19/03/2018 - 7ª - Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Declaro aberta a 7ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da 4ª Sessão Legislativa da 55ª Legislatura do Senado da República.
Hoje daremos seguimento ao Ciclo de Debates denominado "O Brasil e a Ordem Internacional: Estender Pontes ou Erguer Barreiras?", baseado no Requerimento nº 2, de 2018, aprovado por esta Comissão no dia 1º de março deste ano.
Hoje estaremos realizando o 2º Painel, intitulado Europa. Discutindo sobre o macronismo, o populismo, o nacionalismo, o movimento exit - separatismo da Catalunha e a questão da migração relacionada à Alemanha.
Antes de iniciarmos esta segunda palestra do nosso ciclo, passo a ler o comunicado relacionado à primeira audiência pública, que teve a participação de S. Exª o Embaixador Rubens Ricupero.
Dando continuidade, portanto, a audiências públicas, realizou-se, no dia 5 de março último, de 2018, o 1º Painel deste ano abordando o tema "O Sistema Internacional sob o impacto Trump".
Participou como palestrante o Embaixador Rubens Ricupero.
Começa ele: "Maus augúrios para 2018. A deterioração da conjuntura internacional nos dois primeiros meses deste ano. É isso, em resumo, o que desejo transmitir", afirmou o Sr. Embaixador, reiniciando sua exposição.
Nos dois primeiros meses deste ano, pelo menos três decisões de extrema gravidade, tomadas em três países que são os centros do poder mundial indicam uma acentuação da deterioração do clima internacional. A primeira, disse ele, é a decisão recente das autoridades chinesas de abolirem qualquer limite à recondução do Presidente e do Vice-Presidente. A segunda decisão é do Presidente Vladimir Putin, que, no seu discurso da Presidência do Estado da Federação da Rússia, manifestou a escolha que fez de voltar aos tempos da guerra fria, dedicando bom espaço do tempo à apresentação de armas chamadas invencíveis, explicitamente apresentadas como ameaça aos Estados Unidos e ao Ocidente. Segundo o Embaixador Ricupero, a terceira é a decisão recente do Presidente Trump, que finalmente indicou que está disposto a iniciar guerras comerciais, que considera fáceis de vencer, adotando, entre outras medidas, a aplicação das taxas de importação de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio.
É importante notar que agora a guerra comercial está sendo avaliada segundo a ótica do presidente americano: se essa guerra comercial é fácil de vencer ou não, sem interessar o objeto da guerra. É apenas avaliação. Se há guerra, é fácil vencer ou não é? Então, se é fácil vencer, vamos guerrear. É isso que deixa implícita a mensagem do senhor presidente norte-americano. Então, adotou, entre outras medidas, aplicação de taxas de importação de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio, atingindo diversos países, sobretudo - frisou o palestrante - o próprio Brasil.
Essas três decisões, considerou o Embaixador, embora independentes umas das outras, assinalam uma acentuação da deriva do sistema internacional, afastando-se cada vez mais de um sistema baseado em regras de respeito a compromissos assumidos em organismos internacionais de busca de soluções consensuais em direção a um sistema em que cada vez pesa mais a afirmação unilateral do poder.
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O Presidente Xi Jinping passa a ser um homem de poder irrestrito - segundo o Sr. Embaixador -; enfeixa nas mãos todos os poderes: o poder político institucional; o poder real, que é o do Partido Comunista; e o poder sobre os militares. Não é um fato isolado, afirmou o Embaixador Ricupero. Vem no bojo de uma evolução que começou com a ascensão do Presidente Xi, e que, além de marcar um aumento enorme do poder do Presidente, marca também um momento de afirmação do nacionalismo chinês e de projeção do poder da China. É a culminação, disse o Embaixador Ricupero, de uma evolução que vem representando também um aumento da repressão interna e um aumento dos controles da livre circulação de informações na internet. Essa evolução ocorre justamente no país que, tudo indica, se tornará muito em breve a maior economia do mundo. Ao mesmo tempo, ocorre um significativo aumento do seu poder militar, já que a China está multiplicando os gastos em armamentos.
O que inquieta nessa transformação, explicou o palestrante, não é só o movimento que ocorre na China, mas também o que ocorre nos Estados Unidos. Muitos daqueles que foram proponentes da aproximação, do engajamento com a China, talvez baseados nessa ilusão de que esse engajamento levaria à democratização do regime chinês, agora estão mudando, muitas vezes adotando posição contrária.
A relação da China com os Estados Unidos é a que vai definir o século XXI, porque não há no mundo, asseverou o Embaixador, outra relação bilateral dessa importância. Tornando-se cada vez mais conflitiva - e se o conteúdo dessa relação, em vez de ser de apoio e de cooperação, passar a ser cada vez mais de pressão e de competição - isso significa que o mundo do século XXI vai ter essa característica.
Já o discurso de Putin, em si mesmo, poderia até ser atribuído a uma jactância, a uma bravata, considerou o palestrante. Também esse discurso se insere em uma sucessão de episódios que vêm de algum tempo. Vêm, primeiro, afirmou ele, da expansão da Otan até as fronteiras da Rússia, incorporando os países bálticos, incorporando países que foram parte do império russo no passado.
Os russos sempre se sentiram muito ameaçados e, no caso, de fato, a expansão da Otan pode dar a impressão de ameaça à Rússia nos seus limites.
Hoje em dia, disse o palestrante, se diz que os russos interferem muito nas eleições americanas, mas, na Revolução Orange, não se pode dizer que o Ocidente não tenha interferido nas eleições ucranianas.
O fato é que hoje a relação com a Rússia volta a ter cores de neo-Guerra Fria, porque, destacou ele, nem mesmo na época do Kruschev ou de seus sucessores, era comum ouvir um discurso como aquele do Putin sobre armamento, sobre ameaça.
O Presidente Trump, lembrou o palestrante, começou, no ano passado a aplicar as primeiras medidas comerciais concretas, sobretudo aquelas tarifas sobre painéis solares e máquinas de lavar, envolvendo a China, a Coreia do Sul, o Canadá e outros países. Agora surge esse problema do aço e do alumínio. Estamos vendo que isso pode crescer. Se houver uma reação de países recorrendo à Organização Mundial de Comércio (OMC) e houver um painel que condene os Estados Unidos, provavelmente isso vai levar a um enfrentamento muito sério, asseverou ele. O Presidente Trump nunca escondeu que não tem muito respeito pelas regras comerciais, nem muito apreço pela OMC, uma das grandes organizações que têm presidido o mundo nesse pós-guerra.
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Essas três decisões dessas últimas semanas, alertou o Embaixador, indicam que o sistema internacional como um todo está caminhando numa direção inquietante, está caminhando cada vez mais para um terreno de afirmação unilateral do poder.
Mistura de poder com sistema baseado em leis sempre existiu, enfatizou o palestrante, mas havia um certo equilíbrio, com uma preponderância gradual da busca de novas normas através da negociação. O que é inquietante hoje é que esse equilíbrio está a se romper em favor de um sistema menos preocupado com o internacionalismo, com a busca multilateral de normas que nos governem a todos, porque nós participamos da negociação e da aceitação dessas normas e, com isso, cada vez mais, para a afirmação do poder nu e cru daqueles que possuem poder.
O sistema internacional de cunho liberal baseado na aspiração pela democracia, na Declaração dos Direitos Humanos, baseado numa economia livre, numa economia de mercado, tudo isso é obra, em grande parte, destacou o Embaixador, dos Estados Unidos. E isso nos garantiu 73 anos de paz relativa, sem uma guerra global.
De uns tempos para cá, isso vem se perdendo, asseverou o Embaixador Ricupero. A invasão do Iraque, contra a recusa do Conselho de Segurança, foi uma violação clara da Carta das Nações Unidas. Além de ser uma medida ilegal e criminosa, foi um dos maiores erros estratégicos da história, porque os americanos agora proclamam que o grande problema do Oriente Médio é a potência iraniana. A invasão eliminou o contrapeso, que era o Saddam Hussein no Iraque, criando uma situação estratégica muito mais grave, segundo o palestrante.
O sistema internacional, continua ele, nunca foi quimicamente puro, sempre coexistiram o acatamento à regra, a obediência ao direito e a busca de consenso com episódios de poder, de violações unilaterais. Não quer dizer, destacou o Embaixador, que o sistema que vem do fim da guerra naufragou. Apenas, disse ele, querer alertar que estamos assistindo a uma conjuntura que ameaça a estrutura, ameaça o sistema internacional baseado em regras, baseado em leis, baseado em consenso, na busca democrática de acordos.
Países como Brasil, Argentina, México, África do Sul e Índia, que não são superpotências e que têm um engajamento multilateral muito grande, considerou o Embaixador, têm como primeiro dever lutar para contrabalançar essa tendência de deriva para longe do multilateralismo.
Estamos assistindo a um desafio dos poderosos, disse ele, então precisamos fazer isso de uma maneira não passiva, temos que tomar iniciativas junto com alguns países mais poderosos do que nós.
Eu diria que a grande esperança, destacou o palestrante, ainda é a União Europeia. A União Europeia foi o fenômeno histórico mais positivo do século XX, segundo ele. Aquele ideal de substituir as rivalidades nacionais por uma grande unidade foi um dos acontecimentos de conteúdo mais nobre e idealista do século XX.
Precisamos nos aproximar da União Europeia na defesa de coisas concretas, a exemplo do Acordo Climático de Paris e das negociações da OMC sobre agricultura. Esperamos, apesar de que começam a surgir sinais inquietantes, alertou ele, que o nosso acordo do Mercosul com a União Europeia pelo menos saia. E já não é sem tempo. Nosso caminho é esse, afirmou o palestrante. Sem isso, não temos defesa, temos muito a perder, e já estamos perdendo, a exemplo dessa história do aço.
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O Brasil, infelizmente, sempre sofreu com as punições americanas sobre o aço. Nos anos 70 e, depois, nos anos 90, lembrou ele, éramos vítimas junto com o Japão e com a Coreia do Sul. Sempre nos aplicavam medidas antidumping ou de countervailing duties, e agora estamos vendo que isso vai se renovar.
Não sou pessimista, asseverou o Embaixador, não creio que o sistema mundial caminha para o armagedom, para uma grande guerra que, pelo seu poder destrutivo, seria única. Estamos em 2018, centenário do final da Primeira Guerra Mundial, que causou uma destruição da qual até hoje a Europa não conseguiu se recuperar inteiramente. Precisamos lembrar, alertou ele, que esse sistema que está se configurando, ao se afastar do sistema anterior de negociação, de busca de consenso, é o sistema que vigorava no mundo antes da Guerra de 1914.
É contra esse sistema, afirmou o palestrante, que nós temos de estar vacinados e de reagir. As perspectivas não são boas, porque vemos que os grandes poderes do mundo, principalmente os Estados Unidos, que sempre defenderam e foram o grande guardião do sistema, pela primeira vez elegeram um presidente que é declarada e ativamente hostil ao internacionalismo. É preciso que a política exterior de países fiéis a um sistema baseado em regras se defenda contra esse retrocesso civilizatório, finalizou o Embaixador Ricupero.
Solicito à Secretaria da Comissão que dê como lida a íntegra deste comunicado.
Iniciando a pauta da noite de hoje e agradecendo, mais uma vez, às senhoras e aos senhores que nos assistem, sobretudo os nossos internautas, vamos dar início ao 2º Painel de Debates deste ano, intitulado: "Europa: discutindo sobre o surgimento do macronismo, populismo, nacionalismo, movimento exit - separatismo (Catalunha) e migração (Alemanha)".
Participam como conferencistas o Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) Leonardo Nelmi Trevisan, Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo, Pós-Doutor pela University of London; e o Professor do Centro Universitário de Brasília Mário Drumond Coelho, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, Mestre em Direito Internacional pela University of Heidelberg, na Alemanha. Gostaria de cumprimentá-los e convidá-los para fazer parte desta Mesa, agradecendo antecipadamente a presença de cada um, por terem aceitado este nosso convite. (Pausa.)
Dando início à nossa audiência, vamos ouvir o Prof. Dr. Leonardo Nelmi Trevisan, como disse, Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutor pela University of London.
Tem V. Sª a palavra, professor.
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O SR. LEONARDO NELMI TREVISAN - Boa tarde a todos.
Primeiramente, gostaria de agradecer o convite feito pelo Presidente da Comissão e pelos demais membros da Comissão para falar sobre esse tema.
Eu preparei alguns eslaides, de forma que nós pudéssemos aproveitar o tempo da forma mais rápida possível.
Observando a quantidade... Eu sou um professor, e todos os professores falam muito. Se nós não tomarmos cuidado, falamos demais. Então, o eslaide toma conta de mim. Eu tento, pelo menos.
Pode passar o primeiro eslaide.
Quando discutimos a sequência de todos aqueles temas sobre os quais temos de falar de algum modo - o macronismo, o aparecimento dos nacionalismos, o aparecimento de certas atitudes separatistas -, esse processo coloca em xeque, na minha visão, a ideia dos interesses do Ocidente, que nós construímos lentamente no mundo ocidental.
Se os senhores observarem, todo o sentido pelo qual a história recente da humanidade avançou foi pelo Atlântico Norte. O nosso problema é que os riscos políticos que mencionamos no título desta palestra, que é bastante abrangente, com diferentes ações, crescem e avançam exatamente atacando isso que costumeiramente é chamado de interesses do Ocidente.
Se nós olharmos para esses interesses, eles tiveram uma forte resiliência, uma forte resistência, especialmente ao longo de toda a Segunda Guerra Mundial. Os resultados a Segunda Guerra Mundial, os resultados da guerra fria, o fim da União Soviética, todas essas diferentes situações históricas de algum modo se caracterizaram por uma resiliência, por uma resistência da ideia de ocidente. A ideia de ocidente resistiu a si mesma, à própria lógica da globalização, à lógica da concorrência a globalização.
O que está acontecendo - eu acho que é muito feliz este tema de nós misturarmos diferentes situações para entendermos um processo - que leva a uma discussão com esta, a uma discussão em que nós temos um fator de desrupção bem forte, como é o caso do Brexit, em que os ingleses escolhem o caminho da separação do contexto europeu, e em que encontramos os Estados Unidos falando claramente - e não é apenas o governo Trump que fala isto; há fortes presenças dessa mentalidade na realidade do establishment político norte-americano - de uma discussão com a aproximação com a Otan?
Como consequência desse fato, nós temos de reconhecer que a realidade do novo governo russo - falo novo porque foi reeleito ontem - é que ele percebeu uma sequência de janela de oportunidades. Talvez, ao decorrer disso, possamos entender melhor do que falamos.
Vamos ao próximo eslaide.
Este é o ponto: afinal de contas, o que querem os europeus? Nós temos um projeto Europa que começa a emitir sinais de que estava em risco. Se nós olharmos para a história, veremos que o projeto Europa, o encontro de Roma, a Conferência de Roma de 1957, deu início a uma ideia de Europa que foi adquirindo um crescente avanço. Esse avanço começa nos últimos anos, nos últimos quatro ou cinco anos para ser um pouco rigoroso, a ter alguns enfrentamentos, enfrentamentos bastante significativos.
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O primeiro desses enfrentamentos é um risco econômico que de alguma forma apareceu quando o projeto europeu foi contaminado pela crise do subprime norte-americano, pela crise oriunda da quebra dos bancos americanos em 2008. Esse risco diminuiu. De alguma forma, o Banco Central Europeu conseguiu manter o euro.
Todos os que estão nesta sala são capazes de lembrar que nós tivemos, há dois ou três anos, não poucas opiniões garantindo o final do euro. Se nós olharmos para essa realidade, nós vamos observar que o Banco Central Europeu foi muito feliz na política de fazer sobreviver o euro, de manter o euro, de comprar, de alguma forma, todos os riscos em torno do euro e de mantê-lo à tona. Mais do que isso: ele foi capaz, de alguma forma, de dar um tom econômico a essa recuperação. Esse processo diminuiu os riscos econômicos em relação ao projeto Europa, à situação da zona do euro, mas não atenuou os riscos políticos. Ao contrário, os riscos políticos foram crescentes e de alguma forma ganharam uma essência eleitoral bastante problemática.
O primeiro desses fatos é a volta, em todo o continente europeu, do espectro nacionalista. A visão multilateral, uma visão de Europa começa a enfrentar uma forte contestação. Essa contestação vem dessa expressão que eu costumo chamar de "giro das expectativas".
A Europa vive, há pelo menos uma década, a constatação de que o euro e o contexto europeu andam, ou percorrem, ou cercam, a duas velocidades. Uma velocidade tem o avanço cristalino, forte no contexto europeu, da Europa do norte, e uma outra velocidade, menor, tem a Europa do sul. A crise de 2008, os resultados da crise de 2008 deixaram isso muito flagrante, até alguns acrônimos bastante pejorativos nasceram na forma de você explicar esse atraso de uma Europa.
Convém todos nós lembrarmos que a ideia de Europa era a ideia de que o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento funcionaria como um grande ativador de um desenvolvimento comum, nada na Europa ficaria para trás. O que nós vimos na Grécia, em Portugal, na Espanha, em partes da Itália e em partes da Europa do leste foi uma sofrida realidade, muito distante de um sonho europeu. A Europa de Hamburgo, a Europa de Berlim, a Europa de Paris, do Arche de la Défense, não era a Europa da Andaluzia. De alguma forma, quando nós olhamos para essa situação, criou-se um giro nas expectativas, e um giro nas expectativas bastante problemático. Esse giro nas expectativas teve um componente político forte, um componente político bastante denso. Esse componente aparece com o renascimento de certos radicalismos bastante perigosos. A volta desses radicalismos bastante perigosos teve expressões fortes, por exemplo, na França e na Holanda. Havia uma expectativa de que, nas duas últimas eleições nesses países, teriam vitória políticos com um radicalismo mais voltado ao conservadorismo, a uma linha do conservadorismo extremado à direita, abandonando o centro-direita. Não foi o que aconteceu na França e na Holanda. Marie Le Pen, na França, e Geert Wilders, na Holanda, perderam as eleições para um contexto novo, diferente, mas, de alguma forma, esta ideia está presente. O que fica preocupante é que aparece essa mesma ideia daquele giro das expectativas de que eu falava antes a contaminar certas situações que têm conteúdos diferentes e perigosos.
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Repito: é muito feliz o tema desta palestra, porque coloca próximo aquilo que eu chamo de a incógnita da Catalunha, aquilo que eu chamo da surpresa dentro do eleitorado alemão. O que nós vimos nas últimas duas eleições na Catalunha foi uma situação absolutamente nova. Nós tivemos uma posição de centro-direita, de uma direita nacionalista sendo apoiada por uma extrema esquerda, ambas contestando a ideia de Europa e lutando por um nacionalismo catalão, apesar de todos os riscos dessa atitude econômica em relação ao projeto europeu. Eu sou muito claro quando eu noto o aviso dado pelo Banco Central Europeu à Catalunha: no dia seguinte à independência catalã, o Euro não vale mais, com todas as consequências que isso tiver. Mesmo assim, nas duas últimas eleições, uma junção de atitudes extremadas ganhou a eleição. Esse fato está bastante próximo. E se ele está próximo na realidade espanhola, ele está próximo na surpresa alemã.
Martin Wolf, o principal analista do Financial Times, um homem absolutamente distante de qualquer extremo, tem alertado constantemente em artigos para o risco dessa surpresa alemã. Não é preciso ir mais longe. Se nós somarmos os votos do Alternativa para a Alemanha, que abarca perigosas atitudes, inclusive bastante radicalizadas, à direita, se nós somarmos os votos desse partido com os votos do partido de esquerda alemã, ambos lutando contra a ideia de Europa, eles já ultrapassam 25%.
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Não são poucos os analistas que relembram os anos 30. Se nós olharmos para esse contexto, esses 25% são superiores aos votos dos sociais-democratas alemães e estão apenas sete pontos abaixo da junção CDU, do partido da Chanceler Angela Merkel. Esse fato sinaliza que a liderança da Primeira-Ministra, da Chanceler Angela Merkel ganhou um limite forte. Esse limite forte, de algum modo assustadoramente forte, está expresso na discussão profunda que há de ser feita sobre a expectativa de Europa que Angela Merkel sinalizava.
Quanto ao tema da imigração, que tantos problemas traz à Europa, Angela Merkel foi para a eleição com uma visão acolhedora dessa realidade, enfrentando esse processo. Chamo a atenção de todos para o apoio decisivo a essa política da Federação das Indústrias Alemãs, das diferentes indústrias alemãs - é algo muito próximo à nossa CNI, digamos, dessa forma malcomparada -, que apoiaram a política de imigração. Mesmo assim, com esse apoio do empresariado alemão, Angela Merkel teve forte contestação, como os números provam. Esses dados sinalizam que nós temos uma Europa em movimento, não necessariamente para o lado multilateral.
Eu separei esta capa, porque acho que aqui está uma discussão. Esta capa da revista The Economist é uma capa histórica, é a capa feita na semana da eleição de Angela Merkel. Ainda não tínhamos o resultado da eleição, e a The Economist fez essa capa. Acho que todos que estão nesta sala reconhecem a importância dessa revista, com 160 anos de existência. A revista The Economist sinaliza com isso uma ideia exata daqueles riscos de que nós falávamos. Nessa The Economist está expresso, de algum modo, de que Europa nós estamos querendo falar. A capa da revista The Economist é feliz ao mostrar uma jovem Europa do Presidente Macron, uma jovem Europa que é liberal, en marche, como ele mesmo diz, empreendedora, de alguma forma renovadora, com uma forte visão liberal. Observem, na capa da The Economist, que Angela Merkel está ao fundo, quase fora do foco, fora do proscênio, olhando para a ascensão desse novo poder. Nós estamos falando de um PIB alemão que é mais que o dobro do PIB francês. Nesta situação, como ela está colocada aqui, fica bem claro que há duas escolhas para a Europa. Macron pretendia se aproximar de Merkel ou se aproximar dos limites eleitorais de Merkel para adquirir uma projeção. O que essa capa sinaliza é que nós temos duas visões de Europa, que abarcam todos os temas que nós mostramos: o nacionalismo, os exits, as atitudes separatistas. Nós temos uma Europa que prega a austeridade, nós temos uma Europa forte que prega uma visão de Estado austero e nós temos uma Europa de uma outra realidade, de um Estado protetor, às vezes, como alguns críticos falam, usando essa expressão, um Estado gastador. Duas visões da Europa para resolver os problemas de que nós falávamos no eslaide anterior.
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Na prática, o que Macron efetivamente propõe como essa jovem Europa? Por que acertadamente a Comissão chama a atenção para o macronismo? Esse título que está nesse eslaide, "O que Macron 'pensa' que quer", esse título - desculpem, senão isso é plágio -, eu tirei de uma manchete do Le Monde. Logo depois da vitória do Macron, o Le Monde deu esta manchete: "O que Macron 'pensa' que quer". Quando o tempo passou, quatro meses depois, em setembro, próximo da eleição alemã, Macron lançou esses dez pontos.
Se nós olharmos com muita clareza todas as questões colocadas para este encontro, elas estão abarcadas exatamente na proposta que Macron oferece para a ideia de Europa. Macron pede para a Europa duas realidades: ousadia e o fim das guerras civis. E ele pede esse mesmo processo concentrando essa dupla realidade nesses pontos que estão expostos aí. Por questão de tempo, nós não podemos discutir todos, mas nós podemos centrar fogo em três deles, que são essenciais.
Primeiro, a ideia de um orçamento europeu não mutualista, não protecionista, mas, sim, um orçamento europeu com outra visão de Parlamento Europeu. Não é uma discussão de Estados Unidos e Europa, é uma outra realidade, mas é uma discussão de um mundo europeu que tem uma mesma dinâmica da relação... É a tarefa do Banco Central Europeu ganhando uma dimensão política. É isso que ele pede.
O segundo ponto, que é muito forte e que merece toda a atenção, é o pedido dele de uma política comum de defesa, coisa que a Europa sequer sonhava. Isso tem muito a ver com a atenção que alguns líderes europeus notam de uma realidade nova e perigosa, que é o olhar daquilo que eu chamei de janelas de oportunidade do Sr. Putin.
O terceiro ponto são as fronteiras, uma política de fronteiras que seja do bloco europeu. Na prática, é uma revisão moderna, pluralista da lógica de Schengen. Essa ideia me parece interessante de se discutir, e este é o foro apropriado. De alguma forma, esses dez pontos têm forte impacto na ideia que a Europa tem de convivência com o mundo. Se algum dos senhores olhar para mim e disser que talvez entre esses dez pontos nós tenhamos uma outra forma de negociar um acordo Mercosul/União Europeia, eu concordarei inteiramente.
Esses pontos sinalizam uma mudança de expectativa. De alguma forma, quando nós olhamos para esse processo e acompanhamos esse processo, nós temos que entender que tanto na questão do orçamento comum, na questão das fronteiras e na questão, é claro, de uma política comum de defesa, nós estamos rediscutindo aquela dinâmica que a capa da The Economist deixou tão clara. Não é mais apenas uma discussão entre a Europa austera e a Europa protetora. Se alguns dos senhores levantar que isso tem a ver com o formato novo da coalizão do novo governo alemão, com mais espaço para os sociais-democratas numa lógica de controle tradicional de centro-direita alemã, nós estamos indo nesse caminho.
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De alguma forma há uma discussão sobre as duas Europas: a Europa moderna e a Europa lenta, que de algum modo estão presentes nesse processo. Há um esquecimento. Digamos desta forma: há algo que não foi tocado nesses dez pontos e que me parece essencial; e é proposital. Se procurarmos, nesses dez pontos, o drama da demografia europeia, nós não encontraremos.
Todos nós que estamos aqui sabemos que a maioria dos estados europeus vive um drama de crescimento vegetativo negativo. Não é só a Itália, a Alemanha também tem. Não é tão dramático, mas é muito próximo do drama do crescimento vegetativo negativo que o Japão enfrenta.
Não há possibilidade de nós... A Europa tem consciência, como assinalou um cardeal italiano, de que o nosso futuro passa pelos bebês imigrantes, porque nós precisamos de força de trabalho. Essa discussão, que não está subjacente aqui, fica mais facilitada quando olhamos para esses dez pontos.
De algum modo, esse processo aproxima Macron da nova Berlim, da Berlim da coalizão. Aproxima uma ideia de Europa menos pessimista, mas de alguma forma mais próxima dos problemas que felizmente nós estamos discutindo aqui. De algum modo, quando nós olhamos para essa realidade - vamos mais um -, nós temos esse problema a complementar, a enfrentar essa dinâmica mais otimista. Nós temos uma agonia do Ocidente enquanto aliança. Isso é um fato!
O fato um é que depois de 2008, quer nós gostemos ou não da ideia, como reconhece o Financial Times sucessivamente, em editoriais, está mais pobre. E ele está mais pobre porque a classe média de alguma forma foi muito atingida, em todos os países europeus e norte-americanos, pela crise de 2008. Os investimentos estão mais fracos, e o crescimento está ocorrendo, mas é um crescimento sem inflação. Esse é um ponto.
A meta perseguida pelo Banco Central e o Europeu era de uma inflação de pelo menos 2% ao ano. Os economistas são pessoas estranhas; eles nos falam da doença, que a inflação é uma doença, mas parece que precisam dela. É exatamente isso! O mundo europeu vive hoje...
Eu estou falando da última decisão, a qual foi divulgada há uma semana, do Eurostat, que é uma espécie de IBGE da realidade europeia, mostrando que há um recuo na inflação na Europa.
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A inflação média dos 27 países europeus voltou para 1,4% quando, no ano passado, ela estava em 1,8%. Isso é um sinal de que há um crescimento concentrado e não um crescimento com consumo. Isso é um problema, isso não é uma solução. Qualquer economista, seja de que linha for, vai chamar a atenção para que este fato é um crescimento fragilizado. O Banco Central Europeu imediatamente reagiu a isso, dizendo que vai atrasar aquele processo de diminuir o quantitative easing, aquele processo de comprar títulos públicos para injetar dinheiro na economia. Ele pretendia sair do mercado e não sairá com tanta rapidez. A realidade sinaliza esse processo, isso é um risco.
De alguma forma, quando nós olhamos para a extrema dificuldade de conversa entre os blocos Estados Unidos e Europa, entre os blocos Japão e Estados Unidos e observamos a aproximação do contexto japonês com o contexto europeu - todos que estão aqui lembrem-se de que há quatro meses o Japão firmou um acordo de intenções para um acordo bastante semelhante ao com o Mercosul com a unidade europeia -, esses sinais, de alguma forma, mostram que a ideia do Ocidente está fragilizada. Há, de algum modo, neste cenário um dado bastante preocupante, que é o formato absolutamente indefinido da Brexit. A Inglaterra não se entende sobre qual Brexit ela pretende. É tradicional, já tem meses, o editorial absolutamente grave feito pela The Economist definindo a Primeira-Ministra inglesa como "Theresa Maybe". A ironia é típica, brutal e mortal. É uma "Theresa Talvez", ela não sabe exatamente o quanto e o como negociar com o contexto europeu, e isso é assustador.
De algum modo, esses fatos sinalizam a realidade dois desse processo, que é a difícil relação da Rússia com o continente europeu. Na prática, os europeus acordaram que eles foram - entre aspas - "abandonados" pelos americanos para resolverem eles mesmos o problema com o Putin. Observem o sinal de hoje, o quanto a Inglaterra está sozinha para defender seu território de Londres contra os assassinatos premeditados.
Não saiu nenhuma condenação maior de Putin dos outros países. A discussão está proposta logo pelo que vem abaixo: ainda com o Obama - com a discussão na era Obama -, Bruxelas - leia-se o centro do Mercado Comum Europeu - avisou Washington sobre os limites das sanções. O inverno na Europa depende do gás russo - ponto -, todos nós sabemos disso. De algum modo, há uma grande, uma enorme ligação por um novo gasoduto, e esse gasoduto elimina Polônia e elimina Ucrânia, vai pelo Norte, pelos Bálticos o gasoduto Nord Stream 2. As relações são muito fortes, a indústria europeia precisa muito disso para fazer sanções contra o contexto russo. De algum modo, o Ocidente, como aliança, ficou sob ameaça. É difícil discutir separatismo nesse processo, fragiliza.
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Mais um, por favor.
Nesse contexto, não é possível que se fale, frente a essa realidade, sem uma discussão de cenários, não é possível. Nós temos que discutir cenários. Nós não temos a verdade, nós discutimos o que é possível ver. E o que a teoria dos cenários nos sugere é que nós tenhamos um primeiro cenário para discutir essa sequência de temas, que é um cenário que nós poderíamos definir como morno. Nesse cenário morno, há uma convivência alegre, um casamento de interesses, de alguma forma, com a hostilidade da globalização, uma convivência. Há hostilidade à globalização, mas não muito. Há um movimento de sístoles e diástoles quanto ao contexto global na realidade europeia; ora nos aproximamos, ora nos afastamos, num movimento exatamente como é o movimento cardíaco, de sístole e diástole, de jorrar sangue e recolher. Movimento com o aço, com os limites do aço na Europa é exatamente o momento de sístole, pode haver o de diástole.
Nesse contexto, nós temos que ver que, de algum modo, há um avanço cauteloso à espera da China. A China como contraposição, como um cenário novo, como uma nova realidade para esse contexto. Eu estava ouvindo as frases do Sr. Presidente e observei o cuidado com que as reuniões passadas falavam da concentração de poder na mão de Xi Jinping. É exatamente isso que nós estamos vivendo aqui. Nós esperamos uma China, e uma China que concentra poder e não divide. Esse cenário é morno.
Nós temos, de alguma forma, um cenário de maior fragilidade em que, de algum modo, nós temos uma intermediação alemã que se agrava. A Alemanha não consegue, de algum modo, impor limites decisórios para esse processo, enfraquecendo inclusive o Projeto Macron.
De algum modo, quando nós olhamos para essa realidade, nós observamos que aquela frase do Le Monde era perfeita: "O que é que o Macron pensa que quer?" A realidade, depois de quase um ano no poder: não é o mesmo Macron de maio de 2017, é um outro. E é um outro Macron que olha para a realidade com o contexto de que nem tudo que ele imaginava aconteceu. Por exemplo, o desemprego na França continua rondando os dois dígitos.
Quando olhamos para esse contexto e olhamos para a realidade nova, política, da Merkel, dá um frio na espinha, porque a Merkel precisou sacrificar os postos que eram da democracia cristã, da CDU, para acolher a ambição dos sociais-democratas. Isso terá peso. Se ocorrer uma nova eleição na Alemanha, todos os institutos sugerem e indicam a Alternativa para a Alemanha, o partido radicalizado, ganhará a eleição dos sociais-democratas.
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Esse cenário mais tenso sinaliza, de alguma forma, uma maior proximidade de Putin com os inimigos da ideia de Europa. Isso é real.
Por mais que a gente goste, por mais que a gente não goste, o El País, o tradicional jornal liberal espanhol, conquistou um furo inacreditável, mostrando os vínculos e as visitas de líderes da Catalunha ao Kremlin. Nós temos que reconhecer que isso aconteceu, do mesmo jeito que o Kremlin recebeu e emprestou dinheiro para Marine Le Pen. Esse fato é real.
De algum modo, quando nós olhamos para este contexto, nós temos que ter uma ideia de uma perda de protagonismo. A Europa está deixando de ser aquilo que era a máxima, que vem desde das lógicas Huntington, ou, de alguma forma, um gigante econômico e um anão militar. Se este é o cenário mais frágil, nós temos um cenário mais tenso, e, no cenário mais tenso, Trump, de algum modo, busca um fator externo para poder governar melhor - e aí eu não vou entrar no mérito dessa questão, porque, senão, seria outra observação -, mas a atitude de Trump de separar a Coreia de Irã é um pouco ingênua. A demissão de Rex Tillerson sinaliza o quanto o Governo americano fez uma escolha não necessariamente pacifista em relação à realidade. Se nós olharmos para isso, esse é o cenário mais tenso neste processo, e ele se distancia. O cenário de Trump, de alguma forma, ao adotar, agravar uma guerra comercial abre ainda mais uma distância ainda maior com o contexto europeu, com o contexto do projeto europeu.
Para não avançarmos mais e ficarmos dentro do meu tempo, a proximidade do Putin daquilo que é o novo quadro geoenergético do mundo deveria fazer com que, de algum modo, a gente repensasse esse contexto e a felicidade de um debate como esse, que é necessário. Quando nós olhamos para esse conceito geoenergético, nós observamos que falamos da importância de que o verdadeiro calor no inverno europeu é o gás russo. Nós falamos de um novo gasoduto pelos países bálticos; nós não falamos apenas nesse cerco para essa ideia de Europa - por favor, o último eslaide -; nós falamos desta realidade, que por aqui andou muito pouco.
Esta foto é uma foto de outubro do ano passado, da visita do octogenário Rei Saudita, Salman bin Abdulaziz, que visita Moscou e faz a assinatura de um contrato de compra de armas russas - o general que está ali no fundo sabe do que eu estou falando -, armas russas de 3 bilhões, inclusive, o sistema de defesa aérea dos S-400. A decisão na guerra síria foi dada pelo S-400. A partir do momento em que ele chegou lá, o equilíbrio foi para o lado russo. Isso não é nenhuma novidade. É caro demais você colocar um F-18, que custa quase US$150 milhões, contra um míssil que custa menos de US$50 mil e é tão eficiente quanto.
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Esta realidade sinaliza que esses dois homens que estão aí são donos de mais de 40% da oferta de petróleo: um tem 10 milhões de barris, e o outro tem 11 milhões. O russo, à frente, guia. E eles de algum modo, quando estão juntos, sinalizam uma rocada - para usar a expressão do jogo de xadrez - terrível no contexto europeu. Essa rocada sinaliza para nós, para terminar, que talvez nós estejamos discutindo a reedição de um fenômeno que o mundo já conheceu.
Eu chamo atenção para o conhecido historiador francês Fernand Braudel, que escreveu um livro sobre a decadência do Mediterrâneo, o famoso Mare Nostrum dos romanos. O livro chama-se "O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II". É um livro dos anos 60 em que ele descreve o que acontece quando as potências novas chegaram e desalojaram potências antigas que eram donas do Mediterrâneo. A importância do Mediterrâneo passa para o Atlântico, essa é a essência da tese, essa é a ideia.
Nesta lógica, podemos estar assistindo hoje à superação, à ultrapassagem do Atlântico Norte como o eixo - e foi por isso que eu falei na noção de aliança, da noção de interesse do Ocidente - sendo substituído por um outro mar: o Pacífico Sul talvez seja hoje, decididamente, o cenário que ultrapassa o velho continente. O mundo europeu talvez enfrente um contexto novo e que ele não conhecia.
Não é bom, não é conveniente. A nossa história, o nosso jeito, o nosso sentido de democracia dependeu desse contexto. Eu não acho isso conveniente.
Muito obrigado pela atenção de todos.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Prof. Leonardo Nelmi Trevisan pela sua bela exposição sobre o tema que nos faz hoje nesta audiência pública.
Passo a palavra ao Prof. Mário Drumond Coelho, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília e mestre em Direito Internacional pela University of Heidelberg.
O SR. MÁRIO DRUMOND COELHO - Obrigado, Presidente.
Em primeiro lugar, agradeço que foi feito ao UniCeub, nossa instituição, e agradecer também a presença do Prof. Trevisan.
Que maravilha que foi a sua exposição, Professor! Nós aprendemos muito nesta última hora.
Ficou evidente que o Prof. Trevisan fez uma análise mais ampla, abordando diversos temas que integram precisamente a pauta da reunião de hoje.
Eu peço licença ao Presidente, porque eu gostaria de fazer uma análise mais específica em relação ao processo de separatismo da Catalunha, porque talvez a gente possa contribuir no sentido de trazer dados específicos em relação a um tema que está dentro deste caleidoscópio temático que nós temos aqui hoje, em que, obviamente, todos os temas são relevantes. O Prof. Trevisan se referiu à questão da Catalunha como uma incógnita. Esta palavra é perfeita, porque ela sugere a incidência de uma dúvida, vamos dizer assim: qual é o futuro da Catalunha num sentido mais específico? Mas também é importante lembrar qual é o futuro da Espanha nesse processo.
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Por definição, o separatismo compreende um movimento de determinados grupos nacionais que buscam a separação do território do Estado, por motivações várias - podem ser motivações políticas, econômicas, linguísticas, eventualmente religiosas, culturais etc. De qualquer modo, apenas do ponto de vista conceitual, não é possível compreender a lógica do separatismo divorciada da lógica daquele Estado unitário que vai sofrer com o processo de exclusão de determinada fração do seu território. Em outras palavras, é impossível falar do separatismo catalão se nós não falarmos também dos efeitos que isso eventualmente produziria sobre a unidade espanhola. Em outras palavras, a minha premissa é que não é possível falar do separatismo, no caso específico da Catalunha, como se fosse um termo isolado, ou seja, divorciado da realidade constitucional da Espanha - é aonde eu gostaria de chegar.
Nós sabemos que a experiência constitucional espanhola mais recente data de 1978, a Constituição que foi produto de um amplo consenso junto à sociedade espanhola, naquela época num processo de redemocratização do país. Tecnicamente, esse é um dado importante e devemos levar em consideração o seguinte: embora tecnicamente a Espanha não seja uma federação, o tipo de organização de poder que a Constituição espanhola implementou em 1978 se aproxima muito da lógica federalista. Em outras palavras, as unidades menores do espaço territorial espanhol gozam de ampla autonomia.
Isso é curioso, porque, embora não sejam Estados no sentido técnico da palavra, as comunidades autônomas gozam de uma autonomia às vezes maior do que a de Estados federados em determinadas federações do mundo, embora tecnicamente a Espanha não seja uma federação. Nós sabemos que a Espanha é, nos termos do que preconiza a sua Constituição, um Estado democrático de direito que funciona a partir de um regime monárquico/parlamentarista. Quer dizer, em síntese, a Espanha é uma monarquia parlamentarista com uma Constituição escrita em 1978, que conferiu um elevadíssimo nível de autogoverno às províncias. E a Catalunha, obviamente, é apenas uma dessas comunidades autônomas.
É importante também ter isso em mente, porque a Espanha, do ponto de vista do território europeu, pode ser considerada como um país de dimensões médias. A Espanha tem 17 comunidades autônomas que gozam, repito, de ampla autonomia administrativa, política e financeira, e a Espanha também tem duas cidades que possuem o status singular de cidades autônomas, Ceuta e Melilla. Então, basicamente, você tem um país dividido em 19 regiões, todas com os seus estatutos de autonomia, o que, do ponto de vista prático, significa mais ou menos que cada comunidade autônoma possui um ordenamento jurídico, fruto dessa descentralização, que confere uma série de competências para as comunidades autônomas, competências legislativas, executivas, administrativas etc. É importante lembrar que esse processo separatista da Catalunha, claro, possui razões históricas que datam talvez do século XIV. A Generalitat, que é o nome que o sistema catalão tem, significa basicamente o sistema de autogoverno da Catalunha. Essa Generalitat começou a funcionar no século XIV, quer dizer, a vocação do autogoverno realmente é extraordinária. Isso é impossível negar. Eu tive oportunidade, hoje, de presentear o Prof. Trevisan com uma cópia do Estatuto de Autonomia do País Basco, que eu comprei em Bilbau em 2009. Quando a gente dedica 30, 40 minutos para esses documentos, percebe um alto nível de autogoverno, inclusive envolvendo matérias fiscais, matérias de todo tipo. Depois vou pedir licença para fazer a leitura breve de um pedacinho aqui do Estatuto de Autonomia da Catalunha para que nós possamos ter ideia do nível dessa autonomia.
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É claro que evidentemente isso não bastou para parcela da classe política da Catalunha. Para entender esse processo de separatismo que, por definição, é um processo multifacetado, talvez nós pudéssemos, no primeiro momento, compreender que esse processo de separação ou esse movimento separatista possui um aspecto jurídico, legal que não pode ser desprezado. Eu digo isso porque me refiro, obviamente, do ponto de vista mais amplo, àquilo que determina a Constituição espanhola.
Embora a Espanha não seja uma federação do ponto de vista conceitual, a Constituição espanhola reza que a Espanha é uma nação que tem uma unidade indissolúvel. Essa expressão é curiosa porque muito se assemelha à própria expressão que a Constituição brasileira usa quando diz que a União é indissolúvel. Então, embora as províncias autônomas, as comunidades autônomas espanholas não sejam estáveis no sentido estrito da palavra, elas fazem parte, vamos dizer assim, de um agregado maior que é justamente o Estado espanhol, considerado como uma unidade indissolúvel.
Tudo isso é para dizer o seguinte: que no ano passado, vocês sabem, o nível de tensão aumentou muito, e a Catalunha acabou por realizar o famoso referendo que produziu, para dizer o mínimo, um desgaste muito grande dentro da sociedade espanhola, não só em relação aos demais espanhóis, mas também em relação a boa parte da comunidade da própria Catalunha.
A Espanha é um país complexo, extraordinário, a ponto de a Constituição espanhola reconhecer expressamente isso. A Constituição espanhola diz que a Espanha é uma nação com diferentes povos, e esse plural não é acidental. A Espanha é uma nação de diferentes línguas, e esse plural não é acidental. Basta saber que provavelmente, numa escala maior ou menor, você vai ter sempre uma cultura muito específica em cada região, seja o País Basco, seja a Catalunha, a região central de Madri, Castilla e León, Navarra, as Ilhas Baleares, enfim, a Galiza, a Andaluzia, Murcia, Astúrias, La Rioja, enfim, é absolutamente fascinante, do ponto de vista da experiência histórica, esse arranjo constitucional que foi construído em 1978.
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Agora, do ponto de vista objetivo, o que é que nós podemos dizer que aconteceu no ano passado? Houve o referendo. Esse referendo - isto é importante destacar - foi organizado pelas autoridades da Catalunha mediante a aprovação no Parlamento catalão de uma lei. E, talvez, a partir disso, a gente possa compreender a dinâmica da legalidade ou da ilegalidade de todo esse processo. O Parlamento catalão aprovou, no ano passado, a chamada Lei do Referendo, que é a Lei nº 19/2007. O que preconizava, o que determinava, o que disciplinava basicamente essa lei? A lei institucionalizava o funcionamento do referendo, e assim foi feito. O Parlamento catalão, gozando de sua autonomia legislativa, fez aprovar a lei e levou adiante o funcionamento do referendo. Ocorre que, no dia seguinte ou, talvez, no mesmo dia, o que vou chamar de Governo Central de Madri, que a Constituição espanhola chama de Estado Espanhol, reagiu imediatamente. O Presidente do Governo, que nós chamamos de Primeiro-Ministro, Mariano Rajoy, enfrentou a questão, buscando a solução judicial, e levou a questão ao Supremo Tribunal espanhol. Fazendo uma breve síntese, o que disse a Suprema Corte espanhola? Disse que a lei que organizou o referendo era integralmente inconstitucional. E disse mais: que o referendo em si mesmo era inconstitucional.
De forma objetiva, nós podemos dizer o seguinte: o Tribunal constitucional, quando foi examinar a questão do separatismo, especificamente a questão do referendo, cuidou de examinar três questões que são cruciais para entender esse processo. Digo isso em relação àquilo que determina a Constituição espanhola. Em primeiro lugar - aqui vou fazer uma exposição breve, Presidente, em relação àquilo que a Suprema Corte espanhola falou -, disse a Suprema Corte espanhola que o Parlamento catalão não tinha competência para organizar o referendo. Essa questão, embora seja uma questão formal, é relevante, porque diz respeito justamente à distribuição dos poderes dentro do território espanhol. A competência para organizar referendos é competência exclusiva do poder central, conforme preconiza a Constituição espanhola. Mesmo assim, a lei foi aprovada. Esta foi a primeira questão, a questão da competência.
A segunda questão, talvez ainda mais grave, diz respeito a vícios que a sentença chama de procedimentais, ao modo pelo qual o Parlamento da Catalunha fez tramitar e aprovar a lei que disciplinou o referendo. É curioso, porque, no dia em que essa lei tramitou e foi aprovada no Parlamento da Catalunha, todo o processo se deu em 11 horas, o que é sintomático, dada a gravidade do assunto, mostrando, talvez, que os procedimentos legislativos não estavam sendo observados. Isso é grave de qualquer ponto de vista, inclusive no tocante ao direito que as minorias têm dentro do Parlamento espanhol.
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O que houve, em termos práticos - a expressão é da sentença da Suprema Corte espanhola -, foi um simulacro - essa palavra é muito forte - em relação ao procedimento que se deu dentro de um prazo muito curto, de 11 horas, praticamente sem nenhuma oportunidade de manifestação das minorias dentro do Parlamento catalão, que, nós sabemos, é integrado por uma maioria pró-independência.
O Parlamento catalão é unicameral, tem 135 cadeiras. Hoje, 70 dessas 135 cadeiras, ou seja, uma maioria absoluta, são compostas por três partidos que são pró-independência: o CUP, o ERC e o Junts per Catalunya. Ou seja, é inegável que há uma maioria pró-independência dentro do Parlamento da Catalunha. Isso é um dado objetivo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MÁRIO DRUMOND COELHO - Real, perfeito. Não significa, entretanto, que o procedimento legislativo em relação à aprovação daquela lei devesse ocorrer do modo como ocorreu. Então, a Suprema Corte espanhola chama atenção também para o fato de que a Lei nº 19, de 2017, foi aprovada em total desacordo com o próprio Regimento Interno do Parlamento. Isso é preciso deixar claro, para que nós tenhamos uma dimensão do tamanho do problema, problemas de competência, e me referi agora aos problemas procedimentais.
Por fim, mais relevante ainda, talvez, foi o exame que a Suprema Corte espanhola fez em relação ao mérito da lei, ou seja, de que modo o conteúdo da lei, quer dizer, seu aspecto substantivo estaria ou não em desacordo com a Constituição espanhola. E aí é importante destacar o seguinte: a Suprema Corte espanhola diz que a lei que organizou o referendo na Catalunha ataca a Constituição espanhola em três pontos. Primeiro, ela viola a soberania do povo espanhol. E é importante abrir um parêntese aqui, que é o de que um argumento sempre utilizado pelos defensores do separatismo na Catalunha é o seguinte: o povo catalão deseja valer-se do seu direito à autodeterminação dos povos. Essa seria, vamos dizer, a premissa fundamental que vai produzir tudo na sequência de fatos e eventos que vão culminar com o referendo que foi organizado no ano passado. Agora, existe um problema nessa premissa, e o próprio Tribunal Constitucional diz isto: a soberania não pertence ao povo da Catalunha, a soberania pertence, pela própria Constituição, à totalidade do povo espanhol. Isso é relevante ter em mente. Quer dizer, não é possível raciocinar apenas em termos de Catalunha, como eu disse no começo. E a totalidade da Espanha, o que pensam os outros espanhóis?
Essa Constituição espanhola de 1978 - eu tenho aqui comigo uma terceira edição, comprada em Madri, num antiquário - é interessante, porque logo de cara, logo no seu início, ela reconhece cabalmente essa autonomia das províncias espanholas. Então, já em 1978 - e, claro, muito antes disso -, a classe política espanhola entendia e compreendia que era necessário que as comunidades autônomas gozassem de ampla autonomia, a chamada vocação do autogoverno.
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O que diz a Constituição espanhola em relação à sua soberania? Exatamente isso que eu falei: a soberania recai ou repousa sobre a totalidade da população espanhola. E obviamente você não pode falar de soberania do povo da Andaluzia, ou soberania do povo de Navarra, ou soberania do povo da Catalunha; no máximo, nós podemos reconhecer que existe uma autonomia de todos esses povos - a própria Constituição espanhola garante isso.
O segundo ponto abordado pela sentença espanhola diz respeito ao fato de que a lei que organizou o referendo atentava contra a unidade do território espanhol, o que obviamente possui conexão com a lógica da própria soberania espanhola. E o terceiro, também grave: que a lei violava o princípio da supremacia da Constituição na Espanha. Eu estou tentando fazer aqui uma breve síntese dos três pontos principais que, no mérito, dizem respeito à sentença da Suprema Corte, a Sentença 117, ou seja, o referendo violava a soberania espanhola, o referendo violava a unidade do território espanhol e o referendo violava a supremacia da Constituição.
Eu tenho aqui, Presidente, e tomei a liberdade de trazer, uma cópia justamente dessa Lei nº 19, que, vamos dizer assim, é o embrião de toda a polêmica em relação ao processo do referendo. A lei possui um preâmbulo enorme e, na melhor tradição do Direito escrito, vai sendo articulada de artigo em artigo, especificando determinadas questões. Vejam que interessante o que diz o art. 1º da Lei 19, que organizou o referendo na Catalunha no passado, quando foi feita a consulta ao cidadão da Catalunha, se este gostaria de ter ou não a Catalunha como um Estado independente, abraçando o modelo republicano. O primeiro artigo da lei diz: "Esta Lei regula a celebração do referendo de autodeterminação vinculante sobre a independência da Catalunha [...]", etc. Como falei, o Parlamento da Catalunha não é competente para regular a celebração de referendos.
O art. 2º, e aí a premissa falsa, diz: "O povo da Catalunha é um sujeito político soberano [...]". Não é isso, essa é uma premissa falsa. Sujeito político soberano na Espanha é o povo espanhol na sua totalidade.
Art. 3º: "O Parlamento da Catalunha atua como representante da soberania do povo da Catalunha." Quer dizer, vejam a técnica induzindo ao erro. O povo catalão não é soberano; soberano é o povo espanhol na sua totalidade. E é óbvio que a questão aqui não é meramente conceitual e muito menos de nomenclatura; é uma questão gravíssima que diz respeito à possibilidade igualmente grave de você ter parte do território do Estado espanhol sendo separado da sua totalidade.
E aqui surge outra questão interessante em relação a esse processo que coloca o seguinte: a lei aprovada no Parlamento da Catalunha, num de seus dispositivos, diz que essa lei está acima de qualquer outra naquilo que lhe for conflitante. Imaginem a loucura: você aprova uma lei no Parlamento em que afasta, no caso concreto, a própria juridicidade da Constituição espanhola. Enfim, são essas algumas questões que acho que são relevantes de serem colocadas para que todos possam compreender, vamos dizer, o aspecto institucional que envolveu o referendo do ano passado.
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Além disso, Presidente, eu gostaria aqui, respeitando o tempo ...
Toda essa discussão sobre separatismo envolve também uma informação mínima sobre o grau de autonomia dessas comunidades autônomas. Nós sabemos que, no Brasil, a nossa Federação, como qualquer federação no mundo, divide as competências basicamente entre o poder central, a União, e os poderes periféricos, que são os nossos Estados, as nossas unidades subnacionais. Na Espanha, embora não seja tecnicamente uma federação, a constituição espanhola também tratou de fazer a mesma coisa: há as competências exclusivas do poder central espanhol, em Madri, e há residualmente os poderes ou as competências das unidades parciais, que são precisamente as comunidades autônomas.
Apenas para vocês terem uma ideia do altíssimo grau de descentralização do sistema espanhol, eu separei aqui 12 matérias que dizem respeito ao alto Governo e à própria capacidade de legislar da Catalunha e de basicamente todas as comunidades autônomas. O art. 116 do Estatuto de Autonomia da Catalunha diz que há competências exclusivas da Catalunha - observem, porque vamos fazer o paralelo: imaginem que fossem competências exclusivas do Estado de Pernambuco, do Estado do Maranhão ou do Estado do Paraná.
A Catalunha tem competência exclusiva em matéria de comércio, incluída a ordenação administrativa e atividade comercial; a Catalunha tem competência exclusiva em matéria de consumo, incluída a defesa dos direitos dos consumidores e a fixação de aplicação dos procedimentos administrativos; a Catalunha tem competência exclusiva sobre cooperativas, incluída a organização e o funcionamento dessas entidades - não é pouco! -; a Catalunha tem competência exclusiva sobre a cultura, incluídas as medidas relativas à produção, distribuição de livros e publicações, à regulação e à inspeção de salas de exibição cinematográfica e à qualificação dos filmes; a Catalunha possui competência exclusiva em matéria de proteção civil, incluídas a regulação, a planificação e a execução de medidas relativas às emergências e à segurança civil;
Todas essas competências estão elencadas no Estatuto de Autonomia da Catalunha. São dezenas de autonomias, dezenas de matérias exclusivas.
A Catalunha tem competência exclusiva em matéria do desporto, incluída a fixação do regime jurídico das federações, dos clubes e das entidades catalãs que promovem e organizam a prática do esporte; a Catalunha tem competência exclusiva sobre jogos, apostas e cassinos no território da Catalunha, incluída a criação e autorização dos jogos e apostas de sua regulação; a Catalunha tem competência exclusiva em matéria de serviços sociais, incluída a regulação e ordenação das entidades dos serviços, estabelecimentos públicos e privados que prestam esses serviços sociais; a Catalunha tem competência exclusiva sobre transportes terrestres de passageiros e de mercadorias, incluída a regulação específica do transporte turístico, escolar, sanitário, funerário e de mercadorias perigosas ou perecíveis.
Vou finalizar.
A Catalunha possui competência exclusiva em matéria de turismo, incluídas a regulação e a classificação das empresas e dos estabelecimentos turísticos.
Finalmente, a Catalunha tem competência exclusiva em matéria de universidades e ensino universitário, incluído o poder de decisão quanto à criação de universidades públicas e quanto à autorização de funcionamento das universidades privadas.
Eu selecionei - e obviamente o critério é arbitrário - 12 dessas competências exclusivas da Catalunha. São muitas outras, todas elencadas no Estatuto de Autonomia da Catalunha. Procurei aqui enfatizar e demonstrar que esse grau de autogoverno das comunidades espanholas é elevadíssimo, embora se possa discutir sempre, de modo legítimo, se tal nível de autogoverno pode ou não ser maior ou menor. Essa é, obviamente, uma das pretensões do Parlamento da Catalunha em relação à questão do separatismo. Muitos defendem na Espanha, como modo de solução para a controvérsia, uma reforma no texto constitucional espanhol, de modo que as competências do poder central fossem exaustivamente elencadas e de forma que as competências das comunidades autônomas também fossem exaustivamente elencadas, para que não houvesse mais a controvérsia em relação àquilo que as comunidades autônomas podem ou não fazer. Não me parece, entretanto, que seja o problema do separatismo na Catalunha um problema de falta de autogoverno. Ao contrário: a leitura desses 12 pontos revela esse altíssimo nível de autonomia local. A Espanha é um país curioso, porque, além das competências centrais, além das competências das 17 comunidades autônomas, você ainda tem a autonomia de quase 8 mil - um pouco mais de 8 mil - entidades locais, que seriam equivalentes aos Municípios no Brasil. O modelo de governança da Espanha é altamente descentralizado, e isso fica evidente quando nós fazemos algum tipo de leitura, mínima que seja, do próprio texto da Constituição espanhola ou do próprio texto das comunidades autônomas.
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Presidente, obrigado. Era essa a minha contribuição.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Prof. Mário Drumond Coelho, ele que é Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília e Mestre em Direito Internacional pela Universidade de Heidelberg.
Eu gostaria de anotar a presença muito honrosa nesta audiência pública dos Srs. Ministros Conselheiro da Embaixada da França, Sr. Gilles Pecassou; do Sr. Primeiro Secretário da Embaixada da Espanha, Sr. Ernesto Heredero del Campo; da Srª Primeira Secretária da Delegação da União Europeia no Brasil, Srª Cécile Merle; do Sr. Terceiro Secretário da Embaixada da Rússia, Sr. Denis Shimanchuk; do Sr. Chefe da Missão Adjunto da Embaixada da Irlanda, Sr. Declan Heery; da Srª Embaixadora Gisela Padovan, do Ministério das Relações Exteriores, da Assessoria de Assuntos Federativos e Parlamentares do Ministério das Relações Exteriores; e do Sr. Adido Civil da Embaixada da Espanha, Sr. José López Malo. Muito obrigado a V. Sªs pela presença na noite de hoje.
Ao mesmo tempo, agradeço a participação dos nossos internautas - Sérgio Luís Peixoto, de São Paulo; Adriano Silva, do Rio de Janeiro; Vânia Maria Framback Araújo dos Santos, do Rio de Janeiro; CVS Posto Avançado, do Rio de Janeiro; Guilherme Freitas, do Maranhão; Luís Salgado, de São Paulo; Roberto Garcia, também de São Paulo - pela participação que tiveram na noite de hoje com seus comentários e sugestões. Muito obrigado aos nossos internautas por essa participação sempre ativa e inspiradora para os nossos debates.
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Antes de encerrar os nossos trabalhos, gostaria de agradecer mais uma vez a participação das Srªs e dos Srs. Senadores, das autoridades aqui presentes, muito especialmente aos nossos conferencistas da noite de hoje: o Professor da PUC/SP, Leonardo Nelmi Trevisan - muito obrigado pela presença de V. Sª - e o Professor Mário Drumond Coelho, da Unidade de Brasília - muito obrigado também a V. Sª pela presença na noite de hoje.
Informo que o 3º Painel ocorrerá no dia 02 de abril, segunda-feira, às 18h, neste plenário, quando será abordado o tema: "América Latina: Eleições Regionais e suas Consequências para a Integração e os Acordos Mercosul-União Europeia". Para expor e debater o tema, teremos como convidados o Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Alcides Costa Vaz, doutor em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, e a Professora do Centro Universitário de Brasília, UniCEUB, Elisa Ribeiro Pinchemel, doutora e mestre em Ciências Sociais, pelo Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília.
Gostaria também de convocar S. Exªs as Srªs e os Srs. Senadores membros desta Comissão para a nossa próxima reunião, agendada para o dia 21 de março, quarta-feira, às 14h, neste plenário.
Trata-se da audiência pública da reunião da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, conjunta com o Grupo Parlamentar Brasil-Marrocos do Senado Federal, que recepcionará Parlamentares marroquinos, membros do Grupo Parlamentar Marrocos-Brasil da Câmara dos Conselheiros do Reino do Marrocos, com o objetivo de discutir temas de interesse comum no âmbito bilateral.
A reunião contará com a presença de S. Exªs, o Conselheiro Abdessamad Kayouh, Primeiro Vice-Presidente da Câmara dos Conselheiros do Reino do Marrocos, encarregado da diplomacia parlamentar, além do Sr. Conselheiro Abdelatif Abdouh, Presidente do Grupo de Amizade Marrocos-Brasil; do Sr. Conselheiro Mohamed Razama, Relator do Grupo de Amizade Marrocos-Brasil e Presidente também da Comissão de Relações Exteriores, Defesa Nacional, Fronteiras e Territórios Marroquinos ocupados na Câmara dos Conselheiros; do Sr. Conselheiro Mohamed Addal, membro do Grupo Parlamentar, e de S. Exª o Embaixador do Marrocos no Brasil, Sr. Nabil Adghoghi.
Agradecendo mais uma vez a presença de todos, principalmente dos nossos conferencistas, como aqui já foi feito, desejo a todos uma boa noite e dou por encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 18 horas, a reunião é encerrada às 19 horas e 27 minutos.)