23/11/2017 - 15ª - CPI dos Maus-tratos - 2017

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Declaro, em nome de Deus, abertos os trabalhos que visam a investigar maus-tratos infantis no Brasil.
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Conforme publicado, nós ouviremos o Dr. Fernando de Almeida Martins, Procurador da República, ouviremos o Sr. Gaudêncio Fidélis e Luiz Camillo Osorio.
Advirto que esta não é uma audiência pública, mas uma reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito. Advirto que, não sendo audiência pública, qualquer tipo de manifestação - isto aqui é uma comissão investigativa -, eu mandarei evacuar a sala. Espero que os senhores entendam o que estou dizendo.
Em segundo lugar, quero dizer que uma CPI é instalada para investigar. Ela não produz denúncia. Uma CPI investiga as denúncias que chegam a ela. É preciso desmistificar, porque, onde há uma denúncia, não tem gente especial. Onde há uma denúncia, a investigação se dá no entorno, todos que estão no entorno precisam ser ouvidos, até para que o Relator faça juízo do seu relatório. Não há pessoas especiais, e ninguém foi convocado porque recebeu o foco e determinação de que "esse eu vou convocar mesmo sem ter nada a ver". Não, todo mundo que está aqui dentro está dentro do bojo da denúncia, que rodou o Brasil, que tomou conta do Brasil e que chegou a esta CPI.
E uma CPI tem poder de polícia e poder de Justiça, e, se você não o faz, você prevarica. Crime de prevaricação. Esta não é a primeira CPI que eu comando. As pessoas que foram convocadas o foram da maneira mais correta, e aqueles que frequentam a CPI nas suas sessões que tratam da questão de criança, aliás, um vasto trabalho já feito pelo Brasil, desde as crianças queimadas de Janaúba, o sofrimento de Janaúba, propor políticas públicas, desde as crianças do Piauí dentro de uma cela de estuprador, todos esses lugares, o abuso de centenas de crianças, e agora muito mais de Ademir Lúcio, preso no meu Estado, diretor de escola estuprador de crianças, e políticas públicas no sentido de nós coibirmos o suicídio de crianças e adolescentes no Brasil, políticas públicas no sentido de nós combatermos o bullying e o ciberbullying... Aliás, são duas cartilhas que esta CPI está fazendo. Aqueles que frequentam esta CPI sabem disso e sabem que não há uma violação de direito de ninguém aqui. As pessoas foram convocadas como diz o Regimento da CPI.
Não atendendo à convocação, que é judicial, faz-se a convocação coercitiva. Não atropelei nenhum desses.
No dia do depoimento do Sr. Gaudêncio, a Senadora Gleisi Hoffmann ligou para mim pela manhã. Eu ainda estava no hotel. Ela me disse: "Magno, eu queria te pedir, porque o Gaudêncio não vem, porque a CPI não mandou as passagens dele, e ele não tem condição de comprar". Eu disse: "A CPI então errou, porque tinha que ter mandado. Tinha que dar diária e dar as passagens para ele vir. Eu vou checar isso, e, se ele não vem por isso, está tudo certo".
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Quando cheguei ao cafezinho, encontrei o Senador Paim. Ele me chamou: "Negão, venha cá". Eu me acheguei e ele disse: "Olha, o pessoal lá do meu Estado me ligou dizendo que o Gaudêncio não vem porque está com um problema de familiar no hospital". Eu disse: "Negão, a história é diferente. A Gleisi me falou isso e você está me falando isso". E, quando cheguei à CPI, vi que a CPI mandou as passagens dele. Mas ele estava ganhando tempo. Ele entrou no Supremo pedindo para não vir depor. De repente, chega um comunicado do Supremo para mim. Então, o que ele falou para a Senadora Gleisi foi uma coisa; para o Paim, outra. Era para ganhar tempo. Foi o que recebi aqui.
O Supremo me mandou um comunicado. Recebi o comunicado do Supremo negando a liminar e dizendo que ele teria de vir e falando dos seus direitos. Por isso, aconteceu a coercitiva. É para que os senhores saibam que eu aqui, com os Senadores que pensam diferente de mim, de nós - e cada um defende o que acredita -, é mantido o mais puro dos respeitos. Aqueles que frequentam a CPI sabem que o procedimento é extremamente legal e que não há qualquer tipo de irresponsabilidade nem de injustiça praticada com ninguém.
A minha explicação é para que os senhores entendam, para que os senhores entendam. Podia falar muito mais das ações já nesses meses, que são muitas, em defesa das nossas crianças. Eu aqui não estou falando de adulto. Essa história de criminalizar a arte está longe de mim. A arte tem de ser respeitada. Acredito em arte de outra forma. Estou aqui tratando da questão das crianças, não estou nem falando em questão de arte, não estou nem falando em questão de mundo. Estou falando em questão de criança, meu foco é criança. Então, todas essas conversas e essas frases soltas jogadas ao vento, midiáticas, desnecessárias e até desrespeitosas, são para que os senhores tenham conhecimento. Até a grande mídia, que nunca apareceu e da qual nunca vi nenhuma manifestação nessas causas... Acabei de colocar aqui sobre essas crianças que estão sendo vilipendiadas, no Brasil, mas hoje estão aqui e escreveram alguma coisa de que não tinha conhecimento. Agora vocês têm conhecimento.
Convido o Procurador, Dr. Fernando Almeida Martins, lotado na Procuradoria da República do Estado de Minas Gerais. O Dr. Fernando enviou documento ao Ministério da Justiça no sentido de que o Secretário Nacional de Justiça altere e portaria visando à elaboração do necessário procedimento relativo à classificação indicativa de proibições a apresentações ao vivo abertas ao público. Nós vamos ouvi-lo para conhecer os argumentos jurídicos, o seu embasamento.
Neste momento, Dr. Fernando, concedo-lhe um tempo para que fique à vontade, um tempo razoável de 5 a 10 minutos. Se o senhor achar que precisa de um pouco mais... Em seguida, passarei a palavra ao Senador José Medeiros, ao Senador Humberto e à Senadora Marta Suplicy... Como a Senadora Marta levantou o dedo primeiro, então é a Senadora Marta e, depois, o Senador Humberto.
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O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Boa tarde a todos!
Senador Magno Malta, Exmo Senador José Medeiros, demais autoridades aqui presentes, senhoras e senhores, agradeço essa convocação/convite feito a nossa pessoa exatamente para esclarecer aspectos com relação à questão da classificação - acredito que seja a questão base - que é a classificação indicativa de crianças, para o público infantojuvenil com relação a galerias e museus de arte.
O tempo é curto, eu vou procurar acelerar ao máximo. Vou explicar o que é classificação indicativa. Classificação indicativa é a indicação à família sobre as faixas etárias a partir das quais não se recomendam espetáculos e diversões públicas.
Os três pilares que embasam a classificação indicativa são: sexo, drogas e violência. Esses são os três pilares, são os três conteúdos básicos para que possa haver a análise da classificação indicativa.
No caso específico de classificação indicativa com relação à questão de galerias e museus, o que está em jogo aqui é a questão do sexo, da nudez que que levam ao conceito de erotização precoce. Exatamente a erotização precoce é o que justifica a atuação do Ministério da Justiça em todo esse contexto de classificar indicativamente obras no que diz respeito à proteção à criança.
A erotização precoce é um instituto que diz respeito à exposição prematura de conteúdos que são totalmente inadequados a indivíduos que estão em formação, que são exatamente a criança e o adolescente.
A Constituição é muito clara no sentido de legislar sobre a classificação indicativa. Tanto o art. 216 quanto o 220 e o 227 sempre batem na tecla de exercer a classificação de diversões públicas e espetáculos públicos.
A Constituição é enfática ao definir exatamente essas palavras: "diversões e espetáculos públicos". O Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentando a Constituição, também em diversos artigos, que nós não teremos tempo de ler, aduz que "o poder público, através de órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos", sempre enfatizando exatamente essas palavras "diversões e espetáculos público".
A norma hoje atuante do Ministério da Justiça, que é a Portaria nº 386, estabelece toda a regulamentação infralegal juntamente com o manual da nova classificação indicativa e o guia prático de classificação indicativa. Então, nós temos todo esse contexto normativo dando suporte à classificação indicativa.
Classificação indicativa não é censura, classificação indicativa já é uma realidade existente há três décadas de Constituição democrática e não tem nada a ver com a censura exercida no período anterior, o período militar.
E por quê? Porque exatamente o objetivo é fornecer indicação aos pais para que seus filhos possam usufruir de diversão e espetáculos públicos condizentes com a sua faixa etária. Então, não há, como regra, uma proibição. E no eventual descumprimento, o Ministério da Justiça não tem poder sancionatório. Ele tem que enviar as informações ao Ministério Público Federal para que possa tomar as devidas providências.
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Hoje, a classificação indicativa, como nós dissemos, é baseada na Portaria nº 386, que dá todos os contornos infralegais à classificação. A portaria estabelece diferença entre autoclassificação e análise prévia. Análise prévia é um tipo de classificação mais complexa. O próprio responsável pela obra simplesmente encaminha ao Ministério da Justiça e o Ministério da Justiça faz análises, com todos os analistas que compõem diversas pastas, eles analisam a obra e emitem a classificação. Hoje a regra é autoclassificação, ou seja, o responsável emite, de acordo com o Guia Prático de Classificação Indicativa, faz análise, ele próprio faz a análise, emite a classificação e depois comunica ao Ministério da Justiça.
Então, o critério de análise vai se basear em função, no que diz respeito ao aspecto sexual, da contextualização, relevância, intensidade, quantidade de cenas. Existem agravantes, atenuantes, é um processo extremamente complexo.
O nosso contato com a classificação indicativa é antigo. Nós atuamos na defesa do consumidor há quase 20 anos e pudemos estrear no ano 2000 com uma ação civil pública contra a Banheira do Gugu, que era exibida em horário totalmente inadequado, e acabou sendo um programa inviabilizado em função da não observância à classificação indicativa. Posteriormente, entramos com ações civis públicas no sentido de estender a classificação indicativa a videogames, que é uma realidade hoje. Os videogames também fazem, em função de um incidente com determinado jogo de videogame, em que um estudante de medicina entrou numa sala de cinema em São Paulo, em 2004, e metralhou os presentes ali, diversas pessoas foram assassinadas. Posteriormente, em 2010, em função também de um incidente com um jogo de RPG (Role-playing game), Vampiro: A Máscara, em que houve, em Minas Gerais, a crucificação de uma menor. Todos os caminhos do jogo Vampiro: A Máscara foram percorridos pelos menores ali presentes, jogando. Nós entramos com uma nova ação civil pública tentando estender a classificação indicativa para esses jogos, e hoje é uma realidade também.
Entramos com diversas ACPs contra as TVs abertas. Todas as TVs abertas foram objeto de ACPs, em função de descumprimento de classificação indicativa em determinados programas.
Mais recentemente, em função exatamente dessa polêmica, nós entramos com uma recomendação. Houve uma polêmica envolvendo o Queermuseu, em Porto Alegre; a exposição do MAM, em São Paulo; em Belo Horizonte, nós tivemos também uma exposição no Palácio das Artes, com as mesmas polêmicas envolvidas. Exatamente por isso, nós ingressamos com uma recomendação ao Ministério da Justiça, para que eles corrijam falhas na legislação infralegal.
Quais são essas falhas exatamente? A Portaria nº 368 do Ministério da Justiça aduz que se sujeitam à classificação indicativa pelo Ministério da Justiça, primeiro, obras audiovisuais destinadas à televisão e aos mercados de cinema e vídeo doméstico, jogos eletrônicos e aplicativos...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Doutor, é 368 ou 386?
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - É 368.
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Essa portaria aduz que sujeitam-se à classificação indicativa obras audiovisuais, jogos eletrônicos e jogos de RPG, como nós já aduzimos. Só que no art. 4º, Senador, ela diz que não se sujeitam à classificação indicativa pelo Ministério da Justiça exibições ou apresentações ao vivo, abertas ao público, tais como as circenses, teatrais e shows musicais. Então, em princípio, a portaria exclui esse tipo de apresentação aberta ao público. Se você for fazer o cotejo tanto contra o Estatuto quanto contra a Constituição, é inconcebível esse tipo de exclusão. Exatamente por quê? A Constituição é enfática: regular diversões e espetáculos públicos. Não se pode excluir em nível infralegal esse tipo de apresentação aberta ao público.
Então, o art. 4º dá a entender que esse tipo de apresentação, hoje, está excluído, juntamente com competições esportivas, propagandas eleitorais, propagandas de publicidade em geral e programas jornalísticos. Ocorre que no art. 1º dessa portaria, volta-se atrás, dizendo que essas exibições e apresentações ao vivo abertas ao público deverão realizar a classificação indicativa.
(Soa a campainha.)
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Tem mais tempo?
Bom, então, no caso, o caput entra um pouco em conflito de interpretação com o §1º. Então, no frigir dos ovos, a legislação infralegal quer dizer que devem se sujeitar, exatamente porque eles devem realizar a classificação indicativa, com o detalhe de que essas exibições ou apresentações ao vivo abertas ao público não precisam... Eles realizam a classificação indicativa, de acordo com o Guia Prático de Classificação Indicativa, mas eles não têm qualquer obrigação de encaminhar ao Ministério da Justiça. Aí é que está a grande falha. Entendeu? Então, a recomendação tem esse objetivo de obrigá-los, exatamente porque é totalmente incompatível com a Constituição e com o Estatuto esse tipo de liberalidade para essas exibições abertas ao público. Então, o objetivo é exatamente fazer com que eles sejam obrigados a, cumprindo a Constituição da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente, encaminhar a classificação indicativa de exibições ou apresentações ao vivo, abertas ao público. Então, isso inclui, evidentemente, galerias e museus, galerias de arte e museus.
Bom, de acordo com o tempo, nós agradecemos.
Eu gostaria, apenas para complementar, Excelência, no caso, trazendo a contexto exatamente o que nós podemos observar, pelo menos na leitura das notas de imprensa locais, podemos constatar em Belo Horizonte, no caso específico local, no caso, questão de prova, me parece, pela leitura dos noticiários, no caso do museu em Porto Alegre, aparentemente não houve a questão da classificação indicativa prévia. E a imprensa fala, as notas falam, inclusive, em folderes distribuídos nas escolas, convidando alunos e professores.
Ora, não se pode, numa exposição, como a Queermuseu, com exposições de quadros, por exemplo, mostrando cenas classificadas explicitamente para 18 anos... Vamos ao Guia Prático, para que nós possamos analisar cenas classificadas como não permitidas para menores de 18 anos. No guia, fala-se que são admitidos para essa faixa etária, não permitidos - diferentemente de não recomendados... Se houver tempo, nós podemos entrar nesse mérito.
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Então, não permitidos para 18 anos: sexo explícito, apresentação de relação sexual explícita de qualquer natureza, inclusive masturbação, com reações realistas dos personagens participantes do ato sexual, com visualização dos órgãos sexuais.
Para se caracterizar como não permitido para menores, tem que haver até, inclusive, visualização dos órgãos sexuais. Não é qualquer cena sexual. Tem que ter essa característica. Tem que haver, por exemplo...
A título exemplificativo, o guia dá o exemplo de sexo com incesto, sexo grupal - que é o caso de algumas obras do Queermuseu - e quadros em que há, por exemplo... Nós até fizemos a descrição: dois homens segurando um cabrito; enquanto um segura, o outro força a penetração do seu pênis no ânus do animal. Quer dizer... Com exposição dos órgãos sexuais. Quer dizer... É óbvio que esse tipo de visualização do quadro se classifica como não permitido para menores de 18 anos. Por que eu estou falando "não permitido" e "não recomendado"? Vocês vão dizer o seguinte: "Não: a classificação é indicativa. Não se pode falar 'não permitido'." Mas, no caso específico da faixa de 18 anos, exatamente porque existem artigos no Código Penal... Por exemplo: indução de menor a presenciar conjunção carnal. Existem tipos no Código Penal que não permitem. Não se pode dar uma carta branca aos pais... No caso específico de classificação para 18 anos. Não se pode dar uma carta aos pais para expor crianças a esse nível de visualização de imagem. Então, o art. 8º da portaria coloca essa exceção à regra do princípio da indicação, porque a portaria, em princípio, é apenas indicativa. Mas, no caso de classificação para 18 anos, o artigo é claro. A norma, hoje, da portaria não permite. O art. 8º é claro.
Então, nós temos aqui, no art. 8º: "(...) a prerrogativa dos pais e responsáveis em autorizar o acesso a obras classificadas para qualquer idade, exceto não recomendadas para menores de 18 anos..." Hoje, a regra é essa. "... não os desobriga de zelar pela integridade física, mental e moral de seus filhos." Então, a regra... Pode-se polemizar, pode-se discordar, mas a regra é essa, hoje, da portaria.
Então, não se poderia convidar, distribuir folders, folhetos, em salas de aula, convidando menores de idade a comparecer, pelas regras atuais. Pelas regras atuais.
O nosso objetivo, na recomendação, não é alterar isso aqui. É alterar exatamente a obrigação que o expositor tem de não só realizar a classificação indicativa de todo o seu acervo, que a regra hoje exige, como de enviar ao Ministério de Justiça, para que o Ministério da Justiça ratifique ou não aquela avaliação. Isso é que está faltando.
Nós já recomendamos, demos 30 dias ao Ministério da Justiça, para que, em nível infralegal, ele resolva essa questão. Mas o ideal, até porque nós estamos nesse ambiente... Eu conclamo o Legislativo para que resolva isso em nível legal, que seria o ideal. Uma alteração mais clara, mais evidente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, para que essa regra seja cumprida, exatamente em função dessa polêmica. Hoje, se o nível de obras, se o tipo de obras é evidentemente incabível a esse público, criança e adolescente, que se cumpra a Constituição e que o estatuto seja mais claro nesse sentido de que galerias e museus passem a não só realizar a classificação, como enviar obrigatoriamente ao Ministério da Justiça, para que toda a equipe faça a análise ratificando ou não, o que é a chamada autoclassificação.
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Muito obrigado.
Eu me coloco à disposição para quaisquer dúvidas.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado, Dr. Fernando.
Concedo a palavra ao Relator, Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Cumprimento todos que estão neste momento aqui, a imprensa, os Senadores.
Sr. Procurador, em relação à classificação, sempre houve, eu diria, um namoro - e o senhor, de certa forma até, en passant, disse isso - com a censura. Eu queria que o senhor pudesse fazer uma distinção do que é classificação, do que é censura; se esse arcabouço jurídico que nós temos hoje, de certa forma, tolhe o artista de fazer o seu trabalho; se as exibições teatrais, se as exposições nos museus estariam, no mínimo que fosse, atingidas devido à legislação de proteção aos menores; e se os argumentos de que a arte no Brasil está sendo violentamente atingida se sustentam.
Outra coisa: o objetivo da CPI é, principalmente, angariar subsídio para que a gente possa melhorar, modernizar nossa legislação, alterando ou colocando coisa nova no arcabouço jurídico, mas, acima de tudo, deixando a sociedade mais tranquila com a segurança jurídica melhor, tanto do ponto de vista para quem produz espetáculos, para quem faz cultura quanto para quem consome essa produção.
Eu gostaria que, do ponto de vista do Ministério Público, V. Sª pudesse complementar se nós estamos precisando, se há alguma parte da legislação que está obsoleta, ou se há alguma que está melhorada, se o senhor tem alguma sugestão a ser feita à CPI do ponto de vista de proteção da criança, mas não só - e quero aproveitar a sua presença aqui - do ponto de vista do fato, dessa polêmica aqui.
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Talvez nós não tenhamos passado ainda para V. Sª o arcabouço todo da CPI, embora tenha tomado fama por causa da polêmica envolvendo a parte erótica da coisa, vamos dizer assim, mas a grande preocupação que nós temos tido também... Eu vou só lhe dar um exemplo: o meu Estado é um dos menores do País em termos de população. Eu creio que - corrija-me, Senadora Marta, se eu estiver errado -, em São Paulo, deve haver bairros ou regiões que devam ter em torno de 3 milhões de habitantes. Mato Grosso tem 3 milhões de habitantes. Eu creio que, dependendo da região de São Paulo, é possível que exista.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Se for ver pela Zona Leste, são quase 5 milhões, mas, se formos ver por subprefeituras, o máximo eu creio que sejam 700 mil.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Então, só uma zona de São Paulo já dá quase duas populações de Mato Grosso.
Mas veja bem, doutora: de janeiro a setembro, nós tivemos 6,7 mil casos planilhados de violência contra crianças no Estado de Mato Grosso, numa população relativamente pequena, se formos comparar com o restante do Brasil. E as violências das mais variadas possíveis: desde violência sexual, até violência psicológica, enfim, todo tipo de violência. E, quando começamos esta CPI, nós começamos a tratar e receber denúncias de casos do Brasil inteiro. E é incrível como têm sido terríveis os números.
Ontem o Ministro da Saúde esteve aqui e ele trouxe alguns números que nos fazem ficar espantados: 31 mil casos já catalogados - isso os catalogados - no Ministério da Saúde de violência contra crianças. O Senador Magno Malta chegou a perguntar se estaríamos diante de uma epidemia de violência contra criança.
Diante desse fato, é que eu lhe pergunto se teríamos que melhorar a legislação ou se o senhor sugere algum tipo de política pública para que possamos mudar um pouco esse cenário.
Hoje tratávamos ali no plenário também de alguns casos de mulheres - também temos muitos casos de violência -, mas de crianças eu não sabia que eram tantos casos, Senador Humberto Costa. São casos de crianças chegarem a óbito na cidade de Cuiabá, por exemplo, em meu Estado.
Diante desses casos todos, nós temos uma preocupação, porque - o senhor deve saber; com certeza, sabe - o ser humano tem uma faixa, um período do zero aos seis anos, que é um período que os estudiosos todos dizem que é de formação - vimos incompletos e aquele é um momento de alicerce, em que é formado o cérebro das crianças. Se essas crianças estiverem sendo expostas... E esse cérebro se forma a partir dos estímulos que recebe. Se essa criança for exposta a um ambiente de insalubridade, ambiente de vulnerabilidade, ambiente de violência, ela tende a desenvolver o chamado estresse crônico, que vai deixá-la com sérias dificuldades, inclusive de aprendizagem, de relacionamento depois com a sociedade.
Eu tive a oportunidade de participar ontem, na Câmara dos Deputados, dum seminário sobre primeira infância, em que alguns estudiosos traziam essa preocupação com a formação e com o fato de que o ser humano é esse ser que vem inacabado, vamos dizer assim, do ponto de vista cerebral.
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Inclusive, houve um fato interessante, eu achei, que um dos médicos disse que é o de que o ser humano tem, até os seis meses de vida, por exemplo, para ser estimulado para o cérebro aprender a enxergar. E, por exemplo, se se deixar uma criança no escuro ela não é estimulada para aprender a enxergar. Depois de seis meses, se você for colocá-la na luz ela vai ter córneas perfeitas, todo o sistema perfeito, terá todo o sistema perfeito e não vai conseguir enxergar, assim como outras habilidades. Eu não sabia desse tipo de coisa.
Então, o que os estudiosos têm dito é que essa formação, esse ser, quando vem, tem que ser muito cuidado.
E a preocupação que eu tenho tido nessa... no que temos visto nesses números é que, a meu ver, temos boas políticas para outras categorias, para outras faixas etárias e me parece que está carecendo de a gente ou condensar ou melhorar as políticas públicas e até mesmo a legislação com foco na primeira, na chegada, vamos dizer assim, desse ser que vem de outro lugar, e, de repente, começa a conviver conosco.
Então, eu gostaria que V. Sª pudesse nos falar um pouco sobre a ótica do Ministério Público. E também, como última pergunta, dizer se essa notificação que o senhor fez ao Ministério da Justiça... se eles já lhe responderam e se já sinalizaram que vão fazer alguma mudança no aspeto legislativo infralegal.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pela ordem, Sr. Presidente.
Eu gostaria de saber como V. Exª vai encaminhar, porque nós... Aquele é um depoente. Tivemos agora um depoimento que acabou sendo uma pergunta para ele...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT. Fora do microfone.) - Uma não, foram várias.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu entendi que foram várias.
Mas, nós gostaríamos de nos pronunciar aqui, eu e meus colegas. E depois ele pode responder se ele quiser, mas eu não entendi que nós estávamos em uma audiência pública. Ao contrário, o Sr. Presidente reiterou que não era uma audiência pública.
Então, nós tivemos um depoente, uma manifestação do Vice-Presidente, o que está absolutamente correto. E aqui há alguns Senadores que estão querendo também se expressar.
Então, eu gostaria de uma posição de V. Exª sobre como pretende conduzir.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Agora.
Eu já disse como conduziria. Ele falou. O Relator - ele não é Vice-Presidente, é Relator. Ele fez três perguntas.
Ele vai responder e, em seguida, a senhora tem a palavra.
(Interrupção do som.)
Eu acho que nós temos mais duas pessoas. Acho que daria celeridade. Ele responderia ao Senador José Medeiros, em seguida a Senadora Marta e, em seguida V. Exª, porque só somos nós quatro aqui.
(Interrupção do som.)
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - ... um histórico. Quase dez anos pós 88, como letra morta, exatamente em função desse ranço de possível ligação com a censura.
Esse ranço, dez anos depois, inclusive quando nós começamos a atuar algumas redes de televisão, na TV aberta nem respeitavam. Eles diziam que não iriam respeitar por escrito.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Isso é muito importante, ou seja, que se tenha clareza do que é censura e do que é classificação.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Exatamente.
Bom, então, no caso a questão da liberdade artística... A classificação artística ela oprime, ela reduz a liberdade artística? De forma nenhuma.
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O instituto hoje tem 30 anos. Todos os demais segmentos - DVDs, cinema, TV aberta, TV fechada, vídeo -, tudo isso é arte. Tudo isso é arte. Nunca houve polêmica no sentido de que a arte está sendo atacada em função do instituto da classificação indicativa. Então, por que galerias de arte e museus não se submeteriam ao mesmo procedimento, a essa ferramenta democrática?
Não há justificativa alguma. Não há qualquer colisão entre liberdade artística e classificação. A questão não é o caráter subjetivo da arte. A questão é o que a criança não pode visualizar. Uma criança quando... Um quadro em que há uma sodomização forçada de um cabrito por duas pessoas, com a exposição de órgãos genitais, para determinadas pessoas, pode ter um aspecto subjetivo. Pode-se observar, por exemplo, a classe oprimida e a classe opressora ali, para o adulto. Eu, particularmente, não tenho essa sensibilidade artística, mas a criança é um ser em formação, e, com certeza, ela vai ver o aspecto objetivo de um cabrito sendo sodomizado à força por dois homens com exposição de órgãos genitais. Isso é extremamente agressivo para a criança. Para qualquer profissional das áreas de Psicologia, Psiquiatria, Pedagogia, não há divergência nenhuma quanto a isso.
Então, o objetivo da classificação indicativa é a proteção à criança e ao adolescente. Não tem nada a ver com censura. Não se ataca em nada a liberdade artística.
Quanto à questão de melhorias na legislação, como nós dissemos, como houve essa... O ideal seria que, no art. 74 do ECA, se incluísse a redação dos arts. 3º e 4º da Portaria 368, no sentido exatamente de deixar claro quais são... O objetivo seria este... Seria ideal colocar no art. 74: "Sujeitam-se à classificação indicativa pelo Ministério da Justiça obras audiovisuais destinadas à televisão, jogos eletrônicos, jogos de interpretação, e também exibições ou apresentações ao vivo abertas ao público, tais como circenses, teatrais e shows musicais." Fim da questão. Coloca-se isso no art. 74 do Estatuto, e não há mais polêmica, porque a Constituição exige isso. Então, a melhoria ideal seria essa.
Outra melhoria: o Guia Prático de Classificação Indicativa hoje... Algumas situações que ocorreram, como aquela interação de homem nu com criança, em função de um enredo que chamava à interação - era um enredo interativo. Não há uma previsão de classificação de qual é o dano para a criança que se expõe ao palco induzida por aquele enredo. Seria interessante incluir no Guia Prático esse tipo de prática, exatamente em função do incidente ocorrido.
A nossa recomendação ao Ministério da Justiça tem prazo de 30 dias, até o final de dezembro. O Ministério da Justiça não se pronunciou. Eu acredito que a necessidade de observância, diante do Estatuto e da Constituição, é tão clara que eles não vão se opor a essa mudança legislativa.
Obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Passo a palavra à Senadora Marta Suplicy.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Obrigada, Presidente.
Acho que nós deveríamos, primeiro, conversar sobre o conceito da arte e o conceito da pedofilia, porque estamos lidando exatamente com essas duas questões.
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Eu gostei muito aqui de uma análise feita pela Procuradoria-Geral da República, pela Subprocuradora Deborah Duprat, que é Subprocuradora-Geral da República e exibe aqui um conceito bastante interessante.
O âmbito da arte deve ser definido por meio das características estruturais próprias a ela e moldadas por sua essência. Delas deve partir a interpretação do conceito de arte da Constituição. O essencial da atividade artística é a criação livre, na qual as impressões, experiências, vivências do artista são trazidas à exposição direta pelo medium de uma certa linguagem das formas. Toda a atividade artística é um entrelaçamento de processos conscientes e inconscientes que não podem ser dissolvidos racionalmente. Na criação artística atuam conjuntamente intuição, fantasia e compreensão da arte; não é primariamente comunicação, mas expressão, a expressão mais direta da personalidade individual do artista.
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Aquilo que em condições normais seria ato obsceno deixa de ser percebido como tal se for representado em uma tela ou no teatro. E uma peça humorística reivindica uma liberdade de expressão cuja amplitude seria impensável para um jornalista ou cientista.
Mais para a frente, a Subprocuradora-Geral coloca, e aí ela já está mais focada no que nós estamos discutindo aqui:
De qualquer modo, não há controvérsia acerca do elemento subjetivo exigido pelos tipos penais citados, qual seja, a intenção do agente em satisfazer a lascívia própria ou alheia, utilizando-se, para tanto, de uma criança ou adolescente.
Quer dizer, a nudez não é criminalizada, a não ser que ela seja uma nudez lasciva e que esteja ali ocorrendo para a sedução de alguém, adulto ou criança, no caso do pedófilo.
Ausente tal intenção, resta descaracterizada a conduta criminosa. É o caso, por exemplo, da imagem de um bebê desnudo, contida em um álbum familiar ou [para vender qualquer produto infantil] ou na capa de um disco de rock [ou coisa do gênero].
Não há que se falar, neste caso, em crime, justamente porque está ausente o elemento subjetivo específico consistente no fim lascivo da cena.
No caso da pedofilia, a pedofilia é uma forma doentia de satisfação sexual. Não só é doentia como é crime. Agora, ela tem algumas características. E nesta obra de arte que se discutia, de uma escultura viva de uma pessoa nua, não está implícito. Ali não existia gesto de tentativa de sedução de uma criança ao lado de sua mãe nenhum daquele indivíduo na frente de 50 a 100 pessoas. Eu acredito que ali há uma interpretação muito equivocada da questão da arte. Ali não existe pedofilia; existe arte. Se vamos ter uma advertência ou não, aí eu tenho muita dúvida. No sentido dos artigos que V. Exª colocou, procede que realmente no ECA existe uma possibilidade de poder ter uma informação sobre o que ocorre. Mas eu acredito que a possibilidade de colocar idade seria um desastre absoluto, porque as formações são muito diferentes, e o senhor diz que não há psicólogo no mundo que vá dizer que não faz mal para uma criança olhar aquele nu.
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Bom, além de eu ser psicóloga, sou membro da Sociedade Psicanalítica Brasileira. Ali vai ser difícil o senhor achar alguém, até no Conselho de Psicologia - vai achar porque sempre vai ter alguém que vai dizer o contrário....Mas a Presidência certamente não se manifestará da forma como V. Exª colocou, porque não há impacto numa criança pequena ver aquela cena. Ela não tem isso dentro dela, de ver ali uma sedução de qualquer coisa. Ela vai ver um homem nu.
Para o adolescente, também não há impacto. O máximo que poderia haver seria uma zoeira do adolescente com o homem nu, criando confusão. Isso poderia ocorrer. Mas nada diferente do que ele poderia ver na internet, como o senhor sabe, com muito mais facilidade e em qualquer novela também.
Então, parece-me que nós temos de ter muito cuidado, senão, aqui no Brasil, nós vamos virar - tenho medo - o farol do combate à arte, o farol do atraso, porque seria muito constrangedor - e falo isso como ex-Ministra da Cultura - começarmos a colocar "aqui é proibido para menores de 18 anos", "aqui não pode". Não existe isso.
Você vai a um museu... Você pode pegar qualquer museu. Você vai ao Louvre e vê obras de nus, você vai ao quai Branly e vê todas as esculturas - um museu que é para a arte negra - de pessoas nuas, você vai ao quai d'Orsay e vê a obra de Coubert. Aonde você for no mundo. Você vai ao Masp, ao MAM, nos outros Estados, os museus apresentam essas obras que o senhor considera horrorosas. Na arte, elas não são horrorosas. Elas podem impactar, elas poder causar um impacto religioso, podem causar um impacto de visual, podem impactar. Poderíamos pensar, talvez, que as obras expostas possam ter um impacto visual ou religioso. Agora, eu diria que, nos acervos de um museu, colocar uma coisa desse tipo seria um retrocesso muito gigantesco, seria muito ruim para nós, como país.
Em relação a exposições temporárias, podemos avaliar, porque vi que no ECA realmente tem uma possibilidade de pedir informações. Ao simplesmente colocar que pode haver um impacto, entra quem quer; não vai quem não quer. É diferente. Está ali avisado.
Outra coisa que eu gostaria de colocar é sobre a mesma exposição que nós vamos discutir em breve. Nós temos já uma manifestação que me pareceu muito clara do Ministério Público Federal, da Procuradoria da República do Rio Grande do Sul e da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, que fazem um trabalho que me impactou. No Rio Grande do Sul, a Procuradoria, o Ministério Público diz que não só a exposição não é crime, mas recomenda a imediata reabertura da exposição. Então, nós temos várias autoridades jurídicas com uma posição muito diferente e dizendo que aquilo não é crime. Nós não podemos nos apequenar em virtude de meia dúzia de pessoas na internet gritando que isso é crime. Não dá para fazer assim. De repente, eles foram na semana seguinte interromper uma representação teatral, impedindo a apresentação. Quer dizer, que país nós estamos querendo? Um país onde a expressão artística passa agora a ser censurada, sim, por pequenos grupos que se acham no direito de impedir pessoas de visitaram uma exposição que acabou sendo tirada, porque o pessoal do banco achou que estavam tendo vitrines de banco destruídas. Ficaram ali com medo e retiraram tudo. E foi pena, porque, se tivessem mantido essa exposição, nós teríamos uma discussão mais aprofundada do tema, e não essa retração, porque eu li o catálogo da exposição, e é um catálogo muito bem feito. Fiquei bastante impressionada com a qualidade da exposição. Eu não vi a exposição, mas eu vi o catálogo. Vi obras também, exatamente obras, como V. Exª coloca, dos grandes artistas brasileiros e de novos artistas brasileiros, que não iam fazer mal às pessoas, que foram privadas de ver essa exposição antes da hora.
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Aliás, aqui faço uma pergunta ao Senador Magno Malta, porque desconheço. Talvez V. Exª concorde com a denúncia que veio e, por isso, levou adiante. Mas eu queria saber se não é prerrogativa do Presidente de uma Comissão não abrir uma CPI. Quer dizer, a CPI foi aberta até por outros motivos, aqui nós desviamos, mas V. Exª disse que recebeu muitas demandas, muitas denúncias. Esta é uma pergunta técnica: um Presidente de uma Comissão é obrigado a aceitar todo tipo de denúncia que chega? Porque, de repente, uma denúncia desse tipo mereceria nós estarmos aqui, constrangendo artistas, criando um movimento no Brasil de polarização, que me parece negativo para a sociedade? Nós não crescemos disso.
E, se fosse para realmente termos uma atitude frente à pedofilia, primeiro o Ministério... Não é um Ministério, é o... Tem aqui. Nós tivemos aqui primeiro o Ministério da Justiça e a Segurança Pública - Senasp -, que fizeram, recentemente, 108 prisões de pedófilos. E, durante seis meses, utilizaram mil policiais para trabalhar na ação coordenada pela diretoria de inteligência da Senasp junto às polícias civis, agência de inteligência, secretarias estaduais de segurança pública, um trabalho realizado com a cooperação da Embaixada dos Estados Unidos e da Adidância da Polícia de Imigração e Alfândega em Brasília.
Então, nós não estamos não fazendo nada. Até me surpreendeu positivamente quando eu vi esse trabalho, e quero parabenizar o Ministério da Justiça, que conseguiu realmente fazer um trabalho de excelência.
Agora, eu pediria... Eu fiquei aqui pensando, Senador Malta. Seria muito mais profícuo para nós, se nós quisermos nos dedicar realmente à prevenção da pedofilia e impedir isso ou fazer com que ocorra de forma menos numerosa, que nós trabalhássemos em relação a professores, porque, na sala de aula - eu trabalhei em São Paulo, implantei o primeiro projeto de educação sexual em São Paulo, junto com o Paulo Freire; depois, na minha gestão, continuamos -, nós percebíamos que as crianças que são vítimas de abuso sexual mudam da água para o vinho o seu comportamento. Elas vomitam na sala de aula, se eram pessoas que falavam abertamente, elas se restringem, ficam medrosas, às vezes, não querem ir com alguém da família que busca. São todos indícios. Os professores, na maioria, não têm nenhuma ideia disso, não vão atrás, acham que a pessoa está... Não sabem que isso é seriíssimo quando ocorre e que tem de ser investigado.
Tem de haver nas salas de aulas... Nós, na Comissão, temos aprovado projetos para haver professores com mais sensibilidade, porque não é só com abuso que isso tem a ver. Tem a ver com fome, tem a ver com mãe apanhando de pai. A criança perde muito o rumo. Mas a escola tem de estar preparada para lidar com isso.
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Se nós conseguirmos ter isso e uma cooperação também com os conselhos tutelares, com a assistência social vamos ter um resultado muito maior, muito melhor.
Essa é uma recomendação que eu sugiro ao nosso Relator, Senador Medeiros. Essa é uma recomendação que nós podemos colocar. Nós estamos trabalhando agora para a formação de professores. Por que não colocamos isso? Isso tem de estar na formação. Isso é vital, porque vai proteger nossas crianças. Vai proteger as nossas crianças muito mais do que por lá coisas dizendo aqui não pode entrar criança com menos de 10 anos, 15 anos... Isso não vai proteger. Inclusive, porque livro de pornografia... Você compra revistinha na banca provavelmente. A criança que tem a primeira mesada vai lá comprar. Então, não é por aí.
Eu acho que nós temos de pensar grande, nós temos de pensar em outro tipo de atitude que pudesse dar uma colaboração maior para proteger, de fato, as nossas crianças.
Era isso o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - O senhor pode responder à Senadora Marta? Eu não vou responder porque o depoente não sou eu, mas, ao final, eu respondo para a senhora.
Senador Humberto.
(Interrupção do som.)
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - ... ficarei. Pode ficar tranquilo.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sr. Presidente, Srs Senadores, Srªs Senadoras, primeiro eu quero me referir ao ilustre Procurador aqui presente e quero fazer algumas perguntas que ele pode já responder sim ou não.
V. Exª foi o Procurador natural de ambos os casos ou de algum dos dois?
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS (Fora do microfone.) - Nenhum dos dois. Mas um caso em Minas Gerais...
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim.
Segundo. Pergunto a V. Exª: V Exª conhece o parecer que foi dado pelos procuradores que analisaram pelo menos as duas situações, a do Rio Grande do Sul e a de São Paulo?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - No caso do Rio Grande do Sul... O Ministério Público do Rio Grande do Sul, foi o Procurador Júlio Almeida.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Sim, conheço.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - O senhor conhece a posição que ele expressou...
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Acredito que Júlio Almeida, não...
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu tenho o nome dele, Júlio Almeida.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Não, no Rio Grande do Sul, não. Espere...
No Rio Grande do Sul, quem atuou, se não me engano, foi o Procurador Fabiano de Moraes, com uma recomendação com relação ao Queermuseu.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Fora do microfone.) - Fabiano de Moraes...Um documento completamente... a exposição.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu pergunto se V. Exª sabe do resultado, então, dessa avaliação?
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Sim, conheço.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - E a avaliação, que é a posição do Ministério Publico oficialmente, diz que não há o cometimento de nenhum tipo de crime na realização dessa exposição. V. Exª tem conhecimento disso?
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Excelência, não há conflito nenhum entre o posicionamento do colega do Rio Grande do Sul e o nosso posicionamento, data venia.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Mas V. Exª não esteve lá, assim como eu.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Sim, eu só estou dizendo que o objeto aparentemente é o mesmo.
O colega do Rio Grande do Sul não toca no mérito da questão de eventual ausência de classificação indicativa. Não se toca... Nesse trabalho do colega do Rio Grande do Sul, ele não toca em nada no mérito. Nós somos procuradores naturais em função de um incidente semelhante ao ocorrido no Rio Grande e em São Paulo, mais ou menos nos mesmos moldes, em função do Palácio das Artes em Belo Horizonte, em uma exposição com problemas semelhantes.
Exatamente por isso nós ingressamos com o inquérito civil e recomendamos ao Ministério da Justiça não por causa do problema do Rio Grande do Sul, de São Paulo ou de Belo Horizonte, mas para corrigir um erro na legislação em função de classificação indicativa, corrigindo o problema para o Brasil todo, entendeu?
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Não há qualquer problema com a questão da atuação específica local do colega do Rio Grande do Sul, em função de questão de liberação de verbas da Lei Rouanet... Ele entendeu que deveria haver uma volta imediata do teatro, exatamente porque houve liberação de verba federal, mas ele não toca na questão da classificação indicativa em nenhum momento.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Mas obviamente que os pedidos feitos à Justiça para a proibição, as manifestações dos inconformados com a realização da exposição e a própria realização da proibição levam em consideração esse aspecto. Não foi por causa da Lei Rouanet que foi pedido que as exposições fossem proibidas.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Veja bem, Excelência, nós não estamos pedindo proibição de nada. Se houve manifestações...
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Não estou dizendo que foi V. Exª.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Exatamente. O nosso objetivo é correção na legislação infralegal, para que as galerias e museus tenham um procedimento completo de classificação indicativa, como exigido pelo Estatuto e pela Constituição Federal. Nós não pedimos proibição de nada.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - O.k. Então, o que fica evidente para nós é que se trata de uma questão em que pode haver julgamentos diferentes. No caso do Rio Grande do Sul, o Ministério Público posicionou-se de uma maneira, para mim, clara: permitiu que continuasse, aliás, recomendou que a exposição voltasse e, caso contrário, dentro da própria concepção do Presidente da CPI, de V. Exª, ele estaria praticando um crime de prevaricação.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Veja bem, Excelência, vamos esclarecer. No Ministério Público existe o princípio da independência funcional. Pode haver decisões contraditórias, pode haver, em tese. Nesse caso, não há decisões contraditórias. Nós não temos ciência de ninguém que tenha analisado o aspecto da ilegalidade... A senhora está com o parecer da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão?
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Da Subprocuradora-Geral da República.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Da Drª Deborah Duprat. Eles não analisam, não há nenhuma linha neste parecer de uma análise. Inclusive, ontem, nós encaminhamos uma sugestão de complementação. Nós entendemos que o objetivo desse parecer é muito nobre, de abranger toda a questão, mas é uma questão complexa, e, no aspecto específica da ilegalidade, não há nenhuma linha tocando no eventual aspecto da ilegalidade do arts. 3º e 4º da Portaria do Ministério da Justiça, em função do Estatuto e da Constituição Federal. Nós encaminhamos ontem uma sugestão para que haja uma análise. O parecer é esplêndido na análise...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu vou me permitir fazer um adendo. O senhor disse que não tinha, mas tem aqui: "Por ser indicativa a classificação etária efetuada pelo Poder Público", estou falando do Ministério Público Federal...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Senadora Marta, só para ajudar a senhora, o Senador Humberto está com a palavra.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - O senhor me permite, Senador?
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu dou o aparte, desde que V. Exª seja breve.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pois não. "Por ser indicativa, a classificação etária efetuada pelo Poder Público não possui força vinculante. Assim, não cabe ao Estado nem aos promotores do espetáculo de diversão impedir o acesso de crianças ou adolescentes a eventos tidos como 'inadequados' à sua faixa etária [inadequados está entre aspas], especialmente quando estejam elas acompanhadas de seus pais ou responsáveis". Aí cita artigos, etc.
Então, está, sim, aqui no documento muito claro que essa história de classificação é uma questão subjetiva, que está em discussão. Não existe uma clareza, uma unanimidade sobre isso.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - V. Exªs me permitam, então, esclarecer ao máximo possível essa questão. Esse aspecto que a Senadora acabou de ler, que existe na nota técnica, é um posicionamento, é um parecer, dizendo que a classificação é indicativa. A regra geral é de que não poderia haver - esse é o parecer da Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão - proibição...
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A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Exatamente.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Só para complementar, só para concluir.
Não poderia... Em nenhuma faixa poderia haver proibição de ingresso com a presença dos pais. Esse é o posicionamento no parecer.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Não.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Senadora, eu gostaria de...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Senadora Marta... O senhor tem a palavra, Senador Humberto. No final, o senhor responde para ela.
Senador Humberto.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Para eu poder...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, desculpe.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Terminou?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Está bom.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - É que eu também vou abordar essa questão.
O que eu quero dizer é o seguinte: primeiro, se esse debate aqui não for esclarecedor sobre essa questão, acho importante que nós possamos convidar o procurador do Rio Grande do Sul ou a Drª Deborah Duprat para que ela venha aqui, para que nós façamos essa discussão.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Será um prazer tê-los aqui conosco.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Com toda certeza. Eu já entendi, inclusive, que V. Exª trabalha muito mais do aspecto, do ponto de vista teórico esse tema da classificação indicativa e como envolver outros segmentos que precisariam ter do que propriamente sobre esse caso específico.
Eu estou dizendo isso porque nós trouxemos aqui dois curadores que estão vindo por uma razão concreta.
O SR. FERNANDO DE ALMEIDA MARTINS - Sim.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Para virem para uma CPI, que é uma comissão de inquérito, alguma coisa eles fizeram. E, para mim, está claro que nem no Rio Grande do Sul nem em São Paulo nem na Procuradoria da República, que trata do tema, eles estão qualificados como criminosos. Então, não estão vindo aqui criminosos participarem desta Comissão. E não quero nem que V. Exª responda, porque não estou dirigindo isso a V. Exª.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Só um minutinho, Senador Humberto. Se houver qualquer manifestação, vou evacuar a sala. Eu disse isso no princípio e não falarei duas vezes.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Não, nem ouvi. Eu peço que ninguém se manifeste, por favor, porque aqui é um debate que é relevante, inclusive, para a gente discutir essas questões todas.
Então, veja: nenhum de nós é contra a classificação indicativa. Ao que eu saiba, eu não sei no caso do Rio Grande do Sul, mas, no caso de São Paulo, eu tenho a certeza e a convicção de que houve essa classificação indicativa em relação a quem poderia e quem não poderia participar. Inclusive, na própria sala em que havia o que se convencionou chamar de "peladão", havia uma placa dizendo que havia ali cenas de tal e tal qualificação. Está certo?
Não vou entrar no mérito, inclusive, porque está claro que quem está praticando pedofilia não vai ficar nu dentro de um museu.
(Manifestação da plateia.)
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Os pedófilos estão com uma toga, eles estão com uma bata de médico, eles estão com a batina de padre, estão de terno, muitos deles, e vivem no submundo, no submundo. Não vão ficar pelados nem fazendo pintura para expor numa galeria qualquer.
Eu estou dizendo isso por estar preocupado, porque são pessoas que têm reputação. Estão vindo a uma CPI... V. Exª sabe, como eu sei, como outros sabem o que é ir a uma CPI, o que isso representa em termos de reputação de uma empresa, de reputação de uma pessoa, de reputação de um cidadão ou de uma cidadã. Eu queria, primeiro, deixar isso claro para a gente ter o respeito devido a quem vai aqui falar.
Quero, inclusive, acrescentar, Presidente, que eu apresentei um requerimento a pedido, inclusive, do advogado do Wagner, que está na França, para que ele possa depor por videoconferência, porque ele, segundo o advogado, não está se recusando a depor. Apenas ele mora na França, foi para lá, mas se dispõe a fazer o seu depoimento por videoconferência.
Uma coisa que eu quero dizer também é o seguinte: nós não estamos discutindo o tema da censura porque exista a classificação indicativa. É importante que ela exista, e ela é muito mais uma orientação para os pais do que uma proibição. Então, ela não é censura. Tudo bem.
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Agora, ir para a frente de um centro cultural e quebrá-lo porque está sendo exibida uma peça, isso é um absurdo, isso é obscurantismo, isso é a censura do pior tipo. Um juiz que dá uma liminar para suspender uma exposição porque o motivo alegado é que há pedofilia - e ele nem foi lá para ver que diabo é isso - é censura! Quem pega um cantor ou uma atriz famosa e coloca na internet que é pedófilo, que não sei o quê... Isso, além de ser um crime, porque é um crime de tentativa de destruir reputações, é censura! É para tentar fazer com que aquele artista, no dia em que for escrever outra música, ele diga: "Espere aí. Deixe eu ver se essa palavra eu posso colocar, porque senão eu vou virar a Geni da internet." Ou o artista que vai recusar um papel, porque aquilo ali pode ser entendido como sendo...
O problema é que o Brasil está cheio de reacionários sem causa. Não é de rebeldes sem causa, porque esses não são rebeldes de nada. São indivíduos calados, calados diante da corrupção que existe hoje no Brasil, que viviam no meio da rua batendo lata e panela, e calados diante da verdadeira vergonha nacional que é o desmonte de tudo que se construiu no Brasil nesses últimos anos. Esses são imorais. Esses, sim, são os imorais. Esses, sim, é que são os que agridem a infância, agridem a velhice, porque são defensores de uma proposta e um projeto que só têm sacrificado o povo brasileiro. Quer coisa mais imoral do que um Presidente da República que manda buscar uma mala de dinheiro? Para mim, isso é mais imoral do que 200 pelados. Não é verdade?
Agora, o que eu entendo que nós precisamos registrar? É que nós, aqui, não podemos ceder a esse desejo de censurar. Obviamente, as proposições que venham no sentido de aperfeiçoar a classificação indicativa são muito bem-vindas. Mas, proposta de ir lá ao Ministério da Cultura e dizer: "Não dá mais Lei Rouanet para não sei quem..."; "proíbe critério não sei do quê de que participe tal tipo de coisa com tal conteúdo...". Isso nós não podemos aceitar. Isso é censura. Eu sei que não é o que V. Exª está defendendo aqui.
Se nós formos ceder a esses reacionários sem causa... Porque, como não tem mais... Eles não podem mais falar da corrupção, porque estão metidos com os maiores corruptos do Brasil... Como eles não podem falar nada de política, agora se viraram para se tornar os moralistas do Brasil. Para acabar... Dá até pena.
Sabe quem melhor classificou algumas daquelas figuras, apesar de ser um deles? Foi o grande artista Alexandre Frota, que disse: "Vocês são uns faixas brancas!" São uns faixas brancas mesmo. Não sabem de nada. São uns bobalhões. E agora querem definir no Brasil o que é arte e o que não é, o que pode e o que não pode ser arte.
Acho que esta reunião de hoje é muito elucidativa, para que nós possamos ter um relatório, Senador José Medeiros. Primeiro: se nós aqui promovermos qualquer tipo de recriminação, indiciamento, o que quer que seja, de curador, de artista e tal, eu acho que nós estaremos prestando um desserviço ao Brasil.
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Temos de ver aquele negócio da Baleia Azul, que foi o que justificou começar a CPI e tal. Infelizmente acabou nisso em que estamos, mas podemos retomar aquilo. Podemos sair com algumas recomendações, que haja um maior cuidado nisso ou naquilo, mas temos de ouvir também se houve ou não. Houve classificação indicativa nos três casos ou não? Não houve? Sai uma recomendação para que possa haver, se for o caso. "Ah, é preciso botar na legislação." A gente bota. Agora, querer censurar, impedir ou criminalizar... O pior é isto: as pessoas estão com medo de sair daqui e estar com uma reputação destruída ou sei lá. Há um receio assim das pessoas. Então, que possamos encarar as pessoas que vão falar e outras que vão falar como pessoas que não são criminosas. Não estamos aqui para criminalização, porque, senão, minha gente, se ficar nu vai dar cadeia e pedofilia, manda fechar a praia de Tambaba. São famílias inteiras peladas. Não feche, não, porque é bom para a Paraíba o turismo. É tudo nu, é família. Por quê? Porque o sexo não está vinculado necessariamente ao problema da nudez. A erotização não está vinculada ao problema da nudez necessariamente. Numa praia de nudismo, não pode haver nenhum tipo de envolvimento, de relação sexual em público.
Então, era isso o que eu queria dizer, Sr. Presidente. E ele respondeu às minhas questões.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Satisfeitos o Relator, o Senador Humberto, e a Senadora Marta, eu agradeço, Sr. Procurador, a sua vinda.
Mais uma vez, advirto, agradecendo a sua vinda para falar de censura e classificação, que esta não é a CPI da Pedofilia, que eu comandei em 2006. E essa grande operação da Polícia Federal que ocorreu agora só ocorreu, Senadora Marta, porque havia base, havia lei, e eu sou o autor da lei.
O 240, alteração depois de 18 anos, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que criminalizou a posse... A demanda não é brasileira, a demanda é estrangeira. Outras demandas nós recebemos aqui, como a Carrossel, em 2005. E a Justiça brasileira prendeu 200 computadores recheados de crimes contra a criança, porque este é o País que mais consome pedofilia na internet no Planeta. Não havia lei de combater crime cibernético e não havia criminalização da posse, ao contrário do que dizia o Estatuto da Criança e do Adolescente. O 240 foi alterado em 2007, e eu assinei essa lei na CPI da Pedofilia. A parti daí, seis meses depois, a Justiça foi obrigada a devolver 200 computadores, não criminalizou um pedófilo porque não havia legislação para tal. Por isso, ocorreu.
Esta é uma CPI de maus-tratos. Não vamos confundir as coisas. Maus-tratos vão desde maus-tratos psicológicos... Quando a Organização Mundial da Saúde diz e pede para não se fumar perto de uma criança quando essa criança está na sua primeira infância, chegando à porta da puberdade, é porque ela vai levar a violência psicológica para a vida.
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As grandes demandas que nós temos hoje no Ministério da Saúde, dinheiro consumido, são por causa dos danos feitos pela nicotina e alcatrão. Pelo amor de Deus, não fumem perto de criança.
O que nós estamos falando é de classificação e censura. Não há qualquer história de classificação ou de censurar arte. Estamos falando de coisas diferentes. Violência contra criança é queimar com cigarro, é amarrar os pés dela com corrente e largar no pé da mesa, é espancar. Chega essa violência numa conjunção carnal? Chega. E, na CPI da Pedofilia, desde empresários, até políticos, pastores, padres, eu tive o dissabor de prender um monte Brasil afora. Então, não estou aqui fazendo CPI de pedofilia. E digo: se a senhora tivesse frequentado todas as sessões da CPI, a senhora teria visto e participado de tudo que a senhora acabou de falar.
E dessa questão da prevenção, de que criança abusada dá sinais na escola ou dentro de casa - cai rendimento escolar, volta a fazer xixi na cama, vomita, fica obesa, entra em depressão, chora -, daí, Senadora Marta, veio a lei chamada Lei Joanna Maranhão, que também tive o prazer de assinar, por conta de Joanna ter sido processada pelo seu técnico, porque foi abusada na infância, e ela declarou, em Pernambuco. E aqui, desse lado meu, chorava uma mãe médica dizendo: "Joanna cansou de me dar sinais, e eu não entendi. Joanna não queria mais nadar, Joanna não queria ir com o técnico. Eu dizia: 'É seu tio, ele gosta de você.'" Ele estava abusando dela, mas Joanna falou depois que passaram 19 anos.
Quando ela falou, a lei dizia o seguinte, senhores. Era uma lei em que o Ministério Público só podia denunciar se houvesse autorização da família. E antes de 2006, antes da CPI da Pedofilia, tudo isso acontecia no submundo. Mas as pessoas tinham medo, porque, de cada dez abusadores, sete estavam no entorno da família, e seis são pais. Envolve o vizinho, parente, padre, pastor, alguém que esteja no entorno dela. De cada dez abusadores de crianças, cinco foram abusados na infância, e abusam para devolver o sofrimento.
Aí, veio a Lei Joanna Maranhão - porque a Joanna está respondendo a três processo -, que acabou com isso, porque era isto: "Você fez 18 anos, você vai lá, você tem seis meses só para declarar que você foi abusada." Só seis meses. Se passarem seis meses, o crime acabou. E Joanna declarou depois de 19 anos de idade, o crime acabou. O nadador, o técnico foi lá e processou Joanna em três processos. Hoje não, senhores. Sabem por que a Xuxa, aos 49 anos de idade, disse que foi abusada pelo namorado da avó quando ela era criança? Porque a Lei Joanna Maranhão existia e dizia: "Você foi abusada, você fala na hora em que você quiser, porque aquilo lá acabou."
Tudo isso nasceu lá, e eu tive o prazer de assinar, Senadora Marta, todas essas coisas. E agora o que ocorre hoje aqui? Temos uma CPI dos Maus-Tratos num país que maltrata criança. Na semana passada, no interior de Minas Gerais, no interior de São Paulo, numa creche, as crianças, para dormir e não chorar, recebiam um saco plástico na cabeça. Crianças espancadas em abrigo. A criança que não é adotada, 18 anos depois, tem de sair. Fez 18 anos, a lei diz assim: "Por que nós vamos mexer com isso?" Porque isso é maus-tratos. Como vamos fazer para mudar essa situação? É uma situação ampla, mas envolve desde a mutilação psicológica até a mutilação de uma conjunção carnal, de um abuso, mas não é CPI de pedofilia.
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Estamos aqui para discutir. Aliás, Senador Humberto, ninguém que está vindo aqui, a não ser o criminoso de fato - outros virão, como um criminoso que abusou de 12 crianças como diretor de escola no Distrito Federal, e eu o trouxe aqui -, ninguém que vem aqui está sendo convocado porque é bandido ou porque é pedófilo. Isso é falácia, é frase de efeito que criaram. Ninguém está sendo chamado aqui porque é pedófilo. As pessoas estão vindo porque a CPI recebe denúncias, que são muitas. Algumas são escabrosas, que eu poderia falar. Mas por que não vou falar? Porque é preciso investigar em segredo coisas muito grandes, que nós não podemos... Aliás, coisas muito grandes nos foram dadas, numa reservada aqui, pelo pedófilo abusador, o tal diretor de escola, que me deu, numa reservada aqui. E de tantas outras coisas eu poderia falar. Mas o nosso foco é este: nós estamos lançando duas cartilhas, na próxima semana, desta CPI sobre bullying, ciberbullying. Discutimos aqui exaustivamente com técnicos e com o Ministério da Saúde a questão do suicídio infantil. Então, esse não é o foco.
Desculpem-me! Eu comandei que CPI da Pedofilia, eu tive o prazer de assinar parte significativa dessa legislação, e ninguém está vindo aqui como criminoso, nenhum curador de museu nenhum! O nosso foco é a criança. Onde está a censura? Onde está a classificação? Onde é que envolve a criança? Se o cara está achando que aquilo lá não é...
Eu só quero que exista uma lei no Brasil: a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ela foi violada? É a minha pergunta: foi violada? Onde ela foi violada? Aqui?
Entra-se num boteco, e está lá escrito "proibido vender bebida para menores de 18 anos". É uma lei. Quando um homem...
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fora do microfone.) - Minha, por sinal.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É proibido vender. A lei diz que qualquer coisa nesse sentido é proibida, até naquele boteco, para vender bebida.
A lei no Brasil diz que alguém com idade até 18 anos é menor. O que ocorre? Ocorre que, quando o sujeito mata, estupra e sequestra e tem 16 ou 17 anos, não pode nem mostrar o rosto, porque é uma criança. A lei diz que, com até 18 anos, ele é uma criança.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas estou falando de primeira infância, estou falando de tenra idade. É isso que estou discutindo.
Então, desculpem, não estou falando... Não trouxe ninguém aqui e acusando-o de pedofilia; ninguém está sendo acusado disso. Aliás, ao longo dessas duas semanas, eu e o Senador Humberto temos conversado muito até sobre essas convocações. Conversamos muito sobre isso. Agora, eu lamento que a imprensa e outras pessoas deem essa dimensão.
Aliás, com relação à mala de dinheiro, Senador Humberto, quem comete crime devia estar na cadeia já. Quem rouba dinheiro público tem de apodrecer na cadeia. Quem rouba dinheiro público tem de ser banido da vida pública. Quem pariu Mateus que embale Mateus. Assim como V. Exª se revolta com a indignidade, com mala de dinheiro, com dinheiro assaltado, com o fato de as nossas estatais serem roubadas, eu me revolto também, como parte da população brasileira, e acho que esses desgraçados têm de apodrecer na cadeia. Eles têm de apodrecer na cadeia.
Então, entendo a indignação de V. Exª, mas quero só colocar a amplitude desse grande guarda-chuva, a CPI dos Maus-Tratos. Aqui não há uma CPI específica sobre pedofilia. Por que nós estamos ouvindo? Nós precisamos propor alguma coisa para frente, nós precisamos melhorar. Na CPI da Pedofilia, avançamos. Precisamos melhorar. Precisamos ter proposições legislativas.
Por exemplo, como vamos construir creches daqui para frente, depois do advento de Janaúba, com aquelas mortes daquelas crianças? Eu fui lá, passei lá três dias, fui lá conviver sem um agente público de Minas Gerais. Fui para lá como CPI dos Maus-Tratos, para conviver com o Ministério Público, com o delegado, com aquelas famílias chorando, vendo o desastre que foi aquilo. Como faremos? Nós não podemos permitir, daqui para frente, que o Governo Federal faça uma lei permitindo que creche que seja feita com forro de PVC, porque aquilo inflama e mata. Tem de haver portão na saída. Como é que acontece isso? Tudo isso nós estamos fazendo.
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Então, Senadores... Se frequentasse a CPI, se viesse às reuniões, a senhora saberia o que estava acontecendo aqui, mas, como a senhora não a frequenta e vem a uma única reunião, aí saem essas pérolas.
Obrigado ao senhor.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Está suspensa a reunião.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu gostaria, se o senhor me permitisse, de fazer um comentário.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Pois não, Senadora.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Pela ordem.) - Eu acho que V. Exª se expressa muito bem. E colocou com muita veemência todas as lutas, que têm o seu mérito. Inclusive, nós aqui todos reconhecemos o seu mérito na lei.
Entrementes, quando foi criada esta Comissão dos Maus-Tratos, não houve esse enfoque. Era uma Comissão dos Maus-Tratos no auge da questão da baleia azul, no auge do bullying nas escolas. Havia outros méritos, outro foco, eu diria.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É tudo de que nós temos tratado diariamente aqui! A senhora é que não vem aqui!
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Não! Calma! Há alguém presente sempre que acompanha tudo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas o seu ausente lhe passa errado. A senhora poderia estar interessada. Já que eles transmitem, a senhora poderia estar interessada.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Não, não estou...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Desculpe, porque a senhora, quando fala...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Menos!
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - ...se a gente não disser para a senhora...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Menos!
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - ...fica parecendo que o que a senhora fala é a verdade. Esta é a primeira reunião a que a senhora vem da CPI.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pois é. Sabe por quê? Porque, a partir da primeira, a que eu não vim porque eu tinha um impedimento, eu fui informada de como estava indo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não a informaram sobre as crianças de Janaúba, sobre o menino na cela do estuprador do Piauí?
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Informaram. Está bem!
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não informaram a senhora sobre as audiências públicas aqui sobre....
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Informaram. Não as secretas, porque o senhor impediu os assessores...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Na secreta, eu ouvi um bandido que me deu uma grande informação, que vai explodir o Brasil.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Está bom.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Um bandido...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Se o senhor me permite falar...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - ...que estuprou 11 pessoas...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Ouça um pouco também!
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não, senhora! Eu estou com a palavra, eu sou o Presidente.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Então, fale à vontade!
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu já ouvi a senhora arrotar tudo o que a senhora quis sem nunca ter vindo aqui!
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Está bom.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - A senhora encerre!
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu encerro. Eu encerro, falando a V. Exª que eu não concordo com a condução. Estou me retirando desta...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Não precisa concordar. Eu só estou dizendo que eu estou saindo desta Comissão. E estou colocando que a forma com que V. Exª a tem conduzido, de forma autoritária, de forma desrespeitosa com as pessoas, inclusive em relação a esse episódio do museu e da exposição, é uma forma que realmente chocou a população que tem apreço pelo respeito à arte.
Eu acho que foi muito bem colocado aqui pelo Senador Humberto o que representa para uma pessoa vir a uma CPI, numa condição... O senhor diz: "Ah, mas não vem como criminoso, não vem como pedófilo." Todos os jornais pegaram essa questão. Aqui, se fosse para vir, era exatamente para esclarecer essas coisas, e não foi nada disso!
Eu soube, apesar de não estar presente propositalmente - o embate de bate-boca com V. Exª eu não tenho nenhum interesse em fazê-lo -, perfeitamente, como foi a relação com as pessoas que vieram aqui. E isso implica um desrespeito absoluto à pessoa, não só com quem é trazido para fazer um depoimento numa citação; além disso, implica um desrespeito na forma de lidar com a pessoa.
Então, eu diria: espero que a situação nesta Comissão tome outros rumos. V. Exª é capaz de fazer um trabalho bom, um trabalho como já mostrou que é capaz de fazer, pois tem o empenho, viaja, dedica-se, investiga. Mas que tome cuidado com alguns assuntos!
Eu fiz uma pergunta que V. Exª não respondeu, que é: o senhor é obrigado a chamar isto aqui? Numa comissão que quer ser séria, chama essas pessoas, que são pessoas sérias, pessoas respeitadas, que têm a sua reputação no jornal vilipendiada por estarem sendo chamadas numa CPI. E acaba sendo uma exploração da falta de informação das pessoas.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Já respondo à senhora, porque nós temos de continuar.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu teria de chamar cinco. Em toda e qualquer denúncia, eu chamo no entorno. Não chamei nenhum criminoso, chamei as pessoas exatamente por este foco que acabei de colocar: classificação ou censura.
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A senhora me desculpe. É isso que eu tenho falado o tempo inteiro. Não me manifestei. E aqui há casos explosivos que...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Essas pessoas que estão aí não foram chamadas por classificação, mas por serem o artista e o curador do museu. Não há nada disso!
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu estou com a palavra, Senadora Marta. Eu estou com a palavra. Eu estou com a palavra.
Eles vieram porque a denúncia envolve a exposição e envolve o museu. Nem o museu, nem quem patrocinou vieram aqui como criminosos. Vieram chamados como rege a lei da CPI. Ninguém foi atropelado nem desrespeitado, como também não o será. As pessoas têm direitos constitucionais.
Quando nós convidamos... Veja só o convite. Eu posso passá-lo para o Senador Humberto depois e para todos. Esta aqui é a carta que o Gaudêncio mandou. Se a senhora tivesse vindo aqui, teria tido uma na mão.
"Ao manifestar o meu agradecimento pelo convite de V. Exª para aparecer no Senado Federal [eu o convidei primeiro], venho, através desta, declinar do mesmo, em virtude de compromissos agendados anteriormente, sendo esses inadiáveis, intransferíveis, que vêm de diversos Estados brasileiros, decorrentes da exposição Queermuseu." Cartografia, e não sei o quê, tal, tal, tal.
"Creio que seja possível V. Exª imaginar a solicitação da imprensa, conferências, palestras e outras atividades [não o conheço, ele deve ser um cara muito famoso], instituições acadêmicas e outras, em nome [...] Sendo assim, estou cumprindo uma agenda [...]. Cabe salientar, entretanto, que estou aberto a um convite futuro, que minha agenda profissional [...]. Essa Comissão, como os demais convidados [...]. Respeitosamente, Gaudêncio."
Sabe por que ele escreveu "respeitosamente"? Porque eu o convidei de forma respeitosa. A senhora poderia...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Ele mandou uma carta de resposta muito respeitosa. E era para V. Exª ter entendido por que ele achava inconveniente vir e por que ele não poderia dizer isso numa chamada de CPI.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Mas, numa CPI, quem determina não é Gaudêncio, é a CPI. Como a senhora não veio para votar, só apareceu hoje, está suspensa a reunião.
(Suspensa às 15 horas e 50 minutos, a reunião é reaberta às 15 horas e 53 minutos.)
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Está reaberta a reunião.
Por favor, conduza ao plenário o Sr. Luiz Camillo Osorio, curador da exposição "35º Panorama da Arte Brasileira - Brasil por Multiplicação".
Explico que o Sr. Luiz Camillo vai ser ouvido primeiro, porque ele tem um voo próximo para São Paulo. O Sr. Fidélis, até onde fui informado, viaja amanhã. Pela CPI, então, nós o ouviremos por último, visto que os dois são curadores. Normalmente, o que vai ocorrer, tanto da relatoria como dos Senadores, é no mesmo foco, na mesma direção, já que os dois são curadores de museus. (Pausa.)
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O Sr. Luiz Camillo Osorio se faz acompanhar do Dr. Marcos Vieira Malvar, OAB 26942, 26842.
Doutor, muito obrigado.
Sr. Luiz, o senhor tem direitos constitucionais, a Constituição lhe confere. O senhor pode ficar calado. Se não quiser responder, não responda. Se achar que deve responder, o senhor responda. Se vai ficar calado o tempo inteiro, também é um direito constitucional que lhe assiste.
Eu queria perguntar ao doutor se vai conversar com ele ainda. Quer conversar mais com ele? (Pausa.)
Perguntei ao doutor se gostaria de conversar com o cliente dele. Eu cederei o tempo.
Reitero ao senhor o que acabei de dizer aqui. O senhor não está vindo aqui como criminoso. Esta é uma CPI de maus-tratos infantis e, como alguns querem, não é CPI de pedofilia. Nós tão somente estamos tratando de um tema. Esta é uma CPI de maus-tratos infantis, que é o nosso dever, visto que temos uma lei chamada Estatuto da Criança e do Adolescente. E é isso que queremos entender. Não é CPI de pedofilia.
Eu concordo com o Senador Humberto que quem é convocado para uma CPI está na desvantagem, senta aqui na desvantagem. Mas, para ficar claro, ninguém veio aqui chamado porque é bandido, ou porque é criminoso, ou porque é pedófilo, muito pelo contrário. Agora é dever de uma CPI que está envolvida com questões de criança ouvir. Nós temos um relatório, nós precisamos formar juízo, para que possamos escrever esse relatório.
Eu concedo ao senhor a palavra. Se o senhor...
Oi, Marta? (Pausa.)
Eu concedo ao senhor a palavra.
Eu estou falando alto? (Pausa.)
Eu concedo ao senhor a palavra, e o senhor tem o tempo que achar necessário. Penso que este é um foro onde o senhor pode falar. Eu imagino que o senhor tenha falado em entrevistas e tenha feito comentários em redes sociais.
O senhor tem a oportunidade de usar o tempo, se achar que deve; se achar que não deve, também não há problema. O senhor pode ficar à vontade, a princípio, por cinco ou dez minutos. E, se precisar de mais tempo, também terá.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Obrigado. Está funcionando?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Está. Agora está.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Muito obrigado, Senador Magno Malta, demais Senadores e Senadoras que estão aqui presentes.
Eu queria começar agradecendo a oportunidade de estar aqui para justamente conversar sobre esse tema, para esclarecer o que for necessário. Eu acho que é um tema importante, e o nosso papel é justamente tentar fazer os esclarecimentos.
Eu vou fazer uma breve apresentação da minha trajetória.
Eu sou professor. Sou professor da PUC do Rio, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde sou Diretor do Departamento de Filosofia. Minha relação com a arte parte do meu trabalho como professor e pesquisador. Sou pesquisador do CNPq também.
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Desde o começo, justamente por lidar com a questão da arte contemporânea, senti necessidade dessa relação com a Filosofia, com o pensamento, na medida em que a arte está o tempo inteiro nos colocando questões, fazendo-nos pensar, fazendo-nos olhar de outra maneira para a realidade, para o mundo em que vivemos. Então, esse papel da relação entre arte, pensamento e experimentação é algo que marca minha trajetória. A minha relação como professor e curador tem a ver com isso.
Fui crítico de arte durante dez anos. Fui crítico do jornal O Globo do Rio de Janeiro. Assinei a coluna de crítica no final dos anos 90. Durante dois anos, fui crítico do Jornal do Brasil, quando o Jornal do Brasil ainda era um jornal impresso no Rio de Janeiro. Fui Curador Chefe do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entre 2008 e 2015. Fiz exposições fora. (Pausa.)
Esta não é uma performance.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Foi combinado de não haver agressão. (Risos.)
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Desculpe aí! (Pausa.)
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Senador, se me permite, posso fazer um... É uma questão de palavras.
V. Exª tem dito sempre que ninguém vem aqui na condição de criminoso - isso é óbvio, porque criminoso teria de ter trânsito em julgado - nem de investigado. Então, eu gostaria de dizer, de forma mais correta e delicada, que ele é um depoente.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Está aceito, Deputada Marta. O depoente está depondo, não é? É o que ele está fazendo.
O senhor me desculpe! Se minha mãe, D. Dadá, estivesse sentada aqui, ela diria: "Esse José Medeiros estava fazendo arte quando ele quebrou isto aqui." Então, nós não queremos criminalizar a arte. Essa foi uma obra de arte dele aqui. (Risos.)
Então, é só discutir o que é censura e o que é arte, pensando nas crianças.
É que, no Nordeste, se diz que menino que vive correndo pela rua jogando bola é arteiro, é menino que faz arte. Então, o Relator arteiro fez uma arte aqui, e foi bom, porque acabou exemplificando aquilo de que nós estamos tratando.
O senhor me desculpe. O senhor pode continuar.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Retomando, então, esse relato, eu estava apontando o fato da relação entre o professor e o curador, entre a universidade e a relação com os museus no Brasil e fora dele.
Em 2010, por exemplo, eu fiz uma exposição com um curador alemão na Academia de Arte de Berlim sobre o neoconcretismo, que é um movimento importante da arte brasileira, e a relação com Brasília e com o paisagismo do Burle Marx. Foi uma exposição importante nessa instituição.
Tenho viajado para participar de seminários, para dar palestras sobre a arte brasileira dos anos 1950 para cá. Em 2015, tive a honra de ser o curador do Pavilhão Brasileiro na Bienal de Veneza, que é o principal evento de arte internacional. Tive a honra de ser o curador do Pavilhão Brasileiro.
E, neste ano, também tive a honra de ser o curador do 35º Panorama da Arte Brasileira, o qual ganhou o título de "Brasil por Multiplicação". É uma das principais exposições sobre o circuito contemporâneo brasileiro. De certa maneira, estou fazendo essa curadoria depois de vários curadores fundamentais terem feito a curadoria do Panorama no MAM de São Paulo. Estou aqui para esclarecer um pouco essa exposição e falar sobre o que V. Exªs acharem que precisa ser esclarecido.
Eu acho que era isso. Eu queria só encurtar esta apresentação para me apresentar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Passo a palavra ao Relator, Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Prof. Camillo, como estamos ao vivo pela TV Senado, como o Brasil inteiro está assistindo a esta reunião e como há alguns termos que, para quem não acompanha, talvez sejam extremamente técnicos, vamos explicá-los já de cara. Muita gente está ouvindo: "Ele é curador." O senhor poderia dizer para o nosso público o que faz um curador?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - É claro, com prazer!
O curador é quem concebe uma exposição, organiza uma exposição. Ele convida os artistas, tendo em vista esse eixo conceitual, temático, que ele está tentando apresentar.
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Geralmente, para os alunos, faço uma aproximação entre o curador e o técnico de um time de futebol. Ele é o que escala os jogadores, faz os jogadores jogarem juntos, organiza taticamente o time. Então, é um pouco esse papel de articulador, de organizador, que pensa organicamente as relações que estão presentes numa exposição. Ele cuida da exposição. A palavra "curadoria" vem de "cuidado", de cuidar da exposição.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Muito bom.
Há outra coisa: o nome da performance era La Bête. O senhor pode nos explicar também?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - A performance La Bête, do artista e performer Wagner Schwartz, tem esse título a partir da obra que serviu, digamos assim, de inspiração para esse trabalho, que é Bicho, de Lygia Clark, que é uma escultura, em que o público é convidado a encontrar as formas possíveis naquelas placas de metal. Então, é um trabalho fundamental da arte brasileira do começo da década de 1960, que inaugurou justamente essa outra relação entre a escultura, a obra de arte e o público. O público, de certa maneira, é convidado não a ter uma posição passiva, mas a se articular e a participar do processo, da forma da obra. Ela deu esse nome de Bicho justamente porque é um bicho que está sempre encontrando formas, em movimento, achando algum tipo de momento poético em que se estabilizaria, e outra pessoa o colocaria em outra posição. Ele se apropria desse trabalho. Ele vem da tradição da dança, é um coreógrafo que mora em Paris. Portanto, o título em francês tem a ver com isso, imagino eu.
Ele começa a performance justamente manuseando um protótipo desse Bicho, de Lygia Clark. A partir de determinado momento, ele deixa o Bicho, de Lygia Clark, e se torna o Bicho. E o público é convidado a encontrar ali as posições, a colocá-lo dentro de posições, e as formas vão sendo dadas a cada intervenção. Então, essa relação com o corpo também era uma relação muito importante para a Lygia Clark.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Entendi.
O Senador Humberto até chegou a citar isso nas perguntas anteriores dele ao Procurador que estava aqui, mas seria importante o senhor passar para a gente: havia placas indicativas, na apresentação La Bête, de classificação ou alguma indicação de que haveria nudez? Enfim, havia algum informe ao público?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Havia, sim. Havia três ou quatro placas avisando que aquela performance apresentaria nudez. A performance só aconteceria na noite de abertura para convidados, para um público de convidados. As três performances eram só para a noite de abertura. Depois elas não aconteceriam mais. E havia três placas, avisando da nudez.
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O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - O senhor poderia especificar para nós o que estava escrito nesses cartazes?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Olha, eu não me lembro exatamente, mas algo do tipo: "Exposição contendo nudez". Era alguma coisa assim.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Entendi, sim.
Já faz algum tempo, mas se o senhor puder nos precisar se tinha um...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Permita-me, Senador José Medeiros - e o senhor também me permita; assim que terminar o Relator, ainda vou passar a palavra para os dois Senadores -, fazer só uma pergunta. Quando você põe uma placa dizendo "cenas de nudez", a placa é muito mais convidativa para as pessoas entrarem do que para não entrarem. Se há exatamente "cenas de nudez", a pessoa vai naquele lá. Então, é para não entrar? A minha pergunta é a seguinte, e acho que é o que ele quis perguntar. Nós estamos tratando do Estatuto da Criança e do Adolescente. A minha pergunta é: se havia cenas de nudez, havia também uma placa em que estivesse escrito "proibido para menores de 18 anos", ou seja, para crianças?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Havia a placa em relação à nudez. É fundamental explicitar que a nudez nessa performance não tem nenhuma conotação erótica, sexual, muito menos pornográfica. É uma nudez, nada mais do que isso. Portanto, até olhando o guia de instrução, a nudez sem conotação erótica ou sem conotação sexual tem indicação livre. Não é um problema para as exposições a nudez. Enfim, o Louvre e o d'Orsay estão cheios de nudez. E essa performance não tem - isto é muito importante ficar claro - nenhuma conotação sexual, nenhuma conotação erótica.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Prof. Camillo, o senhor pode precisar se o público de crianças era grande? Ou foram poucas crianças?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Olha, era noite. Crianças só podiam entrar acompanhadas dos pais. Eu só vi essa criança.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Sim.
O que mais chocou e gerou toda essa polêmica, na verdade, foi o fato de haver aquelas crianças lá que tocaram no artista, não é?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Foi só uma.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - É irrelevante a quantidade. Vamos dizer que...
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Não, não. Aqui, quando eu digo...
Por favor, se o senhor puder me garantir aqui...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Nós não estamos em uma audiência pública; nós estamos em uma CPI, eu disse. Então, gostaria que os senhores se mantivessem como começamos. Ele é o Relator, e o juízo do relatório é dele, não é por vocês se levantarem ou deixarem de se levantar. Então, ele está livre para perguntar o que quiser, até porque ele não fez nenhuma pergunta ofensiva.
V. Exª pode continuar.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - O que eu estou querendo entender, o que eu queria que o senhor nos passasse era o seguinte: criança ou crianças? Saiu tanta foto na internet, que nós... Então, por isso, eu estou querendo tirar a dúvida. Foi até bom, que o senhor me esclareceu: é uma criança. Quem está nos ouvindo pode saber que é uma criança, não são duas, não são três. Então, isso desarma os espíritos.
Só estou dizendo o seguinte: aquela cena da mãe fazia parte da encenação? Ou vocês foram tomados, foram surpreendidos? O artista, por exemplo, foi surpreendido, de repente, quando chegou a mãe, quando aconteceu aquilo?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Foi totalmente surpreendente e um acaso. É importante dizer que a mãe da criança é uma artista também.
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O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Ela fazia parte do espetáculo?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Não, não, não! Ela não fazia parte do espetáculo. Ela era convidada. Vários artistas foram convidados para a exposição.
Ninguém participa dessa performance se não se sentir à vontade para participar. Se ninguém entrar, a performance não acontece. Ele fica ali parado, passivo.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Então, para ficar claro para quem está nos assistindo, o senhor não foi lá, não treinou a mãe, não a levou? A participação... (Pausa.)
Gente, eu não sei o que está acontecendo aqui? O que está acontecendo? Se o senhor quiser parar, eu paro, porque a toda hora... Se eu não puder perguntar, eu não pergunto.
Doutor, está sendo incomodado o seu cliente? (Pausa.)
Se estiver, eu paro. Eu não quero causar constrangimento. Eu não quero é que venham dizer que eu vim aqui para constranger. Estou sentindo um rosnado.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - No próximo "uh" que fizerem, eu vou fechar; vou fazer isso mesmo.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Eu quero que vocês entendam, que possam entender que eu não estou com o menor intuito de má-fé para fazer um relatório. Nós estamos fazendo uma discussão aqui.
O Senador Humberto Costa foi muito feliz quando disse o seguinte: esse é um tema muito importante para que e a gente possa tratar dele, falar dele.
Eu até entendo, Professor - o senhor como filósofo -, que nós estamos tendo um importante momento para nós falarmos sobre arte, até porque a gente fala muito pouco de cultura aqui no Brasil. E, talvez, esse infeliz momento, esse infortúnio seja a oportunidade para que a gente possa falar, para o senhor ter oportunidade de se expressar e de dizer...
Então, quero tranquilizar quem está falando aqui. Eu não estou aqui para colocar uma faca no pescoço do Professor. Nunca foi esse o intuito. Eu já participei de umas três ou quatro. Estou bastante sereno e desapaixonado com este relatório aqui. Aliás, eu disse que uma das coisas que eu acho menos relevantes neste nosso relatório, talvez, seja esse assunto. Eu estou chocado é com os números de seis mil pessoas só no meu Estado.
Mas a dúvida era somente esta: se ela fazia parte da encenação ou não, se vocês tinham sido tomados de surpresa. Acho que o senhor respondeu bem.
Da minha parte, é isso.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Obrigado, Excelência.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Senador Humberto Costa.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - O museu informou, como ele é obrigado, à população o conteúdo do que estava sendo exibido nessa exposição?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO (Fora do microfone.) - Sim.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Houve ampla cobertura da imprensa, inclusive, sobre o que era o conteúdo da exposição.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO (Fora do microfone.) - Quero só dar uma informação. Essa performance não é inédita. Ela já aconteceu em outras ocasiões.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Essa seria a minha terceira pergunta. Aconteceu em algum outro Estado a exposição? E gerou algum tipo de episódio semelhante de inquietação ou de revolta de alguém em relação a isso?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Excelência, ela aconteceu fora do Brasil também, se não me engano na França, na Alemanha, acho que na Bélgica. Aconteceu em São Paulo, aconteceu no Paraná, aconteceu no Rio de Janeiro e aconteceu outra vez em São Paulo. Em nenhuma das outras vezes, que eu saiba, houve qualquer polêmica, qualquer confusão em torno dessa performance.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Bem, a última é se a classificação indicativa da exposição também foi objeto de comunicação às pessoas.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Olha, isso eu não sei. Como curador, isso não passa muito pela discussão da Curadoria. Mas ela não tem... Não sei exatamente que tipo de indicação havia em relação a isso. Havia o anúncio da presença da nudez, no caso dessa performance. Dos outros 17 artistas presentes, não havia nenhum tipo de exposição. Está lá.
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O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - O.k.
Só mais uma pergunta, Presidente.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Fora do microfone.) - Eu gostaria de me pronunciar.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Já passo a palavra à Senadora Marta.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Aquele filme que viralizou... O que na verdade causou a polêmica toda foi um vídeo quando o artista saía praticamente... Lógico que houve o vídeo e a saída. Aquele vídeo foi feito pelos presentes ou foi o museu que o tinha feito?
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Não, o museu certamente não foi.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Não foi.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Não.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Foram os presentes.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Senadora Marta.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu gostaria de parabenizar o curador da exposição pela categoria da exposição, pela novidade no Brasil de performances desse tipo, porque outros países têm muitas possibilidades de ver todo tipo de performance e não somente com pessoas nuas, mas performances. Sobre a arte hoje, V. Sª poderia até falar um pouco para nos brindar com seu conhecimento do que são as performances, a mudança na arte, do conceito do quadro para a performance, e como isso hoje tem um espaço privilegiado, muito novo eu diria, e muito difícil às vezes de se entender.
A arte é transgressora por natureza, é desrespeitosa por natureza. Então, eu acredito que, claro, provoca um certo impacto quando feita de uma forma... Isso porque as pessoas ainda não têm familiaridade com performances artísticas.
Por outro lado, o brilhante currículo de V. Sª nos mostra que houve a concepção de trazer exatamente essa interpretação da obra de Lygia Clark. Eu gostaria que pudesse nos esclarecer como isso foi concebido nesse sentido e dizer que nós - foi primeiro em São Paulo - tivemos o privilégio de ter essa performance em São Paulo.
E toda essa discussão aqui é capaz de criar algumas luzes nesse sentido. Não podemos ficar tão a reboque do que se faz hoje no mundo em relação à arte. Então, é só para dizer parabéns e pedir desculpas pela forma como tudo isso está sendo trabalhado na mídia e como esta CPI também - faço parte desta CPI - se portou em relação a tudo isso.
Mas acho que isso está progredindo, já estamos virando a página. Estamos focando na questão de controle de idade ou não, e eu gostaria de saber a sua opinião, porque, na minha opinião, ter controle de idade é totalmente absurdo. Agora, pode-se dizer que existe o impacto visual ou religioso numa exposição, e a pessoa avalia. Hoje há internet e é possível ver o que está lá para saber se quer ir ou não ir. E isso poderia ser, eventualmente, um resultado da CPI, como foi colocado, mas, em todo caso, é só para dizer que fiquei muito constrangida de estar nesta Comissão e ver que aconteceu da forma como aconteceu.
Mas acho que V. Sª se colocou muito bem e gostaria de ouvir suas palavras.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Muito obrigado, Senadora.
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São muitas questões colocadas e, como eu disse no começo, eu tomo esta minha vinda aqui como uma oportunidade mesmo de esclarecimento. Eu acho que isto é importante. Este é o fórum. É o Senado nacional, é o fórum para as coisas serem esclarecidas. Isto eu acho fundamental. E também para poder falar da exposição, porque acabou que a exposição foi capturada por uma performance.
O "Brasil por Multiplicação", que foi o título que eu dei, era justamente para falar da diversidade da arte brasileira, da multiplicidade da arte brasileira. E eu tomei como eixo central um texto de um artista brasileiro que hoje é tido como um dos principais artistas internacionais do pós-guerra, que é o Hélio Oiticica, que escreveu um texto em 1967 - portanto, era uma exposição em homenagem a essa efeméride, a esses 50 anos -, que era o "Esquema Geral", em que ele justamente apontava para essas relações das artes visuais com a dança, com a arquitetura - na exposição há dois arquitetos -, com o cinema. Então, essa multiplicidade de linguagens, de materialidades, de relação entre arte e cultura popular, que é uma coisa importante, e a gente tem um artista trabalhando com gravuras, que é uma técnica tradicional.
Essa multiplicidade é que era, e é, o ponto fundamental dessa exposição. E ter os coreógrafos - não era só o Wagner, porque tinha o Marcelo Evelin, que é outro coreógrafo brasileiro importantíssimo, que também tem uma trajetória internacional vastíssima - era justamente para trazer esse elemento de uma arte viva, de uma arte que acontece em ato. Houve uma terceira performance, que era uma leitura coletiva de um artista, que é o Ricardo Basbaum. Essas três performances aconteceriam só na noite de abertura da vernissage. E a importância da performance é justamente essa relação que a arte, quando assume essa dimensão direta, vital, tem com o público, e deixar o público livre para participar. Isso é que eu acho fundamental. Esse eu acho que é o grande interesse das performances, que desde os anos 60 passaram, inclusive, a serem denominadas performances. Como a própria palavra diz, performar, fazer acontecer em ato uma determinada situação poética, e a situação poética é sempre uma situação experimental que nos abre a possibilidade de ver a realidade, de ver o mundo de maneiras distintas, complexas - é um pouco a ideia da performance.
Então, essa era a razão de ter as performances, até porque o Hélio Oiticica foi um artista determinante para essa introdução. Ele fala muito, nesse seu texto, da Lygia Clark, justamente falando desse ponto da participação do expectador. Por isso a presença da Lygia Clark através do Wagner. E tanto o Hélio Oiticica quanto a Lygia Clark... Os bichos da Lygia Clark hoje são objeto de cobiça de todos os grandes museus do mundo. Estão presentes no MoMA, no Pompidou, na Tate, no Reina Sofia... Todos os museus querem ter a obra da Lygia Clark, querem ter obra do Hélio Oiticica, que acabou de fazer uma grande retrospectiva nos Estados Unidos, no Whitney, que é um museu de enorme prestígio em Nova York. A Lygia Pape, que é da mesma geração, fez no Metropolitan, que é um museu enciclopédico. Então, a arte contemporânea brasileira está de fato chegando aos grandes centros, aos grandes museus, com essa força que ela tem e que ela merece.
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Nessa exposição da Lygia Clark fui convidado para participar do seminário com curadores, críticos e intelectuais americanos e europeus. Ouvi-los falar da arte brasileira dá um imenso orgulho dessa geração que Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape abriram, à qual a produção contemporânea está respondendo e que, hoje em dia, está circulando nos grandes museus, nas grandes feiras, nas grandes galerias internacionais.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Professor, antes de nos encerrarmos - os Senadores já perguntaram -, gostaria só de fazer um comentário.
Disse, no princípio, qual é o meu foco. Na verdade, nesta CPI de Maus-Tratos, o foco decorre de nós temos uma legislação.
Eu ouvi o diretor do museu. Ele foi ouvido por mim no Ministério Público lá. Algumas das perguntas que eu fiz a ele... Acho que ele deveria saber, mas não sabia. Por isso não exijo que o senhor saiba, mas acho que, daqui para a frente, é preciso saber. Ouvi a mãe, também, da criança. Ela esteve lá, mas invocou o direito constitucional de ficar calada. Ficou calada, e eu fiz os mesmos comentários.
Ninguém está preparando uma legislação para censurar a arte, muito ao contrário. Isso não existe, é uma falácia. Existe uma legislação brasileira chamada Estatuto da Criança e do Adolescente. A minha pergunta foi... Esse código é muito caro,- principalmente às pessoas que são contra a redução da maioridade penal. Eles evocam que são crianças até 18 anos de idade. Elas podem cometer crimes até os 18 que vão ser tratadas como crianças. O que a lei diz é que, realmente, até os 18 anos, são - embora eu, pessoalmente, não concorde. Sou dos dissidentes do debate daqueles que concordam. Eu não concordo. Acho que não são crianças. Mas, veja, a lei diz isso.
Quando eu perguntei "Vocês informaram?", ele me disse a mesma coisa. O diretor do museu não é o senhor, o senhor é o curador.
O SR. LUIZ CAMILLO OSORIO - Dessa exposição.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Exatamente.
Vocês colocaram os indicativos? "Não, naquela sala lá dentro tem nu." Quando você coloca "na sala de dentro tem nu", você está convidando mais para entrar do que para sair. Lá estava escrito que era proibido para menores de 18 anos? Porque é isso o que a lei diz.
O que estou querendo dizer aqui é o seguinte. Ninguém está querendo criar uma legislação. Ela existe. Ela existe e, se vamos tirá-la, é preciso que alguém proponha mudá-la para dizer que não fica proibido para menores de 18 anos, porque a lei existe. A lei do Brasil, o texto, fala em detalhes, no Estatuto da Criança e do Adolescente, muito fortes, Professor. O texto da lei, do Estatuto da Criança e do Adolescente... Não vou nem entrar no texto da lei que fala em crime hediondo e em crime de pedofilia, porque não é disso que estamos falando. Disso também fala com muita claridade. Até a palavra "contracenar"... O Senador José Medeiros perguntou aqui: "A mãe estava?" Ela estava lá e participou. E veja que naquele vídeo...Esse é o grande dilema. A criança recua, ela não quer. A mãe insiste, a mãe insistiu para que a criança contracenasse com o homem nu.
O Estatuto da Criança e do Adolescente... Eu dizia aqui ao outro, ao que falou na minha última fala, que nós precisamos proteger a primeira infância. Tudo o que você oferece vem pela via dos olhos e não pela via do ouvido, na primeira infância. E eu dizia à mãe da criança: "A senhora sabe o mal que essa criança vai sofrer para o resto da vida? Esse vídeo "viralizou", essa criança não querendo, e a senhora chamando?" Aí o senhor disse: "Não, aquilo não estava no script, aquilo ela... Foi uma iniciativa pessoal." Então, eu disse: "O corpo jurídico do museu, os advogados do museu já explicaram para vocês? Deu entendimento do Estatuto da Criança e do Adolescente?" Ele disse: "Não."
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A lei existe! Então, ninguém está inventando nada. Então, se existe criança e existe a lei, há violação da lei. Então, a minha palavra para o senhor é a seguinte: nesse tipo de coisa é preciso realmente que todos conheçam a lei vigente de uma nação. O senhor citou nações aí em que a legislação não toca nem em número de idade, tenra idade, eles não falam nada - alguns museus famosos que o senhor colocou. Mas o Brasil tem uma legislação. O Brasil tem uma legislação, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Então, não estou falando aqui que houve coito, que houve crime. Não, eu estou falando de maus-tratos psicológicos. E o senhor está ouvindo de mim o que a mãe ouviu, porque a iniciativa foi dela, de fato. Se ela fosse parte da encenação, se ela tivesse ensaiado para participar daquilo e tal, a minha fala valeria e teria a direção de todos, mas a minha fala, de fato, tem a direção dela, da mãe, porque foi a mãe que levou a criança para contracenar.
Então, é o seguinte. Eu dizia ao presidente do museu que o cuidado é conhecer a lei, conhecer a legislação, para dizer: "Olha, nós podemos ter problema, porque tem uma lei que diz isso." O que nós não podemos é violar a lei por causa do nosso entendimento. A lei, a regra da boa convivência, Senador Humberto e Senadora Marta, é o respeito. Aquilo em que você acredita eu posso respeitar e com isso posso conviver.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu estou com a palavra, Senadora. Se é questão de ordem, a senhora tem preferência. É questão de ordem?
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Sem revisão da oradora.) - Pode ser entendido como uma possibilidade de diálogo, o que eu acho que torna interessante. A lei não diz nunca, no ECA, que é proibido, mas ela diz que tem de haver uma informação. Então, há uma diferença. V. Exª diz "porque é proibido". Não é, eu acabei de olhar. Mas tem que informar. V. Exª está dizendo que a lei proíbe. Não proíbe.
E queria fazer outra observação. Pode até ser uma ingenuidade minha, mas V. Exª diz: "Se houver uma placa dizendo que é nudez, todo mundo vai querer ir lá." Olha, o quadro mais visto no mundo é a Mona Lisa, e ela não podia estar mais vestida. Então, eu não entendi bem essa...
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É inocência mesmo.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - ... admoestação que V. Exª fez.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu já respondi.
O Estatuto da Criança e do Adolescente diz: "É proibido fotografar, publicar pornografia envolvendo criança ou adolescente." Agora vai o 241: "Apresentar, produzir, fornecer, divulgar, publicar por qualquer meio de comunicação..."
Então, eu não estou... Eu respeito a posição de qualquer um, de todos. Não estou aqui criminalizando arte. Eu sou da terra das paneleiras, do Congo, que tem obra de arte sob a forma de panela de barro. Eu sou nordestino, de onde se tem a arte verdadeira deste Brasil, com respeito a todos os outros Estados.
Eu só digo ao senhor o seguinte, antes de dispensá-lo agradecendo a sua vinda: o País tem uma lei, sim; o seu advogado sabe que tem. É importante o senhor, como curador, como um cara que... É sua área, é sua militância, é sua crença e é sua área de trabalho para a vida. Que o senhor conheça a legislação brasileira para minimamente dizer "Olha, ou vocês mudam ou tem uma legislação que diz isso. Nós precisamos tomar cuidado com o que vamos fazer ou não vamos fazer, porque há uma legislação." O Brasil tem uma legislação, sim. O Estatuto da Criança e do Adolescente é lei.
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Muito obrigado ao senhor.
Está suspensa a reunião.
(Suspensa às 16 horas e 44 minutos, a reunião é reaberta às 16 horas e 45 minutos.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Agradeço ao convidado.
Está reaberta a reunião. (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Peço à assessoria que faça entrar o Sr. Gaudêncio e o seu advogado. (Pausa.)
Dr. Gaudêncio, por favor.
Não é o contrário, ele tem que sentar aqui. (Pausa.)
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Doutora, eu preciso registrar sua OAB.
Drª Camila Gomes de Lima, OAB 35.185.
Sr. Gaudêncio, o senhor tem direitos que lhe são conferidos pela Constituição. O senhor fala se quiser falar e, se não quiser falar, não fala, são seus direitos. E vou dar um tempo para o senhor se o senhor achar necessário falar. Em seguida à sua fala, o Relator, Senador José Medeiros, vai fazer as suas perguntas. Depois, a Senadora Marta; depois, o Senador Humberto Costa.
O senhor tem a palavra.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Deputados, Deputadas, senhoras e senhores, membros da comunidade artística e cultural deste País, inicialmente eu quero fazer uma pequena introdução contextual da minha vida profissional.
Sou curador e historiador de arte. Eu fiz a minha formação acadêmica nos Estados Unidos, eu sou Mestre em Arte pela New York University e sou Doutor em História da Arte pela Universidade do Estado de Nova York. Eu venho desenvolvendo, por cerca de 30 anos, um trabalho de curadoria e realizei, até o momento, mais de 50 exposições.
Eu acho importante salientar, para o contexto da CPI, que eu escrevi também... Publiquei excessivamente na área de história da arte e curadoria crítica, cerca de 700 artigos, em revistas e jornais brasileiros e internacionais. Eu fui curador de algumas grandes exposições em termos de estatura, como, por exemplo, a 10ª Bienal do Mercosul, Mensagens de Uma Nova América, que envolveu obras de mais de 22 países da América Latina.
Eu sou também membro de algumas organizações profissionais, sou membro do Conselho de Patrimônio Histórico Brasileiro, do Ibram, Instituto Brasileiro de Museus do Governo Federal, sou Conselheiro do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, fui diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul de 2011 a 2014 e, mais recentemente, curador da exposição Queermuseu, Cartografias da Diferença na Arte Brasileira.
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Gostaria de salientar que entendo a minha vinda a esta CPI dos Maus Tratos a partir de uma convocatória, que é o que me trouxe aqui, e com a qual, desde o primeiro momento, ainda na fase de convite, eu declinei, como a maioria dos senhores e senhoras, acredito, sabem. Eu declinei por uma razão muito específica e com uma justificativa que eu mantenho até o momento, que é fato de que eu discordo do objeto da CPI, entendo que há um desencontro entre a minha convocatória e o objeto da CPI, no que diz respeito a essa investigação que se instaurou sobre essa exposição e também sobre as questões que foram desenvolvidas sob o ponto de vista, na minha opinião, difamatório a respeito da exposição. Estou aqui cumprindo a lei. Nesse sentido, é possível que a gente tenha a oportunidade de falar sobre algumas dessas questões aqui, já que acredito que essa convocatória tenha tido como objetivo me trazer para prestar alguns esclarecimentos.
Rapidamente, sobre a Queermuseu, que é o objeto central dessa discussão e dessa mobilização para me trazer até esta CPI dos Maus Tratos, eu queria dizer basicamente o seguinte. A Queermuseu é uma exposição extraordinária de arte brasileira, é uma exposição que envolve 263 obras de 85 artistas, alguns dos mais importantes artistas brasileiros, como Cândido Portinari, Volpi, Lygia Clark, Adriana Varejão, Pedro Américo e uma infinidade de outros que nós poderíamos citar aqui, mas parece que isso também já foi extensivamente divulgado pela imprensa.
A Queermuseu foi criada com uma perspectiva em mente, a perspectiva de abrir o diálogo e o debate sobre uma série de questões que nós consideramos fundamentais para a sociedade brasileira, questões de gênero, identidade e expressão de gênero, questões sobre a diferença, incluindo a diferença da forma artística inclusive, e também questões relacionadas a outros desdobramentos que se entrecruzam com essas questões de gênero, como o racismo, o sexismo e outros tipos de explorações que envolvem os direitos humanos, mas também um universo vasto de questões especificamente artísticas no qual não caberia a nós entrar aqui neste momento.
Então, essa exposição foi criada com essa disposição de abrir essa plataforma de diálogo e de debate, que é encerrada abruptamente, autoritariamente, pelo Santander Cultural, o que nos coloca um dilema até então não visto na história das exposições brasileiras, em que nós temos que, a partir de então, discutir sobre uma exposição que não pode ser vista e não pode ser constatada.
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É fundamental nós entendermos isto aqui: o que nos traz aqui neste momento é parte desse dilema que foi posto, de como nós falamos de uma exposição que não pode ser vista e cujo catálogo inclusive já se esgotou naquela primeira noite. Não há uma grande parcela da população que possa verificar in loco essas acusações e essas atribuições que eu considero - quero deixar bem claro, acho que divido com uma parcela considerável da população brasileira - difamatórias. Elas não podem mais ser constatadas porque houve o fechamento da exposição. Então, aí nós temos uma questão que certamente está posta nessa jornada tão trágica e significativa para a produção brasileira, que é o fato de que, se nós não temos essa possibilidade, nós não temos a possibilidade de acesso ao conhecimento, e isso se caracteriza dentro da Constituição brasileira claramente como censura. E nós entramos, então, numa discussão que é aquela que diz respeito à liberdade de expressão, à liberdade de escolha e à liberdade de nós podermos decidir o que nós queremos ver, o que nós queremos ouvir, o que nós queremos ler e assim por diante.
Dito isso... Perdão, o Senador não está presente aqui...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Eu estou à disposição.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Bom, o nosso Presidente se ausentou momentaneamente. Vou mudar a dinâmica do trabalho e passar diretamente à fase de perguntas dos Senadores.
Senadora Marta.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu gostaria, primeiro, de parabenizar a firmeza com que o senhor defendeu a exposição. Eu aprecio essa clareza e compartilho da sua visão.
Eu apreciei o catálogo. É uma beleza de catálogo, feito de forma muito cuidadosa. Li as introduções do catálogo, a sua e a do Santander - acho que eram as duas que abriam - e havia uma comunhão de compreensão do que é a exposição a Queermuseu, a interpretação na arte do que é diversidade.
O nível da exposição é de primeiríssima. Nós temos os grandes artistas nacionais ali expostos, novos artistas com oportunidade. Então, realmente foi um privilégio para a população da cidade onde ocorreu a exposição poder ter acesso à elaboração da exposição como foi e como o catálogo tão bem coloca.
Isso dito, eu gostaria, primeiro, de parabenizar o Santander pela iniciativa da exposição e pela compreensão da exposição no catálogo e, depois, de lamentar o recuo do Santander quando se acirraram as discussões e a polêmica. Isso realmente não favoreceu a arte e nem o banco, eu diria. E, depois, quero parabenizar o Santander, que vai fazer agora a mesma exposição no Rio de Janeiro, no Parque Lage. Se isso realmente acontecer, eu quero parabenizar a recuperação de um recuo muito lamentável para as artes brasileiras.
Era o que eu gostaria de dizer.
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Gostaria só de fazer um comentário. Agora não tem nada a ver com o senhor, é com o Presidente da Comissão, que colocou de novo que tem de haver proibição etc. etc.
Essa proibição, que V. Exª fala que está no ECA, existe, mas ela está na sessão Pornografia. Nós temos que deixar claro aqui que a arte não é pornográfica, a arte não pode ter esse rótulo. A arte é uma expressão livre do inconsciente e do consciente de artistas. Assim, ela pode criar impactos, seja porque tem nudez, seja por outros motivos. Quando os impressionistas fizeram os princípios quadros, chocaram pelas luzes; quando Duchamp fez um quadro, todo mundo disse "Que horror! Pôr uma privada como um quadro no museu?" Ela choca, ela ela é feita para chocar, ela é feita para instigar sociedade, ela é avançada! É isso que precisa ser entendido. Que nós possamos ter uma compreensão do que é significa a arte para a cultura brasileira, para a identidade da cultura brasileira. Nós não podemos levar a pecha de sermos o farol do atraso aqui no Brasil.
Então eu acredito... Eu quero pedir desculpas pessoais, porque aqui não represento a Comissão, por essa coercitiva, que não... Eu entendi perfeitamente... O Presidente leu a sua carta muito delicada, e eu entendi perfeitamente que V. Sª via naquilo uma incompreensão do que era a realidade da exposição. Aquilo suscitou exatamente uma associação com pornografia, com pedofilia e com tudo mais, o que foi extremamente nocivo não só para a brilhante exposição que foi concebida pelo banco e por V.Sª, mas também para a arte brasileira.
Eu encerro aqui as minhas considerações.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - A Senadora Marta fez uma pergunta para mim, mas eu passo a palavra a V.Exª e, no final, eu respondo para Senadora Marta.
Falará agora o Senador Humberto, em seguida o Relator e, depois, eu vou fazer uma consideração e respondo à senhora a sua pergunta.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Quero ser bastante breve.
Eu acho que esta reunião da Comissão cumpriu, ou está cumprindo, devidamente o seu papel de promover esclarecimentos e promover, inclusive, uma discussão muito interessante aqui sobre o que efetivamente é arte e o que não é. Eu acho que isso é muito importante para todos nós.
Eu acho, inclusive, importante o fato... Nós temos que estar numa posição de alerta hoje, porque há segmentos que, como eu disse, na falta de uma bandeira política, passam a adotar posições proibicionistas, posições extremamente autoritárias, e nós, inclusive, como uma instituição, como Congresso Nacional, temos que estar em posição permanente de alerta no sentido de não permitirmos que isso venha a se tornar senso comum ou que venha a se impor às pessoas. Quem não gosta não vai. Quem contesta não compareça, vá para outro tipo de coisa, vá ver outro tipo de exposição, outro tipo de show. Acho que é importante deixar isso registrado, porque há uma tentativa hoje no Brasil de impor um pensamento único, de impor valores únicos.
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Mas a minha pergunta vai no sentido de que, como hoje houve muita discussão aqui sobre classificação indicativa, o que é classificação indicativa, o que é censura, enfim, no caso das exposições em que o senhor foi curador e falou que foram mais de trinta, é isso?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Cinquenta.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Cinquenta. Em alguma delas, obviamente que no exterior podem existir outros critérios, mas no caso do Brasil todas elas se acompanharam de uma classificação indicativa, da amostra e do fornecimento de informações sobre o teor do que seria efetivamente exibido para que as pessoas pudessem inclusive fazer a sua escolha, a sua opção? Essa é uma pergunta.
O Ministério Público, na nota que apresentou recomendando a reabertura da exposição, isso é fato, diz considerar que as principais polêmicas que cercaram a exposição seriam contornadas em grande parte com a inclusão de informações por parte dos organizadores, de aviso aos responsáveis por crianças e adolescentes referente ao teor de algumas obras existentes na exposição, mesmo que tal exigência não exista no Estatuto da Criança e do Adolescente, eu concordo com a com a Senadora Marta. O senhor considera que há falta de informação à população sobre a arte nos museus? Que esse tipo de polêmica poderia ser contornado com uma informação mais adequada para que cada um possa fazer a sua escolha de maneira mais informada?
Era isso.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Obrigado Senador pelas perguntas.
Em relação a outras exposições em que eu realizei curadoria, a última delas, inclusive a 10ª Bienal do Mercosul, que é uma exposição grandiosa em termos de escala, para V.Exª ter uma ideia, aquela exposição tinha cerca de 650 obras vindas de 22 países, o que é uma escala realmente difícil até de imaginar muitas vezes. Eu vou começar a citar essa exposição. Em diversas das exposições que eu realizei, houve algum tipo de polêmica, porque eu acho que exposições não são um lugar de consenso; elas são um lugar de debate, de dissenso e de construção do diálogo sobre a arte e sobre todas aquelas questões que dizem respeito à sociedade em que nós estamos vivendo, porque uma exposição, mesmo uma exposição histórica ela se constitui como um evento e um fato contemporâneo. Ela traz para nós as questões do passado ou apontam para questões do futuro que de alguma maneira possam dizer respeito aos anseios da sociedade, às questões, aos problemas, às críticas que têm que ser feitas etc.
Então, várias delas tiveram algum tipo de polêmica de natureza diferente. Por exemplo, eu fiz uma exposição que foi a primeira exposição feminista do Museu de Arte no Rio Grande do Sul. Na minha formação acadêmica nos Estados Unidos, na área de doutorado, eu tive oportunidade de estudar com uma jovem feminista, que é doutora e que se formou como uma das grandes historiadoras feministas do mundo. E eu venho um pouco dessa formação que eu chamo de uma curadoria crítica, ou seja, uma visão crítica sobre a história da arte, uma visão que seguramente inclui uma perspectiva mais inclusiva da história da arte. Eu sou um historiador que não acredito que a história da arte deva ser feita exclusivamente de obras-primas, mas também deva contemplar outras formas de expressão artística.
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Então, há polêmicas de naturezas diferentes para cada uma dessas exposições; houve, portanto. No caso dessa exposição, que eu acho que ela é surpreendente em muitos aspectos, muitas pessoas - a imprensa, inclusive, tem me perguntado se eu tinha alguma explicação para esse fenômeno, para o que foi chamado de fenômeno, mas que eu não considero um fenômeno; eu considero que essa é uma exposição de um potencial artístico tão extraordinário que levanta um volume de obras que é de extrema relevância para o patrimônio e para a arte brasileira. Quando se junta, em confluência com essas questões, que dizem respeito aos próprios aspectos de que a exposição trata, como eu havia mencionado há minutos atrás; quando isso tudo, colocado dentro de uma plataforma de diálogo e de debate que há nessa exposição, essencialmente, mais do que em muitas outras que eu realizei, tinha como objetivo; quando então, finalmente, nós temos essa tragédia - que eu a caracterizei dessa forma várias vezes, do fechamento dessa exposição -, o que passa a ser fundamental para a sociedade brasileira é não mais, inclusive, o mérito da exposição sob o ponto de vista artístico, mas essas questões relativas à censura, à liberdade de expressão. Ela se transforma em um debate muito acalorado, mas que já vem, também, alimentado por um conjunto de iniciativas, na minha perspectiva, de teor muito obscurantista, que atacaram a exposição e que alimentaram uma rede muito extensa de difamação sobre as obras dessa exposição e sobre a maneira com que a exposição foi organizada, que, se nós tivermos oportunidade aqui - eu não gostaria de me estender muito para responder à sua pergunta -, a gente pode discutir.
Sobre o comentário da opinião do Ministério Público de que talvez o fechamento pudesse ter sido evitado por um aviso, se teria sido contornado, e se houve informação suficiente. Mas aí também havia uma outra pergunta sobre se há informação suficiente da população em geral sobre arte. Respondendo à primeira pergunta mais especificamente, eu diria o seguinte: eu preciso colocar uma questão, que eu acho fundamental para o trabalho da curadoria e que eu acho importante esclarecer aqui, diante desta Comissão: que o trabalho da curadoria, além de ser aquele de estabelecer um conceito e definir, a partir desse conceito, um conjunto de obras que vai compor essa exposição de acordo com esse conceito, há um outro, que diz respeito aos padrões de ética e procedimentos curatoriais, que é a responsabilidade pública no que diz respeito à maneira como se conduz e se faz uma exposição, e também se exibe.
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E eu quero reafirmar aqui, com toda a categoria, com toda a clareza, que eu observei esses critérios e as escolhas todas, e, para cada exposição que foi feita, pelo menos nas que eu produzi, eu sempre observei os critérios de responsabilidade e de obediência às leis que dizem respeito à exibição de determinadas obras que possam conter algum tipo de conteúdo que venha a ferir algum tipo de sensibilidade. Então, eu quero deixar muito claro para esta Comissão, Presidente, que isso foi tomado com o maior rigor, e a conclusão a que se chegou, e a minha convicção - eu acredito que essa pergunta vai voltar a ser feita em algum momento -, é de que não havia naquele momento, não só perante a responsabilidade da curadoria, que tem que ser cumprida, que tem que ser avaliada, e as discussões todas que nós fizemos, uma necessidade de fazer não só uma classificação indicativa, como avisos específicos.
Sobre a falta de informação sobre arte, a polêmica que se instaurou - me permitam usar essa palavra, com a qual eu tenho uma certa divergência - em relação a essa exposição e tudo o que decorre disso, eu não creio que seja resultado necessariamente da desinformação da população sobre arte. Eu tenho feito uma afirmação com a qual nem todos os meus pares, curadores, historiadores e críticos de arte concordam, de que, na maioria dos casos, as polêmicas - e, é claro, eu estou falando aí de polêmicas artísticas, de divergências sobre conteúdo, não de conteúdo moral nem dessa natureza, mas das questões artísticas que dizem respeito à especialidade da arte - geralmente se originam muito mais dos especialistas do que do público em geral. O público em geral gosta muito das exposições, há um volume muito grande de público frequentando as exposições não só no Brasil e no mundo, as exposições são muito populares na minha opinião. Então, eu acho que a gente nunca deve subestimar a inteligência do público, além da sensibilidade, porque a arte não se apreende exclusivamente com a inteligência, mas também com a sensibilidade e com o coração.
Então, eu não diria exatamente que foi por uma questão de falta de informação sobre arte, mas como resultado de uma campanha difamatória que - eu não estou aqui trazendo nenhuma novidade para os senhores - foi excessivamente, e necessariamente também, divulgada pela imprensa, e a gente sabe como isso começou. Há um contexto em que se colocam, para início de conversa, cinco dessas obras, que compõem um universo de 263, na frente de uma polêmica grandiosa, que é, como eu afirmei, na minha percepção, altamente difamatória. Elas incidiram sobre o todo da exposição. Trocando em miúdos, cinco obras apenas, de um conjunto de 263, de 85 artistas, são tomadas como plataforma para construir uma narrativa, que é divergente, extremamente oposta àquilo que é a natureza da exposição. E, quando se fala, então, da exposição, as acusações que foram imputadas a essas obras - de pedofilia, zoofilia, pornografia, vilipêndio e assim por diante - são atribuídas ao todo da exposição. A narrativa é assim: a exposição tal contém essas características. Mas, na verdade, se nós formos analisar lá no fundo, nós estamos falando de apenas cinco obras. Foram essas que circulam editadas, descontextualizadas, recortadas, vastamente nas mídias sociais e na internet, que carregaram essa narrativa difamatória. É claro que nós podemos discutir um caso ou outro que eventualmente aparece como um ruído dentro desse conjunto, mas é basicamente isso.
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Então, a minha percepção, Senador, é de que, de fato, não se trataria especificamente de uma desinformação, embora eu queira reafirmar - porque eu acho que esta é uma oportunidade privilegiada, Senador - que, sim, é necessário que a gente visite mais museus, é necessário que a democratização da arte sempre cresça, mas eu acho que não foi o caso nessa situação.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Concedo a palavra ao Senador José Medeiros, Relator desta Comissão.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Dr. Gaudêncio, o patrocinador da exposição foi o Banco Santander ou foi um segmento do banco? Quem patrocinou a exposição?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Essa é uma pergunta muito importante. O Santander Cultural... Perdão. O Banco Santander é patrocinador, realizador, promotor e todos os outros adjetivos que dizem respeito à organização que qualquer pessoa deseje atribuir à responsabilidade do Santander. Essa é a responsabilidade do Santander sobre essa exposição.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Então, não há outro, não. Foi o banco... Só para a gente saber.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Banco Santander.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Banco Santander. Não há que se falar em outro...
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - "Ah, foi a organização ou a fundação."
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não, não.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Foi o Banco Santander.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Isso.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Só para a gente saber.
Lá, no Banco Santander, o senhor sabe o nome de quem autorizou a exposição?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - O Banco Santander tem o seguinte... Não estou divergindo da sua pergunta, mas é um pouco mais complexa a resposta. O Banco Santander tem o seguinte mecanismo de aprovação das suas exposições: ele não produz, como um museu tradicional, as suas exposições a partir do seu corpo administrativo - essas exposições são propostas de fora -, mas elas passam pelo mais absoluto e rigoroso critério de seleção e escolha dessas exposições no seu conjunto. Ou seja, um projeto de exposição, na verdade, que inclui obras, imagens, etc. e tudo que envolve um projeto de exposição, é levado ao Santander para aprovação. Essa aprovação se inicia... Na verdade, é uma extensa negociação, como é parte de toda a rotina institucional de negociação de exposições, porque também não é... Mesmo museus que têm o seu corpo funcional e que produzem exposições também, às vezes, recebem exposições de fora como proposta. Mas o Santander trabalha exclusivamente nesse regime de trabalho. Então, essa exposição passa, inicialmente, pela direção local do Santander Cultural. Aí o Santander é patrocinador, e o Santander Cultural, como uma extensão institucional cultural, é que recebe as exposições - lá as exposições são realizadas.
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O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Eu queria que o senhor explicasse só mais um pouquinho - eu fiquei confuso - essa divisão entre Santander e Santander Cultural.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Na verdade, não é uma divisão. O Santander é o banco patrocinador, e o Santander Cultural pertence ao banco, é o local físico onde se realiza a exposição. Na verdade, não é muito mais que isso.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Sim.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Mas ele tem um Diretor Cultural, que o Sr. Carlos Trevi.
Então, essa é a primeira interface de qualquer exposição, mas a aprovação final é realizada, sempre, pela Presidência de marketing do Santander Cultural, que fica em São Paulo, representada pelo Sr. Marcos Madureira.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Eu queria que o senhor explicasse para a gente também a sua relação com o Santander: se o senhor recebe pagamento do Santander por exposições em que atua como curador naquele espaço ou se trabalha fixo para eles.
E também faço outra pergunta sobre a qual eu creio que o senhor, de certa forma, já falou um pouco, mas eu queria que o senhor respondesse objetivamente: se havia placas de classificação indicativa naquela exposição.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Perdão, eu tenho que anotar aqui.
Sobre a primeira pergunta, não, o Santander não mantém relação profissional contínua com nenhum curador; ele não funciona dessa maneira. Ele tem um estafe pequeno que começa pelo seu diretor cultural, assessoria de imprensa, etc., e os curadores são sempre externos. Eu não tenho nenhuma relação profissional nem de vínculo empregatício com o Santander.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - As placas.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sobre a questão das placas... Perdão. O senhor poderia formular exatamente a pergunta de novo.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Ah, sim. Se havia placas de classificação indicativa de idade naquela exposição.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - De idade?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Isso.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - De classificação indicativa?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Isso.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Não, não é?
Foi noticiado que foram distribuídas cartilhas. O senhor tem o montante, a quantidade de cartilhas que foram distribuídas a respeito e enviadas para as escolas com a imagem da exposição ou não?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Eu creio que as cartilhas a que o senhor está se referindo são um material do projeto educativo, que é uma publicação que o Santander faz para todas as exposições, porque o Santander desenvolve, como várias instituições - aliás, as grandes instituições culturais brasileiras -, um projeto educativo muito extenso para cada uma das exposições.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Mas o senhor, como curador, não mandou nada para escolas?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não, eu vou concluir e acho que vai ficar mais claro isso, porque não é uma resposta que eu consigo responder dessa maneira. Perdão.
Então, o Santander Cultural tem um projeto educativo. Esse projeto educativo é destinado à formação de professores; quer dizer, ele é realizado a partir da formação de professores e, depois, executado, destinado a escolas. E há um processo de formação. Esse é um processo contínuo para cada uma das exposições. Com isso, é produzida uma publicação, que eu imagino que seja essa cartilha a qual o senhor se refere, e também existe um fôlder, que é um fôlder de alta distribuição, e existe um catálogo. Então, são basicamente três publicações.
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Então, são praticamente três publicações. Essa publicação, que é uma brochura, um pequeno caderninho, é destinado a professores, chama-se material de professores, serve como instrumento para que os professores entendam melhor a exposição, familiarizem-se melhor com a exposição, e ele é utilizado em aulas programadas antes de a exposição abrir.
Sobre a distribuição, é feita da seguinte maneira, ela se realiza na medida em que há um convite extenso para os professores da rede pública e privada para quem queira, especialmente aqueles da área de arte, participar desse projeto educativo. Existem essas aulas, nesse caso acho que foram 13 encontros, se eu não me engano, e o professor recebe aquele material, porque é um material de trabalho, de pesquisa e de entendimento melhor da exposição que depois pode ser utilizado em aula. Não é uma distribuição direta minha, é dessa maneira, nessa dinâmica.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Dr. Gaudêncio, o senhor tem uma estimativa de quantas crianças e adolescentes participaram da exposição nesse período em que ela ficou aberta?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não, não tenho esses dados por uma razão muito específica. Quando o Santander fecha a exposição, eu sou uma pessoa muito preocupada com dados, eu acho que são importantes, porque refletem o nível de extensão e audiência que a exposição atingiu. Mas, quando o Santander fecha a exposição - eu acho que isso foi divulgado exaustivamente na imprensa, eu me pronunciei muito sobre isso -, ele o faz de uma maneira unilateral e ele corta a interface com a curadoria e com a produção. Portanto, eu não tenho esses dados.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Mais uma coisa. Nós recebemos um vasto material, figuras e twitters. E eu queria mostrar algumas para o senhor. Algumas, talvez, a TV Senado não vai poder mostrar aqui, mas circulou nas redes sociais como sendo uma das obras expostas.
O senhor me disse aqui que houve uma farta difamação sobre a exposição e eu queria que o senhor pudesse falar para a CPI aqui se essa daqui fazia parte de uma das perfomances da exposição?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Eu não posso mostrar?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Na TV, não.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - É muito interessante, eu peço que o senhor me perdoe, eu sou uma pessoa que não memoriza nomes assim tão fácil. É um problema que, às vezes, eu acho que é cognitivo da minha parte.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Mas é fácil, é Zé.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sr. José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - José Medeiros.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sr. José Medeiros, eu quero dizer o seguinte, essa obra aqui não pertence à exposição Queermuseu, mas eu quero também fazer uma pequena observação. Nesse processo difamatório, uma das coisas que aconteceu é que, em algum momento, logo ali em seguida, cerca de uma semana depois, nós experenciamos um fenômeno que foi surpreendente, que eu nunca tinha imaginado e que simplesmente me chocou, que foi uma produção inacreditável de imagens de obras que não estavam na Queermuseu e que foram circuladas como se estivessem.
E aí isso nos coloca um problema tão extraordinário e insolúvel, porque, quando uma obra é jogada na internet, afirmando-se que ela pertence a uma exposição, como é que a gente faz para provar que ela não pertence? Quando uma exposição, além de tudo, está fechada, e também, como o senhor sabe, a extensão que isso adquire na rede, é impossível de resolver.
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Eu me lembro dessa obra aqui claramente, quando ela circulou como tendo pertencido à exposição. Nós tentamos, de todas as maneiras possíveis, mas isso a gente sabe que tem uma limitação muito grande, comunicar, não por qualquer razão, mas apenas comunicar que essa obra, assim como várias outras que apareceram posteriormente, não pertenciam à exposição Queermuseu.
Isso seria, perdão, desculpe Senadora, fácil de constatar inclusive se as pessoas tivessem acesso à exposição. Esse catálogo que, de qualquer forma, foram 2 mil exemplares produzidos, mas foram esgotados na noite, se as pessoas pudessem ter acesso de uma maneira mais vasta. Por quê? Porque, no catálogo, as 263 obras da exposição estão ilustradas. Então, bastaria folhear o catálogo, não só ilustradas, mas também comentadas criticamente.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Pela ordem.) - Pela ordem, Sr. Presidente, se me permite um comentário.
Eu gostaria aqui de... Essa fala última foi muito interessante, porque corrobora o argumento do Senador Humberto Costa em relação ao uso que foi feito da arte para outros fins, foi muito orquestrado. Primeiro, porque não é uma exposição para se criar esse escândalo. Depois, como isso logo repercutiu na internet, com essas imagens que não estavam na exposição, é, por isso, que eu realmente lamento que nós tenhamos embarcado nisso. Isso foi um movimento criado exatamente para criar uma turbulência e uma polarização que não tem a ver com a arte, que foi induzida e introduzida nessa polarização de forma muito infeliz para a arte brasileira.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Em setembro de 2015, a Universidade Federal da Bahia realizou o Seminário Queer, subversões das identidades, conforme a foto que está aqui no cartaz. Eu mostro em seguida. Durante o seminário, os alunos ficaram nus no campus para um exercício de desconstrução da heteronormatividade. Não havia, naquele momento, mais homem ou mais mulher e, por isso, todos ficaram nus, diante do contexto da ideia de que ali não havia mais uma identidade, identidades de gênero.
A pergunta é a seguinte - e aí eu quero, diante dessa linha também, da mesma que eu fiz anterior, que o senhor nos esclarecesse... Porque chegou à CPI também, fomos informados, de que, na exposição, no espaço cultural do Santander, havia um exercício para as pessoas transitarem entre os gêneros, para viver uma experiência em outra identidade, em outro gênero, em outro sexo, a exemplo dessa foto, e essa aqui eu posso mostrar. Eu queria que o senhor confirmasse à CPI se essa performance existiu lá e se crianças participaram dela? O senhor pode mostrar essa daí.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS (Fora do microfone.) - Pode mostrar?
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Sim, pode, pode.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Então, essa obra aqui é uma obra histórica de uma das artistas mais celebradas do mundo. (Fora do microfone.)
Ah, perdão, me distraí. Está ligado. Perdão.
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Essa obra aqui é uma obra histórica de uma das artistas brasileiras mais celebradas do mundo, Lygia Clark, que se chama "O Eu e o Tu", e que foi produzida na década de 60. O que é essa obra? São dois macacões para adultos. Há uma escala, inclusive, grande. E ela discutia, dentro do contexto já da produção dos anos 60, a transição não necessariamente de gênero, mas de identidade e de percepção do outro. Essa obra é uma obra muito importante, que já esteve em inúmeras exposições internacionais e é uma obra de caráter museológico. Ela não pode, inclusive, ser manipulada, por questões de patrimônio. Ela é uma obra de museu. E ela estava na exposição dessa forma.
Então, não. A resposta é não.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Então, não houve criança dentro dela, manipulando?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não, porque são dois macacões de dois metros para adultos experimentarem. E ela também não foi feita com essa concepção que o senhor descreveu. Ela foi feita para uma experiência, vamos dizer assim - estou procurando ser bem preciso aqui -, de entendimento do outro a partir do fato de que esse outro possa ser considerado sem uma visão a priori do que ele é. Por isso, inclusive, ela tem capuzes. Isso é importante por quê? Porque ela é uma obra para adultos, até porque as questões que essa obra traz não poderiam ser absorvidas sequer por adolescentes. É uma obra extremamente complexa, conceitual. Mas é fundamental dizer que ela é uma obra histórica, uma obra de museu. Ela não pode ser tocada.
Esse comentário, eu diria, não estou fazendo juízo sobre a sua observação...
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Não. Estou te passando. Esse material está do jeito que nós recebemos.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sim. Mas eu posso dizer onde ele se originou. Numa entrevista de que participei em Porto Alegre, para choque de todos nós, onde estava inclusive o filho da artista Lygia Clark, que participava dessa entrevista e que é Presidente da Associação O Mundo de Lygia Clark, que trata das obras, do patrimônio da obra da Lygia Clark, uma pessoa que participava da entrevista, Coordenadora do MBL, faz uma afirmação peremptória e diz o seguinte: "Havia nessa exposição [era um programa de uma audiência extraordinária; ela se dirigiu a mim; eu vou reencenar para o senhor ter a clareza de onde essa fonte se origina] obras para crianças vestirem e se tocarem sexualmente." Essa é a obra.
Isso deu um choque tão grande em nós, porque, primeiro, estávamos diante do filho da artista, que tem aí os seus 60 anos, uma obra que é mundialmente conhecida. Eu não estou fazendo aqui... Quero que o senhor... Já de antemão quero lhe dizer o seguinte: eu não faço afirmações bombásticas nem no sentido de criar... Nem que sejam imprecisas. É uma obra das mais importantes da história da arte brasileira, reconhecida mundialmente, que consta não só em alguns dos mais importantes, numa vastidão de publicações de revistas e livros de arte brasileira, mas também de arte da história mundial.
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O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Sr. Presidente, eu encerro por aqui as minhas perguntas, mas foi importante a sua fala, porque até agora nós não tínhamos tido informações sobre este tema aqui, porque, como o senhor explicou aqui agora, realmente a vestimenta estava lá, as pessoas falaram para nós que havia, sim. E eu lhe confesso que não sou a última bolachinha, vamos dizer assim, o suprassumo do progressismo, mas também não estou na caverna, mas confesso que me choquei quando ouvi que as crianças se vestiam e que se tocavam sexualmente. Eu falei: será que estou tão obsoleto assim, será que eu estou tão atrasado que eu não consigo entender isso? E o senhor me tira uma laje da cabeça agora ao dizer que não havia criança se tocando lá dentro dessas vestimentas e que era apenas uma roupa lá de uma obra.
Estou satisfeito, Sr. Presidente.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Presidente, permita-me só uma observação?
Inclusive, há um detalhe que eu acho importante. Aliás, é a questão do dilema que nos foi posto, de que uma exposição foi fechada e não podemos ir lá constatar, as pessoas não puderam fotografar, fazerem fotos das obras montadas etc. Mas essas obras, inclusive, esses dois macacões, estavam em manequins, fixos, porque elas não podem ser tocadas justamente por esse caráter museológico que elas têm.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Senador Humberto Costa.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Quero fazer uma observação bem rápida. Primeiro, eu acho que foi excelente a vinda do Dr. Gaudêncio aqui no sentido de poder esclarecer uma série de coisas. Mas eu me preocupo com o que acontece hoje no nosso País e no mundo inteiro: a que essas redes sociais terminam se prestando a depender de quem faz o uso delas.
Eu vi esta semana uma coisa que nenhum louco acreditaria: um cidadão botando um Deputado que é totalmente identificado com a questão LGBT, dizendo que ele era namorado do outro que é identificado como um dos mais homofóbicos que existem no Brasil. Aquilo é colocado como se fosse uma verdade. Houve um caso, um relacionamento.
Vocês imaginem o prejuízo que houve para essa criança em relação ao outro museu. Imaginem o colégio dessa criança, imaginem os amigos da mãe dessa criança. Quer dizer, qual foi o grande crime mesmo? Parece que o grande crime foi divulgar aquilo aqui que foi filmado.
E, no caso do Santander - do Santander, não -, no caso da exposição Queermuseu, não sei os outros quadros, mas só por esses dois exemplos aí, eu acho que também houve uma manipulação. Isso é muito ruim. Nós aqui não podemos embarcar nessa de primeira. De forma alguma. Vocês vejam: o Parlamento. Então, nós precisamos ter um cuidado maior em relação a essas coisas. Eu acho que foi muito útil a sua interveniência.
Esta semana nós votamos aqui e ainda vamos votar algo que não havia regulamentação na internet. Por exemplo: a publicação de fotos ou vídeos íntimos feitos com o objetivo de vingança para atingir a reputação de uma mulher. Mas há outras coisas que, em algum momento, nós vamos precisar discutir, sem que isso seja censura, como lidar com notícias falsas, com tantas coisas assim. Não sei, há que arrumar um jeito de criar alguma coisa que permita isso. Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Obrigado, Senador Humberto, Senadora Marta, Senador José Medeiros.
Prof. Gaudêncio, eu gostaria também de fazer duas perguntas e imagino que a gente poderia já ter feito essas perguntas, elas serem respondidas, e a gente ter caminhado para um outro patamar, se já tivéssemos feito isso lá atrás, não é? Mas, a despeito de todas as coisas que podem acontecer, as pessoas vendem as outras como se elas fossem monstros, que elas fossem, e as coisas vão tomando corpo. Mas felizmente nós estamos aqui civilizadamente, numa oitiva respeitosa. A nossa CPI não é de pedofilia. O senhor não foi trazido aqui como um pedófilo. A nossa CPI é de maus-tratos infantis, e o meu foco é maus-tratos infantis na primeira infância - o que a criança vê, o que ela observa -, e não o de criminalizar a arte. E cada um entende a arte como quer.
O senhor disse que a exposição tinha quantas obras?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Duzentas e sessenta e três.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E da celeuma foram quantas?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Cinco.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - O senhor poderia depois nos fornecer as que eram realmente?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Com certeza.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Bom, é coisa que a gente já poderia ter também, desde o começo, as que são realmente.
Então veja, se existe uma nação de pessoas, um grupo de pessoas que precisam ser respeitadas, porque quem tem convicção precisa ser respeitado, a gente não pode respeitar é maria vai com as outras, mas quem tem posição precisa ser respeitado. As minhas posições são divergentes da posição do Senador Humberto, da Senadora Marta, dos Deputados que estão aqui, mas a regra da boa convivência é o respeito, e eu quero que respeitem as minhas posições, aquilo em que eu acredito. E como é uma CPI, as...
Eu gostaria que o senhor, se o senhor pudesse...
E a gente está falando de criança, do avanço de uma legislação. O Senador Humberto acaba de falar aí, como é que a gente vai melhorar esta terra sem lei, que continua sem lei, por mais que você faça marco da internet, comemora, mas continua terra sem lei, como as coisas acontecem.
Eu gostaria de ter aqui, que o senhor nos mandasse a fotografia das quatro a cinco que realmente estavam. Quando o Senador José Medeiros perguntou: quando o senhor vai fazer a exposição, e o senhor vai aos diretores do Santander Cultural, e eu vi todo o seu memorial, a sua proposta, e o senhor não esconde nada, está tudo escrito ali, o senhor senta, se reúne com eles e mostra realmente o que vai acontecer? Isso ocorre?
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sim, em todos os estágios.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Em todos os Estados.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Estágios.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Estágios, não é? Em todos os estágios, o que vai acontecer e o que não vai.
A minha pergunta... Não é nem a minha pergunta, eu posso perguntar e fazer uma afirmação, porque o Senador Humberto estava aqui ontem. Quando a Senadora Marta disse que ficou chateada, porque o Santander recuou, recuou, e ontem eu tratei desse recuo. Por que recuou? Por que os senhores recuaram?
E uma pergunta do Senador José Medeiros: vocês então entenderam que lá não havia, não estava tratando da classificação, menor de 18 anos, criança não pode entrar? Por que criança, se nós temos uma legislação? O banco entendeu isso e o banco então recuou por isso? Ele disse: "Não, Senador, é porque quebrou agência, pichou agência, que não sei o que, agrediu pessoas, não sei o que e tal." Não, estou insistindo na criança. O senhor está me falando de patrimônio. Não é o meu, estou falando de criança. "Não, porque não sei o que..." Estou falando de criança. Umas três vezes. E eu disse: "Então, vocês não recuaram, porque fizeram mea culpa?" E ele disse, o Sr. Madureira: "O responsável não sou eu. O responsável é o curador." E ele disse, o Sr. Madureira: "O responsável não sou eu. O responsável é o curador."
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O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Eu vi o vídeo.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Você viu? "O responsável é o curador."
Eu ainda disse assim: o senhor está me obrigando agora a virar o advogado do Gaudêncio - não foi, Senador Humberto? Porque o senhor está dizendo que a culpa é dele, como? O Gaudêncio levou uma mercadoria, apresentou para os senhores, sentou com os senhores, e os senhores compraram. Vocês botaram R$800 mil, e agora o senhor está dizendo que a culpa é dele? Está escrito aqui, ainda mostrei para ele. Olha aqui. Ele não escondeu nada, está com todas as letras aqui. E o senhor está dizendo que a culpa é dele? E aí - o senhor disse que viu o vídeo, não é? - ele...
Inclusive eu usei uma expressão aqui, de que ele estava fazendo uma conversa de bêbado para delegado comigo e tal, o tempo inteiro, porque ele estava saindo da sua culpa.
E realmente, a Senadora Marta se decepciona porque eles recuaram, mas a minha decepção é porque eles só falaram em patrimônio. Em patrimônio e patrimônio. E o nosso foco é outro aqui. Nosso foco é outro aqui. Então, quando eles vieram para ser ouvidos, nós queríamos perguntar se eles sabiam... E o meu foco é o Estatuto da Criança e do Adolescente, e essa é a sinalização.
Quando o Senador José Medeiros perguntou, o senhor falou: "Olha, realmente isso aí não tinha. Isso aí não tinha." Por quê? Porque a nossa dificuldade é que a criança tem a sua formação da primeira infância até entrando na fase da puberdade dela, naquilo que ela vê. Então, se há cinco obras que chocaram as pessoas, será que essas pessoas que se chocam com isso não têm que ser respeitadas, como aqueles que acham que nada tem a ver também precisam ser respeitados? E quem sabe essa coisa cresceu porque essas pessoas foram para as redes sociais, porque essas cinco obras chocaram essas pessoas, e elas então foram lá dizer: "Olha, nós somos contra. Para nós..."
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Senadora Marta, deixe-me...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Fora do microfone.) - Eu só gostaria, depois que V. Exª acabasse de falar, de me manifestar.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Não; eu dou a palavra para V. Exª. Quer fazer agora? Para não perder o...
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Não, pode terminar. Só estou dizendo para não encerrar a reunião antes de eu poder me manifestar. Poderia ocorrer.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Então, a minha pergunta, a minha colocação é nesse sentido.
Eu confesso o seguinte: qual era o contexto daquelas obras? Você disse que publicaram coisas que não estavam lá. Eram cinco no meio de quase trezentas obras - que são essas que o senhor se comprometeu que vai nos enviar - que chocaram e criaram toda essa celeuma. E que publicaram fora de contexto.
A primeira pergunta, o senhor respondeu: não havia realmente essa classificação lá. Não havia. E a segunda é: qual era o contexto? Qual era o contexto? Porque elas foram publicadas sem contexto. E qual era o contexto dessas cinco obras? E o que o senhor achou do recuo do Santander e da palavra do Madureira aqui, dizendo ontem que a culpa... que eles não poderiam assumir nada, e que era só do senhor?
O senhor pode responder.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pela ordem, Presidente. Posso?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Pode.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu fiquei interessada em saber qual é a finalidade de V. Exª pedindo essas cinco obras. O que seria pretendido com isso? É um julgamento artístico, um julgamento pornográfico, da pornografia da obra? Porque isso tudo me parece muito desconectado ainda da compreensão do que sejam duas coisas: uma exposição de arte e, a segunda, desenvolvimento infantil. Então, eu fico até um pouco desanimada com isso, porque não é esse o enfoque, não é?
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Posso continuar?
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Pode. Com razão, pode continuar, mas eu não poderia deixar de fazer esse comentário.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E fez muito bem. Muito rico. Vou incorporar até.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu gostaria de um respeito frente ao comentário que eu fiz.
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O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Eu estou respeitando e o acho muito rico. Vou incorporar ao meu comentário o que a senhora falou. Achei interessante.
Por que temos que entender o contexto? O Relator vai fazer um relatório da CPI como um todo - não é um relatório deste caso; é um relatório da CPI como um todo -, e eu preciso ouvir do senhor o contexto. Porque as redes sociais têm um contexto; elas tratam de um contexto daquelas obras no meio de quase 300. Então, eu gostaria de ouvir do senhor para que eu possa fazer a pergunta seguinte.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Obrigado, Excelência, por essas perguntas, porque eu acho que elas vão me permitir esclarecer mais algumas coisas que eu acho fundamentais. Primeiro, quando eu falei dessas cinco obras, eu não falei em nenhum momento que essas cinco obras tenham algum conteúdo desabonador, problemático, etc. Mas a gente já pode, de imediato, agora... Porque eu acho que elas ganharam tanta visibilidade que, com certeza, V. Exª e o público que está aqui podem já de imediato vislumbrar, porque a gente ouve falar sobre elas quase todo dia depois que essa exposição foi fechada. Eu tenho várias perguntas suas para responder aqui.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - A minha pergunta não foi nessa direção. A minha pergunta foi a seguinte: o senhor falou de quase trezentas obras e de cinco que foram descontextualizadas e tal. Mas é só um esclarecimento mesmo.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Claro, entendi.
Primeiro o senhor se referiu a uma palavra específica que foi choque, que causou choque. O que causou choque? O que causou choque foi o fato de que essas obras foram retiradas da sua verdade e foi atribuída a elas outra narrativa. E eu acho que é isso que é preciso... Nesse caso até, Excelência, é um pouquinho mais complexo do que o contexto. Vou lhe dar um exemplo: a obra da Bia Leite, as duas pinturas que têm a frase Criança Viada, etc., sempre foram obras sobre o bullying, sobre a violência que a criança e o pré-adolescente sofrem na escola, sobre todo esse processo de formação de indivíduos LGBT nessa fase do seu crescimento, no momento inclusive em que eles mais precisam de apoio. E essa obra é uma denúncia. Ela não só é uma denúncia como é feita a partir de uma perspectiva da comunidade LGBT. Ela não é uma visão distanciada da comunidade LGBT sobre essa questão.
Então, por exemplo... Aí eu tenho certeza, Excelência, de que vai ficar muito claro para todos nós aqui entendermos que, por exemplo, aquelas pinturas, que são imagens de crianças, têm essas frases, e essas frases são o quê? Essas frases são nada mais, nada menos que os xingamentos que são conhecidos e que essas crianças recebem na escola quando sofrem bullying, quando sofrem violência verbal. E nós, quando chegamos diante dessas obras, tanto aqueles que produzem o bullying como aqueles que são contra o bullying e a exploração... É um choque para todo o mundo, porque você tem que ler mentalmente essas frases, você tem que enxergar essa violência; não há escapatória para ela. E isso é que essas obras são.
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E aí, Excelência, eu fico muito preocupado. E, quando eu falo de contexto, de retirada de contexto, é quando essa obra é roubada do seu significado, o que, aliás, é o que eu caracterizei várias vezes como um crime contra essas cinco obras de arte - no caso, eu estou falando aqui especificamente das obras da Bia Leite -, em que a obra é roubada do seu significado e um outro é atribuído a ela. E qual é? Aquele de acusação de pedofilia. Mas essas obras não são sobre isso. Então, esse é um dos exemplos.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Eu gostei muito dessa observação, se me permite comentar, Sr. Presidente, porque é um ensejo (Fora do microfone.) para a formação de professores poder discutir preconceito e discutir essas obras.
Então, ao contrário de se relacionar à pedofilia, à pornografia ou a qualquer coisa induzida mal para a crianças, é o coração da exposição você poder levar crianças e, depois, poder discutir o que significa aquilo. É um exemplo fantástico da arte colocando o que é o bullying. Com isso, as crianças vão poder entender de outra forma, sem ser autoritária, nada, o que é o bullying e, ao mesmo tempo, entrar no espírito do que significa a arte. Assim como as outras obras, todas podem ser discutidas. Há obras que muitos podem achar - e eu respeito perfeitamente - que são um acinte à religião ou que fazem as pessoas se sentirem mal. Tem que ser entendido que tem de haver um respeito, que as pessoas têm que ser respeitadas, que a arte é outra... Não é um desrespeito. A arte expressa sentimentos, e isso é respeito.
Tudo isso é material maravilhoso. E eu espero que esse livreto da formação de professores ajude exatamente esses professores a dar uma educação com dignidade, com tolerância, com compreensão do mundo e o respeito que nós queremos para o século XXI.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Eu queria até fazer uma observação em relação a essa questão que a Senadora Marta colocou, Senador José Medeiros, quando o senhor me perguntou sobre aquela publicação - e o Senador Magno Malta -, do educativo. Várias dessas obras que a gente considera que são muito importantes sob o ponto de vista didático foram colocadas e foi didaticamente explorado esse material. Essas obras da Bia Leite inclusive foram umas delas. Tanto que elas aparecem com muita visibilidade quando retiraram as imagens desse material que circulou mais amplamente. Mas elas estão lá, e há toda uma grande discussão para os professores levarem para a escola sobre essas obras, sobre essa questão do bullying e violência.
Mas aí eu acho que nós podemos falar - se o senhor me permitir, Senador, dar mais um exemplo -, por exemplo, da obra da Adriana Varejão, que é a obra que talvez tenha gerado mais polêmica no processo de descontextualização. E aí eu acho, Senador, se o senhor permite, que nós todos fomos vítimas desse processo, à exceção daqueles que tiveram a chance de ver a exposição, porque, quando se retira um pequeno fragmento da obra da Adriana Varejão, que deve ter aproximadamente 10cm por 10cm, ao qual é atribuída a acusação de zoofilia, dizendo que isso é a pintura... Não é a pintura. Isso é um fragmento que, quando retirado do contexto, retira dele uma questão muito fundamental, porque naquela obra há uma série de cenas sobre a exploração, sobre as mazelas da colonização brasileira. É isso que está ali naquela obra. Essa obra sempre foi isso. Isso está escrito na história da arte, tanto que essa é uma obra histórica. Já está escrito nos livros esse assunto. Eu não estou aqui, Senador, fazendo uma observação que é uma opinião minha, uma interpretação minha sobre essa obra. Eu complementei a interpretação no catálogo, mas ela vem e está plenamente de acordo com a natureza da obra. Então, essa obra é transformar... A obra é uma denúncia sobre a exploração, a dizimação e o que foram as mazelas da colonização brasileira, que novamente se transforma numa grande discussão acusatória sobre zoofilia.
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E as duas obras a que o senhor, com certeza, e nós, a maioria de nós teve acesso, que foram aquelas a que foram imputadas as questões que dizem respeito a vilipêndio de símbolos religiosos, etc., eu acho que é preciso ser muito categórico aqui neste momento e dizer o seguinte: por exemplo, a obra do Fernando Baril, que é o Cristo, que teve uma imensa e extraordinária popularidade com essa exposição, é uma obra sobre o sincretismo religioso. Quando eu disse, Senador - usei essa expressão e eu a uso com muita responsabilidade, não na tentativa de me desviar da pergunta ou do assunto -, quando eu disse "ferir sensibilidades", quero dizer o seguinte: que a arte não vai contentar todos nós. Ela não vai... Por quê? Porque ela é um espelho, de uma certa forma. Então, quando eu me defronto com ela, eu vou projetar nela as minhas crenças, a minha história de vida, os meus preconceitos, a minha disposição com o outro, ou indisposição, e assim por diante. Então, eu acho que é muito importante falar em ferir sensibilidades, por quê? Porque eu não posso dizer, aliás, eu contesto veementemente o fato de que essas obras, que são de natureza muito significativa e muito dispostas a discutir as questões relativas a nossa convivência com a diversidade, com o outro, possam ser obras que façam vilipêndio.
E eu tenho certeza de que o senhor gostaria de que eu discutisse a mais polêmica de todas, que é a obra do Antônio Obá, que tem as hóstias com palavras, o que causou um enorme furor. Também é uma obra completamente descontextualizada. Por quê? Porque aquela obra está falando sobre uma questão muito importante para todos nós, independente das nossas crenças religiosas, que é o processo de transubstanciação, que é, evidentemente, um ritual da Igreja Católica, mas que está relacionado já a uma inserção muito forte na cultura, ou seja, a transubstanciação entre o corpo de Deus e o homem. Aí é o seguinte: eu preciso só adicionar o fato de que aquela obra ali é feita por um artista afrodescendente, que trata da invisibilidade da comunidade, justamente da comunidade de afrodescendentes no Brasil, especialmente, dentro de uma comunidade que não reconhece, ela se utiliza das partes do corpo, daquelas, justamente, que são invisíveis, que dizem respeito à sexualidade, para tratar esse processo de transubstanciação.
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Eu não poderia vir aqui, Senador, e não defender essas obras e resgatar para elas a sua própria verdade, porque se eu fizesse isso... Eu até acho que não vim aqui para convencer todo mundo, não vim aqui para estabelecer consenso. Eu vim aqui, através dessa convocatória da CPI, para esclarecer tudo que me fosse possível e demandado.
Então, essas são as cinco obras. E por que eu digo que, a partir delas, a toda exposição foi atribuído isso? Aí eu queria responder à questão que o senhor me perguntou, sobre o Santander, sobre a responsabilidade do Santander. Eu acho que é importante responder, porque eu vi o vídeo atentamente e confesso que fiquei profundamente chocado com a atitude do Sr. Marcos Madureira. Por quê? Não porque ele tenha atribuído a mim uma parcela considerável de culpa, mas porque ele foge da responsabilidade, como representante da instituição, da maneira mais rasteira e covarde possível. Por quê? Porque é público, todo mundo sabe, a Lei Rouanet sabe, a CNIC sabe, que é quem julga os projetos, que no Santander - aliás, a comunidade cultural sabe, o Santander já tem mais de 20 anos -, nada, nem um alfinete passa na porta do Santander se não for aprovado por todas as instâncias, especialmente pela Diretoria Institucional de Marketing, na figura do Sr. Marcos Madureira, que é quem realmente aprova os projetos. E eu quero, eu posso lhe dizer aqui...
Perdão, Senadora, a senhora gostaria de falar?
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Desculpe, eu vou ter que sair, porque eu tenho um voo agora.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sim.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Mas eu queria parabenizar V. Sª pela exposição e pela defesa visceral da exposição, que realmente não merecia tudo o que aconteceu, e parabenizar o Senador Malta pela condução dos trabalhos.
Desculpe-me por ter de me retirar neste momento.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Vá com Deus, Senadora.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Senadora, eu só gostaria de dizer - eu não quero perder esta oportunidade aqui; a gente já se encontrou algumas vezes, muito rapidamente - que tenho todos os seus livros e que a admiro enormemente. Mas, enfim, aqui não é um lugar para os elogios, é lugar para os esclarecimentos.
Então, como eu dizia, o Santander Cultural analisa esses projetos em detalhe, com todas as imagens, in loco. Ele tem acesso a todas as imagens, participa de todas as decisões junto com a curadoria e com a produção. Nada, absolutamente nada é feito sem autorização do Santander. As publicações são revisadas, autorizadas pelo Santander em todos os seus detalhes, conteúdo, marca, imagens etc. O Santander acompanha esse processo e participa, inclusive, da conferência de imprensa.
A conferência de imprensa, no caso dessa exposição, foi extraordinária, com cerca de cem jornalistas. Ela é realizada anteriormente à abertura da exposição, e estava lá sentado um grande executivo do Santander ao meu lado, defendendo a exposição - isso é público, constatável, está registrado, enfim. Depois esses jornalistas descem e visitam a exposição, um preview, antes de o público ter acesso, porque a inauguração é no dia seguinte, junto com o Santander.
O Santander, evidentemente, não permite que seja feito nenhum procedimento administrativo dentro do banco sem o acompanhamento deles, do seu diretor, especialmente o que está ali, in loco, não tanto o do Sr. Carlos Madureira, que se localiza em São Paulo, mas ele tinha pleno conhecimento das obras, porque ele aprova as obras.
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Mas eu quero também fazer uma pequena observação que acho muito importante para esta Comissão, em relação ao Santander. O Santander aprova essa exposição a partir de uma atitude quase celebratória, porque é no momento em que o Santander recebe uma determinação superior da política do banco de estabelecer uma política mais inclusiva. Então, eles estavam muito felizes com essa exposição.
O Sr. Marcos Madureira dizer que a responsabilidade é do curador não é só irresponsável, é absolutamente ridículo, porque é público como o Santander funciona administrativamente.
Acho que era isso que o Senador tinha me perguntado.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Só mais uma coisa. Talvez o senhor não tenha em detalhes isso, mas essa notícia de que teria de ter um direcionamento mais inclusivo não necessariamente teria partido da ala cultural, então, e sim de uma política maior.
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Sim. Eu só comentei esse detalhe pelo seguinte: isso é uma política do banco, que veio da Espanha, que diz respeito à inclusividade, a contratar mais pessoas da comunidade LGBT. Enfim, eu não estou aqui para falar em detalhes, mas também posso garantir, eu sou um profissional, não só nessa exposição, eu tenho pleno conhecimento de todos os detalhes da exposição e do contexto político e cultural no qual ela se realiza, incluindo esse em que ela é aprovada.
Aí, eu assinalaria o seguinte: que o Diretor do Santander Cultural, Carlos Trevi, é uma pessoa que está ali... O Santander não é um museu no sentido estrito; ele é uma instituição cultural com características museológicas. Ou seja, ele se aproxima muito de um museu, mas não tem o caráter de museu. Então, o diretor cultural é como se fosse o diretor do museu. E o Diretor do Santander Cultural, Carlos Trevi, inclusive é membro da CNIC. Ele julga os projetos, ele representa o Santander na CNIC, que é a comissão que julga os projetos. Então, ele sabe muito bem como todo esse processo funciona, inclusive o fato de que a gente fornece o projeto e todos os elementos para eles, e eles transformam o projeto para aprovação na Lei Rouanet. Ou seja, eles participam mais profundamente ainda desse processo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não, absolutamente.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) - Eles não foram tomar da senhora, estava lá nas letrinhas pequenas do contrato...
O SR. GAUDÊNCIO FIDÉLIS - Não, não existe isso. Mas eu também quero dizer aqui que eu não quero fugir da minha responsabilidade, que eu assumo plenamente, sobre a exposição. Eu acredito nela, eu mantenho as minhas convicções em relação a ela, artísticas e no que diz respeito às questões de como ela responde aos procedimentos da lei.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Inclusive, Prof. Gaudêncio, nós ouvimos reservadamente o Sr. Sérgio Rial - ele pediu para ser ouvido reservadamente, e eu achei que ele tinha alguma coisa nova, mas era a mesma coisa, os dois decoraram do mesmo jeito -, o Senador Humberto estava aqui comigo, e ele falou a mesma coisa, o Rial: que a responsabilidade era sua. Esse aqui foi fechado e eu me obriguei...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Sim, Senador Humberto.
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O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Não... Veja: eu não ouvi o primeiro, mas o segundo, perdoe-me - eu também não tenho nenhuma procuração aqui para defender banco nenhum -, o que falou depois, que foi na reunião fechada... Inclusive, a pergunta que o outro tinha respondido dessa maneira, ele não assumiu que era responsabilidade dele.
V. Exª perguntou a ele também se o banco tinha retirado por conta dessas críticas de conteúdo, e ele disse que não foi por isso; foi porque queriam quebrar o centro cultural, e queriam quebrar, e tal. O segundo, realmente, para ser sincero, eu não o ouvi dizendo que a responsabilidade era dele, mas, independentemente disso, ninguém é bobo de achar que um banco internacional vai aprovar, vai deixar entrar um quadro ali no centro cultural dele sem ele saber o que é. Não existe isso.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - É, sentou aqui com o espírito encarnado de Rolando Lero e achou que eu ia ficar.... (Risos.)
Gaudêncio, a Senadora Marta já foi, mas eu disse que responderia a ela no final, porque que ela leu, dizendo que eu havia citado errado o Estatuto da Criança e do Adolescente, e eu não citei. E vou ler:
Seção I
Da informação, Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Espetáculos
Art. 74. O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.
Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação.
A assessoria da Senadora Marta informou errado para ela, e estou lendo para ela o capítulo correto.
Para encerrar, Senador Humberto, eu sei que V. Exª está correndo, mas V. Exª aguente um pouquinho - V. Exª é mais rápido do que imediatamente, e V. Exª é o responsável pelo cartaz lá: proibido para menores de 18 anos. Foi você que inventou. Vou fazer o quê? Entendeu?
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Bebida alcoólica. Arte, não.
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Sente aí.
Nós não estamos discutindo, nós respeitamos a arte, mas a gente precisa discutir... A nossa questão aqui não é a arte, a nossa questão aqui é a criança.
Para tanto, eu gostaria... O senhor é um indivíduo preparado e tem advogado, mas também nem precisa... O Brasil tem uma legislação que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, e mesmo as pessoas que fazem exposição, uma pessoa que lida com arte, com filme, com tudo precisa conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente. Gostando ou não, existe uma legislação, e a nossa tratativa aqui é a primeira infância. Uma criança não é formada pelo que falam para ela, mas por aquilo que ela vê. As imagens ficam. E essa é a nossa intenção.
Então, o senhor, num determinado momento, quando tudo isso surgiu, deve ter tido muita informação errada sobre esta CPI; informação errada, quem sabe, sobre a minha própria pessoa, a pessoa do Relator...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Como é que é? (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - E eu vou encerrar, Sr. Gaudêncio, embora eu... Isso aqui não foi uma pergunta que eu lhe fiz, foi uma colocação que eu fiz até para responder à Senadora Marta, que eu disse que responderia, até porque eu não vou citar indevidamente o Estatuto da Criança e do Adolescente. Onde nós estamos colocados eu preciso conhecer. Mas eu encerro dizendo que lamento uma frase que foi colocada pelo senhor, atribuída ao senhor, que estava nas redes sociais, nos jornais, no Estadão, de que esta CPI é um circo. Nós não somos um circo. O nosso interesse é a criança do Brasil, e não estamos desrespeitando arte. Até porque, se foi verdade, se a intenção foi nos ofender, não nos ofendeu, mas ofendeu o profissional do circo, porque ele também é artista. No circo se faz arte.
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Está encerrada a reunião.
(Iniciada às 14 horas e 23 minutos, a reunião é encerrada às 18 horas e 16 minutos.)