11/12/2017 - 52ª - Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Declaro aberta a 52ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura do Senado da República.
Cumprindo mais uma etapa do Ciclo de Debates denominado "O Brasil e a Ordem Internacional: Estender Pontes ou Erguer Barreiras?", aprovado por esta Comissão pelo Requerimento nº 1, de 2017, hoje realizaremos a nossa última audiência pública desta sessão legislativa.
Trata-se do 18º Painel, intitulado: "Um destino natural - o Brasil e seu entorno estratégico (América do Sul, Atlântico Sul e o Continente Antártico)".
Leitura de Requerimento nº 44, de 2017, assinado por S. Exª o Senador Cristovam Buarque, que requer, nos termos do art. 93, inciso II, do Regimento Interno desta Casa, a realização de audiência pública, no âmbito desta Comissão, para debater a escassez da água e as ameaças à estabilidade da ordem internacional, com a presença dos seguintes convidados: um representante do Ministério da Defesa; um representante do Ministério das Relações Exteriores; um representante do Ministério do Meio Ambiente; um representante do Ministério da Agricultura; um representante do Conselho Mundial da Água no Brasil; o Sr. Oscar de Moraes Cordeiro Netto, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília; o Sr. Henrique Marinho Leite Chaves, do Departamento de Engenharia Florestal da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília.
Assina, como já disse, S. Exª o Senador Cristovam Buarque.
Feita a leitura do requerimento, vai à deliberação na nossa próxima reunião, quinta-feira desta semana.
Comunicados.
Relato do 17º Painel deste ciclo de debates.
O 17º Painel teve como tema: "O Programa Espacial Brasileiro e o Aproveitamento Comercial da Base de Alcântara".
Participaram, como palestrantes, o Tenente-Brigadeiro do Ar Alvani Adão da Silva, o Sr. José Raimundo Braga Coelho e o Dr. Joanisval Brito Gonçalves.
Segundo o Tenente-Brigadeiro do Ar Alvani Adão da Silva, as necessidades de Defesa, ao longo de toda a história da humanidade, sempre foram um fator de impulso para o desenvolvimento tecnológico e econômico. No setor aeronáutico, disse ele, alcançamos um desenvolvimento significativo e temos hoje uma indústria aeronáutica pujante, com a terceira maior empresa aeronáutica do mundo, mas não atingimos o mesmo patamar na área espacial. Talvez não estejamos replicando para o setor espacial o modelo utilizado para o desenvolvimento no setor aeronáutico.
A Embraer, asseverou o Brigadeiro, foi criada com um protótipo, que era o Bandeirante, já voando, e com um contrato da Força Aérea para aquisição de 80 aeronaves, representando para a empresa, do ponto de vista financeiro, uma atividade de risco zero. Todos os saltos tecnológicos dados pela Embraer foram amparados em programas militares, 100% financiados pelo Governo Federal por intermédio da Aeronáutica. Nesse momento, em que a Embraer chega no limiar de talvez ter que competir com as duas grandes Boeing e Airbus, a Força Aérea contratou o desenvolvimento do KC-390 e já assinou um contrato para aquisição de 28 aeronaves.
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Já na criação do CTA (Centro Técnico de Aeronáutica), se pensava nessa perspectiva de termos um programa espacial, afirmou o palestrante. Tanto é que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) foi criado em 1961; e os dois centros de lançamento, o CLBI (Centro de Lançamento da Barreira do Inferno), em 1965, e o CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), em 1983. Mas, com relação ao programa espacial, não replicamos esse modelo de colocar demandas do Governo, e o acidente com o terceiro protótipo do VLS, em 2003, que vitimou 21 técnicos e engenheiros, considerou ele, foi um prejuízo grande para o programa MECB (Missão Espacial Completa Brasileira).
No final de 2015, informou o Brigadeiro, o Comando da Aeronáutica, em conjunto com o Inpe, AEB (Agência Espacial Brasileira) e MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), realizou uma avaliação do programa, que identificou como fator mais impactante para os cenários de baixo desempenho do nosso programa espacial, o baixo posicionamento estratégico deste dentro da estrutura de governo.
O programa ainda não é visto como um programa de Estado e de importância estratégica para o Brasil. Possivelmente, afirmou o palestrante, resulta disso uma deficiência de governança e falta de escala, pois não colocamos para o programa espacial demandas que deem a escala suficiente que permita o engajamento da indústria num ambiente de menor grau de incertezas.
Em função do mercado de microssatélites em expansão, que resulta da miniaturização da eletrônica de um modo geral; das demandas nacionais como o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações) e o próprio programa estratégico de satélites da defesa; e, ainda, em função do interesse de potenciais parceiros externos, constata-se que o momento é favorável, mas, se não agirmos com rapidez, podemos estar perdendo essa janela, alertou o Brigadeiro Alvani.
O Programa Espacial Brasileiro se encontra dentro de um terceiro escalão do Ministério da Ciência e Tecnologia, quando na maioria dos países é vinculado diretamente, ou ao Presidente, ou ao Vice-Presidente da República, disse o Brigadeiro.
Propusemos, informou o palestrante, inspirado naquilo que fazem os Estados Unidos da América, um projeto de lei que busca adequar a governança das atividades espaciais, com a criação, no âmbito da Presidência da República, do Conselho Nacional do Espaço e de um Comitê Executivo do Espaço. Pela capacidade de articulação com os demais Ministérios e de levar o programa à atenção direta da Presidência da República, e para não caracterizar uma "militarização" do Programa Espacial Brasileiro - que poderia ter consequências negativas em termos de embargos tecnológicos por parte de outros países - destacou ele, a proposta vincula a Agência Espacial Brasileira à Casa Civil da Presidência da República. Assim, considerou o Brigadeiro, estaremos resolvendo os problemas de governança e do posicionamento do programa dentro da estrutura de Governo.
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A situação de pessoal especializado em ciência e tecnologia é crítica. Hoje, no DCTA, informou o Brigadeiro, 57% dos cargos autorizados estão vagos, por idade ou por falecimento dos pesquisadores.
As atividades espaciais, de um modo geral, destacou o Brigadeiro, não são percebidas pela sociedade em termos de suas vantagens e suas aplicações. Poucas pessoas percebem que, quando usam um telefone, assistem a uma TV a cabo, mandam uma mensagem pelo WhatsApp, ou quando utilizam o Waze, estão acessando um satélite, ou seja, estão acessando um recurso de um programa espacial de algum país. É absolutamente essencial, afirmou ele, ter um plano de marketing que divulgue, de maneira positiva, a imagem do programa espacial e o que isso representa na vida do cidadão comum.
O acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos da América, objetado em 2000 por algumas comissões do Congresso Nacional, disse o Brigadeiro, recebeu nova redação, buscando conciliar aquelas objeções com as preocupações de proteção das tecnologias de ambas as partes. Esse tipo de acordo é uma praxe com todos os países que desenvolvem programas espaciais. E é importante dizer que estamos abertos a negociar e celebrar acordos dessa natureza com quaisquer outros países interessados na utilização do Centro de Lançamento de Alcântara, concluiu então o Tenente-Brigadeiro do Ar Alvani Adão da Silva.
Tudo começou em 1961, disse o segundo palestrante, o Sr. José Raimundo Braga Coelho, com o decreto que criou o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais, fazendo do Brasil um dos primeiros países em desenvolvimento a investir nessa área e demonstrando um claro interesse em dispor de um programa espacial próprio.
Em 1966, as atividades espaciais do País foram organizadas por um instrumento denominado Sistema Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (Sindae), que atribuiu à Agência Espacial o papel de órgão central, contando com o Inpe e o DCTA como seus principais órgãos públicos de execução.
Na área de formação de recursos humanos, informou o palestrante, o País conta com sete cursos universitários de Engenharia Aeroespacial, cerca de 250 alunos em formação, com envolvimento crescente em atividades e projetos espaciais.
Experiências adquiridas na gestão do Sindae, afirmou o Sr. José Raimundo, sustentam a proposição de criação de um Conselho Nacional do Espaço (CNE), em nível ministerial, vinculado ao mais alto status de governo como uma instância superior de governança e orientação para política espacial nacional, que passará a ser uma política estratégica de Estado. Além do CNE, informou ele, também deve ser criado um Comitê Executivo do Espaço, constituído por representantes de órgãos de coordenação, de execução e de usuários dos sistemas espaciais demandantes e demandados, coordenadores e executores, unidos para decidir sobre a melhor forma de implementar as diretrizes estratégicas do Conselho Nacional do Espaço.
A relação entre o desenvolvimento tecnológico e a defesa nacional é evidente, asseverou o Sr. José Raimundo. O desenvolvimento tecnológico é um pilar fundamental para o avanço econômico da região, para o bem-estar de sua população, para a qualidade dos empregos e para sua própria segurança. No Brasil, avaliou ele, há um evidente círculo vicioso que liga a inevitável dependência do poder de compra do Estado, os baixos orçamentos, e uma base industrial não sustentável e muito frágil. O desenvolvimento tecnológico serve a toda as áreas da sociedade e a questão da soberania torna-se, assim, uma decorrência direta.
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A participação do Estado é e continuará sendo extremamente importante, seja nas políticas de compras governamentais, seja nos investimentos em infraestrutura básica, afirmou o palestrante. Assim, faz-se necessário formular uma estratégia de aproveitamento comercial do Centro de Lançamento de Alcântara por meio de um lançador nacional e por meio de lançadores de outras nações que venham a ser operados daquele centro. Para tanto, informou ele, estamos desenvolvendo o VLM (Veículo Lançador de Microssatélites). A operação comercial do CLA, com uso de lançadores nacionais ou estrangeiros, certamente trará benefícios econômicos, ainda não quantificados, que irão se compor aos investimentos governamentais com vista a sustentar sua operação, concluiu o Sr. José Raimundo Braga Coelho.
Desenvolvimento tecnológico e defesa nacional, afirmou o Sr. Joanisval Brito Gonçalves, são indissociáveis. A defesa nacional é fundamental para um país e não pode ser abordada sem tratar de tecnologia.
Se hoje todos temos um telefone celular, um smartphone, um micro-ondas em casa, considerou o palestrante, é porque se pensou nisso lá atrás, quando se desenvolveram tecnologias de defesa, de comunicações, de radar, que se transformaram em utilidades. Quantos benefícios, coisas que muitas vezes fogem à nossa percepção, temos hoje em razão de um programa espacial como o que foi desenvolvido nos Estados Unidos desde a década de 50.
Em 2003, lembrou o Dr. Joanisval, tivemos em Alcântara um acidente em que perdemos muito. Desde então vemos uma falta de atenção ao Programa Espacial Brasileiro. Até o século XX a guerra se dava em duas dimensões. A partir do século XX, temos o ar como uma terceira dimensão e agora temos também o ambiente virtual. Não dá, asseverou ele, para tocar um programa espacial com contingenciamentos, com dificuldade de governança e sem vontade política.
Desenvolvimento em defesa está relacionado também a pesquisas, que, muitas vezes, só podem ser feitas com o apoio do Estado. Temos que colocar em processo de desenvolvimento a indústria de defesa brasileira, o Programa Espacial Brasileiro e o Programa Nuclear Brasileiro, o que só poderá ser feito, ressalvou o palestrante, se tivermos um planejamento e um projeto de Brasil.
Observando o que os três BRICS (Rússia, Índia e China) têm em termos de programa espacial, programa nuclear, programa cibernético, vamos ver quanto o Brasil precisa evoluir para alcançar essas potências. Caso contrário, asseverou o Dr. Joanisval, vamos continuar brincando de país e dizer que temos soft power, o que na realidade não temos.
Data venia, com todo o respeito, nesse aspecto eu discordo.
Temos tudo pronto, afirmou o palestrante, em condições de utilizar e explorar economicamente aquele centro de forma racional e soberana, mas o CLA (Centro de Lançamento de Alcântara) está subutilizado. Precisamos de investimento e de uma preocupação com Alcântara, como política de Estado. Hoje, o CLA enfrenta obstáculos para competir no mercado por problemas de ordem administrativa e política, cuja solução só depende de vontade política. Já perdemos muito tempo em relação ao restante do mundo, quando temos todas as condições de fazer com que o Brasil seja efetivamente uma potência tecnológica e na área de defesa, cujas consequências e efeitos econômicos e sociais virão a cavaleiro, finalizou o Dr. Joanisval Brito Gonçalves.
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É equivocada a ideia de privatização do CLA, mesmo porque aquilo é área de segurança nacional, ressaltou, em resposta a questionamentos, o Dr. Joanisval. Os acordos de salvaguarda são necessários e são feitos em todos os centros pelo mundo, sem que em momento algum os países abram mão da sua soberania. A França tem esse tipo de acordo para lançamento de veículos, inclusive com a Rússia. A Soyuz sai de Kourou, e a Rússia em nenhum momento ameaça a soberania da França com esse acordo, concluiu o palestrante. Isso em resposta a perguntas feitas pelos nossos internautas.
Acordo de Salvaguardas ainda não é um acordo para arrendamento de uma área dentro - isso é importante, sobretudo para os nossos internautas - do Centro de Lançamento de Alcântara, explicou o Brigadeiro Alvani. É um acordo de proteção mútua de tecnologias. É uma praxe no setor espacial, tanto que os Estados Unidos têm acordo semelhante tanto com a Rússia quanto com a Índia, por exemplo, pois elimina a preocupação com a proteção das tecnologias de parte a parte.
O Centro de Lançamento de Alcântara é o melhor centro do mundo para lançamento em órbitas polares, explicou o Sr. José Raimundo, também respondendo a indagações de internautas. Já começamos a conversar com Kourou, informou ele, sobre a possibilidade de complementariedade entre Kourou, que faz muito bem o lançamento de satélites de grande porte, e Alcântara, que fará muito bem o lançamento de satélites de pequeno porte.
A história de privatização não existe, afirmou o Brigadeiro. Aquela é uma estação territorial que está e continuará sob a responsabilidade da Força Aérea Brasileira. A gestão da Barreira do Inferno é feita pela Força Aérea, mas os recursos que são repassados para o Governo ficam lá, e a Força Aérea não pode utilizá-los em benefício do Centro de Lançamento. Temos que levar isso em consideração na hora que formos realmente exercer a função comercial lá em Alcântara. Creio que o Governo devia ficar por trás, e, à frente da gestão, as empresas brasileiras que poderão prestar serviços para o Governo brasileiro, considerou ele.
Estamos direcionados para terminar o desenvolvimento do nosso primeiro lançador de satélites, que é o VLM, um lançador de microssatélites, que estará pronto para o primeiro teste certamente no ano de 2019, explicou o palestrante. Pequenos satélites são fáceis de serem desenvolvidos, e, quando se coloca uma constelação desses pequenos satélites, ela pode prestar um serviço de um grande satélite, finalizou o Sr. José Raimundo Braga Coelho.
Aqui cito um e cito outro, porque foi na ordem de respostas às perguntas formuladas pelos internautas e dirigidas a cada um dos palestrantes.
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Com isso, encerro aqui este relato e peço à Secretaria da Comissão para dar como lido na íntegra a presente apresentação de como foi a nossa 17ª Reunião para tratar do Programa Espacial Brasileiro.
A pauta do dia de hoje, já agradecendo de antemão as senhoras e os senhores aqui presentes, autoridades, vai tratar do tema "Um destino natural - o Brasil e seu entorno estratégico (América do Sul, Atlântico Sul e o Continente Antártico)".
Participam como palestrantes o Embaixador Affonso Emilio de Alencastro Massot, Secretário Adjunto da Secretaria de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo; o Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília; e o Contra-Almirante André Novis Montenegro, Subchefe de Estratégia do Estado-Maior da Armada, os quais gostaria de cumprimentar e convidar para fazer parte desta Mesa, agradecendo antecipadamente a presença de cada um. (Pausa.)
Esclareço aos nossos ouvintes e às autoridades aqui presentes que cada um dos nossos palestrantes terá 20 minutos para fazer a sua exposição inicial, sendo lhes dado um tempo adicional caso seja requerido. Também, depois das apresentações, serão feitas as indagações por parte das Srªs e Srs. Senadores e por parte também dos nossos internautas que, como sempre, participam assiduamente e com muita vantagem para todos nós que queremos obter informações sobre o tema em debate das nossas reuniões. Obrigado, mais uma vez, pela participação de todos.
Para encaminharmos o debate, colocamos alguns pontos, algumas interrogações para os senhores palestrantes no caso de desejarem segui-las. Primeiro, qual a importância do entorno estratégico para a soberania brasileira e para o aumento do protagonismo do Brasil nas relações internacionais? Como tem sido a atuação do Brasil em seu entorno estratégico? O que deve ser priorizado para garantir os interesses brasileiro nessas regiões?
Passo a palavra, para iniciarmos o nosso painel, a S. Exª o Embaixador Affonso Emilio de Alencastro Massot, Secretário Adjunto da Secretaria de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo.
O SR. AFFONSO EMILIO DE ALENCASTRO MASSOT - Muito obrigado, Sr. Presidente.
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Senador Fernando Collor, Presidente da Comissão de Relações Exteriores, senhoras e senhores, é motivo de grande honra para mim estar novamente aqui na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal a convite do seu Presidente, Senador Fernando Collor, para algumas reflexões sobre o tema "Um destino natural - o Brasil e seu entorno estratégico (América do Sul, Atlântico Sul e o Continente Antártico)".
Digo novamente, porque aqui estive em outras quatro oportunidades, quando fui designado Embaixador na Haia, em Praga, Atenas e Beirute, meu último posto.
Aposentado da carreira diplomática, fui convidado, em dezembro do ano passado pelo Prefeito de São Paulo, João Doria, para compor sua equipe de governo na Prefeitura, na condição de Secretário-Adjunto de Relações Internacionais, desafio estimulante, porque redimensionador em nível municipal das relações internacionais do Brasil.
Acrescento que não sou um especialista no assunto objeto desta palestra e trago apenas opinião pessoal, baseada na minha experiência profissional. Sempre tive profundo respeito pelo Senado Federal, porque esta não é só uma Casa do povo, já que seus membros são por ele eleitos diretamente em eleição majoritária, mas também e principalmente por ser esta a Casa da Federação, responsável pela sustentação imprescindível do equilíbrio federativo em um país com as dimensões e os problemas do Brasil. Aqui, todos os Estados, quaisquer que sejam suas características econômicas ou geográficas, são igualmente representados sem a sobrevalorização de nenhum sobre os demais. É também uma Casa que se entrelaça cotidianamente com a Casa de Rio Branco, acompanhando muito de perto nossa política externa, os atos internacionais celebrados pelo Brasil e credenciando, após sua aprovação por esta Comissão e pelo Plenário, nossos chefes de missão diplomáticas como embaixadores, isso, sim, da República Federativa do Brasil.
Este painel ocupa-se do nosso entorno estratégico como um destino natural do Brasil. Na verdade, mais do que um destino, ele é a nossa marca de nascimento, a nossa origem e boa parte da nossa raiz, e, por isso mesmo, é condicionador do nosso caminhar como nação através de tempos passados e dos tempos futuros. Nosso entorno é claramente estratégico, porque é nele que nos inserimos geograficamente e no qual estamos cada vez mais permanentemente envolvidos.
Ademais, por representar esta Casa as unidades da Federação, o tema lhe toca muito diretamente, pois há 11 Estados que, nos 16.145km de fronteiras terrestre do Brasil, fazem divisa com países sul-americanos: Amapá, Pará, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Sendo assim, uma primeira conclusão seria de que a política externa do Brasil para a América do Sul necessariamente tangencia e deve levar sempre em consideração na sua formulação os interesses desses Estados.
Para melhor refletirmos sobre o entorno, torna-se necessário, ainda que brevemente, mencionar algumas características históricas desse nosso relacionamento com os vizinhos. Não podemos ignorar que, desde antes da nossa independência e durante parte do século XIX e início do século XX, essa relação de vizinhança foi conflituosa ou litigiosa. Nunca é demais recordar que os únicos conflitos armados no Brasil até as grandes guerras mundiais do século XX ocorreram no que hoje é território uruguaio, argentino e paraguaio.
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Superados os litígios bélicos ocorridos no século XIX, como a Guerra Cisplatina, campanha do Uruguai, a guerra contra do Paraguai, sobre os quais não me deterei, passamos a uma fase não menos aguerrida de litígios jurídicos, na busca da consolidação das nossas fronteiras com nosso entorno, sendo necessário aqui, e faço questão de o fazer, recordar e reverenciar a ação absolutamente fundamental do Barão do Rio Branco, que tem estado esquecido ultimamente, que, lutando muito, não no campo bélico, mas no técnico-jurídico e da paciente negociação diplomática internacional, conformou o nosso entorno territorial na América do Sul.
Ao longo de sua gestão como Ministro e até mesmo antes dela, foram por ele negociadas diversas controvérsias de fronteira. Entre as batalhas legais que travou e venceu, destacam-se, em 1895, a questão de limites com a Argentina; em 1900, com a França, sobre fronteiras entre Brasil e Guiana Francesa na questão do Amapá; em 1903, com a Bolívia, na questão do Acre; em 1904, com a Inglaterra, na questão do Pirara, sobre a fronteira com a Guiana Inglesa; com o Equador, também em 1904, porque na ocasião o Equador ainda fazia fronteira indefinida com o Brasil; em 1905, com a Venezuela; em 1906, com os Países Baixos em torno da Guiana Holandesa; em 1907, com a Colômbia; em 1909, com o Peru, que discordava do Tratado de Petrópolis e reivindicava mais 400 mil quilômetros quadrados de nosso Território. E ainda em 1909, também com o Uruguai, sobre os limites da Lagoa Mirim e do Rio Jaguarão.
A obra de Rio Branco nos legou cerca de 900 mil quilômetros quadrados, que foram adicionados ao Território brasileiro, representando mais de 10% do Território nacional. Não conheço nenhum brasileiro desde o descobrimento que tenha acrescentado mais, fisicamente, ao País do que o Barão.
A segunda conclusão a que se chega é de que o entorno objeto de nossa reflexão de hoje não chegou sem esforço, mas através de fortes conflitos armados e de intensa batalha jurídica. Estes, embora resolvendo nossas questões de maneira clara e definitiva, não deixaram, como não poderia deixar de ser, de gerar um sentimento recíproco de desconfiança entre vizinhos, sobretudo por parte dos países e dos Estados do Sul do Brasil, o qual perdurou por boa parte do século XX.
Eu gostaria até de citar um fato pitoresco que me aconteceu quando eu assumi a Embaixada do Brasil na Holanda. No dia seguinte à chegada na Haia, eu estou tomando meu café da manhã, e o empregado - excelente, aliás, boliviano - que trabalhava na Embaixada, creio que ainda trabalha, ajudou-me no café da manhã e, no momento de servir o café, perguntou: "Y el Acre, Señor Embajador?" (Risos.)
Então, um século depois do Tratado de Petrópolis, eu tive essa sensação... Eu expliquei, evidentemente, o que nós pagamos, os 2,5 milhões de libras, a Estrada Madeira-Mamoré, tudo isso, mas isso é para lhes dar uma ideia de que essas coisas ainda têm uma certa permanência.
No correr do século XX, houve vontade política para um progressivo desarmamento dos espíritos entre vizinhos e importantes iniciativas positivas, principalmente no campo econômico multilateral e regional, iniciando um processo de extensão e construção dos alicerces das instituições da América do Sul dos dias de hoje.
Menciono o papel da Cepal, fundada em 1948 pelas Nações Unidas, importante pioneiro, agindo quase que como um think tank na formulação de conceitos e na elaboração de estudos visando a um melhor conhecimento da realidade econômica e social característica da região sul-americana. A importância da Cepal para o Brasil e seu entorno, em que pesem erros cometidos, foi o que ela representou de uma conscientização vinda de fora, balizada por conceitos de economia política então mais atuais e identificáveis com a problemática regional. Em 1960, com o surgimento da Alalc, iniciou-se tentativa de integração econômica e comercial multilaterais, que se desdobram, anos depois, na Aladi e, subsequentemente, no Mercosul.
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No campo político bilateral, o período de governos militares trouxe fortes afinidades políticas, principalmente entre o Brasil e os países do Cone Sul, afinidades essas, porém, matizadas pelo caráter ultranacionalista de seus respectivos presidentes, o que não contribuía para atenuar - em alguns casos acentuava - as desconfianças recíprocas.
Creio ser importante reconhecer, à guisa de terceira conclusão, que, em que pese a notável importância do relacionamento com os países do nosso entorno e o muito que essa interação com todos contribui de maneira crescente para o comércio intrarregional, a relação essencial e prioritária, dadas as dimensões das respectivas economias e a facilidade do trânsito fronteiriço, foi, e segue sendo, a relação com a República Argentina. Esta, como vimos, se caracterizou, até os anos 80 do século XX, por sentimentos de rivalidade e desconfiança mútuos que era fundamental superar. Acredito que o apogeu de nossos desencontros políticos ocorreu quando da decisão de construir Itaipu e em torno dos respectivos programas nucleares.
Superado esse momento através de pacientes negociações diplomáticas, desanuviaram-se as tensões em 1979, com a assinatura do acordo tripartite em torno dos projetos de Itaipu e Corpus. No ano seguinte é assinado o Acordo para Cooperação nos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, outro ponto de desavença. Nossa postura de solidariedade no episódio das Malvinas também contribuiu para a superação do sentimento de desconfiança. Contudo, a meu ver, esse só foi efetivamente superado em novembro de 1985, com a assinatura, pelos Presidente Sarney e Alfonsin, da Declaração de Iguaçu, sendo Chanceler Olavo Setúbal, tendo como pano de fundo o simbolismo fronteiriço das cidades de Porto Meira, no Brasil, e Puerto Iguazu, na Argentina, bem como a inauguração, no mesmo dia, da Ponte Presidente Tancredo Neves, como elo de união real e simbólico entre os dois países.
Menciono o nome do Chanceler Setúbal, com quem tive a honra de trabalhar como assessor direto no Itamaraty, porque ele, na sua visão de grande gestor e fundador de um dos mais importantes conglomerados empresariais e financeiros da América Latina, entendia, e soube afirmá-lo por gestos, que caminhar de mãos dadas com a Argentina era um passo absolutamente imprescindível a ser tomado para a construção de uma ampla integração econômica e política dos países do Cone Sul, cujas bases foram lançadas pela declaração. E esta, documento bastante denso, deve ser considerada um divisor de águas desanuviando o relacionamento bilateral, que passa a ser francamente confiante, dinâmico, criativo e construtivo.
A partir dela, criam-se grupos de trabalho específicos para impulsionar interconexões fronteiriças, pontes, portos, transporte rodoviário, ferroviário, aéreo, telecomunicações e vias navegáveis, projetos conjuntos de energia nos setores hidrelétrico, de petróleo e gás, comércio bilateral, cooperação científica e tecnológica e a integração econômica, aspas, "em busca do espaço econômico regional latino-americano", fecho aspas. É abordada também, entre outros temas, a cooperação no Atlântico Sul, que entra mais claramente na pauta de nossas prioridades a partir do mencionado conflito das Malvinas, e a necessidade de desenvolver esforços conjuntos para a repressão ao tráfico de drogas.
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Poucos meses depois, a Argentina e o Brasil afirmam a intenção de estabelecer entre si relações preferenciais com o objetivo de promoverem o desenvolvimento de suas economias e de seu comércio. Assim, a Declaração do Iguaçu pode e deve ser considerada como o embrião do Mercosul, pois a partir dela se iniciaria, em ambos os países, um processo de amadurecimento político, econômico e comercial que culminaria com a assinatura, em março de 1991, por V. Exª, Sr. Presidente, Fernando Collor, do Tratado de Assunção entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, criando o Mercado Comum do Sul (Mercosul).
Esse tratado foi subsequentemente complementado pelo Protocolo de Ouro Preto, em dezembro de 1994, que estabelece suas bases institucionais e sua personalidade jurídica internacional, bem como o Protocolo de Ushuaia, em 1998, que reafirma e disciplina a aplicação da Cláusula Democrática aos países-membros do Mercosul, tão em evidência nos dias que correm.
Na análise do nosso entorno, devemos necessariamente mencionar o Mercosul, embora eu não pretenda deter-me sobre ele por me faltar o conhecimento técnico adequado. Nele estamos inseridos como fundadores e temos com os demais membros um relacionamento de notável importância. Trata-se de uma relação que deve buscar sempre o aumento das trocas intercomunitárias e o progresso econômico e social de todos os seus membros.
Não pode ser uma relação que gere prejuízos para nenhum dos países associados. Cabe, portanto, a eles buscarem com tenacidade e criatividade soluções de compromisso para aperfeiçoá-lo e resolverem problemas pontuais, o que não sendo fácil, tampouco é tarefa impossível, afinal, com quantos problemas de natureza econômica e comercial a União Europeia não se terá defrontado deste o Tratado de Roma, de 1957, que este ano completou 60 anos? Não esqueçamos que nosso mercado regional tem apenas cerca de um terço disso. Compete aos profissionais essa tarefa.
Gostaria apenas de fazer uma reflexão a respeito do acordo entre Mercosul e União Europeia. Trata-se de acordo de negociação desde 1995, ou seja, há mais de 20 anos. Salvo engano meu, no decurso desse prazo, o interesse maior sempre foi por parte do Mercosul, com vista a lograr maior abertura do mercado europeu para os seus produtos. Pela parte europeia, notou-se que não constava ele das prioridades e que isso ficou adormecido por vários anos, numa espécie de banho-maria, tendo em vista principalmente as dificuldades em equacionar a política agrícola comum, fortemente subsidiada com os interesses do nosso País, principalmente no setor de carnes, açúcar e etanol, bem como oferecer facilidades de acesso para produtos industrializados.
Em 2010, houve o relançamento das negociações. Ora, diante das medidas de cunho unilateral e protecionista que vêm sendo divulgadas pela administração norte-americana, a União Europeia já demonstra hoje mais interesse, talvez até muito mais interesse na concretização desse acordo, não só como um gesto político de contraponto a essa tendência protecionista do Presidente Trump, tão avessa ao multilateralismo e ao livre comércio, mas também ao Brexit inglês.
Para voltarmos ao tema desta palestra, enquanto Estados Unidos e Reino Unido parecem desejar erguer barreiras, nós precisamos estender pontes para facilitar a ampliação de nosso comércio exterior, hoje mais necessário do que nunca para a superação dos problemas econômicos com que nos defrontamos. Assim, o momento pode ser oportuno para que se negociem condições bem mais favoráveis aos produtos do Mercosul, procurando idealmente ampliar a oferta europeia, nela incluindo, além de produtos industrializados, também uma cooperação de resultados nos setores de inovação, ciência e tecnologia.
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Nas reuniões de ontem, aparentemente, em Buenos Aires, não se chegou a uma conclusão, mas este é o momento de ser tenaz, de não aceitar qualquer resposta. Eu acho que temos de continuar lutando e aproveitando este momento.
Ainda com relação ao Mercosul, valeria também aprofundar os estudos de modificações no tratado e seus protocolos, no sentido de flexibilizar a seus membros - este é um tema delicado - a realização de acordos bilaterais com outros países, desde que não produzam prejuízo ou desequilíbrio sensível na relação comercial com os demais parceiros do bloco. Devemos também procurar facilitar o livre comércio, porém de forma equilibrada, de acordo com os nossos interesses, a fim de que aberturas excessivas não venham prejudicar nossa economia e nosso desenvolvimento em favor de outros mercados.
Uma quarta conclusão a que podemos chegar é a de que pertencer a esse bloco, o Mercosul, reforça o nosso poder negociador no cenário internacional. O corolário seria que a Chancelaria e os Ministérios da área econômica devem redobrar esforços para a superação de questões pontuais.
Verificamos que a relação com o nosso entorno, mais do que estratégica, é necessária, pois as fronteiras facilitam e dinamizam a aproximação com os nossos vizinhos no continente na interação econômica, financeira, empresarial, comercial, cultural, política e de trânsito de pessoas. Contudo, se são as fronteiras do Oiapoque ao Chuí o que mais nos une, o reverso da moeda é serem também elas um dos principais focos de graves problemas de segurança que afligem o Brasil e os países do entorno, tais como contrabando, tráfico de pessoas, tráfico de drogas, tráfico de órgãos e a biopirataria. Para combater esses graves problemas, além de reforçar os meios conferidos à Polícia Federal, às Forças Armadas e à Receita, para que atuem concertadas nos milhares de quilômetros de fronteiras, torna-se imprescindível um diálogo franco, permanente e muito firme com os vizinhos, principalmente aqueles cujas fronteiras são mais permeáveis, para a busca conjunta de controles modernos e eficazes.
O controle fronteiriço recíproco e insuficiente acarreta uma tendência a erguer barreiras, o que não é desejável nem na relação com os vizinhos, nem com países situados em outros continentes. Já um controle mais rigoroso e eficaz por ambas as partes gera um clima de segurança, estimulando e facilitando o fluxo positivo de mercadorias, bens, investimentos e pessoas.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o regionalismo nos é extremamente importante, ele não deve ser tão prioritário que desequilibre a nossa política externa, norteada, em primeiro lugar, pela defesa do interesse nacional.
Igualmente, devemos procurar manter o papel de que sempre nossa diplomacia se orgulhou, crescentemente respeitada por suas posturas independentes, desvinculadas de qualquer viés ideológico de esquerda ou de direita e, por isso mesmo, universal. Essa postura deu ao Brasil o papel de global player, de trânsito fácil junto às demais nações. Em minha carreira, nas funções que exerci como Delegado na 3ª Comissão da ONU em Nova York, na então denominada Comissão de Direitos Humanos em Genebra e nas embaixadas que chefiei, fui testemunha do quanto a palavra do Brasil era solicitada, ouvida e sempre respeitada.
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A escolha de nosso País para desincumbir-se de missões das Nações Unidas no Haiti e no Líbano bem traduzem a confiança da comunidade internacional no nosso comprometimento isento com a paz. Nas nossas relações internacionais, no âmbito multilateral e bilateral e, mais especificamente, no plano do entorno regional, devemos procurar manter essa postura, evitando expressamente a ideologização ou o viés bolivarianista que vinha caracterizando nossa participação, por exemplo, na Unasul em tempos recentes. Esse viés apequena, engessa e dificulta a fluidez e o trânsito internacional do Brasil junto a outros países e blocos, agindo como uma âncora e impedindo voos mais altos à nossa política externa.
Concluo esta palestra, que já vai muito longa, afirmando que na minha opinião a relação com os vizinhos deve ser prioritária e cada vez mais densa e proativa em todos os setores. Reconheço, porém, que o destino do nosso País, por toda a sua dimensão populacional, econômica e sua escala continental, é maior do que o seu entorno geográfico, e esse papel de global player devemos procurar consolidar, a fim de que a nossa ação diplomática e os rumos da nossa política externa sejam sempre compatíveis com essa vocação de grandeza do Brasil.
Muito obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Obrigado a S. Exª o Embaixador Affonso Massot pela sua palestra.
Passo, agora, a palavra ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da Universidade de Brasília, não sem antes cumprimentar os senhores e as senhoras aqui presentes, a começar por S. Exª o Embaixador de Portugal, Sr. Jorge Cabral; S. Exª o Embaixador do Chile, Sr. Jaime Gazmuri; S. Exª o Embaixador do Estado do Kuaite, Sr. Ayadah Alsaidi; S. Exª o Embaixador da Itália, Sr. Antonio Bernardini; a Srª Embaixadora Gisela Padovan, da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares do Ministério das Relações Exteriores; o Conselheiro da Embaixada do Marrocos, Sr. Abbah Sidi Sidi; a Primeira-Secretária da Delegação da União Europeia no Brasil, Srª Cécile Merle; o Primeirio-Secretário da Embaixada do Chile, Sr. Jaime Cortés-Monroy Rojas; o Primeiro-Secretário da Embaixada da Suíça, Sr. Giorgio Dhima; o Chefe de Missão Adjunto da Embaixada do Paquistão, Sr. Azeem Ullah Cheema; o Adido de Defesa e Aeronáutico da Embaixada da França, Sr. Coronel Charles Orlianges; e a Adido Consular da Embaixada da Itália, Srª Raffaele Contegno.
Agora, sim, agradecendo mais uma vez a presença de V. Exªs, que nos honram muito com a sua audiência a este painel, passo a palavra ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da Universidade de Brasília, para a sua apresentação.
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O SR. ANTÔNIO JORGE RAMALHO DA ROCHA - Obrigado, Sr. Presidente.
Permita-me, Senador Fernando Collor, saudá-lo e, em seu nome, saudar também o Embaixador Massot, o Almirante Montenegro e, em nome de V. Exªs, saudar as autoridades civis e militares aqui presentes, os embaixadores, os membros do corpo diplomático e demais interessados neste assunto.
É para mim uma grande honra. Eu quero agradecer a V. Exª o convite de poder me juntar a este painel, embora seja também uma grande dificuldade falar depois do Embaixador Massot, que praticamente exauriu a nossa agenda.
Eu fui bastante disciplinado, Senador, então me ative aqui a tentar cumprir o papel que se espera do acadêmico: ser um pouco provocador, respondendo as três questões que a Comissão encaminhou para servirem de estrutura a este nosso debate.
Muito bem. Qual é a importância do entorno estratégico para a soberania nacional, para a soberania brasileira? Eu dividi isso em duas questões, em duas partes basicamente; a primeira, chamando atenção para a novidade deste conceito.
A primeira vez em que este conceito de entorno estratégico aparece num documento oficial brasileiro é em 2005. A política de defesa nacional é algo bastante recente, na verdade. Embora, de uma maneira mais ampla, utilize-se a ideia de um entorno estratégico há mais tempo, foi a política de defesa nacional que procurou precisar este conceito, preocupada com as críticas que o Brasil sofria, de tentativa de projeção de poder, de expansão de sua influência no ambiente internacional. Ou seja, a ideia da política externa brasileira naquele momento era, sobretudo, a de marcar a sua preocupação com o seu entorno.
Um exemplo claro disso era o nosso projeto de um submarino a propulsão nuclear, que sempre foi visto como uma plataforma de projeção de poder, mas, tanto na nossa política externa, quanto na nossa política de defesa, ele sempre foi concebido como um instrumento de defesa, como uma plataforma de negação do uso do mar. Entretanto...
Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Quero pedir licença ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha, porque, por uma falha minha, eu me esqueci de nominar aqui a presença muito honrosa também para nós de S. Exª o Embaixador do Marrocos, Sr. Nabil Adghoghi.
Muito obrigado a V. Exª pela presença.
Muito obrigado, professor. Por favor, com a palavra.
O SR. ANTÔNIO JORGE RAMALHO DA ROCHA - Muito oportuna a sua intervenção, Presidente, porque o Marrocos, afinal, está do outro lado do Atlântico, deste rio que nos une, como se costuma dizer na nossa linguagem diplomática.
Muito bem. O que eu dizia era basicamente que essa ideia de entorno estratégico surge a partir de uma preocupação, eu diria, tática, para dar substância ao que é um projeto legítimo do Estado brasileiro, que vem sendo conduzido, vem sendo desenvolvido nas últimas décadas, mas que queria se caracterizar não como uma plataforma de projeção para outras áreas, apenas como uma capacidade necessária do nosso Estado de negar o uso do Atlântico Sul, se assim lhe aprouver do ponto de vista de sua soberania nacional. Então, nós estamos falando de uma concepção não só da política externa brasileira, que busca equilibrar, como muito bem colocou o Embaixador Massot, a sua projeção global com uma atuação mais protagonista no ambiente regional, a partir de um processo que, como bem caracterizou também o Embaixador Massot aqui, começa, ali pelos anos 70, a ganhar contornos mais claros.
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O Embaixador mencionou, por exemplo, a questão das Malvinas. Mencionou, de passagem, as opacas, que acontecem em 1986. É um outro passo nesta concepção da articulação do arcabouço institucional que permita ao Brasil atuar, de forma concertada, harmônica com seus vizinhos, em prol dos seus interesses, que são também interesses coincidentes com os dos seus vizinhos. Há um antecedente nisso, nos anos 70: o Tratado de Cooperação Amazônica, que, anos depois, vai ser consubstanciado por uma organização internacional, sediada aqui em Brasília - Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Portanto, há uma concepção de América do Sul que começa a ganhar consistência pelos anos 70, aprofunda-se e começa a conferir uma identidade política ao que antes era uma identidade apenas geográfica.
Os senhores se lembram bem de que, na nossa Constituição de 1988, um dos propósitos da política externa brasileira é promover a integração latino-americana. Nós ainda falávamos de integração latino-americana, muito embora reconhecendo que as dinâmicas do Caribe e da América Central são muito distintas das dinâmicas da América do Sul.
Então, o primeiro ponto que eu queria colocar, ao responder a esta primeira questão sobre a importância do entorno estratégico, é entender que nós estamos falando de um processo; um processo que começa a se consubstanciar, do ponto de vista institucional, normativo e do ponto de vista da prática da política externa brasileira, nos anos 70, com a aproximação com a Argentina, que é crucial, e ganha corpo ao longo dessas últimas décadas, culminando no estabelecimento da Unasul.
Muito embora haja essa interpretação aqui mencionada de passagem pelo Embaixador Massot, de que a Unasul teria um caráter bolivariano, eu lembro aos senhores que a gênese da Unasul aconteceu aqui em Brasília, no ano 2000 - uma reunião promovida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando, depois de praticamente 200 anos de dependência, pela primeira vez, os Presidentes da América do Sul decidem se reunir para saber o que eles querem fazer em conjunto. Não era contra ninguém, não era contra qualquer agenda ideológica; era a favor da América do Sul.
Ali nós já estávamos avançando no processo de integração da América do Sul no campo das telecomunicações que, com as privatizações, ganham um outro ritmo; já estávamos avançando no campo da energia - os senhores se lembram do que foi o Gasoduto Brasil-Bolívia, isso não é uma novidade -, e já estávamos avançando numa integração de infraestrutura.
Não é casual que, deste encontro de Brasília, se conclui o óbvio: é preciso promover a integração, a vertebração do ponto de vista dos transportes da América do Sul, porque nós estivemos, ao longo de 200 anos praticamente, de costas uns para os outros. Isso se deve, de um lado, a uma questão histórica, a maneira como esses países foram inseridos na economia política internacional, e se deve a questões de geografia física. Quer dizer, nós temos a Cordilheira dos Andes e temos a Amazônia. Não são obstáculos simples de serem transpostos.
Do ponto de vista da consolidação dos Estados nacionais na América do Sul, fazia mais sentido para as elites que assumiram o poder no início do século XIX manter as estruturas que haviam sido construídas, as infraestruturas inclusive que haviam sido construídas, e manter a sua relação preferencial com as antigas metrópoles europeias, depois com os Estados Unidos e, mais recentemente, com a China. Ou seja, faz mais sentido, havia mais densidade de comércio e não havia obstáculos a suplantar do ponto de vista da intensificação dos seus laços comerciais com essas terras distantes, com as terras de além-mar. A América do Sul não, a América do Sul requeria uma vontade política de promover essa integração.
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Em outras palavras, na provocação que os técnicos da Comissão nos mandaram, fala-se de um destino natural, mas natural é o que vem da natureza. Nós estamos aqui construindo ao longo do tempo um significado político. Isso não é natural. Isso não é um dado da realidade, assim como a União Europeia não é natural, não é o resultado, não é por acaso que a Europa observa hoje o maior período de sua história registrada sem grandes conflitos naquela região do mundo. Isso é fruto de um processo institucional, isso é fruto da inteligência humana na construção de instituições políticas que favoreçam a solução de controvérsias não pela força, mas por meios menos violentos.
Agora, ao invés de colocarmos canhoneiras pedindo para abrir mercados, nós construímos "exércitos", entre aspas, de advogados e diplomatas para negociar acordos de liberação comercial. Isso não é simples, isso não é justo. Se nós olharmos para as regras da OMC nós sabemos que são regras enviesadas, favorecem muito mais os países da common law, por exemplo, mas isso é menos sangrento do que o que se fazia cem anos antes. Isso é uma maneira mais civilizada de se promover e de se conduzir as relações internacionais.
Então, eu diria isso. O primeiro ponto no que diz respeito à resposta a essa questão da importância do entorno estratégico é nós entendermos que estamos falando de um processo histórico. Esse processo foi pontuado aqui brilhantemente pelo Embaixador Massot; eu acrescentei aqui dois ou três aspectos, como o TCA, como a Unasul. E vou voltar à questão da Unasul, por uma questão inclusive profissional - hoje eu tenho me dedicado a aproximar os países, a construir confiança no âmbito da segurança e defesa entre os países da Unasul, no âmbito da Escola Sul-Americana de Defesa (Esude) que foi criada. É uma instituição desses mecanismos de construção de confiança criados pelos ministros de defesa da América do Sul.
Essa narrativa de uma construção da América do Sul ganha uma retórica, ela é elevada ao patamar presidencial; aquele processo que vinha acontecendo, sobretudo nas burocracias, e pontuado por movimentos importantes como - e já foi mencionado aqui - a criação do Mercosul, a assinatura do Mercosul por V. Exª. Esse processo é elevado durante a gestão do ex-Presidente Lula a um nível presidencial, e ganha uma retórica e um nível de visibilidade muito maiores do que costumava ter no passado. Mas ele não destoa da grande visão, de uma visão de longo prazo de inserção internacional do Brasil, que passa pela consolidação da América do Sul como um polo de estabilidade. Este é o meu segundo ponto no que diz respeito à resposta a essa questão. Esta vai ser, digamos, a resposta mais longa à primeira das questões. Não se preocupe, Senador, não vou exceder o tempo.
Nós estamos falando da única região do mundo, hoje, que é estável, que não vive a possibilidade de conflitos. Hoje até na Austrália e na Nova Zelândia as pessoas estão preocupadas com conflitos; não entre Austrália e Nova Zelândia. Mas, quando eles olham em torno, o Mar do Sul da China, a península coreana, quando eles olham para o sudeste asiático, há uma preocupação enorme com o processo de multipolarização que se observa no ambiente internacional, um ambiente profundamente interdependente, marcado por essa dispersão de poder e pelo enfraquecimento do multilateralismo, pelo enfraquecimento da capacidade de governança global. Quando o mundo mais precisa de governabilidade é quando as instituições globais estão sendo mais atacadas. Muito bem. Esse é o pano de fundo. Estamos observando. Olha o que aconteceu na última semana no Oriente Médio. Já havia quatro guerras importantes. Agora temos mais um elemento de tensão, adicionado pela decisão do Presidente norte-americano de reconhecer Jerusalém como capital do Estado de Israel.
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Se os senhores olharem para o entorno da Europa, não está mais simples. Se os senhores olharem para a Ásia, as tensões entre Rússia e China, tensões e cooperações entre Rússia e China, entre Índia e China... Japão, redefinindo toda a sua doutrina de segurança, o seu arcabouço normativo, permitindo inclusive redefinir o emprego de suas forças armadas. Não preciso falar do que é a península coreana. Para onde se olha hoje no mundo, nós temos possibilidades de conflitos, e conflitos que, se ocorrerem alhures, vão nos alcançar, como nos alcançaram no século passado.
O único ponto de estabilidade, do ponto de vista de guerra e paz, do ponto de vista das relações internacionais, é a América do Sul. Aqui os problemas são outros, são de segurança pública. Nós temos níveis alarmantes verdadeiramente inaceitáveis de homicídios. O Brasil é um dos países que se destaca nisso, infelizmente, mas, do ponto de vista da relação com nossos vizinhos, esse é um estímulo à cooperação e à concertação. Os nossos problemas não podem ser resolvidos, mesmo no campo da segurança pública, sem a cooperação dos nossos vizinhos. Os problemas dos nossos vizinhos serão os nossos problemas, cedo ou tarde.
O crime transfronteiriço não está isolado, ou seja, se existe uma integração já arraigada na América do Sul, é só olhar onde foram presas as grandes lideranças criminosas no Brasil e onde elas atuam. Elas não atuam apenas no Território brasileiro. É só olhar o que está acontecendo na Amazônia setentrional. No momento em que se consegue fortalecer o combate ao tráfico de tudo que se mencionou aqui, tudo que o embaixador mencionou, tráfico de armas, de drogas, de biodiversidade, de pessoas, etc. Você começa a melhorar esse combate na fronteira mais ao sul do Brasil, as rotas do norte ganham mais relevo, ganham mais densidade.
Ou seja, a criminalidade integrou a América do Sul há algum tempo e a integra à Europa e aos Estados Unidos, onde se lava o dinheiro da droga que é enviada para lá. Ou seja, nós não estamos falando de um problema que surge aqui na América do Sul e causa impactos lá. Estamos falando de um problema global, cuja solução é global. Se nós não atacarmos, por exemplo, a questão da lavagem de dinheiro, nós não vamos conseguir resolver o problema do tráfico de entorpecentes, que nos envolve, de alguma maneira, porque a cocaína vendida no mundo é sobretudo produzida aqui.
Para concluir essa primeira parte, estamos falando de um mundo marcado por uma crescente tensão decorrente, eu diria, do descasamento de uma outra transferência de poder observada nas últimas décadas, esta não entre países, não uma multipolarização, como eu mencionei antes, mas a transferência de poder dos governos, dos governantes para os governados. Estamos falando de indivíduos cada vez mais informados, mais conectados, mais cientes dos seus direitos e dos seus deveres, também, e mais capazes de cobrar de seus representantes resultados, políticas públicas que atendam os seus anseios, que resolvam os seus problemas. Isso é uma novidade, em certo sentido. Os sistemas políticos, pelo mundo inteiro, não estão preparados para responder a isso. As eleições que nós estamos observando mundo afora, sempre muito contestadas e muito acirradas, têm a ver com essa incapacidade dos sistemas políticos de compreender como representar os interesses dos cidadãos. Essa crise não vai diminuir. A tendência, ao contrário, é que ela se acentue. Nós estamos falando de um mundo hoje de 7,6 bilhões de habitantes, que, em 2050, serão 9,2 bilhões e que, ao final deste século, serão mais de 11 bilhões de habitantes. Nós estamos falando de um crescente aumento na demanda por água, por alimentos e por fontes de energia. Isso não vai diminuir. Isso só vai aumentar as tensões internacionais.
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E estamos falando de uma América do Sul, como eu dizia antes, que tem essa identidade e que possui 28% da água potável do mundo, com 6% da população. Cinco dos dez países com maior biodiversidade do mundo aqui estão. Não preciso falar aos senhores o que é o significado do agronegócio aqui, quer dizer, a contribuição desta região, em parte, porque é um polo de estabilidade e de paz para o mundo, do ponto de vista da exportação de alimentos. Não preciso falar da importância também das fontes de produtos estratégicos minerais e das fontes de energia nesta região. Ou seja, esta região vai ganhar relevância à medida que a demanda por água, por alimentos e por energia aumente no mundo. E isso não é uma opção. A menos que haja uma grande catástrofe, a tendência demográfica é que se amplie essa demanda. Portanto, as pessoas vão buscar os produtos onde eles estão, e eles estão aqui.
Como tem sido a atuação brasileira nesse seu entorno estratégico? De uma maneira muito resumida, Presidente, eu diria que tem sido cautelosa e assertiva. Nos últimos 20 ou 30 anos, o Brasil vem aumentando o seu protagonismo, soube ocupar um espaço de liderança com muito cuidado, porque o Brasil hoje responde por 50% de tudo o que importa na América do Sul, 50% do território, 50% da população, dos investimentos estrangeiros diretos, do PIB, do gasto de defesa. Em qualquer indicador que os senhores peguem, o Brasil responde por aproximadamente 50% da América do Sul.
Não era assim há 30, 40 anos. Antes nós disputávamos, por assim dizer, esse protagonismo - entre aspas - "latino-americano" com o México e com a Argentina, mas o México tomou sua decisão relativa ao NAFTA. Agora ele vai pagar um preço por essa decisão. Está pagando um preço por essa decisão. E a Argentina cometeu alguns erros, na sua gestão econômica, que fizeram com que o seu PIB em relação ao Brasil fosse diminuído do ponto de vista de sua inserção global. Então, o Brasil emergiu pelos seus acertos e, eu diria, em alguma medida, pelos erros de alguns dos candidatos a grandes potências regionais. O Brasil emergiu como a grande liderança regional, mas emergiu ciente também daquilo que o Embaixador muito bem notou aqui, ou seja, dessas disparidades e das desconfianças ou dos medos que isso pode levantar nos países vizinhos. O Brasil soube responder a isso com cautela, mostrando que não se trata de uma liderança impositiva.
Na verdade, o que aconteceu foi que o Brasil conseguiu ocupar espaços que foram deixados pelos Estados Unidos, sobretudo a partir do 11 de setembro, quando eles começaram a dar importância a outras partes do mundo e a negligenciar a América Latina em geral. Foi esse espaço que se criou, esse processo político, aliado a um maior protagonismo, eu diria, a uma visão de uma grande estratégia...
(Soa a campainha.)
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O SR. ANTÔNIO JORGE RAMALHO DA ROCHA - ... de associação entre Brasil e seus vizinhos para afirmar essa identidade sul-americana, que permitiu que essa liderança se firmasse.
Em três linhas, nos 50 segundos que me faltam, o que deve der priorizado para garantir os interesses brasileiros nessas regiões? Em primeiro lugar, eu diria que esse enquadramento, essa visão de longo prazo faz falta hoje no mundo, um sentido de longo prazo. O Brasil tem as credenciais, tem a capacidade de contribuir para essa governança global e demonstrou ao longo dos últimos anos a sua capacidade de coordenar esforços com os seus vizinhos, de cooperar e de concertar ações políticas, sem impor e, ao mesmo tempo, gradualmente criando arcabouços institucionais. Eu mencionei o TCA, eu mencionei as Zopacas e eu menciono a Unasul, que é constituída de 12 conselhos setoriais, uma estrutural institucional muito leve, muito enxuta que permite alocar em áreas específicas o apoio a uma coordenação e a uma cooperação política.
No campo da defesa isso foi muito importante porque esse sempre foi um tema deixado para se tratar por último quando se fala em processo de integração regional. O que os países da Unasul decidiram fazer foi trazer para a ordem do dia e dizer: "Olha, nós precisamos discutir os temas sensíveis desde o começo desse processo de integração, para que eles sejam enfrentados com desassombro, com confiança". E isso significa o quê? Construir um centro de pesquisas, que funciona em Buenos Aires, e uma escola, que funciona em Quito, com o objetivo de investir na próxima geração. É disso que se está falando na área de defesa especificamente. Os cursos que nós organizamos se destinam, por exemplo, se estamos falando de militares, a coronéis, a tenentes-coronéis; se estamos falando de diplomata, a conselheiros, àquelas pessoas que participam do processo decisório hoje e que têm tempo de dedicar um mês, um mês e meio, para fazer um curso à distância, construir uma rede de relacionamento com os seus vizinhos. E, quando eles forem os ministros de Estado, os comandantes de força, daqui a 10, 15 anos, vão poder tomar uma decisão sobre onde querem aprofundar a integração, sobre em que áreas eles querem cooperar de uma maneira mais concatenada.
Eu diria, portanto, Senador, e com isso eu concluo, que a prioridade é essa visão de longo prazo. Como dizem os espanhóis, las lejanías nos curan de las cercanías. Se o momento atual está difícil, está difícil em toda parte. É uma visão de longo prazo que vai fazer com que as nossas energias se harmonizem visando construir um futuro melhor.
O arcabouço institucional está colocado, e a urgência dessa região é óbvia: é a questão de segurança pública. A cooperação nessa área vem crescendo, vem aumentando na área de inteligência; o GSI tem feito esforços muito importantes nessa direção; mas essa é a agenda. Por exemplo, um dos projetos prioritários do Ministério da Defesa, que é o Sisfron, visa justamente produzir inteligência sobre as áreas especiais, as áreas de fronteira, inteligência essa que é compartilhada com os vizinhos, porque a única forma de enfrentar esse problema é mediante a cooperação regional.
Essa é a nossa circunstância. Precisamos construí-la de uma maneira mais assertiva e com uma visão de longo prazo.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha.
Passo a palavra ao nosso outro palestrante, S. Exª o Contra-Almirante André Novis Montenegro, Subchefe de Estratégia do Estado-Maior da Armada.
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O SR. ANDRÉ NOVIS MONTENEGRO - Sr. Presidente Fernando Collor, agradeço o convite e, em seu nome, saúdo os integrantes da Mesa e todos aqui presentes.
Eu queria dizer, Embaixador Massot e Sr. Prof. Dr. Antônio Jorge, que é uma grande honra poder comparecer e participar deste debate importante para o Brasil.
Eu vou me remeter à Escola de Sagres, que propiciou conhecimentos importantes de navegação, náuticos e, assim, o evento de grandes navegações. Portugal, assim, teve contato com os vários povos, um sinal importante de que os mares são pontes que ligam os povos. Depois dessas grandes navegações, essas pontes funcionaram, e o Brasil foi descoberto. Então, o Brasil deve muito aos mares, ao nosso Oceano Atlântico.
Eu vou fazer a minha apresentação, a princípio, falando sobre entorno estratégico, depois abordando a Amazônia Azul e, em seguida, especificamente, como a Marinha do Brasil tem ajudado a construir essas pontes.
O nosso entorno estratégico.
Vou me focar no Atlântico Sul. O Brasil está debruçado sobre esse oceano de extrema importância. Temos uma fronteira marítima de cerca de 8 mil quilômetros de extensão. O nosso comércio é muito dependente desse comércio marítimo, desse comércio feito nos portos. Há a importância também de comunicações, pesca, reserva de petróleo, turismo, recursos minerais subterrâneos, meio ambiente, que são vitais para o desenvolvimento e crescimento do Brasil, enfatizando a importância do mar, para que os conhecimentos da nossa sociedade não fiquem restritos à linha de praia. Muito se passa além da linha de praia. Nós temos uma zona econômica exclusiva de até 200 milhas, podendo se estender até 350 milhas, num esforço que o Brasil está fazendo. Então, são recursos infindáveis que o Brasil tem direito a explorar.
Como já foi falado, o Brasil é um global player. E 97% do nosso comércio exterior são feitos pelos portos, por via marítima. Então, é uma reflexão interessante que se mantenha esse comércio. Qualquer dificuldade nesse comércio dos portos tem reflexo direto no Produto Interno Bruto.
Ele é a principal via de comunicação global. Para quem pensa que os satélites são majoritários em termos de comunicação, nós temos mais de 885 mil quilômetros de cabos submarinos responsáveis pela transmissão de dados internacionais. Então, maior ainda a importância do nosso oceano, dos mares.
Ele é fonte de alimento: 20% de todas as proteínas disponíveis encontram-se no mar. Até 2020, três milhões de toneladas de pescados serão produzidos. Aí vale uma outra reflexão: existem países e lugares em que essa pesca é muito intensa, e é possível que essa pesca seja reduzida, os recursos de pescado sejam reduzidos, e daí eles sejam atraídos para a nossa costa. Então, a importância da vigilância e proteção da nossa costa.
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Ele é fonte de energia, como já foi falado: 94% da produção de petróleo e 78% de gás natural encontram-se no mar. Nós já temos hoje plataformas que se encontram a 150 milhas da costa - cerca de 300km. Só a Bacia de Campos tem mais de cem plataformas de petróleo. Então, realmente é um recurso... É importante que o Brasil perceba, tenha consciência marítima.
O turismo gera empregos e gera muitos recursos, com cerca de 550 mil passageiros por ano. Tivemos dois eventos de monta que despertaram a sociedade mundial para a importância do Brasil nesse setor, que foram a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Então, a tendência é que esse setor seja bastante desenvolvido.
É fonte de inúmeros recursos minerais. À medida que o homem consegue prosseguir na tecnologia de exploração do fundo marinho, esses recursos são identificados, de maneira que também são objeto - entre aspas - de "cobiça". Então, é importante que a gente conheça os nossos recursos. Já existe propaganda dos chineses de que eles possuem um equipamento que pode ir a sete mil metros de profundidade, e cada vez mais se conhece a potencialidade do fundo marinho. Exemplos são os sulfetos polimetálicos, ouro, metais, crostas cobaltíferas. É preciso que a nossa sociedade acorde para essa riqueza.
É também interessante o fator de regulador climático. Nós sabemos que, com um fenômeno como El Niño, La Niña, uma diferença pequena na temperatura dos oceanos causa um estrago enorme em nosso clima, produzindo enchentes e outros fenômenos. E também há o fator de que o oxigênio provindo da fotossíntese das algas é mais de 50% do oxigênio. Respeito a teoria de que as florestas são pulmão do mundo, mas o mar tem um papel primordial nessa questão de ser o pulmão do mundo.
Enfatizo, então, a importância do mar, tanto pelos recursos quanto como elemento de ligação entre os povos. É o meio, é o habitat em que a Marinha trabalha.
Agora vamos falar sobre a Amazônia Azul, primeiramente falando da missão da nossa Marinha. A missão principal é a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, acrescida, com a Lei 97, de 1999, das atribuições subsidiárias e apoio à política externa. O apoio à política externa vem ao encontro do tema que nós estamos desenvolvendo aqui. E as atribuições subsidiárias têm uma visibilidade incrível para a sociedade. Posso testemunhar - fui Capitão dos Portos na Bahia -, é incessante a atividade da Marinha na salvaguarda da vida humana no mar, na prevenção da poluição e na segurança da navegação.
Quanto às Águas Jurisdicionais Brasileiras, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - e o Brasil atende a essa convenção - dita que até 200 milhas nós temos direito de exploração econômica; é a Zona Econômica Exclusiva. E o Brasil também num esforço intenso, por meio de batimetria, de sondagem com navios da Marinha, uma vez provado que a plataforma subterrânea tem uma extensão além das 200 milhas, nós podemos, até 350 milhas, estender essa Zona Econômica Exclusiva. Então, a nossa riqueza, essa Zona Econômica Exclusiva, pode evoluir de 3,5 milhões de quilômetros quadrados para 4,5 milhões de quilômetros quadrados. É o esforço que nós estamos fazendo junto à Comissão de Limite da Plataforma Continental da ONU.
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E o conceito Amazônia Azul é interessantíssimo porque faz lembrar à nossa sociedade que existe uma Amazônia - a sociedade tem mais ou menos essa ideia -, que é uma região enorme e de imensos recursos, mas que existe uma região dessas também no mar, de igual quantidade de recursos e de importância. Então, é esse o nosso esforço.
A Marinha preside a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, que vários ministérios frequentam, onde assuntos relativos ao mar são tratados e discutidos. Às vezes, falando com outras marinhas, elas ficam interessados nela, porque a Autoridade Marítima, que é o Comandante da Marinha, preside essa comissão, onde são tratados assuntos de interesse de toda a sociedade. Um dos programas de que eles tratam ali é o Proantar, de que vou falar daqui a pouco.
Então, o mar precisa ser vigiado, protegido, preservado e defendido. A noção de que a nossa fronteira oeste... Temos, claro, países amigos, estamos todos muito bem, cooperando na Unasul, etc., mas temos que atentar para a nossa fronteira leste, onde os recursos são imensos. A gente não consegue colocar uma cerca no mar. Só se consegue alguma presença no mar com navios navegando naquele mar. Então, é uma fronteira diferente, mas com a mesma importância da nossa fronteira oeste.
Quanto às ameaças, elas são inúmeras: tráfico de armas, tráfico de entorpecentes, a nossa imensa bacia de petróleo... Nós temos o nosso entorno estratégico, onde nossos vizinhos da costa ocidental da África têm tido problemas com pirataria. Nós somos importadores de petróleo da Nigéria, e os outros países da Europa também. Então, é uma região que está assolada por pirataria, e a Marinha do Brasil tem sido chamada para ajudar, apoiar nesse combate, e temos comparecido com navios e temos realizado um esforço para qualificar, adestrar, ajudar os países do dito Golfo da Guiné.
Então, para essa vigilância, a Marinha do Brasil possui um programa chamado Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul. É um sistema de sistemas. Ele integra desde o sistema de identidade de navios a longa distância, o que a gente chama de Automatic Identification System, a programas de rastreamento de embarcações pesqueiras; uma inúmera quantidade de sistemas que proveem essa vigilância. Porém, devido à limitação de recursos, a Marinha optou por fazer regionalmente, para, depois, fazer um link na costa toda do Brasil. Mas é só assim, com essa identificação, que as ações poderão ser realizadas.
E, agora, como é que a Marinha, tendo seu habitat natural, que são os oceanos, que são pontes, atua? Temos uma densidade de tráfego enorme. O Brasil é um grande global player, como eu já falei. A nossa Marinha Mercante não é numerosa, mas a nossa carga transportada tem um número razoável. Pelo nosso transporte mundial, em termos de tonelagem, nós somos colocados no décimo lugar. Então, nós temos um transporte pesado. E, como a Marinha chama, nós temos que manter as nossas linhas de comunicações marítimas. Então, uma Marinha aprestada e equipada vai fazer com que as nossas linhas de comunicação sejam mantidas e o nosso comércio seja mantido.
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Um conceito interessante que se divulga hoje, que é o que se deseja, é o da Consciência Situacional Marítima, ou seja, por meio de detecção, identificação e vigilância, associada ao meio marinho, de tudo que pode causar impacto na segurança, na defesa, na economia e no meio ambiente - e eu destaco o meio ambiente; a Marinha fazendo também ações, levando às autoridades responsáveis, para atuar e preservar o nosso meio ambiente - com o propósito justamente de identificar ameaças existentes. E como fazer isso? Por meio da integração de inteligência, vigilância, observação e sistemas de navegação, para compor um quadro, um cenário operacional.
Uma das várias iniciativas que a Marinha possui, que nós constituímos, é um sistema de tráfego marítimo chamado Sistram. A Argentina aderiu, assim como a África do Sul, e Chile Peru e Namíbia estão para aderir a este sistema. E temos acordos com outros sistemas do mundo, quais sejam, os dos Estados Unidos, da Itália e de Cingapura. Então, essa é uma iniciativa interessante, porque se trocam informações sobre o tráfego marítimo, e aí, sim, podemos identificar qual o tráfego ilícito, qual o tráfego legal e fazer um acompanhamento do tráfego marítimo mundial.
Outros exemplos. Nós somos o coordenador regional do tráfego marítimo da área marítima do Atlântico Sul, junto com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. Ou seja, é uma iniciativa que congrega os países da América do Sul, assim como somos coordenador desse sistema que é o Long-Range Identification and Tracking no hemisfério sul. E outros países estão se voluntariando para participar desse sistema. Então, são iniciativas que, ao mesmo tempo em que unem países, são em prol da segurança do tráfego marítimo e segurança do nosso comércio, do comércio global.
Temos participado também de outras iniciativas: a assessoria técnica na União Africana, para elaborar a estratégia marítima em 2050; participamos de fóruns de organismos internacionais, por exemplo a ONU; até há pouco tempo estávamos no Haiti; estamos realizando a Unifil, que é uma missão no Líbano; frequentamos a OEA, por meio da Junta Interamericana de Defesa, do Colégio Interamericano de Defesa; participamos de institutos de pesquisa da Unasul, como o professor falou, na Argentina; participamos de fóruns da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul; e realizamos exercícios e reuniões com países da língua portuguesa.
Uma iniciativa também que merece destaque é a nossa atuação na criação da Marinha da Namíbia. Vários países se voluntariaram. A Namíbia escolheu o Brasil - ela tem lá os seus motivos, então foi escolhido. E temos trabalhado incessantemente na formação de oficiais. Eles vêm ao Brasil para serem formados na nossa escola de formação de oficiais, nas escolas de formação de praças. E, por último, mantemos um grupo de assessoramento tanto de fuzileiros para tropa, quanto de assessoria naval para o aspecto da superfície, de navios de superfície. Trabalhamos, como já falei, com esses países da África em exercícios - por exemplo, Nigéria, Benim, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe. Fazemos operações com vários países: por exemplo, com os Estados Unidos, a Operação UNITAS; a ACRUX é um exemplo de operação com Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia; a Fraterno, com a Argentina; a ATLASUR, com a África do Sul e Uruguai; IBSAMAR, com Índia e África do Sul; Obangame Express, com países do Golfo da Guiné; e Felino, com países de língua portuguesa. São exemplos de operações que fazemos.
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E as operações não são só ir para o mar. Há toda aquela preparação de reuniões de planejamento, e aí, sim, são fortalecidos os laços entre as marinhas, são alinhados os pensamentos. Antes de se ir ao mar, o planejamento é intenso. Então, são exemplos de convivência. Os homens do mar têm muito em comum. Um exemplo aqui, que posso fornecer e que em outras Forças acho que não é comum: nós vamos para o mar com as várias marinhas, e, na ordem de operações, a cada dia, uma marinha é comandante do grupo-tarefa. É interessante. Então, faculta-se esse exercício, para cada um, um dia, comandar esse grupo-tarefa. É um exercício interessante. Daí essa proximidade e afinidade com as marinhas.
Aí, também, a foto do Obangame Express.
E temos os tentáculos ali na Antártica. A Marinha mantém a base e o apoio à logística com os seus navios e incentiva a pesquisa, com vários pesquisadores, etc. A base nós estamos reconstruindo, e a previsão é de que fique pronta em 2018. Ela vai realmente possibilitar um ambiente mais propício, com mais equipamentos, para serem realizadas as pesquisas.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ANDRÉ NOVIS MONTENEGRO - Afirmativo. O destaque... Realçando o que o Presidente falou, o Chile tem um destaque primordial - inclusive, eu estive lá na Base Eduardo Frei - no apoio a essa nossa iniciativa na Antártica. E, fora isso - embora eu não tenha projetado ali -, temos também operações com o Chile, temos reuniões com o Estado-Maior. Estive no Chile, inclusive, neste ano. Então, muito se tem a fazer com as duas armadas. Nossa cooperação com o Chile é bem intensa.
E eu queria destacar esse trecho do livro do Ipea, de que não bastam somente esquemas... Sem desmerecer o esforço diplomático, o esforço político, mas não basta só isso para prover a nossa defesa da soberania. Não basta só o diálogo; é importante ter uma Marinha modernizada, com equipamentos capazes, para prover a dissuasão efetiva, e também reforçar a mentalidade marítima do nosso País. Eventos envolvendo universidades, eventos como este debate aqui são importantíssimos e altamente desejáveis para que o Brasil possa, cada vez mais, capacitar-se em termos de defesa e proteger os seus recursos acima de tudo.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado a S. Exª o Contra-Almirante André Novis Montenegro, Subchefe de Estratégia do Estado-Maior da Armada.
Eu deixo ao talante das autoridades aqui presentes caso desejem fazer alguma indagação, alguma pergunta aos nossos palestrantes. Sintam-se inteiramente à vontade.
Enquanto isso, passo a ler algumas das indagações que nos chegam por parte dos nossos internautas. Algumas são somente manifestações de suas opiniões sobre o tema.
Márcio Camargo Cordeiro, do Acre: "Como ser soberano onde nossos governantes vendem nossas riquezas e valores simbólicos para o capital estrangeiro? O BNDES foi criado para desenvolver pequenas empresas no nosso País..."
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - "... e na prática só serviu para favorecer multinacionais, financiando obras faraônicas fora do Brasil."
Bem, fica aqui a sua constatação democraticamente lida.
Artur Alvim Cury, de São Paulo: "O Brasil precisa fortalecer sua soberania nacional, estatizar empresas, valorizar os serviços públicos e economicamente se fechar um pouco, valorizar a educação e seus professores, a saúde pública e a cultura. O Brasil anda numa maré muito liberal ou neoliberal infelizmente!" Essa constatação eu deixaria ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha, para fazer sua avaliação e sua apreciação sobre ela.
Felipe dei Ricardi Barros, do Rio Grande do Sul, fala em erguer barreiras. Eu também deixaria isso ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha para os seus comentários.
"Com os cortes profundos no orçamento das Forças Armadas" - essa é uma pergunta de Sylvio Moya, de Minas Gerais. "Com os cortes profundos no orçamento das Forças Armadas e da Polícia Federal, essa discussão" - esta que nós estamos fazendo agora - parece não fazer muito sentido", segundo ele. "O pouco que resta do minguado orçamento mal dá para pagar os minguados soldos, e com o restante compram equipamentos sucateados para pessoas desmotivadas usarem." Eu pediria a S. Exª o Contra-Almirante André Novis Montenegro para fazer as suas considerações.
Adriano C. Silva, do Rio de Janeiro: "O Brasil precisa se fechar, pois estamos atrasados em tecnologia (educação), o que nos torna uma colônia. Enquanto não nos organizarmos, não podemos comercializar nada. Precisamos de educação para formarmos um povo, que é requisito fundamental para a formação de uma Nação." Eu pediria a S. Exª o Embaixador Affonso Massot para fazer considerações a esse respeito.
E Katya Nascimento, de São Paulo, fala que: "O direito internacional sempre será matéria essencial para manutenção da ordem, progresso e paz entre as nações. Temos que valorizar o sentido de nacionalidade, o que se tem perdido ultimamente, Forças Armadas, poder de polícia, Exército, Marinha, Aeronáutica. Assim seremos Nação." Quanto a essa colocação da Kátia Nascimento, de São Paulo, eu pediria ao Sr. Contra-Almirante André Novis Montenegro que fizesse as considerações que julgasse convenientes.
Começando, eu passaria a palavra ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha.
O SR. ANTÔNIO JORGE RAMALHO DA ROCHA - Obrigado, Presidente.
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Acho que as opiniões ensejariam outras duas horas de debates pelo menos. Eu acho que o tema, não deste painel apenas, mas dessa série de debates que V. Exª organizou, "O Brasil e a Ordem Internacional: Estender Pontes ou Erguer Barreiras?", não poderia ser mais oportuno. Quer dizer, a tradição brasileira nunca foi de a de erguer barreiras, sempre foi a de construir pontes; pontes entre ricos e pobres, pontes entre culturas, pontes entre nações. Nós temos níveis de violência muito elevados na nossa sociedade. Isso é inegável. Mas - desenvolvendo aquilo que Darcy Ribeiro chamou de civilização brasileira - conseguimos desenvolver a capacidade de evitar ódios profundos associados à cor da pele, à origem religiosa, à origem territorial das pessoas.
O Brasil conseguiu fazer aquilo que os Estados Unidos reclamam para si, a história do melting pot, dessa síntese. Nos Estados Unidos há uma compartimentação, ou seja, para eles faz muito sentido se identificarem como ítalo-americanos ou afro-americanos ou nativos americanos. Para nós isso não faz sentido algum. Nós somos brasileiros. Essa síntese o Brasil conseguiu construir, e isso é uma ponte, é uma capacidade de construir pontes culturais. Nós não temos que nos fechar. O que a história recente da economia política internacional nos mostra é que os países que tentaram se fechar tornaram as suas economias mais obsoletas mais rapidamente. Nós temos, sim, que investir em determinados setores econômicos.
Hoje o grande temor mundo afora de quem realmente entende o que está acontecendo na economia internacional é a rapidez com que a inteligência artificial e a robotização estão se estendendo para uma série de setores econômicos. Aquilo que aconteceu, ao longo de três gerações nos Estados Unidos, a robotização... Hoje, os estudos mais contemporâneos apontam que apenas na área industrial, para V. Exª ter uma ideia, cada robô inserido numa planta industrial acabou com 5,6 empregos. Isso aconteceu ao longo de três gerações. E nós estamos olhando agora que, em 2030, pelo menos 30% das horas trabalhadas, em todas as profissões, em todas as horas, vão ser substituídas pela automação. A ameaça não vem de fora. A ameaça vem dessa modernização tecnológica e do que parecer ser, pela primeira vez, um descolamento entre a capacidade de destruição de empregos gerada pela modernização tecnológica de um lado e a capacidade de criação de empregos em outros setores. O que os dados mais recentes mostram é que pelo menos na economia americana, na economia dos Estados Unidos, onde se toma muito cuidado com o registro desses dados, a criação de empregos nos setores adjacentes vem sendo inferior à destruição de empregos, sobretudo no setor de serviços, porque, na indústria, é mais fácil realocar a mão de obras, mas no caso do setor de serviços, não. Nesse setor, áreas inteiras, como a área de seguros, a área de advocacia, consultas médicas primárias etc. podem perder a capacidade de necessitar de seres humanos para uma primeira aproximação. E isso, sim, assusta as pessoas. Esse é o desafio de modernização da sociedade brasileira. Não é fechando o seu mercado que ela vai conseguir resolver isso; é melhorando o nível educacional.
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Bem, os senhores sabem melhor do que eu, o Brasil tem um outro desafio, desse ponto de vista, que tem a ver com o seu Pacto Federativo - a distribuição de responsabilidades, a distribuição de recursos -, e isso é um outro problema. Mas, do ponto de vista das relações internacionais, aquilo que o Brasil vem fazendo historicamente, a meu ver, de uma maneira muito equilibrada, na condução da sua política externa - estamos aqui abençoados por Alexandre Gusmão - conseguiu não só mostrar essa capacidade de síntese, mas fazer com que as coroas europeias desistissem de trazer para cá guerras. Foi isso que ele conseguiu colocar dentro do Tratado de Madrid. Ou seja, as coroas portuguesa e espanhola podiam até entrar em guerra uma com a outra, mas essa guerra não automaticamente se transferiria para as suas colônias na América do Sul. Ou seja, essa sabedoria de construir a paz no nosso Território parecia estar embutida desde a criação, desde a pré-história brasileira. Não estamos falando ainda de um Estado independente.
Então, a encarnação desse modus operandi pela política externa brasileira, de promoção das instituições globais e, ao mesmo tempo, como eu procurei ressaltar aqui, nos últimos anos, conferindo essa identidade à América do Sul, a meu ver é perfeitamente adequada. O que nós estamos fazendo? É o contrário. Estamos atuando em organismos como a OMC para tentar fazer com que o desenvolvimento do comércio, que serve à produção maior de riqueza no mundo, também sirva à redistribuição de riqueza, porque não se observou isso nos últimos anos.
No final da Segunda Guerra Mundial, a criação de riqueza excedeu muito a sua redistribuição. Houve uma criação estupenda de riqueza. Se o senhor olhar para os dados históricos, Senador, é impressionante: em 1820, nós tínhamos 94% da população mundial vivendo abaixo da linha de pobreza - 94% de 1,1 bilhão de pessoas -; em 2015, nós temos 9% de 7,5 bilhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Ou seja, em qualquer lugar do mundo, as pessoas hoje vivem muito melhor. E isso tem a ver com a Revolução Industrial e com esse arcabouço que se criou a partir da Segunda Guerra Mundial, que permitiu uma criação de riqueza monumental. Mas, nesse mesmo período, o que se observou foi uma concentração de renda, não só dentro dos países, mas entre os países. O que acontecia há duas gerações é que as pessoas não sabiam disso. Hoje elas sabem, se revoltam contra isso justamente e pedem, então, uma redistribuição de riqueza.
E é esse o desafio dos sistemas políticos. Eles não estão sabendo responder. Mas não é fechando. Ao contrário, é se engajando mais nessas estruturas de governança global, como o Brasil está fazendo, por exemplo, ao eleger a OMC para promover não só a liberalização comercial, mas o comércio justo, e ao eleger a FAO como um instrumento de promoção da sustentabilidade alimentar. Ou seja, estamos falando de segurança alimentar, de permitir que aqueles pequenos agricultores possam ter condições técnicas de produzir alimentos para ficarem nos seus próprios países e desenvolveram seus países. É assim que nós vamos conseguir aumentar a nossa riqueza e aumentar a riqueza global, porque esse jogo não é um jogo de soma zero. Falar em fechar-se é adotar uma atitude maniqueísta que tornaria o que pode ser um jogo de soma positivo em um jogo de soma zero. Essa não tem sido a postura do Brasil. Ao contrário: o Brasil tem se afirmado como um país responsável na construção da ordem global numa ordem melhor. E uma das estratégias, um dos elementos dessa estratégia é o fortalecimento da América do Sul com a sua identidade política; uma identidade que implica funcionar como um polo de estabilidade e de provisão de paz ao mundo. Não é casual que esta seja a única região do mundo livre de conflitos. Isso é fruto de um investimento diplomático e de um investimento militar, de uma cooperação militar que hoje se expande para o campo da defesa, não só setorialmente, mas também para o campo da defesa tradicional que se observa nesta região e que agora começa a se consolidar. Essa é a direção. E o mundo está carente de alguém que lhe diga qual é a direção a seguir, porque o que nós estamos vendo é que os antigos candidatos a líderes mundiais parecem abrir mão do seu papel em favor de disputas geopolíticas e de atitudes maniqueístas como essas de se fechar. Isso não contribui para a estabilidade global.
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado, mais uma vez, ao Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha pelas suas respostas e pela sua lucidez.
Passo agora a palavra ao Sr. Contra-Almirante André Novis Montenegro, Subchefe de Estratégia do Estado-Maior da Armada.
O SR. ANDRÉ NOVIS MONTENEGRO - Sr. Presidente, é importante ressaltar que a Marinha desenvolve um intenso planejamento estratégico, em que são elaboradas várias ações estratégicas. Elas são priorizadas, quantificadas, e aí, sim, se prevê o planejamento a longo prazo. Isso eu estou falando em termos de recursos. Então, as metas a serem atingidas são priorizadas, quantificadas, e aí, sim, com o planejamento a longo prazo, é possível direcionar os nossos esforços para um objetivo de interesse da Marinha.
Quanto ao setor do pessoal, a Marinha tem um programa chamado Pessoal: Nosso Maior Patrimônio, em que são realizadas várias atividades. Hoje em dia a Marinha está muito preocupada em priorizar a meritocracia, preocupada também em desenvolver nichos de tecnologia, em acompanhar a tecnologia, em estudar e implantar tecnologia de ponta. Isso redunda também em benefícios para o Brasil. Vamos dizer assim, o arrasto tecnológico é importantíssimo, porque, através de construção de meios para a Marinha, nós temos alocado emprego para a nossa sociedade. Difundir essa tecnologia, elevar o padrão tecnológico de estudo dos profissionais que estão conosco.
Ao mesmo tempo, estamos preocupados também com o apoio às famílias, porque isso faz parte da retenção; recrutamento e retenção. Há pouco tempo foi lançado o Empório Naval, que vai estudar várias facilidades que a Marinha pode procurar para favorecer a família naval.
Então, esse cuidado com o pessoal é importantíssimo. Mesmo que nós não tenhamos agora um equipamento de última geração, com certeza, com o nosso pessoal qualificado e motivado, a qualquer hora o equipamento é adquirido. Mas, quanto ao pessoal, é importante mantermos essa mentalidade, mantermos essa força de trabalho com energia e confiando no Brasil.
Então, é assim que nós, ou seja, que a Marinha do Brasil se prepara para esses vários desafios que estão à nossa frente.
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Grato ao Sr. Contra-Almirante André Novis Montenegro pelas suas respostas às indagações formuladas pelos nossos internautas.
Passo agora a palavra ao Sr. Embaixador Affonso Massot, Secretário Adjunto da Secretaria de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo.
O SR. AFFONSO EMILIO DE ALENCASTRO MASSOT - Obrigado, Presidente.
Eu diria ao Adriano, o internauta que afirmou que o Brasil precisa se fechar, que ele não deve ter essa tamanha preocupação com o fechamento do Brasil. Eu entendo as preocupações dele. Ele deseja o melhor para a nossa economia, ele deseja mais empregos, mas ele tem que entender que a abertura, digo, o fechamento promove a obsolescência de uma indústria, da nossa indústria, do nosso parque industrial. A abertura é necessária.
Aliás, o primeiro chefe de governo que fez, promoveu essa abertura foi V. Exª. Eu me lembro, na minha geração, as carroças que circulavam no Brasil, e de repente passamos a ter, enfim, uma indústria automobilística inspirada na modernidade da época e que veio se modernizando. Isso gera competição e a competição gera o aperfeiçoamento. Desse modo, não só as economias se tornam obsoletas, mas o fechamento de uma economia também dificulta a entrada de investimentos.
Ora, a China é um país fechadíssimo, e hoje em dia - se não for a maior, talvez seja a segunda maior e a caminho de ser a maior economia, a maior potência econômica do mundo - é um país que se abriu. Abriu-se evidentemente com certas limitações. E eu acho que tem que ser assim também. Não pode ser uma abertura total, porque em uma abertura total há uma competição desenfreada, outros chegam com outras características, e isso pode prejudicar a nossa indústria, mas uma abertura progressiva e dinâmica foi o que a China fez.
A China... É claro que o povo chinês trabalhou muito, o governo chinês centralizou tudo, investiu, mas a China, no fundo, é uma criação do capitalismo europeu, do capitalismo americano, do capitalismo japonês, do capitalismo coreano, que lá instalaram as suas indústrias, para se beneficiarem da mão de obra local, e que, depois, passaram a exportar para os seus próprios países. Eu tenho amigos que tinham indústrias na Itália, indústrias na República Tcheca e fecharam tudo e se transferiram para Guangzhou, para Shanghai. Então, a China se abriu. Ora, se a China se abre, isso é um sinal claro de que a mentalidade que propugna o fechamento deve ser repensada.
Outra coisa: a abertura traz a inovação, que é fundamental. Eu acho que tecnologia e inovação são os elementos fundamentais nos dias que correm. Não podemos ter um desenvolvimento econômico sustentável sem a inovação e a tecnologia, porque o mundo e a velocidade hoje da tecnologia é extraordinária. A cada semana que se passa, surgem novidades em como fazer uma máquina, em como produzir tal equipamento, de modo que é preciso acompanhar isso. E um país sozinho, fechado, não pode acompanhar isso, de modo que, hoje em dia, a cooperação também internacional é necessária para complementar o desenvolvimento dos países. O Brasil precisa dela.
Assim, eu sou francamente a favor da abertura e não do fechamento, embora hoje haja determinados chefes de Estado importantes que propugnam por um fechamento. Mas isso é uma coisa muito pontual, que tem a ver com mão de obra, tem a ver com emprego local, às vezes com um movimento de fronteiras excessivo de pessoas que procuram emprego, o que gera uma competição interna, de modo que, até por uma questão de política interna eleitoral, para ele, para essa pessoa é importante divulgar medidas nesse sentido, para proteção dos empresários que o ajudaram na eleição, essa coisa toda.
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Mas, em linhas gerais, eu acho que a abertura é importantíssima. Deve ser, contudo, progressiva. Não deve ser uma abertura generalizada, porque, essa sim, pode gerar problemas econômicos.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Embaixador Massot pelas suas considerações.
Eu fico muito satisfeito quando nesses nossos painéis participam os internautas. Primeiro, porque eles ouvem aqui opiniões diversas sobre o tema que está em discussão e podem oferecer também as suas indagações e as suas perguntas.
Ao longo desses 18 painéis que hoje completamos nesta sessão legislativa, foi muito interessante notar que as perguntas que nos chegaram por parte dos internautas - ou comentários - diziam pouco respeito ao tema tratado pelo painel e muito mais opiniões e perguntas sobre temas diversos daquele tratado no painel. Isso demostra uma curiosidade muito grande daqueles que estão hoje nas redes sociais. É uma síntese da sensibilidade da população brasileira, das suas preocupações.
E isso nos permite se não tratarmos hoje, como gostaríamos, por exemplo, do Atlântico Sul... Essa questão do Atlântico Sul seria, no meu entender, tema de um só painel: debatermos a questão do Atlântico Sul, de como fazermos do Atlântico Sul não uma divisão entre dois continentes, mas sim uma forma para que esse Atlântico Sul sirva de união. Nós estamos dando em nossos dois continentes pouca importância, na minha avaliação, a essa questão.
Mas, enfim, o que nós assistimos hoje, pelas perguntas que foram feitas, é que elas remetem bastante ao título do painel ou da série de painéis: "O Brasil e a Ordem Internacional: Estender Pontes ou Erguer Barreiras?"
Esse título não foi tirado ou pensado alhures. Esse título foi tirado no momento em que estávamos elaborando o que seria o nosso painel, esse ciclo de painéis - 18 ao todo -, o que seria o fator motivante para os nossos debates. E isso coincidiu com a eleição norte-americana, em que foi eleito um senhor que veio com um discurso que chamou a atenção de todos pela sua desconexão com o mundo em que estamos vivendo, com a ordem internacional. Ele falava exatamente em erguer barreiras; erguer barreiras não somente fisicamente, o que é uma coisa, hoje, medieval, como na questão do México, mas também erguer barreiras tarifárias, barreiras comerciais, relegando o restante do mundo a um segundo plano e se mostrando de uma autossuficiência que nos assusta.
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"Estender Pontes" porque estender pontes é uma tradição do Brasil. O Brasil sempre estendeu pontes. O Brasil sempre procurou buscar caminhos para a construção da paz, buscar construir consensos, buscar dirimir dúvidas, buscar consolidar a sua força baseada no soft power, e não na busca de uma afirmação, seja no nosso continente, seja saindo do nosso continente - talvez, uma mera utopia -, ou de uma grande potência no plano internacional baseada nessa constante busca do poder pela posse de mecanismos bélicos que intimidem e que vençam pela intimidação. O Brasil sempre quis vencer pelo convencimento, pelo diálogo, pela busca, como disse, de consensos.
E "Erguer Barreiras" também porque o líder norte-americano, que foi eleito, falava também em erguer barreiras em relação aos imigrantes, fechar as fronteiras. E, afinal, conseguiu fechar as fronteiras para seis ou sete países diferentes. E o Brasil nunca fechou suas fronteiras para os imigrantes, até porque o Brasil é um País fundamentalmente fruto da imigração que teve: de italianos, além dos portugueses, de que fomos colônia, dos italianos, dos japoneses, dos alemães, dos poloneses, do mundo árabe.
E é interessante notar que esses fluxos migratórios, em nenhum momento, trouxeram desvantagem para o Brasil. Ao contrário, há estudos que demonstram que, a cada fluxo migratório que o Brasil recebia, redundava esse fluxo migratório, logo após, dentro de um certo período, uma etapa de crescimento da economia brasileira. Então, eles vieram não somente para nos ajudar, mas para colaborar com a nossa diversidade, para ajudar a nos entender, porque, no momento em que aqui chegam imigrantes, nós estamos querendo conviver em paz. Então, o que eu noto, e o que também notei muito ao longo dessa série de debates, é que o "erguer barreiras" a que se referem ou se referiram nesse período os nossos internautas estava muito vinculado à questão da imigração; alguns entendendo erguer barreiras na parte comercial, na parte de importação, essa coisa toda; outros entendendo erguer barreiras - até porque tinham como estereótipo a questão do México - para evitar que imigrantes viessem ao Brasil.
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O que mais me preocupou foi que havia uma associação entre esses possíveis imigrantes com possíveis terroristas, entendendo alguns, que participaram com as suas notas, que imigração ou imigrantes seria sinônimo de trazer terroristas.
Isso fruto de quê? De um raciocínio puro e simples da cabeça de cada um, que assim pensava? Espero que tenham mudado de opinião. Não; fruto da palavra de uma liderança mundial, de uma potência absolutamente incontrastável sob todos os pontos de vista, na questão dos conceitos do exercício do poder sobre o restante do mundo, e a palavra dessa liderança falando sobre ódio, sobre discriminação, associando ou colocando religião no meio de uma discussão em que a religião não tinha por que ali estar, nem tem; a simples palavra de uma liderança.
Daí nós termos que sopesar bastante aqueles que lideram o nosso País, que lideram o mundo; sopesar bastante as suas palavras, porque as suas palavras chegam hoje a esconsos a que há anos não chegavam pelas mídias sociais. E chegam de uma forma que despertam a frustração, despertam a raiva, despertam o mal querer de vários setores da sociedade, que são exatamente aqueles setores da sociedade que eu chamo de deserdados da globalização. Como aqui foi dito, a capacidade do ser humano de inovar, de avançar com novas tecnologias está sendo muito maior do que a capacidade dos Estados nacionais de investirem em educação para poder chegar ao nível em que a sociedade está hoje colocada, em termos de querer adquirir, de querer ter acesso; o acesso ao conhecimento, o acesso a um lugar onde possa desenvolver a sua capacidade laboral, retirar dali o seu sustento e, dignamente, construir uma família.
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Então, toda essa mensagem belicosa, essa mensagem de raiva é uma mensagem negativa, que divide os homens, divide uma sociedade, divide a população. E nós temos que nos preocupar, sim, com esses deserdados da globalização. A globalização é um fato inexorável. Não adianta nós dizermos se gostamos ou não da globalização. É um fato. Ela aí está. Cabe a nós nos adaptar a ela da melhor forma possível.
Então, todos aqueles que... Se nós formos nos levar pelo que dizem alguns autores, ou seja, que, em 2030, 70% das profissões hoje existentes já não mais existirão, os nossos filhos que hoje estão na faixa de 10 anos de idade estarão se formando daqui a 15 anos, no ensino universitário, para exercer profissões que hoje ainda não existem, tal a dinâmica desse avanço tecnológico, desse avanço da inovação.
A inteligência artificial, que aqui foi falada, é algo... É um outro mundo. Isso é um outro mundo! A inteligência artificial está ali na esquina. Daqui a pouco estaremos convivendo com isso, com a inteligência artificial. A robotização já passou o seu período. Nós estamos hoje na nossa quarta revolução industrial, a revolução 4.0. É essa revolução que está batendo à nossa porta.
Desse modo, essa é uma mensagem que eu gostaria de deixar e que serve também - pelo menos essa é minha pretensão, não sei se eu alcancei o meu objetivo - para os senhores e as senhoras que estão nos assistindo via TV Senado, Rádio Senado e aqui nos prestigiando com suas presenças, sobre o que nós pudemos recolher de mais substantivo ao longo desses debates. É importante que continuemos com esses debates, e vamos continuar com eles já no início da próxima sessão legislativa, a partir de março do ano de 2018. Para tanto, espero contar sempre com a participação honrosa daqueles que aqui estão, mas também com a participação mais percuciente dos nossos internautas, daqueles que participam, mas que se informem um pouco mais sobre os temas que estão sendo tratados antes de fazer as suas colocações. É claro que podem fazê-las à vontade, pois democraticamente eu as terei aqui na minha frente e as lerei como fiz hoje e faço sempre. Mas peço que procurem se informar um pouco mais sobre os assuntos, para que nós possamos dar maior rendimento ao tema objeto do painel que estaremos discutindo.
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Antes de encerrar a nossa reunião de hoje, eu gostaria de agradecer mais uma vez a participação das Srªs e dos Srs. Senadores e agradecer muito especialmente as autoridades que aqui nos prestigiaram com suas presenças: a S. Exªs o Embaixador do Chile, Sr. Jaime Gazmuri; o Embaixador do Estado do Kuaite, Sr. Ayadah Alsaidi; o Embaixador da Itália, Sr. Antonio Bernardini; o Embaixador do Marrocos, Sr. Nabil Adghoghi; a Embaixadora Gisela Padovan; o Conselheiro da Embaixada do Marrocos, Sr. Abbah Sidi Sidi; a Primeira Secretária da Delegação da União Europeia no Brasil, Srª Cécile Merle; o Primeiro Secretário da Embaixada do Chile, Sr. Jaime Cortés Monroy Rojas; o Primeiro Secretário da Embaixada da Suíça, Sr. Giorgio Dhima; o Chefe da Missão Adjunta da Embaixada do Paquistão, Sr. Azeem Ullah Cheema, Adido de Defesa e Aeronáutico da Embaixada da França, Sr. Coronel Charles Orlianges; a Adido Consular da Embaixada da Itália, Srª Raffaele Contegno; bem como os nossos palestrantes - o Embaixador Affonso Emilio de Alencastro Massot, o Prof. Antônio Jorge Ramalho da Rocha e o Sr. Contra-Almirante André Novis Montenegro - que nos deram muito prestígio também com as suas presenças, além das suas opiniões e das suas ponderações sobre o tema de nossa palestra.
Obrigado, portanto, a todos que ao longo de todo este ano nos prestigiaram com as suas colaborações. E, mais uma vez, agradeço aos nossos internautas.
Antes de encerrarmos os trabalhos de hoje, convoco as Srªs e os Srs. Senadores membros desta Comissão para a nossa próxima reunião deliberativa, agendada para o próximo dia 14 de dezembro, quinta-feira, às 9h, neste plenário.
Agradecendo mais uma vez a todos pela presença e pela audiência, dou por encerrada a presente reunião.
Muito boa noite.
(Iniciada às 18 horas, a reunião é encerrada às 20 horas e 10 minutos.)