23/10/2017 - 10ª - CPI dos Maus-tratos - 2017

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Declaro, em nome de Deus, abertos os trabalhos da CPI dos Maus-Tratos infantis. Declaro abertos, em função do quórum regimental. Esta Comissão visa a investigar os maus-tratos infantis, as irregularidades e crimes relacionados às crianças.
Agradeço ao Ministério Público de São Paulo acolher esta Comissão Parlamentar de Inquérito. Agradeço o trabalho que o Ministério Público do Estado de São Paulo tem feito no cumprimento do seu dever ao longo de todos esses anos.
Nesse viés de defesa das nossas crianças, agradeço aos nossos convidados do Judiciário que estão conosco. Certamente os ouviremos. E certamente esta audiência pública desta segunda-feira visa a colhermos informações e também sugestões para melhorarmos a nossa legislação.
Quando da CPI da Pedofilia, em 2006, nós estávamos de calça curta, porque a internet havia chegado de forma avassaladora. Sem uma legislação para combater crime cibernético, a Operação Carrossel havia se dado no País, demandada pela Polícia Federal da Espanha. O Brasil prendeu 200 computadores de 200 alvos e, dois anos depois, pagou o Judiciário o mico de ter que devolver os computadores e de não prender ninguém, porque não havia legislação para isso, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente, na ocasião, pelo contrário, protegia o bandido do crime cibernético.
Foi aí que se deu a alteração do 240, com a CPI da Pedofilia, depois de 18 anos de ECA, de Estatuto da Criança - 18 anos sem nenhuma alteração, e ela se deu pela primeira vez.
Nós avançamos, criamos novos tipos penais, aumentamos penas, condutas e uma legislação importante. E não fora essa legislação, essa operação, em que já passam de 100 alvos presos - algo feito nos três últimos dias atrás pela Polícia Federal -, isso não teria acontecido, porque o Brasil não tinha a legislação que propunha a criminalização da posse. Como prender, se não há criminalização da posse? Então, esses alvos todos foram presos, graças à mudança do 240, que foi uma obra da CPI da Pedofilia, em 2006.
E hoje o que nós precisamos é melhorar a nossa legislação. O nosso grande problema no Brasil é termos leis demais, feitas por quem não tinha conhecimento nem da necessidade, nem do problema, por quem não fazia parte da área - em todos os sentidos.
Hoje, não. Hoje é preciso que nós façamos uma legislação pelas mãos de quem conhece a matéria. Em se tratando de criança, é preciso que façamos uma legislação advinda de quem trata, no dia a dia, com o cidadão, que é o Ministério Público.
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Nada do que foi feito nos nossos avanços, a Lei Joanna Maranhão, a alteração 240, uma série de leis que aconteceram, elas foram escritas pelas mãos do Ministério Público, que me assessorou naquela ocasião, porque nós pudéssemos colocar o texto. Na verdade, eu só era o testa daquilo tudo, mas havia lá uma assessoria de 24 assessores de Ministério Público Federal, Estadual, Polícia Federal, que gestaram aqueles textos junto com os técnicos do Senado da República, os nossos consultores, que são muito importantes. Daí, o mundo diz que, em crime cibernético, tecnicamente, do ponto de vista da legislação, o Brasil foi o que mais avançou de 2007 para cá.
Então, nós temos muita esperança no que vamos ouvir e queremos levar propostas. Queremos agradecer ao Ministério Público, que colocou, a nosso pedido, à disposição desta CPI a nossa Procuradora Passarelli. Drª Eliana, nós dois somos colegas mais ou menos - não colega, porque ela é uma procuradora, eu fiz vestibular três vezes e não passei em nenhuma, mas colega - de programa de televisão. De vez em quando a gente se encontra nos programas de televisão por aí. A Drª Eliana é respeitada pelo seu conteúdo, pelas suas posições, que são muito firmes, e são posições em defesa das crianças, em defesa da vida, em defesa do cidadão, em defesa da família, que convergem com o que nós pensamos, com o que pensa esta CPI. Certamente, nós vamos ganhar muito com a sua presença, com essa interação não somente com o Ministério Público de São Paulo, mas com o Ministério Público do Brasil na nossa assessoria, para que nós possamos, a muitas mãos, oferecer ao Brasil uma legislação melhorada no que diz respeito à prevenção de abuso e violência, seja ela física, psicológica ou moral contra as nossas crianças. Eu a convido para sentar conosco aqui.
Quero registrar também a presença da assessoria da CPI, que está conosco, assessoria do Senado, a nossa assessoria.
Registro também e agradeço à Polícia Federal, que colocou à nossa disposição o delegado, Dr. Flávio, que é especialista em crime cibernético, que foi o comandante da Operação Glasnost, que foi uma operação das mais significativas de combate à pedofilia na internet, que ganhou dimensões mundiais. Pelo seu conhecimento, eu agradeço à Polícia Federal por tê-lo colocado conosco, à disposição desta CPI.
Eu quero convidar para sentar junto com a gente o Coordenador de Assuntos Estratégicos do Ministério Público de São Paulo, Dr. Consenzo, grande amigo que tem me auxiliado nessa correria. A violência contra a criança, nesses últimos tempos, parece uma ação coordenada, que acontece uma por dia, de forma despudorada e sem respeitar a lei.
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A lei está aí, a legislação está aí, "nós não queremos saber, vamos pisar mesmo, pode vir que nós estamos aqui, ajam vocês que nós vamos fazer as nossas ações". Aí, nessa correria, ainda no começo desta CPI, sem ter assessoria formada, eu sempre recorri ao Consenzo, e ele, como grande amigo, sempre nos atendeu.
Quero convidar para sentar conosco o Dr. Jairo Edward de Lucca, Promotor de Justiça e Presidente do inquérito civil, coordenou a campanha Cerveja também é álcool, que atualmente é coordenada por uma associação nacional. Seja bem-vindo, doutor.
Dr. Mário Sérgio Sobrinho, Procurador de Justiça, Coordenador do Grupo de Trabalho do Ministério Público de São Paulo sobre Álcool, Drogas e Tratamento.
Drª Maria Domitila Prado Manssur, Juíza de Direito, do Setor de Crimes e Violência contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas.
A audiência desta manhã assim se dará.
Na parte da tarde, a partir das 14h, nós teremos a Drª Margareth Ferraz; Dr. Gabriel Pires do Campo Sormani e o Dr. Levy Emanuel Magno. A Drª Margareth é Promotora, instalou o Sanctvs; o Dr. Gabriel Pires é Juiz de Direito, Assessor da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo; e o Dr. Levy, Promotor de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público de São Paulo.
A priori, eu passo a palavra ao Dr. Consenzo, para que ele faça essa abertura. Em seguida, nós vamos ouvir os nossos convidados.
O SR. JOSÉ CARLOS CONSENZO - Muito bom dia a todos. Eu quero, em nome do Ministério Público, dar as boas-vindas a S. Exª o Senador Magno Malta, que preside a CPI dos Maus-Tratos infantis; S. Exª o Senador José Medeiros, que é o Relator desta CPI. Quero cumprimentar os membros do Ministério Público, membros do Poder Judiciário, Srs. Delegados de Polícia, a imprensa presente, senhoras e senhores aqui.
Vou ser extremamente rápido, porque o mais importante é o que será construído aqui, mas eu queria, em nome do Ministério Público, Senador, registrar meus respeitos e principalmente a nossa satisfação em poder recepcioná-los aqui, na Casa do Ministério Público.
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Eu peço vênia para poder falar duas palavras a respeito dos dois eminentes Senadores. O Senado Federal certamente, como um dos Poderes da República, é aquele que hoje nos dá mais segurança, mas o que notamos, o que conseguimos verificar atualmente é que a presença de ambos, a atuação de ambos traz aquilo que queríamos, Senador, que é o rejuvenescimento de que os agentes políticos, os agentes que são escolhidos pela sociedade possam efetivamente representar a vontade do povo e não a vontade de determinados segmentos. E isso os senhores estão mostrando claramente que é uma mudança no nosso País.
Eu quero dizer também que nos honra essa honra de nos atender. O Procurador-Geral de Justiça, que, mostrando o maior respeito a V. Exªs, designou, para atuar junto, para estar à disposição de V. Exªs, a ilustre Procuradora de Justiça Eliana Passarelli, que tem uma grande história no Ministério Público, uma promotora de júri, uma promotora atuante, que esteve à frente de grandes casos emblemáticos nesse Ministério Público, e certamente ela vai colaborar muito.
Eu quero cumprimentar os senhores convidados que vão certamente auxiliar em alguma coisa. E essa alguma coisa, que eu digo, de uma forma extremamente singela, representará, eu tenho certeza, muito, Senador. Primeiro, penso que numa CPI - e esse é o meu pensar, eu penso de uma forma jurídica e penso também politicamente - as senhoras e os senhores convidados vão trazer informações para que possam talvez ajudar a orientar os passos dos senhores, vão trazer sugestões para, quem sabe, aperfeiçoar a legislação. Agora, o mais importante de tudo - e aqui o senhor tem o compromisso que eu estou fazendo em nome de cada um deles - é a continuidade que cada um vai dar naquilo que é a busca da efetiva aplicação dessa legislação que posteriormente será concretizada, visando à construção de um país mais livre, mais justo, mais solidário, cumprindo os ideais fincados pelo Estado democrático de direito. Eu tenho certeza absoluta de que o Ministério Público, o Judiciário, a polícia e todos os agentes políticos que estão aqui e que estarão à inteira disposição de V. Exªs poderão efetivamente colaborar.
Para encerrar, eu queria dizer, Senador, que a sua assessoria é de uma qualificação enorme, são pessoas extremamente dedicadas. Atendê-los, primeiro, é uma obrigação do Ministério Público, pela grave missão que lhe é posta pelo art. 127 e seguintes da Constituição. Agora, acima de tudo, é um prazer enorme poder servir àqueles que servem o País de uma forma tão maravilhosa quanto o Senador Magno e o Senador Medeiros. Têm o meu respeito e a minha reverência e a certeza absoluta de que os senhores estão ajudando a construir o novo Brasil.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado, Dr. Consenzo, pelas palavras.
Eu vou registrar agora de uma forma mais clara: da DPF, José Luiz Munhoz Galbetti,
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Eu vou registrar agora de uma forma mais clara: da DPF, José Luiz Munhoz Galbetti, de São Paulo, está à disposição desta CPI. Obrigado. À CPI, o Dr. Flávio Setti, do Paraná; e o PRF, Marcelo, também de São Paulo. Agradeço, porque está nos ajudando, a Polícia Federal de São Paulo. Aí eu falo Polícia Rodoviária Federal, porque o Senador José Medeiros é da Polícia Rodoviária Federal, então, estou acostumado. Eu vou falar Polícia Federal e já vou adiantando a PRF, ajudando-nos a notificar as pessoas que foram convocadas para as oitivas amanhã. Hoje temos uma audiência pública, amanhã teremos oitivas, e eu agradeço à Polícia Federal, que está nos ajudando com o agente Marcelo.
Eu vou começar dando... Bom, se vocês acharem que o tempo é pouco, podemos aumentar o tempo, mas vamos começar ali com o Dr. Jairo, a princípio, por um período de 15 minutos. Se precisar de mais, temos mais, não é? Em seguida, para o Dr. Mário, depois a Drª Domitila, e assim sucessivamente.
O SR. JAIRO EDWARD DE LUCCA - Bom dia a todos. Bom dia, Senador. Honrado com o convite, a participação, tenho importante missão. A minha fala é rápida. Eu aproveitei este espaço para pedir a atenção do Senado na questão da legislação que cuida da publicidade de bebidas.
O art. 220 da Constituição, que pôs fim à censura, garantiu a liberdade do pensamento, da expressão, um dos artigos mais importantes que há na Constituição, no §4º prevê expressamente que a publicidade de alguns produtos, dentre os quais a bebida alcoólica, deve sofrer restrições. A Constituição não fala em proibição; fala em restrições.
Em 1996, o legislador editou a Lei nº 9.294, na qual relacionou as restrições que a publicidade da bebida tem que ter. Então, no art. 4º, é proibida divulgação de publicidade de bebida alcoólica no rádio e na televisão a partir de um determinado horário, ou seja, só pode ser das 9h da noite às 6h da manhã. Não é possível associar o produto com maior êxito na sexualidade. Esse é o texto legal, ou seja, aquelas propagandas de cerveja, especialmente onde constam mulheres seminuas, enfim, como se fosse um apelo ao consumo.
Então, essas restrições estão previstas na lei e deveriam ser observadas, só que elas não são observadas por quê? Porque quando a lei foi votada, houve ali uma forte pressão no Congresso, tudo isso está registrado. Os produtores de cerveja e dos vinhos, especialmente cerveja, conseguiram que a lei definisse bebida alcoólica como produto que tem mais de 13 graus Gay Lussac. Portanto, para a lei, cerveja não é álcool, não é bebida alcoólica, como se sabe que basta tomar uma lata de cerveja e dirigir, a pessoa comete crime.
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Essa contradição se arrasta há muitos anos e existem vários projetos no Congresso tentando consertar o óbvio, ou seja, substituir a palavra "treze" por "meio". O Decreto nº 1.117, de 2007, é um decreto federal. Esse decreto instituiu a Política Nacional sobre o Álcool, e ele define bebida alcoólica como produto que tem concentração alcoólica igual ou superior a meio grau. É uma definição técnica.
Muito bem, em 2011, à frente da Promotoria da Infância de São Bernardo, queríamos discutir de que forma o Poder Público e a sociedade deveriam agir para prevenir, coibir ou enfrentar a questão do consumo de bebida alcoólica por menor de 18 anos. E chegamos à conclusão de que campanhas são importantes, a repressão é importante, isso quando consegue reprimir, porque nem sempre é possível... E a lei, a questão é a seguinte: e o estímulo ao consumo? Como se lidar com isso?
E nós então, em 2011, na verdade em 2012, com todo o apoio da Procuradoria-Geral de Justiça, fizemos uma audiência pública aqui, na Riachuelo, a Mesa foi composta pelo Prof. Laranjeira, pela Profª Ilana Pinsky, que é muito conhecida, e ela, essa professora, é psicóloga, ela deixa claro que o foco da publicidade da cerveja especificamente é o público jovem, são crianças e adolescentes. Isso é um trabalho científico. Participou também da mesa o Prof. Dalmo Dallari e aquele pessoal que fez a Lei da Ficha Limpa. Eles vieram participar também dessa discussão, porque qual foi a ideia? Já que no Congresso esses projetos não caminham, foi uma pretensão, uma pretensão talvez ousada demais, de conclamar a sociedade e fazer um projeto de iniciativa popular para substituir a palavra, o número "treze" por "meio" na Lei nº 9.294, de 1996.
A ideia contou com a adesão de todos os conselhos de saúde do Brasil: o Conselho Federal de Medicina, o Conselho Regional de Medicina, os conselhos de psicologia, de farmácia, as igrejas. No entanto, essa proposta não teve nenhum tipo de incentivo da mídia. Ao contrário do pessoal, do projeto Ficha Limpa, por exemplo. Evidentemente também que faltou capacidade e competência, e eu assumo a culpa, evidentemente, em termos de Ministério Público, para tocar um projeto desses, afinal de contas, o Ministério Público não é sociedade civil.
Então, chegamos a essa conclusão. E a ideia qual era? Era para que alguma sociedade, alguma entidade da sociedade civil pegasse o bastão dessa proposta do Ministério Público, cujo tema, cujo lema é "Cerveja também é álcool", e passasse então a fazer esse trabalho de captar assinaturas no Brasil todo, para que fosse feito um projeto de iniciativa popular para fazer essa mudança na legislação.
Foi criada uma Associação Nacional pela Restrição de Bebida Alcoólica. É um pessoal lá de Minas Gerais, o Deputado Antônio Jorge, o Presidente é um Promotor de Justiça ali de Minas Gerais, mas, seja como for, tudo isso caminha a passos muito vagarosos. É uma ideia extremamente simpática para todos os conselhos de saúde. Os secretários municipais de saúde do Brasil todo são a favor. O Conasems, é o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Brasil.
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Com isso tudo, se for feito de uma forma sistematizada, é possível deixar claro que a sociedade brasileira não deseja que o consumo de bebidas alcoólicas seja estimulado.
O problema é tão grave e tão complexo que, na verdade, não se resume, hoje, na televisão; há a questão da internet, da bebida alcoólica, das grandes cervejas e cervejarias.
O dono da Ambev, com todo o respeito, uma pessoa que já ganhou bastante dinheiro, precisa fazer uma reflexão dos rumos da propaganda de bebida alcoólica. O meu filho de 11 anos acessa, no YouTube, propagandas bastante - da Skol e tantas cervejas - persuasivas. Fica difícil você dizer para o jovem: “Você espera os 18 anos, hein! Você não beba antes dos 18 anos.” Se você é bombardeado de informações nesse sentido, é muito difícil mudar isso.
O Supremo Tribunal Federal recentemente julgou uma ação da Procuradoria-Geral da República para declarar esse dispositivo da Lei nº 9.294 inconstitucional. Ora, se a Constituição manda restringir propaganda de bebida, como você pode dizer que cerveja não é bebida? Só que o Supremo, por maioria absoluta, parece, disse que compete ao legislador fazer essa alteração.
Portanto, a última esperança está no Congresso e por isso que eu achei extremamente oportuno esse nosso contato - eu já estou acabando de falar -, mas é preciso encarar... Ou seja, vários...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu estava dizendo que o Supremo, quando convém a eles, é o legislador que faz; quando não convém, eles mesmos metem o dedo e...
O SR. JAIRO EDWARD DE LUCCA - Mas a inconstitucionalidade da lei é patente, qualquer estudante de direito reconhece, cerveja é bebida alcoólica, se você tomar duas latas de cerveja você não pode dirigir o carro.
Mas, enfim, esse é um ponto que a gente pediria ao Senado, e eu estou à disposição para entregar todo o material que a gente colheu, o apoio expresso, documentado, do Conselho Federal de Medicina, das igrejas, é possível fazer uma movimentação nesse sentido e encarar a indústria.
"Ah, mas gera emprego, gera isso e gera aquilo." Mas, afinal de contas, a gente precisa encarar essa situação, que é uma situação até de hipocrisia, já passou da hora.
Então, eu fico à disposição de qualquer assessor dos senhores, vou deixar o meu contato e eu passo o material que a gente já colheu, inclusive os contados já agora desse pessoal de Minas Gerais, o Deputado Antônio Jorge, que é um médico psiquiatra.
A gente jamais vai querer politizar uma bandeira dessa, mas, afinal de contas, é só o Congresso Nacional, um órgão político do País, que tem e que pode fazer essa mudança.
E só mais uma questãozinha, se o senhor me permitir, Senador, eu não sei quando vou estar diante de um Senador de novo, para mim é muito importante isso...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - Fique à vontade.
O SR. JAIRO EDWARD DE LUCCA - Um dos grandes problemas hoje - eu trabalho em São Bernardo, São Bernardo é uma cidade grande - é
a questão da presença da criança e do adolescente nas noites, nas baladas. Hoje não existe mais controle sobre isso. O sujeito aluga uma casa, uma chácara, sem alvará, sem nada e pela internet mesmo ele marca festa e a festa tem ali centenas e centenas de adolescentes, às vezes crianças, e muita, muita, muita bebida alcoólica, droga e assim por diante. O Poder Público, muitas vezes, só toma conhecimento dessas festas quando elas ocorrem, porque são captadas pela internet, enfim.
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O art. 258 do Estatuto prevê uma multa para quem descumpre o art. 149, que é aquele artigo que permite ao juiz da infância regulamentar o acesso da criança e do adolescente a alguns locais, como, por exemplo, casas de show, boate. Eu nem sei se hoje ainda existe boate, mas meu tempo existia. O menor não entrava. Hoje não existe mais boate. Não sei nem onde as festas estão acontecendo.
Um exemplo concreto: em São Bernardo há um sujeito que aluga salões e faz festas. Depois, a gente entra com ação, porque entraram adolescentes sem alvará judicial. Para um adolescente poder entrar desacompanhado em uma casa de show, é preciso que haja um alvará para cada evento.
Então, se o sujeito quer fazer um show de rock lá, com a criançada de 14, 16 anos, por exemplo, ele vai para o juiz da infância e pede um alvará, especificando para o juiz que o local tem alvará de funcionamento da prefeitura, auto de vistoria dos bombeiros, tem segurança, não vai ter acesso a bebida alcoólica, e aí o juiz dá um alvará para que o adolescente de 16 anos possa ir à chamada baladinha ali, não precisando da companhia do pai ou da mãe.
Ninguém pede alvará. Em todas essas festas em que há adolescentes no Brasil - eu posso falar em São Bernardo e em São Paulo, provavelmente -, ninguém tem alvará.
Seja como for, o art. 258 prevê uma multa muito insignificante para aquele empresário ou dono do estabelecimento ou promotor da festa que realiza essa festa com a presença irregular de adolescentes. O máximo que pode acontecer com o estabelecimento, em caso de reincidência, é uma interdição de 15 dias.
Eu gostaria que fosse feita essa análise de tornar, eventualmente, até crime... Eu não sei, talvez eu esteja exagerando. Isso vai demandar uma reflexão. Mas é preciso mudar o 258, porque o 258 é uma ferramenta muito importante, talvez a única do Estatuto, para coibir ou para enfrentar a presença de adolescentes em casas de shows ou em festas noturnas.
No mais - eu vou depois pedir para o assessor do senhor -, eu passo todos os contatos da promotoria.
Obrigado pelo convite. Vamos à luta.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Agradeço, doutor, a sua explanação. A garantia de que estamos juntos e de que eu também acredito... Quando se tomou a iniciativa de fazer enfrentamento à indústria do tabaco, esse poderia ter sido feito ao mesmo tempo. Mas a palavra era esta: é uma indústria poderosa. Quem vai enfrentar a indústria que patrocina o futebol, patrocina isso, patrocina aquilo?
Na verdade, o senhor faz uma colocação, não com essas palavras que vou colocar aqui, de que, quando você altera a lei para poder tratar da questão da publicidade, você não está proibindo ninguém de beber, como ninguém proíbe ninguém de fumar. É problema seu. Quer se matar, se mata. Agora, há a proibição de fumar em lugares públicos, uma série de coisas, e a publicidade também foi alterada plenamente.
Essa tentativa de mudar a publicidade e de alterar os horários, eu acho que é perfeitamente... Eu acho que a bebida alcoólica deveria ser tratada no mesmo nível em que se tratou o tabaco, na minha visão. Acho que não temos que ter medo de fazer esse enfrentamento, de fazer essa proposta, até porque hoje nós vivemos um novo momento: o momento do acordar da sociedade, o momento em que a sociedade civil, em que a família acordou. A família disse: "Estou aqui, já fizeram demais, já foram longe demais, já tentaram pisar demais". Este é um país majoritariamente cristão, majoritariamente. Esses majoritários estavam dormindo, como que amedrontados, como que jogados contra a parede, emparedados. De repente, eles falaram: "Não, chega, nós vamos defender isso aqui, agora".
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Então, nós temos, de fato, ao nosso lado... Não estamos dizendo que ninguém deva beber, o problema é de cada um. Beba. Agora, o que nós estamos querendo dizer para quem fabrica, para quem quer vender o seu produto é que vai haver limite, como houve limite para as outras coisas.
Conte conosco. Eu sou adepto à ideia, até porque já discuti isso lá atrás. Em todas as vezes que o problema vem à tona, eu participei da discussão. Até porque duas latinhas de cerveja têm o teor alcoólico de meio copo de cachaça. Então, quando o cara toma duas latinhas de cerveja, ele bebeu meio copo cachaça, ele de fato está alterado já para dirigir, para qualquer coisa. As suas colocações são bem-vindas e afeitas às nossas necessidades. Agradeço.
A gente vai continuar discutindo.
Eu passo a palavra ao Dr. Mário Sérgio.
O SR. MÁRIO SÉRGIO SOBRINHO - Senador Magno Malta; Senador José Medeiros; caros colegas que compõem a mesa, Dr. Consenzo, Drª Domitila, Dr. Jairo; colegas promotores, juízes, policiais; assessoria do Senado, do Ministério Público, que proporcionam esse evento, eu quero primeiro agradecer pela oportunidade de me comunicar com membros do Senado Federal preocupados com a questão que está importando à sociedade de abuso sobre crianças, de maus-tratos.
A gente, olhando esse cenário, nota que o assunto em que o Dr. Jairo tocou aqui, sobre a publicidade do álcool, e o assunto sobre o que eu pretendo falar com vocês um pouquinho, sobre drogas e álcool, são temas que, de alguma maneira, estimulam e, de certa forma, levam as pessoas a se predispor à prática de atos infracionais.
Eu preparei uma apresentação aqui, não sei se vai ser possível passar ou não, mas é uma coisa muito simples e está disponível para todos posteriormente observarem.
Rapidamente, porque eu sei que o tempo é curto, eu queria falar um pouquinho sobre o abuso, os impactos do abuso do álcool e outras drogas; o acesso facilitado ao álcool a crianças e adolescentes; outras abordagens do uso do álcool e do problema que ele causa; as experiências que o Ministério Público paulista tem desenvolvido - algumas. Há outras, mas nós vamos abordar algumas que a gente considera um pouquinho mais necessário serem expostas -; propostas e conclusões.
Eu queria falar que eu sou membro do Grupo de Trabalho Integrado Drogas e Álcool, que o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Smanio, instituiu em maio para discutir esse tema, Senadores. Nós temos aqui, agora, cerca de 18 colegas promotores e procuradores, pensando e discutindo essa questão para, ao final, apresentar sugestões também que podem ser úteis à sociedade e ao Ministério Público.
Uma das coisas que eu penso que a gente deve sempre enfatizar é que o abuso a drogas e álcool é prevenível e é tratável. Quando a gente tem esse olhar, a gente consegue trabalhar e caminhar com mais clareza e determinação. Na porta da sede das Nações Unidas há uma placa dizendo que é dedicada a todos aqueles que foram afetados por problemas com drogas ao redor do mundo. Problemas com drogas podem ser prevenidos e tratados. É uma mensagem para a gente lembrar disso.
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O consumo de álcool no Brasil é per capita superior ao consumo de álcool, em média, ao redor do mundo. No Brasil nós temos um consumo em média de 8,7l de álcool por pessoa - isso é uma média, logicamente -, e essa média, no resto do mundo, ao redor do mundo, é de 6,2l. Isso está bem exposto nesse livro aqui: Álcool, Saúde Pública e Responsabilidade Social na América Latina, da Daniela Pantani e Ilana Pinsky, que trata desse tema. Esse livro está disponível na internet para quem se interessar por ele. As informações que ele trata são muito relevantes, inclusive para a questão da publicidade do álcool.
Além disso, é notório que o excesso de álcool traz problemas de saúde,problemas diversos na área da saúde, e que a questão das drogas, a prevalência de uso de drogas é alta, elevada, no Brasil. Pesquisas também do Lenad mostram o impacto do abuso das drogas, especialmente a cocaína. Nós sabemos que o Brasil é o País que mais consome crack, com um alto e elevado índice dessa droga, que tem trazido bastante desagregação social.
Outras coisas que são importantes de nós tratarmos com os senhores é que pesquisas mostram que o consumo de álcool pode estar relacionado a episódios de violência doméstica, acidentes de trânsito e dependência de álcool e outras drogas, evidentemente. Em 2012, segundo esse mesmo trabalho, o álcool causou uma morte a cada cem segundos nas Américas.
Se a gente for um pouquinho para o lado da Filosofia, lembrando um pouquinho dos filósofos, Platão já falava que o álcool e a embriaguez intensificam - o álcool especificamente - a potência do prazer, da dor e das paixões, enfraquece as percepções e a memória e os pensamentos razoáveis; torna os homens pueris, propícios a cometer todas as depravações, na medida em que, sob a sua influência, o indivíduo perde o domínio de si mesmo.
Então, o álcool, que vive conosco, nas nossas casas, na sociedade, precisa ser regulado, precisa ser consumido de maneira correta. E há pessoas que não são hábeis a consumir o álcool. Há pessoas que, por uma questão de doença, não podem fazer o consumo de substâncias por que isso causa um destempero muito grande. São pessoas que sofrem da chamada dependência química, dependência de álcool ou de outras drogas.
Quando se fala nos adolescentes, também nós temos aí um elevado índice de consumo de drogas entre eles. E a pesquisa que eu trago aqui do Lenad também apontou isso.
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Agora, o que eu quero enfatizar para todos é que a juventude, os adolescentes - especialmente as crianças - estão ainda tendo facilidade para consumir álcool, para adquirir álcool, para ir em busca dessa substância; dentro de casa, eventualmente, mas especificamente no comércio, nos bares, nos restaurantes, nos mercados.
Pesquisas feitas em Municípios daqui do Estado de São Paulo - começaram lá por Pindamonhangaba, alguns anos atrás, e isso se repetiu em Santos, aqui em São Paulo - mostram que o acesso, a possibilidade de o adolescente e até a criança conseguir adquirir álcool está extremamente facilitada. O acesso ao álcool é fácil.
É preciso que tenhamos essa percepção e olhemos as pesquisas, que são evidências científicas nos mostrando que isso se repete. E, quando temos uma conduta repetida, que proporciona e possibilita, eventualmente, essa fragilização do adolescente, essa exposição da criança, nós precisamos ficar bastante atentos.
O IBGE fez uma pesquisa também, no ano de 2015, que mostrou que, em relação a 2012, houve aumento do consumo de álcool em relação aos jovens. Então, são órgãos de pesquisa renomados, que mostram para todos a questão da bebida alcoólica.
Nós temos também uma outra situação que está bastante discutida, que é o chamado beber em binge, ou beber excessivamente. Esse tipo de ingestão de álcool é extremamente perigoso. Ele se configura com o homem tomando mais do que cinco doses de bebida alcoólica, e a mulher, mais do que quatro, em um espaço curto de tempo - em média duas horas. Não há um processamento do álcool pelo fígado, e a substância vai para o sistema nervoso efetivamente como a própria natureza do etanol, e causa coma alcoólico.
Então, o binge drinking - os pesquisadores trazem esse termo cunhado do inglês que o Brasil também usa - é um fenômeno que foi mencionado aqui agora pelo Dr. Jairo de Lucca e que está incluindo também adolescentes e crianças. Então, esse beber excessivamente precisa ser visto pela sociedade. Nós precisamos estar focados nisso, e reduzir a oferta de álcool, reduzir a disponibilidade da substância, e fazer com que haja maior conhecimento, educação e fiscalização do beber em excesso.
Aqui há informações sobre um caso no interior de São Paulo em que jovens morreram depois de uma forte ingestão de álcool. O Prof. Drauzio Varella mostra, assim, na prática, que uma pessoa bebendo mais do que 30 doses de bebida alcoólica - e um desses rapazes, infelizmente, bebeu mais do que 25 doses - não processa o álcool e acaba entrando em coma alcoólico e morte.
Embora exista e lei, e a lei é importante, a lei penal para punir a venda, a entrega a consumo, qualquer forma de comercialização ou de oferta de álcool a crianças e adolescentes, essa fiscalização ainda é insuficiente. No Estado de São Paulo nós temos na Secretaria de Saúde um trabalho de fiscalização, por meio da vigilância sanitária. Mas isso não se repete nos Municípios.
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Então, precisaríamos ter mais reforço, eu penso, no serviço de fiscalização, na Vigilância Sanitária, nos órgãos de controle e de acompanhamento desse tipo de atividade, para que esses órgãos possam ajudar na fiscalização desse tipo de venda indiscriminada nos mercados, no comércio em geral, e essa oferta em festas que foi mencionada também aqui, para a qual é preciso ter esse cuidado e esse olhar.
São nossos adolescentes ou nossos jovens que estão colocando a vida deles em risco. Quando não, adultos que, abusando das substâncias, também acabam praticando, eventualmente, delitos.
A violência doméstica tem um forte fator predisponente no consumo de álcool e de outras drogas.
Falando um pouquinho aqui sobre o Ministério Público de São Paulo, nós temos uma experiência muito bem sucedida, na cidade de Bragança Paulista, com o Dr. Ricardo Zampieri, um promotor valoroso aqui do Ministério Público, que percebeu, Senador Magno Malta, Senador José Medeiros, a quantidade de adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas e que as ações para promover, eventualmente, a apuração e até possível aplicação de medidas a esses adolescentes estavam se repetindo, sem que houvesse uma redução na prática. E ele começou a perceber, levantando isso estatisticamente, que seria importante - após conhecer os locais, os bairros, as ruas onde a traficância usava o adolescente para fazer essa venda de drogas - que ele se dirigisse à prefeitura local e fosse falar com o secretário de saúde, de educação, com o prefeito, com todas as autoridades públicas daquele Município, para que eles pudessem também, juntos, construir uma alternativa.
Isso porque a lei penal existe. A lei da adolescência existe. Tudo isso é regulado e punido, mas, na prática, não se estancava. E a proposta foi para se criar um plano estratégico municipal de política sobre drogas, um plano envolvendo vários atores da sociedade, um plano envolvendo todos esses órgãos públicos, o Ministério Público, e buscando fazer com que a sociedade, junto com a municipalidade, se preocupasse em cuidar melhor dos locais.
E uma das ações que vai ser oferecida em Bragança Paulista - está começando a despontar isso - é uma ação de inclusão desses adolescentes em situação de risco e vulneráveis, já conhecidos por essa avaliação antecipada de locais, de pontos de venda, de tráfico, envolvendo adolescentes, levando esses adolescentes para a prática de esportes. Isso está caminhando por uma ação do Ministério Público em Bragança Paulista, e eu penso que pode ser pensada por outras localidades, outros locais.
A Procuradoria já tomou conhecimento desse tipo de proposta e está apoiando essa intervenção.
Eu queria falar também aqui que os colegas promotores e procuradores de Justiça que trabalham na área da infância e da adolescência mostram para nós que as demandas, as ações que levam os pais a serem questionados sobre o pátrio poder que eles exercem em relação aos filhos, por uma desestruturação familiar, estão, muitas delas, calcadas na situação dos pais que são abusadores de álcool e outras drogas. Então, o adolescente é colocado dentro da sua própria família em situação de desestruturação, de falta de apoio do pai e da mãe, ou do responsável, porque eles estão envolvidos com abuso de substância psicoativas, especialmente do álcool.
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Temos aqui notícia de que, na Fundação Casa, parte dos adolescentes que estão recolhidos tem problemas bastante perceptíveis com o abuso de álcool e drogas - sem falar que, na nossa prática de promotores e procuradores de Justiça Criminal, estamos diuturnamente impactados pelas questões que chegam à Justiça Criminal. Mas se olharmos com detalhe na apuração que a Polícia faz, nos dados do interrogatório que o juiz toma, aquele indivíduo está, muitas vezes, envolvido com abuso de substâncias. É alguém que necessita de um cuidado. Mesmo enquanto estiver processado ou eventualmente preso, ele deveria ser tratado pela questão do álcool ou das drogas. Ele pode até interromper periodicamente o uso de substâncias, mas ele vai sair dali a pouco e vai continuar convivendo na sociedade. E essa pessoa, diversas vezes, pede ajuda ao juiz, ao promotor, ao advogado, necessitando de tratamento. E nós temos aí dificuldade para que essa ponte entre o sistema de Justiça e o sistema de saúde, social, de autoajuda se realize. Então, eu ponho aqui como uma questão que nós precisamos pensar sobre ela de maneira bastante séria.
A Lei de Drogas já fala nos arts. 26 e 27 que, se a pessoa é usuário ou abusador de substância - e há uma avaliação sobre isso: o juiz recebe um parecer de um assistente social, de um psicólogo, de um técnico ou mesmo de um médico dizendo dessa condição -, ele pode ser encaminhado para um serviço de atenção à saúde para cuidar disso. E eu penso, Senadores, que o indivíduo que está preso deveria também receber esse tipo de cuidado. Nós sabemos que os ambientes prisionais são ambientes bastante duros e críticos, mas precisamos apoiar a recuperação dessa pessoa.
Outras abordagens que nós temos a respeito do álcool: Diadema fez um trabalho, há mais 15 anos, muito bem sucedido quando pensou em reduzir o horário de funcionamento de bares. A taxa de homicídio caiu drasticamente.
Temos aí outros Municípios, como São João da Boa Vista e Sorocaba, aqui em São Paulo, que adotaram medidas semelhantes.
Maringá, no Paraná, conseguiu proibir que o álcool fosse comercializado no entorno das universidades, dos cursos superiores. E o TJ de lá considerou que essa medida foi constitucional.
Taquaritinga também tem uma lei que proíbe as chamadas festas open bar - o Dr. Jairo falou aqui das festas feitas improvisadamente em chácaras, em ambientes que não são preparados para isso e que são montadas em poucas horas ou dias -, e esse tipo de medida pode dar ao serviço público de fiscalização mais autonomia e força para evitar e proibir esse tipo de proposta.
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E também em Vitória temos uma proposta ou uma medida legal que restringe a propaganda de álcool nas vias públicas.
A Constituição Federal, lá no art. 227, já prevê que é dever do Estado oferecer proteção especial ao adolescente e mostra que o direito à proteção integral tem vários tópicos, mas eu quero destacar aqui que há previsão constitucional dos programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas. Então, notem que o legislador constituinte já percebeu que, quando estão em jogo valores tão essenciais quanto o valor da vida da criança e do adolescente, nós temos que prevenir que ela tenha acesso a substâncias e, se for o caso de uso ou de abuso, ela tem que ser tratada em estabelecimento apropriado.
Eu quero apresentar aqui, com o apoio dos colegas procuradores e promotores desse grupo de trabalho, algumas ideias que nós já discutimos e outras que eu acoplei a este estudo, Senador, para falar aos senhores que nós precisamos aprovar medidas concretas que diminuam a densidade de pontos de venda de álcool, que regulem os horários da venda do álcool, que afastem esses locais de venda de pontos onde haja estabelecimentos de ensino, de lazer, de esportes. Nós precisamos também pensar que a publicidade de qualquer natureza deve ser regulada e reduzida, os outdoors ou propagandas de grande impacto sobre o álcool precisam ser repensados. A legislação federal, estadual e municipal deve pensar nisso.
A questão das festas open bar, que eu já mencionei, a proibição da sua ocorrência; festas em que há acesso ilimitado ao consumo de bebidas, podendo provocar os episódios do chamado binge drinking; e as festas de longa duração, que também têm oferta indevida, ilegal, evidentemente, de substâncias psicoativas.
É possível trabalhar na questão de exigência de um alvará com taxas diferenciadas para estabelecimentos que comercializem álcool. Eu penso que seria uma medida bastante interessante para ser adotada.
A questão da educação. Educação integral de qualidade. Enquanto nós não tivermos um turno e contraturno escolar instituído ou turno único alongado, nós precisamos pensar também em atividades complementares: lazer, esportes, atividades artísticas. Os adolescentes e jovens estão necessitados delas.
Temos aqui propostas na área da saúde social e da comunidade em geral. Eu penso que nós temos que integrar o trabalho dos agentes públicos de saúde social com os trabalhos realizados pelos grupos de mútua ajuda. Nós temos no Brasil, há mais de 70 anos, uma estrutura de grupos de mútua ajuda: Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Amor Exigente, Associação Antialcoólica aqui em São Paulo, Nar-Anon, Al-Anon, que são grupos que estão dispostos a cooperar, dispostos a ajudar pessoas que necessitam de apoio para abuso de álcool e outras drogas.
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Esses grupos não cobram nada das pessoas, mas o sistema de saúde social ainda não está eminentemente ligado a esse tipo de serviço da comunidade. Então, os agentes de saúde, desde o agente comunitário até o médico psiquiatra, poderiam ser estimulados para que estivessem trabalhando e cooperando com esses serviços ou esses grupos, melhor, de mútua ajuda. Alcoólicos Anônimos existe há 70 anos no Brasil, tem 5 mil grupos trabalhando, em horários e dias diversificados, fazendo mais de 11 mil reuniões de trabalho. Ninguém fala por Alcoólicos Anônimos nem por demais grupos. Os grupos são autônomos, independentes, e podem cooperar com aqueles que desejam parar de usar drogas e parar de usar álcool.
Nós temos também que fazer um trabalho para que os abusadores de álcool e drogas que estão atendidos no serviço de Justiça tenham acesso prioritário ao serviço de saúde social. Muitas vezes, a Drª Domitila, o Dr. Jairo e eu temos um caso de alguém que vem pedir ajuda, e ele é um infrator, está acusado num processo e está solto, mas nós não temos esse tipo de intermediação.
Eu trabalhei por 15 anos com o trabalho da chamada Justiça Terapêutica. E, na Justiça Terapêutica, o que se faz é isto: nada mais do que, nas infrações leves, nós procurarmos unir essa força da Justiça com a força que a família faz, com a força que a sociedade faz, para que a pessoa busque e consiga encontrar uma forma de tratamento. Mas, se isso for facilitado e priorizado, eu penso que nós andaremos muito mais rapidamente.
Nós temos, ainda, que pensar que a sociedade, os programas esportivos, culturais, a arte, a geração de renda e o trabalho são essenciais para reforçar a qualidade de vida, para dar maior condição de a pessoa que está em uso abusivo de substâncias psicoativas caminhar, porque não é mais uma questão moral; é uma questão de saúde, é uma questão de necessidade de apoio. E, se nós reduzirmos a oferta de drogas e de álcool e aumentarmos os fatores de proteção com programas e medidas consistentes, coerentes, bem postas, certamente a tendência do quadro é mudar. Na forma como estamos, com pouco cuidado e pouca atenção, infelizmente, o quadro é bastante crítico.
Eu penso também, mais uma vez eu falo, que nós devemos buscar a cooperação dos grupos de mútua ajuda. A sociedade organizada pode estar encaminhando as pessoas que estão em uso abusivo para esses grupos.
Eu tenho uma proposta específica que eu fiz aqui que a gente pode apresentar para os senhores que estão aqui, que é já de uma disposição inserida no Estatuto da Criança e do Adolescente, lá no art. 130, que fala que, quando há maus-tratos, opressão e abuso, o juiz pode determinar com uma medida cautelar o afastamento do agressor da moradia comum. E eu tenho discutido com colegas, com promotores e com pessoas na sociedade. Nós temos visto - e inclusive eu trouxe para vocês essa experiência de promotores e procuradores que atuam na área da infância e da juventude - que é o álcool ou o consumo de drogas que leva a essa desagregação que causa maus-tratos e opressão.
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Então, nós poderíamos ter na legislação também uma proposta que, nessa situação, constatando terem ocorrido maus-tratos, abuso ou opressão do abuso de substância de álcool ou outras drogas, que o juiz pudesse aplicar, a requerimento do Ministério Público, uma medida cautelar para esse pai, essa mãe serem incluídos em programa de saúde ou programa comunitário para cuidar da questão do abuso de drogas. Deve ele próprio comunicar ao juiz a frequência. Ou seja, sem tirar o mérito da lei que já permite uma medida de proteção à criança, afastamento do pai abusador do lar, mas se a questão for álcool e drogas, precisamos tratá-lo. Sem o tratamento, seguramente poderá haver repetição de condutas.
Finalmente, abuso de álcool e drogas é um fenômeno da sociedade. Nós precisamos estar bastante conscientes e compreensivos de que vão ocorrer. Nós não vamos conseguir eliminá-los da face da terra. Mas nós temos que trabalhar para que a redução da oferta do álcool, a redução da disponibilidade de drogas ilícitas possa ser uma rotina, possa ser algo que a gente trabalhe com muita determinação e clareza.
E nós precisamos também pensar que as pessoas que estão inseridas no sistema de Justiça, que estão demonstrando abuso de substâncias, elas precisam de cuidado e tratamento. Além da aplicação da lei penal, precisamos abrir esse campo de tratar, de cuidar, de oferecer oportunidade para que a pessoa não continue na prática que estimulou pelo menos a violência que ela causou a terceiros, eventualmente até a alguém da própria família.
Os casos de abuso e violência doméstica ocorrem muito mais no ambiente doméstico, nos lares, nas casas do que fora. Então, nós precisamos tratar e cuidar dessa situação.
Quero agradecer ao Senador Magno Malta, ao Senador José Medeiros, à CPI dos Maus-Tratos, à Procuradoria-Geral de Justiça que nos dá oportunidade de desenvolver esse trabalho que é feito pelo Grupo de Trabalho Drogas e Álcool do Ministério Público, à Secretaria de Integração da Procuradoria que nos dá o suporte e especificamente ao Dr. Luiz Roberto Vaquim, Promotor, à Drª Luciana Pinsdorf, ao Dr. Carlos Maiochi, ao Guilherme, lá de São João da Boa Vista, e ao Ricardo Zampieri, de Bragança Paulista, que, junto com os demais colegas do Grupo de Trabalho Drogas e Álcool, têm nos dado bastante condições de discutir, debater e ouvir propostas que nós queremos levar, Senador, para a CPI, quanto estiver finalizada, estamos caminhando para isso, para que seja eventualmente um subsídio para que V. Exªs possam pensar sobre o tema Drogas e Álcool, que a mim é muito caro.
Ontem, caminhando aqui em São Paulo, logo cedo, no metrô, notei que a quantidade e pessoas dentro do metrô, por exemplo, nas ruas, de um sábado para um domingo, que estão visivelmente abaladas pelo consumo de álcool excessivo, carregando suas garrafinhas de vodca ou de cerveja, é muito grande.
Então, precisamos trabalhar, precisamos ter essa consciência de que tratamento e prevenção funcionam e podem ser realizados.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Parabéns, doutor!
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Essa é uma matéria de que gosto muito, faço coro. Se não existisse eu não teria como gostar. Era melhor que eu não gostasse porque não existiria. Mas está aí, nela eu tenho militado uma vida. Aliás, é o ar que eu respiro.
Tenho 38 anos da minha vida tirando drogados da rua. É só o que eu tenho feito. Tenho uma instituição chamada Projeto Vem Viver. Minhas filhas nasceram e foram criadas nos braços de drogados, dentro de casa, e também pessoas com problemas de álcool.
A minha estatística pessoal, de 38 anos, é a de que para cada 50 viciados em cocaína que nós recuperamos só recuperamos um bêbado. Antigamente, era um susto quando a Organização Mundial de Saúde dizia que o que a cocaína demora 12 anos para fazer no sistema nervoso central de alguém o álcool faz em 2. Mas se trata a bebida alcoólica com glamour, está na legalidade. Vemos as pessoas, nas televisões, nas mídias, atacarem o crack, as drogas ilegais quando, na verdade, a bebida alcoólica é o grande terror e o drama da sociedade brasileira.
Eu me lembro, por exemplo, de um Deputado Federal aqui de São Paulo que fez uma lei para não se permitir a transmissão artes marciais na televisão. O UFC estava chegando aqui ao Brasil e queriam proibir porque era muito violento. Fui a uma audiência pública em que ele estava e eu defendi, porque acredito no esporte. Sou do esporte, sou das artes marciais, sou faixa preta de Jiu-jitsu, pratico, não fiquei lá no passado. Lá na minha instituição tenho um centro de treinamento de MMA. Aprendi a tomar o cachimbo de crack da boca e a fazer do cara um atleta.
Então, quando falam em redução da maioridade penal sei do que estou falando, porque sei o caminho para isso. Até porque não tenho a irresponsabilidade de falar em redução por redução. Reduzir de 18 para 16 é tentar passar mel na boca da sociedade para dizer que se fez alguma coisa. Isso é uma irresponsabilidade! Eu já tive 16 anos, 18 anos, e não mudou nada. Eu, a partir de 14 anos, já era o mesmo homem de quando cheguei aos 18. O que muda para 16? Uma menina de 16 anos, quando chega aos 18, é do mesmo jeito. Não muda. Então, isso é de uma irresponsabilidade sem tamanho!
Mas o que foi colocado converge muito com o que nós estamos querendo oferecer ao Brasil ao final desta CPI. Não acredito em CPI que se encerra dizendo: estamos propondo isso e aquilo, uma série de proposições que nunca vão acontecer.
Precisamos de uma lei de responsabilidade humana. Temos uma Lei de Responsabilidade Fiscal, mas precisamos de uma lei de responsabilidade humana. Tudo o que V. Exª falou cabe dentro da lei de responsabilidade humana. Quando V. Exª disse que a iniciativa foi do promotor de ir detectar os pontos, depois de chamar a Câmara de Vereadores, de chamar o prefeito, para juntar... Essa lei de responsabilidade humana é uma responsabilidade do gestor.
A lei de responsabilidade humana...O cara precisa ter um programa para isso, exatamente. O Conselho Tutelar, por exemplo, é responsabilidade do Poder Executivo. De cada dez Conselhos Tutelares, no Brasil, nove e meio são pardieiros. O Conselho Tutelar não tem carro, o Conselho Tutelar não tem um lugar para uma mãe sentar, para uma criança abusada ser ouvida. Minimamente, não tem um lugar onde ela possa ser ouvida, em um depoimento, sem dano e pronto. Aquele último. Não, onze vezes uma criança é obrigada a fazer esse depoimento, a sofrer com a lembrança do que sofreu. Quer dizer, os Conselhos Tutelares são pardieiros.
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Outra lógica que se tem que extinguir, na minha visão - que é uma responsabilidade e eles não tomam conta -, é que o conselho tutelar é escolhido por eleição dentro do bairro, e qualquer um, sem qualificação, pode disputar porque tem salário, ganha-se salário.
E de criança não é qualquer um que tem que tomar conta. Alguém tem que ter um mínimo de qualificação para essa tarefa.
Então, era um sonho meu a lei de responsabilidade humana, desde aquela época. E eu pretendo que com essa edição da CPI dos Maus-Tratos e com a ajuda do Ministério Público... Eu disse que todos esses avanços hoje que nós tivemos, que estamos tendo, de que o Ministério Público se utiliza hoje... Está no ECA, está na lei que mudou a partir da CPI da Pedofilia, que nós façamos uma mudança e criemos coisas mais significativas ainda pelas mãos de quem está tratando disso de perto, que é o Ministério Público.
Então, eu gostaria muito que os senhores encarnassem comigo: nós precisamos de uma lei de responsabilidade humana. Não é essa história de direitos humanos... Até perdeu o sentido, porque direitos humanos nesses últimos 13 anos no Brasil são feitos como se os humanos não tivessem direito. É lei de direitos humanos para proteger bandido - eu não vou nem entrar nisso aí.
Que nós possamos oferecer ao Brasil... Com muita atenção eu ouvi e já participei de algumas dessas ações. Acho até que se os gestores fossem ensinados a ter criatividade, porque criatividade não depende de orçamento, criatividade não depende nem da Câmara de Vereadores. Criatividade ou você tem ou você não tem. E nesses novos tempos é preciso ter criatividade nisso.
Eu dizia: se eu sou um prefeito, por exemplo, de uma cidade, eu ia fazer uma campanha com a associação comercial da minha cidade e ia pedir tinta para todo mundo e ia mandar pintar todos os muros da cidade; ia colocar as crianças para pintar os muros da cidade e com frases muito fortes: "Aqui, odiamos abuso de criança. Pedofilia é crime".
Pedófilo é um sujeito tão covarde, é um crime tão sujo que você tem que orientar uma criança na tenra idade a se autodefender. É o negócio mais ridículo do mundo você ensinar uma criança de dois anos de idade, a mãe dizer: "Aqui é o seu bumbum, aqui é o seu piu-piu, se colocarem a mão você grita, fala que a mamãe falou que não pode."
Quer dizer... E é preciso fazer, porque essa figura enigmática, é uma sombra que... Qualquer um põe a mão no fogo por ele, de tão enigmático, de tanta sombra que é. E a gente nunca sabe quem é ele, onde ele está ou onde ela vai estar. Mas é tão covarde que se ele entra no prédio dele e vê no carro perto da garagem onde ele vai colocar o dele um adesivo onde está escrito "? Todos contra a pedofilia", ele já começa a achar que descobriram ele. Essa mensagem você manda no psicológico.
Então, chegamos em uma cidade e fazemos um festival de música a cada seis meses para que as crianças possam... Um festival de poesia, de música, um festival que fala de defesa de criança. Um festival onde as pessoas sejam incentivadas, que tenha prêmios...
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Você cria uma cultura tão grande na cidade. Isso depende de quê, afinal de contas? De nada. De criatividade, de criatividade. Aí, você leva um Vereador a fazer uma lei, a colocar no Código de Posturas que o cara não pode abrir um restaurante, uma lanchonete, se ele não for obrigado a colocar uma placa de 1,5m dentro do estabelecimento, em que esteja escrito: "Aqui, odiamos abuso de criança", ou qualquer coisa nessa área. Em todo lugar em que o cara entra, dentro da loja, em qualquer lugar, tem. O cara fala: "Aqui não é lugar para eu morar. Eu tenho que ir embora daqui, porque eles me acharam". Mas é falta de criatividade. E aí nós estamos vivendo outros tempos, que propõe todas essas coisas.
Então, eu penso que essa coisa de responsabilidade humana nós precisamos ter e precisamos fazer, porque, senão, daqui a pouco, as pessoas que são do bem... Os criminosos somos nós. Há um levante no Brasil em que, daqui a pouco, nós que defendemos crianças é que somos os criminosos, porque quem abusa de criança hoje é doente. Pela minha experiência, pode até ter um pouco de doença no meio, mas tem muito mais de safadeza, de indignidade, de... Tem muita coisa de demônio. Como é que o sujeito tem conjunção carnal com uma criança de um ano de idade? É um negócio inimaginável.
Nos Estados Unidos - quem lida com essa matéria sabe -, o NCMEC, que trata da questão da criança, uma ONG, é uma instituição ligada ao governo, mas é ela que toma conta de tudo nessa área de defesa de criança, desde criança desaparecida, tráfico de órgãos, de abuso de criança... É o NCMEC que trata de criança.
O policial que vai para uma investigação de abuso de criança, de pedofilia, que é designado, quando a operação termina, se ela durar seis meses, se ela durar um ano, não importa a idade dele, é mandado para a aposentadoria e tem que passar dois anos por tratamento psicológico. Dois anos de tratamento psicológico!
Se não houver uma reação da sociedade civil e das autoridades deste País, daqui a pouco nós é que somos os bandidos. Daqui a pouco, as famílias, as pessoas de bem que querem proteger as crianças é que estão erradas. Nós é que estamos errados.
Então, penso que nós dependemos, o Brasil depende do Ministério Público. Prestem atenção, senhores! O Brasil depende do Ministério Público. O Ministério Público é a defesa da sociedade. E o Ministério Público, que age provocado, tem sido provocado todo dia nas redes sociais. Agora não precisa mais o cara ir lá e fazer uma petição. Por isso que eu preciso dos senhores, preciso das senhoras, preciso da instituição, para que a gente possa formular todas essas coisas. Eu gostaria muito de ter a capacidade de escrever, mas eu só sonho. Essa capacidade eu não tenho. Eu já disse que no Brasil todo tem gente que pensa que eu sou advogado. Tem gente que acha que eu sou da Polícia, tem gente que acha que eu sou do Ministério Público. Meu sonho era ser advogado, mas fiz três vestibulares e não passei em nenhum. Mas, com isso, eu ganhei o direito de falar o que eu quero. Um cara que nunca passou num vestibular fala o que quiser. O cara que é doutor é que não pode, porque tem que pensar nas suas palavras. Mas eu posso. Eu falo o que eu quiser. Eu sonho, mas Deus me deu a oportunidade de estar rodeado de pessoas que pensam no bem-estar da família, da sociedade, e que nós possamos, juntos, oferecer ao Brasil mais do que já fizemos até hoje.
Eu presidi a CPI do Narcotráfico e achei que foi um grande avanço, e foi, mas a CPI da Pedofilia ofereceu ao Brasil muitos instrumentos, e nisso nós podemos fazer um pouco mais.
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Então, doutor, eu agradeço a sua explanação e também estou na mesma luta, e acho que essa lei de responsabilidade humana nós vamos trazer para dentro dela, do bojo dela tudo isso que é o seu sonho e é o sonho de todos nós, e pode ter certeza de que é sonho da maioria absoluta da sociedade brasileira.
Nós somos majoritários nisso - nós somos majoritários nisso - sabe? Pode ser uma luta? Pode, mas é uma luta de uma grande maioria contra uma minoriazinha, que grita, que é atrevida - que é atrevida, sabe? -, é atrevida, e já mostraram até que o fato de a pedofilia ter se tornado crime hediondo para eles não tem nada a ver. Eles vão pisar mesmo. Nós vamos cuspir, vamos fazer um enfrentamento e vamos fazer, e vocês que façam do jeito que vocês quiserem. Está lá.
E eu sou o Relator daquela proposta que tornou o crime em hediondo, tive oportunidade de escrever aquele texto e tive oportunidade de escrever o texto até da lei. Dei a um outro Senador para assinar, por deferência, a um amigo, e, depois, eu relatei, mas a gente vê que essa minoria, além de não respeitar, ela é muito atrevida. Não diria que é corajosa, mas atrevida.
Mas, graças a Deus, a internet tem o bem e o mal, a água boa e a água suja. Mas das boas coisas que a internet para nós proporcionou foi o fato de ter dado a possibilidade de a sociedade de bem deste País acordar - acordar - e não permitir mais que as coisas fossem de uma via só.
Agora, é via de mão dupla. O que as grandes redes de televisão falavam ficava ali. Era a palavra deles, eles eram os formadores de opinião, eles conduziam as coisas para onde queriam se achavam que estava bom, e tal, e o grande medo da questão da bebida alcoólica, de fazer o enfrentamento, eram as grandes redes, porque as grandes redes, e os telejornais, e as suas novelas são tudo bebida alcoólica. E essa publicidade não é barata - essa publicidade não é barata.
Mas a gente tem que cumprir o papel da gente na vida naquilo em que a gente acredita. Certamente, conte conosco nesse enfrentamento, porque nós estamos juntos. E, na oportunidade que houver, doutor, eu o convido a conhecer lá, também, a minha instituição no Estado do Espírito Santo. Será um prazer, até porque quem faz política no Brasil, a política está criminalizada, você é sempre vendido como igual, mas nem todos são iguais. É porque os do mal são tão atrevidos que eles levam os do bem para a vala comum, eles puxam todo mundo para dentro.
Mas é por causa do atrevimento, da ousadia. Atrevimento que os bons não têm, até porque há uma maioria de bons, mas não têm o mesmo atrevimento, e, aí, são arrastados para a vala comum. E a sociedade compra, como se todo mundo fosse igual, como se você tivesse entrado na vida pública para poder fazer a sua vida e tirar proveito disso. As pessoas não conhecem a história das outras - a história das pessoas - e eu gostaria muito.
Eu cheguei no Estado do Espírito Santo em 1982, eu sou nordestino, eu sou da Bahia, cheguei lá em 1982, e a única coisa que eu fiz na minha vida, e faço até hoje, é tirar a gente da rua. Em 1992, me elegi Vereador no interior. Em 1994, me elegi Deputado Estadual. Em 1998, me elegi Deputado Federal, me tornei Presidente da CPI do narcotráfico. Em 2002, me elegi Senador da República, mas continuo, dentro da minha casa de recuperação, recuperando gente.
Então, seria ótimo que as pessoas conhecessem a vida de cada pessoa, aquilo que elas fazem e como. Até 1990, eu ainda dormia na rodoviária de São Paulo - dormia na rodoviária de São Paulo. Por isso que às causas da vida, às causas da família, nós somos instigados a isso pela via do coração, porque o coração raciocina melhor.
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Quando a gente pensa com o coração, acaba chegando aqui. E as pessoas que só começam por aqui nunca chegam aqui. Daqui nunca vem para cá, mas daqui sempre chega aqui. Então, em gênero, número e causa, viu?
Por tudo o que já ouvi aqui, muito obrigado.
Passo a palavra à Drª Maria Domitila. Fique à vontade.
A SRª MARIA DOMITILA PRADO MANSSUR - Bom dia a todos e a todas.
Compareço por autorização, também agradecendo e trazendo os cumprimentos do Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, a quem comuniquei o convite para a palestra nesta data, formulado pelos Exmos Srs. Senadores Magno Malta e José Medeiros, a quem rendo meus cumprimentos, também em nome do Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Meus cumprimentos também ao Exmo Sr. Procurador-Geral de Justiça, Gianpaolo Smanio. Gostaria de cumprimentá-lo na pessoa de minha professora, Procuradora Eliana Passarelli e dos Procuradores Cosenzo, Jairo e Mário Sérgio, demais promotores e procuradores presentes - o meu respeito e o respeito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Aos Srs. Delegados Federais aqui presentes, o meu máximo respeito, o meu máximo respeito, principalmente porque vemos o resultado. Saímos do papel, da conversa e vemos o resultado. Na semana passada, na sexta-feira, o cumprimento dos mandados de prisão e de busca e apreensão que saíram do SANCTVS, instalado pelo Tribunal de Justiça em 2015. É dele que eu gostaria de falar nesta oportunidade, se me permitem, e que resultou nessa exitosa operação contra a pedofilia, não só aqui em São Paulo, uma operação conjunta em que São Paulo teve a grata satisfação de participar em conjunto com os demais entes da Federação. Meus cumprimentos aos senhores, que merecem todos os louros por essa operação extremamente bem sucedida.
Gostaria de cumprimentar a imprensa aqui presente e também os senhores assessores parlamentares que gentilmente visitaram o SANCTVS na semana retrasada, conduzidos pelos senhores assessores do Procurador-Geral de Justiça e também pela Drª Margareth, que oficia na 16ª Vara Criminal e que já foi Promotora de Justiça designada para o SANCTVS.
Registro aqui a presença do Juiz de Direito da Corregedoria-Geral de Justiça, Dr. Gabriel Sormani, excelente amigo da causa dos direitos humanos. Pelas mãos dele, tenho certeza de que essa causa também frutificará de forma bastante visível. O SANCTVS. O SANCTVS foi criado, instalado pelo Tribunal de Justiça por duas razões: uma, pela necessidade de uma vara de crimes contra crianças. Reconhecida essa necessidade, diante da especialização das varas de violência doméstica também, que atendiam os crimes contra as mulheres, contra as meninas, criou-se um vácuo, e nesse vácuo ficaram os meninos. As meninas eram atendidas, porque estavam em situação de violência doméstica e familiar, e os meninos ficavam muitas vezes fora dessa situação. Alguns juízes colocavam os meninos para o recebimento desse atendimento nas varas criadas pela cultura, que nós tivemos mudada após a Lei Maria da Penha, mas evidentemente não tínhamos tantos meninos atendidos como as meninas.
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E também, desde pelo menos dez anos, quinze anos atrás, essa ideia da vara de crimes contra crianças já vinha sendo conversada e discutida no Tribunal de Justiça de São Paulo. O SANCTVS hoje em dia é um anexo à 16ª Vara Criminal, da qual sou corregedora. Não foi uma indicação e, sim, um edital que foi aberto para inscrição dos magistrados que atuavam na área, e, por um critério de antiguidade, eu acabei assumindo esse anexo. Em maio de 2015, passamos a realmente processar e julgar os casos relacionados em provimento; na maioria das vezes, crimes contra crianças.
Temos outras competências. O senhor bem citou um artigo de lei, o 243, que aparece no SANCTVS, e aqui eu gostaria de deixar registrada a admiração pelo trabalho desenvolvido pelos senhores. Gostaria muito de acompanhar mais de perto, porque, realmente, se for implantado tudo o que os senhores colocaram, tenho certeza de que nossa próxima geração será bem melhor do que essa.
E, continuando com o SANCTVS, nós temos uma equipe multidisciplinar preparada para a escuta de crianças e adolescentes e também vítimas de crimes sexuais pelo depoimento especial, com ação de psicólogos e assistentes sociais. Essa é a ideia, principalmente porque, em abril do ano que vem, a Lei nº 13.431 entrará em vigor, e teremos a obrigatoriedade de essas crianças vítimas de violência sexual e também menores de sete anos serem ouvidos em escuta por uma única vez.
Estamos em contato com a Polícia Civil aqui no Estado de São Paulo. Temos intenção de, com eles, realizar um protocolo conjunto. Na semana passada, tivemos no dia 17, se não me falha a memória, uma excelente reunião em que chegamos à conclusão de que há necessidade de uma escuta prévia com todo o cuidado. Toda a sensibilidade dos delegados especializados é imprescindível, somente para, depois, termos contato com essas crianças e adolescentes vítimas de abuso no foro criminal.
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Isso caminha de acordo com o sistema de garantias de direitos das crianças e dos adolescentes previstas no art. 227, como também já ressaltado pelos Drs. Procuradores de Justiça, e essa questão relacionada à escuta especial é que nos chama mais atenção atualmente, é o ponto que mais preocupa o Tribunal de Justiça, para que essa criança não seja revitimizada em segunda oitiva. A revitimização da criança não só causa um prejuízo psicológico, a baixa da autoestima, como cria também uma sensação de impunidade, porque a criança se sente numa posição de não ter sido levada em consideração. O descrédito é algo que permeia essa situação e o questionamento do porquê de ter de relatar uma situação tão constrangedora se já foi falado uma única vez.
Por tal razão, o sistema de Justiça procura uma forma de ouvir essas vítimas adequadamente, sem a revitimização, e de forma confortável. Nós já temos, na Barra Funda, a nossa sala com o equipamento próprio, com a brinquedoteca, que gentilmente foi montada por funcionários da Barra Funda. Todos nós nos fóruns, todos nós sabemos de que temos as nossas dificuldades orçamentárias, mas, como bem ressaltou o Procurador Cosenzo, ainda temos algo muito forte, que é a solidariedade. E vejo que, nessas situações, a solidariedade sempre é muito importante na consecução dos nossos objetivos - a lealdade, a solidariedade e a atuação conjunta de todos aqueles que trabalham no sistema de Justiça.
O que ocorre, na minha modesta opinião, é que temos uma legislação muito vasta - os senhores vejam - com várias propostas de alteração, várias formas de entendimento, vários problemas de interpretação. Tudo isso deságua no sistema de Justiça. O que nos falta, com todo o respeito - e também não vou deixar sugestões, porque a minha parte, modestamente, é só a ideia de trazer aos senhores o SANCTVS e o depoimento especial para aprofundarmos nessa questão; houve até uma palestra aqui na sexta-feira, então os senhores já têm um material muito mais profundo e técnico do que qualquer coisa que eu venha a falar -, é uma falta de políticas públicas. Por quê? Existe o atendimento no fórum; os promotores fazem o seu trabalho; os juízes fazem o seu trabalho; os delegados de polícia já trazem o máximo que eles podem; os investigadores, cada vez mais, se aproximam de uma forma sensível dessas crianças e desses adolescentes, o que foi uma surpresa muito grata para mim nessa experiência, mas nós não temos as políticas públicas para o depois. Essas crianças realmente precisam de esporte e de cultura, porque o abuso sexual vai permanecer ali; o abuso psicológico, o abuso material, todas essas questões, muitas delas também causadas pelo uso de drogas, de álcool.
Não tenho mais nada a acrescentar depois do que foi dito aos senhores, somente tenho a utilizar esse ensinamento, e o que falta realmente são as políticas públicas, porque, enquanto as nossas crianças não se virem inseridas em atividades dignas, elas não se sentirão como cidadãos que possuem não só deveres, mas também direitos.
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Além de tudo isso, eu gostaria de dizer aos senhores que o Tribunal de Justiça tem uma comissão interdisciplinar relacionada ao tráfico interno de pessoas e o SANCTVS também tem a competência para o tráfico interno de pessoas, ainda que tenhamos apenas uma situação, que está com o Ministério Público, não sei também se será denunciada, será avaliada. Evidentemente, se existe uma justa causa, se é caso até da competência do SANCTVS, é difícil a apuração dessas situações de tráfico interno de pessoas. E, no Tribunal de Justiça, essa comissão interdisciplinar funciona com a participação do Ministério Público, das polícias, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, atendem ao convite da comissão consulados, embaixadas. Temos uma preocupação forte com os refugiados, com as crianças que precisam dessa nossa atenção e estamos também à disposição para qualquer tipo de contribuição que se faça necessária, esclarecendo aos senhores que temos um abrigo estadual aqui no Estado de São Paulo, instalado a pedido dessa comissão interdisciplinar.
Da minha parte, Srs. Senadores, eu me coloco a disposição para eventual questionamento que os senhores tiverem. O Poder Judiciário está à disposição dos senhores para qualquer tipo de visita, somente ressaltando que os processos correm em segredo de Justiça, por comando legal.
Acho que toquei nos pontos que pretendia e é essa a minha simples contribuição para esta CPI, cumprimentando-os ao final.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado, Drª Domitila.
Convido agora o Dr. Yuri Giuseppe Castiglione, Promotor de Justiça. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Infelizmente, eu não tive como ouvir a sua fala, Doutora, mas eu vou citar Jacó, que, quando teve a experiência real com Deus, falou assim: "Antes eu te conhecida de ouvir falar, mas hoje os meus olhos te veem." Eu já te conhecia por ouvi falar, mas hoje os meus olhos te viram. E, pelo que já ouvi falar - eu, que tive que me ausentar um pouco aqui -, posso deduzir a riqueza da sua contribuição de que certamente vamos precisar muito. E a sua professora saberá muito bem me procurar.
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ORADORA NÃO IDENTIFICADA (Fora do microfone.) - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Agora, como eu estou identificando aqui que todo mundo foi aluno dela, então nós estamos mais....
(Intervenções fora do microfone.)
ORADORA NÃO IDENTIFICADA (Fora do microfone.) - Ela não foi. Ela é do júri.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Ah é?
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Pois é, este era o meu sonho como advogado: era o júri.
ORADORA NÃO IDENTIFICADA (Fora do microfone.) - Uai, ainda dá tempo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas aí virou peça de marketing para mim: nunca passei, não é? E aí eu me justifico. Em tudo que eu errar, eu falo: "Não, eu..."
Eu passo a ouvir o Dr. Yuri. Dr. Yuri, muito obrigado por estar conosco. Tem a palavra e fique à vontade.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Inicialmente, Senador Magno Malta, Senador José Medeiros, eu gostaria de cumprimentá-los e parabenizá-los por esta CPI. É um tema de extrema relevância e importância para toda a nossa sociedade, e muito nos alegra ver esse tema novamente sendo debatido no Senado Federal. Eu gostaria de que tivéssemos ainda mais Senadores iguais a V. Exªs, que trazem temas de suma importância para a nossa sociedade, como estes que dizem respeito à violação de direitos de crianças e adolescentes.
Gostaria também de cumprimentar o nosso Procurador-Geral, Dr. Gianpaolo Smanio; gostaria de cumprimentar os integrantes do Poder Judiciário na pessoa da Drª Maria Domitila; os integrantes das forças policiais, nossos delegados de Polícia, pelos quais estendo também o cumprimento todos os demais policiais; os demais presentes; Drª Procuradora de Justiça que aqui também enaltece o nosso evento.
Bom dia a todos.
Inicialmente, eu gostaria de fazer uma pequena demonstração de alguns dados estatísticos. Eu gostaria de, primeiro, iniciar a minha exposição fazendo uma divisão entre as violações de direitos, no caso, em especial, falando dos abusos sexuais, aqueles ocorridos dentro do seio familiar, dentro da família, e aqueles ocorridos fora do seio familiar, pois os dois merecem atenção e os dois realmente são de difícil combate pelo Ministério Público, pelas polícias e por toda a sociedade.
Só para trazer alguns dados, a cada dia 165 crianças são vítimas de abuso sexual no Brasil. De cada dez casos, oito são praticados por pessoas conhecidas. E aí é o primeiro ponto sobre o qual eu gostaria de fazer uma análise. Nosso principal problema, em princípio, está dentro da violência praticada contra crianças e adolescentes dentro da própria família ou praticada por pessoas que são do convívio e da confiança dessa família. A experiência na Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Lapa tem mostrado que há uma prevalência na violação de direitos praticados por pessoas conhecidas, por pessoas que têm algum contato ou alguma intimidade e que gozam de confiança da família. Um terço dos abusadores pertence à própria família; dois terços dos abusos são praticados de forma reiterada; e 80% das vítimas são do sexo feminino. Inicialmente, eu vou trazer só alguns dados estatísticos, para depois fazer algumas sugestões sobre a nossa legislação. De alguma forma, espero poder contribuir com esta CPI.
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O principal agressor está dentro da família, pelos dados que chegam à Justiça, e a experiência de atuação na Promotoria de Justiça mostra que 52% dos abusos são praticados pelo pai; 32% são praticados pelo padrasto; 8% pelo tio; 4% pela mãe - e aqui a gente observa um detalhe que chama a atenção: normalmente a gente nunca imagina que há violência praticada pela mãe, mas a violência por ela praticada estatisticamente está superior àquela praticada por avô, primo e cunhado, o que, no senso comum, no senso da sociedade, é inimaginável. Mas, infelizmente, a estatística mostra que essa é a realidade que a gente tem presenciado no dia a dia de atuação da Promotoria de Justiça.
Eu gostaria de trazer aqui uma das principais estratégias do abusador - e aí tanto o abusador responsável pelo abuso intrafamiliar, como o abuso praticado fora da família - que é o silêncio. De alguma forma, o abusador sempre busca constranger, ameaçar, para que a vítima não o denuncie. E esse é o nosso maior obstáculo, como membros do Ministério Público - e a Polícia também tem essa dificuldade -, de vencer, que é justamente quebrar esse silêncio da vítima. Como nós podemos agir? No que eventualmente a legislação pode colaborar para que esse silêncio da vítima seja quebrado e para que essa estratégia do abusador seja desfeita?
Só a título exemplificativo, na Promotoria da Infância e da Juventude da Lapa, nós tivemos uma experiência de fazer um trabalho de conscientização e de sensibilização nas escolas sobre como perceber e como identificar sinais identificativos de violação de direitos, sinais identificativos de abuso sexual, sinais identificativos de algum tipo de violência que aquela criança esteja sofrendo. Inicialmente, em 2014, só para se ter uma ideia, as crianças, os alunos tidos como problemáticos, aqueles alunos tidos como indisciplinados eram identificados em dois grupos: aqueles que pertenciam a uma origem social vulnerável, menos favorecida, e aqueles que tinham comportamento simplesmente agressivo. Iniciamos um trabalho de sensibilização em toda a rede de ensino da região oeste, em especial junto com a Diretoria Regional de Ensino de Pirituba, e a partir de 2015 nós começamos a ver uma pequena diferença: os casos de vulnerabilidade diminuíram, e aqueles casos que estavam inicialmente identificados como oriundos de comportamento agressivo foram identificados como provenientes de crianças que são vítimas de abuso sexual, 13%; e 25% eram vítimas de agressão física; e 25% deles, em algum momento, tinham tido problema de evasão escolar. Em 2016, esse número aumentou, e nós começamos a identificar de maneira mais clara os casos principalmente envolvendo abuso sexual e agressão física. Em 2017, que é o ano de hoje, nós conseguimos identificar que 57% daqueles casos que eram tidos apenas como vítimas de agressão, crianças com comportamento indisciplinado e violento, na verdade, esse percentual era proveniente de abuso sexual. Então, aquelas crianças, aqueles alunos tidos como indisciplinados, como problemáticos, na verdade, eram vítimas de exploração sexual praticada dentro da sua própria casa. Eu quis trazer esses dados para demonstrar a importância de nós identificarmos os casos que envolvem principalmente o abuso sexual. E, dentro desse contexto, eu gostaria de primeiro tratar da questão do abuso sexual envolvendo a exploração sexual propriamente dita, não o abuso intrafamiliar, mas aquele ocorrido fora, como eu disse.
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Eu tive oportunidade de, no início da minha carreira, trabalhar na região do Vale do Ribeira, região de alta vulnerabilidade social, na qual o principal problema que existia era a exploração sexual de crianças e adolescentes nos acostamentos da BR-116. Naquela localidade, a exploração sexual das vítimas era realizada dentro da boleia do caminhão, em alguns postos de gasolina ou muitas vezes até mesmo no acostamento. Uma coisa que muito me indignava era, no caminho que eu fazia da minha casa até chegar à comarca em que eu atuava, que era Registro, na época, verificar que eu passava pela estrada e via diversas crianças realmente vestidas com roupas curtas, inadequadas para sua idade, e que demonstravam nitidamente... Bastava ali uma análise, bastava olhar o que estava acontecendo para se verificar que aquela criança estava em situação de exploração sexual.
Nós fizemos... Em razão disso, foi instaurado inquérito civil, a Promotoria instaurou inquérito civil e passou a levantar os dados, entre os quais as causas e as consequências desse abuso sexual para as crianças e adolescentes. E, dentro desse inquérito civil, acabou sendo também instaurado um procedimento investigatório criminal que culminou numa ação que culminou na prisão de alguns responsáveis por essas explorações que eram feitas contra essas vítimas.
Dentro desses procedimentos, algumas dificuldades foram identificadas dentro da nossa legislação, e algumas sugestões acho que são cabíveis de serem realizadas dentro do combate à exploração sexual. Dentre elas, aqui eu gostaria de sugerir - e é um problema que poderia eventualmente de alguma forma inibir - que a exploração sexual de crianças e adolescentes possui a mesma gravidade ou até maior gravidade, por exemplo, do que um delito de tráfico de drogas, sendo que no delito de tráfico de drogas é possível a apreensão dos bens e a perda dos bens que são utilizados para a prática do delito. Por exemplo, um carro que é utilizado para a prática, para levar, transportar drogas de um lugar para o outro, uma vez demonstrado e comprovado que ele era utilizado para a prática desse delito, pode ser objeto de perda. E aí eu faço o questionamento: por que não também, dada a gravidade do fato, permitirmos que os imóveis em que é feita, por exemplo, exploração sexual de crianças e adolescentes, sejam passíveis de apreensão e alienação pela Justiça, o perdimento desses bens como uma consequência do crime, assim como ocorre no tráfico de drogas? Por que não também permitir que, por exemplo, esses delitos que são praticados na boleia dos caminhões nas estradas, desses caminhões que eram utilizados para esse tipo de atividade ilícita também não possa ser decretado o perdimento em razão da prática realizada pelos agressores?
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Nós não conseguimos. Era muita coisa e acho que nós conseguimos até muita coisa, mas acho que esse é um projeto que a gente pode aprovar de imediato, esse perdimento em favor de instituição que cuida de criança e...
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Instituição, por exemplo, em favor do Conselho Tutelar, que precisa ser mais estruturado; em favor da polícia; em favor de todos os órgãos; em favor de todos os órgãos que são responsáveis pela proteção das crianças e dos adolescentes.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Exatamente.
Penso que nós precisamos colocar no papel rapidamente, já protocolar como um projeto de lei da CPI dos Maus-Tratos. Nós vamos fazer isso andar rapidamente na Comissão de Direitos Humanos. Há uma convergência da sociedade. Há uma convergência! São poucos hoje dentro do Senado Federal que têm contrariedade ao que nós pensamos em defesa de criança, mas também não têm coragem de se manifestar. São poucos. Eles tinham coragem até um tempo atrás, hoje não têm mais de se manifestar. Mas a maioria absoluta - absoluta - absorve e certamente nós aprovaremos muito rapidamente isso, essa proposta. Se nós tivermos celeridade no protocolo, certamente nós daremos essa lei ao Brasil antes do final do ano, antes que se comece o recesso. E esse, sem dúvida nenhuma, é o meu sonho.
Fica a responsabilidade, com todo respeito ao nosso Procurador, à assessora da CPI para coordenar esse texto. Aqui está a assessoria do Senado, estão os técnicos do Senado para que possamos botar isso no formato legislativo, para que a gente possa fundamentar. Penso que a gente já pode protocolar essa proposta de lei com todas as possibilidades de ser aprovada. É uma coisa boa, dentro da nossa discussão, que saia daqui, eu sempre sonhei com isso. Deve-se criar um mecanismo para que se tenha celeridade. No tráfico de drogas, o mecanismo existe, mas não há celeridade.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Tem-se que permitir a alienação antecipada desses bens.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não há celeridade. O juiz, quando é muito corajoso, dá mesmo, quando ele acredita na causa. Há caso aí de desembargador que foi lá e derrubou a medida que é lei em favor do vagabundo. Há juiz respondendo no CNJ porque tomou esse tipo de atitude.
Aliás, eu queria comunicar aos juízes que estão respondendo ao CNJ por causa disso que me permitissem ser suas testemunhas, que mandassem o caso para mim também, porque eu quero representar contra o desembargador também. Eu quero dar minha contribuição com relação a isso. É um absurdo! Há partes aí em que as coisas estão apodrecendo - apodrecendo!
Então, é o seguinte: nesse mister, nós precisamos criar um mecanismo que dê celeridade, que seja coisa imediata - que seja coisa imediata.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Isso é o mais importante.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Parabéns pela explanação e por trazer à luz esse assunto de tamanha importância, assim como é de importância que nós criemos as varas para que casos que envolvam violência contra a criança, no exagero, tenham três dias, só 72 horas para serem resolvidos, onde haja juiz, onde haja promotor, um lugar adequado.
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Aí os caras falam assim: "Mas não há dinheiro para fazer isso." Eu não sei mais nem falar. O Brasil fala em cifra tão alta hoje nessa Operação Lava Jato. Acho que a devolução de um vagabundo, só a devolução de um vagabundo dá para criar essas varas todinhas. "Ah! O nosso sistema é falido, o sistema prisional é falido." Por quê? "É porque não tem dinheiro." Como que não tem dinheiro? Então, acho que há muita coisa a se fazer.
Parabéns! É bem-vinda a sua fala, como todas as outras, mas isso é uma coisa que pode ocorrer mais rápido do que imediatamente.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Obrigado, Senador.
E eu me coloco à disposição também, se puder de alguma forma colaborar com a implementação dessa previsão legal que vai ser proposta. Estou à disposição também para colaborar.
Outra questão de suma importância que eu vejo: nessa oportunidade em que atuava lá na região do Vale do Ribeira, acabei visitando algumas outras regiões do Brasil, entre elas as regiões do Maranhão e do Acre, nas quais eu deparei com situações muito, mas muito, Senador, difíceis, de colegas promotores que deparavam exatamente com o mesmo problema que eu de, indo para a comarca, indo para o seu trabalho, na estrada, ver crianças e adolescentes ali vestidos com aqueles trajes que nitidamente demonstravam que estavam sendo vítimas de exploração, de violação de direitos. E lá com uma dificuldade maior ainda de enfrentamento, porque era um trabalho muito pessoal, personalíssimo, porque falta estrutura das promotorias de Justiça, falta estrutura das delegacias de polícia, enfim, falta estrutura para o enfrentamento dessa questão. Principalmente, o que eu posso testemunhar, lá na região do Acre, no Vale do Ribeira, em especial ali, temos um ponto bem crítico na região do Acre, em especial, que eu tive a oportunidade de conhecer, no Município de Brasileia, não sei se o senhor conhece. Há uma fronteira seca ali em que não há controle nenhum de trânsito entre brasileiros, bolivianos. E ali era um ponto bem sensível em que existia essa questão da exploração sexual com muita intensidade.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - A PRF sem dúvida.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Quem sabe mais do que eu é o Senador José Medeiros, que é da PRF, que mapeou alguns pontos nevrálgicos no Brasil. Na verdade, eu conheço quase todos, eu fui visitar, eu fui a esses lugares. Em Brasileia, como o senhor colocou, realmente é deprimente.
Se o Senador José Medeiros quiser fazer qualquer intervenção pode, porque estrada é matéria de S. Exª.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Aliás, falando na PRF, gostaria também de enaltecer o trabalho da PRF, que principalmente lá na região do Vale do Ribeira, na BR-116 foi fundamental para que a gente conseguisse acabar com dois hotéis ali que praticavam a exploração sexual de crianças e adolescentes e colaboravam com essa exploração que ocorria nas estradas. E nós somente conseguimos acabar com isso graças ao apoio da Polícia Rodoviária Federal. Foi de fundamental importância. Gostaria de reconhecer aqui em homenagem ao nosso Senador.
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Bom, esses, em princípio, seriam os pontos que eu gostaria de ressaltar em relação à exploração sexual fora da família.
Em relação à violência intrafamiliar, à violência contra a criança, o primeiro ponto que eu gostaria de ressaltar é o seguinte. Nós tivemos, recentemente, a edição da Lei 13.431, de 2017, que instituiu o depoimento sem dano. Nessa lei, lá no art. 13, há uma previsão que diz que cabe, de forma obrigatória, a todo aquele que tomar conhecimento de uma criança em situação de violação de direitos, denunciar esse fato às autoridades ou a algum órgão de denúncia. Só que esse artigo veio desamparado. De nada adianta colocar um dever a toda a sociedade se, para quem descumprir esse dever, não houver uma correspondente sanção. E aqui é uma outra lacuna que eu verifico que poderia ser suprida agora, de repente, com esta CPI.
Só a título de exemplificação: hoje, se porventura alguém se omite, por exemplo, um conselheiro tutelar, um policial ou qualquer outro agente responsável pelo combate a esse delito, responde por prevaricação, cuja pena - é um crime de menor potencial ofensivo - é de três meses a um ano. Em outras palavras, não haverá praticamente uma resposta adequada, principalmente em se tratando de um responsável pelo combate à exploração desse tipo de delito.
O art. 13 prevê que é obrigatório... O art. 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê uma infração administrativa para os professores, para alguns agentes... Deixem-me só pegar o artigo exato aqui.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Doutor, é de 2007, não é?
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - O quê? Essa lei que eu mencionei? Ela é de 2017, deste ano.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, antes, do depoimento sem dano.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - O depoimento sem dano é o art. 13 da 13.431, de 2017, de agora. Aliás, está na vacatio legis ainda, vai entrar em vigor no ano que vem, ainda não entrou em vigor essa lei. Ela foi editada em abril, acho que foi em 4 de abril de 2017.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - A última votação foi da Câmara, agora.
Eu estou me lembrando pelo seguinte: essa proposta é da CPI da Pedofilia. Ela nasceu conosco, ela foi aprovada no Senado, foi para a Câmara e lá ela está dormindo desde 2007.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Na verdade, uma coisa que é muito importante...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Ela nasceu precisando de mudança.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Sim.
Uma coisa que é muito importante, algo que eu sempre ressalto bastante: nós, que somos pais, dificilmente conseguimos passar quatro horas ou mais com nossos filhos, em nossa casa ou em qualquer lugar. A única pessoa que sempre, necessariamente, passa pelo menos quatro horas com todas as crianças e adolescentes é o educador, o professor. Quem trabalha nas escolas tem esse convívio diário, e, por ter esse convívio diário, essas pessoas têm condição de identificar as mudanças de comportamento que são características de crianças e adolescentes que são vítimas de violação de direitos, em especial de abuso sexual, que é o tema principal de que estamos tratando. Se essa pessoa, quando toma conhecimento de alguma criança, algum aluno que está sendo abusado sexualmente ou que é vítima de maus-tratos, violência física, deixa de denunciar, o que acontece com ela? Ela responde por uma infração administrativa, que é a que eu estava mencionando, prevista no art. 245, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
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Eu vou pedir licença para fazer a leitura. Diz o art. 245:
Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Salário de referência, só para fazer um pequeno esclarecimento, não é salário mínimo. O valor do salário de referência hoje eu não me lembro de cabeça. Talvez a Drª Domitila esteja mais habituada a aplicar pena possa me ajudar. Mas...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - É uma pena muito ínfima. E a intenção da nossa lei que instrui o depoimento sem dano, a Lei 13.431, foi o quê? Foi de colocar como dever de todos, de toda sociedade denunciar os casos de que tome conhecimento envolvendo violação de direitos de criança e adolescente.
Hoje, nós temos a punição apenas para alguns que deixam de fazer a sua parte. E o que seria importante? Talvez para também não sairmos criminalizando tudo, seria de fundamental importância punir a omissão do ator da rede protetiva. Ou seja, quem é esse ator da rede protetiva? O professor, o educador, o agente da unidade básica de saúde, eventual integrante do Creas, Cras, ou qualquer outro integrante da rede protetiva que tome conhecimento de que uma criança está sendo vítima de algum abuso e se omita.
Por que eu relato isso? A minha intenção não é sair punindo ninguém a torto e a direito, mas a criança e o adolescente que são vítimas de exploração sexual dentro da família vivem um terror. Muitas vezes, eles não veem saída. Eles não sabem como sair daquela situação. Por quê? Como nós vimos, dois terços dos casos são praticados por pessoas da própria família e 54% é o pai. Eu pergunto: se o próprio pai, que é aquele que ela enxerga como a pessoa que vai protegê-la - normalmente é essa a visão que a criança tem... Se ele, que tinha a função de proteger, é o autor desse abuso, o que aquela criança pode fazer? Onde ela vai se socorrer? Para quem ela vai pedir socorro?
Quando ela tem coragem de fazer a revelação desse fato - e a nossa lei nova, a Lei 13.431, fala expressamente na revelação espontânea -, quando ela resolve fazer a revelação desse fato, por exemplo, na escola, ou num atendimento que ela tem, na Unidade Básica de Saúde, o que ela trouxe foi muito difícil para ela. E isso não pode passar como se nada tivesse acontecido.
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Portanto, quem recebe esse tipo de denúncia da vítima, quem tem contato com a vítima que faz a revelação espontânea tem, sim, a obrigação de tomar providência, de pelo menos denunciar esse fato para a autoridade, para o Ministério Público, para polícia, para o Conselho Tutelar, para alguém que tenha condições de adotar providências para proteção dessa criança. E, se não denunciar, tem de responder.
Claro, por outro lado, o que é um grande problema - e isso no dia a dia de atuação na promotoria eu vejo de forma muito frequente -, essas pessoas que não denunciam, como professores, agentes de saúde, enfermeiros, elas o fazem não porque concordam, não porque acham certo de alguma maneira que aquela criança seja vítima de exploração, mas porque têm medo das consequências, têm receio das consequências provenientes dessa denúncia. É importante que na nossa lei também haja previsão para assegurar medidas protetivas para essas pessoas que trazem essa denúncia. Por quê? O professor que atua lá na periferia, o agente de saúde que atua lá na periferia está na linha de frente, no dia a dia, com aquele pai que muitas vezes é o autor do abuso. E esse pai vai lá... Depois que ele ficou sabendo que foi aquele agente de saúde que o denunciou, depois que ele ficou sabendo que aquele professor o denunciou, ele não se intimida, como seria esperado. "Poxa, eu fui acusado de abuso sexual. Estou errado." Ele deveria o quê? Esconder-se. Não; ele cresce. Ele vai para cima desse denunciante.
Então, nós, como Estado, como legislador, temos de tomar medidas para proteger essa pessoa que traz essa denúncia e tomar medidas efetivas, viabilizar medidas efetivas, autorizando, de repente, a transferência dele daquele local para outro, o que hoje depende de uma série de fatores burocráticos, por exemplo, para um professor ou para alguém que trabalha em uma UBS próxima ao local em que constatou a exploração. Temos de pensar e refletir sobre que tipo de medidas podem ser aplicadas, mas temos de pensar em medidas para proteger esse denunciante, porque, se nós não protegermos esse denunciante, ele não vai denunciar. Por quê? Porque ele tem medo de sofrer algum tipo de represália. Então, é muito importante que a gente se debruce um pouco mais sobre esse tema para pensar: o que podemos fazer para proteger esse denunciante, que é o que tem contato mais frequente e é o que tem maiores condições de identificar uma criança que é vítima de exploração? É o agente da UBS em que a criança é atendida regularmente para vacinas, para acompanhamentos médicos; e é o professor, que está lá todos os dias, pelo menos por quatro horas por dia, em contato com a criança.
Outro ponto importante. Seria interessante... E aí eu vou trazer o exemplo de um relato que tive de uma criança que era vítima de maus-tratos praticados pelos seus pais, maus-tratos bastante chocantes. Essa criança não tinha para onde fugir; ela reclamou na escola, reclamou em diversos lugares. Com sete anos de idade, em determinado momento, o que ela fez? Saiu de casa desesperada, pegou a primeira pessoa na rua e começou a chorar. Estava em um ponto de ônibus. E essa pessoa, no ponto de ônibus, acudiu essa criança e a levou à delegacia de polícia, onde ela foi atendida e contou tudo que aconteceu. Só que ela já estava sofrendo isso há alguns anos.
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Aí, entra essa sugestão. É fundamental que nós coloquemos ou que implementemos uma campanha obrigatória, igual o Senador colocou, aquele cartaz "aqui não pode", "não pactuamos com abuso, com exploração", mas é importante também colocar nas escolas, nas UBSs, uma orientação sobre como a vítima faz, se ela quiser sair daquela situação, porque ela não tem saída. A criança, principalmente - e estou falando aqui em criança no sentido técnico, pessoa menor de 12 anos. Quanto menor a idade, maior a dificuldade de ela conseguir denunciar aquilo, principalmente quando o abuso, a violência é praticada pelos seus genitores.
Então, é importante que nas escolas, de repente, coloquemos isso como uma disciplina obrigatória, orientando sobre como a criança faz se ela estiver em uma situação de violência, de violação de direitos. Como ela faz? O que ela tem de fazer? O que ela pode fazer? Onde ela busca ajuda? Para nós é óbvio: vá à polícia, liga para o 190, vá ao Conselho Tutelar. Mas a criança sabe disso? Ela tem condição de saber disso? Infelizmente, não.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Outra coisa dentro disso é que nós precisamos trabalhar a alteração do Disque 100. Nunca vi nada mais ruim na minha vida e tão divulgado com glamour do que o Disque 100.
As pessoas não são... Eu me lembro do dia - e vou contar a experiência aqui - em que a Presidente Dilma foi sancionar pedofilia como crime hediondo e convidou a Xuxa para estar lá; convidou o Sérgio Reis, porque o Sérgio fazia programas para caminhoneiros e sempre falou no Disque 100; foram também a Ministra Maria do Rosário, a Ministra Ideli Salvatti e, muito a contragosto, eu, porque era o Relator. Quando fizeram aquela coisa toda, eu pedi à Presidente se ela me permitia falar com a Xuxa sobre o Disque 100. Eu disse à Presidente: "Vou falar uma coisa que nem a Senhora deve saber e penso também que as Ministras não sabem. O cidadão, quando vai ao orelhão e disca 100, corre e fica na janela esperando a radiopatrulha chegar. Ela não vai chegar. Ao chegar ao aeroporto, lê-se: "Abuso de criança, disque 100". O pedófilo pode vir do mundo que ele quiser vir, abusar o verão aqui e ir embora, e ninguém o vai importunar, porque, quando o cidadão disca 100, cai num call center do Ministro da Justiça, onde uma pessoa terceirizada atende, que não é especializada em nada. É terceirizada, atende a ligação e anota. Depois, o Ministério da Justiça envia para o Ministério Público do Estado de origem, e o Procurador-Geral distribui para o promotor daquela área. Se ele tiver sangue no olho e for promotor por vocação, abre uma investigação; se ele for concurseiro, ele recebe na quinta e joga na sexta, porque tem medo. Infelizmente em todo lugar tem isso. Aí, com o Disque 100, não acontece nada. A senhora sabia disso?"
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A Xuxa ficou me olhando e falou: "Mas eu não sabia que era assim!" Eu falei: "A ministra devia ter orientado a senhora. A senhora não fala no seu programa todo dia?" Disque 100, Disque 100, mas não acontece nada!
Desceu um pedófilo no aeroporto internacional, veio aqui passar o verão. O Brasil é vendido lá fora assim. Chegou ali, ele pode abusar do jeito que quiser. Vão discar 100 e não vai acontecer nada! Não vai acontecer nada! Foi aí que eu disse à Senhora Presidente da República - e é um conselho que eu darei ao próximo Presidente da República, e isso tem que ser mais rápido que imediatamente: "Convide os presidentes de tribunais e os procuradores-gerais para um encontro com a senhora aqui no Palácio. A senhora é Presidente da República. Eles virão. Nós estamos às portas das Olimpíadas, da Copa do Mundo. Convide-os e peça para criarem essa vara. Juiz, promotor, delegado e, no máximo, erradamente, em 72 horas, você vai dar jeito no que envolve criança. A senhora vai dizer que o Brasil não tem dinheiro, mas existe a delegacia da mulher. Use essa estrutura por enquanto, porque certamente todos eles se disponibilizarão a fazer. E, depois que passar, crie especificado, faça a especificação e crie. O Brasil vai ter essa delegacia. Crime contra criança tem prioridade. Pronto!"
Depois que eu vi os milhões da Lava Jato, disse "Meu Deus, aquela delegacia eles poderiam ter feito em oito dias, se eles quisessem". Qual é o presidente de tribunal que não vai se prontificar a isso? Qual é o procurador-geral, qual é o Ministério Público que não tem interesse nisso? Faremos.
Então, "glamourizou-se" o 100. Você disca 100 e fica sem resposta, entendeu? Então, nós temos de ensinar o povo a ir atrás da delegacia, do Ministério Público, do Conselho Tutelar, e, depois, se não der jeito, você vai no Disque 100. E ensinar ao povo que Disque 100 é para suspeita. Você está com suspeita de que está acontecendo numa escola tal não sei o quê, numa igreja tal, está acontecendo não sei o quê na empresa tal... Você disca para lá, porque aí vai ter todo um trâmite burocrático até chegar a essa investigação. Mas o Disque 100 foi vendido e é divulgado como se fosse o suprassumo e não é! Não é mesmo!
Então, nós precisamos desmistificar isso. Ou se cria uma estrutura para que esse Disque 100 vire verdade imediata ou, então, é o troço mais sem sentido. É a mesma coisa que eu acabei de falar na minha crença de que reduzir a maioridade de 18 para 16... Se eu estivesse sozinho em algum lugar, ia dizer que era uma palhaçada, mas, como eu estou cercado de muita gente, não vou falar, vou passar mel na boca da sociedade, porque um menino de 18 anos não sabe nada, não é?
Eu tenho um sobrinho que tem síndrome de Down. Eu falo para o pai: "Esse menino está com uma fonoaudióloga há tanto tempo e ele a chama de Salu? Essa mulher não sabe ensinar a ele que o nome dela é Tia Lu?" E eu falo: "Fala Tia Lu." Ele fala: "Tia Lu". "Como é o nome da sua professora?" "Tia Lu". Então, não é Salu. Nem ela ensinou isso? Aí ele fala rápido. Falou rápido para mim ontem e eu falei: "Rapaz, fale devagar [ele é pequenininho] porque ninguém entende o que você fala." Sabe o que ele falou? "Eu falo chinês." Quer dizer que ele sabe que, falando embolado, ninguém entende nada. Agora o que tem 17 mata, estupra e é criança! Ele confunde chupeta com escopeta. Ah! Para cima de mim?!
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Então, esse negócio de 18 para 16 é a maior piada, como piada é o Disque 100.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Infelizmente, em relação ao Disque 100, eu vou trazer uma experiência minha, aqui na capital, onde a minha Promotoria de Justiça abrange uma população estimada de dois milhões de habitantes. A gente recebia, na Promotoria, aproximadamente, de 100 a 120 denúncias do Disque 100 por mês. Num primeiro momento, todas as denúncias eram instauradas, só que isso é inviável. Em um ano, nós tínhamos 1,2 mil denúncias do Disque 100. Ocorre que nós não temos estrutura para investigar 1,2 mil denúncias em um ano. A grande maioria delas, infelizmente, eram casos de desafetos querendo criar um fato para, enfim...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - Desafeto político.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Sim; também desafeto político, ou um vizinho que escuta o som alto e alguém que tinha... Enfim, sempre havia alguma outra questão. Por outro lado, embora a denúncia muitas vezes fosse falsa, havia as verdadeiras, que justificam o serviço.
Todavia, um grande problema do Disque 100, aproveitando que o senhor colocou a questão, é a forma como ele é implementado hoje, ou seja, colocando o Ministério Público como porta de entrada da denúncia, sendo que nós não termos estrutura para receber a denúncia e, de imediato, mandar um agente lá. A porta de entrada adequada não é o Ministério Público. O Ministério Público tem que agir num segundo momento, depois que for constatada a denúncia como verdadeira. Aí entra, sim, o papel do Ministério Público. Isso já foi tema de debate interno aqui no Ministério Público por diversas vezes.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) - E nem pode ser imediato, porque vai para um call center primeiro para, só depois, ir para vocês, como é que vai ser de imediato? Vai lá primeiro, para depois retornar.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - É verdade.
De repente, por que não também... É um canal já bastante divulgado o Disque 100. Então, por que não - não sei se é possível - tentarmos repensar o formato como é implementado esse Disque 100? Ele já é um número conhecido; é um número muito útil, por mais que tenhamos muitos casos que são denúncias falsas, os poucos que são verdadeiros já justificam a sua existência. Então, por que não tentarmos aperfeiçoar esse serviço? E, no caso, também me coloco à disposição para, de repente, debater mais esse tema.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Concordo. Só não pode ser é em um call center de Brasília!
Não aumentou mais um 9 no celular? Conforme o número do usuário, foi aumentado o dígito 9. Primeiro, foi no Espírito Santo, que tinha mais; depois, aumentou o dígito 9 em São Paulo. Aí foram vindo os outros Estados, com mais o dígito 9 na frente do número. Assim, o Disque 100 de São Paulo poderia ser Disque 100 mais 1; o Disque 100 do Espírito Santo seria Disque 100 mais 3; e assim por diante, para você trazer para dentro do Estado e aproveitar esse 100 que você está falando aí.
Particularmente, o 100 me soa muito... Eu sou filho de uma família muito pobre. O meu pai era relojoeiro do interior da Bahia, Você imagina! Lá só havia umas quatro pessoas que tinham relógios quando meu pai era relojoeiro. Meu irmão e eu, quando íamos pedir algo a ele, falávamos: "Pai, me dá cem..." - isso para comprar um doce ou qualquer coisa assim. E ele dizia: "Sem ele tu fica". É a mesma coisa desse Disque 100. Você disca 100 e sem ele tu fica. Não é?
O procedimento é tão burocrático e, quando chega... É igual ao 0800 que foi criado para a CPI dos Maus Tratos. "Amigo, não divulgue mais o 0800" - eu já falei. Não divulgue, porque o que chega de denúncias de desafetos políticos um dos outros... Ou seja, querem usá-lo para você atacar o adversário dele. Então, não divulguem isso!
"Ele quer vir à CPI?" "Quer." "Tem uma denúncia? Já registrou? Já foi à delegacia? Tem boletim de ocorrência?" "Tem". Tem? Está agarrado lá?" Está." "Onde é que está?" "Então vem para cá". Está certo? Mas essa história de você ir para o 0800 é o que você está dizendo aí: vem uma enxurrada de denúncias, que demora a vir... E o cidadão não sabe disso.
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E o perverso é isso, porque o sujeito de bem que faz a denúncia fica esperando; ele acha que disca 100 e é na mesma hora, igual ao 190, que é local, é no Estado, cai na polícia local. Mas o 100, não. Então, eu concordo que se aproveite o número e tal, mas é preciso ser...
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Aperfeiçoado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Altamente.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Concordo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Altamente, com PhD, porque...
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Sem dúvida.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Do jeito que está, é um engano.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - É ineficiente. Funciona em alguns casos, mas poderia funcionar bem melhor.
Bem, retomando aqui...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Desculpe, viu?
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Imagine, Senador. Acho que é tudo para trazer maiores elementos para o nosso debate.
Outra questão que é muito importante, e eu acho que também é uma sugestão para uma proposta legislativa que poderia ser aproveitada nesta CPI, diz respeito àquela situação em que o abuso sexual ou os maus-tratos são praticados pela própria rede protetiva. Vamos lá colocar... Os abusos sexuais praticados por integrantes da própria unidade de acolhimento, que são os abrigos; por integrantes de escolas, por educadores de escolas; em creches; em UBSs. Infelizmente, isso acontece, e acontece com uma certa frequência. E quem pratica um delito, uma violação de direitos contra uma criança ou um adolescente, se valendo dessa condição de trabalhar numa creche, de trabalhar num abrigo, de trabalhar numa escola, numa UBS, se valendo dessa função - porque está em uma função privilegiada -, a atitude dele, a conduta dele é mais grave do que a do abuso praticado em outras circunstâncias. Portanto - é a sugestão que eu faço -, quem pratica esse tipo de crime se valendo dessa condição de estar dentro de uma rede protetiva, como uma creche, uma escola, um abrigo... Tem que haver um aumento de pena para o abuso praticado nessas circunstâncias. Por quê? Não é possível que ele seja tratado de uma forma igual a uma pessoa que pratica um abuso na rua ou um abuso em casa. Ele está na função de proteger. Ele se vale dessa circunstância para ter acesso à vítima, e uma acesso com confiança. E aí somos nós, Estado, que estamos ali chancelando aquele abuso indiretamente.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Até porque é crime premeditado.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Porque o pedófilo... Não existe pedófilo de uma criança. Quando ele é pego, ele é revelado. Pode investigar que você vai achar um histórico de sofrimento por trás desse indivíduo. E, quando ele procura ir para uma creche, para uma escolinha de futebol, de natação, seja lá o que for, ou até para o sacerdócio, ele já é criminoso. Ele foi para lá para se esconder atrás da atividade, porque a atividade permite e lhe dá proteção. Então, é um crime premeditado.
Quando, na CPI da Pedofilia, eu prendi um monte de padre - houve uma leva de padre, bispo, monsenhor -, lá em Alagoas, e prendi em uma sexta-feira oito pastores só no Maranhão, eu digo a você: apreendi os pastores? Apreendi. Os caras eram abusadores de criancinhas, os padres também. Mas, vejam, eu não prendi nem padre nem pastor; eu apreendi criminosos, que se esconderam atrás do sacerdócio para abusar de criança. Porque padre não abusa de criança; padre que é padre cuida de família. Pastor que é pastor, a vocação dele é sacerdotal. Então, esses são criminosos que foram para a atividade... E o sujeito que vai para uma creche e depois é pego abusando de criança... Foi um crime premeditado. Ele foi para lá para isso.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Sem dúvida. E por isso eu entendo que tem de haver um aumento de pena nesses casos. E fica uma outra sugestão de proposta de alteração legislativa.
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Um outro problema que eu gostaria de trazer, Senador, é o abuso sexual praticado dentro de aldeias indígenas. Nós temos um caso que tem ocorrido com frequência, e até por uma questão de sigilo não vou poder revelar o local exatamente, isso pode eventualmente ser solicitado pela CPI, a quebra de sigilo, se assim entender necessário, mas uma grande dificuldade que temos enfrentado... E a Drª Domitila também acho que tem alguns casos, que chegaram para ela no Sanctvs. A grande dificuldade que nós temos é o abuso praticado dentro da aldeia, por índios. E tem sido alegado por eles, em sua defesa, que isso é uma questão de natureza cultural.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - É arte... Que isso é uma questão de natureza cultural, antropológica e que deveria ser respeitado. Nesse caso, foi feito um estudo antropológico, tudo, e foi demonstrado justamente o contrário: não tem nenhuma... Não foi demonstrado, pelo menos nesse processo, nenhum fundamento para dizer que, dentro da cultura indígena, isso é algo comum ou algo aceitável.
Por que eu estou trazendo esse fato? A grande dificuldade que nós temos para combater exploração sexual dentro de aldeia indígena é entrar na aldeia indígena. Por quê? Aqui, no nosso caso, foi necessária uma ação civil pública, o MP Federal entrou com uma ação civil pública para obrigar, ou melhor, para se permitir que a polícia pudesse entrar dentro da aldeia e fazer a ronda dentro da aldeia, sendo que é uma aldeia que fica dentro da cidade de São Paulo e havia um crime em flagrante acontecendo. E a polícia não podia entrar.
Alguma sugestão que eu posso fazer é... Não tem como, não sei, teríamos que pensar qual seria a sugestão. Estou trazendo um problema, na verdade, Senador. Na verdade, não parei para refletir que possível solução há, mas é um problema que poderia ser mais bem debatido, essa questão do abuso sexual praticado pelos índios dentro da aldeia, que se valem dessa condição de índios como estratégia de defesa para continuar praticando.
Acho que o colega da Corregedoria de Justiça...
O SR. GABRIEL PIRES DE CAMPO SORMANI - Perdoe-me a intromissão.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Claro, pois não.
O SR. GABRIEL PIRES DE CAMPO SORMANI - É que eu achei que era um momento importante para pegar o gancho, a partir do momento que o doutor - e o parabenizo desde já pela palestra - mencionou a dificuldade de acesso à aldeia e da aplicação da lei nacional.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Desculpe-me, estão pedindo que o senhor se identifique, por gentileza.
O SR. GABRIEL PIRES DE CAMPO SORMANI - Meu nome é Gabriel Pires de Campo Sormani. Sou Juiz de Direito aqui em São Paulo. Atualmente estou convocado na Assessoria do Corregedor-Geral da Justiça.
Acredito que falarei mais tarde, mas agradeço desde já a honra de estar aqui, já me estendendo na minha introdução. Agradeço ao Senador Magno Malta, ao Senador José Medeiros e ao Ministério Público do Estado de São Paulo. O gancho que eu queria pegar na sua fala, que escapa um pouco da questão da pedofilia mas entra, no meu entender, na questão dos maus-tratos a crianças, é a questão de, em algumas aldeias, não aqui, no Estado de São Paulo, mas em lugares mais afastados do Brasil, na Amazônia, parece-me, haver povos menos aculturados que, diante da situação de nascerem bebês gêmeos ou nascerem bebês com algum problema de saúde, assassinam esses bebês; esses bebês são mortos pela aldeia, por entenderem, no caso dos gêmeos, que há um espírito que é maligno e outro que não é, e, como não sabem qual é, matam essas crianças.
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Existe - e já me foi relatado por policiais federais, por delegados federais que trabalharam nessa região -, às vezes uma dificuldade junto à Funai para que esses policiais façam o serviço deles de proteção à vida desses bebês. E, muitas vezes - já ouvi relatos de delegados federais que trabalharam nessa área -, a mãe da criança - e, então, a alegação cultural é vazia - quer, sim, sair e salvar a vida dos seus filhos, e até nisso às vezes ela encontra algumas dificuldades.
Esse debate eu não quero colocar de maneira simplista, mas me chama a atenção quando a gente levanta esse tópico e algumas pessoas desqualificam essa situação, minoram esse problema, dizendo que: "Ah, isso é uma questão cultural e nós temos que respeitar". Espera aí: é território nacional, assassinato de bebê. Isso eu acho gravíssimo e fico realmente estarrecido quando vejo - e já ouvi isso de colegas - que optam por uma saída, digamos, politicamente correta de escapar do ataque frontal ao problema e dizer que isso é uma questão cultural.
Era apenas esse gancho que eu queria pegar na sua fala, e me perdoe a intromissão novamente.
Muito obrigado.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Imagina, Dr. Gabriel. Perfeito o acréscimo feito. É um problema realmente que existe. Não o havia levantado aqui, mas é fato. Também já tomei conhecimento desse fato, em razão de ter atuado em outros casos envolvendo aldeia indígena. É um outro problema que também tem que ter um olhar atento por parte do Judiciário, do Ministério Público e do Senado Federal.
E, só complementando, Senador, nesse caso dos abusos sexuais ocorridos dentro da aldeia, a Promotoria entrou com uma cautelar de afastamento do agressor, para proibir que o índio que abusava de uma criança - não de uma, mas abusava de cinco, seis, de várias crianças dentro da aldeia -, para impedir que ele se aproximasse das vítimas - é o art. 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Só que essa medida, simplesmente, o oficial de justiça, quando chegou lá, não conseguia entrar lá para cumprir, para intimar o índio, porque eles alegavam que era território indígena, e o oficial tinha medo de ter alguma repercussão contra ele, o que é compreensível. Houve determinação, acho que foi da Drª Domitila, até nesse caso de afastamento do agressor também dentro do Sanctvs, e, em alguns casos, simplesmente não foi cumprida. A Funai foi comunicada e a Funai também se colocou até a favor, e falou: "Realmente tem que ser cumprido", mas eles mesmos não sabem, a própria Funai não sabe como agir nesse caso.
E hoje nós temos a seguinte situação, Senador: nós temos uma ordem de afastamento, uma ordem judicial de afastamento, que é simplesmente ignorada. E a alegação para o descumprimento disso é o fato de estar dentro de uma aldeia indígena. E isso não pode ser utilizado como defesa nem como justificativa para violação de direitos de crianças e adolescentes, quer sejam brancos, quer sejam indígenas.
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Por fim, Senador, quanto ao que foi levantado em relação à capacitação dos Conselhos Tutelares, eu também faço coro com V. Exª. O art. 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como requisitos para ser conselheiro tutelar somente para lembrar:
Para a candidatura a membro do Conselho [...], serão exigidos os seguintes requisitos:
I. reconhecida idoneidade moral;
II. idade superior a vinte e um anos;
III. residir no Município.
Ponto final.
Quem faz a fiscalização da eleição do Conselho Tutelar é o Ministério Público, em especial a Promotoria da Infância da comarca. Certa oportunidade, nós decidimos colocar uma prova para exigir, pelo menos para ver se sabiam escrever, porque uma das mais importantes coisas que o Conselho Tutelar faz é tomar conhecimento da situação, ajudar a criança e apresentar um relatório para o Ministério Público, para o Judiciário, para Polícia. Se esse conselheiro não souber colocar no papel o que constatou, vai dificultar muito e vai prejudicar muito essa criança.
Então, é de conhecimento nosso que algumas legislações municipais colocam outros requisitos para ser eleito conselheiro federal, só que a legislação federal, que é a principal, que regulamenta a matéria, não prevê nada. E aí a gente depende da iniciativa das Câmaras de Vereadores de cada Município para regulamentar.
Então, considerando que um conselho tutelar ineficiente, um conselho tutelar que não é capacitado... E aqui não coloco culpa nos conselheiros tutelares; eles têm muita boa vontade, só que muitos deles não sabem como fazer, como proceder. Eles querem orientação, buscam essa capacitação, só que isso deveria ter sido verificado antes do ingresso deles, pelo menos no meu entendimento.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - No meu também. Acho que, para você ser candidato a conselheiro tutelar hoje, a motivação é o salário. E, no Brasil inteiro, no interior, quem faz a campanha do conselheiro tutelar, para ganhar no bairro, é o Vereador, porque ele se torna o cabo eleitoral dele.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - É a porta de entrada.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Exatamente. Então,...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Claro.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Me desculpe.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Claro, fique à vontade.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - É a primeira vez que eu participo de uma CPI.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Eu também. (Risos.)
Somos dois.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Agora que a gente entende que realmente o tempo vai passando, passando, e a gente não se cansa. Deixe eu aproveitar esta oportunidade, Senador, porque com relação a... Eu não vou insistir naquela questão da mudança da lei. Quanto a isso, a gente pode conversar, até porque eu sei que existem várias dificuldades.
Eu só queria falar sobre essa questão do Conselho Tutelar e aproveitar a Fernanda, do Centro de Apoio, está aqui, para que a gente eventualmente, eu pudesse conversar com algum assessor dos senhores para tratar da questão do art. 258 do ECA, que diz respeito à questão da fiscalização.
(Intervenção fora do microfone.)
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Quanto à questão dos bailes funk, adolescentes com 10, 11 anos vão para esses locais, e não há nenhum tipo de fiscalização.
Mas, com relação ao Conselho Tutelar, eu não posso perder esta oportunidade. Em São Bernardo do Campo, a lei municipal... Cada Município faz a sua lei, mediante uma sugestão. Na lei municipal, o CMDCA, quando fez o edital, procurou desvincular o conselheiro tutelar da atividade político-partidária. Veja bem, a Constituição proíbe que o juiz e o promotor exerçam atividade político-partidária, e mais ninguém.
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Quanto ao conselheiro tutelar, é claro que ele tem direito de se filiar a partido político. No entanto, a partir do momento em que ele se dedica, em que ele se incumbe de ser conselheiro titular, ele não pode ter atividade político-partidária, porque subentende-se que ele não tem isenção para atuar.
Um exemplo concreto: foi decidido, em São Bernardo, que o conselheiro que recebesse apoio de partido político teria a sua candidatura impugnada. Ou, eventualmente, se fosse eleito, ele perderia o mandato.
Há o caso de uma pessoa aqui: ela denunciou uma outra pessoa, que teria recebido o apoio de um vereador. Portanto, essa pessoa que recebeu o apoio do vereador foi desqualificada do processo eleitoral. E essa pessoa que denunciou foi eleita como suplente. Ela acabou assumindo o cargo de conselheira tutelar, ela ficou três meses no cargo de conselheira tutelar, e imediatamente pediu desincompatibilização, para concorrer ao cargo de vereadora.
Ninguém é obrigado a ser conselheiro tutelar, mas ele precisa ter isenção político-partidária. Ele não pode... Por exemplo: qualquer funcionário público pode pedir afastamento, para concorrer a um cargo de vereador, deputado, etc. O conselheiro tutelar não deveria fazer isso, porque ele tem um mandato por um período determinado - são quatro anos, por mais quatro, eventualmente, se ele for reeleito -, e é o fim da picada que ele saia do Conselho Tutelar, e assuma um suplente que não tem nenhuma capacitação, para concorrer a cargo público. Eu queria que isso...
Desculpem-me. Não é o caso da CPI, mas eu peguei o gancho e...
(Intervenção fora do microfone.)
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Eu vou insistir, Senadores, com a autorização do Centro de Apoio, evidentemente.
Nós estabelecemos um pequeno texto. Para nós, a questão do art. 258... Por exemplo: baile funk. Hoje, você não tem um agente que possa fiscalizá-lo. Nós, em São Bernardo, temos que pedir para a polícia, porque o Conselho Tutelar entende, com as razões dele - e eu não acho que ele esteja errado -, que não é função do Conselho Tutelar verificar se numa casa, numa boate, existe adolescente. Eles entendem que isso não é atribuição deles.
Mas, enfim, isso precisa ser... (Fora do microfone.)
(Intervenção fora do microfone.)
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Eu só vou pedir licença para nós mandarmos essas propostas, porque... Por exemplo: a pena para quem deixa adolescente entrar numa boate é uma multa... Aliás, que está no ECA em "salários de referência". Sequer está em salário mínimo. Salário de referência é uma coisa insignificante. Então...
A questão, também, do art. 149... Se uma criança de dez anos, sozinha, quiser assistir a um filme, ir até o cinema e assistir a um filme pornográfico, ela pode. Veja bem: o Estatuto da Criança - é numerus clausus -, taxativamente, diz ao juiz o que ele pode ou não regular, em termos de ingresso de adolescente ou criança desacompanhados do pai e da mãe. Um adolescente de 12 anos, se o promotor de um baile não tiver alvará do juiz da infância para permitir que o adolescente desacompanhado entre, o adolescente não vai poder entrar, sob pena de o promotor do evento praticar a infração do art. 258. No entanto, os cinemas, por exemplo, são meramente classificativos. O adolescente pode, uma criança de dez, 11 anos, pode entrar no cinema, ainda que haja lá a placa "impróprio para menores de 18 anos" - eu não sei como é que é a...
(Intervenção fora do microfone.)
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ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Então, assim, é uma questão também que o juiz da infância deveria ter o poder de regulamentar o acesso de criança e adolescente, desacompanhado dos pais ou dos responsáveis, em cinemas, teatros, exposições e por aí afora. Isso ainda não é objeto de regulamentação do Estatuto.
O SR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Concordo. Assino embaixo.
Senador, só para concluir minha fala, porque já me estendi demais, em relação a essa questão de uma capacitação do Conselho Tutelar, ao meu ver é plenamente justificada a intervenção, eventualmente, desta CPI numa alteração legislativa sobre os requisitos para candidatura a membro do Conselho Tutelar, porque o art. 131 do Estatuto diz: "O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei".
O que significa? Se nós não tivermos um Conselho Tutelar capacitado, ele é o órgão, definido pelo Estatuto, para defender os direitos da criança e do adolescente. Se nós não colocarmos um conselheiro capacitado com os requisitos mínimos, nós não estaremos protegendo a criança e o adolescente. Eram essas as ponderações que eu gostaria de fazer.
Ao meu ver, em razão disso, justifica-se plenamente uma alteração do Estatuto nesse sentido, para que a norma geral, que é a legislação federal do Estatuto, tenha previsão expressa sobre quais os requisitos mínimos para ser conselheiro tutelar? E desse modo, não fiquemos sujeitos à iniciativa das respectivas Câmaras Municipais, que em alguns Municípios fazem e em outros não, uma regulamentação sobre os requisitos mínimos. Poderia vir a previsão alterando-se o Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa seria minha última sugestão.
Eu agradeço a oportunidade, o convite que me foi formulado, e peço desculpas por haver me estendido além do tempo que havia sido inicialmente concedido. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não precisa pedir desculpas, doutor. Eu lhe dei quinze minutos e o senhor gastou só treze, não é? Então ainda tinha dois de quebra.
Eu passo a palavra ao Relator, Senador José Medeiros, que, certamente, tem algumas questões formuladas aos nossos debatedores sobre o tema posto.
Senador José Medeiros, V. Exª tem a palavra.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Meu bom dia a todos. Cumprimento os convidados e vou direto para as perguntas. Passarei aqui para o Dr. Mário Sérgio Sobrinho e as lerei para quem está nos assistindo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Ah! sim. Então, com a anuência do Presidente, a gente ouve a Drª Margareth e depois passamos às perguntas.
Com a palavra a Drª Margareth Ferraz França, Promotora de Justiça que instalou o Santos.
A SRª MARGARETH FERRAZ FRANÇA - Bom dia a todos. Peço desculpa. Passei por maus-tratos no trânsito, duas horas e 45 minutos para chegar aqui. Então, peço perdão por pedir esse aparte aqui, porque vi que a juíza com a qual eu trabalho já se ausentou e eu terei de ir para a audiência.
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Agradeço o convite, Excelências, Senador Magno Malta, Sr. Senador José Medeiros e demais presentes.
Infelizmente, não participei do início dos trabalhos. Integro...Integrei, até um mês atrás, o anexo judicial especializado em crimes contra crianças e adolescentes. Nesse um ano e meio...Só da cidade de São Paulo. Então, nós estamos com uma experiência bem rica. Só para termos um dado. Na cidade de São Paulo, em 2016, foram registrados mil BOs de estupro de vulneráveis. A gente está falando só desse crime, que envolve crianças e adolescentes.
A maior demanda que tive, como Promotora dessas famílias de vítimas crianças e adolescentes, era com relação à demora na apuração dos fatos. Além dessa demora na apuração dos fatos, elas também ficavam angustiadas de ter de repetir tudo o que falaram para uma autoridade policial, mas não se sabe em que tempo. A gente tem o tempo do inquérito policial e depois de um processo judicial.
A minha propositura para V. Exªs, no que se refere à Casa legislativa, é se poderíamos pensar numa forma de não revitimização dessas famílias, que têm de repetir não só lá para o delegado, quando fazem o boletim de ocorrência, mas no hospital em que vão fazer o exame de corpo de delito, depois no atendimento psicológico envolvendo essa rede e depois, ainda, chegar à sujeição da apreciação do promotor para, se for o caso, se a gente tiver elementos que nos autorizem, começar uma ação penal.
Hoje, com a vanguarda das casas legislativas, a gente terá, para o ano que vem, a entrada em vigor da Lei 13.431, que estabelece e padroniza oficialmente o depoimento especial. Um dos princípios ali é o da não revitimização da criança e do adolescente quando está numa situação de violência sexual.
Essa ideia, esse depoimento especial, essa não revitimização, vêm de um sistema legal americano. Foi trazida por uma ONG americana, junto com observações do sistema legal brasileiro. Eles dão como dados para nós que em 90% dos casos não vão para julgamento perante o juiz porque nesse País, nos Estados Unidos, há o plea bargain, que é o acordo judicial. Então, com base nas provas feitas, lógico, seguindo todas as garantias constitucionais no inquérito policial, se pode, diante de um investigado, fazer um acordo - lógico que com um advogado analisando, respeitando todos os direitos constitucionais - e não ter de chegar a uma judicialização daquele evento que envolveu essa criança e esse adolescente.
Nós percebemos, inclusive, nesses processos que estão em andamento, que há uma grande parcela de réus que, quando chegam ao interrogatório, confessam. Então, nós questionamos: se o réu já queria confessar, já queria se submeter a uma sanção, porque reconhecia a sua conduta, por que tivemos que repetir, quando se trata de uma vítima criança ou adolescente, todas essas provas? Sem dúvida alguma, estamos bem cientes do princípio do contraditório e da ampla defesa, mas eu acho que nós poderemos avançar nessa questão, porque o Brasil já aceita a transição penal para alguns outros delitos. Eu não vejo óbice de nós não avançarmos em alguns outros e que demandam essa atenção especial.
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Se nós pudéssemos pensar ou talvez criar essa hipótese para crimes contra criança e adolescente, eu acho que nós atenderíamos muito a essa questão de não revitimização, de colocar, porque nós não temos - nós, promotores -, como não levar uma vítima ou testemunha criança ou adolescente para uma sala de audiência, porque, de certo modo, ele vai colaborar com a apuração dos fatos. E como eu tenho que repetir, hoje, por norma constitucional, isso em juízo, as famílias não entendem. Elas ficam angustiadas. "Ah, mas ela já não falou? Nós já não falamos? Por que eu tenho que ir?"
Então, eu gostaria de fazer essa colocação...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª MARGARETH FERRAZ FRANÇA - Não, e nós temos a situação em que o réu quer confessar. O réu, inclusive, quer já ter uma decisão, em que ele poderia até ser beneficiado. Hoje, para qualquer tipo de molestamento, que nós falamos, a pena mínima é de oito anos, quando envolve criança e adolescente. Ora, se um réu, já querendo antecipar essa questão, já querendo solucionar isso, ele poderia até ser beneficiado também, com um eventual acordo antes do início da ação penal. Acho que nós temos várias consequências pró-vítima criança e adolescente, assim como para o réu também. Não haveria... Acho que há até mais benefício para ele, de certo modo, do que para... Mas eu acho que é um tema que nós podemos aprofundar, inclusive com a participação dessas famílias de vítimas, junto ao MP, nessa hora da elaboração do acordo, porque geralmente envolve também as relações familiares.
Às vezes a família não quer que aquele agressor, que também é um parente, um ente querido, sofra maior sanção, porque isso vai mais desestruturar do que o contrário.
E a outra questão que eu quero trazer aqui para V. Exªs é com relação ao confronto genético, questão de exame de DNA, porque nós temos a seguinte situação: qualquer notícia de abuso sexual, a minha vítima, criança ou adolescente, é submetida a um exame sexológico, independentemente de ter sido noticiado um trauma que deixe vestígios. Ela vai passar, sim, por um exame sexológico.
Isso não acontece com o investigado. Quer dizer: essa vítima, de certo modo, porque é uma ação pública incondicionada, vai se submeter a um exame, e o réu, hoje - na realidade, nós não temos nenhuma decisão em contrário -, só vai fornecer um exame para confronto genético se for voluntário. E, nesse ponto, eu quero dizer a vocês que, em outros países, também avançados, em que se respeitam os direitos humanos, isso é possível, se não for voluntário, mediante ordem judicial. São as mesmas questões que você já tem. Se a gente já tem a liberdade como o maior direito que a gente tem que defender, e ela só é restrita com uma decisão judicial, e outros direitos constitucionais também, o asilo inviolável da casa, o nosso sigilo da rede de comunicações, todos esses são restritos por uma decisão judicial fundamental, penso eu: por que não no confronto genético? Caso o investigado não seja, não queira fornecer o material voluntário, por que não mediante ordem judicial também, no mesmo paralelo de exceção aos direitos constitucionais fundamentais? E a gente tem...
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E por que isso se faz necessário? Também pela não revitimização. Quer dizer, se essa criança já foi submetida a um exame que deu positivo para um sêmen, que deu positivo para algum outro vestígio ali, eu ter um exame que me leve à conclusão de que aquele investigado é o autor do fato, eu não vou precisar ouvir essa criança, eu não vou precisar submeter essa criança a um processo judicial.
Então eu acho que são essas as minhas duas proposituras, contando com a colaboração dos senhores.
Agradeço de novo. Que vocês tenham excelentes trabalhos e uma construção ímpar na proteção integral das crianças.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu agradeço, doutora, esse debate do depoimento sem dano. Aliás, a gente agradece muito ao Ministério Público do Rio Grande do Sul. Os promotores colegas de vocês lá começaram uma coisa que já não era nova nos Estados Unidos e tal. E é uma coisa que realmente é tocada pelo NCMEC, falado aqui mais cedo.
E que nós precisamos realmente avançar, porque essa revitimização das crianças... Ela dá depoimento minimamente onze vezes num caso. Onze. É coisa demais para uma criança repetir a mesma coisa o tempo inteiro e tal, quando poderia ser só aquele ali, numa sala preparada para depoimento sem dano, com um psicólogo juramentado, preparado para o depoimento sem dano. E essa é a nossa visão. Acho que a senhora colocou aqui, e nós vamos...
Esse já é o debate para dentro, mas esse outro viés de você discutir a pena e discutir antes o problema sem passar por esse processo de anos e anos, revitimizando a criança, no sentido de você fazer acordo até em alguns casos. Eu vi poucos casos, mas a senhora deve ter visto mais. Vejo mais casos em que o abusador quer correr do fato, principalmente quando ele pode pagar advogado. E ele quer correr, quer desmentir, que a culpa não foi dele.
E há casos de advogados de aberração. Há um caso de um tribunal de Goiás em que o desembargador soltou o prefeito bandido dizendo que a culpa era da criança, que foi a criança que foi provocar o indivíduo. Mas depois eu descobri que aquela sentença valeu 200 mil.
Mas a gente evita esse perigo, esse sofrimento da criança abusada na infância, vira adolescente e não viu o processo se desenrolar. Alguns viram adultos e não veem o processo se desenrolar. Fica um sofrimento para todo mundo, e a Justiça só tomando tarja de morosa, de que não toma providências. Eu acho muito bem-vindo, nós vamos discutir isso sim.
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A SRª MARGARETH FERRAZ FRANÇA - Obrigada, Agradeço a todos.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Nós não encerramos não, vocês precisam responder o que falaram aqui.
Agora é a inquirição.
O senhor pode voltar.
Ao Dr. Consenzo é só uma pergunta e daí o senhor está liberado - e, aí, não é o Relator, sou eu que vou perguntar: tem comida?
O SR. JOSÉ CARLOS CONSENZO - O Dr. Vidal está pronto para nos acompanhar.
Já está pronto. Nós vamos almoçar em nosso restaurante que fica a 200 metros daqui.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Declarado inocente, está dispensado.
O SR. JOSÉ CARLOS CONSENZO - No tempo quem manda são os senhores.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Bem, vou direto às perguntas, o tempo já está avançado, todos os nossos promotores aqui, com certeza, têm audiência ainda e já devem estar agoniados para ir.
E algumas perguntas que já foram respondidas aqui, nós vamos... Os convidados podem até passar por elas.
Por exemplo, a primeira que eu vou fazer aqui é para o Dr. Mário. Poderia nos dizer os lugares em que os adolescentes conseguem, com mais facilidade, bebidas alcoólicas? Creio que foi bem repisado esse assunto aqui, mas também fique à vontade se quiser responder.
Segunda pergunta. Qual das novas drogas é a mais procurada pelos adolescentes hoje?
Terceira. Das novas drogas, quais os adolescentes conseguem com mais facilidade? Isso aí incluindo álcool e tudo.
Existe mesmo a droga com efeito zumbi? Faço essa pergunta aqui porque de vez em quando sai nas mídias, principalmente nas mídias sociais: "Ah, surgiu a droga tal, faz isso, faz isso". Mas a gente quer saber justamente de quem trabalha na ponta com essas demandas.
Quinto. Existe ocorrência de uso indevido de álcool ou droga por crianças e adolescentes indígenas?
Sexto. Existe denúncia de uso de droga ou álcool em abrigos ou instituições semelhantes?
Sétimo. A Câmara dos Deputados, esta semana, está discutindo o consumo indevido de energético por adolescentes. Alguns energéticos são servidos e não se sabe a origem e a procedência. Há alguma linha de investigação nesta área?
Oitavo. Quais as ações do Ministério Público de São Paulo sobre o uso do consumo de narguilés por adolescentes?
E a última. Se o senhor pode nos falar sobre a ocorrência de automutilação e suicídio em crianças e adolescentes que consumem álcool e drogas? Se o senhor tem notícia disso.
Com a palavra o Dr. Mário.
O SR. MÁRIO SÉRGIO SOBRINHO - Agradeço ao Senador pela oportunidade de voltar aqui para falar alguma coisa sobre o tema Drogas e Álcool.
Basicamente estamos aqui nos defrontando com a questão do álcool como a droga de maior consumo, de maior prevalência e que é mais acessada e acessível à população. Uma droga lícita, todos nós podemos comprar, mas o adolescente, fazendo uso, adquirindo, torna-se contrário à disposição legal.
Então, o álcool é a droga de maior prevalência, sem dúvida alguma.
As novas drogas, nós temos notícias das drogas sintéticas como aquelas que estão sendo procuradas pelos jovens, como um todo, especialmente nesses episódios de festas de longa duração.
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Sobre a questão que ele coloca aqui, a pergunta do "efeito zumbi", eu também só tenho notícia, Senador, pela imprensa de algum tipo de substância que dá... Mas eu não tenho conhecimento a respeito de qual é a substância, de que tipo de efeito causa, para responder com tecnicismo e objetividade a sua indagação aqui.
Quanto à questão do uso do álcool em aldeias indígenas, que foi um dos temas que passaram aqui, por esta Bancada, nessa discussão, o álcool está muito difundido na população indígena. Eu não teria condição de responder se as crianças... Aqui, em São Paulo, nós temos duas ou três aldeias indígenas no Município de que eu tenho conhecimento, e, nessas aldeias, o acesso a ações de prevenção, ações de saúde é muito precário. Isso já foi colocado, inclusive, pelo colega Yuri ao fazer algumas indagações a respeito da questão do abuso sexual que ocorre em ambientes de aldeias indígenas.
O álcool, as drogas entram, inclusive, ilicitamente, em ambientes prisionais. E também não seriam as instituições que abrigam crianças e adolescentes ambientes livres, embora devessem ser um ambiente no qual a droga, o álcool ficasse muito controlado, restrito e afastado, mas sabe-se que acontece.
Quanto à questão do uso do energético, a minha experiência... Fora do Brasil, existem estudos, Senador, mostrando que a associação do energético com bebida alcoólica facilita e estimula o consumo do álcool. É preciso que haja uma regulamentação. Até na questão da bebida alcoólica, a gente tem notícia da bebida alcoólica paralela, que não é produzida pela indústria do álcool e está sendo consumida e difundida em larga escala, inclusive nas festas nas ruas. Fala-se muito do chamado vinho químico, não é, Senador? Dizem que o vinho químico é uma composição altamente concentrada de etanol mais uma groselha ou um corante que se torna barato, mas é altamente tóxico e capaz de causar danos sérios à saúde das pessoas.
Quanto à questão do narguilé, também há estudos que falam sobre a exposição: a pessoa que usa esse aparelho para fumar o tabaco, uma substância lícita, está muito mais sujeita a danos à saúde, porque não há um filtro, uma contenção. Estamos presenciando, nas cidades do Brasil, a instituição ou a criação ou a instalação de casas ou salas nas quais se faz consumo dessa forma de tabaco, o que, para mim, é algo que não está dentro da cultura brasileira, mas que está sendo importado, trazido com uma certa ampliação. Então, eu acho que a situação é preocupante, e é importante saber a respeito das substâncias que são utilizadas, do meio, do uso por adolescentes e menores, além da questão do tabaco para crianças e adolescentes, cujo fornecimento o próprio ECA regula e proíbe o fornecimento.
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E também essa questão chamada aqui da automutilação e do suicídio por crianças que abusam de álcool e drogas é uma questão da qual eu não tenho exato conhecimento. A gente sabe pela imprensa sobre algumas disputas que são feitas, games, pela internet, que têm sido preocupantes para a sociedade. E nós estamos bastante interessados nisso. O Ministério Público tem um setor que cuida da parte de crimes cibernéticos aqui na Procuradoria, mas eu não tenho ainda chegado a esse tipo de conclusão.
Mas eu queria enfatizar a questão do álcool, a maconha também como uma droga de grande prevalência no ambiente estudantil, na juventude como um todo, e a necessidade de prevenção às drogas com trabalhos que possam fazer com que as crianças e adolescentes estejam protegidos dos fatores de riscos e estejam mais ligados a fatores que previnam o uso dessa substância.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado, Dr. Mário.
Vamos passar às perguntas para o doutor...
O SR. DR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Posso, desculpe... Posso fazer uma complementação só?
Em relação a álcool nas aldeias indígenas, álcool e drogas nas aldeias indígenas, nós temos uma experiência que gostaria de compartilhar. Nessa aldeia, por acaso, que foi mencionada agora há pouco relativa a abusos sexuais, nós temos uma incidência muito grande de álcool e drogas, principalmente drogas, drogas essas que entram por meio de participação inclusive de uma organização criminosa, por nós conhecida, que é o PCC. Eles estão se valendo dos índios ali para também fomentar o tráfico de drogas dentro da aldeia.
Isso é um problema que tem acontecido, foi constatado nessa aldeia que eu mencionei. O problema do álcool é recorrente, sim, entre os índios. E eu falo isso por experiência em algumas aldeias no sul da Bahia, que têm esse problema. Nas aldeias daqui também, é algo de certa forma frequente o abuso de álcool...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - No Amazonas todo dia há suicídio de índio, todo dia... Álcool, álcool. Quando se trata de infanticídio, de matar criança, é cultura, mas índio não nasce da mesma cachaça, mas cachaça pode e droga. Seria cultural se eles ... Ninguém nasceu mamando cachaça...
O SR. DR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - A polícia entrar dentro da aldeia não pode, não é?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É de uma contradição infernal isso. Você não pode entrar, a Igreja Católica não pode entrar para fazer catequese, falar de bons costumes. Nenhuma outra pregação, seja evangélica, não pode, porque não pode mexer na cultura deles. Mas eles já nasceram bebendo cachaça? Isso faz parte da cultura?
É um negócio de maluco isso.
O SR. DR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Em relação a automutilação e suicídio, os dados que eu tenho dizem respeito a abuso sexual, que uma das consequências do abuso sexual é a automutilação e suicídio por parte de crianças e adolescentes.
Em relação a uso de álcool, eu não tenho esses dados.
São essas ponderações que gostaria de acrescentar.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Obrigado.
Agora, o Dr. Jairo Edward de Lucca, Promotor de Justiça, Presidente de Inquérito Civil, coordenou campanha "Cerveja também é álcool", que atualmente é coordenada por uma associação nacional.
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E aqui boa parte das perguntas que eu já tinha feito aqui ao senhor já foi respondida. Mas há uma pergunta aqui: o senhor tem identificado lobby contra essa campanha? Pode dizer quem são os protagonistas, quem protagoniza o lobby e de que forma? Meio que o senhor já respondeu também, mas eu gostaria que o senhor falasse sobre esse tema.
O SR. DR. JAIRO EDWARD DE LUCCA - Na verdade, essa Campanha "Cerveja também é álcool" foi apoiada por muita instituição séria, como o Instituto Alana; por aquela associação para o controle do tabagismo, a ACT; enfim, por esses conselhos todos que mencionei aqui para os senhores.
Existe um site chamado Migalhas, que cuida de artigos jurídicos, e fez uma nota ali, alertando para o Conselho Nacional do MP para que ficasse atento a um suposto ativismo do Ministério Público. É como se fosse um ativismo em que o Ministério Público, na qualidade de instituição cidadã, não pudesse propor uma discussão dessa.
Enfim, agora lobby contra... A imprensa, de um modo geral, principalmente a grande mídia... Houve uma emissora de televisão, se não me engano o SBT, que, quando a gente foi lançar essa campanha na Escola do Ministério Público e o Procurador-Geral ainda era o Dr. Márcio Dias Rosa, teria marcado uma entrevista com o Procurador-Geral, mas acabou cancelando no dia, segundo consta, segundo o pretexto de que a indústria é cliente, enfim.
Então, essa iniciativa jamais vai contar com a grande mídia. De qualquer maneira, a questão está muito mais complexa do que a simples televisão. É preciso um grande debate sobre a publicidade da bebida alcoólica no Brasil.
Eu vi, quando o Mário colocou ali, sobre colocar vedação, por exemplo, a esses relógios que ficam na rua, relógio públicos, em abrigos de ônibus... Por que tem de haver a propaganda da cervejaria ali? A troco de quê? Então, é preciso debater isso.
A gente entendeu que era o caso de a gente fazer essa campanha porque a Promotoria, o Ministério Público tem a obrigação de brigar, de lutar por uma causa que ele acredita justa. Evidentemente que essa é uma causa de longo prazo. Mas tenho certeza de que, se o Senado der atenção a ela e se ele quiser, pode convidar todas essas instituições, que depois eu mando para os senhores, que apoiam esta campanha de deixar claro que cerveja é bebida alcoólica. Portanto, a sua publicidade também tem que sofrer restrição.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado, doutor.
Só para contribuir com esse tema, Senador Magno Malta, em 2015, entrei com um projeto no Senado, principalmente preocupado com essa questão da publicidade, mas que se referia a bebidas açucaradas. A Organização Mundial de Saúde tem estudos que comprovam que o excesso de consumo de açúcar traz danos sérios para as crianças e é causa de doenças as mais variadas. Tais quais as bebidas alcoólicas, as bebidas açucaradas fazem uma maciça publicidade, e isso afeta diretamente as crianças. E eu propus um projeto de lei para que nas embalagens pudesse haver alguma mensagem, isso regulamentado pelo Ministério da Saúde, que pudesse pelo menos avisar que o excesso de consumo de açúcar traz prejuízo à saúde.
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Pois bem, para minha surpresa, quem foi contra o projeto e ajudou a derrubar o projeto no Senado, Senador Magno Malta, foi a Anvisa. E a Anvisa trouxe a fundamentação de que aquele projeto poderia trazer problemas nas parcerias comerciais do Brasil com o Mercosul, tendo em vista que iria mexer na questão dos rótulos.
Eu acho que, por todo o aparato que eu vi ali, o lobby foi muito forte das empresas. Mas a minha surpresa foi que justo o órgão que está incumbido, que deveria ter... Aliás, eu creio que isso não precisaria ser um projeto de lei, a coisa poderia ser a própria Anvisa a fazer, mas devido a não ter feito... Mas o próprio órgão foi contra a ter o poder. Enfim, meio que um absurdo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas é preciso ver lá na Anvisa o cara que assinou esse parecer, dando contra... Qual é a filiação partidária dele? Se você quiser eu falo.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Passamos direto ao Dr. Yuri. Vou passar para ele as perguntas. Várias delas já foram respondidas. O senhor pode pulá-las, em nome da celeridade do processo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Me permita, Senador.
Quando eu fui Deputado Estadual do meu Estado, a primeira lei que eu fiz foi uma lei estadual, proibindo posto de gasolina vender bebida alcoólica. Aí vieram todos para cima de mim, o mundo caiu em cima de mim. E, como sempre, eu gosto de guerra, sim. Fica todo mundo de um lado.
Mas me lembro que naquela ocasião para derrubar, no dia da votação, houve uma articulação dos mais influentes com os donos de distribuidoras. E cada Deputado levou 30 mil litros de gasolina para as suas campanhas, e derrubaram a minha proposta. E onde está a relação de bebida alcoólica com volante?
É outra coisa em relação a que temos que tomar providência? O cara para hoje, no posto de gasolina, e, enquanto abastece o carro, já sai bebendo de lá. O fundo do carro cheio...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Já sai com uma latinha.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Bom, é um problema dele isso aí. Mas sai com uma latinha na mão.
Mas evidentemente que posto de gasolina não é lugar de se vender bebida alcoólica. E nós precisamos comprar essa briga. Uma árvore só fica grandona se alguém um dia plantar uma semente. Se a gente se acovardar, e não plantar a semente, não haverá árvore mais tarde.
Então, acho que é o momento também de nós fazermos essa briga nacional. Quando se tomou essa providência de tirar a bebida alcoólica dos postos de gasolina e de estabelecimentos às margens da estrada, foi uma confusão, foi muito lobby, foi muito trabalho. Era muita gente circulando pelos nossos corredores. Mas de quem? Das grandes companhias mesmo.
Quanto custam 30 segundos, um minuto nos telejornais das maiores? Tudo acima de 350 mil o minuto. Aí ele vai barrar o cara só para deixar eu dar entrevista? É aquele problema lá. Chamou o procurador. Pelo menos, nem mentiram. Disseram: "O pessoal é anunciante aqui, não há como a gente fazer isso." Mas hoje existe uma rede que é maior que elas. Chama-se internet, rede social. Se nós provocarmos o levante do povo nós teremos sucesso.
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Então, acho que esse debate é bem-vindo. E Deus me deu a graça de me lembrar dessa minha proposta quando eu era Deputado Estadual e que não foi aprovada lá atrás, mas a gente pode renovar o debate agora em nível federal.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Então, indo direto às perguntas para o Dr. Yuri.
A primeira. O senhor tem investigado casos, denúncias de abuso sexual em abrigos, creches ou instituições semelhantes?
A segunda. Tem investigado caso de denúncia de abuso e violência sexual contra crianças indígenas, ciganas e estrangeiras? Creio que já foi também...
A terceira. Em algum momento teve o seu trabalho dificultado por falta de apoio, colaboração das redes sociais ou das empresas de telefonia? Quando eu digo redes sociais, as empresas.
Pode nos falar de ocorrência de nudes por crianças e adolescentes?
Quanto às redes sociais e aplicativos, pode nos dizer quais as crianças e adolescentes mais usam para compartilhar nudes?
No Brasil não existe nenhuma legislação estabelecendo idade mínima para que uma criança tenha um perfil nas redes sociais. Com base na sua experiência, pode nos sugerir com que idade uma criança e adolescente pode ter um perfil em suas redes sociais?
A sétima. Pode nos falar sobre a ocorrência de automutilação e suicídio de crianças e adolescentes?
Algum caso de adultos incitando ou auxiliando crianças e adolescentes a se automutilarem?
São essas as perguntas Dr. Yuri.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Com a palavra.
O SR. DR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Bom, esses casos...
Primeiro, a primeira pergunta, apesar de já ter abordado praticamente todas as questões, eu vou só fazer um comentário rápido.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Não, o senhor pode inclusive pular.
O SR. DR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - O.k.
Em relação aos casos de abuso sexual, envolvendo abrigos, creches e instituições semelhantes, sim, existem casos, existem investigações sobre esse tema e é um tema bastante delicado e de difícil investigação, porque muitas vezes a família da vítima toma conhecimento do abuso que foi praticado dentro de uma instituição dessa, em especial aqui vamos colocar creches e escolas, e a família por vezes tem medo de denunciar, tem medo de trazer esse fato até a Promotoria, até a Polícia, por, por um lado, precisar da creche, principalmente, e não ter como fazer com o filho... Mas é uma questão um pouco complicada, porque, se por um lado ele não tem onde deixar o filho, ele também não quer deixar o filho num lugar em que onde ele seja abusado.
A grande dificuldade que nós temos é, quando há suspeita do abuso, viabilizar o imediato afastamento do suspeito, porque, a partir do momento que ele continua na instituição, ele acaba de alguma forma aliciando os outros, constrangendo os outros que trabalham dentro da creche, dentro da escola a não fazerem nada.
As medidas hoje, dependendo do caso concreto, dependendo das provas que chegam até nós, às vezes a prova não está tão forte como gostaríamos e essa é uma dificuldade muitas vezes que acaba dificultando a investigação, mas nós continuamos empenhados nisso. Aqui é uma questão mais processual, não vejo muito o que se fazer em relação a isso do ponto de vista da CPI.
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Em relação a casos de denúncias de abuso sexual contra crianças indígenas, ciganas e estrangeiras, nós temos casos, conforme já foi mencionado - acho que já comentei bastante a esse respeito -, em que, em algum momento, houve dificuldade por falta de apoio e colaboração das redes de empresas de telefonia. Uma das dificuldades que tem sido constatada, na verdade, é o bloqueio dos dados. Quando se constata algum ato de pedofilia em alguma rede social, por vezes há uma alegação por parte da rede social - vamos colocar - de que eles têm dificuldade de congelar todos os dados ali que foram veiculados.
Acho que os delegados têm experiência vasta nesse tema. Há uma parte específica dentro do Ministério Público, uma ala que... É uma comissão que atua no combate aos crimes cibernéticos? É um setor que pode trazer maiores elementos.
Mas uma das dificuldades que tenho enfrentado, em especial, na Procuradoria da Infância, diz respeito à preservação dos dados. Quando há a notícia, quando tomamos conhecimento da divulgação de alguma imagem envolvendo pedofilia, de qualquer tipo de ato de cunho sexual ou pornográfico envolvendo criança e adolescente, o principal para nós é preservar aquele conteúdo. E isso às vezes demora um pouco. Isso é uma coisa que... E muitas vezes acaba sendo necessária a provocação do Judiciário e toda essa...
Nós temos, na verdade, um acordo de encaminhar um e-mail. Mas isso não pode ser um acordo, tem que ser uma requisição nossa, permitindo o bloqueio imediato, a preservação de todos os dados que foram constatados, envolvendo pedofilia, envolvendo pornografia com criança e adolescente. Para preservar esses dados, acho que isso seria de suma importância.
Hoje, acaba sendo sempre necessária a autorização judicial para a utilização disso. Acho que talvez uma solicitação prévia, para depois, cautelarmente, a gente poder preservar as imagens, todo o conteúdo. O conteúdo que digo aqui não é só o conteúdo do que foi divulgado, mas principalmente... Muitas vezes há os comentários de quem participa, de quem de alguma forma ali se percebe que tem envolvimento com aquilo, a identificação dessas pessoas. Isso hoje é feito de uma forma muito burocrática, o que acaba por vezes dificultando e retardando um pouco a investigação. Esta é uma crítica que faço. Poderia ser feito diretamente por requisição do Ministério Público ou da própria autoridade policial.
Ocorrências envolvendo nudes de crianças e adolescentes existem com certa frequência. Principalmente, é muito comum chegarem mães até a Promotoria, chorando, desesperadas, porque a imagem da filha que ela mandou para algum namorado, e alguma coisa acabou indo... Normalmente, pelo Facebook existe certo controle, mas isso acaba se disseminando pelo WhatsApp, principalmente, que é onde se foge do controle, e o conteúdo acaba sendo replicado.
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Eu não sei qual seria a maneira de tentar... Penso que se teria que encontrar uma solução técnica, para vetar isso. Não sei isso é viável, mas o maior problema hoje de divulgação e exposição da vítima de pedofilia, os casos que mais chegam são em razão do WhatsApp. Isso é multiplicado, não há como controlar, porque não fica numa página, uma pessoa vai repassando para outra. Eu não sei se nisso tem como ser feita alguma coisa.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu acho que nós temos que criar a legislação para que... Porque, na verdade, a internet, o sigilo da internet é para proteger o cidadão de bem, não é para proteger bandido. Quando nós assinamos os termos de ajuste com as operadoras de telefonia lá com a CPI da pedofilia e o termo de ajuste e conduta é muito bem feito, muito bem trabalhado, e o Ministério Público de São Paulo, na época, o Suiama, que foi para lá junto ao Ministério Público estadual que estava todo conosco, e o Ministério Público tinha também mandado alguém aqui da época, e o ajuste de conduta dizia o seguinte: risco eminente de vida de uma criança dá quebra do sigilo em duas horas. Eles são seletivos, eles passam seis meses para depois dizer para o promotor que não achou.
Como você não acha, se o cara, para ter internet, precisa ter uma linha de telefone? E aí fica uma briga, porque a telefônica comandou para ninguém ir lá, para não assinar o termo de ajuste de conduta. E foi uma guerra, e eu levei todo mundo coercitivamente para lá, com Polícia Federal para assinar aquele termo de ajuste conduta.
Assinamos, e agora estão todos reconvocados, passaram a semana retrasada toda lá fazendo lobby para ninguém ir, porque eles não queriam ser convocados, porque acham que isso é uma humilhação. Queriam ser convidados, mas eu conheço bem eles, já tinha lidado com eles. Estão convocados, sim. E, quanto a esses termos de ajuste de conduta, quer dizer, hoje existem n ações contra a Oi, por exemplo, que é essa que realmente não cumpre nada.
Então, o que temos que fazer? Nós precisamos criar uma legislação, estudar isso, porque é o seguinte: crime? O juiz tem que dar abertura, sim; ele não pode é parar o WhatsApp para todo mundo, parar o WhatsApp e inviabilizar a vida, porque isso virou um instrumento de trabalho das pessoas. Mas é a dona dessa plataforma que tem que ser chamada às falas, ela é que precisa criar esses filtros, criar esse mecanismo, e as empresas não querem, porque isso demanda dinheiro. Eles só querem ganhar; nada de investimento.
Nós precisamos criar isso. E quem é a dona do WhatsApp? Facebook. Criaram-se n filtros no Facebook, mas no WhatsApp não. Então, é preciso que eles assinem um termo de ajuste de conduta mais uma vez o Facebook, e nós discutirmos e buscarmos esse texto em que se criem instrumentos dentro dessa plataforma, para que os dados do bandido, num eventual caso como esse, e são muitos, sejam entregues para não obrigar o juiz a ter que parar o WhatsApp no Brasil inteiro. Um juiz de primeira instância lá parar dois, três dias o instrumento de trabalho de muita gente. Não há como, mas que os dados do vagabundo sejam entregues.
E esse foi o grande problema da Google durante anos e anos. Vocês sabem disso? Que ela chegava aqui e não cumpria a ordem, e a ordem judicial dizia só o seguinte: "Ninguém é obrigado a usar. Não use!", com aquela história de bandido no Orkut. Foi quando nós quebramos o sigilo da Google que foi uma coisa inédita para o mundo. Quebramos o sigilo, eles foram obrigados a entregar os discos rígidos achando que nós não abriríamos, e o Prodasen abriu esses discos rígidos e nós começamos a entregar os pedófilos do mundo inteiro para o mundo. E foi aí que o próprio Vaticano foi obrigado a falar, quando abriu a boca e falou. Porque nós começamos a entregar, a Interpol começou a levar tudo de todo mundo com a quebra desse sigilo aqui. Ali eles assinaram o termo de ajuste de conduta.
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Então, é preciso que nós levemos essa questão do WhatsApp, que é uma questão muito séria. O WhatsApp é igual a uma antena parabólica. Ninguém mede a audiência da antena parabólica. Só medem das outras televisões, porque, se fossem medir a audiência da parabólica, eu acho que o primeiro de audiência no Brasil seria da antena. Mas nunca se sabe. E ele não é, porque medem lá na Bandeirantes, uma TV que está aberta, mas ninguém mede a antena da parabólica.
E o WhatsApp virou mais ou menos uma parabólica. Todo mundo tem. Em qualquer rincão do mundo, todo mundo fala com todo mundo, mas, quando se quer resolver um problema de um crime, promotor, juiz, delegado, para obrigar a dar, o juiz vai ter de mandar parar tudo. E aí vira aquela doidice que já aconteceu umas duas ou três.
Então, o seguinte: obrigado por despertar. Nós precisamos chamar o Facebook, trazer o Facebook. Já tive uma conversa com eles informal no meu gabinete e tal. E eles não foram ouvidos ainda. Já foram?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E eles precisam. Então, nós vamos ter de ouvi-los sobre isso. Eles precisam criar essa ferramenta para a plataforma deles. O juiz pediu, o Ministério Público pediu, o cara entrega o bandido e deixa os outros trabalharem.
O SR. DR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Uma outra questão é que, normalmente, essa quebra só é permitida quando há uma investigação criminal, mas a Promotoria da Infância, que atua na área cível de proteção dos direitos da criança e do adolescente, também pode investigar quando há notícia de uma criança em situação de risco. E esse é um obstáculo que nós promotores da infância, que não somos criminais, que não temos atribuições criminais, temos. Para que eu possa conseguir a quebra de um sigilo, por exemplo, aqui na capital, em São Paulo, eu tenho de conseguir um procedimento investigatório criminal para atuar em conjunto com o promotor criminal ou tem de haver um inquérito policial correspondente para permitir essa quebra, sendo que não há por que se impedir que uma investigação comece, se inicie a partir da notícia de uma criança em situação de risco.
E hoje a legislação não permite a quebra desses dados pelo promotor da infância cível, por exemplo, pelo juiz que atua na área cível da infância e juventude, sendo que, havendo notícia de criança em situação de risco, pelo menos no meu entendimento, deveria também ser possível para resguardar a violação de direitos contra essas pessoas.
No Brasil, existem algumas legislações estabelecendo idade mínima para que uma criança tenha perfil nas redes sociais? Com base na experiência, podem sugerir com que idade?
A legislação nacional, pelo que eu me recordo, para participar de rede social, eu não me lembro de legislação. Eu não conheço. Agora, pelo que eu tenho conhecimento, no Facebook, em especial, exige-se a idade mínima de 13 anos. A pessoa tem de declarar que tem idade superior a 13 anos. Nesse aspecto, eu concordo. Acho que criança, pessoa menor de 12 anos não tem condição, não tem o desenvolvimento mínimo suficiente para poder ter um perfil numa rede social e poder ter convivência com tudo o que acontece dentro de uma rede social. No mínimo que seja adolescente.
Mas, quanto a uma idade mínima, eu não me sinto capacitado para dizer qual seria a idade mínima ideal. Eu acho difícil bater o martelo sobre a idade. Mas o que eu diria, certamente, é: criança, de forma alguma. No mínimo que seja adolescente. Mas talvez algum estudo mais aprofundado dessa área seria indicado para saber qual a idade mínima.
Pode nos falar sobre ocorrências de automutilação e suicídios de crianças e adolescentes?
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Eu acabei respondendo na pergunta do meu colega. Sim, a automutilação e o suicídio acontecem. Essas são algumas das consequências trazidas para as vítimas que sofrem qualquer tipo de abuso sexual. É muito comum.
Na verdade, a vítima se sente culpada do abuso que sofreu. Ela não coloca a culpa no agressor. É aquele dado que nós trouxemos: o agressor principal é aquela pessoa conhecida, que goza da confiança da família; ou é um familiar ou é alguém muito próximo.
Então, como aquela pessoa goza da confiança da família, a criança acredita que aquela pessoa faz o bem, protege. E, quando ela faz alguma coisa de que ela não gosta, ela acha que ela está errada. Espera aí, eu não estou gostando por quê; se meus pais confiam nele, se minha família confia nele, eu que sou o errado. Então, a vítima tem esse sentimento de culpa. E, por esse sentimento de culpa...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Ela se sente culpada também, porque recebeu um presente, porque a conquista vem recheada disso, de presente, para, depois, vir o império do medo. A criança se acha culpada, porque tem culpa, porque recebeu tal presente.
O SR. DR. YURI GIUSEPPE CASTIGLIONE - Também.
Em razão desse sentimento de culpa, é muito comum as crianças, principalmente quando não veem uma forma de sair dessa situação de violência, é muito comum elas partirem para a automutilação e o suicídio. É um dos sintomas. Quando a criança começa a se automutilar, além de outros - comportamento agressivo, interesse especial por sexo incompatível com a idade, incontinência urinária, dificuldade de concentração, medo de ficar perto de determinada pessoa, normalmente, do agressor, com quem ela sempre teve um relacionamento, ela passa a evitar aquela pessoa -, esses são alguns dos sintomas das vítimas de violência sexual. Automutilação e suicídio são o extremo, mas, infelizmente, há casos, sim, que chegam a esse ponto. Infelizmente, essa é uma realidade.
Algum caso de adultos que incitam ou auxiliam crianças e adolescentes a se automutilarem?
Olha, eu confesso que, na Promotoria, nunca chegou até mim casos dessa natureza. Mas, pelas redes sociais, essa onda da Baleia Azul, principalmente, é uma coisa que tem acontecido com certa frequência. Agora, caso concreto que tenha chegado até meu conhecimento, na minha carreira aqui, nos 14 anos de Ministério Público, eu não peguei. Não posso dar informação com mais detalhes a esse respeito.
Obrigado.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado, Dr. Yuri.
Para quem está nos assistindo, nós estamos na CPI dos Maus Tratos Infantis, e muita gente até questiona por que o Senado Federal está - eu já ouvi gente dizendo, lá no meu Estado - perdendo tempo com este tema. Eu confesso que, quando eu cheguei ao Senado, eu fui chamado para uma missão do Senado em Boston, na Universidade Harvard, para participar de um curso sobre primeira infância. Eu confesso que pensei: poxa, mas que perda de tempo. Vou lá fazer esse curso e provavelmente vai ser como esses cursos que existem no Brasil em que você vai lá, faz, ganha um diploma de 40 horas para poder contar ponto, para quem está no magistério, e, na verdade, os cursos são feitos meia-boca. Mas fui.
E fui surpreendido com vários cientistas que tiveram esse curso. Primeiro, fui surpreendido com a carga horária. Era das 7h às 20h, com 15 minutos de intervalo para o almoço. Mas o que me surpreendeu o quanto este tema é sério, o quanto ele tem a ver com a sociedade inteira em termos de economia, de educação, de saúde, de segurança pública, o quanto o tema é relevante.
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E, só para compartilhar com quem está nos assistindo e com os promotores que aqui estão, há muito tempo que universidades como Oxford, Harvard e universidades do Canadá vêm tratando do tema sobre o desenvolvimento cerebral de uma criança; desde a concepção, desde quando a mãe está no pré-natal até os seis anos, como o cérebro tem um período de desenvolvimento muito acelerado e que, para determinadas funções, ele só tem um determinado tempo para se desenvolver e que o cérebro vai aprendendo isso de acordo com os estímulos.
Um dado interessante que eles trouxeram lá é que uma criança, por exemplo, que nasce com catarata congênita, e como o período que o cérebro tem para aprender aquilo ali é durante os primeiros seis meses, se, durante esses primeiros seis meses, aquela catarata não for retirada e, consequentemente, o cérebro não receber estímulos de luz, os estímulos necessários para que aprenda a enxergar, posteriormente pode ser retirada essa catarata, mas aquela criança vai permanecer cega, em que pese ter toda a estrutura do globo ocular perfeita, mas o cérebro, que é quem comanda tudo, não aprendeu a fazer aquilo. Portanto, ela vai ser cega para o resto da vida.
Outro dado interessante que eu vi lá também é o seguinte: durante esse período de desenvolvimento cerebral, se a criança for exposta a abusos - dos quais estamos tratando aqui, principalmente deste assunto que estamos tratando aqui -, a abuso sexual ou a qualquer outro tipo de abuso, maus-tratos, de forma que essa criança adquira um estresse crônico, ela vai ter seu desenvolvimento cerebral extremamente prejudicado e esse futuro adulto vai ter sérios problemas na sua vida futura.
O que eu achei interessante é que eles fizeram um estudo duplo-cego com dois grupos. Numa comunidade de alta vulnerabilidade, eles pegaram dois grupos de 11 crianças. Um grupo... De 11 crianças, não; de 22 grávidas, e separaram em dois grupos. E um grupo o Estado monitorou, dia por dia. Dia por dia, não; semana por semana, desde a gravidez até os seis anos de idade. Um grupo eles monitoraram e o outro só observaram se a mãe estava tendo acesso às políticas públicas no pré-natal, se a mãe estava sendo espancada ou sofrendo... Enfim, tendo todos os cuidados para que não houvesse nenhum obstáculo ao desenvolvimento cerebral daquela criança.
E o interessante é que, depois de 18 anos, eles fizeram uma aferição do estudo e o grupo que foi monitorado e que teve cuidados ali para não... Depressão pós-parto, essa coisa toda, e para que a criança não sofresse abuso, enfim, que tivesse o desenvolvimento cerebral normal. Esse grupo de criança teve todos os indicadores iguais às crianças de comunidades - e eles compararam lá nos Estados Unidos às crianças nascidas, por exemplo, em Manhattan, que é, vamos dizer, o topo da cadeia social. Índice de aprendizagem; as crianças... Todos os indicadores positivos.
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O outro grupo: alguns já tinham morrido aos 18 anos; boa parte com gravidez na adolescência; alto índice de drogadição; alcoolismo; índices de aprendizagem extremamente baixos, e evasão escolar em todos eles. E eles chegaram à conclusão de que abusos no momento, naquela janela de desenvolvimento cerebral, são capazes de impactar negativamente aquele ser humano para o resto da vida.
E um dado interessantíssimo é que, ele falando, a gente discute muito, às vezes, combater desigualdade no pós - ou colocando dinheiro, ou fazendo programas -, mas é jogar dinheiro no mato, porque, se você não cuidou do início, aquela criança que teve um péssimo desenvolvimento cerebral ficou tal como aquela de catarata: para aprendizagem ela já está debilitada, ela não vai conseguir acompanhar os colegas. E eles falam que esse alto índice de evasão se dá muito por esse fato de que a criança não consegue acompanhar os colegas, sua autoestima vai lá embaixo, e aí é a abertura para tudo que é infortúnio.
O interessante é que esses cientistas colocaram lá o seguinte: se o Estado não cuidar da primeira infância, em todos os seus aspectos, por uma questão humanitária, deveria fazer isso por uma questão econômica, porque eles aferiram também o quanto gastaram naquele monitoramento. E para cada dólar que eles gastaram com aquele grupo que foi monitorado o Estado teve que gastar sete com prisões, com os diversos outros programas com aquelas crianças que não haviam sido.
Então, eu fiz esse nariz de cera todo aqui simplesmente para, principalmente para os que estão nos assistindo, que às vezes perguntam: "Por que há tantos juízes, promotores, o Senado Federal, consultores do Senado Federal, por que tantas pessoas preocupadas com esse negócio?" Geralmente, como a criança é pequena, a gente tem a tendência de minimizar: "Ah, é criança, deixa lá." Como o saudoso Içami Tiba dizia, às vezes a gente tem a noção de que criança, por mais que você goste e tudo, às vezes até dentro do seio da família, a gente pensa que criança é que nem um vegetal: que você dando água, nutriente e luz está beleza, e que na verdade a educação, mesmo, a gente tem que se preocupar depois de um certo tempo. E os estudos têm comprovado que não; é ao contrário. A preocupação total tem que ser no começo, para que a gente tenha bons resultados na frente.
Então, este é, principalmente, o objetivo desta CPI: a gente auferir, com todos esses estudiosos que estão aqui... Tivemos depoimentos extraordinários hoje aqui, de profissionais que lidam na ponta todo dia. E cada vez que ouço esses profissionais... Ouvimos há poucos dias os profissionais da Polícia Federal, agora estamos ouvindo o Ministério Público, ouvimos juízes, e cada vez eu tenho me convencido mais, como Relator desta CPI, de que nós precisamos, como um todo, criar uma sinergia para que o Estado, com todos os formuladores de políticas públicas, possa ver que nós só temos uma forma de começar a esvaziar presídios e lotar escolas: é cuidando desse canteiro no início.
Passo a palavra ao nosso Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado, Senador José Medeiros.
Eu acho que, como eu, todos concordamos da riqueza dessa manhã e do que nos foi trazido, do que ouvimos, do que certamente vai contribuir para uma mudança de legislação, uma melhoria de legislação. Estou muito agradecido. Agradeço aos nossos convidados.
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E quero dizer que nós continuamos contando. Penso que uma CPI, quando se instala, e é CPI de causa, que tem convergência e muito pouca divergência com a sociedade, não tem característica de uma CPI comum, quando é CPI de embate politiqueiro, de reuniões em que: "Se você convocar fulano, nós convocamos fulano; tira a convocação de fulano, que nós tiramos a de fulano", para, no final, não dar em nada... E não é isso exatamente que queremos.
À tarde, nós teremos... Já são 13h41, então, retomaremos às 15h.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Acho que vamos ter que evocar aquela portaria do trabalho escravo. O senhor está nos impingindo um trabalho exaustivo aqui...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, todo mundo aqui se declarou voluntário no começo. Está tudo certo.
À tarde, teremos o Dr. Gabriel, o Dr. Levy.
Agradecido aos senhores.
Amanhã, teremos as oitivas começando também às 9h da manhã.
Então, às 15h, nós retornaremos para este segundo momento.
O Dr. Daniel Serpentino também estará conosco, no período da tarde, após as 15h.
Está suspensa a reunião.
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(Suspensa às 13 horas e 41 minutos, a reunião é reaberta às 15 horas.) (Falha na gravação.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - ... os trabalhos da CPI que visa a investigar maus-tratos infantis no Brasil.
Convido o Dr. Gabriel Pires de Campo Sormani, Juiz de Direito, Assessor da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo; o Dr. Daniel Serpentino, Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Família e Sucessões em Mauá, atualmente assessorando a Presidência da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo; Dr. Levy Emanuel Magno, Promotor de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público de São Paulo.
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Concedo a palavra, começando da esquerda para a direita - e o que está acontecendo no Brasil deve ser assim, desse jeito também, saindo da esquerda para a direita -, ao Dr. Brechani e, em seguida, ao Dr. Gabriel.
O SR. CARLOS EDUARDO BRECHANI - Exmo Sr. Senador na Presidência, Sr. Magno Malta, e demais integrantes da Mesa, agradeço a oportunidade e o convite.
Na verdade, eu me sinto até envergonhado de estar compondo a Mesa pelo peso e pela reputação dos colegas que estão aqui.
As palavras que tenho para dizer são muito breves. Considero-me, na verdade, até um ouvinte, porque conheço já a reputação do Dr. Gabriel e, com o pouco que ele já me falou do Dr. Daniel, eu consigo ver que somos muito acordes no entendimento, especificamente no que toca à questão da ideologia de gênero.
Eu queria saudar os demais presentes e agradecer a um amigo de longa data que é o Dr. José Carlos Consenzo, companheiro de time também, sempre juntos.
Eu só queria fazer alguns breves apontamentos sobre algumas questões que têm atormentado bastante o Ministério Público.
Um dos aspectos fundamentais que têm nos atormentado bastante é a forma como a criança e o adolescente têm sido tratados no Brasil. Em nenhum momento, nós, especialmente eu, fazendo parte do centro de apoio cível na subárea da infância e juventude, em nenhum momento, temos qualquer tipo de desconsideração ao respeito que se tem que ter às opções de gênero que as pessoas adotam, apenas sabendo-se que o gênero pode ser escolhido a partir do momento que a pessoa tem a liberdade psíquica para tanto. A pessoa, quando tem mais de 18 anos de idade, decide o rumo que ela quer seguir na vida dela. O que nós não podemos permitir é que uma criança e um adolescente que não tenham condições para isso possam acabar assumindo essa postura, ainda mais quando ela é doutrinada para isso, enfim.
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Mas eu não vou adentrar muito no campo do Dr. Daniel, até porque conversamos brevemente ali - como disse, já estamos de acordo. Só queria fazer um breve apontamento sobre a questão, a pedido do Dr. Mário, sobre a questão de visita de crianças e adolescentes nos estabelecimentos prisionais.
Nós precisamos sempre ter em mente que a criança, com a criação da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, deixou de ser um objeto de direito e passou a ser um sujeito de direitos. Então, nós, ainda hoje, temos algumas reminiscências no Código Civil que não respeitam essa condição, como, por exemplo, quando uma disposição diz que o cônjuge responsável pela separação ou pelo divórcio perde o direito à guarda dos filhos, isso é absolutamente tratar uma criança como um objeto de direito, e não um sujeito de direitos. A criança vai ficar com quem tiver melhores condições para que ela possa ter um desenvolvimento sadio e saudável, possa ter um desenvolvimento natural.
Nós, trazendo essa linha de sujeito de direitos da criança e do adolescente para a questão da visitação aos presídios, temos sempre que ter em mente que o mais importante para uma visita no presídio não é o interesse dos pais em visitar o filho; é em que ponto isso vai ser relevante para a criança ou não. E por que essa questão ganha importância? Essa questão ganha importância, porque recentemente houve uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente dizendo que as visitas das crianças aos presídios são asseguradas e independem de autorização judicial - essa é uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente. Só que, a partir do momento em que essa legislação entrou em vigor, nós absolutamente desconsideramos a condição pessoal de cada criança e adolescente. A autorização judicial, em meu ponto de vista, com todo respeito com quem entende o contrário, é absolutamente essencial, porque somente assim podemos deixar de estabelecer uma regra geral para todas as crianças e adolescentes, tratando-os como um mero, repetindo, objeto da criação dos pais, fazendo com que nós deixemos de considerar vários aspectos que são fundamentais.
Então, por essa razão, um grupo da Conamp, um grupo do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, com uma subárea, a COPEIJ, dos promotores de Justiça da Infância e da Juventude, se reúnem no Brasil inteiro e emitiram uma nota técnica para que fosse possível regulamentar pelo menos alguns aspectos básicos desse tipo de visitação, se é que não vai haver uma alteração legislativa para assegurar que somente seja possível fazer essa visita com a autorização judicial.
Essa é uma problemática que vem sendo muito discutida. Há várias decisões de tribunais de Justiça autorizando essa visita, e, na visita, fica absolutamente claro que a integridade física e psíquica da criança é protegida. Quando nós temos uma lei abstrata permitindo que isso ocorra indiscriminadamente, nós perdemos essa segurança. Bem sabemos que a nossa realidade atual mostra que existem vários tipos de presídios, das mais variadas qualidade e natureza de presos, e esses presídios têm condições de segurança e têm condições de ambiente de visitação completamente diferentes. Hoje isso é desconsiderado desse modo.
Então, eu só queria fazer esse breve apontamento, trazer aos Senadores e trazer aos presentes que essa é uma preocupação nossa. Posso fazer esse histórico e levar ao conhecimento dos senhores depois essa nota técnica da COPEIJ que interessa a muita gente.
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E fica esse raciocínio, essa discussão se vale ou não vale a pena a gente pensar em uma alteração legislativa para voltar a regra que era anteriormente. No meu ponto de vista, sim. No meu ponto de vista é uma falha legislativa, porque quem trabalha infância e juventude sabe que, mesmo visita aos pais nos finais de semana, a gente tem determinado controle. Na casa dele, na residência dele, quanto mais em uma visita ao presídio, onde a gente tem toda uma questão de segurança e de salubridade.
Vou ser bem breve. Não quero adiantar o trabalho de vocês. Estou muito curioso para ouvir a fala do Gabriel e do Daniel. E quero agradecer mais uma vez a oportunidade.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado, doutor.
Passo a palavra ao Dr. Gabriel.
O SR. DR. DANIEL SERPENTINO - Boa tarde.
Agradeço o convite que me foi feito. Cumprimento o Exmo Senador Magno Malta, Presidente desta CPI, o Senador José Medeiros, e o Dr. Carlos Brechani e o colega Gabriel Sormani.
Serei muito breve também na minha pequena exposição, que diz respeito à questão do gênero, da ideologia de gênero mais precisamente. E ideologia porque se trata de um conceito certamente tal como reconhecido pelos genders studies, a atual temática do feminismo como propugnado atualmente, porque não encontra a devida base científica na realidade e se pretende como vetor ou prisma de leitura do que se convencionou chamar de direitos humanos na atualidade. Ou seja, todo o plexo de direitos humanos que a sociedade reconhece, seja por uma razão intrínseca da natureza da pessoa humana, que é a visão clássica, correta, seja por uma construção histórica que mora com as deficiências que esse conceito de construção e consenso gera na própria análise e compreensão desses direitos, enfim, seja qual for a clave da qual se leia, todo o sistema internacional de direitos humanos tem passado por uma transmutação através de um mecanismo de alteração linguística, de trabalho linguístico, para que seja lido então segundo essa clave de gênero: a ideologia de gênero.
Na medida em que conceitos como, por exemplo, o de aborto passa a ser lido como um direito sexual reprodutivo, a interrupção voluntária da gravidez ou coisas do gênero, os conceitos relacionados à infância em específico passam a ser lidos, e a criança passa a ser tomada como um sujeito de direito na sua satisfação sexual, independentemente da sua parca consciência a respeito da situação em que se encontra.
E no âmbito educacional mais precisamente, que é sobre o que eu gostaria de tratar muito brevemente aqui, nós temos uma situação - e sobre este ponto eu gostaria realmente de chamar a atenção dos ilustres Senadores aqui presentes -: nós estamos à beira da aprovação da Base Nacional Comum Curricular, a qual, infelizmente, ainda vem repleta de referências ao termo gênero. Mesmo com os argumentos no sentido de que haja a extirpação desse termo da base, nós temos pelo menos 16 referências ao termo gênero nesse projeto, que já está na terceira versão e que está em vias de ser aprovado. Com a gravidade evidente, pelo regramento atual, não deverá passar pelas Casas Legislativas. E até onde eu sei há projetos no âmbito da Câmara dos Deputados e agora, parece-me também, do Senado Federal, propondo ou propugnando a alteração desse ponto, para que o Congresso Nacional - as Casas Legislativas que representam o povo e, portanto, a quem cabe fazer esse juízo crítico do que estava inserido - se manifeste a respeito.
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É muito importante que os senhores entendam da parte que falo, em nome de muitos colegas juízes e também de promotores que conheço e que entendem realmente que gênero ainda que se torne inicialmente, pela ambiguidade que o próprio termo traz - isso é ínsito à teoria de gênero, tal como construída no correr do tempo, dos anos -, a impressão que se está a tratar do sexo feminino e do masculino, não é isso. O conceito de gênero, tal como construído e aplicado recentemente, de fato implica na própria dissolução da identidade pessoal. É a culminância do gênero fluido, em que a pessoa realmente se identifica de tal e qual maneira de manhã, de tarde pode ser de outra maneira e, de noite, de outra.
Desculpem-me a maneira de me expressar, mas a verdade é essa, porque isso traz uma insegurança jurídica brutal e desconstrói institutos de direito básicos e que sustentaram a organicidade de nossa sociedade até os dias atuais: na adoção, em questões relacionadas aos registros públicos, ao registro civil, em questões relacionadas à previdência, questões das mais diversas que certamente trarão problemas, graves consequências no âmbito jurídico e, em específico, como forma ou como constatação de uma transmutação social provocada.
Não cremos, senhores, que essa questão de ideologia de gênero seja algo fruto da evolução natural dos tempos. Não é isso. Há, de fato, uma verificação documental abundante, que demonstra - esse acervo documental - claramente que isso está na linha de uma construção de um projeto internacional de poder muito claro, muito evidente, e que visa, se não como questão fundamental definitiva, como questão intermediária, a destruição das instituições primárias, dentre elas a família, evidentemente, de modo que o Estado se tornaria diretamente o único polo de relação entre a pessoa, que se tornaria um papel, e o ente estatal.
De fato, em breves palavras é difícil de colocar isso de maneira profunda, mas fiquem com ideia, pelo menos. Eu creio que muitos dos senhores já conhecem a questão, mas que possam depois se aprofundar no assunto, que é muito grave.
E vejam: o gênero, aqui, funciona exatamente na medida em que, introduzido no sistema educacional, ele é a experiência que falta aos ideólogos, para incutir nessas crianças - como as nossas crianças brasileiras - essa noção de dissolução da identidade, confundindo as suas mentes que, evidentemente, nessa idade, não estão preparadas para lidar com o tipo de questão que está sendo ali inoculada.
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E, evidentemente, não encontra essa pretensão respaldo algum no nosso sistema jurídico, seja em âmbito constitucional ou legal. Daí por que o que nós vemos atualmente é a utilização de atos administrativos infralegais que procuram burlar a sistemática legal e a vontade do povo manifestada recentemente quando da aprovação dos planos nacional, estaduais e municipais de educação para extirpar de vez essa expressão do sistema jurídico. E, vejam, novamente coloco que a questão não se trata do problema de discriminação, de questão de isonomia, não se trata disso; trata-se de uma agenda ideológica, internacional, que está sendo, a fórceps, colocada no ordenamento jurídico brasileiro, para os fins precisos, pelo menos de forma mediata, de destruição dessas entidades primárias sociais, como, por exemplo, a família. Isso deixa o cidadão à mercê, evidentemente, do totalitarismo do Estado. Temos que ter muita preocupação com isso.
Chamo a atenção dos ilustres Senadores, já me encaminhando aqui ao final, para essa questão da educação na Base Nacional Comum Curricular e da necessidade premente de que as próprias Casas legislativas façam o crivo final da redação desses currículos que trazem na sua atual versão menções a gênero, a diversidade de gênero e a tudo aquilo que dará margem, depois, à introdução do ensino a crianças pequenas - aos nossos filhos, portanto, aos nossos sobrinhos, a todas as crianças brasileiras, não só no âmbito da educação pública, mas da particular também - de todos esses conceitos e de toda essa mentalidade artificialmente produzida e que visa justamente desconstruir a identidade das nossas crianças. Isso causará uma confusão irreversível nas suas mentes e uma deterioração do tecido social e das instituições clássicas do Direito que temos.
E queria colocar novamente este ponto: eu vejo, pela experiência de contato com muitos colegas, embora não seja uma questão unânime - e talvez não seja unânime, mas é esmagadoramente majoritária, porque talvez a documentação a respeito do assunto não tenha sido livremente circulada ou não tenha livremente circulado de maneira adequada, de modo que os colegas possam debruçar sua atenção a isso -, a sociedade brasileira talvez não tenha sido alertada convenientemente a respeito dos riscos da implantação ideológica, e qualquer trabalho em cima desse conceito, criando ações práticas, seja lá o que for, redundará em prejuízo que não se pode mensurar na sociedade brasileira como um todo. Isso me parece bastante evidente.
Então, chamo a atenção dos ilustres Senadores, dos colegas procuradores, promotores presentes, demais autoridades, representantes da sociedade civil, dos cidadãos aqui presentes: vamos olhar com atenção o que está acontecendo com a essa Base Comum Curricular, cuja aprovação está prevista para o mês de novembro. E tenhamos atenção para que não ocorra dano, talvez, de dimensões incalculáveis às nossas crianças e à sociedade brasileira como um todo.
Desculpem por me alongar. E muito obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado, Dr. Daniel. Passo a palavra ao Dr. Gabriel.
O SR. DR. GABRIEL PIRES DO CAMPO SORMANI - Muito obrigado, Senador.
É uma enorme honra estar aqui presente nesta audiência pública da CPI. Como disse o Dr. Brechani, é uma emoção poder falar em um evento tão importante como este. Eu agradeço aos Senadores Magno Malta e José Medeiros pela oportunidade, ao Dr. Brechani e ao colega Daniel Serpentino, profundo conhecedor do tema que acabou de tratar.
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Gostaria de cumprimentar o Ministério Público do Estado de São Paulo pela oportunidade, o Procurador Gianpaolo Poggio Smanio, a Drª Eliana Passarelli, aqui presente, com quem tive a honra de compartilhar no passado um caso grave de assassinato praticado por policiais, caso que teve notoriedade aqui em São Paulo por causa dos highlanders.
Vamos adiante.
Agradecendo novamente a oportunidade, eu gostaria de tratar sobre a Lei da Alienação Parental, e um determinado aspecto da Lei da Alienação Parental especificamente, que é muito importante embora pouco prático, que é a origem dessa lei, coisa que muitas vezes nós olvidamos, nós não nos preocupamos em pesquisar, em perceber.
Eu sou Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça aqui em São Paulo, da parte da infância e da juventude. Nesses termos, eu fui procurado recentemente por um grupo de mães. Um grupo de mães estudiosas do tema e que mencionava a preocupação da Lei da Alineação Parental estar sendo banalizada. Quando surgiu essa Lei da Alienação Parental, eu me lembro bem, atuando numa vara cumulativa na época, que incluía a competência de família, eu achei uma lei boa, eu achei que era uma boa ferramenta para nós trabalharmos.
Nós constantemente nos víamos numa situação de um casal brigando pela guarda dos filhos, e a criança muitas vezes acabava sendo instrumentalizada por uma das partes, a pessoa com quem o casal menos se preocupava. E vinham muitas alegações de pais que diziam que vinham sendo alijados pela mãe na educação dessa criança. Eu me lembro, portanto, quando do surgimento dessa lei, que só enxerguei os aspectos positivos dela, para tentar solucionar essa questão, eventualmente até praticar uma inversão de guarda em prejuízo do alienador, da mãe alienadora na maioria das vezes.
Esse grupo de mães me trouxe essa informação de que essa lei vem sendo banalizada, que, diante de qualquer situação de briga de um casal, de uma separação, a guarda normalmente fica com a mãe de saída, e o pai tem essa carta, esse "zap", sistematicamente e automaticamente pronto da mãe, de alegar a alienação parental.
É um argumento pronto que vem sendo exageradamente usado e coloca sistematicamente, com o perdão da expressão, uma faca no pescoço dessa mãe que, ao exercer a sua proteção ao seu filho contra um pai que muitas vezes, ela acredita, o maltratava ou até praticava pedofilia, ela tem essa faca no pescoço dela, ao ser acusada de alienadora e poder perder a guarda dessa criança. Ela é tolhida no seu exercício de proteção daquele filho em relação a uma situação que ela vivenciou ou acredita ter vivenciado.
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Eu não quero aqui, com isso, generalizar a situação. Não quero dizer que não há pais que possam ter sido injustamente acusados e não estou dizendo que não possa haver mães, por outro lado, com a guarda de criança, mas que não exercem bem essa maternidade e acabam, por vendeta, ou por birra com o pai, por qualquer motivo, excluindo esse pai da educação do filho. Então, eu não quero aqui generalizar, mas é preocupante que essa lei esteja sendo banalizada e eventualmente amedrontando, dificultando algumas mães de exercerem, com energia, a proteção dos seus filhos contra pais que lhes eram nocivos.
Muito bem, diante desse contexto eu descobri a origem, eu descobri, orientado por pessoas naturalmente, a origem da lei de alienação parental, ou melhor dizendo, da teoria da alienação parental. E me chama a atenção que muitos juízes, para não dizer a maioria absoluta dos juízes e dos promotores, não conhecem a origem da teoria da alienação parental. De onde saiu essa lei? Preocupa-me a origem das ideias, a origem das leis, o que há por trás delas, o que subjaz por trás dessas leis que nós aplicamos por vezes cegamente, sem saber de onde ela saiu.
Muito bem, a teoria da alienação parental, que desemboca na legislação que nós temos hoje, é uma teoria que foi criada nos Estados Unidos da América, por um senhor, um médico, um PhD, um estudioso, um nome com reputação acadêmica chamado Richard Gardner. Ocorre que o criador da Teoria da Alienação Parental, aplicada muitas vezes às cegas por nós - repito, a maioria de nós colegas, juízes e promotores, não sabemos a origem dessa lei, dessa teoria da alienação parental -, para dizer o mínimo, parece-me extremamente leniente com a pedofilia. Eu tomaria, então, a liberdade de ler alguns trechos da obra desse homem, que é o criador dessa teoria.
Esses trechos que eu vou ler são deste livro aqui: True and False Accusations of Child Sex Abuse - Acusações falsas e verdadeiras em relação a abuso sexual de crianças. Não dá para ler todo o livro: "O pedófilo teve o azar quanto ao lugar e à época nos quais nasceu em relação às posturas sociais perante a pedofilia, no entanto essas não são razões para se condene". Um outro trecho: "O pedófilo deve aprender a se controlar, caso deseje se proteger das punições draconianas - draconianas são exageradas - destinadas àqueles em nossa sociedade que põem em prática os seus impulsos pedófilos". Um último trecho: "A nossa sociedade tem uma reação exagerada. É justamente porque a nossa sociedade tem uma reação exagerada que as crianças sofrem". Quer dizer, não é por causa do ato em si, da nocividade intrínseca do ato; é só porque a sociedade o recrimina. Uma sociedade que - ele não diz aqui, mas é isso que se depreende da obra dele, não é? - marcada por tabus judaico-cristãos; talvez venha daí a crítica. "Então, a nossa sociedade tem uma reação exagerada. É justamente porque a nossa sociedade tem essa reação exagerada que as crianças sofrem. Caso não houvesse reação exagerada, é bem menos provável que as crianças fossem sofrer, especialmente se o encontro sexual não foi coercivo, sádico ou brutal".
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Então, esses são trechos da obra do Gardner que eu acho que é uma obra que precisa vir à luz. Isso precisa ser conhecido para que a interpretação da lei que é posta pelo legislador não seja aplicada de uma forma cega. Nós todos aprendemos na Faculdade de Direito que nós devemos interpretar a lei não de forma literal, simplista, gramatical, mas a interpretação histórica, sistemática. Saber a origem da legislação é muito importante porque me parece, humildemente, salvo melhor juízo, que essa é uma origem muito desconhecida entre juízes e promotores, esse senhor Richard Gardner.
Existe muito mais coisa para falar a respeito dele de pessoas que são estudiosas da vida desse homem. Eu não vou me alongar. Era isso que eu queria trazer.
E aí há uma outra questão que é muito importante.
Há no Congresso Nacional um projeto de lei para criminalizar a alienação parental, a mãe alienadora. Isso me parece temerário. Isso me parece ser contra os princípios modernos do Direito Penal, do Direito Penal, como ultima ratio, do Direito Penal mínimo. Parece-me ferir também o princípio da taxatividade, que a norma penal deve obedecer. A norma penal deve ser taxativa e objetiva no mais que ela puder. Nem toda norma penal contém apenas elementos objetivos, taxativos, mas ela deve conter idealmente a menor quantidade possível de elementos subjetivos.
Então, a gente vê o tipo clássico usado para o estudo do Direito Penal, o tipo do homicídio "matar alguém" é objetivo. O furto: "subtrair a coisa alheia móvel" é objetivo. A criminalização da alienação parental me parece incluir na lei penal um elemento por demais subjetivo, que tenderia a, inclusive pegando o gancho da palestra do Dr. Yuri, da manhã, desproteger a denunciante, porque se a denunciante da pedofilia está sujeita, caso ela não prove, a ser ela própria condenada, como alienadora, isso tende a amordaçá-la. A gente está indo na contramão de estimular - eu não me lembro exatamente a expressão que o usou o Dr. Yuri aqui - de proteger a mãe denunciante.
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Então, a gente acaba criminalizando a conduta com base não só no conceito subjetivo mas, mais do que isso, no conceito controverso, no conceito criado por esse sujeito, Richard Gardner, e que, independentemente de tudo que falei, é, reconhecidamente, na Psicologia, um conceito questionado. Muitos psicólogos, ainda que não entrem exatamente na seara que eu entrei, questionam as teorias de Gardner. Não é consenso científico a teoria dele.
Encerrando a minha fala, eu gostaria também de aproveitar o gancho da fala do Dr. Daniel Serpentino. Parece-me que toda essa questão de Gardner... Ele é apenas um autor. Diversos autores, ao longo do século XX, se dedicaram a esse tipo de relativização, não só da pedofilia, mas de outras condutas. Ele apenas é uma ponta de lança de toda uma revolução cultural de valores que tem origem há mais de cem anos, passa por pessoas como György Lukács, Herbert Marcuse e vários outros intelectuais, que desemboca no estado de coisas que nós vemos hoje em dia, uma relativização moral de valores e uma revolução cultural que eu diria que é no mínimo perigosa e tem de ser debatida com seriedade, fora da clave preconceito/tolerância, que é a única que se vê em debate: qualquer objeção a esse tema, o objetor é automaticamente jogado no balaio do preconceituoso, do conservador. E Deus me livre que alguém me veja como conservador! O interlocutor acusado disso automaticamente puxa o flap e se coloca na defensiva. Essa é uma acusação do chamado argumentum ad hominem: em vez de atacar os argumentos, você ataca o interlocutor, rotulando-o com clichês. Eu acho que nós temos de sair desse debate, dessa clave simplista e superficial de preconceito versus tolerância. Eu acho que não é por aí.
Daí, eu parabenizo de novo os Senadores e agradeço a oportunidade de ter podido falar com tranquilidade isso hoje aqui. Eu vi que o Daniel pôde expor com tranquilidade, o que é algo realmente muito difícil nos dias de hoje, em relação à pedofilia. Fechando o que eu ia falar, também dentro desse aspecto, dessa luta maior, dessa relativização constante que vem acontecendo, nós já vemos congressistas batalhando para diminuir a gravidade da pedofilia talvez, com placas "Pedofilia não é crime; pedofilia é só doença". Isso é muito perigoso e tem outras pontas de ação.
Muitíssimo obrigado.
E a questão é político-ideológica, sempre é político-ideológica, sempre tem um viés político-ideológico por trás e é sempre o mesmo, se repararmos.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Perdão, eu vou só fazer um parêntese aqui. Eu ganhei essa camiseta: "Criança nasceu para ser amada e não para ser abusada". E atrás está escrito: "Pedofilia é crime". Eu não tinha nem visto, nem estava lembrado que atrás estava escrito "Pedofilia é crime" e fui abordado na fila do aeroporto por um rapaz, numa grosseria sem tamanho: "Eu tenho vergonha da representação brasileira no Senado, porque é senador desse tipo que faz este País estar como está". Fiquei quieto. "O que que eu fiz de tão grave?". "O senhor está com uma impropriedade jurídica. Pedofilia não é crime". Bem, daí por diante, foi só impropério. Ele veio me falar com os artigos. Por essa linha, homicídio também não vai ser crime e por aí vai. Mas não fui bater boca, porque já estava sendo motivo do olhar de todo mundo na fila do aeroporto. Aí fui ver a linha política dele. Ele já distribuiu para sites, seguiu por outra vertente, e pude ver que era uma coisa totalmente ideológica, de cunho ideológico mesmo, em que pese estar ali arrotando seus artigos jurídicos. Descobri que ele tinha ido a Mato Grosso para fazer concurso para delegado, então, estava afiado ali, mas veio para cima de mim porque na minha camiseta estava escrito "Pedofilia é crime".
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O SR. DR. GABRIEL PIRES DO CAMPO SORMANI - Um autor de que eu gosto costuma falar - o Daniel, talvez, lembre -, começa falando que não é crime, que é doença; depois, quem falar que é doença é o criminoso, começa assim.
Eu normalmente agradeço a liberdade para o debate, a liberdade para poder colocar o que a gente colocou. Realmente, eu sinto que infelizmente hoje isso tem sido cada vez mais difícil.
Muito obrigado, Senador, ambos os Senadores, e Ministério Público de São Paulo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Claro.
Em seguida o Relator tem a palavra.
O SR. CARLOS EDUARDO BRECHANI - Obrigado, Excelência.
Na verdade, eu queria fazer uma breve observação, porque acho que é fundamental deixar isso muito claro: criança não é um adulto em miniatura. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é muito claro quando diz que nós temos que respeitar a condição da criança como pessoa em desenvolvimento. Em todos os estudos feitos sobre alcoolemia, toxicomania, sobre a questão do desenvolvimento sexual da criança, as crianças são nitidamente, patologicamente, biologicamente, comprovadamente muito mais vulneráveis do que um adulto. Por quê? Porque a psique dela, inclusive a própria formação biológica ainda está se desenvolvendo. Por isso, o ECA é muito claro: a criança é um adulto em desenvolvimento e não, um adulto em miniatura. Então, é absolutamente impossível, no aspecto científico, considerar que uma criança vai ter condições, em qualquer oportunidade, de consentir no ato sexual tendo conhecimento pleno de quais são aquelas consequências, de qual a natureza, enfim, do que ela está efetivamente praticando.
Isto a gente vê muito no dia a dia da infância e juventude: a criança ser vista como um adulto que tem de ter liberdade de convicção, liberdade de opinião. Isso reflete muito no aspecto escolar, querendo considerar que as crianças que estão no primário têm de ter a vontade delas plenamente respeitadas, que os pais não podem educar os filhos, porque os pais têm de respeitar a vontade dos filhos. Enfim, qualquer estudo sério que se fizer sobre a condição psíquica e biológica da criança vai deixar isso claro.
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Eu só queria destacar isso, porque a gente recebe tanta demanda nesse sentido, tantas pessoas afirmando isso. Parece-me que nós estamos entrando em um estado em que a própria consciência fica cauterizada, como o Dr. Gabriel colocou. Nós não podemos mais nos opor nem mesmo à ciência, porque nos tornamos preconceituosos por isso.
Obrigado, Presidente. Obrigado, Senador.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Obrigado, Sr. Presidente.
Eu vou começar pelas anotações aqui. Eu quero perguntar ao Dr. Daniel alguns pontos que são interessantes para a confecção do nosso relatório.
Chegaram às suas mãos casos de denúncias de maus-tratos em abrigos, creches e instituições?
O senhor já teve o seu trabalho dificultado pelas empresas das redes sociais? Quando eu digo as empresas, eu me refiro ao WhatsApp - a empresa-mãe, vamos dizer assim - ou às empresas de telefonia.
O senhor pode nos informar sobre maus-tratos de crianças e adolescentes indígenas e ciganas na cidade de São Paulo, no Estado de São Paulo?
Têm chegado a V. Exª denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes estrangeiros? Há denúncia de xenofobia contra crianças?
As crianças que têm visita vigiada e assistida encontram os pais dos quais estão afastados no Cevac? O senhor sabe como são as instalações lá e como se dá a dinâmica das visitas e do encontro entre esses pais e essas crianças?
O senhor pode nos falar sobre casos de crianças e adolescentes que se automutilam? O senhor já identificou algum caso de adultos auxiliando as crianças a se automutilar?
As escolas têm respeitado a vontade dos pais em não ensinar ideologia de gênero, o que foi retirado do Plano Nacional de Educação?
Pode nos falar de algum caso em que a Lei da Alienação Parental foi usada para proteger os agressores?
O senhor conhece casos de espetáculos e apresentações em escolas com travestis ou artistas que se apresentam para crianças e adolescentes sem roupa ou simulando cenas de pornografia? Tem sido recorrente as escolas pedirem trabalhos escolares com a apresentação de danças eróticas para crianças e adolescentes em nome da arte e cultura?
Há ocorrência de casos de trabalho infantil?
Eu vou passar aqui para o Dr. Daniel.
A palavra está com o Dr. Daniel.
O SR. DR. DANIEL SERPENTINO - Olha, atualmente não tenho exercido a jurisdição em vara de infância e juventude. O Dr. Gabriel certamente teria mais contato com essas questões específicas da infância e da juventude.
Quanto ao Cevac, eu já tive casos em que houve atendimento no local - um caso específico, quando exercia jurisdição, em Suzano, se eu não me engano, mas a família morava aqui na capital. Não visitei as instalações, não poderia afirmar a respeito. Aparentemente funcionava a contento, mas não posso dizer com propriedade. Com relação a denúncias relacionadas à ideologia de gênero na escola, sem dúvida já chegaram ao meu conhecimento, não como magistrado, casos concretos. Mas, pelo conhecimento que temos a respeito do assunto, há inúmeras denúncias desse ensino de questões ideológicas de gênero em escolas. Posso depois repassar aos senhores, se for o caso. Eu acho que é importante.
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Quanto às demais questões afetas à infância, talvez o Dr. Gabriel possa esclarecer com mais propriedade.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado, Dr. Daniel.
Eu tenho algumas questões aqui para o Dr. Gabriel. A CPI já foi informada de que algumas denúncias não caminham em virtude da falta de laudo pericial. Um dos motivos é o medo e a dificuldade de as crianças no IML participarem das perícias, por medo de entrar no mesmo prédio de cadáveres. Como são feitas as perícias médicas com as crianças? Os IMLs de São Paulo têm um local adequado para as crianças serem recebidas?
O senhor tem julgado casos de denúncias de maus-tratos em abrigos, creches ou instituições semelhantes?
A pergunta recorrente: em algum momento o senhor teve o seu trabalho dificultado por falta de apoio e colaboração das empresas de redes sociais ou das telefonias?
Pode nos informar sobre maus-tratos de crianças indígenas? Essa pergunta também já foi feita agora pela manhã.
Tem chegado a V. Exª denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes estrangeiros? Há denúncia de xenofobia contra crianças e adolescentes?
Quanto aos abrigos em São Paulo, as meninas e os meninos são abrigados juntos? Adolescentes de 17 anos permanecem abrigados com criminosos? Pode nos dizer sobre ocorrência de abusos e violência contra crianças praticados por adolescentes nos abrigos?
O senhor conhece quantos casos em que a guarda foi revertida em favor do denunciante sob a alegação de alienação parental?
Pode nos falar de ocorrência de casos de trabalho infantil no Estado de São Paulo ou na capital?
O senhor tem uma estimativa sobre quantos países, além do Brasil, possui essa lei de alienação parental?
O SR. DR. GABRIEL PIRES DO CAMPO SORMANI - Obrigado, Senador.
Começando pela última pergunta, eu sei que são poucos países. Em alguns deles essa legislação vem sendo derrubada. Eu não sei se há alguém na plateia que tenha essa informação, mas que eu saiba são poucos países, e, em alguns, essa legislação foi derrubada recentemente - parece que no México, salvo engano.
Quanto aos abrigos no Estado de São Paulo e quanto aos meninos e meninas serem abrigados juntos: sim. Os abrigos são o que, antigamente, tradicionalmente, as pessoas se referiam de forma coloquial como orfanatos. Muitas vezes são chamados também de instituição de acolhimento. O termo mais usado, hoje mais comum, é abrigo. Sim, as crianças e adolescentes são abrigadas, tanto meninos quanto meninas, sem essa diferenciação.
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Até os 17 anos, permanecem abrigados com criminoso? Não, a instituição onde adolescentes infratores, hoje chamados adolescentes em conflito com a lei, são acolhidos, no Estado de São Paulo, é a Fundação Casa. Não podemos confundir com os abrigos para crianças e adolescentes carentes. Então, os adolescentes que cometeram algum crime, ato infracional equiparado a crime, ficam internados - a gente usa essa expressão "internados" - na Fundação Casa, que é a antiga Febem, diferentemente de uma criança ou adolescente que, por qualquer contingência familiar, não tem onde marar ou foi afastado da família por drogadição, na maioria das vezes; essa é internada em um abrigo.
O que pode acontecer, muitas vezes isso tende a gerar um problema para nós que é de solução dificílima, é quando um adolescente internado por ato infracional sai da Fundação Casa ainda menor de idade, ainda não completou 18 anos, e não tem onde morar. Então, ele já cumpriu a medida socioeducativa. Digamos, ele praticou um assalto quando tinha 15 anos, cumpriu medida de internação na Fundação Casa, ele sai da Fundação Casa e não tem para onde ir, não tem família. Aí, ele precisa de algum lugar para morar. Aí, essa é a dificuldade, porque ele acaba tendo de ser colocado em um abrigo, onde há outras crianças e adolescentes que nunca infracionaram. Então, não sei se essa pergunta diz respeito a esse tipo de mistura, mas esse problema é realmente de dificílima solução. Uma vez que o Estado entende que aquele jovem já foi socioeducado, ele já cumpriu a medida dele, não haveria motivo para ele sofrer esse tipo de preconceito, e o Estado não o acolher. Ele precisa ser acolhido em algum abrigo.
Abuso sexual contra crianças praticado por adolescentes nos abrigos. Sim, isso infelizmente acontece. Nós não temos números claros em relação a isso, até porque muitos desses fatos devem nunca vir à tona, mas isso acontece, sim, porque há muitos abrigos nos quais não há - aliás, na maioria deles - uma separação por idade. Então, isso efetivamente acontece. Não vai aqui uma crítica covarde ao trabalho muitas vezes hercúleo desses profissionais, desses educadores de abrigo, que fazem o que podem, trabalham muitas vezes sem estrutura. Mas o fato é que, justamente por não ter a estrutura adequada, às vezes esse tipo de situação ocorre. Já tive contato com esse tipo de situação, infelizmente, de uma criança ser abusada por outra no abrigo. É preciso ter muita atenção em relação a isso, e o ideal seria, de fato, a especialização, se não entre meninos e meninas, no mínimo, por idade. Mas aí é uma questão realmente estrutural e de orçamento por que nós passamos.
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Denúncia de maus-tratos contra adolescentes e crianças estrangeiros. Nós temos aqui em São Paulo, junto à Vara da Penha, junto à Vara da Infância da Penha, cujo titular é o colega Paulo Roberto Fadigas César, um anexo especializado para acolher e abrigar crianças refugiadas. Esse anexo vem funcionando muito bem. A última carência que o anexo tinha era de profissionais versados em francês, pela origem de muitos jovens refugiados e crianças refugiadas aqui na cidade de São Paulo hoje em dia. O abrigo estava bem equipado no sentido de tradutores de inglês, mas faltavam profissionais versados em francês, o que foi solicitado em recente reunião na Prefeitura Municipal de São Paulo, que se dispôs a atender. O anexo vem funcionando bem. O colega Paulo Roberto Fadigas César é um aficionado pelo tema, muitíssimo preocupado. Nesse aspecto nós acreditamos estar encobertos.
Denúncias de xenofobia contra crianças e adolescentes. Eu, pessoalmente, não tenho conhecimento. O colega Fadigas talvez pudesse responder melhor a essa questão. Nunca conversou comigo a respeito. Não me parece que seja um problema maior aqui em São Paulo.
Denúncias de maus-tratos de crianças e adolescentes indígenas ou ciganos. Eu não tenho maiores informações a esse respeito. Corroboro a palestra do Dr. Yuri, aqui proferida pela manhã. Em relação às crianças ciganas, aqui em São Paulo me parece algo que independe da nossa atividade como juiz; é muito comum nós vermos crianças que aparentam ser ciganas com suas mães em estado de aparente maus cuidados, como pedintes pelas ruas de São Paulo. Isso não é incomum aqui no centro da cidade.
Denúncias de maus-tratos em abrigos, creches ou instituições semelhantes. Eu diria que o que mais chama atenção nos abrigos e instituições semelhantes em relação aos maus-tratos de crianças é não a situação de maus-tratos; é a situação realmente, por vezes, de falta de estrutura, principalmente no interior. A situação de falta de estrutura é o que mais me chama atenção. Às vezes, faltam profissionais bem treinados e falta uma quantidade maior de profissionais por criança - isso nos chama atenção -, o que acaba contribuindo para a situação de que eu comecei falando, de um garoto de 13 anos morando junto com um de sete, acaba acontecendo uma situação dessa. Eu vivi isso mais de uma vez como juiz. Às vezes, a criança... Era uma dupla de irmãos, eu me lembro. Eles foram abrigados, porque o padrasto abusava deles; a mãe fazia vistas grossas, e eles foram abrigados. O mais novo ainda não havia desenvolvido nenhum problema nesse sentido, mas o mais velho, que deve ter sido abusado por mais tempo, porque tinha 12, 13 anos, já tinha isso desenvolvido e tendia a abusar dos mais novinhos no abrigo, quando deixado sozinho com eles. Isso é muito complicado. E isso acabou prejudicando.
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Olha o azar que esse jovem, que esse menino deu na vida: ele conseguiu ser colocado em família substituta, para adoção. O casal foi cientificado da gravidade da situação... Não se omitiu, de maneira alguma, o histórico do garoto e a peculiaridade do caso. O casal de adotante pegou, muito bem-intencionado, com energia, eu me lembro, para conduzir o caso, mas eles tinham um filhinho pequeno em casa. E, apesar de atentos, submetendo o menininho a tratamento - o mais velho -, eventualmente, o menino abusou do filhinho biológico deles. E, aí, a adoção foi por terra. E esse menino voltou ao abrigo.
Nós não tínhamos outro lugar para colocá-lo. O único abrigo da cidade era esse, para meninos e meninas de todas as idades. Nós determinamos que todo tipo de tratamento possível a esse jovem fosse tentado, fosse diagnosticado e que se ficasse muito atento, sempre, com ele, 24 horas por dia. Mas o destino desse jovem, possivelmente, infelizmente, sem querer parecer determinista - eu não acredito nisso -, mas, infelizmente, muito provavelmente ele sairá do abrigo só aos 18 anos e com muitas dificuldades de desenvolver as suas potencialidades, com uma probabilidade grande de incidir em crime desse tipo de natureza.
A CPI já foi informada de algumas denúncias, que dizer de caminhos em virtude de falta de laudo pericial, inadequação do local da perícia. Eu acho que a informação procede. Uma criança ser ouvida em um ambiente hostil e desconhecido, ainda mais para tratar de algo de sua intimidade, é sempre muito ruim, prejudica a naturalidade do depoimento que essa criança vai prestar. Essa criança tende a ser ouvida mais de uma vez; e ela acaba sendo, portanto, revitimizada. É ouvida uma vez num lugar, depois é ouvida na delegacia, depois é ouvida no fórum de novo. Daí, portanto, parece-nos importante o trabalho no sentido de criarmos estruturas concentradas para esse tipo de situação, em que a mãe e a criança vão uma vez só, num ambiente amigável, lúdico, preparado para essa especificidade. Quem sabe no fórum, onde já haveria a promotoria de Justiça, juiz, psicólogo, assistente social, polícia, IML, tudo de uma vez? Isso é um sonho em que eu acredito.
A Drª Maria Domitila Manssur falou aqui de manhã e disse algo para o qual ela tem trabalhado muito, aqui em São Paulo. Esse é o sonho dela. É uma espécie de "Cidade da Criança" no Foro Central, aqui da Barra Funda. Enfim, instrumentalizar e equipar adequadamente o que hoje é um anexo da vara dela, um anexo de SANCTVS, para cuidar de crimes contra crianças e adolescentes. E a maioria absoluta são crimes sexuais.
Eu agradeço novamente a oportunidade.
É isso.
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O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado, Dr. Gabriel.
Dr. Carlos Eduardo Brechani, Promotor de Justiça, assessor do Centro de Apoio Cível do Ministério Público de São Paulo.
Quero saber se o senhor teve ou tem algum caso que acompanha cuja apuração foi dificultada pelas redes sociais ou empresa de telefonia; se o senhor pode precisar quantas crianças visitam as mães nos presídios do Estado de São Paulo; e quais as denúncias recorrentes contra os abrigos em São Paulo - se o senhor conhece casos de abusos e visitas em abrigos em São Paulo. E se existem casos de ganho de guarda compartilhada em que um dos pais se encontra preso.
Vou passar as perguntas aqui para o senhor.
O SR. CARLOS EDUARDO BRECHANI - Muito obrigado, Sr. Relator.
Eu gostaria de perguntar a V. Exª se é possível só fazer algumas ponderações sobre as perguntas que V. Exª fez ao Sr. Daniel.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Sim. Por favor.
O SR. CARLOS EDUARDO BRECHANI - Estando no Centro de Apoio Cível, na subárea da Infância e Juventude, nós não temos uma função de execução. Isso significa que nós não falamos nos processos. O nosso papel, além de representar o Procurador-Geral da Justiça em eventos ligados à infância e juventude e assessorá-lo nas questões de infância, também é apoiar os colegas que estão desenvolvendo os projetos. Então, muitas vezes, nós temos informações que são genéricas sobre o que está acontecendo. Mas, especificamente, sobre o caso, até mesmo em função do sigilo, que é inerente às apurações envolvendo infância e juventude, nós não temos maiores dados.
Mas eu queria agradecer a oportunidade que V. Exª conferiu, inclusive de fazer algumas colocações sobre as questões ligadas ao Dr. Gabriel e ao Dr. Daniel, para trazer uma problemática um pouco mais ampla de algumas questões ligadas à infância e juventude, porque, efetivamente, existem casos, sim, de maus-tratos em abrigos, creches ou instituições segregantes. Isso é recorrente, isso é muito comum, sejam maus-tratos causados por funcionários, sejam maus-tratos causados por outras crianças que estão abrigadas, muitas vezes até pela discrepância de idade.
Agora, em que eu queria amplificar a problemática? O Estatuto da Criança e do Adolescente é absolutamente claro quando ele diz que o responsável pelo cuidado com a infância e a juventude não é só a família, não é só a sociedade também: é o Estado. E, como nós estamos num país de dimensões continentais, é absolutamente natural que os Municípios tenham condições de estabelecer uma regulamentação própria, de preverem quais são as peculiaridades de cada Município.
Só que o problema dessas duas premissas é que a conclusão que nós alcançamos é que os Municípios foram praticamente abandonados no trato da infância e da juventude. Como o Dr. Gabriel colocou, a insuficiência de recursos é algo que nos toca e nos sensibiliza demais - demais. Nas visitas que fazemos às entidades de acolhimento, nos Municípios, nós notamos que as entidades, em regra, sobrevivem com doações de empresas e com uma parcela do dinheiro do fundo municipal dos direitos da criança e do adolescente, que é repassado.
Por mais que se diga que existe um apoio do Estado e um apoio da União - e, aí eu digo Estado como ente federativo, e não Estado como pessoa jurídica de direito público -, nós notamos que as entidades não têm o apoio financeiro para se estruturar, para capacitar seus funcionários, para contratar funcionário, para poder dar uma estrutura em que aquelas crianças e adolescentes que estão acolhidos ali possam sair com uma perspectiva.
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E aqui eu aproveito especificamente para falar dessa questão da falta de apoio para entrar na questão da Fundação Casa, que o Dr. Gabriel bem colocou. Do mesmo modo, para infância e juventude, a obrigação é da família, da sociedade e do Estado. E no que toca às medidas socioeducativas, quando elas são aplicadas... Quando estamos tratando de medidas em meio fechado, que é um termo que se usa para semiliberdade e internação, a responsabilidade é estadual.
O Estado está assumindo absolutamente sozinho o cumprimento das medidas socioeducativas em meio fechado. Por mais que haja não só toda a disciplina que já existiu sobre esse aspecto, as normas técnicas, as normas que foram editadas pelo Conanda, também agora há a Lei 12.594, de 2012, que é a lei que instituiu o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), que atribui à União essa responsabilidade. E, em toda reunião que nós temos aqui com a Fundação Casa no Estado de São Paulo, a reclamação é absolutamente a mesma: "Estamos isolados, sem nenhum tipo de apoio federal para que possamos garantir que esses adolescentes tenham algum outro tipo de perspectiva de vida."
Vou mais longe ainda. Estamos tratando de medidas socioeducativas em meio fechado. Um dia, com essas medidas socioeducativas, esses adolescentes estarão novamente convivendo conosco na sociedade. E o foco aqui não é nem punitivo, o foco é ressocializador, embora haja também uma carga repressiva. O problema é que, muitas vezes, esse adolescente sai do meio fechado e vai para uma medida que se chama medida em meio aberto, que normalmente é a liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade. Só que, em todas as normativas, a nossa política de atendimento socioassistencial prevê que as medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade sejam cumpridas por um equipamento da assistência social que se chama Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).
Qual é o problema que a gente tem? Os Creas obrigatoriamente deveriam existir nas cidades com mais de 20 mil habitantes. Eu não tenho exatamente aqui qual é a porcentagem perfeita disso, mas isso foi objeto de um estudo que tivemos, no mês passado, na Copeij, em Brasília, que é uma derivação do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais. E se chegou à conclusão de que cerca de 30% dos Municípios brasileiros não têm Creas, porque têm menos de 20 mil habitantes.
Como eu disse, eu não tenho essa proporção exatamente no ponto. Mas esses Municípios que não têm Creas não recebem apoio federal para cumprir a medida, ou seja, o Município, mais uma vez, se não bastasse o que já acontece nas entidades de acolhimento, agora no que toca às medidas em meio aberto, que são a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida, eles estão sozinhos no trato da criança e do adolescente.
Isso obviamente gera uma série de consequências: à desestrutura, leva a mais superlotação, leva à falta de capacitação e de condição dos funcionários para que possam lidar com esse quadro, leva à falta de equipamentos e de estrutura mínima para que aqueles adolescentes possam ter uma profissionalização, para que eles possam ter um ambiente que seja menos propenso a rebeliões, um ambiente menos propício a atos de violência. Então, eu queria trazer a V. Exª essa problemática, que é isso que nos tem, de fato, afligido bastante.
No que toca à questão da existência de algum caso que o Ministério Público acompanha em que a apuração tenha sido dificultada pelas redes sociais ou empresas de telefonia, o que nós temos hoje é uma...
(Intervenção fora do microfone.)
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O SR. CARLOS EDUARDO BRECHANI - Sim, existe. Eu não posso dizer um caso concreto, mas posso dizer que recebemos de colegas. Então, nós estamos atuando nisso.
Em geral, nas empresas de redes sociais - e aqui eu posso citar especificamente o Facebook, e vou dizer o porquê disso -, há um determinado controle interno para que casos de violação de direitos, casos de situação de risco, até mesmo de pedofilia, possam ser comunicados à entidade, ao próprio Facebook. O problema é que nós hoje temos uma realidade com uma quantidade de usuários imensa no Facebook. Então, eu imagino a quantidade de notícias de irregularidades que eles devem receber e eles certamente passam por um filtro interno para que, nesse filtro interno, cheguem à conclusão do que deve ser excluído ou não da publicação.
Como vários colegas nos trouxeram a realidade de que muitas vezes é preciso ajuizar uma ação para conseguir a exclusão desse determinado conteúdo, nós tivemos a oportunidade de chamar o Facebook e conversar com ele, propondo a ele uma alternativa para que aquelas pessoas que têm um conhecimento mais técnico do assunto, ou seja, aquelas pessoas que trabalham com o assunto, então naturalmente não vão agir tão apaixonadamente como o público em geral pode agir... A gente imagina que uma notícia, por mais verdadeira que seja, pode gerar a indignação de vários. V. Exª foi vítima disso no aeroporto, como bem disse. Nós, promotores e juízes e mesmo advogados ou defensores públicos, iremos agir com uma conotação mais técnica.
O Facebook foi muito receptivo a essa sugestão de que fosse criado um caminho diferente para que as notícias, inclusive de pedofilia, que fossem de conhecimento de promotores de justiça pudessem ser encaminhados a eles por um caminho diferente, e que, nesse caminho, nesse filtro, eles não fossem tão cuidadosos quanto acontece com o público em geral, justamente pelo que eu disse, porque a nossa avaliação é mais técnica. E, se nós iremos acionar, por exemplo, o Facebook para que eles tirem uma publicação, se essa publicação não for retirada, é muito provável que vai haver uma ação para que isso aconteça.
Por que eu ressalto tudo isso? Porque nós marcamos uma reunião, e o responsável pela segurança - não sei dizer exatamente qual é a posição da pessoa que vai estar presente, mas eu sei que ele é representante de toda a América Latina - estará amanhã, aqui no Ministério Público, num outro auditório, nesse mesmo andar, às 17h, para tratar disso. Então, fica o convite pelo Ministério Público a V. Exªs ou eventualmente a alguém presente, alguém da plateia que queira assistir, porque nós temos a esperança de que isso aconteça.
Ainda não tivemos a resposta afirmativa dele, mas temos esperança de que isso aconteça, porque, de fato, muitas vezes a apuração é dificultada talvez... Eu não vou chegar a dizer que seja por uma resistência injustificada deles, mas simplesmente porque o tempo em que uma publicação envolvendo abuso sexual com criança e adolescente fica no ar já é destrutivo. A gente precisa acabar com esse tempo. Quanto menos isso acontecer.... É ilusório acharmos que vamos conseguir evitar totalmente porque hoje nós temos não só a internet aberta, nós temos a darknet, mas se isso for muito curto espaço de tempo conseguimos assegurar a proteção da criança e do adolescente para daí partir para a fase da responsabilização.
A próxima pergunta é quantas crianças visitam as mães nos presídios no Estado de São Paulo. Esse número é muito difícil de estabelecer até porque está sendo estabelecida agora com o nosso setor de inteligência, inclusive, uma parceria maior com a Secretaria de Administração Penitenciária para que a gente consiga ter números mais precisos. As visitas são frequentes, as visitas acontecem bastante, e o que nos preocupa, em geral, não é a visita em si.
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Repetindo o que eu disse inicialmente, a gente tem que ter o foco na criança e no direito que a criança tem à convivência familiar, e não o foco na mãe ou no pai. Só que a gente perdeu esse mecanismo de análise. Porque, a partir do momento em que não foi mais exigida autorização judicial, qualquer criança pode visitar o presídio a qualquer momento, e a criança, no meu ponto de vista, passou a ser um objeto do interesse dos pais - e a gente está falando de visita no mesmo dia em que há visitas íntimas nos presídios. Como vai ficar a visita de uma criança de tenra idade quando ela vai visitar o pai ou mãe no presídio, e está acontecendo uma visita íntima em determinado local? Indo mais longe ainda: como vai ser uma revista de uma menor de idade que quer visitar o pai no presídio?
Então, o que a gente nota - e aqui eu simplesmente amplio essa problemática para V. Exª -, é que essa tendência de tratar a criança como um adulto em miniatura, em que a criança está absolutamente isenta de qualquer necessidade e de proteção especial, tem gerado distorções que, no meu ponto de vista, com todo o respeito e com a máxima vênia, talvez não tenha passado pela cabeça do legislador que elaborou essa lei - ele analisar, ele refletir sobre essa questão específica do desenvolvimento de cada criança e adolescente, e de como isso pode impactar no desenvolvimento psíquico dela.
Enfim, eu digo isso apenas porque eu creio que, ainda que não seja por meio de lei, é necessário que haja um decreto regulamentando isso para que, pelo menos, essas questões ligadas à visitação, à revista íntima, à visita íntima no dia, e até mesmo aqueles casos de divergência entre pais e responsáveis... E se, por exemplo, o pai preso quer a visita da criança, e a mãe, que está do lado de fora, não quer permitir a visita? Se for analisar a lei friamente, o pai tem o direito, mesmo se opondo contra a mãe. Enfim, parece-me que isso acabou ficando um pouco nebuloso, e a criança infelizmente foi deixada numa posição de objeto, numa posição secundária.
Quanto às denúncias recorrentes contra os abrigos em São Paulo e aos casos de abusos em abrigos, eu trago novamente à tona o comentário que eu fiz anteriormente a V. Exª: creio que o problema aqui talvez não seja especificamente a visita em si, talvez não sejam os abrigos em si, mas a absoluta falta de condições financeiras de eles terem uma estrutura mínima.
Por fim, se existe algum caso de ganho de guarda compartilhada em que um dos pais encontra-se preso, seria uma leviandade dizer se existe ou se não existe. O que eu posso comentar a V. Exª é que, como Promotor de Justiça, porque embora eu esteja aqui na assessoria provisoriamente, o meu cargo é de família, eu posso dizer com tranquilidade que a maioria absoluta dos juízes e promotores olham os casos de guarda compartilhada com muito cuidado. Aqui eu retorno ao aspecto de a criança ser colocada como objeto. A criança ser inserida no regime de guarda compartilhada porque isso interessa aos pais, isso não pode ser admitido de modo algum. Isso só pode ser admitido se for benéfico para a criança.
Então, a gente já começa tendo alguns indicativos. Por exemplo, num processo de divórcio litigioso, a probabilidade de haver uma guarda compartilhada vai ser mínima - pelo menos de dar certo essa guarda compartilhada -, porque, se os pais não conseguem se acertar nem mesmo quanto à divisão dos bens, como eles vão se acertar com relação à educação dos filhos? E a educação compartilhada é da natureza da guarda compartilhada. Digo isso aqui não como assessor, mas pela minha experiência no cargo. Precisamos colocar a criança e o adolescente na guarda compartilhada como sujeitos de direito, e concordar com essas medidas quando de fato interessar a elas. Só peço vênia por não poder trazer aqui casos concretos, pelo tempo que estou afastado do cargo e também porque não temos condições de falar sobre tolerabilidade do Estado.
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Essas são as palavras que queria dirigir a V. Exª para ampliar um pouco essa problemática. E, perdoe-me, peço só a gentileza de mais um rápido aspecto, que é sobre os casos de trabalho infantil, sobre o que o Dr. Gabriel colocou.
Se V. Exª também me permite, muitas vezes a gente tem notado o trabalho infantil na ótica do empregador, mas precisa pensar também o trabalho infantil na ótica do adolescente, porque eu atendi também, como Promotor de Justiça da Infância, vários casos em que o adolescente vinha conversar comigo, numa oitiva informal na promotoria, porque praticou um ato infracional. Mesmo tendo disponibilidade no trabalho, por exemplo, como aprendiz, como aprendizado - e muitas vezes adolescentes maiores de 18 anos e menores de 21, que não podem ser atingidos pelo ECA -, eles simplesmente relatavam para mim o seguinte: "Doutor, eu trabalho aqui num regime de escala de 12 por 36" - ou seja, ele fica 12 horas na boca, traficando, depois tem 36 horas de folga. A cada 12 horas em que fico lá, ganho R$500. Então, o senhor acha que vou querer seguir outro rumo?"
Isso é um indicativo de quê? É um indicativo de que o trabalho, numa eventual medida de liberdade assistida ou apresentação de serviço à comunidade, foi frustrado. O adolescente não desenvolveu a criticidade sobre o que está fazendo. Isso significa que, se aquele adolescente tiver um histórico de internação, o trabalho foi frustrado. E foi frustrado por quê? Como mencionei a V. Exª, pela falta de participação federal em verbas.
Não digo que isso resolverá o problema, mas pelo menos poderemos olhar para trás e ver que o que era disponível, o que era possível foi feito.
Então, a gente nota que, com aqueles adolescentes que estão nesse ponto de praticar um ato infracional - às vezes, com mais de 18 anos, por crime -, com essa ótica do dinheiro fácil... A gente tem que ver que não adianta propor para o adolescente outro tipo de trabalho, porque ele não vai lutar por esse trabalho. Ele precisa desenvolver esse aspecto crítico nele.
E, no que toca aos adolescentes que querem desenvolver um trabalho lícito, embora não devessem, eles acabam se inserindo em lava rápido, trabalhando em mecânicas, trabalhando da forma mais precária possível, e eles fazem isso justamente, também, pela falta de apoio familiar, de apoio estrutural, não no sentido de fazer superar, no meu ponto de vista, uma condição que têm de deficiência, mas no aspecto de dar oportunidade para que possam seguir outro caminho.
Então, sobre o trabalho infantil, tentando resumir, há duas situações. Existe a situação do adolescente que se insere no mercado de trabalho, previamente um trabalho infantil, não por força do empregador, mas porque ele quer. Ele está na ânsia de conseguir outro tipo de vida, e isso a gente consegue suprir muito tranquilamente com algum tipo de política que possa ser desenvolvida, de apoio à criança e ao adolescente.
No que toca à outra linha de adolescente, que é aquele que se insere numa linha de trabalho, mas de trabalho ilícito, e ele faz isso por uma questão meramente de retorno mais fácil, porque é uma atividade lucrativa, embora ilícita, não adianta a gente pensar em dar para o adolescente caminhos alternativos. A gente precisa desenvolver a criticidade.
Aí se cai no aspecto que mencionei a V. Exª: a falta de apoio da União para as medidas socioeducativas em meio aberto, para as medidas socioeducativas em meio fechado e, naturalmente, em todas as demais políticas de assistência social voltadas para a criança e para os adolescentes de cada comarca.
Perdoe por me alongar. Queria agradecer, mais uma vez, a V. Exª, ao Exmo Sr. Presidente. Agradeço a oportunidade. Obrigado.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Eu que agradeço.
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Queria ainda ouvir as três últimas colocações a respeito da lei de alienação parental, principalmente do Dr. Gabriel, que dissertou sobre ela aqui.
O senhor tem alguma sugestão para essa lei, ela tem conserto? O que o senhor poderia falar o Legislativo brasileiro a respeito desse instrumento que foi colocado e que o senhor bem citou aqui que tem sido mal usado. Nós tivemos oportunidade de ouvir também lá no Senado algumas mulheres dentro dessa CPI que levantaram o mesmo tema, o mesmo problema.
Eu gostaria que o senhor nos pudesse falar alguma coisa a respeito.
O SR. GABRIEL PIRES DE CAMPO SORMANI - Eu sei que existem grupos que batalham pela revogação completa dessa lei. A princípio, a minha fala não veio a pleitear esse tipo de solução.
Eu julgo importante colocar é que os operadores do Direito que trabalham com essa lei saibam, conheçam a origem dela, a origem da teoria que fundamenta essa lei. Isso acho que precisa ser debatido. E não estou com ela aqui na minha frente nem a conheço de cor, mas talvez existam alguns artigos que possam ser alterados na lei, relativizados.
Realmente me preocupa a origem dessa teoria e o fato de, independentemente do que eu disse aqui sobre as preferências desse Sr. Richard Gardner, de fato, ser uma teoria contestada na Psicologia, não há um consenso sobre ela. Nós temos uma lei que pode peremptoriamente rotular uma mãe em cuja cabeça está exercendo o seu múnus de proteção àquele filho contra um acusador como alienadora e gerar uma inversão de guarda. Parece-me perigoso. Acho que essa lei precisa ser mais bem debatida talvez.
Muito obrigado.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Presidente.
O SR. CARLOS EDUARDO BRECHANI - Na verdade, Excelência, sobre essa questão da alienação parental, é preciso tomar bastante cuidado para compreender que a alienação parental tem que existir, novamente, para proteger a criança e o adolescente. Ela acontece, muitas vezes, quando o casal, no processo de divórcio, não consegue assimilar o luto decorrente daquela separação e, em razão disso, ele tira a criança do convívio da outra parte com a finalidade de punir o outro cônjuge pela causa da separação, enfim.
A alienação parental em si - e temos que tomar cuidado para não misturar com a síndrome da alienação parental, os efeitos que isso pode gerar na criança com a alienação parental em si - parece-me que, muitas vezes, é analisada muito - vou tentar usar uma palavra, um termo que seja menos pesado - um pouco amadoristicamente em cada local.
Os juízes, os promotores em geral, muitas vezes, se valem de um estudo, de uma análise feita por uma assistente social, uma psicóloga, todas do juízo, e, como o Dr. Gabriel falou, muitas vezes, não há nem conhecimento de que uma lei ou uma teoria da alienação parental possa ter surgido para viabilizar atos dessa natureza.
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Parece-me, do meu ponto de vista, que talvez se deva discutir como esse "diagnóstico", entre aspas, vai ser lavrado, vai ser concluído, e de que modo, que ações são necessárias para garantir que a integridade psíquica daquela criança seja preservada. Então, ainda que... Não estamos falando aqui de um caso, por exemplo, de pedofilia, que é um caso absurdo, um caso que é causa de perda do poder familiar. É impossível imaginar uma visita de um pai acusado de um ato de pedofilia, porque ele vai perder, provavelmente, o poder familiar. Mas talvez discutir mais profundamente o que é possível fazer em termos legislativos para garantir que isso seja um processo, e não uma conclusão em uma ou duas visitas que são feitas junto à criança e ao adolescente - chega-se à conclusão de que está havendo um ato de alienação parental e muitas vezes a criança pode até ser prejudicada nessa avaliação. Enfim, acho que é esta a colocação.
Eu só citaria, eventualmente, para reflexão, a questão da tipicidade do ato um pouco aberta, que deixaria nas mãos, às vezes, de uma interpretação muito fluida também. O que configuraria esse ato? Talvez o Legislativo pudesse se debruçar a respeito do que, objetivamente, de fato poderia caracterizá-lo.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado.
Passo a palavra ao nosso Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Ainda sobre a alienação parental, a informação que a gente tem...
Espero não estar repetindo o que falaram na minha ausência, porque isso ocorre muito no nosso ambiente de trabalho no Parlamento. Quando há uma sessão solene para homenagear 100 anos de não sei o quê, 50 anos de não sei o quê, comemoração disso e daquilo, aí os caras mandam o assessor fazer o discurso deles. Os caras vão no Google e levantam que foi fundada na época tal, não sei o quê, pela família tal, que contribuiu com não sei o quê, que fez isso e abriu não sei onde, e mais não sei o quê, no ano tal aconteceu isso... Todo mundo levanta a mesma coisa. Aí, o sujeito, a sessão começa e ele não está. Um fez o discurso e já leu isso tudo. Aí o outro chega lá e fala em nome do partido dele com um discurso que o Dr. Google deu as mesmas informações, e o cara não estava lá, fala comigo, fala a mesma coisa.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Doutor quem?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Google.
Aí o outro vem e fala a mesma coisa; fala comigo, fala a mesma coisa, e tal. Eu até estou com medo agora dessa sessão dos 500 anos da reforma. Tenho até que avisar para quem for falar para ficar lá, para não falar a mesma coisa, não é? Então, não pode dizer que não foi Lutero, mas o sujeito precisa ser criativo.
Então, se eu estiver falando o que já falaram aqui, por favor alguém diga: "Olha, menos, porque você não estava aqui."
É informação simples, de que o Brasil é o único país do mundo que... Todo mundo já aboliu - o único foi o México - a lei da alienação parental. Mas eu acho que há coisas tão simples e que a gente, por não conhecer a origem... E aqui eu não quero criticar quem foi atrás disso, até porque na CPI da Pedofilia eu ouvi uma mãe, médica, sofrida, de Paulo Afonso, que trouxe o filho para a CPI. Veio com o filho, chorando. Essa mulher deu um depoimento lá, em que Tuma, que era vivo, era meu Vice-Presidente na CPI da Pedofilia, chorou igual a uma criança. E essa mulher chorava, se desmanchava em água, mas não testificou com o meu coração.
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O marido dela, um diretor da Chesf na Bahia, foi preso. Foi feito o inquérito, e ele foi preso, foi desmoralizado. Depois, foi solto, e eu convoquei a assistente social, a psicóloga que fez os laudos, e convoquei o pai da criança também, esse diretor da Chesf. E Drª Tatiana, uma psicóloga juramentada estava assistindo à reunião da CPI, especialista em depoimento sem dano, e eu disse: "Olha, para mim, essa doutora é Mandrake. Vamos investigar."
No dia do depoimento daquele homem, comecei a falar e tal. Ele começou a falar, e tal, sobre os problemas dele. Era o segundo casamento dele, ele ficou viúvo com dois filhos, uma menina de dois anos e meio e um menininho de um, e que ele criou esses meninos como pai e mãe. E o homem começa a falar que nunca cometeu esse crime, que foi desmoralizado. E eu ouvindo. Aí, ele falou que a mulher tinha um desequilíbrio emocional e que eles faziam tratamento com psicólogo, não sei o que e tal.
Perguntei quem era a psicóloga e pedi para anotarem para chamarmos a psicóloga que tomava conta do casal. Fiz tudo direitinho. Fomos fazendo tudo direitinho, chamando. No dia de ser ouvido o homem: "O senhor ficou com duas crianças de quantos anos?" "A menina, de dois anos e meio, e o menino, de um ano." "Com que idade já estão seus filhos?" Ele falou que a menina tinha 25 e ia fazer 26, e o menino tinha 22 anos. Eu falei: "Convoquem esses dois meninos aqui."
Aí, o rapaz levantou a mão, e uma moça lá atrás também, dizendo: "Nós estamos aqui, nós somos filhos dele". "Vocês são os filhos dele? Venham cá e sentem aqui. Seu pai ficou viúvo quando você tinha quantos meses?" "Dois anos e meio". "Ele abusou de você?" "Não." "E você?" O menino começou a chorar. "Até os 22 anos, meu pai ficou comigo sozinho, e ela, e eu tinha um ano. Meu pai foi pai e mãe e é homem. E minha grande dor é ter visto meu pai desmoralizado pelo que nunca fez." Os dois filhos dele.
Aí, eu chamei a psicóloga. A psicóloga veio e deu o relatório. Falou: "Quando eu ouvi o que ele falou aqui, que, lá na cidade, estava todo mundo vendo e ouvindo pela internet, e eu sempre soube, como psicóloga, que esse homem não fez isso."
Mas ela veio culpando a delegada, falando mal da delegada e falando mal do Ministério Público e que esse homem precisava morrer na cadeia, que não sei o quê, tal, tal, tal.
Aí veio a minha desconfiança. "Se esse homem foi preso, é porque a delegada fez um bom inquérito, com base no que falaram. E o Ministério Público viu um bom inquérito e denunciou. Ele foi preso. Não sei por que a senhora está reclamando dessa área aqui." Aqui, trouxe a delegada, foi isso, isso e isso.
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Bom, no final das contas, é o seguinte: o Ministério Público foi falar, a Polícia Federal também foi, e passaram lá uma semana, todo mundo disfarçado, visitando um, visitando outro. O fato é o seguinte: a mulher é psicopata, o garoto decorou a história e, na maior tranquilidade do mundo, ela perdeu o filho. Agora, dá um filho para ele. Ele sabia criar um filho e ela não sabia. E aí vamos ver os laudos. Ela: "Não, estão aqui os laudos do psicólogo, que não sei o quê, da assistente social"... A assistente social falou assim: "Não, eu não..." Isso aí a gente estava ouvindo e escrevendo o que ela falou. Aqui eu escrevi o que ela falou: "Não, porque meu filho vai, volta assim. O menino voltou fazendo isso, não sei o quê, o menino..." Eu fui botando, e, no final, assinei o que eu tinha ouvido. Não tem laudo. Isso aqui não é laudo meu dizendo a verdade, verdade, verdade, verdade, verdade. Toda regra tem exceção.
Agora, penso na falta de necessidade desse encontro de tantos... A lei diz que falsa comunicação de crime é crime. Ponto. Eu não precisava de lei de alienação parental para dizer que essa mulher tinha cometido um crime. A lei já diz que falsa comunicação de crime é crime. Ponto. Um pai cometeu um crime e vai lá. Ah, não, vai lá e faz o BO, que o delegado vai investigar, e vai descobrir que é verdade ou que é mentira. Eu realmente não sabia... Eu debato esse tema faz tempo. Eu não sabia - eu te agradeço muito - da origem, quem escreveu isso e com essa claridade toda aí tendenciosa para chegar a algum lugar. Eu quero até... Porque você fez uma cópia desses parágrafos, e eu quero ler. É preciso realmente entender isso. Se nossa lei diz que falsa comunicação de crime é crime, a mãe que comunique o crime, e eles investiguem. Já tem a lei. Agora, realmente, essa lei de alienação parental possibilita todas essas coisas. E essa lei de alienação parental... Não tem um que eu fui ouvir, que eu conversei formal e resolvi atender, porque eu não atendo ninguém assim, informalmente, que a mãe não é chamada de doida, que a mãe é mentirosa, que é psicopata, que inventou essa conversa...
Eu convivi com muitos na CPI da Pedofilia, juntamente também... Porque a CPI, quando prende, ela não tem esse poder todo para tal, embora tenha poder de justiça, de polícia, mas já o faz com uma investigação pronta tanto da Polícia e do próprio Ministério Público, que pede... Na verdade, na condição de juiz aqui, se chegar um mandado de prisão aqui para mim, eu vou ter que... Senão eu vou prevaricar. Eu tenho que fazer o mandado de prisão. Eu tenho que efetuar a prisão, aliás.
E muito pai abusador. Você está ali com o crime na mão, gravado, filmado, porque não tem cabimento um menino que fica o dia inteiro metendo o dedinho no ânus e se masturbando. Com um dedinho no ânus e se masturbando o tempo inteiro, porque ele já nasceu sabendo aquilo. Quem ensinou? "Papai ensinou. Foi papai." Entendeu? "Papai botou o leitinho dele aqui." E aí foi a mãe que inventou.
Então, o seguinte: se a mãe estiver mentindo, está comunicando um crime falso e vai pagar. Ponto. É isso que é a lei. E eu acho que realmente demanda uma discussão muito forte a partir da origem de tudo isso aqui. Eu confesso que nunca soube - não sei se você sabia - dessa origem. Eu saí fotografando o livro aqui... Para comprar, não é?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Vou comprar e te dar de presente.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, as partes eu quero ler. Já grifou ali e tal. Quero ver o índice de leitura.
Agradeço muito a maneira como... Vocês não levem em consideração o que eu estou falando, não, assim, se eu cometi algum erro, porque eu sou analfabeto profissional. Eu sou analfabeto jurídico, e, por nunca ter estudado nada, eu falo o que eu quero. Eu tenho que... Eu posso falar o que eu quero. Eu estou autorizado.
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Agora, quem estudou não está; tem que medir as palavras, falar o negócio direitinho, não sei o quê. Eu, não. Mas eu estou convencido de que temos lei. Falsa comunicação de crime é crime, ponto, acabou. E essa é uma lei, por exemplo, que vale para tudo: vale para a delação premiada, vale para uma série de coisas, e tal. O cara que faz uma delação e mente, nada do que ele falou bate, ele não vai ter benefício; muito pelo contrário, ele deve ter uma pena aumentada, porque ele cometeu mais um crime.
Mas eu acho que é por aí. Nós vamos ter muito debate a fazer dentro dessa proposta, agradeço muito o seu conhecimento, doutor, de ideologia de gênero, e essa semana eu vi, e ninguém nunca viu, ideologia de gênero em pessoa, assim, encarnado. E eu vi. Eu vi o Senador Randolfe, o Harry Potter, sentado do lado de Davi Alcolumbre - um do DEM e o outro do Rede. Um, centro-direita, e o outro, esquerda-esquerda-esquerda. Eu desci da tribuna e fiquei olhando para os dois. Davi falou: "O que é que você está olhando?" Eu falei: "Eu estou vendo a ideologia de gênero." "Como assim?" "Está aqui o gênero humano, com vocês dois: sua ideologia é de direita, a dele é de esquerda, e vocês, quando chega a eleição, nem a ideologia dele vale nem a sua vale; vocês querem é ganhar."
Como é que pode um cara de esquerda se juntar com outro que é do DEM? Isso, sim, é ideologia de gênero, aí está o gênero sentado, e cada um tem uma ideologia diferente. Aqui! Mas lá, na eleição, não existe ideologia. Ainda eu vou pegar os dois sentados, vou fazer um vídeo e vou botar na internet: "Aqui está a ideologia de gênero." Então, eu já consegui ver, encarnado, o que ninguém viu: ideologia de gênero.
Eu agradeço muito, e gostaria de poder contar um pouco mais... Aliás, com todos, que esses temas interessam mais, como a ideologia de gênero, para que a gente possa conversar um pouco mais, aprofundar nessas questões. Nós precisamos, assim como eles fazem - e eles querem escola com partido, para ter a condição de catequizar, de doutrinar, mas a Bíblia diz que os filhos das trevas são mais prudentes que os filhos da luz; nós podíamos estar fazendo isso: ensinando as pessoas de bem, preparando as pessoas de bem para entrar dentro do debate, mas infelizmente ficamos, nós, conosco, parece que não queremos trocar informação. Eu estou parecendo a Polícia com o Ministério Público... Na hora que eu vi aquela foto ali, eu falei para o Cosenzo: "Graças a Deus, a Polícia e o Ministério Público juntos." E para mim é duro, do jeito que eu convivo com os dois, amigo dos dois, o coração está no Ministério Público, o coração está na Polícia Federal; quando tem uma demanda, que um começa a puxar de um lado e o outro a puxar do outro, sou eu, entendeu? "O inquérito é meu, a investigação é nossa", e tal, e "Não, é dos dois", e aí você fica...
E quero, antes de encerrar, cumprimentar aqui o Cosenzo e dizer que se o Congresso Nacional, a Câmara e o Senado não aprovaram a PEC 37, embora todo mundo saiba que o volume das passeatas na rua acabou de sepultar, é porque ninguém conhece o trabalho, antes das passeatas, comandado pelo Cosenzo no Congresso Nacional.
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Acho que o Ministério Público é muito importante para o País, é uma das instituições mais importantes que essa Nação tem, e não pode se deixar arranhar, como duramente foi nos últimos dias, até porque o povo não sabe separar Ministério Público Federal de Ministério Público estadual. Ministério Público, aí, entra todo mundo. E o Conselho Nacional do Ministério Público, eu já estava no Senado, votei e debati, ajudei a criar, foi criado exatamente para julgar, o controle externo, éticos e não-éticos promotores e procuradores, como o CNJ foi criado também para julgar casos éticos e não éticos de magistrados, mas se transformou numa outra coisa, até em fazedor de lei, porque Joaquim Barbosa, quando era Presidente do CNJ, mandou uma ordem, como Presidente, para os cartórios fazerem casamento homossexual. Não sei onde é que Joaquim Barbosa faz lei, não sei onde é que o CNJ faz lei.
Essas coisas todas vão arrancando o crédito - vão arrancando o crédito - e isso é horroroso. Isso é horroroso, isso é horroroso. Eu dizia que você, quando quer cooperar com a sociedade, e o cara que tem juízo e quer, na vida pública, ser probo, ser honesto, ser decente, eu acho que a gente se valer desses instrumentos, porque está cheio de gente de bem, bem-intencionada na instituição, mas criou-se uma cultura no interior de que o cara era obrigado a ter medo do promotor da cidade. E tem um adágio mais velho do que a cultura de ter medo: é que quem não deve não teme, não é? Não deve, não teme. E a sociedade precisa saber disso.
A lei é feita pelo legislador, e acabou. Aí, o cara chega para o Prefeito, choveu, cai o muro da creche. Aí, o promotor o chama e fala: "Olha, tem 24 horas para fazer o muro." "Mas, doutor, eu não consigo." "Eu abro procedimento contra você." Aí, o cara amarela. Vai lá e tenta fazer. Toma dois procedimentos: primeiro, porque não fez licitação e, depois, porque fez e não conseguiu fazer na hora em que o promotor mandou.
Aí, o cara toma um procedimento, e esse medo prejudica o Brasil. Eu tenho falado: não tem que ter medo. Se você é do bem, você vai ter medo de quê? Você vai ter medo de quê?
Agora, o medo é por quê? Porque nós vivemos já, há muitos anos, de homens públicos perdulários - perdulários -, muitas aves de rapina - muitas aves de rapina - e que nesse novo momento, de um aculturamento, que nós estamos vivendo, que a Nação acordou a partir do advento da internet, menos ainda, porque o Ministério Público, enquanto instituição, é o grande aliado do povo, é o grande aliado da sociedade - é o grande aliado da sociedade.
Então, assim como em toda e qualquer atividade você tem exceções; onde não devia ter, e tenho até tentado avisar, porque onde há trigo há joio, era na igreja. Teoricamente, o lugar que fala de Deus, o povo fala de Deus, fala - fala, fala - de Deus, está cheio de pilantra, imagine em outras atividades.
Então, eu quero dizer que a minha experiência com o Ministério Público, tanto Federal, quanto estadual, tem sido positiva desde que comecei a conviver a partir do meu mandato de Deputado Federal, porque foi tão rápido que, com quatro meses, eu era Presidente da maior CPI do País, que era a CPI do Narcotráfico, e não realizei nada sem que eu tivesse o Ministério Público e a Polícia Federal. Tudo veio dali, da prisão de Hildebrando Pascoal, estava me lembrando, a Procuradora era a Drª Dodge, que hoje é a Procuradora-Geral. Ela é que era a Procuradora daquele caso.
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E convivi, no Acre, com aquele terror imenso, tocado pela família Pascoal e tantos outros, em que tivemos a resistência do Ministério Público do Acre. Então, nessa minha relação, eu só tenho que agradecer a Deus pela instituição e saber que, para mudar este País, para passá-lo a limpo, de fato, não será possível sem um Ministério Público atuante. Não é o arranhão de quem arranhou o Ministério Público e não deveria fazê-lo e não é um arranhão produzido pelos concurseiros que vai mexer na estabilidade e na responsabilidade do Ministério Público. Tenho certeza disso e agora mais ainda, com esse novo momento que a Nação vai viver. Nós vamos viver pelo menos de dez a quinze anos de exceção por causa da violência instalada neste País, com homens públicos sem moral, sem força moral, sem força de qualquer ordem para poder fazer um enfrentamento em nome da sociedade. É preciso, é preciso... E essa figura é uma figura do Ministério Público.
E aproveito também porque esse advento todo de mudança que ocorre no Brasil neste momento, essa tampa do esgoto que foi tirada, este momento depurativo que a Nação começa a viver parece um momento feio, mas é o mais lindo que nós já vimos no Brasil, porque o País está sendo passado a limpo, está sendo depurado. E é um tumor em que a gente vê pus todos os dias, e pus fede e tumor dói. Mas nós estamos vivendo um momento que nunca vimos e temos que agradecer a Deus, porque o instrumento, de fato, é o Ministério Público, é a Polícia Federal, a Polícia como um todo, porque a Polícia está cheia de homens de bem. E vai viver muito mais por conta dessas operações que vêm ocorrendo a fim de debelar a corrupção no País.
Eu fico muito honrado de estar aqui, de ter sido recebido aqui. Nós vamos ter ainda mais um dia juntos. Mas eu gostaria de fazer esses comentários que estão no meu coração. A Bíblia diz que nós não devemos desprezar os dias dos pequenos começos. E quem não sabe agradecer e tem lembranças profundas dos começos, o seu futuro será incerto. Então, eu sou grato. Agradeço aos assessores, agradeço a Deus por este dia de hoje.
Está suspensa a reunião.
Muito obrigado ao Dr. Matheus, aos convidados, à Simone.
Amanhã nós continuaremos com o Sr. Matheus, que é um Procurador da República. Quanto a essas mães, eu não vou citar os nomes. O Sr. Cristiano Vieira Gonçalves Hutter, Coordenadora Regional da Funai; o Sr. Wagner Schwartz, artista da exposição "35ª Panorama da Arte Brasileira"; Luiz Camillo Osorio, curador da Exposição "Brasil por Multiplicação"; Felipe Chaimovich, curador de Arte do Museu Moderno de São Paulo, e a Srª Elizabeth Finger.
Comunico que a Polícia Federal está à busca da notificação dessas pessoas, e nós esperamos que elas estejam aqui amanhã porque estão convocadas e deixar de comparecer à convocação...
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Relembro que o curador da exposição de Porto Alegre, Queermuseu, aquela exposição acintosa, afrontadora, proposta de violações, entrou no Supremo, pedindo habeas corpus, para não depor, e o Ministro Alexandre negou e no seu texto de redação deu uma verdadeira aula àquele cidadão, a respeito de uma CPI, o que ela é, o que representa e como funciona
Amanhã, retomaremos às 9h da manhã.
Está suspensa a sessão, em nome de Deus.
(Iniciada às 9 horas e 30 minutos e suspensa às 16 horas e 49 minutos do dia 23/10/2017, a reunião é reaberta às 9 horas e 30 minutos do dia 24/10/2017.)