06/12/2017 - 61ª - Comissão de Assuntos Sociais

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Havendo número regimental, declaro aberta a 61ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura do Senado Federal.
Antes de iniciar os nossos trabalhos, proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior.
Os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública em atendimento ao Requerimento nº 138, de 2017, de iniciativa desta Presidência e do Senador Dalirio Beber, para debater o bullying.
Convido para compor a Mesa a ilustre oradora Isabella Bana, Procuradora Municipal de Planaltina do Paraná e autora do livro Bullying, homofobia e responsabilidade civil das escolas.
Muito prazer! Seja bem-vinda! (Pausa.) Convido a Drª Angela Uchôa Branco, Doutora em Psicologia pela USP, Professora Emérita da Universidade de Brasília e coautora do livro Bullying - escola e família enfrentando a questão. (Pausa.)
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Convido a Srª Tania Paris, Presidente da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (Asec).
Muito prazer! Seja muito bem-vinda! (Pausa.)
Convido o Professor Associado do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Hugo Monteiro Ferreira. (Pausa.)
Convido o Sr. Fernando Tiago de Sousa Santos, Diretor da Escola Classe 45 da Ceilândia (Brasília-DF).
Estamos todos querendo ouvir a sua experiência.
Convido o Sr. Willian Petelincar Pedro, Professor de Filosofia e Ensino Religioso do Colégio Salesiano Santa Teresinha, representante de Luciano Ishihara Castro, Coordenador Pedagógico do Ensino Médio do Colégio Salesiano Santa Teresinha, que também terá experiências para nos contar.
Onde ele está? Prazer em recebê-lo! (Pausa.)
Nós vamos conceder a palavra por dez minutos a cada orador, mas, antes disso, vamos fazer uma consideração sobre o porquê desta audiência pública. Nós temos tido uma preocupação na CAS com os casos que têm acontecido no País sobre a questão do bullying. Nós sabemos que essa é uma questão muito ampla e complexa. Não adianta dar uma ordem na secretaria da escola, não é assim que se resolve. Então, ficamos muito felizes de contarmos hoje com a participação de tantas experiências diversas e de pessoas tão conceituadas, que nos podem dar algum encaminhamento. A gente tem de discutir, tem de entender mais, mas sou muito dos encaminhamentos. O que a gente pode, de fato, fazer para diminuir essa provocação que é o bullying, que provoca tanto sofrimento, tanta dor?
Então, como somos muitos, vamos tentar dar dez minutos.
Depois, falarão a Senadora Ana Amélia e o Senador Dalirio, que também já estão presentes.
E não se espantem, porque essa frequência não quer dizer que não estão nos assistindo, porque as pessoas ficam nos gabinetes também fazendo coisas ao mesmo. A reunião passa depois na televisão. Nós temos uma ótima audiência televisiva e temos o e-Cidadania, que também já passa a se pronunciar durante a conversa.
Vamos lá! Que tenhamos luzes ao final deste debate!
A primeira a ter a palavra é a Srª Isabella Bana.
V. Sª tem a palavra.
A SRª ISABELLA BANA - Bom dia a todos e a todas!
Inicialmente, eu gostaria de cumprimentar todos os membros da Mesa, todos os demais debatedores. É uma honra compor a Mesa com os senhores.
Também estendo meus cumprimentos a todos os membros desta Comissão, à nossa Presidente, Senadora Marta Suplicy, pela indicação do requerimento acerca de uma temática tão importante, e ao Sr. Senador Dalirio Beber também pela indicação da temática e pelo convite exposto. Também estendo meus cumprimentos a todos os presentes e demais autoridades.
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Antes de adentrarmos a temática bullying, que é o objetivo desta audiência pública, é importante que façamos algumas considerações iniciais, principalmente no momento atual em que vivemos, no momento atual que a mídia nos expõe em relação aos acontecimentos pela prática de bullying dentro das escolas.
Inicialmente, coloquei alguns noticiários que aconteceram tanto no ano de 2014 quanto no ano de 2017. O primeiro deles se deu no interior do Piauí, onde uma criança de 10 anos sofreu violência psicológica e violência física tão somente por usar óculos, e acarretou, em 2014, essa prática. Já as duas últimas duas notícias se deram em 2017, são bastante atuais. A primeira ocorreu em Goiânia, como nós evidenciamos, que resultou na prática de homicídio; um adolescente de 14 anos praticou homicídio e lesão corporal em face de os colegas... E, por último, também não menos recente, em 2017, uma criança, um adolescente de 12 anos vinha sofrendo desde os 9 anos de idade a prática do bullying, por três anos. Foi uma intimidação sistemática contínua por três anos. Ela sofreu os atos agressivos do bullying, que resultaram em níveis de depressão, em três colégios em Belo Horizonte. Em decorrência disso, atualmente, ela vem se tratando do quadro depressivo.
Essas notícias, associadas a uma pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2010, em que o Distrito Federal aparece com um nível, demonstram as oito cidades brasileiras com os maiores níveis de bullying dentro das escolas. O Distrito Federal, em 2010, apareceu no ranking em primeiro lugar. Porém, em 2016, foi feita uma nova pesquisa pelo IBGE, em que São Paulo assumiu essa posição de liderança. Então, ambas as notícias, ambos os dados, tanto as notícias quanto os dados fornecidos pelo IBGE nos preocupam no sentido de demonstrar as consequências, num primeiro momento, que são niveladas - é um tipo de violência nivelado, silencioso, que só se manifesta quando as consequências já são nefastas -, e, num segundo momento, o aumento desse bullying, dessa violência escolar.
Associando todos esses dados que eu trago aqui, na presente exposição, sugiro que nós façamos uma reflexão acerca da nossa legislação. Na legislação brasileira, foi instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, no ano de 2015; a Lei Federal nº 13.185, que dispõe sobre esse dever, essa responsabilidade das escolas no combate e na prevenção da prática da intimidação sistemática.
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Logo no art. 5º da presente lei, é possível visualizar que é um dever das instituições de ensino assegurar medidas de conscientização e de prevenção. Porém, na prática, nós percebemos que, infelizmente, ainda há, por parte das instituições de ensino, um total desconhecimento da própria legislação que se encontra em vigor. E, além disso, esse dever jurídico de tutela não vem sendo respeitado porque as instituições não aderiram a qualquer tipo de programa que faça esse tipo de coibição, de prevenção.
Então, o próprio art. 5º da lei federal dispõe sobre esse dever, que também é ratificado no art. 227 da Constituição Federal, muito embora lá se trate de uma responsabilidade compartilhada. Não é um dever único e exclusivo das instituições de ensino, mas vejam que o Brasil possui uma legislação específica que institui um programa de combate à intimidação sistemática, mas que, na prática, não é efetiva. Atualmente, são poucas as escolas brasileiras que aderem ou que possuem um programa de combate à intimidação sistemática. Além disso, quando possuem algum tipo de medida de conscientização ou de prevenção, são medidas pontuais em razão do próprio dano, ou seja, o dano já está instaurado, já está acontecendo, não há nada que se faça anteriormente à prática desse dano. Então, esse é o principal problema de uma legislação que infelizmente se encontra como uma lei morta.
Logo no art. 1º, §1º, há um conceito. É uma evolução muito grande dentro do Direito brasileiro nós termos um conceito jurídico de bullying, o que, até então, antes de 2015, nós não possuíamos. Então, é um marco jurídico essa legislação. O art. 1º, §1º, trata sobre o conceito de bullying, e, logo no conceito, nós podemos perceber também um equívoco, pois se dispõe que o bullying é uma violência física ou psicológica, repetitiva, intencional, que ocorre sem motivação evidente. Ainda que o bullying, ou o agressor, ou a vítima, ou o espectador, que são os envolvidos ali na relação, tivesse uma motivação evidente, isso não autorizaria a prática do bullying. Então, há um equívoco na própria legislação.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP. Fora do microfone.) - É o contrário.
A SRª ISABELLA BANA - Há um equívoco na própria legislação em retratar sem motivação evidente, até porque o Direito brasileiro não permite a lei de talião. Já se extinguiu, há algum tempo, o olho por olho, dente por dente. Então, a violência não é permitida ainda que houvesse uma motivação evidente.
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Outro artigo relevante também na Lei 13.185, de 2015, é o art. 4º, que traz os objetivos. Então, esse programa elenca, no seu art. 4º, os objetivos da instituição, desse tipo de programa de conscientização e prevenção a esse tipo de violência. E, mais especificamente no inciso V, fala-se em dar uma assistência jurídica, psicológica e social às vítimas e aos agressores. Infelizmente, na prática, as instituições escolares não possuem qualquer tipo de suporte psicológico ou social relativo tanto às vítimas quanto aos agressores e aos próprios espectadores também da relação, que estão na relação de intimidação sistemática.
(Soa a campainha.)
A SRª ISABELLA BANA - Se dependermos tão somente dos serviços sociais no que se refere à saúde e à própria assistência social, nós também vemos uma decadência aí.
Para finalizar a breve exposição, nós percebemos que há uma falta de efetividade da norma. Então, a norma não é eficaz, não está efetiva, não está sendo cumprida. Logo o art. 6º, no próprio artigo, impõe a emissão de relatórios por parte dos Estados e dos Municípios que, até então, nós não sabemos onde estão sendo publicados e se estão sendo feitos. Então, o art. 6º requer o cumprimento da legislação e da emissão de relatórios, e, até o momento, não há a emissão, o cumprimento da legislação. Então, o que se carece é da fiscalização e do cumprimento da legislação que já se encontra em vigor.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Foi muito interessante. Eu agradeço. Já estou com muitas questões para a senhora, mas vamos esperar. Obrigada pelo cumprimento do horário.
Agora vamos à Drª Angela Uchôa Branco.
A SRª ANGELA UCHÔA BRANCO - Bom dia a todos!
É com muita satisfação que eu estou aqui hoje. Agradeço o convite. Estou muito honrada. Agradeço especialmente a oportunidade de poder compartilhar alguns dos resultados e dos conhecimentos que, na Psicologia, nós temos tido oportunidade de investigar, ao longo de todos esses anos, acerca das interações entre as crianças. E o bullying se trata de um tipo de interação entre as crianças que se tornou um problema gravíssimo em nosso País. Eu gostaria de agradecer à Isabella pela apresentação dela, porque eu acho que ela conseguiu situar o panorama do bullying no Brasil.
Infelizmente, nós sabemos que essa legislação de 2015 foi uma excelente iniciativa, mas não foi suficiente. Ela apenas orienta, mas não é suficiente.
Eu gostaria de apresentar para vocês um pouco o que nós pensamos em termos de compreensão de por que esse bullying acontece na nossa sociedade, por que esse tipo de coisa acontece nas escolas, e o que nós poderemos pensar em termos de ações concretas, como a Senadora já mencionou, que eu acho que é o mais importante no momento.
Creio eu que exista uma convergência muito grande de todos nós aqui de que chega de bullying, tolerância zero. Mas o que fazer?
Inicialmente, eu gostaria de colocar para vocês que nós concebemos a questão do bullying nas escolas como uma questão basicamente de valores e práticas da cultura e de valores e práticas das nossas instituições educativas. E aí eu incluo a família também, não só as escolas, mas as famílias, enfim a nossa cultura de forma geral. Então, a transformação desses valores culturais através das práticas dos educadores, para mim, seria aquilo que faria mais sentido e que teria mais eficácia na direção de resolver o problema do bullying. Veja só, quando falamos em prevenção do bullying, na verdade, nós queremos estimular outros tipos de interação entre as crianças e entre as pessoas em geral. Não é só uma questão de "vamos prevenir a violência". Não, vamos promover uma interação que faça sentido, uma interação respeitosa, democrática, empática entre as pessoas.
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Aqui destacamos o papel central da cultura no próprio desenvolvimento das crianças, dos adolescentes e de todos nós, que resulta das práticas sociais e das crenças e valores que nós cultivamos. Nós entendemos cultura como práticas sociais e como valores que estão engendrados nessa prática, que, por sua vez, também vão gerar novas práticas sociais compatíveis com esses mesmos valores. Tudo isso tem um impacto fundamental sobre o desenvolvimento.
A cultura, que, portanto, são as práticas sociais e os valores que nós praticamos, atualmente atua mediante a canalização de padrões de comportamento, de interações sociais, o que leva à internalização de crenças e valores, que se tornam, então, pessoais. A criança e o adolescente vão internalizando, incorporando aquela vivência daquelas crenças, valores e práticas que eles experimentam em suas casas, que eles experimentam na interação com os seus colegas, com os professores e com os adultos nas escolas. Só que a pessoa humana não é apenas um produto do meio ambiente, pois é também ativa. Entretanto, esse poder da canalização cultural é comprovadamente central, fundamental. Em nossa cultura, tanto em nível macro, em termos de sociedade, quanto em nível micro, o da família e das escolas, nós verificamos conflitos de toda ordem, desigualdade, injustiça, intolerância, agressão, competição, individualismo. Enfim, isso tudo de que nós estamos falando, infelizmente, essas práticas, esses valores são geradores de vários tipos de violência. Essas violências, por sua vez, canalizam práticas, crenças e valores de igual natureza. Então, temos como resultado preconceitos, egocentrismo, competição, agressividade, individualismo e isto que verificamos muito no caso do bullying, que é a busca por popularidade e poder à custa dos outros.
Quanto aos princípios básicos da Psicologia, a pessoa e a cultura se constituem mutuamente por meio dessas interações sociais que são matizadas pela qualidade afetiva das relações e das experiências que acionam esses processos de canalização cultural. Só que nós não somos fadados a viver dessa maneira. Nós não precisamos nos desenvolver - nem cultura, nem sociedade, nem as pessoas - para sempre nessa direção. Por quê? Porque nós somos sistemas vivos, nós podemos nos transformar, nós podemos desenvolver nós próprios e as instituições das quais nós participamos. Isso se chama desenvolvimento humano.
Aqui, quero só mostrar para vocês que realmente o sujeito é totalmente inserido nos vários sistemas da sociedade, ao longo do tempo, e é necessário, portanto, que a gente passe a melhor planejar e a melhor considerar o que é que nós estamos promovendo em termos de desenvolvimento. Será que nós estamos reforçando a socialização no sentido da violência, da agressividade, da competição e do individualismo? Ou estamos criando condições novas que gerem outros tipos de relação entre as pessoas, de relações, portanto, de qualidade pró-social? Nossa cultura, portanto, é extremamente violenta, vamos dizer assim. E, em todos esses contextos, as crianças, as famílias, enfim todos nós, infelizmente, experimentamos muitas situações e experiências de violência. O bullying é violência? Sim, não há dúvida. Há desprezo, hostilidade, humilhação, perseguições sistemáticas vindas de pares. É uma violência brutal. E aí nós temos uma relação de tudo que o bullying pode gerar: isolamento social; baixa autoestima, que é uma tragédia; dificuldade de aprendizagem; evasão; depressão; automutilação; ideias e ações indutoras de suicídio ou homicídio; psicopatologia diversa; irritação; agressividade. Por aí vai. É uma lista infindável e não muito interessante, infelizmente, para constatarmos.
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O bullying no Brasil é um problema, como a Isabella já colocou. E o que pode ser feito? Eu diria rapidamente - o tempo é curto - que a desconstrução de mitos é fundamental, bem como a promoção de reflexão, transformação, internalização de crenças e valores humanos no sentido da paz e a nossa atuação de cada um em sua competência no sentido de desenvolver práticas sociais e pedagógicas comprometidas com estes valores democráticos: justiça, respeito, empatia e solidariedade.
O primeiro mito é o de que o ser humano é agressivo. Isso não é a verdade. Nós não somos biologicamente agressivos, não. É a cultura que faz a diferença.
O segundo mito é o de que o agressor, aquele que implica, é um sujeito agressivo por natureza, tem uma personalidade agressiva. Esse é outro mito. Muitas vezes, ele é vítima em outros contextos, muitas vezes na família.
O terceiro mito é o de que a vítima é sempre parte de um grupo minoritário. Como a Isabella colocou, ao usar óculos, a pessoa não faz parte de um grupo minoritário, não é?
E o quarto mito é o de que se deve deixar o menino experimentar isso porque ele vai ficar mais forte e vai aprender a se comportar diante de situações difíceis. Não!
Finalmente, como promover a transformação na escola e na família? Gente, vamos ouvir as nossas crianças e adolescentes, construindo relações afetivas de respeito, de cuidado e de orientação diariamente. Escola e família, vamos atuar em cooperação, dando exemplo de que a colaboração é o melhor caminho para a resolução dos conflitos. Na escola, deve haver atenção e monitoramento contínuo. É o que a Isabella também colocou. Isso não é feito, isso é muito da boca para fora. Existem muitos projetos que ficam na superfície, dando aula de como não se deve ser agressivo com o coleguinha, e isso não leva a lugar nenhum.
Então, deve haver atenção e monitoramento contínuos e fóruns sistemáticos de discussão entre professores e educadores, para avaliar como estamos socializando as nossas crianças e os nossos adolescentes.
Finalmente, o mais importante, pelo menos na minha perspectiva, é que os cursos de formação de professores têm de incluir, de verdade, o que dizem que incluem, mas não incluem. A formação desses professores para o magistério deve levá-los à conscientização de que eles têm de se responsabilizar também, não só a família, pela socialização e pelo desenvolvimento de valores humanos, capacitando os educadores para lidar com problemas como o bullying e tantos outros. Então, essa é a questão mais importante.
Em termos de conclusão, aqui está: a chave é levar escola e professores a assumirem a responsabilidade pela socialização dos alunos e prevenir o bullying...
(Soa a campainha.)
A SRª ANGELA UCHÔA BRANCO - ...mediante a imediata intervenção, a conversa, o debate, a negociação e atividades escolares efetivas, visando a incentivar entre essas crianças e entre esses adolescentes a empatia e cooperação. Enquanto as escolas não assumirem essa responsabilidade, vai ficar praticamente impossível a gente trabalhar na direção de um mundo melhor e mais democrático, onde as pessoas convivam e sejam felizes nesse processo educativo.
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Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Agradeço à Drª Angela, que é coautora do livro Bullying - escola e família enfrentando a questão.
Quero dizer que eu concordo em gênero, número e grau: o foco é a formação de professor. Não tenho nenhuma dúvida disso. Só que eu acabei de ler no jornal, hoje, que a questão da sexualidade estará no currículo de Religião. Quer dizer, fora colocar Religião como matéria igual a Matemática e a Português, que estava como opção... E falo isso para a Senadora Ana Amélia e para o Senador Dalirio, porque é um espanto colocar Religião, primeiro, como matéria, porque somos um País laico, e, depois, com uma importância obrigatória nas escolas, objetiva. E, agora, querem introduzir sexualidade na aula de Religião. Quer dizer, é tudo ao contrário do que se tem de fazer em educação. É um espanto! Eu nem vou entrar nos detalhes, porque é um desastre, mas eu acho que nós vamos ter de nos manifestar, porque há um limite da loucura para a qual se está caminhando, de radicalização, no sentido errado. Se a gente está ouvindo falar de bullying como um problema seriíssimo hoje, imagine do jeito que vai ficar?
Desculpando o arroubo, vamos lá!
Agora, eu vou dar palavra à Presidente da Asec, que é a Srª Tania Paris.
A SRª TANIA PARIS - Bom dia!
Muito obrigada pelo convite. Estou muito satisfeita por participar de um grupo de debate sobre o tema.
O que eu trago aqui é a nossa experiência nos últimos 14 anos na transformação de ambientes educativos, justamente fazendo referência ao que a Angela falou agora: capacitar educadores para que transformem seus espaços educativos em espaços emocionalmente seguros, onde o bullying não tenha vez.
Eu pensei muito para falar sobre combater, mas eu queria falar principalmente sobre erradicar o bullying. Acho que uma postura é a gente cuidar depois que ele acontece, e outra é não dar espaço para que ele se desenvolva.
Eu queria falar isso, chamando a atenção dos presentes para aquilo que eu entendo como nó. Existem dois nós nesse processo: o primeiro nó é a questão de detectar o bullying. A característica do processo é um agressor destituído de empatia, geralmente com baixa autoestima, usar ou depreciar um terceiro para tentar se sentir melhor, para se sentir superior. Ele, geralmente, usa uma fragilidade da vítima: pode ser uma diferença, pode ser um defeito, pode ser qualquer outra coisa. E o processo é normalmente acompanhado de ameaça. O que acontece é que a vítima, geralmente, assume merecer o que está acontecendo. O fato de usar uma fragilidade dela leva a vítima, muitas vezes, no início do processo, a não qualificá-lo como injusto, a temer a ameaça e, como consequência, a não delatar. O processo se estendendo leva a autoestima a ser corroída: parece que entra num buraco.
A gente fala tanto em combate ao bullying, mas eu queria chamar a atenção para detectá-lo primeiro. Geralmente, ele é detectado quando o processo já está acontecendo por longo tempo e quando a vítima tem muita dificuldade em contar para alguém o que está acontecendo.
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A terceira figura, que são as testemunhas, geralmente, teme represálias, e a sua postura, de forma ou de outra, estimula o agressor, seja através da risada, seja através da participação ou mesmo do silêncio, que é o silêncio-cúmplice.
Pondo um foco maior na vítima, no fato de ela não buscar ajuda, ela acaba acreditando que ninguém pode ajudar. Ela não sabe como pedir ajuda. Pode ser falta de habilidade ou falta de ouvidos compreensivos, quando ela começa a relatar pelas bordas o problema. Usualmente se conta só um pedacinho, para ver se vai haver eco. E a vítima vai ficando gradativamente sem perspectivas, ou seja, sem a perspectiva de que o sofrimento dela possa terminar. E se instala o desespero, a desesperança. E daí vem a questão da agressão, que é a ponta do iceberg, a hora em que se descobre que, por muito tempo, aquilo já está acontecendo.
E essa agressão, eu diria, tem a mesma raiz: é a agressão contra o agressor ou é a agressão contra si mesmo. Nós falamos num caso como o de Goiás, em que a agressão ao agressor é visível, mas vamos olhar as estatísticas de automutilação e de suicídio e verificar o quanto muitas das vítimas agem agredindo a si mesmas.
Eu queria fazer duas considerações. O agressor nitidamente tem dificuldade de lidar com algo. Quer dizer, sem entrar na análise do problema, eu queria pôr o foco em que a gente enxerga o agressor como o grande vilão. Podemos ver que muitas vezes o agressor é vítima em outros processos, mas, mesmo de forma bastante simplificada, vamos dizer, ele está agindo dessa forma, que não é prazerosa nem para ele, porque está com alguma dificuldade que não está sendo resolvida. Esse foco ajuda a encaminhar soluções para o problema.
O outro ponto é o ambiente de convívio. O ambiente de convívio está sendo percebido como um ambiente competitivo. Acho que, num ambiente cooperativo, isso é desmontado. E o grande desafio é transformar espaços em ambientes cooperativos, que não sejam espaços onde alguém tem de sobreviver. E o foco nosso sempre foi o de olhar se ele é emocionalmente seguro. O bullying se desenvolve em espaços que não são seguros.
Quanto a se combater o bullying, acho que a gente pode olhar por duas vertentes. Usando imagens da saúde, a gente pode falar em prevenção, e prevenir o bullying é eliminar fatores de risco. Mas a gente também pode olhar esse combate pela questão da promoção, e promoção é prover fatores de proteção, é trabalhar para o fortalecimento das pessoas. Isso é muito mais permanente do que a intervenção nos fatores de risco, que tem toda a problemática da detecção. A grande questão da promoção é que, ao prover fatores de proteção, nós temos uma sociedade mais forte emocionalmente, que repele esse tipo de iniciativa.
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O fator de proteção que advogo é o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais; em outras palavras, a Angela falou em valores e cultura. Elas pressupõem, essas habilidades, nos alunos, que isso seja possível o mais cedo possível e para todos. Não estamos falando em educação e desenvolvimento para a vítima se defender; estamos falando também em que as testemunhas não sejam omissas e também em que os agressores consigam resolver suas dificuldades de maneiras mais sadias.
Aqui também há o ponto que acabou de ser abordado: a educação dos educadores, para que transformem o seu ambiente educativo.
Eu não vou entrar nesse gráfico, obviamente. Ele é da Casel, uma associação americana que estuda o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais e o impacto delas no processo acadêmico. A Casel reuniu 317 estudos do mundo inteiro, com mais de 300 mil alunos, sobre o que ela está falando de impactos no ambiente escolar.
Eu vou destacar aqui que a Casel chama de Programa de Aprendizagem Emocional e Social aqueles programas que atendem ao que ela define como S.A.F.E.. Ele precisa ser sequenciado e precisa ser ativo. Não é blá-blá-blá. São, na verdade, atividades em que os alunos possam perceber seus comportamentos, em que possam dramatizar situações. Ele precisa ser focado, com tempo suficiente para desenvolver habilidades emocionais e sociais. E aqui faço um contraponto ao que a Senadora Marta acabou de falar: não se trata de a gente pregar nada, mas de desenvolver a habilidade de empatia, de percepção, de lidar com as dificuldades. E ele precisa se explícito, no sentido de enfatizar habilidades sociais específicas. Com isso, desenvolve-se a autoconsciência, a consciência social, o autocontrole, a autogestão, a habilidade de relacionamento e, sobretudo, a tomada de decisão responsável.
Ele pressupõe exatamente que isso seja desenvolvido em ambientes participativos, cooperativos, seguros. Isso fornece aos alunos a oportunidade de serem recompensados pelo comportamento positivo, e não pela competição. E isso traz inevitavelmente uma maior ligação e engajamento com a escola, ou seja, a redução, inclusive, de evasão escolar, porque é óbvio que o ambiente com bullying é o ambiente em que a criança não quer estar, em que ela faz todo o esforço para não estar.
E o ponto crucial é a capacitação dos educadores, para que eles ressignifiquem o seu papel. Eles não estão ali para dar uma lição, para dizer "é assim que se faz", mas para despertar nos alunos essa consciência, para instrumentalizá-los para o apoio emocional. Quando uma vítima começa a relatar um bullying, é um processo muito dolorido para ela. Ela precisa ser estimulada e amparada.
A instrumentalização é para que eles possam lidar com comportamentos que são decorrentes de dificuldades emocionais.
(Soa a campainha.)
A SRª TANIA PARIS - O que, durante 14 anos, os educadores que participaram de processos assim sempre disseram é que eles sentem que crescem como pessoa.
Nós não tivemos esta oportunidade, quando crianças, de desenvolver as nossas habilidades.
Numa forma muito simples, eu queria dizer que uma situação difícil na vida de qualquer um leva a sentimentos e que nós temos necessariamente de lidar tanto com a situação quanto com o sentimento. E esse lidar interfere um no outro, ou seja, melhorando a situação, melhora o sentimento, mas também, conseguindo lidar com sentimentos complexos, nós nos tornamos mais eficazes no trato com a situação.
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Quanto a esse lidar, de fábrica, a gente veio com impulsos. Nossa impulsividade leva para a agressão, para a fuga ou para a paralisia. E o que nós buscamos sempre é que o lidar seja um processo consciente, seja um processo de escolha, mas escolha pressupõe que tenhamos estratégias.
Então, na verdade, os programas com os quais nós trabalhamos nesses anos todos - eu estive comentando aqui que acho que não vai ser o momento de falar sobre programa para adolescentes neste espaço, mas que é uma propositura - visam a desenvolver habilidades de criar estratégias positivas, que vão tornar então possível se desembaraçar de problemas ou de sentimentos difíceis de forma positiva, sem prejudicar um terceiro.
A política pública para combater e prevenir o bullying precisa coibir. Eu acho que a Isabella foi muito feliz em comentar sobre isso, e aí eu passo de volta à questão da detecção, que é complexa, e à orientação sobre como agir para interromper e evitar que se repita. Mas eu vou advogar que também a política precisa erradicar o bullying, e isso é feito com educação emocional para todos, incluindo vítimas e incluindo agressores, para que eles tenham habilidades para lidar com aquilo que é desafiante para eles.
O último eslaide traz o segundo nó. Eu entendo que o programa para erradicar o bullying tem muito a ver com o modo como se olha para erradicar doenças. A necessidade é visível. A solução está numa prevenção de base. É como enterrar tubos, e, depois, a doença não apareceu mais, e a gente nem lembra que foi o tubo enterrado que proporcionou a higiene necessária para que aquilo não acontecesse.
(Soa a campainha.)
A SRª TANIA PARIS - Espero, de coração - estou disposta ao que for na colaboração -, que esta Comissão faça o que precisa ser feito para efetivamente prevenir e erradicar.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Srª Tania Paris.
Nós estamos vendo a reafirmação sempre focada no professor; eu acho que isso está ficando aqui meio evidente.
Não vou deixar de fazer um comentário sobre o que a senhora disse: quando o professor se engaja em alguns tipos desses programas, ele também cresce como pessoa. A senhora gostaria de ter feito mais essa experiência para saber isso, mas eu tenho essa experiência em São Paulo. Quando fizemos a educação sexual nas escolas, nós não sabíamos o que ia acontecer com o professor. Eles foram capacitados, mas era acontecendo e fazendo. Só que isso mexeu tanto com eles, que a gente teve de fazer, para cada... Primeiro, a sexualidade é um pouco diferente de bullying, mas nem tanto, porque bullying pode ser pelos óculos, mas pode ser por 300 questões que remetem ao psiquismo da professora.
Então, por isso, é tão complexo, porque, para cada hora de aula na sala de aula, era preciso haver duas horas de supervisão com o grupo de professores, porque isso mexe muito. Eu tenho a certeza de que o bullying remete à vida das pessoas também. Por isso, é tão difícil nas escolas também que todos os professores estejam engajados, porque há as histórias pregressas que cada um leva para sua sala de aula. Mas nós vamos ter de lidar com isso, não é? E há escolas que já lidaram com isso.
Mas, antes, nós vamos conversar com o Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Prof. Hugo Monteiro Ferreira.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Bom dia a todas! Bom dia a todos!
Eu quero saudar a Mesa, numa presença ausência, que é exatamente a presença ausência das crianças e dos adolescentes e das adolescentes. Acho que são efetivamente os protagonistas e as protagonistas sobre os quais e as quais nós nos detemos nesta audiência.
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Quero agradecer o convite que me foi feito, de modo muito especial, e, ao mesmo tempo, a possibilidade de compor esta Mesa e poder falar um pouco sobre as minhas experiências como escritor, pesquisador, professor, como pai, como irmão e, infelizmente também, como vítima de bullying.
Em 1982, eu tinha 11 anos de idade, iniciava o que nós chamamos hoje de ensino fundamental, e a escola que, até aquele momento, havia sido para mim um espaço de brincadeira, de alegria, um espaço de aprendizagem, tornou-se um inferno, um inferno que me levou a pensar em morrer durante um ano. Todos os dias, quando eu chegava a casa, eu entrava no banheiro e ligava o chuveiro, não me molhava, ficava escutando a água e pedindo a Deus que me tirasse a vida, porque eu não aguentava mais aquela perseguição. Era uma perseguição intensa. Eu não sabia me defender, não conseguia falar com meus pais sobre aquilo, e não havia na escola nenhum adulto que pudesse me ouvir.
Eu não sei dizer exatamente a vocês em que momento eu consegui sair daquela situação, mas eu sei dizer a vocês que isso me deixou marcas, marcas físicas, marcas psicológicas, que me conduziram e me conduzem até os dias de hoje. Talvez, por isso, sem que eu saiba explicar racionalmente também, eu pesquise e investigue há dez anos tudo aquilo que se relaciona a sofrimento de crianças e adolescentes, talvez porque eu me sinta exatamente um sujeito que conseguiu sobreviver.
Então, a minha fala aqui vai nesse sentido. Está bom?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu lhe agradeço, sobretudo, porque é um testemunho muito contundente. Nós estamos vendo uma pessoa que passou e sobreviveu a tudo isso. Quero lhe agradecer pelo depoimento, que nos enriquece a todos. É claro - aí já falo como psicanalista - que esse interesse é fruto do que aconteceu e é uma elaboração da dor e do sofrimento. Isso é muito bom, porque é uma forma de sublimação extraordinária, porque permite uma elaboração interna e, para a comunidade, para todos nós, um trabalho que o senhor desenvolve intelectualmente.
Muito obrigada pelo depoimento.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - O.k., Senadora!
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Agora, eu chamo para sua fala...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Ah, eu achei que ele já tinha falado!
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Não.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Desculpa! (Risos.)
Eu já estava tão encantada com o que o senhor falou antes. Desculpa mesmo! Vamos continuar, então. É claro que vamos descontar o tempo da minha fala, porque realmente eu gastei um minuto e pouco aí falando.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Então, eu intitulei a apresentação de "Bullying e Cyberbullying".
Eu sou Professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco e coordeno um grupo de pesquisa sobre estudos da transdisciplinaridade da infância e da juventude. Esse grupo de pesquisa é reconhecido e certificado pelo CNPq. Atualmente, eu oriento dissertações e teses sobre as temáticas em relação às quais eu falei.
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Então, só para a gente iniciar, eu digo que o bullying não é um brinquedo, sobretudo não é uma brincadeira. Ele faz sofrer. Portanto, você está falando de algo que provoca sofrimento e, se provoca sofrimento, provoca dor, provoca dilaceração, provoca marca, faz marca, deixa marca, provoca muito mal. Portanto, eu categorizo o bullying como um fenômeno em que há muita maledicência, muita perversidade, muito desrespeito aos direitos humanos, muito aviltamento e, sobretudo, muita ausência do que eu chamo de amorosidade.
Então, você vai sentir, nessas duas imagens, o que eu tento dizer por elas, que estão disponíveis na internet e, portanto, são passíveis de publicação. Numa, eu vejo crianças rindo, rindo entre elas, e, na outra, eu vejo uma criança usando o WhatsApp, com o telefone na mão, e outras atrás mostrando que aquilo que, aparentemente, seria bom não é bom. Ou seja, a convivência não é boa.
O bullying é, sobretudo, um fenômeno de convivência. As pessoas não conseguem conviver entre elas de forma dialógica, de forma compreensiva, de forma não comparativa. Então, confundir bullying com brincadeira... Eu escuto muitas pessoas dizendo "olha, eu fui vítima de bullying, era uma brincadeira que se dava na escola". Para mim, há um atraso completo neste País. Na verdade, o Brasil está muito atrasado no que diz respeito à pesquisa em relação a esse fenômeno. Nós estamos ainda tentando provar que ele existe. Quer dizer, ainda estamos num momento de tentar provar que ele existe, embora haja legislação sobre isso. No meu Estado, há uma legislação, inclusive anterior à legislação federal. No entanto, como já foi dito aqui nesta Mesa, quando a gente vai observar a operacionalização, a execução da legislação, a gente vê o quanto ainda há fragilização. Quando eu vou para as escolas - eu tenho muita pesquisa de campo sobre esse fenômeno -, eu escuto muitos colegas meus de profissão dizerem que o fenômeno não existe, que o fenômeno, portanto, é algo inventado. Isso me parece muito preocupante numa sociedade em que há um índice alarmante de bullying.
Não há alegria no cyberbullying. O sofrimento é a sua meta. O seu objetivo é provocar dor, angústia, agonia, medo, ansiedade, submissão, humilhação. Então, uma coisa que eu percebo muito é que, no ambiente em que há o bullying, o sentimento de alegria é muito pouco visitado, é muito pouco experimentado. O humor é muito pouco trabalhado. Eu acho que é uma questão importante, porque o humor produz leveza. Eu acho que os programas de formação de professores, assim como a maioria dos programas que a gente tem, são tomados de uma seriedade equivocada, de uma sisudez equivocada. Eu acho que a gente precisa de leveza, de uma sociedade humorada, uma sociedade que possa observar o outro como sujeito passível de falha, e não um sujeito passível de dominação.
Esse exemplo que eu trago para vocês e que está disponível também na internet mostra o caso de um garoto que ficou conhecido internacionalmente, o Vijay Singh. Ele escreveu, na última página do seu diário, em 1997, o seguinte. Olhem o percurso da semana dele, o que me remete muito ao percurso da semana em que eu vivia: "Eu devo me lembrar para sempre, nunca irei esquecer. Segunda-feira: meu dinheiro é tomado. Terça: me ofendem verbalmente. Quarta: meu uniforme é rasgado. Quinta: meu corpo encharcado de sangue. Sexta: está terminado. Sábado: liberdade." Então, essa é mais ou menos uma agenda de sofrimento do bullying.
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Eu queria só chamar a atenção, porque o Vijay diz que, no sábado, há liberdade. Isso ocorre se você considerar o bullying; se você considerar o cyberbullying, não. O cyberbullying potencializa a violência de um jeito impressionante. Com as redes sociais, você quase não tem controle. Você simplesmente deixa a vítima como se ela fosse ser abatida, como se ela fosse ser levada para um abatimento geral. Então, há muitas pesquisas que apontam o medo das crianças quando elas estão em casa. Ou seja, o sábado não é mais liberdade, o domingo não é mais liberdade. Agora, imaginem isso na cabeça de uma menina, na cabeça de um menino, durante quase 24 horas por dia, efetivamente. As consequências psiquiátricas são terríveis. As consequências psicológicas são terríveis. E os dramas... Por exemplo, há pesquisas hoje que apontam que o bullying deixa você com marcas que podem ficar na sua vida cinco anos depois do término do bullying. Agora, imaginem isso no que diz respeito ao cyberbullying.
A meu ver, existe uma profunda relação com a chamada lógica disciplinar. Isto não tem a ver com cumprir regras, normas, com saber viver em coletivo, respeitar, compreender. Então, é preciso que a gente saiba viver em coletivo, é preciso que a gente saiba vivenciar regras, normas, compreensão. Mas o que eu chamo de lógica disciplinar é aquilo que a sociedade moderna estabeleceu como sendo dominação, separação, hierarquização, superioridade, inferioridade.
Todas as vezes em que converso... Eu converso com muitas crianças, eu converso com muitos adolescentes, e, todas as vezes em que eles me dizem que são vítimas ou que são agressores, embora eu não goste muito dessa dicotomia, porque vejo muitos agressores e muitas agressoras como verdadeiras vítimas e também vejo as vítimas como potencialmente agressivas... Essa é outra coisa para a qual eu queria chamar a atenção. A gente não pode esquecer que, quando há homicídio provocado pelo bullying, aquele homicídio foi planejado, arquitetado minuciosamente. Há uma potência de agressividade que precisa ser compreendida. Eu não posso encarar a escola como um espaço do não conflito. Eu tenho de encarar o real como real. A escola é conflituosa, assim como este ambiente aqui é conflituoso, mas, pelo fato de ser conflituoso, não precisa ser eliminador, não precisa ser excludente, não precisa ser segregador, não precisa ser impeditivo, não precisa ser não dialógico, não precisa ser opressivo, não precisa ser intimidador, não precisa ser assassinador, criando essa palavra. Não precisa matar nem a si nem o outro.
Esse é um menino de Recife que dizia para mim assim: "Diziam que eu não era igual a eles e que eu era pior do que eles e que eles eram melhores do que eu. Diziam que eu não merecia ficar com eles, porque eles eram superiores." Isso era o que ele ouvia na escola.
Em Belo Horizonte, disse uma menina: "Me prenderam dentro de uma sala e fizeram uma roda. Eu fiquei tipo bem no meio da roda. Aí, ficaram gritando que eu era ruim, era péssima, que eu era a esculhambação da escola e que eu não prestava."
Esses são depoimentos colhidos nas cidades de Recife, de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, onde eu desenvolvi uma pesquisa que durou três anos.
A lógica disciplinar, aquilo que não é transdisciplinar, promove a segregação porque tende a negar/excluir a diferença. Isto é, aquilo que não se parece comigo eu rejeito ou eu nego ou eu destruo.
(Soa a campainha.)
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Há outro depoimento, de Diego, do Rio de Janeiro: "Cara, eu não suportava aquele jeito de gay dele. A coisa ficou muito complicada. Homem é para ter jeito de homem, saca? Uma coisa é ver, outra é ficar perto dessa gente."
"Eu não curto, assim, tipo ficar muito junto, saca? Aí, sei lá, vai que eu fico igual. Tipo, respeito, mas quero distância. Não tenho preconceito. Só não quero ter contato. Bom..."
Eu queria só chamar a atenção para o fato de que um dos bullyings mais sérios que eu encontrei nas minhas pesquisas é o chamado bullying homofóbico, em que as crianças são geralmente vítimas e em que elas têm mais dificuldade de chegar a casa e dizer para os pais. Imagina um menino de 14 anos chegar para o pai e dizer "pai, eu sofro isso e isso na escola porque eu sou gay".
Quando se nega o outro, evoca-se uma revolta, silenciosa ou ruidosa, explícita ou implícita, mas uma espécie de revolta: violência contra ou si ou contra o outro, mas sempre violência. Mas o que se pode fazer? No meu entendimento, existem muitas saídas. Porém, todas elas, sem exceção, fundamentam-se na construção de uma cultura amorosa, o que implica a desconstrução de uma cultura odiosa.
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Eu queria chamar a atenção, porque acho que o Brasil tem caminhado para uma cultura odiosa, em que as pessoas não dialogam, em que as pessoas se dicotomizam, em que as pessoas ficam uma de um lado e outra do outro e esquecem que a gente, no final das contas, precisa um do outro.
Sugiro: cuidemos da família. Adoecida, ela adoece crianças e adolescentes. Para mim não se pode tratar desse fenômeno, sem se tratar da família.
Cuidemos da escola. Do modo como se encontra, ela tem sido um terreno fértil para a emergência da violência sistemática, assimétrica, não motivada.
Pensemos nestas palavras: diálogo, compreensão, compaixão, não comparação e amorosidade. Acho que essas palavras são fundamentais e tenho atualmente desenvolvido um programa em que utilizo muito da cultura budista tibetana aplicada em escolas públicas do meu Estado, para tentar minimizar e por vezes erradicar aquilo que chamo de construção do ódio entre as pessoas.
Então, a minha sugestão nesta Mesa é a de que a gente pense que a escola precisa ser revisitada a partir dos preceitos da discussão, da amorosidade, e não da negação, da segregação e do preconceito.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada pelo sensível depoimento e por ter trazido o cyberbullying, porque, se já tínhamos um problema no bullying normal, agora esse cyberbullying está sendo muito também creditado por suicídios, depressões.
E agora há leis também que já estão punindo mais severamente - não sei se já estão aprovadas ou não - a questão do bullying virtual, principalmente com adolescentes ou com qualquer adulto que filme. Isso também ocorre com adultos. Nós estamos falando do bullying com crianças e adolescentes, que são mais vulneráveis, mas há toda a questão do bullying adulto, principalmente homens que filmam mulheres em situações de sexo em sua intimidade e que depois as expõem e provocam danos, da mesma forma como se provocam em relação a crianças.
Vamos dar a palavra ao Diretor de Escola Fernando Tiago de Sousa Santos.
Vamos a uma experiência, parece-me.
O SR. FERNANDO TIAGO DE SOUSA SANTOS - Inicio minha fala, saudando o Prof. Amarildo. Amarildo Nunes é o Vice-Diretor da escola, aquele cearense baixinho que está ali, com o qual partilho a gestão dessa unidade pública de ensino. E, também, com especial deferência, saúdo os professores aqui presentes.
Em nome da comunidade escolar da Escola Classe 45, cumprimento fraternalmente os membros da Mesa, a Senadora Marta e a audiência da Câmara e das mídias sociais.
Venho aqui, hoje, para partilhar com vocês a experiência da Escola Classe 45 no enfrentamento diário ao bullying, fenômeno esse que tem causado grande preocupação entre estudiosos de todas as áreas do conhecimento, especialmente porque tem atingido pessoas de todas as idades nos quatro cantos do mundo e está se refletindo sobremaneira em episódios violentos nas nossas escolas.
Represento aqui todas as escolas do Distrito Federal. Falo em nome, portanto, de uma das mais novas redes de ensino do País.
Planejada, a cidade de Brasília também teve sua educação pensada para ser referência para o resto do País, e nomes como Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro fazem parte dessa nossa história.
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Na década de 1960, JK avalizou o sonho de Anísio Teixeira, que propunha para a nova Capital uma escola pública diferente, gratuita e acessível a todos, que iria da educação infantil à universidade. Além disso, as escolas seriam espaços de convivência democrática, onde o filho do Senador estudaria com o filho do operário, com espaços físicos planejados; com estrutura para as demandas pedagógicas mais modernas, onde estudantes permaneceriam em tempo integral; com escolas equipadas com infraestrutura completa de material e com pessoal qualificado, entre professores e auxiliares.
Nascia o sonho de educação a ser copiado pelo País. O tempo passou e hoje, 2017, o que restou de tudo isso? A Secretaria de Educação do Distrito Federal tem 673 escolas, 465 mil alunos e 28 mil professores e é financiada em parte com recursos do Fundo Constitucional.
A Escola Classe 45 faz parte desse conjunto de escolas. Conta com três modalidades de ensino - educação infantil, séries iniciais do ensino fundamental e a educação especial -, atendendo 673 estudantes, em dois turnos, sendo 80 deles com necessidades especiais; 53 professores; 14 auxiliares de ensino; 24 educadores sociais e voluntários.
Com 37 anos de fundação, essa escola já é uma senhora madura. E o que faz da Escola Classe 45 uma escola diferente, convidada para estar aqui? Em primeiro lugar, acredito que a proposta política e pedagógica da escola, que foi construída e aperfeiçoada pelo conjunto dos membros de sua comunidade escolar, contempla aquilo que todos sonhamos para a educação do País: o ensino público de qualidade.
Apesar de estar situada geograficamente na periferia, próxima a uma das maiores favelas do País, o Sol Nascente, e socialmente considerada uma área de risco devido à violência urbana, nós nos posicionamos entre as melhores escolas da cidade do DF pelos indicativos de avaliação do MEC e da Secretaria.
Ao longo desses anos, aprendemos que a gestão em um equipamento público tão importante quanto a escola para uma comunidade só seria eficiente se fosse edificada sob a ótica pedagógica. Para isso, buscamos a participação coletiva nas decisões, o planejamento sistemático e a formação continuada dos seus professores. Sob esses três pilares, construíram-se as bases para que ganhássemos o respeito dos pais e estudantes, dos moradores das cercanias, que nos apontam na rua com deferência, das escolas vizinhas, além da comunidade acadêmica local.
Nasce daí o sentimento de pertencimento, que deriva do fato de todos, de alguma forma, se sentirem responsáveis uns pelos outros, e, como consequência, tudo diz respeito a todos na escola. O cuidado pelo outro nas relações são uma norma. O abraço, o aconchego, a afetividade se fazem presentes no contato diário entre trabalhadores, estudantes e pais.
O processo de ensino-aprendizagem para ser efetivo tem de ser gradual, em longo prazo. Deve ser encarado de forma profissional, evitando-se improvisações. Dessa forma, é possível perceber erros, mudar rumos e reforçar estratégias assertivas.
Para chegar a esse estágio, é necessário formação continuada e avaliação permanente. Isso só é possível nas escolas do Distrito Federal, porque existe um espaço de coordenação para os professores na sua jornada semanal de trabalho.
Então, nós temos 25 horas de regência e 15 horas para planejamento no nosso sistema. Aprendemos a valorizar ao máximo essa conquista do nosso sistema educacional.
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Mudar a postura só é possível se o indivíduo for convencido interiormente disso através de estudo individual e partilha com seus pares. Isso só é possível dentro do espaço da coordenação pedagógica.
Essa mudança de postura, esse amadurecimento se reflete no acolhimento de 80 estudantes com necessidades educacionais especiais. Hoje, somos referência no ensino especial, e essas crianças mudaram definitivamente a relação entre professor e seus estudantes, entre as crianças e a comunidade. No DF, toda escola é inclusiva, respeitando-se o direito a igualdade de acesso e permanência com sucesso de todos na escola. A inclusão aqui veio como um tsunami para chacoalhar e redesenhar as relações dentro das escolas. Antes, trancados em casa e nos centros especiais, esses estudantes chegaram a nós e todos tivemos de repensar nossas práticas. As instalações físicas das escolas tiveram de ser adaptadas. A Secretaria teve de investir na contratação de pessoal especializado, organizando-os em equipes multidisciplinares em todas as unidades escolares.
Essas equipes são compostas por pedagogo, orientador educacional e professores especializados em salas de recursos. Entendemos que é necessário avançar ainda mais para que nessas equipes sejam acrescidos profissionais da área de Psicologia e Fonoaudiologia.
Esses estudantes especiais causaram uma mudança de postura nos seus colegas, os estudantes regulares, que aprenderam a conviver e a entender as limitações dos seus colegas especiais e a ser mais solidários e cuidadosos uns com os outros. Essa lição eles estão ensinando em suas casas a parentes e amigos.
Outro fator que considero importante no enfrentamento ao bullying foi enfatizar no currículo estratégias para a promoção da cultura da paz, uma vez que a cultura da grade é muito forte nas nossas casas, ruas, comércios e edificações do setor onde se localiza a 45, e essas grades entraram e se enraizaram também nas escolas. Salas de aulas gradeadas, cadeados, trancas por todas as dependências administrativas, muros de três metros de altura, é esse o desenho das nossas escolas aqui, no Distrito Federal. E as pessoas se acostumaram e começaram a achar tudo isso normal. Muitas reflexões, discussões e estudos fizeram uma mudança enorme. Hoje, estamos em um processo de retirada gradual dessas amarras. Passamos a entender que as grades, na verdade, estão dentro de nós, que os limites não são definidos fisicamente, mas que todos devemos conhecer a nossa posição e responsabilidade, ou seja, o nosso espaço, e também respeitar o espaço do outro. Foi dessa forma que combatemos essa violência silenciosa que nos atinge e ainda nos esforçamos para nos libertarmos, definitivamente, das amarras que nos aprisionam dentro desses muros.
A promoção da cultura da paz há de fazer ruírem esses muros que nos escondem da paisagem urbana do nosso setor, há de descortinar o passado para vislumbrar um futuro mais solidário e pacífico. A sociedade brasileira vai ter de enxergar para além dos muros da escola.
Finalizo, chamando a imprensa à responsabilidade. Não é possível e não é admissível que a escola seja alvo diário e constante de ataques no mass media. Digo isso por entender que as programações dos principais meios de comunicação veiculam muito mais aspectos negativos do que positivos sobre educação. Quem é minimamente informado...
(Soa a campainha.)
O SR. FERNANDO TIAGO DE SOUSA SANTOS - ...sabe que, após a proclamação da República, no século XIX, tínhamos 90% de analfabetos no País e que, apesar dos poucos investimentos nos anos subsequentes, hoje temos todas as crianças na escola. Temos o maior programa de distribuição de livros didáticos do mundo, o maior programa de alimentação escolar.
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O Enem é tido como um programa de sucesso e elogiado mundo afora. As universidades e os Institutos de Educação são os que fazem toda a pesquisa científica no País. Nunca vi isso ser exaltado.
Não somos os bárbaros que certos âncoras de telejornais nos querem fazer crer. Temos muitos desafios a superar, mas a responsabilidade social sobre a educação é de toda a sociedade e o quarto Poder tem de dar maior contribuição.
Não tenho inveja das reportagens sobre educação na Finlândia, na Suíça, na Coreia. Pelo contrário, a cada dia, concordo mais com nosso saudoso Darcy Ribeiro, quando dizia que não há na história da humanidade uma civilização como a brasileira, no sentido mais patriótico que o seu pensamento sobre o Brasil poderia ter.
Ora, também não posso deixar de citar o grande mestre Paulo Freire, que nos deu uma grande lição: "Apenas o homem livre é capaz de escrever sua própria história."
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu agradeço ao Prof. Hugo, porque ele nos deu uma experiência concreta.
O SR. FERNANDO TIAGO DE SOUSA SANTOS (Fora do microfone.) - Sou o Fernando.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É o Diretor. Desculpa! É o Diretor da Escola de Ceilândia, Fernando Tiago de Sousa Santos, que nos deu uma experiência concreta de algo que muitos dizem que é impossível, que não vamos conseguir nunca, e essa questão em relação às crianças especiais também é um exemplo do que nós podemos fazer.
Acho que ele está reiterando aqui o que achei muito bonito, que é essa questão da segurança emocional. A primeira coisa que tem de haver na escola é o respeito, a segurança emocional, para poder criar o clima, porque, sem clima, nada é possível.
Vamos agora a outra experiência, que é a do Prof. Sr. Willian Petelincar Pedro.
O SR. WILLIAN PETELINCAR PEDRO - Muito bom dia a todos!
Quero agradecer também o convite, em nome do Prof. Luciano, que é coordenador do colégio onde eu trabalho, o Colégio Salesiano Santa Teresinha. Em nome dele, quero agradecer o convite da Senadora Marta e do Senador Dalirio.
Para mim é uma honra fazer parte também da Mesa, representando o Prof. Luciano, com tantas pessoas capacitadas e interessadas em discutir a questão do bullying.
Só alguns apontamentos, na verdade, eu faço sobre a prática que nós vivemos em um colégio que apresenta outra realidade daquela da Escola Classe 45, que é um colégio de classe média, um colégio localizado na Região Sudeste, em São Paulo. Então, é um colégio com outra realidade, mas também com o mesmo desafio, se não igual, até maior nesse sentido, por conta do acesso à questão que foge ao colégio, que é a questão do cyberbullying, questão que foge do alcance da escola e dos muros da escola também.
Durante as falas, eu fui associando, na verdade, a um trabalho que a gente já realiza na escola, não só no Colégio Salesiano Santa Terezinha, mas também em toda a Rede Salesiana de Escolas, que é um trabalho feito a partir do fundador, que é Dom Bosco, um santo da Igreja, que, aliás, tem até uma particularidade com a história também da construção de Brasília e que, no século XIX, já propunha uma pedagogia diferenciada, que é a pedagogia da alegria e a pedagogia da presença, sobretudo a presença não punitiva ou a de vigilância, mas a presença amiga. E os educadores do Colégio Salesiano Santa Teresinha são motivados a estarem presentes em momentos de pátio, em momentos de convivência na escola etc., inclusive, com a participação também da família.
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A Senadora Marta falou sobre a questão do ensino religioso, e eu sou professor dessa disciplina. É claro que há outras questões que a gente pode tratar do ensino religioso, mas em toda a Rede Salesiana de Escolas há um material didático próprio de ensino religioso não ligado à questão confessional, porque existe um outro setor do colégio que já faz essa questão de catequese etc. Mas as aulas de ensino religioso têm uma proposta voltada para três dimensões de relacionamento: a dimensão do indivíduo como ele mesmo, que é a questão do autoconhecimento, e através de estratégias e dinâmicas a gente busca essa relação; a relação com o outro, saber conviver, saber se portar, saber respeitar, conviver com a diferença; e a relação espiritual, que, inclusive, não está ligada à religião. Todos nós sabemos que espiritualidade é diferente de religião. É claro que na nossa disciplina a gente usa as religiões como exemplo para falar de espiritualidade.
Foi dito, se não me engano, pela Isabella ou pela Drª Angela, a respeito da questão da prevenção e da promoção. Dom Bosco elaborou o sistema preventivo, ou seja, trata-se de, através da educação, prevenir certo tipo de situações para que não gerem aí violência, desrespeito, etc. Mas nós trabalhamos, inclusive na disciplina de ensino religioso, a questão da promoção: a promoção do respeito, da diversidade, da cooperação. O colégio promove trabalhos solidários com os alunos, o que faz minimizar a questão do bullying. A própria questão do esporte também é muito valorizada no colégio. Então, a cooperação que o esporte oferece faz cumprir aí também essa questão da amizade, de estar junto, de saber conviver e de saber lidar com frustrações, com a perda de jogos, etc.
Essas habilidades são desenvolvidas através do ano letivo, com todos os alunos, sobretudo pautadas na questão dos valores humanos. A questão dessas estratégias e dessa pedagogia, que é salesiana - não é própria do colégio onde eu atuo, não é minha, mas é própria de um sistema de pedagogia -, a intenção é gerar um ambiente afetuoso, um ambiente onde as pessoas são respeitadas, onde as pessoas possam se sentir acolhidas. Não vou dizer que não há casos de bullying na escola, há muitos. Inclusive, eu fui coordenador pedagógico durante três anos e atendi várias questões sobre bullying, questões ligadas também a cyberbullying. De várias maneiras essas questões chegam até nós - ou através de outros alunos ou através da família -, mas um grande dificultador no colégio, no ambiente escolar, como a Tânia mencionou, é a questão do diagnóstico, da identificação, de saber o que é bullying e o que é uma brincadeira, enfim, de identificar o bullying e aí atuar. Mas, como foi dito também, nós só atuamos depois dessa identificação, quando há realmente a efetivação do bullying. Mas todos esses projetos ajudam a prevenção. E é claro que isso faz com que se minimizem os dados, o índice de bullying nos colégios.
A pedagogia da presença, a pedagogia da alegria faz com que os próprios educadores se sintam corresponsáveis na educação emocional também do aluno. Então, há essa presença amiga nos pátios. E o colégio promove muitas questões de cooperação, em que há bastante convívio harmonioso entre os educadores, o que faz minimizar também essa questão da hierarquia e da autoridade, porque muitas vezes os casos de bullying não são detectados por causa de o agressor não contar para ninguém ou não se sentir à vontade para expor isso, e, numa presença amiga, certamente se minimiza também essa questão.
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Foi citada pelo Prof. Hugo a questão da amorosidade, e eu remeto novamente aí ao fundador do Salesianos Dom Bosco, que tinha o tripé da Pedagogia, que é a razão, a religião - por ser um santo da igreja, por ser um padre - e a questão de uma palavra italiana que é amorevolezza, traduzida para o português como afeto ou a questão do amor e do carinho, que faz com que se torne, de uma maneira eficaz, um minimizador para que aconteça o bullying no ambiente escolar.
Com isso, encerro, então.
Muito obrigado pela oportunidade.
Fico à disposição também.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Agradeço ao Prof. Willian pela exposição.
E nós vimos aqui a diferença: uma escola laica, pública, e uma escola católica, ambas exitosas no sentido de preservar o ambiente emocionalmente sadio para suas crianças.
O comentário que eu fiz antes foi de que no Brasil nós temos a laicidade. O Brasil é um País laico. Então, parece-me que juntar religião obrigatoriamente com sexualidade é um desastre absoluto. Depois, religião obrigatoriamente também me parece... Se for para fazer, o que eu acho que não deveria...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - ... imposto também é um desastre. Deveria ser - se é que vai ter que colocar religião - opcional. Aí, as escolas públicas que desejarem o farão. E os pais que desejam ter uma educação religiosa - e podem manter - vão às escolas judaicas, católicas, evangélicas. Nós temos escolas de todas as religiões, umas mais fortes, outras menos fortes, mas isso é uma escolha.
E eu acredito que nós temos aí um impasse, sim, e seria muito bom se o Senado se pronunciasse. É uma responsabilidade seríssima. Nós temos aqui a Comissão de Educação, nós temos esta Comissão, e eu acredito...
Bem, todos já se apresentaram, então nós vamos... Como norma, os que pediram a audiência têm a palavra. Somos aqui a Presidência que pediu e o Senador Dalirio. Vou dar primeiro a palavra para o Senador Dalirio, para ele fazer suas perguntas, depois eu faço as minhas perguntas, depois a Senadora Ana Amélia faz as perguntas dela, e nós responderemos de uma forma única cada um.
Eu acho que dá para dar cinco minutos para cada um fazer as suas respostas.
Senador Dalirio Beber tem a palavra.
O SR. DALIRIO BEBER (Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Muito rapidamente, Senadora Marta, primeiro quero dizer que, na verdade, a iniciativa da solicitação desta audiência pública, para tratar de um tema tão importante quanto esse com que vocês nos presentearam com suas contribuições, foi uma inciativa da Senadora Marta. Eu apenas estava numa das reuniões da Comissão de Assuntos Econômicos e, para dar agilidade e fazer com que esta audiência acontecesse ainda no exercício de 2017, subscrevi o requerimento da Senadora Marta. Portanto, os méritos são da Presidente desta Comissão, a Senadora Marta Suplicy.
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De qualquer forma, ouvi com atenção as manifestações de todos os seis que palestraram durante o tempo que foi proporcionado. Eu sei que todos vocês teriam condições de dissertar sobre a matéria por um longo período, mas acho que foi o suficiente para que todos nós, em nível de Comissão, em nível de Senado, atentássemos para a realidade dessa temática, que hoje é tão discutida, especialmente nos estabelecimentos de ensino.
Tem-se que em torno de 10% a 12%, 13%, talvez até mais, das crianças das nossas escolas têm sofrido algum tipo de bullying. Vejo aqui, até em função da própria manifestação do Fernando, do Hugo e do Willian, que há experiências de escolas onde, com certeza, essa interação entre a escola e a família tem proporcionado talvez resultados muito mais promissores que o comum.
Mas pergunto: dentro dessas estatísticas, verificou-se por que esses jovens são opressores, ou seja, praticam bullying contra outras pessoas? É em função da falta de atuação da própria escola, do professor, de ausência do professor? O professor hoje é um trabalhador que transfere o conhecimento da sua matéria, mas ele interage realmente na formação desse jovem, dessa criança que está ali? Ou seja, a própria presença dos professores no pátio, que é onde acontecem, na maioria das vezes, as questões do assédio, da opressão; a presença do professor, do educador talvez iniba. E a própria questão da família, ou seja, os pais têm que estar informados do que acontece na escola, porque aceitar que uma criança faça isso com outra pessoa, com o seu semelhante, vai fazer com que este cidadão, ao chegar à idade adulta, também não seja diferente no seu dia a dia. E, de opressor, ele passa a ser também vítima de tudo aquilo que virá como consequência na sua existência.
Hoje, nós falamos de crianças na faixa de 8 até 17, 18, 20 anos, mas depois nós temos uma vida longa. A perspectiva de vida dos brasileiros chega aí a 75, 76, 78, quem sabe até a muitos mais anos, e esse jovem que, infelizmente, não teve, durante a oportunidade da formação, a pressão necessária, a orientação necessária no sentido de que ele mudasse de comportamento, vai incorporar isso como um traço da sua característica, do seu caráter de vida, o que vai talvez levá-lo a comportamentos, na fase adulta, que vão fazê-lo vítima da sua própria atuação como opressor durante a juventude.
Então, a pergunta é o seguinte: esse percentual é em função da falta de atuação da...
(Soa a campainha.)
O SR. DALIRIO BEBER (Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - ... escola, ou seria em função da falta também de atuação mais clara, decisiva da família, e da presença, com certeza, do professor durante os períodos de folga dos alunos, que acontece no pátio, durante o recreio?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senador Dalirio Beber. Nós temos aqui algumas perguntas que vieram pelo e-Cidadania, mas são várias, e eles selecionaram duas.
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Uma é de Thiago Mendes: "É necessária a atuação mais precisa e incisiva de leis que protejam as crianças que sofrem com este tipo de assédio. Mas principalmente ensinar as nossas crianças que o ser diferente é normal. Torná-los cidadãos de bem e que consigam conviver com as diferenças".
Essa não é uma questão, e sim uma afirmação. Então, vale um comentário.
A outra é de Artur Alvim Cury: "Esse problema é antigo na sociedade! Não é de hoje! Só mudou a conotação do problema mas ele sempre existiu! E hoje é mais divulgado! Seu combate passa pela valorização do professor, da educação, distribuição de renda, políticas sociais e da mudança de postura dos pais!!".
Há um que não foi selecionado, sai totalmente do âmbito da escola, mas eu achei muito interessante. É de Sergio Luis Peixoto: "No metrô de São Paulo os operadores de trem que ficam traumatizados com atropelamentos na via são enviados para trabalhar nos pátios de manobras. Isso é bom, mas os colegas e até chefes costumam referir-se com desdém a esses operadores, chamando-os de 'asas-quebradas'. [Isso é] bullying??".
Vejam que bullying acontece em tudo que é canto.
Mas eu também vou fazer as questões que eu tenho. A primeira é: ficou evidente que a lei existe e que não é cumprida. Então, vamos para os encaminhamentos como eu dizia. O que temos que fazer para fazer que se cumpra a lei?
Eu pensei em uma coisa, mas pode ser complicado: os pais podem entrar na Justiça contra a escola. Eu não estou vendo... Por isso eu gostaria que vocês dessem outras ideias.
Porém, isso não pode ser chamado... Ser chamado, não; pode virar algo pior que o bullying, que é o patrulhamento. Então, a escola pode ficar receosa, e nós vamos criar uma confusão enorme.
Eu gostaria da opinião de vocês, que têm vivência, que são especialistas sobre isso, sobre como podemos encaminhar e sobre se esse ativamento dos pais em relação à escola - ou ao professor, até personalizando - poderia ser uma das formas. Eu acho que talvez não seja a melhor, mas eu precisava entender melhor, saber como vamos achar um jeito.
A outra é que tramita no Senado Federal o PLC 76/2011, para o qual foi apresentado um substitutivo que oferta apoio e acompanhamento técnico, psicológico, individual ou coletivo, provido por psicólogo habilitado ou por equipe multidisciplinar, com a presença também do profissional de psicologia e profissionais de educação básica no âmbito dos sistemas de ensino. Por quê? Porque, quando estamos falando do bullying, o professor tem que ter um apoio. Mas ele tem que ter primeiro nessa formação que ele seja capaz de identificar algumas coisas, porque nós podemos falar de vários tipos de bullying.
E uma questão que foi colocada aqui, acho que pelo Prof. Fernando, que falou sobre a escola, é que há um tempo de planejamento e de coordenação psicológica. Nesse grupo dessa coordenação é que pode haver uma pessoa, um professor e depois uma equipe maior ou multidisciplinar, se a escolar puder, que converse com os seus professores sobre o que está acontecendo na sala de aula.
Aquele menino que começa com muita gritaria na sala de aula, na verdade, a gritaria é porque ele está querendo se sobressair. São várias as possibilidades de por que ele está querendo se sobressair. Agora, se há uma reunião onde o professor pode dizer: "Tem o fulaninho". O outro diz: "Na minha aula também". O outro: "É, mas..." Conversa-se sobre aquela criança, e se faz uma intervenção de se chegar perto daquela criança, de se visitar aquela criança, aquela família.
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Então, isso pode ser um caminho concreto que a gente pode pensar para ter uma resposta. Agora, nem todas as escolas - as particulares, cada uma vai fazer do seu jeito, e muitas já fazem -, as públicas, têm essa possibilidade de ter esse período de coordenação.
Eu vi - corrijam-me se eu estiver errada no tempo -, eu acho que o senhor falou em 25 horas de regência para 15 de planejamento. Isso é uma maravilha! Por isso que a escola tem esse nível. Agora, que escola tem isso? Muitas particulares não chegam a isso. E isso é que faz a diferença, porque você trabalha também o que cada professor está sentindo, provoca a reflexão e tudo mais. Bem, eu queria saber se vai por aí - é o que eu estou pensando - e o que vocês acham disso.
Acho que eu tinha mais uma. Esperem aí.
Há casos em que professores são agentes diretos de bullying. Como as escolas devem proceder?
Essas são as perguntas. Passo agora à Senadora Ana Amélia para fazer as suas perguntas e considerações.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Cara Presidente Marta Suplicy, caro Senador Dalirio Beber, quero cumprimentá-los pela iniciativa deste debate, que não é o primeiro feito por esta Casa - a CDH várias vezes o fez -, e fazer algumas observações.
Ouvi todos com atenção e me parece que faltou uma referência. Nós estamos tratando de crianças como se fossem ETs que saíram de algum lugar, mas não dizemos de onde eles saíram, e foram para a escola. E a escola tem que resolver o problema. Eu vou simplificar com o jeito da linguagem jornalística. As crianças saem de um ambiente, que é um ambiente de educação, que é a família. Pouca gente falou da família aqui. E, se uma criança está num ambiente de violência na família, de pai que briga, de mãe que briga, ou de desatenção e de desamor, essa criança já sai impactada desse ambiente hostil, para dentro de um outro ambiente mais hostil ainda ou muito complicado. Então, esse é o primeiro ponto.
Prof. Hugo, prestei muita atenção. A sua voz e a sua forma de falar são muito semelhantes à voz que usa - eu cuido muito disso - o Senador Randolfe Rodrigues, e até a linguagem que eu aprecio muito do Senador Randolfe Rodrigues. O senhor falou que faltam aqui os principais protagonistas, que são as crianças. Não sei se foi apenas uma figura de retórica, mas a legislação em vigor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, protege a criança disso. Inclusive, na imprensa, não pode sair uma criança menor; o rosto dela tem que sair com uma tarja. Então, expor aqui, numa audiência pública no Senado, as crianças a revelarem os seus sofrimentos, eu diria, a repetirem... Porque isso cabe num ambiente individual do orientador, da família, para que ela não sofra.
Mas eu sugeriria para a Senadora Marta, com a aquiescência também do Senador Dalirio, que aqui está a avó - portanto, uma pessoa adulta -, servidora desta Casa há muito tempo, a Rose, que perdeu uma neta por suicídio, vítima de bullying. Ela pode relatar isso. Ela pode mostrar o que foi feito, ela está aqui presente.
O Prof. Fernando Tiago falou... E eu pergunto talvez como jornalista, Prof. Fernando. O senhor falou muito da mídia. O que é natural? O cachorro morder o homem ou o homem morder o cachorro? Esse é um velho exemplo, jargão até nas nossas aulas de comunicação no começo. Talvez tenha mudado isso, porque as redes sociais alteraram toda a convivência social, inclusive.
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Na verdade, eu também fui professora. Quer dizer, eu fiz o curso do magistério no interior do Rio Grande do Sul. E, quando fiz o estágio, eu tratei os meus alunos... Eu nunca fui para a sala de aula com os professores tomar café ou fazer merenda, conversar com os professores. Eu nunca deixei os meus alunos, brincando com eles, jogando futebol. Sempre usei uniforme para ir à aula, para ficar igual a eles. Nunca fui de roupa diferente, porque achava que aquela era uma forma também de ter uma identificação com as crianças.
Era uma turma de crianças vinda de um ambiente hostil. Eram 13 alunos, um número interessante - 12 meninos e uma menina apenas. E eu consegui ter convivência com eles fazendo práticas de levá-los a conversar com o prefeito municipal. Porque à época, nos currículos do primeiro ano, havia o Município, depois se examinava o Estado, depois o País - os currículos de antigamente eu achava muito bons. Então, eu os levava para falar com o prefeito, para eles terem uma valorização.
E, a essas crianças, não fiz nada mais do que a obrigação de dar a elas a segurança. Então, era normal eu receber lá na minha casa, num bairro pobre, de Lagoa Vermelha...
(Soa a campainha.)
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - ... receber abóbora, receber uma dúzia de ovos - porque era a vida do interior, era a remuneração - ou uma flor que ele colhia do jardim da sua casa e trazia para mim.
Então, nessa relação e nessa questão da cobrança da mídia, eu, como jornalista, reconheço que existem alguns excessos, mas o normal é todos fazerem o seu dever, cumprirem o seu papel e o fazerem corretamente. É claro que o reconhecimento... Acho que ninguém faz para receber prêmios, mas o reconhecimento é importante, porque é encorajador. Vale para um professor e vale para o um político, como nós aqui nesta Casa, que somos atacados todos os dias. Hoje, está aí: o pior Congresso é o que está aí; 60% da população não gostam.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É bullying!
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - É bullying! Eu não tomo, porque a minha consciência está limpa. Eu estou fazendo o meu papel. Eu não quero ficar preocupada com isso, eu quero continuar trabalhando. Às vezes, dá vontade de ir embora. É claro que dá! O que eu estou fazendo? Se eu estou fazendo, e é assim, todo mundo é, e você joga tudo numa vala comum... Este, sim, é um risco: a generalização.
Então, o extraordinário é o que acontece num evento de uma criança desmaiar de fome numa escola ou de um aluno com uma arma atingir outro colega. Isso é extraordinário. O normal é que a escola conviva num ambiente de paz. Acho também que esse elemento de que o Prof. Hugo falou, do ambiente, de mais alegria, mais convivência social, mais música, mais esporte para essa meninada do que ficar presa nesse negócio aqui. Você vai a um restaurante hoje, em qualquer nível, não é só na periferia, em qualquer nível, de cima a baixo, médio, onde for, está todo mundo na mesa, cada um com seu celular: pai, mãe, filho, parentes, amigos, ou entre amigos, jovens e adolescentes. Estão com isso aqui se comunicando. Com quem? Ninguém conversa, ninguém fala.
Então, eu acho que a sociedade está um pouco doente... Bastante doente, a nossa sociedade brasileira. Não sei se excessivamente consumista, mas ela está precisando ser tratada também, sobretudo as famílias, que mandam os filhos para as escolas. E aí o professor, além da responsabilidade de fornecer o conhecimento, o saber, tem que educar a criança, quando ela já devia ter vindo de casa educada. Então, não estamos pensando nisso.
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E sugeri, com o episódio que aconteceu, com o suicídio dessa menina, dessa adolescente, a avó da menina, que cuidava dela, estar presente nesta audiência.
Obrigada, Presidente.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senadora.
Podemos dar a palavra à senhora, que é a avó da criança, por cinco minutos, se quiser se manifestar.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Pois não. Entendo perfeitamente.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Entendo perfeitamente. Obrigada.
Vamos, então, dar cinco minutos para cada expositor. Vamos começar pela Srª Isabella e seguir a ordem que tivermos. Aliás, deixem-me perguntar: aqui, geralmente, se dão cinco minutos ou três, e cada um responde. Eu gosto muito da interação. Então, se nós pudéssemos... Eu começo com a Srª Isabella, mas quem quiser entrar também entra. Então, nós temos ainda meia hora de debate. Por favor, sintam-se livres para interromper, e aí nós podemos fazer uma conversa que talvez possa ser interessante.
Então, vamos assim.
O SR. DALIRIO BEBER (Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Senadora Marta...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Pois não.
O SR. DALIRIO BEBER (Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Eu tenho a Comissão de Meio Ambiente...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Ah, V. Exª gostaria da sua resposta...
O SR. DALIRIO BEBER (Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Não, não... Não há necessidade. Eu só vou pedir para me retirar, mas não é nenhuma desconsideração a todos vocês que estiveram aqui hoje conosco.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Está certo. Mas eu esqueci que nós tínhamos perguntas, inclusive eu. Então, não vai dar certo. É porque eu gosto muito mais quando troca.
Tudo bem, vou ter que voltar ao método de sempre: vamos dar cinco para cada um. Mas se sintam livres para interagir, mesmo que a gente acabe um pouquinho mais tarde.
Vamos dar cinco minutos para a Isabella; depois, vamos seguir a ordem dos cinco. E vamos tentar ter a liberdade de interação também.
A SRª ISABELLA BANA - Considerando os apontamentos dos Senadores, inicialmente, sobre os principais motivos, o que leva a esse índice, a esse aumento na prática do bullying. Como a Drª Angela expôs, é claro que isso não está só associado efetivamente à escola. Nós não estamos culpando a escola pela prática do bullying. É claro que isso tem a ver com a questão da família, como a Senadora Ana Amélia expôs. Também está associado à questão da família, mas isso nós não deixamos de tratar, porque se trata de uma responsabilidade compartilhada. E a própria Constituição nos traz uma gestão democrática, em que devem atuar tanto o Estado, como a sociedade e a própria família.
Mas, em termos de motivos, a meu ver, eu atribuo na verdade essa existência exacerbada em pontos, em consequências drásticas, como é o que vem acontecendo atualmente - não é um assunto atual, mas cada vez mais visível e cada vez mais preocupante - da falta de implementação do programa. E não só a implementação de um programa que combata, que previna a intimidação sistemática, mas que execute e mantenha esse programa. Porque a lei fala em instituir, e a escola, em sua grande maioria, não instituiu, até porque algumas desconhecem a própria legislação e de que forma tratar esse problema, esse fenômeno. E não só na sua instituição, na sua implementação, mas de que forma ela pode executar e manter o programa. É claro que na manutenção é que vêm as intervenções, as mediações, quando há a prática do bullying. Então, nós não devemos esperar a prática do bullying.
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Sobre a questão da Senadora Marta, especificamente. Ela pergunta de que forma, então, nós devemos agir, já que temos uma legislação que é ineficaz, é ineficiente. Como nós podemos atuar nesse campo? Eu entendo que é com uma medida administrativa, havendo uma fiscalização, e que haja uma punição, não no campo da responsabilidade civil, porque a própria lei não traz a responsabilidade civil das escolas, em que os pais devem agir, pleitear ações indenizatórias em razão dessa reparação civil, mas na esfera administrativa. Que haja uma sanção às instituições pela não implementação do programa, pela não manutenção e execução do programa; e do próprio Estado, pela falta de relatórios. Os Municípios não emitem os relatórios que a própria lei torna obrigatórios, os relatórios com índices de prática de bullying.
A respeito, de um modo bem resumido, de tudo isso, como o Prof. Hugo expôs muito bem, há até a questão do bullying homofóbico, em que a vítima, além de não poder contar com a exposição do que está se passando, não pode falar desse motivo, o que a levou a sofrer o bullying, que é por se tratar de uma expressão do seu direito fundamental à sexualidade.
Este ano nós tivemos a aprovação da Base Nacional Comum Curricular, em que expressões ligadas à sexualidade foram extintas. Então, nós vemos uma contradição entre aquilo que se quer garantir, que é o direito fundamental à educação, e aquilo que se quer promover, uma sociedade justa e democrática; e nós estamos tratando de bullying e de como combatê-lo, mas o próprio Ministério da Educação...
(Soa a campainha.)
A SRª ISABELLA BANA - ... não está efetivamente cumprindo seu papel.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Concordo plenamente.
Agora, a palavra é da Drª Angela.
A SRª ANGELA UCHÔA BRANCO - Bem, mais uma vez eu concordo com tudo que a Isabella colocou.
E quero mais uma vez lembrar, também, que esse fenômeno do bullying é um fenômeno multidimensional. Então, ele é multinível. Nós temos que pensar em todos os níveis que precisam ser trabalhados. Eu acho que, nessas questões que foram colocadas, estão embutidos procedimentos e possíveis respostas a essas questões em diferentes níveis.
Eu gostaria, em primeiro lugar, porque eu acho que é o mais importante - a gente poderia falar aqui muito tempo sobre esse tema, porque, como eu falei, ele é multidimensional, há muito que ser tratado -, de falar sobre a questão de implementação de programas e projetos. Eu acho isso fundamental, concordo plenamente. Agora, eu me assusto um pouco, porque a nossa experiência de fazer pesquisa e investigação no contexto das escolas tem demonstrado que muitas vezes as escolas procuram implementar um programa, um projeto, mas de uma maneira tão formal, tão formal, que não chega aonde deveria chegar; não trata da questão e não altera em muito aquilo que a escola já faz no seu dia a dia - ou seja, nada - em relação a essa preocupação, de um planejamento e uma responsabilidade com relação à socialização, ao desenvolvimento emocional, enfim, dos seus alunos.
E aí há alguns mitos, outra vez, que eu gostaria de tratar. Um deles é que só a família educa. Isso não é verdade. A família educa e também a escola, e também todas as interações que esse sujeito em desenvolvimento vai ter ao longo da sua vida. Nós todos somos responsáveis pela educação dos outros. Obviamente, os nossos pais em primeiro lugar, os responsáveis; em segundo lugar, esses professores. Mas é inadmissível que um professor diga que o menino tem que vir educado de casa. Não! O menino está sendo educado sempre, até morrer nós estamos nos desenvolvendo, estamos sendo educados, uns pelos outros. Então, a escola tem também de assumir a responsabilidade pela educação dessas crianças.
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Por que eu falo isso? Porque as escolas muitas vezes se colocam, está lá nos documentos oficiais, a questão de "vamos formar cidadãos; vamos formar sujeitos autônomos, responsáveis". Há uma série de coisas que formam um discurso muito bonito, mas, quando se trata do vamos ver, a escola está preocupada com os índices da Matemática, do Português, da Geografia, se passou na tal prova, se entrou no vestibular, enfim. Então, os critérios de avaliação da educação são muito restritos à questão da cognição do sujeito.
Ora, esses casos de bullying não estão diretamente vinculados à questão da cognição e desenvolvimento intelectual do sujeito, não; têm a ver com a questão da emoção e da socialização, de como ele enxerga os outros, se ele aceita a diversidade de fato, se ele realmente é um sujeito democrático, se ele está cultivando e está conseguindo desenvolver uma visão pró-social, a favor do outro - vamos trabalhar em cooperação, em colaboração. E para isso pouco a escola se volta no sentido de planejar. A escola não planeja isso. Ela acha lindo que o aluno seja cooperativo, mas, ao mesmo tempo, quando o aluno chega e quer ajudar o outro, diz: "Fica sozinho, faça o seu dever, você não tem nada que se meter no dever do seu colega." É isso que a gente ouve nas escolas sempre, diariamente.
Então, o investimento das escolas continua sendo na individualização excessiva, no individualismo, digamos assim, e na competição: "Quem fez mais bonito levanta o braço"; "Vamos ver o fulaninho"; "Façam como o fulaninho". Os meninos ficam até preocupados: "Gente, eu não quero receber prêmio porque aí eu vou sofrer bullying, meus colegas vão ficar com raiva de mim, porque toda hora é o queridinho da professora". Não dá! Enfim, a escola não se responsabiliza e não leva a sério o seu planejamento com relação à questão do social e do emocional. Ela apenas vê os índices em termos de resultado de prova, de teste de conhecimentos. E eu acho que está na hora de a gente realmente assumir a coisa do desenvolvimento do cidadão. A escola precisa fazer isso. Nós precisamos assumir que isso não é só feito na família.
E por que a gente fala tanto da escola e fala, talvez, menos da família, como a Senadora colocou? Eu acho que é porque a gente vê que a escola pode ser um ponto de partida importante, inclusive para atingir a família. Não é que a escola sozinha vá fazer tudo isso que a gente está propondo. A escola tem que encontrar formas de construir pontes para trazer a família para junto colaborar nesses processos...
(Soa a campainha.)
A SRª ANGELA UCHÔA BRANCO - ... de socialização da criança. Então, esse é um ponto fundamental. Vamos ver a natureza dos programas e projetos para que eles não fiquem apenas no discurso, nas aulas expositivas, mas que mude a dinâmica das atividades, para que as atividades sejam cooperativas e não só individuais e competitivas.
Por fim, eu queria reforçar a ideia da equipe com um psicólogo escolar realmente atuando, e aproveitar esse espaço da coordenação, que foi mencionado aqui pelo professor, como um espaço para que os professores discutam casos concretos, e não apenas fiquem lá fazendo individualmente seus planejamentos de aula. Que eles discutam com os colegas e possam encontrar estratégias para resolução de conflitos e resolução de casos de bullying, enfim, que seja feito um trabalho cooperativo entre os próprios professores, que muitas vezes são... "Ah, porque eles são autônomos; o professor deve fazer da própria cabeça." Não é bem assim que se passa a questão da autonomia. Autonomia e cooperação não são incompatíveis. Vamos promover os dois, e a gente acaba podendo chegar lá.
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A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Senadora Marta, pela ordem.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Pois não.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Pela ordem.) - Como a Profª Angela falou dessa questão que eu abordei, da educação, eu vou dar um exemplo concreto.
Drª Angela, o que a senhora acha - e aí a senhora faz uma autocrítica também dos professores, tenho que reconhecer - de quando um aluno agride um professor, e o pai vai lá e apoia o seu filho?
A SRª ANGELA UCHÔA BRANCO - Uma coisa horrorosa! É uma coisa horrorosa.
Uma das coisas que a gente insiste muito na Psicologia é que você tem que dar o exemplo. Como é que eu vou dar o exemplo para o meu filho ser uma pessoa de bem, que saiba considerar os outros, respeitar os outros, se eu, como adulto, como responsável por essa criança, não sou capaz de fazer isso nem com o professor do meu filho? Isso é muito grave.
Quando a senhora falou da questão de a sociedade estar doente, é aquilo que a gente estava dizendo anteriormente: a nossa cultura estaria doente por conta desse excesso de hostilidade, esse excesso de violência que existe nas relações.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Se me permite, eu vou entrar também na conversa, porque eu acho o tema muito bom.
Esse exemplo é perfeito, Senadora Ana Amélia. Nessa família nós não vamos ter muita condição de intervenção. A esperança desse menino é exatamente a escola. Na hora em que esse menino for agregado num grupo de reflexão sobre o que é bullying, o que é a questão de gênero - homem e mulher, desigualdade entre homem e mulher, porque essa criança deve ver a mãe apanhar o tempo inteiro, o pai chegar sei lá de que jeito -, então, quando se começar a discutir isso na escola é que nós teremos a chance de transformar a sociedade. E é por isso que é um acinte tirar a questão de gênero, porque acham que sei lá o quê vai acontecer. Vai acontecer é que nós vamos discutir exatamente o que não querem - uma sociedade patriarcal - discutir, que é a relação homem-mulher e o lugar que a mulher aos poucos vem assumindo na sociedade. Porque não tem volta.
A gente vai um pouco, vai para a frente, vai para trás, vai para a frente, vai para trás, mas a senhora, que também é uma mulher que lutou muito para chegar onde está hoje, e é uma Senadora brilhante, sabe que nós estamos chegando. Agora, isso está provocando uma contraofensiva, que misturam com religião e com milhares de outras coisas que não têm a ver, na minha avaliação. É isso.
Desculpe, de novo. É essa a consideração.
A SRª ISABELLA BANA - Só a título de intervenção, com relação à questão de gênero - já que o livro que eu publiquei no meu mestrado é relativo à questão da homofobia, do bullying homofóbico - e tratando mais uma vez da responsabilidade civil das escolas, na verdade a educação, toda a base curricular, a nossa base curricular está voltada a valores que afirmam, que ratificam o machismo, como a Senadora expôs, e o gênero feminino em situação, em patamar de inferioridade. E não só relativo ao gênero; à questão da orientação afetivo-sexual, à questão da comunidade LGBT e ao machismo, e a esse binarismo. As práticas pedagógicas são todas binárias. Nós tratamos, na própria Educação Física, esportes masculinos, como o futebol, condicionados à questão do rosa e do azul... Não que isso tenha que ser totalmente desconstruído. Ninguém está exigindo que isso seja feito, mas nós precisamos construir uma sociedade mais livre, então, com valores mais livres.
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É, mas a questão é que a desinformação - e, por isso, essa onda fundamentalista - é que, se você colocar nas escolas que meninas possam praticar futebol ou meninos possam fazer sei lá que outro esporte, você vai estar criando, entre aspas, "homossexuais". É uma desinformação, uma ignorância, mas existe. E por isso é que está havendo essa briga toda.
Na verdade, eu acho que usam isso, porque uma parte da população acredita que isso possa ocorrer, que alguém possa virar homossexual, chegar à quarta-feira e dizer: "Vou virar homossexual". Isso não existe, mas tentam impingir isso. Agora, na verdade, repito, não é isso; trata-se de uma mudança que nós estamos vivendo, como nunca vivemos no mundo, da relação homem e mulher. Essa reação patriarcal é que está fazendo essa mudança. Nós temos agora...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Pois não.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Na verdade, eu só queria comentar a partir do tema porque posso refletir e contribuir.
Eu não acho que exista escola sem família. Para mim, essas duas instituições estão completamente inter-relacionadas. Todas as vezes em que, na história da educação no Brasil, desde 1549, a gente tentou fazer uma escola como se ela fosse purista, neutra, a gente não conseguiu alcançar exatamente a família. No entanto, existem responsabilidades que são específicas da escola e existem responsabilidades que são específicas da família. Nós temos duas instituições sociais que precisam ser olhadas com muito cuidado. Não podemos absolutamente confundi-las, mas elas precisam estar em interação constante.
Nesse movimento, Senadora Ana Amélia - eu acho que a sua pergunta é muito pertinente -, as minhas pesquisas têm apontado que, todas as vezes em que eu detecto bullying, também detecto algum problema familial, mas aí eu acho que a Senadora Marta tem razão de que o Estado, na intervenção com a família, tem um movimento; e, o Estado, na intervenção com a escola, tem outro movimento. E esse outro movimento precisa ficar claro.
Um desses movimentos que precisa ficar claro é essa onda equivocada de que você pode ter uma escola neutra. Não existe escola neutra. Toda escola é tomada de pensamento; toda escola é tomada de conflito, é tomada de ideias, é tomada de diversidade. Todas as vezes em que a gente tenta fazer uma escola em que a diversidade é excluída, a gente cai nesse equívoco de, por exemplo, achar que orientação sexual é alguma coisa que se aprende; a gente cai no equívoco de achar que, de fato, existe uma superioridade, por exemplo, de gênero. Uma sociedade que acredita que machos são superiores é uma sociedade fomentadora de bullying, é uma sociedade violenta, é uma sociedade perigosa, é uma sociedade, a meu ver, assassina. Então, a gente tem que pensar isso com muita seriedade. O Estado brasileiro precisa acordar para isso, porque, do contrário, a gente vai caminhar para antes de 1549, quer dizer, antes de a Companhia de Jesus chegar ao Brasil.
Precisamos de uma escola que acolha. E uma escola que acolhe todo mundo como todo mundo é, como todo mundo pode ser. E todo mundo não pode ser do jeito que eu gostaria que todo mundo fosse. Então, é preciso que a gente alerte para isso, para a gente não ir num caminho de que a escola não cumpre o seu papel. De fato, ela não cumpre o seu papel. Eu acho que a escola contemporânea precisa ser revisitada, mas ela não cumpre o seu papel porque o projeto societário no qual ela está incluída também não esclarece qual é o seu papel.
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E aí eu acho que a gente tem que alertar para uma coisa. Eu falo como professor. Os professores também são vítimas. As professoras também são vítimas. Então, para mim, não é uma questão de culpabilizar nem de criminalizar; para mim, é uma questão de acolhimento. E, para acolhimento, é preciso que haja diálogo. Agora isso efetivamente não nega que as famílias estão adoecidas, mas elas estão adoecidas por questões multidimensionais, multirreferenciais, e o Estado brasileiro também precisa acordar sobre isso. Então, acho que a família precisa ser cuidada e a escola também precisa ser cuidada. E ela precisa ser cuidada, no meu entendimento, nessa perspectiva da amorosidade, na perspectiva da compreensão, da não comparação.
Eu acho que a gente ratifica o que todo mundo disse. Na minha compreensão - vou aproveitar essa oportunidade para dizer -, é um equívoco a gente tentar querer uma escola conteudista. Ela não deu certo. Isso não quer dizer que não haja uma escola de conteúdo, mas uma escola conteudista, positivista não funcionou neste continente e não funciona em continente nenhum.
(Soa a campainha.)
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Senadora Marta, não é essa a minha afirmação aqui.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Eu só quis esclarecer esse ponto da escola.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - A minha posição não é essa, absolutamente!
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Sim, eu entendo.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - É uma absoluta integração entre família e escola. É diferente.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Ficou claro, Senadora.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Eu não sou uma pessoa, como é que se diz, desfocada e desatualizada desses conceitos. Eu entendo a interação. Agora você tem que ter também a compreensão de que, se você está num ambiente familiar complicado e hostil, você vai para uma escola levando toda essa sua, digamos, carga emocional, que é a da violência, que vai levar e vai contaminar o outro ambiente. É isso.
Agora a escola ligada com a família é a coisa mais fundamental que existe. Eu lembro muito - agora não sei como funciona - as associações de pais e mestres. O que era aquilo? Era exatamente esse permanente falar. Os pais vão à escola hoje com a frequência que iam no passado? Não. Não vão porque estão ocupados para ir ao shopping, a mãe quer ir ao shopping e não sei o que, e esquecem-se de ir lá ver como está o filho, como está se comportando, de ajudar, dar contribuição, melhorar, ver se a escola está limpa, está arrumada, essas coisas.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada.
Dou a palavra à Srª Tania Paris e depois ao senhor.
A SRª TANIA PARIS - Eu queria aproveitar, em continuação ao que o Hugo colocou e ao que a própria Senadora mencionou agora, e dizer que acho que nós pusemos o foco na escola, que é o local onde a diversidade aparece com mais ênfase.
Eu queria introduzir o termo padrão de comportamento. Eu acho que a senhora está colocando exatamente o aspecto de que a criança está convivendo com adultos que têm um determinado padrão de comportamento e tende a absorvê-lo de forma completamente natural. A criança chega à escola com o comportamento do pai ou da mãe. Ele é resultado de preconceitos, ele é resultado de vivência e ele é resultado da falta de recursos internos para dar rumo à própria vida.
Então, eu acho que a discussão que a gente está tendo aqui é por onde começa. A família já está com comportamento, com padrão de comportamento consolidado, e crianças pequenas ainda estão maleáveis para serem educadas para comportamentos positivos, para comportamentos eficazes. O pai que espanca o filho num momento de raiva ou de algo inconsequente está tendo um padrão de comportamento que não é eficaz. Então, o que eu acho que a gente precisa é promover o aumento dos recursos das crianças para que elas transformem a sociedade.
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Eu queria dar um exemplo muito simples: nós tivemos um caso de uma mãe que estava discutindo com uma adolescente, e a discussão estava escalando: simplesmente uma gritava com a outra, e a outra gritava de volta. E, de repente, o menino, que estava no processo de educação emocional, levantou a mãozinha - como ele aprendeu que a gente pede para falar - e aí ele disse: "Vocês sabiam que existem outras formas de resolver isso?". E nós soubemos disso porque o pai foi à escola dizendo: "Eu também quero aprender!". Na verdade, nós estamos dizendo que existem muitas formas de resolver problema, e que essa forma impulsiva, que é natural, vem do nosso instinto de sobrevivência, não precisa ser escolada, e ela campeia solta.
Eu queria só fazer mais um aparte, que é sobre essa questão de se a gente combate o bullying de fora para dentro ou de dentro para fora. Quando a gente faz de fora para dentro, passa pela detecção, e detectar o bullying, muitas vezes, é complicado. A gente tem uma experiência de 14 anos com aulas em que a gente aborda esse assunto, e 80% dos professores dizem: "Na minha classe não existe". Não existe porque ele não vê, não existe porque está embaixo da linha de visibilidade dele. E, depois que entra exatamente esse ambiente amoroso em que a questão pode ser discutida sem estar sendo punida, mas, sim, para a resolução, eles retornam e falam: "Acabei de descobrir que havia". Então, quando a gente vai só para contexto de responsabilizar a escola, a gente passa pela problemática da detecção. Ao contrário, quando a gente reforça os indivíduos para que eles criem seus espaços de convívio saudável, as testemunhas, que têm um papel tão relevante, não conseguem ficar caladas nessa hora; elas se manifestam dizendo: "E o outro? Isso não é agradável. Isso não é bom".
Eu queria terminar a minha fala registrando uma experiência muito forte que a gente teve no ano passado. A gente implementou um programa para adolescentes chamado "Passaporte: habilidades para a vida", e nele os jovens são estimulados a encontrar muitas alternativas para resolver problemas - muitas, infinitas. Quanto mais... É mais eletrizante encontrar muitas. E, numa vivência com bullying, eles já haviam encontrado 14 alternativas no papel de testemunha sobre o que poderiam fazer. Só que, quando eles encontraram 14, eles descobriram...
(Soa a campainha.)
A SRª TANIA PARIS - ... que, no jogo que eles estavam fazendo, eles precisavam de mais uma, eles queriam mais uma. E, de dentro para fora, da discussão entre eles, eles chegaram à conclusão de que eles queriam buscar ajuda para o agressor, porque ele só pode estar fazendo isso porque está com algum problema. E, quando é o jovem que tem essa convicção - e nós não estamos falando isso para ele, mas despertando a análise do problema -, a detecção não passa a ser problema, porque, exatamente, quando ninguém está vendo, eles estão sentindo e estão tomando posição.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Olha, o seu exemplo está tão bom para este final de audiência - nós vamos dar a palavra para quem não se manifestou ainda. Porque eu acho que começou quando a Drª Angela citou que essas aulas de "bom comportamento" - entre aspas - ou de cidadania não adiantam de coisa nenhuma - também concordo. E aí esses casos mostram, por exemplo, a questão da negociação. O que vai ajudar a criança a exatamente ter uma aula em que se vivencia uma negociação? Por exemplo, se o professor quer usar o pátio numa hora em que a diretoria não quer: vamos discutir, vamos negociar diretoria e alunos.
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Ou essa outra questão que a senhora colocou que é maravilhosa...
A SRª TANIA PARIS - Vamos fazer simulação e vamos ver como é que eu me percebo, como é que eu falo aquilo que é tão difícil de falar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É isso.
Agora, a outra questão que sobra é a seguinte - e eu acho que aqui todo mundo concordou com as suas palavras -: como é que nós vamos fazer um curso de formação que leve o professor a ter essa formação? Para que ele saiba lidar com esses instrumentos e perceba que é por aí o caminho de poder criar o clima, como foi colocado aqui, emocionalmente seguro; que é o respeito, que é básico, não é?
A SRª TANIA PARIS - O programa completo pressupõe uma formação em que o próprio exercício de aplicar as aulas para as crianças leva o professor a adotar essa postura.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É exatamente isso. É muito semelhante ao que a gente fez, que é a vivência do professor, para ele poder depois aplicar.
E eu até gostaria, depois, se a senhora pudesse me enviar...
A SRª TANIA PARIS - Com certeza.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Talvez a gente leve isso ao MEC e dê uma luz lá no programa de formação. (Risos.)
Dou a palavra ao Prof. Willian.
O SR. WILLIAN PETELINCAR PEDRO - É bem rapidinho, Senadora. É só para elucidar aqui com alguns exemplos também.
Claro que todos sabem, mas vale a pena dizer, que a escola não está isenta da sociedade. Então, eu não vou para a escola apenas para aprender Matemática, Química, Física - aprendo e volto para casa. A escola faz parte de um cenário também social onde acontece a convivência, e, portanto, essa educação emocional e o saber conviver também se fazem necessários.
Concordando com a Drª Angela, não se trata de uma questão burocrática, de cumprir um plano, um planejamento de "vamos criar um projeto do bullying, e agora todos devem fazer assim, todos não devem ser agressores". Isso nunca daria certo por uma questão de que talvez até reforçaria no sentido pejorativo: os alunos iam ridicularizar, iam na verdade tomar isso de uma maneira pejorativa, fazendo acontecer o bullying por causa justamente do projeto. Então, eu acredito, até concordando também com a Tania, que é para ser algo naturalizado. A questão do respeito, a questão da cooperação, a questão de promover tudo isso, como a doutora falou, deve ser natural; deve-se criar estratégias para que isso seja natural.
E só uma questão sobre a família. A gente não pode esquecer também que não é só uma questão familiar da carência da presença dos pais ou da carência de uma questão afetiva, que talvez não exista em casa, mas o excesso também de zelo e de superproteção atrapalha nessa autonomia do aluno, fazendo com que ele não se desenvolva nesse sentido. Isso é só para contribuir nesse sentido.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Professor...
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Senadora...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu ia dar a palavra ao Fernando, mas...
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - É que eu não respondi uma questão da Senadora Ana Amélia em relação à presença das crianças, e eu só queria concluir.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Em relação a quê?
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - À presença das crianças. Eu falei sobre a presença e a ausência.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Ah, pois não. Sim.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Senadora, eu coordenei a primeira especialização em direitos da criança e do adolescente no Brasil. Ela aconteceu na Universidade Federal Rural de Pernambuco. E nós, nessa coordenação, formamos 42 conselheiros tutelares e conselheiros de direito. Então, eu compreendo o que a senhora disse em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas eu só queria esclarecer que, quando eu falo da ausência das crianças e dos adolescentes aqui, eu quero dizer que nós temos uma sociedade adultocêntrica, e essa sociedade adultocêntrica costuma negar voz à criança. E talvez seja isso o que aconteça na família. Eu tenho detectado nas minhas pesquisas que as famílias não escutam as crianças, as famílias não escutam os adolescentes. Uma pesquisa que eu fiz com mil adolescentes me deixou claro que os adolescentes, na contemporaneidade, ocupam os quartos, vivem dentro dos quartos, ligados a... Por isso, eu estou escrevendo um livro cujo título é Geração do Quarto. Eu acho que as famílias precisam atentar para isso. Os pais e as mães, por n razões, ficaram sem presença nas casas.
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Babá eletrônica.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Exatamente. É preciso também entender que houve uma reconfiguração das famílias, e nós não podemos pregar uma espécie de família única, porque ela não existe. É outra falácia. A família é múltipla, é diversa. Se nós não a compreendermos assim, também vamos negá-la. E, enquanto estivermos negando a realidade, vamos projetar coisas que só nos levaram à violência.
Então, eu só queria alertar sobre isto e ratificar: uma sociedade adultocêntrica costuma negar o direito da voz da infância. E todos nós aqui temos infância, o que eu chamo de infância ferida. E ela geralmente se manifesta na hora do bullying. Por isso que também pode acontecer bullying nesse espaço.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - E pedofilia no quarto, no computador.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Boa observação.
Agora o Prof. Fernando, que é da escola aqui da Ceilândia.
O SR. FERNANDO TIAGO DE SOUSA SANTOS - Isso, Escola Classe 45.
Eu queria dizer, para concluir minha fala, Senadora, que a educação é um direito de todo cidadão, um dever do Estado e da família. Nós, lá na Escola Classe 45, servidores públicos concursados, estamos nos sentindo atingidos com as propagandas que estão sendo veiculadas na televisão, quando dizem que nós somos o problema do País hoje. Eu fico muito triste por isso, porque a gente trabalha muito, diariamente, para combater todas essas questões e essas mazelas do nosso País.
Fico entristecido também quando vocês aqui aprovam leis que diminuem o dinheiro para a educação. Como se faz educação sem dinheiro? Não é possível a gente marchar, nesses próximos 20 anos, com a falta de tudo nas escolas públicas. A organização do espaço escolar é fundamental para que a gente consiga combater essas mazelas.
Eu escrevi algo aqui e queria até ler, porque acho que contempla o que eu penso.
Agradeço à Senadora Marta a oportunidade que nos foi dada de participar desta audiência pública. Em nome da nossa comunidade, da Escola Classe 45 de Ceilândia, reitero nosso compromisso, o nosso sonho de trabalhar incessantemente para mudar o mundo a partir da escola. Cada pequeno passo que damos diariamente nesse sentido significa uma grande vitória para todos nós, para toda a nossa sociedade. Todo dia grandes exemplos nos asseguram que esse é o caminho. Veja o caso daquela paquistanesa, a Malala. Ela foi capaz, no seu sonho, de arrastar um monte de gente para o seu pensamento. Quantos heróis anônimos mundo afora enfrentam a violência apenas munidos de sonhos e generosidade?
Meus queridos, minhas queridas, a não violência foi capaz de fazer revolução. Imaginem vocês como seria o Brasil de hoje se o sonho dos Sete Povos das Missões, lá no Brasil colonial, tivesse tido um final feliz. Imaginem como seria o Rio de Janeiro hoje se o lema "Brizola faz escola" tivesse tido prosseguimento e os morros cariocas tivessem sido invadidos por escolas.
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Para finalizar, evoco uma imagem fotográfica muito famosa. Enquanto fugia de um bombardeio na guerra da Coreia, uma criança pequena carregava uma outra nas costas. O fotógrafo, perplexo, então perguntou: "Não é pesado?" E a criança respondeu: "Não é pesado, não. Esse é meu irmão."
Então, eu agradeço a participação nesta audiência.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, professor.
E, agora, para finalizar, a palavra está com a Drª Angela.
A SRª ANGELA UCHÔA BRANCO - Eu pedi a palavra aqui só para dizer uma frase que, para mim, é bastante importante. Eu acho que todos nós, hoje, aqui presentes, comungamos de um valor fundamental, que é a questão da democracia. É uma palavra muito gasta, etc., etc., mas a democracia exige que nós tenhamos uma postura de aceitação e quase que de celebração da diversidade humana.
Então, eu acho que toda a nossa discussão hoje foi, mais ou menos, neste sentido: vamos promover o diálogo entre essa diversidade; vamos construir pontes; vamos cooperar; vamos aceitar uns aos outros como nós somos, como falou o professor. Eu acho que nós não podemos nunca esquecer essa dimensão de que a democracia não é uma coisa etérea, um estado; a democracia é uma coisa que se constrói, um processo durante o tempo.
Então, se nós queremos trabalhar nessa direção e construir uma sociedade democrática, nós precisamos, realmente, transformar as nossas escolas em ambiente de aceitação e não só de tolerância, mas de aceitação e celebração, respeito profundo à diversidade.
Era isso que eu queria falar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Bem, não podia ter terminado a nossa fala aqui de uma forma mais bonita.
Eu gostaria de dizer que achei interessante ter sido levantada por vários aqui a questão do agressor, porque sempre nos esquecemos do agressor. E, nesta audiência, nós colocamos também um foco de como ele pode ser ajudado, e deve ser, porque ele também é igualzinho, em termos de problemas, ao outro. O que está sendo vitimizado tem, às vezes, consequências mais graves, mas a consequência grave já está no agressor. Ele já tem uma consequência grave de história para fazer o que está fazendo. Então, foi muito interessante deixar essa clareza.
Eu estava perguntando se a gente podia ter algum encaminhamento. Eu achei que deu para termos alguns encaminhamentos. Primeiro, ficou evidente que nós todos aqui temos um consenso de que a formação de professor é o principal; sem isso, nós não criamos o ambiente emocional necessário para que a criança possa ter - eu adorei essa palavra - uma aceitação. Não é tolerância, é aceitação e respeito. É muito diferente. E aceitação, também já dizendo para os opositores aqui, na Casa, não quer dizer que eu quero ser igual; quer dizer que eu respeito que você não seja igual. É isso que significa.
Então, chegamos à conclusão de que é na formação que nós temos de fazer intervenção. E temos de ver uma forma de interferir, conversar com o MEC, para saber como é que nós podemos ter essa possibilidade, a partir do que está ficando claro nas mudanças que estamos vivendo, nessas últimas décadas, de que a formação do nosso professor está muito aquém do necessário.
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E, depois, a outra questão que eu achei - acho que foi a Procuradora Isabella que deu a sugestão - interessante: nós podemos fazer algum tipo de relatório. É preciso ver se podemos fazer lei ou não, ou como é, mas tem de haver um relatório. Porque, por exemplo, vai haver um censo agora obrigatório sobre feminicídio. É a própria PGR, a Procuradora-Geral Raquel Dodge, que está encabeçando isso. E isso vai ser muito importante para que nós possamos ter clareza do número de mulheres que são mortas porque são mulheres; se fossem homens, não seriam assassinadas. E eu acho que, para a gente ter a dimensão do problema do bullying e de que tipos que ocorrem, tudo, seria muito importante a gente ter alguma coisa nessa direção. Agora estou tendo a ideia de que talvez a própria procuradoria poderia fazer isso.
A SRª ISABELLA BANA - Inclusive, até com relação a essa emissão de relatórios, a própria lei, a legislação do bullying, já obriga tanto o Estado quanto o Município à emissão...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - E chegamos ao mesmo problema: obriga, mas não cumprem.
A SRª ISABELLA BANA - Porém, não se tem qual é o órgão competente a emiti-lo: se é a secretaria municipal que ficará responsável, se é a secretaria estadual, se são as procuradorias que ficarão responsáveis pela emissão e de que forma será feita a divulgação, porque até então...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É verdade.
A SRª TANIA PARIS - Mas lembrando que o relatório só vai acusar os casos detectados, que geralmente não são muito mais do que 20% dos existentes.
A SRª ISABELLA BANA - Sim.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Só o meu aparte, desculpe-me.
O próprio feminicídio deve estar muito aquém do que realmente ocorre. Mas é assim que começa. O que é que nós vamos fazer? O que está dando é para ver a dimensão do problema que nós estamos vivendo, de quanto a gente ignora sobre o problema, porque nós pegamos seis pessoas distintas, sete, e mais alguns que estão nos assistindo e vamos aqui... Todo mundo sabe de alguma questão de bullying. Então, não é tão incomum, não; é muito próximo e muito terrível.
Está tão bom que ninguém quer parar. Eu já entendi. Mas vamos fazer a...
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Senadora, em relação ao relatório, a 13.185, como a Isabella colocou, de fato já orienta nesse sentido. Mas eu só queria alertar para uma questão que eu acho fundamental: uma coisa é orientar a escola, e a escola atuar de forma assertiva no combate ao bullying; outra coisa é culpabilizar a escola. Eu acho que a escola brasileira não precisa mais de culpa, a escola brasileira precisa de cuidado, senão nós vamos cair em um caminho de que eu tenho tido muito receio atualmente, que é o caminho de culpabilizar a escola e de torná-la um equívoco. Isso já aconteceu em 60 e em 70, quando tentaram desescolarizar a Europa, por exemplo. Então, cuidado para a gente não incorrer nesse erro. Acho que a escola precisa de cuidado, e o cuidado implica dizer: como é que nós... Aí entra formação docente, entra...
Uma sugestão que eu queria dar e que eu tenho visto funcionar em alguns países é que as escolas precisam criar núcleos, núcleos do cuidado. Esses núcleos do cuidado têm abordagem uma transdisciplinar. Um fenômeno como bullying é tão complexo, no sentido de ser tão cheio de variáveis, que, se você tratar, por exemplo, só no campo da terapêutica psicológica, você não consegue dar conta; se você tratar só no campo pedagógico, você não consegue dar conta; no campo do currículo, você não consegue; das variáveis que constituem uma escola. Você tem que trabalhar isso no núcleo. E aí esse núcleo - eu queria só ratificar - envolve a família.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Daí porque é importante esse projeto, o PLC 76, de 2011, porque ele fala exatamente desse tal núcleo. É o núcleo para o qual é preciso achar um momento na escola, que pode ser essa coordenação psicológica, esse momento juntos, em que vai haver o psicólogo, vai haver o professor que se poderia chamar até de professor radar, que é o que fica...
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O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - A participação...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Ele não dá aula, ele é o radar dos problemas.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Eu tenho percebido que, quando nós incluímos as crianças e os adolescentes... Porque eles detectam muito. Às vezes, os adultos não percebem, mas as crianças e os adolescentes percebem.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É verdade.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Então, a gente precisa - uma palavra que é usada comumente - empoderar essas crianças e esses adolescentes dentro das escolas, ou seja, ouvi-los também.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É o que foi colocado pela Tania.
O SR. HUGO MONTEIRO FERREIRA - Senão, a gente não vai conseguir. Não adianta fechar nos adultos.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Então, você vai ser o último, porque senão nós vamos ficar aqui a tarde inteira, porque cada um aqui podia dar uma aula sobre o assunto. Então, desculpe.
Faça a sua consideração final...
O SR. FERNANDO TIAGO DE SOUSA SANTOS - A minha consideração foi que a senhora achou muito interessante o fato de nós termos 15 horas para coordenação na nossa rede. Isso custa muito caro. O governo local tem o desejo enorme de acabar com isso. Então, foi uma luta enorme para que a gente permanecesse com a coordenação. É nesse espaço que se é capaz, na escola, de detectar todas essas questões, porque existem coordenações individuais e coletivas. Então, a gente partilha, semanalmente, diariamente, essas questões na escola.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Sim, mas eu acho que, no final, fechamos que as crianças têm que ser ouvidas também. Foi um belíssimo aporte que veio de Pernambuco. É isso mesmo, as crianças têm que ser ouvidas nas escolas. E aí tivemos colaboração nesse sentido também.
Eu agradeço a cada um que se deslocou para vir aqui, que usou a sua manhã para essa discussão, porque para nós foi extremamente útil. Eu acho que foi útil para nós legisladores, para pensarmos possibilidades, mas talvez seja útil também para as pessoas que vão nos assistir, porque isso fica na TV Senado e, depois, é repetido. Isso também deve estar no YouTube da TV Senado. É difícil haver uma discussão em que tantos aspectos foram levantados e em que se chegasse a um consenso de encaminhamento por pessoas de tantas áreas diferentes e com tanta experiência. Então, agradeço a cada um que aqui esteve conosco. Muito obrigada.
Está encerrada a nossa audiência pública. Está encerrada a audiência na Casa hoje.
(Iniciada às 09 horas e 43 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 03 minutos.)