internet para você observar esse tipo de discurso, quando, na realidade, nós estamos fugindo da nossa responsabilidade de cobrar as autoridades que, realmente, tenham políticas públicas de qualidade. Na Capital Federal hoje, se você olhar para um lado e para o outro, nos bares à noite, ou em estacionamentos, você vai encontrar crianças trabalhando. É visível as nossas crianças no trabalho. Então, fechar os olhos para essas mazelas é desesperador. A cada dia piora. Já estive preocupada em falar da questão de redução de recursos para a infância, mas hoje estou falando pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e é visível a redução, a cada ano, dos recursos para as políticas públicas da infância. |
| R | Quero dizer que o Brasil ratificou a Convenção nº 138, a Convenção nº 182, fez as listas das piores formas - eu participei como coordenadora dessa subcomissão que criou a lista das piores formas - e avançamos pouco no combate a esse tipo de mazela que é um dos focos principais desta audiência pública. São esses tipos de trabalho, que afetam tanto a saúde e o estado não só psicológico, mas físico de nossas crianças e das suas famílias. Nós pensamos em que sentido e como as autoridades podem nos ajudar a olhar para essas nossas crianças. A proteção integral existe. Está lá na nossa Constituição o art. 227. Vamos para o ECA. Nós temos uma legislação rica, que serve de exemplo para vários países. Mas, quando se trata de política interna, a gente está deixando muito a desejar. A visível a nossa falta, a falta das autoridades, dos governos, nos Estados de um modo geral. Dizer que realmente nós estamos combatendo o trabalho infantil da maneira correta é um equívoco. Aqui eu falo da fiscalização, que é um pouquinho. Ela faz uma parte, mas nós temos uma rede imensa de combate ao trabalho infantil. É uma rede considerada uma das maiores. Quando você vai a uma palestra fora do País, quando você vai levar nossas experiências brasileiras a uma conferência, ou a qualquer espaço, eles querem saber como é que o Brasil fez, o que o Brasil faz - "como realmente vocês integram essas redes?". E nós temos essa larga experiência para compartilhar com as pessoas. Só que quando você olha para o nosso Brasil, para as nossas crianças, nós vemos realmente que fizemos bastante, mas paramos. (Soa a campainha.) A SRª DEUZINÉIA NOGUEIRA DA SILVA - Estagnamos e estamos caminhando a cada passinho todos os dias. Há 23 anos, se eu saí de um patamar de quase 8 milhões de crianças, e chegamos a 2,7 milhões de crianças hoje, e 3 milhões no ano anterior, e por aí afora, a nossa redução tem sido mínima. Então, precisamos olhar e verificar onde nós estamos errando e o que podemos fazer para combater o trabalho infantil. |
| R | Aproveito esta audiência com o Senador Paulo Paim e os demais ouvintes para pedir que nos ajudem realmente nessa questão de combater o trabalho infantil. Eu sempre fico muito incomodada com qualquer espaço onde você não consegue fazer um encaminhamento ou, então, você faz o encaminhamento e, depois, não acompanha. Eu ainda conversava com a colega Katleen, que é também uma defensora na área do trabalho infantil há muitos anos, com muita experiência, e ficamos incomodadas, pois retiramos crianças de determinado espaço e há continuidade para acompanhar se houve redução nesse setor? Foi o caso agora da Marinalva, que fez esse belíssimo trabalho em Roraima, com outros colegas. Qual a continuidade disso tudo? Hoje, nós gritamos, alardeamos, foi para a mídia, mas e amanhã? Qual vai ser o desdobramento? Dentro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, existem uma inquietação e uma preocupação muito grande. A nossa agenda é... (Interrupção do som.) A SRª DEUZINÉIA NOGUEIRA DA SILVA - Não conseguimos dar conta de tanta violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. O trabalho infantil, nas suas piores formas, é um tema que foi sempre pautado dentro do Conselho. Nessa questão, agora, com tantas violações, foram criados uma resolução e um grupo que trata da letalidade do trabalho infantil e de outras violações que as crianças e os adolescentes vêm sofrendo. A questão do trabalho infantil não é pautada só no grupo de trabalho infantil de até 14, 15 anos, mas há a proteção do adolescente de 16 a 18 anos, em que o trabalho é permitido. Esses adolescentes nos preocupam, porque eles precisam realmente estar inseridos no mercado de trabalho, mas precisam de uma proteção. Hoje, não sabemos em que rumo realmente o País está caminhando. É ameaça todas as horas. Por exemplo, a Katleen acabou de falar da questão da aprendizagem. Na reforma, também resolveram fazer modificações na aprendizagem. Aí nós estamos o tempo inteiro atrás: "Não, não façam isso, nos ajudem, não é assim, vai prejudicar nossas crianças." Será realmente que ainda precisamos, depois de 23 anos, ficar desesperados buscando os caminhos para ajudar nossas crianças? Por que, toda hora, os nossos Parlamentares, as nossas autoridades ficam querendo fazer alterações na nossa legislação não como uma forma de avanço, mas de retrocesso? Então, hoje, o nosso grande medo é realmente retroceder em todas as nossas conquistas até hoje. Isso traz uma inquietação muito grande não só para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, mas para todos os parceiros da rede. |
| R | A Marinalva, Coordenadora da Conaete, está conosco na elaboração do Plano Nacional de Prevenção Erradicação do Trabalho Infantil, em que estão pautadas as piores formas do trabalho infantil como uma violação. Dentro do planejamento da fiscalização também está pautada essa questão da violação e é como uma meta de erradicação do trabalho infantil as suas piores formas. Mas nós temos uma estatística que nos diga hoje que avançamos, onde estamos e para onde podemos caminhar? (Soa a campainha.) A SRª DEUZINÉIA NOGUEIRA DA SILVA - Realmente essa é a grande preocupação e nossas crianças clamam por respeito aos direitos e à proteção da integração da criança e do adolescente não só nas suas piores formas, mas que seja respeitada a questão da proteção integral. Hoje, os pais vivem no subemprego, o número de desemprego aumentou muito e aí as nossas crianças vão a campo, mas é só por causa disso ou é por que nós não combatemos como deveríamos combater? Será que a nossa legislação realmente é deficitária ou são os compromissos de fazê-los cumprir com esse arcabouço jurídico tão imenso que nós temos e serve de exemplo para tantos países? Quero dizer, Senador, sempre atento a esses temas em uma hora em que estamos discutindo tantos temas que alguns consideram de extrema relevância, que sobrou um pouquinho para falarmos de nossas crianças aqui. E eu quero realmente cumprimentar e agradecer por essa preocupação do Senador e que todos tivessem esse olhar para nossas crianças. E dizer que o Conselho realmente não vai fechar os olhos para essa questão. É uma pauta que vai entrar agora no GT, foi criada uma resolução e as piores formas do trabalho infantil estão pautadas nesse GT. Peço para toda a rede que nos ajude a combater de fato, denuncie, faça alguma coisa para que a gente possa combater, de fato, essas piores formas de trabalho infantil bem como qualquer tipo de trabalho infantil que viole os direitos da criança e do adolescente. Dentro da exploração sexual também, porque poucas pessoas tem um olhar para isso, fala-se muito na mídia, mas nós, de fato, não temos estatística. Quem conhece a estatística das violações? São pouquíssimas. Dentro do próprio Conselho mesmo nós temos uma estatística muito pequena com relação a isso. E, se há, não são divulgadas, assim como também a nossa estatística clara não só de orçamento, mas de quantas crianças realmente foram retiradas do trabalho. Nós não temos uma transparência para que a gente possa pensar em políticas públicas de qualidade para retirar nossas crianças dessas condições... (Soa a campainha.) A SRª DEUZINÉIA NOGUEIRA DA SILVA - ... em que vivem hoje. Então, se é pobre, pode trabalhar. Mas o meu filho rico - só para concluir - eu não posso dizer que essa criança realmente... |
| R | Eu sempre me perco quando a campainha toca. Vamos lutar por tudo isso e vamos cuidar das nossas crianças de fato, ao invés de ficarmos pensando que o Brasil está no caminho certo. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Deuzinéia Nogueira da Silva, Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que aprofundou a situação do trabalho infantil, do adolescente, nesse leito do trabalho escravo, adulto. E, como dizia antes, nós temos que nos preocupar até com o trabalho escravo para os idosos, já que vamos viver 140 anos. São palavras do Presidente da República, não fui eu que disse. Em uma palestra em São Paulo, ele disse que nós vamos viver até 140 anos. Eu disse outro dia e repito: quero que me digam qual o país do mundo ou lá em cima, talvez... Lá em cima, talvez, chegue-se aos 140 anos. Quer passar aquele último vídeo, que pega a previdência e a CLT, também dos artistas que liberaram para que a gente pudesse usar, porque virou piada essa dita reforma trabalhista, previdenciária. (Procede-se à execução de vídeo.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eles são muito criativos. De fato, eu tenho usado inclusive nas palestras, independente de quem produziu, porque desmoraliza mesmo, e é para desmoralizar essa dita reforma que eles fizeram. E em todo lugar onde vou, vejo como o povo vai percebendo. É incrível como com uma mensagem como essa o povo percebe, às vezes mais do que as nossas falas, que são de um conteúdo profundo, tudo o que foi dito aqui hoje. A mensagem que eles pegam... É isso mesmo. Pior que isso é verdade, parece piada, mas não é, é verdadeiro o que está acontecendo aí tanto na trabalhista como também na previdenciária. Eu queria agradecer a todos as contribuições que deram aqui, repito, vão ser fundamentais. As notas taquigráficas nós estamos pedindo para que possamos elaborar tanto o livro, porque saiu um no primeiro semestre e depois sairá outro, com a fala de todos os nossos convidados. Acho que nós estamos fazendo aquilo que eles deveriam ter feito. Querem mexer na lei trabalhista, vamos aprofundar o debate, vamos ver onde está o problema, como aqui vocês estão mostrando com muito conhecimento. Eu queria encerrar a nossa audiência, já são 12h15, agradecendo a todos, a todos mesmo. |
| R | Oxalá que a gente eleja, eu uso um termo mais pesado, um Congresso decente em 2018 - ou seja, eu estou dizendo que neste a maioria é indecente - e tenhamos um Presidente decente também a partir das próximas eleições. E quem sabe, aí, sancionar o estatuto que os senhores estão construindo aqui, dando a sua parte na história do País, olhando com esse olhar - e vocês aqui foram muito felizes hoje - das crianças, dos adolescentes, dos adultos e dos próprios idosos. Uma salva de palmas a vocês! (Palmas.) Está encerrada a audiência pública de hoje. (Iniciada às 09 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 16 minutos.) |
