Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Boa tarde a todos e a todas! Declaro aberta a 50ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Audiência pública interativa com a finalidade debater a crise fiscal brasileira em sua dimensão federativa e a importância de se aperfeiçoar a coordenação fiscal intergovernamental no País. Os convidados são: - Bhajan Grewal, professor do Victoria Institute Of Strategic Economic Studies, Austrália; - Felipe Salto, Diretor Executivo da Instituição Fiscal Independente (Senado Federal); - Leonardo Ribeiro, Assessor do Senado Federal e especialista em contas públicas; e - Fernando Rezende, professor da Fundação Getúlio Vargas e um dos nossos grandes especialistas na matéria. Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular desta forma: os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-los por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou ligando para o número 0800-612211. Os convidados já se encontram na mesa. De acordo com o art. 94, §§ 2º e 3º, do Regimento Interno do Senado, a Presidência vai adotar as seguintes normas: Cada convidado para sua exposição terá 15 minutos. Em seguida, abriremos a fase de interpelação pelos Senadores e Senadoras inscritos e pelos demais integrantes assistentes da reunião, em sua maior parte técnicos ligados ao Senado. A palavra aos Senadores, Senadoras e aos demais será concedida por ordem de inscrição. |
| R | Passo, portanto, a palavra ao Sr. Bhajan Grewal, que é professor da Universidade de Victoria, na Austrália. Vou fazer algumas considerações introdutórias, em primeiro lugar, citando o Prof. Grewal, num texto de 2004. É muito interessante, transcorridos 13 anos, nós atentarmos para a acuidade do professor ao analisar o caso brasileiro na época. Ele dizia: Está claro que as novas medidas ligadas à reforma fiscal do ano 2000 são desenhadas para enviar um sinal claro e positivo aos Estados, que terão que ser responsáveis por equilibrar seus orçamentos. Dados os recentes episódios em que a União precisou salvar as finanças estaduais, entretanto, a credibilidade desses sinais terão de ser colocadas à prova. É importante notar que as aposentadorias do setor público colocam uma camisa de força nos Estados, dado o elevado aumento das despesas com pessoal. A Constituição exige que os servidores públicos sejam recrutados em um regime jurídico que permite a eles receber proventos de aposentadoria iguais a 100% do último salário recebido antes de se aposentar. É interessante que nesse texto de 13 anos atrás o professor tocou numa questão essencial do quadro fiscal brasileiro. Quero dizer também, embora pareça óbvio, que o Brasil, a Austrália e os Estados Unidos têm uma problemática fiscal muito peculiar que é a dos países federativos. Essa é uma questão crucial. Um país como o Chile, que é centralizado, não tem dimensão federativa na política fiscal, não tem política fiscal autônoma. Nós temos inclusive graus de autonomia elevados, tanto na parte do gasto quanto na parte da receita, uma vez que Estados e até Municípios no nosso caso têm a capacidade de mexer em impostos, têm os seus próprios impostos e tributos. Pois bem, a Lei de Responsabilidade Fiscal deu os primeiros passos para uma espécie de maioridade fiscal do País, uma vez que tentava exatamente, ou tenta, disciplinar a questão fiscal nas três esferas. Quero dizer que essa lei só foi possível devido a um dispositivo que nós pusemos na Constituição - eu pessoalmente - que previa uma lei de responsabilidade fiscal, que não era chamada assim, era uma lei geral de finanças públicas, que permitia que uma lei federal disciplinasse finanças públicas nas três esferas de governo. Essa deu a base constitucional para a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque nós tínhamos em mente que algo deveria haver nesse sentido. Como eu dizia, com a LRF, a Federação brasileira deu os primeiros passos para a maioridade: 1º) Todo governo é igual perante a Lei de Responsabilidade Fiscal, seja federal, sejam os estaduais, sejam as prefeituras. 2º) Todos os entes ficam sujeitos às mesmas normas, limites e condições. 3º) A União não mais poderá assumir dívidas dos governos estaduais e municipais. |
| R | 4º) A proposta não foi contestada radicalmente por nenhum dos governadores - isso é interessante -, revelando, até certo ponto, um razoável grau de maturidade nacional em matéria de contas públicas, pelo menos no entendimento intelectual do assunto. A crise fiscal dos últimos anos põe um questionamento para a efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal. Desde 2010, as receitas estaduais mantiveram-se praticamente estáveis, como fatia do PIB. Mas as despesas com pessoal e custeio, que o professor já apontava no caso de pessoal, em conjunto, avançaram 10,2 pontos percentuais sobre a receita disponível para os Estados. Esse ajuste ocorreu com a queda, evidentemente, do investimento de 6,7 pontos percentuais e do aumento de 5 pontos percentuais de atrasos e de deficiências. Em particular as despesas com previdência, que em 2010 eram inferiores aos investimentos, tornaram-se o dobro desses em 2016. Ou seja, hoje gasta-se o dobro em previdência do que se investe, e a uma proporção que era inversa, digamos, praticamente inversa no começo dessa década. O aumento dos gastos correntes obrigatórios além de comprimir os investimentos públicos foi a causa real de desequilíbrio dos Estados. Outro aspecto que eu queria sublinhar é que até hoje a LRF não foi completamente regulada e implantada, falta a aprovação dos limites das dívidas da União e do Conselho de Gestão Fiscal. Falta aprovação dos limites das dívidas e a criação do Conselho de Gestão Fiscal - quando eu disse aprovação, quis dizer criação, no caso. Ao conselho caberá acompanhar e avaliar a gestão fiscal no âmbito dos três entes da Federação, com vistas a promover uma gestão harmonizada e coordenada entre os entes federados. Deverá pressupor a normatização das contas orçamentárias e fiscais, a padronização da prestação de contas, a divulgação de estatísticas fiscais dos governos subnacionais e um fórum para o debate das questões federativas. Agora, se eu tivesse no plano federativo que falar sobre a crise fiscal, a lei de responsabilidade, o que é necessário fazer, eu diria: Primeiro, são necessárias medidas para enfrentar a crise fiscal e a coordenação da política fiscal mediante a revisão das vinculações de receitas e das indexações sobre gastos que retiram eficiência na aplicação dos recursos geridos por Estados e Municípios. Segundo, aprovar o Conselho de Gestão Fiscal. Terceiro, aprovar o Projeto de Lei 428, de minha autoria, que cria um processo institucionalizado de revisão de despesas na Administração Pública Federal, que pode reduzir a rigidez orçamentária dos orçamentos. É um processo institucionalizado, praticamente anual, de revisão das despesas. |
| R | E o Conselho de Gestão Fiscal já tem uma proposta apresentada? O SR. LEONARDO RIBEIRO - Senador, nós temos, no Congresso, hoje, em tramitação, nove projetos, sendo que quatro estão no Senado. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Do Conselho de Gestão Fiscal? O SR. LEONARDO RIBEIRO - Sim, sobre o Conselho de Gestão Fiscal. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - O ideal, aí, é pegar a relatoria e concentrar em um Senador. O SR. LEONARDO RIBEIRO - O projeto do Senador Collor e o da Senadora Lúcia Vânia, que tratam do Conselho de Gestão Fiscal, estabelecendo composição e funcionamento, estão apensados hoje na CCJ aguardando relator. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Talvez o Senador Dalirio pudesse cometer a ousadia... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Como? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Não, mas, aí, entra por uma semana, pega e... Bem; agora é inegável que a rigidez orçamentária do Brasil é fora da curva. É uma situação que tende a se repetir nos orçamentos federal e subnacionais, ou seja, estaduais e municipais. Tenho uma tabela aqui - não sei se podemos projetar lá - que mostra os gastos obrigatórios com um percentual do gasto total. Pode-se ver que o Brasil é o mais alto de todos aqui. Depois vêm Colômbia, Chile, México. Peru e Uruguai, que é o que tem, entre os países aqui - Uruguai e Chile -, o menor grau de gastos obrigatórios com um percentual do total. É interessante ver que os gastos obrigatórios, nos Estados Unidos, são razoavelmente elevados para o padrão de um país desenvolvido. Isso, naturalmente, também está associado à natureza federativa do sistema fiscal. Em suma, federação é uma complicação, mas ainda não se inventou uma maneira de se organizar a administração governamental, o sistema de poder em um país continental que não seja pela via federativa. Muito bem, feita essa introdução, ocupando um tempo maior do que eu pretendia, passo a palavra ao Prof. Bhajan Grewal. Como disse, nós havíamos alocado cerca de 15 minutos para as diferentes falas, mas, no caso do professor, poderiam ser 20 minutos, até porque, bem ou mal, ele viajou dias para chegar da Austrália ao Brasil, enquanto que os outros ou são daqui, ou moram perto. Muito obrigado, Professor. O SR. BHAJAN GREWAL (Tradução simultânea.) - Muito obrigado, Senador. Obrigado pelas palavras introdutórias. Eu me sinto privilegiado por estar aqui e compartilhar das minhas visões com vocês e os outros especialistas em federalismo aqui presentes. Eu devo dizer que não sou um especialista em federalismo brasileiro, mas eu sinto, depois dessas observações, que eu conheço muitos problemas que o senhor mencionou e posso dizer que eles não são exclusivos do Brasil. A Austrália também já teve muitos problemas no passado. |
| R | Então, eu vou delinear a minha apresentação na história da Austrália e vou tentar fazê-lo nos 20 minutos que me foram alocados - e obrigado pelos 20 minutos. Talvez, no fim, nós toquemos em assuntos relevante para a situação brasileira. Eu começaria com a atribuição constitucional das funções dos poderes fiscais e das transferências fiscais na Austrália. Mencionaria os princípios subjacentes dessas atribuições e também falaria sobre o federalismo australiano na prática, hoje em dia. É um sistema bastante diferente do sistema original. Também vou dizer algumas palavras sobre como essas mudanças aconteceram e também mencionar algumas inovações que a Austrália desenvolveu para a coordenação fiscal. E vou terminar com uma avaliação geral e falando sobre como a experiência australiana poderia ser interessante para o Brasil. A Austrália se tornou uma federação em 1901, quando as seis colônias autônomas britânicas decidiram criar um sistema federal de governo. E dois territórios australianos - os territórios do norte e o ACT - também ganharam status de estados posteriormente. Então, houve oito governos de nível estadual e também existem três níveis de governo na Austrália: o federal, o estadual e o municipal. A constituição atribuiu somente um número limitado de funções para o nível federal - Seção 51 da constituição. Por exemplo, questões de defesa, moeda, relações comerciais internacionais e algumas outras atribuições ou poderes mencionados na constituição, O que não foi mencionado na constituição permaneceu com os estados, como já era antes de 1901. A constituição também tem uma seção que delineia como a constituição pode receber emendas, se ela precisar de emendas. É a Seção 128, que menciona que o governo federal vai realizar um referendum com uma proposta de emenda à constituição, e essa proposta deve receber o apoio com uma condição de dupla maioria: não só a maioria dos eleitores, mas também a maioria dos estados. E essa segunda condição foi colocada para proteger os interesses dos quatro estados menores, porque, do contrário, seria possível, em princípio, que os dois estados maiores conseguissem aprovar as emendas que quisessem. Esse princípio da dupla maioria também tornou difícil a aprovação de propostas. Então, em todos esses anos, desde 1901, a constituição australiana só recebeu seis emendas, isto é, só foi emendada seis vezes. (Intervenção fora do microfone.) O SR. BHAJAN GREWAL - É; nós temos mais de seis mil, ou seja, mais de seis mil propostas, mais de seis mil tentativas. |
| R | Hoje, o federalismo australiano é bem diferente do que foi proposto inicialmente, constitucionalmente, e isso levanta uma questão sobre como essas mudanças ocorreram, já que a Constituição não sofreu tantas emendas, quando surgiu esse equilíbrio do poder no âmbito da Constituição. A resposta é que a Suprema Corte da Austrália, que tem a última palavra para interpretar a Constituição, acabou mudando o equilíbrio a favor do Estado federal. Ou seja, a Suprema Corte excluiu os estados de vários campos de tributação e tornou-os muito dependentes das transferências fiscais do âmbito federal. No caso dos estados, 45% das receitas vêm do governo federal. No norte existem as transferências fiscais específicas e as gerais. Existe o princípio de equalização fiscal - eu gostaria de falar mais sobre isso depois. O restante são transferências para fins específicos, como saúde e educação, que são distribuídos conforme acordos intergovernamentais. Um dos fatores que ajudou o governo federal a ter a precedência no caso australiano foi que o partido trabalhista australiano, um dos dois maiores partidos da Austrália, sempre se opôs à ideia da federação, desde o início. Os líderes do partido trabalhista várias vezes proclamaram o desejo de abolir os estados por considerar o sistema ineficiente. Hoje pelo menos eles também aceitam a ideia de federalismo, mas não de estados com muita força. Aqui nós temos alguns números sobre as receitas fiscais de acordo com o nível de governo. Nós vemos que, em 2016/2017, o governo federal arrecadou 382 bilhões de dólares, ou seja, cerca de 80% do total das receitas fiscais da Austrália; os estados arrecadaram cerca de 16,5%; e os governos locais arrecadaram 3,5%. Essas percentagens são bastante estáveis, não variam muito de ano para ano. A composição é de tal forma que o governo federal arrecada mais da metade dos seus impostos via imposto de renda pessoal. Há também o imposto sobre serviços e outros impostos alfandegários, 10%. Então, existem outros impostos também. Os estados dependem dos impostos sobre terra e recursos naturais, impostos sobre salários, impostos sobre seguros, impostos sobre jogos, veículos automotivos, selos, ao passo que os governos locais, municipais, dependem simplesmente dos impostos prediais, os impostos imobiliários. |
| R | As percentagens atuais das receitas fiscais estão em torno de 81% no nível federal, 15% no estadual e 3% em nível local. A estrutura tributária na Austrália. Ela é considerada ineficiente, porque a reforma fiscal nos anos 80... Mas agora várias outras questões surgiram, comissões de especialistas por exemplo. A Austrália arrecada 90% de suas receitas tributárias de somente 10 impostos e existem outros 115 impostos que são pequenos, arrecadam somente 10% das receitas fiscais. Uma reforma fiscal é necessária, mas, nos últimos 10 ou 15 anos, nós também tivemos, na Austrália, alguma instabilidade no governo. Consequentemente, as reformas fiscais continuam sendo adiadas indefinidamente. As transferências fiscais, como mencionei antes, acontecem de duas formas principalmente. Há as transferências gerais, que podem ser gastas pelos estados da forma que eles desejarem. Há transferências sem restrições e com restrições. Existe o princípio da equalização fiscal, e esse princípio foi implementado por um órgão independente, que é a Comissão Federal de Concessões. Eles são responsáveis por distribuir as percentagens aos estados - vou mostrar mais tarde essas percentagens. Agora nós temos um exemplo da distribuição das transferências gerais em 2016/17. Na primeira coluna nós vemos os nomes dos estados e a percentagem da população. Como nós vemos, New South Wales e Victoria ainda continuam a ser os estados dominantes em termos de população. Queensland... Nós vemos 10% no caso da Austrália Ocidental; Tasmânia: muito pequena, somente 2%; Território do Norte, só 1%; ACT, que é o Distrito Federal da Austrália, conta com só 1,67% da população. Na segunda coluna nós vemos as percentagens de equalização, assim como toda a receita total é distribuída. Na coluna seguinte, na terceira coluna, apresento qual seria a percentagem se o total fosse distribuído per capita, conforme uma filosofia per capita. Nós vemos a diferença na última coluna. Na última coluna nós vemos que New South Wales contribui com 1,8 bilhão para essa equalização fiscal; Victoria contribui com 1,4; e Queensland com cerca de 2 bilhões; a Austrália Ocidental contribui com mais de 4 bilhões de dólares. Assim, New South Wales, Victoria e Austrália Ocidental são os três estados que mais contribuem. Os outros estados são os estados que se beneficiam desse princípio de equalização fiscal. A ideia é que esses estados sejam auxiliados pelos outros estados e também que os estados que tenham custos mais altos para serviços... Assim, eles não poderiam prestar os serviços. |
| R | Algo a notar é que o Território do Norte só tem cerca de 1% da população da Austrália, mas recebe a maior percentagem de transferências. Devido ao sistema de equalização fiscal, recebe 2,5 bilhões de dólares. Por quê? Por causa do turismo, é uma área muito grande, também a população é muito grande e, assim, a dispersão da população em diferentes áreas dificulta para se providenciar serviços de saúde e escola. A segunda coisa é que o Território do Norte tem uma grande percentagem de população aborígene, e os aborígenes ainda estão tentando acompanhar os padrões de moradia, de saúde e de educação do restante da população. Eles estão atrasados em relação ao restante da população. Assim, no princípio de equalização fiscal, esse estado recebe auxílios adicionais para acompanhar o ritmo dos demais estados. Os pagamentos com fins específicos são principalmente para educação, saúde, transporte e comunicação, mas existe uma série de outras transferências específicas também, que são decididas pelos conselhos de saúde, de educação e assim por diante. Aqui eu tenho alicerces teóricos do federalismo fiscal. Existem duas ou três publicações dos anos 50 sobre a teoria do federalismo. No final dos anos 60 também houve outros estudos defendendo a descentralização fiscal para torná-la mais eficaz. Teorias de segunda geração começaram nos anos 90 defendendo um federalismo no qual os princípios sejam... A ênfase agora diz respeito a restrições orçamentárias para auxiliar os estados. Na última coluna nós temos uma teoria positiva que diz que, se a natureza do federalismo fiscal for levada em conta, pode ser comparada com incentivos mais eficazes para administrar a futura distribuição fiscal. As restrições orçamentárias rigorosas para a eficiência são importantes, porque, do contrário, se os estados receberem... No caso da Austrália, haveria o risco de um incentivo perverso, de se tornarem sempre dependentes; os estados seriam sempre dependentes da federação, do governo federal. É por isso que é importante que, se houver transferências fiscais, elas não sejam discricionárias, mas baseadas em protocolos. Ou seja, deve haver uma regulação. |
| R | Em termos de coordenação, é importante ter algumas instituições ou organizações que coordenem os diferentes níveis de governo. O federalismo fiscal não funcionaria com departamentos estanques e independentes, porque as decisões de um nível de governo sempre têm consequências nos outros níveis de governo. Então, na Austrália, nós temos três ou quatro organizações para a coordenação fiscal: o Conselho de Empréstimos Australianos, estabelecido em 1927, cujo propósito era o de coordenar os empréstimos entre o governo federal e os governos estaduais. Assim, durante boa parte dos anos 30, 40 e 50, o governo federal tomava empréstimos em nome dos estados e, depois, distribuía os fundos. Essa experiência não foi muito bem sucedida, porque os estados sempre estavam tentando se furtar dos acordo. Agora, os estados fazem os empréstimos em seu próprio nome e cada estado é avaliado por organizações independentes, ou seja, agora existe uma disciplina maior nos Estados. É interessante notar os experimentos de um sistema centralizado. Agora, a Austrália está descentralizando, com avaliações independentes, o que está funcionando melhor. E já foi mencionada também a Comissão Federal de Concessões, que é uma organização independente estabelecida em 1933. Muitos cidadãos locais reclamam da complexidade do sistema, e parte da metodologia não é muito clara, não é muito objetiva; contudo, a maioria dos governos, incluindo os governos que mais doam, que mais contribuem, não questionam o princípio da equalização fiscal. Temos também a Conferência dos Premiers, que hoje se chama COAG - Conselho dos Governos Australianos, que também já existe há muito tempo. Todos os primeiros-ministros dos governos estaduais participam dessa conferência para coordenar os seus esforços, com recomendações de outras comissões que podem ser retificadas depois. Listei também a Cúpula Nacional Fiscal, que é um exemplo de um dos esforços de coordenação, que foi iniciado em 1985 para se chegar a um consenso sobre uma reforma fiscal. A cúpula convidou pessoas do meio empresarial, os governos estaduais, acadêmicos, enfim, todos tiveram oportunidade de se pronunciar e defender as suas posições, e, ao final, preparou-se um relatório. Foi uma experiência interessante, embora não tenha sido tão bem sucedida assim. A ideia era introduzir uma proposta, e o governo... Mas, no final, essa proposta foi minada pelos sindicatos. Mas, no final, a proposta foi minada pelos sindicais. Houve uma posição dos sindicatos, e o Governo acabou cedendo a essa pressão. Mas, ainda assim, eu diria que a experiência foi bem-sucedida, no sentido de que muitos assuntos úteis e importantes foram discutidos em nível federal e a necessidade de uma reforma fiscal foi debatida e reconhecida. |
| R | Então, essa Conferência dos Primeiros-Ministros Especiais ocorreu entre 1990 e 1991, e a ideia era remover alguns impedimentos que ainda restavam e que não permitiam um mercado único comum não só para mercadorias, mas também para habilidades. Por exemplo, as pessoas, no caso, eletricistas, corretores ou bombeiros, de um governo estadual não eram reconhecidas por outros Estados. Então, a mobilidade desses profissionais era muito difícil antes. A ideia dessa Conferência era obter um acordo no qual houvesse o reconhecimento mútuo dessas profissões. Se um Estado deu um diploma, o outro Estado deveria reconhecer esse diploma. Isso ajudou a mobilidade dos profissionais entre um Estado e outro dentro da Austrália, criando um mercado único não só para mercadorias, mas também nesse campo profissional. Vou pular esse próximo eslaide. Vou para a Coordenação. Essa Coordenação foi avaliada pela Comissão Nacional de Auditoria, que foi estabelecida em 2013, para fazer recomendação sobre os papeis e as responsabilidades. E a Comissão considerou que essa estrutura tinha se tornado muito difícil, muito volumosa. Havia seis acordos nacionais com os Estados. Era uma burocracia que tinha se tornado muito grande e complicada. Depois das recomendações dessa Comissão Nacional, esse conselho de auditoria foi abolido, e houve a criação de um instituto independente de especialistas do campo econômico. Aqui há uma posição que é muito influente, porque foi expressada em 2008 por alguém conhecido, que fez esses comentários e disse que o federalismo cooperativo está ao lado da Constituição, está acima da Constituição, ou seja, ele é motivado por imperativos políticos e produz resultados numa base consensual que vão muito além dos que são alcançáveis pelo exercício legislativo federal ou pelo exercício separado dos Estados. Mas, ainda que seja uma cooperativa, ele contribui para a centralização, porque, para cada assunto que é tratado como nacional, ele se torna potencialmente um assunto que, em algum momento ou outro, pode ser questionado no nível federal. |
| R | Muitas vezes, são, inicialmente, uma ação cooperativa, mas, depois, os Estados se reúnem com o auxílio da Federação, e há muitos governos envolvidos. Por que não dar a responsabilidade, então, para o nível federal? Então, eu acho que é o que nós vimos na Austrália: existe um federalismo cooperativo que termina com uma centralização devido à dificuldade de coordenação. A Comissão Nacional relatou que a melhor maneira de resolver os problemas do federalismo australiano seria tornar o Estado mais poderoso em termos de arrecadação fiscal, dando ao Estado mais poderes nos Impostos de Renda e em outros impostos, o que significaria que os Estados se tornariam mais independentes nos empréstimos e seriam também mais responsáveis, ou seja, os Estados teriam mais responsabilidade. Eu tive o privilégio de participar das discussões quando essa proposta foi feita inicialmente, essa proposta de devolver competências fiscais aos Estados, no caso, o Imposto de Renda e também o Imposto sobre Circulação de Bens e Mercadorias. Eu gostaria de concluir, dizendo que o poder sobre as receitas fiscais é muito importante no federalismo fiscal, porque determina quem tem a precedência na coordenação e também na administração das políticas públicas. Nós temos aqui uma situação de alguém que se tornou o Primeiro-Ministro. Ele disse que a administração econômica teve de se desenvolver do poder do âmbito federal, o que é algo muito claro, ou seja, admite-se muito claramente que o Governo Federal acha que a dependência dos Estados da Federação é uma boa coisa. Outro aspecto que eu gostaria de mencionar antes de concluir, se nós voltarmos, é que antes nós tínhamos na Austrália uma série de centros independentes e de instituições realizando pesquisas sobre o federalismo. No Canadá e nos Estados Unidos, ainda há organismos semelhantes, mas, na Austrália, todos esses organismos foram fechados. Ou seja, atualmente, não há fontes independentes para discutir, para levantar questões e pesquisas sobre os temas. Isso existe somente no nível do Governo. Não existem mais instituições independentes que estudam essas questões. O argumento para o fim desses institutos é o de que foi para uma economia de dinheiro. Nem eram tão custosos assim, tão caros assim. |
| R | Eu vim, em 1973, para a Austrália, por exemplo, e trabalhei num centro de pesquisa sobre questões fiscais que era financiado pelo Governo Federal. Era um esforço cooperativo também com o auxílio dos governos estaduais. Mas, como o Governo Federal parou de financiar, os governos estaduais também pararam de financiar. Então, foi bastante triste. Eu acho que deveria haver pesquisas independentes que continuariam... O propósito não era só economizar dinheiro, mas talvez economizar discussões. Também existe um desequilíbrio fiscal vertical que talvez se aplique ao Brasil, embora o desequilíbrio fiscal vertical no Brasil não seja tão forte quanto na Austrália. A equalização fiscal é outra questão de interesse. Se houver uma comissão independente que, num período longo de tempo, construa certa credibilidade e imparcialidade, o que, na Austrália, é o caso... Há concessões com restrições. Ao começarmos nessa direção, acho que vamos terminar tendo muitos casos de concessões com restrições. Seria difícil evitar uma duplicação de papéis, e isso também criaria uma prestação de contas muito opaca. Na Austrália, se houver uma falha nos resultados, a Federação vai culpar os Estados, e os Estados culpam o nível federal. Ninguém assume a responsabilidade. Eu creio que, apesar da experiência do Conselho, a coordenação se tornou muito burocrática. Eu acho que a coordenação deve ser mais uma vez incentivada, e isso é algo que o Brasil deveria levar em conta. Isso é algo que está faltando no âmbito fiscal do Brasil, na estrutura fiscal do Brasil, e acho que isso deveria ser levado em conta. Com essas observações, eu gostaria de encerrar. Eu ficarei feliz em responder às perguntas que vocês fizerem. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Obrigado, Prof. Grewal. Vamos conceder a palavra para o nosso Presidente, Diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente, que pertence ao Senado Federal, Felipe Salto. O SR. FELIPE SALTO - Boa tarde a todos! O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Felipe, o teto aqui... O Professor tomou 15 minutos, em vez de 20 minutos. Então, vocês tomam 12 minutos. O SR. FELIPE SALTO - É claro! Pode deixar. Em primeiro lugar, quero cumprimentar o Senador José Serra por estabelecer este debate, que é essencial. Nós estamos vivendo uma crise fiscal e econômica no Brasil sem precedentes. Estudar experiências como a da Austrália e fazer comparações, tudo isso pode nos ajudar a ter luzes para tentar encontrar saídas para isso, sobretudo com o Senador Serra, que foi um dos artífices das regras e instituições fiscais que temos em funcionamento, sobretudo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quero cumprimentar o Prof. Bhajan também - é uma honra estar aqui na mesma Mesa que ele -, assim como com o Prof. Fernando Rezende e o Leonardo. |
| R | Eu vou traçar um panorama do que nós estamos vivendo hoje em termos de crise econômica e fiscal e também trazer alguns dados estaduais do caso brasileiro, o que nos permite fazer alguma comparação com a questão de outros países. O contexto é bastante difícil. Nós já passamos por uma evolução institucional bastante significativa na década de 80: a criação da Secretaria do Tesouro Nacional; a separação das funções de fomento, que antes eram coordenadas pelo Banco Central; a questão da conta de movimento, que existia e que foi extinta; e outros avanços que já ocorreram ainda antes dos anos 90. Todo esse processo foi coroado com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que gerou, de fato, uma mudança importante nas estatísticas, nos resultados dos Estados. A dívida dos Estados, como eu vou mostrar, caiu bastante nos últimos 20 anos, e agora nós recomeçamos a ter problemas, porque o nível de todas as regiões, em termos de dívidas sobre receitas, caiu, mas já parou de cair há pelo menos três anos e meio. Vários Estados já apresentam aumento dessa relação dívida sobre receita, com o agravante de que os investimentos vêm sendo significativamente penalizados pelo ajuste, porque há um grau de rigidez muito grande, os salários e a previdência ocuparam um espaço crescente, e isso acaba fazendo com que o ajuste recaia, no curtíssimo prazo, no curto prazo, sobre os investimentos. Hoje nós temos, em termos gerais - aqui nós estamos falando em setor público consolidado, que são os dados que incluem Municípios, Estados e Governo Federal -, um déficit nominal de 9% do PIB, que é o déficit total, incluindo os pagamentos de juros sobre a dívida; um pagamento de juros de 6,6 pontos percentuais do PIB; e um déficit primário de 2,4%. Quando comparamos com 2013, por exemplo, que é o primeiro ponto do gráfico, nós aumentamos o déficit nominal em cerca de 3 pontos percentuais do PIB, aliás de 6 pontos do PIB, sendo que 2 pontos desses 6 correspondem a uma piora do déficit primário, e o restante é uma piora da conta de juros. Em perspectiva comparada, o Brasil possui o 12º pior déficit nominal, quando tomamos todos os 154 países classificados como economias emergentes pelos dados do último outlook do FMI de outubro de 2017. Então, é um déficit que, pela conta do FMI, encerrará 2017 em torno de 9,2%. Nós estamos hoje com 9%, pelos dados do Banco Central. A dívida pública vem crescendo rapidamente. Nós estamos com uma dívida, no caso da curva azul, que é a dívida bruta, de 74% do PIB, e a dívida líquida, mais baixa, mas as duas em trajetória crescente. A composição dessa dívida também é muito ruim. Então, nós estamos mal no fluxo e estamos mal no estoque. Quando olhamos a composição do estoque, também há um problema sério, que é o alto grau de indexação da dívida à Selic. Quase metade da dívida, na curva azul clara, quando incluída a dívida do Banco Central, corresponde à dívida indexada ao próprio instrumento de gestão da política monetária, que é a Selic. |
| R | Os dados da economia também são muito negativos. Nós temos um hiato do produto, como mostra o gráfico da esquerda, que já alcançou de 5,5% a 6% negativo; quer dizer, a distância que nós temos do PIB, observado para o PIB potencial, é de quase 6 pontos percentuais, o que mostra que ainda estamos numa situação de profundo problema do ponto de vista de dinâmica de crescimento econômico, ainda que os dados de alta frequência já mostrem, no caso da PMC, que é a pesquisa de comércio, da produção industrial, alguma recuperação já em curso. A taxa de investimento, no gráfico da direita embaixo, é a menor taxa da série histórica do IBGE: 15,5% do PIB, quando a média de países emergentes e de países comparáveis ao Brasil é de mais de 20% do PIB. O lado positivo dos nossos dados é o de que, do ponto de vista externo, nós temos uma situação controlada. São dados que mostram que nós temos uma dívida externa de US$150 bilhões, vis-à-vis reservas de US$370 bilhões a US$380 bilhões. Esse indicador nas barras verdes mostra que nós temos uma razão, uma relação reservas sobre necessidades de financiamento externo que é bastante confortável: algo de 2 a 2,5 vezes reservas em relação às necessidades de financiamento externo. Por essa razão é que, apesar da deterioração fiscal dos últimos, nós conseguimos passar por essa tempestade sem maiores problemas, digamos assim, a não ser a questão do crescimento. Isso fica refletido nesse gráfico que combina o Embi, que é o risco país, o câmbio real e a taxa de juros. Não há um descontrole, desse ponto de vista de variáveis macro. Quando avaliamos a questão do risco, elas estão relativamente controladas, e o juro real, inclusive, vem caindo rapidamente. Nós tínhamos uma taxa de juros real de 7,3% em setembro do ano passado e, agora, de 2,9%, que ainda é muito alta, mas que já representa um patamar bem inferior ao que nós tínhamos um ano atrás. Na IFI, nós temos feito as projeções, os cenários, tentando avaliar todo o setor público, inclusive os Estados, e aqui estão as premissas. Basicamente, o quadro, no cenário básico, é de um crescimento em torno de 2% a 2,5% com juro real, que, no longo prazo, no período de 2019 a 2030, na última coluna, deve ficar em torno de 2% a 2,5% com juro real de 4% a 4,5%. Esses dois pontos são importantes, porque eles afetam fortemente a dinâmica da dívida. Nos cenários alternativos, o otimista considera um pouco mais de crescimento, e o pessimista, um pouco menos de crescimento com juro real mais alto. Essas pequenas variações geram efeitos importantes do ponto de vista do endividamento. O ajuste, no curto prazo, tem sido feito com base em aumento de receitas atípicas, receitas de concessões, receitas extraordinárias, que podem ver vistas nessa tabela no círculo destacado em vermelho. Nós tivemos até agosto algo como R$30 bilhões em receitas atípicas, num orçamento total que é de algo como R$1,2 trilhão e numa meta fiscal que está fixada neste ano, que é um rombo de R$159 bilhões. A outra perna do ajuste de curto prazo - e isso já era esperado - é o corte dos investimentos das despesas discricionárias, que fica refletido nesse quadro com o corte por Ministério. Os investimentos, por exemplo, estão caindo 45% nessa base de comparação. Isso acontece dado o elevado grau de rigidez orçamentária. Então, os investimentos, quando olhamos a média no gráfico da direita, oscilaram nos últimos anos, mas sempre nessa faixa de 0,5% a 1% do PIB, no caso do Governo Federal. Quando considerada a esfera subnacional, os Estados e os Municípios, isso vai para no máximo 2% do PIB. Então, o nível de investimento do setor público no Brasil é muito baixo. |
| R | Nós temos no Brasil hoje duas regras centrais, que é a meta para o resultado primário e o chamado teto de gastos. Uma série de outras regras, no caso dos governos estaduais e municipais, também está fixada na Lei de Responsabilidade Fiscal e proporcionou avanço, sobretudo no âmbito local, mas, hoje, nós estamos diante de uma situação que vai demandar não necessariamente criação de novas regras, mas uma gestão fiscal e uma recuperação daquele espírito de responsabilidade fiscal que, no final dos anos 90 e início de 2000, até meados dos anos 2000, permitiu ao Brasil ter apresentado uma melhora fiscal. O teto de gastos hoje incide sobre despesas, ali no primeiro gráfico da esquerda, que totalizam R$1,214 trilhão, só para ter um número na cabeça, dos quais as obrigações, aquilo em que não dá para mexer num tempo pequeno, de R$1,1 trilhão, e a margem fiscal, em que dá para mexer, de R$114 bilhões. Quando a gente abre essa margem fiscal, no gráfico do meio, metade corresponde ao custeio. Finalmente, no terceiro gráfico, do custeio, metade corresponde a serviços terceirizados. Quer dizer, nós estamos falando que, se houvesse uma economia de 20% a 30%, na parte que dá para cortar e especificamente no custeio, seria um ajuste de R$8 bilhões a R$10 bilhões por ano. Nós estamos com uma meta de déficit de R$159 bilhões. É algo importante, mas não é algo que vai salvar o resultado, que vai gerar de fato uma mudança estrutural. Projetando essa margem fiscal para frente - peço que olhem o gráfico da direita também -, a curva azul mais escura mostra que, ao longo dos anos, a margem fiscal vai precisar ser zerada rapidamente, e ela passa para o campo negativo em 2023. Se nós fizermos um cálculo considerando que, dentro dessa margem, há um pedaço fixo que é difícil de comprimir, porque não dá para apagar a luz dos Ministérios e mandar todo o pessoal de limpeza e segurança, então, há um pedaço ainda dentro daquela margem que a gente chama de incomprimível. Aí aquela seta vermelha vem para 2019. Quer dizer, o teto de gastos já começa a ficar em xeque em 2019. As trajetórias da dívida derivadas dos cenários que a gente está apresentando são estas: o verde é o cenário básico, mais provável, em que, com alguma mudança no gasto obrigatório, por exemplo, na previdência ou no gasto com pessoal, daria para a dívida se estabilizar em torno de 90% a 94% do PIB, em 2025, e aí sim começaria a cair. Agora, isso exige mudanças estruturais no gasto obrigatório. O otimista pressupõe mudanças mais intensas, e o pessimista, um quadro com menos crescimento, quase nenhuma mudança no gasto obrigatório, e aí a dívida entra numa trajetória de insolvência. O mais provável é o cenário do meio hoje, na visão da IFI. Os dados dos Estados, que, talvez, sejam os que mais nos interessam, mostram também uma preocupação, ensejam uma preocupação, mas não tão grande ainda. Agora, é um quadro que, provavelmente, vai demandar também ações por parte do Governo central, sobretudo de arbitrar conflitos e buscar saídas para aumentar receita e conter o gasto também no âmbito local. Por quê? Porque, quanto à dívida que está aqui neste gráfico, por região, nas cinco regiões, a gente observa que houve um ganho importante. Todas as regiões apresentaram queda no final dos anos 2000, quando veio a Lei 9.496, em 1997, que permitiu a renegociação, até 2012, 2013, a partir de quando todas as regiões pararam de cair ou começaram a aumentar. Aqui sempre é a dívida dividida pela receita. |
| R | Esse é o filme. A fotografia, quando a gente olha o finalzinho de 2016, para os 27 Estados, é esta aqui. Então, nós temos um gráfico de dispersão: no eixo horizontal, há os fluxos, o resultado primário, e, no eixo vertical, a dívida. É claro que a gente sabe que aqueles três Estados lá em cima, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, são os casos mais preocupantes, mas o que mais preocupa é o terceiro quadrante, em que um grupo de oito a dez Estados já tem uma combinação ruim, uma dívida relativamente média alta, de 50% a 70% da receita, com déficit de 5% a 10%, a maioria em torno de 5% de déficit. Então, essa combinação, ao longo do tempo, se nada for feito, vai fazer com que esses Estados do terceiro quadrante sejam fortes candidatos a terem problemas. Com a atual estrutura de gastos, com as regras fiscais e tudo mais, o que acontece é o que nós vemos no resumo deste gráfico aqui, em que a gente tem os investimentos dos Estados, hoje em torno de 0,4% do PIB, em relação a dois ou três anos atrás, quando esse percentual era de quase 1% do PIB. Então, houve uma queda importante nos investimentos, e o resultado primário, que era deficitário em 0,2% do PIB, passou hoje já a ser superavitário em torno de 0,2% a 0,25%. Quer dizer, todo ajuste vem recaindo sobre os investimentos, que são as despesas discricionárias, o mesmo padrão que se observa no caso da União. Isso se deve ao fato de que a despesa com pessoal cresceu muito. (Soa a campainha.) O SR. FELIPE SALTO - Aqui, neste gráfico, já caminhando para o final, no gasto com pessoal, todos os Estados apresentam um valor muito próximo do limite, que é 60% da receita, ali na linha vermelha, tanto no dado oficial quanto no dado ajustado pela Secretaria do Tesouro. O que poderia ser feito? Nós fizemos uma simulação por região, mostrando que, para os próximos anos, se houvesse adoção de uma regra similar ao teto de gasto no caso dos Estados, com controle do fluxo de despesas, sobretudo de pessoal e previdência, daria para haver, aplicando essa regra do teto de gastos, que é o controle pela inflação passada, um reequilíbrio da situação fiscal por região, o que, na melhor das regiões, que é a Nordeste, aconteceria entre 2020 e 2021 e, na Sudeste, com peso grande no Rio de Janeiro, só aconteceria em torno de 2024 e 2025. A referência utilizada no exercício é um resultado primário positivo de 9% a 10%. Quanto tempo essas regiões demorariam para ter esse nível de superávit, que é necessário para fazer com que a dívida fique numa trajetória estável ou descendente? O fato é que, em termos de regras fiscais, o Brasil já vem avançando bastante nisso. No ano de 1985, 30 anos atrás, com dados do FMI também, poucos países tinham regras fiscais, seja para dívidas, para o gasto, limites que envolvem metas para a receita, como se pode ver neste gráfico aqui de 1985. Em 2015, fica visível que o grosso dos países começou a adotar novas regras ou até a combinar duas ou três regras fiscais. O Brasil também, em 2015, tinha duas principais, agora tem uma terceira, que é o teto de gastos. Isso não significa necessariamente que a situação fiscal melhora, mas que os países, ao longo do tempo, vão adotando e combinando regras diferentes para conseguir atingir o resultado principal, que é dar uma mínima sustentabilidade para razão dívida/PIB. Em resumo, o que precisa ser feito é bastante claro, quer dizer, a receita do bolo é conhecida, e os ingredientes também. |
| R | Como é que a gente vai conseguir colocar esse resultado em prática? Nós temos já a possibilidade de, mantido o programa de ajuste fiscal, conseguir voltar a gerar superávit, pelo cenário da IFI, em torno de 2024, o que parece bastante longe, mas isso vai exigir um esforço tremendo, e a medida desse esforço pode ser feita numa conta simples, que está ali no item 5: para estabilizar uma dívida de 90% do PIB, com o crescimento do PIB em torno de 2% e com juros reais em torno de 3,5% a 4%, precisa de um esforço primário de 2% a 2,5% do PIB. Hoje nós temos um déficit de 2,5%. Quer dizer, nós estamos falando de um esforço fiscal que chega a quase 5 pontos do PIB. Então, isso vai envolver uma agenda fiscal ampla. Os Estados, nós temos discutido pouco, e também vai demandar uma ação coordenada, porque não dá para esperar que, individualmente, os Estados reajam do ponto de vista de produzir resultados melhores. Então, encerro por aqui. Essa é a contribuição que a gente trouxe, com dados, para o debate desta tarde. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Passo a palavra agora para o Prof. Fernando Rezende. O SR. FERNANDO REZENDE - Boa tarde a todos! Eu queria cumprimentar todos os presentes na pessoa do preclaro Senador José Serra e do nosso convidado Bhajan e fazer alguns comentários, procurando fazer um contraponto entre o que a gente vê, no caso do Brasil hoje, e alguns pontos que foram ressaltados aqui na palestra do nosso colega Bhajan. Primeiro, eu queria ressaltar o seguinte: por que mudou tanto nos últimos 30 anos quase? Porque, em 1988, a intenção era fortalecer a Federação e desenvolver um regime de políticas muito apoiado no reforço do federalismo. Quer dizer, houve uma forte ampliação das responsabilidades do Estado, mas, ao mesmo tempo, em um primeiro momento, uma descentralização das receitas em favor de Estados e Municípios. Depois, por fatos conhecidos - eu posso explicar isso na sequência, mas vai me demandar muito tempo -, esse processo foi sendo revertido ao longo do caminho, muito em função da importância atribuída ao uso das contribuições sociais para fazer o ajuste fiscal, que era o que podia ser feito naquele momento. Em 1998, com a crise daquela época, o Brasil teve de fazer um forte ajuste fiscal para sustentar a estabilidade da moeda, e, daí em diante, esse modelo de sustentação do ajuste fiscal se reproduziu ao longo do tempo. Isso teve sérias repercussões na Federação, na qualidade do regime tributário e na rigidez orçamentária, que são múltiplas faces da crise fiscal que nós vivemos hoje. O que aconteceu? Nós recentralizamos as receitas, recentralizamos o poder sobre as principais políticas públicas no plano do Governo Federal e ampliamos as enormes disparidades verticais na Federação - um ponto que foi muito ressaltado na palestra do nosso convidado. Lá, segundo ele, o desequilíbrio fiscal cresceu a partir da intervenção do Judiciário, das cortes, e adotou-se, posteriormente, uma série de medidas para tentar lidar com essa realidade, medidas que se concentraram na instituição de um regime de equalização fiscal bastante interessante, que agrega não só a equalização fiscal per capita, mas também a equalização fiscal levando em conta custos de provisão de serviços pelos diferentes Estados, e também de um regime de transferências que nós chamaríamos de vinculadas, ou seja, transferências associadas a programas específicos na área da saúde, na área da educação e outros. Curiosamente, se eu entendi bem a conclusão, ele leva à conclusão de que todos esses regimes que foram adotados para lidar com o problema do equilíbrio fiscal vertical acabaram promovendo também uma indesejável centralização no plano central, de todas as decisões relevantes em matéria de políticas públicas. |
| R | E aí há uma discussão nas várias vertentes das mudanças teóricas que buscam explicar o federalismo, que estariam agora defendendo a necessidade de reforçar o poder dos Estados de tributar, pela via da atribuição aos governos estaduais de aplicar um imposto sobre a renda. Ele não disse isso, mas eu creio que isso se dá muito à semelhança do governo canadense, em que você tem uma espécie de alíquota estadual que incide sobre a legislação nacional do imposto sobre a renda. Curiosamente - o Senador Serra foi responsável por isso na Constituinte, vai lembrar -, também tinha sido proposto um imposto estadual sobre a renda como um complemento e uma adição ao imposto federal para lidar com a crise federativa. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP. Fora do microfone.) - Eu apresentei no meio, mas fui derrotado. O SR. FERNANDO REZENDE - Pois é. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Era um Imposto de Renda estadual. O SR. FERNANDO REZENDE - Para fazer essa breve referência, o que eu queria destacar aqui? Onde está o grande vilão nesse retrocesso das intenções de 1988? Foi a criação dessa figura chamada de contribuições para a seguridade social. Criou-se no Brasil uma dualidade de regimes tributários que não existe no mundo, não que eu conheça. As intenções eram muito boas: criar um regime exclusivo de financiamento para programas sociais, porque, na época, alegava-se que as receitas da previdência eram utilizadas para financiar, por exemplo, a construção de Brasília, a hidrelétrica de Itaipu e por aí afora. Então, a palavra de ordem, pelo que eu me lembro, da Constituinte era: temos de blindar os recursos da área social. Só que a blindagem aplicou-se a um pequeno segmento da seguridade social, que, no fundo, foi a universalização do antigo INPS, que fazia saúde, previdência e assistência só para os seus segurados. Isto teria de ser direito de cidadania: previdência, saúde e assistência. Mas a Constituição Federal, lá nos seus dispositivos transitórios, diz o seguinte: a saúde deverá ter 30% desses recursos, até que uma nova lei complementar decida sobre as regras. Essa lei nunca foi editada, e, desde então, a saúde só vem perdendo espaço na seguridade social e acabou, agora, recentemente, sendo expulsa do condomínio, porque a vinculação à saúde já não tem mais nada a ver com a receita da seguridade, um percentual da Receita Corrente Líquida da União. O que isso acarretou? Um enorme desequilíbrio no atendimento das prioridades sociais. |
| R | A expansão dos gastos com benefícios previdenciários e assistenciais engessou o Orçamento. A saúde e, junto om ela, a educação, o transporte, a segurança e o saneamento foram sendo expulsos do nosso Orçamento. Todas elas são responsabilidades importantes dos governos estaduais e municipais, que se veem hoje pressionados a atender as demandas dos grandes centros urbanos para resolver duas prioridades: saúde e segurança. Há uma dificuldade muito grande de lidar com esse problema. Sigo um pouco adiante. Esse gráfico eu gosto muito de mencionar, eu o chamei de "efeito cremalheira". Os mais jovens aqui não vão nem saber o que é o uma cremalheira. Os antigos trens que subiam montanhas em Campos do Jordão - era um caso particular - tinham um dispositivo que engatava o trem nos trilhos para evitar que, se a força se perdesse, ele não recuasse. Então, o efeito cremalheira é assim: assim que as receitas das contribuições sociais foram crescendo, inclusive para bancar o ajuste fiscal, os gastos com a seguridade social foram junto. Aqui está a raiz do engessamento do Orçamento, do desequilíbrio federativo e da deterioração da qualidade do nosso regime tributário, porque nós ressuscitamos uma série de impostos que haviam sido extintos com a reforma de 1965 e, inclusive, fizemos o quê? Nós ampliamos a competição fiscal pelas mesmas bases tributárias. Os Estados, por um lado, fizeram uma opção equivocada, de concentrar sua arrecadação naquilo que eles ganharam de novas bases em 1988 - os impostos únicos sobre combustíveis, energia e telecomunicações. Com isso, a base do ICMS foi se estreitando, de tal maneira que o ICMS hoje arrecada, em porcentagem do PIB, a mesma quantia que arrecadava em 1973, quando não havia nem combustíveis, nem energia e nem telecomunicações na base do imposto. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Ou seja, hoje se arrecada, em percentagem do PIB, o mesmo que se arrecadava em 1973, incidindo agora - o que na época não acontecia - sobre energia elétrica, telecomunicações e combustíveis. O SR. FERNANDO REZENDE - Exatamente. Além disso, a inclusão dos impostos únicos na base do imposto estadual naquele momento forneceu a grande munição para a expansão da guerra fiscal, porque quem não tinha indústria não arrecadava ICM, então não dava incentivo e ficava com a receita dos impostos únicos. Eu poderia me estender aqui, mas não temos tempo. Em paralelo, o que aconteceu? Uma enorme dinâmica socioeconômica. O processo de urbanização no Brasil foi um dos mais rápidos do mundo, e foi uma urbanização associada à concentração da pobreza no entorno das grandes cidades. Ora, isso também gerou um caldo político propício para que as expansões dos programas de renda associados à pobreza tivessem ganhado muito espaço no Orçamento e na Federação e, inclusive, criou o mecanismo que algumas pessoas da Ciência Política chamavam de funcionamento do presidencialismo de coalizão, um mecanismo de transferência de recursos não mais com as transferências constitucionais, mas com as transferências orçamentárias, que antigamente a gente chamava de voluntárias, mas que deixaram de ser voluntárias porque passaram a fazer parte de convênios e dos chamados sistemas nacionais de políticas públicas. E aqui há um paralelo muito interessante com a palestra do nosso convidado, porque ele, de certo modo, mencionou a mesma coisa, ou seja, na medida em que você tenta fazer coordenação de políticas no âmbito federativo, a coordenação de políticas acaba gerando um efeito perverso, a centralização acaba ocorrendo na esteira dessa proposta de coordenação. |
| R | O modelo do SUS que foi idealizado lá atrás foi sendo replicado na segurança, em habitação, sempre com a mesma cara e sempre com o mesmo efeito, gerando centralização das decisões e criando um ambiente um pouco estranho, porque as decisões são centralizadas, mas a gestão é descentralizada. Aí há o problema do impacto disso na qualidade da gestão pública. Por quê? Porque não há garantia de que as transferências de recursos, que não são obrigatoriamente determinadas pela Constituição, ocorram como previsto, o fluxo dos recursos não é garantido. O cidadão que está no governo do Estado administrando um hospital do SUS não conhece o seu fluxo de caixa. Para usar uma palavra mais comum, ele sabe que tem um dinheiro no convênio, que ele vai receber, mas ele não sabe se vai receber, quando vai receber e, se quando receber, ele terá tempo para cumprir toda a burocracia que é exigida para realizar o gasto. Eu quero passar para a parte final dizendo o seguinte: por que a crise do federalismo requer hoje medidas diferentes das adotadas no passado? No passado sempre foi assim. Na transição dos regimes autoritários para regimes democráticos, as demandas dos Estados e Municípios se juntavam para descentralizar as receitas. Foi assim em 1988. Em 1988, tanto quanto eu me lembro, não se discutiu como ia ser a repartição dos encargos entre Governo Federal, Estados e Municípios. Foi relegado a uma lei complementar definir isso, uma lei que nunca chegou a ser efetivamente elaborada. E o que nós estamos agora esquecendo? Nós precisamos agora do seguinte: voltar o foco para as responsabilidades. Quais são as responsabilidades que a Constituição atribui ao Estado brasileiro hoje? Como o exercício dessas responsabilidades está sendo comprometido por todos esses episódios que aconteceram desde então? Rigidez do Orçamento, centralização de recursos, desequilíbrios federativos e assim por diante. E o que isso nos ensina e nos fornece como um diagnóstico para rediscutir a construção de um novo modelo de federalismo fiscal? Não se trata só de discutir a reforma tributária, nem a reforma orçamentária, nem a reforma do federalismo; se trata de discutir um novo modelo. Qual o novo modelo que vai conseguir conciliar e lidar com o tamanho da crise? Uma vez, eu chamei isso de novelo fiscal, mas eu não vou me estender sobre um novelo fiscal aqui - se for o caso, conversamos nos debates. E o que seria a essência de um novo modelo? Eu quero ressaltar que esse modelo, com as devidas diferenças... O desenho desse novo modelo, seu arcabouço, estava no trabalho elaborado na Fundação Getúlio Vargas em 1963, por uma comissão que foi criada pelo então Ministro da Fazenda - acho que era San Tiago Dantas na época -, no Governo João Goulart, mas, como ele foi implantado em 1965, na Emenda Constitucional 18, ele foi visto nos debates políticos como uma obra do regime militar e, então, sendo uma obra do regime militar, não devia ser coisa muito boa. Agora, ele combinava o quê? Ele combinava quatro coisas. Recuperar a essência de um sistema tributário nacional - um sistema, pois nós não podemos falar que temos um sistema. Esse sistema dividia as competências tributárias na Federação. A expressão utilizada, inclusive, no texto da Constituição era "distribuição constitucional das competências tributárias". O Governo Federal ficava com o Imposto de Renda e com o então IPI, o imposto de base mais ampla na época, que era o Imposto de Circulação de Mercadorias, transformado no ICM, para adotar a moderna técnica do valor agregado, e os... (Soa a campainha.) O SR. FERNANDO REZENDE - ... Municípios ficavam com o imposto sobre de prestação de serviços. |
| R | E se criou naquela época também o arremedo de um modelo de equalização fiscal, com o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios, com regras que buscavam se aproximar de um fundo de equalização, com a diferença de que não se dispunha das estatísticas suficientes naquele momento para adotá-lo como proposto, por exemplo, pelo modelo indiano. É preciso aperfeiçoar o regime de garantias dos direitos sociais. Nós não podemos ter no Brasil garantias que são permanentes. Vinculações à educação estão desde a Constituição de 1934 e foram crescendo. Garantias devem existir, sim, mas por prazos determinados, e devem ser renovadas periodicamente em função da variação de resultados, que é o que se pratica em boa parte do mundo. E há uma última coisa que nós nos esquecemos de discutir: uma política nacional de desenvolvimento regional. O Brasil abandonou a política de desenvolvimento regional, e isso gerou espaço para a expansão da chamada guerra fiscal, num contexto em que o que sobrou para o governador do Estado agir politicamente era a caneta para dar benefício do imposto estadual. Tudo isso são elementos que precisam ressuscitar a discussão das virtudes do regime federativo: conciliar a diversidade de situações com a unidade de propósitos. Foi o lema de uma conferência muito importante na Índia em 2007: unidade na diversidade. No Brasil, nós criamos uniformidade na diversidade. Não podia dar muito certo, e não deu. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Repete o... O SR. FERNANDO REZENDE - O lema da conferência na Índia é este aqui. Aliás, foi o parágrafo... O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Unidade na diversidade... O SR. FERNANDO REZENDE - ... de um texto muito interessante de dois luminares do federalismo: John Kincaid e Ronald Watts. Era o lema da conferência de 2007 na Índia. E o uso da preposição "na" - eles ressaltaram isso... Eles ressaltaram que a diversidade pode contribuir para a unidade, e a unidade não deve dissolver a diversidade na homogeneidade; unidade e diversidade não são contraditórios. E nós não prestamos atenção a essa questão. Eu concluo. Eu acho que a palestra do nosso convidado chama atenção para essas questões, num contexto que, obviamente, não é o nosso, mas que é muito parecido, com o aumento dos desequilíbrios verticais, com a diferença de que aqui nós não fizemos nada para tentar... Pelo contrário. O que nós mantivemos? Nós mantivemos, em 1989, congelados os coeficientes dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, num contexto em que a dinâmica demográfica mudou a população de lugar, mas, não obstante, os recursos continuaram sendo distribuídos daquela maneira. Então, há muitos bons ensinamentos. Nós não temos tempo para aprofundar isso aqui, mas podemos talvez aprofundar nos debates. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Muito obrigado, Prof. Fernando Rezende. Passo agora a palavra ao Leonardo Ribeiro, que é assessor do Senado Federal e especialista em contas públicas. Eu pediria ao Senador Dalirio Beber que pudesse presidir a reunião nesta última fala. Bom, como o Leonardo esteve na Austrália durante meses, ele tem a obrigação de fazer uma análise comparativa dos dois países, não só em razão da exposição do Professor, mas por tudo que estudou lá. (Risos.) |
| R | O SR. LEONARDO RIBEIRO - Obrigado, Senador, pelo convite e pela oportunidade, e parabéns pela iniciativa de preparar um evento como este. O SR. PRESIDENTE (Dalirio Beber. Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Com a palavra o nosso convidado Leonardo Ribeiro, que é assessor do Senado Federal e especialista em contas públicas. Como foi dado aos outros palestrantes, são 12 minutos para a sua exposição. O SR. LEONARDO RIBEIRO - Tudo bem, pessoal? Boa tarde. Primeiramente eu gostaria de agradecer ao Senador José Serra o convite de participar desta audiência e cumprimentar o Senador Dalirio. Eu e o Bhajan trabalhamos juntos no primeiro semestre. É um prazer revê-lo no Brasil. Eu espero que você aproveite os dois dias que vai ter aqui, em Brasília. Agradeço a presença do ilustre Prof. Fernando Rezende. Eu sou economista e estudei os livros do Professor. Tenho, inclusive, na mesa do gabinete alguns deles. Felipe Salto, amigo, parabéns pela apresentação recheada de números. Eu acho que o Senado Federal ficou mais preparado para o futuro com a Instituição Fiscal Independente. Minha apresentação reflete o estudo que eu, no primeiro semestre, realizei com o Professor. E a pesquisa foi "Um conselho para a coordenação da política fiscal no Brasil: os benefícios, os custos e a experiência australiana." Pode passar. Austrália e Brasil estão em polos distintos no que se refere a resultados econômicos. O Brasil está enfrentando a sua pior crise econômica da história, e a Austrália está batendo recordes de crescimento econômico, com 26 anos de crescimento ininterrupto. No entanto, os dois países hoje enfrentam desafios similares. Na verdade, como o Prof. Bhajan destacou e o Prof. Rezende também, há um movimento de centralização nos dois países. Então, não é uma questão de resultado econômico, é uma questão de tendência que acontece nas duas nações. E a Austrália, mesmo com um modelo institucional extremamente robusto, tem dificuldades para enfrentar essa recentralização que hoje acontece - lá, devido a decisões do Judiciário e, como eu vou mostrar aqui, devido a outras razões. A crise está aí diante de nós e oferece uma janela de oportunidades. O Ministério da Fazenda, o Governo hoje tem na mesa uma agenda de reformas. E nada melhor que discutir nesse contexto, por exemplo, o aperfeiçoamento da coordenação da política fiscal no País. |
| R | Relativamente à responsabilidade pela estabilização macroeconômica, a literatura ensina que cabe ao governo nacional, mas a coordenação não deixa de ser relevante também, porque, no federalismo, você tem entes autônomos e, para cada localidade com demandas diferentes, nada melhor do que um sistema federal coordenado. O Brasil é um dos países mais descentralizados do mundo quando analisamos receita e despesa em poder dos Estados e Municípios em relação ao total - eu vou mostrar para vocês depois essa comparação da OCDE -, porém o sistema foi se tornando bastante centralizado, especialmente depois da reforma de 2000, quando a LRF impôs regras fiscais top-down, de cima para baixo, e hoje a própria Constituição também define uma série de competências. Estados e Municípios, apesar de terem bastantes recursos, não têm autonomia para tomar as decisões e satisfazer as demandas locais. Um conselho fiscal no Brasil poderia ser interessante. Na minha opinião é a chave do sucesso para tentarmos resolver alguns problemas federativos. No entanto, coordenação não é de graça, não é uma free commodity. Nós temos literatura canadense, Breton, que eu vou mostrar mais à frente, mostrando que existem custos. Então, discutem-se muito hoje, ou se discutiram mais no passado, os benefícios do conselho de gestão fiscal, mas temos que entender também que existem custos, inclusive o órgão, como o Professor explicou, na Austrália, na verdade foi encerrado, porque simplesmente se esvaziou o órgão com cortes orçamentários. Aconteceu a mesma coisa nos Estados Unidos. Então, custo é um ponto importante. Por exemplo, ao criar um conselho, é preciso definir quem é que vai financiá-lo. As contribuições virão de Estados, de Municípios, da União? Haverá independência? Enfim, o budget de um órgão para coordenar também é importante ser discutido. Por fim, nós pesquisamos também a longa e extensa experiência da Austrália com conselhos, percebendo que há virtudes e fraquezas também na Austrália. Isso nos mostra que o processo de coordenação é complexo, desafiante, mas necessário. O Felipe já recheou com bastantes números o nosso encontro. Basicamente, eu diria que, de 2014 a 2016, tivemos uma queda de 8,7% no PIB per capita. O Brasil tem uma taxa, uma carga tributária de 32,6%, basicamente próxima aos países da OCDE e bem superior aos países da América Latina. O nosso déficit público hoje é de 9%, comentou o Felipe - quando eu fiz o estudo, estava em 10,7%. E nós temos hoje uma dívida bruta elevadíssima. O último gráfico mostra que somos quase campeões em dívida bruta entre os países em desenvolvimento. |
| R | A crise fiscal, de fato, tem uma dimensão federativa. Os dez maiores devedores subnacionais constituem 91% da dívida hoje e, desde 2011, percebemos que o primário tem caído vertiginosamente. Cai a receita, o orçamento é rígido, com aumento de despesas de pessoal e aposentadorias no serviço público. Alguns Estados já enfrentam dificuldades para pagar o serviço da dívida e alguns não estão pagando nem salários. Isto torna a situação mais delicada ainda: estamos deixando de pagar salários de funcionários públicos. Existe uma dificuldade de liquidez em muitos Estados afetados pela queda do ICMS. Há uma queda real significativa. Com o aumento da despesa de pessoal, como já havia dito, muitos Estados aumentaram o ICMS, cortaram despesas discricionárias e estão postergando despesas, adotando, inclusive, a securitização, em alguns casos, para levantar recursos, quer dizer, a dificuldade fiscal não só está no Governo Federal, mas também nos governos subnacionais, e é grave. O gráfico... Eu tinha pedido para testar antes a apresentação... Na verdade, o gráfico mostrava justamente essa discussão da recentralização que há hoje no Brasil. A primeira tabela mostrava as contribuições sociais crescendo em percentual do PIB. O segundo gráfico mostrava, na verdade, gastos com saúde: por exemplo, antes, se a União gastava mais do que Estados e Municípios, hoje, a parte que cabe a Estados e Municípios já está bem mais elevada. Então, existe, sim, esse problema da recentralização, e isso cria um conflito federativo muito importante hoje. O primeiro gráfico mostra o percentual, as receitas que são arrecadadas no nível estadual, e, na primeira pizza, percebemos que o ICMS corresponde à maior parte dos recursos que são arrecadados no nível estadual. Mas, no caso dos Municípios, eles dependem muito das transferências constitucionais previstas na Carta Magna. Porém, mesmo no nível estadual, percebemos que muitos Estados ainda dependem das transferências, especialmente os Estados do Norte e Nordeste. Ao mesmo tempo, a Constituição define... (Soa a campainha.) O SR. LEONARDO RIBEIRO - ... também as despesas e temos aí um overlap de despesas muito acentuado no País. Como percebemos, o Brasil, nesse gráfico, é um dos países mais descentralizados do mundo. Comparar a receita e a despesa que estão nas mãos dos entes subnacionais é relevante, porém estudo recente da OCDE coloca o Brasil como um federalismo de cooperação. Na verdade, Estados e Municípios têm recursos, bastantes recursos disponíveis com as transferências, mas não têm autonomia para gastar. A Constituição define o que têm que gastar com saúde, com educação. Eles não têm autonomia sobre gastos com pessoal e, com isso, você tem uma dificuldade enorme para gerenciar. Nós fomos eleitos no estudo da OCDE de 2016 o país com regras mais incoerentes num grupo de 15, 16 países estudados, quer dizer, damos recursos, mas os Estados não têm autonomia para gastar. A União, como o Prof. Rezende destacou, regula o que deve ser feito em educação e saúde e os Estados acabam sem poder de decisão na hora de fazer o gasto. |
| R | FMI e OCDE estão destacando a importância de você ter um conselho de gestão fiscal no Brasil para justamente coordenar a política fiscal. Então, nos relatórios recentes de 2017, agora, do FMI e da OCDE, está claro que precisamos estabelecer o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Nós temos experiências na Alemanha, na Austrália, nos Estados Unidos, no México, não faltam experiências para estudarmos e aplicarmos com conhecimentos aqui na hora de discutir o Conselho de Gestão Fiscal, projeto que hoje está parado na Câmara dos Deputados, que foi apresentado pelo Governo FHC, no final do último mandato. Poucos países hoje apresentam conselhos para a coordenação da política fiscal, conselhos fiscais independentes, e o modelo alemão é muito importante, acho interessante no debate nós estudarmos as reformas que foram feitas na Alemanha recentemente, porque, para... Já estou indo para o final da minha apresentação. Quantos minutos ainda tenho? Já estourou, não é? (Pausa.) Nos Estados Unidos, o problema foi que o órgão de coordenação... Na verdade, o Conselho de Gestão Fiscal foi inserido na Lei de Responsabilidade Fiscal inspirado no ACIR, que era um órgão norte-americano que foi encerrado, assim como na Austrália. E o problema foi justamente a falta de independência e cortes orçamentários, que foram, na verdade, inviabilizando o órgão. O problema que eu vejo é que você tinha um staff independente para fazer análises, mas nós sabemos que federalismo é interesses e ideias. Então, há interesses políticos e isso foi, na verdade, enfraquecendo o órgão ao longo dos anos, provavelmente também aconteceu na Austrália - nos Estados Unidos, é bem claro. O modelo alemão é interessante porque eles têm um conselho com participação mais política e uma unidade independente para realizar os estudos. Discute-se muito hoje que o Conselho de Gestão Fiscal é muito amplo, tem uma composição muito grande, então isso dificulta na hora de você regulamentar o conselho e tirá-lo do papel. Mas eu destaco isto: o que nós deveríamos fazer aqui é, de certa forma, deixar o conselho extenso, com uma composição representativa, inclusive com membros da sociedade civil, como está lá na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas, de algum modo, anexar ao conselho uma unidade independente, como a Alemanha fez agora em 2009. Ela criou um conselho para a estabilidade, com representantes de todos os Estados e, ao mesmo tempo, destacou uma unidade independente para realizar os estudos. Ela colocou de baixo do mesmo teto interesses e ideias, separando. Nos Estados Unidos isso deu problema. Se hoje nós tivermos, por exemplo, o Conselho de Gestão Fiscal com análises independentes e política ao mesmo tempo, não funcionará. A experiência já mostrou. Rapidamente, para fechar, Senador. |
| R | Coordenação exige custos. Nós temos de discutir essa questão. Você tem o desafio, por exemplo, de monitorar as finanças subnacionais. O Tesouro tem feito um trabalho interessante nessa área, porém eu acredito que um órgão dedicado a isso, com orçamento, seria muito mais efetivo e eficiente. Então, temos de discutir o Conselho de Gestão Fiscal pensando não só nos benefícios, mas também nos custos. Quem vai bancar o Conselho de Gestão Fiscal? Os Estados? A União? A experiência mostra que contribuições de todos os entes funciona. Agora, você tem de garantir independência para o orçamento para evitar os cortes e evitar o que aconteceu na Austrália e nos Estados Unidos. Falando da Austrália, Senador... O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP. Fora do microfone.) - São caros? O SR. LEONARDO RIBEIRO - Não são caros, não são caros. A gente levantou o custo dos Estados Unidos - eu não tenho aqui o número. Não é relevante, porém tem de garantir independência, porque senão você pode correr um risco de enfraquecimento. É o que a doutrina, na verdade, indica no caso das instituições fiscais independentes. Você, de fato, tem um orçamento para que você não corra riscos políticos no esvaziamento do órgão com a questão orçamentária. A Austrália tem uma longa e extensiva tradição de relações intergovernamentais, uma coordenação forte. Você tem um modelo institucional bastante inovador, como o Professor mostrou bastante. Nós temos conselho para harmonizar a equalização fiscal, conselho para harmonizar as operações de crédito, conselho para discutir relações fiscais, políticas públicas. Temos conselhos para tudo, mas o principal problema que eu percebo na Austrália, Professor, é a questão da independência do COAG, que é o principal órgão. Na literatura, você encontra muitas críticas em relação a esta tendência para a centralização e a influência política no conselho. Por isso é que eu acho que o modelo alemão... A Alemanha é um país referência em instituições independentes. Eu acho que temos de olhar para esse caminho; temos de tentar garantir de alguma forma a independência no Conselho de Gestão Fiscal para harmonizar a política fiscal. Por fim, a frase do Prof. Bhajan, que foi destacada pelo Senador Serra no início de sua apresentação. Em 2004, o Professor já estava prevendo o que estava para acontecer aqui, no nosso País. A LRF representou um sinal positivo de organização das finanças, mas a rigidez orçamentária no nível estadual, nos orçamentos no Brasil como um todo, impossibilita que você consiga operar a lei. Teremos de rediscutir isso, e um fórum interessante seria, talvez, o Conselho de Gestão Fiscal, por exemplo, no nível federativo. Inclusive, Prof. Rezende, há essa questão de você discutir um novo modelo federativo: poderia, sim, ser discutido numa esfera, num fórum como o Conselho de Gestão Fiscal, como foi feito nos Estados Unidos, no órgão que inspirou o CGF na Lei de Responsabilidade. Bom, eu me estendi um pouco na minha apresentação, mas eu queria destacar justamente essa importância da coordenação no País. Para a política fiscal, na minha opinião, o Conselho de Gestão Fiscal representa uma saída importante. |
| R | Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Dalirio Beber. Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Bom, gostaria de dizer da honra, em primeiro lugar, de estar aqui na presidência, momentaneamente, desta nossa audiência pública, que foi oportunamente requerida pelo nosso Senador José Serra, trazendo essa contribuição dos Professores Bhajan, Felipe Salto, Fernando Rezende e Leonardo Ribeiro, que nos brindaram com informações precisas, importantes. E muito nós poderíamos tirar já de imediato dessas manifestações aqui a partir do Prof. Bhajan. Nós precisamos, primeiro, acreditar, de fato, em instituições que tragam ao público informações e dados precisos para orientar o presente, mas sobretudo fazer com que nós possamos planejar o futuro do Brasil. Nós tivemos períodos longos de desorganização das contas públicas e, felizmente, na década de 90, graças ao esforço de inúmeros brasileiros dos dois governos do nosso Presidente Fernando Henrique, houve a oportunidade daquele mínimo de organização para permitir que nós pudéssemos continuar avançando. Essa descontinuidade que nós vivenciamos, ao longo destes últimos 12, 13, 14 anos, fizeram com que o Brasil tivesse perdido preciosos anos, momentos para dar continuidade nesse planejamento de forma equilibrada. A Austrália traz também as suas dificuldades em função de uma centralização praticamente excessiva, mas o órgão de equalização, aí sim, se estiver permanentemente ativo, analisando as questões de cada momento, permite que se diminuam as injustiças e que a ponderação entre regiões seja atendida de forma muito mais justa. Então, acho que a tarde de hoje foi uma tarde preciosa. Agora volta aqui quem, de fato, digamos, deveria estar aqui de forma permanente, que é o nosso Senador José Serra. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Queria agradecer ao Senador Dalirio, um homem que tem representado muito bem o seu Estado, Santa Catarina, um homem preparado, um homem público como poucos no País e que se envolve, inclusive, nessas questões de natureza fiscal, o que não é comum no meio político. Em geral, as questões fiscais são tidas como dados e olhadas sempre do ângulo do curto prazo. Eu tive uma experiência vasta nessa matéria porque comecei minha vida pública como Secretário de Economia e Planejamento do governo de Franco Montoro, em São Paulo, que foi o primeiro eleito depois de 20 anos de regime autoritário. Chegamos ao governo com as contas públicas fora de controle, com uma inflação de mais de três dígitos ao ano. Vocês podem imaginar as expectativas da população com relação a um governo eleito pela primeira vez em 20 anos, as aspirações, inclusive, dos funcionários públicos de todos os setores - diante de um governo ainda autoritário no plano nacional - e tendo que arrumar a casa. Mas nós fizemos isso no caso de São Paulo, a ponto de, inclusive, termos ganhado a eleição, o próprio PMDB ganhou a eleição que se sucedeu à do governo Montoro. |
| R | Minha segunda experiência importante foi na própria Constituinte, quando, assessorado, muito bem-assessorado, conseguimos esboçar algumas ideias que permanecem até hoje em matéria de questões fiscais. O grupo básico que nos deu essa assessoria era comandado pelo Fernando Rezende, que aqui está e quem eu considero, entre os professores de Economia, o maior especialista que nós temos no assunto, porque ele vem da vida acadêmica. Muitas vezes os especialistas da área vêm mais na vida governamental; ele é uma das exceções importantes nessa área, é uma referência para nós e para mim particularmente. Bom, foram anos tumultuados. E aí a gente tem que fazer face às pressões. Como nunca, fiquei conhecendo, tendo que lidar com pressões de natureza federativa por um lado e, por outro, de natureza regional. No Brasil, as pressões regionais têm um papel determinante: aparecem via lado fiscal, mas têm uma dinâmica própria; nada pode ser compreendido em matéria fiscal se não se compreender a dinâmica política inclusive do desenvolvimento regional. Eu não sei como é na Austrália, mas, aqui no Brasil, têm um papel determinante. Inclusive, na Constituinte, havia uma frente parlamentar que congregava a maioria dos Constituintes, que era do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste - excluía-se o Sul e o Sudeste -, no sentido de defesa de interesses considerados comuns que tinham tradução no voto e que passavam por cima dos partidos ou mesmo de tendências ideológicas e tudo mais. Bem, foi uma experiência vastíssima, que depois ainda continuou quando fui Ministro do Planejamento e Orçamento do primeiro governo do Presidente Fernando Henrique, em que praticamente centralizávamos as questões fiscais, em matéria de políticas, de definições de orientações, inclusive algumas delas que culminaram, anos depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas, finalmente, tive que lidar com a questão fiscal como operador no sentido Executivo. No caso uma prefeitura, que é a de São Paulo e, no caso, o Governo do Estado de São Paulo. E aí lidamos com as coisas práticas também, procurando o sucesso a curto prazo, sem comprometer o longo prazo, um equilíbrio dificílimo de ser feito. E aí, inclusive, a gente pode se dar conta de quais são as tentações em matéria de responsabilidade ou irresponsabilidade fiscal. Aliás, o próprio Estado de São Paulo foi vítima de irresponsabilidade fiscal com vista à maximização de benefícios políticos a curto prazo, e não no meu Governo, que foi o oposto, ou no do Governador do Mário Covas, que também foi o oposto, mas, dependendo de quem foi governador em determinado período, tivemos essa fase. |
| R | Agora, eu quero fazer um comentário a respeito de relações pós-Constituinte em matéria de poder central e Estados e Municípios. Quem responde pela política econômica do País é o Governo central, e o seu desempenho é avaliado pelos indicadores que refletem o conjunto da economia e o conjunto da sociedade. Agora, a redistribuição que a Constituição fez para Estados e Municípios foi fortíssima. Eu era o Relator. Se eu não fosse o Relator na Constituinte, teria sido muito maior, porque, na verdade, o que eu fiz foi resistir às pressões ao longo daqueles anos. Por quê? Por causa das bancadas, das pressões das Bancadas. Mas o aumento foi fortíssimo para Estados e principalmente para Municípios. As avaliações que eu mesmo fiz posteriormente, em trabalhos com José Roberto Afonso, que é outro economista ligado a questões federativas, mostraram que houve uma explosão de gastos de custeio por parte de Estados e Municípios, uma explosão quase atômica de gastos. Na verdade, aquele trabalho, que parece que foi tudo o que se que fez de descentralização na Constituição, acabou sendo comprometido pelo avanço do custeio desproporcional em matéria de taxas de salários e de volume de salários e também pelos efeitos que foram acontecendo - mas isso é só a posteriori - das regras de aposentadoria, das novas regras que não tiveram impacto a curtíssimo prazo; estão tendo agora de longo prazo. E essa é uma questão relevante no Brasil. Estado e Município na média - não estou falando de todos; há exceções, enfim - têm que sempre ser encarados como entes que estão a fim de aumentar o custeio, com boas intenções de políticas sociais, de salários do pessoal e outras condições; mas realmente têm essa propensão. Isso no exercício da política federal, da política econômica federal tem sempre que ser levado em conta. Bem, a finalidade do nosso primeiro seminário creio que foi bastante preenchida pela qualidade dos expositores e pela, diria, novidade do tema. É raro ver esse tema sendo tratado dessa maneira, Dalirio - é raro! E eu acho que nós temos um desafio aqui no Congresso, e os dois Senadores aqui, de tocar esse trabalho para diante, inclusive com vista à elaboração de uma proposta de reforma fiscal do porte daquelas que o Fernando mencionou - e que foram esboçadas já em 1963, no primeiro semestre, por Santiago Dantas, que foi Ministro da Fazenda por seis meses - e às mudanças havidas - mesmo no começo do regime militar, que, em parte, absorveu essas e as que tentamos fazer na Constituinte e depois no governo Fernando Henrique. Mas nós temos que ter uma proposta a esse respeito com profundidade e coragem. E eu creio que temos a base técnica para isso e temos o Senado, que tem capacidade ociosa nessa matéria. Então, é um desafio nosso. Queria agradecer muito ao Prof. Bhajan Grewal e dizer que o consideramos um parceiro do nosso futuro conselho, do nosso futuro trabalho e das propostas que apresentaremos. You are considered our partner. |
| R | Muito obrigado pela atenção. Eu creio que, pelo horário, já não há mais tempo. A menos que alguém tenha uma questão pontual mais precisa, já não há mais tempo para muito debate, dado o horário. E já temos duas horas de reunião. Marcos. O SR. MARCOS KÖHLER - Se o senhor autorizar uma pergunta... O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Sim. Então, uma e ponto. O SR. MARCOS KÖHLER - O.k. O comentário pode ser feito por qualquer um dos expositores. Olhando o Brasil retrospectivamente nas suas tentativas de gerar instituições fiscais hígidas, nós podemos ir bem para atrás: a criação do Banco Central, a criação da Secretaria do Tesouro, a transferência da gestão da dívida para o Tesouro, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, a renegociação das dívidas dos Estados em 1997, com a extinção dos bancos estaduais. Ou seja, nós temos uma coleção de medidas que tiveram essa intenção. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Devo dizer, obra minha particularmente a extinção dos bancos estaduais, a política que levou à extinção dos bancos estaduais. O SR. MARCOS KÖHLER - Exatamente. Mas, quando a gente olha esse inventário de medidas que foram tomadas, a gente pode perceber o seguinte: efetivamente duas delas mexeram, operaram mudanças nos fluxos de endividamento de despesas do Estado. Então, a renegociação de 1997 foi extremamente engenhosa, porque tornou os Estados e Municípios parceiros na geração de superávits. Foi um modelo muito bom, gerou um controle interfederativo da despesa pública geral. A extinção dos bancos estaduais também foi fundamental, nuclear, porque eles eram minibancos centrais independentes, e você não tinha jeito de fazer política monetária no Brasil. A política monetária do Banco Central é toda passiva, com a cobertura dos déficits. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Mas não era só isso; eram fontes de gasto fiscal. O SR. MARCOS KÖHLER - Exatamente. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Porque a minha tese era: por que um governo de Estado tem que ter um banco? O SR. MARCOS KÖHLER - Exato. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Porque é só dor de cabeça. Eu tive que nomear uma diretoria de banco - é dor de cabeça! Ora, a menos que você queira aproveitar politicamente. Se aproveitar politicamente, é má gestão. Então, não fazia sentido existirem banco estaduais, era uma fonte de dor de cabeça do ponto de vista de condições legais. Até hoje uma crise do Banespa, do Banco do Estado de São Paulo, que houve no começo dos anos 90, tem envolvidos até hoje. Gente honesta que apenas estava na diretoria disso ou daquilo. (Intervenção fora do microfone.) O SR. MARCOS KÖHLER - Mas ainda que não houvesse... O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Mas o interessante é que se conseguiu - se conseguiu! O SR. MARCOS KÖHLER - Sim, isso realmente foi uma mudança efetiva naquilo que gera déficit público e gera dívida pública, porque nós temos nesse inventário também um conjunto de medidas, vamos chamar assim, de metamedidas. Então, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece limites máximos ou agora com o teto constitucional, a regra do teto que foi trazida também, são metacontroles, ou seja, eu digo: "Não pode passar daqui." Mas, por outro lado, o que gera esse conjunto de despesas que vai acabar batendo nesse limite? É como uma panela de pressão que está no fogo. A temperatura vai aumentar, e eu coloco uma tampa nela. Mas, se a temperatura continuar a aumentar, não adianta eu ter essa tampa, não adianta eu ter o limite de gasto nem da responsabilidade fiscal, nem do teto constitucional. |
| R | Então, qual é o grande enigma que eu vejo hoje, uma vez que a gente se livrou de bancos centrais independentes estaduais, que eram os bancos estaduais, e se criou um mecanismo, via renegociação da dívida de 1997, para trazer superávits primários em Estados e Municípios? É, de fato, a criação de direitos subjetivos, que são juridicamente garantidos de longuíssimo prazo. Eu estou falando do que aqui? De salário e aposentadoria. Então, não adianta ficar criando metacontroles se a panela de pressão continua sendo aquecida em baixo; uma hora ela estoura. Então, realmente é necessário parar de fazer metacontroles e fazer como se fez: extingua-se o banco estadual, obriga-se Estado a fazer superávit primário. E agora nós temos que cuidar do quê? (Soa a campainha.) O SR. MARCOS KÖHLER - Reforma da previdência e ajuste salarial. É só isso. É o único caminho que vai poder levar a gente para uma estabilidade fiscal de longo prazo. Fora isso, a gente ficar criando mais controles, por mais que isso sofistique a gestão fiscal, esses instrumentos acabam sendo supérfluos, porque a força dos direitos subjetivos - ou seja, cada um tem o direito de ir ao guichê do Governo e pegar o dinheiro - é muito maior do que os metacontroles que se façam. Eu acho que esse é um ponto fundamental. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Embora haja um sopro de pessimismo na sua intervenção, eu acredito que todos os que estão na Mesa concordam, têm a mesma preocupação. Mas foi muito bem posta. O SR. DALIRIO BEBER (Bloco Social Democrata/PSDB - SC. Fora do microfone.) - Tem que diminuir a chama que aquece essa panela de pressão. O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Exatamente. Queria ressaltar aqui também a participação da Consultoria do Senado, que tem muito bom nível no Brasil, inclusive porque pagam bem; há estabilidade e pagam bem. É verdade. Então, muita gente boa, inclusive no plano acadêmico, vem para a Consultoria, faz o concurso, que é difícil. E temos um bom time, embebido de espírito público e de vontade de fazer coisas serem modificadas, de fazer coisas acontecerem. Muito obrigado. E até a próxima a iniciativa que vamos continuar tomando! (Palmas.) (Iniciada às 14 horas e 25 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 26 minutos.) |
