05/03/2018 - 3ª - Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro aberta a 3ª Reunião da Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho, desta Comissão, da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 107, de minha autoria. O tema é a tutela necessária no trabalho rural e doméstico.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Antes de iniciarmos, quero informá-los que em função da relevância e qualidade dos debates desta Subcomissão, as palestras serão organizadas para publicação, ao final de cada semestre, com base nas notas produzidas pela Taquigrafia, que desde já ficam solicitadas, conforme encaminhamento aprovado em reunião anterior.
Vamos iniciar a primeira Mesa, convidando Lucas Reis da Silva, Auditor-Fiscal do Trabalho e Representante do Sinait; Débora Tito Farias, Procuradora do Trabalho da 6ª Região; e Lívia Ferreira, Auditora-Fiscal do Trabalho e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Estamos esperando ainda o Carlos Eduardo, Assessor Jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). E também está vindo Ivaneck Perez Alves, que é da Contag.
Como é de praxe, antes de iniciarmos os trabalhos, farei dois registros. O primeiro deles eu vou apresentar em plenário. Eu vou registrar, em plenário, o falecimento, na noite de sábado, 3 de março de 2018, do empresário Raul Anselmo Randon. Ele estava hospitalizado no Albert Einstein, em São Paulo, e faleceu. Aí, naturalmente, no plenário, eu farei a leitura do voto de pesar. É um empresário da minha cidade natal, Caxias do Sul.
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Raul Randon tinha de fato uma visão da importância não só do empresário, mas também da responsabilidade social. Eu, toda vez que visitava as empresas, mesmo já como Parlamentar, tinha livre acesso, entregava boletim... Era suprapartidariamente. Todos tinham o direito de entregar, nas portas, inclusive do próprio refeitório e dentro da fábrica, as suas propostas, seja de centro, de esquerda ou de direita.
Raul Randon era um visionário, como a gente fala. Ele tinha uma visão bem ampla de toda essa questão do mundo do trabalho. Mas vou falar em plenário e enviarei o voto de solidariedade à família e à própria empresa. A história de quase 70 anos das Empresas Randon se confunde com a trajetória profissional e com todo o crescimento dos empregos e do empresariado na Serra Gaúcha.
Eu tenho uma ligação. O meu pai, já falecido, era vigilante e fazia aquela guarda noturna. Fez na Marcopolo, fez na Guerra e fez também na Randon. E eu, moleque, ia com ele e com o cachorro chamado Tupi, que era o cachorro dele. E ele tinha que fazer a ronda na empresa. São empresas grandes. E eu me divertia com o cachorro, dentro dos ônibus e caminhões. Enfim, tenho uma lembrança muito boa, tanto da Randon como da Guerra e da Marcopolo, que naquele tempo era Nicola. E ele foi vigilante nas três empresas.
Como é a vida! Hoje eu pertenço ao grupo Tramontina. Aquele moleque que fazia a guarda com o pai... Quando fui Vice-Presidente do Senado durante dois anos, recebi aqui toda direção do grupo Tramontina, que queria conhecer o Senado. Eu os recebi.
Então, tenho também carinho pelo grupo Tramontina, do qual faleceu recentemente o presidente, e eu fiz aqui um voto de pesar. Faço também para o empresário Raul Randon, como fiz para os outros daquela região onde eu tive uma adolescência muito positiva. Não tenho queixa da minha adolescência. Farei a leitura do voto de pesar no plenário do Senado.
Vamos ao nosso tema. Farei a introdução construída pela assessoria sobre o tema de hoje.
Após as aterradoras mudanças dizimando direitos dos trabalhadores, é importante refundar as regras para ditar aquilo que eu chamo de o novo mundo do trabalho. Essa é uma nobre missão de todos vocês e nós Parlamentares. Isso será possível com a atualização das leis do trabalho, que é o objetivo desta audiência e das outras dezoito que já fizemos, e iremos levar até 1º de maio.
O objetivo de hoje é discutir a tutela da lei para os segmentos mais vulneráveis, mais desamparados, como os trabalhadores domésticos e os trabalhadores rurais.
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Eu recebi uma denúncia, esta semana, e fiquei assustado. Esses meninos e meninas que trabalham de motobói, em São Paulo, estão sendo demitidos da função que tinham como contratados, antes, e todo mundo entrando no trabalho intermitente ou contrato autônomo. Ou seja, segundo a empresa, eles não têm direito a nada, a não ser às horas que trabalharem, via contrato autônomo, que vai dizer, ou via trabalho intermitente. As empregadas domésticas também. Há quem diga - defenda a tese - de que a lei específica da empregada doméstica não vale mais. Isso vocês vão aprofundar aqui. Dizem que está revogada porque a lei maior agora é aquela que eles aprovaram aqui, que vai também nessa linha do trabalho intermitente, que dá algumas horas para a pessoa, todos os dias. Vocês poderão aprofundar. Então não precisarei ler esse documento todo, porque o documento é aquilo que eu falo no improviso aqui.
Do trabalhador rural todo mundo sabe. Há até um projeto, na Câmara dos Deputados... Qual o autor? Eu nem lembro o nome do cara. Não sei porque some o nome. Mas deveria lembrar, não é? Ainda bem que a doutora me ajudou. Diz que tendo uma lona, um chão batido e um prato de comida é o suficiente para trocar pelo salário e não precisa ter vencimento nenhum. É isso tudo que nós vamos discutir aqui hoje. Então, cumprimento todos.
Eu só peço que deem por lido esse meu pronunciamento, porque fica nos Anais. Eu quero mais é ouvi-los. Então, de imediato, vamos aos nossos convidados.
Pela ordem, aqui, vamos passar primeiro para o Lucas, porque os dois são da mesma entidade.
Lucas Reis da Silva, Auditor-Fiscal do Trabalho e representante do Sinait. Em seguida, a Drª Débora falará como Procuradora do Trabalho da 6ª Região.
Por favor, Lucas. São dez minutos com mais cinco, com uma tolerância da Mesa, se for necessário, para os três.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Bom dia a todas e a todos.
Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer, em nome do Sinait, em nome dos auditores-fiscais do trabalho, a oportunidade de debater esse tema. Gostaria de agradecer ao Senador Paim e também à Senadora Regina o convite, e dizer que a gente está sempre à disposição e que é um prazer para nós contribuir com a discussão que se tem feito no País, com relação à reforma trabalhista.
Falando sobre a tutela necessária do trabalhador rural e do trabalhador doméstico, eu vou me ater mais à questão do trabalhador rural e a minha colega Lívia vai se ater à questão do trabalhador doméstico, mas eu gostaria de fazer uma introdução rápida sobre os motivos de uma tutela especial para o trabalhador rural e para o trabalhador doméstico. Por que o trabalhador doméstico e o trabalhador rural precisam de uma tutela especial da legislação? E não é suficiente que eles sejam tratados como os demais trabalhadores urbanos ou os demais trabalhadores da iniciativa privada?
A gente percebe que o trabalhador rural e o trabalhador doméstico... Primeiro, a legislação que trata do trabalho rural e do trabalho doméstico é bastante tardia, se comparada à legislação que alcançou os trabalhadores urbanos. A gente tem, por exemplo, a CLT, que foi promulgada em 1943, mas a lei do trabalhador rural só veio em 1973, trinta anos mais tarde, e a equiparação mesmo só veio com a Constituição de 1988, ou seja, ontem. É um setor de trabalhadores alcançado de forma muito tardia pela legislação. Se o trabalhador urbano já sofre com as agruras da relação capital-trabalho, já sofre com uma opressão gigantesca da relação capital-trabalho, o trabalhador rural e o trabalhador doméstico sofrem ainda mais, por terem passado muito tempo da história do Brasil sem nenhum tipo de proteção.
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Os trabalhadores domésticos, tema da minha colega Lívia, daqui a pouco, ainda mais! Num período ainda mais tardio. A gente não teve uma equiparação em 1988, com a Constituição; a equiparação veio em 2013, e depois houve uma regulamentação, em 2015, mas foi ontem, praticamente. O tema foi trazido pela legislação, ontem, e os trabalhadores domésticos e os trabalhadores rurais estão desprotegidos há muito tempo. E é necessária, nesse momento, uma tutela especial para esse grupo de trabalhadores, não é? Em primeiro lugar, como eu disse, porque é uma legislação bastante tardia; em segundo lugar, porque a gente percebe, nesses dois setores, resquícios muito presentes da escravidão colonial. Eu não estou falando nem da escravidão contemporânea, estou falando da escravidão colonial, presente de forma muito evidente tanto no trabalho doméstico quanto no trabalho rural.
No trabalho doméstico, por exemplo, por muito tempo a gente ficou sem regulamentação de jornada de trabalho. Esse é um resquício muito claro da escravidão colonial. A gente tem, por exemplo, a questão do vínculo. A falta do vínculo e a informalidade nas relações de trabalho rural e doméstico também demonstram resquícios de uma escravidão colonial. A questão dos salários muitas vezes inferiores ao salário mínimo, para o rural e para o doméstico, também evidenciam resquícios de uma escravidão colonial muito evidente.
Em terceiro lugar, por que uma tutela especial para o trabalhador rural e para o trabalhador doméstico? É porque os dados da PNAD dos últimos anos têm demonstrado algumas peculiaridades desses trabalhadores. Por exemplo, eles têm um nível de escolaridade mais baixo que o trabalhador urbano. Então, o Estado precisa proteger de forma especial esses trabalhadores, já que eles não têm as mesmas condições educacionais, as mesmas condições de formação que o trabalhador urbano. Além disso, recebem salários menores; a PNAD também tem demonstrado isso. E uma organização sindical muito fraca e quase inexistente com relação aos empregados domésticos.
Todos esses elementos demonstram condições mais vulneráveis dos trabalhadores rurais e dos trabalhadores domésticos, que nos levam a crer que eles precisam de uma tutela especial para que exista uma equiparação e uma relação um pouco menos desigual. Então, uma legislação tardia, resquícios da escravidão e condições mais vulneráveis de trabalho e de vida nos levam a crer que existe uma necessidade de uma tutela especial tanto para o trabalhador rural quanto para o trabalhador doméstico.
Agora me atendo mais à questão do trabalhador rural e do trabalho rural, que é o tema que tenho fiscalizado como auditor-fiscal do trabalho, na maior parte do tempo no Ministério do Trabalho, já que estamos discutindo o Estatuto do Trabalho e fazendo críticas a algumas reformas que estão em curso nesta Casa, no Congresso, por exemplo o PL 6.442, a partir disso e da crítica à reforma trabalhista, tanto a 13.429 quanto a 13.467, que já foram aprovadas, a reforma trabalhista e a terceirização, quanto à crítica ao PL 6.442, que o Senador Paim já mencionou aqui, que é o PL que trata especificamente do trabalhador rural, a partir da crítica a esse projeto de lei ou a essa legislação já aprovada que a gente vai tentar propor aqui um Estatuto do Trabalho que realmente defenda o trabalho, que valorize o trabalho e contribua para que a degradância não esteja presente nas relações de trabalho, no campo brasileiro.
Então, farei algumas críticas ao PL 6.442, que é o projeto de lei já mencionado aqui pelo Senador, na abertura desta audiência, para podermos, a partir dessas críticas, pensar como seria um Estatuto do Trabalho adequado para a nossa contemporaneidade.
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Por incrível que pareça, o PL 6.442 consegue piorar. O que o PL 6.442 faz? Ele pega a legislação trabalhista e tenta aplicar para o campo brasileiro, para as relações no campo, para as relações rurais. E por incrível que pareça, como se isso fosse possível, ele ainda piora o que foi aprovado aqui com relação à reforma trabalhista e à terceirização. Ele está parado hoje na Câmara, mas nada garante que não vá andar. A gente tem percebido golpes em cima de golpes e cada notícia se apresenta de forma mais assustadora; então, não sabemos até que ponto esse PL vai andar. O fato de esse PL já ter sido apresentado nos assusta e demonstra para a gente uma ousadia muito grande no ataque aos direitos dos trabalhadores.
Então, vou citar alguns pontos desse PL, do qual nada se aproveita. Esse projeto de lei precisa ser retirado urgentemente e rejeitado. Dele nada se aproveita para os trabalhadores rurais. Mas vou citar só alguns pontos que do meu ponto de vista são os mais assustadores desse projeto de lei.
Primeiro, exatamente esse aspecto que o Senador já disse aqui. No art. 3º desse PL, admite-se, além do salário, o pagamento - abro aspas - "com remuneração de qualquer espécie". Remuneração de qualquer espécie é o quê? É o pagamento ao trabalhador rural com só moradia? É o pagamento do trabalhador rural com alimentação? É o pagamento do trabalhador rural com roupa? Com terra? O que é abrir a possibilidade para o pagamento do trabalhador...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se precisar de um remédio, tudo está ali.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Remédio... Ou seja, o trabalhador não vai precisar mais receber salário, de acordo com o art. 3º do PL 6.442; vai bastar o pagamento por qualquer espécie.
No meu ponto de vista, isso é a regulamentação da escravidão, é a escravidão de volta, de forma legal, mais uma vez. Então, é inadmissível que o trabalhador rural possa receber de qualquer espécie que não seja o recebimento de salário, para que ele use o seu salário da forma como ele bem entender. A gente não pode admitir, em um Estatuto do Trabalho que realmente afaste o trabalho escravo e afaste as piores formas de trabalho, o pagamento - abro aspas - "em qualquer espécie", como é previsto do art. 3º do PL 6.442. Então, isso é inadmissível, é inconcebível.
Eu vou dizer os artigos, porque é tão esdrúxulo, Senador, é tão inacreditável que talvez, se eu estivesse assistindo a isso pela TV Senado, eu não acreditasse. Então, vou dizer o artigo...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vou dizer que eu também não acreditaria se eu não estivesse aqui presidindo a reunião e não conhecesse o projeto que você está muito bem explicando. Porque o Brasil não o conhece.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Pois é. E eu vou dizer o artigo porque os trabalhadores, os cidadãos brasileiros que estão em casa podem nesse momento acessar o projeto...
(Soa a campainha.)
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - ... e ver o artigo de que eu estou falando, porque é tão inacreditável que eu prefiro dizer o artigo para quem está assistindo poder acompanhar isso.
No art. 7º, o projeto prevê uma possibilidade de jornada de 12 horas para o trabalhador rural. Doze horas, Senador, não mais oito.
É importante a gente lembrar aqui que há alguns anos, alguns poucos anos, tanto nesta Casa quanto na Câmara, já discutíamos uma redução da jornada de trabalho.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas ele está propondo aí, baseado na contrarreforma que eles fizeram, o 12 por 36, não é?
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Trabalha 12 e descansa 36.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - É. Ele fala do 12 por 36 no art. 12, §3º, mas no 7º é, em havendo necessidade - e nem precisa de comprovação -, a jornada pode ser de 12 horas e não fala dos 36.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Era isso que eu queria... Eu provoquei, na verdade.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Por isso é pior! Por isso é pior!
(Intervenção fora do microfone.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu provoquei porque eu também entendi assim: ele nem sequer teria a jornada de 12 por 36.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Exatamente, porque não prevê 36; só 12, 36, não.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso é gravíssimo.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - É, isso é muito grave. Ou seja, a gente tem mais um resquício ainda da escravidão colonial, Senador, que a gente vê de volta numa proposta de lei.
Então, a gente vê aqui uma jornada de 12 horas. Imagine só, o trabalhador recebe em qualquer espécie e trabalha até 12 horas, se isso não é muito parecido com uma escravidão colonial.
Agora, pegando um outro aspecto, aplicação da 13.467 - que é a reforma trabalhista. Ela possibilita o intervalo de jornada de 30 minutos, Senador, uma possibilidade de intervalo de 30 minutos, de intervalo intrajornada de 30 minutos, ou seja, um intervalo de descanso e de alimentação, aquele intervalo em que o trabalhador vai almoçar, vai comer e vai descansar um pouquinho, que era de no mínimo 1 hora, esse projeto prevê para o trabalhador rural um intervalo de no mínimo 30 minutos. É a mesma ideia, a mesma regra geral.
Outro aspecto é o fim das horas in itinere, que está no art. 5º, §3º, deste projeto de lei. Só para explicar a quem assistindo a nós pela TV Senado, as horas in itinere são aquelas horas pagas e contabilizadas na jornada de trabalho para o trabalhador que, além de morar muito distante do seu local de trabalho... Mas eu estou falando de locais distantes mesmo, são locais tão distantes que não existe nem ônibus que chegue até lá, e o empregador, para que os trabalhadores cheguem, tem que fornecer o transporte. Então, são lugares muito distantes. Eu já fiscalizei, Senador, no oeste de Santa Catarina, alguns trabalhadores que recebiam jornadas in itinere. Eles demoravam uma hora e meia, duas horas para chegar e mais duas horas para voltar. Então, são quatro horas de deslocamento. O que esse projeto de lei e a aplicação da lei da reforma trabalhista que já foi aprovada preveem é o fim das horas in itinere para o trabalhador rural. Agora, olha o problema: ele trabalha 12 horas, só que nessas 12 horas o tempo de deslocamento não é contabilizado. Então, imagine duas horas para ir, duas horas para voltar, mais doze horas, recebendo remuneração de qualquer espécie. É inconcebível o que esse projeto de lei propõe, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Doze mais quatro...
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Doze mais quatro, dezesseis, mais oito horas para dormir, vinte e quatro horas. Acabou o dia, o trabalhador não vai viver.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aonde chegamos!
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - E recebendo de qualquer espécie. Isso está no art. 5º, §1º, desse projeto de lei, que é o Projeto de Lei 6.442, de 2016.
A gente tem também outro aspecto bizarro do projeto, que está no art. 8º, §2º, é o trabalho contínuo por 18 dias - por 18 dias -, não é mais o descanso semanal remunerado, não são mais seis dias e folga um. No art. 8º, §2º, existe a possibilidade, mediante o acordo entre patrão e empregado... E a gente sabe que não existe esse acordo porque, como eu disse, o trabalhador rural está numa situação tão vulnerável que é impossível existir um acordo que traga equiparação numa relação entre trabalhador rural e empregado rural do agronegócio, do agro é pop, do agro é tudo, não é? Não tem, não existe possibilidade de uma relação minimamente equiparada, uma negociação justa. Agora, mediante um "justa" - entre aspas - negociação, uma negociação entre iguais - sendo que não é uma negociação entre iguais -, o trabalhador pode perder o seu descanso semanal remunerado, de acordo com art. 8º, §2º, desse projeto de lei, porque esse projeto de lei prevê um trabalho contínuo por até 18 dias - 18 dias! Ou seja, o descanso não é mais semanal remunerado, é mensal remunerado, não é?
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Por aquele princípio que é bíblico - se não me engano -, diz que até Deus...
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Até Deus descansou no sétimo dia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Até Deus descansou no sétimo dia! (Risos.)
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A que ponto chegamos.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - É, a que ponto chegamos. Mas não para por aí.
(Soa a campainha.)
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - O art. 16, §5º, desse projeto de lei prevê que, no caso de o trabalhador residir no local de trabalho, na mesma fazenda, no mesmo sítio, no mesmo local de trabalho, ele pode vender integralmente suas férias para o empregador, integralmente. Ou seja, é o fim do direito de férias também. Isso está no art. 16, §5º, desse projeto de lei.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se ele pode, o empregador diz: "Olha, aqui tem que trabalhar, só que não vai ter férias. Quer, quer; não quer, não quer."
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Se ele pode, o empregador vai dizer o seguinte: "Você quer vender integralmente as suas férias? Não? Há uma multidão lá fora da porteira que está querendo vender. Você vai querer vender ou não?"
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - E a remuneração é de qualquer espécie.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - E a remuneração ainda é de qualquer espécie: "Eu vou te pagar com mais roupa usada." Não é?
Então, é isso que esse projeto de lei propõe para o trabalho rural. É isso, a gente não pode aceitar. Um estatuto do trabalho que realmente valorize o trabalho humano, que valorize os direitos humanos tem que ir exatamente na contramão do que se propõe aqui, a gente tem que pegar isso aqui e propor exatamente o contrário.
Agora, ainda dá para a gente se pasmar um pouco mais com esse projeto de lei no art. 166. O art. 166 é tão bizarro que ele consegue revogar, ele expressamente diz: "Revoga-se a NR 31." É inacreditável quando a gente lê isso. O art. 166 do PL 6.442/2016 diz expressamente: "Revoga-se a NR 31." A NR 31, Senador, é o que possibilitou nesses últimos anos - a gente tem aqui auditores-fiscais do trabalho, como a Cláudia e como o PC, que atuaram na Móvel por muitos anos - e a NR 31 possibilitou o resgate de milhares de trabalhadores da condição análoga à de escravo, milhares de trabalhadores de condições degradantes de trabalho. Porque a NR 31 prevê que o trabalhador rural tem direito a receber água para beber, tem direito a ter um sanitário para utilizar, tem direito a ter uma casa com cobertura para dormir, é isso que a NR 31 prevê. Prevê que o agrotóxico precisa ser armazenado num local adequado, que o trabalhador rural precisa usar equipamentos de proteção individual, é isso que a NR 31 prevê. E esse projeto de lei diz expressamente que a NR 31 está revogada. Ou seja, se a gente imaginar uma NR 31 revogada, o fim do direito de férias, o fim do descanso semanal remunerado, pagamento em qualquer espécie, uma jornada de oito horas, o fim da jornada in itinere, se isso não se assemelhar à escravidão, eu não sei mais o que se assemelha. Nem estou falando de escravidão contemporânea, estou falando de uma escravidão colonial mesmo. Isso, na verdade, não é um retrocesso nem de cem anos, é um retrocesso de trezentos anos, de quatrocentos anos na história do Brasil. E esse projeto de lei prevê exatamente isto: a revogação da NR 31.
É a NR 31 que possibilita o acesso dos trabalhadores rurais às condições de segurança e saúde no trabalho mínimas, são condições mínimas de segurança e saúde no trabalho, e esse projeto de lei prevê expressamente a revogação da NR 31.
E, como o tempo é curto e já está quase acabando, eu nem vou criticar outros aspectos dessa lei que já foram muito debatidos nesta Comissão, como o privilégio do negociado sobre o legislado, o que está muito claro nesse projeto de lei; eu não vou criticar a jornada intermitente, que está expressa também nesse projeto de lei, eu não vou criticar porque a gente já debateu muito aqui, nesta Comissão, a gente já sabe os perigos e os problemas, as falácias existentes no negociado sobre o legislado, na jornada intermitente. Eu não vou ser repetitivo, mas isso também está previsto nesse projeto de lei.
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Eu vou fazer aqui - para a gente caminhar para o encerramento da minha fala - só algumas do que seria um estatuto do trabalho que realmente valorizasse trabalhador.
Quais são os aspectos que têm que ser previstos em um estatuto do trabalho para que a gente não regularmente e legalize a degradância no campo brasileiro? O que é? O que um estatuto do trabalho que tutele o trabalhador rural e o trabalhador doméstico - especificamente com relação ao trabalhador rural - precisa prever? Primeiro, uma equiparação entre os trabalhadores rurais e urbanos, que é prevista na Constituição de 1988. Só que essa equiparação, Senador, não tem que ser uma equiparação com base nessa reforma trabalhista que foi aprovada. Essa equiparação entre trabalhadores rurais e urbanos tem que ser uma equiparação com base na Constituição, com base no nosso fundamento jurídico maior. Então, a gente precisa, a partir da Constituição, ter uma equiparação entre trabalhadores rurais e trabalhadores urbanos, no que se refere à jornada de trabalho e no que se refere ao salário mínimo. A gente não pode conceber que o trabalhador rural receba menos que um salário mínimo. O salário mínimo brasileiro já é um salário mínimo muito baixo, a gente não pode conceber...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Diga-se de passagem - se me permitir...
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Sim, claro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... no seu tempo ainda -, agora, na verdade, ninguém mais está ganhando um salário mínimo. Alguém deve estar dizendo: "Não, eu ganho." Você não ganha, porque o Sr. Temer desrespeitou a lei do salário mínimo, porque teria que dar pelo menos a inflação. No último reajuste que ele deu, ele não respeitou nem a lei do salário mínimo. Economizou 5 bilhões, segundo dizem, porque se mandava o pagamento pela inflação e ele não pagou. Vai haver uma ação que os Senadores estão elaborando na Bancada para entrar no Supremo para que as pessoas voltem a ganhar pelo menos o salário mínimo baseado na lei: inflação mais PIB. Tudo bem, não houve PIB, tem que pagar a inflação, e ele não pagou sequer a inflação.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Exatamente, exatamente.
Então, um estatuto do trabalho que realmente valorize o trabalho e o trabalhador deve caminhar no sentido da equiparação do trabalhador rural e do trabalhador urbano a partir da Constituição brasileira, prevendo um salário mínimo igual para o trabalhador rural e para o trabalhador urbano, uma jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, como previsto na Constituição, e, no máximo, 2 horas extras diárias... E, aí, a gente está falando de horas extraordinárias mesmo, não são horas extraordinárias que viram ordinárias.
Então, um estatuto do trabalho que realmente valorize o trabalho tem que caminhar no sentido de prever uma jornada de trabalho plausível para o trabalhador rural. O trabalho rural é um trabalho bastante exaustivo, bastante extenuante, e uma jornada de 8 horas já é uma jornada bastante gravosa para o trabalhador. A possibilidade de uma jornada de 12 horas é inimaginável no trabalho rural, embaixo de sol, embaixo de chuva, no meio do campo, exposto a todas as condições adversas do trabalho rural. Então, ela tem que ser de, no máximo, 44 horas semanais e de 8 horas diárias, com 2 horas extras, extraordinárias mesmo.
E, aí, a gente tem que começar a falar de jornada de trabalho e voltar à discussão da redução da jornada de trabalho que a gente já fez por força do movimento sindical, a gente já fez há alguns nessas duas Casas. A gente tem que voltar a essa discussão, inclusive, como uma forma de reação nossa a essa ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores.
Além disso, um estatuto do trabalho que respeite os direitos dos trabalhadores tem que prever um intervalo interjornada de no mínimo 11 horas entre uma jornada e outra, de no mínimo. Um intervalo intrajornada é um intervalo para descanso e alimentação de, no mínimo, 1 hora e não de, no mínimo, 30 minutos como já prevê esse projeto de lei.
(Soa a campainha.)
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O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Um estatuto do trabalho também deve garantir as horas in itinere do trabalhador rural. Por que garantir as horas in itinere do trabalhador rural? Primeiro, para que a sua jornada não seja uma jornada extremamente longa, porque, se não contabilizar as duas horas de trabalho, ele vai trabalhar a jornada de trabalho dele mais as horas de deslocamento e não vai receber por elas. Então, são dois motivos: primeiro, que ele precisa receber por aquelas horas e, segundo, que aquelas horas têm que ser contabilizadas na jornada de trabalho dele.
Um estatuto do trabalho que realmente valorize o trabalhador brasileiro, o trabalhador rural brasileiro, ele tem que vedar a terceirização. A gente sabe que existe uma relação muito íntima entre terceirização e trabalho escravo e a maioria dos resgates de trabalhadores, muitos dos resgates de trabalhadores que a gente faz no campo brasileiro são resgates resultado de uma terceirização fraudulenta, de uma terceirização ilícita.
(Soa a campainha.)
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Então, a terceirização tem uma relação...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto agora.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - ... muito íntima com o trabalho escravo. Que vede o negociado sobre o legislado, que vede o trabalho intermitente, que reafirme a importância do cumprimento da NR 31, reafirme a importância dela.
E, por fim, um estatuto do trabalho que valorize o trabalhador, valorize o trabalhador rural - falando um pouco de trabalho escravo - é um estatuto do trabalho que preveja quatro possibilidades para caracterização do trabalho escravo, que são as mesmas possibilidades previstas no art. 149 do Código Penal, são aquelas possibilidades de jornada exaustiva, condições degradantes, de trabalho forçado ou de restrição à liberdade de locomoção.
Então, um estatuto do trabalho que valorize o trabalhador tem que possibilitar quatro elementos para a caracterização de trabalho escravo...
(Soa a campainha.)
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - ... e não apenas restrição à liberdade de locomoção e trabalho forçado, como a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho prevê.
Então, era essa a minha fala. Gostaria de agradecer à Mesa pelo minuto a mais.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foram dez minutos a mais.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Dez minutos!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pela causa.
Muito bem, Lucas Reis da Silva, auditor-fiscal do trabalho. (Palmas.)
Dez minutos, claro, com as minhas interferências no meio. Acho que cinco debite por mim.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Desculpe-me.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, os cinco o senhor usou.
Mas, vamos lá. Parabéns pela exposição. Os comentários que faço são para dar uma quebrada às vezes, para as pessoas verem que estamos interagindo.
Por favor, agora passamos a palavra à Procuradora do Trabalho da 6ª Região, Drª Débora Tito Farias.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Bom dia a todos.
É uma honra estar aqui falando de duas pautas que são do meu coração: trabalho rural por conta do trabalho escravo - sou Coordenadora Regional de Erradicação do Trabalho Escravo em Pernambuco - e trabalho doméstico. Estamos lá na luta, não é Luiza? Temos uma comissão. Então, vou tentar falar um pouquinho dos dois lados, segundo a atuação do Ministério Público do Trabalho.
Quando esse projeto saiu, passei setembro inteiro, Senador, chorando literalmente e não. Porque realmente parece - é o mesmo sentimento que tenho da reforma trabalhista - que os maus empregadores - no Brasil há muitos bons empregadores, mas, infelizmente, a gente está com uma constituição política no Congresso Nacional de maus empregadores, existem bons empregadores -, a minha impressão, desde a reforma trabalhista, quando eram só sete artigos e viraram aquelas 200 páginas, é de que parece que eles fizeram pautados no que a gente fala que não se deveria fazer.
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A reforma trabalhista, em vários pontos, quando passou daqueles sete primeiros artigos para coisas escabrosas, como até dizer que meio ambiente do trabalho não é prioritário, eu disse: "Rapaz, parece que eles pegaram as fiscalizações da gente, os projetos do Ministério do Trabalho, os projetos de direitos humanos e disseram: 'Vamos fazer tudo ao contrário agora'". Quando eu peguei esse projeto rural, tive certeza de que isso foi feito, porque eles pegaram a NR 31 - essa norma de que o Lucas falou, que é a nossa grande âncora de salvação no trabalho rural no Brasil, para a gente poder atuar, que é reconhecida internacionalmente... Eu disse: "Gente, vou fazer 13 anos de Ministério Público. Até dois anos atrás, o Brasil era reconhecido por ter legislação boa. Nós temos um ECA bom, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente; nós temos o art. 149, que é bom; nós temos a Constituição cidadã, que é elogiada. O nosso problema sempre foi de execução. O Brasil sempre teve problemas na efetivação dessa legislação. E, de dois anos para cá, além de não ter a efetivação, a gente está perdendo a legislação, de cima para baixo. Porque a gente pode alterar uma legislação se a gente alterar a cultura.
Bom, mas só para dizer que quando eu recebi esse projeto, em setembro, eu tive certeza de que eles pegaram a NR 31 e todas as fiscalizações de trabalho escravo e disseram: "Do que a gente não gosta? O que pega o nosso bolso?" E o mau empregador, ele está preocupado com o bolso, ele não está preocupado com o meio ambiente de trabalho, ele quer fazer o dumping social, inclusive com os próprios... O mau empregador, ele é ruim até para o bom empregador. Há muitos empresários que estão ao nosso lado nessa luta contra esse estatuto rural porque se convencem que o bom empregador, ele está pagando imposto, ele está pagando a hora in itinere, ele está pagando o salário e o que terceiriza e quarteiriza, contrata o gato e faz trabalho escravo está colocando o produto mais barato para ele.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Uma concorrência desleal. Exato.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Então, essa legislação da reforma trabalhista é ruim até para o bom empregador. Como a gente está num ambiente muito inóspito, a gente trazer o empresariado para o nosso lado é importante também. Eu fiquei brincando aqui e disse: "Eita, hoje aqui a gente vai falar para convertido." Porque com essa seara em que a gente está hoje, do estatuto, todo mundo fica revoltado com a reforma trabalhista, todo mundo está revoltado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É importante que você está falando pela TV Senado.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Eu gostaria de falar para quem não é convertido.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fale agora. Você está falando para, no mínimo, dois milhões de pessoas.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - É, exatamente, então...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Graças à Agência Senado, Rádio Senado e TV Senado, que estão ao vivo.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Perfeito.
Então, a quem tem dúvidas, vou dizer. Quem tem dúvidas de que essa reforma trabalhista é ruim e de que essa reforma rural é ruim, vou dizer uma cosia que eu falei a Lelio Bentes, dá vontade de mandar ir estudar: estudar a história do Brasil e estudar a fundo o que é essa legislação. Esse estatuto rural, por exemplo... A gente chamava a reforma trabalhista de pacote de maldades. Eu digo que essa reforma rural é um pacote de perversidades. Por que, o que ela faz? No miudinho... Não foi tão miudinho, foi tão acintoso que gerou uma comoção imediata e foi retirada de pauta imediatamente. Foi tão escabroso, foi tão acintoso que até as sutilezas que eles tentaram, eles não conseguiram.
A primeira sutileza que eu acho mais perversa é: eles pegaram a NR 31 e colocaram, e reproduziram no texto da lei tudo que não mexe com eles - tamanho de cama, aquele artigo de como deve ser a especificação de um alojamento para outro - e disseram: "E, no mais, está revogado." Aí, quando você olha, o estudante, a pessoa que ainda está conhecendo, olha assim e diz: "Não, mas eles estão reproduzindo muita coisa da NR 31", para, no final, dizer que ela está revogada. Mas eles não reproduzem o que são realmente direitos humanos. O que a gente enfrenta no campo e que alguns Senadores... Eu já ouvi de Senadora desta Casa que não é mais Senadora dizer que o que é degradante no Nordeste não é degradante no Sudeste. Veja, eu estou ouvindo de uma Senadora que nordestino é para sofrer.
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O que ela quis dizer com isso? Que o homem do Nordeste é bruto, está acostumado com o sol, está acostumado com trabalho árduo. Então, você não pode olhar a degradância com base... Quer dizer que a classe social da pessoa é que diz o direito que ela tem? Quer dizer que é o Estado em que a pessoa nasceu que diz o direito que ela tem?
Desculpe, Senadora, eu pensava que era a Constituição. E ela me chamou de fedelha nesse dia - o Marcelo Campos estava lá.
Então, o que acontece no meio rural é isso também. O que está por traz disso tudo e dessa perversidade de a NR 31 dizer: "Fornecer água potável ao trabalhador."
Aí chega uma consultora da ONU e diz: "Precisa uma legislação brasileira dizer que tem que fornecer água potável para o trabalhador?" E eu digo para a consultora da ONU: precisa. Porque tem empregador que diz: "Não vou colocar bebedouro não, ele bebe do gado, ele está acostumado com essa água."
Claro que ele está acostumado com essa água. Se eu for beber dessa água eu vou passar mal, mas o coitado, que desde criança é tratado como bicho, está acostumado. E por isso eu vou continuar o tratando como bicho? É isso que eu estou dizendo? É isso que eu quero dizer?
E isso existe muito no campo, no meio rural. É tanto que só foi equiparado em 1988. Até 1988 o trabalhador rural era um ser menor, era realmente aquele bicho rústico que tem calos nas mãos porque só recebeu essa brutalidade a vida inteira.
Então, numa legislação, a gente vai legitimar essa brutalidade? É o que o Estatuto faz. Ele é rústico mesmo, pode ganhar só em dinheiro mesmo... É o quê? É trabalhar por comida.
Eu digo que é mais do que a escravidão colonial. Porque na escravidão colonial... A escravidão nunca foi justa, ela sempre foi injusta, mas ela já foi legalizada, ela já foi justificada. É pior que a legislação colonial, porque o intuito financeiro está muito mais evidente. Então eles querem realmente baratear a mão de obra à custa do trabalhador. E aí o trabalhador rural é o pior nicho disso.
Eu vou dizer que é pior que o doméstico em termos de visibilidade, porque, se for em termos de dar visibilidade, o doméstico é pior - o doméstico tem a mucama que é mucama até hoje. Mas eu vou chegar ao doméstico daqui a pouco. Temos umas pautas bem interessantes, lá em Pernambuco, de tentar fiscalização indireta, etc.
Então, quando a gente leu esse projeto, em setembro, a gente viu que realmente era um pacote de maldade. É totalmente inconstitucional, assim como a gente defende que a reforma trabalhista é inconstitucional em vários pontos, só que é uma luta política. (Palmas.)
Por isso é importante a gente estar aqui no âmbito político, porque a gente sabe que não é um âmbito jurídico. Juridicamente tanto a reforma trabalhista, mesmo posta, é inconstitucional, então a gente tem que ter uma briga política de fé, de estar aqui atrás dos bons empregadores, dos bons empresários, dos membros do Ministério do Trabalho e Emprego, dos membros do Ministério Público que querem mudar isso, porque é político. Juridicamente é inaceitável.
Agora vou falar do doméstico.
Doméstico. Art. 7º da Constituição - são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Eba, igualou.
Parágrafo único - doméstico entretanto só tem isso, isso e isso. Isso ficou vigente de 1988 a 2015. Doméstico expressamente como um trabalho menor. A escravidão ali reiterada numa Constituição cidadã. Porque esse é o ponto da Constituição de 1988.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só me permita falar sobre isso.
Fizemos uma batalha enorme. A Benedita da Silva estava lá também. Ela foi a principal autora dessa lei que existe hoje.
Para colocar aquilo que está lá precisam ver a guerra que foi, para colocar aqueles artiguinhos ali.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Já era pouco e foi uma guerra.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem razão.
O grande erro, digamos, foi não ter ampliado já lá.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - E qual é o resquício da nossa hipocrisia? É a classe média. É a classe média que fica dividida entre continuar tendo mucama e não. Porque a jurisprudência faz questão de dizer que empregado doméstico é aquele que não está inserido num contexto financeiro.
(Soa a campainha.)
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A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Então, você pode ter um motorista que não vai ser remunerado com base na função de motorista, ele é um empregado doméstico. Ainda existe uma cultura de a gente achar que tem que ser servido. O brasileiro é essa pessoa que acha que tem que ser servida. Ainda está na nossa educação.
Então, o trabalho rural tem essa cultura, e o trabalho doméstico tem essa cultura do falso empoderamento da classe média.
E precisou vir 2013 para a Constituição ser alterada, e precisou vir a Lei Complementar 150, que não está derrogada coisa nenhuma, é lei complementar. Isso que falaram para o senhor não...
O problema, Senador, é que eu falo tantas vezes nos canais em que vou que juridicamente isso é inconstitucional e não tem adiantado. Então falaram para o senhor: "Quer dizer que a lei da doméstica não está mais vigente?" Está vigente, sim. É uma lei específica, complementar, que tem até uma hierarquia superior, mas o ambiente político nosso é tão louco que daqui a pouco vai vir uma lei dizendo que lei complementar não é mais nada. Eu acredito em tudo, não duvido, mas juridicamente não pode.
E o que aconteceu com as domésticas? Quando veio essa Lei Complementar 150, eu ouvi de colegas do Ministério Público: "Quer dizer que eu não vou poder mais levar minha babá para a Disney comigo?" Olha a preocupação do cidadão: não poder levar a empregada doméstica para a Disney, porque agora ela tem jornada. Gente, jornada é saúde, é vida.
O Estatuto Rural, inclusive, está dizendo que jornada exaustiva é possível. Claro que ela está assemelhada à escravidão. O que é o trabalho escravo por jornadas exaustivas? Jornada exaustiva não é trabalhar oito horas. É já ser exaustivo trabalhar 5 horas numa carvoaria, porque você está ali aspirando aquele gás tóxico, que é muito mais... Então já pode ser escravo. Aí agora o Estatuto diz que são 12 horas.
E as empregadas domésticas? Você sabe a jornada delas? Não sabia até a Lei Complementar 150. A empregada tinha que acordar às 6 da manhã para fazer o café, dormir não sei que horas para fazer o jantar, e ainda tem gente que diz que está ajudando, porque tirou do interior e está fornecendo vida melhor. Eu não tenho dúvida de que não está ajudando, mas você está ajudando deixando de matar, você não está dando vida boa. Você está dizendo: ou eu mato essa pessoa ou dou um prato de comida. Todo mundo quer viver e vai viver por um prato de comida.
O que eu acho hoje da empregada doméstica é que ela está melhor do que o trabalhador celetista. Porque a Lei Complementar 150 é boa, ela finalmente igualou. Qual é o problema do trabalho doméstico que a gente enfrenta muito hoje? É que o trabalho doméstico é exercitado na inviolabilidade do lar. E no lar inviolável ninguém pode entrar. Então, como a gente vai fiscalizar o trabalho doméstico? Elas não denunciam, e hoje em dia vão denunciar muito menos. Quando a gente tenta qualquer tipo de fiscalização indireta nos condomínios, etc., a gente tem uma rechaça imediata, porque a classe média brasileira é complicada, inclusive nós fazemos parte dela. Então, imaginem como é hipócrita dizer que está ajudando a pessoa, mas também não venha fiscalizar na minha casa, porque na minha casa você não vai entrar.
Então, acho que o grande entrave... O Lucas já deu sugestão de como a gente pode avançar em relação à seara rural. Em relação à seara rural, acho que a Constituição e a NR 31 são maravilhosas. É o caso de a gente lutar para não perder. Sério mesmo. Acho que a gente tem legislação boa que a gente está perto de perder. A gente não perdendo a Constituição e a NR 31, eu acho que a gente está bem. Então vamos para a efetivação, para as fiscalizações, para os projetos por setor. A cana-de-açúcar melhorou muito. O gesso em Pernambuco está melhorando muito. Então são setores para que eu acho já há legislação. Agora, para o setor doméstico, a gente precisaria pensar nesse estatuto, em como a gente vai quebrar essa inviolabilidade do lar. Até que ponto o lar é inviolável?
Inclusive, um dos maiores projetos de trabalho doméstico foi porque uma menina do Pará, a Marielma, foi estuprada e morta pelos patrões, na inviolabilidade do lar. E ela era empregada doméstica. Então o desafio para o doméstico é: como a gente vai implementar a fiscalização, dadas as circunstâncias em que o trabalho doméstico é feito.
Em relação ao trabalho rural, a gente já conversou muito no Ministério Público, a gente tem legislações avançadíssimas. A NR 31 é um primor. Palmas para o Ministério do Trabalho e Emprego, sou fã da legislação.
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Em relação ao trabalho doméstico, seria como a gente poderia implementar essa fiscalização. Porque, se a gente não perder, a legislação é boa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Débora Tito Farias, Procuradora do Trabalho da 6ª Região.
Nossos cumprimentos pela fala, pela firmeza, pela convicção. Faz com que a gente acredite cada vez mais de que por esse Brasil de Deus tem gente como vocês.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Tem gente com raiva.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa raiva, essa rebeldia que me animam.
Eu já estou com 67 e ainda falam que sou muito rebelde. Tomara que eu vá envelhecendo e fique mais rebelde ainda, cada dia que passa. Viva os rebeldes!
Passamos a palavra agora à Auditora-Fiscal do Trabalho - representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). Já registramos a presença na Mesa tanto da Luiza Batista Pereira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), como também do Carlos Eduardo, Assessor Jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar).
Por favor, Drª Lívia, com a palavra, pelo Sinait.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Bom dia.
Gostaria de agradecer a oportunidade ao Senador Paulo Paim e saudar os presentes à Mesa, os colegas da Auditoria-Fiscal do Trabalho que estão presentes também.
Vou falar um pouquinho de possíveis avanços que o Estatuto do Trabalho pode vir a contemplar em relação à melhoria e como que os trabalhadores domésticos podem realmente passar a ter proteção social, ter acesso aos direitos sociais, à seguridade social, o que hoje não está acontecendo efetivamente no Brasil.
A foto que há na minha apresentação é uma foto de um pintor francês que viveu no Brasil no século XIX, que retratou o cotidiano de uma família brasileira. Há alguns escravos, pessoas negras servindo essa família. E a gente pode verificar claramente que essa realidade do século XIX ainda está presente da realidade de hoje. Como o trabalho doméstico é um traço muito marcante ainda da escravidão colonial.
Vamos falar primeiro de alguns dados em relação ao trabalho doméstico no Brasil.
Segundo o Ipea, temos cerca de 6,5 milhões de brasileiros em trabalho doméstico, entre formais e informais. Há dois grandes fatores, segundo uma pesquisa da USP, para se ter grande população de domésticos: desigualdade social e falta de acesso à educação pública de qualidade.
É claro que, sem minorizar a qualidade e aspectos importantes de como o trabalho doméstico é prestado, a gente sabe que o trabalho doméstico cresce na medida em que a população não tem acesso à educação de qualidade e também não tem acesso a postos mais qualificados de trabalho. Então, isso faz com que mais pessoas necessitem desse tipo de posto de trabalho que realmente, na maioria das vezes, não traz um trabalho decente e um trabalho de qualidade, que permita àquele trabalhador ter realmente uma vida de qualidade.
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A OIT trata o trabalho doméstico como o núcleo duro do déficit do trabalho decente no Brasil e no mundo. Algo que está muito arraigado muitas vezes na cultura, como acontece no Brasil. E é muito difícil de mudar esse núcleo, de alterar esse núcleo.
Segundo dados do IBGE, PNAD Contínua Trimestral, nós temos que o Brasil, em 2016, tinha 6,2 milhões, dos quais 92% eram mulheres. Então, a grande maioria desses trabalhadores é de mulheres, quase 100% de sua totalidade, e negras. Isso demonstra também a vulnerabilidade desses trabalhadores que atuam nessa atividade.
Apenas 42% dessas trabalhadoras contribuem para a previdência e só 32% possuem carteira de trabalho assinada.
Então, temos hoje no Brasil um crescimento muito grande. Apesar da lei de 2015, que tratou do trabalho doméstico, que em muitos pontos avançou, estamos apenas com 32% com Carteira de Trabalho assinada. A maioria dos trabalhadores domésticos no Brasil não tem acesso a direito nenhum; não tem acesso a direito trabalhista, não tem acesso a seguridade social.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse destaque é importante.
Trocando os números, praticamente 70% não têm direito.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Exatamente.
Então, como a Débora mencionou, a lei não foi revogada, mas ela praticamente não tem aplicabilidade.
Se olharmos o universo de trabalhadores domésticos, ela nem precisa ser revogada, ela não tem aplicabilidade, é uma lei quase morta.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - E quando no art. 1º a lei fala que é preciso você trabalhar três dias para o mesmo empregador para poder ter direitos, você está excluindo 70%. Aí você vai pegar trabalhadores que muitas vezes trabalham no mínimo três dias para o mesmo empregador, mas que o empregador não registra, e tem os demais que trabalham menos dias e os diaristas. Hoje, o número de diaristas aumentou. A tendência do trabalho doméstico tende a ser de diaristas, não só no Brasil, mas no mundo. E como você vai proteger esse trabalhador? A realidade do trabalho doméstico é essa, e a lei não atende essa realidade.
Esse gráfico do IBGE mostra pessoas ocupadas como domésticas em 2017. A partir de maio, junho, julho, de 2017, um crescimento vertiginoso no número de pessoas ocupadas que mostra que, diante de um contexto de crise econômica e de diminuição dos postos formais de trabalho, as pessoas tendem a se ocupar cada vez mais nesse tipo de atividade, principalmente as mulheres desempregadas.
O Dieese, numa pesquisa na região metropolitana de São Paulo, que tem dados de 1985 a 2016, pesquisou o trabalho doméstico e concluiu aumento da participação de diaristas e diminuição da participação de trabalhadores mensalistas formalizados e diminuição da quantidade de diaristas que contribui para o Sistema de Seguridade Social.
O que significa? A Previdência Social permite a contribuição do suposto autônomo para que ele tenha cobertura social. Porém, em crise econômica, as rendas diminuem e a diarista vai ter que escolher entre o prato de comida e pagar a previdência.
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Então, diminuiu a quantidade de empregadas domésticas diaristas que contribuem. Ou seja, fica sem nenhum tipo de amparo social.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E o autônomo também. O autônomo ou paga ou não paga.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Entre comer, pagar aluguel e sobreviver, ele vai acabar não pagando.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Esses três gráficos mostram também: nas três primeiras colunas da esquerda, nós temos mensalistas com Carteira, que diminui de 2015 para 2016, apesar da lei de 2015, mostra que efetivamente a lei não está protegendo o trabalhador doméstico; as três colunas do meio, mensalistas sem Carteira assinada, praticamente se mantêm, não há aumento do número de trabalhadores com carteira; e as últimas três colunas de diaristas, mostra que só cresce o número de diaristas como trabalhadoras domésticas.
Eu acredito que esse Estatuto tenha que se dispor nessa linha, de proteger esse trabalhador, ainda que diarista, ainda que ele tenha múltiplos empregadores, como está previsto na convenção internacional dos trabalhadores domésticos, que foi ratificada pelo Brasil em fevereiro deste ano; tem essa previsão de que tem de haver proteção, independentemente de ter múltiplos empregadores, de ser mensalista, da forma como atua.
Só para ilustrar, a gente tem a Emenda Constitucional de 2013 que estende os direitos dos trabalhadores urbanos para os trabalhadores domésticos, porém a Lei Complementar 150 vem restringir esses direitos. Parece algo que veio...
Eu já vi a Lei Complementar 150 no discurso de muitas pessoas como um grande avanço. Em muitos pontos, realmente é um avanço em relação aos direitos domésticos. Só que, em relação à Emenda Constitucional, a Lei Complementar 150 é um retrocesso em relação aos direitos dos trabalhadores domésticos, tendo em vista a realidade do mercado de trabalho hoje. Ela não atende a maioria dos trabalhadores que estão no mercado brasileiro hoje. Então a gente tem que pensar em até que ponto a Lei Complementar realmente... Muito interessante.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Pois é.
Como foi dito também, a gente tem a Lei 13.467, que é a reforma trabalhista que trata do trabalho intermitente. O trabalho intermitente é um trabalho em que o diarista se encaixaria perfeitamente. O trabalho intermitente é considerado um trabalho subordinado, é um empregado, tem a possibilidade de o empregado ter múltiplos empregadores, porém a lei anterior de 2015 não trata o doméstico dessa forma. Então, digamos que nesse aspecto a reforma trabalhista está até mais avançada do que a lei do trabalho doméstico, porque nela, se aplicar o trabalho intermitente ao trabalhador doméstico, é possível, sim, que o diarista seja tratado como empregado e que tenha direito trabalhista e direito à Seguridade Social.
Nós tivemos vários e importantes avanços na Emenda Constitucional de 2013. A jornada de trabalho passou a ter controle de jornada, que não tinha; possibilidade de receber hora extra; FGTS seguro, de forma irrestrita, que antes era opção do empregador recolher; possibilidade de receber adicional noturno; aplicação das normas de segurança e saúde no trabalho, que é muito importante, eles estavam excluídos dessa aplicabilidade; e reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, que também foi um importante avanço da Emenda Constitucional.
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A Lei Complementar também avança em alguns pontos.
Um ponto muito importante é a possibilidade de ter, inclusive, estabilidade em caso de acidente de trabalho. Então, a lei complementar avança, mas são pouquíssimos os trabalhadores domésticos que têm acesso a ela.
Então, nesse ano, a gente teve a ratificação da Convenção e Recomendação sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadoras Domésticos. E, aí, nesse ponto, eu acho que a Convenção e a Recomendação têm que ser o parâmetro inicial para se pensar um Estatuto do Trabalhador e como que se pode pensar a efetiva implementação dos direitos trabalhistas e sociais desse tipo de empregado.
Então, a Recomendação, no seu item 20, fala sobre a obrigação de Estados-membros facilitarem o pagamento da contribuição à previdência, inclusive com respeito aos trabalhadores que prestam serviços para múltiplos empregadores. Então, aqui, a gente está falando dos diaristas e da importância de se estender os direitos e a cobertura da seguridade social para esse tipo de empregado. Como o Estado-membro pode proporcionar isso?
E, aí, a Recomendação fala do sistema de pagamento simplificado. A gente tem o eSocial, que já atende, de certa forma, a esse pagamento simplificado por parte do empregador doméstico, pois facilita bastante a inserção do empregado no âmbito formal, com o registro da carteira e o recolhimento de todos os tributos que envolvem aquela relação de emprego. Porém, o eSocial poderia também, para abarcar os diaristas, facilitar que, no caso de um diarista que preste serviço a um dado empregador, este pudesse recolher também a previdência dele, ainda que seja só de um dia, mesmo que seja de cinco horas ao dia. Assim, que se gerasse a fatura eletrônica no eSocial para pagamento da previdência correspondente àquelas horas prestadas e para poder também recolher a parte do trabalhador,
Muitas vezes, a gente sabe, pode ser que esse tipo de trabalhador, que é um trabalhador muito vulnerável, não faça esse recolhimento. Então, retém a parte do trabalhador e já gera a guia para que o empregador recolha tanto a parte do empregado como a sua parte.
A Convenção e a Recomendação falam da importância da inspeção do trabalho.
O trabalho doméstico é um trabalho que está longe dos olhos do Estado, protegido dentro do ambiente domiciliar privado. E, aí, fala-se da importância de se estabelecer regras para que a inspeção do trabalho ocorra.
"Tais medidas deverão especificar as condições sob as quais se poderá autorizar o acesso ao domicílio."
A Lei Complementar nº 150 trata da inspeção no domicílio como uma inspeção que tem que ocorrer com aviso prévio e que tem que contar com a anuência do empregador. Isso acaba com a fiscalização. Então, a partir do momento em que a inspeção tiver que ocorrer sob essas condições, vai acabar.
É importante também mencionar que, em relação a condições de estabelecimento da inspeção no ambiente doméstico, nós tivemos uma experiência, no ano passado, em São Paulo, que foi a fiscalização do trabalho de filipinos domésticos que estavam sendo traficados para o Brasil.
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Então, a gente constatou trabalho escravo para três filipinos que foram traficados. E o que aconteceu é que, no curso do trabalho, a gente conseguiu identificar formas que... Às vezes, a gente não precisou ir até o ambiente de trabalho. Por meio da utilização de tecnologias, a gente conseguiu, muitas vezes, ter acesso até a fotos do domicílio onde aquele trabalhador estava, bem como acessar documentos que estavam com o trabalhador, enfim.
Então, muitas vezes, a tecnologia pode ajudar muito a inspeção, como nesse caso, eu acho, contribuindo para que a gente acesse informações do ambiente de trabalho sem necessariamente ir até o local. E a gente pode fazer isso possibilitando esse tipo de tecnologia aos trabalhadores mesmo, por meio, por exemplo, da criação de aplicativos, empoderando aquele trabalhador.
A gente sabe que a maioria dos trabalhadores, hoje, tem um celular que tem acesso a uma rede wi-fi, muitas vezes acesso ao wi-fi da residência do empregador. Então, por meio da criação de aplicativos, primeiramente, esse trabalhador seria informado da importância desse aplicativo, no intuito de ser uma ferramenta que lhe possibilitaria fazer denúncias de violações de direitos. E, aí, não sei... Temos que pensar, mas esse aplicativo poderia ajudar a inspeção a acessar situações do ambiente de trabalho.
A gente teve essa experiência e foi bem bacana. A gente pôde acompanhar um trabalhador que estava sendo mandado embora. A gente soube, por meio de conversas de WhatsApp e Messenger, o quanto que aquele trabalhador estava recebendo, como estava sendo o retorno dele para o país de origem, se a passagem estava sendo paga. Então, foi bem importante. Sem fazer nenhum tipo de inspeção física, a gente conseguiu controlar minimamente aquela situação e saber se as violações estavam sendo muito graves ou não.
(Soa a campainha.)
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Então, isso só para citar a lei complementar que fala de agendamento e entendimento prévios entre fiscalização e empregador, o que acaba com a inspeção.
É importante dizer que, hoje, no Brasil, apesar de... Há uma decisão do Estado brasileiro de que empregados domésticos estrangeiros sejam intermediados por meio de agências privadas para o Brasil. Essa é uma opção do Estado brasileiro. Na Resolução Normativa nº 2, de dezembro de 2017, está expressa - é uma resolução do CNIg - essa possibilidade de que seja importado empregado doméstico. Então, como se não bastasse a quantidade de trabalhadores que temos hoje disponíveis para trabalhar, o CNIg editou uma resolução na qual está expressa a possibilidade de que trabalhador doméstico estrangeiro seja intermediado para o Brasil. E isso, para mim, não é, nada mais, nada menos, do que o trabalhador doméstico brasileiro, que tem acesso e que está ciente dos seus direitos, hoje em dia, está sendo muito mais difícil de ser explorado, no sentido de ter um empregado praticamente disponível por 24 horas, que é o verdadeiro escravo do trabalho doméstico... Então, como os empregadores não estão conseguindo escravizar da sua pior forma o empregado doméstico, estão importando esse empregado doméstico.
É importante dizer que para esse tipo de intermediação não há nenhum tipo de regulamentação no Brasil - intermediação por agência privada de emprego -, nem para trabalhadores brasileiros, nem para imigrantes. Então, o empregado fica completamente refém de endividamento, taxas pagas a agências, o que endivida os trabalhadores, situação de engano em relação às condições de trabalho, o que leva esse trabalhador ao trabalho forçado.
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Imagina um trabalhador que vem das Filipinas, que não é a maioria - lógico -, pois a maioria dos trabalhadores domésticos imigrantes hoje, no Brasil, é de latino-americanos. Mas imaginem... E há cerca de 200 a 300 trabalhadores no Brasil que já foram intermediados, vindos das Filipinas, endividados em cerca de R$10 mil, que é o que é pago à agência para vir trabalhar no Brasil. Imaginem a possibilidade de retorno ao país de origem. É praticamente nula.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Na verdade, não é um GT. Foi o nosso trabalho de fiscalização...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Isso! Foi a partir do nosso trabalho de fiscalização que...
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - É; mas foi criado. Eu acho que vocês estão. Não sei se é você... Com Cristiane Sbalqueiro, do Rio Grande do Sul.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Não; não tem GT. Foi só um momento em que nós discutimos alguns aspectos, até para tentar alinhar para aspectos jurídicos. Mas, assim, o nosso relatório, a partir do momento do fim da fiscalização, foi para o Ministério Público para ajuizamento das ações cabíveis.
Então, a regulação em relação à atuação dessas agências privadas também é muito importante. Eu não sei qual a possibilidade de esse tipo de legislação vir também no Estatuto, mas, no Brasil, não existe nada a respeito. E existe a Convenção nº 181 da OIT...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode haver um capítulo no Estatuto tratando desse tema.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Porque, inclusive, no Brasil, os trabalhadores são submetidos a violações constantemente por parte dessas agências privadas de emprego. E a Convenção nº 181 da OIT, que trata da regulação das agências privadas, não foi ratificada pelo Estado brasileiro.
Bom, sobre isso eu já falei...
Em relação aos princípios gerais e diretrizes operacionais para um recrutamento justo da OIT, a resolução normativa, que trata da possibilidade de vinda desse trabalhador migrante, atenta contra esses princípios, porque o princípio diz que o trabalhador tem que ser livre para encerrar o seu contrato de emprego - o migrante - e não deve necessitar de permissão do empregador para mudar de empregador. E, aí, a resolução normativa diz que "o contratado não poderá exercer a sua atividade profissional para outra pessoa senão aquela que a tiver contratado na oportunidade da concessão do visto".
Então, o CNIg fala assim: "Você não tem liberdade. Você virá, mas você não tem liberdade nenhuma. Se o seu contrato de trabalho acabar, você vai ser um imigrante irregular". E o que isso significa para um trabalhador que vem das Filipinas, endividado, que foi enganado e que não conhece nada, não sabe onde buscar apoio, não sabe onde denunciar, não sabe falar português...
(Soa a campainha.)
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - ... não sabe como ingressar na Justiça para requerer os seus direitos?
A Convenção fala ainda de estabelecimento de contratos de trabalho padrão. Isso também é algo importante para ser regulamentado. A Recomendação fala da importância que tem um contrato de trabalho doméstico padrão e de que ele seja estabelecido após consultas às organizações representativas de empregadores e trabalhadores.
A Convenção trata de um assunto muito importante no âmbito do trabalho doméstico que é o período de disponibilidade imediata para o trabalho, que é aquela característica muito inerente ao trabalho doméstico, qual seja, estar disponível a todo momento, praticamente 24 horas por dia. Então, trata-se aqui sobre como têm de ser esses períodos de disponibilidade imediata, o que não é tratado pela Lei Complementar nº 150.
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E, aí, só para encerrar, há uma charge, de 2013, em que a patroa fala para a empregada doméstica: "Jornada de trabalho? FGTS? Quem você pensa que é?" Na verdade, essa charge representa toda a prepotência do empregador em relação àquele empregado que está na casa dele, não querendo lhe conceder os direitos que foram ampliados em decorrência da Emenda Constitucional. Porém, hoje, essa charge, para mim, já está até desatualizada, porque, a partir da lei de 2015, esses direitos, realmente, não estão concedidos para a maior parte dos trabalhadores domésticos no Brasil. A maior parte não tem direito mesmo a controle de jornada, a FGTS, a carteira assinada, a aposentadoria, a auxílio-doença... Então, a maioria não tem direito a tudo isso mesmo. Então, essa fala é completamente atual...
(Soa a campainha.)
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - ... e o trabalhador realmente não está tendo acesso aos direitos que estão previstos na Constituição, não são garantidos pela legislação ordinária.
Então, a ideia era pontuar um pouco as questões relacionadas a princípios internacionais e convenções internacionais, no sentido de que o Estatuto disponha sobre... Que os avanços sejam baseados nas normas internacionais, uma vez que elas, verdadeiramente, têm os parâmetros de como garantir amplamente os direitos do trabalhador doméstico e proporcionar a eles acesso aos direitos trabalhistas e à seguridade social. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Lívia Ferreira, Auditora Fiscal do Trabalho, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.
O relato que vocês fazem e o que a gente vem percebendo é que, no Brasil, nós temos hoje uma das legislações mais atrasadas do mundo, por incrível que pareça, nós que já fomos um dos mais avançados.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode falar aqui, doutora.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Em relação à doméstica eu até quero pegar esses dados, porque nós temos dois anos de análise, não é? A legislação é de 2015, nós estamos no começo de 2018, ou seja, vamos fazer três anos. Então, a gente está vendo que não adiantou, que não formalizou.
E o que eu acho que vai acontecer com a jornada intermitente da reforma trabalhista é que não vai formalizar também. Então, a gente teria que pensar em outra forma, não comparando com a jornada intermitente - o artigo que fala dos dois dias com a jornada intermitente -, porque eu acho que, quando a gente puxar os dados, daqui a dois anos da reforma trabalhista vai ser... Ali não deu 32%?
A gente ainda tem que ter cuidado com o que vai propor para não comparar com uma coisa que a gente acha menor pior. É tão triste você se pautar no menos pior, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Mas, quando eu falei do trabalho intermitente, eu só estava, na verdade, querendo... Eu não estava querendo dizer que se tem de aplicar o trabalho intermitente; eu só estava querendo comparar que a reforma considera o trabalho intermitente um trabalho subordinado e a possibilidade de o empregado ter múltiplos empregadores. Para o trabalho doméstico, isso não é possível.
A gente tem que... Por exemplo, eu não sei se eu posso estar dizendo algo que é inverídico, mas eu tive informações de que, nos enunciados da Anamatra, quando se estava discutindo, levantou-se a questão do trabalho doméstico.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS (Fora do microfone.) - É porque a gente...
Os dois dias que estão no artigo são da jurisprudência. Mas você deu a saída já: independentemente da quantidade de dias e dos múltiplos empregadores, haver algum recolhimento.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Exatamente.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - O caminho é esse.
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A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - E eu não sei se é verídico isso, mas eu tive a informação de que, nas reuniões para se construir os enunciados da Anamatra, decidiu-se por não tratar dessa forma o trabalho doméstico; decidiu-se manter o entendimento realmente da Lei Complementar nº 150.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Não duvido, porque, justamente, é jurisprudencial. Então, você está justamente num foro de quem construiu isso. Então, eu acho que mais estratégico, ao invés de a gente questionar essa história dos dois dias, ir pelo caminho que você apontou, ou seja, independentemente de ser um, dois, três dias e ter múltiplos empregadores, estabelecer uma contribuição. A diarista ganha R$120,00? Então, contribui-se sobre os R$120,00, nem que seja meio dia. É ir nesse caminho, porque se formos pelo caminho de que não são dois dias... Porque é uma construção jurisprudencial. Mas a gente pode discutir isso depois, num foro mais técnico, de repente.
A SRª LÍVIA DOS SANTOS FERREIRA - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bom. Vamos em frente.
Parabéns a todos!
Passo agora a palavra à Presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos (Fenatrad), Srª Luiza Batista Pereira.
A SRª LUIZA BATISTA PEREIRA - Bom dia a todos e a todas!
O trabalho doméstico, a gente sabe, já conta 80 anos de lutas. Não é fácil! São 80 anos para conquistarmos o que temos hoje. Nossa primeira associação foi criada em Campinas, São Paulo, e, na década de 60, ela se expandiu para todo o Brasil.
No início da nossa luta, o maior apoio vinha da Igreja Católica, que sempre nos apoiou. E, em várias regiões, foram formadas lideranças - formada no modo de dizer, mas formada na luta, na revolta com aquilo que a gente passava nas residências.
Em dezembro de 1972, a gente conquistou o primeiro direito, na época da ditadura militar, o que foi incrível naquela época e que gerou muitos comentários, que foi o registro em carteira, implementado em março de 1973. E, naquela época, muito empregadores diziam que as trabalhadoras domésticas se tornariam prostitutas, porque ninguém iria assinar a carteira de uma trabalhadora doméstica; que era um absurdo se assinar a carteira de uma trabalhadora doméstica.
E era um absurdo por quê? Porque o trabalho doméstico, a gente sabe, vem dos descendentes de pessoas que foram escravizadas. E, por conta disso, existe a desvalorização do trabalho doméstico, ainda porque o trabalho doméstico, por não exigir trabalhadores e trabalhadoras qualificados, capacitados, com elevado grau de escolaridade... Uma pessoa analfabeta pode fazer um trabalho doméstico - e fazê-lo bem feito, diga-se de passagem. Mas há essa questão de que, por serem pessoas negras, analfabetas ou semialfabetizadas, como é ou meu caso, a gente vê como um trabalho menor. E o fato de o trabalho doméstico, por se dar dentro de uma residência, no ambiente privado, dificultou e continua dificultando a vida da nossa categoria até esta data.
A gente lutou muito durante todos esses anos. Na Constituição de 1988, a gente conquistou alguns direitos a mais, visto que, até então, a gente só tinha direito à carteira assinada. Aí vieram alguns direitos a mais, em 1988, com a Constituição cidadã. Mas o art. 7º, que a categoria e as lideranças costumam chamar de o "artigo da exclusão", pois a gente se sentia excluído como cidadãos, como trabalhadores, embora pertencente à classe trabalhadora, porque nem isso nós éramos considerados, ou seja, como pertencentes à classe trabalhadora. Isso era uma coisa contra a qual a gente sempre lutou.
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Também há a questão de dizer que nós não somos uma categoria econômica, mas a gente diz que somos, sim, que nós pertencemos a uma categoria econômica, porque nós também pagamos impostos. E o empregador não tem o lucro direto. A gente tem consciência de que o empregador não tem o lucro direto como um vendedor, um comerciário, uma pessoa que trabalha num hotel. Ele não tem o lucro direto, e a gente tem consciência disso. Mas a gente é a base da organização da sociedade, porque as pessoas, Drª Débora... Estamos juntos lá em Pernambuco, inclusive em várias entrevistas de rádio, e procuramos desconstruir isso, porque dizer que não auferimos lucro ao trabalhador é desmerecer o nosso trabalho; auferimos lucro ao trabalhador, sim, um lucro indireto, claro, mas é algo que prejudica inclusive no momento de negociar direitos. A gente sabe que todos os trabalhadores se sentam a uma mesa de negociação. O único Estado que tem acordo coletivo com piso para determinadas funções do emprego doméstico é São Paulo. Os outros Estados... Pernambuco tem sindicato de empregador há 19 anos, mas não consegue o registro sindical no Ministério do Trabalho porque o Ministério do Trabalho diz que o trabalho doméstico não aufere lucro ao empregador.
Há outras categorias de trabalhadores que têm sindicatos de ambas as partes registrados no Ministério do Trabalho e não auferem lucro direto ao trabalhador. Por exemplo, quem trabalha em salão de beleza aufere ao empregador, mas ao tomador de serviço, não; e o dono do salão só tem lucro se o tomador de serviço, nós mulheres, a maioria, formos ao salão.
Há a questão dos condomínios. Qual é o lucro que aufere um porteiro, um vigilante de condomínio, um zelador? Qual é o lucro que ele está auferindo ao empregador? Nenhum. Mas ele é considerado categoria econômica. O empregador daquele trabalhador é considerado categoria econômica, e o trabalho doméstico, não. Então, a gente vê aí uma discriminação em relação às outras categorias, e por isso a nossa luta é uma constante.
Em 1983, o Sindicato de Pernambuco ainda era associação porque a gente ainda não podia se organizar como sindicato, que foi um direito que só conquistamos em 1988, com a Constituição, foi um dos direitos que conquistamos, e foi quando a gente pôde avançar na luta. A Central Única dos Trabalhadores, quando foi fundada, Pernambuco foi o primeiro que se filiou à Central Única dos Trabalhadores como associação. Eles nos aceitaram. Fomos os primeiros a bater na porta e dizer: "Queremos nos filiar porque a gente também quer avançar nas nossas lutas, nas nossas conquistas."
Veio a Confederação, veio também o movimento feminista, os movimentos sociais, e, com todas essas entidades nos apoiando, conquistamos, então, uma emenda constitucional em 2013.
Antes disso, no governo Lula, nós conquistamos uma lei que nos garantiu os feriados, porque a gente, nos sindicatos, sempre falou que somos da classe trabalhadora e temos direito aos feriados, sim. E dependia do empregador: se ele entendia isso, ele nos permitia os feriados; se não, não nos permitia, porque não estava na lei. Então, deixou muita coisa a desejar.
Com a Lei 11.324, de julho de 2006, a gente conquistou os feriados; conquistou a estabilidade da trabalhadora gestante; as férias de 30 dias, que até então eram só 20 dias; nós conquistamos o salário mais um terço. Então, ao longo dessas décadas, a gente vem lutando e conquistando. Quando saiu a emenda constitucional, foi uma alegria para nós, foi o êxito da nossa luta, mas aí a gente viu também que precisava regulamentar. E, quando veio a regulamentação, a gente pensou muito e desejou muito que a regulamentação tivesse sido nas mãos do Senador Paulo Paim, que sempre foi parceiro das nossas lutas. Mas, quando a gente viu quem tinha sido escolhido para ser o Relator da nossa lei complementar, a gente viu que teria direitos, claro, mas não ia ser aquilo que a gente almejou.
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Houve algumas coisas que foram pautadas, como a questão do acidente de trabalho. Eu tenho problemas sérios lá no sindicato em Pernambuco, por quê? Porque houve um trabalhador que levou um choque na máquina de lavar e passou uma semana na UTI do Hospital da Restauração. A gente só tomou conhecimento, o sindicato só tomou conhecimento porque a chefe do setor de atendimento, vigilância de acidentes de trabalho na Restauração, ligou para o sindicato e fez a denúncia, porque a gente não ia tomar conhecimento de que aquele trabalhador estava numa UTI. E, depois de uma semana, esse trabalhador veio a óbito.
Houve vários outros casos de queimadura, que é uma das coisas que mais acidenta no emprego doméstico. A trabalhadora foi ao sindicato, preenchi a CAT, enviamos junto com ela e fomos ao INSS. Eu fui até a Superintendência do INSS lá em Pernambuco e essa CAT não foi aceita porque o sistema da Previdência Social não aceita o trabalho doméstico. Na hora de colocar o CNPJ, a gente coloca o CPF, e o sistema não aceita. Então, o acidente de trabalho, para nós trabalhadores e trabalhadores domésticos, não saiu do papel.
Também há a questão dos feriados, que muitos empregadores ainda não aceitam mesmo sendo lei. E há também os atestados médicos. É um absurdo! O INSS já não aceita mais a trabalhadora dar entrada para receber um dia, porque antes a lei falava que até um dia de atestado médico teria de ser a Previdência Social. A gente entende que, se houve uma emenda constitucional, isso não era mais nem para ser discutido, mas muitos empregadores dizem que a lei não mudou, não querem aceitar. Aí há a questão de ir para a Justiça e é jurisprudência.
(Soa a campainha.)
A SRª LUIZA BATISTA PEREIRA - Então, é isto que a gente tem no trabalho doméstico: luta, conquistas, mas muitas dessas conquistas, infelizmente, para a gente, não saem do papel.
A Federação não tem pernas porque a gente não tem o imposto sindical, como as outras categorias tinham até no ano passado. Neste ano, ninguém tem mais, porque foi revogado, mas isso possibilitou que muitos sindicatos se organizassem para ampliar a luta. E nós trabalhadores domésticos, quando achávamos que ia haver esse imposto e que a gente ia poder se organizar melhor, que a Federação ia poder estar em mais Estados atuando junto aos sindicatos, a gente viu que não passou disso. Então, a gente continua naquela mesma situação, contando com o apoio da Central, da Confederação, dos movimentos sociais para que a gente possa estar aqui, porque tudo acontece aqui em Brasília. Não adianta uma lei estadual que vai abranger só aquele Estado. Tudo acontece aqui. E, quando a gente precisa fazer uma ação aqui, a gente tem de depender de organizações não governamentais e movimentos sociais, da Confederação, da Central, e é isso que a gente vem debatendo como uma forma de sustentação financeira, que a gente não tem. É isso.
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O trabalho doméstico migrante veio para precarizar não só o trabalhador migrante como também o trabalho doméstico interno, porque há casos de trabalhadores domésticas migrantes lá em São Paulo... Na semana passada, aqui, na quarta-feira, houve uma audiência na Câmara - não é isso, Drª Milena? -, e eu não pude vir porque estava esperando o Ministério Público do Trabalho onde eu estava hospedada, e aí foi discutida essa questão do trabalho migrante. As trabalhadoras, quando chegam... É uma coisa errada, mas a primeira coisa que eles fazem é confiscar o passaporte dessa trabalhadora. É isso. O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo está acompanhando de perto essa situação. Inclusive, há uma trabalhadora doméstica migrante, uma boliviana, que está na direção do Sindicato também. Ela estava aqui e falou isso - não sei em que sala houve a audiência porque eu não pude vir. Ela falou que o passaporte de algumas filipinas, de algumas companheiras dela foram confiscados assim que chegaram ao Brasil. Então, é trabalho escravo. Se eu não tenho a liberdade de ir aonde eu quero, é trabalho escravo. E isso é lamentável porque, em vez de a gente progredir, o que estou vendo, de uma maneira geral e inclusive com a reforma trabalhista, é um retrocesso - é um retrocesso. O Brasil que tinha uma legislação que era elogiada, como eu ouvi aqui nesta sala até dois anos atrás - não é, Drª Débora? -, agora está regredindo, ou seja, estamos voltando à época do Brasil colonial, que é o que está acontecendo inclusive, pelo pouco que eu ouvi da explanação do senhor, no trabalho rural.
E também dizer que o trabalho rural, de uma certa forma, tem uma ligação muito próxima com o trabalho escravo, porque a maioria das trabalhadoras domésticas que estão vindo trabalhar nas capitais é da área rural. Eu comecei a trabalhar aos nove anos de idade. Gente, não é fácil! Com nove anos de idade, eu estava numa residência sem saber nem que existia energia elétrica, porque onde eu morava não tinha energia elétrica. A senhora mandou eu acender a lâmpada, e eu perguntei pelo "fósqui", porque eu não sabia nem pronunciar a palavra fósforo. Ela me chamou de burra, e isso me dói até hoje.
Eu fico olhando a intolerância das pessoas. É muito diferente uma pessoa que vive na capital de uma pessoa que vive nos rincões, lá naquele fim de mundo, sem energia, sem nada. Eu vim de um lugar assim lá do interior de Pernambuco. Ela não teve a compreensão - uma professora - de chegar e me ensinar a maneira correta; já foi me tratando dessa maneira. E eu fiquei parada assim, olhando para ela, chorando, e ela mandando eu calar a boca, se não me dava uns tapas... Isso era por um prato de comida, gente! Era por um prato de comida! Isso foi em 1965. Eu tenho 62 anos - vou completar agora.
A gente avançou, mas a gente sabe que ainda há muito dessa situação. O trabalho doméstico, que não tem essa fiscalização, como as outras categorias, dificulta muito a fiscalização. Mesmo o trabalho doméstico infantil sendo proibido por lei, ainda existe, Senador, ainda existe e muito. O problema é que a gente não tem condições de fazer a fiscalização, porque a gente não tem nem diretoras liberadas nos sindicatos. A maioria que está nos sindicatos já são as que se aposentaram, como eu - e aí eu posso me dar ao luxo de ficar no sindicato o dia todo; posso me dar ao luxo de estar nesses espaços, viajando, fazendo a luta, porque aquelas que não estão liberadas precisam trabalhar para garantir a sobrevivência delas, para garantir que a Previdência esteja paga, para garantir que no futuro elas também possam se aposentar. Aí a gente sabe que essa reforma da previdência, essa luta de vota, mas não vota, se for votada, muitas das nossas companheiras vão voltar à década de 30; ou seja, está numa idade que não aguenta mais trabalhar e vai para a rua ser mendiga até morrer. Isso acontecia muito com a nossa categoria.
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Esta é a preocupação da Federação, esta é preocupação de todos os dirigentes dos sindicatos: que a gente possa continuar avançando na luta, que essa reforma nunca seja aprovada, ou, se for necessário, que se faça uma reforma que não venha a prejudicar tanto a nossa categoria e também os outros trabalhadores, por exemplo, os trabalhadores rurais, os trabalhadores terceirizados também, porque a gente sabe que uma pessoa, depois dos 45 anos, para conseguir uma vaga no mercado de trabalho, está difícil. Mesmo no emprego doméstico, se é muito jovem, muitas empregadoras não querem. Às vezes, a trabalhadora é uma pessoa que está acima de um padrão de beleza, e elas não querem por ciúmes. Isso acontece muito. A gente tem relatos de trabalhadoras. E também há a questão de que, estando numa certa idade, elas também não querem, porque ela não vai dar conta de todas as tarefas num dia, e aí a gente vê que como é que vai ser daqui para frente, se o mercado de trabalho é tão perverso que condiciona a contratação de uma pessoa? Se é muito jovem, é inexperiente; se passa dos 40, está fora do mercado de trabalho. Isso também está acontecendo no trabalho doméstico. Por isso que a gente precisa avançar.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Drª Luiza Batista Pereira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, que mostra toda a discriminação nessa área de atuação e lembrou o próprio exemplo: empregada doméstica com nove anos, xingada por não saber onde se acendia a luz. Onde nós estamos? E esse retrocesso de hoje faz com que a gente lembre momentos como esse.
Por favor, Carlos Eduardo, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Contar).
O SR. CARLOS EDUARDO CHAVES SILVA - Bom dia, Senador Paulo Paim. Cumprimento parte da Mesa em nome de V. Exª. Cumprimento também a outra parte, na pessoa da Srª Luiza.
Antes de falar do trabalho rural, eu represento a Contar hoje na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. No ano passado, nós discutimos a necessidade de analisar o conceito de trabalho escravo e a situação das domésticas. Ali a gente vai encontrar muita coisa. Muitos elementos do conceito estão nessa realidade das empregadas domésticas. Já no ano passado inclusive, nós tiramos, como encaminhamento, a criação de uma subcomissão na Conatrae para podermos discutir isso.
O problema é que, com este Governo, a Conatrae, a cada dia que passa, perde mais força, perde importância, e a gente não consegue encaminhar as coisas; mas a situação das domésticas é grave e não podemos deixar de reconhecer isso.
Em relação ao trabalho rural, eu vou pedir permissão para falar pouco do Projeto 6.442 e falar um pouco do que a gente está vivendo hoje pós reforma, primeiro, porque o Projeto 6.442 foi denunciado pela Contag - na época, eu ainda era assessor lá - em dezembro de 2016, exatamente um mês depois de ele ter sido proposto pelo Nilson Leitão.
Eu tive o desprazer de ser a primeira pessoa a elaborar o relatório daquele projeto e me lembro de que, quando cheguei na parte que pedia a revogação e que tratava dos itens da NR-31, eu brinquei e disse: "Não consigo mais escrever. "Na época, pedi até ao André Roston: "André, vocês precisam fazer uma nota [conversei também com os companheiros do Sinait que estão aqui], vocês precisam escrever a outra parte, porque o meu limite foi até aqui. Eu não consigo mais." Era uma coisa tão perversa que até para se fazer uma análise era uma missão difícil, quase impossível.
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E o projeto não nasceu do nada. A gente precisa entender isso. O Projeto 6.442... O Nilson Leitão não tirou aquilo da cabeça dele e escreveu. O 6.442 nada mais é do que a reunião de diversos projetos que tramitavam nas duas Casas e que visavam a mudar pontos específicos da legislação rural. A única arma de ataque à NR-31 não é o 6.442. Há outros projetos que tentam flexibilizar.
A jornada de 12 horas para o trabalhador rural surge - e infelizmente a Presidente Dilma não vetou... Essa ideia foi criada na tramitação da MP 608, que tratava de emplacamento e licenciamento de tratores. O Blairo Maggi negociou a inclusão de uma emenda jabuti que estendeu... Para quem opera máquina, a jornada já pode ser de 12 horas. Isso está vigente já. E, lá atrás, lutamos. Houve o compromisso, inclusive, na época intermediado pela Secretaria-Geral da Presidência da República... Foi-nos dada a garantia de que esse artigo especificamente seria vetado, mas, surpreendentemente, da noite para o dia, a Presidente Dilma decidiu não vetá-lo. Esse foi um dos erros que ela infelizmente cometeu, negociando com essas pessoas que hoje saíram da toca e têm coragem de reunir vários projetos de lei no 6.442.
Outro ponto do 6.442, ainda falando sobre a jornada: não é o único ataque. Há um projeto de lei tramitando nesta Casa, de autoria do Senador José Medeiros, que pretende a possibilidade de se fazerem quatro horas diárias para todos os trabalhadores rurais - para todos, para todos!
Então, o 6.442 nada mais é do que a reunião...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Quatro horas além.
O SR. CARLOS EDUARDO CHAVES SILVA - Então, são 12 horas por dia.
Se a gente pegar o 6.442, encontraremos vários projetos correspondentes ao que está escrito ali. Vou citar dois exemplos que eu acho absurdos do projeto, se é que dá para escolher o mais ou o menos absurdo: um é a dispensa da obrigatoriedade de instalação sanitária em regiões com relevo acidentado. Eu até brinco que, em Pernambuco, então, na Zona da Mata, a depender da área, o trabalhador não vai ter lugar para comer e nem para fazer as suas necessidades fisiológicas.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLOS EDUARDO CHAVES SILVA - E outro ainda, que também é grave: até a obrigação que o empregador tem de fornecer cópia do exame admissional, o projeto fala que não, que uma via fica com o empregador e a outra fica à disposição da fiscalização, se for solicitado. Então, nega até ao trabalhador o direito de saber qual é a condição de saúde dele.
Nós denunciamos o projeto em 2016. Em 2017, no início do ano... A gente precisa reconhecer a importância que o núcleo agrário do PT teve para puxar a discussão desse projeto. Fizemos uma reunião com várias entidades: Sinait, OIT, Repórter Brasil, Contar, Contag. O Ministério Público do Trabalho capitaneou essa luta. Nós entendemos o seguinte: infelizmente, toda vez que uma confederação de trabalhadores fala, nada do que ela diz tem importância técnica, é só um posicionamento ideológico de uma pessoa que vive de um imposto sindical e que está viciada.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLOS EDUARDO CHAVES SILVA - Então, o que acontece? Decidimos juntos que essa discussão seria capitaneada pelo Ministério Público para dar força e dar esse caráter técnico à luta.
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E, por meio dessa articulação, conseguimos não enterrar esse projeto, porque o Nilson Leitão disse que pediria o arquivamento do projeto, desistiria da tramitação, deu entrevista, mas até hoje o projeto está lá. Talvez esteja esperando o resultado deste ano eleitoral, que é tão importante para decidir se ele volta ou não.
Por que eu digo isso? Porque, após a aprovação da reforma trabalhista, Senador, a informação que nos chegou - inclusive, isso foi até veiculado em vários meios de comunicação - é a de que a Bancada Ruralista entendia que aquele projeto de lei não servia, a reforma trabalhista não serve no meio rural. A reforma trabalhista que eles querem é o 6.442.
Então, sim, a depender do resultado do processo eleitoral deste ano - e é bom que todos saibam disso, principalmente os trabalhadores do campo -, a depender do resultado, a gente vai, sim, voltar a enfrentá-lo ano que vem. E aí, quando a gente analisa a situação já com a reforma trabalhista, o cenário é mais assustador ainda. Então, a gente conseguiu superar essa luta do 6.442, ele está lá guardado, e a gente hoje está enfrentando a reforma trabalhista.
O que eu posso trazer de informação em relação à reforma trabalhista? Primeiro que ela me parece que foi elaborada por meio de uma receita de bolo. Então, o Governo trouxe lá aquelas medidas, aquela era a receita inicial, e aí parece que cada entidade empresarial foi fazendo assim: "Coloca esse ingrediente, coloca..." Então, é uma a coisa malfeita.
A comprovação de que ela é malfeita é que, se você for observar, apenas a CNI divulgou uma nota técnica com orientação em relação a como utilizar os termos da reforma; diversas outras entidades empresariais não soltaram uma nota técnica. Destaque: a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) não tem uma orientação sobre a reforma trabalhista para orientar os empregadores sobre como utilizá-la, porque eles não reconhecem como uma reforma que foi feita de maneira segura, uma reforma que foi feita de forma séria. Então, é uma coisa que está meio solta.
O que a gente observa de reação hoje em relação aos trabalhadores? Primeiro o endurecimento muito grande nas relações com os sindicatos, inverteu-se o jogo. Hoje, a maior parte dos pontos que nós negociávamos antigamente - em relação aos quais fomos duramente atacados por várias entidades, várias ONGs, por negociarmos esses pontos -, hoje pode utilizar sem necessidade de negociação coletiva.
Banco de horas. Banco de horas pode fazer hoje sem precisar negociar com o sindicato. Eu acabei de vir de uma negociação do Vale do São Francisco, lá em Petrolina e Juazeiro, em que, graças a Deus, nós fizemos uma convenção boa, apesar dos ataques, que a pauta patronal vinha em cima de proposta de exclusão de cláusulas que proibiam banco de horas, proibiam terceirização ampla e irrestrita. Então, nesse caso lá, o negociado sobre o legislado está até nos ajudando, mas essa não é a realidade dos outros cantos do País. Há muito local em que o empregador já se recusa a negociar.
E essa negociação do Vale do São Francisco é emblemática, porque, pela primeira vez - há 13 anos que trabalho com negociação coletiva -, a contraproposta patronal veio maior do que a pauta de reivindicação dos trabalhadores.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS EDUARDO CHAVES SILVA - Então, nós decidimos que não iríamos fazer a contrarreforma na negociação, porque nós não temos força. A ideia era manter a convenção como estava e negociar o salário. E, para nossa surpresa, nós apresentamos 11 cláusulas, e, na contraproposta do empregador, vieram 16 cláusulas. E a negociação girou toda em torno da pauta dos empregadores que queriam revogar os itens da convenção coletiva que impediam a aplicação da reforma trabalhista. Mas esse cenário é num lugar que é perfeito, que tem uma boa atuação sindical.
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Quando você aplica isso para os outros milhões de trabalhadores rurais, aí há um cenário de tragédia por conta da ausência de proteção, por conta do enfraquecimento das entidades sindicais.
E, quando eu falo de enfraquecimento das entidades sindicais, Senador Paulo Paim, eu não estou me referindo aqui ao fim da obrigatoriedade do imposto sindical, mas ao processo de enfraquecimento que foi feito por dentro da reforma em relação à dispensa de negociação coletiva via sindicato, em relação principalmente à dispensa da obrigatoriedade da homologação da rescisão do contrato de trabalho no sindicato. Com todos os problemas que os sindicatos rurais têm, esse era um serviço essencial de aproximações e de acompanhamento. E, em muitos lugares, a gente tem conseguido manter isso via convenção coletiva, mas, em muitos lugares, as empresas estavam fazendo contagem regressiva para não precisarem mais fazer homologação.
Então, hoje a gente tem um cenário de bastante dificuldade. Temos resistido nos locais onde há entidades sindicais fortes, mas temos um horizonte muito ruim, porque várias entidades não vão conseguir sobreviver, a realidade é essa. Nós vamos, sim, ter fechamento de sindicato, e o sindicato, com todos os problemas que tem, ainda é a porta em que o trabalhador pode bater para pedir ajuda. Com todo o respeito às demais entidades, eu sempre digo isso e sempre reconheço a importância, por exemplo, que o Ministério Público tem tido na luta contra o trabalho escravo; no dia a dia, a gente é parceiro nas comissões. Digo isso em nome aqui da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariados Rurais. Mas, se você for olhar a dimensão deste País, é um sindicatozinho de uma porta lá que consegue atender esse trabalhador.
Então, a gente precisa pensar e fazer uma correção nessa curva, Senador, porque o nosso maior erro nos anos anteriores foi não ter lutado pelo avanço da legislação, nós nos contentamos muito com o que nós tínhamos, e a gente não lutou para combater males que existiam antes da reforma trabalhista, como a má utilização do contrato de safra, como a violação de direitos humanos em vários pontos no campo, tratando como normais situações em que a gente poderia ter avançado.
Então, a gente precisa agora fazer esse caminho de volta, que é um caminho muito difícil, não pensar só em restabelecer o que nós tínhamos antes da reforma, mas pensar em avançar, porque o nosso maior erro foi ter entendido que a legislação que nós tínhamos era suficiente para proteger os trabalhadores.
Muito obrigado e agradeço, mais uma vez, a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Carlos Eduardo, Assessor Jurídico da Contar (Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais).
Eu registro a presença do Juiz Hugo Melo,... (Palmas.)
... que tem sempre colaborado conosco aqui.
Como se faz sempre, eu vou permitir, se alguém quiser, no plenário, fazer algum comentário, alguma pergunta, com o tempo de cinco minutos. (Pausa.)
Vá lá, diga a entidade!
O SR. FRANCISCO LUIZ SARAIVA - Bom dia a todos e a todas!
Meu nome é Luiz Saraiva, sou Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (Contracs).
E temos a grande honra de ter como filiada essa grande Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). É uma luta muito árdua, muito longa a que todas as entidades de trabalhadores domésticos enfrentam no País, para acabar com essa discriminação que nós não podemos mais aceitar, porque, diante do quadro de fraude em que se encontra o País, tudo o que acontece neste País hoje eles fraudam para valorizar o lucro para quem financia suas campanhas. Então, nós estamos aqui em nome de vários sindicatos, várias trabalhadoras - passou aí o importante relato de toda a vida histórica de luta que têm as trabalhadoras domésticas no País.
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E a gente chegou a avançar muitas casas, mas ainda continua sendo um subemprego. Então, a gente não pode ficar se baseando nesse subemprego.
Quanto a essa proposta que o Senador Paim criou aqui no Senado, é importantíssimo criar um estatuto do trabalho, porque, sobre o que foi feito de reforma, não há nada, reformou-se para o lado empresarial. Então, a gente não pode realmente aceitar que seja imposta aos trabalhadores e trabalhadoras como um todo, não só aos trabalhadores domésticos e rurais, mas como um todo. O que foi modificado na lei foi para favorecer quem deu o golpe nos trabalhadores e trabalhadoras.
Então, esse estatuto tem que ter vários pontos e normas que venham a garantir o que nós estamos dizendo aqui, que a gente não aceita que o trabalho doméstico seja um subemprego e seja discriminado, porque é um trabalho como outro qualquer, é feito por um ser humano que tem que ser valorizado como todos os outros.
Nessa proposta, Senador, é importante que a gente realmente bata, principalmente agora nesse período eleitoral, para dizer que, se eles apoiam e estão juntos nesse golpe, para retirar e para sacanear os trabalhadores, esse estatuto vem para corrigir esse grande defeito. Então, o Parlamentar que votou pela reforma trabalhista, quer retirar o direito de o trabalhador se aposentar, quer continuar escravizando os trabalhadores domésticos, não pode voltar mais para estas Casas, porque está fazendo desserviço para o País. E nós não podemos aceitar.
Estamos juntos com todas as entidades, o Ministério Público, os TRTs, os auditores fiscais são importantíssimos, os nossos juízes do trabalho. Eles querem acabar com tudo no País para que o trabalhador não tenha mais acesso; eles querem desorganizar a organização dos trabalhadores. E os sindicatos são a parte principal com que eles querem acabar. E eles não vão acabar, porque quem conseguiu esses direitos todos foram essas entidades, foram os sindicatos, foram os políticos que se preocupam realmente com a população, os políticos que aqui estão.
Mas nós estamos vendo aqui, Senador: trata-se de um tema tão importante como esse, tão relevante para o País inteiro, que trata de se estar escravizando até hoje o trabalho doméstico, o trabalho rural e os trabalhadores do País inteiro, e os Senadores não estão aqui, nem as Senadoras. Na hora em que eles querem impor, eles se juntam, não deixam os trabalhadores entrarem nestas Casas para assistir nem para dar uma opinião. Então, nós temos que fazer campanhas contra esses maus políticos, porque, como existem os maus empresários, os maus políticos estão aí na cara de todo mundo, e o trabalhador e o povo brasileiro têm que acordar e realmente assistir ao que passa aqui, assistir a essas discussões e ver quem está interessado em representar de fato os trabalhadores.
Então, nós estamos aqui, com a Contracs, com a CUT, com a centrais e com essas entidades importantíssimas, para que nós consigamos fazer um estatuto do trabalho que atenda a todas as partes, não só ao empresário, não só ao empregador,...
(Soa a campainha.)
O SR. FRANCISCO LUIZ SARAIVA - ...e, sim, aos trabalhadores, que é a parte mais vulnerável e que está sendo precarizada a cada dia em que se muda alguma coisa aí, depois que foi intitulado esse golpe de estado aqui no nosso País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, parabéns pela contribuição ao debate. (Falha na gravação.)
Ela visou a acabar com o movimento sindical, e não foi só, como foi dito aqui, quanto à contribuição sindical; quando ela coloca o negociado sobre o legislado, ainda diz que pode ser individual o acordo; quando ela diz que na rescisão de contrato não precisa mais o acompanhamento do sindicato. E, na denúncia da segunda-feira passada... Porque eles estão fazendo a rescisão de contrato por correspondência; remete-se para o cara pela internet, como não precisa ninguém acompanhar: "Você vem aqui para eu acertar com você. Todos os valores são esses. Se quer, quer. Se não, vai questionar". E o cara vai lá e acaba assinando, para receber aquele dinheiro. Aonde nós chegamos, não é? O sindicato não acompanha, o sindicato não pode fiscalizar. Fazem-se aquelas comissões dentro das fábricas, e não pode o sindicato participar. Ou seja, é o retrocesso. Acho que não há um país em que deram - aí vou falar a palavra "golpe" - um golpe desse tamanho em cima dos trabalhadores. Para mim, não existe. Quando em outros países está se tentando avançar, aqui há um retrocesso dessa envergadura.
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Só para registrar aqui. Sempre vem uma série de questionamentos, e resumo aqui, em três ou quatro:
Artur Alvim Cury, de São Paulo: "Está mais do que na hora de valorizar esses profissionais!". Está se referindo aos assalariados do campo. E falou aqui: "e tem que valorizar a agricultura familiar!" Vai nessa linha.
Eu tive uma experiência muito boa com a agricultura familiar. Eu fiquei um dia em uma propriedade pequena com a mãe, o pai, o filho e a sogra. O sogro estava inválido já, de trabalhar com agrotóxicos, essas questões todas. A experiência lá foi impressionante. Eu até trouxe a filmagem e passei aqui. O que é você ter que tirar o leite todo dia? Por exemplo, só o leite. Não tem Natal, não tem primeiro dia do ano, não tem casamento, não tem nada. Tem que ir lá tirar o leite. E eles têm que fazer essa atividade, porque se não, perde. E aí vai uma série de exemplos que eu passei lá. Era para passar o dia todo e eu confesso: quando chegou 11h, como diz o outro, derrubei os butiás do bolso. Entreguei. Não teve como continuar. "não, vamos um pouquinho mais, Senador, espere aí, pega aqui comigo", dizia a senhora. Enfim, a realidade do campo, quem vive sabe como é.
Raiane Leal, do DF: "As empresas estão demitindo seus trabalhadores para recontratar de forma intermitente ou autônoma. Como serão evitados os abusos se a própria lei dá espaço para isso?" Infelizmente, dá. Infelizmente, já acontece isso.
Não sei se alguém mais quer usar a palavra no plenário.
Dr. Hugo, quer usar a palavra?
Se ninguém mais quer usar a palavra...
Você quer dar um informe da próxima reunião?
O Leandro é assessor técnico dessa Comissão que trata do Estatuto do Trabalho, que a gente pretende entregar ao País a primeira versão no dia 1º de maio, para o debate - para o debate, e não fazer o que eles fizeram, aprovar com 117 artigos uma matéria que chegou lá com sete. Mandaram para o Senado e o Senado carimbou. Não mudou uma vírgula, por mais que tenhamos brigado aqui.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Leandro, só dá um resuminho.
O SR. LEANDRO LEMOS - Bom dia a todos!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Leandro é advogado e assessor técnico desta Comissão, junto com a...
O SR. LEANDRO LEMOS - Com a Tânia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Drª Tânia, que trabalha contigo.
O SR. LEANDRO LEMOS - Bom dia a todos! Nós vamos fazer ainda, no dia 19 de março, uma audiência para debater organização sindical, negociação coletiva e direito de greve; no dia 2 de abril, o sistema de inspeção do trabalho; e no dia 16 de abril, Direito Processual do Trabalho. E, como está planejado, no final de abril, por volta do dia 30, faremos a apresentação da primeira versão do anteprojeto, que está sendo construído por todas as entidades que estão participando, com as contribuições que estão sendo dadas aqui nas audiências públicas, e também as sugestões que nós estamos recebendo via e-mail da Comissão e também pelo gabinete do Senador Paim. Então, ainda temos mais essa programação de audiência e, em paralelo a isso, o grupo de trabalho está se reunindo no turno oposto às audiências, até concluir o trabalho aqui em abril e entrarmos em uma nova fase de discussão desse anteprojeto e fazer os aperfeiçoamentos necessários.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu queria mais uma vez insistir. Eu vou agora responder aqui para o Dr. Emidio Carlos, da CNA de São Paulo: eu cansei de convidá-los, inclusive ao vivo. Quer vir para a próxima semana? Eu mudo o roteiro para receber vocês. O que não pode é vocês não virem e dizerem que aqui só se ouve um lado. Dr. Emídio Carlos, de São Paulo, CNA, fica aqui o convite de novo. Eu marco uma sessão especial só para ouvir vocês. Quer quinta, ou sexta? Eu mudo para ouvi-los. O que não dá é vocês mentirem para o País.
Aqueles que construíram essa reforma, que é o retorno ao trabalho escravo, não vêm para o debate, como nunca vieram, e ficam dizendo "só tem um lado". Venham! Não pense que eu digo isso com alegria. Eu fiz uma homenagem aqui, na abertura, a um empresário que faleceu, que eu disse que tem... Como você falou, muitos empresários têm responsabilidade social. O que não dá... A gente já está na 18ª reunião. Eu parei de mandar só a correspondência e estou convidando por aqui, pelo microfone. Venha na próxima reunião! Pode trazer aqui dez grandes sindicalistas da área empresarial - são sindicalistas, do mundo do empregador -, que serão ouvidos. O que não dá é vocês não virem e passarem a impressão de desonestidade, dizendo que não são convidados. A primeira versão sai em maio. Querem discutir em abril, maio? Vai continuar o debate. Então, não mande um ofício como esse. Eu estou sendo muito respeitoso, inclusive, aqui. Estou sendo muito respeitoso.
O SR. CARLOS EDUARDO - Para nós, trabalhadores, Senador, é importante ouvir.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Claro!
O SR. CARLOS EDUARDO - Porque eles costumam se esconder atrás desses projetos de lei.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Exatamente!
O SR. CARLOS EDUARDO - Eles nunca colocam a cara para dizer que eles defendem esse projeto. Se escondem atrás de uma frente parlamentar e a gente não vê uma manifestação da CNA em relação a temas tão graves como esse.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Querem discutir amanhã? Eu chamo uma especial. "Mas eu tenho problema de voo". Quer depois de amanhã? Eu chamo. Querem sexta? Eu chamo. Querem vir sábado? Eu consigo abrir aqui no sábado para ouvi-los.
A SRª DÉBORA TITO FARIAS - Inclusive eu comentei isso no início da audiência. Nós vamos pregar para convertidos? Quem é a nossa plateia de hoje? Eu adoraria que viessem realmente pessoas do lado empresarial, que pudessem nos confrontar, até para a nossa evolução mesmo, para as pautas trabalhistas do Ministério Público do Trabalho. Fica o convite. Reforço o convite também.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Houve um outro comentário que chegou aqui. Esse veio da Raiane Leal, do DF. "O PL 6.442/2016 tira a dignidade do trabalhador rural, um completo absurdo, onde a própria lei regulamenta o trabalho escravo." Ela faz uma crítica a essa lei. "Teoricamente terá um acordo entre o trabalhador e o empregador, mas na prática isso não ocorre." É o que foi dito aqui. Ouvimos aqui um de cada lado. O tal acordo não ocorre, porque se você quer, quer; se não quer, está demitido, ou nem é empregado, nem é colocado; já fica do lado de fora.
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Então, quero insistir nesta tese da convocação de todo o setor empresarial. Não importa o setor. Sei que há presidentes de confederações e federações de empregadores. Vocês são todos bem-vindos e serão tratados aqui como sempre os tratei.
Já fiz debate aqui em outros temas, e aqui vieram empregadores. Agora, no Estatuto, eles não estão vindo. Parece que há alguma coisa aí, não é? Em outros projetos, eles vieram. Por que não vêm no Estatuto? Porque eles querem convalidar essa reforma malandra, esperta, que, como todo mundo sabe, foi redigida na sede na CNI em um sábado à tarde. Eu tenho até filmagens, se querem saber. E eu já disse isso para eles. Há até a filmagem de onde ela foi redigida, com o aval, inclusive, do então Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra, que era o Presidente e que agora saiu.
Venham, venham conversar!
Fiquei um pouco chateado com os termos que você usou aqui, ouviu, Dr. Emídio Carlos, de São Paulo? Mas venha para cá! Prometo que serei muito gentil, como sempre fui com todos.
Aqui sempre digo: ninguém foi vaiado. Nunca ninguém foi vaiado nesta Comissão, mesmo quando debatemos aqui o trabalho escravo e quando veio gente aqui defender aquela maldita portaria que era uma regulamentação oficial do trabalho escravo. O Supremo teve de intervir, dizendo: "Não, isso aí é demais. Aí também não dá!" Mesmo quem veio defendê-la aqui - é claro que houve também que defendeu o outro lado! - não foi vaiado. Mesmo na reforma trabalhista e em todos os debates que nós fizemos, inclusive no plenário, em sessão temática, nunca deixamos que ninguém fosse vaiado. Todos foram tratados de forma elegante.
Eu fui fazer palestra na Federação dos Bancos, em São Paulo, e, diga-se de passagem, também não fui vaiado. Isso é verdade. Eles me trataram com muita elegância, com muita gentileza. Eu até saí de lá fazendo um elogio para aquele setor. Tratava-se da aplicação ou não da cota para as pessoas com deficiência. Eles começaram a formar pessoas com deficiência para ocuparem espaço nos bancos, o que achei muito positivo e trouxe para cá com um elogio diversas vezes.
O.k.! Não sei se alguém da Mesa quer fazer algum comentário. Senão, a gente encerra e já colhe a próxima.
O SR. LEANDRO LEMOS - No dia 19 de março, vamos debater o tema "Organização sindical, negociação coletiva e direito de greve".
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E nós vamos debater aqui também a questão da manutenção das entidades sindicais. Não tenho problema nenhum em fazer esse debate, porque o lado de lá se organiza muito bem, não é? É só você ver as sedes. Não tenho nada contra também o Sistema S ou o que é a sede da Fiesp ou da própria confederação dos empresários do comércio em Brasília. Não tenho nada contra isso! Agora, parece que é proibido o trabalhador discutir como é que vai manter as suas entidades. Eu já digo: como vai manter? Nós vamos debater isso aqui. Vai haver um capítulo sobre isso também.
Eles têm ojeriza... Plantam na grande mídia que trabalhador não deve se organizar. Mas qual é o problema? Eu nunca vou dizer que empresário não pode se organizar. E tem de se organizar mesmo! Oxalá eles tenham seus sindicatos em todo o País e saibam dialogar, negociar, discutir, ampliar! Agora, o trabalhador não pode fazê-lo? "Ah, é um absurdo o trabalhador ter sua entidade!"
Os sindicatos, a partir dessa reforma, estão vendendo as suas sedes. E não é um nem outro! Dezenas de entidades estão demitindo todos os seus funcionários, porque não têm como mantê-los, e estão vendendo as sedes. Soube ontem - isto até me surpreendeu, mas não vou falar aqui - que uma grande entidade, que tem uma enorme responsabilidade, está vendendo a sua sede aqui, em Brasília.
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Esse debate continua.
Muito obrigado a todos.
Voltaremos provavelmente ainda... Temos outras audiências nesta semana, provavelmente na quinta e na sexta, mas claro que tratando de outros temas. Por exemplo, amanhã, é importante lembrar, é segurança.
Eles ficam achando que a gente só debate agora a reforma trabalhista e a da previdência. A da previdência, felizmente, conseguimos enterrar. Foi muita peleia, muito combate, CPI, Frente Parlamentar Mista... Conseguimos enterrar a dita reforma da previdência, que era obra - todo mundo sabe - do grande sistema financeiro, via fundos de pensões privados. Provamos, com a CPI, que não há déficit, e sim que houve e estão ainda acontecendo desvios de trilhões de reais. Agora estão anunciando mais um Refis. Se não me engano, são 62 bi que vão desaparecer de novo. Não executam os grandes devedores. Saiu um outro Refis, que nem chegou aqui, mas estão anunciando. De quem? Dos grandes devedores. Perdão de dívida. Abrem mão de 62 bilhões! Eu até coloquei no meu Twitter e mais de 40 mil pessoas leram. Ainda bem que a gente conseguiu fazer com que eles recuassem. Aí entraram com essa intervenção no Rio porque não sabiam o que dizer.
O Brasil todo percebeu que é uma farsa o déficit da Previdência. Frase mais simples: cobrem dos grandes devedores. Quem sonega? Há um livro do Dr. Cattani - ele me deu o livro, foi me entregar lá em Canoas, no escritório - cujo título é Ricos, Podres de Ricos. Eu vou dizer o que ele me disse, que é bom para alguns aqui. Ele me disse: "Paim, imagine a corrupção [está escrito no livro]. Pode multiplicar por cem!" Eu prefiro usar dez, mas ele me disse cem. A sonegação é a maior roubalheira que há neste País, e ele prova isso no livro dele. Quem sonega? O trabalhador e a trabalhadora sonegam? Está descontado em folha! Há como sonegar? Àqueles que pagam imposto de renda, experimentem não pagar para ver. Vão presos, eles executam, cobram... Você não pode nem se mexer mais. Agora, com os grandões não acontece nada, não acontece nada.
A CPI mostrou - e isso serve para alguns grandões - que pronto para ser executado há um trilhão! A maior parte é da Previdência, mas é um trilhão e acho que 200 bi já. Isso não é nem apropriação indébita, porque some... São 30 bi para cá, 30 bi por ano, eu sempre falo disso. Não é a DRU que tirou 1,5 trilhão e não voltou para a seguridade. Todo mundo sabe que não voltou. Eles não explicam e não justificam. Eles questionam a CPI, mas nunca responderam nada, até porque o relatório da CPI - de que Hélio José foi o Relator e eu fui o Presidente - foi aprovado por unanimidade, aqui neste Senado, pelos próprios Líderes do Governo, que reconheceram que o furo da bala está na gestão, em não querer retirar direito de servidor, de trabalhador, de querer passar de 11% para 14% a contribuição do servidor. O Supremo teve de intervir de novo, senão tinham feito isso.
Mas, no plenário, às 14h, tem mais.
Muito obrigado!
A luta continua, companheiros! Vamos lá! (Palmas.)
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Encerrada nossa audiência pública de hoje.
Vamos tirar uma foto aqui, moçada.
(Iniciada às 09 horas e 10 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 16 minutos.)