Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Peço desculpas a todos e a todas, pois aconteceu um acidente entre o trajeto da minha casa e o Parlamento. Eu sou muito pontual; eu abro às 9h, em ponto, sempre. Então, já peço desculpas, pois hoje abri às 9h30min nossa reunião. Sejam todos bem-vindos. Vamos à nossa audiência. Declaro aberta a 86ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. A audiência pública de hoje será realizada nos termos do Requerimento nº 89, de 2017, de nossa autoria, para debater a securitização de créditos recebíveis. Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-los por meio do Portal e-Cidadania, link: www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do nº 0800-612211. |
| R | Como estou atrasado - não é, Fattorelli? -, vamos de imediato aos convidados. Convido para que venha compor a Mesa: Maria Lucia Fattorelli, Auditora aposentada da Receita Federal e Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida. Peço uma salva de palmas. (Palmas.) Este evento todo foi ela que organizou, que elaborou; tanto que eu vou pedir para que você fique todo o período na Mesa, caso tenhamos que montar mais de uma Mesa. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso; mas você fica nesta e fica na segunda também. Você é a nossa estrela da noite aqui. Convidamos Paulo Ramos, Deputado Estadual, representante da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Foi Constituinte comigo, guerreiro de todas as horas. É uma alegria revê-lo. (Palmas.) A Constituição Cidadã tem muito da lavra de homens como o Paulo Ramos - homens e mulheres -, com a mesma competência, coragem e peleia. Gilson Reis, Vereador, representante da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Presidente da CPI da PBH Ativos. (Palmas.) Gilson Reis, com quem já tive oportunidade de me encontrar em muitos momentos, foi um dos responsáveis por um grande debate sobre as reformas, com o próprio Presidente da Casa; por provocação dele aqui, fomos para lá, e resultado foi muito interessante. Hilton Coelho, Vereador, representante da Câmara Municipal de Salvador. Eu, como ganhei o título de cidadão baiano, sinto-me em casa com a sua presença aqui. (Palmas.) Alessandro Aurélio Caldeira, Diretor de Fiscalização da Dívida Pública, da Política Econômica e da Contabilidade Federal do Tribunal de Contas União (TCU). O TCU tem nos ajudado muito aqui, inclusive na CPI da Previdência. Um abraço. (Palmas.) Ladislau Dowbor, Economista e Professor Titular de Pós-Graduação da PUC-SP. Seja bem-vindo, mestre. (Palmas.) Queria registrar a presença também do nosso querido Hermes Zaneti, que foi Constituinte. (Palmas.) Venha aqui nos dar um abraço, Zaneti. Ele está escrevendo um livro, agora, sobre a dívida externa. O Deputado Edmilson Rodrigues está presente também. Edmilson, tire uma foto - você e o Zaneti - com a gente aqui. (Palmas.) Depois nós iniciamos... (Intervenções fora do microfone.) |
| R | O Edmilson é um dos principais peleadores pelos direitos do povo brasileiro lá na Câmara dos Deputados. (Pausa.) Então, para ganhar tempo... Já acertei com o Zaneti que vamos lançar o livro dele aqui também. Tu lanças em Porto Alegre e lanças aqui. Vamos ver se os nossos convidados de hoje podem estar presentes. De imediato, eu passo a palavra a esta lutadora, esta guerreira, Maria Lucia Fattorelli. A gente lembra, de imediato, que ela é a Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida. É com satisfação que passo para ela fazer a abertura deste importante evento de caráter internacional. Eu cumprimento todos aqueles de outros países que estão aqui conosco para nos ajudar nesse debate, para contribuir para que o Brasil possa avançar e sair dessa situação tão difícil em que se encontra. Até a democracia do Brasil está em perigo, para vocês terem uma ideia da situação por que o Brasil passa hoje. Maria Lucia Fattorelli, é contigo. A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Bom dia, Senador Paulo Paim, demais membros da Mesa, todos os presentes, especialmente os amigos e as amigas que vieram de outros países e vão falar em seguida. A Zoe veio da Grécia, com o Mantis; a Raquel veio de Portugal; Michael Roberts veio da Inglaterra; Sergio veio da Argentina; Benavente veio da Nicarágua; Ismael veio de Honduras; da Colômbia, vieram Ramiro, Camila e John... Deixe-me ver aqui quem eu estou... Creio que não me esqueci de... Se me esqueci... É muita... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, eu vou atrapalhá-la apenas para pedir uma salva de palmas para todos que você citou. (Palmas.) A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Para todos eles, exatamente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E para você também, pelo evento, e para todos os nossos convidados. A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - O Adrian Falco vai chegar ainda hoje, e outros estão chegando, Senador, ainda estão a caminho. Em primeiro lugar, tenho uma gratidão imensa. Sintam que hoje o coração de vocês é brasileiro, porque essa luta que nós estamos iniciando aqui, travando aqui, no Congresso Nacional, é muito importante, e a presença de vocês aqui nos dá uma força imensa. Muita gratidão por terem vindo nos apoiar. Sou muito grata. Eu queria pedir para quem estar na frente da tela ali para deixar... Eu preparei uma apresentação... São quantos minutos, Senador? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O normal aqui é dez minutos com mais cinco; mas, como você é a estrela aqui, pode falar 20 minutos. A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Está bem, mas eu quero deixar tempo para os nossos convidados. Vou ser o mais objetiva possível. |
| R | A Auditoria Cidadã vem denunciando há anos o que nós chamamos de sistema da dívida, que é a utilização do endividamento público às avessas. Em vez de a dívida pública representar um aporte de recursos, as investigações que temos feito no âmbito da Auditoria Cidadã têm demonstrado o contrário: a dívida funciona como um desvio contínuo, uma sangria contínua e crescente de recursos públicos, que são drenados para o setor financeiro. A principal característica do sistema da dívida é a ausência de contrapartida; só beneficia o setor financeiro nacional e internacional. Para operar, nós representamos o sistema da dívida como uma série de engrenagens, porque o modelo econômico é todo desenhado para promover esse privilégio do setor financeiro. Um arcabouço legal é aprovado, como esses projetos que estão em andamento aqui, no Congresso, para dar suporte a esse esquema financeiro que nós estamos denunciando, por uma classe política em grande parte financiada pelo poder econômico, haja vista quantos Parlamentares, quantos Senadores, quantos Deputados estão aqui hoje. A maioria não está, porque a maioria é financiada pelo poder financeiro, que usufrui disso aí. E a grande mídia faz este papel: não apresenta a verdade para a população; apresenta só informações de interesse do mercado financeiro. E quem está na cabeça de tudo isso são os organismos internacionais - FMI, Banco Mundial. O resultado é uma dominação financeira enorme. Aqui, no Brasil, nós estamos enfrentando uma das piores crises econômicas da nossa história. E essa crise foi fabricada; essa crise foi fabricada pela política monetária aplicada pelo Banco Central. Nós não tivemos nenhuma peste, nenhuma quebra de safra, nenhuma praga, nenhum problema; essa crise foi fabricada pela política monetária. Só em 2015 - para resumir -, os juros em média de 14% sobre um estoque de dívida interna de R$4 trilhões. Em um ano, R$560 bilhões de juros. Os prejuízos com swap cambial ilegal, segundo representação de auditor brilhante do TCU: R$90 bilhões de prejuízo em um ano. Emissão excessiva de títulos: pisaram no acelerador; emitiram, além da conta, R$480 bilhões para fazer colchão de liquidez para dar segurança aos credores. E aí? Remuneraram sobra de caixa de R$1 trilhão nas operações chamadas compromissadas, feitas pelo Banco Central. Tudo isso fez a dívida explodir em 2015: um aumento de R$732 bilhões em 11 meses. Desses R$732, R$9,6 foram para investimentos. Então, o que provocou a crise atual? Há ali um link para um artigo. Quem quiser pegar essa apresentação, ela está disponível. O nosso trabalho não tem direito autoral; podem usar à vontade. No mesmo ano, enquanto o País enterrou... Enquanto nós chegamos a 14 milhões de desempregados, 64 milhões de desocupados, fora do mercado de trabalho, na informalidade ou jogados nas ruas, no campo e na cidade, enquanto isso, o lucro dos bancos, em 2015, bateu recorde, subiu 20%, foi de R$96 bilhões. E teria sido o triplo, porque eles registraram uma provisão de R$187 bilhões. |
| R | Então, estamos aqui diante de um escândalo. Se voltarmos um pouquinho a alguns meses de 2014, veremos que foi anunciado pela Globo prejuízo com swap cambial em 12 meses, de setembro de 2014 a setembro de 2015, de R$120 bilhões em um ano. Lembrem-se: está ali o número do processo do TCU, TC-012.015/2003 - ilegal! Provocou prejuízos de R$120 bilhões. O que aconteceu com esse prejuízo? Foi transferido para o Tesouro e virou dívida pública, que todos nós estamos pagando. E agora o pacote de... E, depois que gera a dívida, ela tem que ser paga. Aí, vêm as contrarreformas, vêm as privatizações, vem todo o sacrifício social, porque, depois de gerada, a dívida é prioridade, e tem que ser paga. Agora o Temer acabou de apresentar um pacote para privatizações que inclui a Eletrobras, a maior empresa de energia elétrica do planeta, inclui a Casa da Moeda. Já aprovaram, Senador, a Lei 13.416, que autoriza imprimir o Real no exterior, uma lei inconstitucional. E, agora, querem privatizar a Casa da Moeda e mais 57 empresas. Todo esse pacote: R$44 bilhões. O que que vai adiantar, se só de prejuízo de swap já tem 120, já tem lá mais de R$4,8 trilhões de dívida interna? O que é que vai adiantar privatizar e entregar esses 44? É um sistema insano! Nós temos que parar para pensar nisso, nós temos que reivindicar a completa auditoria, porque a crise, essa crise fabricada, está justificando todo este pacote de medidas: a emenda absurda à Constituição, a Emenda 95, que vai congelar por 20 anos todas as despesas primárias, vai amarrar o País; a Emenda 93, que aumentou a DRU para 30% e, depois, vem a infâmia do Governo falar em déficit; a 159; a reforma da previdência, a contrarreforma. Aliás, eu peço uma salva de palmas ao Senador Paulo Paim, que presidiu a CPI. (Palmas.) E a CPI desmontou o argumento de déficit, falacioso, mentiroso. Parabéns, Senador Paulo Paim, muito grata em nome de todos os brasileiros e brasileiras, porque essa PEC não vai ser aprovada. Aprovaram a Lei 3.416, que autoriza impressão da nossa moeda no exterior, um desrespeito enorme à nossa Constituição, que diz que é prerrogativa exclusiva do Banco Central imprimir a nossa moeda. Isso é um ataque à nossa soberania. Reforma administrativa, privatizações e novos esquemas fraudulentos, tudo isso nesse ambiente de crise fabricada. Então, esses novos projetos que estão aqui, o 204/2016, que está aqui no Senado, o 3.337/2015 e o 181/2015, que estão na Câmara, tratam de um modelo de securitização de créditos. O modelo que está entrando no Brasil gera dívida pública de forma disfarçada, escondida e faz pagamento disfarçado também. Como? Sequestra recursos ainda na rede arrecadadora. Nós investigamos em apoio à CPI da PBH Ativos S.A. Nós tivemos acesso a mais de 5 mil páginas de documentos de contratos. Enfrentamos tudo aquilo, enfrentamos lançamentos contábeis que nos foram entregues em foto. Não dava para fazer trabalho algum com os números. Não era nem PDF, nem Excel; era foto, para impedir a apuração, mas mesmo assim nós conseguimos. |
| R | Como é que está operando isso? Os contribuintes pagam na rede bancária. Daqueles créditos que são cedidos, cujo fluxo de arrecadação é cedido, o dinheiro cai no banco. Depois que ele cai no banco, em vez de ele ir direto para a conta do tesouro municipal... Vou dar o exemplo do caso de Belo Horizonte, mas o caso de São Paulo com CPSEC é idêntico, o da MGI, em Minas Gerais, é idêntico, e há vários outros. Então, vamos lá: o Município de Belo Horizonte cede o fluxo da arrecadação de um volume de créditos. Esses contribuintes pagam na rede bancária. Em vez de aquele dinheiro que cai no banco ir direto para o caixa do tesouro municipal, esse dinheiro é desviado para algumas contas vinculadas, criadas para operar esse esquema financeiro. E, dessas contas vinculadas, uma parte vai para o Município, só uma parte. A outra parte é desviada para o debenturista, para um banco que compra os papéis emitidos por essa empresa. Então, esse desvio de arrecadação burla toda a legislação de finanças do País, Senador Paim, Deputados e Senadores presentes. Toda a legislação de finanças do País está estruturada com base no orçamento. Caso contrário, nós teríamos caixa dois - não é mesmo, Alessandro? Toda a estrutura é baseada no princípio da unicidade orçamentária. Todas as receitas têm que chegar ao orçamento. E toda a distribuição sai do orçamento. Essa burla que desvia recursos ainda durante o seu trajeto pela rede bancária está possibilitando pagamentos por fora do orçamento. São transferências que vão direto, no caso de Belo Horizonte, para o banco BTG Pactual, um banco que está muito mal na fita. O seu ex-Presidente André Esteves já esteve, inclusive, preso na cadeia. Aqui, nós temos um vídeo. Depois, ao final, depois que ouvirmos todos, se tivermos tempo, eu vou pedir para passar um vídeo de apenas oito minutos, que faz uma animação. A propaganda enganosa é a solução para acelerar a arrecadação da dívida ativa. Mentira! A dívida ativa problemática não entra nesse negócio. Os créditos cedidos são somente os créditos ótimos, com arrecadação líquida e certa, são aqueles pagamentos que o Estado tem certeza de que o contribuinte vai pagar. E, se não pagar, o Estado vai ter que repor outro crédito ou indenizar a empresa. Então, têm garantia absoluta e comprometimento. Que mecanismo é esse? Um documento oficial da Prefeitura de Belo Horizonte, está ali a foto... Olhem só a primeira frase desse ofício: "Por se tratar de operação envolvendo a montagem de engenharia financeira bastante complexa e de natureza peculiar [olha isso] [...]". Não é uma militante que está dizendo que é uma engenharia financeira, mas o próprio órgão oficial reconhecendo que se trata de uma engenharia financeira. |
| R | O que que essa engenharia financeira possibilitou? Na nossa investigação, nós entregamos um relatório de auditoria cidadã, sexta-feira passada, oficialmente, à Câmara Municipal. Foi entregue presencialmente ontem, porque na sexta-feira já foi enviado, e ontem oficialmente. O que o nosso relatório evidenciou e comprovou - comprovou, não é opinião, não; é prova - com base nos contratos e com base na contabilidade? Comprovou, primeiro, que a operação com debêntures realizada pela PBH Ativos S.A. envolve, ao mesmo tempo, realização de uma operação de crédito disfarçada, onerosa, sem autorização legal; segundo, desvio do fluxo de arrecadação de créditos pagos por contribuintes durante seu percurso na rede bancária; e, terceiro, cessão fiduciária dos créditos públicos. Qual é a definição de cessão fiduciária, gente? Entrega para valer - entrega. Está entregando o direito de se apoderar daquela arrecadação do crédito. Essa parte da arrecadação nem alcançará o orçamento público, será sequestrada antes. O que o nosso relatório evidenciou? Em pouco mais de três anos de funcionamento, essa perversa engenharia financeira possibilitou, inicialmente, a realização de uma operação de crédito disfarçada. Então, de cara, o Município recebe R$200 milhões. E aí vem toda a propaganda de que essa empresa está trazendo recursos para o Município, mas é uma operação disfarçada, não autorizada. O.k., o Município recebe 200 milhões, e qual é a perda? Em apenas três anos, a perda é de R$70 milhões. E, do volume arrecadado - faltou o número ali - de R$531 milhões, quase 50% é desviado para a BTG Pactual. Os números estão aqui nesse quadro. Vamos lá. O valor recebido, tudo o que entrou na PBH Ativos... A PBH Ativos é apenas um veículo, como era o veículo lá na Grécia. Nós descobrimos, durante a auditoria de Grécia, a EFSF, localizada em Luxemburgo. Creio que os nossos amigos europeus irão mencionar essa questão. A EFSF também era meramente um veículo. O que esse veículo faz? Recebe os valores arrecadados de contribuintes que, no caso aqui, foram R$531 milhões, e recebe o valor referente à venda das debêntures promovidas pela empresa. No caso aqui, a venda foi de 231. Disso aí, o que que ela faz com esse recurso? O que vai para o Município daqueles 531 pagos pelo contribuinte? Só 262 chegam ao Município - 262, porque os outros 200 que estão ali para dar 462 são a parcela da operação de crédito disfarçada. Então, todo esse emaranhado, essa engenharia complicada, está promovendo uma sangria de recursos. Olhem quanto foi para o BTG Pactual: ele fez um investimento de 230, recebe o maior juro do mundo, recebe 11% mais IPCA. Já recebeu, em três anos, 259, e a operação é de sete anos. É um escândalo! |
| R | Em gráfico, a figura é essa aí. O que a PBH Ativos recebeu de contribuintes foi 531; o que recebeu da venda das debêntures foi 231; desses 763, 462 foram para o Município e 259 foram para o BTG Pactual, para o banco. A própria PBH ficou com 39, ficou com menos de 2%. Deu para entender, gente? Ela é mero veículo, e quem está se beneficiando disso é o BTG Pactual. Aqui, um demonstrativo melhor do dinheiro arrecadado de contribuintes. Como acontece o desvio? O dinheiro cai nas contas vinculadas. E, dessas contas vinculadas, de 531, só 262... (Soa a campainha.) A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - ...chegam ao caixa do Município; 259... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, sim, você tem mais cinco. A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Já vou encerrar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quando toca, para todos saberem, mais cinco. A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Quando toca, mais cinco. O.k. Olha só esse desvio, principalmente Vereador Gilson Reis. Além desse desvio, uma perda comprovada de R$70 milhões no período. Isso é gravíssimo! As irregularidades são flagrantes: criação de empresa estatal que não atende ao art. 173 da Constituição, que diz que toda empresa estatal, para ser criada, tem que atender interesse público ou segurança nacional. Qual é o interesse público dessa engenharia financeira? Não tem nada a ver. Desrespeito à Lei de Licitações, porque, para escolher o banco BTG Pactual, foi usada a modalidade de pregão presencial, que só pode ser usada para bens comuns, não pode ser usada para debêntures; desvio, sequestro de arrecadação durante o percurso da rede bancária. Isso ofende todas as leis de finanças do País, desde a Constituição, o Código Tributário Nacional, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei 4.320. A CVM não observou a Lei 6.385, de 76, a Lei do Mercado de Capitais, que diz que nenhuma emissão pública será feita sem registro na CVM. A lei, Senador, não deixa margem para dúvida. Ela diz "nenhuma". Sabe o que a CVM fez? Editou uma instrução própria e se autoeximiu de registrar um tipo de debênture que é distribuída com esforços restritos. E o que é debênture com esforços restritos? É aquela que nenhum de nós vai ficar sabendo que está sendo vendida, que está sendo ofertada. Nenhum de nós vai poder comprar, só aqueles investidores qualificados, que fazem operações de muitos milhões e que já estão registrados. Quer dizer, só a panelinha do mercado financeiro tem acesso a essas debêntures que a própria CVM se autoeximiu de registrar. Pareceres jurídicos sem a devida fundamentação legal. Um escândalo: um parecer jurídico que não cita uma norma que respalde aquela opinião! Produzidos, no caso de Belo Horizonte, por uma assessora contratada sem concurso público! Em seguida, ela assumiu o cargo de assessora jurídica da empresa PBH Ativos. E, durante um período, houve acúmulo de funções no Município e na empresa! Aí, quando viram isso, fizeram uma portaria para retificar a data de exoneração dela, para retroagir a data de exoneração dela para não coincidir. |
| R | Nós temos aí um comprometimento do Município com garantias de R$880 milhões, mais IPCA, mais juros; uma perda comprovada, eu já falei, de R$70 milhões, mais a perda de controle da arrecadação, porque, na medida em que o Município faz a cessão fiduciária, pronto, entregou a arrecadação, e não vai poder ter acesso a essas contas vinculadas. Olha, eu não tenho adjetivos para qualificar isso. Como eu estou aqui representando a militância, representando o movimento social, o adjetivo que eu coloco para isso é: uma verdadeira lambança. É uma verdadeira lambança, que desobedece a todas as normas, cria uma capa complicada, tudo ilegal, tudo ilegítimo, provocando um rombo nas contas públicas. Tudo isso é ilegal. Vou ter que saltar para respeitar o tempo. O Ministério Público já disse que é ilegal, já disse que se trata de um desenho dessa empresa pública. Arrumaram um subterfúgio ilegal com aparência legal. Isso foi dito pelo próprio Ministério Público de Contas, mas o Sr. Meirelles, banqueiro que ocupa o Ministério da Fazenda, quer aprovar. Aliás, o nome dele surgiu nessa nova Paradise Papers. São duas empresas, duas offshores. O nome dele está lá na Paradise Papers. Ele quer criar essa empresa em âmbito federal, mas o Ministério Público já disse que é ilegal. E, aqui no Congresso Nacional, projetos de lei cifrados, porque quem leu o projeto de lei não tem ideia do que está por trás deles. Nós, da Auditoria Cidadã, já visitamos 100% dos gabinetes deste Senado. Visitamos todos os gabinetes, entregamos duas versões de folhetos, provocamos várias audiências públicas, inclusive uma em que a ex-Presidente do Parlamento grego, Deputada Zoe Konstantopoulou, nos deu a honra da sua presença no ano passado. E o projeto chegou a ser derrotado em plenário, dia 13 de dezembro, logo após a vinda da Zoe ao Brasil, mas ressuscitou na CAE, e o Relator é o Senador Romero Jucá. E dizem que projeto que ele relata, Senador, é projeto aprovado. Nós não aceitamos isso! Este Senado não pode aprovar, não pode legalizar esse escândalo, essa lambança dessas operações! (Palmas.) (Soa a campainha.) A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - E a Câmara também. Temos aqui o Deputado Edmilson Rodrigues, que nos honra, que nos representa. Em meio a mais de uma centena de Deputados denunciados em investigações, o senhor, Deputado Edmilson Rodrigues, nos honra e nos representa. O senhor leve o nosso discurso de que nós não aceitamos que o PLP 181 e o PL 3.337, que são também cifrados, mascarados, venham a ser aprovados na Câmara. Tudo isso que nós estamos tratando aqui não teria a menor importância se não tivesse impacto social. Tudo isso que nós estamos tratando aqui provoca isso aí. O Brasil, nona economia mundial, um dos países mais ricos do planeta em todos os sentidos, tem a pior distribuição de renda do mundo, 79º IDH do mundo, é penúltimo no ranking da educação, um país que tem nióbio, petróleo, água potável, 55 minerais, todas as matrizes energéticas em abundância, território, área agricultável, água, clima favorável. Temos simplesmente tudo neste País. Tem que ser muito mal-intencionado, muito incompetente para jogar o País nessa crise, nessa escassez. O país da abundância vive na escassez! Mais da metade da população está na pobreza, na miséria, desempregada, vivendo como escravos. Basta! Já tivemos 500 anos dessa forma. Agora nós queremos outros 500, Senador. Esse é o nosso gráfico do orçamento, que anualmente destina quase a metade para essa dívida que nunca foi auditada, apesar de isso estar previsto na Constituição. |
| R | E faço aqui uma homenagem... (Soa a campainha.) A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - ...ao Deputado Zaneti, autor da emenda, ao Deputado Paulo Ramos, que estiveram presentes na aprovação, e Senador Paulo Paim também, presente naquela Constituição. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - O Zaneti foi o... A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Zaneti é o autor. Palmas para o Zaneti, gente, que está vivo! (Palmas.) Está presente aqui, está viva a luta por uma auditoria que até hoje não aconteceu! Nós temos que conhecer essa realidade, senão a gente vai passar batido, não é mesmo? E deixo, por fim, essa foto. No seminário de amanhã... Nós teremos um seminário - manhã, tarde e noite - no Conselho Federal de Contabilidade. A entrada é gratuita. Nós pedimos 1kg de alimentos. E, depois, nós vamos fazer um ato, um ato público, e levar esses alimentos lá, no lixão, no lixão de Brasília. A apenas 15km aqui do Palácio do Planalto, centenas de brasileiros e brasileiras, inclusive jovens e idosos, catam lixo de Brasília para viverem. Num País que tem nióbio, que tem petróleo, que tem 55 minerais e tudo aquilo. É isso que nos move. É para isso que lutamos. Então, esse projeto vai aprofundar isso aí. Vamos ter centenas... Não, vamos ter milhões nos lixões se esse projeto vier a ser aprovado, porque esse projeto é como rato roendo as finanças públicas, sendo implantado em cada ente federado. É muito pior do que EFSF lá na Europa, que foi uma empresa com garantia compartilhada. Aqui, é uma em cada Estado, uma em cada Município, como ratos roendo as finanças públicas do País. Isso não poderá passar, Senador. E temos confiança de que não passará. Muito grata. Teremos uma grande audiência. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A Maria Lucia Fattorelli, Auditora aposentada da Receita Federal que é Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, nesses 30 minutos deu praticamente uma aula para todos aqueles que estão nos assistindo pela TV Senado, pela internet, ouvindo pela Rádio Senado a cobertura desse belíssimo evento. Maria Lucia, aceite aqui, mais uma vez, uma salva de palmas de todos nós, não só pelo evento de hoje, mas pela sua militância, a sua jornada, que há de avançar. (Palmas.) |
| R | Eu vou ter que ler. Então, já vou fazer o pedido aqui. Eles estão solicitando, e eu peço à segurança e ao pessoal da assessoria da Comissão que vão até a portaria para liberar a entrada de inúmeros convidados que estão aqui para participar do seminário e até o momento estão barrados na entrada. Fica aqui o meu apelo... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, isso. Com certeza, terça-feira de manhã nós temos salas vazias. Ontem aconteceu a mesma coisa num outro evento, mas conseguimos liberar outros plenários. Então, fica aqui o pedido já, porque eu sei o motivo por que aqui está trancado. A sala da Comissão, inclusive, é ali. Então, eu peço ao pessoal que se movimente. Se for necessário, eu vou ter que sair daqui e ir lá. O.k.? Vamos em frente, então, com o nosso painel. Paulo Ramos, Deputado Estadual, representante da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. O SR. PAULO RAMOS - Primeiro, quero fazer uma referência especial ao Senador Paulo Paim, que tem sido aqui, no Congresso Nacional, um incansável lutador social, mas que, tendo sido Constituinte, pode, como também o Hermes Zaneti, apresentar a Constituição que foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988, já completamente adulterada - não no todo, mas em parcelas as mais importantes -, mas que diz... E eu tenho Maria Lucia Fattorelli, que, pela indignação com que se manifesta, na verdade representa o nosso próprio sentimento de indignação em relação ao que acontece não apenas com o povo brasileiro, mas também com outros povos mundo afora, que são igualmente dominados e dependentes. Mas o art. 1º da Constituição diz o seguinte: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...]" O primeiro fundamento, e só vou citar o primeiro, é a soberania. É a primeira palavra, portanto, que está na Constituição cidadã de 5 de outubro de 1988, documento que foi elaborado para superar a ditadura, para estabelecer o Estado democrático de direito, para mobilizar a participação popular - mas tendo como primeiro fundamento a soberania. |
| R | Um País que não tem soberania não tem a possibilidade de autodeterminar-se; não define o seu próprio destino; não pode dispor de um projeto nacional. Sem soberania, nunca vai existir justiça social. Nós defendemos o Brasil como um País soberano para ser socialmente justo, não para que ele venha a fazer com outros povos aquilo de que é vítima, mas também para construir a solidariedade, de modo que outros povos possam também, a partir da soberania, construir os seus respectivos modelos. Mas a Constituição de 1988 voltou os olhos para a dívida. Está aqui o Deputado Hermes Zaneti, que liderou, com a sua emenda, a inclusão no texto constitucional, Deputado Edmilson Rodrigues, da auditoria da dívida externa - porque a dívida externa, naquela época, absorvia a dívida interna. Hoje é o contrário; hoje houve uma inversão. E a auditoria foi feita, somente o relatório não foi aprovado. Houve uma divergência muito grande na comissão que foi criada. Não vou tratar desse tema aqui porque não é o objetivo. E aí o prazo se esgotou e a comissão que fez a investigação não teve o seu relatório submetido ao Plenário porque nem mesmo dentro da comissão houve um relatório aprovado. Mas, passado o tempo, quando adulteraram a Constituição, destruíram os dispositivos que garantiam a soberania nacional: o monopólio estatal do petróleo, o monopólio das comunicações, a nacionalização do subsolo. Empresa brasileira de capital nacional, os juros reais de 12%, não é isso? Nosso Fernando Gasparian - vou trazer aqui o nome de algumas figuras. Poderia citar, em relação à nacionalização do subsolo, o nosso Fernando Sant'Anna. Quero lembrar, assim, Parlamentares que se destacaram aqui, uma luta muito grande, para demonstrar o desmonte da soberania nacional a partir de um Presidente da República, de quem eu tenho que citar o nome: Fernando Henrique Cardoso. Desmontou, pela maioria que constituiu aqui no Congresso Nacional, retirou da Constituição os dispositivos que garantiam a soberania nacional. E aí começou a fazer a privatização de setores estratégicos. As privatizações já vinham, anteriormente - todo o setor siderúrgico, todo o setor petroquímico e de fertilizantes. Extinguiram o Lloyd Brasileiro, empresa de navegação de carga de longo curso, enfim. E com que moeda? Qual foi a moeda utilizada, Hermes Zaneti - e nós sabemos disso - para o desmonte do patrimônio nacional? Títulos da dívida externa. Moedas podres, moedas podres, comprando empresas estatais pelo valor de face; nem pelo valor do deus de mercado. E aí o patrimônio nacional e a perda da soberania caminhando a passos largos até os dias de hoje. Então, a dívida é o fator da dominação. |
| R | Eles pregam que o Brasil cumpre os acordos, que o Brasil não rompe acordos. E tenho certeza absoluta de que se o rumo da história não incorporasse no controle do poder vendilhões da Pátria e traidores do povo... Todos nós nos lembramos aqui, o Deputado Hermes Zaneti e o Paulo Paim vão lembrar, de um Deputado, lá pelo Paraná, que deixou a seguinte frase: "Piores do que os gringos que nos compram são os brasileiros que nos vendem." Nelton Friedrich. Para lembrar dessa frase. (Palmas.) Então, qual a situação hoje e que nos reúne aqui? O enfrentamento do que se pode chamar organização criminosa. Os controladores do sistema financeiro na verdade constituem uma organização criminosa, de modo a sugar a alma dos povos. A concentração das riquezas, a concentração do capital financeiro. E através dessa concentração eles também corrompem. O acesso ao poder com o patrocínio do poder econômico. E qual é o sentido político da corrupção? Somente se alguém der dinheiro e alguém receber dinheiro? O sentido político da corrupção consiste em estabelecer a dependência. Aquele que se corrompe perde a vontade própria; cumpre as determinações do corruptor. E aí vivemos nós uma situação em que essa organização criminosa, o sistema financeiro internacional, reúne bancos - inclusive bancos em paraísos fiscais, uma grande imoralidade. Como é que eles falam em ética e mantêm a existência de paraísos fiscais? Porque o dinheiro da corrupção, o dinheiro do crime organizado tem que ser lavado, e os paraísos fiscais integram esse sistema financeiro. Agora mesmo, lá no Rio de Janeiro, Estado que eu aqui procuro representar, eles organizaram a privatização da Companhia de Águas e Esgotos, uma empresa importantíssima. A água não pode ser submetida ao lucro; é a maior desumanidade. Então, quem não tem renda, está desempregado, não tem como pagar a água, vai morrer de sede. (Soa a campainha.) O SR. PAULO RAMOS - Diz-se assim, e vou caminhar para concluir: "Até quem faz greve de fome tem direito a beber água." Mas é o sistema financeiro que inclui as empresas de consultoria, as empresas de auditoria e as empresas que calculam risco - tudo organizado de modo a... E quando eu falo da mídia, Senador Paulo Paim e Senadora - tenho a alegria de ver a Senadora Regina Sousa aqui à mesa -, o papel da mídia, o controle da mídia é tão determinante que aqui no Senado foi feita uma Comissão Parlamentar de Inquérito para demonstrar que a previdência social não é deficitária. A mídia não divulgou da forma como deveria os resultados da CPI, por quê? Porque pretende um Governo ilegítimo privatizar também a previdência social, e a CPI demonstrou que era ao contrário. |
| R | Então, eu venho aqui, depois da palestra feita pela nossa Maria Lucia Fattorelli, que assumiu no Brasil inteiro uma liderança nesse processo, para dizer que lá no Estado do Rio de Janeiro também há o início desse esforço para a securitização da dívida. E, em função das experiências anteriores, quero aqui, Vereador Gilson Reis, com quem tenho conversado, falar que as experiências já acumuladas e a resistência, especialmente em Minas Gerais, isso vem nos dando força para demonstrar que tudo se trata de uma grande empulhação, de uma grande sangria dos recursos públicos. E acredito que pelo menos lá no Rio de Janeiro temos perspectiva de vitória. Através de todo esse esforço concentrado, a possibilidade da securitização lá no Rio de Janeiro vem a cada dia diminuindo. Então, quero dizer que a resistência é necessária, a mobilização é necessária, e esse ato trazendo representantes de várias unidades da Federação e também de outros países nos consolida, ou consolida na nossa consciência, o sentimento de que eles não são invencíveis, de que eles vão ser derrotados e os povos vão ser vitoriosos, através da soberania e da justiça social. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Esse foi o Deputado Federal Constituinte Paulo Ramos, hoje Deputado Estadual pelo Rio de Janeiro, que deu aqui o seu depoimento, com todos os argumentos. E, lembrando a CPI da Previdência, eu fui Presidente, e é uma questão de justiça falar aqui do nome do Senador Hélio José, que foi Relator. Nós provamos: se tivesse sido respeitado o que manda esta Constituição... Ontem, um menino que falou aqui num painel - menino porque ele é Presidente da entidade que defende os terceirizados, os que fazem limpeza, cafezinho. Ele só pedia isso aqui na fala dele. Um menino. Um menino porque tem o peixe, não é? Ele dizia: "Cumpram a Constituição." Se tivessem respeitado a Constituição que nós elaboramos, sabe qual o fundo que a seguridade teria hoje? R$7 trilhões; R$7 trilhões. Desviaram o dinheiro de lá para cá, não fizeram o fundo, e ainda querem agora que o povo pague outra vez, aumentando contribuição, aumentando idade para se aposentar, inclusive o percentual correspondente ao pagamento de cada um, e dando anistia para os grandes empresários e banqueiros. É o que eles estão fazendo aqui. Obrigado pela lembrança da CPI. O SR. PAULO RAMOS - Só quero dizer que você participou da elaboração do plano de benefícios e custeio da previdência. O SR. PRESIDENTE (Paulo Bauer. Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Exatamente. Gilson Reis, Vereador, representante da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Presidente da CPI da PBH Ativos. A Maria Lucia Fattorelli lembrava que se cada um ficar em dez minutos vai dar para todos falarem. Eu sou muito tolerante, não é? O SR. PAULO RAMOS - Eu passei muito? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, não passou, não. Você ficou nos 12, no máximo. Eu queria, pessoal, também registrar a presença da Senadora Regina Sousa. Nós vamos dividir os trabalhos, eu e ela. A Fattorelli ficará todo o tempo nas duas Mesas. A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Só para justificar... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixa primeiro eu te elogiar, não é? |
| R | Olhem, eu quero fazer um elogio especial para esta Senadora. Sabem qual foi a maior crítica que ela recebeu? Ser negra, ser professora e ser defensora dos direitos humanos. Foi criticada por causa disso. Eu, naturalmente, como parceiro, saí em defesa dela. É uma grande Presidente. Vocês podem ver que eu estou presidindo a reunião; fiz o requerimento, a pedido da Fattorelli. Quer dizer, eu estarei lá, mas pode ir presidir tranquilo. Mostra a humildade que só os grandes líderes têm. Uma salva de palmas. (Palmas.) A palavra é sua, Senadora. A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - O Senador Paim chega a me deixar constrangida assim. Obrigada, Senador. É que eu quero exatamente justificar, porque eu sou a Presidenta da Comissão. Então, as pessoas esperam que eu venha abrir. Às vezes eu venho, mas aqui é a prática o autor do requerimento presidir. Então, a gente combinou - ele é o autor do requerimento, ele preside. Mas eu venho. O problema é que o Senado concentra todas as atividades na terça e na quarta, infelizmente. Dois dias intensivos de trabalho, e na quinta-feira é difícil você achar gente aqui. Hoje eu tive que passar em várias comissões primeiro, para poder chegar aqui, porque as comissões funcionam ao mesmo tempo. Então, há várias funcionando e eu tive que pelo passar, votar em algumas que já estavam em votação, para poder vir aqui. Mas é um assunto que me interessa bastante. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito bem, Presidenta. Gilson, é contigo. O SR. GILSON REIS - Um bom dia para todos. Eu queria cumprimentar a Regina, Presidente desta Comissão; o amigo Paulo Paim - nós temos feito, ao longo do tempo, discussões em torno da questão do mundo do trabalho. Eu sou Presidente de uma Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação, a Contee, que reúne mais de 1 milhão de professores, e nós temos enfrentado aqui reforma trabalhista, previdenciária, reforma da educação. Então, eu tenho tido um bom relacionamento - não é, Paim? -, uma boa ação de resistência também, a partir desse Senador valoroso do mundo do trabalho. Quero cumprimentar todos aqui, em especial a minha querida companheira Maria Lucia Fattorelli, que tem contribuído; Eulália parece que está aí também, de Minas Gerais, que também faz parte desse movimento. Quero cumprimentar as delegações internacionais presentes aqui. E quero dizer, Paim, companheiros e companheiras, que esta reunião acontece num dia emblemático, historicamente emblemático. Hoje faz cem anos da Revolução Russa. Dia 7 de novembro, em todo o mundo se comemora, possivelmente, a maior ação, a maior atitude da história da humanidade no século XX, com certeza, que mudou substancialmente os rumos da humanidade. E nós estamos aqui, cem anos depois dessa revolução, retomando um debate em torno de um tema global, que diz respeito ao chamado capitalismo rentista globalizado, que abandona a produção como elemento central da sua constituição e se transforma num sistema que tem como prioridade a reprodução na esfera financeira, sem produzir nada, sem construir nada, e simplesmente construindo um projeto de poder global, que está em processo crescente e acelerado de construção. Não só aqui no Brasil, mas em todo o mundo, eu penso que esse tema deverá nos trazer as principais preocupações para esse próximo período. É preciso enfrentar globalmente um capital rentista global, que opera em escala global, mas também em escala nacional e em escala regional. |
| R | E nós estamos tratando aqui hoje, Paulo Paim, dessas empresas de operações financeiras que estão sendo construídas aqui no Brasil, como disse a Maria Lucia Fattorelli, tiveram início nos governos do PSDB em São Paulo e Minas Gerais - governo Aécio Neves e governo Serra, em São Paulo. Portanto, há uma caracterização bastante clara de qual é o compromisso desse Partido no atual sistema de produção, o sistema político internacional, que é um sistema financeiro. E a partir desses dois exemplos começaram então a consolidar em Municípios, e Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, foi a constituição da primeira empresa no âmbito municipal. Ela foi constituída em 2012 e, a partir daí, nós temos visto que em vários Municípios, em vários Estados também, tem havido a iniciativa de construir empresas dessa natureza, que tem como objetivo atuar no universo financeiro através de várias possibilidades apresentadas na construção dessa empresa. É importante, Paim, dizer que esta audiência pública tem uma relevância porque está sendo transmitida para todo o País e nós vamos despertar todos os vereadores, principalmente das capitais e das grandes cidades, e as assembleias legislativas, que estão sendo preparadas empresas dessa natureza em todos os lugares e é preciso que nós fiquemos atentos a essa situação para que possamos enfrentá-la de pronto, mesmo antes do início dessas operações, como é o caso de Salvador, que está presente aqui. É um tema complexo. Nós temos uma CPI que tem em torno de 50 mil páginas já acumuladas, centenas de documentos. Então, nós teríamos dificuldade de traduzir a amplitude daquilo que nós conseguimos pesquisar em torno de documentações, mas, de forma bastante sintética, eu diria o seguinte: que essa empresa constituída em Belo Horizonte tem dois grandes objetivos. O primeiro grande objetivo é operar no mercado financeiro através de debêntures, utilizando cargas tributárias adimplentes do Município como moeda de troca para essas operações financeiras. Imagine que o Município de Belo Horizonte fez uma lei reduzindo em 100% os juros e a correção monetária de toda a carga tributária disponível no Município, o estoque de dívida; disponibilizou, então, a aprovação de uma lei reduzindo em 100%, para que todos pudessem pagar, e imediatamente colocou a serviço, essa dívida, do sistema financeiro. Ou seja, uma dívida que, em apenas quatro meses, 86% dela já tinham sido pagos pelo contribuinte. E a operação financeira, que teria vários elementos, toda ela feita de forma ilegal, desde a contratação do banco BTG Pactual, como foi dito aqui, e várias questões que envolvem toda a operação - com o tempo aqui, infelizmente, é impossível tratar. Mas entrega essa empresa, que foi contratada de forma ilegal, um recurso que retira 100% dos juros e correção monetária que advinham da lei municipal, entrega a esse banco. Uma semana antes, os juros que seriam praticados, de 5%... Na quinta-feira há um feriado em Belo Horizonte; na terça-feira da semana seguinte eles colocam à disposição, e aumentam de 5% para 11% os juros, mais correção monetária. Num período em que a inflação estava em torno de 11%, 12%, eles pagaram em torno de 23% dessa operação financeira - de um dinheiro que logo depois nós fomos observar que, em três meses, quase 80% de tudo aquilo que foi colocado como estoque daquela dívida foi pago pelo contribuinte. |
| R | Então, um esquema financeiro completamente oneroso para o Município, ilegal, sob todas as formas, e nós vamos ter a oportunidade de discutir isso. Um segundo elemento dessa empresa, Paim, é operar por parcerias público privadas. E em áreas, Senadora Regina, da educação e da saúde. Coincidentemente, são áreas para os quais nós temos rubricas já garantidas na Constituição Federal e nos Estados e Municípios, que são dinheiros destinados à educação e à saúde. Então, eles operam PPPs na construção de escolas municipais e de hospitais e postos de saúde; as licitações são feitas de maneira que sobram apenas duas ou três empresas de grande porte no País para poder realizar essas obras, dizendo que o Município não tem condições de realizar obra de forma vantajosa e acelerada. Portanto, retira do âmbito do Município, para poder colocar na empresa; desconstrói a 8.666, porque não pode ter nenhum tipo de fiscalização; e transfere para a iniciativa privada essas obras, normalmente com um preço mais ou menos compatível com aquele pelo qual seria construído o Município, mas, ao longo do contrato, nós estamos observando, há dezenas de formas de acréscimos, ou seja, várias formas que utilizam, aumentando o valor. Para vocês terem ideia, a PPP da educação municipal da Belo Horizonte, que foi feita pela Odebrecht... Só ela podia participar, porque a outra empresa, a Andrade Gutierrez, não participou - ganhou uma outra obra, que é o Hospital do Barreiro. Eles tiveram, no ano de 2015, um lucro líquido de R$52 milhões. Eles foram constituídos para construir escolas municipais. Os R$52 milhões dariam para construir 14 escolas municipais. Eles construíram 32, do lucro de um ano! E eles vão ficar 20 anos operando todo o sistema, não só de construção, mas de todas as operações que ocorrem no interior da escola, menos a contratação de professores. (Soa a campainha.) O SR. GILSON REIS - E isso aconteceu também no Hospital do Barreiro. São milhões! Nós estamos ainda levantando, contabilmente, porque as informações ainda são muito truncadas, mas são milhões transferidos. Então, um pé da PBH Ativos opera no mercado financeiro, um pé opera em obras de grande vulto na cidade, de concentração extrema em duas ou três grandes empresas, que são financiadoras de campanha... Inclusive, o prefeito de Belo Horizonte foi financiado por essas empresas ao longo do período. E há ainda uma outra questão que envolve... Alguns contratos que a prefeitura tinha, Paulo Paim... Foi feito em 2001, 2002, um contrato da Copasa, que é a Companhia de Saneamento de Minas Gerais, com a prefeitura e o Estado, que tinha um valor em torno de R$276 milhões destinado a obras de infraestrutura de córregos, rios - Belo Horizonte é uma cidade muito acidentada -, para resolver problema de estrutura da cidade. Esse dinheiro, que seria para fazer obras, que seria para resolver problemas da cidade, foi todo ele transferido para a PBH Ativos e concentrado nessa empresa. Ela, inicialmente, foi constituída com um capital inicial de R$100 mil. Hoje, o capital está em R$1,1 bilhão. Sem nenhuma autorização de ninguém, foi aumentando os valores, e essa empresa... Para quê? Para que ela pudesse garantir ao capital financeiro e a essas grandes empresas que nenhum problema ocorreria, ao longo do tempo, nas operações realizadas pelas empresas. Ou seja, é como dizia o velho Marx: é o capitalismo, na sua concepção de concentração e centralização no sistema financeiro global e no sistema de produção de grandes players que são colocados no objetivo. |
| R | Em Belo Horizonte - nós somos vereadores de segundo mandato -, nós resistimos, porque a visão do prefeito anterior era a de privatizar a cidade como espaço do negócio... (Soa a campainha.) O SR. GILSON REIS - ... como reprodução do negócio, do grande negócio. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto. Você tem um minuto. O SR. GILSON REIS - Um minuto. Então, nós estávamos lá em Belo Horizonte, num processo de privatização das ruas, dos estacionamentos locais, dos cemitérios, das praças, dos parques... Estava tudo em processo de licitação, de privatização, tudo dentro dessa empresa, a PBH Ativos. As operações urbanas consorciadas, no plano diretor, todas elas também vinculadas ao objetivo da empresa. Ou seja, a empresa ia operar, à margem do Município, toda a estrutura financeira e toda a estrutura de obras no Município. Então, eu queria concluir, aí nos meus 20 segundos, dizendo que nós estamos encerrando a CPI na próxima segunda-feira, depois de seis meses de muito trabalho. Nós vamos elaborar um livro falando sobre esta CPI. Eu acho que é bom a gente, inclusive, divulgar esse livro nacionalmente. E nós temos 45 mil documentos que nós queremos preparar - nós estamos organizando esses documentos - e deixar à disposição também, para consultas, porque eu penso que, com essa experiência de Belo Horizonte, nós poderemos também sinalizar para o Brasil a necessidade de resistir a esse ataque brutal do capital financeiro e das grandes empresas contra a população, contra o povo, e agora no orçamento, porque há uma privatização do orçamento público municipal, das cidades, dos Estados, em benefício do sistema financeiro. Então, essa é um pouco da contribuição, e quero dizer que a informação ainda está muito aquém, mas nós vamos disponibilizá-la, à medida que nós formos concluindo a CPI. Muito obrigado e parabéns por esta audiência, porque ela cria condições também para abrir um debate nacional, em torno disso aqui, e espero que o Senado Federal derrote o PLS, porque é uma tentativa deles de viabilizar essas operações, inclusive aquelas realizadas de forma ilegal no período anterior. Muito obrigado, e estou à disposição de todos vocês. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Gilson Reis, Vereador, representante da Câmara Municipal de Belo Horizonte e Presidente da CPI. Parabéns, Gilson. Bela exposição. De imediato, Hilton Coelho, Vereador, representante da Câmara Municipal de Salvador. Eu estou dando dez minutos, com mais um, dois minutos, para concluir. O SR. HILTON COELHO - Pronto. Agora foi. Bom, primeiro, bom dia a todos e todas. Nós queremos começar agradecendo aqui ao Senador Paulo Paim, que teve a coragem, ao lado da Senadora Regina Sousa, de formalmente, institucionalmente, viabilizar este espaço, a partir da solicitação da Auditoria Cidadã da Dívida, à qual eu vou fazer uma referência daqui a pouco também. Então, quero agradecer enormemente. Segundo, quero agradecer a presença de todas as representações internacionais, em nome da Deputada Zoe. Terceiro, quero registrar aqui mais uma vez a presença do nosso companheiro Edmilson Rodrigues. Eu quero ressaltar aqui que nós conseguimos aprovar, no Congresso Nacional, através do projeto do companheiro Edmilson, por duas vezes, a auditoria da dívida, e todas as duas vezes foram vetadas - não é, companheiro? Mas nós continuamos na trincheira, o que mostra como um mandato qualificado e comprometido com o povo pode colocar em questão algo que é central para a vida de todo o País. Parabéns pelo seu trabalho. Como disse Maria Lucia, muito nos representa. E, por fim, quero agradecer à Auditoria Cidadã da Dívida, na pessoa da nossa maravilhosa Maria Lucia Fattorelli, para quem eu não vou rasgar elogios aqui, porque, no conjunto dos dez minutos, eu vou fazer várias referências a ela. Então, eu acho que a Auditoria, especialmente a liderança da companheira Maria Lucia, significam um verdadeiro patrimônio para a luta do povo, hoje, no mundo. Claro, muito especialmente no nosso País. |
| R | Bom... Por que falar de Salvador? Pelo mesmo motivo que se falou de Belo Horizonte. Porque nós estamos às vésperas de ver - e eu vou concluir a minha fala dizendo isso também, ressaltando - o que a Auditoria Cidadã chama de "sistema da dívida": chegar a um nível de entranhamento na vida nacional, a ponto de municipalizar, fazer uma espécie de municipalização do sistema da dívida. Eu não vou discorrer aqui sobre o problema do ponto de vista nacional. Só vou dizer que a projeção, para este ano, é de que metade do Orçamento nacional esteja comprometido com esse esquema fraudulento da dívida pública. E ao que nós estamos assistindo agora é a possibilidade desse mecanismo, que já vitima os Estados e Municípios, à medida que corta recursos que devem vir da União para os Estados e Municípios, à medida que condiciona, inclusive, todas as políticas dos Estados e Municípios a esses acordos internacionais, com esses organismos chamados de organismos multilaterais - o BIRD, o BID -, essa sopa de letras aí de dominação, de, digamos, aviltamento da nossa soberania nacional. E isso significa que o sistema vai se espraiar por todo o País, até o último ente, o ente que está mais próximo da população, que é o Município. Por isso, Salvador, que nós chamamos lá de "a capital da resistência", está aqui nesta Mesa, porque é apenas um exemplo do que pode acontecer. A questão não é discutir Salvador. A questão é discutir Salvador e Belo Horizonte como exemplos do que pode se generalizar no nosso País. Então, eu acho que é importante falar isso. Como o tempo é curto, e eu já vi que quatro minutos já se passaram ali, eu queria destacar só dois elementos. Primeiro, o caráter igualmente cifrado desses projetos que vão para os Estados e Municípios. Eu me lembro, Maria Lucia - eu disse que iria citar a Auditoria várias vezes aqui -, de que a Câmara Municipal aprovou a chamada reforma tributária e administrativa, em 2013. Nós fomos o único voto contrário na Câmara de Vereadores, totalmente, ao projeto, a todo o projeto, inclusive no artigo em que já faziam a sinalização dessa relação do Poder Público com o mercado financeiro. Mas eu vou dizer: foi por instinto. Como nós não confiamos nesse discursozinho do mercado, o nosso voto foi contrário. Em 2013. Mas só em 2015, quando Maria Lucia foi a Salvador, e nós fizemos uma audiência, Deputada Zoe, cujo título foi: "De Salvador à Grécia - o Sistema da Dívida Pública", foi só naquele momento em que, olhando a situação de Salvador, a Maria Lucia disse: "Aqui tem o ovo da serpente"... A Câmara Municipal de Salvador aprovou uma chamada reforma tributária que traz a possibilidade da criação da SEDEMEs... Aqui o companheiro Tito, que é da Auditoria também, muito nos ajuda, contribui lá, na cidade de Salvador e na Bahia, para a discussão desse tema. Então, vejam, eu estou dando esse exemplo, porque o tempo está correndo, mas a gente vai vendo como, de maneira cifrada, as coisas vão sendo colocadas, porque nem nós, que votamos contrariamente, votamos com absoluta consciência do nosso voto naquele momento. Então, é um conjunto de códigos que essa engenharia financeira da pilhagem das riquezas nacionais vai elaborando, e é difícil, para quem não é da área tributária, para quem não é auditor - e, às vezes, até para os próprios auditores, esses que podem ter muito boa-fé -, conseguir interpretar o que está por trás. Então, eu poderia dar vários exemplos sobre esse caráter cifrado, já em relação ao nosso Município. |
| R | Outro elemento importante... Bom, eu queria dar outro exemplo também sobre o caráter cifrado, que é a questão das chamadas "operações consorciadas". Olhem o que acontece: o Plano Diretor de Salvador definiu não apenas determinadas iniciativas do Poder Público, na cidade, como iniciativas de operações urbanas consorciadas. São operações, basicamente... O caráter delas é das parcerias público privadas. Salvador definiu, no seu PDDU, regiões inteiras... Todas as regiões - e são grandes -, que são regiões que interessam à especulação imobiliária, como regiões... E isso não se fez em lugar nenhum no País. Nem em Minas Gerais se fez isso. Regiões inteiras, toda a Orla de Salvador, todo o Centro Histórico... Todo mundo já ouviu falar aqui do Pelourinho, não é? O Pelourinho é parte do Centro Histórico de Salvador. Ele está dentro das operações consorciadas. Mas isso foi aprovado num outro projeto, relacionado, no entanto, à perspectiva de essa empresa de securitização estar à frente do processo. E não apenas ganhar muito, mas viabilizar todo o processo de fraude, de lavagem de dinheiro que vai advir desse processo. Então, vejam bem: as coisas vão sendo escondidas no projeto. E o segundo elemento é o caráter fragmentado da ação desses indivíduos, que está relacionada à perspectiva de cifrar também. Então, vai-se aprovando por fatias. Então, houve a aprovação, em 2013, da reforma administrativa; depois, vieram duas Leis Orçamentárias Anuais, que não citam a empresa; depois, a Lei Orçamentária, a partir de 2016, começa a citar a empresa; e, por fim, em 2017 - pasmem -, a Prefeitura de Salvador desafetou todo o seu patrimônio imobiliário. Todos os terrenos que são de propriedade do Município passaram a ter a perspectiva de serem integralizados ao patrimônio dessa empresa estatal não dependente. Não apenas a desafetação, como a autorização para desalienar, para se vender todo o patrimônio imobiliário do Município, como forma de dar garantias a essa empresa de securitização. Então, vejam bem: esse é um trajeto que a máfia, digamos assim, vai percorrendo, dentro de um tema que é difícil de interpretar. Ela vai, fragmentadamente, agindo, agindo, até criar uma situação - e aqui eu vou concluir minha fala - em que tudo pareça irreversível. Eu quero fazer uma referência aqui à questão da auditoria da dívida pública da União, para fazer uma referência em relação ao momento que nós estamos passando, que é um momento decisivo para Estados e Municípios. O argumento todo - eu ainda conversava com o companheiro Edmilson ontem -, o argumento daqueles que não querem ver a auditoria, é que mexer nessa história pode dar um prejuízo... É uma coisa, assim, como... É algo intocável. Aliás, eu, inclusive, indicaria para vocês - não para vocês que estão aqui, porque boa parte já deve ter assistido - ... mas, para quem assiste à TV Câmara... (Soa a campainha.) O SR. HILTON COELHO - ... ou a TV Senado, eu indicaria o filme A Grande Aposta. É um filme que, inclusive, parece, é de um certo humor esquisito, assim, mas é um filme que mostra o que foi a tragédia econômica e social dos Estados Unidos, onde milhões de pessoas perderam as suas casas, a partir de 2017, e ele vai, didaticamente... Como é um filme comercial, ele vai, didaticamente, destrinchando o esquema. E termina, inclusive, dizendo que o título, que se chamava CDO, mudou de nome e, agora, é chamado de título de securitização. Está relacionado à crise dos Estados Unidos, àquela crise que chamou a atenção do mundo todo. |
| R | Mas, enfim, nós não podemos mexer na questão, fazer auditoria, porque isso pode abalar os mercados, é aquela situação, e aí vamos ver o que foi que aconteceu no Equador. O mundo caiu no Equador, não caiu no Equador... Mas, enfim, esse é o argumento. (Soa a campainha.) O SR. HILTON COELHO - E qual é - eu quero entender - a lógica que nos proíbe de saber. Porque a auditoria, parece-me... Se eu resumisse o sentido de auditar, eu diria - os auditores aqui me corrijam - que poderia significa apenas "saber". Não é, Maria Lucia? O que nós vamos fazer com esse entendimento é outra história. Cada povo vai decidir o que vai fazer. Certo? Mas auditar é saber. O que nos proíbe de saber? Então, esse argumento, para mim, não tem qualquer validade. E nós estamos numa situação, eu acho, aqui, que chama a nossa coragem, a nossa atitude, em relação à defesa da nossa soberania popular e soberania nacional. Por que isso? Porque, neste momento, Senador Paim, Senadora Regina, o esquema está sendo montado. Ele está sendo montado, digamos... (Soa a campainha.) O SR. HILTON COELHO - ... ao alcance das nossas mãos. O que nós vamos fazer com isso? O que nós vamos fazer com a empresa estatal não dependente que está querendo, mais uma vez, mutilar os recursos da União? O que nós vamos fazer com as empresas estatais não dependentes que vão se espalhar pelos 27 Estados desta Federação? O que nós vamos fazer com as empresas estatais não dependentes... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Concluindo. O SR. HILTON COELHO - ... que prometem se espalhar pelos mais de 5 mil Municípios do Brasil? Eu termino aqui com essa pergunta para todos que estão aqui nesta mesa, no plenário, e para os que estão ouvindo, assistindo, aqui nos acompanhando, na TV Senado. Obrigado pela sua atenção. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Hilton Coelho, Vereador, representante da Câmara Municipal de Salvador, que deixou no ar a pergunta "Que vamos fazer?" Isso vai se espalhar pelos 27 Estados - 26 mais o DF. Alessandro Aurélio Caldeira, Diretor de Fiscalização da Dívida Pública, da Política Econômica e da Contabilidade Federal do Tribunal de Contas da União (TCU). O SR. ALESSANDRO AURÉLIO CALDEIRA - Obrigado, Senador. Agradeço, Senador Paulo Paim, Senadora Regina Sousa, em nome do Presidente do Tribunal de Contas da União, pelo convite para participar nesta Mesa. A nossa intenção aqui é justamente trazer alguns elementos que nós conseguimos identificar durante - vou mostrar para os senhores - dois trabalhos que o Tribunal de Contas conduziu, desde 2009, envolvendo operações do tipo aqui tratado nesta audiência. Então, os trabalhos de fiscalização são exatamente esses. O primeiro, envolvendo um FIDC proposto pelo Município de Belo Horizonte, em 2008. O processo foi aberto em 2009. E um segundo que, no decorrer do processo, envolveu a análise do FIDC de Nova Iguaçu e do FEDAT do DF. |
| R | Então, em termos gerais, o objetivo desses trabalhos que o Tribunal fez... Na verdade, os dois ainda não tiveram uma deliberação final, de mérito, mas, como eu vou mostrar para os senhores, mais à frente, há duas medidas cautelares em vigência ainda, mas eles ainda estão para serem deliberados no mérito. Então, o objetivo geral foi analisar o enquadramento das operações trazidas nesses instrumentos e verificar se isso se enquadrava no conceito de operações de crédito da LRF. Situação atual: aguardando decisão de mérito. Bom, então, a LRF dá ao Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, a competência de fiscalizar o cumprimento das leis, das normas da LRF. O Ministério da Fazenda possui diversas atribuições, dadas tanto pela própria LRF quanto pela Resolução 43 do Senado, com relação à atuação no âmbito dessas operações, operações de crédito de Estados e Municípios inclusive, que têm que passar pela autorização do Ministério da Fazenda. Aqui, alguns dispositivos da resolução do Senado Federal... Então, a instrução dos processos se deu com a análise de documentos, análise de dados publicados em balanços públicos, e a manifestação também desses órgãos federais. Esse é o desenho financeiro que chegou - pelo menos formalmente -, descrito na primeira operação do FIDC/BH, mas que, em essência, é o mesmo desenho dos demais instrumentos que nós analisamos do Rio de Janeiro e do FEDAT/DF. Então, ele está envolvendo a instituição financeira, um FIDC, um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, investidores, contribuintes e o próprio ente público, claro. Então, num primeiro instante, existe a inscrição da dívida ativa dos contribuintes que não pagam os tributos; num segundo instante, o ente público efetua um contrato de cessão de crédito, junto à instituição financeira e ao FDIC; num terceiro momento... Isso aqui eu falando bem resumido, simplificando as coisas. Existiram algumas variações de um instrumento para outro, mas, em essência, isso aqui reflete bem essas operações, no meu ponto de vista. Então, num terceiro momento, existe a emissão e venda das cotas aos investidores. Nesse mesmo momento, o ente público recebe o recurso; num quarto momento, os contribuintes efetuam o pagamento da dívida ativa, seja diretamente ao FIDC, seja passando pelo cofre público, mas, no momento seguinte, sendo repassado ao FIDC. E, depois, finalmente, o resgate das cotas junto aos investidores. Bom, analisando a figura de cessão de crédito, que não era comum até então no setor público, nós fomos para o setor privado, para ver, conhecer o que é uma cessão de crédito. No setor privado, a cessão de crédito é regulada pelo Código Civil, no art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a lei nem a natureza da operação. É muito importante essa observação do art. 286. Então, existe uma relação obrigacional entre o devedor, que é o cedido, e o credor original, que é o cedente. Então, existe uma relação obrigacional entre o devedor, que é o cedido, e o credor originário, que é o cedente. Esse credor originário, que é o cedente, cede o seu crédito para um credor, para um novo credor, que tem o nome de cessionário. Em geral essas cessões são feitas pro soluto, ou seja, o cedente não assume pela solvência dos créditos do devedor. E, segundo o art. 290, ainda, a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor se o devedor não souber que foi feita essa operação. Isso é importante porque, com a cessão, quem passa a figurar como o credor é o cessionário - ele tem o direito depois de cobrar, obviamente, do devedor, pelo pagamento da dívida, exceto se o devedor não for devidamente notificado. |
| R | Então a gente foi analisar para ver se isso seria a mesma coisa no setor público. Falando de cessão de crédito tributário, a gente tem na figura do devedor os pagadores de impostos; na figura do cedente, o ente estatal; e na figura do cessionário, o FIDC (ou a instituição financeira ou a empresa estatal dependente). E aí a auditoria fez a seguinte pergunta: seria possível juridicamente a cessão do crédito tributário para validar aquela forma, aquele desenho financeiro? Então, existem diversos dispositivos na Constituição, no crédito tributário, na própria LRF, que, no nosso entendimento, impedem a cessão do crédito tributário. Voltando aqui para o nosso desenho, para o nosso esquema, então seria, no nosso entendimento, impossível o ente público transferir esse crédito para um ente privado para figurar como novo credor no crédito tributário. Então isso seria uma operação impossível. Então, outra questão veio para a gente: isso seria na verdade uma operação de crédito? A LRF traz o conceito de operação de crédito, que é o compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, e, no final, outras operações semelhantes. Então, na verdade, o nosso entendimento, resumindo, da equipe técnica que fez a auditoria: nesse momento três, no momento em que o ente público recebe o recurso da operação, da cessão de crédito, digamos assim, nesse momento surge a operação de crédito, surge a dívida, surge o endividamento do ente público. E o momento quatro é o momento da amortização do compromisso financeiro. Então, verificando dessa forma, a gente chegou à conclusão de que, sim, era uma operação de crédito. Não se tratava de uma operação de cessão de direitos creditórios, pela impossibilidade jurídica do negócio, mas se tratava de uma operação de crédito por essa formatação que a gente verificou. A outra questão relevante é que a gente verificou a garantia da solvência do devedor. No nosso entendimento, ela é irrelevante para caracterizar a operação de crédito. Então, aqui é o exemplo do FIDC BH, que foi tentado num prazo de 48 meses e que envolvia uma cessão de 100 milhões. Pelo histórico de recebimento de receita de dívida ativa, esses 100 milhões seriam ressarcidos aos investidores, ao FIDC, com muita facilidade, porque o histórico de recebimento de crédito de dívida ativa permitia isso. Então, essa era uma característica importante a ser observada, porque, na verdade, fica fácil... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. ALESSANDRO AURÉLIO CALDEIRA - ... de o cessionário assumir o risco, pois, na verdade, o risco é baixo, o risco de recebimento é baixo. Então, qualquer tipo de ressarcimento que se possa verificar nos quatro anos seria factível. Foi mencionado também, para defender a operação, que, na verdade, não seria a cessão dos créditos da dívida ativa, mas seria cessão do fluxo financeiro futuro dessa dívida ativa. Então, vejamos: será que existe um ativo independente? Será que existe o ativo "dívida ativa" e um outro ativo chamado "fluxo futuro de receitas"? A gente avaliou isso. Então, na verdade, o ativo é representado contabilmente pelo próprio fluxo futuro de receitas. O fluxo futuro é... O ativo é a representação desse fluxo futuro de receita. Se a gente vender esse fluxo futuro, na verdade a gente não tem mais esse ativo. Não existe uma venda de fluxo futuro se a gente não falar em venda do próprio ativo, porque ele é a representação desse fluxo de entrada de recurso no futuro. Então, as conclusões da auditoria foram que: não representam cessão de crédito de dívida ativa por impossibilidade jurídica; não representavam alienação de fluxo de caixa futuro, porque fluxo de caixa é apenas uma representação do próprio ativo no tempo futuro; representam, na essência, o recebimento antecipado de recursos financeiros. E isso é operação de crédito, isso é endividamento, e teria que passar pelo Ministério da Fazenda para autorização. Essa foi a conclusão da auditoria. Então, o Ministro Bruno Dantas deu essa decisão cautelar, em 2014, para suspender todos os registros... (Soa a campainha.) O SR. ALESSANDRO AURÉLIO CALDEIRA - ... de FIDC BH, Nova Iguaçu e de outros também. Outra decisão cautelar foi dada em dezembro de 2014, com relação ao FEDAT do Distrito Federal. Alguns riscos que a gente identificou na auditoria: possível ofensa aos princípios constitucionais da igualdade e da legalidade no tocante à tributação; possível ofensa à regra de não vinculação das receitas previstas na Constituição; indícios de custos efetivos superiores às operações clássicas de endividamento; possível impacto negativo na transparência das operações, para a própria complexidade que se deu às operações; e não individualização dos créditos cedidos, pois uma não individualização dos créditos cedidos pode inviabilizar a análise de custos e a economicidade das operações, porque qualquer crédito que se receba pode vir a ressarcir o fundo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Concluindo... O SR. ALESSANDRO AURÉLIO CALDEIRA - Para concluir, muito obrigado. Desculpe-me se eu fui muito rápido. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não. Quando eu falei: "concluindo"; ele disse: "obrigado". (Risos.) Parabéns! Parabéns! Esse foi o Dr. Alessandro Aurélio Caldeira, Diretor de Fiscalização da Dívida Pública, da Política Econômica e da Contabilidade Federal do Tribunal de Contas União, que também fez uma bela exposição. De imediato, Ladislau Dowbor, economista e Professor Titular de Pós-Graduação da PUC, São Paulo. Se quiser trocar de lugar também... O SR. LADISLAU DOWBOR - Está se ouvindo bem aqui? (Pausa.) Está perfeito. O.k. Muito obrigado. Vendo os comentários, em dez minutos a gente não resolve o sistema financeiro, mas consegue trazer alguns dados básicos, não é? |
| R | Basicamente, é o relatório de pesquisas. Essa pesquisa está sistematizada nesse livro. Não é um livro de economia, é justamente uma sistematização dos dados básicos que a gente enfrenta, porque não são só, evidentemente, nacionais. E não é só a dívida pública, é a "financeirização", como a gente tem chamado, que está desarticulando a economia simplesmente por todo lado. Não à toa, temos aqui representantes internacionais, não é? Primeiro, o nosso problema, francamente, não é de falta de recursos. Se pegarmos o PIB do Brasil, em termos de produção de bens e serviços, são cerca de R$11 mil por mês, por família de quatro pessoas. O que produzimos hoje é R$11 mil por mês, por família de quatro pessoas, e nós estamos exatamente na média mundial. Com o que produzimos hoje, dá para todo mundo viver de maneira digna e confortável. Em particular, dá para resolver o problema da miséria, do drama do andar de baixo, de maneira evidente. O nosso problema não é um problema econômico, o nosso problema essencialmente é um problema de gestão, um problema de governança. Aqui é uma visão que eu trago, uma visão de economista sobre o sistema financeiro, da função econômica desse sistema. O ponto chave dessa análise do fluxo financeiro integrado - que normalmente não se faz assim, pois as pessoas estudam separadamente: aqui a dívida pública, os juros da Selic, aqui os crediários, ali crédito de pessoa física, jurídica, e tal; é um fluxo integrado - é saber se é produtivo ou é improdutivo. Quer dizer, se a gente aplica bem os recursos, eles se multiplicam; se a gente drena eles através de taxa de juros, eles simplesmente esterilizam a economia. É tão simples assim. E por que isso trava a economia - e não só aqui -, apesar de tantas tecnologias que, na realidade, permitiriam muito acelerar o nosso crescimento? É que, na média, isso é uma cifra básica que se está discutindo internacionalmente: nós temos que distinguir a aplicação financeira de investimento. O investimento é quando eu construo uma escola, construo casa, faço alguma coisa. Aplicação financeira é quando mobilizo papéis. Eu chego num banco, a moça me pergunta: "Em que o senhor quer investir?". Eu digo: "Moça, isto aqui não é investimento". Eu posso fazer muitos movimentos de papéis, ganhar muito dinheiro, e não vai aparecer um par de sapato a mais no País nem uma casa a mais construída. Isso aqui é um eixo absolutamente improdutivo. Isso é essencial. Em inglês fica muito claro: a renda, o rendimento que vem de trabalho, de produção, chama-se income, e o que vem de processo especulativo chama-se rent, significa "renta" - no Brasil não existe a palavra "renta" curiosamente; no francês também é muito claro: revenu, que é renda de produção; e rente, que é renda improdutiva. No Brasil temos o conceito de rentismo, mas a palavra "renta" não foi assimilada. As pessoas se confundem. Na realidade, é o seguinte: a aplicação financeira no mundo, nas últimas décadas, rende 7% ao ano, em média, livre de inflação; o PIB mundial evolui a 2%, 2,5% ao ano; quando se tem uma expansão de direitos sobre produtos, que são os papéis, que avançam muito mais rapidamente do que a expansão da produção, está havendo uma apropriação da produção de terceiros. Ou seja, é uma expropriação. E a grande corrupção, Paim - eu estou convencido - é o seguinte: a grande corrupção mesmo, o que a gente chama de apropriação indébita de recursos, ela gera a sua própria legalidade; ela tem suficiente força política para dar aparência de legalidade a um processo que é simplesmente destruidor para a economia. Como isso impacta a economia no sentido mais amplo? Impacta as famílias, impacta as empresas e impacta o Estado, três motores centrais da economia para fazer com que a economia funcione. Por que o principal motor é o consumo das famílias? Por que não funciona? Você vai no crediário, você está pagando, em média, por artigos do lar, no Brasil, 141%. O máximo que eu encontrei na Europa é 13% ao ano - não existe juros ao mês; isso é treta. Isso significa uma coisa muito clara, que eu constatei numa loja dessas que têm dedicação total a nós: por um fogão que sai da fábrica a R$200, vai-se pagar 40% de imposto; vai haver um ganho, mesmo assim, vendendo à vista por R$420; e estão vendendo a prazo a R$880. Sabe o que é isso? As pessoas que não têm como pagar à vista estão pagando R$880, caso concreto, por um fogão de R$200. Ou seja, é um sistema intermediário que trava a capacidade de o produtor investir, porque ele tem pouco lucro, e trava a capacidade de consumo das famílias. Eu estou dando esse exemplo, mas vocês podem pegar o cheque especial, que está 320%; vocês podem pegar o rotativo do cartão de crédito, que está 485%. Para economistas internacionais que me visitam, eu tenho que mostrar os documentos do banco, porque eles não acreditam, eles acham que é uma piada. |
| R | Nós temos, em agosto de 2017, 61 milhões de adultos - desses que têm acesso a crédito - inadimplentes, enfim, negativados (na expressão da Serasa Experian). Quando se tem 61 milhões de adultos que não conseguem sequer cobrir o consumo anterior porque estão endividados, o que dirá sobre fazer compras novas? Travou-se o principal motor da economia, que é o consumo das famílias. E travou-se drenando através de juros. Eu, Prof. Ladislau, tenho a minha poupança, pago uma geladeira a R$1,2 mil, mas a massa da população, que não têm esse recurso, ela paga por essa mesma geladeira R$2,7 mil. Curioso é que, no estudo da inflação, a gente não acrescenta isso. Na prática, ele está pagando mais do que o dobro. E dizem: "Não, porque a inflação é medida apenas pelo preço à vista". É um sistema claramente surrealista. O que acontece quando se trava o consumo das famílias? Trava-se a produção das empresas. As empresas não têm para quem vender. Aí se joga a inflação para baixo, porque estão quebrando, estão vendendo de qualquer maneira. E se diz: "Olha, reduzimos a inflação". Não é assim que se reduz a inflação: reduz-se a inflação dando crédito barato para as empresas para que possam investir, dando crédito barato para as famílias para que possam consumir, e desse equilíbrio entre oferta e consumo modera-se a inflação. Isso é política econômica no sentido pleno. E por que as empresas, em particular, pequenas e médias? Porque as grandes empresas e as multinacionais pegam dinheiro lá fora a 3% - aqui, vão pagar 20%, 30%, 40%. A pequena e a média empresa vão pegar ali no banco onde têm a conta, e os juros são absolutamente escorchantes e inviabilizam a atividade empresarial. Quer dizer, elas não têm para quem vender, elas não têm como recorrer a crédito nesse sistema porque é escorchante o crédito, e elas têm a alternativa de colocar na dívida pública, que vai render, na média, por exemplo... Em toda a fase do governo Fernando Henrique Cardoso era entre 25% e 30%, chegou a 46%. E esse sistema, o que é? A Maria Lúcia apresentou a cifra de 2015: tem-se 400 bi transferidos a título de juros, mais cerca de 100 bi dos swaps cambiais: então, tem-se 500 bilhões. Ou seja, são 8,5% do PIB que, em vez de serem transformados em políticas públicas no sentido de investimento e políticas sociais, saúde e educação, são transformados num sistema que transfere recursos de nossos impostos diretamente para os bancos. Isso é um sistema legal que foi criado em 1995, que depois atingiu níveis absolutamente absurdos de dívidas, e que se completou com uma PEC de 1999 que liquidou o art. 192. Vocês entram no art. 192 da Constituição... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. LADISLAU DOWBOR - ... do sistema financeiro nacional, e está tudo ali simplesmente revogado, em particular o limite de 12% real sobre a dívida. Isso aqui é um minuto? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele apita no último minuto, mas eu vou levando e normalmente dou mais três, quatro ainda. O SR. LADISLAU DOWBOR - Simpático. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pelo menos simpático. O senhor tem mais três minutos. O SR. LADISLAU DOWBOR - Travou-se o consumo das famílias; travou-se a capacidade das empresas e travou-se a capacidade de o Governo financiar as políticas públicas; e querem que funcione? Eu faço a conta com os dados do Banco Central, é aritmética: o estoque da dívida de pessoa física e pessoa jurídica é R$3,1 trilhões, que não é terrível, pois é cerca de 50% do PIB, comparando-se com outros países. Só que é se pagando uma taxa de juros tal que tira, só em juros, sobre esse sistema, cerca de R$1 trilhão, que são 15% do PIB. São retirados 15% do PIB da sua aplicação produtiva para o sistema improdutivo. Acrescentem-se os 8,5% através da dívida pública, e iremos além de 20% drenados pelo sistema financeiro sobre o sistema produtivo. Um sistema assim, simplesmente, não pode funcionar. Ele é absolutamente insustentável, não é? Isso explica essa fantástica concentração das riquezas, o que foi mencionado. Os 5% mais ricos aqui têm mais patrimônio do que os 95%. No nível mundial, são oito famílias que têm mais do que a metade mais pobre da população mundial. Hoje, o sistema financeiro é que se tornou o principal sistema de exploração - que era o salário diretamente, a exploração, a tal da mais valia. Hoje, através do sistema financeiro, a gente recebe o salário e depois se enforca na dívida. Esse sistema não funciona em lugar nenhum onde foi aplicado - temos aqui a representação da Grécia. Nós estamos indo ladeira abaixo. E é muito curioso olhar o seguinte: ao mesmo tempo em que a economia foi ladeira abaixo, os lucros dos bancos se abrem. Eu tenho esse gráfico nesse livro. É uma boca de jacaré: os lucros dos bancos subindo, e o sistema caindo. Por que é tão importante esse sistema tão poderoso e por que ele é tão frágil? Ele é frágil porque a empresa que produzia sapatos, explorava seus trabalhadores - a gente brigava, essas coisas, tudo bem -, pelo menos produzia sapatos, pagava salário, pagava imposto. Esse sistema aqui explora de maneira... Aqui se chamou de engenharia financeira, não é? É de uma elegância. Eu adoro palavras... A apropriação de recursos públicos aqui se chama privatização. A evasão de impostos chama-se otimização fiscal. É uma maravilha. Na realidade, acho que estamos frente a um sistema que perdeu sua legitimidade. E eu queria encerrar com a opinião de Martin Wolf, que muitos podem não conhecer, mas é o economista chefe do Financial Times. É mundialmente conhecido, é top de linha na área financeira. Ele que é do Financial Times disse: "Esse sistema perdeu sua legitimidade". Isso é textual, porque ele não está servindo ao essencial do sistema financeiro, que é fomentar as atividades efetivamente produtivas em vez de drená-las. |
| R | Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Professor Ladislau Dowbor, economista e professor titular de pós-graduação da PUC, de São Paulo. Deixe-me só fazer um comentário e cumprimentar V. Exª. V. Exª consegue aprofundar o tema com a simplicidade para que todos entendam, porque não é fácil a contabilidade neste País, entender de Economia. Então, quero cumprimentá-lo porque fiquei... (Intervenção fora do microfone.) (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aí, o senhor traduz para nós e traduziu muito bem. Olha, parabéns. Há dois informes, mas um informe é positivo, muito bom e eu faço questão de dar neste momento. Todas as pessoas que queriam entrar a segurança liberou, e até providenciaram as cadeiras para que a maioria pudesse sentar. (Pausa.) Esse aviso me foi dado um tempo atrás, e eu só dei agora. Peço para anunciar que, amanhã, teremos o seminário das 9h às 22h no CFC, com mais tempo para todos e lançamento de livros. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Vai estar lá o professor. Nós vamos, agora, para a segunda Mesa, e já combinamos que a Senadora Regina Sousa vai coordenar, e eu estarei aqui dando palpite de metido só, mas vou ficar aqui. Agora, ela já vai convocar. Peço a todos que voltem ao plenário. Solicito à Fattorelli que fique para nos auxiliar. Uma salva de palmas a esta Mesa, muito simpática, com todos muito competentes. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Nós vamos imediatamente para a segunda Mesa. Infelizmente, não haverá intervenção nessa parte. Com as pessoas que tiverem paciência de ficar até o final, geralmente, eu sou generosa e cedo a palavra a alguns do plenário, mas nós temos ainda uma Mesa, e a prioridade é para os convidados e convidadas que vieram para falar. Agora, vamos ter a Mesa, praticamente toda internacional. Em seguida, se der tempo, porque nós temos o limite regimental de tempo, nós abriremos para algumas intervenções do plenário. Então, nós vamos compor a segunda Mesa, convidando Zoe Konstantopoulou - não sei se eu disse certo... (Palmas.) Ela é advogada, fundadora do Curso (Caminho) para a Liberdade, movimento político fundado para trazer a democracia de volta à Grécia e ao povo. Foi Presidente do Parlamento Helênico e fundadora da Comissão da Verdade sobre a Dívida Pública, destinada a realizar auditoria. Defensora dos direitos humanos, autora de várias iniciativas para defender o interesse público e os direitos do povo contra a corrupção e o sistema da dívida. |
| R | Bem-vinda! (Palmas.) Eu acho que a gente vai precisar também de tradução, não é? Chamo o Sr. Michael Roberts, economista financeiro, autor de diversos livros sobre economia. Seu blogue é considerado um dos mais lidos da Europa. (Palmas.) Convido Raquel Cardeira Varela, advogada, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Trabalhistas e Sociais da Universidade Nova de Lisboa. (Palmas.) Convido Hugo Arias Palácios, professor e membro do Comitê de Auditoria da Dívida Pública do Equador. (Palmas.) E Antônio Gomes de Vasconcelos, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. (Palmas.) O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um aviso que eu tinha que dar, que o Deputado Paulo pediu. O Deputado Estadual Paulo Ramos, Presidente da Comissão de Representação da Dívida Ativa, convida a todos para a palestra da Deputada Zoe Konstantopoulou, ex-Presidente do Parlamento grego, e a audiência pública sobre recuperação de receita do Estado, dívida ativa, sonegação e incentivos versus fator fiscal, no dia 13 de novembro, às 10h, no Plenário Barbosa Lima Sobrinho, Palácio Tiradentes, Rua Primeiro de Março, Praça XV, Centro. A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada, Senador. Então, vamos começar com a nossa primeira convidada, a Srª Zoe Konstantopoulou. Já li os dados sobre ela. Seja bem-vinda. Tem dez minutos, mas com uma tolerância de mais dois ou três. Então, fique à vontade. Quando toca, falta um minuto. A SRª ZOE KONSTANTOPOULOU (Tradução simultânea.) - Bom dia a todos. Deixe-me começar dizendo que é um prazer estar aqui pela segunda vez em um ano. Eu estive aqui em novembro, na Comissão de Economia, e estou muito feliz de voltar aqui hoje nesta reunião da Comissão de Direitos Humanos sobre a dívida. Estou muito feliz de que seja uma reunião aberta ao público, porque é muito importante trazer o povo aos debates. E gostaria de cumprimentar o Presidente Paim por se certificar de que o povo consiga entrar para participar de nossa reunião. É muito importante saber que instituições e representantes de instituições como o Senado, o Parlamento existem e funcionam para o povo e para a democracia. Quando funcionam à margem da democracia ou sem o conhecimento do povo, sem a participação do povo, arriscam-se a funcionar para interesses que não os do povo, não os que servem ao povo e à democracia. |
| R | Quero agradecer à Maria Lucia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, por ser um instrumento na defesa dos direitos do povo para saber a verdade, qual a verdade sobre a dívida, e também por ser um instrumento, no meu país, Maria Lucia, a decodificar o que aconteceu com a dívida pública e decodificar como uma dívida que nada tem a ver com o povo, uma dívida que nada tem a ver com gastos públicos em favor do povo terminou sendo imposta ao povo, para que o povo pague. Em 2015, eu era Presidente do Parlamento Helênico e fundei a Comissão da Verdade da Dívida Pública, que operou com participantes internacionais. A Maria Lucia era proeminente, ativa e um membro precioso da comissão. Continuamos a servir ao povo para que saibam a verdade sobre a dívida e também para que se recuse a se submeter a uma dívida que não é do povo, que eles não criaram. É um direito do povo participar e auditar a dívida, e estou feliz que haja muitos cidadãos aqui, neste plenário, hoje. (Palmas.) O povo tem o direito de contribuir e adquirir conhecimento sobre como a dívida está sendo forçada ao povo, está sendo empurrada para o povo, e também é direito do povo recusar-se a pagar uma dívida que não é dele. Senhoras e senhores, queridos amigos e queridos colegas, a questão da dívida, universalmente, é um crime contra o povo, é um crime contra a democracia. Consiste em práticas fraudulentas, e vocês estão decodificando essas práticas fraudulentas adotadas aqui, no seu país, para transferir uma dívida que não é da população para os ombros da população, que consiste em operações que... Lembro-me de que vocês e outros apresentadores falaram sobre uma organização criminosa em nível internacional, uma máfia para drenar o sangue do povo, o dinheiro do povo, para alimentar-se dele. Falamos de um sistema que funciona para os poucos e corruptos contra os interesses da maioria, os interesses do povo. Estamos aqui porque estamos preocupados com os muitos, a maioria, o povo. |
| R | Estou aqui pela segunda vez para dizer a vocês que, se nós tivéssemos sabido, na Grécia, o que tinha acontecido no Brasil três décadas atrás, estaríamos muito mais prontos para lutar contra o que aconteceu conosco depois de 2010. Também estou aqui para dizer que é importante que vocês saibam o que aconteceu na Grécia. O que aconteceu na Grécia, desde 2010, agora está sendo importado para o seu País: o sistema de pegar a dívida dos bancos, a dívida dos interesses e fundos particulares, a dívida desses poucos e corruptos e de transferi-la para os ombros do povo por meio de práticas especulativas e fraudulentas seguidas na Grécia. E agora seguidas no Brasil. Estou feliz que esta seja a Comissão de Direitos Humanos porque o sistema da dívida é um sistema que funciona contra os direitos humanos. É muito apropriado discutir esse assunto aqui: a questão da dívida nesta Comissão. Porque a dívida tem funcionado...E e vou falar no caso da Grécia, mas Maria Lucia falou sobre o Brasil. O sistema da dívida está funcionando contra todos os direitos fundamentais e humanos. As pessoas estão sendo exigidas a pagarem uma dívida e abrindo mão de seus direitos humanos fundamentais. Nós estamos falando do direito à própria vida. As pessoas estão morrendo para repagar essa dívida. As pessoas estão morrendo por causa da precariedade e também por causa de desespero. Há uma explosão de suicídios na Grécia em razão de medidas de repagamento da dívida. Estamos falando do direito à habitação. Pessoas estão sem esse direito. Temos procedimentos de confisco de casas, na Grécia, neste momento. É uma medida para repagar a dívida. Estamos falando do direito ao trabalho. E 70% das mulheres jovens do meu País estão desempregadas. Estamos falando do direito à educação, de crianças que não podem estudar ou que vão à escola sem livros, sem alimentação, sem professores, que desmaiam nas escolas de fome. Estamos falando ao direito à previdência social e de todos os fundos da previdência do país que estão sendo desmantelados para pagar pensões aos idosos e aposentados. Estamos falando do direito à justiça. As pessoas não estão tendo acesso ao sistema de justiça, que é uma despesa extra e absolutamente fora do alcance das pessoas. Também por causa de uma justiça corrupta que serve a oligarquias e a um sistema de corrupção que não ajuda o povo. Estamos falando de liberdade de expressão. As pessoas não estão tendo acesso à informação real e a mídia está sendo controlada por oligarquias que apoiam o sistema da dívida. Estamos falando sobre a liberdade de reunião e de pessoas que não estão sendo realmente capazes de se reunirem e de protestarem, sujeitas à repressão. |
| R | E sabemos ao que essa repressão pode levar, sabemos o que essa repressão pode causar contra pessoas que se revoltaram contra a autodeterminação na Catalunha. Estamos falando sobre cortes na educação, corte nas pensões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, e crianças que vivem abaixo da linha da pobreza. Quando falaram da companhia de água e esgoto sendo privatizada no Brasil... Na Grécia também, todas as companhias públicas estão sendo liquidadas. A companhia de eletricidade na Grécia, a companhia de gás na Grécia, a companhia de água, mas também todas as companhias emprestadas ao setor público, como aeroportos, qualquer coisa que sirva ao interesse... E o bem do povo está sendo liquidado para pagar a dívida, uma dívida que não foi criada pelo povo, nem pelo bem do povo. Durante os últimos sete anos e meio, no meu país, não tem havido leniência para as pessoas que morrem, nenhuma leniência para as pessoas que reclamam seus direitos, pessoas que recebem suas pensões, crianças que reclamam seus direitos, mas tem havido leniência para três categorias. Estou falando de leniência legal, leniência do Parlamento, leniência que fornece imunidade, impunidade e facilidades para continuarem como estão. Essas categorias sujeitas a essa leniência são os donos da mídia, esses que se asseguram de que o sistema da dívida continue; companhias de construção que recebem dinheiro público para construir sua própria infraestrutura à custa do povo. Estamos falando sobre estradas que não são acessíveis ao povo, porque precisam pagar para circular nessas estradas. Essas companhias têm vantagens e ainda assim recebem leniência; e a terceira categoria sujeita à leniência são banqueiros. Finalmente, o sistema da dívida tem sido muito leniente consigo mesmo. Estamos falando de um sistema que imuniza a si e que provê imunidade àqueles que violaram a legislação e que violaram o interesse público, legislação de proteção. O que deveria ser feito? O que é importante dizer numa reunião como esta? Eu diria que a coisa mais importante é perceber que estamos enfrentando um inimigo, um inimigo do povo; perceber que, contra esse inimigo, há muitos de nós que estamos prontos para lutar e muitos que estão prontos para servir o sistema. |
| R | Também perceber por que estamos falando de um sistema que visa remover os direitos do povo, as necessidades do povo. É o povo que deveria se levantar e reclamar seus direitos. Eu gostaria de sugerir a esta Comissão uma proposição que eu já apresentei ao Parlamento Europeu: vamos conversar sobre o direito do povo de repudiar dívidas ilegais, o direito dos cidadãos de se recusarem a pagar dívidas ilegais; vamos falar sobre o direito de cada um de nós de se recusar a se sujeitar a medidas destinadas a pagar essas dívidas; e vamos falar sobre os direitos do povo de desobedecer essas medidas; vamos conversar sobre o direito do povo de desobedecer disposições que o fazem pagar dívidas ilegais. Quando se trata dos representantes do povo, vamos conversar sobre proteção desse direito do povo; vamos conversar sobre protegê-los contra as repercussões; e vamos conversar sobre certificarmos de que cada um e todos nós, todos aqueles que desobedecem a dívida ilegal encontrem, nos membros deste Parlamento, defensores. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada, Deputada Zoe Konstantopoulou. Foi brilhante a sua palestra, com situações muito parecidas com a nossa do Brasil. Passo a palavra ao Sr. Michael Roberts, economista... O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presidente, só uma frasezinha. Posso? A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Pode. O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Paulo Ramos, estou com ciúme de você. Vou levá-la ao Rio Grande do Sul para ela fazer esta palestra, porque você a levou ao Rio. Parabéns! A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Há uma disputa aqui para levá-la para fazer palestras. O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ela, todo o tempo, falando do povo, da luta do povo, que é um crime contra o povo, nós temos de defender o povo... Confesso que me fez sentir uma emoção muito forte a forma e a convicção com que ela defendeu o povo, a humanidade, porque é internacional essa peleia. Parabéns! (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Com a palavra o Sr. Michael Roberts. O SR. MICHAEL ROBERTS (Tradução simultânea.) - Muito obrigado pelo convite de falar nesta Comissão sobre a questão da dívida. Eu sou parte de uma delegação internacional que a Maria Lucia Fattorelli organizou para trazer a experiência de o que está acontecendo em nossos países também internacionalmente na questão da dívida. Reconhecemos que o Brasil não é uma exceção. É um processo que está ocorrendo em todo mundo e que já ocorreu nos últimos 30 anos. Entretanto, apesar de ser uma ocorrência internacional - eu, por exemplo, trabalhei com essas questões por mais de 30 anos e consegui compilar muitas informações sobre a questão da dívida no setor público. |
| R | Primeiro, no gráfico, vocês veem informações do FMI sobre a dívida pública, a relação entre a dívida pública com o PIB, a produção de uma economia e onde o Brasil se encontra em relação aos outros países emergentes como Índia, América Latina, México, África do Sul, o G20, China, lndonésia, Turquia e Rússia. Quem tem o maior débito, a maior dívida é o Brasil. Vou falar um pouco sobre isso. Como resultado de uma grande dívida, vocês pagam muitos juros. Assim como já foi mencionado por várias pessoas, os juros são altíssimos no Brasil e a dívida também é alta, os interesses custam muito. Para pagar mais dívida você tem de pagar mais juros e tem de pegar emprestado mais dinheiro, criando mais dívida. Vamos ver aqui a relação entre o custo dos juros em relação ao PIB, em relação às economias emergentes: na América Latina, no G20, o maior custo dos juros está no Brasil. Não um pouco só, mas há uma diferença muito grande em relação ao Brasil, em 2017, de acordo com o FMI. Não é um fato da esquerda, mas vem do FMI, 7% a 8% do PIB só em juros da dívida pública, muito mais do que em outros países. Também o FMI... As taxas de juros não estão diminuindo, mas estão aumentando e, nas próximas eleições do seu País, de acordo com o FMI, eles geralmente são bem moderados: 9% do seu PIB anual irá pagar a dívida pública, isso sem falar na dívida privada. Isso é um problema do Brasil em particular, mas não é o único do Brasil. E por que isso? É parte do efeito de bola de neve. O FMI chama isso de efeito bola de neve. Não é a única razão dos altos juros. Os juros não estão sendo pagos porque não tem havido renda do setor público para pagar esses juros. Não é suficiente. A maioria dos brasileiros pagam muito imposto. Uma pouca, uma baixa minoria poderia pagar mais juros, mas não estão pagando. |
| R | Em 2015, 10% da população pagou mais de 30% de juros de sua renda, 32% pagaram apenas 1%. Não apenas a renda mensal proveniente de salários. Isso também inclui gastos com rendas, essa é uma situação regressiva, terrível para a economia. Os pobres pagam mais do que os ricos todas as vezes que gastam dinheiro porque a renda deles é menor. Os ricos pagam menos impostos em vendas. Isso é uma regressão e é um grande problema no processo brasileiro. Temos taxas regressivas. As pessoas que ganham o salário mínimo pagam impostos que, se fosse similar a uma pessoa que ganha cinco salários mínimos, a pessoa que ganha um salário mínimo pagará relativamente cinco vezes mais do que uma pessoa que ganha cinco vezes mais. Essa é a situação no Brasil e as receitas oriundas de impostos são paga pelos mais pobres, muito pouco é pago pelos mais ricos no Brasil. Há muita isenção de impostos para partes da população. Há isenção sobre lucros, isenção para empresas que usam uma fachada para não pagar impostos. Esses dados são públicos e a isenção de impostos, pela maior parte dos brasileiros, é de R$60 bilhões ao ano. Poderíamos pagar o dobro ao Programa Bolsa Família se todos pagassem. E isso é legal. Temos evasão maciça de impostos pelos ricos, temos os fundos offshore, todos sabem que os paraísos fiscais no Panamá, a elite tem o seu dinheiro principalmente no Panamá e em outros paraísos fiscais. Esta semana temos informações sobre paraísos fiscais onde centenas de empresas e indivíduos da elite, que levam seu dinheiro para fora do País sem pagar impostos, de forma ilegal, economistas dos Estados Unidos, 7% a 8% do PIB. Este é o total que está sendo enviado, em que está sendo evitado o pagamento, que está sendo defraudado dos contribuintes. |
| R | É um escândalo de ilegalidade e nada é feito. A maior parte dos governos é apoiada por essas pessoas que realizam essa evasão. Acredito que nos documentos nesses paraísos fiscais, a Rainha da Inglaterra estava colocando dinheiro nesses fundos offshore sem saber, mas também os mais ricos do mundo fazem isso, eles levam seu dinheiro para esses paraísos fiscais, o que é um exemplo de patriotismo pela Rainha da Inglaterra. É um direito de o setor privado receber impostos oriundos dessas operações. Se somarmos tudo isso, a perda de impostos para o Estado brasileiro é de R$600 bilhões; R$600 bilhões que cobririam o Bolsa Família, outros benefícios sociais, como, por exemplo, a educação infantil, as aposentadorias. Essa é a perda dos impostos que poderiam ser utilizados para apoiar esses serviços públicos. Isso é um escândalo não apenas no Brasil, como também em nível internacional. E todo governo que quer ajudar o povo precisa enfrentar essa situação da evasão fiscal. Eu sou da Inglaterra, nos 70 e 80, tivemos a Margaret Thatcher como Primeira-Ministra, e o setor público, de acordo com ela, estava grande demais, era necessário reduzi-lo. Havia dívidas demais, déficits demais. Ela disse: "Não há outra alternativa de acordo com o governo central." Muitos governos e o seu governo brasileiro dizem que não há alternativa à privatização, à austeridade fiscal, deve-se colocar essas empresas públicas em mão privadas. De acordo com outras propostas brasileiras, serão 20 anos de austeridade fiscal e não há outra alternativa. Mas existe uma alternativa, o dinheiro está aí, se fosse arrecadado e utilizado no interesse do povo. Palavras econômicas são usadas para encobrir esses fatos com a engenharia fiscal, com austeridade. Para vocês que já viram austeridade, isso quer dizer reduzir seus serviços fiscais e aumentar os seus impostos para que os ricos não precisem pagar. Isso significa austeridade. Em termos de pensão, reforma fiscal, medidas para melhorar os benefícios públicos, pensaríamos que as reformas melhorariam as coisas, mas o que acontece é o contrário. |
| R | Essa é uma contrarreforma que vai piorar a situação da maioria e vai melhorar a situação de poucos. Foi o que aconteceu na Grécia, na Europa, e que também está acontecendo no Brasil, que representam iniciativas de financiamento privado e público, um sistema que utiliza dinheiro público combinado com fundos privados para a educação, para outros serviços públicos, tirando esses serviços do controle público e os coloca em mãos privadas. Isso está ocorrendo no Brasil. É um escândalo terrível, é o futuro do Brasil, e o Brasil precisa fazer alguma coisa. Aconteceu a mesma coisa em Porto Rico. Empresas americanas foram a Porto Rico sem pagar impostos. Mudaram o sistema de impostos. Porto Rico empregou duas pessoas do Banco Santander para aumentar a dívida. E aumentou a dívida.O que eles fizeram? Pagaram aos seus amigos do Santander para fazer isso, para ajudar o Santander aumentar a dívida pública no valor de R$70 milhões. O furacão destruiu o país, o Santander aumentou as contribuições. O Santander ganhou US$1 bilhão. E o governo de Porto Rico estava destruído. Qual é a resposta daqueles que dizem que não há alternativa? A resposta deles, principalmente na questão de Porto Rico, como se fossem gaviões que querem se apoderar do dinheiro público, exigir que sejam pagos a juros escorchantes, mesmo que isso signifique reduzir o padrão de vida dos porto-riquenhos. Os Estados Unidos mandaram dois mil soldados para Porto Rico para que essas medidas fossem implementadas. Então, vê-se que direitos humanos simples estão em perigo. Na questão brasileira, há uma causa que apoia os direitos humanos, o bem-estar da população, e muitas constituições não têm isso, mas a Constituição brasileira tem. Se uma dívida será imposto ao povo após uma série de escândalos e esquemas, e o Governo tentar utilizar não apenas a lei, mas também controles e segurança contra o povo que se opõe a isso, então os direitos humanos desse povo estão sendo ameaçados. Porto Rico fez isso, e vamos esperar que no Brasil não ocorra a mesma coisa. (Palmas.) |
| R | O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Bom, muito bom! A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Obrigada ao professor Michael Roberts pelo retrato fiel que fez deste País. Infelizmente é a realidade. O senhor fez uma análise como os brasileiros que estudam esse País também fazem, e agora a pergunta que todos estão deixando aqui: "O que fazer?" O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... à Fatorelli, posso pedir uma coisa para a Fatorelli? A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Pode, Senador, com certeza. O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tu me permites... A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Com certeza, imagina! O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... que eu pegue essa audiência pública e mande na íntegra para o Presidente da República? (Palmas.) Se ele não sabe o que fazer, ele vai saber agora. Isso porque nós estamos na metade da audiência pública ainda. Está liberado? A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Com certeza. A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI (Fora do microfone.) - Claro. Não só para ele, mas para os ministérios, para os órgãos de controle... O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Faremos isso. Presidenta, não faremos? A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Faremos sim. O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E vamos mandar para os 81 Senadores também e Deputados. A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - É isso! (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Com certeza. Temos feito isso ultimamente com as audiências públicas: mandado para as autoridades, para ver se se tocam, já que não vêm aqui ouvir. Passo a palavra agora para a professora Raquel Cardeira Varela, professora universitária, historiadora, por 10 minutos. A SRª RAQUEL CARDEIRA VARELA - Muito bom dia a todos que estão aqui, Srª Presidente, Sr. Vice-presidente, todos os meus colegas de Mesa e todos que nos ouvem através da TV Senado. Permitam-me um cumprimento especial a minha querida amiga Maria Lucia Fattorelli. É verdade que trabalhamos em equipe, mas também é verdade que sem ela nós não estaríamos aqui, sem a sua determinação e sem a sua coragem. (Palmas.) E outro cumprimento especial a Zoe Konstantopoulou, porque ela foi, numa União Europeia que enche, sistematicamente, a boca com a palavra "democracia", a pessoa que respeitou o referendo grego perante o colapso moral do Syriza e do seu presidente Tsipras. (Palmas.) Hoje, o grande mecanismo de desvio de recursos públicos para o setor privado está nas parcerias público-privadas, nas subcontratações e nas terceirizações da área da saúde, educação, prestação de serviços do Estado, mas sobretudo na dívida pública, que não é, de fato, pública. O Estado entrega o dinheiro aos bancos. Os bancos emprestam ao Estado, que entrega juros aos bancos. Este é um mecanismo de agiotagem, como aqui alguém chamou - e bem -, é uma organização criminosa que está por trás deste mecanismo. Não aceitamos o argumento do peso excessivo do Estado-providência. Num estudo que publicamos, quem paga o Estado social em Portugal, cuja cópia eu trouxe aqui, que nunca foi desmentido e que usa dados oficiais da União Europeia e do Estado português; calculamos quanto quem trabalha e vive do salário entrega ao Estado em contribuições e impostos diretos e indiretos e quanto é que recebe desses serviços públicos prestados. Chegamos à conclusão de que os déficits do Estado não podem ser imputados aos gastos sociais, e na maioria dos anos há mesmo um excedente como este gráfico demonstra: em azul, tudo o que os trabalhadores entregam ao Estado; e em vermelho, o déficit do Estado. |
| R | É evidente que o mecanismo da dívida pública é um mecanismo da associação política e um problema político entre empresas, bancos e governantes, e não pode ser alocado ao Estado de bem-estar social. Não nos surpreenderam os resultados, estando Portugal, nesse campo, a par de outros países da OCDE, onde já foram realizados estudos semelhantes, como o do economista norte-americano Anwar Shaikh. E notem que nesse estudo nós fazemos apenas uma avaliação quantitativa, e não qualitativa. Se nós calcularmos qual a qualidade da saúde e da educação e dos transportes que são hoje prestados, nós chegaremos a dados muito mais gravosos, mostrando que quem está em dívida para com a população são os Estados, e não vice-versa. Acrescenta-se nas nossas conclusões que em Portugal o rendimento dos trabalhadores corresponde a sensivelmente 50% do PIB, já a massa de impostos que pagam corresponde a 75%. Significa que os paraísos fiscais de empresários e governantes são o inferno de quem trabalha. Significa que, antes das prestações sociais assistencialistas, Portugal tem oficialmente, segundo um padrão da ONU - que é um padrão muito baixo de pobreza, que nós não devemos aceitar, é um padrão de um ou dois dólares por dia e, para nós, pobre não é isso; pobre no século XXI é uma criança que não aprende música, pobre no século XXI é um cidadão que não fala bem a sua língua. (Palmas.) Mas, segundo essa metodologia rebaixada das Nações Unidas, Portugal tem 47% de pobres e, depois das transferências sociais fiscalizadas, 18%. Vocês compreendem que eu sou a favor de que nós, obviamente, devemos auxiliar quem precisa porque não tem - porque passa fome ou porque não tem. Mas quero dizer aqui, recordar que isso não é uma forma de gerir a sociedade. Não é distribuindo migalhas aos miseráveis. Gere-se uma sociedade com emprego digno e salários dignos para todos, porque é indigno estar sempre a se estender a mão ao Estado e a pedir dinheiro para comer, ou para a renda, ou para a renda social, ou para a eletricidade. O trabalho que existe no mundo deve ser dividido por todos, e o desemprego não pode continuar a atuar como o regulador do salário no capitalismo, que é aquilo que atormenta quem está a trabalhar, aceitando permanentemente rebaixar as suas condições. O trabalho para quem tem saúde, não é idoso e não é criança é um dever e é também um direito. O pleno emprego é naturalmente um desígnio civilizacional, e uma sociedade eficiente não vive de rendimentos mínimos nem bolsas famílias, mas vive da distribuição do salário para todos, e de um salário digno, para todos serem remunerados pelo seu trabalho. Um governo de um país não tem legitimidade para apresentar uma dívida, uma fatura para pagar, sem explicar por que a contraiu, como a contraiu e em benefício de quem a contraiu. Mas hoje sabemos que é possível auditar as dívidas, é possível ter um escrutínio de quem contraiu e em benefício de quem. Quem tem medo de fazer auditoria à dívida? Quem tem medo de apresentar a conta? Se nós formos ali a um restaurante à hora do almoço consumimos o que achamos que custa R$50, R$60, aparece-nos uma conta de R$1.000, nós vamos pagar? Não. Por isso, nós defendemos a suspensão unilateral do pagamento da dívida pública e a realização imediata de uma auditoria integral, e, a partir daí, tiraremos conclusões para a sociedade. Vai ser fácil? Não. (Palmas.) |
| R | Vai ser fácil? Não, não há soluções fáceis. A pior que vivemos até aqui foi a solução mais fácil: imprimir dinheiro; imprimir, primeiro, dólares nos Estados Unidos; expulsaram a inflação para a União Europeia. Os países centrais da União Europeia expulsaram para o sul da Europa e todos, no seu conjunto, expulsam para o sul global. Essa não é a solução. Essa é a solução do mundo absolutamente miserável, onde nós vivemos a situação infame de 62 pessoas terem riqueza equivalente de metade das pessoas do mundo. Não queremos essa estabilidade social, em que 62 pessoas têm o rendimento equivalente à metade da humanidade. Nós não queremos uma estabilidade social em que milhares de pessoas procuram no lixo uma forma de alimentação, como demonstrou a Maria Lúcia na sua intervenção inicial. Fizemos também outros dois estudos em Portugal: o da sustentabilidade da Seguridade Social, chegando à conclusão de que obviamente não há nenhum problema demográfico e, se não há um problema demográfico, em Portugal, muito menos existirá no Brasil, onde a pirâmide etária é muito mais jovem, porque a produtividade do trabalho tem aumentado extraordinariamente com a introdução de novas tecnologias. Ou seja, hoje, menos jovens sustentam muito mais idosos no seu direito a envelhecer com dignidade. O aumento da esperança média de vida, que tem sido apresentado por esses governos todos como uma tragédia, é uma extraordinária bonança civilizacional que a produtividade cobre. Portanto, a sustentabilidade da Seguridade Social não é um problema. Em Portugal, dá-se ainda o caso escandaloso de que uma parte da segurança social foi alocada à própria dívida pública. Vejam bem: uma dívida pública que é considerada lixo a nível internacional é nela que os governantes investem parte que é titularizada da seguridade social dos trabalhadores portugueses. Outro estudo que fizemos foi sobre o Serviço Nacional de Saúde. Como você disse, com muito orgulho, porque o Brasil, infelizmente, um País que eu amo, com muitas pessoas que eu amo, não se pode orgulhar de ter um Serviço Nacional de Saúde. Em Portugal, nós chegamos a ter o sétimo melhor Serviço Nacional de Saúde, que foi conquistado durante a Revolução dos Cravos, em 1974/1975, com comitês de gestão democrática que nacionalizaram e planificaram uma saúde para todos. Significa que, em Portugal, há dez anos, o filho do mais miserável e o filho do Primeiro Ministro iam exatamente ao mesmo hospital, um dos melhores hospitais do mundo. Nós temos um orgulho profundo nisso. E isso foi posto em causa com o Plano de Resgate, que, obviamente, é um plano, é uma corda ao pescoço da troika. Nós, hoje, não temos o sétimo melhor serviço de saúde no mundo. Nós temos os médicos e os enfermeiros a pagarem com exaustão e baixos salários; nós temos uma diminuição substancial dos cuidados de saúde prestados. E, no estudo nacional que apresentamos sobre os cálculos da saúde, chegamos à conclusão de que a contratação de serviços externos aumentou no período pós-troika e o custo final do serviço prestado aumentou também. Portanto, o trabalho não é um custo, mas o lucro, cada vez mais, é um custo. Passa-se que, hoje, em Portugal, nós pagamos, em juros da dívida pública, praticamente o mesmo €7,7 bilhões anuais, praticamente o mesmo que todo o Serviço Nacional de Saúde de um povo. E eu pergunto: que legitimidade há para que se pague em juros - juros! -, uma coisa que na Idade Média era considerada ilegítima: viver de juros... Que legitimidade há para se pagar em juros o mesmo que se gasta a curar dez milhões de cidadãos? O dogma neoliberal é um dogma, porque assume a economia como uma ciência a-histórica, técnica. Ou seja, o homem não seria artífice da sua própria história. Ou não há alternativa ao que o Michael Roberts falou aqui. Mas nós sabemos que a sociedade é feita de escolhas na forma como produz e reproduz. |
| R | (Soa a campainha.) A SRª RAQUEL CARDEIRA VARELA - A palavra economia quer dizer exatamente regras da casa. E nós temos que definir as nossas regras da casa. E temos que compreender que não vamos salvar toda a gente. Quando nós decidimos salvar os trabalhadores, os banqueiros vão perder. E não é possível pensarmos numa solução social que agrade a todos, porque isso não vai acontecer. Para que haja um mundo minimamente justo, há pessoas que têm o que não é seu. E isso não é solucionável com soluções que servem, como se dizia na antiga Grécia, a dois amos. Não se pode servir a dois amos e pensar que, sem uma posição de força, como é a suspensão unilateral da dívida pública, nós teremos alguma solução. Nós celebramos hoje, precisamente - não sei se foi por coincidência -, os Cem Anos da Revolução Russa, que é o primeiro país a suspender o pagamento da sua dívida externa, nomeadamente a dívida contraída para a Primeira Guerra Mundial; portanto, uma dívida totalmente ilegal e odiosa. Eu não reivindico, de modo nenhum, o que aconteceu na Rússia na era pós-Stalin porque, para mim, socialismo é igualdade e liberdade de forma indissociável. Portanto, a degeneração da Revolução Russa, a partir dos anos 30, não faz parte daquilo que eu reivindico como futuro para a humanidade. Mas os primeiros anos da Revolução Russa, sim. Na Revolução Russa, substituiu-se a palavra czar pela palavra Conselho Democrático. Ousaram os mais pobres, os de baixo, substituir um sistema brutal que impõe a dominação por um sistema que continha em si sementes profundas de emancipação. Dizem que também continha as sementes da ditadura. Bom, eu respondo como historiadora que sementes há em todo o lado. Em cada um de nós há sementes de tudo. Passa-se é que nós temos que fazer escolhas sociais. Nós escolhemos estar aqui hoje. (Palmas.) Podíamos ter escolhido estar do outro lado da barricada, sentados a receber dinheiro a partir do suor e sangue da população mundial trabalhadora. Na história, todos os caminhos são possíveis: do heroísmo dos brigadistas na Espanha de 36 ao terror nazi. A coragem e a barbárie convivem lado a lado. Hoje, uma sociedade igualitária é tão possível como uma regressão social histórica. O exemplo da Islândia é inexplicavelmente esquecido. (Palmas.) A Islândia suspendeu o pagamento parcial da dívida até hoje. Tem trezentos mil habitantes e, por isso, não conta? É claro que conta! Se tivesse dez milhões ou duzentos milhões, não teria muito mais força? (Soa a campainha.) A SRª RAQUEL CARDEIRA VARELA - Não é essa a pergunta que nós temos que fazer? Se não fosse um pequeno país de trezentos mil a suspender a dívida pública e fosse um país, como o Brasil, de duzentos milhões, o que aconteceria no mundo? O Brasil seria o quê? Não seria um exemplo para a maioria da população mundial? Uma população que tem a coragem... (Palmas.) ... de por fim a esse esquema infame? O isolamento dos países é uma tragédia. Mas a questão é que alguém tem que dar o pontapé de saída. Nós, por exemplo, em Portugal, demos em 1974, pondo fim à mais longa ditadura na história da Europa: 48 anos de ditadura salazarista. Por que não dizemos: "Agora, acabou! Queremos os nossos recursos coletivos". O recurso coletivo não é casa individual de cada um, que, aliás, está a ser perdida por causa desse esquema de dívida para grande parte dos trabalhadores que estão a entregar as suas casas. |
| R | Quando falamos de recursos coletivos, falamos de investimento. (Soa a campainha.) A SRª RAQUEL CARDEIRA VARELA - Os bancos têm que ser públicos e têm que ser a concentração da riqueza na sociedade para investir na sociedade, e não uma sociedade de especuladores. As empresas estratégicas. Como é que um país inteiro está nas mãos de acionistas privados? Como é possível isso ser aceito por nós? Eu queria terminar citando uma frase que acho muito bonita e que todos vocês conhecem do filme As Vinhas da Ira, porque As Vinhas da Ira nos remete à crise de 1929. Tom Joad era um pequeno agricultor - o romance é de John Steinbeck, e o filme é de John Ford - que, pela agiotagem bancária, é expulso - ele e sua família - de Oklahoma para a Califórnia, aonde vão à procura de trabalho. Para que o trabalho de Tom Joad seja valorizado, eles têm que contratar mais trabalhadores do que aqueles que efetivamente podem trabalhar para garantir que, à porta das plantações, há uma remessa de trabalhadores sem nada para viver e que são obrigados a disputar com os outros trabalhadores a força de trabalho. Quero lhes dizer que o pleno emprego não incluiu que a estagnação é falta de inovação. Isso é uma mentira enorme! O pleno emprego é a garantia de inovação. Pelo contrário, o medo de perder o emprego é o retrocesso civilizacional de uma sociedade, porque as pessoas, com medo de perder o emprego, fazem canalhices no emprego, mentem, não inovam e não têm coragem de propor novas medidas inovadoras e científicas. Pelo contrário, as sociedades de pleno emprego são sociedades - onde há liberdade, obviamente - que geram mais inovação e mais desenvolvimento científico. O desemprego... Há duas formas, no modo de produção capitalista, de controlar o preço da força de trabalho: ou com ditaduras, proibições de sindicatos e partidos políticos; ou com muito desemprego. Portanto, o desemprego deixa as pessoas num estado de vulnerabilidade insuportável - as que estão desempregadas -, e as que estão empregadas estão permanentemente ameaçadas. Nós não podemos tolerar um único desempregado, porque isso é imobilização de capacidade produtiva; isso é a destruição dos nossos países. Tom Joad vai, a princípio, sem saber furar a greve dos outros que estavam a lutar por melhores salários. Ao longo do filme, ele vai compreendendo que é preciso se organizar, lutar, que não se pode furar greves. No fundo, é isto: é preciso ser organizar politicamente, porque essa é chave de toda a resposta. O filme termina com esta frase, que eu vou ler, quando ele vai embora e se despede da mãe: Andarei por aí no escuro. Estarei em toda a parte. Para onde quer que olhem. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, estarei lá. Onde houver um polícia a espancar uma pessoa, estarei lá. Estarei nos gritos das pessoas que enlouquecem. Estarei nos risos das crianças quando têm fome e as chamam para jantar. E, quando as pessoas comerem aquilo que cultivam e viverem nas casas que constroem, também lá estarei. É aí que nós temos que estar. Obrigada (Palmas.) O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Permita-me, Presidente. Posso copiar esse encerramento? Vou levá-lo para a tribuna, às 14h. Achei lindo, lindo. A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Com certeza. Já imaginava que você ia fazer isso. (Risos.) |
| R | Aliás, todos nós e todas nós devemos copiar. Eu quero agradecer à Profª Raquel Cardeira por compartilhar conosco a realidade de Portugal e por nos instigar a tantas reflexões. Quero passar a palavra ao Prof. Hugo Arias Palácios, que é membro do Comitê da Auditoria da Dívida Pública do Equador. Mas eu gostaria só de anunciar - Professor, permita-me - a presença aqui também de pessoas de outros países que não tiveram a oportunidade de falar, mas que a gente precisa registrar para demonstrar o interesse que esse tema está despertando no mundo. Estão conosco - não sei se eu vou compreender a sua letra: Sergio Alerovic, da Argentina. (Palmas.) Bem-vindo! Ramiro Chimuris, do Uruguai. (Palmas.) Bem-vindo! Carlos Benavente, da Nicarágua. (Palmas.) Ismael Zepeda, de Honduras. (Palmas.) Falei correto? Adrián Falco, da Argentina. (Palmas.) Nós temos três da Colômbia - vou ler o nome dos três: Camila Galindo, William Gaviria - é isso? - e John Freddy. (Palmas.) E, ainda, Carlos Arana, do Peru. (Palmas.) Sejam bem-vindos e bem-vindas! E Diamantis, da Grécia. (Palmas.) Passo a palavra ao Prof. Hugo Arias Palácios, membro do Comitê da Auditoria da Dívida Pública do Equador. O SR. HUGO ARIAS PALÁCIOS (Tradução simultânea.) - Bom-dia a todos, aos membros da Mesa, ao Sr. Presidente da Mesa e a toda a nossa equipe. Eu gostaria de, primeiro, agradecer à nossa amiga e colega Maria Lúcia Fattorelli para convite para estar aqui nesta audiência. Eu acredito que esta audiência é de suma importância tanto para o Brasil como para a América Latina e é especialmente importante para o país do Equador. Nós, no Equador, estamos passando por uma situação muito complexa. Eu tenho poucos minutos para falar e eu não preparei um PowerPoint para trazer e compartilhar com vocês. Eu acho importante lembrarmos que nós vivemos dentro de um sistema capitalista em que a única coisa que importa são os direitos das empresas, dos capitalistas, mas não os direitos do povo. Nós vivemos sob um sistema em que a prioridade final é o lucro, a acumulação de riquezas, um sistema que é dirigido e controlado por grandes corporações. O poder econômico e político dessas corporações é tão grande que tem colocado os Estados e as instituições financeiras internacionais, como o FMI e a OMC, a serviço apenas de seus interesses. Os mecanismos de acúmulo são os mesmos de sempre. A exploração e a superexploração do trabalho, da mão de obra, dos recursos naturais do Norte ao Sul. |
| R | O domínio e a expansão mundial do comércio, o investimento estrangeiro direto e o controle da ciência e tecnologia, a especulação financeira e o endividamento público, o nosso assunto aqui hoje de manhã, e os fluxos ilícitos de capital, sempre com o fim de endividamento no Equador da América Latina, têm sido o sequestro de seus Estados e instituições, o roubo de seus recursos e não permitir que o povo acesse os seus direitos, o desenvolvimento humano e uma plena qualidade de vida. Durante a auditoria, o Equador aprovou uma Constituição humanista que foi exemplar para o Equador, como país, assim como para o mundo. O mandato dessa Constituição aprovada no Equador é garantir que o povo goze efetivamente de todos os direitos humanos - esse é terceiro artigo da nossa Constituição -, especialmente os direitos prioritários e básicos, como a educação, a saúde, a alimentação, seguro social, previdência social, acesso à água e ao meio ambiente. A pergunta que nos resta é se o Estado tem, de fato, recursos suficientes para garantir efetivamente que a população goze desses direitos humanos básicos, e, assim, nós esbarramos com a questão do orçamento. Ontem, hoje, atualmente, o orçamento está sendo constantemente saqueado, porque o nosso orçamento público, primeiro, tem base em um sistema tributário regressivo, em que os pobres pagam mais do que os ricos. No caso equatoriano, há pouca pressão tributária, apenas 14% do PIB, e isso não constitui recursos suficientes para a tarefa que o Estado tem que cumprir. Mas a evasão tributária é um grande problema. No caso equatoriano, nós calculamos mais ou menos 40% de evasão tributária, e os grandes bancos e as grandes empresas transnacionais são responsáveis por essa evasão e pelo dinheiro que é depositado nos paraísos fiscais. Isso é tão grande quanto o problema de endividamento e maior do que a corrupção. Nós perdemos mais dinheiro para a evasão tributária do que com a corrupção em si. E, depois, vem a temática do endividamento. O Equador sempre foi encarado do ponto de vista da dívida, sempre foi saqueado, isso faz parte da história do país. Eu digo que o endividamento externo é gêmeo da questão dos paraísos fiscais e da evasão tributária. E, por último, a ineficiência da gestão financeira. Esse orçamento que é saqueado tem sido saqueado durante toda a história do país. O Equador tem passado por três séculos de endividamento externo desde o começo, desde a independência do Equador, quando o Equador teve que pagar uma dívida impagável. Essa dívida era impagável porque era uma dívida atrelada à independência. |
| R | O nosso líder, Eloy Alfaro, dizia que essa dívida foi praticamente fruto da corrupção de todos os governos desde então, a corrupção ilimitada. Nós passamos, então, pelo segundo período de dívida dessas três décadas perdidas - anos 70, 80 e 90 -, quando o nosso país teve um crescimento zero e tivemos o problema da pobreza extrema, tanto nas cidades como no campo. Os níveis de saúde e educação estavam baixíssimos, enquanto todo o dinheiro que era gerado pela venda de petróleo no país era canalizado para o pagamento da dívida. A nossa dívida subiu para 16 bilhões em três décadas, o que quer dizer que, durante esse período, a dívida cresceu em 80 vezes, se multiplicou 80 vezes, e pagamos mais. Desde os anos 70, o credor dominante da dívida pública no Equador eram os bancos privados, os petroleiros, os petroleiros, o Fundo Monetário, considerando que o Equador era um país de renda média e foram eles que nos roubaram. Os bancos privados foram os responsáveis por esse saqueamento que aconteceu nessas três décadas. O Equador pagou uma quantidade muito maior do que essa dívida de 81 bilhões. De acordo com os dados sobre o orçamento, o pagamento do serviço da dívida absorveu 75% do rendimento total. Não houve nenhum investimento em infraestrutura, saúde e educação, tudo era direcionado à dívida externa. Isso é o princípio do que a nossa companheira Maria Lúcia nos ensinou aqui. A desnutrição crônica afetava 70% das crianças no campo durante essas três décadas de dívida. A anemia afetava 50% das crianças menores de um ano e 40% das mães grávidas. A educação média no campo era de apenas quatro anos. Eu estou falando de dados de 10 a 15 anos atrás. O rendimento médio em matemática era de 8% na maioria das escolas. Essa foi a situação até o ano 2000, quando o Papa convocou uma luta contra a dívida; e, no ano 2000, o Equador criou o seu jubileu e nós nos associamos a todos os movimentos que lutavam contra a dívida. Existiam muitos movimentos, um deles era a Auditoria Cidadã da Dívida. Começamos a auditar a dívida e o Estado começou a ter vários benefícios decorrentes desse processo. Essa auditoria foi histórica no Equador, porque nós vimos a redução a apenas 10% do PIB em 2009. Esses são os dados. Então, a dívida comercial foi reduzida em 90%, e isso foi feito por um governo revolucionário, um governo que, nos primeiros quatro anos, fez obras de desenvolvimento social incríveis. Surgiu, nasceu a esperança no Equador nesses primeiros quatro anos de governo. |
| R | Infelizmente, todos esses trunfos, toda essa esperança acabaram sendo avassalados a partir do ano de 2012, porque o Equador começou a se endividar outra vez e da forma mais agressiva em toda a sua história. Como Maria Lúcia disse, quando se parou de analisar a dívida de Equador, que era de 7 bilhões, essa dívida aumentou incrivelmente. Quando se estava olhando a situação, a dívida interna, desde então, subiu a 15 bilhões. Nós nunca passamos disso na história, mas agora temos 15 bilhões, e o principal credor é a previdência social, que está sendo remunerada com juros baixíssimos. E contra isso, a dívida externa também já aumentou em 50% e tem uma média de 19,5% e taxas de juros que, no Peru e no Chile, têm um bônus de 4% de juros. Vinte e cinco por cento da dívida externa está em crédito chinês, também com uma taxa de juros elevada, de 18,5%. Nesse processo, nós também vimos o endividamento perante a venda de petróleo à China. E esses preços, o preço de US$4 por barril, isso foi na época das vacas gordas, quando o país tinha problemas e demandas para crédito externo. O país recebeu, nesse período de 10 anos, US$95 bilhões. Essa é uma quantidade enorme se olharmos o tamanho do país, o Equador, com 250 bilhões de orçamento. Apesar disso, nesse período de vacas gordas, nós nos endividamos como nunca fizemos antes na história e estamos enfrentando um problema enorme, possivelmente que não tem solução. Eu vim até aqui para dizer à Maria Lúcia que nós precisamos urgentemente fazer uma nova auditoria da nossa dívida pública. E eu gostaria de agregar o fator da corrupção. Corrupção não é a má conduta dos recursos financeiros; corrupção é um sistema instaurado, um sistema que está presente em todos os níveis da administração pública. A corrupção rouba os pequenos e rouba os grandes. É lógico que isso acontece em proporções diferentes, mas esse esquema de corrupção está matando o nosso país. Como vocês muito bem sabem, esse esquema de corrupção envolve altas autoridades, vice-presidentes, dirigentes de todos os esquemas de corrupção. E não podemos descontar a classe média e o setor público, que também pode ser corrupto. Eu analisei apenas 22 casos entre centenas de casos. Eu vi que, nesses 22 casos, foram investidos US$12 bilhões em obras públicas. Desses US$12 bilhões, US$6 bilhões foram comidos pela corrupção. Essa é a triste realidade do Equador. |
| R | Eu vim compartilhar a nossa realidade com vocês e eu vim pedir o apoio de vocês. Nós precisamos primeiro ir à rua e precisamos descobrir qual é o problema, pressionar para que possamos fazer outra auditoria. Nós temos outro presidente, que esperamos que tenha espaço para essas novas propostas. Muito obrigado pela sua atenção. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado ao Prof. Hugo Arias Palácios, que apresentou um quadro semelhante ao nosso e com esperança em 2018. Pelo menos nós estamos, simbolicamente, esperando, em 2018, eleger - desculpem a expressão que eu vou usar - um Congresso decente e um Presidente decente. Porque, hoje, no Brasil, é uma indecência total, muito semelhante a tudo o que ele falou aqui. Mas vamos em frente. Sr. Antônio Gomes de Vasconcelos, Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. (Palmas.) O SR. ANTÔNIO GOMES DE VASCONCELOS - Senador Paim, Senadora Regina, boa tarde. Boa tarde, Maria Lúcia. Em seu nome, eu cumprimento a todos os participantes desta tarde de debates. Eu queria responder publicamente à pergunta do meu amigo Gilson Reis: "Professor, por que você está aqui? Por que a Maria Lúcia te convidou?" Talvez ele pensou: "Não é da sua área." Porque a minha experiência é de magistrado do trabalho e de professor pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais. O Deputado que abriu aqui a nossa conversa referiu-se ao fundamento da República na Constituição: soberania. E, Senador, quando eu vou, nas minhas aulas de Direito Constitucional, ensinar isso aos meus pós-graduandos, doutorandos e mestrandos, primeiro me perguntam: "Nós estamos no século XVII, professor? Por que a Constituição é mera folha de papel, como quis dizer La Salle?" E, ao mesmo tempo, eu noto um desencanto: "Professor, isto é uma poesia?" A Constituição, esta Constituição, Senador, que o senhor ajudou a construir, a nossa melhor Constituição da nossa história. Eu quase não tinha respostas. Encontrando também as preocupações da Auditoria Cidadã da Dívida e a Maria Lúcia, achamos que há uma saída. Primeiro, a universidade pública brasileira tem um compromisso com a construção do projeto de sociedade, da sociedade brasileira, que está na Constituição Federal. (Palmas.) Portanto, os projetos de pesquisa, pelo menos de uma universidade pública, não podem deixar de abordar, de se aprofundar nessa questão. E é por isso, Senador, que nós temos lá um grupo de pesquisa, de juristas pesquisadores, que estamos abordando, sob o ponto de vista constitucional, todo esse fenômeno que estamos aqui debatendo. De fato, o vereador tinha razão: eu não conheço nada da dívida pública, não é a minha área; porém, nós achamos que nós, que somos da área do Direito Social, se nós ficarmos apenas invocando a Constituição e brigando - "Queremos os direitos sociais! É um retrocesso social!" - e não entendermos por que isso está acontecendo, nós vamos perder o discurso e o debate. |
| R | De fato, o Vereador tinha razão. Eu não conheço nada da dívida pública, não é a minha área, porém nós achamos que nós, que somos da área do Direito Social, se ficarmos apenas invocando a Constituição e brigando - "Queremos os direitos sociais, é um retrocesso social." - e não entendermos por que isso está acontecendo, nós vamos perder o discurso e o debate. Nós precisamos de uma pesquisa, de um estudo e de um discurso interdisciplinar urgentemente em todos os lugares onde se pesquisam os problemas do País. (Palmas.) Essa é a nossa perspectiva. Por isso, meu amigo Gilson Reis, a razão pela qual estou aqui. Bem, falou-se aqui da engenharia financeira. A minha modesta reflexão diz respeito à engenharia jurídica que está sendo feita para neutralizar o sistema constitucional e normativo, que regula as finanças, a aplicação e o orçamento das finanças públicas. Queria registrar que os técnicos do próprio FMI, que deu receituário para isso tudo que está acontecendo no mundo agora, recentemente, na revista Development & Finance, acabaram de reaconselhar os países do mundo: "Olha, os senhores exageram na dose. Tudo isso que os senhores estão fazendo está gerando uma profunda desigualdade e miséria no mundo. Não façam isso!" Quem quiser ver, está lá na revista de julho, salvo engano, de 2016, do próprio FMI, seus técnicos. A sensação que eu tenho é a de que o Brasil e os nossos estão chegando atrasados a tudo aquilo que já foi desautorizado pela experiência internacional. Queria registrar também que, neste debate, a impressão que eu tenho é que a primeira pergunta que precisamos fazer em quem discursa é: com que enfoque, você está analisando? Se as premissas forem as de mercado, nós vamos colonizar o Direito Público, as finanças públicas em favor dessa causa. Se nós analisarmos sob a ótica da Administração Pública, o que nós constatamos é isso que já foi dito aqui: a regulamentação das finanças públicas destina-se a implementar mecanismos que evidenciem a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, o planejamento e o equilíbrio das contas públicas, a aplicação dos recursos públicos de modo coerente com os objetivos constitucionais do Estado brasileiro, a preservação da integridade dos recursos públicos, além dos princípios instrumentais da universalidade do orçamento, do controle, da publicidade, da eficiência, da transparência das atividades financeiras, inclusive em relação a empresas públicas. É inegável que, recentemente, a Lei da Responsabilidade Fiscal foi um passo decisivo nesse sentido, porém o que nós estamos vendo é que é a desconstrução dos princípios do sistema de proteção das finanças públicas, pela ingerência de conceitos privados e particulares na ciência da Administração Pública. Eu não tenho muito tempo, mas eu vou dar um exemplo da engenharia jurídica que está sendo feita, inclusive no Projeto nº 204, que está tramitando no Congresso. Por exemplo - e aqui invoco o técnico do TCU, que nos antecedeu brilhantemente e fez a exposição -, sobre o conceito de operação de crédito está sendo preciso - e isso está no regulamento - dizer que direito creditício é um ser independente do crédito que o gera. |
| R | Isso é ontologicamente impossível! Vou dar um exemplo: é a mesma coisa de pegar uma moeda e dizer: a face é uma moeda; e o anverso é outra coisa. Eu posso tirar o anverso, entregar para outra pessoa; e pegar o verso e entregar para outra pessoa. É esse sofisma linguístico que está no texto. Nós, do Direito, trabalhamos com textos; e textos, os senhores conhecem como são! Então, essa é a primeira engenharia. A sensação que se tem quanto a isso é a de que - perdoem-me a grosseria da comparação - aquele animal de quatro patas não é um quadrúpede. É o que está aqui em determinados institutos jurídicos neste projeto. Então, é uma estranha alteração do conceito de operação de crédito. É impossível distinguir o direito creditício do crédito. Para quem acredita na eternidade, é a mesma coisa que dizer que, quando o corpo morre, o corpo fica, e a alma vai embora. É a mesma coisa aqui: separa-se o crédito. Então, estão-se transferindo o crédito e o também o direito creditício. Por isso, é falsa a afirmação de que há cessão definitiva. Tanto não é assim, que, se o crédito é inadimplido, ele retorna para o ente federado proceder à execução. Então, não há transferência definitiva para justificar esse conceito, e está na fundamentação que sustenta isso tudo. A expressão "onerosamente" já foi denunciada nos estudos antecedentes. "Onerosa", o que é isso? É a abdicação de juros, multas, arcando com pesados ônus de sustentação de uma entidade, de uma estatal não dependente, que, pelo próprio nome de "não dependente" é contraditório que os custos à sua operacionalidade sejam devolvidos pelo Estado, para o ente federado. Então, esse termo "oneroso", também foi dito aqui, oculta, maquia algo que não pode ser dito publicamente. De duas, uma: ou o ente federado seria ainda mais agravado, e de modo irreparável em seu prejuízo, por não poder mais executar o título creditício - se a alma se separasse do corpo -, ou a propriedade do crédito não foi devidamente decidida; apenas foi dada em garantia de liquidez do título representativo da securitização contratada. Portanto, tem razão, a meu ver, a Auditoria Cidadã da Dívida Pública. Dá-se garantia, e não se aliena o direito de crédito. Tanto é assim, que é muito peculiar, percuciente essa investigação, porque se descobriu que se dá um montante em garantia muitas vezes maior do que o valor do título posto em mercado. O que significa isso? Não há uma relação específica entre o título cedido e o título produzido e vendido no mercado. Quando ele é inadimplido, outro entra no seu lugar imediatamente. Logo, não se alienou nada definitivamente. Os riscos e os ônus ficam com o ente público; o bônus fica como investidor. Esse talvez seja o artifício mais cruel com as finanças públicas nesses termos. |
| R | Tudo isso já foi dito amplamente aqui, está frontalmente vedado na Constituição Federal, na lei, nas regras e normas gerais de finanças públicas de 1964, na Lei de Responsabilidade Fiscal, nas leis orçamentárias a que todo ente federado está obrigado pela Constituição a elaborar, tanto o Plano Plurianual como a Lei Orçamentária Anual e como o Orçamento anual. Eu vou indo até onde der o desmascaramento, vamos dizer, dessas questões conceituais aqui. Quando der o sinal, eu paro. Eu investiguei e, na minha preliminar investigação, achei 15 questões jurídicas problemáticas nessa forma de regulamentar e que está sendo concebida nesse sistema de securitização da dívida pública. Por exemplo: não haveria compromisso real, isto é, assegurar a liquidez dos títulos creditícios. Não há expresso, mas nos fatos já está demonstrado, porque o investidor não corre nenhum risco: se um título for inadimplido, outro vem no lugar. Eu li, nos levantamentos aqui da Dívida Cidadã, que, em Belo Horizonte, foram dados R$880 milhões em garantia, e o crédito era R$230 milhões; quase R$600 milhões ficaram ali, na berlinda, esperando; o que for inadimplido entra no lugar. Então, isso é assumir compromisso de garantia, não há outro termo e, no entanto, o projeto diz que não é nada disso. Eu vou pular lá para o projeto. Se o Senador ainda me permite, eu vou fazer um breve comentário sobre o projeto. Não é acertada a afirmação constante da exposição de motivos do PL 204, de 2017, no sentido de que se adotam normas claras acerca da securitização de dívida pública - não tem clareza alguma, os senhores viram -, de que não há nenhuma obrigação da União em relação aos créditos que serão cedidos - as obrigações estão aqui -, de que a securitização não constitui dívida para o ente federado - já foi dito amplamente aqui - e de que a regulação, tal como proposta, não configura conceito de operação. Eu não posso sustentar nenhuma dessas assertivas diante do que ouvimos aqui e diante de uma análise mais detida. O Projeto 204, nos termos propostos, comporta inconstitucionalidades insuperáveis e confronta a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se aprovado, pode haver, de antemão, a instauração no sistema financeiro público, o que Pinto Ferreira, citado na obra do constitucionalista Kildare Gonçalves Carvalho, designou por anarquia financeira, quando analisou o caso das autarquias e sociedades de economia mista que, antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, tinham os seus déficits cobertos à margem da lei orçamentária. É a isso que nós estamos retornando, Senadores; nós estamos retornando a esse sistema. Então, tudo isso, a meu ver, remete às premissas adotadas pelo projeto de lei para o campo da inconstitucionalidade. Obrigado, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quero cumprimentar muito o professor titular da Faculdade de Direito da UFMG, Prof. Antônio Gomes de Vasconcelos. O SR. ANTÔNIO GOMES DE VASCONCELOS (Fora do microfone.) - Senador, eu não sou titular... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas, com esse pronunciamento, já virou titular, o problema é chegar lá e explicar: "Mas culpado foi o Senador, o Senador que disse lá que eu sou o titular." Eu vou repetir: Antônio Gomes de Vasconcelos - sem erro, agora -, professor titular da Faculdade de Direito por seu pronunciamento. Sem erro, agora. (Palmas.) |
| R | Parabéns, professor, mas parabéns mesmo pelo que mostrou. A gente aqui, na Comissão de Direitos Humanos, entra, claro, muito, muito no social. Por isso, emociona-nos muito quando alguns falam do crime contra o povo, que estão fazendo no Brasil e em outros países, mas, com certeza, nós temos que ir além disso e aprofundar mais essa questão, vendo o que está por trás disso tudo. Eu, hoje à noite, faço a abertura de um fórum intersindical aqui, em Brasília, que reúne centrais e confederações, e vou tentar refletir um pouco de tudo que eu aprendi aqui com vocês. Tenho certeza de que vou ser aplaudido lá. Vou ser aplaudido ou não, quero ver uma manifestação de vocês. Se eu repetir o que eu ouvi aqui lá, eu vou ser aplaudido? Vamos ver o que o plenário vai dizer. (Palmas.) Vou ser aplaudido, viu? Vou ser aplaudido, mas levarei mesmo com muita convicção o que eu ouvi aqui. Combinamos que vocês têm o horário do almoço previsto para as 13h. Faltam dez minutos. Combinamos da seguinte forma: não daria para o plenário interagir como gostaríamos. Falei com a Fattorelli, e ela me disse que amanhã vocês têm a continuação do seminário, com temas como: o sistema da dívida na Europa e na América Latina e o aprofundamento do processo das finanças mundial - eu estou lendo tudo aqui; o esquema financeiro fraudulento e a criação de estatais não dependentes para securitizar créditos; estudos de caso: PBH Ativos S.A., alvo de importante CPI, já comentada aqui, da Câmara Municipal de Belo Horizonte; abordagem jurídica com foco na análise de novos mecanismos financeiros geradores de dívida pública; impactos socioambientais do sistema da dívida. Depois, tem a reunião interna, no final, evento interno, para a definição de estratégia, restrito à participação das entidades apoiadoras, palestrantes e integrantes de Auditoria da Dívida Cidadã. Combinamos aqui com a Presidenta que nós vamos pedir para a Fattorelli fazer o fechamento deste magnífico evento, e a Presidenta, depois, encerra. Eu, de minha parte, só quero dizer isto, Fattorelli: muito, muito obrigado por ter me dado a oportunidade de ter entrado com requerimento para esta audiência pública. A todos os convidados de outros países, vocês podem ter certeza de que esta viagem de vocês ao Brasil nos ajudou muito. Nós vamos, com essa gravação, viajar, com certeza, ao meu querido Rio Grande, mas também a outros Estados, como fizemos sempre. A gente só pode dizer para vocês: muito, muito obrigado. Eu gosto muito de uma frase que diz que a luta dos direitos humanos não tem fronteira, ela é internacional, e vocês aqui mostraram isso. Por tudo o que disseram, eu só posso dizer: muito, muito obrigado, em nome do povo brasileiro. Palmas a vocês. (Palmas.) Maria Lucia. |
| R | A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Querido Senador Paulo Paim, eu não teria nada a acrescentar. Suas palavras foram maravilhosas. Agradecimento principalmente a vocês que vieram de longe e deixaram suas atribuições, deixaram seus países. Eu quero registrar que nenhum dos convidados cobrou ou sequer aceitaria qualquer honorário. (Palmas.) Todos vieram de forma voluntária. Diversos vieram arcando inclusive com as suas passagens para estar aqui prestigiando. Quero deixar o agradecimento à Latindadd, uma importante organização latino-americana sobre dívida e direitos humanos que está financiando as passagens dos seus integrantes; e à CADTM, Comissão pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, que está também financiando as passagens dos seus integrantes. Essa colaboração é que permitiu que nós tivéssemos aqui pessoas de tantos países. Vocês sabem que a Auditoria Cidadã é uma associação sem fins lucrativos que sobrevive e trabalha com a colaboração das entidades nacionais. Eu quero deixar o agradecimento a todas as entidades nacionais que patrocinaram a outra parte que nós assumimos, a hospedagem, o transporte, essa acolhida. Um agradecimento a todas. Amanhã, no seminário, eu vou nominar todas. Agora, em respeito ao tempo, eu não consigo. Quero agradecer a todas as pessoas que trabalham voluntariamente na Auditoria Cidadã. A Auditoria Cidadã tem apenas três pessoas contratadas e mais três prestadores de serviço fixos somente. Nós temos milhares de voluntários. Vejo vários representantes dos núcleos aqui de Minas, do Rio, de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo, Bahia, do Nordeste, de Alagoas, Sergipe, que está nascendo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Perdoe-me se eu esqueci algum. Agradeço a todos os núcleos que têm feito esse trabalho. Agradeço às pessoas que têm se dedicado aos estudos, muitas vezes à noite, virando madrugadas, porque são todos voluntários. Isso é um chamado aos órgãos de controle no Brasil, aos Tribunais de Contas, aos Ministérios Públicos de Contas, a todo o Poder Legislativo, que tem a atribuição de fiscalizar o Executivo. Nós, a partir da sociedade civil, temos feito várias denúncias. Muitas delas têm tido eco nesses órgãos que investigam, como foi apresentado aqui o trabalho do Tribunal de Contas da União, assim como um importante trabalho no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre que barrou o funcionamento da Invest Poa. Também houve um importante trabalho lá em Recife, onde o Tribunal de Contas de Recife barrou a emissão que iria ser feita pela RECDA. E agora, recentemente, o Tribunal de Contas de Minas Gerais se levantou e recomendou a suspensão das novas emissões da PBH Ativos S.A. |
| R | Então, nós precisamos que todos os órgãos de controle tenham acesso ao conteúdo desta audiência pública, que vejam os impressionantes relatos da Zoe Konstantopoulou. Olhem o que aconteceu na Grécia, olhem o que esse sistema da dívida tem provocado à Grécia. E, quando nós ouvimos a Zoe, nós não escutamos apenas - e olhem que já seria muito importante - o depoimento de uma ex-Presidente do Parlamento grego; nós escutamos o depoimento de uma advogada brilhante, que vem de um país que é o berço da democracia, que é o berço de todo o conhecimento sobre ética e Filosofia do mundo. A Zoe traz esse conhecimento para nós. Nós temos aqui o conhecimento do Equador, quando o Arias fala. Ele traz experiência do primeiro país do mundo que realizou uma auditoria da dívida, que anulou 70% da dívida, e infelizmente, quatro, cinco anos depois, tudo foi retomado. Não é mesmo? Então, cada um que trouxe a sua contribuição aqui, o Michael Roberts e a Raquel Varela - esta com seu depoimento brilhante, emocionado, que emocionou a todos nós também, e o Michael com seus dados impressionantes -, todos que participaram da primeira Mesa. Nós ouvimos representantes de vários entes federados. Nós ouvimos representantes de Minas Gerais, da Bahia e do Rio de Janeiro. São Paulo também foi convidado, mas não pôde vir. E São Paulo tem o escândalo da CPSEC, e eu não poderia deixar de mencionar aqui esse escândalo, a pioneira no Brasil desse esquema de securitização de dívida. Então, todos esses ensinamentos aqui nós aprofundaremos amanhã e depois de amanhã teremos um evento interno, exclusivo para os representantes das nossas entidades apoiadoras, no qual nós vamos decidir: e então, o que vamos fazer diante de tudo isso? Quais as ações no campo jurídico diante dessas 15 irregularidades que o Dr. Antônio nos deixa: comprovação de garantia; comprovação de obrigação; comprovação de operação de crédito; anarquia financeira; infâmia de criação de estatais para operar esquema financeiro, quando estamos privatizando todo o patrimônio público importante do País; pareceres jurídicos de encomenda; desobediência a toda a ordem jurídica - Constituição, LRF, Código Tributário Nacional, Leis 4.320 e 6.385, Resolução do Conselho Monetário Nacional. Tudo isso foi ignorado, todo esse arcabouço jurídico está sendo deixado de lado e pareceres de encomenda é que estão autorizando esses negócios, essa engenharia financeira, essa fraude que está levando recursos públicos e provocando perda financeira efetiva, desvio de arrecadação. E recursos estão faltando aos direitos humanos, que é o objetivo desta Comissão. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou tomar a liberdade de fazer só uma pergunta. Com todas essas denúncias que ouvi aqui e que você aprofundou um pouco mais agora, a pergunta que eu faço para vocês discutirem amanhã: se vocês acharem importante que nós entremos com um pedido de CPI para investigar tudo isso, nós vamos coletar assinaturas aqui dentro da Casa, como uma proposta da coordenação da Dívida Cidadã. (Palmas.) A SRª MARIA LUCIA FATTORELLI - Pelas palmas, o senhor pode ter a resposta de que a proposta tem acordo do nosso conselho político, dos nossos participantes e o compromisso de contribuição nos estudos, nas investigações, nos relatórios, como temos feito em todas as Comissões. (Palmas.) Esta, então, já é uma proposta, um encaminhamento para a nossa reunião do dia 9. Faremos encaminhamentos no campo legislativo, e essa já é a proposta nº 1; no campo jurídico, que ações podemos entrar contra essa anarquia que foi comprovada aqui, contra essa, desculpa, lambança normativa e financeira que está por trás desse modelo de securitização de créditos que está entrando aqui no Brasil. Que medidas sociais? Qual é a mobilização que nós vamos organizar? Quais as ações concretas? O que faremos? Tudo isso no campo jurídico, no campo social, no campo legislativo, político, vamos encaminhar no dia 9, com a presença de representantes de todas as entidades apoiadoras. Com tudo isso, Senador Paulo Paim, que fez o requerimento para que esta reunião acontecesse; Senadora Regina, que é a Presidente desta Comissão, que nos deu todo o apoio: muito grata, em nome de todos os presentes. Creio que todos estão agradecidos. Esta audiência para mim é inesquecível, as palavras que ouvimos de todos aqui foram realmente palavras que saíram dos corações, de experiências concretas, de vivências, de pessoas dedicadas a causas, que colocam em primeiro lugar o ser humano. É isto que nos interessa, essa possibilidade concreta de, a partir de agora, colocarmos o ser humano, a justiça social, o respeito a todas as pessoas, sem exceção, como Raquel Varela falou. Não podemos admitir um desempregado sequer, uma pessoa desrespeitada sequer. É isso que buscamos, é isso que com esse movimento, que sai das bases do povo, de pessoas voluntárias de todas as áreas, estamos construindo juntos. E é isso que vamos colocar em prática. Esse seminário é um marco e inaugura uma nova fase da Auditoria Cidadã, uma fase em que nós já realizamos auditorias cidadãs em âmbito federal, em âmbito estadual, da dívida dos Estados, em âmbito municipal e nesses novos esquemas financeiros. Já tivemos a honra de realizar auditoria cidadã em países da América Latina, principalmente o Equador, e na Europa, principalmente na Grécia. Já realizamos uma auditoria cidadã, já temos autoridade para dizer que esse sistema da dívida é uma fraude, e não se sustenta. Aparentemente é forte, porque tem todo o poder financeiro do seu lado. O sistema da dívida é o sangue que alimenta esse sistema financeiro fraudulento no mundo inteiro, mas tem pés de barro, tem pés de fraude, de crimes, e a verdade está do lado da luz. E basta uma fagulhazinha de luz para iluminar uma imensa escuridão. (Palmas.) |
| R | E é isso que nós vamos conseguir. Nós somos mais fortes e vamos todos juntos, unidos, construindo esse movimento. A verdade é mais forte e prevalecerá. E nós temos que ter coragem, força. Contamos com todos e todas. Cada um aqui tem a obrigação de buscar mais aliados, de envolver suas entidades, sindicatos, associações, movimentos, cada dia mais, para entender tudo isso. Como falou o Prof. Antônio e a Raquel, quase todos aqui disseram que nós temos que entender disso, porque nós pagamos essa conta. É isso. Nós podemos construir outro caminho? Quem diz que uma alternativa não é possível quer nos deixar de joelhos para sempre. Não aceitamos isso. Já acordamos, já compreendemos o caminho que temos que trilhar e vamos dia a dia construir esse caminho, com todos e todas. Muito grata. Amanhã tem mais, todos juntos. Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) - Eu quero agradecer principalmente à Maria Lucia Fattorelli, que trabalhou tanto para que esta audiência fosse o sucesso que está sendo e por ter sugerido o tema para a gente trazer para a Comissão. Eu acho que a audiência é vitoriosa. Quero agradecer aos convidados e convidadas que trouxeram suas convicções e nos ajudaram a fortalecer as nossas convicções a respeito do tema, principalmente a questão do projeto de lei. A gente sabe que o autor justificou dizendo que era para ajudar os Estados. Os Estados estão todos em dificuldade; então, ele ganhou os governadores dizendo que era para ajudar a resolver os problemas financeiros dos Estados. Os governadores pressionam a gente: "Votem, porque a gente está precisando desse dinheiro". Mas a gente sabe verdadeiramente qual é o objetivo: alguém vai lucrar com isso em cada Estado, já deve haver as empresinhas prontas para serem registradas se esse projeto passar. E a gente precisa explicitar isto: quais são os grupos que vão lucrar, porque o objetivo realmente é o lucro fácil. Na Lei do Teto de Gastos, eles excetuaram essas empresas. Elas ainda nem existem e já foram excetuadas. Não há limite de gasto para ajudar essas empresas, no caso de dificuldades, para sentir que existe um esquema por trás de tudo isso, e a gente precisa explicitar esses esquemas. Então, quero agradecer a todos e todas. Infelizmente, a gente não pôde ter o retorno de cada palestrante, de cada fala, para que tivessem um tempinho a mais para a conclusão, para as considerações finais, mas temos a limitação de tempo a que a gente tem de obedecer. Então, eu quero agradecer a todos e todas que aqui estiveram, aos que nos assistem pela TV Senado, aos que nos ouvem pela Rádio Senado. Esta audiência vai ser - sempre o é - repetida. Certamente hoje, à noite, ou na semana, ela vai ser repetida na TV. Então é muito importante o povo brasileiro acompanhar para compreender o que se passa. |
| R | Eu quero dizer que, nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta audiência pública, que muito nos orgulhou hoje. O Senador Paulo Paim está de parabéns. Muito obrigada. (Palmas.) Eu me esqueci de colocar os encaminhamentos - só para relembrar o que foi encaminhado. Foi encaminhado: enviar notas taquigráficas para o Presidente da República e outras autoridades, e o Senador Paim coletar assinaturas para uma CPI no tema. Então, agora, sim, declaro encerrada esta reunião. (Iniciada às 09 horas e 31 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 10 minutos.) |
