21/11/2017 - 13ª - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da JBS - 2017

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Senhoras e senhores, bom dia.
Vamos dar início à nossa audiência pública com juristas e professores de Direito, que vêm aqui hoje tratar do instituto da chamada delação premiada.
Então, nesse sentido, havendo número regimental, declaro aberta a 13ª Reunião da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, criada pelo Requerimento do Congresso Nacional nº 1, de 2017, para investigar supostas irregularidades envolvendo as empresas JBS e J&F, operações realizadas com o BNDES e BNDESPAR, ocorridas entre os anos de 2007 a 2016, que geraram prejuízos ao interesse público. Além disso, investigar os procedimentos do acordo de colaboração premiada, celebrada entre Ministério Público Federal e os acionistas das empresas JBS e J&F.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para debater o instituto da delação premiada, os impactos no sistema de justiça criminal brasileiro, após quatro anos de sua aplicação, e propor alterações legislativas.
Faço recordar aos nossos Parlamentares que, conforme deliberado em reunião anterior, a lista de inscrição para perguntas aos depoentes ficará aberta para inscrição por uma hora, a partir deste momento.
Então, solicito à Secretaria que conduza à Mesa os convidados: Alexandre Morais da Rosa, Professor Titular de Processo Penal na Universidade Federal de Santa Catarina e Juiz de Direito em Santa Catarina; Prof. Aury Celso Lima Lopes Júnior, Advogado, Jurista e Professor de Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Prof. Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão, Subprocurador-Geral da República aposentado e ex-Ministro da Justiça, aliás Ministro constitucional da Justiça. O Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho está a caminho e, assim que chegar, será convidado para compor esta Mesa.
Conforme já esclarecido, a nossa intenção com esta audiência é colher elementos para o aperfeiçoamento do nosso processo legislativo, no que diz respeito ao instituto das assim chamadas delações premiadas, que nós sabemos que aqui, no Brasil, têm tomado um curso que, do nosso ponto de vista, podem estar fortalecendo a conformação de um Estado policial, de um Estado de exceção aqui, no Brasil, e a necessidade de sua regulamentação se faz premente, urgente e imperativa. Daí o convite a V. Exªs, para que conosco colaborem nesse sentido.
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Por conta de alguns convidados que têm compromissos prementes - e o compromisso mais premente aqui é o do Prof. Alexandre Morais da Rosa, que tem de estar no CNJ dentro de pouco tempo -, vou primeiramente passar a palavra primeiramente a ele. Cada um tem o tempo de 15 minutos, que obviamente pode ser flexibilizado, e, ao final, se possível for, nós abriremos para inscrições e debates acerca do tema daqui da nossa audiência.
Então, sem mais delongas, eu passo a palavra ao Prof. Alexandre Morais da Rosa.
O SR. ALEXANDRE MORAIS DA ROSA - Bom dia a todos os senhores e a todas as senhoras; Sr. Presidente, Deputado Wadih Damous; aos meus colegas de bancada, Ministro Eugênio Aragão; Aury Lopes Júnior, parceiro de muitas jornadas acadêmicas; a todos os senhores jornalistas que aqui estão - Gabi, Patrick, que aqui foi o responsável por me convidarem.
Trabalho como professor de processo penal há uns 15 anos e, atualmente, estou na universidade federal. Desde então, trabalhamos e estudamos a delação premiada, como mecanismo internacional.
Ele surgiu no Direito brasileiro, com uma série de tópicos na legislação esparsa. Surge, todavia, a 12.850. E é ela o objeto da nossa discussão. Algumas coisas da 12.850 não se compreendem, e outras não querem compreender.
O importante desta Comissão é elaborar o que é importante, o que é de fundamental numa delação, se é ou não um instrumento democrático. A resposta parece ser sim. O modo como nós organizamos e o limite que nós vamos aplicar à delação premiada é algo que está em discussão.
A Lei 12.850, elaborada por uma certa inteligência do Poder, regulamentou de modo parcial a delação, e ela tem, nas suas omissões, um espaço de discricionariedade e de ausência de accountability absurdo. É sobre isso que nós precisamos discutir hoje - cumprimento também o Deputado Pimenta - e os limites da delação.
Bom, na ausência de regra, quem tem o poder domina. Esta foi a ideia de criarmos o Estado: para que ninguém pudesse exercer o seu poder de maneira e de modo ilimitados.
A ideia da delação premiada, então, surge como um mecanismo em que possamos regulamentar e trazer para um benefício aquele que colabora. Colabora onde? Numa organização criminosa. Estabelecem que limites? O art. 4º da 12.850 vai dizer que o auxiliar, que orbita numa organização criminosa, pode receber imunidade. O que o nosso Judiciário fez? Não cumpriu a lei.
Então, temos um problema básico agora, com a decisão do Lewandowski, que será trabalhada pelo Aury Lopes Júnior daqui a pouco, que é o fato de termos um novo standard de negociação, porque a primeira coisa que precisa ser pensada é que a delação premiada é um mercado, que pode ser entendido com Alvin Roth, que ganhou o prêmio Nobel de Economia. Você precisa de ter alguém que quer vender e alguém que quer comprar, só que este que quer comprar é o Estado - não é qualquer um -, e nós podemos depender do que quer o procurador, o delegado federal, comprar: "Isso interessa; isso não interessa."
Precisamos ter mecanismos, para estabelecer como, quando, onde e de que modo esse sujeito pode dizer que isso interessa ou aquilo não interessa. De que maneira? De uma maneira tranquila, que é a accountability. Precisamos de transparência. Precisamos de reuniões gravadas com ata e dizer por que aceita uma temática, e não quer outra.
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Sem isso, temos um país que não respeita a democracia, o básico. Eu, você e qualquer um deste País têm o direito de saber por que o Ministério Público quer a informação contra A, e não quer contra B. Isso tem que estar no papel. Isso pode ser objeto de... No final, farei algumas sugestões à 12.850. Mas, hoje, isso já poderia ser, por exemplo, objeto de um decreto presidencial que regulamentasse, no âmbito da Administração Federal, como isso poderia ser organizado no que se refere, por exemplo, à Polícia Federal. Aliás, perde-se quando não há um decreto regulamentando o protocolo de como a Administração Pública Federal, por exemplo, vai se organizar - e isso pode ser feito amanhã.
Então, a minha ideia básica é dizer que a 12.850 é um avanço. Ela tem problemas, sim - problemas graves -, que nós vamos trabalhar daqui a pouco com vocês, mas a sugestão é que nós tenhamos uma lei nova, como se tem dialogado, em que nós possamos estabelecer um modo, como, quem e onde.
Nós temos hoje um problema que é enorme no tocante a quem pode fazer a delação: se são os delegados de polícia ou o Ministério Público. Nós temos que lembrar que o delatado, o delator negocia com quem? Com o Estado. A cara que aparece é a do Estado. Se é o delegado que diz que tem poderes, não vale a teoria da aparência? Ou nós vamos reconhecer que o Estado pode enganar aquele que procura o Estado como um todo para poder fazer delação? Aí nós temos que estabelecer minimamente quem pode, e o Supremo está lá, com a liminar negada, autorizando ao delegado de polícia fazer delação premiada. Se não é feito naquele primeiro momento, por exemplo, quando alguém está preso, pode-se perder uma oportunidade de se pensar do ponto de vista daqueles que defendem a prisão como mecanismo de pressão.
O Deputado Wadih tem um projeto de lei que procura estabelecer limites à autonomia privada. Isso é muito importante, porque pensar Direito Penal, hoje, pressupõe a invasão civilista. Quem não domina minimamente Direito Civil não entende de onde vem o tiro, porque aqui nós estamos trabalhando com termo de delação premiada, que pressupõe o agente capaz. Quem é agente capaz? É aquele que tem condições de negociar. Para quem tem condições de negociar, pouca importa se está preso ou não está preso. O que nós temos que verificar é a autonomia dessa possibilidade de prisão, que é constrangida por mecanismos de manipulação, porque, a depender de para onde o sujeito pode ser transferido, ele pode ter incentivos não previstos em lei para negociar. A prisão e a condução coercitiva, por exemplo, de mulheres e familiares... Se conduzirem minha mulher, ou um familiar, ou qualquer um nesta sala, mesmo sem razões, nós temos um incentivo muito grande a fazer delações. Se não tivermos informação, nós inventamos.
Deputados, quando fizeram aqui - eu vim falar favoravelmente e contra - as dez medidas, uma das questões mais importantes é que eles querem ampliar o prazo de prescrição. Sabem o que isso significa? Um Deputado aqui da Casa, daqui a 19 anos - a prescrição nunca acontecerá -, será chamado porque dois funcionários vão dizer que o senhor roubou um computador, furtou alguma coisa, fez alguma coisa, daqui a 20 anos, o senhor vai ser chamado aqui. "Temos uma delação contra o senhor." E o senhor vai dizer: "Mas não fui eu." Não interessa se foi ou não. Daqui a 20 anos, tu não tens prova; tu não se lembras do dia; tu não sabes de nada. Tu vais ter que confessar, sob pena de receberes uma prisão muito maior.
Então, nós estamos falando de uma coisa séria, e qualquer um pode ser engolfado por uma delação premiada, por um fragmento. Se eu vou ao gabinete de um Deputado com uma mala, esqueço a mala lá e digo que foi dinheiro... Há a imagem - eu entrando e saindo -, e eu digo que foi isso, que havia dinheiro, mas não havia nada na mala. Aí você vai me dizer que isso não é suficiente? Temos visto que há situações avassaladoras em que a ausência de prova tem significado a construção, a venda a descoberto que o Joesley fez, que foi: "Eu não tenho, mas eu posso conseguir. Eu vendo a descoberto." Tudo isso, de alguma maneira - eu estou resumindo -, eu trabalhei num livro, para entender a delação premiada via Teoria dos Jogos, que é uma teoria matemática. Eu sei que não é muito do nosso dia a dia, mas eu trouxe aqui - vou deixar com a Comissão depois - um livrinho para entender isso.
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O que me parece importante no tocante à melhoria do nosso ordenamento jurídico? A primeira coisa é transformar a delação premiada num foco. Não é juízo final, ninguém está sendo julgado - para aqueles que acreditam - para entrar no céu ou não. Daí que a delação tem de se vincular a uma investigação. Eu não posso ter delações nas quais o cara chega e tem de contar a vida inteira, que furtou uma borrachinha lá no primário e, se não contar tudo o que fez na vida, pode ter a delação rescindida.
A questão, desde que nós... Isso é importante, pessoal, porque, desde que nós criamos o nemo tenetur se detegere, ou seja a obrigação de não produzir prova contra si mesmo... É porque, lá na Inglaterra, o sujeito que era investigado era trazido para a frente do juiz, e o juiz dizia: "Conta! Conta!" E o que o cara tinha de fazer? O cara não sabia do que era acusado. Aqui nós... É impressionante: nós estamos em 2017 retomando as mesmas questões básicas de um processo civilizatório. O cara só pode delatar naquilo que ele está sendo investigado. Claro que, se ele quiser acrescentar alguma coisa para poder receber, faz parte do jogo negocial, mas quando você vê o Estado aceitando uma amplitude, querendo que o sujeito entregue sua vida inteira, como se ele tivesse de pagar penitência depois para se libertar e entrar no céu, no paraíso, numa noção moralizante assustadora, isso é violador da democracia. Eu só posso aceitar delações vinculadas a uma investigação. Se eu não tenho investigação, eu não posso jogar verde. Isso é fishing expedition, ou seja, nós temos feito uma coisa que é a pescaria na delação. Isso seria o primeiro modelo a impugnar.
A segunda questão: cláusulas. Qual é a importância do Direito Civil? Lá no Direito Civil, os professores ensinam uma coisa que é a cláusula penal. A cláusula penal é uma cláusula pela qual você, se descumprir o contrato, recebe uma punição. Ótimo. Lá eles estudam e mostram que a cláusula penal não pode ser única. Você tem de ter cláusulas penais: se descumprir isso, acontece isso; se descumprir isso, acontece isso; se descumprir duas, acontece aquilo. Nós temos de pensar em adimplemento substancial, nós temos de pensar em institutos civilistas nessa hora da aplicação.
E mais: nós temos de pensar alguma coisa com a qual o Philipe Benoni, que é um colega de Brasília, trabalha, que é a questão do paraquedas dourado. Se o Estado decide romper a delação, o que acontece com o que ele fez? Ele não recebe mais nada? O Estado pode, em que situações, entender que foi unilateral? Se nós levarmos a sério, inclusive, o Direito Civil, o sujeito não pode materialmente renunciar a um contrato, tem de haver uma rescisão judicial - aliás, como o Supremo disse na Adin que se refere à aplicação do Código de Processo Civil e do Código Civil.
Então, nós temos aqui um novo indicativo: nós precisamos ter as cláusulas autorizadas e as cláusulas negadas. Só que há um problema, colegas, que é o seguinte. Fiz referência ao art. 1º. O Joesley nunca, jamais, poderia ter recebido imunidade, isso está na lei. O que acontece é que o Supremo foi constrangido a não cumprir a lei.
Sabem como isso aconteceu? Isso é rapidinho para vocês. Quando apareceu a primeira delação, do Paulo Roberto Costa, que eu acabo narrando no livro, do que o Ministério Público precisava? Que alguém abrisse o saco. Eu e o Aury escrevemos um texto sobre isso, sobre a fixação de preço.
Conforme a 12.850, o que você pode receber? Um benefício de redução da pena de dois terços até metade. Isso, no Direito Penal, acontece depois da condenação, na terceira fase da aplicação da pena. Então, o juiz aplica a pena base, as agravantes e atenuantes, e reduz a pena.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ALEXANDRE MORAIS DA ROSA - Isso faz com que nós tenhamos o quê? Na terceira fase da aplicação da pena, a redução. Mas olhem só: nós temos que confiar que o juiz vai aplicar pena baixa.
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O que os advogados fizeram naquele momento? Paulo Roberto Costa, que foi o primeiro a delatar, vem e diz: "Eu abro o saco, vou contar tudo, mas eu quero uma pena diferenciada." Isso tem previsão na Lei nº 12.850? Não. No sistema americano há, o plea bargaining ad hoc. Lá você constrói as cláusulas que quiser, numa discricionariedade absoluta. O que ele fez? Ele contou tudo e fez isso. Olhem a Nota de Rodapé nº 1 da delação premiada do Paulo Roberto Costa, que exclui os familiares!
Isso significa o quê? Significa que nós temos uma delação feita fora do Poder Judiciário, sem a participação do juiz, que é trazida para homologação nesses termos. O que o Judiciário faz? Ou homologa, ou não vale nada. Então, o Judiciário, de alguma maneira, se sentiu colocado contra a parede e começou a homologar. Ocorre que, quando ele começa a homologar, cria-se um standard diferenciado, que agora o Supremo Tribunal Federal criou, de que o Ministério Público pode negociar toda e qualquer cláusula, até a decisão do Lewandowski, que será tratada pelo Aury daqui a pouco.
O problema é que nós criamos um standard de boa-fé objetiva em relação àquele que delata, e, agora, de uma hora para outra, o Supremo decide que não pode como era antes. Como você cria mecanismos de boa-fé? Nesse sentido que me parece é o da nova legislação: o Supremo, reconhecendo que valeu até tal data e que, de lá em diante, não valerá mais, poderá estabelecer os limites das cláusulas.
Regulação da prova ilícita. É importante estabelecer um controle de prova ilícita, porque na negociação não há.
A formalização dos atos de negociação, o trajeto da negociação. Isso eu sugeri ainda há pouco ao Deputado Wadih, ou seja, que nós fizéssemos. Isso já pode ser feito por um decreto presidencial regulamentar. Nós teríamos o quê? Accountability. Alguém pediu um acordo de delação? Que isso seja formalizado por um ato público, que seja construído. Alguém pediu. Porque, hoje, os senhores não sabem, eu não sei, não há em lugar algum como é que o senhor pode pedir ao Ministério Público para fazer uma delação premiada. Bate na porta? Faz um requerimento em três vias? Não há regulamentação nenhuma.
Como é que eu posso fazer isso? Eu posso regulamentar que eles sejam obrigados a formalizar, e essa formalização é necessária para que nós tenhamos transparência e accountability, para dizer: "Esse me interessa; esse não me interessa." E por quê? Nos atos da democracia nós precisamos de informação.
Nós precisamos também, no sistema nacional, pelo menos, um banco nacional de delações, que se formalize, para que ninguém possa suplantar um pelo outro - no livro, eu acabo falando sobre isso - e a regulação das cláusulas penais daquilo que pode ser feito ou não pode ser feito de maneira mais estabilizada.
Por fim, eu sugiro, no livro, que nós tenhamos a possibilidade de criar protocolos definitivos em relação ao modo como nós faremos a delação premiada. Entender que...
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE MORAIS DA ROSA - Perdão.
Entender que a existência de regras na legislação não é causa suficiente. Nós precisamos, além das cláusulas, de uma atitude dos operadores em cumprir em regras.
A Lei nº 12.850, mesmo naquilo que era favorável, não foi cumprida pelas práticas negociais estabelecidas nesse novo mercado. Daí que é importante que nós possamos estabelecer mecanismos de cumprimento, mecanismos de punição, inclusive no tocante a vazamentos.
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O que importa aqui é que cada agente público, em uma democracia, possa ter os seus atos verificados com transparência. Hoje, nós não sabemos. Há uma opacidade muito grande sobre o modo, o meio, aquilo que funciona como blefe, como ameaça no tocante às pessoas, às negociações de delação e fundamentalmente com quem está preso. Essa é a minha proposta a vocês. Eu posso transformá-la em mecanismos mais tópicos, no tocante à melhoria do nosso sistema de delação, de que eu sou favorável, do ponto de vista mundial, desde que nós tenhamos regras claras e regras obedecidas, o que não tem sido a prática nem da 12.850 nem da legislação promovida anteriormente.
Muito obrigado por terem me ouvido.
Muito obrigado, Deputado Wadih. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Obrigado Prof. Alexandre Morais da Rosa.
De imediato, eu passo a palavra ao Dr. Eugênio Aragão.
O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - Bom dia, senhoras e senhores.
É uma satisfação estar aqui com as senhoras e com os senhores para podermos falar da nossa contribuição para esse debate sobre a delação premiada.
A nossa delação premiada tem muito em comum, na legislação comparada, com o modelo que foi introduzido na Itália na década de 90. O art. 416-BIS do Código Penal italiano, porém, trata a aplicabilidade de uma forma diferente, porque ali se define o que é organização criminosa para o efeito do cabimento da delação premiada. A delação premiada, chamada no Direito italiano de collaborazione premiata, está no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais, mas o Código Penal trata da definição de organização criminosa, que é resgatada para o efeito de delação premiada.
Como na nossa Lei 12.850, o art. 1º trata de definir o que é organização criminosa, ou seja, para efeito de cabimento daquele instituto, porque a delação premiada, tradicionalmente, pelo menos no modelo italiano trazido para nós, é um mecanismo de investigação para organizações criminosas. A diferença daqui é que, na Itália, as organizações criminosas em que se admitem esse tipo de dispositivo são apenas aquelas que têm o uso da violência na sua prática. Então, são as organizações de tipo mafioso e organizações terroristas. É o típico problema italiano da década de 80, década de 90, da repressão tanto da máfia quanto das Brigate Rosse, as Brigadas Vermelhas.
E isso tinha uma razão de ser: os partícipes dessas organizações sabiam que as práticas dessas organizações eram violentas não só para fora, mas para dentro também. Por qualquer tipo de conduta suspeita, um partícipe de uma organização dessa poderia simplesmente de amigo virar inimigo dos seus membros, e a sua família e ele mesmo corriam risco de vida.
Então, muitos deles que tinham simplesmente a intenção de abandonar esse tipo de vida, até pela segurança da sua própria família, se viam na contingência, eventualmente, de sofrer retaliações por isso - basicamente, a quebra do princípio da Omertà na máfia, ou realmente a traição política, no caso das organizações terroristas. Na verdade, o que fazia essas pessoas procurarem o Estado era o medo de suas organizações. Eles iam para o Estado pedir socorro para que o Estado pudesse lhes dar uma nova identidade, mudar o seu domicílio e lhes proporcionar proteção. Esses eram os chamados pentiti, os arrependidos. Então, para que a pessoa pudesse se beneficiar desse instituto da delação premiada, da colaboração premiada, tinha que ser um egresso arrependido.
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E isso faz sentido. Há uma troca, vamos dizer, uma troca legítima não diria de favores, mas pelo menos de vantagens, enquanto o arrependido recebe a sua segurança pelo Estado. Inclusive, até o Código de Execução Penal italiano prevê, a Lei de Execução Penal, prevê a amenização do regime de reclusão e também não só isso, como prevê que para aqueles que são das organizações mafiosas o regime de reclusão é parecido com o nosso regime diferenciado, aqui no Brasil. Então, isso por si só, obter esse favor estatal já era um grande prêmio.
Aqui no Brasil, a Lei 12.850 introduz uma definição de organização criminosa em que cabe tudo. Eu costumo dizer que teoricamente a loja de tecidos do Sr. Salim, no Saara do Rio de Janeiro, pode ser tida como organização criminosa. Por quê? Se o Sr. Salim sistematicamente vem a sonegar ICMS e lá dentro emprega seu genro, sua filha e sua esposa - ele cuida do estoque, a esposa cuida do caixa, o filho cuida das entregas e a filha cuida das vendas, cada um tem sua atividade -, portanto, temos uma organização estruturada, com divisão de tarefas e voltada à prática do crime, que é o quê? Sonegação de ICMS. Então, isso é uma organização criminosa, a lojinha do Sr. Salim. Isso significa também que a polícia e o Ministério Público poderão, numa situação absolutamente prosaica como essa, aplicar esses institutos gravíssimos.
Portanto, nós temos um problema sério na definição do que é organização criminosa. Vamos dizer, a norma internacional, começando pela própria Convenção de Palermo, prevê esses institutos para organizações que usem de violência. Então, essa generalização do uso da delação premiada distorce o seu sentido, porque, na verdade, quem vai hoje buscar o Ministério Público para fazer uma delação premiada não está preocupado com sua segurança pessoal em face de alguém da sua suposta organização. O Sr. Salim não está preocupado em ser retaliado por sua esposa ou por seu genro; o Sr. Salim está preocupado é com o Ministério Público e preocupado com o Estado. Ou seja, a violência não vem da organização; vem do Estado. E o que o Sr. Salim vai querer é simplesmente continuar a ter a sua vidinha.
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Então, a pessoa vai para o Ministério Público para manter o seu modus vivendi; quando se trata de um grande empresário, poder continuar bebendo seu uísque de 30 anos, morando na sua cobertura triplex na Barra da Tijuca. É para isso que ele vai para o Ministério Público. Ele não vai para o Ministério Público porque está sendo ameaçado. Então, ele não tem uma razão de ser para delatar que seja um móvel inerente seu. Não. Na verdade, quem está mais interessado na sua delação do que ele, para se salvar, é o Estado, e o Estado se utiliza de mecanismos de pressão. Fazem parte do jogo os mecanismos de pressão, e a prisão é apenas uma delas.
É engraçado porque o pessoal da força-tarefa costuma dizer que a prisão não é um mecanismo de pressão porque a maioria dos delatores não estava presa quando delatou. Bom, não precisa estar preso para se sentir sob pressão da Lava Jato, porque a Lava Jato trabalha com mídia, ou seja, destrói a reputação das pessoas; a Lava Jato ameaça a família, porque normalmente, quando os recursos são desviados, muitas vezes os familiares sabem disso ou são os diretos beneficiários desses recursos desviados; além de ameaçar a família, ameaça o modus vivendi do sujeito.
Ele tem várias razões que não a sua segurança pessoal, a sua vida para querer, digamos, colaborar com o Ministério Público. E são razões que não têm a mesma legitimidade, porque o Ministério Público acaba se utilizando do mecanismo de pressão sobre essas pessoas, que é simplesmente natural nessa situação. Você vai querer criar um, vamos dizer, ambiente propício à negociação. Claro que o sujeito não tendo razões para entregar sua família, para entregar seus amigos, para entregar sua cercania vai ser levado a essa circunstância. Então, isso acaba prejudicando enormemente esse instituto, ele acaba sendo distorcido. Não que ele não tenha seu valor, mas esse valor tem de ser circunstanciado.
Há outro problema que já foi aqui levantado pelo Dr. Alexandre, que é a questão, vamos dizer, dessa liberdade que o Ministério Público e a polícia têm nessa negociação, ou seja, a falta de balizamentos para essa negociação. E aí a minha preocupação principal é com a falsa interpretação que hoje é corrente na corporação do Ministério Público em relação à chamada independência funcional.
Em primeiro lugar, nós temos de saber que a independência funcional de um membro do Ministério Público é ontológica e teleologicamente diferente da independência de um juiz. Não é a mesma coisa. E por quê? O juiz baliza sua independência em duas teses: a tese do autor e a tese do réu. O juiz é independente dentro da lide, dentro do espaço da lide; o juiz não pode decidir fora da lide, extra petita; ele decide dentro daquele espaço, ele tem um espectro no qual ele pode andar. Existem várias teses que ele pode adotar, mas delimitado pela tese do autor e pela tese do réu. O Ministério Público, no uso da sua liberdade, não tem esses balizamentos, porque o Ministério Público tem iniciativa. Então, qual é o balizamento do Ministério Público nessa independência funcional? Não pode haver, num Estado de direito, qualquer tipo de poder correndo solto, sem qualquer balizamento na sua atuação, não é? A bola de gude em boca de banguela. Não pode haver isso.
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Como é que o Ministério Público baliza a sua independência funcional? A Constituição dá a saída para isso. Está no art. 127. O art. 127 da Constituição diz que o Ministério Público se rege pelos princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional.
A independência funcional do Ministério Público, vamos dizer, não é uma prerrogativa individual do membro do Ministério Público, mas é um princípio da gramática institucional, é princípio institucional. Significa que a independência funcional diz respeito ao funcionamento interno do Ministério Público, significa que o membro do Ministério Público não pode ser, vamos dizer, viciado na sua vontade, ou seja, eu não posso ser obrigado a fazer aquilo que eu não quero. Mas um membro do Ministério Público tem que se submeter à coordenação, tem que se submeter à indivisibilidade.
Na verdade, a indivisibilidade é um problema sério, porque, no Ministério Público, até hoje existe quem entenda que existe um Ministério Público acusador e um Ministério Público custos legis, quando, na verdade, tem que ser os dois. O Ministério Público, quando acusa, ele é o custos legis, ele tem que saber que sua tese de acusação é provisória. Ele pode ter que pedir a absolvição.
Aqui, os nossos, não. Dizem assim: "Eu sou o acusador. O custos legis é o colega lá no tribunal, na segunda instância. Ele depois vai verificar se a gente agiu dentro da lei, mas eu sou só acusador." Não! Todo membro do Ministério Público é, ao mesmo tempo, custos legis, porque a acusação não é uma atividade de um Ferrabrás simplesmente, a qualquer preço. Acusação é algo que tem que ser balizado naquilo que nós chamamos de verdade provada - eu não gosto da expressão "verdade real", porque, na verdade, "verdade real" é uma expressão confusa, mas verdade provada.
Então, se o Ministério Público não consegue a prova daquilo que ele afirmou, ele tem que reconhecer que o réu simplesmente tem que ser absolvido, e não forçar, através de puxadinhos interpretativos, uma prova para condenação, como vem fazendo. Então, a indivisibilidade é fundamental para se ligar com a independência funcional.
E a unidade é o poder de coordenação que tem que ser respeitado internamente. Se há uma questão fechada para uma câmara de coordenação, que a atuação do Ministério Público deverá seguir uma determinada linha, os colegas que estão sob essa coordenação assim deverão fazer. Se eles não concordarem com isso,...
(Soa a campainha.)
O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - ... eles passam a bola. Mas não podem dizer: "Eu vou fazer do meu jeito, porque eu sou o herói."
O Ministério Público, rigorosamente, não deveria ter espaço para os "dallagnóis", não deveriam ter espaço para o eu herói, o eu, eu e eu sozinho, porque isso vai contra a própria gramática da unidade, indivisibilidade e independência funcional que está integrada dentro desses três valores. Então, há uma errônea interpretação dessa independência funcional que gera todas essas distorções.
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Eu só queria abordar mais um assunto rapidamente, que é a questão da força-tarefa. Forças-tarefas entre Ministério Público e polícia, com envolvimento do juiz, são inconstitucionais. Por quê? Nós temos no Brasil um sistema processual penal muito diferenciado do de outros países, porque temos três atores nesse processo extremamente empoderados.
A polícia, no Brasil, não está subordinada praticamente a ninguém e tem uma corporação musculosa. É mais fácil o Ministro da Justiça cair, porque se desentendeu com a Polícia Federal do que o Diretor-Geral da Polícia Federal cair. E nós já vimos isso aqui em relação, por exemplo, ao Senador Paulo Brossard, que se desentendeu com Romeu Tuma na época do governo Sarney. Sarney, então, para deixar o Senador Paulo Brossard, vamos dizer, com sua face salva, levou-o para o Supremo Tribunal Federal. Ele foi para o Supremo Tribunal Federal, porque ele não tinha mais espaço no Ministério, porque ele bateu de frente com a Polícia Federal. Então, hoje, no Ministério da Justiça, é mais fácil a Polícia Federal criar um problema para um Ministro do que o Ministro criá-lo para a Polícia Federal. Então, nós temos um ator ali extremamente empoderado.
Nós temos um Ministério Público que ninguém controla, nem o CNMP, porque o CNMP, na verdade, é prata da casa. Os conselheiros do CNMP, na sua grande maioria, saem do próprio CNMP. Então, fazem aquilo que o consenso corporativo comanda.
E, finalmente, nós temos, então, também um Judiciário que, diferentemente do de outros países, não está subordinado ao Ministério da Justiça, a coisa nenhuma. O Judiciário brasileiro, hoje, tem, inclusive, iniciativa de lei, tem seu próprio orçamento etc., etc., etc.
Então, são três atores muito empoderados. Só se controla a atuação desses atores na medida em que você cria uma cadeia de responsabilidades. Isso significa que, se a polícia se exceder, eu recorro ao Ministério Público ou ao juiz; se o Ministério Público se exceder, eu recorro ao Judiciário; se o juiz se exceder, vou para a segunda instância.
Agora, se eu crio três atores mancomunados numa chamada força-tarefa, juiz, Ministério Público e polícia, quem vai controlar o quê? Onde é que o investigado vai se queixar? Ele está entregue, simplesmente está entregue ao arbítrio, porque não há quem acolha qualquer tipo de reclamação dele. Então, isso faz com que se frustre completamente o acesso à Justiça e, por isso mesmo, é inconstitucional, porque nenhuma lesão de direito poderá ser considerada para o Poder Judiciário.
E, aqui, nós temos um problema. Nós vimos isso hoje. Quando o Sr. Moro cria algum problema, o próprio TRF é o primeiro a dar razão para ele. Inclusive, o Presidente do TRF4 chegou a dar razão ao Moro, dizendo claramente que nem leu a decisão. Mas já deu razão! Ele disse: "Não! Está certíssima a sentença do Moro." "O senhor leu a sentença?" "Não, não a li, não, mas ele está certo." Quer dizer, já se vê claramente uma postura de parti pris. Ou seja, isso faz o quê? Isso frustra o acesso à Justiça. E é claro que, com a midiatização dessa atuação, o que acontece? Até as instâncias superiores se amedrontam, porque o que o Judiciário tem de mais precioso é sua aura; sua aura diferenciada, de serem vestais. E, no momento em que a imprensa expõe e eles vão contra essa opinião pública, eles têm um problema sério de imagem.
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Então, isso faz com que, nesse contexto, delações premiadas passem a ser um instrumento político, extremamente politizado. Afora, como disse o Dr. Alexandre, que a gente não sabe ao certo como essa negociação foi feita, porque tudo isso é mantido em sigilo; a gente sabe o resultado. Está ali o depoimento. Mas como é que você obteve esse depoimento? Quais foram as tratativas?
Nós tivemos, alguns dias atrás, aliás, alguns meses atrás, a situação de um Procurador da República, que, aliás, já esteve aqui, o Dr. Ângelo Goulart. O que o Dr. Ângelo Goulart fez? O Dr. Ângelo Goulart estava presente, a pedido do próprio colega, em uma reunião com os diretores da Eldorado, em que eles estavam tratando... Os diretores da Eldorado foram se queixar ao Ministério Público, pedindo arrego, porque, com o congelamento dos bens da empresa, eles estavam inclusive sem poder pagar a folha de pagamento. E o colega que estava tratando ali com a Eldorado dizia: "Quanto é que vocês querem que eu libere para vocês falarem?" Isso tem um nome: isso é um achaque. Aí, o Dr. Ângelo, presenciando aquela cena, saiu, se afastou, ligou o celular dele, voltou e gravou a reunião. Gravou a reunião e entregou a gravação ao advogado da empresa.
Ora bolas, não há nenhuma quebra de sigilo nisso! O que está errado é o Ministério Público tratar conspirativamente essas reuniões. Porque o que o Dr. Ângelo fez foi garantir um direito ao advogado, que deveria estar presente nessa reunião com os seus clientes, e não estava. Então, era direito do advogado saber o que tinha sido tratado naquela reunião. E, curiosamente, até hoje essa gravação não surgiu ainda. Porque eu tenho certeza de que essa gravação, que está no celular do Dr. Ângelo, deve conter coisas muito desagradáveis para quem estava fazendo essa tratativa com a Eldorado, precisamente este tipo de achaque: "Quanto é que vocês querem que eu libere para vocês falarem?" Então, é assim que o Ministério Público trabalha? O Ministério Público não pode se transformar em moleque. Não é por aí que se cria... E deve-se criar um ambiente favorável a uma delação.
E por isso, Deputado Marun, eu acho importantíssimo que, antes de mais nada, se determine que todos os protocolos - todos, todos os protocolos! - sejam gravados; gravados por mídia, ou seja, devidamente filmados. Todas as negociações. Ninguém pode falar com o Ministério Público sem que esteja gravado e que isso esteja nos autos. E sujeito, claro, sempre à revisão judicial, sempre ao controle jurisdicional, porque a palavra final em qualquer acordo deve ser do juiz. Ou seja, o Ministério Público prepara a negociação, mas quem deve bater o martelo da negociação é o juiz.
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Por isso seria interessante até mesmo que essas delações, quando houvesse, fossem repetidas na frente do juiz, na presença do advogado, precisamente para evitar esse tipo de situação que nós já vimos. Não, não, não precisa, como no caso da Meire Poza, não é isso? "Não precisa trazer seu advogado. Melhor que você venha aqui sem o seu advogado." O que é um absurdo! Até esse tipo de recomendação! Isso aí não foi no Ministério Público, foi na Polícia Federal. Disseram para ela não ir com advogado, porque senão isso pioraria as coisas. Olha em que pé nós chegamos. Então, essa atuação conspirativa do Ministério Público e da polícia precisa ser coibida, porque isso acaba ferindo a própria imagem do órgão, da instituição.
É isso o que eu tinha que dizer.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Muito obrigado, Dr. Eugênio Aragão.
Eu passo a palavra agora ao nosso convidado, o Prof. Aury Celso Lima Lopes Júnior, para fazer as suas considerações acerca do nosso tema.
O SR. AURY CELSO LIMA LOPES JÚNIOR - Bom dia a todos.
Inicialmente eu gostaria de agradecer o convite do Deputado Wadih Damous e do Patrick; saudar meus companheiros de Mesa, Deputado Carlos Marun e Dr. Eugênio Aragão; também quero fazer uma saudação especial ao Deputado Paulo Pimenta e ao Senador Lasier Martins.
Excelências, eu vim aqui hoje para falar um pouco sobre delação premiada, de certa maneira complementando essas falas, que vêm na mesma linha, e inicio dizendo o seguinte: precisamos urgentemente de uma lei específica só para delação premiada que unifique os diferentes dispositivos que nós temos, porque nós temos delação premiada prevista na Lei 12.850, na lei de tóxicos, na lei dos crimes hediondos, esparramada. Nós temos de ter uma lei específica que discipline os limites da delação e principalmente que deixe claro o que não se pode fazer no âmbito da delação, porque ao que nós mais estamos assistindo hoje no Brasil são excessos nas práticas negociais. A Lei 12.850 sofre, Deputado, de uma carência normativa, uma insuficiência normativa; ela não tem suficiência normativa e infelizmente abriu um espaço impróprio para que o Ministério Público, com a conveniência e conivência de alguns juízes, se arvorasse como o senhor soberano da negociação, contrário a toda tradição do processo penal brasileiro.
Aqui é importante que os senhores compreendam que o modelo brasileiro, que tem a matriz romano-germânica, não tem absolutamente nada que ver com o modelo de Ministério Público saxão, que eles estão tentando importar a fórceps e conforme sua conveniência. Isso aqui não é um ministério público que possa negociar. O Ministério Público no Brasil está disciplinado por regras como obrigatoriedade da ação penal e indisponibilidade da ação penal; não há esse poder negocial.
Dentro dessas ilegalidades, é importante começar compreendendo o seguinte: a delação é muito importante. O instituto da delação premiada é muito importante, mas não podemos pactuar com os excessos. E isso não significa ser a favor da impunidade, não vamos fazer esse reducionismo. Criticar o instituto da delação não é fazer um manifesto a favor da impunidade, mas, sim, de respeito às regras do jogo.
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Mas é preciso compreender duas variáveis: ou você tem um Estado negociando com alguém que é um criminoso confesso. E aí vem uma pergunta básica: por que o Estado vai negociar com alguém que é um criminoso confesso? Exatamente porque o Estado falhou na sua necessária e no seu poder de investigar e de apurar crimes. Se você Estado tem provas suficientes você não senta para negociar com delinquente, você pune o criminoso.
Então, a banalização da delação, como se tem visto no Brasil, é o reconhecimento da incompetência do Estado em investigar e apurar crimes, e, por conta dessa incompetência de investigar, tem que negociar com criminosos confessos. Isso é algo que tem que ser pensado, porque nós estamos banalizando e achando que a delação é um atalho, porque o Estado não precisa mais investigar.
Segundo ponto, que é uma outra situação: o Estado negociando, muitas vezes, com alguém que é inocente e que se vê na necessidade de negociar para não sofrer uma pena injusta ou desproporcional. Bom, o modelo americano do plea bargaining está repleto de exemplos de pessoas inocentes que assumiram crimes que não praticaram por medo de uma punição excessiva, desproporcional, injusta. No Brasil, basta nós olharmos: a regra tem sido muito claramente passada por alguns juízes.
Nós temos lá a pena com a função de prevenção geral, de prevenção especial, e, agora, criaram a prevenção negocial. Significa dizer o quê? Imposição de penas altíssimas a quem não está disposto a colaborar, a delatar, passando um recado muito claro: "Se você delatar, você vai gozar de muitas benesses; agora, se você não delatar e não negociar, você vai sofrer a mais dura e exemplar punição." Isso tem feito com que pessoas tenham delatado crimes que não conheceram, que não conhecem, que não praticaram, entregando e delatando terceiros que não estão envolvidos, para ter munição para negociar por medo de uma punição excessiva. Isso é muito preocupante.
Também estão usando a prisão cautelar como instrumento de tortura, sim. É uma tortura real; é uma tortura física e psicológica. E é por isso, Deputado, que nós temos de ter muito cuidado com essa história da prisão cautelar e da delação, porque a verdade é a seguinte: o próprio Ministério Público, um Procurador da República já deu uma entrevista que ficou conhecida por todos em que ele diz: "Em crimes de colarinho-branco, onde existem rastros, mas pegadas não ficam, são necessárias pessoas envolvidas com o esquema para colaborar." E ele diz mais: "E o passarinho, para cantar, precisa estar preso." Essa frase ficou célebre: "Passarinho, para cantar, precisa estar preso." Isso é assumir que estamos prendendo, para forçar a delação; que estamos ameaçando com a prisão, para que haja a delação; e que estamos soltando com a promessa da delação.
Então, quando o Ministério Público Federal diz que uma parcela imensa dos delatores estava em liberdade, isso é uma mentira. Nós temos que investigar, dentro desse universo, a quantidade de pessoas que fizeram a delação e foram soltas, que foram soltas para delatar ou que delataram para não serem presas. É uma falácia essa ideia de que a imensa maioria das delações foi feita em liberdade. Isso é um constrangimento situacional que nós precisamos estudar de forma mais aprofundada.
Já se chegou, inclusive, ao absurdo de o Ministério Público fechar um termo de compromisso de colaboração com o ex-Ministro Guido Mantega, completamente à margem da lei, tanto é que não foi homologado. Esse acordo é exatamente o quê? O acordo era: "Eu vou ajudar, mas não peçam a minha prisão." Isso é assumir que estão usando a prisão cautelar para forçar a delação, a ponto de se fazer uma negociação de colaboração para evitar a prisão. Esse foi o objeto. Isso é assumir a degeneração da prisão cautelar.
O Ministério Público, Excelências, pode muito, mas não pode tudo. O problema é que ele está avocando para si um poder soberano e para além dos seus limites de atuação, e nós precisamos ter muito cuidado, porque isso não é democrático. Essa é a questão. Punir é necessário e punir é civilizatório, mas é preciso respeitar a regra clara do jogo, porque, se virar vale-tudo, nós vamos ter um modelo aqui de que realmente todos vamos nos arrepender - e já estamos começando a nos dar conta disso.
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Diversas ilegalidades são praticadas nos acordos. Há um estudo muito interessante do Prof. Thiago Bottino que vai na mesma linha. Se nós pegarmos a delação, por exemplo, de Paulo Roberto Costa, veremos cláusulas escancaradamente ilegais. Primeiro, substituição da prisão cautelar por prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica: ilegal, viola os arts. 317 e 318 do CPP, porque não é uma situação de prisão domiciliar.
Segundo, limitação do tempo da prisão preventiva cautelar, independentemente da efetividade da colaboração em 30 dias: ilegal, a preventiva no Brasil não tem prazo máximo de duração para ninguém; não poderia ter aqui.
Terceiro, fixação do tempo máximo de cumprimento do restante da pena: isso aqui tem sido recorrente nos acordos, independentemente da pena cominada na sentença. Depois, eu vou falar desse atropelo. O Ministério Público não tem poder sobre pena, mas está estabelecendo pena, está estabelecendo cláusulas assim: "Você vai ficar preso no máximo de três a cinco anos, independentemente da pena que o juiz fixar." Isso é absolutamente ilegal! E ainda mais: cumprindo regime semiaberto, independentemente da quantidade de pena, qualquer que seja a quantidade do regime aberto. Mas como? O art. 33 é muito claro: até quatro anos, substitui; de quatro a oito, é semiaberto; de oito para cima, é fechado. O MP não pode fazer isso.
No acordo do Alberto Youssef, nós encontramos a mesma previsão: tempo máximo de cumprimento da pena, independentemente de o que o juiz fixar, de três a cinco anos, com progressão automática, ilegal, do fechado para o aberto. Ilegal, porque não pode haver progressão per saltum. E aí o acordo diz, expressamente, mesmo que não estejam presentes os requisitos legais. Isso é assumir que você vai progredir contra a lei. É uma cláusula absolutamente ilegal.
Olhem que interessante é esta cláusula aqui do acordo do Alberto Youssef. Olhem que fantástico: a permissão de utilização pelas filhas do colaborador de bens que são declaradamente produto de crime - produto de crime tem de ser sequestrado, arts. 125 a 127. É criminoso! - durante o tempo em que ele estiver no regime fechado.
Esta é outra cláusula fantástica: liberação de quatro imóveis e de um terreno - que seriam destinados para pagar multa compensatória - sempre que o auxílio do colaborador superar 50 vezes o valor do imóvel. Explico: cada vez que a delação permitir uma recuperação de 50 vezes o valor de um imóvel, libera-se um imóvel. Isso é absolutamente ilegal!
No acordo do Pedro Barusco: cumprimento de todas as penas em regime aberto diferenciado. Só um detalhe que vou antecipar. Sistematicamente, ouve-se falar em regime aberto diferenciado, regime semiaberto diferenciado. Diferenciado do quê? Do que está na lei, porque a lei não conhece, porque o Código Penal nunca viu. É absolutamente ilegal!
E aí segue: dois anos, independentemente da pena que venha a ser aplicada, cumulação de prestação de serviços à comunidade, o que não podia; obrigação de o MPF pleitear que não sejam aplicadas sanções ao colaborador ou às suas empresas - o MP não pode fazer isso - nas ações cíveis e de improbidade. Improbidade administrativa é indisponível. O MP não pode se comprometer a não perseguir a improbidade. Absolutamente ilegal! Isso rompe com a relação custo-benefício estabelecida na lei.
Mas não são só essas. Nós encontramos o Ministério Público se obrigando a conceder perdão judicial. Isso não é poder dele. Está aqui e eu mostrei. Isso aqui é um acordo de delação premiada feito que tem uma cláusula fantástica em que o colaborador se obriga, Senador, a não frequentar casas de jogos e prostituição. Isso não tem nenhuma relação com o clima econômico. É uma cláusula moral, de conteúdo moral feita ao bel criterio do moralista de plantão. Isso não está na lei. Estamos confundindo legalidade com moralidade.
Quem decide sobre pena é juiz. Quem fixa a pena é juiz. O que a lei permite é que você tenha uma redução de até dois terços, mas o MP não pode dizer que a pena vai ser de x anos e nem que a pena vai ser no máximo de dois anos. Isso é completamente ilegal! O limite que a lei determina é o de dar redução de até dois terços, mas quem fixa a pena é o juiz. Não pode criar regime semiaberto diferenciado, aberto diferenciado. O MP não pode fazer acordo, como eu tenho aqui na mão, fixando uma pena de 15 anos. Quem fixa a pena é o juiz.
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E mais: é ilegal o juiz que homologa isso. E aí é exatamente o que o Dr. Eugênio estava falando, cria-se um consórcio de justiceiros e um pacto da mediocridade. O MP faz um acordo ilegal; não vai recorrer, porque não tem interesse; o juiz homologa; e a defesa numa das cláusulas se compromete a não recorrer, está proibida de recorrer. Então, é o pacto da mediocridade. Isso acaba ali, tudo ilegal, acabando ali. Absolutamente constitucional, tira a competência do Poder Judiciário para revisar. Então, Excelência, nós temos de ter cuidado.
Quer ver outro exemplo? Prazo para oferecimento da denúncia. A lei fala que o MP pode dizer que vai suspender o oferecimento da denúncia por até seis meses, prorrogáveis por mais seis meses. Há a PET 7.265, o caso da delação de Renato Rodrigues Barbosa. Cláusula: o MP se obriga a suspender por dez anos o processo, e, transcorridos dez anos sem a prática de fato que justifique a rescisão, voltará a fruir prazo. De onde se tiram dez anos, quando a lei fala em seis meses? De onde o MP pode criar causa que interrompa prescrição ou que faz com que volte a correr prescrição? É absolutamente ilegal!
Vou fazer aqui um manifesto expresso e escancarado: está completamente correto o Ministro Lewandowski quando se recusa a homologar essa delação. A decisão do Ministro Lewandowski acendeu um sinal vermelho. É preciso que todos leiam a decisão e se deem conta das ilegalidades que estão sendo praticadas. Inicia o Ministro Lewandowski, nessa decisão que não homologa a delação do Renato Rodrigues Barbosa, dizendo uma primeira coisa: nós lidamos no modelo de matriz romano-germânica, que não comporta e não recepciona esse poder negocial do Ministério Público, de um superministério público, do modelo anglo-saxão. Não interessa se nós gostamos ou não!
Só um parêntese: não se pode falar em Direito Comparado sem saber Direito e saber os limites da comparação, é uma questão metodológica. Eles estão trazendo cláusula do sistema americano à la carte, de forma completamente incompatível com a matriz do nosso sistema. O Ministério Público já chegou ao limite de não só trabalhar com delações ilegais como ao de até mesmo legislar, propondo lei e propondo um pacote que não são só de dez medidas. São dezenas de medidas que são não só contra a corrupção; afetam todo e qualquer crime, é uma legislação à la carte, ao gosto do acusador. Era o que faltava.
Mas vamos seguir o baile, porque as coisas vão bem além.
Nós temos aqui, como diz o Ministro Lewandowski, uma manifestação expressa de que não é lícito às partes substituir o Poder Judiciário; as partes não podem fixar a pena, isso é função do juiz. Também não pode o MP substituir o Poder Judiciário e antecipadamente prever perdão dos crimes, não pode haver essa previsão. Perdão está na lei, mas quem decreta é o juiz lá no final, depois que decidiu o caso, e isso depende de decisão judicial. Não pode reduzir a pena além dos dois terços. Isso é limite da lei e é o que nos basta. Legalidade é o que se pede; o resto é invencionice do Ministério Público e do juiz que homologar esse tipo de acordo.
E o Ministro Lewandowski segue falando. Regime de cumprimento da pena não pode sair do limite legal. Ele diz que o regime de cumprimento da pena deve ser estabelecido pelo juiz nos limites do art. 33 do Código Penal, que conhece um regime aberto, semiaberto e fechado. Nunca se ouviu falar num semiaberto diferenciado, à la carte, para quem eles querem, do jeito que eles querem.
Isso é legalidade, senhores, é disso que se trata. Então, é completamente legal criar regime, mas eles previram aqui um regime fechado, com a possibilidade de viagens internacionais. Nunca em regime fechado...
(Soa a campainha.)
O SR. AURY CELSO LIMA LOPES JÚNIOR - ...você pode ter autorização para fazer viagens internacionais, em nenhuma hipótese. O Ministro Lewandowski vai além e diz o seguinte: "Validar tal aspecto corresponderia a permitir que o Ministério Público atue como legislador." Esta é a minha primeira crítica, o Ministério Público legislando e fazendo acordos contra a lei.
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E segue o Ministro: "Seria permitido que o órgão acusador pudesse estabelecer, antecipadamente, sanções não previstas no nosso ordenamento." Esta é a segunda tônica: o MP não pode fazer isso. Um acordo jamais pode se sobrepor ao Código Penal, ao Código de Processo Penal, à LEP e à Constituição, mas é isso que estão fazendo.
Há a questão do sigilo, Excelências. Todos os acordos... Não vou dizer todos, mas a imensa maioria dos acordos contém cláusula de sigilo, é óbvio. Mas há um sigilo à la carte, que compromete o delator e permite que o MP decida sobre o sigilo. Não! Quem decide sobre sigilo de uma delação é o juiz, e o limite desse sigilo está imposto pela lei, por uma decisão judicial. Nós não podemos mais tolerar vazamentos convenientes de delação, como está sendo feito; são vazamentos absolutamente criminosos.
E mais: essa história de delação premiada virar pauta de grandes jornais e da grande mídia e pauta de dias e dias dos principais jornais da televisão, além de ser ilegal, porque muitas vezes é um vazamento ilegal, também é um tiro no pé do próprio instituto da delação premiada, porque, quando o delator faz o acordo, ele sabe que está entregando informação, que aquilo é sigiloso até o momento do processo e que vai ser usado dentro do processo. Ele jamais vai imaginar que a cara dele vai aparecer no Jornal Nacional e que aquilo vai ser objeto de debate na grande mídia. Isso vai fazer com que algumas pessoas não façam mais delação premiada, porque essa exposição midiática é nociva para todo mundo, sem falar um detalhe básico: a palavra do delator é apenas um meio de obtenção de prova, e muitas vidas dos delatados são destroçadas pelo simples depoimento do delator que vai para a mídia. Nós estamos destruindo vidas a partir de algo que não tem esse poder e que nem poderia ter. Então, temos de ter muito mais cautela.
E, falando em valor probatório, hoje se está fazendo uma grande fraude, que é: você não pode condenar só com a palavra do delator; então, você faz as chamadas práticas de corroboração recíprocas ou cruzadas. Sabem como são as denúncias do Ministério Público? Arrolam dez pessoas como testemunhas para comprovar a delação. Dessas dez, um é o delegado da Polícia Federal e nove são delatores, que estão corroborando uma delação com a palavra de outros delatores. É uma circularidade hermenêutica em cima de um mesmo núcleo, é uma circularidade argumentativa em cima do mesmo núcleo: delação. É uma delação sendo corroborada por uma delação, e as pessoas estão sendo condenadas exclusivamente com base em delação. Ponto! Nós temos de ter muito cuidado também com esse tipo de situação.
Finalizando, Sr. Deputado, eu vou chamar a atenção para uma passagem muito importante dos juristas portugueses mundialmente conhecidos, J. J. Gomes Canotilho, que é um dos maiores constitucionalistas do mundo, e o Prof. Nuno Brandão. Eles fizeram um parecer - virou um artigo depois - analisando o pedido de cooperação internacional que foi feito pela Justiça brasileira para Portugal. Esse pedido de cooperação tinha por base a delação premiada do Paulo Roberto Costa e do Alberto Youssef, e eles se debruçam sobre essas duas delações para ver se elas são legais à luz do sistema português, mas à luz do sistema brasileiro também, porque são profundos conhecedores. E olhem o que dizem o Prof. Canotilho e o Prof. Nuno Brandão: "Essas delações brasileiras [ou à brasileira] padecem de tantas e tão ostensivas ilegalidades e inconstitucionalidades, que, de forma alguma, pode admitir-se o uso e a valoração dos meios de prova através delas conseguidos." É um dos maiores constitucionalistas do mundo o professor português Gomes Canotilho. E prossegue: "É terminantemente proibida a promessa e/ou a concessão de vantagens desprovidas de [...] base legal." É tudo isto que eu falei: regime, pena, forma de cumprimento.
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E aí eles seguem, ressaltando que não é possível reduzir uma pena em mais de dois terços ou conceder perdão judicial a um crime não mencionado pela Lei das Organizações Criminosas - estão fazendo isso -, pois, em tais casos - e agora eu peço uma atenção especial -, o juiz substituir-se-ia ao legislador, numa tão gritante quanto constitucionalmente intolerável violação de princípios fundamentais do e para o Estado democrático de direito, como são os da separação de poderes, da legalidade criminal, da reserva de lei e da igualdade na aplicação da lei. É isto o que estão fazendo na delação premiada à brasileira: violando a legalidade, violando a separação de poderes. E nós temos de nos atentar, porque isso vai violar a base do Estado democrático de direito, que é a própria legalidade.
Por isso, Excelências, quando se faz uma crítica veemente ao instituto da delação premiada, nós estamos dizendo que o instituto é importante, mas eles vão acabar com a credibilidade da delação premiada pela ilegalidade das práticas que estão sendo adotadas. Querem salvar a delação porque ela é importante? Façam uma lei nova só para tratar da delação premiada, na qual se estabeleçam os limites claros da delação, o valor da delação, o que pode e o que não pode ser feito, principalmente o que não pode ser feito na delação premiada, porque senão vamos seguir rasgando a legalidade e a própria Constituição.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Muito obrigado, Prof. Aury.
O outro convidado, o Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, acaba de chegar por conta de um problema no voo. Desde já, eu o convido a compor a Mesa e já vou lhe passando a palavra. Todos já falaram. Chegou na horinha. (Pausa.)
Quer um tempinho, Professor, ou já pode...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Wadih, não sei se o Professor acompanhou a fala dos demais integrantes da Mesa. Não seria o caso de dar uma ou duas falas para que o Professor pudesse...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Ele conseguiu acompanhar a fala dos demais?
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - V. Exª está sugerindo o quê? É que todos os convidados já falaram.
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Eu sei, mas estou dizendo que, talvez, pudesse o Professor Jacinto se inteirar do clima, a não ser que ele esteja pronto já para fazer a fala dele.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Está pronto?
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - O Prof. Jacinto é craque!
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Então, está bem.
Aliás, quero fazer um registro, Deputado: está excelente o debate, e há uma grande repercussão em função da transmissão ao vivo nas redes sociais. Muita gente, de todo o Brasil, inclusive nas faculdades de Direito... Estão passando este debate para os alunos da faculdade. Há uma repercussão enorme nas redes sociais de todo o Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Ótimo! Isso é muito bom!
Então, sem mais delongas, eu passo a palavra, desde já agradecendo a presença e a boa vontade de estar aqui, ao Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, que é Professor Titular da Universidade Federal do Paraná.
O SR. JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO - Sr. Deputado Wadih Damous, Sr. Deputado Marun, ex-Ministro Eugênio Aragão, Prof. Aury Lopes, Sr. Deputado, antes de tudo, eu perguntaria quanto tempo eu tenho para falar.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - A princípio, são 20 minutos, mas fique tranquilo em relação ao tempo. Está havendo absoluta flexibilização aqui em relação a isso.
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O SR. JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO - O.k.!
Sr. Deputado, Srs. Deputados, senhores assessores, senhoras e senhores, esse tema é um tema central do processo penal do Brasil hoje. Com ele, de certa forma, destruiu-se a teoria do processo. Com ele nós estamos todos órfãos. E talvez seja necessário dizer isto: com ele estamos todos nós à mercê de qualquer delação. Qualquer indicação que qualquer delator faça coloca todos nós - este não é privilégio dos políticos, particularmente de Deputados e Senadores ou de Deputados Estaduais, de Vereadores etc. -, todos, todos à mercê da delação. E isso é, de fato, algo preocupante num País de democracia tardia, num País que, com quase 30 anos de Constituição, segue lutando pela efetivação dela e que encontra nos inimigos da Constituição e da legalidade a principal causa do que se passa com a própria delação, um instituto importado do common law, um sistema eminentemente diferenciado, diferente do nosso pela própria estrutura da legalidade. Não é por outro motivo que eles nos denominam de civil law, o nosso sistema, para mostrar que é um sistema edificado em leis e em que as leis funcionam na estrutura hierárquica, em que a lei funciona, começando pela própria Constituição, como a base do modelo a ser seguido, em consequência, a reger a vida das pessoas. Para eles, salvo o que externa a Constituição que fizeram nos Estados Unidos, ou se se tomar a Magna Carta com a Constituição dos ingleses, a estrutura legal, a estrutura técnica é fundada primordialmente em princípios, em alguns que eles chamam de princípios imemoráveis do reino, general immemorial, costumes imemoráveis do reino, dos quais eles não têm sequer a fonte.
Essa é a razão pela qual ora eles fundam todo o direito numa principiologia que dá a eles, na face da estrutura social, uma base eminentemente moral e por isso falam de uma moral pública. Nós, ao contrário, no nosso sistema, não deixamos de lado a moral, muito menos a moral pública, mas nos regemos não por ela, nem devemos nos reger por ela, nos regemos pelas leis, porque incorporamos a moral nas leis, usando para tanto a política e os políticos na estrutura do Poder Legislativo. É por isso que a política é tão importante, que os políticos são tão importantes e que não há, para nós, a mínima possibilidade de democracia sem a política, sem os políticos, sem as leis e sem respeito às leis. Quem sabe para começar a tratar desse tema seja necessário começar assim, justamente porque o que se cobra é isso?
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Por outro lado, para nós, a principiologia que informa a construção das nossas leis, portanto a que obriga a todos, vem marcada por uma estrutura que, como sabemos todos, a par do princípio democrático e do princípio republicano, coloca cada Poder no seu lugar e que, por consequência, faz com que todos nós que estamos submetidos às leis tenhamos, invariavelmente, justamente porque são elas, nos textos que expressam as regras, palavras e, portanto, estruturas que deslizam e pedem interpretação... A pergunta que fica, desde logo... E aqui este, talvez, seja um dos pontos centrais para se compreender o que se passa com as leis referentes à delação e com a própria lei que trata da delação, com este nome garboso que se fez, chamando-a de colaboração. É algo que se pode mais ou menos dizer que tenha sido feito com a indicação daquilo que o próprio Shakespeare disse em Romeu e Julieta a respeito das flores: não adianta você mudar o nome da rosa, porque o cheiro vai continuar sendo o mesmo. Aqui é mais ou menos disso que se trata. Trata-se de delação justamente porque "dela" é a matriz, inclusive, do próprio nome, que vem de delatio. Todo mundo sempre soube o que isso representava, inclusive, em relação ao cristianismo e àquilo que se sucedeu com Jesus Cristo.
De qualquer maneira, isso é relevante? É relevante a estrutura das leis, a estrutura interna das leis? A principiologia, principalmente em função do princípio democrático, do princípio republicano e da tripartição dos Poderes, cobra do Poder Legislativo uma base legal tal, que, mesmo que as leis sejam necessariamente interpretadas, a interpretação não possa ser construtiva dos textos, o que significa dizer que não é razoável uma lei em que o intérprete, ao interpretá-la, precise construir retoricamente o texto que devia estar lá e que lá não está. O intérprete, nessa hora, o que faz? Usurpa a função do Poder Legislativo, faz com que o Poder Legislativo se coloque de joelhos, não só porque devia ter legislado, mas não legislou, mas também porque coloca todos aqueles que se veem alcançados pela lei à mercê da interpretação que qualquer um faça, mesmo porque nós sabemos que o interpretar, essa função de Hermes, essa função de levar a mensagem, é algo que faz cada um, com resultados que cada um pode dar, inclusive por fatores outros que não são aqueles que devem informar a própria construção do sentido, e não da própria lei. Esse, talvez, seja o primeiro ponto a ser tratado nessa matéria.
Ou seja, nós temos uma lei que introduz o instituto do common law, um sistema que não é o nosso. Portanto, é um sistema preferentemente não legislado no nosso, que é tratado da forma como é tratado onde é usado, principalmente nos Estados Unidos, mas que, antes de tudo, vem com um texto legal - portanto, abre-se espaço para se apontarem e se dirigirem as críticas ao Poder Legislativo - que parece, de fato, um queijo suíço, pleno de furos, pleno de vazios, vazios esses que cobram uma interpretação, vazios que cobram que o aplicador, na hora de fazer viva a lei, tenha de mergulhar dentro do texto, não só para dar o sentido que o texto deve ter.
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Ora, como todo mundo sabe, homicídio é um tipo de crime, por exemplo, que tem duas palavras, "matar alguém", para o que temos uma infinidade de interpretações. Não é disso que se trata, porque a interpretação se faz debaixo da lei. Aqui, não. Aqui, não! O que está acontecendo no Brasil hoje e gerando essa imensa insegurança, essa imensa insegurança jurídica, repito, para todos nós, não só para os políticos, não só para Deputados e Senadores, mas para todos nós, é o fato de que temos uma lei plena de furos, para a qual nenhum intérprete poderia criar nada que fosse exclusiva atribuição do Poder Legislativo, o que, no entanto, está se fazendo, o que, no entanto, está se criando, o que, no entanto, está se completando. Ou seja, é como se nós estivéssemos a completar a lei. É como se estivéssemos a completar a lei, fazendo o que bem entendemos ou, talvez, fazendo e jogando, em uma queda de braço, a saber quem mais opina a respeito dela, quem mais tem força a respeito dela, de modo a dar o sentido que quem comanda faz.
É por isso que o discurso de proteção ao que se está fazendo não vem fundado nos pressupostos e nos postulados democráticos que fundam, teoricamente, para nós um Estado democrático de direito; vem fundado, como todos sabem, naquilo que se tem chamado de opinião pública, como se opinião pública fosse a democracia, como se se pudesse tomar a opinião pública na matriz schmidtiana. Todo mundo sabe que foi o grande ideólogo do nazismo Carl Schmidt, ao sustentar que a opinião pública era, de fato, a democracia, porque era ela que sustentava o poder do Führer. Ora, isso nós sabemos todos desde sempre. Mas sabemos também que se não pode jogar com a opinião pública como democracia, e de fato não o é, justo porque, depois de tudo pelo que passamos, depois de toda a manipulação que se faz, nós sabemos quem é que produz a opinião pública de fato, ou nós sabemos o que faz a opinião pública, ou nós sabemos quem comanda a opinião pública, ou nós sabemos o que a opinião pública produz, em termos de sentido, ao jogo de quem. E é por isso, Eugênio, que nós sabemos o que se tem.
Então, Sr. Presidente, em uma rapidíssima alusão, em uma rapidíssima introdução, humildemente - nós aqui não temos de ensinar nada para ninguém -, eu queria trazer uma visão que é a visão de quem, lá embaixo - vocês sabem que existe a "República de Curitiba", mas a "República" também tem uma periferia -, mora na periferia da "República de Curitiba" e, por consequência, sente na carne, diretamente, os efeitos inclusive de ser confundido com ela. Quer dizer, não são poucos os lugares aonde vou em que sou indicado como um dos membros da "República", o que não é de fato simples.
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Por quê? Porque quem tem noção do que se vai passando e sabe qual é o objetivo deve - a mim parece, com todo o respeito - ter ciência de onde está e por que está contribuindo com aquilo que vem sendo feito e o que se deve fazer, enfim, para pensar de modo diferente.
Eu trouxe poucas páginas. É possível ler? Com isso, eu tenho condição de fundar um pouco melhor, inclusive, a minha fala. São pouquíssimas páginas. Eu pediria, com respeito, vênia para ler.
A delação, como já se disse, é um exemplo mais acabado de denegação da Constituição da República.
O instituto originário do common law não cabe racionalmente na estrutura, na teoria e na lógica inquisitorial de um sistema processual penal como o brasileiro, sendo que a sua prática ofende, primeiro, o devido processo legal; segundo, a inderrogabilidade da jurisdição; terceiro, a moralidade pública; quarto, a ampla defesa e o contraditório; e, quinto, a proibição de provas ilícitas. Vejam que é uma gama de ofensas à Constituição que não tem fim.
Logo, antes de tudo, para se importar a delação, seria coerente mudar o sistema processual, a fim que o juiz possa ocupar o seu lugar constitucionalmente demarcado. Todavia, como se observa na prática, é uma constante ampliação de seu raio de ação. É preciso, então, elaborar, desde logo, regras claras capazes de esclarecer os pressupostos de aplicação e os efeitos desse novo modelo negocial, de modo a suprir os espaços em branco deixados pela Lei 12.850, de 2013, que vem gerando inúmeros questionamentos, que devem ser observados.
Ou seja, a questão que fica, talvez a primeira, seria: tem salvação essa lei? Do jeito que a coisa vai, com a insegurança que se tem tratado - ela se mostra, desde logo, não razoável -, parece que ela não tem salvação. Não há salvação para a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade dessa lei. Não há sequer como fazer uma interpretação conforme. É preciso, de fato, construir uma lei que diga respeito de fato ao que se passa na delação premiada.
O Prof. Aury, o Prof. Alexandre Morais da Rosa e, agora, na semana passada, o Prof. Alexandre Wunderlich, de Porto Alegre, que vem trabalhando nos acordos de delação premiada com mais dois colegas, enunciaram 12 questionamentos, todos eles, todos os 12 marcados por aquilo que foram os abusos da delação, que apontam exatamente disso que eu estou falando, ou seja, de que se está interpretando, fazendo aquilo que o Poder Legislativo deve fazer. Ora, se era o Poder Legislativo que devia fazer, deve o Poder Legislativo legislar para que todos possam fazer sem o abuso que é da interpretação, da direção da interpretação que se tem dado. E pega todo mundo, esse é o problema.
Eu quero só enunciar poucos, não tanto quanto eles fizeram, os 12. Eu recomendaria verem o texto do Prof. Alexandre Wunderlich. De qualquer maneira, rapidamente, ressalto os tópicos. Há a questão da rescisão unilateral do acordo. A pergunta que fica aqui não é propriamente se é possível fazer uma rescisão unilateral do acordo. A pergunta que fica aqui é, justo dentro da estrutura da Administração, saber se o Estado, organizado como é a partir da Constituição, pode empenhar a sua palavra e depois, palavra empenhada, voltar atrás unilateralmente por concepções próprias, pessoais, de algum dos seus órgãos. É possível? De novo, estou pensando tecnicamente, não estou pensando politicamente.
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O Estado, quando contrata com um particular, trata-se aqui - e veja que até isso nós não sabemos direito - de um negócio jurídico. Quando o Estado contrata com um particular, o que faz com que ele possa voltar atrás? Como ele pode voltar atrás? Ele continua amarrado ao princípio da conformidade, que rege a Administração Pública e que diz expressamente quando ele pode voltar atrás e exige dele que diga, fundamentadamente, quando ele pode fazê-lo? Esse é o ponto.
Por que isso é demais relevante? Porque, depois que se rescinde, a pergunta que fica é: o que é possível fazer com o conhecimento que se obteve com aquela delação? Eu, voltando atrás, disse, ao lado de lá, evidentemente mais fraco: "Ora, está rescindido, mas o que você me disse eu quero. Dê-me aqui, que eu quero." Qualquer um, em qualquer lugar, diante de um quadro desse naipe, em um contrato privado, diria: isso é estelionato, ou quase. Do Estado, então, nem se diga! A lei, no caput do artigo que trata da matéria, o art. 4º da Lei nº 12.850, de 2013, vem e diz que não se pode usar exclusivamente contra o delatado, mas se pode usar contra qualquer um dos senhores.
Então, nós estamos diante... Veja, esse é o quadro. Nós estamos diante de um absurdo. Por quê? Porque isso deveria estar regrado. Mais do que nunca, isso é inconstitucional, porque deveria estar regrado. Não é um órgão qualquer da Administração Pública que diz: "Eu não gostei, vou rescindir unilateralmente." E vai valer. E vai valer o que o senhor disse contra os terceiros, porque os terceiros é que são os ofendidos, os terceiros é que são os atingidos pela delação.
Aqui o quadro é desastroso. O quadro é desastroso, Deputado. O quadro é desastroso, porque, unilateralmente, basta... Eu digo "unilateralmente" porque os órgãos, principalmente os que têm mandatos, se alteram. Mudam as pessoas. Nós sabemos como funciona.
(Soa a campainha.)
O SR. JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO - Mudam as pessoas, e, mudando as pessoas, mudam as concepções a respeito da vida, a respeito das leis.
Então, a pergunta que fica é: aquele que veio novo pode fazer isso, simplesmente porque tem - digamos assim - uma concepção do que se fez contrária àquilo que antes foi feito? Não há nenhuma amarra, não há nenhuma responsabilidade, não há nenhuma estrutura que vincule? Ora, na nossa estrutura, o que vincula é a lei. Por isso é que, para a Administração Pública, vige o princípio da conformidade, e não o princípio da compatibilidade. Ao contrário do cidadão comum, que pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa por sua função, desde que não esteja proibido, aqui, não; aqui, o administrador público só pode fazer quando estiver previsto em lei. Você abre a lei desse tamanho para dizer que, unilateralmente, você pode rescindir, mas não demarca as estruturas. Você fica à mercê daquilo que as pessoas vão dizer a respeito disso. E é claro que, nesse jogo, nós sabemos quem definitivamente vai perder.
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Em segundo lugar, há a utilização da prova obtida na delação rescindida. Esse aspecto parece fundamental. Quer dizer, é uma lei que joga com o "evidentemente" e abre a possibilidade da utilização dessa prova. Mas aí está a questão: todo mundo sabe como funciona a delação na estrutura do common law, todo mundo sabe como aquilo é um mero indicativo de prova. Mas aqui tem sido tratado assim? Não tem. Não tem. Por que não tem sido tratado assim? Porque o delator - que é alguém interessado no resultado do processo, que, por isso, negocia e que sempre, para nós, viu proibida, quando não cerceada, a sua manifestação na direção de poder fazer aquilo, ao contrário da nossa história, a retirar da chamada de corréu a possibilidade efetiva de produzir o efeito probante que o processo penal pede - virou testemunha, mas testemunha qualificada. E, como tal, o delator virou alguém que, porque diz a verdade - e se presume que diz a verdade sempre -, é uma testemunha altamente qualificada. Então, é uma coisa descomunal! É uma coisa descomunal! Veja como o todo o sistema de processo penal está de joelhos.
Sabem o que aconteceu comigo? Abro um parêntese: sabem o que aconteceu comigo? Eu não consigo terminar meu programa na faculdade, porque 15 minutos de cada aula minha são perdidos para explicar o efeito que essa desgraça tem na minha matéria, a destruir toda a base teórica que nós levamos, anos e anos, dezenas de anos, centenas de anos, construindo. É um instituto, um instituto só! Não se quer que nós tenhamos toda essa reação porque temos uma reação de quem está lá metido dentro da situação, pensando a respeito dela, pensando no que precisamos fazer, pensando no que se deve fazer, legitimamente, naturalmente, pelo caminho viável.
É inimaginável que você possa expor um cidadão, seja ele qual for - um cidadão só, seja ele qual for -, a tamanha insegurança. Eu não estou nem falando de Deputados e Senadores porque eles só começam lá em cima a via-crúcis. Isso é de todo mundo, Deputado. Qualquer um, em Campo Grande, vai e fala qualquer coisa do senhor, e o senhor está no bico do corvo. Essa é que é a verdade! É como estamos todos nós nessa matéria.
Podem dizer: "Não, eles fizeram, mas desfizeram." Desfizeram, mas vão usar tudo o que foi dito porque aquilo que foi dito, não sendo levado a sério, "no contrato", entre aspas, que se faz, é tomado na direção de que se justifica por si. Ora, nós negamos aqui séculos de tradição no caminho da democracia, porque é lá na estrutura kantiana, na metafísica dos costumes, na estrutura dos imperativos, que nós vamos importar toda a nossa base de que os fins não justificam os meios. Numa democracia, é justo disso que se trata. A parte ocidental da Cortina de Ferro escreveu rios de tinta para dizer que a violação a essa máxima kantiana era típica de uma estrutura em que o Estado era de regência e o Estado justificava pela sua própria força, digamos assim, pensando na base da estrutura comunista toda. É extremamente interessante isso, porque toda a direita francesa, por exemplo, usa desse argumento para atacar a esquerda francesa, dizendo que isso era um absurdo, porque, em nenhuma hipótese, em uma democracia, os fins justificariam os meios. Agora estamos nós, que nos pensamos democráticos, fazendo exatamente aquilo que eles imputavam à União Soviética no comando da estrutura comunista. É anormal. É fora de propósito ou algo do gênero.
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Portanto, só nesse ponto, a utilização das provas, nesse sentido, já nos coloca de joelhos, porque mostra como a deficiência da lei produz alguma coisa inexplicável para nós. Nós não podemos dar tamanha insegurança. Eu não estou falando isso porque nós precisamos nos proteger. Nós precisamos estar debaixo da lei, de uma lei produzida corretamente, de uma lei legislada conforme o efetivo processo legislativo, que possa, efetivamente, valer para todos - não o problema valer para todos, não o resíduo valer para todos, de modo a se colocar essa situação absurda no País, como se o País não precisasse da política e, por isso, pudesse decapitar todos os políticos. Não duvidem: se continuar assim, é o que vai se passar, porque, em sendo essa uma estrutura eminentemente ideológica, o modelo vai apontar estrategicamente naquilo que se passou na Mani Pulite.
Fui estudar a fundo a Mani Pulite, não só porque fiz meu doutorado na Itália e tenho uma vinculação com todos os professores de lá, e tudo o mais, mas o modelo está projetado exatamente na forma como a Mani Pulite, um tanto espontaneamente, se constitui naquela direção. Mas nós sabemos qual é o resultado daquela direção. Nós sabemos qual é o resultado na Itália. Nós sabemos o empobrecimento que a Itália teve. Nós sabemos as agruras que a Itália está passando, entre outras coisas, porque, na Itália, o escopo, que era acabar com a classe política, conseguiu, quando muito, acabar com aqueles que eram os capitães da classe política. Salvo os dois extremos da política italiana, todos os demais eles pegaram. Ou seja, não era Giulio Andreotti, Bettino Craxi. Não! Eram todos os demais, do leque que ia da extrema direita à extrema esquerda. Esse é o objetivo. Quem não se acordar para isso, quando descobrir, arrisca estar decapitado, digamos, se tem cabimento algo assim.
Entre outras coisas, é da ordem da impossibilidade esse argumento, não só porque nós temos uma estrutura política de base muito, muito ruim, mas porque, principalmente, mas principalmente mesmo, nós precisamos agir conforme as leis. Se isso não acontece, se se faz esse tipo de coisa que está acontecendo aqui nesta lei, imediatamente isso se estende para o País inteiro, para a periferia inteira. Meu problema não está em face dos empresários da construção civil, que foram atingidos tão só, mas temos de reclamar a eles o direito que todo cidadão deve ter, porque hoje não é um, nem dois, nem uma dezena ou centena de empresários; são milhares de cidadãos neste País que estão atingidos por um modelo de pensamento que diz respeito exatamente àquilo que está se fazendo nessa lei, em relação a essa lei. Desse modo, cada vez que você atinge um, principalmente alguém que, na estrutura social, está no topo, imediatamente isso se reflete de modo a pegar o cidadão comum, lá de baixo, da periferia. Ora, desse ponto de vista, o ataque à política é insustentável. Não é possível imaginar que os políticos não respondam corretamente a esse modo de falar. Não duvidem! Eu tenho um texto escrito sobre isso onde fica expresso... Eu fui estudar isso para mostrar que esse é o objetivo, ainda que se possa dizer: "Não, está tudo bem. Vocês são meus amigos." "Vocês não são meus amigos! Não duvidem disso! Vocês são meus inimigos, e nós vamos pegar vocês e todo mundo que aparecer na delação." Esse é o problema. Diante de uma estrutura como a que nós estamos vivendo em que neoliberalismo é uma epistemologia, o bordão de referência é: morreu, morreu, que bom que não fui eu! Então, fica todo mundo dizendo: "Ah, isso é assim, mas não vai acontecer comigo. Isso é assim, mas não vai acontecer comigo." Ai, ai, ai! Ai, ai, ai! Eu tenho visto isso e tenho medo, de verdade, porque, cada vez que você diz qualquer coisa para qualquer um, a possibilidade de você ser enleado lá, ora, é enorme, desde que se faz pouco caso para aquilo, não só que se diz, aquilo que se faz, mas, sobretudo, pela utilização que se faz daquilo que se angariou.
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Hoje é extremamente relevante a questão do cumprimento antecipado da pena. Isso mostra uma enorme inconstitucionalidade da lei. Era como se nós não tivéssemos jurisdição, é como se a jurisdição não fosse ultima ratio, não houvesse reversa. Mas, neste País, depois do princípio que funda o sistema, o princípio inquisitivo, o primeiro princípio de referência é nulla poena sine judicio, nulla poena sine judice. Não há pena sem juiz, não há pena sem processo. O processo é absolutamente necessário, absolutamente necessário! É absolutamente necessário para todos, não é? É por isso que a presunção de inocência ganha tanta relevância, é por isso que a presunção de inocência tem tanta relevância, porque, não sendo uma decisão fixa do processo, no processo e de fundo, ela ganha relevância para que o tramitar do processo seja um tramitar que permita a liberdade na direção de que a pessoa possa corretamente se defender.
Agora, por quê? Por isso é tão relevante aqui? Porque não só se pensa numa execução antecipada e, por consequência, se substitui... Isso é uma das grandes críticas dos povos americanos em relação ao que se vem passando na delação lá, no common law, ou seja, de que órgãos do Estado afetos à jurisdição acordam com cidadãos que estão - eu ia dizer involucrados - metidos em atividades aparentemente criminosas, que, por isso ou por aquilo, decidem fazer um acordo. Fixam uma pena, e essa pena é executada sem que o juiz tenha se manifestado ou que o juiz, simplesmente, tenha homologado o acordo - a decisão dele não é a decisão impositiva da pena.
Ora, a estrutura do sistema processual toda está montada, nós sabemos disso, diante de uma base séria, muito séria. Pena é algo que decorre de sentença de fundo, de sentença de mérito. E por que deve ser assim? Porque o juiz, além de tudo, controla os direitos e garantias durante o tramitar do processo e responde, quando responde, fundado naquilo que angaria de conhecimento no cunho do processo.
"Ah, mas eu preciso prender antes!" Ah, precisa prender antes? Ora, nós temos a solução para prender antes, nós temos a solução para prender antes. Temos leis, elas fixam os requisitos da prisão antes, requisitos esses que, não raro, são necessários, e você prende com base nesses requisitos.
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É tão importante isso, que, depois, resolvida a questão, com a condenação do réu ao final, esse tempo que ele passa preso vai ser descontado de uma pena que ele vai ter de cumprir, o que significa dizer que é quase uma verdadeira antecipação de pena, mas não é a própria pena. Isso é a referência. E essa é a razão pela qual antes não há como você pensar na hipótese de executar uma pena, de fazer valer uma pena, de impor uma sanção dessa maneira, de modo a ser executada, sem a decisão final do juiz. É do sistema, é da Constituição, é da principiologia toda que rege a matéria!
Vejam, isso não está na lei. É tão forte isso, que o próprio Supremo Tribunal Federal não sabe como agir nessa matéria. A impressão que dá é que o Supremo está pisando em ovos porque não sabe dizer direito aonde nós podemos chegar, sem uma base sólida para dizer se varia de lá para cá, daqui para lá. Mas há consequências, porque, para o condenado, as consequências evidentemente são muito mais graves, inclusive o fato de ele não poder reclamar da situação de terem sido alteradas as condições fáticas. Você prende alguém porque pode manipular as provas. Digamos que seja possível prender alguém desta Casa porque pode manipular as provas aqui, mas, de repente, se ele não puder mais entrar aqui, o fundamento desapareceu. Se se entender que é possível executar como pena, desaparece o fundamento. É muito diferente. É muito diferente!
Basta ver o que se sucedeu com o reitor da Federal de Santa Catarina, não pelo próprio ato dele, mas por aquilo que foi, digamos, uma execução antecipada, mesmo que não houvesse nada daquilo. É claro que não pode ser assim! O sistema constitucional, muito centenário, está estruturado de uma maneira tal que o cidadão conte alguma coisa nesse processo, em que ele precisa dizer alguma coisa pela própria expressão dele, pela própria força dele. É claro que não deve ser desse jeito, mas a lei não tem...
A impugnação do acordo pelo delatado é mais um exemplo. Quando você faz um acordo desse naipe e diz que o delatado não pode impugnar o acordo, a pergunta logo que fica é: você cobra dele que ele se livre ou ele se exclua dos direitos e garantias constitucionais que ele tem? Você impõe a ele desistir dos recursos. Sabem por que os advogados não chegaram ao Supremo Tribunal Federal com nenhuma questão de mérito até agora? Porque, nas delações, eles impõem que você desista. É como se você desistisse, você se despisse. Você é um Dreyfus retirado das insígnias, ainda que o processo que tenha levado você, perante o batalhão inteiro, a se despir das insígnias seja um processo fraudulento, marcado por documentos fraudulentos, sob uma delação fraudulenta.
É cabível algo do gênero? Num país verdadeiramente democrático, não há cidadão, individualmente tomado, capaz de renunciar à sua Constituição. A Constituição não é dele, é de todos nós. Cada vez que alguém viola um direito e garantia fundamental de um, está violando um direito e garantia fundamental de todos. Isso parece indiscutível. Mas, quando você impõe que o delatado não possa impugnar, isso me parece e é absurdo.
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Da mesma forma, há os terceiros. Hoje nós estamos vivendo uma situação extremamente interessante, não é? Delatado não impugna, mas os terceiros também não podem. Como assim? Vejam a posição do Supremo e, de certa forma, a do STJ, que está meio sem saber, meio discutindo, mas meio cego no andar, com todo o esforço que os Ministros fazem para poder, digamos assim, tentar ter uma resposta na falta de uma lei que diga "a direção é aquela" para ser interpretada.
Ou seja, quando o Supremo diz "o terceiro não pode impugnar", por que o delator não impugna? Você diz: bom, ele pode desistir do direito dele ou não. Dane-se! O problema dele foi fazer liberdade de vontade. Enfim, entra por essa seara, vamos dizer. Mas, quanto ao terceiro que está lá enfiado na delação, você pode dizer "você não tem condição de impugnar"? Isso é viável? Só há uma só possibilidade a justificar tamanho disparate, é o fato de você poder sustentar que aquilo que se faz como delação não tem nenhuma serventia, nenhuma, senão, como medida preparatória, auxiliar nas investigações que se vão fazer. Se você diz que isso não é investigação preliminar, por exemplo, porque você pode executar a pena, então, mais do que nunca, ele vai ser interessado.
Toda a teoria do processo... Hoje, toda a teoria do processo, mesmo a teoria do processo civil, é passada para o processo penal, tudo! Feliciano Benvenuti, Elio Fazzalari, Franco Cordeiro, toda a grande teoria do processo hoje pensa no processo como procedimento em contraditório, de modo tal que todos aqueles que sejam interessados tenham não só o direito como, às vezes, a obrigação de interceder, de interferir nos atos, porque o resultado daquilo a eles pode ser prejudicial. Ora, se você vai ser prejudicado por um ato que eles vão tomar, se você vai ser prejudicado, como terceiro, por aquilo que alguém falou, você não tem o direito de intervir? Só se aquilo não servir para nada, senão para investigarem você.
Mas tem sido assim? Não, não tem sido assim! Por que não tem sido assim? Porque, não havendo regra precisa a respeito da matéria, têm sido determinadas condições coercitivas, que são verdadeiras prisões; tem-se determinado produção de prova; têm sido determinadas buscas e apreensões só pelo fato de que um delator indicou terceiros. Se o delator fala "Deputado Marun", quando ele acorda na segunda-feira de manhã, em Campo Grande, está a Polícia Federal dentro da casa dele. Mas espera aí! Só nominaram. Só foi nominado. Não se tem o direito de fazer um negócio desses!
Pergunta: há algum efeito, há alguma consequência para esse delatado para ele ter interesse de interceder lá? Andam dizendo coisas óbvias, óbvias! É evidente que, se você é atingido, você, às vezes, tem até a obrigação de interceder. Mas cercearem o seu direito? Estão cerceando o direito justo porque isso vai fazer o quê? Isso vai criar uma mais complexa ainda situação sob o fundamento de que, não havendo lei, quem sabe podemos deixar assim. É a própria condição que se está dando.
Vejam só: estou dando alguns exemplos que são banais e que mostram a fragilidade da estrutura da lei que nós estamos fazendo operar. Meu último ponto, quem sabe, Sr. Deputado - desculpe-me, estou me alongando porque estou comentando mais do que devo -, meu último ponto, talvez, seja o uso indevido da utilização da prisão cautelar. Aqui, voltamos para a questão das medidas cautelares, mas o que parece é que aqui se faz de novo jogo de cena. Muda o nome da rosa, esquecendo que ela fica com o perfume. Parece exatamente disso mesmo que se trata.
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Agora, é banal. Desde o começo, pelos arroubos de alguns, nós logo tomamos conta, tomamos tento da situação. Desculpem o termo "tento"; é um linguajar sulista. Mas tomamos tento da situação de que se prendia para delatar. Isto é uma coisa primária: a ameaça da prisão. E não era só a ameaça da prisão. Quem acompanhou a delação desde o primeiro instante, como eu, sabe que não era só a ameaça da prisão; era a ameaça da prisão a si e aos seus. O primeiro delator da Petrobras na Operação Lava Jato esteve seguro de si, em que pese o fato de que as provas começassem a se avolumar em relação a ele, até o momento em que, na falta de uma ajuda, foi levado a ter certeza de que iam prender a família. Aí, meu irmão, já que, num País como o nosso, a família ainda conta alguma coisa, era demais, era demais para ele! Não estou com isso nem absolvendo, nem dizendo nada. Só estou dizendo que um cidadão normal não suporta uma ameaça desse porte. E isso se tem feito.
Aquele famoso procurador do Rio Grande do Sul chegou a dizer expressamente num parecer e, depois, quando entrevistado pelo site Conjur, disse com todas as letras: "É, tem de prender mesmo, porque passarinho só canta na gaiola."
E, com isso, eu acompanhei inúmeros, inúmeros presos provisórios no martírio, porque aquilo é um martírio, nas prisões em Curitiba. Inúmeros presos provisórios foram aniquilados. Digo que foram aniquilados psicologicamente e em todos os sentidos, mas estavam altamente preocupados justo com aquilo que seria a ameaça aos seus.
Nesse aspecto, a prisão para essa finalidade não se justifica mesmo. É por isso que, há pouco, eu disse que nós temos medidas cautelares. E as temos na lei, ainda que os conceitos que a lei oferece sejam conceitos um tanto indeterminados, mas, sendo estes construídos pela jurisprudência dos tribunais superiores, nós temos mais ou menos uma estabilidade.
Vocês sabem que a lei do mandado de segurança de 1951 não dizia o que era direito líquido e certo. O que é direito líquido e certo? Vejam, é um conceito indeterminado. Mas os tribunais decidiram tanto sobre essa matéria, que hoje poucos estudantes de Direito do começo do curso não sabem o que é direito líquido e certo, mesmo que não haja uma precisão na lei. E estamos falando de mandado de segurança, ou seja, um instituto preferentemente usado lá na esfera civil. Na esfera penal, em que a tipicidade fala forte, em que a reserva de lei fala forte, em que a taxatividade deve falar forte, mais do que nunca é preciso levar a sério a estrutura que as cautelares têm, com todos os defeitos. Está aí o livro do Prof. Aury mostrando isso. Com todos os defeitos que tem, fornece, digamos assim, um padrão, que, se devidamente aplicado e devidamente controlado - é necessário que os tribunais controlem também, não é? -, pode ser eficaz.
Termino, Sr. Presidente.
Ou seja, é disso mesmo que se trata.
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Em conclusão, Sr. Presidente, as questões apresentadas são apenas algumas daquelas geradas pela aplicação da Lei 12.850, de 2013.
Vivencia-se hoje um supersistema inquisitório, que extrapola em vários sentidos os direitos e garantias individuais e os princípios que os fundam. Nesse sistema, o juiz torna-se o comandante supremo do combate ao crime, o que parece absurdo se se pensar na função jurisdicional e no princípio da imparcialidade, com equidistância das partes, claro, assentada na Constituição da República.
As novas tecnologias de obtenção de prova, dentre elas a delação premiada, têm oferecido a oportunidade de que alguns precisavam para tentar destruir os direitos e garantias individuais, em verdade nunca aceitos por aqueles que se pensam acima das limitações legais. Justo por isso, é imprescindível que o legislador delimite as regras que devem balizar a aplicação do instituto, não deixando nenhum espaço, se possível, para as arbitrariedades que vêm acontecendo de modo inconstitucional.
Urge que o Poder Legislativo cumpra o seu papel constitucional e, com a qualidade necessária, legisle sobre a matéria, quiçá usando por precaução os especialistas em face da complexidade do tema, de modo a se tentar compatibilizar o instituto da delação premiada com o sistema inquisitório que se pratica, mesmo que em detrimento da Constituição da República. Ou seja, já que está mal, já que ela é incompatível com a Constituição, quem sabe se consiga ajeitar para não ficar a calamidade pública que hoje nós temos.
No fundo, o correto mesmo seria refundar o processo penal com a devida reforma global, que já se aponta, embora com as deficiências conhecidas; refundar o processo penal em face do Projeto de Lei do Senado nº 156, de 2009 - o esboço do anteprojeto foi lançado por uma comissão de juristas criada sob a presidência do ilustre Senador Garibaldi Alves e hoje tramita ou sofre os ataques que sofre na Câmara dos Deputados com o Projeto 8.045.
O Presidente Garibaldi Alves, com toda a grandeza que o faz Senador, admitiu, em face das injunções que Deputados e Senadores faziam, que era necessário chamar gente de fora, professores, para tentar promover um salto de qualidade na estrutura do processo penal, porque o nosso processo penal é e sempre foi incompatível com a Constituição. Então, a conversa era bem assim: "Vocês têm de compatibilizar o processo penal com a Constituição?" "Acho que gente pode tentar."
Eu estava na comissão, indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil, mas os Senadores, as lideranças, indicaram membros, e nós passamos nove meses aqui trabalhando nisso, duramente trabalhando nisso. Depois de nove meses, tínhamos um esboço na mão.
E eu queria encerrar com isso para dizer só o seguinte: fizemos um esforço para compatibilizar o processo penal com a Constituição e, repito, com os defeitos que se têm para quem trabalha nove meses num conjunto que é o processo penal, mas lá está de fato o germe de uma estrutura acusatória.
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Mas estou lembrando disso por uma razão banal: a matéria da delação premiada é tão complexa, tão difícil, que sequer nós, entre nós - éramos nove os membros, nove membros, e eu era só o representante da OAB, porque Conselho Federal, naquela época... Nós, os membros, não chegamos à conclusão de como deveríamos projetar o instituto da delação, que já existia e que deveria, com a vinda do sistema acusatório, vir também no código, razão pela qual, determinadas que tinham sido já na portaria de inauguração da comissão, se fizessem audiências públicas, pelo menos cinco audiências públicas, e nós deixamos para que nas audiências públicas pudéssemos discutir com a comunidade nacional e então tirar uma posição um tanto mais delicada para esse fim.
Então, Sr. Presidente, alguma base já se tem, mas a construção desse instituto tão complexo parece inadiável. Quer dizer, se nós não quisermos continuar impingindo ao País o sofrimento que a insegurança jurídica tem infligido, nós precisamos pensar seriamente na construção de uma nova lei, que, então, responderá pelo que veio. Quem sabe antes até, pensando junto em trazer o próprio sistema acusatório que está esboçado no PLS 156.
O Senado já fez isso. O Senado já foi grande o suficiente para caminhar nessa direção. Agora, imagino, deve ser grande para levar o povo deste País de volta ao Estado democrático de direito, do qual a aplicação desse instituto por tantos e tantos motivos afastou.
Desculpe, Sr. Presidente, por ter extrapolado o tempo.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Agradeço também ao Prof. Jacinto.
Damos continuidade aos nossos trabalhos.
Todos aqui puderam presenciar - quem está aqui ou quem está assistindo a esta sessão - o alto nível com que se houveram os nossos convidados, os que estão aqui presentes e os outros dois professores, Prof. Eugênio e Prof. Alexandre, que tiveram de se retirar. Mostrou-se que há alguns consensos, pelo menos em relação ao que o mundo jurídico pensa e parte da sociedade brasileira pensa.
Primeiro: a maneira como vêm sendo operados os procedimentos de delação atenta contra o Estado democrático de direito.
É consensual também a necessidade de uma regulamentação detalhada e rigorosa deste instituto da delação premiada. Ninguém aqui sustentou ou defendeu que se abolisse a figura da delação premiada. O Prof. Jacinto tem uma visão mais acirrada em relação a isso, mas nem ele foi ao ponto de dizer que devemos excluí-la do nosso ordenamento jurídico. É preciso que ele seja compatibilizado com a nossa Constituição. É isso que se está cobrando aqui e esse é o nosso papel, esse é o nosso papel.
Nós não podemos aceitar que o combate a qualquer ilícito, corrupção ou qualquer outro tipo de ilícito, seja uma espécie de luta de vale-tudo, em que a Constituição não valha nada, em que os códigos não valham nada, em que direitos e garantias fundamentais não valham nada, que é o que está acontecendo hoje em dia com a prática de tomada de delações. E a nós foi atribuída a responsabilidade de coligir essas contribuições e fazer com que elas venham a servir no sentido de se produzir aqui um conjunto de medidas legislativas que ponha em conformidade com o Estado Democrático de Direito um instituto de delação premiada que trate da questão dos vazamentos, que trate, enfim, de todas essas questões que vêm, sem sombra de dúvidas, atentando contra a nossa democracia.
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Então, desde já, eu deixo os dois convidados que ficaram... E acho que devem responder em conjunto depois das perguntas de todos aqui - e a Deputados, se houver.
Só duas questões. A primeira é para o Prof. Aury.
Quando se fala, tanto aqui quanto na comissão do Código Penal... Eu ouvi críticas ao fato de se obter delação de réu preso. E outro dia eu ouvi um Procurador, desses que falam muito, que falam mais para a televisão do que efetivamente nos autos, como deveria ser. Ele fez a observação de que é um direito do réu, preso ou não, fazer a delação e que proibir o réu preso de delatar é atentar contra esse direito. Eu gostaria de um comentário sobre isso. O Prof. Jacinto, se quiser comentar também, por favor que o faça.
O Prof. Jacinto, que é um estudioso da matéria, mencionou aqui en passant, mas eu gostaria que também ele fizesse, de forma sucinta, uma comparação entre a Mani Pulite, as Mãos Limpas na Itália, e a Lava Jato aqui no Brasil, já que os formuladores da Lava Jato sempre alegam ter como exemplo a operação Mãos Limpas na Itália, é nela que eles se inspiram. Eu gostaria que o Prof. Jacinto, e também o Prof. Aury, se quiser, comentasse isso.
E quero também informar que, lamentavelmente, o Sr. Sérgio Moro e os Procuradores que foram convidados para virem aqui - estariam aqui na quinta-feira - declinaram do convite, resolveram não vir. Nós apenas oportunizamos democraticamente que todas as posições acerca do tema pudessem ser trazidas a debate, mas eles estão se recusando...
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Quais foram os Procuradores que foram convidados?
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Se não me engano, Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima - no tenho absoluta certeza. Viriam atendendo a requerimento, se não me engano, do Deputado Izalci.
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - O Dr. Sérgio Moro e o Dr. Deltan Dallagnol não vão participar do debate?
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Isso. Não virão.
Acho que eles perdem a oportunidade de colocar o seu posicionamento. Eles têm lá a mídia, a grande mídia e outros elementos de comunicação. Tenho a impressão de que eles acham isso mais importante do que a Casa Parlamentar.
É uma pena. Eu acho isso uma falta de respeito e, ao mesmo tempo, uma manifestação de desapreço ao debate democrático.
Então que fique claro aqui que nós não estamos preconizando ouvir só um lado. Nós tentamos trazer os dois lados, mas só um lado atendeu ao nosso convite.
Dando andamento aos nossos trabalhos - há uma ordem de inscrição aqui -, passo a palavra ao Deputado Paulo Pimenta.
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O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Eu sou o primeiro.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - V. Exª é o primeiro, me desculpe.
Deputado Carlos Marun, que é o nosso Relator.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS. Como Relator.) - Meu agradecimento aos ilustres professores e operadores do Direito que atenderam ao convite desta Comissão e aqui compareceram com o objetivo de contribuir para o debate.
Nobres pares, minha saudação.
Eu já não tenho mais dúvida e penso que esse caso JBS escancara isso. Fica escancarado que o atual sistema normativo que rege a questão da delação premiada é nefasto. É nefasto porque permite a sua utilização para fins diversos daquele que, inclusive, levaram o legislador a estabelecer, a trazer para o nosso Direito esse tipo de procedimento, a delação. Ele permite fins diversos. Tanto permite que eu, no caminho que percorro nesta CPI, já tenho uma convicção. E essa convicção não é combatida, já que aqueles que deveriam aqui estar dizendo "Não, o que pensa o Relator, o que pensa..." Eles deviam aqui estar rebatendo e colocando suas posições, mas não estão. E o fazem como? Manifestam-se pelo Facebook, pelo Twitter, por qualquer meio que não seja sentar aqui e, olho no olho, tentar sustentar posições divergentes daquela que eu tenho: que se trata de uma situação criminosa, que se aproveitou a oportunidade de uma delação conduzida por Procuradores no exercício pleno da sua atividade, que tentaram, sim, um golpe de Estado, derrubar um Presidente da República, com o objetivo - e agora vou ao objetivo - de controlar a sua própria sucessão. Alguns. Outros com - tenho eu essa convicção - objetivo pecuniário. Uns guiados pelo desejo político, outros guiados pela obtenção do vil metal.
Vem alguém aqui dizer que não? Ao contrário, recusam convites, protestam, tentam espancar na Justiça convocações e, aí, correm para o Twitter. Como se nós não estivéssemos todos assistindo a essa ópera do absurdo. É um pacto de mediocridade pelo qual se tenta impedir que nós avancemos nisso que ainda está acobertado sob um tampo, que não permite que nós, efetivamente, saibamos o que realmente aconteceu.
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A delação, na forma em que está, serve, sim, como aríete, pode servir, sim, como um aríete contra o Estado de direito. Ela tem que ser adaptada às exigências do Estado de direito, que têm a ver, sim, com os direitos e garantias individuais.
Não é possível que você seja acusado... Falou-se aqui em destruição de reputações, mas já existe caso de destruição de vidas! Não é só a reputação, é a vida mesmo! Já existem casos de destruição de vidas, sem que o ofendido tivesse sequer o direito de impugnar essa delação.
Hoje, bater bumbo para que isso fique do jeito que está, no meu modo de ver, é sinal - já vou receber resposta de tarde pelo Twitter, pelo Facebook, então já vou dizer a minha posição - de covardia e de insanidade, ou de bestialidade.
E aqueles que criticam... "Porque o político, o político, o político..." O que dizem agora, quando veem que eles correram lá no STF para não comparecerem aqui e prestarem esclarecimentos? Será, Deputado João Gualberto, que são só os políticos, em quem o senhor tanto bate, quase como se não fosse um deles, que somos os responsáveis por tudo isso? Nós estamos aqui, o senhor está aí. O senhor não está procurando alguma saia para se esconder embaixo dela.
Então, ao contrário do que muitos dizem, esta CPI está sendo importante, está avançando, está elucidando, porque está ouvindo o silêncio daqueles que têm medo de aqui se colocarem. Todavia, nós, amanhã, deveremos ter uma posição muito forte em relação ao que aconteceu. Se é a lei, é a lei. Se é a lei... Se o eminente Ministro Toffoli cumpriu a lei, é a lei! Lei existe para ser cumprida. Cabe-nos observar no campo das necessárias alterações legislativas. Fala-se em foro privilegiado, mas será que existe foro mais privilegiado do que esse, que impede alguém até de ser ouvido por uma CPI? Esse é o foro hiper, hiper, hiper privilegiadíssimo, como foi hiper, hiper, hiper, hiper premiadíssima essa delação!
Então, nós estamos, sim, avançando no rumo de coisas muito importantes. No início desta CPI eu dizia: esta CPI tem o ineditismo até de investigar quem sempre investigou. Não se trata de ir atrás de quem nos investigou, mas atrás de gente que não é acostumada a depor, mas é acostumada a obter depoimento. Quando chega na hora de depor, dá uma tremedeira.
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Então, eu destaco isto: nós amanhã temos que estar aqui maciçamente presentes. Quero ouvir o Presidente a respeito deste momento que nós estamos vivendo no âmbito da CPI.
No mais... Vejo aqui várias sugestões, várias sugestões importantes. Eu gostaria de saber a posição dos juristas que ainda...
Eu também, refletindo sobre isso, pensei em como tornar esse instrumento, já que ninguém aqui falou em acabar com ele... É mentira, m, e, n, t, i, r, a! São mentirosos, m, e, n, t, i, r, o, s, o, s, aqueles que dizem que nós estamos querendo acabar com a delação. Nós queremos, sim, fazer com que ela converse, com que ela conviva, com que ela exista num ambiente democrático.
Delação premiada já existia no nazismo, lá já existia. "Olha, pessoal, aconteceu uma coisa lá, os partisans italianos mataram dois soldados nazistas lá. Quem não falar em trinta minutos, não disser quem são os dois... Nós vamos vir aqui e matar 50!" Aí, o cara que delatava era premiado, não era morto. Quer dizer, essa delação premiada já existia... Não é preciso haver muitas regras para a delação premiada. Nós queremos um sistema de delação premiada que conviva num Estado democrático e, para isso, ele precisa ser aperfeiçoado.
Pergunto-lhes uma coisa. Eu estava pensando no seguinte modelo: um cardápio inicial de delação. Daquele cardápio, o cidadão cita que vai delatar...
Por sinal, não existe negócio melhor no mundo hoje do que a delação. Lá em Mato Grosso do Sul aconteceu uma delação agora que é impressionante. Todo mundo sabe qual era a turma do delator, todo mundo sabe que aquele Pantanal... Para parar de andar dentro de terra dele, você tem que passar muito tempo, e não é a cavalo, mas de carro, até para sobrevoar é demorado. Ele devolveu 13 milhões em 6 vezes e vai ficar em casa não sei quanto tempo, mas exigiu que não usar tornozeleira. Está feito o acordo, e ele está lá falando feito um tagarela. Por sinal, amanhã eu vou encaminhar um requerimento que se refere à JBS pedindo a íntegra dessa delação e espero ter o apoio dos colegas para vermos o que houve ali. Decisões tomadas assim... A tal prisão foi revogada em seis ou sete horas depois de ter chegado, num feriado, o pedido de habeas corpus em relação ao preso.
Faz-se um cardápio. No cardápio está fulano, sicrano, beltrano. Tudo bem, hoje vai falar do fulano. Convoco o advogado do fulano para assistir à fala já no primeiro momento, certo? Todas as falas devem ser gravadas e ter advogado presente para que já possa fazer oposição ou colocar questões, já durante esse depoimento, já durante as falas da delação. Penso que seria um instrumento que poderia... Não fere a delação, mas já coloca uma barreira contra o absurdo. "Eu entreguei dinheiro para ele." "Quando?" "Dia tal." "Espera aí. Dia tal ele estava nos Estados Unidos, como é que você entregou para ele? Entregou lá em Chicago?" São coisas assim que podem já de pronto impedir esse massacre que se está fazendo de reputações e de vidas em função de delações que têm, todas elas, uma grande premiação em dinheiro. Ora, você permitir que o cidadão fique com o dinheiro roubado numa delação... Quer dizer, é o absurdo dos absurdos. Mas já se pode colocar uma objeção ali.
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Gostaria de ouvir alguma consideração dos senhores a respeito dessa ideia. Eu não consigo tirá-la da minha cabeça.
Era isso que eu tinha a colocar.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Passo a palavra ao Deputado Paulo Pimenta.
O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Muito obrigado, Deputado Wadih.
Cumprimento o Deputado Marun. Cumprimento o Dr. Aury, o Dr. Jacinto, o Dr. Eugênio Aragão, que já se retirou, o Dr. Alexandre Morais da Rosa.
Acho que esta audiência é uma das mais importantes que nós realizamos não só aqui na CPMI, mas nestes últimos tempos no Parlamento brasileiro. Eu não tinha participado ainda de um debate com tanta profundidade para examinar essa temática. Infelizmente, porém, mesmo convidados, o Dr. Sérgio Moro e o Dr. Dallagnol declinaram de estar aqui conosco. Aliás, sempre que eu tive oportunidade de estar presente com o Dallagnol ou com o Dr. Sérgio Moro, percebi que eles nunca quiseram debater essa matéria. Eles estão muito acostumados a falar sozinhos, ninguém questiona, ninguém pergunta. Entrega de prêmios, palestras pagas... É uma pena eles não terem comparecido aqui.
Eu quero, de antemão, fazer duas preliminares para que os senhores possam compreender as minhas indagações.
Primeiro, quero dizer que eu não sou advogado. Portanto, se eu cometer aqui alguma impropriedade, peço de antemão a consideração de V. Sªs.
Em segundo lugar: eu tenho uma profunda aversão à figura do cagueta, do dedo duro, talvez por minha formação política. Em função do papel dessas figuras na história, eu particularmente tenho uma dificuldade enorme em relação a esse tipo de coisa. Imagino eu que essas pessoas que idolatram a figura dos delatores devem ficar muito incomodadas pelo fato de que no Brasil não há nenhuma avenida, nenhuma rua chamada Joaquim Silvério dos Reis. Entre Tiradentes e Joaquim Silvério, eles ficam com Joaquim Silvério. Entre Jesus e Judas, eles ficam com Judas. Então, há um histórico de bajulação a delatores.
Eu quero levantar algumas questões que, na minha trajetória neste assunto, são dúvidas que eu tenho. Talvez os senhores não precisem nem tratar delas hoje, mas que pudessem pensar e elaborar a respeito delas caso achem isso necessário.
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A maneira como se deu durante todo esse processo, a maneira como os juízes acabaram, de certa maneira, escolhendo os assuntos de que vão tratar... Eu não consigo, até agora, entender por que a delação da JBS caiu na mão do Fachin. A rigor, a Lava Jato é só da Petrobras, é uma investigação sobre irregularidades na Petrobras. O centro da delação da JBS são os negócios da JBS, BNDES, corrupção no governo. Aí, lá não sei onde, alguém achou um item que diz que um dos interesses da JBS era uma usina termoelétrica e, por conta dessa usina termoelétrica, o Dr. Janot escolheu para quem seria encaminhada a relatoria. O Dr. Sérgio Moro investiga até onde ficaram guardados os presentes que o Presidente Lula recebeu durante o período em que estava na Presidência da República, mas o que isso tem a ver com a Lava Jato, o que isso tem a ver com a Petrobras?
Então, nós criamos no Brasil a figura dos juízes que são proprietários de assuntos e de pessoas. Ninguém no STF pode tratar da questão dos Batista, a não ser o Fachin. Eu não sei por quê. Ricardo Saud, ninguém pode. De um jeito ou de outro, ninguém pode tratar de nenhum assunto relativo ao Presidente Lula que não seja o Sérgio Moro. Ninguém pode tratar do assunto do Aécio, somente o Gilmar Mendes - mas aí é uma questão do sorteio, é uma outra situação. Então, perdeu-se a figura do juiz natural no processo.
Aí há também a escolha dos advogados. Então, agora, os juízes e os procuradores dizem o seguinte: "Para fazer a delação, não pode ser com esse escritório. Tem que ser com outro escritório." E é comum que os advogados sejam parentes de procuradores, de juízes. Ao que parece, criaram-se, como antigamente existiam, os advogados de porta de cadeia, que eram amigos do delegado, que eram amigos do cara que estava no plantão. Se contratasse aquele escritório, conseguia largar o cara até na madrugada.
Na Lava Jato, é o seguinte: se não se contratar um dos escritórios em que eles trabalham, você não consegue avançar. Há inúmeros relatos, há inúmeros relatos que surgiram sobre os chamados advogados da Lava Jato. Então, você tem o juiz, o advogado e os procuradores também, que são escolhidos.
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Terceira questão: os chamados delatores assalariados. Eu li que a Odebrecht alugou um hotel e fez uma convenção de executivos para combinar a delação na qual estavam os acionistas e um conjunto de executivos. Todos aqueles executivos que aceitaram fazer a delação, evidentemente com os mesmos escritórios - aquilo que o senhor falou, uma delas reforça a outra -, receberão 15 anos de salário. Isso é público, já foi confirmado! Quer dizer, os delatores, além dos benefícios, receberão salário durante 15 anos, desde que se disponham a fazer a delação nos termos propostos pelos acionistas, que têm por objetivo, evidentemente, salvar o máximo que puderem dos interesses da sua empresa no Brasil e fora do Brasil.
Corrija minha ignorância jurídica: se eu não posso combinar o depoimento com alguém, que eu estou sendo, que eu estou... Como é que eu posso fazer uma delação combinando 77 delatores com os mesmos escritórios de advocacia? Nós já tivemos acesso a depoimentos de delatores nos quais se perguntava para eles: "Escuta, tu confirmas tal coisa?" E ele diz assim: "Está escrito aí?" "Está." "Então é isso." São delatores que sequer conhecem a delação que fizeram. Há minutas de delação preparadas pelo Ministério Público e encaminhadas para os delatores. Há uma proposta de delação do e-mail do próprio Ministério Público. Então, são delatores profissionais que trabalham para salvar os interesses dos acionistas.
Nessa delação da Odebrecht, há outras coisas que são, do meu ponto de vista, difíceis de serem compreendidas. Eu li o acordo de leniência da Odebrecht - não é delação. No acordo de leniência se diz que serão concedidas imunidades em todos os processos criminais para os aderentes. Então, foram concedidas imunidades semelhantes à da JBS no acordo de leniência da empresa; não é nem no acordo de delação deles.
E há uma cláusula que é fantástica. Dr. Aury, o senhor estava falando dessas cláusulas fantásticas. Eu não sei se o senhor leu um anexo, o chamado item 12, que são as obrigações do Ministério Público com relação à Odebrecht. Ele diz assim: "O Ministério Público compromete-se a não fornecer cópia integral ou acesso aos sistemas dos quais estão sendo retiradas as provas a ninguém." Está escrito!
A defesa do Presidente Lula e de outras pessoas tem solicitado ao Ministério Público e ao juiz o acesso às provas, aos sistemas My Web Day e Drousys, que eram os sistemas utilizados no acordo de leniência. O Ministério Público - isso depois foi homologado na 10ª Vara - acorda com a Odebrecht que não será fornecido aos interessados... Além desse há outro acordo, no qual ele se compromete a não fornecer nenhuma informação para as investigações que ocorrem fora do Brasil.
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Então, o Juiz Sérgio Moro, infelizmente, quando ele nega... Em nenhum momento ele diz: "Olha, eu não posso entregar, porque eu homologuei o acordo. Se eu entregar as provas que vocês estão solicitando, eu quebro uma cláusula do contrato da delação."
Eu tenho o contrato... Eu tenho o contrato da leniência e tenho também os anexos - se os senhores desejarem analisar isso de maneira mais apurada, não é?
Essa questão eu ouvi de várias pessoas: o maior interesse da delação não é o que eles olham, mas o que eles se dispõem a não olhar. Então, por exemplo, na planilha da delação do João Santana e da Mônica Moura, há folhas, todas elas, taxadas em negrito, onde aparecem algumas contas, e o conjunto de outras contas não aparece. Eu e o Deputado Wadih tivemos acesso à planilha original, com todas as contas. Então, fica evidente que foi feita uma negociação em que se disse o seguinte: "Olha, tu nos entrega essa conta e essa aqui, e nós abrimos mão de investigar essa aqui e essa aqui. Nós não queremos saber o dinheiro que está nessas aqui."
Num determinado momento, a Mônica Moura e o João Santana solicitam ao Poder Judiciário a liberação de R$10 milhões para subsistência e pagamento de honorários. O Ministério Público Federal se manifesta favoravelmente, o Juiz Sérgio Moro também, mas o advogado é, irmão do procurador... O advogado é irmão do procurador!
Por fim, a dificuldade que nós temos de conseguir avançar em algumas coisas básicas.
Por exemplo, nós fizemos uma representação ao CNJ - eu, o Deputado Wadih, a Deputada Jandira, outros Parlamentares -para saber uma coisa muito simples do CNJ sobre o procedimento adotado pelo Juiz Sérgio Moro quando permitiu a interceptação telefônica da Presidenta da República, sobre o procedimento de ter mantido a interceptação depois do horário estabelecido pela Justiça: essa interceptação ter sido feita à 1h34min da tarde e, às 5 horas, estar sendo transmitida ao vivo e em cores pela Globo News para o Brasil e para o mundo é um procedimento legal? Ocorreu alguma ilegalidade? Essa é a pergunta que nós fizemos ao CNJ. Vão fechar dois anos, já foi colocado várias vezes na pauta, mas todas as vezes, por algum motivo... Agora, na última vez, a Ministra Cármen Lúcia tira da pauta.
Quer dizer, aqui nós podemos... Agora o Ministério Público conseguiu uma liminar que estabelece que nós não podemos investigar nem chamar para depor o procurador... Aliás, o chefe de gabinete, não o Procurador Pelella. Várias pessoas aqui falaram sobre a participação dele. Nós não podemos investigar. O.k. Ao CNJ nós não podemos recorrer. A quem nós vamos recorrer sobre esse conjunto de ilegalidades cometidas pelos juízes e pelos procuradores? A quem nós devemos... Onde é que nós vamos nos insurgir contra esse conjunto de ilegalidades flagrantes que estão aqui, de maneira detalhada e comprovada?
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Então, queria colocar essas questões para ajudar a reflexão e agradecer muito a oportunidade de estar aqui presente escutando, Deputado Wadih, uma verdadeira aula que o povo brasileiro hoje tem oportunidade de acompanhar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - É verdade.
Agradeço ao Deputado Paulo Pimenta e passo a palavra ao Senador Lasier Martins.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Obrigado, Sr. Presidente Wadih Damous.
Saúdo o eminente Prof. Aury Lopes Júnior, que conheço bem de perto e admiro por ser um brilhante professor de Direito, um brilhante advogado e um profissional de muito prestígio no Rio Grande do Sul. Saúdo também o Dr. Jacinto Coutinho, professor da Universidade Federal do Paraná.
Eu estou aqui, Sr. Presidente, há duas horas e meia escutando pronunciamentos brilhantes sobre Processo Penal, Direito Penal. Há muitos fundamentos em tudo o que ouvi, muita aprendizagem e muita reflexão. Agora, eu estou muito preocupado com a CPI, porque esta Comissão, que se encaminha para o final, desde o primeiro dia tornou-se controvertida, principalmente quando dois Senadores, já no primeiro dia, renunciaram à participação, Otto Alencar e Ricardo Ferraço, alegando que seria uma CPI chapa branca, que não daria em nada. E continuei preocupado na medida em que, pouco a pouco, as defecções nas participações foram se somando - basta lembrar que esta CPI mista possui 46 integrantes, dos quais 19 são Senadores, e hoje não tivemos aqui mais do que dois Senadores e, no presente momento apenas, um. Além disso, em momento algum esta Comissão teve hoje mais do que seis participantes. Parece estar havendo uma debandada de participação e isso me tem preocupado.
Eu não deixo de cogitar um grande desvio de foco, Relator Carlos Marun. Tem havido um desvio do foco desta CPI. Quando foi criada, lá ficou estabelecido: "Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a investigar supostas irregularidades envolvendo as empresas JBS e J&F em operações realizadas com o BNDES e o BNDESPAR, ocorridas entre os anos de 2007 e 2016, que geraram prejuízos de interesse público.
Hoje não tratamos de nada disso.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Isso é incompleto! Por favor, o senhor leia tudo.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Eu falei da razão principal.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Não.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - A razão principal.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - O foco está dividido em duas, três vezes...
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Depois, a razão...
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Por favor, só para não...
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - A razão secundária é a que teve foco hoje, que diz que: "...e os procedimentos do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público Federal e os acionistas das empresas JBS e J&F."
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O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Bom, eu não vejo aí o fato de um estar antes do outro como dizer que um tenha supremacia em relação ao outro...
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Eu poderia perguntar ou sustentar a opinião que tenho ou terei de ser interrogado e questionado?
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Não, não, mas se o senhor lê uma coisa e omite...
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Eu disse da razão principal desta CPI, que vem fugindo ao seu foco principal.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Eu discordo, porque o foco que nós estamos trabalhando está posto nas razões que criaram a CPI, cuja leitura, a meu pedido, V. Exª complementou, e eu agradeço.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Pois não, Deputado, V. Exª colocará tudo isso no seu relatório, que nós aguardamos com muita expectativa.
Hoje nós aqui fizemos praticamente um julgamento da lei da delação premiada, que, curiosamente, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, a Lei nº 12.850, do ano de 2013, que só passou a ser muito questionada quando trouxe, no último ano e meio ou dois anos, nomes ilustres da política. Aí passou a ser questionada, mas é uma lei que está em vigor, que foi aprovada.
Então, está-se desviando para questionamentos que pouco ou nada têm a ver com as fraudes e benefícios relacionados à JBS, razão principal da criação desta CPI, e muito se tem aludido ao Ministério Público e à Polícia Federal, que quase se transformam em réus nesta CPI, mas isso contraria a sociedade brasileira na sua grande maioria.
Há poucas semanas, os jornais deram grande destaque, a televisão também, ao desfile de 7 de setembro. Houve uma única instituição que foi estrepitosamente aplaudida: a Polícia Federal. A Policia Federal está em alta, ou estava até ontem - ontem as declarações do novo Diretor-Geral da Polícia despertaram algumas apreensões, mas isso é coisa para confirmar-se com o passar do tempo -, e o Ministério Público também tem sido muito elogiado por seu trabalho, porque são entidades públicas que mudaram a tradição das investigações no Brasil, que registram, até bem pouco tempo, alguns poucos anos, várias e importantes operações policiais que investigaram e demonstraram graves crimes contra o dinheiro público brasileiro. Mas, lamentavelmente, aquelas operações, conhecidas de todos, foram arquivadas, foram anuladas por defeitos formais.
Aí, os nossos eminentes professores, que defendem ardorosamente aqui o formalismo do nosso processo penal, esquecem que há uma indignação nacional diante da frouxidão da legislação penal e da legislação processual do Brasil, que têm sido responsáveis, por sua incompetência, pela proliferação do crime no Brasil, a ponto de atingirmos o ápice da criminalidade no Brasil. Nós, no Congresso Nacional, temos a obrigação de combater e, de alguma maneira, encontrar essas deficiências e corrigi-las. Pouco ou nada temos feito por isso.
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Aliás, hoje deve começar, pelo menos aqui no Senado, uma operação que envolve discussões sobre a segurança pública. Não sei se chegaremos a bom termo, porque o tempo se tornou muito escasso para isso.
A minha preocupação é a de que nós estamos encaminhando para o final desta CPI Mista e aquilo que era o foco principal está sendo relegado. Não sei se chegaremos a alguma conclusão, porque faltam poucos dias. Não ouvimos aqui, por exemplo, vários dos envolvidos. Como disse em determinado dia o Deputado Gualberto: "Mas, e os políticos envolvidos? Não serão ouvidos?"
Não foi ouvido ninguém! E algumas autoridades públicas, que deveriam ter vindo aqui, não vieram, e ficou por isso mesmo! E alguns indiciados vieram aqui para silenciar. As acareações que cogitávamos também, ao que tudo indica, não vão acontecer.
Então, por isso, Sr. Relator Carlos Marun, lamento que estejamos chegando a esse desfecho, porque não era aquilo que a sociedade brasileira estava esperando, embora vários colegas estivessem insinuando que não chegaríamos às expectativas geradas em torno desta Comissão Mista numerosa que, pouco a pouco, se foi desfalcando, porque, hoje, praticamente, ninguém comparece, ninguém se interessa por ela.
Como integrante indicado pelo meu Partido... Inclusive recebi sugestões: "Senador, acho que o senhor deveria sair dessa Comissão. O senhor tem discordância." Eu disse que iria ficar até o fim para ver no que iria dar. E vou ficar até o fim para ver no que vai dar, mas sinto uma certa frustração de que não chegaremos às expectativas em torno da razão principal, mas chegaremos à conclusão de que a lei da delação tem que ser mudada, que houve excessos do Ministério Público, que a Polícia Federal exorbitou das suas atribuições, que o Sr. Rodrigo Janot é o grande responsável pelos desvios e também cometeu infração.
Mas eu não gostaria de ver, Sr. Relator, isso tomar relevância e primazia nesta Comissão, porque não foi para isso que formamos esta Comissão! Os brasileiros estão esperando para ver no que vai dar, e a sua responsabilidade, como Relator, é muito grande. V. Exª será julgado por bem, ou por mal, conforme o texto que V. Exª vai produzir. E nós, os poucos integrantes remanescentes, também vamos avaliar.
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Então, a audiência de hoje foi proveitosa pelas belas aulas de Processo Penal que tivemos aqui - brilhantes professores, todos eles -, mas elas tiveram um único direcionamento: a condenação da lei da delação e o desempenho do Ministério Público e da Polícia Federal.
Eu não tenho nenhuma pergunta a fazer, mas acho que nós perdemos o rumo. Hoje o que nós vemos aí é uma forte tendência de se melar a Lava Jato. Há uma tendência nesse sentido vinda de vários lados, o que certamente a população não vai aceitar, e eu não sei em que medida vai se comportar o Supremo Tribunal Federal, que está verdadeiramente embaraçado por não ter estrutura, por estar dividido. É uma pena que aquilo que tanto esperávamos, uma depuração na política nacional, esteja hoje tão ameaçado.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Eu passo a palavra agora ao Deputado Izalci.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente.
Estava correndo, estava lá na CMO. Hoje nós vamos votar o relatório da receita de 2018.
A nossa assessora me colocou a fala do querido amigo Senador Lasier. Espero eu ter entendido o que a nossa assessora colocou: que o Senador Lasier colocou que esta Comissão perdeu o rumo. Se essa palavra se confirmar, Senador Lasier, eu diria a V. Exª, com toda a vênia, que esta Comissão não perdeu o rumo, não perdeu o foco, não perdeu o objetivo. Esta Comissão está funcionando há pouco mais de 60 dias. Nós já avançamos bastante dentro desta CPMI, já ouvimos muitas pessoas. Poderíamos ter avançado ainda mais. Gostaria que ela tivesse - eu, como Presidente - avançado um pouco mais.
Mas nós não perdemos o foco, e eu digo por que nós não perdemos o foco. Qual é o foco principal desta CPMI? Investigar possíveis irregularidades nesses empréstimos junto ao banco BNDES. E ouvimos executivos do BNDES, como o Presidente Luciano Coutinho, o Presidente da Caixa Econômica e outros mais. Também era foco desta CPMI analisar os contratos, ou o contrato, de colaboração, de delação premiada e colaboração dos irmãos Batista.
Nós caminhamos nesse foco. Já ouvimos aqui dois advogados do Grupo J&F, já ouvimos o Procurador Ângelo Goulart e outros. E nesta semana, para amanhã, estava convocado o Procurador Eduardo Pelella, que uma decisão da Suprema Corte Federal, Relator Ministro Toffoli, colocou - e eu lamento, amanhã vou fazer uma fala sobre essa decisão. Decisão do Supremo se acata, se obedece, mas eu lamento, porque o nosso objetivo, do convite, a princípio, que o Procurador Pelella negou, era ele vir aqui a esta Comissão e contar a nós, explicar a nós como é que foi realmente feito esse contrato com os irmãos Batista.
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Portanto, nós estamos no caminho certo, que é investigar essas possíveis irregularidades de empréstimos e compra de participação por parte do BNDES e da própria Caixa Econômica Federal, através de um fundo de investimento, como também como é que foi celebrado esse acordo de delação premiada. Nós já sabemos que o próprio ex-procurador da República pediu a suspensão temporária desse contrato e pediu a prisão dos irmãos Batista. Então, o próprio procurador da República percebeu que algo estava errado. E nós, então, estamos aqui trilhando o rumo certo. Estamos trilhando o rumo certo.
"Ah, mas nós ainda não ouvimos políticos." Está aqui o Deputado João Gualberto, do meu partido, que tem colocado isso com muita ênfase. E eu coaduno com ele que nós temos que ouvir políticos. Agora, nesta altura dos trabalhos da CPMI, botar político aqui, eu acho que não é o momento. Vamos, então, verificar esses empréstimos, vamos verificar a celebração desse contrato e aí, sim, vamos então chamar os políticos.
Eu concordo plenamente que nós temos que chamar os políticos. Em momento algum eu disse que nós não temos que chamar os políticos. Agora, eu não posso admitir, como Presidente desta Comissão, que ela está esvaziada - ouviu, Senador Lasier? Ela não está esvaziada. Eu lamento muito. Nós deveríamos ter mais Parlamentares, porque são 64; são 16 Senadores, 16 Deputados Federais e igual número de suplentes, isso perfazendo 64. Mas nós sabemos que os trabalhos diários destas duas Casas exigem muito de nós. Hoje, por exemplo, eu já passei em quatro comissões.
Estamos aqui hoje realizando esta belíssima audiência pública, ouvindo esses juristas, essas pessoas competentes, sobre a possível melhora desse instituto da delação premiada, dessa Lei 12.850. E eu tenho dito: ela muito me satisfaz. Ela muito me satisfaz! Se não fosse o instituto da delação, o Brasil estaria naquela mesma coisa do passado, da impunidade. É importantíssima essa lei. E é bom que se ressalte o trabalho maravilhoso do Ministério Público Federal. Entretanto, nada é tão bom que não possa ser melhorado. E isso aqui é o nosso propósito.
Eu não tenho dúvida de que o Subrelator ou Relator parcial, o Deputado Wadih - eu tenho certeza -, vai nos apresentar uma proposta extremamente importante para o nosso País, sobre a qual nós devemos nos debruçar, para melhorar o instituto.
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Portanto, eu só queria dizer, com todo respeito que tenho por V. Exª, com toda admiração que tenho por V. Exª, que nós não perdemos o foco.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Permite-me um aparte?
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Permito, com todo prazer.
Eu estou triste porque acho que poderíamos ter avançado mais, mas a Constituição é muito clara: ninguém é obrigado a produzir prova contra si - está no art. 5º da nossa Carta maior. Então, muitos vieram aqui e permaneceram calados, mas nós temos que admitir isso.
Agora, hoje, no nosso banco de dados, se V. Exª o estiver acessando, e acredito que esteja, nós temos informações extraordinárias! Hoje, o nosso banco de dados, quando consolidamos todas essas operações, talvez seja o maior banco de dados dessa investigação da Lava Jato, especialmente dos irmãos da JBS e do J&F. Talvez - eu não posso afirmar isso - o maior banco de informações esteja hoje dentro desta nossa Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.
Portanto, com toda vênia, nós não perdemos o foco. Eu espero que na semana seguinte nós ouçamos o ex-Procurador Marcello Miller, que foi o grande maestro desse contrato de delação com os irmãos Batista, e também vamos ouvir o Presidente da JBS, o Sr. Joesley Batista. E eu tenho certeza de que logo depois, então, nós poderemos pensar nos políticos de em outras autoridades.
Eu confesso que, como Presidente, não posso concordar com V. Exª quando diz que isso aqui está esvaziado e que nós perdemos o foco, com toda vênia.
Com a palavra.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Permita-me, Senador Ataídes. Eu não desmereço de forma alguma o seu esforço, até porque V. Exª tem o grande mérito de ser o protagonista, ser o autor do requerimento que gerou esta CPI, que teve um objetivo. Mas o que eu quis dizer - e tenho elementos suficientes para demonstrar - é que aqueles seus objetivos têm sido no mínimo repartidos com outros objetivos: o objetivo de condenar o Janot, de atacar alguns procuradores de Justiça, etc. Nesse sentido, houve desvio, sim.
Agora, tenho acompanhado o seu esforço, louvado, e tenho sido um dos participantes mais presentes nesta CPI. Tenho acompanhado as suas horas e horas aqui presidindo e acompanhado o desenvolvimento. Não receba o comentário que fiz aqui como qualquer crítica à sua atuação. Ao contrário; se esta CPI existe, isso se deve à sua participação, à sua atuação, à sua iniciativa. Agora, estou um pouco frustrado com relação ao andamento e tenho muita preocupação com relação ao prazo, que se está escoando rapidamente.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Agradeço.
Permita-me, Presidente, mais uma pequena fala.
V. Exª realmente, aqui no Congresso Nacional, e eu tenho dito isso, permita-me repetir, é um dos Senadores mais atuantes e mais competentes que esta Casa ganhou. V. Exª sabe da admiração que eu tenho. É verdade.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS. Fora do microfone.) - Bondade sua.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Mas é verdadeiro. Eu tenho muita dificuldade de elogiar alguém desmerecidamente.
Essa declaração que saiu ontem, no Estadão, dizendo que nós estamos querendo pedir a prisão do ex-Procurador Janot, não contempla o que eu penso. Isso não contempla. Quando nós fizemos o convite ao ex-Procurador Janot, foi para ele vir aqui colaborar com os trabalhos desta CPMI.
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Então, se alguém desta CPMI, Senador Lasier, disse que nós vamos indiciar, que nós vamos pedir prisão de Janot, não conta com o meu voto, não conta com o meu "de acordo". Não conta, porque, até que se prove em contrário - eu já disse várias vezes e quero repetir -, o ex-Procurador prestou um grande serviço a este País. Disso eu não tenho dúvida.
Agora, o problema foi essa delação dos irmãos Batista, em que ele mesmo já percebeu que houve um ponto fora da curva. E é exatamente para esse ponto fora da curva que nós precisamos do ex-Procurador Janot para nos ajudar; para ajudar a elucidar como foi feita toda essa proposta.
Então, se alguém disse que nós vamos pedir prisão de Janot, eu sou extremamente contra. E nós aqui não temos que pedir prisão. Não é de competência desta Comissão pedir prisão. Eu sugeri ao Ministério Público a quebra do contrato de delação do Wesley e do Ricardo Saud, porque eles tinham a obrigação, de acordo com o que determinam seus contratos de delação, de colaborar com as investigações, e isso não aconteceu aqui nesta CPMI. Por isso, eu sugeri. Além disso, não conte com a minha participação.
Queria que V. Exª soubesse disso, e V. Exª me conhece. Eu tenho feito, Senador Lasier, o maior esforço, pagando inclusive um preço muito alto por estar na Presidência desta CPMI. Agora, isso é uma atribuição nossa. São uma atribuição da Casa, do Congresso Nacional, essas comissões parlamentares de inquérito. E eu percebo que nós precisamos fazer alguma coisa, em termos de Regimento Interno, para nós melhorarmos os trabalhos desta CPMI.
Então, essa é a colocação que eu queria fazer, Presidente Deputado Wadih.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Desde já, passo a palavra ao Deputado Izalci.
O SR. IZALCI LUCAS (PSDB - DF) - Bem, eu quero só manifestar minha preocupação. É evidente que eu não ouvi todo o debate, mas pude perceber claramente colocações que contribuem muito para a gente aperfeiçoar, porque o objetivo desta audiência pública é aperfeiçoar a lei da delação, que também não pode ser aplicada da forma como está sendo aplicada. Precisa melhorar muito.
Agora, o que me preocupa é a falta realmente... Por exemplo, ontem à noite, vi o Supremo impedindo, dando a possibilidade de amanhã o Pelella não comparecer à CPI. Então, eu vejo assim: a cada dia, a CPI vai-se esvaziando, não por questão, como colocado aqui, da participação; é mais porque a maioria vem aqui com uma decisão do Supremo, com uma liminar, com um habeas corpus, não sei o que, e a gente precisa aperfeiçoar essa questão da CPI. Ou a gente acaba com a CPI, ou a gente aperfeiçoa a CPI.
Eu sugiro, Presidente... Eu gostaria de pedir a atenção do nosso Presidente. Eu gostaria de saber, por exemplo: essa ação ontem, da liminar do Pelella, concedida pelo Ministro Toffoli... A CPI vai agir? Vai entrar... Vai, pelo menos, se contrapor ou verificar o que pode ser feito? Porque a gente precisa ter uma reação. Nós não podemos simplesmente ficar aqui... E as instituições me preocupam. Eu não estou aqui querendo penalizar ninguém, nem culpar ninguém, mas nós temos que preservar as instituições. Ontem houve a posse da Polícia Federal, e a mídia toda noticiou como se fosse um ato de parceria com o Executivo. Então, a gente precisa resguardar isso.
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O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - O senhor permite que eu faça uma observação? Logo após essa decisão, o Diretor-Geral da Polícia Federal foi ofendido em algumas colocações...
O SR. IZALCI LUCAS (PSDB - DF) - Não, inclusive...
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - ... do próprio ex-Procurador Janot. Quem está ofendendo a Polícia Federal não somos nós, dizendo "olha, isso aí está agindo a mando de alguém". Quer dizer, vem cá... Outro Procurador, lá em Curitiba, já fez um... Também agredindo o novo Diretor.
O SR. IZALCI LUCAS (PSDB - DF) - Inclusive, a fotografia colocada nas páginas, inclusive do Correio de hoje, com relação à Polícia Federal, na posse com o Temer, é uma fotografia realmente como se ele estivesse pedindo a bênção ao Presidente. Mas a preocupação não é essa. Agora a Globo mesma foi acusada na delação, e aí... "Não!" - nega tudo, e fica por isso mesmo.
Quer dizer, então a gente precisa realmente... Eu acho que essa audiência pública é interessante nesse sentido, porque a lei da delação foi aprovada aqui, é óbvio, uma lei importantíssima, mas ela foi aplicada praticamente agora. Está sendo aplicada agora. E nada melhor do que aperfeiçoar. Portanto, essas considerações que foram feitas aqui são importantes.
Eu lamento que os procuradores e o próprio Juiz Moro tenham se negado a vir aqui para contribuir, porque, quando nós sugerimos aqui - inclusive o Deputado Francischini - a presença também deles, foi exatamente para contrapor à opinião de outros. Já que nós teríamos procuradores ou advogados indicados, que foram também... A gente tem que ver o contraponto disso. Infelizmente, pelo que o Damous disse ali, parece que eles não comparecerão.
Mas a gente precisa, a CPI precisa reagir. Ou a gente muda a legislação da CPI, ou acaba com a CPI, mas nós não podemos ficar nessa desmoralização até da CPI. Eu me sinto... Em todas as CPIs de que participei - todas! -, nós apresentamos um voto em separado. Acredito até que pode até acontecer isso, porque nós temos documentos. Como disse o Presidente, há muitos documento já na CPI.
Preocupo-me muito, Presidente, porque as pessoas têm me ligado, jornalistas: "Izalci, eu preciso dessa informação. Está lá na CPI". Aí eu... Eu nunca vazei informação. Nunca peguei e entreguei informação para jornalista. "O jornal tal já tem tudo." Então, a gente também precisa ter uma certa preocupação com relação a isso. Há vários jornais que já estão de posse já de muita coisa da CPI, e outros alegam... Não sei, acredito que... É o vazamento. É o famoso vazamento seletivo. Vão se soltando as coisas a prestação.
Então, eu indago ao Presidente que procedimentos serão adotados em relação ao Pelella, que estava marcado para amanhã, se vai haver alguma medida. E, provavelmente, pelo que eu sinto, o Marcello Miller vai chegar aqui e não dizer nada. Então, a gente precisa rever essa questão da CPI com relação à mudança na legislação.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Com relação...
Permite-me, Sr. Presidente?
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Com relação a essa decisão do Ministro Toffoli, de não permitir a presença, amanhã, do Procurador Eduardo Pelella, eu ratifico: decisão da Suprema Corte acata-se. Mas já submetemos à Advocacia do Senado Federal uma análise crítica sobre essa decisão e sobre qual é o procedimento adequado que nós devemos adotar. Acredito que essa resposta deve sair até o final do dia de hoje. Aí, então, eu poderei esclarecer melhor.
Estou pensando, inclusive, que amanhã, mesmo sem a presença do Procurador Pelella, a gente deve abrir, porque temos uns requerimentos a serem votados. Vamos, então, manter a reunião de amanhã. Aí já vamos ter a resposta da Advocacia do Senado Federal, Deputado Izalci, para ver qual é a decisão. Mas acredito até que essa decisão liminar seja levada ao Plenário da Suprema Corte. De repente, o Plenário pensa diferente e deixa o Procurador vir até aqui para contribuir conosco. Então, essa é a informação que estou prestando, respondendo à indagação de V. Exª.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Sr. Presidente, eu entendo que, obviamente, se trata de decisão precária - admitida pelo próprio Ministro, na f. 7 da sua decisão, nessa apreciação precária -, que se sustenta em três jurisprudências apresentadas que se referem a juízes para discutir sentenças: os HCs 8.013 (habeas corpus), 80.539, de 2013, 79.441, de 2000, e 80.089, de 2000, referindo-se a juízes que pediram esse habeas corpus no sentido do seu depoimento à CPI. O Ministro Toffoli entendeu interpretar essas decisões como extensivas a membros do Ministério Público.
Penso que é uma decisão que pode, sim - com todo o respeito ao conhecimento jurídico amplo do eminente Ministro Toffoli -, ser contestada. Até porque nós não estávamos pensando em falar no mérito; nós estávamos pensando em falar em datas. Existe uma grande controvérsia, que é fundamental, e há gente que quer varrer para baixo do tapete. Aí eu até digo assim: não é que esta CPI esteja perdendo, é que ela está tendo um rumo que muitos não queriam que tivesse. É diferente.
Existe uma grande afirmação do Procurador Janot de que este assunto, delação, só chegou à Procuradoria-Geral - afirmação peremptória e repetida - no dia 25 de março. E há afirmação de que já havia reuniões na Procuradoria com a participação do Sr. Pelella. O Sr. Pelella escondeu do Procurador Janot - porque não é uma delação do Joãozinho dos Anzóis. Nós estamos falando aqui da delação... Alguém aqui, em sã consciência, consegue admitir que uma delação dessas transitava na PGR sem que o Procurador soubesse? Alguém consegue afirmar isso? Bota a mão no fogo, assina embaixo dessa afirmação? E por que querer esconder isso da população? Por que querer varrer isso para debaixo do tapete? Por que não querer avaliar? O senhor acredita nisso, Senador Edison Lobão? Acredita que o Procurador Janot não sabia disso? Acho difícil.
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Então, nós estamos aqui com um foco: buscar.
Eu tenho um relacionamento amplo, todos os dias converso, nós discutimos, eu e o Presidente Ataídes. Quando o Presidente me sugeriu nomes para a sub-relatoria, eu de pronto aceitei. Não é que "eu vou pensar"; não demorei dois segundos. No dia, até, em que iniciamos os trabalhos, fui saudado por muitos. Lembro-me até do Senador Caiado, saudando aqui a presença, e eu acho que até o senhor se referiu dessa forma, Senador Lasier, saudando, dizendo que a presença desses dois relatores trazia...
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Não; a minha manifestação foi de respeito a V. Exª, mas achava que, por seu relacionamento com o Governo, não era o nome adequado para a relatoria.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Positivo.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Foi o que eu disse.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Mas o senhor saudou também a presença dos sub-relatores, se eu não me engano.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Não, não.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Eu me lembro do Senador Caiado.
O SR. LASIER MARTINS (PSD - RS) - Não falei nos demais.
O SR. CARLOS MARUN (PMDB - MS) - Então, concordo. Não há problema.
O Senador Caiado saudou. Ora, um está ali para ir atrás, é delegado da Polícia Federal, e está debruçado na questão dos empréstimos; o outro está debruçado na questão fiscal e previdenciária; eu estou debruçado na... E agora somamos nessa... Porque, na primeira sessão desta CPI, de 30 pessoas que aqui se manifestaram, 20 a 25 falaram na necessidade de avaliarmos a legislação. Baseado nisso, tomou o Presidente a sábia decisão de criar uma sub-relatoria; sub-relatoria que é avançada nesse sentido. E aqui temos o Wadih, o eminente Deputado Wadih. Então, não é que não tenhamos...
E outra coisa: nos depoimentos, nas oitivas, aqui a Casa é cheia. Tanto é que, não raro, nós vamos estar até as três, quatro horas da tarde, para que todos possam se manifestar.
Eu penso que estamos no rumo. O rumo pode não estar agradando alguns. A maioria dos que não se agradaram já vazou, certo? O que também é positivo, já "estufou a blusa", como dizem lá no... "Quem sai correndo estufa a blusa", então esses já vazaram. Mas nós temos aqui ainda um trabalho a fazer, e o estamos realizando com a maior tranquilidade, sem medo. Eu não posso dizer o que eu vou fazer. Eu não posso dizer se vou recomendar que A ou B seja investigado. Pode ser que seja. Como é que nós vamos nesse momento dizer: "Não, esse aqui está isento de qualquer... pode vir aqui, que nós não vamos nem tocar"? Não faço isso. Quero ver aonde é que nós vamos chegar. E temos ainda 20 dias, nesse sentido.
Empréstimos: estão sendo avaliados. Questão fiscal: está sendo avaliada. Situações controversas: estão sendo avaliadas. E vou dizer mais: esta CPI já é histórica. Esta CPI já é histórica, porque vai trazer uma decisão importante: membro do Ministério Público só pode ser ouvido pelo Conselho do Ministério Público? Porque a Polícia Federal não pode investigar! A Polícia Federal não pode investigar. Quem é que pode investigar? E vêm falar que nós temos foro privilegiado? Existe foro mais privilegiado do que esse? Você só poder ser investigado no âmbito de um conselho, e pelos seus colegas? E só!
Então, desculpe, falei demais já, mas gostaria de colocar e parabenizar o Presidente, que tem denodo, porque é um homem de várias atividades também. Eu o tenho acompanhado e estou lhe conhecendo mais agora. É um homem de várias atividades, mas que não deixa de lado o trabalho de conduzir essa nossa CPI.
Então, parabéns, e muito obrigado ao senhor por a gente ter dado esse passo.
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O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Deputado João Gualberto.
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Sr. Presidente, o senhor não estava aqui, mas a gente ouve cada coisa nesta CPI, nesta CPMI. Eu ouvi o Deputado Marun, o nobre Relator falar que o Ministério Público, através do Procurador Janot - se é isso que eu entendi -, quis dar um golpe de Estado no Presidente Temer. E do lado dele está o Wadih, que acusa o Presidente Temer de ter dado um golpe de Estado na Dilma. É muito interessante. E acusa o partido dele, claro, e todos que votaram pelo impeachment.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Mas isto aqui é uma Casa Legislativa.
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Pois é...
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Nós temos que admitir. Isto aqui é uma Casa Legislativa.
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Eu achei interessante isso. Um golpista, segundo o Wadih - um golpista, do lado dele, junto com o Temer -, que tentou dar o golpe. É o golpe do golpe. Eu achei muito interessante.
Eu, Wadih, votei pelo impeachment não por golpe - é tanto que você sabe a minha posição em relação ao Governo Temer -, mas votei por convicção, porque ela cometeu crime e teria que sofrer o impeachment. Então, eu não sou golpista, como vocês acusam, agora o Vice-Presidente talvez o tenha sido. Eu achei muito interessante isso.
E, contra o Relator, o Presidente, hoje, eu sou favorável ao senhor. Realmente, esta CPI tem foco: o foco é acabar com a delação premiada. Esse, realmente, não saiu do foco. Desde o início, o único foco é esse. Inclusive, há uma discussão do nobre Senador Lasier, que falava que o principal motivo desta CPMI seria investigar os empréstimos, talvez fraudulentos, do BNDES para a JBS, e o Relator falou: "não; não é porque veio na ordem, em primeiro lugar, que esse é o primeiro motivo". E o senhor discordou dele. Disse que o principal motivo é exatamente, pelo que eu entendi também, investigar os empréstimos fraudulentos, a promiscuidade do Executivo com a JBS.
Então, eu fiquei feliz porque o senhor falou isso, porém a gente não vê isso aqui. A gente só vê aqui... Hoje mesmo foram convidados quatro advogados, e eu vi aqui a biografia deles, todos eles com sérias restrições e contra, alguns deles, o instituto da delação premiada. E eles estão convidados. Deviam ter convidado quatro advogados também que são a favor da delação premiada. Deviam ter procurado. Aí, sim. Mas, não; querem convidar quatro advogados e querem convidar do outro lado o Moro e não sei quem, não sei quem mais.
Nobres advogados, o Brasil, no Fórum Econômico Mundial, é considerado o quarto país mais corrupto do mundo. Foram ouvidos 15 mil líderes empresariais de 141 países, e o Brasil, infelizmente, só está atrás da Venezuela - defendida pelo PT -, da Bolívia e do Chade. Só atrás desses países.
Então, nós precisamos é de institutos, de instrumentos que coíbam, mais ainda, a corrupção. Nós temos aqui já aprovado, já condenado pessoas, a exemplo de José Dirceu, grande estrela do PT, que foi condenado no mensalão e continuava roubando no petrolão também.
Então, de que nós precisamos? O Brasil precisa é disso, é de condenar. O senhor... Não é possível que o senhor seja contra a delação premiada, único instituto que permitiu desvendar todas essas corrupções e num espaço de tempo muito curto. Se não fosse ela, não existiria nada disso.
Falar de Estado democrático de direito... Que bonito falar isso, não é? Em que Estado democrático de direito nós vivemos se, na próxima eleição de 2018, vários Deputados corruptos - corruptos, muitos deles - vão disputar a eleição com liminar e vão ser eleitos com dinheiro de corrupção? Dinheiro de corrupção e de caixa dois. Isso é Estado democrático de direito? Nunca, nunca! Observamos isso nas últimas eleições e vamos observar na próxima. Isso, sim, não é Estado democrático de direito, porque vários Deputados corruptos vão ser reeleitos com dinheiro do povo, porque todo mundo sabe que quem elege Deputado são as lideranças políticas, e esses são comprados com o dinheiro da corrupção. Isso é que não é Estado democrático de direito, e não a delação premiada.
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Querer colocar nesta Casa... Parece que a culpa do Brasil é da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. Isso é interessante! Parece que esses três é que são os culpados por todos as mazelas do Brasil. É isso que a gente está vendo aqui desde o primeiro dia nesta CPI. Esses são os culpados! Os culpados não são os corruptores, os empresários; os culpados são esses e mais os delatores. Esses são os culpados do Brasil. O Brasil está na situação em que hoje, é considerado o quarto país mais corrupto do mundo, em função do Ministério Público, da Justiça e da Polícia Federal. Só faltava...
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Deputado Gualberto...
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Deixe-me concluir!
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Claro!
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Deixe-me concluir, por favor!
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Estou pedindo um apartezinho.
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Por favor, é rapidinho. Aliás, o que nós não temos que fazer aqui? Eu vou fazer como o Senador Lasier. Eu não saio, não vou estufar a camisa, como falou... Ou vazar, nada disso. Vou estar aqui. Agora, esta CPMI está esvaziada, sim. Com relação a isso eu quero discordar do senhor. É muito fácil, olhe o painel ali: dos 34 Senadores que poderiam estar aqui, nem o nome deles está ali. Está vago! Há 15 vagas ali; 15! Mais esvaziado do que isso, pelo amor de Deus! Mais esvaziado do que isso não existe. Sequer os partidos conseguiram indicar os nomes. Talvez porque os Senadores não quiseram estar aqui. Então, esvaziada está. É claro que está.
Porque é claro o objetivo desta CPMI. Pode ser até que não seja o do senhor. Pode ser! Não o estou denunciando, não estou falando que é o do senhor. Mas nesta CPMI o objetivo claro é mudar a delação premiada para que não funcione mais nada, para que os corruptos continuem, para que o Brasil continue desse jeito; esse jeito de ser o quarto país mais corrupto do mundo, junto com a Bolívia e a Venezuela.
Então, o senhor pode falar à vontade. Eu sei que não vai vir nenhum político aqui. Vou desafiar o senhor - e falo de novo. Porque o problema do Brasil são os corruptores políticos. Esse é o problema! Se existe algum problema com o Ministério Público, com um ou outro procurador, isso não chega a ser um problema para o Brasil. Longe disso! Eu desafio o senhor: não se vai, Senador Lasier, trazer ninguém aqui, porque o principal é o Lula. O principal é o Lula! Ninguém vai querer trazê-lo aqui. Ninguém vai aprovar isso aqui, não! Não sei nem se o senhor vai colocar isso em votação. Eu fiz dois requerimentos de acareação. O senhor só vai pautar um. Eu pedi neste instante para o senhor pautar o outro, que se refere ao Francisco da JBS e ao outro advogado que veio e que mentiu aqui - mentiu aqui; a gente já confrontou nas perguntas com os outros procuradores. Ele falou que estava fazendo churrasco enquanto os dois conversavam - o Francisco e o Goulart -, e não foi verdade. Todos os dois negaram. Por que não o chamamos aqui? Vamos chamá-lo aqui, sim! Não está pautado.
Então, esta CPMI realmente tem foco: é acabar com a delação premiada ou deixá-la numa condição em que não vai resolver nada, não vai contribuir com o Brasil e nem vai diminuir a corrupção.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Perfeito.
Sr. Presidente, é importante esse debate. É muito importante.
Deputado João Gualberto, V. Exª colocou que o objetivo é acabar com o instituto da delação; o objetivo desta CPMI. O que eu posso dizer a V. Exª ...
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Quero queimar a língua, inclusive. Tomara que eu esteja errado. Mas vamos ver!
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - O que eu quero dizer a V. Exª é que nós estamos numa Casa de leis, onde o contraditório é importantíssimo. Se os convidados de hoje acham que o instituto da delação premiada no Brasil não é o melhor, nós, como Parlamentares, temos o dever de ouvi-los no contraditório. O contraditório é uma ação democrática.
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O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Vai convidar os outros advogados, os que são favoráveis?
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Nós convidamos - só para conhecimento de V. Exª, e V. Exª lembra - nós convidamos o Ministro Gilmar Mendes...
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - Eu falei advogados. Advogados!
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Podemos. Há outros advogados.
Convidamos o Juiz competente Sérgio Moro, convidamos o Procurador Deltan e outros. É claro que a agenda de todos está bastante atarefada, mas há o outro lado.
Eu não pude assistir hoje - com certeza, foi de grande valia, principalmente para o nosso Relator -, por causa das CMO, uma força maior, que é a receita do ano seguinte, mas eu quero deixar claro aqui para V. Exª que o objetivo de acabar com o instituto... Eu pergunto a V. Exª: V. Exª quer acabar com o instituto da delação premiada no Brasil?
O SR. JOÃO GUALBERTO (PSDB - BA) - O senhor já conhece a minha posição.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (PSDB - TO) - Pois bem, V. Exª é membro desta Comissão e V. Exª tem direito a voto, como eu também penso como V. Exª. O instituto da delação premiada no Brasil é maravilhoso, mas nada que não possa ser melhorado. Então, cabe a mim, cabe a V. Exª e a outros mais defender o instituto da delação e aprimorá-lo. Esse é o nosso propósito. Então, essa afirmação de que o objetivo é acabar com o instituto eu não posso admitir, Deputado João Gualberto. Pelo contrário; nós que pensamos diferente, então, temos que, na hora em que isso for levado a voto...
Eu tenho certeza de que o Relator, esse Deputado e competente causídico, eu tenho certeza que ele vai trazer uma proposta muito boa para o País. Eu tenho certeza. E, se ela não for boa, será submetida evidentemente ao Plenário, e quem vai decidir é o Plenário desta Comissão. Portanto, nós estamos num debate. Nós só não podemos é admitir coisa como essa de V. Exª, de dizer que o objetivo aqui é acabar com o instituto. Não é acabar com o instituto, porque, se fosse esse, eu não estaria diante desta Comissão.
Obrigado, Sr. Presidente.
Agradeço a presença dos nossos convidados.
O SR. ALBERTO FRAGA (DEM - DF) - Só uma questão aqui.
Duas coisas: eu solicitei na audiência, acho que com o Ricardo Saud... Ele ficou de entregar uma documentação, e eu não vi ainda essa documentação na Comissão, que era exatamente a questão das doações, aquelas coisas todas. Mas, de qualquer forma, nós solicitamos também o compartilhamento de alguns documentos e tal, que também ainda não chegaram.
O Deputado Pimenta fez aqui uma denúncia gravíssima na sua fala, e eu gostaria também que fosse colocada, se possível, essa documentação na CPI. O Deputado Pimenta na sua fala disse que teve acesso a uma planilha de João Santana e Mônica onde diversas contas foram detectadas e que, de todo o processo, só algumas apareceram no processo da Procuradoria. Acho que é muito importante para CPI saber quais as contas que não foram e que não integraram o processo. Eu não sei se é documento sigiloso, mas, se fosse possível, quem teve acesso que colocasse a documentação. O Deputado Pimenta é que fez a colocação, eu não sei. Mas eu gostaria de pedir que fosse também encaminhada à CPI.
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O SR. PAULO PIMENTA (PT - RS) - Eu a tenho em mãos. Posso protocolar na CPI e disponibilizar cópia para todos os membros.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Bem, senhores, estamos nos dirigindo para os encaminhamentos finais, e eu vou passar a palavra agora aos nossos dois convidados para as suas considerações finais, pedindo que, na medida do possível, respondam aos questionamentos que foram feitos, contudo, apelando para o lendário poder de síntese de cada um.
O SR. AURY CELSO LIMA LOPES JÚNIOR - Muito obrigado, Sr. Presidente. Tentarei ser muito breve, até porque anotei todas as perguntas.
O Deputado Wadih colocou muito bem a questão da delação do réu preso. Existe um constrangimento situacional nisso. Inclusive, existem decisões do Tribunal Supremo da Espanha, sobre o consentimento na busca e apreensão de quem está preso, dizendo: se você está preso e eu te levo até a sua residência para fazer um busca e apreensão e digo que você abriu e franqueou a entrada, existe um constrangimento situacional evidente, manifesto e, portanto, não válido.
E esse argumento de que "então, se nós não aceitarmos a delação do réu preso, nós estaremos tirando o direito do preso de delatar" é um argumento frágil, porque, na verdade, se você, Ministério Público, tem interesse em fazer o acordo e delatar, é muito simples. Se ele está preso, uma das moedas de troca vai ser essa. Manifesta-se pela soltura, solta e faz a delação. Então, você inverte a lógica da prisão. Ao invés de usar a prisão como ameaça para delatar, você usa a liberdade como moeda para fazer a negociação da delação. É só inverter a lógica das coisas. Mas, enfim, é uma questão de manipulação.
Só um detalhe: falou-se muito da Operação Mãos Limpas aqui, da Mani Pulite. Eu faço um convite: leiam sobre a Operação Mãos Limpas, mas leiam o outro lado da Operação Mãos Limpas. Leiam o outro lado: as milhares de pessoas que passaram pela máquina de moer que foi a Operação Mãos Limpas e que, no final, não foram acusadas ou foram absolvidas; os casos de suicídio na Operação Mãos Limpas foram em número bastante elevado. Então, a Operação Mãos Limpas tem uma outra história que não está sendo conveniente contar e que eu acho que a gente precisa olhar. Sem falar que a corrupção na Itália, hoje se vê, não diminuiu por conta disso. Enfim, há uma série de questões bem mais complexas.
Bem, a questão do Deputado Marun também é muito importante; que se peguem todas as legislações esparsas e se faça uma lei específica sobre delação. A propósito - é uma pena que tenha saído o Deputado João Gualberto -, em momento algum nenhum de nós defendeu a extinção da delação. Pelo contrário; eu me levantei hoje às 4h30 da manhã para vir aqui para defender a delação premiada.
E vocês querem salvar a delação premiada? Façam uma lei que defina claramente os limites da delação para diminuir os espaços impróprios, para que não haja delação à la carte, uma delação conforme a cabeça de cada procurador e de cada juiz. E a função do Parlamento é essa. Então, é óbvio que a gente está aqui sustentando legalidade, que o Parlamento legisle sobre essa matéria, porque nós não podemos depender nem da bondade, nem da maldade de juízes ou promotores. Eu preciso ter lei clara. Isso é a base de toda conversa.
É claro que aqui é importante... O Deputado Paulo Pimenta colocou várias questões que são objeto de uma comissão. Os vários questionamentos são objeto de um... É exatamente sobre isso que nós devemos nos debruçar em uma comissão que vá definir os limites, todos pertinentes ao extremo.
Quer dizer, já começamos pela questão da competência conglobante, como a gente chama, que é uma competência esponja, na Lava Jato, que absorve tudo. Se a gente for estudar a fundo, em várias exceções de incompetência que foram opostas naquele processo, os argumentos usados para justificar a competência são pueris em uma perspectiva processual. Acabou-se com a figura do juiz natural. E muito antes de começar, quando começou a Lava Jato, quando começou a investigação, eu e o Alexandre escrevemos um artigo, e a pergunta era essa: "Quem vai julgar a Lava Jato?".
Porque há uma questão importante. O mundo inteiro, desde o Caso Piersack e De Cubber, em 1982, na Europa, já sabe: um juiz que está à frente de uma investigação dessa magnitude está contaminado e não pode julgar. Na Europa inteira, juiz prevento é juiz contaminado, que não pode julgar. No Brasil, quanto mais contaminado e mais prevento ele for, mais certo é que ele vai julgar. É óbvio que não há juiz imparcial nisso, é óbvio que o processo é um golpe de cena, e é óbvio que um juiz que homologa uma delação premiada não pode ser o mesmo que vai julgar, ou, principalmente, o juiz que homologa a rescisão de uma delação premiada não pode depois julgar o processo em que a delação for tornada sem efeito, porque ele está contaminado. Isso vai muito além da questão objetiva; é na cabeça. Então, isso aqui é um problema seriíssimo no Brasil, que a gente precisa mudar. E está aí a importância do projeto de Código de Processo Penal, para haver a figura do juiz das garantias, em que um juiz atua na fase pré-processual e outro, no processo. Mas isso é um outro debate.
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A escolha dos advogados na delação é uma realidade que está colocada aí e que tem levado também a uma questão que é a crise de respeito à advocacia. No momento em que você entra num vale-tudo contra a corrupção, rasga a lei, rasga a Constituição Federal, demoniza o réu e o torna inimigo, você coloca o advogado que está do lado como inimigo. E hoje nós advogados estamos com medo - medo! -, porque estão confundindo a figura do advogado do delinquente com advogado delinquente e criminalizando a advocacia. Basta ver o próprio tipo penal que a Lei 12.850 prevê, que é a da obstrução à investigação: quem, de qualquer forma ou de qualquer modo, embaraça a investigação... Isso aqui é para criminalizar o advogado. O advogado instrui o cliente e vai preso. Então, estão criminalizando a advocacia, e, realmente, nós estamos com medo disso. Isso é um absurdo.
Enfim, Deputado Paulo Pimenta, como é que a gente se defende de uma delação sem acesso integral à delação? É o que se está se fazendo: impede-se o acesso integral. Como é que eu vou me defender? Isso mata, fere de morte o contraditório, a defesa.
E um detalhe básico, uma premissa: acordo não vale mais que a lei. Ponto. Nenhum acordo vale mais que a lei. E eles estão fazendo valer, rasgando o código. O Ministério Público pode muito, mas não pode tudo. Repito: mas está podendo, porque a lei é porosa.
E o que estou fazendo é um apelo, como todos os demais fizeram, para que se compreenda a porosidade da Lei 12.850 e, principalmente... É uma pena que o Senador Lasier tenha saído, porque eu precisava dizer para ele que, na verdade, o que a gente está fazendo aqui é uma avaliação dos quatro anos de aplicação de uma lei que está se mostrando insuficiente e que está mostrando distorções. E é papel, sim, desta Casa avaliar a aplicação de uma lei, fazer um estudo de impacto dessa lei, sentar e dizer: "A lei é insuficiente, vamos melhorar a lei." É exatamente o que o Deputado Wadih estava colocando em discussão. Não se quer extinguir o instituto, até porque não seria possível, mas, sim, salvar, melhorando. Precisamos de uma lei para salvar a delação, porque, senão, eles vão acabar com a delação. O Supremo já deu sinal vermelho nessa decisão do Ministro Lewandowski. Então, precisamos de lei. E aí me choca quando eu ouço e tenho que ouvir que estou discutindo formalismo. Eu estou discutindo legalidade! Forma é limite de poder, forma é legalidade. O que eu estou sustentando aqui é uma luta por legalidade. Então, processo penal é exercício de poder, e a lei é o freio para o abuso. Eu preciso ter lei clara. E é isso que está se cobrando.
Eu vou pular, para não ficar pontualmente nisso aqui. Nós estamos, obviamente, tratando da patologia, e é preciso se falar sobre a patologia. Obviamente, criticar a delação premiada não pode ser reduzido a defender a corrupção. Isso, sim, é uma visão absurda de redução da complexidade.
Então, respeitando o tempo, o que nós estamos fazendo é uma avaliação das distorções da aplicação de uma lei que está se mostrando agora vaga, imprecisa, indeterminada, para fazer frente aos abusos que as práticas estão realizando. O pleito é: vamos legislar, Deputado! Vamos fazer uma lei específica para a delação, fazendo uma anamnese séria, porque o que eu coloquei aqui e os outros colocaram, os outros palestrantes trouxeram para o debate, foram excessos claros. O que o Ministro Lewandowski fez foi mostrar excessos claros: o Ministério Público fixando pena, o que não pode, definindo regime, o que não pode, criando regime que não está na lei, juiz homologando o que não está na lei. Então, a nossa análise e a nossa intenção foi exatamente esta: defender a delação, mas a partir de um critério muito claro. Precisamos de uma lei que defina especificamente a delação para evitar aquilo que o Prof. Lenio Streck - fiquei sabendo agora que está de aniversário hoje; vai a minha homenagem para ele - tanto crítica, com toda a razão: não podemos dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa e não podemos pactuar com decisionismo. Nós temos que reduzir os espaços impróprios de discricionariedade do juiz e do MP através de lei clara. Isso é defender democracia; isso é defender a Constituição. É por isso que a gente está aqui.
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Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Prof. Jacinto.
O SR. JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO - Sr. Presidente, vou só concluir, porque de fato o Prof. Aury já entrou no lugar. Mas tenho poucas coisas, nesse sentido, a pontuar.
Talvez a coisa mais importante nesse aspecto e a razão pela qual nós temos a posição que temos em relação à fragilidade da lei digam respeito ao fato de que a nossa estrutura pautada na operação italiana tem sido aplicada sem que se faça o que se fez na Itália. Ora, toda a estrutura da Operação Mãos Limpas foi uma estrutura que se fez debaixo da lei, conforme a lei. E os excessos foram controlados. Os excessos foram controlados de uma maneira tal que os recursos eram sistemáticos.
Então, quando as delações na Itália apareceram, na Operação Mãos Limpas, apareceram não só porque o código permitia como porque as regras estavam estabelecidas de uma maneira tal que elas foram sendo realizadas diante daquilo que estava estabelecido na lei. O nosso dilema está no fato de que aqui se fez uma lei - e por isso não dá para tirar a responsabilidade de quem faz as leis - que era porosa, ou que era vaga, ou que era indeterminada, ou que era vazia por excelência, e assim foi escrita desde o início. Há um texto lá do início da lei dizendo da inconstitucionalidade dela justamente por conta disso, ou seja, que ela não era razoável. É o conceito de razoabilidade aqui aplicado em face do processo legislativo. Não era razoável, e a sua aplicação ia levar a problemas que certamente iam aparecer quando ela tivesse a avalanche de aplicação, que foi justo o que aconteceu.
Então, nesse sentido, lutar pela modificação da lei de modo tal a que ela venha com uma previsão correta e possa democraticamente ser aplicada é lutar em favor da legalidade, é lutar em favor da Constituição, é lutar em favor do Estado democrático de direito, porque, se isso não for assim, cada vez mais a porosidade vai acabar conosco. Quem participou da delação, como eu, e que, vendo quadros como aquele lá com os nomes dos Deputados, sabe de quem se trata deve achar que a gente precisa de fato ter regras claras a respeito do tema.
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Não é demasia pensar no fato, desde esse ponto de vista, de que Brasília é longe demais do Brasil. Quer dizer, é preciso pensar nas consequências daquilo que se faz. E do meu ponto de vista é um ato de grandeza poder trabalhar naquilo que se tem feito em face de uma determinada lei e reconhecer que aquilo que se fez de fato não era o melhor. É isso que faz com que a gente cresça. Essa negação do passado é que permite o futuro. Negar um passado de erro, esse corte... Porque isso é o verdadeiro corte epistemológico. Você produz uma estrutura, reconhece que ela não é boa, e a forma de andar adiante é negar esse passado para algo se colocar no lugar.
Então, essa noção bachelardiana é uma noção que nos vale justo para poder andar adiante. O que nós podemos fazer aqui é simplesmente colaborar na direção de que isso seja feito, quer dizer, mostrar o que tem acontecido e como se precisa resolver. Com isso, parece-me, grande parte das questões respondo, porque o nosso problema é, de fato, um problema de lei - seja constitucional, seja de legislação infraconstitucional. É por isso, Sr. Presidente, que eu humildemente ofereço, ofereci a minha contribuição, fazendo ver e colocando luz nesse aspecto, que é o da grandeza que está.
Conheço os projetos que estão desenvolvidos. Acho que os projetos que estão desenvolvidos vão no caminho, mas o ideal seria de fato uma legislação que pudesse abarcar todos os... Tudo isso. E isso, de fato, não é complexo, não é difícil de fazer. Portanto, quem sabe para a próxima legislatura já se possa ter um regramento disso, que não é um regramento a inviabilizar que se faça o que se deve fazer, mas é colocar o que se faz debaixo da Constituição, de modo que aquilo que se possa fazer, que se vá fazer, ou que de fato se deva fazer seja algo que se possa fazer, com os olhos sempre voltados para a Constituição.
É isso, Sr. Presidente. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wadih Damous. PT - RJ) - Eu quero aqui enfatizar os agradecimentos aos nossos quatro convidados. Foi um ponto alto desta CPMI a vinda dos senhores aqui. Proporcionaram um debate de altíssimo nível, uma exposição de altíssimo nível.
Que fique claro aqui: uma CPI não tem por objetivo simplesmente trazer pessoas para serem expostas e jogadas à fogueira. Eu defendi desde o começo aqui que o principal papel de uma CPI é que ela sirva, ela traga elementos para o aperfeiçoamento do nosso ordenamento jurídico, do nosso processo legislativo.
Está mais do que claro que esse instituto da delação premiada carece profundamente de um regramento que o torne adequado à Constituição. Nós vemos a perplexidade, sobretudo, do Supremo Tribunal Federal quando se depara com determinadas monstruosidades sem saber o que fazer, porque não há um porto seguro, que é a lei; não há. Então, esse é o nosso desafio aqui. Nós somos Poder Legislativo; nós não podemos nos agachar. Muitas vezes temos de atuar no sentido contramajoritário. Nós temos de ter essa grandeza e essa coragem.
Agora, em relação àqueles.... Alguns pontificam aqui... Há alguns neste Congresso Nacional que defendem enfaticamente a delação premiada como ela está hoje - até serem delatados. Quando for delatado muda de ideia, como já aconteceu com vários. Quando forem delatados, vão se lembrar de Constituição, vão se lembrar de direitos e garantias fundamentais. Normalmente a gente só percebe determinados bens de vida quando eles nos faltam. Damos importância ao ar quando começa a nos faltar ar; começamos a dar importância à água quando começamos a sentir sede e nos falta água. Então, quando começarem a ser delatados também, com certeza vão engrossar o coro daqueles que, com olhos na Constituição e com olhos no Estado democrático de direito, que está se esvaindo hoje, aqui no Brasil, veem a necessidade de aperfeiçoamento dessa lei.
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Como já foi aqui frisado, ninguém aqui defendeu o fim de delação. Ninguém! Ninguém que tenha vindo aqui hoje defendeu isso.
Quanto ao contraditório, proponham. O Deputado Izalci fez um requerimento, foi aprovado aqui na CPMI, para trazer o Juiz Sergio Moro e o Procurador Dallagnol, que defendem o polo oposto, que defendem as delações como elas estão hoje, a figura da delação como ela está posta hoje. E se recusaram a vir. Nós não temos como obrigá-los a vir.
E o mais grave também disso tudo... Que fique esta nota aqui, em relação a essa decisão, ainda que provisória, do Ministro Toffoli: se essa decisão prevalecer - e eu acho que nós temos que recorrer dela -, fica chancelado que o Ministério Público tudo pode, pode fazer o que bem entender, e estarão sob o sistema de impunidade, que é estranho a qualquer sistema republicano do processo civilizatório, do processo democrático em todo o mundo.
O Presidente me informou: amanhã, a reunião está mantida, a partir das 9h30. Há requerimentos a serem aprovados. Repito: a reunião desta CPMI está mantida para amanhã, às 9h30.
Muito obrigado a todas e todos pela boa vontade.
(Iniciada às 10 horas e 17 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 58 minutos.)