20/11/2017 - 10ª - Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a 10ª Reunião da Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 145, de 2017, da CDH, de minha autoria, para debater o tema: “Tutela Necessária dos Segmentos Constitucionalmente Protegidos: Pessoas com Deficiência, Crianças e Adolescentes, Mulheres, Idosos, Negros e Índios”. Eu colocaria aqui ciganos e terceirizados, porque eles estão nos vulneráveis. O Peixe a que estou me referindo aqui é o sindicalista aqui, que vive dentro Congresso e defende as pessoas que trabalham em empresas terceirizadas. Só para situar.
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Esta audiência púbica será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no link www.senado.leg.br/ecidadania e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Antes de iniciarmos os trabalhos, informamos a todos que, em função da relevância e qualidade dos debates realizados nas audiências públicas desta Comissão, as palestras serão organizadas para publicação, ao final de cada semestre, com base nas notas produzidas pelo serviço de taquigrafia da Casa, que, desde já, ficam solicitadas, conforme encaminhamento aprovado em sessão anterior.
Vamos à composição da Mesa. Já está conosco aqui o Dr. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, autor da tese de que todas as políticas de ações afirmativas têm matriz no Direito do Trabalho. Permitam também que eu diga que o Dr. Ricardo nos ajudou muito, muito, muito na construção do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Se existe hoje o Estatuto da Pessoa com Deficiência - tivemos, claro, quatro Relatores, que eu sempre destaco, Flávio Arns, Celso Russomanno, Mara Gabrilli, Romário, e eu fui o autor -, mas se não fossem pessoas como o Desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, o estatuto não teria avançado. Ele discutiu aqui, discutiu lá, quando foi convidado - no tempo, acho que foi a Maria do Rosário ainda -, em uma comissão especial, num amplo debate. Enfim, o estatuto hoje é uma realidade. Eu queria dar uma grande salva de palmas ao Dr. Ricardo. (Palmas.)
Um vencedor, mas que está sempre à procura de ajudar outros que precisam vencer. E, com certeza, nós queremos que todos vençam - não é, Dr. Ricardo? -, que todos tenham um lugar ao sol.
Convidamos agora a estudante da Universidade de Brasília (UnB), a líder Braulina Aurora Baniwa. Está certo? Então, uma salva de palmas. (Palmas.)
Ela também vai fazer um depoimento - pode sentar aqui, do meu lado - nesta situação dos mais vulneráveis.
Convidamos também Katleem Marla Pires de Lima, Auditora Fiscal do Trabalho e Coordenadora do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Goiás. (Palmas.)
Já esteve conosco aqui, em algumas oportunidades, dando belas contribuições. Ela, como é mais jovem, agora vai ficar em cadeira cativa também. Quem vem aqui e gosta, sempre é convidado e volta.
E, nesta Mesa, convidamos Waldemiro Livingston de Sousa, Presidente da Associação dos Prestadores de Serviços do Senado Federal. Esse é o Peixe. (Palmas.)
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O Peixe já é cadeira cativa aqui também.
Deixe-me aqui fazer uma pequena introdução.
Conforme requerimento de nossa autoria, foi criada esta Comissão Especial para discutir o Estatuto do Mundo do Trabalho. Estamos realizando esta que hoje deve ser já a 10ª ou a 11ª Reunião.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A 10ª Reunião.
O tema de hoje é “Tutela Necessária dos Segmentos Constitucionalmente Protegidos: Pessoas com Deficiência, Crianças e Adolescentes, Mulheres, Idosos, Negros e Índios”. Enfim, todos aqueles que mais precisam.
Como de hábito, esta audiência está aberta à participação da sociedade. As pessoas podem enviar seus comentários ou perguntas pelo Portal e-Cidadania, através do link www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo Alô Senado, número 0800-612211.
Esta é mais uma audiência pública do ciclo de debates que iniciamos em agosto e pretendemos finalizar, de acordo com o plano de trabalho da Subcomissão, em abril de 2018, para podermos, então, ter a primeira versão do Estatuto do Mundo do Trabalho ou da Consolidação das Leis do Trabalho, porque essa que foi aprovada é o que a gente chama da Consolidação do Empregador ou Estatuto do Empregador. Em vez de CLT virou CLE. Está uma lambança geral no País. Ninguém sabe o que fazer. Nem o Governo sabe.
Para se ter uma ideia, ontem mesmo - nesta semana, houve aquele feriado na quarta -, visitei umas 15 cidades no Rio Grande do Sul. Inúmeros empregadores me procuraram para eu dizer o que fazer. Inúmeros estão fechando acordo baseados na legislação correta, digamos. Não vou dizer antiga. Vou dizer que é baseada na própria CLT, e não estão se debruçando sobre essa esculhambação que eles fizeram. Nem eles se entendem mais.
Até pensaram eles em criar esta mesma comissão que nós criamos aqui. Mas nós já estávamos na 7ª ou na 8ª Reunião, quando eles disseram que iriam criar uma comissão, porque nem o Governo estava entendendo o que foi feito aqui no Congresso. Ela veio da Câmara, e o Senado se negou a discutir. Só carimbou em cima, com o que eu fiquei muito bravo. Eu li o relatório por cinco horas e meia, e não aceitaram nem uma emenda.
Eu agradeço muito, porque o relatório que nós apresentamos, para o qual a Anamatra ajudou; o Ministério Público do Trabalho ajudou; o Sinait, o MPT. O Leandro está falando, porque ele, que é advogado também, ajudou junto com esse grupo todo. As entidades sindicais e até patronais sérias vieram aqui e deram o depoimento contra aquilo que estava sendo feito.
Então, está uma bagunça generalizada. Por isso, a importância do nosso trabalho. Acho importantíssima a reunião de hoje. Por exemplo, aqui há dados de um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que abrangeu 18 nações latino-americanas, e identificou que, apesar das políticas destinadas a reduzir a desigualdades, as mulheres e minorias étnicas ainda estão em clara desvantagem.
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Eu li, se não me engano, naquele jornal de São Paulo, Valor Econômico uma matéria que diz que a população negra ganha 55% do que ganham os que não são negros - eu li agora; numa palestra que eu estava dando, eu usei os números -, e o desemprego é gritante em relação a negros e não negros. Nós queremos espaço para todo mundo: queremos que negros, brancos, índios, ciganos, todos, tenham direitos iguais; e mulheres - os dados são assustadores com as mulheres também; a mulher ganha bem menos que o homem na mesma atividade.
Esse dado trabalha nessa linha. Segundo esse mesmo estudo, a diferença salarial entre homens e mulheres é de 17% em média por região, ou seja, a mulher, na mesma função, na mesma atividade, em média ganha 17% a menos. E os outros dados são esses que eu, mais ou menos, falei aqui.
É importante essa audiência no dia de hoje, porque hoje é 20 de novembro, e é claro que eu vou fazer um pronunciamento no plenário contra todo tipo de preconceito: contra negro, contra branco, contra índio, contra mulher, contra criança, contra deficiente, contra idoso, aproveitando alguns dados, inclusive, que nos foram passados, como, por exemplo, um dado curioso nesse mesmo estudo, que é o fato de que, especificamente no Brasil, os homens ganham - aqui arredondam - 30% a mais do que as mulheres quando ambos têm a mesma idade, o mesmo nível de instrução e trabalham, digamos, na mesma função. Enquanto isso, na Bolívia, por exemplo, essa diferença é insignificante; na Bolívia o homem e a mulher praticamente ganham na mesma função o mesmo salário.
O BID fez uma análise detalhada das causas das diferenças salariais entre a minoria e outras populações no Brasil. Bolívia, Chile, Equador, Guatemala, Peru e Paraguai, uma média simples dos salários nos sete países mostra que uma minoria ganha 38% mais que as chamadas minorias, no fundo, para mim são maioria; são classificadas como minorias, mas, se somarmos tudo, são maioria, e chegam a ganhar em média nesses países todos, começando pelo Brasil - Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Guatemala, Peru e Paraguai -, quase 40% a menos. Quanto ao estudo, levando em conta idade, gênero e nível de instrução, a defasagem fica quase em 30% em relação àqueles que não estão no chamado setor vulnerável.
O Brasil é o país com a mais alta defasagem salarial por etnia, enquanto o Equador, que apresenta defasagem mais baixa entre os sete países da amostra, é o mais equilibrado. Outra coisa muito interessante que esse estudo constatou, o uso de método estatístico, foi o seguinte: os pesquisadores conseguiram explicar dois terços das diferenças salariais. Por exemplo, 25% da diferença salarial entre negros e não negros passa muito pela instrução. Aqui mostra aquele... Se compararmos os quadros... A instrução, quer dizer, o acesso à universidade, quando aqui, nós do Brasil, aplicamos a política de cotas, ainda com muito equilíbrio, 50% para negros, brancos e índios pobres. Esse governo que está aí está questionando a própria lei. Eu falava da história da formação do povo brasileiro, entre negros, brancos e índios, eles também agora disseram que não é mais obrigatório nas escolas. É retrocesso para todo lado. É só contar a verdade. É proibido contar a verdade.
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Enfim, vou encerrar por aqui. São muitos os dados que vou usar no plenário, à tarde. Mas eu queria só e não posso deixar de registrar dois fatos que aconteceram praticamente nesta semana, em relação ao povo negro.
Um foi um artista, um ator, um jovem negro que foi assaltado. Ele sai correndo e encontra os seguranças da própria Prefeitura de São Paulo. Aí ele pede socorro. Os que vinham atrás e que não eram negros e o estavam perseguindo disseram que ele tinha roubado alguma coisa deles. Resultado: os seguranças o entregaram para os bandidos. Ele era negro e os caras estavam com cachorro, inclusive. Eu li uma matéria. Então, fica o registro aqui. Vou ao plenário depois fazer um voto de solidariedade a ele e, claro, de indignação pelo que aconteceu. Esse foi um fato.
O outro fato, queiramos ou não, e não vou entrar em detalhe, é o de um apresentador - tenho que dizer. Não há como não dizer. Eu não sou daqueles que fica: "A Rede Globo, o SBT, a Bandeirantes e tal..." - da Rede Globo. Ele fazia uma transmissão dos Estados Unidos para cá. Ele ouviu um barulho na rua de buzina e disse para o colega dele: "Só pode ser coisa de negro." É lamentável. É claro que o pessoal que estava no estúdio ficou muito indignado e acabou passando o vídeo, que está andando em todo o mundo. Parede que ele foi afastado da emissora, pelas informações que a gente recebeu. Mas é lamentável isso.
Os negros, que neste País ficaram quase 400 anos sob escravidão, então, é coisa de negro manter um povo sob escravidão por 388 anos? É coisa de negro? É coisa de negro trabalhar e ganhar a metade praticamente do salário? É coisa de negro, quando houve a liberdade, não deram aos negros o direito de estudar nem de terem as ferramentas, muito menos as do trabalho? Isso é coisa de negro? É coisa de negro querer ter acesso à universidade? Pela forma pejorativa como que ele colocou...
Então, é coisa de negro eu estar aqui, no Parlamento. Acho que na história da República, pelo voto direto, eu sou o único Senador que chegou aqui e chegou uma Deputada, a Benedita. Houve outros que chegaram como suplentes pelo voto direto. Isso é coisa de negro? É coisa de negro, então, o autor do Estatuto da Pessoa com Deficiência. O autor do Estatuto do Idoso é coisa de negro. O autor do Estatuto da Igualdade Racial é coisa de negro; da Política do Salário Mínimo é coisa de negro; da Lei dos Autistas é coisa de negro; de estar travando esse combate contra a reforma trabalhista e a reforma previdenciária é coisa de negro, então, tanto que provamos, na CPI, que a previdência não é deficitária. O que existe é desvio do dinheiro da previdência para outros fins. Então, é coisa de negro fazer essa investigação.
Em resumo, se ser negro, na visão dele, é ser rebelde e defender, por exemplo, Peixe, os terceirizados; defender os trabalhadores e aposentados; defender os discriminados; defender aquele que tem a sua orientação sexual; defender a religião de cada um com toda a liberdade, se isso é coisa de negro, eu digo, com muito orgulho, que eu, Paulo Paim, sou negro, gaúcho, eleito pelo Rio Grande do Sul e estou aqui há 32 anos. (Palmas.)
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E olha que sou daqueles que dizem sempre que haverá uma verdadeira sociedade, baseado numa frase de Martin Luther King que guardo sempre para mim, quando brancos, negros, índios, ciganos, sentarem-se à mesma mesa, comerem do mesmo pão e desfrutarem da sombra da mesma árvore. Há uma frase de Mandela que digo a todos para que guardem e que fala como é bonito, como é gostoso, como é prazeroso, como faz bem a gente ensinar uma criança a amar outra. Calculem os senhores como é ignorante, como é truculento, como é desonesto, ensinar uma criança a odiar a outra pela cor da pele. Frase do Nelson Mandela. Uma salva de palmas a Nelson Mandela, uma salva de palmas a Zumbi, a Gandhi. Gandhi não era negro, mas estou falando aqui para mostrar todos aqueles homens que deram as suas vidas por políticas humanitárias, que é o que vamos discutir hoje aqui: os direitos humanos.
Feita a introdução que queria fazer, lembrando o 20 de novembro, de imediato passo a palavra ao nosso convidado. Todos são nossos convidados, claro, mas falo do Dr. Ricardo. Para quem chegou depois, ele nos ajudou muito na construção do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Dr. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, autor da tese de que todas as políticas de ações afirmativas têm matriz no Direito do Trabalho. Com o senhor, Dr. Ricardo.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Bom dia a todos!
É uma honra, Senador, uma alegria acima de tudo, estar aqui ao seu lado, voltar ao Senado para defender os direitos humanos. O Senador Paulo Paim é um emérito defensor e aprimorador do sistema de direitos humanos. Aliás, aprimorá-lo é o nosso dever. Qualquer retrocesso em relação aos direitos humanos é uma chaga, é uma chaga que gera consequências terríveis.
Quando o Senador mencionou que podia elaborar uma tese de doutorado acerca desse assunto, de fato, assim o fiz. Em 2002, comecei o doutorado na Universidade Federal do Paraná. Por isso mesmo moro lá. Sou paulista, mas decidi viver em Curitiba, porque fui fazer o doutorado lá. A minha ideia era demonstrar que o Direito do Trabalho inaugurou a matriz jurídica e humanística que deu espaço à implantação de políticas de ação afirmativa.
Na verdade, o Direito do Trabalho foi o primeiro sistema jurídico, Senador, que rompeu um mito: o mito de que todos são iguais perante a lei. Isso, num primeiro momento, foi muito importante, essa consagração da igualdade de todos perante a lei. Foi uma conquista, no século XVIII, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quer dizer, essa matriz de igualar governantes e governados sob o império de uma lei que fosse o resultado da vontade da maioria do povo, de fato, foi uma conquista. Foi uma conquista inestimável e ela está na Constituição do Brasil. É o caput do art. 5º: "Todos são iguais perante a lei".
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A questão é que isso não é suficiente. Não basta afirmar que todos são iguais perante a lei se a realidade da vida nos desiguala. Quer dizer, é importante submeter governantes e governados ao império da lei, é importante tratar ricos e pobres da mesma forma, sob o império da lei. Mas é verdade também que outras pessoas, as que não são tão bem aquinhoadas pelas riquezas da vida, precisam de leis que as protejam, precisam de suporte jurídico que as equipare aos poderosos.
Então, o Direito do Trabalho foi o primeiro sistema legal, que, aliás, foi conquistado pela classe trabalhadora, que trabalhou essa ideia da igualdade real das pessoas perante a sociedade. Afirmar que todos somos iguais perante a lei é importante, mas não basta. Essa igualdade meramente formal não é suficiente para que as injustiças sociais sejam devidamente resolvidas.
Em razão dos embates históricos que se travaram na Europa, na Revolução Industrial, entre trabalhadores e empregadores, ficou clara a necessidade de criar um sistema jurídico que, como eu dizia, municiasse os economicamente desamparados de poder jurídico e, assim, os equiparasse aos economicamente mais fortes. Então, o Direito do Trabalho inaugura a ideia de direitos sociais. Se a igualdade formal do século XVIII foi importante, porque criou os direitos civis, a ideia de que todo cidadão deve ser tratado igualmente perante a lei, a lei deve submeter todos, foi importante, mas foi complementada pela ideia de que o Estado deve prover bens da vida que equiparem as pessoas efetivamente.
Foi nesse momento da História, por exemplo, que se iniciou a ideia de saúde pública. Quer dizer, o Estado deve ter um trabalho que propicie condições dignas de vida para as pessoas, também educação pública. Então, o Direito do Trabalho introduz essa ideia de que você deve ter um sistema jurídico que equipare efetivamente as pessoas, dando-lhes bens da vida inerentes à dignidade mínima das pessoas. Então, estamos a falar disto aqui.
Quando a Constituição do Brasil estabelece que devemos construir uma sociedade livre, justa e solidária, como diz o art. 3º, está, Senadora, a repetir o lema da Revolução Francesa: "Liberté, Égalité, Fraternité!" Quando falamos de liberdade, estamos a tratar da igualdade formal. Quando falamos de igualdade, estamos a tratar da igualdade material. E, quando estamos a falar de fraternidade, Senadora, é aqui que o Direito se aprimora. A fraternidade diz respeito justamente à tutela dos mais fracos entre os mais fracos ou, como se dizia antigamente, das minorias, expressão que foi aprimorada pela ideia de defesa de grupos vulneráveis. Ou seja, entre os mais fracos existem aqueles que, por circunstâncias históricas, culturais, sociológicas, são mais fracos.
A Senadora acabou de dispor aqui a questão da mulher. Na Revolução Francesa, quando se fez a Declaração Universal dos Direitos do Homem, houve uma mulher, Constance, que reclamou que aquela declaração deveria chamar-se Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Mulher Cidadãos. Ela foi guilhotinada por ousar querer equiparar a mulher ao homem, foi morta. Então, a luta das mulheres começou ali.
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Então, no século XX, as mulheres quiseram o direito de votar, porque sequer votar podiam. Quiseram o direito de concorrer nas eleições, porque também não podiam. E o Código Civil do Brasil que vigorou até 2002 estabelecia que o homem era o chefe do casal, era o cabeça do casal, a mulher deveria se submeter à vontade do homem, do marido. Isso, vejam, vigorou no Brasil formalmente até 2002. É claro que a Constituição do Brasil já não recepcionou essa norma quando, no mesmo art. 5º e no art. 226, equiparou homens e mulheres.
E vejam que foi um grande avanço essa ideia, essa construção, então, primeiro, de conseguir a igualdade real entre as pessoas. E por que o Direito do Trabalho foi isso? Porque o Direito do Trabalho justamente nasceu num momento em que se prometiam liberdades e conquistas, rompendo com o antigo regime dos reis autoritários. Então, construíram-se direitos inerentes à condição civil dos cidadãos, mas isso não foi suficiente, como eu disse, porque, justamente em relação ao mercado, o Estado não queria intervir. Quer dizer, naquele momento, se concebia um Estado mínimo. E se acreditava que o mercado poderia ser justamente a força que equilibraria as relações entre capital e trabalho, mas isso não foi possível.
O que se viu foi algo aterrador: crianças da mais tenra idade trabalhando em jornadas de 16 horas. Tenra idade que eu digo é dois, três anos, porque não havia limite. Então, a força de trabalho era uma mercadoria que se comprava e se vendia no mercado como qualquer outra coisa, como energia elétrica no século XIX, como energia animal, enfim. Se você tem bastantes trabalhadores, e nós temos no Brasil, infelizmente, um exército de desempregados de 13 milhões de pessoas... Então, você vai falar de negociado sobre legislado nessas condições? Qual é a força de barganha que os sindicatos têm agora? Estamos a regredir ao século XVIII. (Palmas.)
Estamos a regredir a um momento histórico em que se pensava que o mercado resolvia as coisas, mas no mundo civilizado - e o Direito do Trabalho é parte do processo civilizatório - isso já está superado. Eu quero ver se a direita alemã, por exemplo, pensaria em fazer um Direito do Trabalho como é esse que está sendo pensado pela reforma. Isso nem passa pela cabeça deles, porque eles sabem que o Direito do Trabalho equilibra o capitalismo. (Palmas.)
O Direito do Trabalho distribui dignidade e, acima de tudo, do ponto de vista capitalista, renda. Quando você faz o direito a décimo terceiro, a férias, você está distribuindo renda que viabiliza o consumo e, portanto, o próprio capitalismo. O Direito do Trabalho é um fenômeno capitalista. Você aniquilar o Direito do Trabalho é aniquilar o próprio capitalismo, é aniquilar a liberdade de mercado. Então, veja: quando se pensa na ideia de um direito que equilibra juridicamente as forças, se está a pensar justamente na viabilidade econômica e social do sistema de mercado livre.
E qual foi o avanço que se teve aqui? O Direito do Trabalho começou em 1802. Vejam que interessante: a primeira lei de Direito do Trabalho chamava-se Moral and Health Act. Essa lei de 1802, pasmem, estabelecia uma jornada de 12 horas para todo mundo, o que foi um avanço para os trabalhadores ingleses naquele momento, 12 horas de jornada, mas, gente, fixava uma idade mínima para o trabalho - é assustador, mas foi o avanço daquela época - de nove anos. Eles achavam moral que uma criança de nove anos trabalhasse. Então, vocês imaginem o que havia antes. Então, o Direito do Trabalho, a partir do Moral and Health Act, inaugura a ideia de que o Estado deve intervir nas relações de capital e trabalho para equilibrá-las e viabilizá-las, porque se não, aquele economicamente forte subjuga de tal forma o economicamente fraco que o próprio sistema econômico e social fica inviável, a sociedade se desestabiliza. Essa foi uma conquista da civilização.
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No Brasil, nós tivemos a CLT, do Getúlio Vargas, que não foi uma criação dele. É importante que se diga isso. Primeiro, ela foi criação da Organização Internacional do Trabalho, que, aliás, foi a primeira organização internacional, Senador, que foi fundada em 1919, justamente ao cabo da Primeira Guerra, por quê? Porque, quando se concluiu que era necessária uma intervenção do Estado para evitar iniquidades, como se via no século XIX, o primeiro ponto de conflito social que foi observado pela civilização humana foi justamente do capital e do trabalho. Então, a Organização Internacional do Trabalho, que é de 1919, começou a estabelecer referências justamente para evitar a exploração daqueles mais vulneráveis.
Foi a própria OIT, Senador, que desenvolveu tratados internacionais de proteção à criança, como a Convenção nº 138, de 1972. Foi a OIT que desenvolveu a Convenção nº 100, dos anos 50 do século XX, de equiparação do salário da mulher e do homem, porque desde sempre os salários da mulher e do homem foram diferentes. Foi a própria Organização do Trabalho que, também nos anos 50 do século XX, estabeleceu a Convenção nº 105, que combate o trabalho escravo, Senador. Foi a OIT que deu essa referência. Também nos anos 50, a Organização Internacional do Trabalho criou a Convenção nº 111, que combate qualquer forma de descriminação.
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Então, a Convenção nº 111 foi criada justamente para evitar a discriminação como essa que se vê contra as mulheres, contra as pessoas com deficiência, contra os negros no trabalho.
Então, o Direito do Trabalho pôde voltar inicialmente sua atenção a grupos vulneráveis porque ele tem na sua matriz essa ideia de que devemos - e aqui é uma ideia do Aristóteles, que a humanidade já conhece desde a Grécia - tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, e aqui o nosso grande jurista Rui Barbosa acrescenta a essa parêmia a ideia de que isso deve ser feito de forma justa. Então, a frase com que a humanidade trabalha e que o Direito do Trabalho contempla é: a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais - e Rui Barbosa ensina - na justa medida da desigualdade, ou seja, o Direito deve propiciar mecanismos justos para equiparar as pessoas efetivamente, para lhes proporcionar uma condição socialmente justa, com bens da vida, bens jurídicos que as equiparem, que protejam a dignidade humana.
Esse processo ficou francamente aprimorado a partir da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vejam que aqui já não se fala mais em direitos dos homens, por causa justamente do trabalho das mulheres, na primeira metade do século XX. Então, em 1948, depois da Segunda Guerra, porque Hitler e Mussolini foram eleitos por leis majoritárias, implementaram políticas sociais prometendo justiça social, ou seja, eles utilizaram todas as conquistas da humanidade justamente para oprimir. Então, eles votaram leis que colocaram não só os judeus nos campos de concentração, mas também os homoafetivos, os ciganos e o alemães que não os interessavam, os inimigos políticos. O que se quis, a partir da segunda metade do século XX, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi a ideia de que todo ser humano nasce livre e igual em dignidade e direitos. (Palmas.)
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Esse é o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vejam que aqui ele está colocando, no mesmo nível, a igualdade e a liberdade, porque os americanos e os russos queriam fazer o mundo achar... "O importante é a liberdade", diziam os americanos; e os russos: "Não, o importante é a igualdade". E ambos sacrificavam esses valores, ou seja, os americanos sacrificavam a igualdade, e os russos, a liberdade. Isso é balela. Liberdade e igualdade são valores intrinsecamente complementares, formam uma unidade indissolúvel. Todo ser humano nasce livre e igual. E vejam que essa Declaração é a primeira que afirma que a dignidade é um bem jurídico que deve ser basicamente tutelado. Não basta afirmar direitos, mas os direitos devem, efetivamente, assegurar a dignidade humana. E a Constituição do Brasil inclui a dignidade como estrutura fundante do Estado brasileiro. A pluralidade, a cidadania, o valor social do trabalho e da livre iniciativa e a dignidade humana sãos os valores fundantes da República do Brasil.
O direito do trabalho foi justamente a matriz de toda essa ideia de que, na verdade, o direito deve assegurar a igualdade efetiva entre as pessoas, a igualdade material, real entre as pessoas. E foi o próprio direito do trabalho que abriu, portanto, o espaço para que a defesa de grupos vulneráveis, como mulheres, crianças, minorias raciais ou maiorias raciais que politicamente são oprimidas, como acontece no Brasil... Aliás, Senador, o Brasil é coisa de negro, a maior parte da nossa população é negra! (Palmas.)
Nós somos uma Nação negra na matriz, ou seja, nós temos no gene de cada um de nós o sangue negro. Isso nos orgulha. É por isso que o povo brasileiro é carinhoso; é por isso que o povo brasileiro é afetivo, ele se toca, se abraça; é por isso que a culinária do Brasil é uma das melhores do mundo; é por isso que a música do Brasil é uma das melhores do mundo. É a influência negra, da qual nós temos que nos orgulhar muito mesmo.
Nós vamos agora imaginar um instrumento de reação aos desvarios - me permita e me desculpe o Congresso brasileiro, mas a reforma é, de fato, um desvario. E é um desvario por quê? Porque ela foi feita a poucas mãos, não foi debatida com a sociedade... Houve audiências, é verdade, mas, ao que me consta, todas as sugestões que foram feitas nas audiências públicas foram absolutamente ignoradas, ou seja, houve audiências formais. Então, foi um projeto que tramitou rapidamente e que, infelizmente, contempla equívocos técnicos lamentáveis, Senador. A medida provisória diz lá: "A Lei 13.467 se aplica integralmente aos contratos vigentes..." O que é contrato vigente? Contrato que está vigendo quando entrou em vigor a Lei 13.467. Só que a Lei 13.467 se submete ao art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição, ou seja, a lei deve respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Palmas.)
Não adianta nada a lei afirmar que a gravidade está invertida: daqui para a frente, a maçã vai cair para cima. Ela não vai cair para cima. Então, por mais que a lei afirme que ela se aplica integralmente aos contratos vigentes, aos contratos em vigor, esses contratos que implementaram direitos que se tornaram adquiridos pela repetição no tempo não vão ser afetados. O direito adquirido é um instituto constitucional.
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Também quando a reforma afirma que, adotadas as formalidades para a contratação de autônomos, isso impedirá a relação de emprego, eles tentaram corrigir agora, colocando lá "se houver subordinação". Quer dizer, choveram no molhado, porque, se você contrata alguém formalmente como autônomo, mas, na prática, se ele é um empregado subordinado, presta serviço pessoal, remunerado e continuado, ele vai ser empregado. Então, a verdade é que esses institutos que o Direito do Trabalho já consagrou são institutos que são constitucionalmente tutelados, porque o art. 7º da Constituição diz que são esses os direitos dos trabalhadores brasileiros, entre outros que visem à melhoria da sua condição social. Portanto, o princípio da vedação do retrocesso está no caput do art. 7º da Constituição em relação aos direitos sociais.
Enfim, é claro que os direitos adquiridos hão de ser preservados, é claro que muitos desses dispositivos que removem direitos são altamente questionáveis do ponto de vista constitucional, mas quem tem a palavra final sobre isso é a Suprema Corte do Brasil. É claro que nós, juízes do Trabalho, vamos defender os direitos trabalhistas. E é uma bobagem achar que a CLT é direito dos trabalhadores. CLT é direito dos trabalhadores e dos bons empresários, porque os bons empresários precisam da CLT. (Palmas.)
Quem não precisa da CLT, com todo o respeito, que não me merecem, são os maus empresários. Quem tem raiva da CLT é porque não sabe trabalhar bem com direitos trabalhistas e não entende que os direitos do trabalho garantem a paz social, o equilíbrio social e viabilizam a economia, senhores. Do que adianta você precarizar salários, do que adianta você contratar uma pessoa para o trabalho intermitente, ganhando por horas de trabalho? O que essa pessoa vai poder consumir? Como ela vai viabilizar o próprio capitalismo? Então, essa é uma visão equivocada das coisas, com todo o respeito, porque isso se trata de lei. Eu estou fazendo uma crítica aqui não como juiz, mas como cidadão. Vou aplicar a lei. Evidentemente eu vou aplicar a lei.
Nós tivemos uma jornada, Senador, que foi patrocinada pela Anamatra, e infelizmente houve divulgação de matérias: "Os juízes do Trabalho e ministros do Trabalho se reuniram para não aplicar a reforma." Ora bolas, nós nos reunimos exatamente para cumprir o nosso dever, que é aplicar a reforma, claro, em respeito à Constituição do Brasil. (Palmas.)
Porque a Constituição do Brasil foi a carta de libertação do povo brasileiro. A nossa Constituição é uma das mais lindas do mundo. Foi construída com suor, com dor, com sangue, com lágrimas do nosso povo. Portanto, ela é sagrada. E não é uma penada de alguém que está tecnicamente equivocado que vai derrubar a Constituição do Brasil.
Senador, no que diz respeito a grupos vulneráveis, V. Exª disse bem, eu trabalhei bastante no Estatuto da Pessoa com Deficiência, até porque essa é uma condição minha. Eu sou cego e sou deficiente físico. Então, eu, quando comecei a vida, Senador, tive muito problema. Ninguém me dava emprego, porque, embora eu estudasse no Largo de São Francisco, embora eu já estivesse fazendo pós-graduação logo que me formei, era comum eu enviar o meu currículo... Então, eu vou dar esse depoimento aqui, porque é importante que isto fique registrado nos Anais do Senado Federal, o que é a vida de uma pessoa com deficiência.
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Então, nos anos 80, eu me formei. Aliás, eu perdi a visão no terceiro ano da faculdade e devo a minha formatura, Senador, ao trabalho solidário dos meus colegas maravilhosos, que gravavam, Senador, em fita cassete os livros para eu poder estudar, pois não havia computadores naquela época. (Palmas.) Então, eu sou resultado do esforço coletivo da turma de 1984 do Largo de São Francisco, a quem eu sempre rendo sinceras e profundas homenagens.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Sim. Eu sou fruto do esforço coletivo da turma de Direito do Largo de São Francisco de 1984. (Palmas.)
Meus colegas gravaram em fita cassete, Senador, os livros e os cadernos para eu poder estudar, e eu fazia, então, as provas oralmente, porque eu não sabia braile - eu não sei braile. Hoje já trabalhamos com programas de computador que falam o que está na tela, mas, naquela época, não havia isso.
Então, Senador, eu me formei lá no Largo de São Francisco, que lá em São Paulo é a melhor faculdade de Direito - tenho muito orgulho disso, não vou ser falso em negar esse orgulho. Estava fazendo já especialização, depois mestrado e tal, e, mesmo assim, ninguém me empregava. Era comum eu enviar o currículo, o pessoal ligava para mim e dizia: "Olhe, você já está contratado, o seu currículo é o melhor." Aí, eu chegava na empresa e ficava - e não foi uma vez só, Senador - uma hora, duas horas na sala de espera e o pessoal vinha com uma desculpa esfarrapada. Uma delas chegou a dizer assim: "Olhe, infelizmente, na última hora, a vaga ficou para o filho do dono da empresa, não vamos poder contratá-lo." Quer dizer, eles inventavam histórias estapafúrdias para não me contratar.
Até que eu comecei a trabalhar como assessor de um juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, Dr. Oswaldo Preuss, que já faleceu e foi meu grande mestre. Com isso, continuei os estudos e fiquei trabalhando com ele por cinco anos. E ele me estimulou a fazer concurso para ser juiz, Senador. E eu fiz o concurso. Estava fazendo a primeira prova, fiz a segunda prova, estava com uma das melhores notas do concurso, daí o Presidente do Tribunal de São Paulo, à época, Sr. Nicolau dos Santos, o conhecido Lalau, antecipou o meu exame médico - vejam só: antecipou, porque todo mundo faria o exame médico depois da conclusão das provas, mas meu exame foi antecipado - e, com base num laudo médico altamente questionável, eu fui afastado do concurso. Então, eu fui impedido de ser juiz, eu fui impedido de ser juiz. Eles precisavam desse laudo médico. Eu falei para os médicos: "Vocês não entendem de magistratura, vocês não entendem de processo. Vocês entendem de Medicina, vocês sabem que eu sou cego, mas, até aí, todo mundo sabe." Mesmo assim, eles precisavam dum pretexto para me tirar do concurso e tiraram.
A minha sorte é que existe uma certa rixa institucional, Senador, entre o Ministério Público e a magistratura, um quer ser melhor que o outro. E, nesse jogo, eu ganhei, porque, quando eu me inscrevi para fazer o concurso do Ministério Público do Trabalho, em 1991, o Ministério Público falou: "Não. Lá eles o discriminaram. Aqui ninguém vai discriminá-lo não. (Palmas.)
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - E tive a honra de ser aprovado em sexto lugar num concurso em que havia 4,5 mil candidatos.
Eu permaneci no Ministério Público, Senador, por 18 anos e lá eu pude trabalhar também, Senador, numa lei que me orgulha muito, que é a Lei dos Aprendizes, a Lei 10.097, porque, naquela época, Senador, tínhamos as Guardas Mirins, que eram entidades meritórias, mas que colocavam os meninos pobres nas empresas sem direitos. Eles tiravam os moleques da rua e colocavam nas empresas trabalhando. Então, isso era uma beleza, só que fazia sem direito trabalhista. Então, o que a Lei nº 10.097 viabilizou, Senador, é que a aprendizagem seja feita não só pelo Sistema S - Senai, Senac etc. -, mas também por organizações não governamentais devidamente habilitadas e por escolas técnicas. Com isso, nós temos hoje 450 mil aprendizes, e ainda há espaço para crescer. Então, veja que os adolescentes no trabalho também precisam de proteção. Por isso, eu senti na carne o que é você ser discriminado por uma condição peculiar que você tem.
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O que é a Convenção da ONU que o Brasil ratificou? Eu vou começar falando, então, das pessoas com deficiência, e depois eu vou tratar um pouquinho de cada...
Qual é o meu tempo, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A sua fala é apaixonante. A fala dele é apaixonante! O seu tempo era dez minutos. Eu lhe dei 20, mas se todos concordarem, eu vou dar mais 20, porque não é todo dia que a gente tem uma fala com essa, contando a sua história. (Palmas.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Muito obrigado!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu não tenho pressa. Eu não tenho nem horário para almoçar. Então, o senhor tem mais o tempo necessário para aprofundar os outros temas.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Muito obrigado!
Então, vejam só. Vou começar a tratar do primeiro grupo vulnerável, que são as pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência tiveram os seus direitos assegurados mundialmente pela Convenção Internacional de Direitos da Pessoa com Deficiência, de cujos trabalhos, Senador, eu tive a honra de participar, lá na ONU. Eu auxiliei a delegação brasileira nisso. Eu estava lá quando finalizamos o texto da convenção.
Eu vou sintetizar, porque as pessoas com deficiência, sejam pobres, sejam ricas, sejam homens ou mulheres, sejam brancas ou negras ou amarelas, em razão da deficiência, não usufruem dos direitos humanos básicos. Se você tem uma calçada ruim, Senador, uma calçada com degraus, buracos, etc., uma pessoa com muletas ou cadeira de rodas não exerce o direito básico de ir e vir. Uma pessoa que não enxerga, se não tiver os instrumentos adequados, não pode trabalhar, não pode estudar, não pode nada. Normalmente, as sociedades humanas viam as pessoas com deficiência como pessoas problemáticas. Principalmente a industrialização viabilizou isso: "vamos fazer uma sociedade que atenda a maioria; quem não se adequar fica em casa". Essa era a ideia. E as pessoas com deficiência, justamente porque têm impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais não usufruem de direitos humanos básicos.
Então, quando nós nos reunimos lá na ONU em 2006 para finalizar o texto... Essa foi uma convenção que tramitou rapidamente: o México pediu essa convenção em 2004, e a tramitou na ONU em dois anos. Ela foi uma das convenções mais legítimas de todas, porque nós, as pessoas com deficiência do mundo inteiro, fomos os interlocutores diretos com os diplomatas, que nada falaram. O texto da Convenção das Pessoas com Deficiência da ONU foi integralmente ditado por pessoas com deficiência, todo ele. São 30 artigos normativos construídos de forma consensual - foi lindo! -, no mundo todo, e foi efetivamente ditado por pessoas com deficiência.
Eu não vou entrar em muitos detalhes, mas só vou tratar do art. 1, para vocês entenderem como ela é importante.
O art. 1 define pessoa com deficiência assim: "pessoa com deficiência é aquela que tem um impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem impedir a participação plena da pessoa em sociedade". Isso quer dizer o seguinte: a deficiência não está na pessoa. A pessoa tem impedimentos, que são, na verdade, atributos seus. É atributo meu torcer para o São Paulo Futebol Clube, por exemplo. É um atributo meu. É um grande time. Eu sou homem, sou branco, sou cego, e sou deficiente físico. Agora, eu vou ser uma pessoa deficiente efetivamente ou não se houver ou não barreiras.
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Então, a partir da convenção da ONU, que o Brasil, aliás, incorporou formalmente, Senador, à Constituição... Foi o primeiro tratado - e único por enquanto - incorporado formalmente à Constituição. Então, isso é norma constitucional. E ela estabelece claramente que a deficiência não está em mim; a deficiência está nas barreiras que forem colocadas em face dos meus impedimentos, no meu caso, sensoriais e físicos. Então, a deficiência não está na pessoa, está na sociedade.
E isso não é jogo de palavras, isso é o que é, é o que está lá, tanto que o art. 2º estabelece como discriminatória a recusa de adaptação razoável do meio. E o que é a adaptação razoável, segundo a própria convenção? É a adequação proporcional do meio. Significa: você não precisa derrubar o prédio, mas você tem que fazer uma rampa ou um elevador, você tem que propiciar a remoção da berreira de forma eficaz para que a pessoa possa exercer seus direitos.
O Supremo Tribunal já julgou, com base nessa convenção, uma ação de inconstitucionalidade que foi ajuizada pela Confenen, a confederação das instituições de ensino, contra um artigo que dizia que as pessoas com deficiência não podem ser oneradas com custos adicionais, que esses custos adicionais para tratar da pessoa com deficiência nas escolas devem ser suportadas por todas as pessoas, todos os alunos, todos os pais, nas escolas privadas.
O argumento era o seguinte: não, o cuidado de pessoa com deficiência deve ser do Estado; as empresas não têm que se envolver com isso. Segundo argumento: se tiver que partilhar os custos, não é justo, porque você vai onerar as famílias todas, e não é justo que se faça isso. E terceiro argumento - pasmem, um advogado escreveu isto: a presença de crianças com deficiência nas escolas fere a dignidade das outras. (Palmas.)
Vejam o que o advogado disse! Como se conviver com uma criança cega pudesse ferir a dignidade de outra criança que não é cega. Isso está escrito lá. É um absurdo! Disse isso porque a presença dessas crianças causará sofrimento psicológico às outras crianças. Vejam como o preconceito se verbaliza claramente; vejam como se tratam as pessoas com deficiência.
É claro que o Ministro Fachin rechaçou essa ação, negou essa liminar, dizendo o seguinte: "Não, as empresas também devem implementar o art. 1º da Constituição, porque o trabalho e a livre iniciativa devem ser pautados pelo valor social". Vejam a influência do Direito do Trabalho aqui. (Palmas.)
O trabalho e a livre iniciativa devem ser pautados pelo valor social. Portanto, a empresa tem um papel social. Também o art. 170 da Constituição estabelece a função social da propriedade. Então, esse argumento foi rechaçado.
O segundo argumento é de que a presença das crianças... Quer dizer, partilhar os custos da criança com deficiência é natural, porque a escola já custeia, por exemplo, folha de pagamento, custos de imposto etc. Todo mundo partilha esses custos. Então, como nós devemos, segundo o Ministro Fachin, construir uma sociedade livre, justa e solidária, é solidário esse custo.
E o terceiro argumento, de que a presença de crianças com deficiência fere a dignidade, foi rechaçado pelo argumento contrário, dizendo: ao contrário, essas crianças vão aprender a respeitar os outros, vão aprender a ser crianças mais justas.
Então, vejam: a tutela de pessoas com deficiência nas relações de trabalho se faz pela lei de cotas, e já há um movimento aqui, no Senado, e na Câmara também, para que a lei de cotas seja também objeto de negociação. Isso é um absurdo! Não se deve aceitar esse tipo de argumento.
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Quer dizer, as empresas com mais de 100 e até 200 empregados têm que contratar 2%; de 200 a 500, 3%; de 500 a mil, 4%; mais de mil, 5%.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, Dr. Ricardo, só para aproveitar esse momento.
Na discussão aqui do Estatuto da Segurança, eles queriam botar uma cláusula, na marra e no grito, dizendo que na segurança não se precisa preencher a cota das pessoas com deficiência. Mas, claro, eu fui para cima e não deixei.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - O senhor sabe que o senhor fez bem. Sabe por quê?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Veio da Câmara desse jeito, para cá.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Sabe V. Exª que, quando eu estava no MP, nós fizemos um termo de ajuste de conduta, dizendo que essas empresas deveriam colocar pessoas com deficiência na parte administrativa e na vigilância monitorada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso!
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - O cara fica lá, na cadeira de rodas, olhando o monitor. Qual é o problema? Ele não precisa estar com arma, mas vai ter... Não há vigilância monitorada?
Então, é só uma questão de querer fazer.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só querer fazer, exatamente. (Palmas.)
Mas ficou!
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Parabéns, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foi para o Plenário.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Parabéns!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Retiramos o que a Câmara colocou.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Bom; então, vejam: não dá para negociar, porque essa lei de cotas está propiciando hoje cerca de 400 mil empregos para pessoas com deficiência. Se não fosse a lei de cotas, essas pessoas não estariam trabalhando!
E, vejam, nós estamos usando uma ideia bastante interessante, Senador, que a Mara Gabrilli, a Deputada Mara Gabrilli inclusive protegeu...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - No relatório dela.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - ... no relatório dela, que é o seguinte: é utilizar o contrato de aprendizagem para pessoas com deficiência, porque as empresas alegam que: "Ah, não dá para contratar pessoas com deficiência porque elas não estão habilitadas para trabalhar, e também não sabemos lidar com elas". Então, está legal; então contrata primeiro como aprendiz e, depois que ele concluir o contrato de aprendizagem, passa a ser componente da cota de pessoas com deficiência.
Em um primeiro momento, eles queriam que fosse a mesma cota. Então, a lei brasileira de inclusão, a Lei nº 13.146, disse que não se misturam as cotas. O deficiente contratado como aprendiz vale para a cota de aprendiz e, depois de formado, vai valer para a cota de pessoa com deficiência. Isso está na Lei nº 13.146.
Bom; então, o que estamos vendo na prática? Esse número de pessoas com deficiência pode chegar, segundo as estatísticas, pelas leis de cotas hoje, a mais de 1 milhão de pessoas. Não avança por causa de um problema sério, Senador, que é o seguinte: as pessoas com deficiência hoje que são mais carentes economicamente recebem o BPC, o Benefício de Prestação Continuada da LOAS, a Lei Orgânica da Assistência Social. As famílias normalmente não querem que essas pessoas vão trabalhar, porque, senão, eles vão perder o benefício.
Tentamos fazer, na Lei nº 11.180, uma regra de que a pessoa que vier a trabalhar vai só suspender o benefício, e, se ela perder o emprego, ela retoma o benefício. Isso para estimular que as pessoas viessem ao mercado, mas não adiantou; as famílias realmente não querem correr o risco de perder essa renda, que é um salário mínimo. Então, isso tem inviabilizado o ingresso dessas pessoas.
Aí, a Deputada Mara Gabrilli aceitou uma sugestão que eu fiz, Senador, e que este Congresso aprovou, só que fez, se me permite dizer, uma barbeiragem, ao que me parece. Nós criamos o auxílio-inclusão. O que é o auxílio-inclusão? O auxílio-inclusão é uma renda que a pessoa que ganhava o BPC, se vier a trabalhar, vai ter uma renda suplementar ao salário. Não para pela assistência social agora...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - ... mas paga pela Previdência.
Qual que é o argumento que convenceu a Deputada e o pessoal que estudou o Estatuto da Pessoa com Deficiência? Ora, hoje, nós gastamos 13 bilhões, ou 12 bilhões e qualquer coisa com a LOAS. Só que as pessoas ganham LOAS sem contrapartida contributiva. Se você estimular que ela ingresse no mercado de trabalho e continuar pagando, ela vai passar a contribuir. Assim, pelo menos, você vai ter um aporte de renda para o sistema da seguridade. Só que aí, quando se votou a lei, o Senador colocou assim: "Fica criado o auxílio-inclusão, que vai ser regulamentado por lei". Ou seja, é uma lei que depende de outra lei para valer. Eu nunca havia visto isso, Senador. Normalmente, quem regula uma lei é um decreto.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Às vezes, não é bem uma barbeiragem. Eu acho que foi intencional a maldade - a maldade!
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Enfim, de qualquer forma, então...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Para protelar a sua sugestão.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Fica aqui um pedido encarecido, Senador, de que se faça essa lei, que se regulamente o auxílio-inclusão, porque todo mundo vai ganhar com isso. O próprio sistema de seguridade vai ganhar, porque, se o cara ganha hoje sem contribuir, ele vai passar a contribuir. E ele vem para o mercado. Então, fica aqui uma sugestão: a regulamentação urgente.
Bom, de pessoas com deficiência era isso que eu queria dizer.
Com relação a crianças, como eu disse para vocês, a Moral and Health Act, foi a lei que gerou o Direito do Trabalho, por causa do trabalho infantil, porque você tinha crianças de dois e três anos.
Uma vez eu li um relatório - a minha dissertação de mestrado foi sobre o trabalho infantil - de um médico que dizia assim: é melhor que as crianças trabalhem nas minas, porque elas, sendo pequenininhas, podem chegar aos mais recônditos locais das minas e os seus corpos vão crescer conformados a essa situação. Ou seja, vai deformar a criança. Então, a visão do cara era esta: bota a criança lá que é bom.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - É mais fácil de entrar no buraquinho...
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - É mais fácil entrar...
É melhor que as mãozinhas das crianças sejam utilizadas para tirar o algodão dos pés, porque assim não vai perder... Vejam só. Então, isso fez nascer o Direito do Trabalho. A questão da criança foi o que mais despertou a indignação da humanidade, ver crianças sendo exploradas dessa forma, tendo a sua infância roubada.
Bom, o Brasil tem um dos artigos mais lindos da Constituição, que é o 227, que diz que é dever da família, do Estado e da sociedade garantir com prioridade absoluta, e absoluta é um adjetivo que não admite tergiversação - absoluta é absoluta, é prioritário mesmo e ponto. Então, este artigo - proteger com prioridade absoluta os direitos das crianças e dos adolescentes, inclusive livrá-los de qualquer forma de exploração, opressão, tem que garantir a infância, a educação, enfim... Então, esse art. 227, Senador, é lindíssimo, porque ele foi subscrito por uma emenda popular com 1,3 milhão de brasileiros, foi um artigo colocado pelo povo do Brasil na Constituição, e ele espelha o que há de mais avançado na ONU, que é a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, e também na OIT, a Convenção 138. Eu falei 132, e é 138, a Convenção 138, de 72.
Bem, então, nós precisamos cuidar de crianças, porque nós ainda temos índices alarmantes de crianças sendo exploradas no Brasil. Segundo as últimas estatísticas, nós temos crianças de cinco a quinze anos, cerca de... Gente, é aterrador: 3,4 milhões de crianças de cinco a quinze anos trabalhando ainda. Nós tivemos um grande avanço, porque, nos anos 90, logo que veio a vigorar a Constituição de 88, nós tínhamos 8% da população economicamente ativa composta por crianças de cinco a quinze anos. Hoje, nós temos cerca de... Perdão, nós tínhamos 20% das crianças nos anos 90. Agora, nós temos cerca de 7%. Então, houve um grande avanço, mas esse número ainda não nos permite sossegar. Nós temos que garantir as normas que mantêm as crianças na escola. E os adolescentes que trabalharem devem trabalhar em condições que os livrem de prejuízos morais, físicos, pessoais. Portanto, essas regras que estão na CLT devem ser mantidas.
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E o estímulo ao contrato de aprendizagem tem sido muito importante, porque, se os meninos... O ideal, aliás, Senador, seria que nós tivéssemos o ensino integral para todo mundo, de qualidade, que os adolescentes não fossem para o trabalho, fossem trabalhar só quando entrassem na faculdade, como acontece nos países mais desenvolvidos. Acontece que, no Brasil, as famílias, que normalmente são tocadas pelas mulheres - os homens as abandonam com as crianças e tal -, os meninos precisam trabalhar. Então, se forem trabalhar, é melhor que estejam com o trabalho que lhes garanta formação, não só os livrem das formas de exploração, mas garanta a eles formação profissional...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - ...e também os mantenha na escola. Esse é o grande mérito...
(Interrupção do som.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA (Fora do microfone.) - ...obriga que os adolescentes fiquem na escola.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me que eu diga que foi o meu ciclo da minha adolescência. Eu tive ensino integral: de manhã era oficina e de tarde o chamado ensino normal. E, para mim, foi fundamental aquilo.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - E o senhor sabe que eu tenho visto manifestações da OIT utilizando o nosso contrato de aprendizagem como referência, porque obriga que adolescentes que são pobres e precisam trabalhar fiquem na escola, não saiam da escola. O que essa lei conseguiu garantir, Senador, foi a redução drástica da evasão escolar, a aprendizagem.
Então, este ano eu fui falar, inclusive, Senador, na Itália e na Espanha sobre a Lei da Aprendizagem do Brasil. Não é que eles estejam preocupados com os italianos e os espanhóis, porque eles têm escola em tempo integral, mas eles estão preocupados com os filhos dos imigrantes. Então, eles estão querendo uma forma de que esses meninos trabalhem e tenham escolaridade, porque eles sabem muito bem que, se os meninos deixam a escola, vão eternizar a espiral de miséria. Não pode parar de estudar. Então, o grande mérito da Lei da Aprendizagem é justamente isso.
Então, se formos fazer o estatuto, quando formos fazer o estatuto, temos que manter a ideia da aprendizagem, incorporar a Lei 10.097, e eu até faria mais, eu estimularia as pequenas e microempresas, porque hoje nós só obrigamos as empresas que tenham funções passíveis de aprendizagem, que são as médias e grandes empresas. Então, o que eu faria, Senador, no estatuto, se eu o fizesse? Eu faria normas de estímulo às pequenas e microempresas a contratar pessoas com deficiência e aprendizes, não obrigar, mas dar isenções.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Boa ideia! (Palmas.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Para que as pequenas e microempresas contratem pessoas com deficiência e aprendizes também. E, se quiser, a gente pode falar em todos os outros grupos vulneráveis. Quer dizer, nas grandes a gente poderia pensar em leis de ações afirmativas e tal. Com relação às pequenas e micro, sempre o estímulo, com isenções e renúncias fiscais etc.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, o senhor tem dois minutos.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Eu já vou concluir.
Então, seu eu for sugerir... Eu fiz todo esse trabalho, tudo isso que eu quis dizer aqui foi o seguinte: primeiro, cuidado, vamos preservar o Direito do Trabalho. Essa história de dizer que todo mundo é igual e que pode negociar...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - Você acredita mesmo que a mulher grávida vai apresentar um atestado para trabalhar porque ela quer trabalhar em local insalubre? Você acha que a mãe que preza pelo neném que ela tem vai querer trabalhar em local insalubre como o fez agora a medida provisória? Tem que proibir como era antes! (Palmas.)
A menos que você não tenha carinho pelo povo do Brasil, porque o neném que está na barriga dela, que vai estar respirando com ela gases nocivos etc. vai estar comprometido. Então, isso é um absurdo. E a mulher, normalmente, se o patrão falar "Ah, você não quer continuar? Apresenta um atestado", é claro que ela vai apresentar atestado. Ela não quer perder o emprego!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Exatamente. Ela sabe que quando ela voltar, vai ser demitida.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA - É lógico! É lógico. Quer dizer, qual é a condição real de uma pessoa negociar? Mesmo o tal do hipersuficiente, o cara que ganha dez paus, você acha que ele é hipersuficiente porque ele pode negociar? Depende do salário mais do que qualquer um, como qualquer outro, é subordinado como qualquer outro. Tudo isso é inconstitucional, é chocante. É chocante!
Senador, muito obrigado. Parabéns pela iniciativa. Viva o povo do Brasil! Viva o Senado! Viva o Direito do Trabalho! (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sr. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, que falou também pela Anamatra, é desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, autor de uma bela tese de que todas as políticas de ações afirmativas têm matriz no Direito do Trabalho. Uma bela contribuição. Ele abriu o debate no dia de hoje. Ele falou em torno de 40 minutos.
O SR. RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA (Fora do microfone.) - Desculpa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, foi porque nós fizemos questão de ouvi-lo. E vai poder participar, inclusive, dos debates no momento adequado.
Então, vamos de imediato à estudante da Universidade de Brasília (UnB) Braulina Aurora Baniwa.
Só lembrar a todos que estão chegando que teremos também uma segunda mesa, que será composta pela Ivania Ferronatto, pedagoga especialista na defesa do direito da criança e do adolescente; André Gambier, representante do Ipea; Deise Benedito, professora; e o Juvenal Araújo, que nós convidamos num momento em que ele veio aqui fazer uma visita a nós. Juvenal Araújo é Secretário Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Social (Seppir).
Antigamente, eu gostava de chamá-lo de ministro, ouviu? Quem sabe um dia vou chamá-lo ainda de ministro. Ele vem aqui representando a Seppir a convite nosso. Será da segunda mesa.
Agora, está com você, Braulina.
A SRª BRAULINA AURORA BANIWA - Bom dia a todos.
Eu quero agradecer em nome do...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Só lembrar que são dez minutos para cada um.
A SRª BRAULINA AURORA BANIWA - O.k.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Foi uma exceção aqui para o nosso mestre.
A SRª BRAULINA AURORA BANIWA - Agradecer o convite em nome do nosso Coletivo de Estudantes Indígenas da Universidade de Brasília. É uma satisfação estar nesta mesa com os senhores. Eu sou estudante indígena, sou do povo Baniwa, lá do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas. Sou estudante de Antropologia na Universidade de Brasília.
Eu vou começar, Senador, pela questão da dificuldade e da invisibilidade dos povos indígenas, voltada mais para a questão da formação e pós-formação dos acadêmicos indígenas no contexto que a gente vem vivenciando como acadêmicos.
Então, estar na universidade é um desafio. A permanência e a qualidade de formação ainda são nossa luta cotidiana enquanto acadêmicos indígenas. E, quando se fala do mercado de trabalho, a gente está começando ainda a passos lentos, pelo reconhecimento, pela visibilidade. É só entrar no site do MEC, do Inep e do IBGE, você não vai encontrar estatísticas de quantos somos os acadêmicos indígenas no Brasil. Aí, eu estou falando da invisibilidade das instituições que não nos reconhecem enquanto estudantes indígenas.
Somos 305 povos indígenas, estamos em várias universidades no Brasil, mas estamos na formação ainda que não reconhece as culturas brasileiras, que não nos permite estudar sobre o nosso povo, porque o Estado brasileiro não reconhece essa diversidade que existe no nosso País.
Quando se fala do trabalho, você não tem uma legislação que reconheça você enquanto profissional indígena. Eu estou falando de mercado de trabalho. Então, há necessidade de uma legislação que nos reconheça para que a gente possa dar retorno às comunidades indígenas. (Palmas.) Essa qualificação de jovens que estão entrando na academia com 18, 19 anos, os mais velhos que entram, porque as ações afirmativas agora nos dão a oportunidade de acessar as universidades públicas, mas também a gente precisa desse reconhecimento para que as instituições públicas que trabalham seja na educação, seja na saúde, deem essa possibilidade de esse profissional retornar à sua comunidade, de forma que ele tenha formação qualificada dentro dessas universidades, e que também ele dê retorno de forma qualificada às suas comunidades indígenas; e trabalhar esse conhecimento, tanto não indígena quanto indígena, porque as instituições não reconhecem as nossas medicinas, as nossas culturas. A nossa formação ainda é muito voltada a não usar os conhecimentos específicos dos povos indígenas.
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Também, Senador, gostaria de lembrá-lo que, mesmo há três décadas termos professores indígenas, a nossa categoria não é reconhecida no Estado brasileiro. Então, por mais que a gente tenha professores indígenas nas comunidades indígenas, essa categoria não é reconhecida enquanto professor indígena. Por mais que a gente tenha mestres indígenas nas comunidades, se for falar em direito do trabalhador, não há nenhum artigo que nos reconhece enquanto professores indígenas nas comunidades.
A outra questão é que, por mais que a gente já tenha educação escolar indígena reconhecida para ensino infantil, o Estado não reconhece educação indígena para profissionalizante e para ensino médio, infelizmente. Eu sempre falo dessa questão da invisibilidade, porque a nossa luta ainda é pela demarcação, porque a gente acredita que, a partir do momento em que a gente tiver o nosso território demarcado, a gente também consegue ter a nossa educação indígena. Eu falo da educação indígena porque é a educação que a gente tem dentro de casa, para que a gente possa chegar às universidades, e fazer valer que há, sim, diversidade neste País, mas que o País também precisa reconhecer que essa diversidade seja igual para todos. A gente é igual perante a lei, mas quando a gente vê na prática, não é isso que acontece. (Palmas.)
Então, a gente precisa ainda dessas vagas específicas. Quando a gente for tratar da questão de cotas para indígenas, a gente é muito pouco ainda. A gente não é nem visto na estatística, então como é que eu vou lutar por uma cota se eu ainda estou caminhando para que a gente seja reconhecido nessas estatísticas das instituições que trabalham nesse sistema? Então, a gente necessita dessas vagas específicas nessas instituições que trabalham com os povos indígenas. O ser indígena, que a gente tem trabalhado muito... Agora tem presença indígena nas universidades, que é um desafio. É essa questão de você, ao mesmo tempo, dizer que estou aqui para uma melhoria de qualidade do bem viver das comunidades indígenas, mas ao mesmo tempo eu estou me distanciando, porque os que não gostam de indígenas dizem que a partir do momento em que eu acesso a tecnologia, eu deixo de ser. É racismo e discriminação que a gente enfrenta todo dia! Então, imagine como é que eu vou lidar, em uma empresa de 400 pessoas, sendo uma indígena e sendo mulher, porque na discriminação há também a questão das mulheres, dos jovens e outras coisas. Então, como é que eu preparo esse profissional? Ele vai lidar com essas questões nesses espaços. Então, se uma legislação reconhece esse profissional, eu vou estar amparada na questão do direito do trabalhador, que nós ainda não temos. Não é reconhecida nenhuma categoria de profissional indígena.
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Amanhã, nós, enquanto estudantes de antropologia, vamos nos reunir com a Presidente da ABA, porque mesmo na profissão que estuda os povos indígenas e a sociedade, quando a gente foi ver no sistema de cadastro de associado, não tinha link lá que dizia para eu me identificar enquanto indígena. Então, é dessa invisibilidade que eu falo. Eu não sei aqui no Senado, se quando eu venho como visitante, há uma categoria indígena. Então, também aqui eu sou invisibilizada neste espaço.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Olha aí, Leandro, vamos lá. Vamos aceitar a reclamação dela. Palmas para ela! (Palmas.)
A SRª BRAULINA AURORA BANIWA - Eu estou falando dessas coisas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem toda razão! Tem toda razão!
A SRª BRAULINA AURORA BANIWA - A questão das ações afirmativas nos tem possibilitado acesso às universidades. A gente já tem alguns parentes formados em várias áreas, mas ainda há a necessidade de formação profissionalizante que reconheça a categoria das culturas e saberes dos povos indígenas no Brasil. No caso, eu estou falando dos institutos federais, que possam fazer essa formação intercultural em cada região do Brasil onde houver indígena. Eu acho que, a partir do momento em que você dá o espaço, você está construindo uma igualdade que reconhece a diversidade, mas também que respeita essa diferença.
A gente tem sempre lutado, quando a gente fala da questão de ser indígena, desse desafio de ir para o mercado de trabalho. Mesmo para as nossas comunidades indígenas, a partir do momento em que você se forma, quando você é da área de saúde, você tem mais facilidade de atuar nas comunidades indígenas. Mas quando você não é, e a comunidade quer a sua presença, como é que a gente vai tratar isso na questão dessa vaga específica? Porque, em algumas comunidades indígenas, em instituições que trabalham com os povos indígenas, ainda há pessoas não indígenas nesse espaço de trabalho. Aí é a questão da política, é politicagem, é quem indica.
(Soa a campainha.)
A SRª BRAULINA AURORA BANIWA - Então, se a gente tem essa legislação que reconhece essa diversidade, acredito que a gente dará mais retorno de qualidade para as nossas comunidades indígenas, Senador.
Obrigada por este espaço. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se quiser, tem mais cinco.
Eu alertei a ela que, na verdade, são dez, com tolerância de mais cinco. Ela tem mais cinco, se precisar.
A SRª BRAULINA AURORA BANIWA - Eu não poderia deixar de finalizar a minha fala dizendo que hoje é um dia de responsabilidade para falar, é o Dia da Consciência Negra. Eu acredito que a justiça é para todos, mas infelizmente a gente é injustiçado todos os dias. Mas estamos em busca desse reconhecimento da nossa diferença nesse espaço da diversidade, seja negro, indígena ou quilombola. Acho que, a partir do momento em que a gente tem esse reconhecimento por parte das instituições, sejam elas que formam essas pessoas profissionais, ou nos espaços de trabalho, aí sim, nós nos sentiremos também parte dessas instituições, porque, enquanto estamos invisibilizados, estamos apenas batendo na porta e, então, não estamos dentro. Acredito que não vamos desistir dessa construção de política de igualdade, porque estamos aqui para falar por nós.
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Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Braulina Aurora Baniwa, estudante da Universidade de Brasília. Como falamos sempre, Dr. Ricardo, Katleem e Waldemiro, é preciso só dar oportunidade. Ela aqui teve só a oportunidade de nos dar uma aula. Parabéns! Deu-nos uma aula que, com certeza, sensibilizou todos, inclusive quem está em casa. Ela perguntou: "Onde estão as estatísticas? Onde está o nosso pessoal que se formou, que é professor, que é técnico? Onde estão? Pode me dizer, Senador?" Não sei. Tem razão. Onde estão as estatísticas? Por isso, nós temos que aprofundar muito nesse Estatuto, inclusive com esse viés.
Podem dar mais uma salva de palmas para ela. (Palmas.)
Parabéns, parabéns!
Waldemiro, o seu tema vai ter que aguardar um pouquinho, porque há três temas, e o seu fecha, então - aqui, é destaque.
Agora, passo a palavra para a Drª Katleem Marla Pires de Lima, que é auditora fiscal do trabalho e Coordenadora do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Goiás.
A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - Bom dia, Senador.
Bom demais estar com o senhor aqui de novo para discutir tão relevante tema.
Agradeço o convite feito ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.
Agradeço pessoalmente por esta oportunidade, porque eu fui muito contemplada de estar aqui ao lado do Dr. Ricardo Tadeu e ouvir a Braulina.
Braulina, você encheu o meu coração de saudade. Eu morei no Rio Negro por três anos na minha adolescência com a etnia dos Macuxi. Eu sou muito grata à vivência com aqueles povos. Fui aluna de professores indígenas. (Palmas.)
E a riqueza da nossa culinária se deve muito às nossas tradições indígenas, à manipulação das farinhas, do peixe, dos sabores. O exotismo da nossa culinária vem do Norte. É uma culinária belíssima. E as vozes mais belas do nosso País também vêm dos povos indígenas. Eu ouvia aquele povo cantar e nunca me esqueci da doçura daquelas vozes. Eu quero render essa homenagem, porque foram os anos mais belos da minha vida, no Amazonas.
Enfim, deixa eu voltar para cá. Eu estou tão impactada por aqueles que falaram antes de mim, que eu preciso me centralizar um pouco.
Eu vim aqui para fazer o diálogo a respeito da questão da tutela constitucional dos direitos da criança e do adolescente e, como o Dr. Ricardo Tadeu já historiou, contextualizar como ela foi criada dentro do espaço constitucional.
Antes do advento da nossa Constituição, que é uma das mais belas do mundo mesmo, Dr. Ricardo Tadeu... E é muito prazeroso estudá-la. Ficamos um tanto magoados quando as pessoas falam que é uma Constituição esdrúxula, complexa e tal. Eu vejo belezas inimagináveis dentro do espírito que a moveu, da sua origem, da história dela. E me emociona, me comove, como brasileira, sermos capazes de ter criado um instrumento normativo tão belo como a nossa Constituição, especialmente no que diz respeito à tutela da criança e do adolescente. Nós tivemos um salto qualitativo e histórico que eu reputo do mais significativo da história republicana, com a edição do art. 227.
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Antes do advento da Constituição, o Estado brasileiro de direito se pautava em suas políticas públicas de atenção à infância e à juventude pelos princípios da teoria da defesa social, que eram princípios absolutamente do direito penal. Então, se olhava para a criança e o adolescente na ótica do ato irregular, da situação irregular. Como é que o Estado percebia a criança e o adolescente? O Estado e a sociedade, pois o que é o Estado se não uma representação micro daquilo que é macro, que é a sociedade? Então, prestava-se atenção à criança e ao adolescente quando havia uma situação de irregularidade: ou ela estava em conflito com a lei, ou era vítima de alguma forma de violência. Outro aspecto pelo qual o Estado atendia as nossas crianças e adolescente era de natureza patrimonial, no Código Civil, na parte da família, que tratava da tutela, da curatela e da transferência patrimonial no caso de herança. Então, havia um direito para a criança que era rica, que era de natureza civilista, patrimonial, que estava no Código Civil, e havia um direito que era para a criança pobre, que era o do Código Penal.
Era assim que o Brasil cuidava de nossas crianças, de nossos adolescentes, antes do advento Constituição de 1988. Era a primazia do princípio da defesa social. Esse princípio também trazia em si uma concepção ideológica. Qual era essa concepção ideológica? Que toda criança carente era, a princípio, uma criança delinquente. E havia uma urgência de que o Estado defendesse as demais pessoas da sociedade dos riscos em potencial que a infância carente representava para a sociedade. Havia a construção de um olhar que era segregacionista, separatista, excludente. E era institucionalizado esse olhar para dentro do sistema de direito. De sorte que a Drª Martha Machado coloca, em um livro seu, que 80% das internações da Febem, anteriores à Constituição Federal, se realizavam sem que as crianças e adolescentes estivessem de fato em situação de conflito com a lei. O abrigamento compulsório da criança pobre se realizava em função de sua vulnerabilidade. E a violência do Estado se perpetrava da seguinte forma: "Antes que essa criança venha a produzir um dano em potencial à sociedade, nós vamos institucionalizá-la, vamos retirá-la do convívio familiar, vamos retirá-la do convívio comunitário e abrigá-la num espaço como a Febem, como a Fenabem". E se dava à criança vulnerável, a criança de baixa renda, o mesmo tratamento normativo, jurídico e institucionalizante que se dava à criança e ao adolescente em conflito com a lei. Não se fazia distinção das duas condições. E não havia, em hipótese nenhuma, medidas de proteção a esse público que era economicamente vulnerável e socialmente excluído.
Hoje é o aniversário da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente - 20 de novembro. Faz 58 anos essa Declaração. Foi em 20 de novembro de 1959. (Palmas.)
Eu fico preocupada de eu estar falando sobre isso no aniversário dela.
Pois bem. O direito universal das crianças e dos adolescentes é de 1959. Somente em 1988, com o advento da Constituição, é que o Brasil ousou, por uma pressão popular... Não foi, Dr. Ricardo Tadeu? Não foi um avanço orgânico, natural do Estado para com o seu público infantojuvenil. Ele foi provocado por uma pressão popular para que o Brasil revisse a forma com que ele olhava e percebia a sua infância e a sua adolescência. Então, observamos que, na história dos direitos sociais, dos direitos do trabalho, os avanços em todos os territórios se deram por provocações organizadas da sociedade. Eles não foram naturais. As nações, os Estados, as sociedades não permitiram igualdade, não permitiram progresso social de forma natural. Ele teve que ser provocado por meio de lutas, por organização daquelas comunidades, daqueles segmentos que eram prejudicados pelas formas com que a percepção social se organizava dentro do Estado para atender às... Não podemos chamar de minorias, Dr. Ricardo Tadeu. Como é que chamamos de minoria as mulheres, que são 50% da população? Como é que chamamos de minoria os negros ou crianças e adolescentes, que são populações prevalentes? Então, temos que entender que são segmentos excluídos e não minorias, de forma alguma.
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Com a Constituição Federal, nós tivemos essa ascendência da percepção do Estado. Houve uma forma em que o Estado evoluiu no que ele reconhece em termos de direitos das nossas crianças e adolescentes. A partir de 1988, o Estado brasileiro de direito foi capaz de reconhecer para as nossas crianças e os nossos adolescentes direitos humanos fundamentais.
Quais são esses direitos humanos fundamentais? Estão lá todos descritos no art. 227. Ele começa com o direito à vida, o que é incontestável. Há o direito à saúde, que é subjacente ao direito à vida. Há o direito à convivência familiar. E perguntamos: por que a Constituição desceu a esse detalhe, se propondo a elaborar um artigo com o preciosismo de dizer que à criança é dado o direito de conviver com a sua comunidade ou é dado o direito de conviver com a sua família? Quando começamos a examinar a profundidade do artigo, procuramos entender por que foi escrito isso lá. Até 1988, essas crianças não tinham esse direito reconhecido e eram abrigadas em função de sua pobreza. Aí há o direito à profissionalização, consubstanciado na Lei da Aprendizagem - e é indispensável que a tornemos universal. Há o direito ao lazer, ao esporte, à educação. E lá, no art. 206, fala-se que essa educação tem que ser de qualidade para todas as crianças e adolescentes.
Enfim, o art. 227 da Constituição, que encampou a teoria da proteção integral, ali traduzida na Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescentes, traz dois comandos à família, à sociedade e ao Estado. O primeiro é o de tornar real que as crianças de qualquer estrato social do Brasil possam viver aqueles direitos que estão lá enunciados, mas também há outro enunciado que é o de colocá-las a salvo de toda forma de opressão, violência, crueldade, enfim, daquilo que impede a vivência plena desses direitos que são humanos e fundamentais. Então, são dois mandamentos que são universalmente dados a cada um de nós, mulheres, homens, gestores públicos, detentores da liderança da iniciativa privada, trabalhadores, empregadores. A cada um de nós compete realizar aqueles comandos que estão lá inseridos.
Pois bem. Nesse espírito, dentro dos direitos sociais que estão relacionados no art. 7º da Constituição Federal, que trata do conteúdo mais propriamente dito do direito do trabalho, o art. 7º reitera o direito à igualdade. E, quando se fala igualdade, não é só igualdade entre homens e mulheres maiores de 18 anos, ou homens e mulheres com capital, ou homens e mulheres alfabetizado ou não, ou homens e mulheres brancos ou não ou negros ou não: ele fala homens e mulheres de forma indistinta. E, quando começamos a...
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(Soa a campainha.)
A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - ... observar como é o comportamento do mundo do trabalho em relação às nossas crianças e nossos adolescentes, podemos enxergar qualquer coisa menos essa questão da igualdade. Por quê? O que há no mundo do trabalho que temos que tutelar? A forma do ingresso qualificado do adolescente no mundo do trabalho e provocar a erradicação do trabalho infantil. São dois comandos que estão ali. Quanto à erradicação do trabalho infantil, o art. 7º, XXXIII, traz textualmente o limite etário para o trabalho, a idade mínima para o trabalho a partir dos 14 anos exclusivamente como aprendiz, a maioria relativa após os 16 e absoluta após os 18.
E nesse comando constitucional do art. 7º, XXXIII, quando olhamos a realidade da presença da criança no trabalho, vemos um emaranhado de violações de direitos em relação à desproteção da criança e do adolescente no trabalho. Primeiro, porque o trabalho infantil é aquele trabalho residual. O que é o trabalho residual? Assim como todas as coisas que acontecem dentro da gestão pública relacionada à infância e juventude, o trabalho que a criança realiza é aquele que o adulto não quer fazer, porque é um trabalho penoso por sua natureza. Então, você vai a uma borracharia, você vai a um lava-jato, você vai a uma facção, você vai a uma lavoura, você vai à pecuária, você vai a qualquer espaço de trabalho em que há a presença da criança e do adolescente e você vai observar que a natureza daquela ocupação é a mais chata de fazer, a mais difícil de fazer, a mais penosa, a que está mais exposta e a que menos remunera.
Então, quando o mercado de trabalho dá uma oportunidade da presença da criança e do adolescente é porque o adulto não quer aquele espaço, então é residual. E vemos esse olhar do residual se multiplicar no orçamento para a educação, no orçamento para a assistência social, no orçamento para a saúde, o que é relacionado à criança tem esta qualidade de não respeitar a prioridade absoluta, porque está lá no art. 227. Nós fomos capazes de reconhecer que nós temos que lidar com as questões da infância e da juventude no âmbito de prioridade, na perspectiva da prioridade, mas, na prática, há uma inversão absoluta dessa condição.
Observamos que houve um movimento no meu Estado, em Goiás, para que houvesse uma retirada da frota de ônibus que atendia os canavieiros, porque aqueles automóveis estavam inadequados para o transporte daqueles trabalhadores. Esses transportes que estavam colocando em risco a vida dos trabalhadores canavieiros foram todos absorvidos para o transporte escolar da rede pública. Então, isso é um retrato de como acontece a gestão pública das coisas relacionadas à infância e juventude em diversos aspectos: de saúde, da educação, do trabalho.
O trabalho do adolescente qual é no mundo do trabalho? É também residual. Aquelas ocupações que são chatas, repetitivas, penosas são dadas ao adolescente com remuneração inferior ao seu paradigma adulto. E conseguimos trazer alguma dignidade, alguma qualificação e alguma estrutura de proteção através do contrato de aprendizagem, que é a única política pública de atenção ao adolescente trabalhador que promove ingresso dele de forma decente e qualificada no mundo de trabalho e que corre o risco de ser extinta aqui dentro do Parlamento, porque há movimentos dos setores interessados a torná-la facultativa.
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Imagine: uma política de acesso ao mundo de trabalho qualificado, que promove a profissionalização, que é um direito que está lá garantido também como fundamental no art. 227, pode ser relativizada por uma faculdade concedida ao empregador de contratar ou não aprendizes. E temos que estar muito atentos a esse movimento, porque ele vai implicar a extinção dessa única política pública afirmativa que temos destinada aos nossos adolescentes e jovens carentes, porque é para eles que essa política existe. (Palmas.) E a Constituição Federal traz, nos seus fundamentos, como o Dr. Ricardo Tadeu pontuou com muita propriedade, a questão da dignidade da pessoa humana. E só sobre isso poderíamos conversar aqui o dia inteiro, Senador Paulo Paim, porque onde é que nós enxergamos a dignidade no meio ambiente do trabalho para recepcionar aquele que vai produzir, gerar riqueza do País, porque é o ser humano que está ali. Antes de estarmos na condição de trabalhadores...
(Soa a campainha.)
A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - ... nós estamos na condição de seres humanos.
E o Legislador constituinte foi muito feliz quando falou que é um princípio basilar do Estado de direito a dignidade da pessoa humana. Eu gosto de trazer isso para os nossos diálogos, por quê? Porque ouvimos muito falar assim: "O trabalho dignifica o homem", e eu tenho dificuldade de ouvir isso. E eu vou lhe dizer por quê, Senador Paim. Porque, com 22 anos de auditoria do trabalho, eu vi muita dignidade naquele que faz o trabalho, eu vejo dignidade no ser humano, porque é um atributo intrínseco do sujeito a dignidade, e nunca o fazer de um ser humano vai ultrapassar a sua dimensão.
E temos que estar muito atentos a isso, porque se usa essa frase bonita, esse clichê, para sustentar formas terríveis de exploração. Quando vamos fazer uma operação do grupo móvel do trabalho escravo em que há criança e adolescente trabalhando, escutamos que é melhor essa criança trabalhar do que roubar, porque o trabalho dá dignidade à pessoa. E eu, como testemunha do mundo do trabalho, porque sou uma testemunha atenta, sei que a dignidade pertence ao sujeito que realiza o trabalho e nada que ele fizer vai ser maior do que ele.
E temos que ter isso muito claro, porque esse discurso é utilizado largamente para justificar o trabalho infantil. Enquanto se diz que é melhor a criança trabalhar do que roubar, porque o trabalho dignifica o homem, as pessoas não se mobilizam por uma educação de qualidade, que é um preceito constitucional, que está lá no art. 206 da Constituição. É muito cômodo utilizarmos uma frase bonita, para não nos mobilizarmos e perpetuarmos uma indiferença em relação às populações socialmente vulneráveis. Sustentamos, com esse clichê, a nossa omissão, que é criminosa em relação a essa gente, porque, se está na Constituição que nós temos que nos movimentar - e ela nos pede ação em relação à promoção da igualdade daqueles direitos humanos e a perseguir as formas terríveis de crueldade, opressão -, não há coisa mais opressora do que uma criança pobre não ter acesso a uma escola, uma coisa mais violenta do que um adolescente não ter acesso à profissionalização. Por quê? Porque estamos retirando desses indivíduos a condição de sobrevivência dentro do mundo do trabalho com dignidade, porque a eles vai... (Palmas.)
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Uma criança sem acesso a uma educação de qualidade e um adolescente sem acesso à profissionalização estão condenados a serem trabalhadores da informalidade, em que não há forma nenhuma do Estado protegê-las das condições de exploração, que são frequentes e permanentes nessas formas de trabalho, nessas dinâmicas de trabalho.
E nós vemos com muito pesar a involução que o Brasil realizou em relação a essas políticas públicas de atenção à criança e ao adolescente, a começar pela questão da educação. Hoje o nível de proficiência de nossas crianças e adolescentes da rede pública brasileira é inferior ao das crianças e dos adolescentes de 20 anos atrás, Senador Paulo Paim.
E eu fico muito preocupada com esse retrocesso na qualidade da educação, na restrição da profissionalização, por quê? Porque hoje as formas de produção estão cada dia mais complexas. Você vê até no campo que um simples arar se tornou complexo. A máquina é computadorizada que realiza isso. O colher também é feito por uma máquina computadorizada. Você não vai a uma agência física para fazer uma operação bancária. E nós tínhamos aí a situação dos bancários, que era uma ocupação desejada pelos filhos da classe média há 10, 15 anos, e que hoje está extinta pelo fato de os processos de trabalho se tornarem cada dia mais tecnológicos e mais complexos.
Se hoje o Brasil não se preocupa em ofertar às nossas crianças e aos nossos adolescentes uma educação capaz de torná-los aptos a essas formas modernas de produção, com essas dinâmicas mais aceleradas pautadas em constante inovação, nós vamos ter uma população totalmente condenada a formas vis de trabalho dentro da informalidade.
Isso se dá pelo fato de que a sociedade brasileira não internalizou os princípios constitucionais que surgiram a partir de 1988. Nós somos capazes de reconhecer, mas não de perceber que a criança e o adolescente em situação vulnerável são sim sujeitos de direito, porque nós nos calamos quando as violações acontecem em escalas epidêmicas, porque, se toda a população brasileira jovem está sujeita a uma educação de qualidade aquém...
(Soa a campainha.)
A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - de 20 anos atrás, nós temos um atraso geracional...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ainda temos dois minutos.
A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - ... constante e progressivo. Se há um silêncio da sociedade para isso, há uma permissão consciente para essa violação de direito pela qual nós somos todos responsáveis.
Então, há uma proteção bela, bem estruturada dentro da nossa Constituição, que não foi internalizada pela sociedade. E aí o chamamento que nós fazemos é que nós possamos mudar a nossa percepção para esse público e que, ao mudar essa percepção no momento de finalmente compreendê-lo como sujeito de direito, e que nós sejamos capazes de nos mobilizar pela garantia desses direitos, com compaixão, com benevolência e com respeito que eles merecem.
Quando o senhor trouxe a questão do Moral and Health Act, Dr. Ricardo Tadeu, a Drª Marta Machado de Medeiros, em sua tese de doutorado, a respeito da tutela constitucional...
(Soa a campainha.)
A SRª KATLEEM MARLA PIRES DE LIMA - ... Ela trouxe uma coisa que o senhor pontuou muito bem, Senador, que o retrocesso que hoje temos com a reforma trabalhista vai nos colocar numa situação de desorganização social de dois, três séculos atrás, porque, quando em 1802 se publicou o primeiro ato de limitação da jornada infantil, não se fez em função da criança e do adolescente, não foi para isso, não foi por um momento de compaixão, de reconhecimento,, da delicadeza do público que era objeto daquela lei. Era porque a mulher miserável, mulher pobre, de baixa renda, junto com suas crianças estavam sendo assumidas pela indústria a vapor, que era incipiente na época. E os homens ficaram ansiosos e começaram a fazer bagunça na cidade, a provocar caos. Então, para que as pessoas ficassem mais tranquilas, elas precisavam que os homens voltassem a trabalhar.
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Então, a limitação da jornada da mulher e da criança em 1802 não foi para favorecer esse público, foi para garantir a justiça social e a paz social que havia se perdido pelo desequilíbrio da ausência do Estado nas relações de trabalho.
E nós hoje, com a reforma trabalhista, voltamos a uma relação de desequilíbrio.
E é lamentável que tenhamos feito esses passos para trás.
Então, eu acredito que a organização social, que foi propulsora da mudança, dos princípios que regem a tutela constitucional da criança e do adolescente, fazendo vigorar no Brasil a teoria da proteção integral, que essa mesma sociedade seja valente suficiente, corajosa, compassiva, benevolente para tornar isso tudo que é muito belo real.
Agradeço e peço desculpas por ter extrapolado o tempo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Katleem Marla Pires de Lima, Auditora Fiscal do Trabalho e Coordenadora do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Goiás.
Meus cumprimentos pela brilhante palestra.
Terminando esta mesa, Waldemiro Livingston de Sousa, o Peixe, Presidente da Associação dos Prestadores de Serviços do Senado Federal.
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Em primeiro lugar, eu agradeço a Deus e ao Senador por isso tudo.
Senador, nós temos uma notícia que não é muito boa, mas gostaria que o senhor desse notícia sobre o que aconteceu com nossos companheiros da TV Senado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vou ler aqui, com tristeza é claro.
Carro com equipe da TV Senado colide com caminhonete na BR-304.
Uma equipe da TV Senado sofreu um acidente na noite de quinta-feira na BR-304, entre Angicos e Assu.
De acordo com informação, a equipe havia saído de Pau de Ferros em direção a Natal, em uma SW4 quando colidiu com uma caminhonete D20, que estava atravessada na rodovia.
Ocupantes do veículo foram encaminhados ao hospital em Mossoró. Os ocupantes da SW4 e o motorista da D20 foram feridos e encaminhados ao Hospital Tarcísio Maia, em Mossoró.
Após o acidente, o motorista da caminhonete dava sinais de que estava alcoolizado, mas se recusou a fazer o teste de bafômetro.
O SW4 estava sendo conduzido pelo motorista da Senadora Fátima Bezerra, que cedeu o veículo para a equipe produzir uma reportagem sobre a transposição do Rio São Francisco. Os passageiros que estavam no banco de trás do carro estavam sem cinto de segurança e ficaram gravemente feridos.
Em nota, a Senadora Fátima Bezerra informou que a equipe médica enviada pelo Senado Federal está a caminho de Mossoró para atender os profissionais.
Ninguém foi a óbito. E o quadro dos profissionais está estável.
Então, a nossa solidariedade aos profissionais da nossa TV Senado, que nos acompanham sempre aqui na Casa e, muitas vezes, têm que se deslocar a uma missão como essa a pedido da Senadora Fátima Bezerra. Vamos torcer para que todos se recuperem.
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O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Agora, vamos desvendar os mistérios, Senador.
Vou desvendar para o senhor o mistério do Peixe e, falando da consciência negra, vou pedir para colocar foto.
Essa foto é porque eu tomei o apelido de Peixe, é por conta daquele peixe ali o meu apelido.
Aproveito essa questão para falar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você está ali na foto?
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Estou, olha eu lá, estou do lado do peixe.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Qual é você?
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - O que está segurado ao peixe, o outro do meio.
Esse aí. E o peixe tinha 1,88 metro. Estão Mistério, meu irmão, meu pai, meu irmão Gerson, e meu pai, Waldemiro, de quem herdei o nome.
Mas eu quero falar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas onde é? Eu fiquei curioso, porque eu gosto de pescar também para descontrair um pouquinho.
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - É lá em Minas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O tamanho do peixe. Para se ter uma ideia, o peixe deve ter uns dois metros.
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Pois é. Nós vamos marcar uma pescaria no nosso rancho lá em Corinto.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Qual o nome desse peixe?
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Esse é o surubim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nossa Senhora.
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Aí está a história para ficar registrada. O peixe é importante, mas eu quero falar realmente também da consciência negra, que tenho muito orgulho de falar do meu pai.
Ele se chama Waldemiro.
Esse homem aí, sendo negro, e eu tenho me espelhado, como também tenho me espelhado no Senador Paulo Paim, para mim foi um dos maiores mecânicos que o Brasil conheceu na área da locomotiva, da Rede Ferroviária. Ele tem vários títulos, tudo. Ele, então, por ser um negro, o último serviço que ele fez foi em uma locomotiva. Ele saiu do Rio Grande do Norte em cima de um caminhão, foi até a minha cidade, Corinto, para ele consertar, Maria Fumaça. Então, esses negros que a gente está vendo assim e outros mais, que fazem a importância e a diferença, eu também com o pigmento negro estou aqui para fazer essa diferença.
Continuando aqui, Senador, muito triste o que eu tenho para dizer nessa questão aqui e agora, porque vou ter que dividir a minha palavra para o senhor entender o que está acontecendo dentro do Senado Federal, na Administração.
Eu trouxe até o Marcondes, que é o Presidente do Sindicato, se der um aparte a ele, para o senhor entender o que está acontecendo dentro do Senado Federal.
Marconi, a palavra está contigo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Peixe toma conta. Quem passa a palavra sou eu.
Mas o Peixe já pegou, já falou, já trouxe o pai dele, trouxe os peixes, e agora já assumiu a presidência e passou para você.
E eu como obedeço bem, está com você a palavra.
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - Bom dia a todos. Obrigado, Senador Paulo Paim. Obrigado, Peixe.
Hoje eu vim participar da Comissão mas a convite do Peixe, também para comentarmos diante de tudo o que nós já escutamos dessa luta da conscientização do trabalho e toda essa situação, eu há alguns dias, Senador, por isso quero tornar público aqui, recebi uma denúncia muito séria, porque fico a imaginar o seguinte: quando existe uma perseguição ao trabalhador num Estado isolado, nas divisas do Brasil, a gente nem fica tomando conhecimento, mas aqui, na Capital Federal, está muito no centro do poder, e a gente ainda vive isso que acontece lá tanto nas aldeias indígenas, quanto com as crianças, quanto com o trabalhador de modo geral, como foi citado pelo Desembargador Ricardo, pelos quilombolas e tantos outros, hoje nós temos aqui no Senado alguns profissionais que são os bombeiros civis, que trabalham com a prevenção e combate ao incêndio, inclusive o senhor coordena uma pasta importante nesse processo da conscientização da prevenção de combate ao incêndio no País.
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Há cinco anos, foi criada uma brigada de bombeiros civis aqui no Senado, com aproximadamente 60 homens, pessoas essas que trabalharam durante muitos anos aqui no Senado, durante cinco anos, prestando um bom serviço, sem problema nenhum, dando o melhor de si para preservar vidas e o patrimônio aqui do Senado. Recentemente, essas pessoas estão sendo perseguidas aqui dentro, e está acontecendo o que é ruim. Sabe por quê, Senador? Porque as pessoas, quando não têm um apadrinhamento à altura, perdem o seu serviço, as suas famílias ficam desabrigadas, e é o que está acontecendo aqui.
Recentemente, foi trocada uma parte da liderança que coordena essa equipe de bombeiros civis aqui, e de lá para cá, nos últimos dois meses, tem acontecido a troca desses profissionais. Isso está se viralizando em Brasília, chegando a soltar notícias: "Ah, estão trocando todos os profissionais do Senado para colocar outras pessoas". Então, eu recebi... Não estou aqui para acusar; eu vim justamente para começar a tomar conhecimento dessas informações. E já fiz a denúncia no Ministério Público do Trabalho, na qual se cita inclusive a venda de vagas de bombeiro civil aqui dentro do Senado. Ou seja, os pais de família, de uma hora para outra - sempre foram bons profissionais -, chegam para trabalhar e recebem a notícia de que eles não se enquadram mais ao perfil dos prestadores de serviço do Senado, e, daí, outra pessoa ocupa o seu lugar.
As últimas notícias que eu tenho... Inclusive, protocolizei aqui no Senado uma denúncia junto à Diretora - só um segundo, Senador... Eu protocolizei junto à Diretora Ilana, aqui do Senado, essa denúncia. Diz ela que não sabia. Mas isso no dia 13. Eu também não... O SindBombeiros/DF ainda não recebeu uma resposta desse ofício que foi protocolizado no Senado no dia 13. Já faz sete dias, e eu não recebi nenhum pronunciamento desta Casa quanto a esse fato. Mas a verdade é que, de lá para cá, houve uma próxima troca, outra troca, em que um profissional saiu e ocupou a vaga outra pessoa que era apadrinhada. Então, hoje, quando a pessoa ocupa nessa categoria de bombeiro civil uma liderança ou de chefe de brigada, ou de coordenador, ou um cargo de renome, ele consegue simplesmente tirar profissionais bombeiros civis que trabalham na Casa há anos e colocar seus parentes, seus filhos, seus conhecidos, e vão fazendo isso. É o que está acontecendo aqui no Senado.
O SindBombeiros/DF queria aproveitar esta Comissão de Direitos Humanos para falar que está havendo perseguição a trabalhadores aqui dentro desta Casa. E aí, Senador, esta é a minha... Já fiz a denúncia ao Ministério Público, e nós estamos vindo para investigar, para ver o que está acontecendo, porque já soma um total de mais de 15 profissionais de prevenção e combate a incêndios, que já saíram, e já estavam com mais 15 nomes numa lista para sair. Depois da nossa denúncia, barrou-se os que iam sair, e estão aí. Mas as denúncias são sérias, são de - como é que se diz? - colocar parentes ali para ocupar essas vagas, e ainda vendendo vagas de serviço. Então, essa é a minha denúncia.
Eu quis fazer - o Peixe me deu oportunidade - essa fala, esse gancho porque nós estamos com uma situação séria. Então, nós precisamos, sim, ter um diálogo sério tanto com o fiscal dos contratos quanto com o gestor dos contratos, porque, Senador, se isso estiver acontecendo aqui no Senado, eu garanto que, lá nas aldeias indígenas, lá nas divisas do País, a coisa é muito pior. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Marcondes Alves, Presidente do Sindicato dos Bombeiros Civis do DF, o SindBombeiros/DF.
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Nós recebemos a tua denúncia e vamos fazer contato com a direção da Casa para que haja essa reunião o mais rápido possível. O.k?
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Volto para o Peixe para concluir. V. Sª tem mais dois minutos.
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Está bem.
Senador, também...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dois com mais cinco.
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Está certo.
O senhor está vendo aí esse pessoal de alaranjado; é o pessoal da hidráulica aqui do Senado Federal. No andar do contrato mudaram as cláusulas. Praticamente estão pedindo para eles, na proporção, curso superior. Então, vão ser todos demitidos. Como nós vamos ficar nessa questão?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pediram curso superior?
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Praticamente. Pediram o primeiro grau completo deles, sendo que eles já estão aqui há muito tempo, conhecem isso aqui como a palma da mão deles. No momento, eles me procuraram para eu tomar algum posicionamento, e eu me posiciono nessa questão à Comissão de Direitos Humanos, porque não vamos deixar essas questões. Já tivemos o problema - o senhor viu que nós interferimos - da questão dos ascensoristas, em que o senhor viu que nós trabalhamos, e, agora, com mais esses aqui também.
Tragam aqui para mim os cálculos para o pessoal entender.
Senador, fica registrado que nós vamos ver também o problema desse pessoal, que são trabalhadores que merecem ter pelo menos a dignidade de estar dentro da Casa. Estão aqui em minhas mãos os cálculos da Patrimonial. Nós finalizamos os cálculos da Patrimonial. Eu agradeço ao Ministério Público, agradeço à Anamatra e ao senhor, principalmente, porque chegou aqui para que seja feito esse pagamento.
Nós temos que convocar o 1º Secretário e o senhor, como Senador. Convidar o Senador Pimentel, que é o 1º Secretário da Casa...
(Soa a campainha.)
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - ... responsável pelas despesas da Casa - é ao 1º Secretário que compete tudo isso -, para que saneie o pagamento da Patrimonial, da Fiança, da Zarcone e das outras empresas, porque o Senado tem que ser exemplo.
A minha filha me liga: "Pai, o Senado não dá..."
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para atualizar quem está assistindo - nós estamos ao vivo para o Brasil todo -, se não me engano, há uma lista de dez empresas que fecham as portas e não pagam o trabalhador. E a responsabilidade é solidária; se não pagou, o Senado tem que pagar.
O SR. WALDEMIRO LIVINGSTON DE SOUSA - Então, o Senado tem que pagar, porque não é possível que vamos continuar com isso aí. Ainda mais com a mudança da lei agora, como é que nós vamos ficar sabendo e como vamos dar exemplo? Por isso que, lá na cartilha, Senador, eu peço - nós trabalhamos na cartilha dos trabalhadores, que estamos fazendo - eu peço o respeito ao trabalhador. O trabalhador tem que ter o respeito. O Brasil tem que pôr um basta nisso. Nós somos desrespeitados de todos os ângulos, de todas as formas, os que estão aqui dentro. Lá fora, pior ainda, como se tratou de todos os segmentos. Então, sou um Peixe que tem que nadar, tem que brigar, mas juntamente às pessoas que me sirvam de exemplo, como esse guerreiro, o Senador Paulo Paim. Ele tem sido brilhante, e eu o acompanho não é de agora. Eu acompanho o Senador Paulo Paim desde a Câmara, quando ele era Deputado, porque ele me chamou a atenção em um pronunciamento lá - ele nem lembra mais -, quando era Constituinte e fez esta Constituição tão bela, tão cheia de leis. Mas essas leis não estão sendo, na prática, cumpridas. Se cumprirem a metade das leis que estão na Constituição, nós teremos um País mais feliz e tudo.
Quanto ao pessoal do Senado, eu tenho certeza de que o Senador Paulo Paim, com a Primeira Secretaria, vai cuidar deles.
Era o que eu tinha para falar.
Agradeço a oportunidade. E que Deus abençoe todos vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Esse é o Peixe! O Peixe diz que com ele não há nada de travas na língua; ele diz o que está pensando - não é, Peixe?
Como você denunciou... Houve esse relato, que você pediu que eu lesse, do acidente. E chegou aqui para nós que a Srª Diretora acaba de informar ao Secretário desta Comissão, ao Secretário Adjunto da CDH, que está cuidando pessoalmente do assunto. O Sr. André e o Sr. Rogério já estão em Brasília; foram transferidos pela UTI aérea. O Sr. André está no Hospital Brasília, e o Sr. Rogério está no Hospital de Brasília, em Brasília.
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sim, mas eu só posso... Permita-me. Ele já está em Brasília, no hospital que leva o nome de Brasília. Mas já está aqui na capital, certo?
Então, vou repetir: o Sr. André já está aqui na capital, já está em Brasília, no Hospital Brasília; e o Sr. Rogério está no Hospital Home - e esse Home é aqui em Brasília também, ou não?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está aqui no Hospital Home, em Brasília também.
O Sr. Vanderlei foi transferido, na sexta-feira, para Fortaleza e deverá passar por cirurgia de estabilização da coluna hoje ou amanhã.
Seria importante também se nós, ao mesmo tempo... Secretário Adjunto, pergunte lá para a nossa Diretora se ela pode dar alguma informação da situação dos profissionais aqui, dos bombeiros, o.k.? O Marcondes Alves está aqui presente na reunião e já falou como Presidente do Sindicato dos Bombeiros Civis do DF.
Encerramos esta Mesa e vamos para a Segunda Mesa.
Muito obrigado a todos.
Retornem, de preferência, à primeira fila - peço que alguém conduza o nosso mestre aqui. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, vamos lá!
Ivania Ferronatto, pedagoga Especialista na Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - seja bem-vinda! (Palmas.)
Deise Benedito, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura - seja bem-vinda, Deise. (Palmas.)
Juvenal Araújo, Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) - seja bem-vindo, Dr. Juvenal Araújo. (Palmas.)
André Gambier - estava vindo, não sei se chegou -, representante do Ipea.
Eu vou convidar ainda o Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra, Dr. Paulo da Cunha Boal, para que ele comente um vídeo da TV CNN que flagra leilão de pessoas escravizadas na Líbia, ano 2017.
Então, vamos ao vídeo. (Pausa.)
Vou pedir que o vídeo passe para que o Dr. Paulo possa, na verdade, traduzi-lo, porque o vídeo é em inglês. É isso?
Está com a palavra o Dr. Paulo da Cunha Boal, que é Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
(Interrupção do som.)
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - É um prazer participar aqui destas audiências públicas.
Chamou-me muito a atenção esse vídeo. Ele foi apresentado ontem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - A Senadora Regina é a Presidente da Comissão. (Palmas.)
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O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Nós, num período em que comentamos tanto os modos modernos de escravidão, presenciamos, também, o modo antigo de escravidão, que é a venda típica de um ser humano por outro ser humano. Esse fato aconteceu na Líbia e envolve refugiados que estão naquele País. O preço médio ofertado por cada um deles era de R$2,5 mil. Aparece o leiloeiro - se esse é o nome...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Que ano mesmo? Só para situar quem está assistindo.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Em 2017. Isso é recentíssimo!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Em 2017!
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - O que prova que toda forma de usurpação, toda forma de opressão decorre basicamente da miséria. E a história nos demonstra que os mais suscetíveis a esse tipo de exploração são os negros, historicamente. Já tivemos os índios passando por situação semelhante. E hoje, aqui no Brasil, encontramos uma espécie muito próxima à escravidão antiga, ao modelo antigo de escravidão, envolvendo bolivianos, haitianos e pessoas de outros países, também do Oriente Médio.
Agora, essa cena é impactante pela forma como os escravizados se comportam. É típico. Nós encontramos o mesmo tipo de expressão nas pessoas que estavam vitimadas pelo holocausto nazista, e encontramos esse mesmo tipo de expressão em outras ocupações, mesmo em presidiários, quando os presos ficam alinhados aguardando algum tipo de sanção.
O que acontece na escravidão típica ou na escravidão moderna é a ausência de consciência do próprio escravizado ou flagelado da sua condição humana, o que nós, normalmente, chamamos de desumanização. A pessoa não se reconhece mais como sujeito de direitos e deveres; ele mantém o instinto de sobrevivência, que prevalece sobre qualquer outro princípio, e ele esquece completamente a sua condição de dignatário de parcela da dignidade humana.
Eu quis trazer esse vídeo, inclusive, para ilustrar ainda mais a importância do trabalho desta Comissão hora conduzida pelo senhor. Esse é um retrato, é uma sinopse bem curta do que vai acontecer aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Acho que é importantíssimo o que o Dr. Paulo da Cunha Boal nos traz, porque essa é a tendência. Depois do que fizeram aqui no Brasil, daqui a pouco vão estar vendendo pessoas para o trabalho vil, braçal, naqueles setores mais penosos que a gente possa imaginar. É isso o que estão fazendo lá.
Muito bem. Meus cumprimentos!
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Peço que deem continuidade ao vídeo, que nós vamos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não sei por que parou.
(Procede-se à exibição de vídeo)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É um leilão, né?
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - É um leilão típico.
Uma equipe da CNN conseguiu gravar.
O leiloeiro ou o senhor dos escravos anuncia as habilidades de cada uma das pessoas que estão sendo vendidas. Um é carpinteiro, outro é mecânico, outro é trabalhador braçal de agricultura. Aí são colocados...
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Qual é o país mesmo?
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Isso está acontecendo na Líbia. E deve estar acontecendo em vários outros países do mundo.
Em São Paulo, há cerca de um ano, dois bolivianos estavam sendo vendidos na Praça da Sé.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Na Praça da Sé?
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Isso. Foi um intermediário de mão de obra que trouxe trabalhadores bolivianos a São Paulo para trabalhar na indústria da confecção e não conseguiu alocar esses dois trabalhadores. E foi até a Praça da Sé ofertá-los para outras empresas que quisessem comprar mediante o ressarcimento das despesas de condução.
(Procede-se à exibição de vídeo)
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Na agricultura, temos muito essa condição.
A internet apresenta uma série de vídeos, alguns mais duradouros, na parte efetivamente da venda, em que aparece o leiloeiro narrando as qualidades daquela pessoa que está sendo vendida e os preços, que vão sendo aumentados. Na conversão dos valores, a média foi de R$2,5 mil.
(Procede-se à exibição de vídeo)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. O.k. Uma salva de palmas pela iniciativa. (Palmas.)
Isso que o Dr. Paulo trouxe é um alerta ao povo brasileiro. O que eles fizeram, com a reforma trabalhista e com a reforma da previdência - estão tentando ainda, mas creio eu que não vão conseguir -, depois das eleições podem vir os passos seguintes. Retiram-se todos os direitos, as pessoas vão se acostumando, e daqui a pouco estão sendo vendidas. Com o compromisso de dar alimentação, de dar moradia, começam a vender seres humanos, como era na época da escravidão. Nós temos que travar esse retrocesso.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Senador Paim, já existe um projeto aqui, no Congresso Nacional, em que se propõe que a alimentação e a moradia sejam incluídas como parcela salarial...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós passamos aqui.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - ... e abatida do resultado final do salário ao final do mês.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós já passamos essa história, demos até o nome do Deputado. Ele é casa de chão a pique - aquele chão batido -, casa de lona e um prato de comida. Esse é o salário dele.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Isso; o que antigamente chamávamos de senzala.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Exatamente. A que ponto chegamos! Mas vamos avançar agora.
Respondendo já ao Marcondes, a Diretora fez contato. Ela disse que o estava esperando, inclusive, na quinta, e você parece que não pôde ir.
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA (Fora do microfone.) - Na quinta-feira?
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É.
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA (Fora do microfone.) - Não; na quinta-feira eu estive e deixei a documentação...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas ela o estava esperando, para recebê-lo pessoalmente. Ela está disposta a recebê-lo. Então, eu peço a você, como nós ligamos para lá pedindo, que leve lá e vá falar com ela, fale todo o problema; leve lá hoje à tarde, ali pelas duas horas - se quiser, agora, ela está lá ainda.
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - O.k.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k.?
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - O.k., Senador. Desculpe...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O importante é ir lá, pessoal, porque a gente faz a denúncia aqui, e aqui a tribuna é livre...
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - Correto.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas, quando dão o retorno, o importante é vocês irem lá e verem o que está acontecendo e o que dá para ajustar, para consertar, para evitar que haja os afastamentos.
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - Está certo, Senador. Eu fico grato. Eu vou lá.
Inclusive, a denúncia que eu tinha feito para ela foi protocolizada, e a mesma denúncia eu fiz ao Ministério Público.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bem.
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - Está aqui a cópia, e eu vou levar lá.
E só, pontuando ainda dentro dessa denúncia, o que eu achei também muito bizarro, muito sério, Senador, foi o seguinte: quando nós fizemos a denúncia, o que eu recebi dos trabalhadores é que eles eram ameaçados pelas lideranças de que, se não ajudassem a fazer as vaquinhas para a compra de geladeira, de micro-ondas, seriam demitidos do posto de trabalho. Então, compraram diversas geladeiras e micro-ondas, televisão, tudo aqui para dentro do Senado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso é importante que você...
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - Não sei se isso se integra ao patrimônio da Casa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não sei. Não sei nem... Como é uma denúncia, e ela está disposta a recebê-lo, eu peço a você que vá lá, então, e leve tudo isso para ela.
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - O.k.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k.?
O SR. MARCONDES ALVES BARBOSA - Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Valeu! Obrigado.
De imediato, por favor, pedagoga Especialista em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Srª Ivania Ferronatto - eu já chamo todo mundo de doutor, então já vira doutora também, Drª Ivania Ferronatto.
A SRª IVANIA FERRONATTO - Bom dia. É um prazer estar aqui. Eu quero agradecer o convite, me sinto honrada. Gostaria de dizer que eu sou filha, mãe e pedagoga de profissão, mas hoje aqui também estou como trabalhadora.
Eu acredito que nós fomos agraciados com uma aula sobre direito e sua história pelo Dr. Ricardo; por um chamado da Braulina sobre a cultura mais excluída, que na verdade acaba não sendo nem vista, aparece em poucas literaturas, agora se começa a falar mais; e também pela Drª Katleem, que nos situou sobre a trajetória dos direitos da criança e do adolescente. Na verdade, todos nos colocaram formas diferentes de conquistas legais que a Nação foi adquirindo, mas também elas nos trazem as dificuldades das maiorias minorias - que nós chamamos de minorias, mas que são as maiorias.
Quando eu ouvi os trabalhadores que estavam aqui, eu fiquei pensando na importância da lei dos direitos humanos, que diz que todo ser humano nasce livre e igual em direito. Na verdade, deveria ser assim, porque, quando se nasce, a diferença ao nascer já é enorme: desde o pré-natal de uma mãe - desde a mãe indígena, a mãe negra, mas eu digo a mãe pobre -, do preparo dessa gestação, do desejo dela, do que ela pode adquirir, até o nascimento da criança, que já nasce em desigualdade, já nasce com deficiências alimentares, já nasce com deficiências de saúde, de acesso. A diferença entre uma criança que nasce em condições bem bacanas, que é num hospital, com um marido acompanhando, com a família toda, e aquela que nasce sem direito a ter acompanhante - às vezes a violência já começa aí, que é a violência do genitor... Então, aí a gente já tem um problema que está na raiz.
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O art. 227 diz que é dever da família, da sociedade e do Estado cuidar da criança, amparar em todos os sentidos. E aí a gente entra nesse caminho dessa lei e se dá conta de que é o seguinte: a lei existe, elas sempre existiram, só que não são cumpridas, porque por trás da lei existem pessoas, e são pessoas diferentes. Pessoas que adquiriram direitos muitas vezes não conseguem ajudar a abrir a porta para que outros acessem esses direitos. Então, a lei é muito bonita no papel. Talvez nós não precisássemos dessa lei, do art. 227, que diz que é dever da família, da sociedade e do Estado amparar e cuidar da criança, se aquele pai de família que estava sentado aqui tivesse condições de dar ao seu filho o direito de estudar numa escola com todos os acessos que a maioria dos filhos de quem tem um excelente salário pode dar.
Faz três meses que eu cheguei a Brasília. Eu venho de Foz do Iguaçu. Foz do Iguaçu é uma cidade de fronteira, que traz muitos problemas no tema do tráfico, exploração sexual, e eu trabalhei muito tempo na área da infância e da adolescência nessa região. Lá a gente sempre falava nos direitos, sempre tentava - um grupo de pessoas que ficam na base - fazer com que as pessoas que não acessavam o direito o acessassem, que são os trabalhadores que estão diretamente na base. E nós tínhamos uma dificuldade muito grande, porque a lei existe, mas nós não conseguíamos fazer essa lei ser exercida, fazer essa lei ser cumprida, e por n pessoas: desde empresários, legisladores, políticos, prefeitos, juízes, promotores. No final, por trás de tudo isso, existem pessoas. Se nós, como pessoas, não melhorarmos, a sociedade não vai melhorar.
E o que eu trago hoje, o questionamento que eu faço hoje é de trazer essa luta para dentro desses locais, onde as pessoas comecem a se melhorar e se ver no outro, a empatia. Nós não podemos continuar a achar que, porque é negro, porque é índio, porque é pobre, não tem direito. E o que me preocupa hoje é que esses pais de família que estavam sentados aqui hoje, como o Sr. Peixe estava comentando, muitas dessas pessoas não conseguem fazer com que as crianças tenham os seus direitos. E, infelizmente, o fato de o pai trabalhador não poder dar condições para que a criança e o adolescente tenham uma educação digna, que acessem o trabalho... Não adianta haver lei de aprendizagem se antes faltou o básico. Infelizmente, hoje nós ouvimos - eu ouvi a Drª Katleem falando - que muitas dessas crianças e adolescentes acabam ficando com os piores trabalhos. Na verdade, os pais já estão nos piores trabalhos. Então, a falta de cultura e de educação acaba fazendo com que isso aconteça. Hoje nós vemos isso na entrada da universidade: a criança e o adolescente que tiveram um preparo que não foi de igualdade, embora se diga que todos têm direito a ser livres e iguais. Isso já começa lá na ponta. Ele nasce desigual, ele nasce com menos liberdade do que o que tem condições. Depois, para entrar na universidade, aquele estudante que é preparado e que teve uma educação de qualidade tem mais acesso; o outro não tem. Chega o Enem. O Enem virou uma carnificina, porque é uma... A dificuldade de acesso é enorme. Aí, as pessoas ficam brigando por cota, mas, se não houvesse a lei das cotas e outras coisas, essas pessoas jamais chegariam a entrar numa universidade pública.
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Então, a lei do trabalho... Se, antes, com a nossa lei, que a gente achava que era uma lei...
(Soa a campainha.)
A SRª IVANIA FERRONATTO - ... boa, já era difícil e existia uma desigualdade fora do normal, imaginem agora com essas mudanças!
Então, eu trago aqui que precisamos melhorar o que já tínhamos, e não mudar e piorar; dar condições a que pais e mães trabalhadores tenham dignidade para dar a seus filhos uma vida digna; e garantir que todas as pessoas tenham acesso, desde seu nascimento, às leis que falam em igualdade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
A SRª IVANIA FERRONATTO - Eu acho que era só isso que eu queria dizer. A gente já tem muitas leis, e as leis são maravilhosas. O que nós precisamos é executar essas leis e que as pessoas que fazem as leis comecem a se ver no lugar de outras. Por isso, eu tenho uma admiração muito grande pelo Senador Paulo Paim, porque ele nunca se esqueceu de onde ele veio. É preciso haver empatia; olhar para o outro e dizer: "Olha, eu também passei por isso."
Eu acho que... Eu até vou contar, rapidamente, uma anedota, mas é um caso. Existiam três pescadores - já vamos fazendo uma homenagem ao Peixe - que estavam pescando no final de uma cachoeira. De repente, eles viram uma criança caindo na cachoeira e se afogando. Eles se jogaram e salvaram a criança. Continuaram pescando, e, daí a pouco, duas crianças estavam se afogando novamente. Eles se jogaram e as salvaram. Quando eles olham para cima, há cinco crianças descendo. Um dos pescadores começou a subir rio acima para verificar o que estava acontecendo, e os outros dois, quando viram que eram cinco crianças, disseram: "Cara, são cinco. Nós ficamos só em dois." E ele disse: "Tentem salvar as que vocês podem. Eu vou subir para ver o que está acontecendo para tanta criança descer."
Então, o Senado, o Senador Paulo Paim e as pessoas que estão nas Casas das Leis têm que ver o que está acontecendo aqui em cima para poder evitar que essas crianças cheguem lá embaixo e se afoguem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem!
A SRª IVANIA FERRONATTO - E nós, na base - pedagogos, trabalhadores, advogados da área social, professores -, vamos tentar salvar o que chega e que já está quase se afogando.
Então, era isso.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Ivania Ferronatto, pedagoga Especialista na Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
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Drª Deise Benedito, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
A SRª DEISE BENEDITO - Bom dia. Parabéns a todos e todas!
Obrigada, mais uma vez, pelo convite, Senador Paulo Paim. V. Exª é uma das pessoas, um dos Senadores mais brilhantes, mais atuantes que já passaram por esta Casa neste País. Eu tenho um profundo orgulho de tê-lo como Senador da República pelo seu compromisso com a comunidade negra, pelo seu compromisso com todas as populações historicamente vulneráveis. Muito obrigada, Paulo Paim.
Hoje, neste 20 de novembro, além de falar sobre a questão da classe trabalhadora, é importante também lembrar que 20 de novembro não é só o Dia da Consciência Negra, mas também o dia do reconhecimento das populações negras e indígenas neste País.
Fiquei muito orgulhosa de ouvi-la, Braulina, falando como estudante da UnB, uma antropóloga indígena. Agradeço a oportunidade de poder ouvi-la.
E também agradeço aos povos indígenas, que, de forma solidária e coerente, durante todo o período da escravização no Brasil, acolheram inúmeros africanos que foram encontrados, nas matas, semivivos. (Palmas.) Graças à solidariedade dos povos indígenas deste País, muitos deles foram resgatados com vida para continuar a luta em prol de liberdade, até lembrando que o grande projeto político de Palmares era um quilombo com brancos, pobres, indígenas e africanos, homens e mulheres. Então, essa é a grande história de um projeto político que durou cem anos. Então, foi um projeto político que deu certo - isso ocorreu em 1600.
Neste 20 de novembro, Senador, a gente também não pode deixar de falar sobre o grande índice de morte de jovens negros neste País. Isso é uma das coisas mais alarmantes. Nunca mataram tantos jovens negros neste País como ultimamente. E lembro que os quilombos sugiram dessa juventude. Os primeiros escravizados foram os jovens negros, jovens negros que vieram para o Brasil para o desenvolvimento desta Nação. Eram jovens na faixa de 12, 13, 14, 15, 16 anos, que trabalhavam, que eram vendidos, trocados, leiloados, alugados. Essa juventude, hoje, é solenemente exterminada por várias formas de extermínio - não é só a bala que mata. Esse jovem passa a ser exterminado... Como a própria pedagoga falou, quando um jovem, uma criança negra entra na escola, ela já passa a ser exterminada pelo tratamento que recebe - muitas vezes, inconscientemente - dos professores, que não sabem ainda acolher uma criança negra, não sabem ainda acolher uma criança que tem uma religião diferenciada - as crianças que são criadas em religiões de matrizes africanas. E também a própria questão da forma de racismo no ambiente escolar: o que é permissivo ser dito às crianças, a forma com que essas crianças são tratadas. Então, essa forma de extermínio vem lenta, gradual, mas ela vem com um efeito terrível, que é o efeito da discriminação, do não pertencimento e não reconhecimento do que se é como pessoa humana. Outra coisa muito terrível é o extermínio que se dá também na forma institucional. E, quando a gente fala de racismo institucional, a gente tem que falar também da saúde: médicos que não colocam as mãos em mulheres negras, que não acolhem crianças negras dentro dos hospitais; o número de mulheres negras que morrem durante o parto nos hospitais; o tempo que essas mulheres levam para dar à luz, porque elas têm que sofrer a dor dentro desses hospitais; ou seja, há um tratamento diferenciado. Outra questão também que faz parte desse cenário de dor e sofrimento é a perda desses filhos. Muitas vezes, esses jovens são mortos pelos agentes de Estado, e, infelizmente, não podemos deixar de falar também que muitos desses jovens são recapturados pelo narcotráfico. Muitos desses jovens estão no tráfico, muitos desses jovens estão trabalhando no narcotráfico e muitos desses jovens estão morrendo no narcotráfico. Então, as drogas são uma guerra para negros, pobres e mulheres.
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A população prisional, hoje, é de mais de 600 mil. Desses 600 mil, mais de 70% são negros e estão na faixa de 18 a 30 anos. Nessa faixa, houve um crescimento de 567% de mulheres que hoje estão encarceradas; dessas mulheres, 60% são negras e estão na faixa de 18 a 25, e parte dessas mulheres negras, ou seja, mais de 30% são mães.
Então, a grande questão hoje é a guerra às drogas ser a guerra contra os negros, contra as mulheres, contra as mulheres negras. E essa guerra é cruel, desumana, degradante, porque, quando a gente fala disso, a gente fala de pessoas que estão nesse mercado do tráfico para sobrevivência, e não para enriquecimento, o enriquecimento de milhões de fazendas... Não! São pessoas que estão no que a gente chama de correr para defender um arroz, um feijão, uma coisa muito pequena. E o pior de tudo é que a gente vê o crescimento dessa população. Essa guerra às drogas escolhe quem vai morrer, escolhe quem é o alvo, e esse alvo são pobres e negros. Então, quando a gente vê a guerra às drogas, a gente tem que se lembrar da guerra do governo Nixon, em 1971.
Quando eu falo de guerra às drogas, essa guerra é bem direcionada. Na Região Norte, a maioria daqueles que estão nas prisões, infelizmente, são descendentes de povos indígenas; e, nas outras regiões, Sul e Sudeste, a maioria da população que está na prisão, hoje, por essa guerra às drogas é a população negra.
E aí, quando a gente vê essa grande questão, essa discussão hoje de guerra às drogas, não é só a guerra ao traficante. Eu me lembro muito bem de uma questão que eu sempre gosto de colocar: esses jovens negros que chegaram ao Brasil vieram na condição de traficados, vieram como mercadoria e, hoje, estão presos como traficantes. Então, volto àquela questão trágica e cruel deste País: de traficados a traficantes. Essa é a grande questão.
E, quando a gente fala da questão do extermínio dessa população, a gente também tem que falar do número elevado de mulheres negras que têm morrido nos últimos dez anos. Mesmo com a Lei Maria da Penha, entre mulheres brancas e mulheres negras, o número de mulheres negras que estão sendo assassinadas é muito maior, é muito elevado - chega a 60% o número de mulheres negras que estão sendo mortas, que estão sendo assassinadas.
E, quando a gente vai falar do mercado de trabalho, é muito mais cruel: 67% das pessoas que hoje são vendedores ambulantes são da população negra: são mulheres negras, são homens negros, são jovens negros. Então, o que acontece? A gente está vivenciando hoje uma questão seríssima, que é o recrudescimento de inúmeras conquistas que a gente teve.
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E aí, quando a gente fala destas questões, a gente tem hoje mais de 13 milhões de desempregados neste País que são negros e jovens. Quando a gente fala nesse mercado de trabalho, a gente vê o salário que um negro ganha, que está em torno de R$1.150, enquanto o de um branco está R$2.550. São dados que saíram este final de semana na PNAD. A PNAD apontou tudo isso, esses dados que estou colocando para vocês.
Então, eu acredito que a grande questão da nossa luta, como negros, como mulheres, é não só o valor da existência, mas dessa resistência que nós temos. São mais de 500 anos neste País resistindo. E, quando a gente fala de resistência, a gente fala também de conquistas, quer dizer, a cota nas universidades é só um pedaço, uma parte de uma reparação. É uma parte da reparação. Quem é cotista na universidade sabe o que passa na universidade: um universo branco, um universo racista, um universo conservador, um universo totalmente segregador, no qual os jovens negros e indígenas são olhados como diferentes e incapazes. É necessário haver cotas para que haja a igualdade e acesso a oportunidades. Só que, infelizmente, no universo...
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - ... das universidades o preconceito e a discriminação são cruéis, desumanos e degradantes.
Quando eu falo da desumanização, eu falo de uma questão de você não se tornar uma pessoa com direitos, mas você passa a ser uma pessoa com defeitos. A própria mídia que a gente tem, quando a gente vê o que é a Rede Globo... E não falo só da Rede Globo; falo da Record, falo do SBT, falo dessa grande indústria midiática que a gente tem, que é uma indústria que produz o tempo todo a beleza branca, a beleza eugênica, um modus de vida no qual negros e indígenas são totalmente segregados. As agências de publicidade não produzem produtos para negros, não incentivam, não disponibilizam, não favorecem, não visualizam o grande potencial que a população negra tem no comércio, na aquisição de bens de consumo. Da mesma forma, não se veem indígenas. A invisibilidade dos povos indígenas é total, principalmente nos comerciais de televisão; é folclorizado.
E aí a gente está em uma situação que é muito terrível. Quando a gente vê que o William Waack fala "coisa de preto"... Ele esqueceu, talvez, de colocar que as pirâmides do Egito são coisas de preto, a Medicina é coisa de preto, a engenharia é coisa de preto, a matemática é coisa de preto. (Palmas.) Ele esqueceu de colocar essas coisas, que são coisas de preto. A mineração no Brasil é coisa de preto; o desenvolvimento das Minas Gerais, no que se refere à mineração, é coisa de preto; o descobrimento da bateia foi coisa de preto; as ferrovias e uma série de coisas são coisas de preto; o patrimônio cultural brasileiro, principalmente na arquitetura deste País, é coisa de preto. Para quem está hoje trabalhando de terceirizado na construção civil, os prédios erguidos são coisas de preto. Esta Brasília é coisa de preto; os prédios de Brasília são coisa de preto. Então, essa é a grande questão dessa mão de obra que é desqualificada o tempo todo pelo racismo.
E aí, quando a gente fala da discriminação, a gente também tem que falar de qual o impacto disso na sociedade brasileira, o impacto do crescimento da sociedade brasileira. Quando você não tem um investimento maior nessa população, você também não tem crescimento. Então, quando ainda se é discriminado pelo seu cabelo, pela cor da sua pele, isso é uma coisa muito séria. E aí, Paim, é a mesma questão das cotas no serviço público. A gente vê que, quando a gente tem qualquer reformulação no serviço público, ou qualquer outro serviço, quem são os mais atingidos? É a população negra. Então, na hora de um arrastão, de uma reformulação, de uma reestruturação, quem vai direto é a negada. Esse povo vai; são os primeiros a serem demitidos. Quando a gente fala da própria questão do acesso aos concursos públicos, hoje a gente pode ter cotas no serviço público, mas a gente tem também, para além dessa cota, as condições de você poder concorrer a esse serviço público. Nem todos têm condições de pagar cursinhos particulares para ficar o dia todo estudando para entrar em um concurso público. Você tem as cotas, mas as condições não são reais. Quantos concursos públicos estão abertos nos quais você tem que pagar R$800, R$700 por mês, para poder se preparar, quando a população negra, a maioria, está desempregada, para poder concorrer a isso?
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Então, quando a gente fala nessa questão da economia é onde pega para a população negra. Mas, hoje, a gente também está tendo avanços significativos, e é a questão do empreendedorismo negro. As mulheres negras sempre foram empreendedoras para a compra da carta de alforria dos seus filhos e maridos, sempre foram para as ruas para vender seus quitutes para conseguir comprar a carta de alforria. Está aí a Irmandade da Boa Morte, na Bahia, que é a primeira organização negra, inaugurada em 1830. Está viva até hoje essa Irmandade da Boa Morte, que tinha como objetivo a compra da carta de alforria, com as primeiras mulheres negras abolicionistas deste País e as detentoras das religiões de matriz africana, que hoje são, cotidianamente, vilipendiadas.
Nós estamos em um processo gravíssimo, Senador, com o recrudescimento dos direitos que nós conquistamos a duras penas, aqui dentro deste Senado também, na questão das religiões de matriz africana, de como estão sendo perseguidas pelos neopentecostais. As religiões estão determinando a política deste País. E o Estado é laico! São coisas, assim, inadmissíveis. Onde está a laicidade do Estado?
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - Quando a gente vê a perseguição, quando a gente vê as destruições dos terreiros de umbanda e candomblé, quando a gente vê as perseguições... As pessoas que se vestem, saindo do seu culto ou respeitando o seu culto, são apedrejadas nas ruas! Isso é um fato que está acontecendo.
Que religião é essa que me permite apedrejar o outro, que não me fez nada, só porque não é da mesma religião que eu sou? Que Deus maldito é esse que destrói? Que Deus é esse que apedreja porque é gay, porque é lésbica, porque é negro, porque é da umbanda, porque é do candomblé ou porque é indígena? Nós estamos vivendo um problema seríssimo de direitos humanos, não só por sermos negros, mas por sermos de religiões de matriz africana ou por termos orientação sexual diferente.
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - Ou por gostar, amar o outro que é igual a mim.
Então, nós estamos vivendo hoje problemas seríssimos, uma crise ética, uma crise moral, uma crise de despossuir valores que são importantes na sociedade. Ver o outro como eu, a minha extensão de existência, como vida. Essa é a grande questão.
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Então, a gente está em um 20 de novembro muito mais reflexivo e que exige de nós, como defensores dos direitos humanos, ativistas, posições mais duras.
Não foi fácil chegar aonde a gente chegou, mas respeite quem pôde chegar aonde a gente chegou. Eu acho que isso é de fundamental importância para nós, como negros, como homens, como mulheres, como idosos. E qualquer reforma trabalhista vai nos conduzir...
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - ... à revogação da Lei Áurea. Eu temo que isso aconteça, porque qualquer revogação de reforma trabalhista vai prejudicar, em potencial, homens e mulheres negros.
Nós temos mais de 66% de mulheres negras no trabalho doméstico, e foi uma luta conseguir o reconhecimento das trabalhadoras e os direitos das trabalhadoras domésticas, que durante o período pós-abolição sempre foram tratadas ainda na condição de criadas, na condição de escravas. E até hoje elas têm hora para entrar, elas não têm hora para sair. E a reforma do trabalho doméstico funcionou como foi o processo da abolição, todas as senhoras que tinham as suas empregadas se rebelaram, da mesma forma que todos aqueles que tinham seus escravos se rebelaram, e ainda se rebelam.
Nós temos ainda, lamentavelmente, vestígios...
(Soa a campainha.)
A SRª DEISE BENEDITO - ... fortíssimos da escravidão em nosso País.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto.
A SRª DEISE BENEDITO - E, aí, eu acredito que a gente também tem que apontar que, sob a ótica da segurança pública, quando a gente fala em homicídios, 56% dos policiais que tombaram neste País - segundo os anais do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2017 - eram negros.
Então, eu acredito, Senador Paulo Paim, que algo tem que ser feito. Talvez tenhamos que tomar as ruas ou, melhor, não sairmos mais delas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Deise Benedito, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Parabéns!
Juvenal Araújo.
O Dr. Juvenal Araújo é Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
A palavra está com você.
O SR. JUVENAL ARAÚJO - Quero aqui desejar um bom dia a todos e a todas e cumprimentar a Senadora Regina Sousa, Presidente desta Comissão de Direitos Humanos; o Senador Paulo Paim, Vice-Presidente desta Comissão; a Drª Ivania Ferronatto; e também a Drª Deise Benedito, uma grande atuante não só da questão racial, mas, também, do combate à tortura.
Quero dizer, Senador, que o seu trabalho, não só aqui nesta Comissão, mas de longa data, para mim, sempre foi como uma referência. Eu pude compartilhar, porque também a minha base é sindical. Fui presidente de sindicato, Diretor da Federação dos Trabalhadores da Saúde no Estado de Minas Gerais, e a minha base foi realmente essa base sindical, na qual a discussão está ligada aos trabalhadores, principalmente à questão da precariedade do trabalho e à questão do negro. Essa sempre foi a nossa orientação e os nossos debates, tanto no chão de fábrica quanto, também, nas universidades.
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Falando da questão do mundo do trabalho e o negro, não há como nós primeiro não falarmos do racismo no Brasil, porque é por um reflexo desse racismo existente que nós vivemos a precariedade, que atinge mais os trabalhadores negros aqui no Brasil. Vivemos em um País em que houve mais de 300 anos de escravidão, e somente há 129 anos acabou essa escravidão.
Somos uma maioria populacional, mas somos ainda uma minoria política no Brasil. E essa minoria política faz com que sejamos não vítimas, mas sim vitimizados, principalmente por grande parte ainda das pessoas que obtêm o poder que o negro ainda não tem na sociedade. E essa vitimização na qual os negros hoje estão colocados faz com que nós tenhamos a exclusão da igualdade de fato e de direito.
Essa exclusão faz com que nós tenhamos uma invisibilização principalmente nos três Poderes. Nós temos hoje um Judiciário no qual a pauta racial não é sequer discutida, sequer sensibilizada. Temos casos como agora, no STF, por exemplo, a questão do sacrifício de animais em rituais religiosos, sem conhecer as religiões de matriz africana, nas quais não há o sacrifício de animais; pelo contrário, há a sacralização. Esses animais sequer são jogados fora; pelo contrário, servem de alimento para as comunidades que esses terreiros atendem e também para aqueles adeptos da religião.
Temos um Judiciário onde sequer há a discussão do conhecimento da história do negro no Brasil. Tivemos uma época áurea no Judiciário, em que nós tínhamos, no mesmo momento, Joaquim Barbosa, que era Presidente do Superior Tribunal Federal; nós tínhamos Luislinda Valois, que era Desembargadora do TJ da Bahia; e nós tínhamos Reis de Paula, que era Presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Eram três negros que nós tínhamos na pirâmide. E hoje nós não temos nenhum negro em cargos de poder no Judiciário.
No Legislativo a dificuldade que nós temos... E hoje temos tão poucos vereadores negros, tão poucos Deputados negros, tão poucos Senadores negros e capacitados, como a referência que é o nosso Senador Paim, que está aqui.
E temos o Executivo, em que, quando nós temos vários negros e negras capacitados e competentes, geralmente os colocamos na área de igualdade racial. Por que ainda temos dificuldade de ter um negro Ministro da Saúde, Ministro da Educação, Secretário de Administração, Secretário da Casa Civil, Secretário de Educação? Por que não? Porque ainda nos medem, porque a cor da pele ainda é motivo de exclusão nos canais de poder. Esse racismo - que eu costumo dizer que é o racismo e seus tentáculos - faz com que nós tenhamos essa invisibilização nos canais de poder. E isso afeta muito essa questão de não identificarmos o racismo. Para que possamos enfrentar o racismo, primeiro temos que reconhecer que o racismo existe, é fato.
Um exemplo que eu gosto de citar é a questão das nossas crianças. Geralmente, quando a pessoa tem um poder aquisitivo maior - e na maioria não são negros -, o seu filho quer ser o quê? O filho quer ser engenheiro, a filha quer ser médica, eles querem ser engenheiros, cirurgiões-dentistas. Geralmente para as crianças da periferia a perspectiva é diferente. O menino pensa em alguém negro, igual a ele, e que faz sucesso no País. Então - é a referência do menino -, ele quer ser jogador de futebol, porque é o único negro que ele vê que tem ascensão no País. A menina da periferia - porque ainda a cor da pele dela faz sucesso na comunidade - ou é a rainha da bateria daquela comunidade, ou é aquela cantora ou dançarina de funk, que é uma referência para ela, da cor da pele dela, que fez sucesso. Esse é o racismo que nós vivemos no Brasil. É um racismo latente, é um racismo que antigamente era velado e hoje é explícito.
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Esse caso de William Waack, de que a Deise falou, é um deles, mas vou citar outro: em São Paulo, um comandante da Rota disse para sua tropa que teria que abordar diferentemente as famílias da periferia e as famílias da Zona Sul; que não poderia tratá-las igualmente. Isso mostra realmente o racismo e a ideia de que todos que moram na periferia são bandidos, estão no crime. E, pelo contrário, a sua maioria são trabalhadores e trabalhadoras, na sua maioria negros e negras que lutam todos os dias para construir este País.
O racismo é latente no Brasil, de forma que... Vou voltar a citar o caso do nosso ex-Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa. Joaquim Barbosa trabalhou, estudou, com sua competência se tornou advogado, juiz e se tornou Ministro do Supremo e se tornou Presidente do STF. Ele ficou famoso por toda a sua trajetória de vida ou ficou famoso porque era um Presidente do Supremo negro? Porque era negro! Era para ser normal, como vários outros Presidentes do STF. Mas não é normal no Brasil nós vermos um negro no poder como ele, Presidente do STF.
Essa discussão faz com que nós tenhamos várias vertentes - aqui a Deise citou algumas esplendidamente. Assassinato de jovens negros: a cada quatro jovens assassinados no Brasil, três são negros. O feminicídio, o assassinato de mulheres no Brasil: 70% das suas vítimas são mulheres jovens, negras, pobres e que moram na periferia. A violência hoje às mulheres tem na sua maioria de vítimas as mulheres negras. A questão econômica: o negro ainda recebe cerca de 36% a menos que o não negro no Brasil. E, quando vamos discutir a questão de igualdade racial, somos atacados, principalmente nas redes sociais: como isso é vitimismo, como é mi-mi-mi. Mas é porque nós tocamos na ferida.
A situação hoje de negros, quilombolas, indígenas e ciganos no Brasil é uma situação em que a discriminação os afeta todos os dias. Todos os dias somos discriminadas ou por nossa cor da pele ou por nossa origem. E esse enfrentamento ao racismo, principalmente ligado à questão do jovem negro, afeta os jovens quilombolas, afeta os jovens negros LGBT, afeta todos os tipos de jovens negros no Brasil e faz com que possamos também imaginar como conviver em um País em que a cada 23 minutos morre assassinado um jovem negro. E às vezes perdemos a capacidade de nos indignar com essa situação realmente de um genocídio da população negra no Brasil.
Também sobre intolerância religiosa. Estive agora há quase dois meses no Rio de Janeiro. Não é uma peculiaridade do Rio de Janeiro, mas em todo o País a intolerância religiosa está se seguindo e fazendo com que os adeptos dessas religiões tenham que quebrar o seu sagrado, romper o seu sagrado por causa dessa intolerância. Temos no Brasil uma lei, a Lei 10.639, que obriga a lecionar sobre história da África e história afro-brasileira, que sequer é cumprida. Por quê? Por causa da demonização das religiões de matriz africana. Alguns professores se negam a cumprir a lei porque professam uma outra fé. O racismo religioso, o racismo institucional, o racismo estrutural fazem com que nós tenhamos uma dificuldade realmente de mostrar que a cor da pele não difere o intelecto, não difere a capacidade ou a inteligência.
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Saúde da população negra. Hoje nós temos, quando há algum gestor público, prefeito ou governador, que trata da pauta de saúde da população negra, ele acha que, só de tratar - quando trata - da anemia falciforme, ele já tem uma política implantada de saúde da população negra. Enfim, nós precisamos discutir a questão do racismo como políticas públicas.
E no mundo do trabalho, Senador, uma dificuldade que nós sempre enfrentamos... A minha área sindical sempre foi a área da saúde. Eu falei que fui diretor da Federação dos Trabalhadores da Saúde no meu Estado. A dificuldade que nós temos é que a maioria dos negros trabalhadores estão no chão de fábrica. E a maioria dos acidentes de trabalho no Brasil é com trabalhadores negros.
Essas vítimas hoje, por estarem sempre nesses...
(Soa a campainha.)
O SR. JUVENAL ARAÚJO - ... meios de trabalho que a gente chama de chão de fábrica, isso faz com que nós tenhamos dados, tanto na questão do emprego, quanto do desemprego, alarmantes. A pesquisa de emprego e desemprego... A taxa de desemprego total dos trabalhadores negros se mantinha superior à dos não negros, em 13,8%, contra 10%, mas a taxa de precariedade ocupacional fez com que as mulheres negras sejam o dobro da taxa de precariedade ocupacional para homens não negros, de 16,8% contra 8,1%, segundo o Dieese. E também a proporção de ocupados em situações de trabalhos vulneráveis - é o assalariado sem a carteira assinada, o autônomo, que trabalha para o público, o trabalhador familiar não remunerado e o trabalhador doméstico - é bem maior entre os negros do que entre os não negros, sendo particularmente elevada entre as mulheres negras. Em 2009, 39,6% das residentes em Belo Horizonte, 40,5% em Porto Alegre, 40,9% no Distrito Federal, 44% em São Paulo, 45% em Salvador, 50% em Recife e 54% em Fortaleza. Então, a mulher negra tem a menor renda em comparativo com a mulher não negra e com o homem não negro. Essa é a realidade que nós vemos hoje no Brasil: o racismo tratado no mundo do trabalho faz com que eles sejam as vítimas principalmente das questões ligadas à precariedade ocupacional e as vítimas na questão dos acidentes de trabalho; e a inexistência desses negros nos campos, nos canais de poder.
Falando um pouco sobre a importância das cotas raciais, principalmente as cotas raciais... Tanto as cotas raciais no ensino público quanto também no serviço público são importantes, porque nós precisamos, sim. Temos vários negros competentes e capacitados para ocupar os espaços, mas nós precisamos, sim, preparar esses espaços para que a igualdade seja de fato reconhecida. Infelizmente, até hoje no Brasil nós temos que provar para todos que a minha cor da pele me capacita do mesmo jeito que quem tem a pele mais clara que a minha.
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Nós só venceremos o racismo através de políticas públicas. Políticas públicas efetivas e políticas públicas permanentes. Não há outro modo de vencermos o racismo sem realmente o comprometimento dos gestores públicos para que nós possamos avançar no enfrentamento ao racismo contra as desigualdades sociais e raciais e mostrar também que, se só tratarmos das questões sociais e não das raciais, nós jamais avançaremos no campo da dignidade.
Uma outra questão que nós também não aceitamos mais é falar sobre tolerância, tolerância religiosa. Nós não queremos que nos tolerem; nós queremos que nos respeitem.
Esperamos que através de políticas públicas nós possamos, sim, lutar, implantar e ampliar a política necessária para que nós tenhamos uma Brasília, para que nós tenhamos um Pernambuco, para que nós tenhamos uma Minas Gerais, para que nós tenhamos um País ainda mais igual.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Juvenal Araújo, Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a nossa SEPPIR, que foi construída com muito esforço, durante anos e anos, pela comunidade negra e por brancos comprometidos com essa causa. Ela foi um Ministério, mas, infelizmente, agora é uma Secretaria.
Meus cumprimentos, Juvenal! Você deu o tom. Foi muito boa a sua explanação.
Neste momento, eu passo a palavra à Presidenta desta Comissão de Direitos Humanos, que é a nossa querida Senadora Regina Sousa.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Bom dia a todos e a todas.
Eu quero parabenizar o Senador Paim. Na criação desta Comissão, ele está possibilitando um debate acontecer, um debate muito sério, muito necessário, com temas muito pertinentes e com situações gravíssimas que nós estamos vivendo no nosso País.
Esta Subcomissão do Estatuto do Trabalho, eu acho que - não sei quando ainda - vai resultar em alguma coisa muito boa, em termos de legislação. O que não basta, é claro. A gente sabe que só a legislação não basta, mas ela é um apoio que a gente tem para agir também. Ela é mais um elemento, uma ferramenta.
Já foi dito quase tudo aqui.
A fala da Profª Deise me contemplou bastante no que eu ia falar. Eu acho que ela vive na pele essas coisas também, como eu vivo. Muita gente aqui diz, bem naturalmente: "Senadora? Nem parece! Não tem cara de Senadora!" Como se houvesse um modelo de Senadora, um modelozinho ali, uma forma. E eu não caibo nessa forma. A Regina Sousa não cabe na forma de Senadora. "Ela não parece Senadora." Isso também é um preconceito, que tem a ver com o meu cabelo, com o meu jeito de ser.
Mas eu acho que temos que tocar em alguns pontos.
Por exemplo, a questão do racismo está introjetada na gente, porque existe uma memória escravagista no País, e o que a gente vê é que sempre se encaram com muita naturalidade as piadas. De vez em quando, encontramos pessoas muito boas contando piadas de negros, como contam de loiras. Quer dizer, isso está lá... Então, quando aquele jornalista soltou a história de que "é coisa de preto", estava nele, e ele não teve tempo de pensar, porque estava no ar. Às vezes a gente se policia, porque a gente incorporou que isso não é correto. Então, a gente vai se policiando e não conta mais piada. Ele disse aquilo, e, por infelicidade, estava no ar, mas muita gente diz ainda. Um dia eu ouvi em um aeroporto duas senhoras conversando, e uma dizendo: "A gente não encontra mais uma neguinha para lavar prato depois desse Bolsa Família". Desse jeito! Ela disse isso com a maior naturalidade. Não encontra mais, porque, antes, o destino das meninas era a cozinha das madames, lavando os pratos. Então, era natural. Era encarado como uma coisa natural as meninas irem lavar os pratos para ganharem, às vezes, só o prato de comida. Às vezes, complementando o trabalho da mãe, que já era da cozinha, ela ia ajudar. Então, isso era natural, era encarado com naturalidade. E aí a gente se depara com algumas falas de pessoas de quem a gente não esperava, mas que o fazem com muita naturalidade.
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Eu me lembro de que o Frei Beto, uma vez, em uma fala, disse que o que nos igualava é que a gente nasce com defeito de fábrica e com prazo de validade - o prazo de validade é a morte. Eu estava dizendo um dia desses que, depois da fala do Presidente do TST, nem a morte nos iguala mais, porque a fala da maior autoridade do mundo do trabalho, a quem a gente vai recorrer quando se sentir ofendido, diz que a vida de um trabalhador que ganha um salário mínimo não pode ter o mesmo valor da de quem ganha R$50 mil. Gente, aquilo foi muito grave! E, infelizmente, as reações foram muito poucas. Era para terem caído em cima daquilo ali. Ele disse textualmente que seria como se o cara tivesse ganhado na loteria. Vamos dizer que morrem em uma queda de um elevador um juiz e o zelador do prédio. Os dois morrem. Aí a vida do juiz vale R$2,5 milhões de indenização, e a vida do trabalhador vale menos de R$50 mil de indenização - o trabalhador de salário mínimo. Isso foi dito pelo Presidente da maior Corte do Trabalho que a gente tem, a quem cabe o maior recurso. A gente vai recorrer para quem?
E houve a fala da Ministra do Supremo sobre a questão do Enem, dos direitos humanos, dizendo que é livre, que o menino pode dizer o que quiser na redação em relação a direitos humanos. Do jeito que esse povo fundamentalista já tem raiva de quem cuida de direitos humanos... Foi uma liberação; liberou geral para esculhambar, dizer que direitos humanos é coisa de bandido, é coisa de vagabundo. Eu teria curiosidade de ver como saíram essas redações. Embora o tema tenha sido mais ameno, não tenha propiciado a agressão, deve ter saído muita coisa ruim. A gente, ao ouvir isso das altas autoridades, vai quase esmorecendo.
E ver sair uma portaria de um governo... Uma portaria que reforça o trabalho escravo. De um governo! O Governo dizendo que pode escravizar, sim! Ora, a gente já tem... E faz muito tempo que eu conheço isso! Desde menina, vejo as pessoas que botam os trabalhadores no caminhão - agora já vão em um ônibus velho, caindo aos pedaços; antes, era em um caminhão, no pau de arara - e levam para as fazendas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O famoso pau de arara.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Aquela pessoa que levava era recompensada. Então, ele estava vendendo mão de obra. Isso existe até hoje. Lá no Piauí, chama gato. Leva as pessoas para trabalhar e vende a mão de obra, em situação degradante também.
E a gente percebe isso toda hora, todo dia, porque está introjetado. Então, acho que a saída mesmo é a educação. Há que se educar as crianças desde pequenas, ensinando que a cor da pele não faz diferença; há que se educar a criança para não sentir vontade de agredir, porque, quando a criança aprende, ela incorpora para o resto da vida. Ela se liberta daquela coisa toda.
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Mas não se pode tratar disso na escola?! Há aí o Escola sem Partido proibindo que se trate de qualquer tema que se relacione a direitos humanos, que se relacione a questões de gênero... O pessoal está tão fissurado com a palavra gênero que está chegando ao ridículo. Um dia desses, falaram para tirar a palavra gênero da expressão "gênero alimentício". Tirar a palavra gênero?! Temos que tirar a palavra gênero de tudo?! A palavra gênero, hoje, está igual ao que era o comunismo na época da ditadura, ou seja, virou uma assombração. Então, não se pode debater nas escolas. E o pior é que há professores que admitem isso.
O professor, na sala de aula, está no seu espaço, no seu universo; não há ninguém que mande ali. Eu me lembro que, na minha primeira experiência como professora de crianças, havia um texto racista, e eu me rebelei - foi a minha primeira rebeldia como profissional. Eu estava começando na escola e disse: "Esse texto eu não dou. Eu não vou levar esse texto para as minhas crianças!" Era um texto que falava do vovô que levava o Paulinho para passar as férias na fazenda. O Paulinho, um menino lourinho de olhos azuis, brincava na fazenda com o filho do caseiro, que era o Joãozinho, que "era pretinho, mas muito bonzinho". Vejam só! O defeito do menino era ser preto. Em compensação, a qualidade é que ele era um menino bonzinho. Então, eu disse: "Eu não dou um texto como esse, minha gente! Vocês estão ficando malucos!" E isso lá nos anos 70. Então, era difícil ser rebelde naquela época. Recebi a minha primeira punição: eles me tiraram da sala de aula e me transferiram de escola.
Mas é preciso que haja reação. O problema da gente é que a gente se acomoda muito com as ordens estabelecidas, temos medo de ser taxados... Naquele tempo, eu era taxada de subversiva e eu ficava... Às vezes, eu não ia fundo no significado, mas, depois, eu disse: "Eu sou mesmo subversiva. Eu quero subverter essa ordem que está aí. Então, eu sou subversiva, sim". Mas, no começo, eu fiquei meio ofendida também, porque eu não tinha muita clareza do que era. Então, a gente precisa se rebelar contra essas coisas; só há esse jeito.
Temos de educar os meninos desde casa, já em casa: "A sua pele não o diferencia do outro menino. Ele também tem dois olhinhos, como você; tem nariz, tem boca, tem ouvido, tem pernas, tem braços... Vocês são iguais! Apenas a cor da pele é diferente". Assim, ele vai assimilar isso e nós vamos ter uma geração melhor daqui a algum tempo. Do contrário, nós sempre estaremos aqui discutindo - não eu, mas outros - a mesma temática, porque não passa, permanece.
E, agora, com o advento das redes sociais, o racismo está se manifestando no Brasil sem nenhuma vergonha, desavergonhadamente, sem nenhum pudor. Antes ainda havia aquilo de se esconder, mas não, agora se expressa assim... O negro já é suspeito. O menino negro já é suspeito.
Eu ouvi um depoimento da Taís Araújo, aquela atriz, dizendo: "a cor do meu filho faz a pessoa mudar de calçada". Talvez o filho dela com ela, não, porque todo mundo conhece a Taís. Agora, se ele andar sozinho na rua, é possível. Como aconteceu com aquele menino agora, esta semana, em São Paulo, no metrô. Um ator negro, vestido simplesmente, andando na rua, e, aí, quando vai pedir socorro, o que ele encontra? Mais racismo ainda. Ninguém o socorreu, ninguém o ajudou. É terrível isso, mas é verdade. Então, o negro já é suspeito pela cor.
Quando eu comecei a minha militância - acho até que já contei essa história aqui -, havia um filminho, que eu acho que era coisa caseira, em que vestiam um menino branco com camiseta, tênis, boné... E, aí, ele andava por um lugar bem movimentado, um viaduto, e ninguém se importou. Todo mundo passou por ele assim. Então, pegaram a mesma roupa, o mesmo tênis, o mesmo boné e botaram em um menino negro. Aí, as pessoas mudavam de calçada, seguravam a bolsa com mais cuidado... Depois, quem estava filmando abordou as pessoas: "Por que você mudou de calçada quando era aquele menino, se ele estava com a mesma roupa que o outro, que tinha passado há meia hora?" "É preto, então é suspeito." Isso é muito grave, é muito sério, é muito triste, em pleno século XXI neste País.
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A nós só resta resistir; trabalhar e resistir, discutir e tentar educar os mais novinhos para não expressarem isso, não quererem ser violentos, ser diferentes do outro. Mas a gente vai encontrar isso ainda, muito. Todas as estatísticas mostram que, entre as mulheres, a mulher negra morre mais no parto do que a mulher branca. Da mulher branca, está diminuindo a mortalidade no parto. Da mulher negra, aumenta. Por quê? Tem que haver uma razão. A gente foi ver uma pesquisa que foi feita nas maternidades, e uma observação: a partir do atendimento, quando ela chega para ter o neném, o atendimento é diferente já na recepção, já é diferente.
Então, é muito sério isso. E há muito trabalho para nós.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Presidenta da Comissão, Senadora Regina Sousa.
Eu queria concluir exatamente passando um videozinho da Taís Araújo. Achei muito interessante, porque ela fez para hoje. Ela soltou hoje esse vídeo.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. (Palmas.)
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Antes de terminar, Paim, quero só fazer um comentário rapidinho sobre isso. Acho que a melhor punição que poderia ser dada à Rede Globo, além de demitir o jornalista, seria obrigá-la a passar esse vídeo várias vezes, pelo menos uma semana. Poderia ser uma coisa boa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas acho que vai passar, porque está muito bom.
Para concluir, como essa luta contra o racismo é internacional - e hoje foi aprofundado aqui que o leito do direito do trabalho tem também que combater o racismo -, eu queria que tu passasses só aquele do Bob Marley, que é de um minuto. Eu tenho feito muita palestra pelo Brasil, e esse vídeo do Bob Marley eu tenho passado.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Grande Bob Marley!
A frase é esta: "As pessoas que tentam tornar este mundo pior não tiram um dia de folga. Como é que nós vamos tirar?" Por isso, estamos aqui, às 12h30. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.
Um abraço a todos!
(Iniciada às 9 horas e 19 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 30 minutos.)