08/02/2018 - 1ª - Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia a todos e a todas.
Vamos, de imediato, iniciar os trabalhos de hoje da nossa Comissão.
Declaro aberta a primeira reunião desta Subcomissão Temporária que está discutindo o Estatuto do Trabalho, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, de 2018, da 55ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 107, desta Comissão, de minha autoria, para debater normas gerais de tutela do trabalho, com foco na caracterização da relação de emprego, na jornada e na remuneração.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que têm interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Antes de iniciarmos os trabalhos, quero informá-los de que, em função da relevância e da qualidade do debate realizado nessas audiências, as palestras serão organizadas para publicação ao final de cada semestre, com base nas notas produzidas pelo serviço de Taquigrafia do Senado, que desde já ficam solicitadas, conforme encaminhamento aprovado já em reuniões anteriores.
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Antes mesmo de formatar a Mesa, faremos aqui uma pequena introdução, até porque chegarão outros convidados.
Senhores e senhoras, as questões mais importantes a respeito do trabalho humano são de interesse geral de todos os governos e de todo o povo brasileiro. A multiforme problemática trabalhista, em verdade, é inesgotável no tempo, porque sempre se renova na medida em que toda a sociedade ali se encontra.
Na presente audiência pública da Subcomissão do Estatuto do Trabalho, no âmbito desta Comissão, temos a grata incumbência de contribuir para a reflexão conjunta sobre as normas gerais da tutela do trabalho.
Agradeço mais uma vez à Senadora Regina Sousa, que me indicou como Relator deste tema. E, como Relator, acabo, claro, presidindo a maioria das reuniões e ouvindo todos os nossos convidados, como hoje.
Agradeço a todos - e inclusive já vou chamá-los para a Mesa - o momento tão importante. Quando muita gente já está em pleno Carnaval, os senhores e as senhoras estão aqui debatendo o mundo do trabalho com uma enorme preocupação.
Agradeço a todos e vamos só fazer esta pequena abertura.
Hoje, no Brasil, experimentamos um amargo desencanto que leva parte da juventude e também de aposentados a vislumbrar uma nova vida até mesmo indo para o exterior, devido ao caos que se instalou aqui. Os brasileiros, decepcionados com o estado de coisas que estão vendo aqui, como revogação dos direitos trabalhistas desde a era Getúlio até hoje...
Alguns questionam esta frase que eu tenho dito: com essa reforma trabalhista, grande parte dos trabalhadores perde, sim; perde décimo terceiro, perde férias, perde fundo de garantia. Por exemplo, quanto ao contrato autônomo exclusivo, como fica o 13º deles? Como ficam as férias deles? Como fica o Fundo de Garantia deles? Como fica a previdência deles? Trabalho intermitente...
Hoje temos um reforço aqui. Uma salva de palmas para o Telmário. É bom vê-lo aqui. (Palmas.)
Eu disse aqui que, em véspera do Carnaval, nem todos ficam. Claro que muitos têm seus compromissos e não estou fazendo crítica nenhuma, mas o meu compromisso e do Telmário aqui é estarmos com os senhores e fazer um bom debate, com certeza.
O Frei David ficou de também vir para dar um depoimento das suas preocupações sobre o mundo do trabalho, ele que hoje é o principal militante e até o principal líder na luta contra todo tipo de preconceito no Brasil em relação ao povo negro. Ele também pediu para fazer um depoimento, nesta reunião, sobre emprego, renda e a comunidade negra.
Com esta grata surpresa hoje aqui - achei que ele tinha viajado; pensei que, sendo Carnaval ele não viria, mas está aqui -,vou abrir mão do meu comentário para entrarmos logo no tema. Falarei apenas algo de improviso para dizer que nós queremos apresentar... Depende muito dos senhores e das senhoras, porque aqui é um trabalho coletivo. Não sou Relator de uma caneta só, mas de milhares de canetas, de preferência.
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O Telmário naturalmente estará junto, acompanhando passo a passo o relatório final. Aqui nós não estamos discutindo quem é Presidente, quem é Vice, quem é Relator; mas eu, em seguida, vou passar a Presidência para ele. Hoje ele vai presidir a reunião aqui, e eu ficarei aqui na relatoria.
Eu fiquei feliz com essa notícia que me chegou e a assessoria me passou. Quando o mundo todo está mudando... Por exemplo, o sindicato alemão conseguiu redução da jornada de trabalho e aumento salarial. Eles conseguiram reduzir de 35 horas para 28 horas e um aumento real, no salário, de 4,3%. Enquanto o mundo mostra que a saída, até para o mercado interno, para melhorar a qualidade de vida, é você reduzir a jornada e aumentar o salário, no Brasil é o contrário: é aumentar a jornada e diminuir salários. Por isso é que esta Comissão cumpre um papel fundamental nesse debate.
E não adianta alguns dizerem: "Não, o Paim agora acha que vai conseguir revogar todas as maldades que foram colocadas" - "maldade" é de minha lavra, porque eles não dizem "maldades". Não sou eu que vou revogar. Nós estamos aqui. O Telmário Mota é o Presidente desta Comissão. Eu sou o Relator da Comissão, e nós estamos trabalhando juntos, com uma equipe, que aqui vai se apresentar, do Ministério Público, das entidades, das associações de juízes, enfim, especialistas no mundo do trabalho. E haveremos de, até no dia 1º de maio... Telmário, essa é a nossa intenção. Pelo menos a relatoria, eu sei, tem seu aval, com certeza absoluta, como Presidente, e nós teremos a primeira versão para apresentarmos ao povo trabalhador, para que você já possa apresentar lá no seu Estado e, eu, apresentar no meu. Vamos apresentar a primeira versão do que seria uma CLT realmente do mundo do trabalho, e não essa que eles fizeram, que eu chamo de CLE (Consolidação das Leis do Empregador). Então, nós estamos caminhando nesse sentido.
Já fizemos quantas audiências públicas especificamente para esse trabalho? Acho que umas quinze, em torno de quinze audiências. Até maio deveremos ter umas trinta audiências públicas antes de apresentar a redação final.
Eu ainda queria, Telmário, se V. Exª me permitir, mais uma vez apresentar ao Brasil a cartilha da Previdência. Lá eu fui o Presidente, o Hélio José foi o Relator e o Telmário estava lá também, como Vice - é um dos que esteve sempre presente com a gente lá. Essa cartilha faz um resumo das maldades também na Previdência.
Eles praticamente acabam com a Previdência - e agora vieram com uma nova meia sola. Então, eles dizem o seguinte na propaganda deles: "Não, agora em vez de 25 vai ser 15". É como se tivesse uma novidade nisso... Já é 15 hoje! Já é 15! Então, não há nada novo. Eles apenas diminuíram algumas maldades, mas mantiveram o conjunto, que é principalmente a idade e o tempo de contribuição.
É bom que vocês ouçam em casa isso, e eles que digam que eu estou mentindo. Eu os chamo de mentirosos, porque eles mentem. Pela idade, a mulher vai trabalhar dez anos a mais, e o homem, cinco anos a mais. Hoje são 35 anos de contribuição e vai para 40 anos; para a mulher, são 30 anos de contribuição e vai para 40 anos. Então, é no mínimo dez anos, e o homem, mais cinco. Como o trabalho não é direto, porque está comprovado que, a cada 12 meses, você tem emprego garantido, em média, em 9,1. Isso significa que a pessoa vai se aposentar só depois dos 70, para efetivamente chegar a 40 anos de contribuição.
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Por que eu digo 10 anos? Porque eram 30 anos de contribuição e foi para 40 de contribuição. A do homem, que era de 35, foi para 40 também de contribuição. A idade da mulher também muda: sai de 55 para 62, são sete anos a mais; e o homem fica cinco anos a mais. Então, na essência, a reforma deles mantém a retirada de direitos, sim, do povo brasileiro.
Isso é na previdência, mas, como nós vamos tratar aqui, agora, da reforma trabalhista, neste momento eu vou passar a palavra para o nosso Presidente Telmário Mota para ele formatar a Mesa dos trabalhos do dia de hoje.
Neste momento eu passo a Presidência para o nosso Presidente, o Senador Telmário Mota.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Moderador/PTB - RR) - Eu quero começar a reunião - na minha presidência, porque já começou com o Paulo Paim - agradecendo a presença de todos, especialmente a do Senador guerreiro desta Casa, o homem que dorme e acorda...
O Senador Paulo Paim tem começo, meio e fim quando se trata da defesa dos direitos do trabalhador. Eu estou aqui há apenas três anos. Sempre fui um grande admirador dele, porque fui sindicalista do banco, quando eu era bancário. E o Paulo Paim, eu costumo dizer e quero dizer isso sempre, até porque estamos num momento de uma nova escolha do Congresso...
O Brasil, neste momento, em vez de se envolver nesse grande Carnaval que vai começar a acontecer, deveria estar olhando para o carnaval que este Governo está fazendo, o carnaval da retirada dos direitos trabalhistas, o carnaval da retirada dos direitos da previdência, dos aposentados; o carnaval que ele está fazendo ao retirar os recursos que vão para os excluídos, os negros, os quilombolas, os índios, os ribeirinhos. Então, na verdade, o Governo Federal aproveita esse momento de alegria do povo brasileiro de ir para a rua e esquecer, pelo menos momentaneamente, a grave crise em que o País se encontra.
A gente vê, por exemplo, a mídia - os agentes do mal, eu os chamo de aves de rapina do Governo carrasco dos trabalhadores - espalhar que o País está se recuperando, que a economia brasileira está em recuperação. Não: a economia brasileira chegou ao fundo do poço, não podia passar do fundo do poço.
A única coisa que tem acontecido aí é a taxa Selic, que baixou, mas ela sozinha não tem força, jamais, para alavancar a economia deste País. O que precisa fazer realmente este País é investir naquilo que é mais simples, nas coisas mais simples; nas coisas que são pequenas para um governo, mas são grandes para os interesses das pessoas. Como podem tirar, por exemplo, 86% dos recursos que iriam para a educação rural? Como vão tirar isso? Como tirar exatamente de quem já estuda com muita dificuldade? Vão tirar 99% do saneamento básico; 97% da assistência social, da educação, da moradia e da alimentação; 86% da reforma agrária.
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Então, na verdade, isso é que nos está descaracterizando. Como o País vai evoluir se eles estão, cada vez mais, só olhando e atendendo o interesse dos rentistas, daqueles que vivem de juros, de aplicação, de cartão de crédito etc.? Estão dispensando um trilhão para as petrolíferas estrangeiras; quatrocentos e poucos bilhões da Previdência, incluindo bancos e J&F etc. Então, nós temos que alertar para isso. Lamentavelmente, os meios de comunicação estão aí fazendo parte dessa conjuntura de enganação da Nação brasileira.
Aí temos o Senador Paulo Paim, que usa os microfones do Senado em uma quinta-feira já em ritmo carnavalesco, abre as portas desta Casa para debater um tema da maior importância para o trabalhador brasileiro, que recebeu a sua maior fraude, recebeu o seu maior retrocesso com aquela reforma que o Paim chama classicamente de reforma... Como é, Senador Paim?
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - De antirreforma.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Moderador/PTB - RR) - Não, você chama...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ah, de CLE: Consolidação das Leis do Empregador.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Moderador/PTB - RR) - Consolidação das Leis do Empregador! Eu a chamo de reforma do empregador.
Então, é em busca de resgatar tudo de novo que a gente não poderia, como Presidente desta Comissão, embora eu more no Estado mais distante, neste momento o mais esquecido e abandonado e de forma...
Nós estamos com uma migração desordenada de venezuelanos lá, migração que está impactando de forma geral - lá já está, e de forma brutal. Nós estamos numa crise socioeconômica no Estado, numa crise de fome realmente, numa crise humanitária no Estado. Aí vão quatro Ministros daqui dizendo que iriam lá resolver a situação. Na verdade, fizeram uma parada técnica para abastecer: eles estavam indo era para o Suriname e queriam que a Governadora se deslocasse... A Governadora, coitada, quando viu aquilo, respirou... Eu não sou nem da base dela. O Partido dela é o PP, da base do Temer. Então, ela, esperançosa, porque o Estado está praticamente em estado de calamidade, se preparou para apresentar a esses Ministros a realidade, mas eles mandaram dizer que, se ela quisesse conversar com eles, que fosse à base aérea. Vejam que falta de respeito! Será que é porque Roraima tem 0,2% dos eleitores? Será que é porque Roraima tem 0,2% do PIB, exatamente porque a corrupção do Líder do Governo não deixa Roraima respirar?
Então, essas coisas todas, lamentavelmente, estão acontecendo neste Brasil que nós tanto amamos. Mas teremos força suficiente para superar essas crises. Eles são minoria. A corrupção deste País é minoria. Os rentistas deste País são minoria. As pessoas de bem são muito maiores. E eu sempre digo que, entre o sonho e a realidade, só há um passo: atitude. E atitude é o que não falta em você, Paulo Paim, porque você vem aqui bravamente.
Eu não sei nem se você dorme, porque você é o primeiro a chegar e o último a sair. A gente tenta quebrar esse ritmo do Paulo Paim, dizendo "hoje eu chego primeiro do que ele", mas, quando eu chego ali no cafezinho para bater meu ponto, ele já está sentado conversando com o mundo inteiro. Então, realmente ele é um grande trabalhador, alguém que coloca o seu trabalho, o seu conhecimento e o seu amor na luta pela causa trabalhista.
Por que vocês não batem palmas para o Paulo? Ele merece já nesta manhã, não é verdade? (Palmas.)
Bom, então vamos iniciar os nossos trabalhos.
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Nós temos aqui alguns convidados, como a Vanessa Patriota da Fonseca, Procuradora do Trabalho e Vice-Coordenadora da Coordenadoria Nacional do Combate às Fraudes nas Relações do Trabalho, que nos honra compondo a Mesa. Uma salva de palmas. (Palmas.)
Temos aqui também Maria Roseniura de Oliveira Santos, Auditora Fiscal do Trabalho, que tanto nos honra. Por favor. (Palmas.)
Ângelo Fabiano, Presidente da ANPT. Palmas para o Ângelo. (Palmas.)
Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
Não chegou? Mas está chegando, não é? (Palmas.)
Então, vamos. Senador Paulo Paim, como Relator, V. Exª quer falar alguma coisa a mais? Qual o prazo? Nós deveríamos começar com qual...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós poderíamos destinar quinze minutos para cada um, porque é isso que tem sido feito. E depois de eles falarem, poderíamos fazer algumas perguntas, tecer alguns comentários, interagindo inclusive com o plenário.
É com você.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Moderador/PTB - RR) - Então, vamos começar com elas, as mulheres. Vanessa.
A SRª VANESSA PATRIOTA DA FONSECA - Bom dia a todas e a todos; Senador Paulo Paim; Senador Telmário; meu colega, Dr. Ângelo Fabiano; Drª Roseniura, que também foi minha colega na época da fiscalização do trabalho.
Eu queria dizer, primeiro, da minha satisfação com o trabalho desta Subcomissão. Como disse um pensador, na vida, diferentemente do xadrez, o jogo não termina com o xeque-mate. Nós levamos um xeque-mate, fomos engolidos por uma reforma trabalhista, mas eu acredito que vamos nos reerguer, vamos continuar pautando o tema e, num breve espaço de tempo, teremos como mensurar os efeitos desastrosos dessa reforma e como pautar novamente o tema. E que bom que já estamos caminhando com as discussões por aqui.
O tema de hoje, desta audiência, é um pouco amplo. Eu vou me deter a parte dele, a que diz respeito à caracterização da relação de emprego.
Nós sabemos que a criação do conceito de relação de emprego remonta ao próprio Direito do Trabalho, quando surgiu como ramo autônomo do Direito, objeto da própria relação de trabalho. Esse conceito de relação de trabalho é universalizado. Embora tenhamos, em alguns códigos, como, no caso do Brasil, na CLT, ou na Espanha, com o Estatuto dos Trabalhadores, os elementos caracterizadores da relação de emprego, mesmo naqueles códigos em que esses elementos não se fazem presentes, em que não há dispositivos mencionando esses elementos, o conceito de relação de emprego e os elementos para sua caracterização permanecem os mesmos. É um conceito universal que se baseia principalmente no elemento da subordinação do trabalhador ao tomador de serviços.
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Esse conceito de subordinação, na sua concepção clássica, tradicional, foi baseado numa relação de trabalho na época da Revolução Industrial, quando nós tínhamos o trabalho do operário nas fábricas. Era muito fácil se caracterizar essa subordinação, porque o operário estava ali num local de trabalho de propriedade do empregador - a fábrica -, recebendo ordens e sob a vigilância do empregador e de seus prepostos e com horário rígido previamente estabelecido. Eram tarefas elementares, muito simples, que eram realizadas com pouca margem para autonomia técnica. Era muito fácil se configurar essa subordinação.
Só que, depois da Segunda Guerra Mundial, houve muita mudança, uma grande mudança socioeconômica, com a ampliação, o aumento da concorrência internacional, com a abertura dos mercados, com a globalização, com o surgimento de novas tecnologias, com a mudança, uma reestruturação mesmo do processo produtivo nas empresas, que passou a focar na ideia de empresa enxuta e repassar para terceiros as atividades periféricas da empresa. Com isso, esse conceito de subordinação precisou ser ampliado para abarcar essa gama de trabalhadores que se mantinham subordinados ao tomador de serviço, mas sem receber essas ordens tão diretamente. Nesse processo, surgiu uma gama de trabalhadores que ficava numa zona grise entre autonomia e subordinação. E era preciso dar uma resposta a isso. Além desses, havia aqueles trabalhadores que estavam ali contratados como terceirizados.
Então, foi preciso ser repensado esse conceito de subordinação clássico, tradicional. E, evidentemente, os arts. 2º e 3º da CLT, onde constam esses elementos da relação de emprego - entre eles a subordinação - precisavam também ser olhados sob esse novo viés, para considerar esses trabalhadores dentro do objetivo de tutela do Direito do Trabalho. Com isso, várias teorias foram surgindo, partindo do pressuposto de que nós teríamos que pensar no conceito de subordinação do ponto de vista teleológico, da finalidade do Direito do Trabalho, qual seja, a tutela do trabalhador.
E, dentre essas teorias, no Brasil nós tivemos muito forte e Teoria da Subordinação Estrutural, do Ministro Maurício Godinho Delgado, segundo a qual não bastava apenas verificar se existia, não importava apenas que existisse ordem direta do empregador para com o empregado, mas era importante verificar se o trabalhador estava inserido na dinâmica estrutural do tomador de serviços, no funcionamento, na organização do tomador de serviços e, com isso, configurava-se a subordinação. A ampliação desse conceito passou a dar conta, inclusive, desses trabalhadores ilicitamente contratados como terceirizados, que eram contratados como terceirizados, mas, na realidade, estavam subordinados ao tomador de serviço, porque inseridos dentro dessa dinâmica estrutural da empresa, do funcionamento da organização da empresa.
Hoje, a nossa grande preocupação passa a ser com outra gama de trabalhadores, que têm uma certa autonomia, mas são hipossuficientes, ou os eventuais, ou aquele número cada vez maior de trabalhadores que estão trabalhando no que a gente economia de bico, economia de compartilhamento: Uber, Cabify e tantos outros. É preciso que o Direito do Trabalho passe a dar conta disso aí também.
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Alguns teóricos, alguns doutrinadores e estudiosos, já vêm tratando desse assunto. Inclusive, na UnB, a Profª Gabriela Delgado sugere a aplicação dos direitos fundamentais trabalhistas aos autônomos hipossuficientes e aos eventuais, muito embora ela mesma diga que isso tem de ser aplicado com muito cuidado, porque, na medida em que nem todos os direitos trabalhistas seriam aplicados a esses trabalhadores, haveria uma diminuição desse rol de direitos para esses trabalhadores, o que poderia levar também à precarização do trabalho de uma forma geral, indo ao encontro da desregulamentação do Direito do Trabalho.
Outros doutrinadores defendem a criação de um terceiro gênero, que não teria nem autonomia nem subordinação, mas que seria caracterizado pela coordenação. Então, estaria o trabalhador trabalhando de uma forma contínua, com pessoalidade; não haveria subordinação, mas uma coordenação, uma coligação funcional entre a prestação de serviço e a atividade do tomador de serviços.
Essa ideia surgiu na Itália, há algum tempo, como parassubordinação. De início, se pensava que seria uma coisa boa, porque iria ampliar os direitos sociais para uma gama de trabalhadores - aí, onde a subordinação não ficava tão evidente -, mas também a experiência veio mostrar que isso foi veio contribuir para a desregulamentação do Direito do Trabalho, na medida em que vários trabalhadores empregados passaram a ser contratados como parassubordinados, com menos direitos trabalhistas. Então, esse é um cuidado também que se precisa ter.
Diante, então, dessa noção da subordinação - e, aí, o conceito de subordinação estrutural como elemento caracterizador da relação de emprego -, eu queria dizer como a reforma trabalhista se mostrou esquizofrênica. Por quê? Como é que a gente admite... Vista a subordinação, termos uma relação de emprego e, ao mesmo tempo, é possível terceirizar a atividade finalística da empresa. Essas são coisas absolutamente inconciliáveis: ou bem nós admitimos que há subordinação e, portanto, configurada a relação de emprego, ou bem admitimos que é possível terceirizar atividade-fim sem que haja configuração de vínculo de emprego com o tomador. Isso é muito óbvio, e vou explicar por quê.
A terceirização, a gente sabe, surgiu na administração com a ideia de empresa enxuta. Então, a ideia era: vamos focar naquele fim para o qual a empresa se constituiu e repassar para terceiros atividades periféricas em que a empresa não tem know-how. Por exemplo, eu tenho uma fábrica de brinquedos, resolvo constituir uma fábrica de brinquedos, eu sei produzir brinquedos, sei de quantas máquinas eu preciso, o tipo de máquina, quantos trabalhadores, qual é o processo produtivo. No entanto, eu quero ter um restaurante dentro da minha fábrica de brinquedos para fornecer refeição para os meus empregados. Ora, eu não sei fabricar refeição, eu não sei fazer refeição, então vou contratar uma empresa especializada para montar o restaurante e fornecer refeição. Isso é realmente uma terceirização de serviço.
Acontece que, no Brasil, a gente começou a ver terceirização de atividade-fim - hoje é admitida pela reforma - em que o que aconteceria, no caso da nossa fábrica de brinquedos, seria que eu - dona da fábrica de brinquedos -, em vez de contratar uma empresa para fornecer a refeição lá no restaurante, resolveria contratar essa empresa para fornecer trabalhador para minha linha de produção. Ora, obviamente que eu - dona da fábrica de brinquedos - vou continuar dando as ordens, mesmo que não seja diretamente.
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Nenhum empresário em sã consciência vai investir em instalações, investir em maquinário, investir em divulgação e depois chegar para uma outra empresa e dizer: "Olha, outra empresa, você vai comandar minha linha de produção, contratar os trabalhadores e dizer como o processo vai ser feito, como o processo de produção vai ser feito." Isso não existe, isso não vai acontecer. É lógico que, ainda que indiretamente, vai haver a ordem partindo do tomador de serviços, vai ficar configurada a subordinação com o tomador de serviços.
Então, esse argumento de que a terceirização de atividade finalística é importante para reduzir custos é uma falácia. Terceirização para reduzir... Na terceirização legítima, o que acontece é aumento de custos, isso é uma questão matemática. Se eu contratar o trabalhador para minha linha de produção diretamente, eu vou pagar salários, benefícios e impostos; se eu contratar através de uma outra empresa, vou pagar salário, benefícios, impostos e o lucro da outra empresa. Então, a terceirização legítima só se justifica se eu não sei fazer aquilo, se eu não sei, sendo dona da fábrica de brinquedos, fazer refeição para os meus empregados; ou se eu sou dona dessa fábrica e há um elevador e não sei fazer a manutenção de elevador, obviamente. Só vai existir redução de custos na terceirização de atividade-fim com sonegação de direitos trabalhistas: se o prestador de serviços pagar salários menores, aplicar jornadas de trabalho maiores e não pagar as horas extras, se não conceder os intervalos para descanso, se não investir em prevenção de acidentes, e é isso que nós temos percebido.
Então, a terceirização de atividade-fim, na realidade, é um aluguel de gente: sou eu, dona da fábrica de brinquedos, que vou chegar para outra empresa e vou dizer: "Olha, eu estou precisando de cem trabalhadores, eu te pago R$2 mil por cada um, você vai gastar R$1,5 mil de salário e benefícios, os outros R$500 são teu lucro." Isso é inadmissível, isso não é admitido no mundo inteiro, isso é repudiado pela OIT desde a sua constituição, na Declaração de Filadélfia! (Palmas.)
No entanto, veio aí a reforma trabalhista admitir essa terceirização de atividade-fim, a prestação de serviço em atividade- fim. E é tão esquizofrênico o dispositivo, que ele diz o seguinte: que é possível a prestação de serviços, e essa prestação de serviços deve ocorrer com a transferência da atividade da tomadora para a prestadora - de qualquer de suas atividades, inclusive finalística -, desde que essa prestadora de serviços tenha capacidade econômica e dirija com autonomia o trabalho dos empregados. Então a gente tem aí que a reforma trouxe três elementos para a prestação de serviços: a transferência dessa atividade para a prestadora de serviços, a autonomia da prestadora de serviços para dizer como o trabalho vai ser feito e só ela pode dirigir o trabalho dos empregados, e a capacidade econômica delas.
Bom, eu quero entender como é que ela vai poder dirigir os trabalhos, exclusivamente e com autonomia, sem a interferência do tomador de serviços na atividade-fim do tomador de serviço. Como é que um banco vai contratar bancários através de outra empresa sem poder dizer quais são os sistemas que o bancário vai usar, quais são os documentos que ele vai exigir de um cliente que queira abrir uma conta, quais são as pesquisas que ele vai fazer sobre o cliente antes de conceder um empréstimo, qual é a margem de negociação que o empregado vai ter para negociar uma dívida do cliente? Como é que uma escola vai contratar professores através de outra empresa sem poder dizer qual é a metodologia de ensino aplicada, qual é a nota mínima, a nota máxima, qual é o período de avaliação?
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA PATRIOTA DA FONSECA - Estou terminando!
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Quinze com mais cinco.
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A SRª VANESSA PATRIOTA DA FONSECA - Enfim, o que eu queria trazer com isso aí é que a realidade vai mostrar que vai permanecer a subordinação, ainda que estrutural, dos trabalhadores contratados pelas prestadoras de serviço com o tomador. Tudo isso que eu disse aqui e que a gente está discutindo tem sido discutido internamente, no Ministério Público do Trabalho. Inclusive, tudo isso foi fruto de um manual da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes. Esse manual, inclusive, está na gráfica e vai sair distribuído para todos os juízes e todos os auditores fiscais do trabalho do País. Inclusive, vou mandar exemplares aqui para a Casa também, deve sair neste mês ainda...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se você e o Presidente permitirem, naturalmente, proponho, como Relator, que vocês possam vir um dia e apresentar o manual para que todo o Brasil saiba qual é o manual que vocês apresentaram para ajudar a diminuir a perda de direitos.
A SRª VANESSA PATRIOTA DA FONSECA - Isso, muito bom. A gente se compromete com isso.
Então, para finalizar, eu queria dizer que, como elemento caracterizador essencial da relação de emprego, a gente tem esse conceito ampliado de subordinação. E quero também manifestar minha preocupação, que nós passemos a olhar também essa outra gama de trabalhadores que está aí na economia de bico: Uber, Cabify e outros. Eu acho que isso precisa - sabe, Senador? - ser objeto de atenção desta Subcomissão o pessoal da economia de bico - Uber e Cabify -, que está aí, ao desabrigo da lei. Eu acho que, cada vez mais, está sendo ampliado o número de trabalhadores nesse segmento. Eu acho que deveria haver uma audiência pública sobre isso. Nós temos debatido isso no Ministério Público do Trabalho e, inclusive, na Escola Superior do Ministério Público da União, eu já organizei dois cursos para os colegas sobre este tema: novas formas de contratação. Temos especialistas sobre o assunto: Dr. Rodrigo Carelli, que é Procurador do Trabalho e está estudando, e a Drª Ludmila Abílio, dos Cesit, que sempre está aqui presente. Ela tem participado como capacitadora desses cursos. Nós vamos, inclusive, vamos fazer um seminário, em São Paulo, dia 8 de maio, para procuradores e juízes, com a presença de uma professora de Portugal, Drª Teresa Moreira. Se for oportuno para esta Comissão, poderia fazer uma discussão sobre isso até aproveitando a Profª Teresa Moreira, que é uma grande especialista na Europa sobre o assunto. Inclusive, a gente teve uma decisão recente do Tribunal Europeu que determinou o reconhecimento de vínculo de todos os motoristas de Uber em toda a União Europeia. A Drª Teresa é uma especialista no assunto, acho que é o momento de a gente discutir o tema também.
Então era isso, era essa a contribuição que eu queria trazer por parte do Ministério Público do Trabalho.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Moderador/PTB - RR) - Senador Paulo Paim, eu estava atentamente ouvindo a Drª Vanessa fazer sua exposição e me lembrei de um tio meu, homem simples, do campo. Ele dizia: "Olha, está o nome, está a pessoa". Vanessa Patriota: ela falou com muito patriotismo, com muito amor, não é? (Palmas.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Fale que nós vamos aceitar...
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Moderador/PTB - RR) - Sim, as duas proposições dela, as duas sugestões, são bem-vindas. No horário oportuno, o Senador Paulo Paim, que é campeão em fazer audiências boas para o povo, já vai naturalmente fazer esse requerimento e já vamos aqui, naturalmente, aprová-lo.
Agora, para a gente colocar um homem e uma mulher para falarem, vou pular a Maria - seria a vez dela agora - e chamar o Ângelo para fazer a sua fala, por favor.
Quero anunciar aqui também - quero palmas - a presença do Dr. Guilherme, que se encontra aqui presente com a gente. Eu já tinha falado aqui antes do Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. (Palmas.)
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A SRª VANESSA PATRIOTA DA FONSECA - O Dr. Guilherme, inclusive, participou da primeira capacitação que nós fizemos na Escola Superior sobre o Uber, ele foi um dos capacitadores.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixe-me falar: agora saiu o relatório - e o Presidente já falou - do número de audiências públicas. Nós fizemos aqui umas 180. Quem fez mais próximo no ano que passou fez umas 50. Dessas 180, acho que você esteve em quase todas! Isso é para mostrar quão guerreiro é esse Dr. Guilherme. (Risos.)
O SR. ÂNGELO FABIANO - Bom dia, senhoras e senhores.
Agradeço ao Senador Telmário Mota, Presidente desta importante Comissão do Senado Federal.
Agradeço também ao nobre Senador Paulo Paim, nosso guerreiro, juntamente com outros Senadores, como o Senador Telmário Mota, na defesa dos direitos dos trabalhadores, dos direitos sociais como um todo. E agora, especialmente também, naquela luta contra a reforma da previdência, tão perversa, cuja aprovação tem sido pelo Governo Federal, com várias e várias mentiras, ilações e falácias.
Enfim, saúdo todos os palestrantes e expositores, as pessoas que compõem esta Mesa, na pessoa da minha querida colega e amiga "Vá Nessa" Patriota - permitam-me, porque é assim que ela costuma corrigir, apesar de se escrever Vanessa, nós a chamamos de "Vá Nessa" ou "Vans", os amigos mais próximos, extremamente capacitada, colega que dignifica o Ministério Público. Saúdo os demais aqui, o meu amigo Guilherme Guimarães Feliciano, o grande lutador, guerreiro das causas de direitos sociais e da luta pela valorização da magistratura; representante do Ministério do Trabalho e Emprego; auditora fiscal - parceira do Sinait, assim como o Sinait é parceiro da ANPT -, e telespectadores do Brasil inteiro que assistem a nós.
Senador Paulo Paim, é um orgulho mais uma vez poder participar de mais uma...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Na mesma linha do Dr. Guilherme: talvez mais de uma centena de vezes. (Risos.)
O SR. ÂNGELO FABIANO - Mais uma vez. Talvez não chegue a participar desse número recorde de audiências que o senhor coordena, mas a ANPT sempre busca estar presente: seja por mim, seja por nossa Vice-Presidente, Ana Cláudia, ou por qualquer por outro procurador associado da ANPT que representa o Ministério Público.
Mas, antes de tudo, quero parabenizar a nossa colega "Vá Nessa" pela exposição, que é justamente a posição também da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. Nós, juntamente com a Anamatra, Sinait, Abrat e o Ministério Público, capitaneados pelo Senador Paim e por outros Senadores e Deputados, fomos totalmente contra essa reforma trabalhista, assim como somos contrários à reforma da previdência, porque entendemos que não há qualquer tipo de tentativa de manutenção de privilégios de quem quer que seja, e, sim, um jogo de mentiras do Governo Federal e da base aliada para que se engane a população dizendo que ambas as reformas - uma delas já aprovada - vão trazer benefícios para o Brasil, sejam quais benefícios forem, para a economia, enfim... Mas a gente vê que vão trazer benefícios, se aprovadas - uma delas já vai trazer, já está trazendo benefícios -, para um setor específico, que é justamente o setor do empresariado, o setor patronal.
Então, tentando me reportar mais aqui ao tema da nossa audiência pública, que diz respeito à caracterização de emprego, jornada e remuneração, concordando, sim, com tudo que a "Vá Nessa" Patriota falou, das várias possibilidades que nós temos hoje de caracterizar o vínculo de emprego, ainda que a lei traga algumas enganações para que o trabalhador seja enganado e ache que não tem mais direito àqueles benefícios que são trazidos na legislação trabalhista, nós temos, sim, que tentar, cada vez mais, configurar a existência do chamado contrato realidade.
O contrato de trabalho, como nós sabemos - operadores do Direito Trabalho -, é um contrato realidade, em que não importa o que há no papel, não importa se você é contratado como trabalhador terceirizado no papel, não importa se você é contratado como trabalhador autônomo no papel ou sem papel, enfim, mas a forma não interessa, o que interessa para nós, para a Justiça do Trabalho, para os procuradores do Trabalho, auditores fiscais do Trabalho, é como se desenvolve aquela relação de trabalho na situação prática.
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O contrato de trabalho, como nós sabemos - operadores do Direito Trabalho -, é um contrato realidade, em que não importa o que há no papel, não importa se você é contratado como trabalhador terceirizado no papel, não importa se você é contratado como trabalhador autônomo no papel ou sem papel. Enfim, a forma não interessa, o que interessa para nós, para a Justiça do Trabalho, para os procuradores do Trabalho, auditores fiscais do Trabalho, é como se desenvolve aquela relação de trabalho na situação prática.
Então, presente a pessoalidade, o trabalho prestado por pessoa física com pessoalidade, com onerosidade - geralmente ninguém trabalha de graça, só os voluntários -, com subordinação - que é a parte principal, o elemento principal, como foi bem destacado pela colega "Vá Nessa" -, e também com a não eventualidade, que é justamente uma espécie de continuidade, ou seja, a permanência na prestação de serviços, há, sim, a configuração do vínculo de emprego e a extensão de todos os direitos trabalhistas previstos na CLT. Então, hoje há uma grande flexibilização com relação à eventual caracterização de vínculo no emprego, e isso é feito sempre com vistas a reduzir direitos e a reduzir custos para aumentar o lucro do empresariado. (Palmas.)
A principal função foi essa, como se o Direito do Trabalho fosse o responsável pela crise econômica política e social que assola o Estado brasileiro, quando nós sabemos que não tem nada a ver.
Então, hoje se tirou do lado mais fraco - que era o trabalhador - para, retirando direitos, deixá-lo cada vez mais frágil. Mas hoje nós - operadores do Direito, procuradores, juízes e auditores - temos diversos elementos para que contratos fraudulentos sejam afastados e, a partir daí, haja a devida configuração do vínculo de emprego.
Então, se você que nos assiste vier a ser contratado eventualmente como trabalhador autônomo - como se trabalhador autônomo fosse -, mas que presta serviços, na sua pessoa, com uma certa exclusividade, com continuidade e com subordinação às ordens, àquela estrutura operacional daquele tomador de serviços, você pode ter certeza de que, se houver uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho e se houver uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, haverá, sim, a caracterização da relação de emprego. Então, o que acontece é que essa lei tenta enganar o trabalhador brasileiro, ela tenta mostrar ao trabalhador brasileiro que ele não tem mais direitos, mas, na realidade, o que vai contar é o que existe de fato naquela configuração jurídica.
Então, no caso de vínculos como autônomo, vínculos como pessoa jurídica - a falsa pessoa jurídica, quando o trabalhador é obrigado a formalizar uma pessoa jurídica individual para prestar serviços -, presentes esses elementos jurídicos, elementos fático-jurídicos da relação de emprego, o vínculo tem que ser estabelecido e, a partir daí, todos os direitos: férias, décimo terceiro, o salário mínimo, enfim, todos os direitos que estão previstos no art. 7º da Constituição e também aqueles previstos na CLT.
Então, não caiam nessa falácia...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me interrompê-lo rapidamente.
Eles querem vender a imagem de que contrato autônomo exclusivo é um contrato entre as partes e não se tem direito social nenhum. É importante o esclarecimento. Se assim eles estão pensando, a Justiça do Trabalho pensa diferente. Eles tentarão, já estão aplicando isso, e não estão pagando nada, só aquilo correspondente àquele contrato. Você está orientando que se entre na Justiça.
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O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA - O trabalhador autônomo não tem proteção nenhuma.
Vão falar: "Ah, não retiramos direito de ninguém." Retiraram sim, porque a partir do momento em que você engana o trabalhador dizendo que ele pode passar a ser autônomo prestando serviço de forma contínua e com exclusividade... A MP retirou formalmente a exclusividade, mas não proibiu que se preste serviço a um único tomador, ou seja, na prática continua a possibilidade da exclusividade. E uma relação de trabalho, quando há exclusividade e uma prestação de serviços de forma contínua, em mais de 90% das vezes, Senadores, será uma relação de emprego. Claro que cada situação terá que ser analisada concretamente, a partir dos fatos ali estabelecidos. Mas, na sua grande maioria, será uma fraude à relação de emprego. E a partir daí o trabalhador tem seus direitos garantidos, sim, e deve procurar a Justiça ou o Ministério Público do Trabalho ou o Ministério do Trabalho e Emprego para ter essa garantia de ter os direitos ali respaldados. Então, são essas e outras situações...
Assim também é com a terceirização. Como a Vanessa muito bem explicou, a terceirização... Hoje retiraram aquele conceito de diferença entre atividade-fim e atividade-meio, mas não retiraram a existência dos elementos fático-jurídicos. Então, a intermediação de mão de obra, quando o trabalhador tem sua força de trabalho vendida por uma empresa intermediadora para uma empresa principal tomadora, empresa intermediadora essa que vai passar a dirigir toda aquela prestação de serviço, a ter todo o controle operacional e de direção dos serviços sobre o trabalhador... Ele continua sendo subordinado àquela empresa tomadora. Então, essa é outra falácia que a gente pode, sim, afastar e declarar a ilegalidade da terceirização, seja na atividade-fim ou até na atividade-meio. Isso não foi mudado. Graças a Deus não mexeram com os arts. 2º e 3º, que continuam trazendo os elementos fático-jurídicos.
São esses os aspectos que eu queria citar aqui quanto a esse tema da caracterização do emprego. E quero dizer que não se enganem, procurem os órgãos de defesa do Direito do Trabalho quando tiverem alguma dúvida sobre se há ou não a relação do emprego para que a gente possa aplicar a devida proteção.
Com relação à jornada de trabalho, Senador...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só me permita - depois a gente acerta o tempo - dizer algo em relação à medida provisória. Para eles atenderem à Base, que exigia algumas mudanças paliativas, mas sempre importantes, eles editaram a medida provisória, mas não instalaram a comissão, já venceu o prazo, e tudo indica que não vão votar essa medida provisória. Eles fizeram de conta que estavam atendendo a sua Base, mas a medida provisória vai cair agora no fim do mês, e eu não vejo movimento nenhum aqui, nem para debater e muito menos para votar a medida provisória.
O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA - Ou seja...
A SRª VANESSA PATRIOTA DA FONSECA - Eu mandei até no grupo do WhatsApp do Estatuto do Trabalho que a OIT se manifestou pedindo que o Brasil reveja pontos da reforma trabalhista, inclusive a questão da prevalência do negociado sobre o legislado. Saiu ontem essa decisão da comissão da OIT pedindo explicações ao Governo brasileiro, pedindo que o Governo brasileiro reveja alguns pontos da reforma.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me mais uma vez - o seu tempo está parado; ajuda aí, Presidente.
Isso é bom para ver como eles mentem. Quando nós fizemos o debate da reforma trabalhista - está no meu relatório que vocês todos aqui ajudaram a construir -, nós já dizíamos que ela ia contra os princípios da OIT. Eles arrancaram um documento fraudulento não sei de onde e vieram dizendo que a OIT estava concordando com aquela reforma. Aí a OIT respondeu dizendo que não, que não concordava coisa nenhuma.
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Agora, oficialmente, está aqui o documento, inclusive, na mesa, o Clerisson me passou uma cópia, que mostra isso que a doutora falou agora: a OIT praticamente condena o Brasil pelo questionamento que faz, por essa reforma que é hedionda para mim, é truculenta, é criminosa, é desumana.
O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA - Ou seja, Senador, aquela conversa que nós acompanhamos muito bem durante a tramitação de que a medida provisória seria editada, e ela foi editada, ainda que não tenham cumprido diversos compromissos como vetos e outras situações que não constaram da medida provisória. A medida provisória foi um elemento, nós sabemos disso, de tentativa de consenso com uma parte da Base aliada que não queria votar, tinha várias divergências com relação a vários pontos.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Como estão fazendo agora com a reforma da previdência.
O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA - Da mesma forma.
Então, vem a medida provisória, não há movimentação nenhuma para se aprovar essa medida provisória, há uma tendência de essa medida provisória decair, daí se restabelece o texto original, que é perverso.
A medida provisória piorou em alguns aspectos, melhorou em outros, para tentar cumprir esse eventual compromisso, mas se não vier a ser aprovada nos pontos positivos, a lei continua muito ruim, como ela é de fato. Ela ainda é muito ruim, mesmo com a medida provisória. Essa é uma preocupação nossa, do Ministério do Trabalho, da ANPT, da Anamatra, enfim, de todos nós.
Quanto à questão da jornada, houve uma ampla flexibilização, ou seja, vai na contramão. Hoje a nova CLT, que foi chamada aqui de CLE, consolidação das leis dos empregadores, ou empresários, e a gente chama também de código patronal, trouxe uma ampla flexibilização para quê? Baratear custo de mão de obra, tirar direito seu. Você vai trabalhar mais, e não vai receber hora extra. Sendo bem claro: é isso. Aumentaram-se várias hipóteses de flexibilização, de compensação via aumento de jornada, inclusive algumas absurdas, como jornada de 12 horas por 36, aquela de 12 horas de atividade, de trabalho por 36, inclusive em atividades insalubres, como no setor de saúde, o que pode ser feito por acordo individual. Qual é o empregado que não vai acordar? Porque se não, ele pode perder o emprego. Então não tem vontade do empregado, é só do empregador, na grande maioria das vezes. E o trabalhador da saúde fica submetido a uma jornada de 12 por 36 sem qualquer tipo de autorização do Ministério do Trabalho e Emprego para aquela atividade que é, por sua natureza, uma atividade insalubre. Então, essas e outras situações de você possibilitar o estabelecimento de um banco de horas por meio de acordo individual, que antes precisava da participação do sindicato para dar um respaldo ao trabalhador. Hoje, não. Por até seis meses pode acordar ele próprio, com a vontade dele, qualquer tipo de flexibilização de jornada de modo que ele não receba hora extra.
Aí você vê que nessa questão da jornada 12 por 36, além dessa maldade de estabelecer essa questão do setor de saúde e outras questões, como o negociado sobre o legislado, que foi criticado pela própria OIT após diversas críticas nossas, se retirou do trabalhador que hoje trabalha 12 por 36 o pagamento em dobro do feriado. Ninguém vê isso. Antes havia uma súmula do TST dizendo que quando a jornada de 12 por 36 caísse no feriado o trabalhador tinha que receber aquele dia em dobro. Agora, não; ele está compensado, é um dia normal de trabalho. Mas é feriado e ele não recebe em dobro.
Outra coisa: a prorrogação do trabalho noturno, que é aquele período que supera as 5 horas da manhã. Ele não vai receber o adicional. Então, outro direito foi retirado. Você que trabalha em jornada de 12 por 36 vai ter retirado o pagamento em dobro e vai ter retirada a prorrogação do trabalho noturno, sem qualquer...
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Quero saudar o nobre Secretário-Geral da Mesa e Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, Dr. Luiz Fernando Bandeira.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita que eu peça uma salva de palmas ao Bandeira. É parceiro de todos os 81 Senadores, independentemente da questão ideológica, partidária. Faz um papel brilhante e por isso foi votado, praticamente por unanimidade. (Palmas.)
O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA - Enfim, retirou-se um direito fundamental do trabalhador brasileiro, principalmente daqueles que trabalham longe do local em que residem, os rurais, aqueles trabalhadores que trabalham em canteiros de obras distantes, as chamadas horas in itinere, aquele período que o trabalhador às vezes perde, de duas, três horas no ônibus da empresa, porque é em local de difícil acesso, não servido de transporte público, duas, três horas para ir e duas, três horas para voltar. Ele tem que acordar muito cedo e dormir muito tarde. Retirou-se por completo esse período que ele fica à disposição do empregador, e é interesse do empregador que ele vá àquele local do trabalho. Então, retirou-se por completo. O trabalhador agora perdeu essas 4, 5, 6 horas de deslocamento. Antes isso era computado na jornada de trabalho, essas ocasiões excepcionais, não toda ocasião, logicamente.
São situações que mostram, sim, que muita coisa tem que ser revista. Daí a importância dessa Subcomissão do Estatuto do Trabalho, capitaneada pelo Senador Paulo Paim, pela sua bela equipe aqui, para que se reveja muitos pontos dessa legislação esdrúxula que se trouxe para o direito trabalho. Alguns pontos podem até ser discutidos? Sim, mas muita coisa tem que ser revogada e discutida com profundidade para que se preservem realmente os direitos sociais do trabalho. E com a nossa participação, como procuradores do trabalho, como juízes do trabalho, como auditores.
A gente tenta, cada vez mais, com a Constituição, que é a nossa Lei mãe, a partir de uma visão de interpretação constitucional, tendo como norte também as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, especialmente aquelas da Organização Internacional do Trabalho, que têm status supralegal, portanto, acima da CLT, então têm que ser respeitadas, estão acima dessa reforma trabalhista, a partir dessa interpretação a gente tem o dever de fazer, e fará, essa devida proteção e interpretação, de modo que os danos possam ser diminuídos.
Eu faço um convite também, trago essa informação de que a intenção da Associação no próximo Congresso Nacional de Procuradores do Trabalho é justamente discutir o papel ativo do Ministério Público do Trabalho na construção jurisprudencial pós-reforma trabalhista, para que o Ministério Público do Trabalho, como instituição fundamental para a aplicação da justiça social, possa contribuir para que os juízes do trabalho apliquem cada vez mais uma proteção social sobre essa nova reforma trabalhista. É um papel que a gente tem que cumprir, e tem sido cumprido pela PGT, pelo Ministério Público do Trabalho, pela ANPT, pelo papel que o Ministério Público tem de defesa da ordem jurídica dos direitos sociais e individuais indisponíveis.
Então são essas e outras as ponderações que a gente faz.
Nós também temos material produzido. Eu aconselho a quem tiver interesse um livro lançado pela ANPT e outro pela Anamatra, que traz interpretação de procuradores e de juízes sobre a reforma trabalhista. São vários artigos sobre todos os temas. Vale a pena a leitura. Demonstram o posicionamento do Ministério Público do Trabalho e da magistratura do trabalho sobre essa nova reforma trabalhista.
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É algo que pode ser também utilizado, além de notas técnicas nossas, estudos do Ministério Público do Trabalho que estão sendo divulgados também, que tratam da convencionalidade, que é a aplicação das normas internacionais, da constitucionalidade e da interpretação. Nosso interesse, Senador Paim, é sempre lutar pela preservação dos direitos sociais. E isso inclui também a previdência social, acabar com essa mentira que é essa reforma da previdência.
Nós estamos aqui, pela ANPT, totalmente à disposição de V. Exª para o que for necessário, para que a gente consiga sempre superar essas dificuldades. Eu sou um otimista. Eu acho que a gente tem sim a possibilidade de, num futuro próximo, apesar do estado das coisas hoje no Brasil, ter um revés a ponto de conseguir minorar esses danos sociais que estão acontecendo.
Agradeço, mais uma vez, a oportunidade.
Muito obrigado.
O SR. PAULO BAUER (Bloco Social Democrata/PSDB - SC) - Agradeço muito ao Dr. Ângelo Fabiano, Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), por mais essa bela contribuição que tem dado sempre que é convidado a estar presente.
Eu queria dizer, Dr. Fabiano, que eu tenho muita esperança em 2018. Se a gente conseguir, em 2018, eleger um governo - eu não vou fazer aqui um discurso partidário, o Bandeira sabe que eu tenho muito cuidado com isso - comprometido com o povo brasileiro e conseguir fazer as mudanças que todos nós queremos fazer também no Congresso, que os bons voltem, mas que aqueles que não são bons e que não atenderem ao interesse da população não voltem. Esse é o processo da democracia.
Esse trabalho que nós estamos fazendo aqui, já com a 15ª audiência pública, é para a construção de um verdadeiro estatuto ou código do mundo do trabalho. A intenção nossa aqui, Bandeira, eu sempre digo isso... Permita-me que o chame de Bandeira, viu? E pode me chamar de Paim também, Bandeira. Claro que ele sempre me chama de Senador, pela diplomacia que tem. A gente pretende entregar esse trabalho para cada candidato à Presidência da República, para que ele se comprometa, para que a nova CLT que podemos construir seja uma CLT efetivamente comprometida com o mundo do trabalho, respeitando empregado e empregador. Porque essa que foi aprovada, infelizmente, todos os depoimentos vieram nesse sentido, acaba sendo uma consolidação das leis do empregador. É nessa visão que a gente está construindo essa proposta. E na linha que você colocou, quem sabe o próximo governo reveja esse código e aprove outro? E a gente vai contribuir com esse trabalho, que todos, Senadores e Deputados, haveremos de apresentar.
Agora, Drª Maria Roseniura de Oliveira Santos, Auditora-Fiscal do Trabalho, representante do Sinait, que sempre está presente aqui toda vez que é convidada.
Uma salva de palmas. (Palmas.)
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Bom dia a todos.
Inicialmente quero saudar essa iniciativa. Nunca é demais ressaltar a importância dessa proposta de um projeto de contrarreforma.
O Senador Paim, quando apresentou essa proposta, disse - abro aspas -: "É uma ousada possibilidade para harmonizar os interesses de classe, trabalhadores e empregadores. É um sonho, porém não utópico." Agora, de certa forma, ele retomou essa mesma ideia para que a gente mantenha a força, a garra para continuar lutando para reverter ou ao menos minimizar, também tem que ser um pouco pragmático em certas situações.
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Destaco também que são importantes esses espaços de discussão que o Senador Paim sempre está abrindo e que esta Comissão, a Comissão de Direitos Humanos, também abriu, através da subcomissão que hoje abre essas discussões para a proposta de um novo código do trabalho, um espaço de democracia, que é o que falta nos mentores da reforma trabalhista. São imposições. O princípio democrático não é respeitado sequer entre os pares. Não se respeitam nem os acordos entre Governo e a sua própria Base, quanto mais se respeitam os trabalhadores e também o empresariado.
O desafio desse projeto, se contrapor a ele é desafiador, é buscar um ponto de equilíbrio para regular a relação entre capital e trabalho. Nesse aspecto principalmente a visão e experiência de auditoria fiscal do trabalho, que está no dia a dia na rotina dessa relação. A gente se põe no epicentro do furacão dos conflitos desses interesses no cotidiano e também, dentro dos limites de competência, com o Ministério Público, porque a magistratura tem que ser provocada, mas a fiscalização do trabalho e o Ministério Público do Trabalho estão mais próximos da situação enquanto ela ainda está ocorrendo.
Além da visão da auditoria fiscal do trabalho, registrando aqui a presença de alguns colegas e também cumprimentando o público que assiste a nós e diversos auditores que nos estão acompanhando, pretendemos trazer sobretudo essa experiência.
Falar depois tem vantagens e desvantagens. De certa forma, principalmente a fala da Vanessa já preparou alguns tópicos que nós tínhamos pensado.
Algumas das nossas reflexões estão fundadas também em pesquisas que nós estamos realizando no programa de doutorado de políticas sociais e cidadania da Universidade Católica de Salvador no Núcleo de Estudos do Trabalho. No nosso estudo preliminar, nosso objeto de estudo com a reforma aprovada é a principal evidência do meu objeto de pesquisa.
A reforma foi aprovada com esse viés economicista, predominantemente atendendo interesses econômicos e tem como origem... Já de longa data, desde 2003, o Banco Mundial tem um projeto denominado Doing Business, que monitora, que tem mecanismos indutores para forçar essas reformas no mundo inteiro. O Brasil sempre esteve nas posições de 21º a 25º na classificação, no ranking. Esse ranking é construído com diversos elementos de proteção à propriedade e também de regulação do mercado de trabalho. Na análise preliminar dos relatórios, nós identificamos, isso na reforma aprovada no Brasil foi absorvido integralmente e na nossa leitura preliminar foi muito além, eu acho que até superou as expectativas do projeto, e foi muito além...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Chegou aqui com 7 e virou 117 artigos. Você tem toda razão. Nem os mais conservadores do Brasil acreditavam que poderia sair uma reforma tão perversa contra o mundo do trabalho.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Nesse projeto, toda a estrutura, arquitetura, metodologia, inclusive de quem participa, têm viés da área da economia. Certamente isso explica esse perfil, como alguns já denominaram, de CLT, código de legislação do empregador, mas eu diria que, na verdade, foi uma reforma do grande empregador, porque muitos empresários, mesmo enganados por diversas mentiras, falácias, também são prejudicados no médio e longo prazo.
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A fala de Vanessa abordou a questão da terceirização, que ela disse que é esquizofrênica, não tem como fechar a conta de eu terceirizar, mantendo o lucro meu e da terceirizada, senão prejudicando os direitos do trabalhador. Mas não é só isso. Também prejudica a margem de lucro de toda cadeia terceirizada. E isso leva à perda de qualidade na execução dos próprios serviços. Perde a cadeia produtiva como um todo, mas, logicamente, o trabalhador é o mais prejudicado. E também se verifica no Brasil um processo de proletarização do empresariado, só que ele não vê, não consegue enxergar, assim como os trabalhadores parassubordinados ou dependentes econômicos da área de saúde.
No estudo anterior da nossa dissertação de mestrado, nós identificamos, analisando a eficácia, a eficiência da auditoria no setor, as dificuldades e desafios, um desafio também para o Ministério Público, que são os profissionais da área de saúde aceitarem ser protegidos, porque eles absorvem o discurso do empreendedorismo e até toda a simbologia da hegemonia do discurso neoliberal e não se sentem como explorados. Pior ainda os empresários. E os pequenos e médios empresários também se prejudicam nessa cadeia, porque na hora de apontar responsabilidades, se você terceiriza, quarteiriza, é o finalzinho da fila que vai pagar a conta. Então a terceirização desenfreada prejudica a todos, a coletividade, o trabalhador e também muitos empresários que estão enganados com essas mentiras reiteradas pelos defensores da reforma, pelos mentores desse pacote de maldades.
Esse projeto do Banco Mundial criou um ranking em que um dos itens é a regulação do mercado de trabalho. A OIT tentou interagir, eles recuaram em alguns pontos, mas pro forma, porque criaram outro ranking específico para o mercado de trabalho. A relação desse projeto com a reforma trabalhista no Brasil e em diversos outros países no mundo é favorecer e proteger o interesse dos grandes empresários do mundo bancário, do mundo financeiro. Esta semana, no Brasil, 150 deles estão lá em São Paulo. É esse grupo que patrocina esse projeto do Banco Mundial, que atua não só na reforma trabalhista, na parte jurídica, como também no esfacelamento das estruturas de proteção, fiscalização do trabalho, magistratura do trabalho, órgãos que atuam na defesa do trabalhador para manter esse equilíbrio.
Falou-se muito aqui em mentiras e mitos. Nós atualizamos recentemente, para participar dessa audiência, uma pesquisa para revelar, denunciar o que muitos poucos sabem: o mito do sonho americano da não regulamentação do mercado de trabalho. Dizem que lá não têm direito a isso, não têm direito àquilo, alguns até afirmam, com consciência, mentem descaradamente, como se não houvesse legislação de proteção ao trabalho, que não têm uma estrutura de inspeção do trabalho. Um fato bem recente foi a queda, com um impacto histórico, na Bolsa de Valores americana e, pela análise dos economistas, um dos fatores é o aumento dos salários mínimos em alguns Estados americanos.
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É assim que funciona a lógica de quem patrocinou a reforma no Brasil e em outras partes do mundo; é a lógica do rentismo e da escravidão, inclusive, de nações. Cai a Bolsa porque vários Estados americanos aumentaram o salário mínimo.
Nós atualizamos essa pesquisa num site do governo americano só para citar algumas leis que quebram esse mito, que muitos empresários vivem repetindo, enganados mesmo. Eles dizem assim: "Não, mas os Estados Unidos são desenvolvidos porque lá não há tantos direitos quanto no Brasil."
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É uma mentira dita tantas vezes, só confirmando, que até eles passam a acreditar que é verdade.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Exatamente.
Então, por exemplo, a lei do salário e da jornada de trabalho: nos Estados Unidos, há lei sobre isso. Há uma jornada máxima de 40 horas; o salário mínimo federal, porque lá a questão federativa é diferente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É em torno de US$1 mil, creio eu.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - O mínimo federal é de US$7,25 por hora, R$24. Uma hora do salário mínimo do trabalhador americano corresponde a praticamente um dia de trabalho dos nossos trabalhadores no Brasil. É uma espécie até de complessividade salarial, porque sete vezes mais, praticamente. A nossa hora aqui no Brasil dá pouco mais de US$1.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quanto é a hora lá?
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - É de US$7,25.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quem é bom de cálculo multiplique por 240, só para se ter uma ideia básica. Dólares.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - São 240 vezes quanto? Quanto?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mil e setecentos dólares? Olha, eu estava dizendo que era em torno de mil dólares. A senhora me atualizou já para eu mudar o discurso. Lá é de US$1,7 mil; aqui, no Brasil, pouco tempo atrás, era de US$60.
Com aquela briga que tivemos, conseguimos aprovar aquela política de inflação mais PIB nos governos Lula e Dilma, e hoje deve estar em torno de US$270. Já chegou a US$300. E veja que lá - eles dizem que, com o custo da mão de obra, não há como nós concorrermos - é de US$1,7 mil.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Mesmo que a gente aplique 200% de encargos, e não chegam a isso, nós ainda estaríamos a menos da metade do custo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E eles dizem que os encargos - esse é o discurso do patronato todo - são de 100%. Eles falam que a cada mil que se paga, são mil de encargos.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Eu já estou colocando uma quebrinha...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se fosse isso...
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Estou dobrando já, colocando outros cálculos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... não chegaria a quinhentos.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Não chegaria.
Então, há essa lei, há a lei de padrões trabalhistas justos, que prevê, sim, adicional de horas extras, apesar de haver um limite de 40 horas, com o adicional de horas extras.
Uma questão bem curiosa que foi objeto de ataque da reforma trabalhista foi a questão de saúde e segurança do trabalho. E aí fazem... Eu mesma ouvi recentemente, num evento, de um representante patronal isto: "Eu estive recentemente nos Estados Unidos, fazendo experiência em company - bá, bá, bá! - e lá não há tantas normas de saúde e segurança. É uma outra cultura." E eu disse que não. Também atualizei para essa audiência. No site da agência especializada em saúde e segurança americana, eu pensei até em pincelar algumas coisas, mas, depois, desisti, porque eram muitas coisas. Eu até me orgulhava, às vezes, de dizer que as NRs, as Normas Regulamentadoras de saúde e segurança do trabalho do nosso Ministério do Trabalho, eram das mais completas, ou pelo menos em extensão eram das mais amplas do mundo, mas tenho de rever isso. Não posso afirmar se esse ranking que eu criei ainda permanece, mas as normas de saúde e segurança que hoje estão nas diretrizes administrativas do governo americano são extensas, no mínimo tão extensas quanto as nossas Normas Regulamentadoras, e com perfil e diretrizes muito similares, por essa abordagem que fiz, atualizando para a nossa participação aqui.
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Lá também há lei previdenciária, só que num sistema diferente, público, também com forte enfoque privado, mas não dizem que a tradição, a prática é o patronato assumir cerca de 80% dos encargos. Não falam disso. Só falam a parte que interessa, e a repetem na mídia, gerando essas mentiras, essas falácias.
Para citar apenas...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse dado do patronato dá para repetir? Só para quem está nos assistindo pegar bem. Da previdência, do patronato...
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Da previdência social.
Há um sistema de previdência federal normatizado, e os trabalhadores têm acesso a essa aposentadoria e também têm aposentadoria privada complementar. Os custos, segundo os dados oficiais do site, são em torno de 80% pagos pelas empresas.
Então, mesmo com o fortalecimento das relações sindicais de que eles têm tradição, o que também foi objeto de flexibilização, de ataque, isso não justifica repetir que nós temos um sistema previdenciário - a grande mentira, dentre tantas - deficitário e que, no modelo americano, não há, já que esse é o modelo referencial nos discursos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só que aqui o empregador paga 20%, no máximo, sobre a folha. E tiraram grande parte desses que pagavam 20% e os passaram para 1,5%, 2% sobre o faturamento. Isso deu um prejuízo para a Previdência de alguns bilhões. Aí passam para o trabalhador pagar a conta, como estão querendo agora com essa reforma.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Então, veja, num cenário complexo, que já foi traçado pelos meus antecessores, esse mercado de trabalho heterogêneo e complexo é o cenário de desafio dessa proposta usada de uma nova legislação trabalhista. Obviamente, no caso não somente desse aspecto, mas é este que eu quero destacar e que se harmoniza, inclusive, com várias colocações da Vanessa: a questão da tecnologia, o impacto da tecnologia nessas reconfigurações de um mercado de trabalho, um mercado de trabalho tão complexo que mantém até hoje relações desde o trabalho escravo até as mais modernas. É um cenário de grande complexidade e heterogeneidade que desafia esse projeto mais ainda.
Nossas sugestões que vamos encaminhar para a fase mais propositiva são no sentido de que enfrentemos essa questão da tecnologia, começando pela questão da regulamentação do art. 7º, inciso XXVII, que é a proteção em face da automação. A Constituição já previa a proteção do mercado de trabalho em face desse processo de robotização e, agora, com o avanço do aumento de inteligência artificial. Qualquer país sério que queira realmente gerar desenvolvimento tem de regular, porque nem com a parte econômica o Governo brasileiro tem se preocupado. Se a reforma trabalhista tivesse um compromisso sério com os empresários brasileiros como um todo, e não um grupinho seleto transnacional, na sua maioria, teria, com certeza, colocado alguma coisa na CLT de qualificação, de uma política para regular a questão da automação para proteger o trabalhador, não impedindo o avanço tecnológico, mas criando mecanismos de proteção e também de qualificação, que é uma das principais ferramentas apontadas pelos especialistas para traçar a diretriz de política pública na questão da tecnologia.
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Porque ela extingue muitos postos de trabalho, não na mesma proporção gera outros, mas, se você não está preparado nem para absorver o que ela cria na única parte que talvez seja positiva nesse cenário, a questão é uma precarização cada vez maior e principalmente o enfraquecimento da nossa economia, porque não há como gerar desenvolvimento tecnológico, desenvolvimento científico. Essa é uma sugestão.
O desafio já é grande, mas eu acho que nós temos de pensar no nosso Estatuto do Trabalho no capítulo de proteção à automação com esse viés, retomando, mais uma vez, a fala do nosso Senador Paim, buscando a harmonização dos interesses da livre iniciativa e que valorize socialmente o trabalho, como propugna a nossa Constituição.
Além desse tópico, que eu acho que está até subentendido nas falas também, que o Estatuto do Trabalho, o Código do Trabalho proposto seja realmente o do trabalho, e que a gente o amplie, não só mantendo as bases da caracterização da relação de emprego que nós conhecemos até então, mas que alcance todas as relações de trabalho. O senhor disse que era uma ousada possibilidade. Então, eu viajei nessa sua formulação... (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E está indo muito bem, muito bem.
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Então, que o Estatuto do Trabalho também regulamente, dentro da legislação trabalhista, do escopo do direito do trabalho, além do que já foi colocado, a relação de trabalho autônomo - o verdadeiro autônomo, que ainda existe - e também o chamado trabalho parassubordinado, trabalho dependente. Nesse tópico, há uma experiência que eu acho que merece reflexão e que é positiva, partindo da premissa do viés da Auditoria Fiscal do Trabalho e também do Ministério Público do Trabalho, como Vanessa já fez uma síntese de várias iniciativas, das dificuldades que nós temos para alcançar - gera uma dificuldade para alcançarmos esse trabalhador.
Na experiência europeia, por exemplo, o Código do Trabalho português cria uma figura do contrato de trabalho presumido, porque aí facilitaria bastante, pensando pragmaticamente, para a auditoria, fixando-se os critérios legais da presunção, seria um facilitador para a nossa atuação, porque se evitariam os questionamentos na via judicial de muita coisa que hoje nós enfrentamos. Portanto, acho que a experiência portuguesa é bem interessante.
Há também os servidores estatutários, que estão postos num limbo sem proteção, porque, na parte judicial, há o Judiciário estadual e o federal, se o sindicato ou o próprio servidor buscar essa proteção; haveria o Ministério Público Estadual e o Ministério Público da União - não sei nem como colocar, Vanessa, para não me comprometer, se é Ministério Público do Trabalho ou Ministério Público Federal, não vou entrar nessa seara. Eles teriam uma proteção, mas, na fiscalização que nos diz respeito, no dia a dia, não há nenhuma estrutura de fiscalização, que seria a Auditoria Fiscal do Trabalho, que alcance esses servidores estatutários Brasil afora, sobretudo os municipais e estaduais, que estão também submetidos a uma exploração sem precedentes e com direitos desrespeitados Brasil afora, salários atrasados, parcelados como bem querem.
Com relação ainda à caracterização da relação de emprego, vou tocar no superpolêmico trabalho intermitente.
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Nós aqui queríamos dividir com vocês a reflexão no sentido de que o trabalho intermitente, como posto, evidentemente, não pode ser mantido, mas nós já tivemos uma experiência legislativa, a nossa CLT já previa lá no setor ferroviário o extranumerário, art. 244, que diz que é o empregado não efetivo candidato à efetivação que se apresentar normalmente ao serviço, embora só trabalhe quando for necessário. Então, nós já tínhamos um precedente de trabalho intermitente. E aí, dependendo da conjuntura em que sejam definidas as diretrizes e os princípios gerais do Estatuto do Trabalho, entendemos que é muito importante, ao contrário da reforma aprovada, traçar pelo menos alguns limites. Então, que o trabalho intermitente seja posto apenas na real necessidade da atividade econômica, como na hipótese de imprevisibilidade de demanda, porque há também necessidades empresariais de atender demandas excepcionais e nem sempre é possível adotar o modelo padrão, digamos, de contratação. Se for imprevisível, que a natureza não seja contínua, ao contrário do que está na reforma, e somente se a atividade empresarial, nesse contexto, justificasse, nos moldes da terceirização, como era antes da reforma.
Um critério interessante também, que já está na CLT, é a prioridade do intermitente na contratação, já que dizem que um dos objetivos é gerar emprego etc.
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Para concluir, para finalizar a nossa participação, pedindo desculpas por ter extrapolado o tempo concedido, o controle de jornada por novas tecnologias. A Three Square Market, que foi aquela pioneira em implantar chips para controle da jornada de baralho, divulgou que há empresas brasileiras interessadas. Eu acho que o Código do Trabalho tem que tratar disso, proibindo essa implantação para fins de controle de jornada.
Fechando, Senador, a qualificação... Se a reforma tivesse um compromisso mínimo com o desenvolvimento do Brasil, tanto no aspecto econômico quanto no social, também nós temos um débito com os trabalhadores e estudantes deste Brasil. Não temos nenhuma norma que os protege. Como professora universitária, várias vezes, os alunos me disseram: "Professora, como é que eu vou participar do Congresso?" Ou, em período de provas, falam das dificuldades para chegar no horário etc.
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA ROSENIURA DE OLIVEIRA SANTOS - Então, a minha sugestão é que agregue também proteção mínima, limitando a questão da jornada do trabalhador estudante para que ele possa realmente se qualificar e se preparar para esse novo mercado de trabalho.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Maria Roseniura de Oliveira Santos, Auditora Fiscal do Trabalho, representante do Sinait.
Esse olhar para a juventude eu acho fundamental, que a gente tenha também o olhar para a juventude e o mercado de trabalho. Eu percebo que a juventude hoje muitos dizem que está alienada, que não está participando dos grandes movimentos, mas é preciso também que a gente olhe para ela e apresente propostas para o debate com ela, inclusive. Por exemplo, pela reforma da previdência, a juventude pensa que não vai ser atingida. É principalmente a juventude, porque eles é que vão pegar esse novo momento. Os de mais idade vão pegar uma regra de transição, o que é ruim, mas o pior de tudo é para a juventude, que vai ter de trabalhar até 80 anos. Eles vão perceber que não se aposentarão antes de 80 anos, e não 65, devido àquele cálculo que há. A média de emprego do brasileiro é de 9 meses em 12. Se é de 9 em 12 e você terá de ter, no mínimo, 40 anos de contribuição, significa que você vai chegar próximo aos 80 para conseguir, em média, em nível nacional.
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Quando eram 49, e nós já tínhamos feito aquele cálculo, usávamos 64 como número de referência. Quem começasse a trabalhar com 20 anos só ia se aposentar com 84. Então, é relativo que se vai chegar aos 80 agora, se diminuir um pouco. Essa é a verdade dos fatos.
Agora chegou a vez, num bom momento, do Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, que é Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Quero só dizer que o Senador Telmário teve de se retirar por ter compromisso numa outra Comissão neste momento.
A SRª VANESSA PATRIOTA DA FONSECA - Eu vou pedir licença para me retirar porque tenho de pegar um voo de volta a Recife e já estou em cima da hora. Desculpe-me, Dr. Guilherme, por não poder assistir a sua fala, que tenho certeza de que será brilhante.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado, Drª Vanessa Patriota da Fonseca. (Palmas.)
Por favor, passe ali para acertar as agendas.
Muito obrigado, doutora.
Dr. Guilherme, com a palavra.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Senador Paim, agradeço, mais uma vez, o convite feito à Anamatra.
Nós temos participado de todas as reuniões que discutem essa importante iniciativa do Estatuto do Trabalho. Achamos que realmente é uma iniciativa emblemática, num momento em que nós sabemos que as chances reais de que isso tramite e venha a ser aprovado no Congresso Nacional são mínimas, mas este é o momento atual. Não sabemos como estará este Parlamento no ano que vem e nos anos subsequentes. Então, é fundamental que nós tenhamos um texto com essa qualidade, com essa consistência e com este perfil tramitando, para que ele lá esteja acessível no momento oportuno quando, finalmente, os Parlamentares perceberem que esta visão de mundo patrocinada pela Lei 13.467, pela chamada reforma trabalhista não trará bons frutos e, portanto, quando se perceber que o Estado continua sendo necessário nas relações de trabalho para garantir mínima civilidade no trato contratual entre empregado e empregador. Estou convicto de que esse momento chegará, e, quando ele chegar, precisaremos ter um texto já devidamente arreglado, com todas as contribuições necessárias, para que, aí, sim, nós tenhamos uma modernização da lei trabalhista.
E aí eu aproveito para fazer duas observações: quando a própria Anamatra tecia as críticas a diversos, imensos pontos da reforma trabalhista, essa expressão acabou ganhando até um tom pejorativo, e os protagonistas, entusiastas e defensores do que viria a ser a Lei 13.467 preferiam dizer "modernização trabalhista". É curioso como isso chega a ser irônico em certos aspectos. Dou apenas alguns exemplos para situar a minha fala seguinte. Temos lá a previsão do tarifamento das indenizações por dano moral. Foi uma das "novidades" - coloco entre aspas - da lei da reforma. O Supremo Tribunal Federal já havia dito, na década de 90 do século passado, em relação à Lei de Imprensa - que, depois, o próprio Supremo Tribunal Federal entendeu por bem ser incompatível com a Constituição de 1988 -, que essa tarifação do dano moral era absolutamente inviável na perspectiva de uma Constituição que prevê que a compensação do dano moral à imagem ou a indenização, a reparação, como queiram, deve ser integral e, portanto, não pode estar tarifada pelo legislador. O juiz tem de perceber qual deve ser a extensão dessa indenização caso a caso. Ou seja, aqui tivemos um retrocesso de uma década, uma década e meia.
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Da mesma maneira, a reforma veio dizer, no seu art. 611-B, parágrafo único, que questões relacionadas a intervalos e repousos no trabalho não são questões relacionadas à saúde e à segurança do trabalhador. Aqui eu diria a vocês que o retrocesso foi de 200 anos, porque o Direito do Trabalho nasce no início do século XIX, e os estudiosos apontam especialmente um diploma como aquele que simbolicamente inaugura este Direito do Trabalho contemporâneo, como nós o conhecemos, que é um diploma inglês, uma lei inglesa que todos conhecem pela denominação Peel's Act, porque Peel era o sobrenome do primeiro-ministro da Inglaterra à altura.
O que o Peel's Act fazia, basicamente, entre outras coisas, era limitar a idade para o trabalho, porque a Inglaterra vivia naquele momento praticamente um quadro endêmico de doenças do aparelho respiratório, especialmente entre jovens, porque esses trabalhadores mais jovens, crianças e adolescentes, trabalhavam na indústria têxtil sem nenhuma proteção e por jornadas muito extensas. Então, veio o Peel's Act, que estabeleceu idade mínima para o trabalho, determinou que essas fábricas têxteis tivessem pelo menos janelas para ventilação e estabeleceu o limite de jornada, à altura, se não estou enganado, de dez horas, no momento em que não havia limite algum.
Portanto, para resolver uma questão de saúde pública, o que a primeira lei trabalhista fez foi estabelecer um limite de jornada. O nome verdadeiro desta lei é Health and Morals of Apprentices Act, ou seja, Lei para a Saúde e a Moral dos Aprendizes. A primeira lei trabalhista que limita a jornada relacionou jornada com saúde, limitou jornada para proteger a saúde. Duzentos anos depois, o legislador vem dizer que jornada nada tem a ver com saúde - retrocesso de duzentos anos.
E, para mais, se nós imaginamos a primeira versão da reforma antes da Medida Provisória 808, vamos verificar que o tarifamento do dano moral se deu a partir do salário contratual do trabalhador. Então, quanto mais ganha o trabalhador mais valiosa a sua dignidade, maior a indenização por danos morais. É quase que uma divisão censitária dos trabalhadores, conforme os seus salários, para se saber qual é a sua dignidade, ou o valor da sua dignidade. A Medida Provisória 808 modificou isso. Eu soube hoje que a pauta da Câmara já está trancada em função dessa medida provisória. Agora, se ela efetivamente cair, voltamos àquela situação anterior de que a indenização se mede pelo salário. Pelo menos isto a medida tinha resolvido: tinha estabelecido como marco a questão do teto de benefício do Regime Geral; continua inconstitucional, não poderia haver tarifação alguma, mas, de todo modo, afastava esse caráter odioso de discriminação da pessoa ou da sua dignidade pelo salário. E aí, Senador, o retrocesso deve ser de uns 3 mil, 4 mil anos, porque o último diploma que efetivamente dispunha que, em caso de morte, a indenização do interessado se faria de acordo com a classe do indivíduo é o Código de Hamurabi, que dizia que, se morresse uma escrava mulher, a indenização seria uma; se fosse um escravo homem, outra um pouco maior; se fosse uma mulher livre, ainda maior; e, se fosse um homem livre, a maior indenização de todas. Isto, de uma outra maneira, foi resgatado 4 mil anos depois para que se considere a dignidade da pessoa a partir do seu salário. Então, ali, de modernização, não havia nada. Quando começa essa discussão, o Deputado Rogério Marinho chama a Anamatra e diz: "Olha, eu vou realmente querer fazer algo mais extenso do que isso que o Governo apresentou. A ideia é modernizar a legislação trabalhista, e queremos sugestões." E nós demos sugestões. Nós dissemos ao autor e ao relator que, de fato, a legislação trabalhista poderia ser modernizada. Modernizar é olhar para o que está na sociedade, e o legislador ainda não trouxe para a dimensão da regulação trabalhista. E aí algumas coisas foram referidas aqui.
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O trabalho no chamado regime de crowdsourcing. O que é isto? A situação em que, na verdade, o tomador de serviços do indivíduo é toda a população, é um tomador difuso. Essa é a situação do Uber, do Cabify, é a situação do Easy Taxi. São trabalhadores que, por meio de um aplicativo, oferecem o seu trabalho a toda a população. Por isso crowdsourcing. Qual é a proteção social que eles têm? A legislação não chegou ali. Isto seria modernizar a legislação trabalhista.
A questão do teletrabalho. Demos essa sugestão ao Deputado Marinho. Ele até introduziu lá o teletrabalho basicamente para dizer que quem pagará, quem arcará com as custas do equipamento e da sua manutenção será decidido entre empregador e empregado, ou seja, tendencialmente, até pelo desequilíbrio econômico, esse custo vai para o trabalhador, e para dizer que teletrabalhador não tem direito a horas extras, sem nenhum embasamento constitucional. Então, a única a referência...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dessa nem eu sabia.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - É verdade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, ele pode trabalhar mais...
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Pode.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... e não ter direito à hora extra.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Mesmo que seja possível o controle do ponto, o teletrabalhador, pelo texto da reforma, não tem direito a horas extras.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas é o fim!
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Ele foi excluído de um direito constitucional de todo o trabalhador, que é o limite de jornada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso é uma discriminação.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Uma discriminação odiosa. Nós temos apontado esta como uma das inconstitucionalidades mais patentes da reforma. Tem sido assim.
A questão dos testes genéticos admissionais. São muito comuns na Europa e já começam a chegar no Brasil. Por exemplo, companhias aéreas muitas vezes submetem os seus candidatos à condição de pilotagem - que primeiramente irão acompanhar nas cabines, depois como copilotos e finalmente como comandantes -, submetem esses trabalhadores a testes genéticos para verificar se eles desenvolverão no futuro determinadas doenças degenerativas. E aí muitas vezes excluem esse trabalhador, porque não querem investir - e, de fato, é um investimento alto, horas de voo, etc. - em um trabalhador que depois terá de se aposentar mais cedo. Isto pode ser feito? Como fica - os portugueses utilizam essa expressão - a privacidade genética do indivíduo?
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Muitas vezes, o empregador, ou o futuro empregador, saberá, antes dele próprio, quais as doenças que ele poderá ter, e o pior é que ele será discriminado por isso. Não há nenhuma regulamentação.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se começarem a estender para todo mundo...
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Exatamente, imagine a situação!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O precedente está dado. Olha, eu faço esse comentário, porque, na época da votação da reforma trabalhista, eles fizeram um acordo com o Sindicato dos Aeronautas, dizendo que eles não seriam prejudicados em nada, nada, nada, nada. Está aí o resultado, está aí o prejuízo.
A palavra é sua, só quis fazer um comentário.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Então, é muito boa a lembrança do Senador. Há essa questão especialmente entre os aeronautas se aproximando, e não temos regulação para isso.
Há a questão do pré-contrato, do contrato preliminar, tão comum no futebol. Vira e mexe, ouvimos aí: "Olha, fulano está jogando no Palmeiras, meu time do coração, mas está pré-contratado para jogar no Barcelona a partir de 2019." O que é que rege um pré-contrato de trabalho? Não há regulação. A CLT deveria tratar disso. O Código do Trabalho português trata disso. No nosso caso, o juiz tem de ir ao Código Civil, porque não há regulação no Direito do Trabalho para isto.
Há o monitoramento audiovisual e telemático do trabalhador. Algumas empresas são verdadeiros Big Brothers. O trabalhador está ali na sua cabine, na sua mesa, e há ali uma câmera observando, minuto a minuto, o que ele faz. No monitoramento telemático, se ele responde a um e-mail, muitas vezes ele é repreendido, porque, afinal, aqueles segundos pertencem à empresa. Eu cheguei a julgar um caso em que o sindicato dizia - depois não houve prova, eu tenho de dizer isto, mas, enfim, era o que o sindicato dizia - que era hábito daquela empresa inclusive fazer monitoramento no banheiro, e supostamente teria havido, em determinado momento, câmeras no banheiro para verificar o momento em que o trabalhador entrava e quanto tempo ele ficava ali.
Não há regulação para esse monitoramento, o que, em Portugal, há. Há, inclusive, uma agência que deve estabelecer os padrões dessa fiscalização patronal, porque invade a privacidade do trabalhador. A nossa legislação nada diz a esse respeito.
A proteção contra a automação foi muito bem referida aqui. Isso está na Constituição desde 1988, nunca saiu do papel. Precisamos ter uma lei nacional que proteja o trabalhador contra a automação.
Então, eu dei aqui vários exemplos de situações que estão no nosso dia a dia, que cada vez mais se tornam recorrentes e que não têm tratamento legal. Isso seria modernização da legislação trabalhista. Mas a Lei 13.467 não olhou para nada disso; olhou apenas para os direitos que já estavam consolidadas e tratou de, digamos, decompor vários deles.
E aí, para trazer talvez uma contribuição mais concreta dentro das propostas desta audiência, que foram relação de emprego, jornada e remuneração, eu me apoiaria na primeira fala da colega Vanessa para dizer o seguinte: de fato, o que o nosso artigo 2º da CLT fala em termos de subordinação é algo já muito superado...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu gostaria de registrar uma presença.
Eu já havia anunciado, Frei David, que você viria para falar do mundo do trabalho e da questão dos preconceitos e da comunidade. Então, de imediato, já o convoco para a Mesa.
Uma salva de palmas para o Frei David, da Educafro! (Palmas.)
O Frei David é pontual, porque ele chegaria nesse horário. Ele disse: "Vou eu e mais cinco." Estão aqui ele e mais cinco.
Então, uma salva de palmas para os cinco jovens que estão aqui também para participar do evento! (Palmas.)
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O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - O nosso art. 2º da CLT, então, diz que haverá relação de emprego naquela relação de trabalho em que o trabalhador se ativa sob a dependência do empregador. Há muito tempo, a jurisprudência já não utiliza o conceito de dependência. Originalmente, a ideia de dependência era de dependência econômica. Hoje nós sabemos, isso já não é sequer discutido, que eu posso ter perfeitamente um empregado que não tenha relação de dependência com seu empregador. Eu posso ter um empregado que seja um herdeiro de pai milionário, que não tenha nenhuma necessidade do emprego; nada obstante, ele terá a proteção legal.
Eu gostava de dar aos meus alunos frequentemente um exemplo que envolvia o Senador Romário. Quando ele era jogador de futebol, ele sempre se referia ao sonho do pai dele que era de que ele jogasse, se não me engano, no América do Rio de Janeiro. O Senador Romário, ao final da carreira, tinha, provavelmente, um patrimônio superior ao do próprio América e, no entanto, se ele jogasse no América, seria empregado do América, independentemente da sua condição econômica.
Então, dependência não é mais um critério. Hoje o critério que se utiliza é subordinação, mas a subordinação geralmente é pensada na perspectiva clássica, ou seja, subordinação como aquela condição em que o trabalhador recebe ordens diretas do seu empregador, subordinação naquele conceito fordista. E, como a Vanessa disse aqui, essa ideia já evolui.
Há um julgado que eu até havia separado, mas acabei ficando sem bateria aqui. Há um julgado muito referido do Tribunal Superior do Trabalho, portanto, da nossa máxima corte trabalhista, da relatoria do Ministro Godinho Delgado, em que ele diz basicamente o seguinte: haverá relação de emprego, presentes a pessoalidade, a onerosidade e não eventualidade, se houver subordinação em qualquer das suas modalidades. Há a subordinação clássica, que é esta em que efetivamente há ordens diretas do empregador ao empregado. Há a dita subordinação objetiva, em que, na verdade, o trabalhador se ativa naquela atividade econômica final da empresa, ou seja, o seu trabalho está disposto no sentido da própria atividade econômica principal da empresa. Isso significa dizer que, de regra, por exemplo, eu não consigo imaginar que mesmo um garçom folguista, aquele que não tem eventualidade, que vai trabalhar no restaurante eventualmente, quando os seus garçons empregados lá não estão, esteja subordinado, porque, afinal, a sua atividade laboral converge para a atividade econômica da empresa, ele serve refeições. Ele pode não ser empregado, porque o seu trabalho é eventual, mas ele se subordina. E, de fato, os senhores não conseguem imaginar um garçom que chegue a um restaurante, mesmo sendo folguista, e faça o que lhe der na telha. Ele vai receber ordens. E há a subordinação estrutural, que é quando o indivíduo se insere na dinâmica operacional da empresa. Muitas vezes, ele estará distante, não receberá ordens de um supervisor, mas ele tem de se encaixar naquele modelo de produção.
A figura do teletrabalho cada vez nos aproxima disso. Ele, muitas vezes, não verá sequer, eventualmente, um supervisor, ele não terá contato físico com ninguém, mas ele receberá instruções, terá de fazer relatórios e terá de dar produção. Para cumprir as metas que lhe são impostas, ele terá de trabalhar mais que oito horas muitas vezes. Ele não vai sequer à sede da empresa, ele só está na sua casa, mas ele se subordina, porque ele integra aquela dinâmica operativa da empresa.
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Então, Senador, a sugestão que a Anamatra tem - nós até construirmos um texto nesse sentido e não o apresentamos, porque a divisão original previa que a Anamatra cuidaria da parte processual, mas podemos apresentar esta sugestão - é a de que...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É importantíssimo.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - No art. 2º ou no que lhe equivalha, que vai tratar da definição do empregado, primeiro, se substitua...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - ...dependência por subordinação, que é algo que a jurisprudência já fez, e, segundo, que se abra ali um parágrafo para descrever de que subordinação se fala e, então, incorporar ali o que a jurisprudência já reconhece até a do TST: a subordinação na sua modalidade clássica; a subordinação dita objetiva, que se guia pela atividade econômica finalística da empresa; e a subordinação no seu sentido estrutural, que é esta que cada vez mais se apresenta na realidade do mundo contemporâneo. Então, essa sugestão fica como uma tentativa de trazer a legislação mais próxima da realidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, bela contribuição! (Palmas.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Obrigado.
E aí, muito rapidamente, eu me permito fazer uma breve referência ao trabalho intermitente, sobre o que até a minha colega Maria Santos também antecipou.
Quanto ao trabalhador intermitente hoje, para não nos desviarmos para discussões de constitucionalidades etc., sabe-se que a figura do trabalho intermitente foi levada ao STF, há lá uma ação direta de inconstitucionalidade que está questionando a constitucionalidade dessa figura. Mas, independentemente disso, é interessante perceber que a introdução dessa figura como uma possibilidade generalizada, universalizada de contratação praticamente caminhou no sentido oposto ao título desta audiência pública, caminhou no sentido da descaracterização da relação de emprego. Eu discutia isso ontem com meu Diretor Legislativo, Dr. Paulo Boal, que está aqui.
Eu posso ter hoje, em tese, um "empregado" - coloco entre aspas - que trabalha uma hora por mês e receba R$5 por hora. Então, ele trabalha uma hora por mês e recebe R$5 - basta que se observe o valor do salário mínimo-hora -, e esse será um empregado. Qual é o sentido disso? No final das contas, talvez, o maior objetivo da introdução dessa figura tenha sido inflar os números de empregabilidade no Brasil, porque eu posso, então, trazer para esta realidade - era isso, inclusive, que se dizia - qualquer pessoa que faça bico. E aí eu lhe dou um registro. O custo disso é mínimo, porque, na verdade, será tudo proporcional ao número de horas que esse indivíduo trabalhar. E, se ele não trabalhar hora alguma, ele não receberá nada, mas ele terá um registro em carteira. E, tendo um registro em carteira, ele não será desempregado, embora na prática ele possa passar alguns meses sem ter trabalho. E o pior é que, nos termos da Medida Provisória 808 - eu disse isso ontem na audiência sobre a CPI da Previdência -, se ele não recolhe contribuições sociais dele sobre um valor correspondente a pelo menos um salário mínimo, ele não tem...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - ...proteção social, ele não tem proteção da seguridade social, é como se ele não estivesse filiado. Ou seja, é um trabalhador formalizado, que vai constar das estatísticas oficiais como efetivamente estando empregado, mas que poderá por meses não ter trabalho e que não terá nenhuma proteção social. Isso é a descaracterização da relação de emprego. Aí é preciso pensar.
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Vejam, hoje, quando eu penso no empregado, no art. 2º e no art. 3º, não há dúvida: se for um trabalhador que preste serviço em caráter subordinado, pessoal, não eventual e oneroso, o juiz do trabalho vai reconhecer a relação de emprego, o auditor fiscal do trabalho vai autuar. Mas e o trabalhador intermitente?
Então, alguém realiza um bico naquela empresa. A empresa tem a faculdade de contratá-lo como intermitente, ou é direito dele ser reconhecido como intermitente? Porque, se for isso, nós vamos ter algo que talvez ninguém tenha esperado, nós vamos ter uma série de ações judiciais possivelmente em que trabalhadores eventuais vão querer ser reconhecidos como trabalhadores intermitentes. Não faz sentido que seja uma opção de o empregador reconhecer ou não alguém como seu empregado se ele presta o trabalho nas mesmas condições. Isso precisa ser discutido, e a reforma se esqueceu desse ponto.
E, por fim, a Espanha tem, já há alguns anos, o chamado Estatuto del Trabajador Autónomo, Estatuto do Trabalhador Autônomo. São trabalhadores autônomos, que não são empregados, porque não há subordinação, mas têm direitos sociais mínimos regulados em um texto legal. E esse texto até faz uma distinção entre os trabalhadores autônomos economicamente dependentes, que têm uma proteção jurídica maior, e os trabalhadores autônomos não economicamente dependentes, algo próximo dos nossos profissionais liberais, que também têm lá seus direitos sociais mínimos. No Brasil não há isso. Se eu penso no trabalhador autônomo, em rigor, a primeira ideia que vem é a de que ele está excluído do art. 7º da Constituição. Não pode estar! O trabalhador autônomo, por exemplo, não tem direito à proteção contra os riscos do trabalho...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - ...na perspectiva da saúde e segurança? É claro que tem.
Então, um bom caminho, ainda no sentido desta modernização efetiva e de uma caracterização da proteção jurídica do trabalhador em geral, seria caminhar para além da proteção jurídica do trabalhador subordinado e alcançar também uma perspectiva de proteção obviamente não no mesmo padrão, mas de proteção mínima de direitos sociais para o trabalhador autônomo e especialmente para o chamado trabalhador autônomo dependente. Este pode ser um caminho interessante inclusive para alcançar aquela condição do trabalhador em regime de outsourcing, Uber, etc., como eu mencionei aqui.
E quero falar muito rapidamente uma palavra sobre jornada. A reforma trabalhista também representou, a nosso ver, muitos retrocessos nesse particular. Muitos aqui foram referidos pelo meu colega Ângelo Fabiano: a situação da jornada 12h por 36h por negociação individual - a Medida Provisória 808 acabou afastando isso, mantendo apenas para o setor de hospitais e congêneres, mas se corre o risco de que ela caia, como eu disse, e aí se volta à situação anterior -; a condição do banco de horas, a que ele se referiu aqui; a situação das próprias folgas e da jornada noturna prorrogada também na 12h por 36h; a situação do teletrabalhador, a que eu me referi; e várias outras.
Mas, pensando em outra perspectiva, um debate que já se fez nesta Casa algumas vezes e ainda repercute é a questão da duração semanal de 40 horas. Houve até um movimento no sentido de se apresentar uma proposta de emenda à Constituição nesse sentido. E aí, como contribuição, eu diria o seguinte: por que uma proposta de emenda à Constituição?
(Soa a campainha.)
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O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - A meu ver, poderia ser perfeitamente um projeto de lei, basicamente porque o art. 7º, caput, da Constituição diz o seguinte: são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que melhorem a sua condição social, os seguintes... É o chamado princípio da norma mais favorável ou a dita hierarquia dinâmica das normas trabalhistas. Se houver uma lei ordinária que, de modo geral, ou pelo menos para categorias específicas, defina uma duração semanal de 40 horas, essa legislação, evidentemente, preferirá ao Texto Constitucional. Desse modo, não vejo maior dificuldade para se caminhar também nesse sentido, e aí sem a dificuldade que é própria das propostas de emenda à Constituição.
Eu encerro por aqui, Senador, e, mais uma vez, deixo aqui registrados os agradecimentos, os elogios e o enaltecimento da Anamatra pela sua iniciativa. E coloco a Anamatra, a sua Diretoria Legislativa, a nossa Comissão Legislativa e todas as nossas cabeças pensantes à disposição, para que possamos apoiá-lo e contribuir para esse seu projeto, para este nosso projeto de um Estatuto do Trabalho para o Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), como sempre, deu uma bela contribuição a este debate.
É bom que quem está nos assistindo saiba que a gente tem feito o debate temático. O tema é este que os palestrantes estão neste momento aprofundando, o mundo do trabalho, a jornada de trabalho, enfim. E já estamos marcando tantas audiências quantas forem necessárias - não é, Leandro? - pelo nosso calendário.
Quanto aos painelistas, muitas vezes, repete-se, com o mesmo falando, mas eles vêm falar de outros temas. Muitos perguntam: "Mas por quê? Quais são?" São aqueles que estão aqui para nos ajudar, são todos especialistas de primeiro quilate, como hoje vamos ter aqui o Frei David, que vai aprofundar também a questão da discriminação no mundo do trabalho, na perspectiva - Frei David, esse é o nosso trabalho, esta é a 15ª Reunião já - de uma nova CLT, uma CLT efetivamente do mundo do trabalho, e não essa que eu digo que virou a CLE, Consolidação das Leis do Empregador.
A palavra agora é sua.
Estou dando 15 minutos hoje para cada um. Sempre são dez minutos, mas hoje abrimos uma exceção aqui, devido à força dos nossos convidados, entre eles o senhor.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Eu saúdo todos os presentes na pessoa deste homem guerreiro, Senador Paim, até falando uma coisa que me chamou a atenção demais. Só vou repetir o que li no jornal Folha de S.Paulo. Na Folha de S.Paulo, há uma matéria grande, discutindo o Brasil dependendo da situação do Lula. Entrevistaram várias pessoas; em uma página inteira, entrevistaram várias pessoas. Chamou-me a atenção que, entre os entrevistados, estava o primo do Lula. Foram entrevistá-lo em Pernambuco, no interior. E perguntaram: "Venha cá, qual é a sua expectativa com referência à questão do Lula?" Ele falou: "Ué, minha expectativa é a de que Lula não tem solução. A perseguição contra o Lula está bem formada, e não há solução. Cabe agora ao PT e ao Lula verem, em todo o conjunto de pessoas da origem do PT, quem está mais fiel ao princípio do PT originário." E ele concluiu: "E eu falo, eu considero que a pessoa que está mais fiel a tudo o que o PT propôs na sua originalidade é o Senador Paim." Ele disse, o primo do Lula: "Ele é o meu candidato para Presidente da República." (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu não tinha visto essa notícia. Ele me ligou para me dá-la.
Frei David, vá devagar, para não me dar problema, por favor! Eu já tenho um monte de problemas. (Risos.)
Ele não segurou, veio aqui e falou.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Não sou eu que estou falando, mas foi o primo do Lula. Lá no querido Sertão nordestino, ele disse isso. E isso me fez pensar demais. Todo mundo que ama o Brasil amava o PT na sua origem, tanto é que houve votações extraordinárias, como nunca no mundo. Nenhum partido do mundo teve tanta unanimidade no Brasil e no mundo, a ponto de o Obama falar: "Esse é o cara." O Obama falou: "Esse é o cara."
Agora o que eu quero dizer é o seguinte, gente, é o que eu confesso a vocês: se vocês avaliarem todas as campanhas políticas presidenciais do PT, vocês vão ver que mais de 75% do povo negro brasileiro votaram nesse Partido. Então, se vocês tirassem o povo negro dos votos do PT, o PT jamais se elegeria para nada. Portanto, eu quero ver agora a capacidade do PT de ver o apelo do primo do Lula. Se o negro sempre apoiou o PT, por que o PT não pode apoiar um negro como Presidente da República? (Palmas.)
Eu falo abertamente porque estou envergonhado da postura do PT com a comunidade negra. Eu estive com a ex-Deputada Estadual Jurema Batista, que foi quatro vezes Vereadora pelo PT, duas vezes Deputada Estadual do Rio de Janeiro pelo PT. Eu falei assim: "Jurema, não te vejo mais." "Frei, estou desiludida com o PT e abandonei tudo." "Não pode! Você é um quadro em que nós negros investimos para o futuro." "Frei, sinto muito. Como está a conjuntura, eu não vou." Eu disse: "Você vai ter de ir. Você é nossa. Você não manda em você. O povo é que manda em você. Vou fazer uma reunião para que você e outros negros bons não se desiludam com a política. É isto que eles querem, que as pessoas boas percam a ilusão." Aí eu falei: "Minha irmã Jurema Batista, grande Deputada por duas vezes pelo Rio de Janeiro, quatro vezes Vereadora pelo Rio de Janeiro, pergunto a você: em todas essas confusões de Lava Jato, de mensalão e de outras porcarias aí, quantos negros você vê envolvidos nisso? Ela falou: "Frei, é verdade. Não vejo um negro sequer envolvido nessas questões." "Então, irmãzinha, vocês negros em que investimos não podem agora entregar o jogo para os bandidos, têm de se manter firmes na luta."
Eu peço ao PT do Brasil inteiro: por favor, nós negros investimos em vocês; agora, queremos que vocês invistam em nós, em um candidato negro do PT a Presidente da República, o Senador Paim! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David, quero só dizer que, quando vocês, quando um... Eu estou até gaguejando de forma proposital. Quando começaram a levantar essa tese - a Cobap levanta, outro levanta, outro levanta, o movimento negro, é claro, levantou -, já começaram a me alfinetar daqui para lá. Quanto mais se falar, o alfinete vai chegando em cima de mim. Qualquer bobagem eles arrancam daqui e dali.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ô rapaz, desculpe-me!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, não!
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O SR. DAVID SANTOS OFM - Realmente, eu não pensei nesse ponto. É verdade, eu entendo o quanto a coisa é feia!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - São ditas coisas absurdas, inclusive, a que eu não tenho respondido.
O SR. DAVID SANTOS OFM - É feia e até meio baixa em alguns sentidos. E não se olha a dignidade das pessoas, a trajetória de pessoas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas podem procurar à vontade, que não vão me achar em lista nenhuma! Não adianta, porque não vão achar! Se eu dou este testemunho aqui em público, não adianta! Eles fazem o seguinte: eles plantam uma coisa ali, plantam uma coisa ali, inverídicas, inclusive. Eu não vou entrar em detalhes, mas plantam aqui, plantam ali. E já me disseram: "Se você for responder a cada mentira que eles falaram aqui ou ali, num jornal, aqui ou ali, é isso que eles querem." Daí eles bombam aquela resposta, distorcem de novo. E eu não respondo. Eu digo o seguinte: "Não vão achar nada! Não adianta! Podem procurar à vontade." Não tenho nada com que eles possam me atacar. E sou candidato à reeleição no Senado, com todo o respeito, Frei Davi, para evitar problemas.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Desculpe-me se eu falei! Isso não estava previsto, Senador. Olhei para você e me lembrei de Obama. Eu me lembrei de um Brasil que tem 54% de negros e que não respeita o povo negro. Gente, qual o partido que investiu fortemente para criar lideranças negras? Nenhum, nem de esquerda, nem de direita, nem de centro! São só usados como massa de manobra para votação. Chega! Queremos um povo negro libertado e de verdade! Queremos um Luther King brasileiro que faça a mudança!
Eu até cobro e puxo a orelha do Obama, porque eu esperava mais do Obama. O drama do negro é mundial. Nos quatro cantos do mundo, onde há negro trabalhador, há negro explorado, quebrado e humilhado, em quase 99%. Não pode continuar assim, não pode continuar assim! Precisamos de um negro guerreiro como você ou como outros que possam ser candidatos a Presidente da República e ganhar para fazer o Brasil mudar e entrar na linha.
Desculpe-me se eu saí do eixo, não era a minha intenção.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não! Você foi um diplomata aqui, teve muito equilíbrio.
Eu tenho de dizer isto: é claro que eu me sinto homenageado. Quem não gostaria de ter o seu nome lembrado para ser candidato a Presidente da nossa querida Pátria, do nosso Brasil, do nosso País? Eu me sinto homenageado por V. Exª. E vamos dar tempo ao tempo. Como V. Exª é frei, eu vou aproveitar para dizer: o tempo é o senhor da verdade.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Eu cometi um pecado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não cometeu pecado nenhum.
E que Deus ilumine o caminho de todos nós! Ninguém pode dizer que, amanhã ou depois, a gente não tenha de optar por outro caminho para ajudar este País, todos nós que estamos aqui, não só eu.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Senador Paim, portanto, a gente coloca isso no coração do Brasil inteiro e no de todos os partidos políticos.
Pesquisas vão ser divulgadas brevemente sobre como cada partido investiu a verba partidária, em que a investiu. Gente, eu me arrepiei todo! Quase 0%, zero ponto alguma coisa por cento, foi investido em pessoas negras. Todos os partidos, os de direita, de centro e de esquerda, são violentos contra o povo negro! E basta! Basta dessa palhaçada! Não queremos mais ser massa de manobra!
E há outra: quanto a todos os negros que chegaram a ser Deputados Federais em todos os partidos, olhem onde eles estão agora! Está todo mundo quebrado e encostado num canto. Por quê? Porque eles não tinham dinheiro para bancar eleição depois dessa inflação, da corrupção, onde só se elegiam candidatos corruptos. Quando para todo mundo há dinheiro, os negros que estavam em outra dinâmica estão aí excluídos. Apontem os bons negros candidatos que se reelegeram! Aquele Ministro nosso da Seppir, do Rio de Janeiro, que foi Ministro, Negão, um irmão nosso...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - O Edson.
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O SR. DAVID SANTOS OFM - O Edson. Cadê o Edson, gente? Cadê o Edson? É um tremendo quadro para o Brasil, é uma liderança firme! Cadê o Edson? Cadê Jurema Batista? Cadê tantos outros? Isso não pode continuar assim. O Brasil tem de respeitar mais o povo negro em todos os campos e no campo do trabalho principalmente.
Aí, Senador Paim, quando ouvi essa história, essa palhaçada de trabalho intermitente - vou te dizer, irmão -, a gente viu já no ato o resultado disso: mais negro excluído, mais negro humilhado. É lógico que o trabalho intermitente ataca todo trabalhador, mas a principal vítima é o trabalhador negro e, em seguida, a mulher negra. Em todas as estatísticas que vocês estudarem, que vocês lerem, refletirem e encontrarem, vocês vão perceber isso. É inaceitável!
Conclamo V. Exª, Senador Paim, para, por favor, com certa urgência, pedir à sua equipe de assessoria para fazer o que a Islândia fez. A Islândia acaba de surpreender o mundo. A Islândia acaba de surpreender o mundo, saindo na frente de todos, gerando uma lei que torna obrigatória a igualação do salário da mulher e do homem. Na Islândia, isso é obrigatório. Acabou! Aquela empresa que, em x tempo, não fizer o trabalho de equiparação salarial é punida mensalmente com grandes multas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, Frei, só dizer que nós temos uma sintonia, porque veio para o Senado um projeto, que não é meu, que veio da Câmara - se não me engano, era do Deputado Márcio, não me lembro agora. Mas um Deputado aprovou lá exatamente essa lei. Aprovou-a na Câmara.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Nossa!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E ela veio para o Senado. Vindo a lei para cá, ele pediu para mim, e eu fui o Relator. Eu dei o parecer favorável, aprovei nas comissões. Ela foi para o Plenário. Sabe onde essa lei está hoje engavetada? Na Comissão de Infraestrutura.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ah, meu Deus, não! Vamos ter de...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O que uma coisa tem a ver com a outra?
O SR. DAVID SANTOS OFM - Não. Isso aí...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dá para ver depois ali, por questão de honestidade intelectual, qual o Deputado que é o autor. Eu fui o relator. Onde está? Está aprovada! É uma lei simples! Sabe o que ela diz? Só diz o seguinte: na mesma função, na mesma atividade... E disse o Deputado: "Se quiserem, eu boto até a idade." Foi o que ele disse. E, assim mesmo, não a aprovaram. Não deixaram aprovar. O meu parecer foi pela aprovação.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Deputados e Senadores...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A lei de que o senhor fala já está aqui no Senado.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Deputados e Senadores...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E o relatório é de minha autoria. Basta só dizer que a mulher tem de ter exatamente, no mundo do trabalho, com a mesma função, com a mesma atividade e, se quiserem, até com a mesma produtividade - ela dá a mesma produtividade, e disso ninguém tem dúvida -, o mesmo salário. E não estão deixando aprovar.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Paim, olha só, a gente vai ter de se movimentar. Vou pedir à assessoria da Educrafo para anotar isso aí. Vamos pedir uma reunião urgente com a Comissão de Infraestrutura. V. Exª sabe o nome do Presidente? A sua assessoria pode ver isso aí?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Ela já está vendo.
O SR. DAVID SANTOS OFM - E também o nome do Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - E também do Deputado que foi o autor do projeto.
O SR. DAVID SANTOS OFM - O relator.
Portanto, tenho a certeza de que, com essa garra de todo o mundo do trabalho, que está aqui representado por esta Mesa bonita, corajosa e guerreira, vamos pegar esse projeto como nossa grande causa, para que, além de fazer com que seja votado, ele seja incluído no Estatuto do Trabalho, as duas coisas. São as duas coisas. (Palmas.)
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Portanto, o trabalho intermitente é um ponto. Eu vou pegar só alguns pontos, porque vamos fazer várias audiências. Vamos querer ver, com certeza, com o Senador Paim uma estratégia, porque, no mundo do trabalho, a questão do negro é algo muito mal resolvido no Brasil. Talvez seja o País mais injusto com o povo negro no mundo do trabalho. Talvez o Brasil seja o País mais injusto com o povo negro com referência ao mundo do trabalho.
Mas, ao mesmo tempo, Senador Paim, a gente quer, neste momento, parabenizar o Senado Federal.
Olhe só, pessoal! O Frei não só bate, não, ouviu?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Isso é bom! Isso é bom!
O SR. DAVID SANTOS OFM - Quero elogiar e parabenizar o Senado do Brasil, porque, no Senado, depois de uma pressão, ou melhor, depois de uma negociação - não foi pressão, mas foram bonitas reuniões com os Senadores, com gente que ama o Brasil -, nós conseguimos uma coisa: como os senhores sabem, foi aprovada a Lei de Cotas no Brasil. A Lei de Cotas é estendida aos órgãos, e a Constituição brasileira solicita equidade dos vários órgãos e instâncias com referência às grandes causas constitucionais. Estranhamos o fato de o Senado ter aprovado a Lei de Cotas para todas as entidades e de não ter aprovado a Lei de Cotas para o Senado. Aí, depois de muita estratégia, com um trabalho muito forte da Comissão de Direitos Humanos, através da Senadora Regina...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quero só registrar que nós - e V. Exª estava junto -, primeiro, ganhamos lá no Supremo. Depois que ganhamos no Supremo, conseguimos aprovar a Lei de Cotas aqui, através daquele embate de que o senhor se lembra muito bem.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Exatamente! Então, está aqui na minha mão.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E até não foi de graça!
O SR. DAVID SANTOS OFM - Exatamente, exatamente!
Está aqui na minha mão o processo. Vou falar só o finalzinho dele aqui: é o de nº 5.978/2017. Assunto: "Consulta da Educrafo ao Senado Federal. Solicitação de análise e opinião acerca de pedido da Educrafo, para que conste no edital do próximo concurso desta Casa a reserva de 20% de vagas para negros, nos termos da Lei 12.288/2010 e da Lei 12.998/2014."
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem! (Palmas.)
O resultado final foi: aprovado. Foi aprovado.
Então, o Senado Federal passou na frente da Câmara Federal e já tem obrigatoriamente cota para negros em todos os seus concursos. Acho que o Senado Federal é uma Casa muito mais próxima do povo. O nosso grande sonho é o de que a Câmara Federal consiga também...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O senhor tem a data? Só quero lembrar aqui.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Pois não. V. Exª pode dar uma olhadinha, com sua sabedoria.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai ficar nos arquivos aqui da Comissão, inclusive.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Exato, exato!
Portanto...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vou só pegar o número do processo, então.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Portanto, irmãos e irmãs, entendemos que o Senado, com essa sensibilidade bonita, mostra que o Estatuto do Trabalho vai ter sim, aqui no Senado, uma tramitação muito mais eficiente, muito mais célere, conforme a dor do povo negro e a dor dos trabalhadores do Brasil. Tenho certeza de que ele vai ter um processo bastante mais eficaz.
Senador Paim, neste Estatuto do Trabalho...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David, o Dr. Guilherme fez aqui uma conversa paralela, mas muito interessante...
O SR. DAVID SANTOS OFM - Opa! Opa!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ...elogiando a lembrança que o senhor fez da lei da Islândia.
Diga o que senhor disse para mim, que achei muito interessante, e fortalece a sua tese.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ótimo!
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Frei, o que eu dizia ao Senador é o seguinte: no Brasil, a rigor, homens e mulheres que realizam a mesma atividade, de fato, têm de receber o mesmo salário, até por força da Constituição.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só que não recebem.
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O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Só que não recebem. Aí é até um problema de fiscalização e de judicialização. A lei da Islândia foi além. Além de estabelecer essa obrigatoriedade e as multas, ela estabeleceu que haverá, por parte do Governo, uma auditoria anual nessas empresas para verificar se realmente a condição entre os homens e as mulheres que lá trabalham está equiparada. Se a empresa não tiver essa certificação anual, ela também será multada.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Certificação anual! É importantíssimo colocar no projeto também isso aí.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Exato.
O SR. DAVID SANTOS OFM - No estatuto, no estatuto.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Ela também será multada e terá, por exemplo, problemas se quiser participar de concorrências públicas etc.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Opa, opa! (Palmas.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - A lei é muito interessante.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu achei interessante. Eu vou passar para o senhor. É um assunto muito interessante, até porque o pessoal tem a mania de dizer que o Frei David só defende a comunidade negra.
Eu sempre digo, Frei David, que a sua luta é contra todo tipo de preconceito.
O SR. DAVID SANTOS OFM - É verdade, é verdade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Todo tipo de preconceito! E vão querer o quê? Que ele não defenda a comunidade negra? Vão querer que eu, um Senador negro, não defenda a comunidade negra? Nós combatemos todo tipo de preconceito, e a comunidade negra é, sim, discriminada neste País.
O SR. DAVID SANTOS OFM - É exatamente isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, palmas para o Frei David. Ele para mim, hoje, é a referência número um neste País contra todo tipo de preconceito. (Palmas.)
O SR. DAVID SANTOS OFM - Obrigado, irmão! Muito obrigado pela sua consideração.
Quero dizer que essa questão da equiparação do salário da mulher com o do homem é questão de honra para nós. Meu sonho, com o coração de brasileiro, é que esse Estatuto do Trabalho trabalhe fortemente essa questão, bem como consigamos que essa lei que já está aprovada seja desengavetada por força de todos nós aqui, deste grupo que compõe esta Mesa e de outras entidades que estão acompanhando ao vivo a TV Senado. Que consigamos desengavetá-la, em um movimento muito forte, e fazer aprovar antecipadamente essa lei, com alguns adendos, com alguns retoques necessários, se não sem nenhum retoque. E que façamos os retoques necessários no estatuto.
Por exemplo, há um retoque necessário. Por mais que a gente entenda que o tema da mulher é um tema fantástico e totalmente injustiçado pelo conjunto da classe trabalhadora brasileira, ou melhor - desculpem-me -, pelo conjunto dos empresários brasileiros... A questão da mulher é muito mal resolvida pelo conjunto dos empresários brasileiros. Até faço um apelo aos empresários. Gente, veja só: nós entendemos que o Brasil e o mundo são, sim, capitalistas. Querer primeiro mudar o sistema para poder ter os nossos direitos é brincar com nossa vida. Queremos mudar já, nesse sistema, e abrir mais espaço para os nossos direitos. Por isso, entendemos que precisamos desenvolver uma rede de empresários capitalistas humanistas, que entendam que o capitalismo será muito mais eficaz quanto mais respeitarem e abraçarem as trabalhadoras e os trabalhadores. O mal do capitalismo brasileiro é que ele é selvagem, é predatório. Ele faz muito mal ao trabalhador. Olha só a previdência, olha só a reforma trabalhista, quanto mal elas fazem ao trabalhador, em prol de ganhos próprios para a empresa! (Palmas.)
É aí que está o grande problema! O foco dado gera empresários quase esquizofrênicos, ricaços, mas com um povo miserável. Ninguém ganha com isso, nem eles mesmos, porque eles vão ter de gastar muito mais dinheiro aumentando os muros de suas casas, gerando equipes de segurança, equipamentos de segurança, policiais particulares. Outro problema gravíssimo no Brasil é esse crescimento de seguranças particulares para assegurar proteção aos ricaços. Na verdade, aquilo não é proteção. É prisão particular, que eles mesmos criaram para si.
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Portanto, quem ganha melhorando é todo Brasil. Todos ganhamos. Desse modo, Senador, nós queremos, de repente, não mexer tanto na lei, que já está aprovada, da igualação do salário da mulher com o do homem no Brasil, mas no Estatuto do Trabalho. A gente tem de fazer algum afinamento para que consigamos qualificar isso. Por exemplo, as mulheres brancas devem saber muito bem, com toda a propriedade, que, na relação mulher branca e mulher negra, a mulher negra está lá atrás em todos os setores. A mulher negra está lá atrás.
Ontem, tivemos uma reunião com 60 militantes da Educafro no Conselho Nacional do Ministério Público. O tema foi: como o Conselho está controlando a polícia para parar de matar negros? E uma mulher negra deu um depoimento que fez todos os membros do Conselho Nacional do Ministério Público e do sistema prisional presentes na reunião chorarem de emoção, porque ela provou que, como mulher negra, não pode mais aguentar ver seus filhos assassinados dia após dia, seus filhos, seus vizinhos, seus primos. É uma coisa bárbara! Por quê? Porque o Brasil não ama o povo negro. O Brasil nos usou como escravos e, agora, nos usa como mão de obra barata. Ao longo da história, o Brasil nos usou como escravos e, agora, nos usa como mão de obra barata.
Por isso, nesse Estatuto do Trabalho, inspirado na lei da igualação do salário, que já está aprovada - falta só fazermos com que o projeto siga seu trâmite normal -, nós solicitamos a avaliação de que, nessas vagas para a mulher, para atingir a igualação, seja respeitada a percentagem de mulher branca e mulher negra em cada cargo, seja respeitada a proporção de mulher branca e mulher negra em cada cargo. Por exemplo, como diretores das empresas, se a empresa tem dez diretores, primeiro, que haja igualação de homens e mulheres. Então, haverá mais ou menos cinco homens e cinco mulheres. E, se as mulheres negras são metade, nós queremos que haja ali três mulheres negras nesses cargos também. Ou seja, queremos uma igualação. Fazendo isso, estaremos acelerando o Brasil ideal, que todos nós queremos, que todos vocês querem. É uma busca...
Eu lembro quando, nas primeiras audiências para discutir cota para negro, estava em uma mesa o Ali Kamel, Diretor-Geral da Rede Globo, eu e grandes intelectuais, discutindo cota para negro. E Ali Kamel, Diretor-Geral da Rede Globo de Televisão, falou: "Frei David, o senhor está enganando essa juventude negra, porque o senhor está botando essa juventude negra em uma situação de humilhação. Pense bem, Frei David! Pegar esses jovens negros, pobres coitados, que vêm de ensino sem qualidade, e botá-los sentados no banco escolar junto com os ricos, que tiveram excelente ensino! Eles vão ser humilhados." Meu sangue subiu, meu sangue subiu! E eu quase enfrentei o Ali Kamel, com forças além do normal, que é a força do padre, que é a força mais espiritual. (Risos.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Mas não disse nada, só disse isso?
O SR. DAVID SANTOS OFM - Não! Só isso, por favor.
Ali Kamel, por favor, você me entende. Já tivemos várias conversas, e você sabe que nós temos posições diferentes, mas somamos em várias outras posições.
Senador Paim, para a minha alegria, quando eu ia responder a ele, com certa energia além do normal, um jovem negro, pobre, sem dente, com sandália de dedo na mão, que estava na audiência, falou: "Frei, posso responder para o senhor ao Diretor-Geral da Rede Globo?" "Pois não, jovem, responda!" Gente, eu fiquei arrepiado de emoção. O jovem negro falou: "Ô Dr. Ali Kamel, olha só, eu quero comunicar ao senhor que prefiro ser discriminado dentro da universidade a ser discriminado fora da universidade." Nossa Senhora, eu jamais teria uma resposta tão sábia como esta: "Eu prefiro ser discriminado estando dentro da universidade a ser discriminado fora da universidade. Então, Ali Kamel, o senhor, por favor, não atrapalhe nossa vitória. E o senhor pare de nos perseguir." O jovem foi aplaudido de pé por todo mundo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - E vai ser aplaudido aqui.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Eu peço socorro a todos vocês que compõem esta Mesa, porque há um problema gravíssimo acontecendo. A nossa querida Fiesp, órgão bastante sério, órgão bastante empoderado... Não sei se há algum órgão mais poderoso do que a Fiesp, talvez a OAB, não é? Bom, deixa para lá! (Risos.)
A Fiesp, Senador Paim, há 15 anos, organiza, de dois em dois anos, uma pesquisa invejável. Eu nunca pensei que a Fiesp fosse gastar dinheiro com uma pesquisa dessas. Há 15 anos, ela faz a seguinte pesquisa: "Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil em suas ações afirmativas." Eu vou ler outra vez, hem? Eu vou ler outra vez: "Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil em suas ações afirmativas." Ou seja, é o quanto cada empresa, entre as 500 maiores do Brasil, está levando a sério a inclusão da mulher e do negro. Gente, há 15 anos, de dois em dois anos, estão fazendo essa pesquisa. E eu pergunto a vocês: nesses 15 anos, o que mudou?
Então, Fiesp, parabéns por gastar um dinheiro muito bonito nessa pesquisa! Mas, Fiesp, por que não botar em prática o que vocês sabem? Vocês sabem, de cor e salteado, que a mulher negra é excluída em altíssimo grau! Sabem, de cor e salteado, que, nos cargos de gerente das 500 maiores empresas do Brasil, só há 5% de negros, quando nós somos 54% do Brasil. Nós somos 54% do Brasil e, nas 500 principais vagas, só temos 5% de negros. E isso nos deixa muito tristes e machucados, mas eu sei que a Fiesp vai botar a mão na consciência e vai mudar de atitude. Queremos que a Fiesp leve a sério suas pesquisas, botando isso em prática, criando comissões sérias.
(Soa a campainha.)
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ela cria comissão, Senador, para apenas marcar a próxima data da reunião e não leva a sério.
Concluindo, eu acho que já estourei o tempo...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David, eu tenho de falar do senhor aqui agora.
O Frei David está mais light, ouviu? Hoje, ele elogiou o Senado. Buscou, inclusive, uns documentos que eu pesquisei aqui, e, de fato... Foi em que ano?
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De 2014. Mas a Educafro cobrou, e o Senado aplicou.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Foi isso mesmo. Foi isso mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Palmas para a Educafro e para o Senado. (Palmas.)
Aí, eles responderam atendendo à solicitação, baseados no ato. Por isso que eu mandei pesquisar.
E agora ele elogiou a Fiesp. Está ficando mais light o Frei David. Está ficando mais light. E documentos ainda.
Olha, eu quero dar um dado também, se me permitir. Agora eu vou mais além. Eu estive num grande encontro do empresariado, e eles me mostraram o trabalho que eles estão fazendo em relação às pessoas com deficiência...
O SR. DAVID SANTOS OFM - Olha!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... dando a formação para que o deficiente possa, então, atuar. Também esse dado eu vou dar, para dizer que eu estou tão light quanto V. Exª. (Risos.)
O SR. DAVID SANTOS OFM - Senador Paim, eu pediria à sua assessoria, se for possível, quanto a esse documento do Senado que adotou quota para negro, para tirar cópia dele para todo mundo que está aqui no plenário, porque eu acho fundamental que esse documento circule entre nós, que vocês o divulguem, batam foto, mandem para as redes sociais de vocês, porque eu entendo que esse documento que o Senado fez merece ser divulgado e aplaudido, viu, irmão? Uma cópia para cada membro que está aqui na Casa.
E, Senador Paim...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David, chegaram as informações que eu estava pedindo, porque eu queria fazer justiça ao autor do projeto.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ah, ótimo!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O autor é o Deputado Marçal Filho...
O SR. DAVID SANTOS OFM - De que partido?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Do PMDB, do Mato Grosso do Sul.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Importantíssimo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O autor... Eu fui Relator. Ele circulou para lá e para cá, mas agora ele está na CAS. Lá na CAS eu vou pleitear a relatoria.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ótimo!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vou ver se a...
O SR. DAVID SANTOS OFM - Na CAS do Senado?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Do Senado. Agora está na CAS do Senado.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ótimo!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou pleitear lá junto à Marta Suplicy se eu posso pegar a relatoria.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Excelente! Excelente!
Posso ficar com esse documento?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode.
Eu só não citei tudo aqui porque não ajuda para o debate.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Entendi.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele foi quem fez o apelo no Plenário. Estava pronto para ser votado no Plenário. Mas, como eu quero conversar com ele...
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ótimo! Um trabalho de bastidores. Certíssimo!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu não vou dizer o nome dele. Deixa-me trabalhar aqui! (Risos.)
Eu vou conversar com ele para ver se ele não faz mais isso de pedir em um projeto como esse... Só de a gente dar para a mulher e para o homem o mesmo direito, ao negro e ao branco...
O SR. DAVID SANTOS OFM - Exato.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E ali não fala nem de cor. Só fala que mulher e homem têm que ter os mesmos direitos em matéria de remuneração e direitos no mundo do trabalho.
Então, eu vou passar esses dados para o senhor depois.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Está bem.
Senador Paim, eu aproveito para fazer um apelo a todas as mulheres do Brasil, especialmente aos movimentos organizados de mulheres, para fazermos uma audiência pública sobre esse projeto, urgentemente.
O senhor topa, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já está topado e aprovado. (Palmas.)
Marca para logo depois do Carnaval. Vamos combinar a data.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ótimo! Ótimo! Ótimo!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A doutora tem que estar junto. A senhora também tem que estar junto, e os homens também, viu?
O SR. DAVID SANTOS OFM - Ótimo! Ótimo!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Para fazermos uma audiência sobre esse projeto.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Excelente! Excelente! Muito bom!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E vamos convidar o Deputado para estar presente. Valorizar o Deputado.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Vamos valorizá-lo! Isso mesmo! Excelente!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aqui não é partidário. Deixamos bem claro a todos.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Excelente!
Então, gente, vai ser bom demais.
E, Senador, concluindo - eu estou abusando do tempo e peço perdão aos demais membros da Mesa e aos ouvintes -, eu quero lhe pedir um favor especial, Senador. Nesse Estatuto do Trabalho, Senador, pelo amor de Deus, por amor a Zumbi, por amor a Luther King e a Nelson Mandela...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E Gandhi também.
O SR. DAVID SANTOS OFM - E Gandhi, Gandhi, Gandhi.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu falo muito nesses aí.
O SR. DAVID SANTOS OFM - E Gandhi.
Senador, o Brasil está esquecendo... Senador, o Brasil está esquecendo de que daqui a alguns aninhos vamos celebrar 200 anos de República; em 2022. Senador, queremos chegar a 2022 celebrando de maneira muito bonita. Como? Então, eu estou pedindo ao Senador que inclua nesse Estatuto do Trabalho que todas as empresas particulares do Brasil, principalmente os meios de comunicação, adotem o método de inclusão. Não falo em quota, mas em uma meta de inclusão - uma meta de inclusão - em todos os cargos da empresa. Isso consiste no seguinte: até 20 de novembro de 2018 deste ano, que é o Dia de Zumbi, que cada empresa chegue a 15% de quotas para negro em todos os seus cargos; em 20 de novembro de 2019, a 20%; em 2020, a 25%; em 2021, a 30%; em 2022, a 40%. Nós, negros, somos 55%. Paramos em 40% e doamos para os bancos 15%, como um processo de negociação.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fica 40 por 60.
O SR. DAVID SANTOS OFM - É verdade. Ficam 60 para eles; queremos só 40, para podermos dizer... Queremos crescer, mas não queremos deixá-los assustados conosco, não.
Então, consiste nisto: no Estatuto do Trabalho, que está sendo discutido agora nesta Comissão, queremos celebrar os 200 anos de República do Brasil, mas numa celebração que venha sendo construída. Então, em 2018, agora, em 20 de novembro, Dia de Zumbi, que todas as empresas cheguem a 15% em todos os cargos, em todos os níveis; em 2019, chegue a 20%; em 2020, a 25%; em 2021, a 30%; e, em 2022, quando o Brasil celebra 200 anos de República, queremos ver todas as empresas do Brasil, principalmente, Paim, as dos meios de comunicação, adotando a inclusão do negro, porque é duro ver nossas crianças ligarem a TV Globo, a TV Record, a TV Bandeirantes e as demais televisões, o SBT, e não verem negro nos papéis principais. É duro ver isso, gente. Não aguento mais isso, não.
É duro ver... Por exemplo, a gente colocou... Pegamos dez criancinhas negras, dez garotinhas negras, de quatro aninhos e botamos no centro de uma creche da Baixada Fluminense, sentadinhas em volta. E botamos no meio dez bonecas, todas iguaizinhas, nove negras e uma branca. Roupas iguaizinhas, dez bonecas, dez crianças. E falamos para elas a importância da boneca na vida delas como mulheres. Aí chamamos por nome: "Mônica, levante você, vá ao meio, olhe as dez bonequinhas e escolha uma". E assim foi. Mônica foi, olhou as dez bonequinhas e escolheu uma. Quando se chegou à criança número nove, fechou o tempo - fechou o tempo. Olhem só, eram nove bonecas negras e uma boneca branca e dez garotinhas negras.
Vocês entendem o que aconteceu? Ou seja, quando se chegou à criança número nove, havia, então, duas crianças, a criança nove e a criança dez, e havia duas bonecas. E aí fechou o tempo: a criança dez começou a brigar com a criança nove. Alguém desconfia por quê?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Claro. Sobraria a boneca negra.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Exatamente isso, sobraria só a boneca negra para a criança dez. E a criança dez correu na frente e disputou com a criança nove a boneca branca, porque só ia sobrar a boneca negra.
Ou seja, olhem o mal que a televisão faz na criança negra. Ela leva a criança negra a se autorrejeitar.
(Soa a campainha.)
O SR. DAVID SANTOS OFM - Esse é um mal muito grave. E quero que todo setor que faz fiscalização, todo o setor do mundo do trabalho discuta isso.
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Concluindo, Senador, quero lhe dizer que, antes de ontem, saímos daqui, do Senado, direto para o Ministério Público do Trabalho, porque tivemos audiência pública da TV Globo com Movimentos Sociais e Ministério Público do Trabalho. Tema: Discriminação de William Waack. Subtema: Processo de exclusão da Globo e negros.
Gente, a audiência foi muito forte, e a TV Globo tem até o dia 25 de fevereiro para provar para o Ministério Público do Trabalho o que está fazendo para combater a exclusão do negro em todos os cargos de trabalho da televisão, trabalho de bastidores, de todos os cargos, e trabalho de frente, como repórter, como atores e atrizes da televisão.
(Soa a campainha.)
O SR. DAVID SANTOS OFM - Portanto, Senador, vamos ter um bom retorno, uma boa vitória.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David, hoje foi o dia mais light em que eu o vi aqui. Foi o dia mais light, mas é um elogio, Frei. É como V. Exª mesmo falou: saber bater - bater, eu digo, fazer a crítica dura -, mas saber também elogiar quando a gente avança. Foi o caso do Senado, foi o caso da própria Fiesp, como o exemplo que V. Exª deu aqui. E, oxalá, avance também junto aos meios de comunicação.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Exato, que é o nosso sonho.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Neste momento, como é de praxe, nós vamos assegurar a palavra ao Plenário também e, claro, a doutora vai falar no momento em que ela assim entender, a Drª Ana Cláudia.
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA (Fora do microfone.) - Se eu puder falar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, como ele pediu, há tempos está na fila, vamos dar - para o Plenário normalmente são cinco minutos - cinco minutos a ele. Em seguida, volta para a Mesa, e você terá o tempo.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Ana, prometo ser bem rápido.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dr. Paulo Boal, da Anamatra.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Isso. Só para fazer algumas observações em relação aos temas que estão sendo propostos.
Na questão da igualdade, a Islândia ganha a mídia como sendo o primeiro país a celebrar uma lei específica sobre isso. Lembrando: o Brasil já tem. Nós já temos uma legislação que trata da igualdade plena, não apenas de gênero, mas de raças. O problema é que a questão, me parece, racial ou a questão de gêneros não é uma aptidão legal. Nós não tratamos apenas da existência ou não de uma norma legal. Parece-me que é uma aptidão social; a sociedade deve ser preparada para enfrentar essas situações.
Isso se encaixa... Por que que a Islândia é o primeiro país a apresentar uma lei concreta sobre isso, tratando especificamente de salários? Porque países em condições muito melhores do que a Islândia, e a aí eu cito a Noruega e a Suécia, já têm o equilíbrio salarial há muito tempo, independentemente da existência de lei.
Vou pegar aqui como exemplo a Noruega - é o dado que me parece mais importante. Participação na força de trabalho por gêneros: mulheres, 76%; homens, 80%. Renda média estimada por ano em dólares: US$40 mil para homens e para mulheres. Cargos altos, no Legislativo, em empresas etc. - aqui fica a maior distorção: 36 para mulheres, 64 para homens. E, um dado que me parece também muito importante, cargos técnicos especializados: 52% para mulheres, 48% para homens.
Esse dado me indica claramente: é o acesso à educação, tanto para homens, quanto para mulheres. É isso que distingue os cargos que serão ocupados durante a sua vida. O nosso problema começa, além da distinção e da discriminação ostensiva que se faz em relação aos negros, na dificuldade de acesso à educação. Então, o negro começa com uma desvantagem inicial, pela sua discriminação de cor, prossegue na dificuldade de acesso às melhores escolas, e isso se reflete depois na sua vida profissional. Vai trabalhar sempre em subempregos.
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Dados - e aqui eu não os tenho - mostram que não há distinção salarial nos trabalhos com valor salarial menor. Nós não temos isso no Brasil.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Sim, o salário é o mesmo, porque é ruim para todos - homem, mulher, branco negro. Nós não temos distinção.
O problema do Brasil...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O salário mínimo é aquele. E se é obrigado a pagar o salário mínimo para todo mundo.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - O problema no Brasil é o acesso a cargos mais elevados ou de melhores remunerações. Aí, nós encontramos, me parece, a explicação mais lógica. Nós não temos negros com formação acadêmica em número suficiente, e as mulheres negras estão ainda em estágio muito pior, porque nós vivemos daquele vício inicial: a pobreza gera a pobreza. A pobreza...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Frei David há de comentar, mas que existem na proporção necessária para ocupar no mínimo 50% dos cargos, existem. Eu sei porque eu conheço também esse mundo. O Frei David vai argumentar melhor nessa linha.
Estou tendo esse cuidado porque... Assim mesmo, se você olhar dentro do mundo político: nós não temos quadros preparados para ter mais Deputados Federais? Preparadíssimos, inclusive com nível superior. Temos. Aí é o que você falou: só que não há investimento. Na verdade, é falta de oportunidade.
Eu cheguei aqui e estou no Parlamento porque eu tive uma oportunidade. Eu tive a oportunidade. Mas quantos não têm como eu? Sou só eu como Senador.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Senador Paim, fazendo...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estou tentando dizer o que ele vai fazer depois.
Estou até atenuando. Ele vai jogar mais pesado.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - ... um contraponto dessa relação injusta que se estabelece.
Eu fiz uma faculdade de 1982 a 1986. Isso significa que, nesses cinco anos que eu fiquei na faculdade, eu passei por nove turmas, entre os que estavam entrando. Pego o meu período e vejo quantas pessoas passaram durante o meu período. Durante esses cinco anos em que estive na faculdade, a Universidade Federal do Paraná teve dois alunos negros.
O SR. DAVID SANTOS OFM (Fora do microfone.) - Na sua turma, no seu curso?
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Não na minha turma. Na minha turma não havia nenhum.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - No curso?
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - No curso, durante esse período de cinco anos...
O SR. DAVID SANTOS OFM (Fora do microfone.) - Você não chamou a polícia, não?
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Na época nós não tínhamos sequer a ideia... A sociedade vivia eu acho que com esse conceito de que havia meio que uma seleção natural. E eu acho que este é o grande mal da sociedade: nós não temos consciência das arbitrariedades que são praticadas desde o nascimento dessa pessoa. E as cotas eu espero possam superar isso. Mas isso se reflete no futuro.
Nós não temos alunos de Direito negros; naturalmente temos maiores dificuldades de termos juízes negros, porque não formamos acadêmicos negros de Direito.
Esse reflexo, a magistratura hoje é um exemplo disso. O Estado da Bahia, que é um Estado de maior composição negra na sua distribuição populacional, tem poucos negros...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - ... na magistratura.
Então, eu acho que nós sofremos desse vício. Nós pagamos... A sociedade brasileira, principalmente os negros pagam um preço enorme pela condição em que viveram durante 400 anos no Brasil. E demoraremos talvez mais 400 anos para recompor essa injustiça histórica.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Irmão, quem dera todos os nossos irmãos brasileiros pensassem como você. Mas você me permite só fazer um avançozinho pequeno?
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Claro.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Primeiro, quem dera se todos os brasileiros pensassem e percebessem como você. É duro saber que a grande maioria dos brasileiros brancos passa pela universidade o tempo todo e nunca olha esse dado, de que não há negros em suas salas de aula. Isso para mim mostra o quanto há um descompromisso da comunidade irmã branca. E nós negros chamamos isso de privilégio de ser branco na sociedade brasileira.
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Eu vou te dar um exemplo para poder...
(Soa a campainha.)
O SR. DAVID SANTOS OFM - ... primeiro, dizer que você está certo; segundo, dizer que é preciso avançar. E se avança como? Não está em nós negros o poder de avançar. Está, se a gente sair para o pau, mas a gente não quer sair para o pau; a gente quer sair para o diálogo.
Eu vou te dar um exemplo muito grave. Estivemos em oito escritórios de advocacia de alto nível em São Paulo, perguntando: "Por que você não tem... Você tem aqui 400 advogados contratados e não tem 1% de negros?" Disseram: "Não há negros preparados". Eu disse: O quê? Não tem?
E aí eu peguei um caso concreto. Eu fui à Mackenzie, que é considerada uma das melhores faculdades do Brasil em Direito, e busquei o negro formado, peguei todos os colegas que se formaram com ele e fiz uma pesquisa. Esse irmão negro me ajudou. Esse jovem negro terminou o curso de Direito em quinto lugar em uma sala de 40.
Senador Paim, esse jovem negro terminou em quinto lugar, em termos de qualidade acadêmica, entre os 40 alunos que terminaram - 35 brancos. Todos eles fizeram o currículo e entregaram quase nos mesmos escritórios de alto nível - todo mundo quer vencer. Irmão, com muita dor eu te falo: todos os escritórios contrataram todos os brancos, e nenhum escritório contratou esse jovem negro, que era o quinto melhor da turma.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - É a repetição da história da boneca na vida real.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Pronto, você fez um link fantástico: repetição da história da boneca.
Ou seja, faço um apelo aqui: irmãos proprietários dos escritórios de advocacia, o volume de negros formados pelo Prouni - e parabéns ao Governo que criou o Prouni - é muito grande. O número de negros formados pela cota federal é muito grande. Por favor, abram o seu coração!
Vou dar um exemplo: o Ministro Fux, que é professor da Uerj, vendo em sala de aula o desempenho dos alunos, quando surgiu uma vaga em seu Gabinete, quis o melhor aluno da sala. E com muita ética, ele não deixou o privilégio de ser branco fazê-lo puxar o branco. Ele foi sincero e escolheu o melhor. O melhor, um negro...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E esse já esteve fazendo palestra aqui.
O SR. DAVID SANTOS OFM - Exatamente. O Irapuã...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De enorme competência. Ele esteve aqui...
O SR. DAVID SANTOS OFM - Um cara brilhante, de comunidade pobre. O Fux o trouxe e ele passou a ser um dos homens-chave no Gabinete do Fux.
Portanto, nós temos, sim, mulheres negras e homens negros muito capazes. Mas temos homens brancos e mulheres brancas...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está aqui uma que merece aplausos pela palestra que fez hoje. (Palmas.)
O SR. DAVID SANTOS OFM - Temos muitos homens brancos e mulheres brancas incapazes de perceber o direito à igualdade. É um apelo que faço ao coração dos brasileiros.
Olha só: se há político corrupto, desonesto, injusto não siga esse mal exemplo. Mas cada um de nós brasileiros, empresários, donos de escritórios, por favor, vamos sair na frente.
Temos uma reunião marcada... O Presidente da OAB São Paulo assumiu o compromisso de convocar - convocar - os 200 maiores escritórios de Direito de São Paulo para uma reunião com a comunidade negra para avaliar o que nós podemos fazer, OAB São Paulo e comunidade negra, para ajudar vocês a saírem dessa situação de terem 1% de advogados negros, quando nós somos 54% de brasileiros e temos uma grande margem de advogados negros subempregados, porque os escritórios não os aceitam, por discriminação consciente ou inconsciente. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito bem.
Nós vamos ter que passar a palavra para outros, senão nós...
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Sim... Senador, só para encerrar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A doutora quer, o Plenário quer...
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - ... que é a questão da...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Porque eram cinco minutos, e nós estamos em 15 já...
É porque você entrou num tema polêmico e, aí, houve resposta.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Mas é só agora uma observação técnica, em relação à questão da subordinação ou do contrato de trabalho. Parece-me que o que acontece hoje, principalmente em função da lei do contrato intermitente, é que nós rompemos o conceito do art. 3º da CLT, que fala em prestação de serviço, mediante remuneração, em trabalho não eventual.
Essa questão da eventualidade, com o contrato intermitente, como disse o Dr. Guilherme, simplesmente deixa de existir. Você é funcionário, trabalhando 1 hora, 10 horas, 20 horas ou 40 horas semanais. Isso, para mim, pode ser interpretado... E eles quiseram - os autores da reforma - como algo direcionado a uma determinada categoria social, e a proposta que eu acho que deveria ser encampada, ainda que gerando esses muitos subempregos, é a de que nós sejamos capazes de levar adiante como uma pauta inclusiva, e não exclusiva. Que todos os trabalhadores que prestem qualquer tipo de serviço sejam tidos, hoje, como trabalhadores, efetivamente. É o caso da diarista, que fica eliminada. Ela não se enquadra na lei da empregada doméstica, porque trabalha apenas dois dias por semana, mas que ela seja uma trabalhadora intermitente.
Isso abre um leque, uma fronteira de opções, hoje, no mercado de trabalho, que até então nós não havíamos concebido sequer teoricamente, que são categorias, hoje, completamente discriminadas como atividade profissional...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - ... e que nós devemos pensar.
E cito aqui - apenas para terminar - as prostitutas, que devem ter uma proteção do Estado, uma proteção legal, uma proteção previdenciária, porque é uma prestadora de serviço que nós discriminamos durante a história inteira. Só para encerrar.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Por favor, agora Drª Ana Claudia Bandeira, da ANPT.
Ela está sempre aqui com a gente. Acho que participou das 15 reuniões - não é? - para discutir a questão do novo estatuto do mundo do trabalho.
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Saúdo o Senador Paim e todos os integrantes aqui da Mesa, parceiros constantes. É um prazer também ouvir hoje o Frei David.
Quero reiterar, Senador, nosso agradecimento e nossa admiração pelo senhor, por encampar essas lutas, as mais difíceis da sociedade brasileira, e nos trazer aqui para participarmos disso. Então, é de um valor enorme isto: nós termos um espaço realmente democrático, onde se possa dizer tudo que a sociedade espera que se modifique. E que todos nós aqui, juntos, façamos um esforço coletivo para que essa transformação social aconteça.
Eu não vou repetir aqui o que já foi falado, sobretudo em relação às questões de jornada de trabalho, relação de emprego e uma outra questão...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - É, de remuneração. Mas quero aproveitar o gancho que foi trazido, sobretudo pelo Frei David, para falar sobre discriminação.
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Em várias falas em que nós já estivemos aqui, eu mesma tive oportunidade de pontuar que essa oportunidade do Estatuto do Trabalho é uma grande janela aberta para que possamos enfrentar verdadeiramente a questão da discriminação nas relações de trabalho. (Palmas.)
É bem verdade que legislação há. A Constituição está aí trazendo, lá nos seus primeiros artigos, o princípio da dignidade humana, o pluralismo, o valor social do trabalho e da livre iniciativa, todos os princípios que fundamentam a igualdade não apenas formal, mas substancial. Então, se nós formos procurar na legislação, há, sim, uma igualdade formal. Há, sim, todo o arcabouço jurídico que nos permite afirmar que há igualdade entre homens e mulheres no Brasil, sobretudo na Constituição. Mas, quando vamos para a vida real, vemos que não é bem assim. A igualdade substancial está muito distante ainda. Há um longo caminho a ser percorrido.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, permita-me.
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Qual o problema que há? E por que o projeto do Deputado vai além da legislação? Está ali só o conceito: todos são iguais, enfim, na legislação. A lei existe, mas na lei há alguma multa, há alguma fiscalização? O projeto do Deputado - vamos fazer uma audiência pública - por que não deixaram aprovar? Senão, deixariam aprovar. Isso é redundante, já está na Constituição, já há uma lei semelhante. Não; é que o projeto do Deputado, de que fui Relator, diz exatamente do princípio da lei desse país de que você falou...
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Da Islândia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Da Islândia. Ali, se não cumpriu, há multa.
O SR. DAVID SANTOS OFM (Fora do microfone.) - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa é a questão. Por isso, eu quero enfatizar...
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Precisamos de mecanismos para dar efetividade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... a importância desse projeto, que, na verdade, vai muito além do que existe hoje na legislação.
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Certo.
Coloco ainda que a luta também contra a discriminação racial é nossa, do Ministério Público do Trabalho também. Atuamos nessa frente com vigor, temos projetos nacionais, já tivemos ações voltadas para a verificação e para a exigência de presença de negros em setores econômicos determinados.
Não houve, nessas ações judiciais, sucesso no sentido de ações procedentes, mas o movimento em si que se criou em torno dessas ações já produziu, sim, na realidade, efeitos positivos. Então, em cada movimento que se faz, seja com ação judicial, seja com uma investigação, seja com uma audiência pública, nós percebemos, sim, que há uma mexida, digamos assim, na realidade. É claro que isso tudo é muito lento porque, como nós sabemos, não se muda comportamento simplesmente com a lei. Essa mudança de mentalidade tem que acontecer ao longo do tempo, vem acontecendo e vem forjada por isto: por ações como estas aqui, como esse movimento que acontece aqui no Senado Federal, como as audiências públicas que o Ministério Público do Trabalho faz, como as ações judiciais que são julgadas pela Justiça do Trabalho e que têm repercussão. Então, todo esse conjunto é que vai realmente produzindo a mudança que nós esperamos.
O que eu quero ainda pontuar é que, além da discriminação racial, nós combatemos todas as outras, como a de gênero e a por idade também, que é uma coisa de que pouco se fala, mas, sobretudo aqui no Brasil, depois de certa idade, a pessoa é considerada inválida para o trabalho, e nós sabemos que não acontece assim.
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Isso também tem efeito sobre a reforma da previdência - não é, Senador? -, porque, com tanto tempo de contribuição que se precisa ter para alcançar uma aposentadoria minimamente digna, é um paradoxo não haver pessoas com mais de 50 anos bem aceitas no mercado de trabalho.
Também por questão de origem. E aí eu destaco muito o que o Ministério Público do Trabalho tem feito com relação à migração. Aqui no Brasil, nós temos recebido, sobretudo nos últimos anos, muitos venezuelanos, haitianos, bolivianos, e aí vem sempre aquele paradoxo, aquele dilema: poxa, mas num país como o nosso, o Brasil, que tem tantos problemas, que está numa crise econômica, nós vamos aceitar mais gente aqui para competir com os brasileiros por uma colocação no mercado? E aí nós temos que voltar para o nosso princípio maior, que rege o nosso trabalho - no caso, o Ministério Público do Trabalho -, que é o da igualdade, que é o que está na Constituição, o princípio da dignidade humana. Sejam brasileiros, sejam estrangeiros, se estão aqui, têm que ser amparados, sim. E o nosso norte é esse. Então, sendo ser humano e chegando aqui, vai ter que haver uma solução para que essa pessoa seja acolhida. Esse trabalho tem sido feito também. Mas, nessa seara dos migrantes, há um grande problema com a discriminação. E, nesse sentido, trabalha-se para combater essa discriminação, mas, sobretudo, para promover a igualdade entre todas as pessoas que aqui vivem.
Com relação também à mulher - estou pontuando de forma mais objetiva, Senador, para não gastar muito tempo. Com relação à questão do gênero, também, no Ministério Público do Trabalho, temos o GT de gênero, um grupo de trabalho voltado para trabalhar, discutir e encontrar soluções para o combate à discriminação em razão do gênero e também para a promoção da igualdade. É sempre este binômio aqui no Ministério Público do Trabalho: combate à discriminação e promoção da igualdade. Porque não adianta só combater a discriminação; é preciso também fazer com que a igualdade material aconteça.
E aí nesse GT de gênero se discute tanto a questão da mulher como a dos transgêneros, que é um grupo que, nesse momento, tem tido maior visibilidade na TV, nas obras de ficção, como, por exemplo, em novelas, onde já tem aparecido. É uma situação que existe desde sempre, mas que agora ganha maior visibilidade e para a qual precisa realmente haver uma solução no sentido de trazer identidade de gênero para todos os fins, inclusive para a inserção no trabalho, para ter direitos com relação ao mundo do trabalho. E, nessa perspectiva, os transgêneros estão aí também como nosso objeto de estudo e de ações de promoção de políticas públicas.
Voltando aqui à questão da mulher, que é sempre muito impactante - assim como todas essas questões, da igualdade racial, do gênero e tal -, é importante destacar que, mais do que leis, nós precisamos é de mudança de mentalidade, e isso só acontece à medida que vamos conversando e falando, porque esse assunto é pautado nos mais diversos fóruns da sociedade.
Então, com relação à mulher, quero só pontuar uma questão da reforma trabalhista que me chamou muito a atenção, foi objeto de discussão e consta na MPV 808, que é o trabalho da mulher gestante e lactante no ambiente insalubre.
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Na Lei 13.467, aprovada, vigente desde 11 de novembro de 2017, consta que a mulher, desde que o grau de insalubridade seja leve ou médio, pode trabalhar, desde que ela tenha o atestado do médico de confiança dela. E aí a gente se pergunta: nessa quadra da história que nós estamos vivendo, de tanto desemprego, de tanta dificuldade, de tanta crise econômica, será que podemos imaginar que essa mulher que precisa do emprego, que precisa manter o emprego mais ainda, com mais razão ainda, porque vai ter um filho para sustentar, ela vai ter isenção ou vai ter coragem, digamos assim...
(Soa a campainha.)
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - ... de pedir para não trabalhar, quer dizer, para realmente não se expor ao agente insalubre? Então, é uma questão que me parece bastante complicada de se pensar, que a letra da lei ali será aplicada corretamente.
A medida provisória, por sua vez, trouxe lá - eu acho importante destacar - um outro elemento. Ela coloca assim em determinado dispositivo: quando for impossível o trabalho no ambiente insalubre, da mulher gestante ou lactante, ela passará a trabalhar num local salubre, deixando de receber o adicional de insalubridade; e também deixará de trabalhar, se for o caso, de qualquer forma, passando a ser remunerada pela Previdência Social.
Isso também só vem confirmar toda a lógica da reforma trabalhista, que é a de eximir o empregador - um empregador que promove um trabalho insalubre - de qualquer responsabilidade quanto a isso e transferir o risco da atividade insalubre para o trabalhador. Para o trabalhador e para a sociedade, porque, à medida que também transfere esse ônus para a Previdência Social, transfere para a sociedade toda. Então, é extremamente vil e nefasta essa previsão.
Quer falar Guilherme?
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Se você me permitir.
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Pois não.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - E, se o adicional de insalubridade for pago, ou seja, se eventualmente a mulher trabalhar, conquanto grávida ou lactante, em local insalubre, esse pagamento que a empresa faz de um trabalhador que está à sua disposição em uma atividade que em tese prejudica a saúde e no seu interesse econômico, esse pagamento do adicional de insalubridade, pelo texto da lei da reforma, pode ser compensado depois no campo previdenciário. Ou seja, na verdade quem paga o adicional de insalubridade também é a Previdência Social. Se a trabalhadora se licenciar, a Previdência paga; se ela trabalhar recebendo o adicional de insalubridade, ineditamente também a Previdência Social é que vai pagar o adicional de insalubridade, embora ela esteja em condições de risco e no interesse econômico da empresa.
Eu até mencionei isso na audiência de ontem. E depois querem que a Previdência fique equilibrada.
(Soa a campainha.)
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Ótimo, Guilherme. Obrigada pelo complemento. Isso só reforça mesmo o que a gente já vinha falando aqui: transfere mesmo o ônus para a sociedade, e em benefício próprio, porque tira proveito econômico daquela prestação de serviço.
Ainda com relação ao GT de gênero que eu mencionei aqui do Ministério do Trabalho - eu quero pontuar, porque é bastante importante e eu reputo até como serviço de utilidade pública -, construiu-se uma cartilha sobre assédio sexual no trabalho. Assédio sexual em geral, que pode ser contra homens e contra mulheres. Porque já se percebeu que ele atinge basicamente mulheres e é voltado e tratado como um elemento de discriminação da mulher, um efeito da discriminação contra a mulher. Foi feita uma cartilha com perguntas e respostas, que está na internet, na página do Ministério Público do Trabalho, no portal MPT, que pode ser reproduzida e copiada livremente, pode ser acessada e reproduzida livremente.
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Eu tive a oportunidade de discutir sobre esse tema do assédio sexual no trabalho numa audiência pública de que participei aqui, no final do ano passado, na CAS, sob a condução da Senadora Marta Suplicy. Foi muito interessante a abordagem, porque ficou claro... Na Mesa, estávamos eu, representando a ANPT e também o Ministério do Trabalho; estava uma senhora transgênero, uma mulher transexual; estava uma delegada de polícia, uma promotora de Justiça, e em todas as falas ficou claro, claríssimo, nítido que essa situação do assédio sexual ocorre também por discriminação contra a mulher. Por quê? Porque, em algum momento, entende-se que a mulher ocupou o espaço público, mas ali não é lugar dela; ela está ali meio que intrusa, porque, na verdade, a predominância continua a ser masculina. Então, porque ela está ali naquele ambiente que, em tese, não seria dela, ela merece ser achacada, merece ser ofendida, agredida por todo tipo de violência, inclusive esta que se caracteriza como assédio sexual.
Por fim, feitas algumas considerações sobre pontos que considerei importantes e achei relevante trazer, porque fogem daquela abordagem tradicional que temos feito aqui, ao longo do tempo, que também é muito importante, sobre a reforma trabalhista, mas trazendo outros pontos que precisam ser aprimorados e que eu acho que, nessa oportunidade do Estatuto do Trabalho, serão trabalhados da forma correta, eu agradeço, Senador, por esta oportunidade e coloco a ANPT, mais uma vez, à disposição para participar de quantos debates forem necessários para que cheguemos aí a um resultado, tenho certeza, bastante efetivo, sob a condução de V. Exª e sob a competente coordenação aqui do Leandro também, que conduz o trabalho com dedicação, com maestria e com muita competência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele está com uma enorme responsabilidade, junto com os senhores todos, de apresentar a primeira versão, porque ele é funcionário do meu gabinete, é advogado também, e muito competente, mas ele ficou como um secretário executivo da nossa Comissão aqui. Não é, Dr. Leandro?
A SRª ANA CLAUDIA BANDEIRA - Sim, e exerce muito bem o papel, Senador.
Então, muito obrigada. E vamos aí, vamos seguir na luta para que a gente melhore aí o nosso Brasil.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Nós vamos para os finalmentes, mas vamos prestigiar a nossa TV Senado e o programa e-Cidadania, que selecionam algumas afirmações que os telespectadores mandam para nós, como, por exemplo, a de Márcio Camargo Cordeiro, do Acre, que diz é uma prática constante no nosso País empregados terem que desempenhar inúmeras funções, que, muitas vezes, contrariam até o contrato de trabalho, e ele é obrigado a fazer de tudo. Aí, ele fala da falta de fiscalização do Ministério do Trabalho.
Eu quero aqui defender os fiscais do trabalho, porque praticamente diminuíram em mais de 70% o número de fiscais, daí os fiscais não têm como... Aumenta o número de empresas no País, e os fiscais teriam que ter, hoje, um contingente três vezes maior, segundo informação do próprio presidente do sindicato lá, o...
(Intervenção fora do microfone.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... Carlos Silva, muito atuante, assim como a Rosa. Era preciso ter três vezes mais - está cada vez diminuindo mais, e ainda tiram o orçamento deles.
Ricardo Monteiro da Silva, do Rio de Janeiro: "O Estado deveria manter um tipo de fiscalização para atuar" e o sindicato poderia colaborar para fiscalizar "as empresas que mantêm de fachada as chamadas equipes de segurança relativas ao trabalho, pois as empresas simulam eleição fraudulenta". É a fiscalização.
Manoel, do Rio Grande do Norte: "Apelo para que seja atualizada a viabilização do PIS, conforme art. 218 da Constituição Federal [...]". Ele fala, daí: "sistema produtivo sob interatividade com diferença em utilidade potencial de efeito formal do desempenho em estrutura digital".
Vou ler só mais três aqui.
Jânio Pereira, de São Paulo: "Afirmo que a maioria das empresas de vigilância, após a aprovação da lei trabalhista, não estão pagando mais o feriado trabalhado." É aquilo que você falou, não estão pagando nem hora extra nem feriado aos trabalhadores. Portanto, é necessário ver o que está acontecendo, tem que investigar, afinal, se tem que trabalhar feriado e hora extra, tem que pagar. É o óbvio.
Maria de Fátima, do DF: "Concordo com o discurso proferido pelo Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Ângelo Fabiano, que foi verdadeiro ao retratar as dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores."
Sebastião Alves, o último, do Rio de Janeiro: "Parabenizo a todos os Parlamentares presentes pelos seus pronunciamentos. Afirmo que essa discussão acerca dos direitos e benefícios dos trabalhadores brasileiros é de extrema necessidade para a população." E para combater todo tipo de preconceito.
Aí ele já abraçou todos.
Eu tinha me comprometido a falar aqui como ficaria se aprovassem a reforma da previdência, com que idade seria possível se aposentar, porque se fala sempre que seria com 65 ou com 62 se mulher. Então, o pessoal da assessoria fez o cálculo. Se você começou a trabalhar, se assinou a carteira com 18 anos, para ter 40 anos de efetiva contribuição, considerando que a média de emprego do brasileiro é 9,1 para cada 12 meses, ou seja, por 9 meses se tem emprego, vai dar 70 anos de idade. Ninguém se aposentará com menos de 70 anos de idade se assinou a carteira com 18.
Mas temos outro exemplo. Digamos que você estudou, trabalhou com o pai, com a mãe para sobreviver e não teve a carteira assinada até se formar, como é o caso da moçada aqui da Educafro. Só como exemplo, se assinou a carteira como profissional aos 25 anos, só vai se aposentar com 77 anos de idade, bem acima do número de anos de vida do brasileiro.
E um último cálculo: se começar a assinar a carteira porque quis estudar mais, se preparar, com 30 anos, aí vai para 83 anos de idade para se aposentar. É isso que eles querem aprovar, dizendo que não vai haver prejuízo para ninguém.
Simbolicamente, confesso a vocês que eu gostaria muito, se vocês concordassem, que a fala final, em nome da Mesa, ficasse para a Auditora-Fiscal do Sinait, Drª Maria Roseniura de Oliveira Santos, mulher, negra, e hoje uma mestre na universidade. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Maria Roseniura de Oliveira Santos) - Agradeço ao Senador Paim por essa homenagem. Que todos os nossos telespectadores, mulheres, negras e negros se sintam também neste momento homenageados.
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As falas dos nossos participantes aí no canal interativo acabam reforçando tudo o que foi dito até então e fortalecem a certeza de que o sonho não é utópico, Senador. Com certeza, esse projeto será um fator de mudanças, e, como disse o Dr. Guilherme, vamos esperar um cenário em que ele realmente possa reverter todos esses retrocessos.
Não poderia deixar, nesta fala final, de destacar - dois participantes interativamente destacaram - a questão da fiscalização. Na nossa dissertação de mestrado, estudando o fenômeno do mercado de trabalho e da fiscalização, nós detectamos, em 2013, uma média histórica - é só uma média. Apuramos, em uma série histórica de 15 anos da auditoria até 2013, uma defasagem, para o padrão mínimo que a OIT estabelece para que a fiscalização tenha um alcance minimamente eficaz, no caso do Brasil, uma defasagem de 55% em média. Então, as lideranças que aqui estão representando as entidades representam muito, muito além do que os trabalhadores e trabalhadoras às vezes não percebem. Então, a fiscalização do trabalho tem o seu papel de, no dia a dia, prevenir, porque, até quando ela pune, é para prevenir as lesões mais graves aos trabalhadores e trabalhadoras no mercado de trabalho.
O Ministério Público tem um papel com um caráter um pouco mais coletivo, mas que, numa sinergia, se a fiscalização conseguir ser eficiente junto com o Ministério Público, vai agir num bate-bola que pode transformar a sociedade.
E há o papel fundamental da magistratura também nesse processo, porque, se essa retaguarda falhar, só nos resta o caminho da ação judicial, da proteção do Poder Judiciário. Costumava dizer o Ministro Carlos Britto que a magistratura, o Poder Judiciário é a última porta de saída quando tudo falha no descumprimento dos princípios e dos direitos humanos. (Palmas.)
Então, a participação dos ouvintes, dos nossos telespectadores captou isso, a importância dessas instituições. É por isso que atacam tanto e têm atacado, e hoje com o foco mais direcionado à magistratura; a todas as categorias, mas um pouco mais à magistratura. Porque um dos critérios daquela pesquisa de que eu falei do projeto do Banco Mundial - uma das avaliações negativas do Brasil - é exatamente a certificação de débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho; foi apontado, no relatório do Banco Mundial, como algo negativo. Então, não à toa estão concentrando o foco em ataques à estrutura da fiscalização, um pouco mais silenciosa, mas que já vem de anos, à magistratura do trabalho e ao Ministério Público do Trabalho.
O que está em jogo nisso tudo é a defesa do valor da dignidade da pessoa humana. E esta Comissão de Direitos Humanos tem como sua missão a defesa precípua da dignidade da pessoa humana. Então, para encerrar esta primeira reunião do grupo de trabalho, temos que nos fortalecer nesse movimento. E, hoje, além do perfil mais jurídico, a presença Frei David, com o Movimento da Educafro aqui, enriqueceu o debate, porque tudo isso está conectado. É preciso mudar, e mudar para a defesa da dignidade da pessoa humana.
Obrigada.
Declaro encerrada a reunião. (Palmas.)
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(Iniciada às 9 horas e 03 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 17 minutos.)