03/04/2018 - 5ª - Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia a todos e a todas!
Declaro aberta a 5ª Reunião da Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A audiência de hoje será realizada nos termos do Requerimento nº 24, desta Comissão, de nossa autoria e de outros, para debater "Sistema de Inspeção do Trabalho".
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou com perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, pelo link www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo Alô Senado, pelo número 0800-612211.
Antes de iniciarmos a reunião, quero informá-los de que, em função da relevância e qualidade dos debates realizados nas audiências públicas desta Comissão, as palestras serão organizadas para publicação ao final do semestre, com base nas notas produzidas pelo serviço de taquigrafia do Senado Federal.
Desde já ficam solicitadas as notas, conforme encaminhamento aprovado em reunião anterior.
Convidamos, de imediato, para fazer parte da Mesa, o Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Juiz Guilherme Guimarães Feliciano.
Uma salva de palmas à Anamatra, na figura do Presidente Guilherme Guimarães. (Palmas.)
Convido o Sr. Carlos Fernando da Silva Filho, Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait); Herbert Claros, membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas - Central Sindical e Popular; o Sr. Paulo Douglas Almeida de Moraes, Procurador do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, e representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. Seja bem-vindo! Já esteve conosco ontem aqui e participou de um bom debate; Sr. Leif Raoni de Alencar Naas, Auditor-Fiscal do Trabalho e Assistente Técnico do Gabinete da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho. Seja bem-vindo também!
O Ministério do Trabalho está presente e isso é muito importante. Eu sempre digo que é fundamental, independentemente de quem esteja no Governo, mandar um representante para participar dos debates, coisa que, infelizmente, não aconteceu ontem. Houve uma importante audiência aqui e ninguém veio representando o Ministério do Trabalho. O Ministério do Trabalho deve estar sempre presente.
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Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). (Palmas.)
E Lucimary Santos Pinto, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). (Palmas.)
Sejam todos bem-vindos!
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso! Para salvar a Mesa, diz ele aqui. (Risos.)
Se não houvesse uma mulher aqui, eu já ia ser xingado até pelos telespectadores.
Pois bem, como é de praxe, eu apenas faço uma pequena introdução para atualizar aqueles que estão nos assistindo pela TV Senado e pelo sistema de comunicação da Casa. Assim, também hoje farei só uma rápida introdução aqui. Não vou apresentar todo o documento, mas já vou lembrando que isso aqui vai constar também do livro que nós vamos produzir depois.
É com grande satisfação que damos início à audiência pública desta Comissão com o tema "inspeção do trabalho".
Agradecemos a presença de todos e lembramos que, em meados do ano passado, com o apoio de diversos Parlamentares comprometidos com as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros, propus a criação da presente Subcomissão para a elaboração do Estatuto do Trabalho.
Nós já fizemos inúmeras reuniões, conforme consta aqui, e essas reuniões, com certeza, vão para a história. No futuro, alguém vai comentar que um grupo de homens e mulheres dos mais variados setores se reuniram para elaborar a nova CLT, já que não temos mais CLT; temos aquilo que eu chamo de CLE.
Pois bem; aqui, a gente poderia lembrar que muitos se reuniram na era de Getúlio Vargas, porque aquela CLT não surgiu como um presente divino. Ela veio, claro, tomara que com orientação divina, mas construída por homens e mulheres. E é esse o papel que vocês estão fazendo aqui, ainda mais neste momento em que, de forma definitiva - e que se considere na íntegra esta introdução, que vai resumir o que estou dizendo aqui em poucas palavras -, no dia de ontem, o próprio Rodrigo Maia, Presidente da Câmara, já disse que não existirá, em hipótese alguma, a tal de medida provisória, que chegou a vir aqui, mas cuja Comissão Mista sequer instalaram. Até hoje eu não sei quem é o Presidente e não sei quem é o Relator, e já venceram todos os prazos.
Consequentemente, este foi mais um calote que foi dado, eu diria, até na Base do Governo, porque alguns ali eu não posso... Eu nunca faço ataque pessoal a ninguém. Vocês nunca me verão fazer isso. Eu defendo teses e ideias. Aqui eu estou dizendo que o Governo deu um calote na sociedade brasileira e deu também um calote em parte da sua base. Se parte sabia, eu tenho certeza de que outra parte não sabia.
Disseram, inicialmente, que iriam vetar sete dos artigos que mais criavam problemas e tiravam direitos dos trabalhadores. O conjunto todo tira, mas os sete piores seriam vetados. Não vetou nenhum, baixou uma medida provisória dourando a pílula, atenuando alguma coisinha aqui ou acolá, mandou a medida para cá, mas não deixou ser instalada a Comissão Mista. Eu faço parte da Comissão, vinha todos os dias para cá e, simplesmente, não a instalavam.
Quando, num determinado dia, elegeram o Presidente, dali a uma semana ele renunciou, o que foi uma opção dele também. Eu acho até que ele fez bem em renunciar. Mas que se indicasse outro então! E também não indicaram o Relator! Resultado: a Comissão, oficialmente, nunca se reuniu, porque não tem Presidente, não tem Relator e o prazo vence hoje.
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Então, já ontem, o Presidente da Câmara disse que não haverá nada mesmo, que é isso aí e acabou. E todos nós sabemos, vamos fazer uma audiência pública, inclusive, analisando esses meses em que ela entrou em vigor, os prejuízos que trouxe a todo o povo brasileiro.
A gente lamenta muito. Lamentamos também que um secretário do Ministério do Trabalho tenha dado a sua opinião, via um ofício, de que essa questão do imposto sindical não está clara, deve ser mais bem discutida. Já foi demitido. Mais ou menos ele disse isso, não vou entrar no mérito aqui. Sei que esse é um tema polêmico, mas tem-se que apontar saídas de como vai sobreviver a própria estrutura sindical. Tem-se que achar caminhos claros. Nós aqui vamos tentar fazer isso, ouvindo toda a sociedade brasileira nesse aspecto. Eu sempre digo que eu não sou contra - viu? - porque eu sou, como eu digo, filho quase do Sistema S. No momento em que eu fiz um curso técnico, foi aí que eu pude deixar de ser vendedor de frutas na feira livre em Porto Alegre. Um primo meu era dono da banca e, dos 11 aos 12 anos, eu ficava ali, vendendo na feira. De 12 para 13 anos, foi que eu entrei num curso técnico. Enfim, foi importante.
Mas eu digo que os empresários têm todo o Sistema S; os próprios advogados têm a contribuição obrigatória, senão não advogam, da OAB; enfim, os partidos têm contribuição compulsória também, Fundo Partidário e Fundo Eleitoral; e por que que a gente não pode caminhar para achar uma saída? Não estou aqui dizendo que esta Comissão já tem esta ou aquela posição, porque a posição vai ser da Comissão e eu vou presidir para achar uma saída também para essa questão.
Olhem, o ofício que saiu ontem, então, sepultou definitivamente a medida provisória que dourava a pílula. Alguma coisinha tinha, não era pior do que aquilo que eles fizeram. Então, o Rodrigo Maia diz o seguinte: Comunico que, em virtude das decisões proferidas pela Presidência Câmara dos Deputados, mediante a questão de ordem número tal, o termo final para o recebimento da MP 808, de 2017, pela Câmara dos Deputados, é o dia 3 de abril.
Então, acabou, não foi votada, não existe nada. Ele está comunicando a uma questão de ordem que acabou a história e não há mais medida provisória, até porque teria que ser votada na Comissão e seria votada também nas duas Casas. Vai-se votar quando? Nunca, não é? O prazo termina exatamente hoje. Então, acabou a medida provisória.
Aí, a nossa responsabilidade aumenta cada vez mais pela importância de construirmos esse Estatuto do Trabalho que represente a média de pensamento da sociedade, claro, atualizando a própria antiga CLT na realidade de hoje, e isso vocês estão fazendo muito bem.
A nossa intenção vai ser durante o mês de maio, porque nem vai dar tempo para exatamente no dia 1º de maio nós divulgarmos. Mas, durante o mês de maio, nós faremos aqui uma audiência - e queria conversar com vocês - para, nesse dia, com a presença aqui de todos aqueles que participaram da elaboração, a gente apresentar a primeira versão, ainda deixando claro, primeira versão pronta para o debate com a sociedade. Tudo aquilo que a sociedade entender, pela importância do tema... Porque nós não somos inocentes nesse processo, nós sabemos muito bem que essa proposta do novo Estatuto do Trabalho que vai, eu diria, recuperar grande parte de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade não será aprovado este ano. A intenção nossa é, depois de ouvir todos exaustivamente, fazer com que ele seja aprovado de forma tal que, no ano que vem, porque neste Congresso não passa... Mas é questão tática, porque toda luta tem que ter tática e estratégia. Sabemos que neste Congresso não passa, mas temos esperança de que no outro, e com outro Presidente, comprometido com o povo brasileiro, a gente possa, então, mudar os rumos dos direitos dos trabalhadores naquela linha de que eu gosto muito, e repito algumas vezes, do poeta espanhol que disse que o caminho a gente faz, mas caminhando juntos e fazendo o bem sem olhar a quem.
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Com essa pequena introdução, eu, de imediato, passo a palavra para o Dr. Guilherme. Sei que V. Sª está com problema de agenda também. Então, neste momento, fala o Presidente da Anamatra, Dr. Guilherme Guimarães Feliciano.
Cada um terá dez minutos, mas saibam que eu sempre dou mais cinco. Então, o limite é de quinze minutos, e, se for necessário um ou outro minuto a mais, a gente também vai conceder. A importância desse tema faz com que a Presidência seja tolerante.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Um bom-dia a todos.
Quero inicialmente agradecer o Senador Paulo Paim por mais esse convite.
A Anamatra tem participado ativamente dessas discussões sobre o Estatuto do Trabalho, até porque temos a convicção, Senador Paim, como V. Exª disse, de que esse texto precisa estar construído, talvez não para esta legislatura, mas para a próxima ou ainda para a que virá subsequentemente, mas o texto precisa estar devidamente construído, debatido e, inclusive, apalavrado entre as forças políticas que evidentemente advogam um direito do trabalho que seja consentâneo com a sua origem, com a sua genética.
O Direito do Trabalho nasce na virada do século XVIII para o século XIX com uma específica função: proteger a pessoa humana em um contexto de assimetria econômica que a subalterniza do ponto de vista jurídico. É isso. Foi o primeiro ramo jurídico a, exatamente, descobrir que a igualdade formal tão pregada pelos liberais não resolvia a questão do contrato quando eu tinha polos economicamente assimétricos. Isso é um mecanismo que outros ramos jurídicos terminaram por reproduzir. O próprio Direito do Consumidor funciona exatamente na mesma perspectiva. A legislação confere uma série de proteções específicas ao consumidor na perspectiva de que idealmente ele, consumidor, é o hipossuficiente econômico, e, curiosamente, ninguém disse que a legislação consumerista é paternalista ou seja lá o que for, o que sempre me faz lembrar uma advertência de um filósofo francês no sentido de que, no final do século XX, nós percebemos que o eixo de sentido da sociedade deixou de ser o trabalho e passou a ser o consumo.
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Portanto, a tutela do trabalhador tornou-se desimportante, tornou-se obsoleta ou, nesse discurso, tornou-se antiquada, e a tutela do consumidor, exatamente na mesma perspectiva de uma assimetria econômica que subalterniza um dos polos do contrato, essa é contemporânea, é moderna, precisa ser exatamente estimulada.
Nós precisamos ter a tutela do consumidor e precisamos ter a tutela do trabalhador. Isso não pode ser esquecido. A primeira lei trabalhista que todos os manuais citam, que é o Peel's Act, veio exatamente para proteger o trabalhador em um contexto no qual a maneira como se contratava o trabalho era sem peias, sem proteções quaisquer, numa situação de subalternização do trabalhador, quando nós tínhamos fora das fábricas exércitos de reserva e, dentro das fábricas, um empregador disposto a sempre achatar mais os ganhos do trabalhador, desde que isso equalizasse a sua margem de lucro. É exatamente nesse momento que o direito vem, que o Estado intervém de fato para derrogar parcialmente a autonomia privada individual e dizer: "Alto lá! Nem tudo pode ser consentido, porque há limites que dizem respeito à dignidade da pessoa."
Então, nem tudo está de fato à escolha do trabalhador, na medida em que a sua escolha não é livre porque ele sofre coerção econômica. Então, o Peel's Act veio dizer, pela primeira vez, que deveria haver um limite de jornada para o trabalho, veio dizer, pela primeira vez, que deveria haver uma idade mínima para o trabalho, veio dizer, pela primeira vez, que naquelas fábricas têxteis em que a produção era explorada sem nenhum cuidado com a saúde e segurança do trabalhador, havia que se abrir ventilação, janelas. Não falava em horas extras, não falava em salário mínimo, vinha tutelar basicamente a dignidade da pessoa, em um contexto no qual o ser humano vinha sendo transformado em instrumento, em mercadoria - e eu gosto de sempre dizer isso a alguns interlocutores que muitas vezes criticam a Anamatra por supostamente ter uma visão, digamos, mais à esquerda. Isso que eu acabei de dizer é a mais óbvia das máximas liberais, que está lá em Immanuel Kant: o homem é um fim em si mesmo, e não é instrumento de coisa alguma. E é isso que depois aparece no preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho: o homem não pode ser mercadoria de comércio. E, curiosamente, a colonização dessas ideias é tão forte, que nós falaremos em recursos humanos, nós falaremos em mercado de trabalho, mesmo partindo da premissa de que o homem não é mercadoria. Então, é importante lutar contra essa colonização de ideias e trazer o contraponto, mesmo que o amadurecimento leve um certo tempo e o Parlamento só venha a reconhecer os méritos desse contraponto no futuro; mas nós teremos feito nosso papel, e V. Exª estará à frente disso com certeza, e a história fará justiça a isso.
Nós estamos dando a nossa contribuição. Evidentemente, o tema da inspeção do trabalho deve ser sobretudo explorado pelo meu querido amigo Carlos. Esta é exatamente a razão de existir do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, discutir a própria função social das auditorias do trabalho.
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Mas eu me permito trazer aqui, Senador, algumas sugestões que a Anamatra já havia apresentado a V. Exª. V. Exª chegou a trazê-las ao Senado como projeto de lei (era, originalmente, o Projeto de Lei 200); depois, a Anamatra conversou com o Sinait, nós fizemos alguns ajustes, e V. Exª reapresentou esse projeto de lei (atualmente, é o PLS 220, de 2014); e essas mesmas ideias nós apresentamos à sua assessoria. Porque nos parece que o capítulo da OIT que exatamente trata da fiscalização do trabalho e...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me...
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Grande parte dessa contribuição de ambas as entidades está contemplada naquele voto que eu dei, em que ganhamos na Comissão de Assuntos Sociais, por um voto, mas perdemos no plenário...
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Perfeitamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... em relação à reforma trabalhista.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Perfeitamente.
Aliás, Senador, permita-me, então, dizer isso com muita sinceridade em relação ao PLS 220. V. Exª apresentou um projeto primoroso, que foi encaminhado, se não me engano, à CAS...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foi.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - A relatoria coube ao seu companheiro de partido, o Senador Pimentel. E o voto, Senador, permita-me dizer, ficou terrível.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Depois, conversamos com ele, e ele...
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Precisamos disso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... retirou. E vamos conversar novamente com ele.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Precisamos disso. Praticamente tudo em que se havia avançado retrocedeu.
Eu já disse isso ao Senador Pimentel...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu tive uma boa conversa com ele. Ele refletiu muito sobre o que você argumentou e colocou-se à disposição para debater o tema com a profundidade que ele exige, porque estamos tratando de vidas.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Fico muito feliz. É esse o ponto. Eu acho que, de tudo que há no direito do trabalho, o que mais diretamente diz com a vida do trabalhador, a sua integridade psicossomática, é exatamente a questão de saúde e segurança no trabalho, o que é, no mais das vezes, o objeto imediato da fiscalização do trabalho, aquilo que primeiro chama a atenção do auditor. Tanto o é que nós temos exatamente o art. 161, permitindo que, nessas situações de risco iminente, haja ali uma imediata interdição do estabelecimento, do setor de serviços, de máquina ou equipamento.
Então, o que nós propusemos nessa ocasião e estamos propondo novamente? Eu vou tentar resumir, porque são várias ideias. A ideia fundamental: lamentavelmente, no direito do trabalho, a questão de saúde e segurança do trabalho não é percebida no contexto em que ela de fato está inserida constitucionalmente. Saúde e segurança do trabalho hoje na Constituição aparecem no art. 200, inciso VIII, na referência ao Sistema Único de Saúde e aos cuidados que as respectivas políticas públicas devem ter com o chamado meio ambiente do trabalho. Portanto, no contexto constitucional brasileiro, o meio ambiente do trabalho é uma dimensão do meio ambiente humano. Meio Ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural (art. 216 da Constituição), e meio ambiente do trabalho. Portanto, toda a lógica que informa o direito ambiental precisa, necessariamente, informar a discussão das questões atinentes a saúde e segurança do trabalho.
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E por que isso é importante? Porque a realidade nos mostra que não é isso que efetivamente acontece.
Eu sou titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté. Nós tínhamos ali, ao menos antes da reforma trabalhista, uma demanda anual média de 2,5 mil a 3,5 mil processos novos por ano. E nós temos ali um grande parque industrial. A Autolatina, originalmente, formou-se ali. Ali há a Volks, a Ford. Ali nós temos Alstom, ali nós temos a própria Usiminas, enfim. E temos, até em função disso, uma boa percentagem da demanda relacionada a acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. E o que chega à 1ª Vara e à 2ª Vara do Trabalho, sistematicamente? Ações que pedem indenizações. O trabalhador já se feriu, já se acidentou, já adoeceu. Então, ele vem, individualmente, pedir uma reparação. Não é que não lhe seja devida! Evidentemente, ela lhe é devida! Mas, se estou falando na integridade da pessoa, a primeira preocupação tem de ser a de prevenir. E as ações judiciais que têm a possibilidade de prevenir o dano são raras, mesmo na minha jurisdição.
Aqui, tenho de dizer também, com todas as letras, que quem representa um diferencial a esse respeito é o Ministério Público do Trabalho, que, geralmente, maneja estes instrumentos processuais com caráter preventivo: ações civis públicas, ações inibitórias, ações de remoção de ilícito, ações cautelares. Mas os próprios sindicatos profissionais, muitas vezes, preferem ingressar com uma ação civil coletiva, reclamando, por exemplo, o pagamento do Adicional de Insalubridade a todos os trabalhadores naquele setor da empresa, a entrar com uma ação de remoção do ilícito para, simplesmente, neutralizar a fonte de insalubridade. A perspectiva monetarista, a perspectiva patrimonial, muitas vezes, prevalece sobre a perspectiva humanista, a perspectiva de preservar a pessoa.
Então, nós trazemos para a lógica da saúde e segurança no trabalho a perspectiva do Direito Ambiental. E é isto que nós propusemos, Senador Paim, como modificações ao que seria hoje o art. 161 da CLT. No PLS 220, seria o art. 161-B, mas, como o Estatuto do Trabalho é algo novo, aí vamos ver exatamente ali em que ponto isso pode ser inserido. Obviamente, essa é a nossa proposta, abrindo-se um título para tratar disto: meio ambiente de trabalho.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Vejam: até nesse aspecto, o primo pobre do Direito, como nós brincamos, o Direito do Trabalho foi discriminado. Nós temos no Brasil uma lei muito moderna sobre tutela ambiental, que é a Lei 9.605, de 1998, a Lei dos Crimes Ambientais, que trata basicamente da repressão, que não trata da prevenção. Mas, tratando da repressão, avançou muito, chegou a prever responsabilidade penal de pessoa jurídica, que era um tabu no Direito brasileiro e que está lá positivado.
Ali nós temos, na parte especial - vejam vocês! -, os crimes contra a fauna e a flora; os crimes de poluição, portanto, no meio ambiente natural; os crimes contra o ordenamento urbano - pichação e grafitagem, hoje, são crimes ambientais, poluição visual no meio ambiente artificial urbano -; os crimes contra o patrimônio cultural brasileiro, contra o meio ambiente cultural, mas não há um tipo penal sequer, não há uma palavra sequer sobre o meio ambiente do trabalho. É como se o meio ambiente do trabalho não compusesse o meio ambiente humano.
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Então, a proposta qual é? Primeiro, integrar a ideia de saúde e segurança do trabalho inclusive para fins de inspeção, de fiscalização, na perspectiva ambiental. Nessa medida, eu passo a ter dois princípios primeiros de regência: prevenção, nos contextos em que há certeza científica, e precaução, nos contextos em que há incerteza científica.
Isso já é perfeitamente dominado entre os autores de direito ambiental. E como os juristas gostam de latinismo, a expressão que se usa é: in dubio pro natura. Se há dúvidas de que aquela atividade é ou não impactante para o meio ambiente, se há laudos em um sentido ou outro, na dúvida, promove-se o controle.
Ora, se eu estou falando do meio ambiente do trabalho e se eu estou falando da pessoa humana, este in dubio pro natura passa a ser in dubio pro homine. Na dúvida, eu preservo a pessoa, eu interrompo a atividade econômica, mas preservo a pessoa, em sede cautelar, em sede inibitória.
E vejam discussões que nós tivemos recentemente, por exemplo sobre a questão do amianto, que felizmente o Supremo Tribunal Federal acabou entendendo da maneira como a Anamatra e a ANPT compreendiam ser a melhor visão, mas no voto original do Relator e na própria discussão nas audiências públicas se apresentava a dúvida: será que o amianto crisotila pode ser utilizado com segurança? E era isso que se propunha. Vamos então manter a indústria para determinada modalidade de amianto. E aí havia a dúvida científica por assim dizer. Eu não tenho dúvidas, mas, enfim, havia laudos dizendo da possibilidade do manejo seguro.
Vejam, se nós tivéssemos para a questão uma ótica ambiental, a solução jurídica estaria dada. Há dúvidas, há incerteza científica, pois bem, in dubio pro homine. Interrompe-se cautelarmente a produção até que se defina qual é a verdade científica a respeito. E não foi isso que houve.
Então, estamos propondo a integração desses princípios da prevenção e da precaução no contexto da saúde e segurança do trabalho; estamos propondo aqui a positivação da responsabilidade civil objetiva do empregador quando infelizmente essas cautelas preventivas e precaucionais não bastarem, e aí haverá o dano.
E também tenho dito, insistentemente, porque quando mais raramente falamos a respeito disso com os sindicatos patronais sempre nos é dito o seguinte: "Mas se eventualmente aquele empresário observou todas as NRs, se ele estava absolutamente bem-intencionado, se ele efetivamente teria impedido aquele resultado danoso, se pudesse..." E o que eu tenho respondido é: "A questão exatamente é essa, porque a responsabilidade tem de ser objetiva e, na minha visão, já é, art. 14, parágrafo único, da Lei 6.938, de 1981, que para mim é a regência nos casos de danos que decorrem em razão de desequilíbrio no meio ambiente de trabalho."
A nossa proposta é inserir isso no texto do Código do Trabalho.
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(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - E, aí, quando esta responsabilidade passa a ser objetiva, ela decorre do risco; não decorre da culpa. Portanto, eu não estou dizendo que aquele empregador é um vilão, que aquele empregador é um malfeitor, porque simplesmente para esta discussão isso não importa; o que importa é que ele cria um risco para, por meio deste risco, gerar riquezas. Isso é perfeitamente adequado, estamos em um sistema capitalista de produção, só que, como deste risco criado advém um bônus, advirá também um ônus, ou seja, se desse risco sobrevier dano ao trabalhador, a indenização será objetiva, independentemente de culpa.
Eu não estou dizendo, insisto, que aquele empregador é vilão, é malfeitor; estou apenas dizendo que isso é uma consequência natural da atividade que ele cria. E aí, se houve dolo, se houve, de fato, um mau comportamento censurável do ponto de vista social, aí vamos para a parte criminal.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - E isso estamos propondo também. Já que a Lei 9.605 se esqueceu do meio ambiente do trabalho, estamos propondo que se equipare ao crime de poluição, que está lá na Lei 9.605, é o art. 54, aquela conduta em que, de modo doloso ou culposo, degrada-se o meio ambiente do trabalho, criando-se riscos proibidos ou agravando riscos inerentes à atividade em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde fisiológica ou psicológica de um ou mais trabalhadores. É, portanto, um crime de perigo concreto ou um crime de dano. E não estamos falando em punitivismo nem em pálio de repressão, mas estamos falando em dar um tratamento penal similar àquele que existe para as outras dimensões do meio ambiente.
E, por fim, porque o meu tempo já se foi, Senador - muito obrigado pela paciência -, estamos propondo também a alteração do que hoje é o art. 161, para inserir ali obviamente a figura do juízo, que já nos parece ser perfeitamente possível. Mas é importante registrar que, em alguns casos, se administrativamente não se obtiver desde logo a interdição da máquina do estabelecimento da cessão, isto vá de imediato para o juiz. E o que estamos propondo é que, nesta circunstância, havendo indícios daquele risco grave ou iminente, inverte-se o ônus da prova. Caberá, em uma audiência de justificação, por exemplo, eventualmente à empresa demonstrar que, de fato, não há aquele risco. Não havendo esta prova, o juiz desde logo interditará, e, se houver verossimilhança, evidentemente, sequer haverá audiência de justificação, o juiz desde logo defere a liminar na linha do in dubio pro homine. Haverá algum prejuízo? Haverá, mas na dúvida eu preservo a vida e a integridade das pessoas.
E, nesse contexto, também estamos propondo que, no campo administrativo,...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - ...não seja apenas o antigo delegado regional, agora o superintendente, aquele a poder efetivamente decretar, decidir esta interdição de estabelecimento, mas que qualquer auditor-fiscal do trabalho possa fazê-lo, como é o que decorre, a nosso ver, do Texto Constitucional.
Muito obrigado, Senador.
Conte conosco para essa discussão e vamos adiante! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), pela exposição que fez.
Eu já deixo aqui três perguntas que chegaram. Se alguém quiser responder ao longo da sua fala, pode fazê-lo.
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Pergunta ao MPT, de Abel Ferreira, de Goiás: "Como solucionar a situação de um empregador que é fiscalizado pela inspeção do trabalho, ao mesmo tempo em que é investigado pelo MPT? Ocorrência de ato de infração, mesmo havendo TAC?". Quem quiser, ao longo, responde.
Uma pergunta para Anamatra: "O tema inspeção do trabalho não deveria constar no programa para o concurso de juiz do trabalho?"
Pergunta para o Sinait: "O que achou do Código de Ética elaborado pela Associação Internacional da Inspeção do Trabalho? E se é filiado a essa associação".
As perguntas ficam; quem quiser respondê-las fique à vontade.
De imediato, passamos a palavra, agora, para o Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Dr. Carlos Fernando da Silva Filho.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Bom dia a todos.
Quero cumprimentar meus colegas de Mesa em nome do nosso guerreiro, Senador Paulo Paim, em nome de quem cumprimento todos os Parlamentares, especialmente o senhor, pela luta que tem travado, dentro da Comissão de Direitos Humanos, para que tentemos resgatar aquilo que temos esperança de resgatar que é o direito dos trabalhadores, o direito do nosso povo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, sem querer trocar aqui "rasgação" de seda, mas foi fundamental, Carlos, as posições tanto sua como da entidade, naturalmente, e de todas as entidades, mas você como tratava dessa questão, quando nós conseguimos fazer com que eles revissem e quase que revogassem aquela portaria que regulamentava o trabalho escravo. Ou seja, iria permitir que o trabalho escravo acontecesse. E o seu papel foi fundamental, bem como do Sinait e das outras entidades. Mas me lembrei agora, na sua fala.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - A Portaria nº 1.129, não é, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aquela dançou, graças a Deus.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - É verdade. Aquela portaria de fato foi uma tragédia e nós não poderíamos agir de outra forma. E agimos da maneira como agimos. E com a ajuda de Parlamentares e de outras entidades - Parlamentares como o senhor - nós conseguimos derrubar aquela portaria.
Logo mais eu comento a pergunta do Abel.
Quero cumprimentar - antes não posso me esquecer de fazê-lo - especialmente os meus colegas auditores fiscais do trabalho aqui presentes, os que não estão presentes, os que estão nos assistindo. E mais especialmente ainda os que integram a comissão do Estatuto do Trabalho, que estão se dedicando ao máximo para entregar o melhor que esse grupo que representa todos os auditores fiscais do trabalho pode entregar. Nós acreditamos nesse trabalho, temos grandes expectativas em relação ao que ele promoverá de debates ricos, importantes e necessários, alinhados com o que a gente pensa que é o certo, que é a defesa constitucional dos nossos direitos.
Pois bem, como bem falou o Dr. Guilherme - parabéns, Dr. Guilherme, por sua fala -, nós existimos para discutir... Você chama de federal de inspeção do trabalho. De fato. O Sinait inclusive, neste ano de 2018, completará 30 anos. O Sinait é o primeiro sindicato do servidor público registrado no País após a Constituição de 88. Nós nos orgulhamos disso. E essa luta de décadas tem sido realizada de maneira a explicar o que somos hoje, o tamanho do que somos hoje e para onde nós iremos. E essa luta toda sempre foi feita e tem sido feita de maneira muito crítica.
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O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho no Brasil. Nós, no Brasil, temos uma denominação própria, particular, de auditoria-fiscal do trabalho, que, no mundo inteiro, é conhecida como inspeção do trabalho, propriamente, pelas características funcionais que a Auditoria-Fiscal do Trabalho, os inspetores do trabalho - os auditores de hoje já tiveram a denominação de inspetores do trabalho e outras - foram adquirindo ao longo dessa caminhada, digamos, de fortalecimento e força, assim como aumento do seu tamanho, do seu alcance.
Hoje, somos um grupo de aproximadamente 2,3 mil de auditores-fiscais do trabalho. Esse é o pior quadro dos últimos 20 anos. Temos uma avaliação realizada em estudo recente do Ipea que sinaliza para uma necessidade, dadas as características do mundo do trabalho no Brasil hoje, de oito mil auditores-fiscais do trabalho para dar conta de toda essa demanda complexa que acompanha também o surgimento de novas modalidades de exploração e de utilização da mão de obra no mundo. E no Brasil não seria diferente.
O nosso cargo é federal. Os auditores-fiscais do trabalho ocupam um cargo federal, cujo acesso se dá por um concurso dificílimo. O último concurso teve 50 mil candidatos para 100 vagas. Digo tudo isso para deixar muito claro que nós representamos, sem nenhuma dúvida, um seleto grupo de autoridades que representa o Estado brasileiro, compromissado com a lei, a partir do ingresso no quadro, para respeitar a legislação vigente, obviamente dirigida à sua finalidade.
O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho existe com a finalidade de assegurar a aplicação das leis, incluindo as convenções internacionais, os atos e todas as decisões tomadas no âmbito da inspeção do trabalho de normatização do País, para que tenhamos, de fato, cumpridos e aplicados os conceitos e os direitos constitucionalmente definidos no âmbito do trabalho. Essa é a finalidade do Sistema de Inspeção do Trabalho, representada, na sua execução, pelo quadro de inspetores do trabalho, de auditores-fiscais do trabalho no Brasil.
Nós estamos organizados dentro da estrutura do Ministério do Trabalho, e existe, nessa estrutura, uma coisa curiosa: nós existimos muito antes, mas muito antes mesmo do próprio Ministério do Trabalho. Nós nascemos em 1891 no Brasil, pelo Decreto 1.313, de 17 de janeiro. Em janeiro, completamos 127 anos de existência, e o Ministério do Trabalho existe desde 1930. Nós somos apenas, digamos, um pouco mais novos do que a inspeção do trabalho mais antiga no mundo, que é a da Inglaterra, que é uns 30 anos mais antiga que a nossa inspeção.
Mesmo depois da criação da Inspeção do Trabalho no Brasil, em 1891, a gente evoluiu com a criação de outras instâncias nacionais preocupadas com a inspeção do trabalho - como o Departamento Nacional do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho - antes da criação propriamente dita do Ministério do Trabalho.
Eu digo para fazer um registro: nós temos historicamente alguns conflitos com os Ministros do Trabalho, talvez por essa questão histórica. Nós já estávamos ali quando o Ministério do Trabalho surgiu e nós já tínhamos uma missão internacionalmente consolidada, que avançou para uma ampliação, digamos, de países com inspeções do trabalho instaladas desde a criação da OIT, em 1919.
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Até então, algumas nações mais avançadas, como a Alemanha e a França, tinham as suas inspeções, mas somente após o fim da Primeira Guerra Mundial é que as inspeções se espalharam pelo mundo.
E nós já tínhamos uma história construída quando da aprovação, pela OIT, da Convenção Internacional nº 81, da OIT, que o Brasil ratificou em 1957. Então, nós ratificamos o compromisso de manter um serviço de inspeção do trabalho em 1957. Essa Convenção, no entanto, ficou um tempo denunciada em razão do período da ditadura militar, depois que um auditor-fiscal do trabalho denunciou o seu descumprimento nesse período. O Brasil, então, decidiu revogá-la publicando um outro decreto. E, depois, apenas em 1987... De 1971 a 1987, nós não estávamos sob a égide da Convenção nº 81 sobre inspeção do trabalho.
Então, nós, que temos entre as nossas finalidades precípuas a de assegurar o cumprimento da legislação trabalhista, incluindo os acordos e as convenções coletivas e incluindo todo o arcabouço jurídico, todo o ordenamento jurídico, vivemos esse conflito interno de estrutura. E digo de estrutura porque o acesso ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho não é político. O acesso ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho se dá por meio do provimento de um cargo público. Todos os cargos integrantes do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, que estão descritos e definidos no decreto que estabeleceu o Regulamento da Inspeção do Trabalho, que existe desde 1965, inspirado na Convenção nº 81 da OIT, revisto em 2002, são designados aos Auditores Fiscais do Trabalho, exatamente para garantir a independência necessária para agir independentemente dos interesses políticos que estão sendo ali combatidos eventualmente.
Então, nós temos uma estrutura conflitante dentro do Ministério do Trabalho. Por quê? Porque os Ministros insistem em querer mandar nos Auditores Fiscais do Trabalho, e os Auditores Fiscais do Trabalho, obviamente, não baixam a cabeça, porque, se o fizessem, estariam abrindo mão de suas prerrogativas e de suas obrigações legais e constitucionais.
Isso, sem dúvida...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... Senador, se reflete nos Estados. Nos Estados, o acesso ao cargo de superintendente não se dá por concurso, não é exclusivo de ocupante de carreira de Estado e não é, portanto, blindado de interesses puramente políticos. E falo "puramente políticos" porque não é possível se pensar em uma atuação puramente técnica - e ela também tem política envolvida, porque política é tudo -, mas, na atuação para a preservação dos direitos sociais e constitucionais, na consecução dos objetivos da inspeção do trabalho, nós temos de ter, precipuamente, as designações de caráter técnico para que esses objetivos sejam alcançados.
E, aí, nós vivemos o conflito mais evidente da inspeção do trabalho, dentro do nosso Sistema Federal de Inspeção do Trabalho - algo que é um problema para muitas nações -, que é a inexistência da autonomia: autonomia do sistema federal, autonomia da autoridade central. Nós temos uma autoridade central na inspeção do trabalho que não pode tomar a benção do Ministro do Trabalho - e jamais fará isso! Essa autoridade é a atual Secretária de Inspeção do Trabalho, com uma secretaria que tem uma designação absurdamente, hoje, política, porque é uma decisão do Ministro. Então, o Ministro decide os acessos aos cargos do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho em relação ao qual ele não tem absolutamente nenhuma ingerência, não pode tê-la, apesar de historicamente querer ter.
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Nós, em razão disso, atuamos ao longo de todo esse tempo para garantir essa autonomia. A gente fez isso de várias formas, Senador e colegas que nos ouvem.
Na discussão oportunizada pela criação da Super-Receita foi aberto um espaço que foi a junção da fiscalização da Receita com a da Previdência. Vimos ali um espaço para estabelecermos na lei a obrigação da criação de uma lei orgânica do Fisco, uma lei orgânica que estabelece garantias, prerrogativas, um ambiente com menores frestas, para que essas iniciativas de caráter puramente político não pudessem chegar aos seus objetivos. Isso está na lei desde março de 2007, quando foi publicada e sancionada a Lei 11.457, com prazo de um ano para ser apresentado projeto pelo Poder Executivo e até hoje não o foi. Nós lutamos por todo esse tempo para que isso avançasse e isso não avançou. Lutamos em outras frentes, unindo-nos a outras fiscalizações que também sofrem esse tipo de interferência política, como é o caso das administrações tributárias nos Estados e Municípios. Construímos uma PEC, a PEC 186, para conferir algumas garantias e proteções por meio de uma lei orgânica insculpida agora na Constituição por meio de uma lei complementar, para que nós pudéssemos fechar um pouco essas frestas.
Esse texto está pronto para votação. Essa PEC foi apresentada 11 anos atrás e também não avança. Nós conseguimos, mais recentemente, definir no texto da lei, por meio do texto aprovado pelo Relator, texto do Relator da MP 765, de 2016. Essa MP reestruturou a nossa carreira e outras e nós conseguimos convencer todos da importância de se estabelecer na lei o acesso ao cargo de secretário de inspeção do trabalho e de todos os envolvidos no planejamento da inspeção do trabalho, na sua realização, na sua organização, ser exclusivo de auditor-fiscal do trabalho, porque absurdamente isso não está ano texto da lei. Hoje, nós aprovamos esse texto e o Presidente da República vetou.
Nós temos, sem dúvida nenhuma, uma construção louvável, uma construção que nos orgulha por termos... Apesar de todas as dificuldades institucionais...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ...e todos os conflitos de natureza política instalados dentro do Ministério do Trabalho, nós conseguimos avançar para sermos hoje um parâmetro internacional. A inspeção do trabalho no Brasil é referência no mundo inteiro. Nós temos uma atuação protagonista no seio da comunidade ibero-americana por meio da Confederação Ibero-Americana de Inspeção do Trabalho. Hoje, essa confederação tem o Brasil na sua Vice-Presidência e terá a Presidência, certamente, logo mais, em maio, pois somos candidatos, teremos eleições.
Lá estão agregados para discutir a inspeção do trabalho no mundo e iniciativas de apoio: o Uruguai, o Peru, nós temos a Colômbia chegando, Espanha, Portugal chegando também, a República Dominicana integra, Costa Rica vai integrar... Nós temos grandes expectativas de avançar com essas discussões porque acreditamos nessas discussões.
Nós temos orgulho de dizer a todos que nestes, pelo menos, últimos cinco anos, a inspeção do trabalho entregou muita coisa aos trabalhadores e a esta Nação. Nós fiscalizamos quase três milhões de empresas nos últimos cinco anos; nós formalizamos mais de 1,5 milhão de vínculos, fazendo uma média de 300 mil formalizações de vínculos por ano; nós alcançamos, anualmente, no mínimo, 21 milhões de trabalhadores; nós realizamos, no mínimo, todos os anos, seis mil embargos e interdições; nós resgatamos, ao longo de todo o combate ao trabalho escravo em todo o País, mais de 52 mil trabalhadores explorados na condição análoga à de escravo nos mais de 23 anos, ou quase 23 anos de ação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Daí nós chegamos a uma conclusão evidente a que todos chegam rápido: nós incomodamos poderosos políticos, economicamente, neste País, haja vista a situação da Chacina de Unaí, que tem...
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(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ...condenados em segunda instância soltos.
Nós estamos, de fato, diante de uma situação que traz ao nosso discurso, em todas as oportunidades, a sinalização da importância de todas as instituições, de todas elas, e nós contamos com isso. E eu reforço o nosso reiterado pedido de apoio das instituições e das entidades de classe, especialmente as do mundo do trabalho, que apoiem a blindagem da Inspeção do Trabalho, por quê? A despeito de haver dificuldades no Poder Judiciário do Trabalho, a despeito de haver dificuldades no Ministério Público do Trabalho, tenho certeza de que as da Inspeção do Trabalho são infinitamente maiores dado o poder em que estamos inseridos. Nós não temos sequer - esse, por exemplo, é um dos casos que nós utilizamos para provar quão frágil é o nosso sistema, desprotegido pela lei - proteção do nosso orçamento.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - O Ministro, no ano passado, decidiu cortar 70% do orçamento da Inspeção. Parou a fiscalização do trabalho escravo em julho e agosto. Parou. Basta cortar o dinheiro, acaba, não tem fiscalização.
Denunciamos isso à OIT no ano passado. No ano anterior, nós levamos à OIT o caso absurdo de as superintendências regionais do trabalho de 12 Estados estarem com suas sedes interditadas por não haver condições seguras de habitação daquele espaço. Isso para demonstrar o descaso com as condições de trabalho.
Mas não para por aí. A Chacina de Unaí revela claramente a precariedade das nossas condições de trabalho, que não garantem sequer segurança a nós. Em maio de 2016, nós tivemos uma quase segunda Chacina de Unaí em São Félix do Xingu. Em maio de 2016, uma nova equipe da Móvel nacional foi recebida à bala. Fizemos uma audiência aqui, mais uma vez aqui, sob a batuta do Senador Paulo Paim. Fizemos uma audiência pública aqui para denunciar o descaso...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Estou já encaminhando para o fim.
Fizemos uma audiência pública aqui para denunciar o descaso com segurança dos auditores da equipe do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Levamos isso à OIT. Denunciamos isso à OIT.
Eu falei de orçamento. Se não tem orçamento, não tem inspeção, não tem nada. Nenhuma política pública se executa sem orçamento. Se não tem condição de trabalho, também não. Nada se consegue executar sem as condições necessárias para isso.
Mas não para por aí. Nós também não temos gente. Nós temos hoje um quadro que representa... Nós temos um terço do quadro da Inspeção do Trabalho vago. Não há sistema federal de inspeção que se sustente de maneira a dar efetividade às suas finalidades, a entregar isso ao povo sem ter esses três elementos. E esses três elementos estão atingidos na sua essência e foram objeto de denúncia pública do nosso sindicato, do Sinait, à OIT e a todas as instâncias de autoridade competentes, inclusive com ações judiciais ajuizadas para garantir...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ...esses elementos minimamente.
Bem, eu estou apenas relatando todas as dificuldades e apontando as saídas, que passam necessariamente pela determinação em lei da autonomia da Inspeção do Trabalho para que nós sejamos cada vez menos sensíveis aos conflitos reiterados que ocorrem na esfera política.
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Nós temos a importância do reconhecimento por todas as demais autoridades da necessidade de proteção da nossa atuação. E eu falo isso para verdadeiramente concluir, dizendo o seguinte: é muito tentador invadir a competência dos auditores-fiscais do trabalho. Por que é muito tentador? Por que nós temos muitas outras "autoridades" adentrando o ambiente de trabalho, seja qual for o motivo. E com esse motivo, têm buscado alcançar os objetos exclusivos da inspeção do trabalho. Isso tem enfraquecido a inspeção do trabalho, e absurdamente com um argumento que é muito raso, aquele que diz assim: "Nós não temos auditores para chegar a todos os lugares, nós precisamos chegar aos lugares; não importa quem, nós precisamos chegar ao trabalhador que precisa." E aí eu sempre tenho dito assim: "Pois bem, quando você chegar, você que diz isso, a um hospital precisando de uma cirurgia e não houver médico lá, eu vou te perguntar se você aceita, na inexistência de um médico, ser operado por um auxiliar de enfermagem."
É absurdo creditar a essa situação deliberada do Governo de estrangular a inspeção do trabalho, por três vias que são realmente para levá-la ao fundo do poço, e, com isso, justificar a atuação de outras autoridades, que se põem como autoridades sem as garantias de acesso, sem as preocupações como as que relatei aqui por toda a minha fala, de impedir as interferências políticas, de blindar a atuação sem a reiterada posição que nós, historicamente, assumimos, de conflitos internos para impedir a manipulação política da atuação na cobrança do cumprimento da legislação. É também uma outra forma de chegar a esse objetivo, dividir a atuação da representação do Estado para a exigência do cumprimento da legislação trabalhista. E eu falei isso para pedir apoio, ajuda...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... a todas as instituições que se preocupam com as finalidades das instituições que estão dedicadas à proteção, às tutelas no mundo do trabalho. Nós, da inspeção do trabalho, pedimos ajuda a todos vocês.
E finalizo pedindo também aos Parlamentares que hoje, na apreciação do Congresso Nacional, ajudem-nos a derrubar o Veto 44. Afinal de contas, esse "sim" à derrubada do veto é um "sim" ao diálogo, é um "sim" à negociação. Nós lutamos para colocar na lei o direito de negociar, e o Governo não quer nos permitir negociar.
Eu falo mais nas minhas considerações finais. Obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Esse foi Carlos Fernando da Silva Filho, Presidente do Sinait, que faz uma série de denúncias, lembrando inclusive o assassinato de auditores do trabalho, e, ao mesmo tempo, demonstra aqui, como já aconteceu em outros momentos, que há um movimento para desestruturá-los: falta orçamento, falta gente, falta estrutura para fazerem as devidas fiscalizações. Meus parabéns pela resistência, coragem, e sempre atuando para que a inspeção aconteça dentro do possível e das limitações que o Governo impõe.
Por favor, Dr. Herbert Claros, membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular).
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Ele esteve comigo aqui ontem em um debate a que, infelizmente, o Governo não veio, mas os trabalhadores apresentaram suas reivindicações, e nós vamos remetê-las aos poderes constituídos.
O SR. HERBERT CLAROS - Um bom dia! Bom dia a todos; bom dia aos membros da Mesa.
Senador Paulo Paim, ontem, a gente esteve aqui para debater a Embraer em uma importante audiência pública. Já posso até cumprimentar o Senador, porque a audiência pública já cumpriu um papel importante, que eu denunciava ontem, que foi furar o bloqueio. Porque hoje a mídia teve que divulgar que houve uma audiência pública para discutir a Embraer. Como eu denunciei ontem na audiência, por se tratar de uma grande companhia, uma grande empresa nacional de capital internacional, o tema que é de grande importância para o País está tendo certo bloqueio na mídia. Então, já cumpriu pelo menos esse papel.
Hoje estou representando a CSP-Conlutas. Meu nome é Herbert, eu sou da Executiva Nacional da CSP-Conlutas, a Central Sindical e Popular do Brasil, sou metalúrgico de São José dos Campos, da Embraer, sou membro do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. A gente foi convidado para esta Mesa, não só aproveitando o momento, por já estar aqui ontem, mas também estendi a permanência em Brasília pela importância do tema.
Eu queria, inclusive, em nome da Central, aproveitar para agradecer às entidades presentes na Mesa e outras também que não estão que ajudam nesse processo, até pela proximidade de Brasília, por estarem próximas de onde as coisas estão andando por debaixo dos... por onde a gente não consegue ver lá das nossas bases. É graças a vocês, aos Parlamentares que de fato têm uma visão mais crítica sobre o tema e a essas organizações que a gente, nas nossas bases, acaba tomando conhecimento de absurdos, como foi, por exemplo, a própria questão relativa à mudança no tema em relação ao critério sobre trabalho escravo no Brasil, um absurdo que teve repercussão internacional e que, é óbvio, sem a fiscalização e o acompanhamento de vocês, a gente estaria aí... Somos sindicatos também, somos organizações, mas, pelo nosso trabalho cotidiano lá longe, ficamos muitas vezes afastados desse tema. Então, quero agradecer muito o papel de vocês e do Ministério Público em tudo isso.
Primeiramente, antes de tudo, a gente, como organização sindical, não poderia deixar de falar que hoje é uma honra, inclusive, dizer que nossos amigos trabalhadores e trabalhadoras franceses estão fazendo uma importante greve na França, tomando destaque aí na mídia internacional. Eu gostaria de aproveitar o espaço aqui para fazer uma saudação aos grevistas franceses, que estão lutando contra um plano econômico do Macron, muito parecido com uma reforma trabalhista, inclusive, que foi apresentada no Brasil. Nós da CSP-Conlutas estamos em contato, inclusive, com os sindicatos franceses, e quero aproveitar o espaço para apresentar nossa solidariedade internacional a essa greve. Com certeza, uma vitória dos trabalhadores franceses empolga os trabalhadores em nível internacional.
Sobre o tema em si da inspeção, quero começar saudando essa iniciativa do Estatuto do Trabalhador, a necessidade dessa proteção. E a gente começa dizendo de uma visão que a CSP-Conlutas tem. Nós fizemos até um seminário... Às vésperas da discussão toda da reforma trabalhista, a gente fez um seminário com outras entidades sindicais, inclusive, e um aspecto que na nossa opinião é muito importante é você delimitar, saber onde você está, qual é a situação em que você se encontra. E, na nossa visão, a situação em que a gente se encontra no Brasil hoje não é porque a reforma foi aprovada, mas é uma situação de que a gente vem de longo tempo. Nós vivemos em uma democracia, tudo bem, temos uma Constituição aprovada, mas o problema é que, dentro do local de trabalho, não vivemos uma democracia. Isso é importante ter claro. Seja no banco, seja numa fábrica, seja numa refinaria, seja numa escola, seja uma professora, a gente vive sob uma ditadura.
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O espaço... O que eu digo de espaço democrático, para poder andar, poder votar, poder dizer minha opinião, poder dizer opiniões absurdas... Inclusive, há manifestações reivindicando a volta da ditadura, na Paulista. Imaginem só uma manifestação em que se pede a ditadura! São as coisas loucas que acontecem! Esse tipo de coisa não existe dentro da fábrica, por qualquer motivo, porque até o trabalhador que defende demais o patrão, às vezes, também não é muito bem-visto, não!
Então, na verdade, o trabalhador não tem o direito de se manifestar por nada dentro do local de trabalho. O trabalhador, dentro do local de trabalho, tem de produzir; esse é o único direito dele. Se ele não produzir, como em qualquer ditadura, ele receberá uma resposta repressiva, que, no caso, dentro do local de trabalho, se reflete no emprego, no salário. O trabalhador vive do salário, isso é o que o leva...
Então, isso é muito importante. Por que é importante dizer isso? Porque os governos, nos sistemas capitalistas, estão a serviço de regulamentar isso. Então, quando nós falamos sobre a reforma trabalhista, sobre as leis trabalhistas, nós estamos falando da regulamentação da ditadura. Essa é a opinião da CSP-Conlutas. É a regulamentação da ditadura no local de trabalho! É dessa maneira que a gente vive.
Quanto a gente tem uma Mesa para discutir a inspeção do trabalho, nós estamos discutindo como amenizar esses efeitos. Então, aqui, independentemente de uma opinião ser mais à esquerda ou mais à direita, independentemente das opiniões postas aqui, todos aqui são heróis. Todos aí fora que defendem um mínimo de inspeção no local de trabalho são heróis. Estamos lutando nesse marco. Então, a gente tem essa visão. Essa visão é muito importante para dar a gravidade da situação, para as pessoas entenderem.
Nesse aspecto, discutir a situação atual, como quando o próprio Senador abriu a Mesa, em que estamos sob uma legislação trabalhista que nos remete... Não sei dizer se é... Se é pré-Getúlio, eu tenho certeza! Não sei se é antes disso! Mas que é pré-Getúlio nós temos certeza! Em pleno 2017, em pleno 2018, esse é um absurdo histórico! Não é o tema da reforma trabalhista, mas é um tema absurdo, e mais absurdo ainda é haver uma Câmara, uma Casa que teria de regulamentar itens básicos da Medida Provisória 808, e isso ter sido tratado como um tema menor. Então, isso deixa mais claro, inclusive, na nossa opinião política, que a presença majoritária nesta Casa, que teria de ser dos representantes do povo, não está a serviço do povo. É óbvio que está a serviço daqueles que têm de manter essa ditadura no local de trabalho, que são os patrões.
Então, fica bem mais clara, inclusive na figura do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a maneira como se trata essa medida. Nós da CSP-Conlutas queremos deixar este protesto aqui. Acho que esta audiência pública já é um protesto em relação ao fato de a Casa não ter encaminhado minimamente a discussão em torno de medidas minimamente protetivas em relação à questão...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Diga-se de passagem que havia mil emendas!
O SR. HERBERT CLAROS - Eram mil emendas!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Havia 979 emendas que nós queríamos debater, e eles se acovardaram até para o debate.
O SR. HERBERT CLAROS - Existem questões... Se a gente fosse fazer uma lista das questões necessárias... Mas a gente só gosta de falar de uma delas que é emblemática, que é o tema do trabalho insalubre para mulher grávida. A que ponto chegamos? Chegamos ao ponto onde a vida de uma criança... Inclusive, há aqueles que defendem a tese contrária ao aborto. Eu sou a favor de a mulher ter o direito ao aborto. Inclusive, há aqueles que defendem a vida, que são contra o aborto e que estão pregando que a mulher vá trabalhar, mesmo podendo sofrer um aborto no local de trabalho exposto a condições insalubres. A gente vê como até para esses... Isso mostra a hipocrisia nesse debate em relação ao aborto, pois, se para eles está garantido o capital, a minha opinião sobre o aborto é desnecessária.
Voltando ao tema, a gente quer frisar tudo isso e deixar bem claro que as questões de regulamentação em relação à inspeção, principalmente, são fundamentais do ponto de vista de inibir - há a questão do meio ambiente de trabalho, na qual já quero tocar -, principalmente, hoje, o fato lamentável referente à questão do trabalho escravo.
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Da mesma maneira, a gente vive uma herança, o racismo no Brasil tem uma herança maldita que a gente ainda carrega até hoje. Ontem o Senador inclusive, pela manhã, estava, numa mesa no plenário, falando sobre essa questão de um ato de racismo...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para reafirmar, depois eu desconto do seu tempo, uma menina negra foi escolhida numa cidade - inclusive que eu vou seguido lá, adoro aquela cidade, adoro o povo da cidade -, por unanimidade, para representar a cidade, a região norte, as praias, na disputa para Miss Rio Grande do Sul e depois para Miss Brasil. A partir do momento em que foi eleita, por unanimidade, naquela região toda, de que tenho orgulho de passar minhas férias lá, começou a receber pela internet todo tipo de... Nem vou repetir aqui, porque é um desrespeito até eu falar o que diziam e que dizem pela internet só porque ela é negra.
A que ponto chegamos! E vem de todo o Brasil. Enfim, a gente lamenta ter que registrar isso. São críticas desumanas. Onde está a visão humanitária, o respeito ao outro? E, como disse Martin Luther King, Nelson Mandela, Zumbi, enfim, é um absurdo você querer julgar o outro pela cor da pele. É um julgamento de beleza, ou de conduta, ou de ética, pela cor da pele. Tem que ser muito ignorante.
Por isso que eu digo que são fake news que covardemente se escondem atrás de um aparelhinho como esse e jogam ofensas sobre as pessoas. Fiz a crítica aqui de manhã, fiz à tarde na audiência com vocês, faço agora e já fiz no plenário. Digam o que disserem, ninguém vai me tirar dessa luta contra todo tipo de preconceito, seja contra a criança, contra o branco, contra o negro, contra o índio, contra a mulher. É uma luta que está no nosso sangue e, podem crer, cada vez que eu tiver a oportunidade aqui e alguém discriminar alguém, por qualquer motivo que for, terá em mim um adversário tenaz para lutar para que neste País ninguém mais seja discriminado por motivo algum.
O SR. HERBERT CLAROS - É uma luta importante que traz na nossa herança o sistema escravocrata. E eu quero fazer esse paralelo do mal que o racismo provoca e de onde ele vem, que é dessa herança escravocrata no nosso País, que é expressão também nos Estados Unidos, e isso também se expressa no local de trabalho. O patrão brasileiro, não vou falar do resto do mundo, traz consigo também a herança escravocrata. Não só o racismo, mas também traz a compreensão de que ele é dono do funcionário.
Eu sou representante do Sindicato dos Metalúrgicos, eu trabalho na Embraer, que é uma grande companhia. Dentro da Embraer a gente não vive isso tão de perto, porque o meu patrão, na verdade, é um acionista, não está na Embraer, são só os seus gerentes, os gerentes da fábrica. Mas em diversas fábricas pequenas, por exemplo, metalúrgicas que têm 10, 15 funcionários, 20 metalúrgicos na região de São José dos Campos, a gente vê casos absurdos, onde o patrão trata trabalhador com marmita, com comida estragada. E, se o trabalhador não comer, ele é - da mesma maneira que a gente vê em filmes da época escravocrata - xingado, humilhado: "Eu estou te dando essa comida, você tem..." Não é o trabalho, entende? Tudo isso é herança escravocrata e tem reflexo no mundo do trabalho, ainda mais na legislação atrasada que a gente está tendo agora.
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Então, esse elemento da fiscalização tem um aspecto fundamental, merece atenção, inclusive, não só a questão que é muito mais forte no campo, mas principalmente agora a do trabalho imigrante. Isso é uma nova realidade que é muito mais forte em nosso País hoje, tanto de imigrantes bolivianos, do Paraguai; agora estamos tendo muitos imigrantes da Venezuela, por conta de toda a crise que vive a Venezuela. A CSP Conlutas está à frente do Sindicato da Construção Civil de Roraima e já há casos de trabalho escravo, semiescravo de imigrantes venezuelanos na construção civil, na região de Roraima, em Boa Vista. Então, esse caso é muito importante.
E, também quanto ao aspecto do local de trabalho, sobre o tema que até o companheiro falou aqui agora antes de mim, em relação ao tema do local de trabalho, de fato, os mecanismos de fiscalização e inspeção estão cada vez mais precários. Um exemplo até concreto para falar sobre um caso de morte, em 2011 morreu um trabalhador da Embraer dentro da fábrica, um trabalhador que era montador de aeronaves. O trabalhador morreu, e a fábrica... Vocês imaginem o que uma fábrica faz quando um trabalhador morre! Ele nunca morre dentro da fábrica; ele morre no caminho, morre dentro do hospital, mas nunca morre na fábrica. Eu testemunhei, eu estava próximo ao acidente. Ele morreu dentro da fábrica, o Vinícius. E quero dar esse exemplo, porque me chamou muita atenção o que o Carlos estava falando em relação a verbas. E, inclusive, chamava-se Carlos o auditor de São José dos Campos que foi ver o acidente em si para fazer o acompanhamento da GRT de São José dos Campos.
Ele só foi à Embraer, porque o sindicato deu carona no carro do sindicato, porque ele não tinha condições, ele estava num outro trabalho; ele não estava, inclusive, dentro da gerência, ele estava na fiscalização de outra fábrica. Pela urgência do tema e pela emergência, a gente o avisou, e ele falou: "Busquem aqui que eu vou." E foi desse jeito, porque é isso, não há condições.
E há vários casos assim, em que o Sindicato dos Metalúrgicos, principalmente o Sindicato da Construção Civil de São José dos Campos, que é filiado à CUT, fazem denúncias, e a GRT diz: "Olha, nós vamos tentar ir à tarde, porque está complicado, nós estamos com falta de verba." E é concreto, não é má vontade; é falta de verba. E, inclusive, já fizemos várias manifestações conjuntas, em São José dos Campos, com os auditores, para haver mais verba, para haver um olhar sobre isso, para, inclusive, pressionar prefeituras para que pressionem para que o Governo repasse mais verbas para ajudar nesse processo.
Então, esse é um aspecto com que a gente sofre no local de trabalho. Eu estou dando como exemplo São José dos Campos, que é o exemplo que eu vivo, mas isso... Eu estou falando de uma grande cidade, inclusive, do Estado de São Paulo, uma região industrial. Agora, a gente tem isso numa escala muito pior nas outras regiões em que há cidades menores, em que não há um desenvolvimento político maior da própria região.
E, por último, um aspecto importante que nós vemos sobre a questão da inspeção tem a ver com papel do local de trabalho, que são o trabalho das CIPAs e o papel dos sindicatos. Porque a reforma trabalhista, apesar de não ter sido tão agressiva e não ter alterado nada em relação a NR 5, como se mexeu na CLT, do ponto de vista, como falei quando comecei o meu discurso, do que é a ditadura dentro do local de trabalho... Ela é persistente em relação à Cipa. Então, mesmo em fábricas que têm uma grande organização sindical - e vou falar de novo da minha região... Por exemplo, na fábrica da Embraer, da General Motors, da própria Volkswagen em Taubaté, que são fábricas que têm uma tradição sindical, de história desde a década de 80, mesmo dentro dessas fábricas, as CIPAs e os sindicatos são tolhidos com ameaças de demissão ou suspensão, quando esses ativistas sindicais ou cipeiros vão fazer algum tipo de fiscalização sobre qualquer coisa.
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Então, isso é um fato que a legislação não garante na íntegra. Pela NR 5, de fato, tem a proteção da estabilidade do emprego...
(Soa a campainha.)
O SR. HERBERT CLAROS - ... e não pode ser demitido, mas não há garantias que permitam o trabalhador a fazer de fato uma real fiscalização. Não a fiscalização técnica porque isso é impossível. Um curso de Cipa é impossível. Para o diretor sindical, por mais que tenha uma formação sindical, é impossível fazer uma análise técnica de um acidente, mas é o primeiro que vai avisar. Por exemplo, no caso dessa morte que ocorreu na Embraer, em 2011, quem avisou à GRT fomos nós, não foi a empresa. É óbvio. A empresa não vai comunicar à GRT e ao Ministério Público, quem avisa é o sindicato.
Então, nós precisamos também garantir, na legislação, no novo estatuto, condições para isso; condições para aqueles que estão no local de trabalho: na fábrica, na escola, dentro dos órgãos públicos, para que esses possam dizer o seguinte: "Olha, aconteceu aqui. Ministério Público, olhe aqui." Porque o Ministério Público não vai conseguir ter um olhar do que acontece em cada local de trabalho. As GRTs... Os fiscais não conseguirão dizer: "Olha, é na Embraer que eu devo ir", porque se for assim precisaremos determinar uma contratação em massa - que seria maravilhoso porque é o ideal - de fiscais do trabalho em cada local de trabalho do nosso País. Seria o ideal. Numa sociedade socialista acho que a gente deve defender isso. Mas não é o que acontece hoje no País.
A gente tem que garantir também condições para que aqueles que estão no local de trabalho possam ter proteção e condições de fiscalização: de olhar e poder dizer e alertar os órgãos públicos para que impeçam os problemas e ajudem também a garantir melhores condições de trabalho, a garantir que a ditadura seja um pouco menos prejudicial ao trabalhador e à trabalhadora.
Obrigado.
Desculpa, mas eu não estarei nas concentrações finais. Queria pedir desculpa à Mesa e a todos. Por conta até da questão da Embraer, eu terei uma reunião às 11h30 na Câmara. Então, deverei me ausentar das considerações finais. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Este foi o Herbert Claros, membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP Conlutas (Central Sindical e Popular), que participou de uma audiência ontem e fez questão, aceitando o nosso convite - de estar também hoje, que fala muito dessa questão do local de trabalho.
Como eu também vim de dentro das fábricas, Cipa, sindicato, enfim, a gente sabe muito bem como funciona a Cipa. Nem vou entrar no detalhe. Tanto que na empresa que eu trabalhava, na época, com muita peleia eu consegui fazer com que fossem todos eleitos pelo voto direito, do Presidente aos suplentes. Então, eu foi... É que há essa história, não é? De representante do empregador e do empregado. É absurdo isso, porque todos estão ali para combater os excedentes. Como haverá um grupo defendendo empregador e outro grupo defendendo trabalhador? Não tem lógica!
Enfim, com muita peleia conseguimos e eu fui eleito, daí. Queriam que eu fosse presidente indicado. Eu disse: "Coisa nenhuma, vamos para o voto!" Aí me elegi presidente e acompanhei uma situação semelhante à que você falou - Olha o que vou contar aqui, em um minuto - e o cara perdeu o braço. E vejam bem o efeito psicológico: o filho dele nasceu com a mesmo número de pontos, inclusive. E ficou sem o braço.
Vamos em frente. É para ver o quanto é importante a inspeção do trabalho.
Dr. Paulo Douglas Almeida de Moraes, Procurador do Trabalho - Ministério Público do Trabalho - e representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - Um bom dia a todos.
Eu gostaria de agradecer a oportunidade. Estou aqui representando o Procurador-Geral do Trabalho, Dr. Ronaldo Fleury, e também o Presidente - e a própria Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho - Ângelo Fabiano.
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É para mim uma felicidade muito grande, Senador, estar mais uma vez aqui ao lado do senhor e também do meu amigo e mestre Guilherme Feliciano. Já estivemos juntos em outras oportunidades, travando outras batalhas.
Queria registrar aqui também minha intensa felicidade pelo tema. Fui auditor do trabalho por 11 anos. No meu sangue corre, efetivamente, a energia da fiscalização do trabalho até hoje. E aqui no plenário está o PC, meu amigo PC, de fiscalizações móveis, de situações extremamente periclitantes, e é o registro vivo dessa atuação que eu diria marca de uma maneira muito especial a auditoria do trabalho.
Eu preparei um material diretamente focado na questão que pretendemos debater, tentando contextualizá-la nesse novo cenário, um cenário bastante adverso, tanto sob o aspecto jurídico como social e econômico. Como fica a inspeção do trabalho, uma entidade extremamente relevante, não só, mas sobretudo, claro, sob o aspecto social, mas também sob o ponto de vista econômico?
O Guilherme bem colocou aqui: quando taxam algumas instituições que lidam com a questão trabalhista como "ó, está ali um pessoal de esquerda", esquecem que são essas instituições que conferem estabilidade ao sistema capitalista. São essas instituições que fazem com que a nossa panela de pressão do consumo não venha a explodir e aquela ditadura, como bem colocado, não venha a produzir uma situação autofágica, o capitalismo acabando com ele próprio.
Nesse contexto, a fiscalização do trabalho é extremamente relevante, assim como é o movimento sindical, assim como é a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Mas percebam que, dadas as dimensões do nosso País, digamos que a capilaridade em termos de instituições públicas, a maior capilaridade é da Auditoria-Fiscal do Trabalho. É ela que está mais próxima do conflito entre capital e trabalho e, portanto, uma instituição absolutamente central na efetiva defesa dos direitos fundamentais trabalhistas.
Para onde eu aponto aqui? Passou.
Muito bem, como estamos hoje? A inspeção do trabalho na CLT. Nós temos basicamente um capítulo eu diria bastante resumido, o Capítulo I, a partir do art. 626, que já começa com algumas impropriedades extremamente inquietantes e que temos agora a oportunidade de corrigir. Vejam: "Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio", aqui já vemos uma absurda, digamos, desatualização, e o que preocupa mais, "ou àquelas que exerçam funções delegadas [...]". Nesta Casa aqui há um projeto de lei que debate a possibilidade, e com todas as vênias, uma possibilidade um tanto estapafúrdia, de delegação de fiscalização administrativa a terceiros particulares. E a norma hoje do 626 permite, em tese, a delegação da atividade de fiscalização. Enfim, compete a essas autoridades garantir o "fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho". Fala de dupla visita, fala de mesa de entendimento - agora eu estou lendo o material que me foi passado -, em termos de compromisso e coisas de outro gênero e procedimentos de autuação.
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O atual tratamento da CLT é absolutamente inadequado, superficial e incompatível com a importância da instituição e, mais do que isso, o texto é incompatível com a estrutura, evidente, mas, sobretudo, uma incompatibilidade com a Convenção nº 81 da OIT, um texto que goza de caráter supralegal e que, portanto, deve ser de observância obrigatória, inclusive pelo Legislador ordinário.
Entre essas diretrizes da Convenção nº 81, eu apenas destaquei algumas delas: indelegabilidade e independência. Então, já o texto do art. 626 vem diretamente violar o art. 6 da Convenção nº 81, que diz:
O pessoal da inspeção será composto de funcionários públicos cujo estatuto e condições de serviço lhes assegurem a estabilidade nos seus empregos e os tornem independentes de qualquer mudança de governo ou de qualquer influência externa indevida.
Portanto, o art. 626, quando menciona a possibilidade de delegação, viola diretamente o art. 6 da Convenção nº 81.
Mas não é só isso!
A Convenção nº 81 também trata de controle, fala de independência, mas trata de controle, dizendo que esse controle será exercido por uma autoridade central e, em Estados federados como o nosso, também por autoridades regionais.
Como harmonizar a independência com esse controle central estadual? É essa a questão.
Aqui foi bem colocada pelo Carlos, Presidente do Sinait, essa absurda, digamos, incoerência e incongruência entre o que preconiza a Convenção nº 81 e o que realmente acontece nas superintendências. Não há, penso eu, como harmonizar essas duas importantes diretrizes da Convenção nº 81 sem que haja previsão absolutamente legal - e, portanto, sobre a qual não haja discussão - de que todos os postos de comando da linha da inspeção do trabalho, da auditoria do trabalho sejam compostos por membros da carreira, criando um sistema de controle, mas um sistema de controle pautado pelos princípios preconizados pela Convenção nº 81 e, desse modo, portanto, garantindo independência e controle de uma maneira harmônica.
Hoje, o que temos, Senador, senhoras e senhores, é efetivamente - e aqui foi dito - uma indicação política, mas eu diria que não é a indicação política que desnatura a fiscalização; é a indicação de politicagem.
Ontem, o chefe de fiscalização no Mato Grosso do Sul me disse que está entregando o cargo porque, apesar de o então superintendente, também indicado politicamente, ter todo um projeto para a superintendência, ao chegar, o atual sucessor deste - e não conheço, enfim, o superintendente atual ou a superintendente atual - mudou tudo e passa a buscar investir sobre a fiscalização do trabalho tentando, digamos assim, pautar a fiscalização.
Percebam que, sem que um superintendente seja efetivamente do quadro, nós não temos independência e temos um controle absolutamente, eu diria, perverso, porque atende a interesses de grupos que deram sustentação ao Parlamentar A ou B. Geralmente são grupos economicamente muito poderosos e que não estão ali para defender o trabalhador.
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Esse divórcio tem que ser resolvido e a oportunidade agora com o Estatuto é única, precisamos avançar nesse sentido.
Ainda a Convenção 81 fala em constante aperfeiçoamento. Parece-me que há o esboço e há até já algum elemento embrionário de uma escola nacional da Auditoria-Fiscal do Trabalho. Mas ela precisa de investimento, ela precisa realmente produzir, assim como acontece com a Escola Nacional da Magistratura, a Escola Nacional do Ministério Público, a escola nacional dos Auditores-Fiscais também precisa de uma atenção importante.
Aqui foi dito: problemas de orçamento, problemas de um veículo, problemas de falta de combustível. O que diz a Convenção 81? Desculpem-me, acabei me antecipando.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - A Convenção 81 também fala de garantia de efetivo adequado. Ora, foi dito pelo nosso amigo Carlos: 30% do quadro vago, e diz a Convenção que o efetivo deve ser adequado. Por que não se adotar... Eu não vi, embora primoroso, Renato, o trabalho do anteprojeto que deve agregar o Estatuto, talvez uma previsão de, assim como acontece na lei complementar, na nossa Lei Orgânica do Ministério Público da União, um mecanismo que diga e que obrigue o administrador a abrir concurso público assim que determinado percentual de vacuidade seja atingido. Ele, de modo vinculado, deve, sob pena de crime de responsabilidade, abrir o concurso público. Talvez seja importante para atender essa diretriz. Claro, porque senão...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quero dizer aqui - estava debatendo com o Carlos, em um segundo -, as pessoas se aposentam, saem e não são colocadas outras para continuarem.
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - Claro, e, neste caso, pior, Senador, os auditores são assassinados. Nós temos maneiras mais drásticas de baixas na carreira. Nós precisamos garantir o efetivo e, mais uma vez, a oportunidade é essa.
Nós temos aqui - aí, sim - a questão de meios adequados. Hoje, a realidade é a seguinte, salvo a equipe móvel, que tem recursos próprios no Orçamento, boa parte das superintendências usando veículos que foram adquiridos com recursos de TAC. Ora, não é adequado que uma instituição dessa...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O detalhe que eles denunciam aqui é que a equipe móvel tinha também.
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - Ah, não tem mais?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele fez uma denúncia aqui, foi até demitido depois, eu acho.
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - Infelizmente, não sabia desse retrocesso. Até a fase em que eu compunha a carreira, nós tínhamos uma rubrica específica no Orçamento.
Mas, há necessidade de... Mais uma vez, a Convenção 81 garante, inclusive, que a autoridade tomará as medidas necessárias no sentido de indenizar os inspetores por todos os gastos de locomoção. Hoje, as diárias pagas ao auditor-fiscal do trabalho eventualmente não custeiam a estada, não custeiam, enfim, a alimentação de um modo adequado. Por que não se buscar uma solução também como a nossa lei complementar já preconiza: 1/30 da remuneração? Assim, as pessoas não têm sequer o estímulo efetivamente para participarem de diligências. Está, ali, na Convenção 81 da OIT. Agora, vamos pensar como. Veja, se o estatuto tem de pensar numa inspeção do trabalho e buscar otimizar, vamos entender um pouquinho da realidade agora, pós-reforma trabalhista.
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O Guilherme bem colocou que houve um momento em que o paradigma deixou de ser o mundo do trabalho e passou a ser o mundo do consumo. E para entender um pouco melhor, sob o ponto de vista macroeconômico, como funciona essa questão do mundo do consumo, vamos dar uma olhadinha em algumas contas nacionais. Percebam que 49,37% de todo o nosso PIB dependem do consumo das famílias e 89,14% de tudo o que se troca no nosso País está dentro do mercado interno. O que fez a reforma trabalhista ao estimular a informalidade? Estimula a redução do custo das famílias, estimula a redução da velocidade de troca interna por conta do empobrecimento interno, portanto, atingindo 90% do nosso Produto Interno Bruto. O que isso significa? Significa que nós demos um grande tiro no pé.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se me permite, é para elogiar a sua fala. A própria Folha de S.Paulo, que sempre teve uma posição pró-reforma trabalhista, esta semana eu fui para a tribuna dizer que ela faz exatamente esta análise de que, com a reforma trabalhista, pela massa salarial, o consumo interno acabou despencando.
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - Claro. Há um economista bastante famoso, Kalecki, que trata desse assunto com muita propriedade. Nós escrevemos na Revista do TST, antes de reforma, dizendo: "Olha, nós vamos, sob o ponto de vista econômico, empobrecer mais de 94% dos empresários." Se os empresários imaginam que vão ter algum resultado positivo com a reforma, estão muito enganados. Nós estamos beneficiando apenas produtores de commodities, quem vende minério e a Embraer, por exemplo, que visam ao mercado externo.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - Mas como, então, a auditoria precisa trabalhar, e trabalhar muito, nesse contexto? Nós estamos, historicamente, no maior pico de informalidade dos últimos anos. A nova estrutura concebida pela reforma tende a agravar ainda mais esse quadro. E a fiscalização precisa compreender, e ela compreende, ela é competente para tanto, porque o número de inspetores, segundo a Convenção 81, tem de levar em consideração a importância das tarefas, mas, percebam, no inciso I, o número, a natureza, a importância e a situação; no inciso II, o número e a diversidade de categorias de trabalhadores; e, no inciso III, o número e a complexidade das disposições legais. Nós não temos hoje uma CLT. Nós temos tantas CLTs quantas são as categorias profissionais, porque cada convenção coletiva potencialmente hoje é uma CLT. Então, nós precisamos de muitos auditores do trabalho, porque a complexidade das disposições legais nunca foi tão grande.
Muito bem. Mas não é só isso. No Brasil, 6 bilionários têm a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros mais pobres. Então, no nosso País, absurdamente, a concentração de renda chega a patamares surreais. E o que os auditores têm a ver com isso? Muito, sobretudo num contexto de informalidade desenfreada. Nós temos que enfrentar fraude. E como nós vamos enfrentar fraude sem orçamento, sem carro, sem auditores? Os procuradores não dão conta, os juízes também não, até porque a reforma também praticamente inibiu, de uma maneira absurda, o acesso ao Judiciário.
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Nós temos hoje um cenário no qual, eu diria...
(Soa a campainha.)
... os auditores nunca foram tão essenciais na história do País.
Sugestões finais. Eu tive acesso, e li rapidamente o texto - primoroso, aliás -, elaborado aqui pelos auditores, acho que com as digitais do meu amigo Renato Bignami, passei os olhos e percebi que sim, ele é muito interessante. Mas há uma sugestão. Um Estatuto do Trabalho tem como destinatário o trabalhador, tem como destinatário o empregador. São pessoas que, a princípio, são leigas em matéria jurídica, portanto, ele precisa ser inteligível para os seus destinatários. E talvez fosse mais interessante colocar algo mais sintético e remeter ao que há muito já deveria existir: uma lei orgânica da auditoria-fiscal do trabalho. Essa seria uma sugestão sob o ponto de vista estrutural do texto jurídico, portanto, a segunda, desse modo, fazendo com que o Estatuto do Trabalho não se confunda com um estatuto, digamos assim, da auditoria-fiscal do trabalho, com essa lei orgânica. Acho que ficaria mais bem trabalhado.
Ainda a título de sugestão, que essa lei orgânica seja instituída em observância às diretrizes da Convenção 81. Nós já temos um marco jurídico, nós só precisamos concretizá-lo, garantindo, portanto, a independência, bem como esse controle da atuação dos auditores, por meio da ocupação de cargos obrigatoriamente por membros da carreira. Que também garanta a manutenção do efetivo de auditores com mecanismos como o que já foi mencionado, garanta o constante aperfeiçoamento e garanta, claro, os meios materiais e de custeio adequado ao desempenho da função.
Seriam esses os pontos. Eu gostaria, para finalizar, apenas de responder à pergunta que foi endereçada ao MPT, no sentido de como fazer... Presumo que se trata de um empregador: como eu faço numa situação em que nós temos um TAC já celebrado com o Ministério Público e a fiscalização do trabalho está lá? Muito bem. É do Abel, de Goiás.
Então, Abel, eu lhe respondo da seguinte forma: hoje não há nenhuma espécie de problema porque essas esferas não se comunicam sob o ponto de vista sancionatório, muito menos sob o ponto de vista de competência administrativa, de atribuição administrativa. Então, o que ocorre? Nós temos um TAC. Esse TAC é um título executivo extrajudicial. Ele pode, amanhã ou depois, se violado, levar a uma execução judicial. Mas o TAC não inova, não substitui a legislação ordinária que pauta a atuação dos auditores-fiscais.
Então, vamos imaginar que, em determinada situação, em determinada empresa, houve um aprazamento de seis meses para adequar o ambiente de trabalho em questões que não envolvam grave e iminente risco. O procurador entendeu que seria razoável conceder seis meses e celebrou um TAC. O empregador está cumprindo esse TAC. Lá aparece um auditor-fiscal do trabalho que diz: "Olha, o guarda-corpo não está conforme a NR preconiza." E lasca um auto de infração. Há prejuízo para esse auto de infração? Nenhum. Nenhum. Por quê? Porque o TAC não vincula a atividade dos auditores-fiscais.
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Então, não há problema de natureza jurídica; há situação de natureza fática.
Agora, nesse particular, passando os olhos aqui na proposta, acho que a gente precisa sentar um pouco mais e discutir. Por quê? Há aqui a previsão do Termo de Compromisso celebrado pela fiscalização, com possibilidade de execução pela AGU, pelo que pude perceber. Aí, sim, teríamos certo problema. Por quê? Porque ambos seriam títulos executivos extrajudiciais, e aí teríamos a possibilidade de inovação no âmbito administrativo, o que criaria um problema bastante sério, porque, se o entendimento do procurador fosse diferente, nesse aspecto, do entendimento do auditor, poderíamos ter situações absurdas, como ações anulatórias de Termo de Compromisso, o que seria realmente contraproducente.
É isso.
Obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Paulo Douglas Almeida de Moraes, Procurador do Trabalho, representante do Ministério Público do Trabalho e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. Só faço um comentário rápido, bem rápido, sobre aquela sua fala.
Essa matéria que foi produzida pelo jornal chega a dizer, exatamente na linha em que você fala, que vai haver impacto negativo no PIB, ou seja, eles mesmos vão perder, porque quem fatura com o PIB são eles.
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES (Fora do microfone.) - O impacto é brutal!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É brutal, não é? É importante isso.
Muito bem! Vamos passar a palavra agora para o Dr. Leif Raoni de Alencar Naas, Auditor Fiscal do Trabalho e Assistente Técnico do Gabinete do Ministério do Trabalho.
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - Bom dia a todos!
Aproveito a oportunidade para cumprimentar todos da Mesa, todos que estão aqui presentes e aqueles que acompanham os debates a distância.
Minha fala será mais focada nas situações pragmáticas da atuação da Inspeção do Trabalho, da Auditoria-Fiscal do Trabalho. As falas anteriores à minha já trouxeram o contexto político, principalmente na fala do Herbert; o contexto jurídico, na fala do Guilherme, focado principalmente na questão de prevenção de acidentes; o contexto econômico, passado brilhantemente pelo Paulo Douglas; e o contexto que eu diria de defasagem, de míngua que a Inspeção do Trabalho tem passado, que foi muito bem explicado pelo Carlos. Realmente, tudo isso, a junção desse contexto faz com que a Inspeção do Trabalho sofra vários ataques de vários meios possíveis, meios políticos, meios econômicos, meios sociais, meios até referentes à questão de orçamento, de quadros. Isso tudo foi muito bem explicado. Na prática, como isso se reflete na atuação do Ministério do Trabalho, na atuação da Inspeção do Trabalho?
Vou citar um exemplo que não foi citado aqui, mas, muito provavelmente, todos aqui presentes já devem ter tomado conhecimento, que foi uma ação de trabalho escravo que estava programada para o final de janeiro e que foi cancelada, não por falta de orçamento, porque, nesse caso específico, havia orçamento, mas por trâmites burocráticos de emissão de passagem. Não foi emitida a passagem aérea para os auditores fiscais participarem dessa ação, por conta de trâmites burocráticos de contrato de compra de passagem aérea. Poxa, que situação é essa em que o Estado, as autoridades competentes, junto com outras autoridades que prestariam apoio, como o Ministério Público, como a Polícia Rodoviária Federal, como, enfim, todos os agentes que fazem parte de uma ação de combate de trabalho escravo, que é uma situação, por natureza, já muito grave... Essa ação não ocorre por falta de emissão de passagem aérea? Realmente, acho que esse é um caso muito simbólico que aconteceu recentemente, vai fazer dois ou três meses no máximo que isso aconteceu, por conta de todo esse contexto que foi passado aqui para vocês, de tudo isso que já foi explicado brilhantemente por todos os que compõem a Mesa.
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E como isso afeta as ações rotineiras da inspeção do trabalho? Bom, tivemos uma situação em que não houve uma fiscalização de trabalho escravo por conta de problemas burocráticos. Mas também, falando do trabalho escravo, o contingenciamento de recursos, no ano passado, em 2017, passado pelo Carlos aqui de forma brilhante, fez com que ações de trabalho escravo nos Estados, não aquelas feitas pelo grupo móvel nacional, mas as ações dos Estados que combatem trabalho escravo em seu território não fossem executadas.
O quadro de fiscais hoje tem cerca de 2.200 auditores e há por lei criados cerca de 3.500. Isso faz com que a inspeção do trabalho tenha que propor estratégias, pensar uma nova gestão para que se consiga praticar, executar as suas funções precípuas. Qual é a função precípua, qual é a função principal da auditoria fiscal do trabalho? Exercer o poder de polícia administrativo, que seria, na prática, o poder de fiscalizar, o poder de, constatando uma irregularidade, punir aquele administrado que comete aquela irregularidade.
Esse poder de polícia é exercido por vários instrumentos. Nós temos o auto de infração, que é o principal instrumento que a auditoria fiscal do trabalho tem de punir esses empregadores. Temos os embargos de interdições, que seriam a interrupção de uma situação de perigo. Isso não é propriamente uma sanção, mas tem um certo viés que se assimila a um poder sancionatório.
E como exercer essa função, esse poder de polícia com esses problemas? A Secretaria de Inspeção de Trabalho tem pensado estratégias para que se consiga, com esse quadro minguando, com esse orçamento minguando, com diversos problemas que são apresentados, cumprir sua função social, tentar cumprir seu papel de fiscalizar as relações de trabalho.
E aqui eu abro um parêntese. Muito se fala, se criou um pretenso senso comum hoje em dia de que a auditoria fiscal do trabalho, a Justiça do trabalho, o Ministério Público do Trabalho são órgãos que somente visam a acabar com as atividades econômicas, que têm aquele viés bem maniqueísta de que o trabalhador é um pobre oprimido e que o empregador é sempre o explorador. Não. A inspeção do trabalho... Eu posso afirmar com convicção que o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho não atuam com essa forma maniqueísta, são órgãos, entidades que tutelam as relações de trabalho que já são, como o Dr. Guilherme colocou, naturalmente desequilibradas. O empregador tem uma posição de superioridade jurídica, ele que dá as ordens, ele controla o negócio da empresa, e o empregado cumpre ordens.
Então, naturalmente, é uma relação desequilibrada. E a atuação da tutela dos órgãos que eu mencionei, inclusive da inspeção do trabalho no sentido de fiscalizar e de tutelar essas relações de trabalho, acaba impondo, acaba verificando o cumprimento das obrigações que os empregadores que detêm maior poder decisório, maior controle da empresa, como fazem o seu uso. Então, que fique bem claro que as ações de inspeção no trabalho não são pautadas pelo maniqueísmo desse pretenso senso comum que é colocado hoje. São profissionais altamente especializados, altamente comprometidos, que embasam seus posicionamentos e suas atuações de forma jurídica e técnica, para que justamente esse viés maniqueísta que hoje em dia é colocado não seja reforçado, mas, sim, equilibrado de uma forma em que a auditoria fiscal fiscalize efetivamente, para punir aquelas pessoas que descumprem a lei.
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Feito esse parêntese, volto ao tema que havia iniciado, sobre as questões pragmáticas para que a auditoria consiga exercer sua função precípua de poder de polícia administrativo diante do quadro minguando, de problemas de orçamento e de outros problemas que foram colocados.
A primeira coisa é a gestão. Houve, nos últimos anos, uma mudança na gestão das auditorias fiscais. Há instrumentos, há estratégias, há capacitações, enfim, há todo um meio de pensamento de gestão que se altera à maneira como a auditoria-fiscal do trabalho é feita.
Exemplos. O Paulo Douglas mencionou aqui a questão da informalidade, que hoje estamos num pico de informalidade. Qual foi a resposta do Ministério do Trabalho, especificamente da Secretaria de Inspeção do Trabalho, em relação a isso? A criação de um plano que é o Plancite (Plano Nacional de Combate à Informalidade dos Trabalhadores Empregados). Então criam-se instrumentos e mecanismos para se combater a informalidade não de forma pontual, mas, sim, de forma estratégica, onde se abarquem várias atividades econômicas, várias localidades, para que se consiga a formalização de vínculos de emprego, principalmente com base em estudos daqueles locais, daquelas atividades que apresentam maiores índices de informalidade.
Isso tem sido feito desde 2013 com muito sucesso. Os números não mentem. Tivemos, salvo engano, no ano passado, duzentas mil formalizações diretamente decorrentes de auditorias-fiscais do trabalho. Poxa, esse é um número cuja significância deveria ser utilizada para se fortalecerem as ações de inspeção, não como ocorre hoje, o ataque às ações de inspeção.
Então temos, por exemplo, nessa questão de gestão, as fiscalizações eletrônicas que buscam fazer com que as fiscalizações, principalmente em FGTS... Aqui eu abro mais um parêntese. Temos, anualmente, salvo engano, cerca de R$12 bilhões recolhidos de FGTS decorrentes diretamente de ações fiscais. Eu não estou falando dos efeitos indiretos, eu falo dos efeitos diretos: empregadores que são fiscalizados e recolhem o FGTS em atraso por conta dessa fiscalização. Estima-se em cerca de R$12 bilhões, salvo engano, por ano.
Como fazer com que essas fiscalizações tenham um atrativo maior? Que se potencialize o alcance dessas fiscalizações, diante desse quadro que foi colocado? Fiscalização eletrônica é um desses meios...
(Soa a campainha.)
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - ... que é aquela fiscalização na qual o empregador não tem contato direto com o auditor-fiscal do trabalho. Mas isso é feito por meios eletrônicos, sem a necessidade de o empregador se deslocar à Superintendência do Trabalho ou de os auditores fiscalizarem as empresas. É o meio mais rápido, eficiente e econômico, que atinge maior número de empregadores do que aquela fiscalização convencional.
Temos também, nesse contexto, nessa gestão para se aprimorar a fiscalização, a questão da capacitação dos auditores. Temos hoje já reconhecido por portaria.
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Inclusive é um trabalho constante para que se ampliem as competências da Enit (Escola Nacional da Inspeção do Trabalho), que é aquela escola que é governamental, voltada aos auditores fiscais do trabalho para que se aprimore a técnica, para que se aprimorem as estratégias, para que se aprimore a capacitação dos auditores fiscais do trabalho, para que, diante desse quadro sempre minguando, a gente consiga - os auditores fiscais do trabalho, a inspeção do trabalho - atingir suas metas, que, no final das contas, é trazer um certo equilíbrio para o meio da fiscalização às relações de trabalho.
Com isso em mente, eu faço menção, faço remissão ao art. 5º do anteprojeto proposto aqui para o Estatuto do Trabalho. E novamente abro mais um parêntese: congratulo o Senador Paulo Paim pela sacada, pela perspicácia de intitular como Estatuto do Trabalho, e não Estatuto do Trabalhador, porque, como disse, não existe aquela relação maniqueísta do trabalhador oprimido e o empregador explorador. Realmente, na prática, existem situações dessas, mas as relações de trabalho são relações de trabalho. Não existe simplesmente a tutela do pobre empregador oprimido. Não, há uma tutela das relações do trabalho, existem obrigações constantes, inclusive, hoje, na CLT, aos empregados, e não só obrigações aos empregadores. Ou seja, a tutela é do trabalho; não do trabalhador. Então, eu elogio a perspicácia no sentido de nomear esse estatuto de Estatuto do Trabalho.
Voltando ao art. 5º, que eu mencionei aqui, do anteprojeto, que seria a criação da autoridade nacional em matéria de inspeção do trabalho, que seria uma figura que hoje nós não temos, mas que criaria uma autoridade para ser a autoridade máxima da inspeção do trabalho, que poderia dirimir dúvidas, que poderia organizar a gestão e organizar a estrutura da Auditoria Fiscal do Trabalho. Qual seria o grande benefício trazido por esse artigo, colocado brilhantemente aqui pelo Renato Bignami, que acredito que vá passar maiores detalhes sobre esse texto?
(Soa a campainha.)
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - Esse artigo - já finalizando - traria uma maior autonomia para a Auditoria Fiscal do Trabalho e permitiria que essas intervenções políticas que foram mencionados por todos aqui da Mesa fossem diminuídas, reduzidas a ponto de, ouso dizer, inexistirem. A autonomia garantida à fiscalização do trabalho, por meio da criação da Autoridade Nacional em matéria de inspeção, faria com que a inspeção do trabalho se equiparasse, tivesse o tratamento que aquelas atividades típicas de Estado merecem ter, que seria autonomia, e não só autonomia funcional, mas autonomia de orçamento, autonomia de gestão, autonomia que faria com que a inspeção do trabalho fosse blindada dos ataques políticos sofridos constantemente.
Feita essa intervenção, o tempo já está se encerrando, eu agradeço a oportunidade de falar em nome da Secretaria de Inspeção do Trabalho e me coloco à disposição...
(Soa a campainha.)
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - ... para dirimir qualquer dúvida que surja em relação a esse tema. É um tema de interesse não só da categoria, mas de interesse pessoal meu. E eu tenho certeza de que, se houvesse mais tempo, eu teria um input, haveria intervenções que convenceriam muitas pessoas de que realmente o texto que foi proposto aqui nesse anteprojeto é um texto que realmente vem a melhorar não só Auditoria Fiscal do Trabalho, mas todas as relações de trabalho que são tutelados pela auditoria.
Obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem! Esse foi o Sr. Leif Raoni de Alencar Naas, Auditor-Fiscal do Trabalho, Assistente Técnico do Gabinete do Ministério do Trabalho.
Fiquei feliz com a sua fala porque, quando alguém fala vinculado a esse ou àquele Ministério, sempre alguém do lado de lá já acha: "Não; esse vai ser contra ou vai ser a favor". E você fez uma análise, uma reflexão e conduziu a sua fala na linha de que esse Estatuto do Mundo do Trabalho é importante e, por isso, é fundamental a participação de todos.
Passo, de imediato, a palavra ao Auditor -Fiscal do Trabalho, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Dr. Renato Bignami.
O SR. RENATO BIGNAMI - Bom dia a todos e todas!
Agradeço imensamente o convite feito, a oportunidade dada ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.
Gostaria de aproveitar e cumprimentar todos os colegas de mesa que me antecederam na pessoa de S. Exª o Senador Paulo Paim, que tão bem e de forma tão adequada vem propondo esse debate. É um debate que, talvez, já fosse necessário há algum tempo. Não ocorreu da forma como imaginávamos, enfim, por ocasião da reforma trabalhista, saindo de uma forma bastante célere, demasiadamente célere, de modo a não proporcionar um efetivo espaço de debate para a sociedade brasileira. E o Senador Paulo Paim, procurando então corrigir esse rumo, traz novamente a oportunidade de à sociedade debater a possibilidade de uma nova regulação que vise a proporcionar aquela proteção à força do trabalho do homem, já tão bem forjada desde os anos 30 pela doutrina.
Então, o nosso objetivo aqui é fazer brevemente uma apresentação sobre o tema que foi proposto. Contudo, eu gostaria, já de início, de registrar que, apesar de o Dr. Paulo Douglas e o Dr. Leif terem gentilmente se referido ao meu nome, não é justa a atribuição da realização desse trabalho que o Sinait oferece ao gabinete do Senador Paim ao debate da Nação somente à minha pessoa. Somos um grupo de 19 auditores, muito bem coordenados pelo Dr. Carlos e pela Drª Rosa, que, enfim, supervisionam, opinam e debatem conosco o tempo todo, e esse grupo ainda tem a liderança do nosso colega Alex Myller, que está aqui na plateia, que também vem, de forma sobre-humana, dedicando espaços inclusive da sua vida pessoal a esse projeto.
Então, não seria justo que eu ganhasse os louros...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quero cumprimentar o Alex e todo o grupo que trabalha lá. (Palmas.)
O SR. RENATO BIGNAMI - ... de forma individual. É um grupo de trabalho. O Dr. Carlos deixou muito claro aqui na sua fala. É um grupo de trabalho composto por 19 auditores o responsável pelo que foi oferecido à sociedade; é, enfim, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.
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Dito isso, eu queria já partir para uma parte... Só queria lembrar, de maneira bastante rápida, porque o nosso tempo já está correndo, que a inspeção do trabalho possui origens históricas. Já se disse aqui da origem histórica da inspeção no Brasil, que conta com mais de 120 anos. Mas é bom lembrar que os grandes propulsores da criação ou do estabelecimento da inspeção do trabalho são a Revolução Industrial, por um lado, que, enfim, modifica de forma bastante célere métodos de trabalho, indicando novas doenças profissionais, novos problemas advindos da produção... Esses problemas é que precisavam ser endereçados por um organismo de Estado. Então, o explosivo econômico vem da Inglaterra. Porém, o explosivo político, o vocabulário, os termos de política liberal e radical democrática advêm da França. A Revolução Francesa põe fim ao regime medieval, feudal, e dá início ao Estado liberal moderno. Enfim, é nesse Estado liberal moderno que se insere a criação da inspeção do trabalho.
Então, lembramos que a primeira norma de proteção ao trabalho é de 1802, a Lei de Peel, mas é uma norma ainda carente de efetividade. Essa efetividade só vai ser conseguida, só vai ser alcançada em 1833, com a Lei do Lord Althorp; aí se estabelece a primeira inspeção do trabalho no mundo moderno, no mundo ocidental moderno. A lei é o primeiro Factory Act de uma série de legislações de fábrica que foram editadas na Inglaterra no século XIX. A primeira delas, a de 1833, cria um sistema de inspeção para garantir a efetividade das normas de proteção ao trabalho que vinham sendo criadas. Então, aí está o DNA da inspeção do trabalho. É um DNA preventivo, como já disse S. Exª o Dr. Guilherme; é um DNA de garantia de efetividade da norma, antes mesmo de o Poder Judiciário ser instado. Então, essa é a ideia que está por trás da inspeção do trabalho.
Lembro ainda que, ao final da primeira Grande Guerra, uma guerra mortal - foi a primeira vez que a humanidade na Idade Moderna se enfrentou de maneira feroz; foram centenas de milhares de mortos na primeira Grande Guerra -, a questão trabalhista ficou tão nítida, tão notória, sendo central para a explosão da Primeira Guerra Mundial, que se estabeleceu no Tratado de Versalhes a obrigação de os Estados estabelecerem sistemas de inspeção, para garantir a efetividade das normas de proteção ao trabalho. A inspeção do trabalho também está, então, na essência da Organização Internacional do Trabalho.
Lembro quais são as três grandes missões da inspeção do trabalho, que estão consubstanciadas na Convenção 81: assegurar a aplicação dos dispositivos legais - aqui está o caráter nitidamente preventivo da inspeção do trabalho -; fornecer informações e conselhos técnicos, mostrando o caráter educador da inspeção do trabalho; e levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências que não estejam contempladas na lei, que é o caráter conciliador do Poder Legislativo com a realidade dos fatos.
Sempre costumo utilizar uma metáfora: a inspeção do trabalho é a ponte que une a realidade dos fatos, o princípio da realidade dos fatos, que é um princípio tão caro ao Direito do Trabalho, justamente porque o auditor-fiscal do trabalho está diariamente em contato com a dinâmica das relações de trabalho, com os fatos, com a vida como ela é... Enfim, é exatamente a ponte que une a realidade, a vida como ela é, à letra fria da lei. Então, cria a possibilidade da efetividade do comando normativo que veio do Congresso Nacional.
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Então, são as três grandes missões, são missões extremamente elevadas que se dão ao Corpo Nacional de Inspetores do Trabalho.
Aí, lembrando algumas frases de efeito, Francis Blanchard, que foi o Diretor mais longevo, o Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho que por mais tempo ficou diante da OIT, dizia textualmente: "A legislação trabalhista sem inspeção é mais um exercício de ética que uma disciplina social obrigatória." Essa é uma frase do Francis Blanchard, Diretor-Geral da OIT, de 1974 até 1989.
Mais uma frase bastante interessante, Jacques Le Goff, grande Historiador francês que dizia que a inspeção do trabalho é o grande escritório das reclamações, das queixas do cidadão. É ali que o cidadão corre para se queixar de tudo o que imaginemos. E os colegas que estão diariamente em contato com os trabalhadores sabem exatamente do que nós estamos falando; até dor de dente a gente precisa resolver. Não é? Porque realmente o trabalhador chega com tantas necessidades e obviamente o trabalhador não sabe dizer: "Olha, a minha necessidade é de caráter securitário; a minha necessidade é de caráter tributário; a minha necessidade é de caráter trabalhista." Não, o trabalhador tem necessidades, e é lá na inspeção do trabalho que ele vai bater.
Mais um, Vincent Viet, outro grande Historiador francês. Ele se refere ao momento de criação da inspeção do trabalho na França, 1841. A França tem o segundo sistema de inspeção do trabalho do mundo; do primeiro eu já falei, foi a Inglaterra em 1833. Em 1841, a inspeção do trabalho é criada na França dentro do regime republicano que havia substituído aquelas estruturas arcaicas, feudais, medievais, inclusive de natureza trabalhista, as diversas servidões que eram praticadas no curso da Idade Média. Então, ele traz uma metáfora...
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - Os inspetores são os voltigeurs de la République, enfim, é um corpo de infantaria social que estaria adiante da República levando adiante os valores da República, de liberdade, de fraternidade e de igualdade.
Mais uma pessoa bastante interessante, Michael Piore, que cria a figura metafórica da flexibilização das relações do trabalho. Ele traz uma ideia da flexibilização por especialização que está lá no cerne da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, ou seja, só é possível a terceirização de atividade-fim, essa era a ideia que estava por trás do Michael Piore. Mas ele traz aí uma ode à inspeção do trabalho, dizendo que a inspeção o trabalho, principalmente as inspeções do trabalho latinas dotadas de grande discricionariedade, elas conseguem efetivamente fazer com que tanto a norma quanto o fato social avancem para um patamar mais elevado, garantindo esse jogo entre as possibilidades e a necessidade de avanço social. E aí ele traz a noção do street-level bureaucracy, que seria uma burocracia do nível da rua: é um servidor público que atua basicamente lado a lado com um cidadão, no nível da rua; não é um servidor de gabinete burocrático. Essa é a figura que ele traz.
O Prof. Amauri, é sempre bom lembrá-lo, saudoso: "A finalidade da fiscalização pode ser resumida na tríade orientação, colaboração e punição." E é com essa tríade que se conseguem avanços sociais. E, por fim, mais um saudoso, o Prof. Valentin Carrion, nos Comentários à CLT, que traz a grande noção de como se encontra a inspeção do trabalho na visão enciclopédica nacional:
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A fiscalização do trabalho visa, administrativamente, o cumprimento da legislação laboral, paralelamente à atuação judiciária, que ao compor os litígios é como a mão comprida do legislador. Os direitos do trabalhador estão protegidos em dois níveis distintos: a inspeção [de natureza tipicamente preventiva] [...] e a proteção judicial, através dos tribunais da Justiça do Trabalho.
Então, esse é o modelo que temos aqui no Brasil.
Eu gostaria de lembrar, de forma bastante breve, alguns modelos que nós temos de sistemas de inspeção do trabalho mundo afora, as classificações. Poderíamos adotar uma classificação de cobertura temática. Temos aí inspeções generalistas, como é o caso da brasileira, que se ocupa de todos os temas relativos às relações do trabalho, ou inspeções especialistas, notoriamente as inspeções nórdicas - e nórdicas eu não digo apenas dos países nórdicos, mas do norte do Planeta, inclusive países anglo-saxões, que apostam numa inspeção baseada em determinadas leis. Os Estados Unidos, por exemplo, têm uma lei de proteção de salário, têm uma inspeção para proteção do salário, têm uma lei de proteção à segurança e saúde, têm um corpo paralelo, diferente da inspeção de salário, para questões de segurança e saúde. A OIT tem preferido o modelo generalista, que parece ser um modelo um pouco mais complessivo, holístico.
Outra forma de classificação seria com relação aos efeitos. Existem inspeções que buscam efeitos de deter o ilícito, que são as inspeções baseadas no efeito deterrant, buscam deter, simplesmente são punitivas, aplicam apenas a punição: norma violada, punição aplicada; e existem as inspeções um pouco mais complexas, como é o caso das inspeções latinas, é o caso da inspeção brasileira, inspeções baseadas no modelo compliant, ou seja, de efetivo cumprimento da norma.
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - Ou seja, a inspeção brasileira não se satisfaz apenas com punição. Ela apenas se satisfaz quando a norma está sendo efetivamente cumprida. E é essa, enfim, a classificação com relação aos efeitos.
Por fim, com relação ao locus jurídico. Existem inspeções autonômicas, como é o modelo brasileiro, ou seja, não dependem de outras instituições para funcionar, porque o Direito Administrativo brasileiro é autonômico, a Administração Pública tem o poder-dever de atuar, em detrimento de outras inspeções heteronômicas, por exemplo, a francesa, que, apesar de ter uma independência administrativa, no momento da aplicação da punição, depende necessariamente do Judiciário, até mesmo porque o Código do Trabalho prevê como imensa maioria das sanções penas de natureza penal mesmo, ou seja, penas de restrição de liberdade.
Continuando, eu deixo a pergunta para todos nós: qual o modelo de relações de trabalho mais adequado para o mercado de trabalho brasileiro? Parece-me que estamos num momento de extrema disputa, estamos num território em disputa. Eu me lembro daqueles filmes de faroeste, dos índios, enfim, dos invasores, daquela coisa toda. Às vezes, me parece que a gente está num momento muito semelhante àquele, de disputa mesmo, direta. No final dessa disputa, quando, enfim, soubermos ou tivermos a clareza de qual é o modelo de relações de trabalho que queremos para o País, certamente também vamos ter muito claro qual é o modelo de Inspeção do Trabalho mais adequado para o País.
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - Então, esse é o ponto-chave do momento exato que estamos discutindo. E aí o Estatuto do Trabalho seria o espaço de discussão desse novo modelo de relações de trabalho que queremos para o País. E me parece que queremos um modelo de País, de relações de trabalho que promova o trabalho, que valorize o ser humano - isso já foi dito aqui por todos -, que valorize a força do trabalho do homem, que valorize as capacidades individuais de cada trabalhador para que não percamos talentos, para que não percamos energia e para que não percamos inclusive economia. Já que está tão em voga falarmos prioritariamente da economia, a economia está diretamente relacionada à capacidade que o trabalho tem de ter ganhos de produtividade, enfim, de redução de acidente de trabalho, de redução de custos para a Previdência, de inclusão social pela via do trabalho. Então, é esse modelo que nós precisamos resolver,...
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(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - ... precisamos discutir, e é esse modelo que o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho traz aqui para discussão, traz aqui para todos com relação ao que fora apresentado do Sistema Nacional de Inspeção do Trabalho.
Então, de forma bastante rápida, já finalizando, Senador, a proposta que o Sindicato traz é uma proposta, como V. Exª viu, de busca de mais autonomia, de busca, enfim, de mais possibilidades, de mais meios, principalmente de algo que está nítido: os auditores já não conseguem mais se encaixar em um sistema patrimonialista, fisiologista, de um presidencialismo político baseado em acordos entre os Partidos, que acabam, enfim, tentando empurrar para algum lado essa questão, a conta. Isso já foi dito aqui também por outros participantes da Mesa, principalmente pelo colega da Conlutas, que trouxe isso...
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - ... enfim, que há hoje, de maneira bastante explícita, uma pressão enorme sobre a Inspeção do Trabalho.
Então, a proposta que o Sindicato traz é justamente no sentido de blindagem da Inspeção do Trabalho para que ela possa cumprir seu mister, cumprir sua missão, que é uma missão constitucional - gostaria de lembrar que estamos lá na Constituição Federal. Cabe exclusivamente à União coordenar, manter e executar a inspeção do trabalho. Então, é importante lembrar que o Constituinte de 1988 já nos deu essa missão. O que nós queremos agora é simplesmente ter meios para que essa missão seja cumprida, Senador.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho e representante do Sinait. Fez uma bela exposição, fazendo uma retrospectiva histórica da importância do Direito do Trabalho.
Nós temos mais um para falar na Mesa, mas o Dr. Guilherme vai ter de se retirar. Como houve uma provocação positiva, uma pergunta para a Anamatra, ele gostaria de responder antes de sair.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Eu agradeço, Senador, e me escuso com a colega Lucimary, não vou poder estar aqui, mas depois vou querer ver o que efetivamente falou na transcrição.
Respondendo aqui ao caríssimo Abel Ferreira, de Goiás, ele pergunta então se o tema da Inspeção do Trabalho não deveria constar do programa para o concurso de Juiz do Trabalho. Eu diria que lateralmente até é, de fato, tema, mas acho que uma abordagem mais abrangente caberia. Sei que os concurseiros que nos ouvem vão odiar, inclusive a minha noiva, Luana, mas eu acho que sim, e mais do que isso: Direito Ambiental do Trabalho tinha de ser efetivamente um tópico a merecer um desenvolvimento maior no programa que é apresentado aos candidatos para o concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, os dois temas: esse e inspeção do trabalho. E, no foco preventivo, que é o foco natural da inspeção, especialmente a questão do meio ambiente de trabalho, me parece, mereceria, sim, uma renovação, um cuidado maior e uma abrangência maior no contexto do programa dos concursos.
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Quero registrar, Senador, mais uma vez, nossos agradecimentos, colocar, mais uma vez, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho à disposição para esse belíssimo trabalho, para essa belíssima iniciativa do Estatuto do Trabalho brasileiro, pedir a V. Exª que analise com carinho essa ideia de internalizar no texto do Estatuto do Trabalho essa ótica prevencionista e "precaucionista", que nos parece fundamental. Por isso quisemos trazer esse debate aqui, porque quando eu falo em prevenção e precaução estou falando basicamente do fator tempo, portanto, quanto antes o Estado chegar, melhor. E aí é fato: a fiscalização do trabalho chega antes do Judiciário. Portanto, essa lógica é especialmente importante para que a própria fiscalização seja mais efetiva.
Agradeço mais uma vez.
Deixo um abraço a todos da Mesa.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Anamatra.
Concluindo o trabalho desta Mesa, de excelentes painelistas, nós agora teremos a Drª Lucimary Santos Pinto, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
A SRª LUCIMARY SANTOS PINTO - Boa tarde a todas e todos.
Eu quero saudar esta Mesa em nome do nosso ilustríssimo Senador Paulo Paim.
Lamentando a saída antecipada do Dr. Guilherme, faço questão de fazer o registro de que nós queremos saudar, em nome da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, a iniciativa dessas audiências pelo Senador Paim, saudar os posicionamentos adotados pela Anamatra em relação à reforma trabalhista, falados aqui pelo Dr. Guilherme e entendidos por alguns como posicionamentos mais à esquerda. Eu queria registrar que não são posicionamentos mais à esquerda, como citado pelos que têm se incomodado com as posições da Anamatra, mas, sim, posicionamentos voltados para resgatar o equilíbrio dessa correlação desigual de forças que é o capital e o trabalho. (Palmas.)
Com relação à inspeção fiscal, eu me sinto muito à vontade, Senador, e fiquei muito feliz quando a Confederação foi convidada para participar deste debate, porque a gente vive isso como representantes de trabalhadores da saúde em todo o País, em todo o nosso Brasil, especialmente eu, que sou da Região Nordeste, do Estado do Maranhão. A gente vive uma situação extremamente precária.
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Eu acompanho o trabalho dos auditores-fiscais do Maranhão, meu Estado, desde a década de 90, e muito triste desde essa década. Desde os anos de 1995, 1996, estou ouvindo os auditores-fiscais do meu Estado dizerem das condições precárias de trabalho às quais eles teriam e têm até hoje que se submeter para exercer o seu mister, que é a fiscalização, é a efetivação das normas, das convenções coletivas de trabalho, da própria lei. E nós, como representantes de trabalhadores desse segmento de saúde, até os dias de hoje, com todas as precariedades existentes na Superintendência do Trabalho no Maranhão, utilizamos muito esse trabalho como forma de resolver conflitos com a maior celeridade possível. Por exemplo, nós utilizamos muito a mediação como instrumento de solução de conflitos, e o Ministério do Trabalho, a Superintendência do Trabalho no Maranhão contribuiu muito com a resolução de conflitos através da mediação e também da fiscalização.
A gente ouve até hoje depoimentos de auditores-fiscais que já adquiriram as condições para aposentadoria e, contudo, não se aposentaram porque não foram substituídos. Então, é com o temor de esvaziar e com o compromisso que esses auditores-fiscais no Maranhão têm com a inspeção do trabalho que eles continuam lá, exercendo a sua função de forma precária, muitas vezes até sem transporte, como foi relatado aqui pelo representante dos metalúrgicos de São Paulo. No Maranhão, no Nordeste não é diferente. Então, como pensar na efetivação das garantias dos trabalhadores diante de condições precárias?
E, diga-se de passagem, Senador, a gente vem percebendo que esse desmonte faz parte de uma concepção de Estado mínimo que vem se arrastando ao longo dos anos. A intenção, de fato, do Estado brasileiro é afastar essas políticas de proteção do trabalhador. É o favorecimento de um em detrimento de outro. Então, trabalhadores hoje não têm asseguradas condições mínimas de trabalho e não há quem faça esse papel, não há auditor-fiscal suficiente para a demanda de uma região, de um Estado como o Maranhão, que tem 217 Municípios. Essa situação agora vai se agravar, com o advento da Lei 13.467, em razão da precarização que vai se instalar com essa suposta modernização trabalhista.
Enfim, trazemos como proposta para o Estatuto do Trabalho o resgate da efetiva atuação da inspeção do trabalho no Brasil, de modo a assegurar uma relação de equilíbrio. Nós não pensamos, como representantes de trabalhadores, que só os trabalhadores são sujeitos de direitos. Não. Os empregadores também têm sua importância como promoção de riquezas neste País. Contudo, como foi dito por Dr. Guilherme, essa correlação de forças é desigual e vai continuar sendo. E foi precarizada ainda mais agora, com o advento da lei.
Então, nada mais justo do que buscar que esse papel... A gente tem parabenizado sempre e dito sempre, Senador Paim, que o Estatuto do Trabalho é a luz no final do túnel. É o que a gente consegue vislumbrar como perspectiva de resgate do equilíbrio dessa correlação de forças. Parabenizo mais uma vez e quero dizer que a CNTS está junto com V. Exª nessa caminhada e na defesa intransigente do direito e da proteção do trabalho.
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E parabenizo todos os auditores-fiscais aqui presentes, em especial os auditores-fiscais do meu Estado do Maranhão, que são grandes guerreiros e que lutam bravamente para assegurar que as garantias resguardadas nas convenções internacionais ratificadas no nosso País e nos instrumentos coletivos de trabalho sejam preservadas e respeitadas.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Drª Lucimary Santos Pinto, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde.
Nós vamos agora para as considerações finais de todos os nossos convidados. O Dr. Guilherme não se encontra presente. Começo com o Dr. Carlos Fernando da Silva Filho, que já vai aproveitar para responder também a um dos questionamentos.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Senador, eu quero agradecer a todos que fizeram suas exposições aqui, agradecer pela colaboração de fazermos juntos essa reflexão, a todos que estão trabalhando no grupo, na subcomissão temática da CDH dedicada à construção do texto que vai iniciar, como bem já registrou o Senador, os debates com toda a sociedade brasileira, e quero fazer isso na pessoa do Leandro, que tão bem conduz esse trabalho. Quero saudá-lo pelo trabalho na subcomissão temática.
E quero dizer que nós, auditores-fiscais do trabalho, nessa discussão proposta, gostaríamos muito de contar com a participação efetiva das centrais sindicais de trabalhadores.
Aliás, Senador e colegas presentes, nós sentimos muito a ausência das centrais sindicais quando o tema é inspeção do trabalho. Isso chega a ser esquisito, porque imaginamos nós que é do máximo interesse de todas as centrais sindicais enxergarem e lidarem com uma fiscalização, um sistema federal de inspeção forte o suficiente para, ao lado de todos os sindicatos no Brasil, garantir o cumprimento da legislação de proteção social do trabalho. Deixo esse registro aqui, que certamente será ouvido por todos, por todas as centrais sindicais.
E não poderia deixar de lamentar - mas é um lamento ao tempo em que a gente continua lutando - a reforma trabalhista inconstitucional aprovada. Não paramos de dizer isso, e somos atacados de todas as formas por não reconhecê-la, porque de fato não devemos reconhecê-la como constitucional. É inconstitucional a reforma trabalhista aprovada. Quero dizer do nosso lamento da aprovação da terceirização sem limite e trazer aqui mais outro alerta, que já é objeto também da nossa atuação dentro do Parlamento, que conta também com o apoio do Senador Paim: a luta para que consigamos frear a tentativa de terceirização também da fiscalização administrativa. Existe um projeto, que está caminhando bem, para entregar na mão de particulares a fiscalização, todas as fiscalizações administrativas do Estado. Há projetos que tentam limitar a atuação das autoridades administrativas no quesito da interpretação normativa, fazendo crer que somos nós robôs desprovidos de inteligência para, na aplicação da norma, interpretá-la. Óbvio que as autoridades administrativas interpretam a norma para aplicá-la. Não somos robôs, nós somos seres humanos inteligentes para fazer isso, e é isso que se espera das autoridades administrativas.
Nós vivemos, no meio de tudo isso, boatos, que não são tão boatos assim, que estão colocando em xeque a necessidade da manutenção, da existência do Ministério do Trabalho, como se faz em relação à Justiça do Trabalho. Isso não está desconectado.
(Soa a campainha.)
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O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - O Ministério do Trabalho existe, e a sua importância é inequívoca, por sua história e porque os trabalhadores dele precisam. Os desequilíbrios são evidentes.
Nós temos, portanto, muitos desafios e temos grandes esperanças. Temos muita energia para enfrentar todos esses desafios. O ambiente criado pelo Senador Paim, no Estatuto do Trabalho, é fenomenal, para que possamos fazer ricos debates, como o de hoje. Eu quero, mais uma vez, agradecer a oportunidade que o Senador traz a nós, auditores-fiscais do trabalho, especialmente, por esse debate realizado.
Quero responder à pergunta de Abel Ferreira, que perguntou o que o Sinait acha do Código de Ética elaborado pela Associação Internacional da Inspeção do Trabalho e se nós somos filiados a essa associação.
O Código de Ética eu o conheço não tão profundamente, mas o conheço. Ele, na verdade, representa uma reunião do que, no ordenamento jurídico brasileiro, está distribuído em vários instrumentos legais, como, por exemplo...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... o impedimento de que nós ocupemos cargos que possam gerar conflitos de interesse. Eu não posso ser auditor-fiscal do trabalho e ser advogado de uma empresa, por exemplo. A lei já não permite no Brasil que nós façamos isso. Nós temos o Código de Ética do Servidor Público, que alcança o auditor-fiscal do trabalho e que estabelece uma série de limites. E nós temos, no limite, o conflito de interesses.
Então, esse Código de Ética aqui apresentado, falado por você, Abel Ferreira, é algo que caminha nessa direção, que não temos consolidado em relação à Inspeção do Trabalho num só documento, mas temos isso, sim, distribuído por todos os instrumentos legais, porque, somente assim, poderíamos ter vinculada a atuação do auditor. Não poderíamos nós pegar um código desse isoladamente, destacando-nos dos outros servidores públicos do Governo brasileiro, para termos um código só nosso.
Além desse código dos servidores públicos federais, nós também estamos vinculados aos comandos éticos também do Código de Ética dos Servidores do Ministério do Trabalho. Então, existem bastantes limites dados sob essa ética moral à atuação dos inspetores do trabalho no Brasil. E nós não somos filiados a essa entidade.
Obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Carlos Fernando da Silva Filho, que falou pelo Sinait.
De imediato, passo a palavra a Paulo Douglas Almeida de Moraes, que é Procurador do Trabalho, representante do Ministério do Trabalho e também da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.
O SR. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES - Senador, eu gostaria, em nome do PGT e em nome do Presidente da ANPT, mais uma vez, de agradecer a oportunidade e, mais uma vez, de enaltecer a minha felicidade pessoal por tratar de um tema extremamente caro, exatamente por eu ter composto a Auditoria Fiscal do Trabalho e, portanto, por compreender a sua importância, a sua relevância, sobretudo neste momento histórico.
Eu gostaria de ressaltar nestas palavras finais que a reforma trabalhista, eu diria até, Carlos, mais do que inconstitucional, traduz um crime de lesa-pátria, porque não vitima apenas os trabalhadores, mas vitima a Nação como um todo. Ela promove um empobrecimento sistêmico, e isso pode ser demonstrado matematicamente. Nós, no preâmbulo da nossa Constituição, declaramos que pretendemos criar um Estado democrático voltado à promoção da igualdade de todos, livre de qualquer discriminação, exatamente contrário ao que essa reforma produz.
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É fundamental que o Parlamento reflita a respeito desse erro histórico, que nos remete não à fase pré-Vargas, mas que nos remete à fase pré-Lei Áurea, porque, na fase da escravidão, enquanto tínhamos esse modelo de produção, Senador, por mais que o trabalhador fosse propriedade do patrão, havia um compromisso pessoal entre esse proprietário e essa propriedade. A reforma criou um mecanismo que coisificou o ser humano e, ao mesmo tempo, elimina essa responsabilidade pessoal entre patrão e empregado, terceirizando para um sistema previdenciário precário a responsabilidade que, até então, era desse patrão escravagista. Portanto, esse erro histórico deve ser reparado imediatamente.
Saúdo, mais uma vez, V. Exª pela iniciativa. Rogo a Deus que, realmente, debates como este possam iluminar os Senadores e Deputados e quiçá os nossos representantes do Poder Executivo, para que, o quanto antes, nós possamos corrigir, reparar esse crime.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Dr. Paulo Douglas Almeida de Moraes, Procurador do Trabalho, que falou pelo Ministério Público do Trabalho e também como representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho!
De imediato, passo a palavra para o Dr. Leif Raoni de Alencar Naas, Auditor-Fiscal do Trabalho e Assistente Técnico do Ministério do Trabalho.
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - Primeiramente, eu gostaria de me retratar. Eu nominei somente o Renato Bignami como sendo o mentor intelectual desse trecho do anteprojeto. Então, peço desculpas a todos os auditores que fizeram parte disso, alguns, inclusive, aqui presentes. Parabenizo esses auditores também pela participação na elaboração desse anteprojeto.
Em que pesem os ataques que a Auditoria Fiscal do Trabalho...
(Soa a campainha.)
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - ... tem sofrido nos últimos anos, como foi colocado aqui, existem pontos na auditoria que são elogiáveis e são reconhecidos internacionalmente.
Recentemente, eu fiz um estudo de mestrado na Inglaterra, no qual comparei alguns aspectos da Auditoria Fiscal do Trabalho no Brasil e da Inspeção do Trabalho na Inglaterra. A Inspeção do Trabalho da Inglaterra é a mais antiga do mundo e, reconhecidamente, é uma das mais modernas. Ainda assim, há aspectos da Auditoria Fiscal do Trabalho no Brasil que foram elogiados pelos técnicos e acadêmicos com os quais tive contato durante o meu estudo, desde a participação do Ministério do Trabalho na elaboração das NRs, do modelo tripartite adotado pelo Brasil, até a forma como a fiscalização se dá, por exemplo, exercendo o poder sancionatório. Ao passo que a Inspeção do Trabalho na Inglaterra não aplica multas - isso causa certo trabalho para eles, para que consigam a regularização de itens que são infringidos por empregadores lá -, o Ministério do Trabalho aqui aplica multas, os auditores-fiscais do trabalho lavram autos de infração, que, consequentemente, podem virar multas.
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Essa possibilidade da aplicação de multas diretamente pelos auditores fiscais é uma coisa que os técnicos da Inspeção do Trabalho na Inglaterra buscam trazer para eles, mas eles não conseguem isso por conta de problemas legislativos. A política atual na Inglaterra não é muito favorável à ampliação dos poderes dos auditores do trabalho. A atuação lá é eminentemente criminal, penal, ou seja, diante de uma situação de grave e iminente risco ou de uma situação em que há uma infração grave...
(Soa a campainha.)
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - ... à saúde e segurança do trabalho, a atuação do Ministério Público e até a atuação da Inspeção do Trabalho são eminentemente criminais, não há a aplicação de sanções cíveis, como multas ou a obrigação de fazer ou de não fazer. Enfim, existem pontos da Auditoria Fiscal do Trabalho que são reconhecidos internacionalmente pela inspeção mais antiga e mais moderna do mundo como louváveis, como pontos positivos.
Aí coloco a seguinte indagação: imaginem, se a Inspeção do Trabalho tivesse autonomia e as condições preconizadas pelo anteprojeto que foi colocado aqui, qual seria o alcance, quais seriam as ações, qual seria o efeito que a Auditoria Fiscal do Trabalho no Brasil teria para prevenir acidentes, enfim para tutelar as relações de trabalho!
Fica essa provocação, porque temos de valorizar as coisas que são boas. Ainda que existam problemas e pontos positivos, há sempre espaço para melhorias. Tenho a certeza...
(Soa a campainha.)
O SR. LEIF RAONI DE ALENCAR NAAS - ... de que, se essas melhorias forem de fato executadas, teremos uma Auditoria Fiscal do Trabalho que, efetivamente, vá garantir a tutela das relações do trabalho de forma inequívoca, de forma a produzir os maiores efeitos positivos possíveis. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Leif Raoni de Alencar Naas, Auditor-Fiscal do Trabalho e Assistente Técnico do Gabinete do Ministério do Trabalho!
Nós vamos passar a palavra agora para o representante da Anamatra, já que o Dr. Guilherme saiu.
Nós estamos dando três minutos, para fazer as considerações finais, ao Dr. Paulo Boal, falando no lugar do Dr. Guilherme agora.
Em seguida, falarão o Renato e a Lucimary.
O SR. PAULO DA CUNHA BOAL - Senador Paim, agradeço esta oportunidade.
Eu só queria trazer alguns números que demonstram o desequilíbrio que nós temos no que diz respeito ao número de ações trabalhistas e à fiscalização, que me parece também sejam fruto desse volume.
O Brasil trabalha sob uma lógica estranha na maioria das vezes. Em 2015 - o Carlos pode me corrigir se tiver ocorrido alguma alteração desde lá -, o Brasil contava com 2.782 fiscais, e nós tínhamos 3.371 juízes do trabalho. Parece-me um contrassenso que haja um número maior de executores do que de fiscais. O volume de ações na Justiça do Trabalho decorre da pouca fiscalização que existe hoje no mercado. Um fiscal do trabalho atuante eliminaria, e muito, a demanda existente na Justiça do Trabalho.
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Em compensação, a política implementada há muitos anos é a de que não tenhamos uma fiscalização efetiva, a de que não consigamos trabalhar no coletivo e atuemos basicamente no varejo nas ações trabalhistas. Cada juiz do trabalho recebe, em média, hoje, no Brasil, 1,2 mil processos por ano, o que cairia muito se houvesse uma fiscalização efetiva, uma preocupação em evitar litígios, não como se pretende com a reforma trabalhista, que é: dificultar o acesso através do encarecimento da proposta ou a retirada de direitos. Foram as duas consequências, como disse o Paulo Douglas: retiram-se direitos, diminuem-se demandas; dificulta-se o acesso ao Judiciário, diminuem-se demandas. Não se ataca o foco principal, que é a grande litigiosidade existente no mercado de capital e trabalho.
É nesse sentido só.
Agradeço novamente a oportunidade de a Anamatra se manifestar nestas audiências públicas aqui.
Muito obrigado, Senador Paim. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Boa contribuição, Paulo Boal, representante da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
Dr. Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) também.
O SR. RENATO BIGNAMI - Já partindo para as considerações finais, Senador, agradeço imensamente a oportunidade, enfim, que me foi dada, confiada pelo nosso querido Presidente, Dr. Carlos Silva. Na verdade, ele nos brinda não com uma obrigação quase que cívica, mas, sim, com um presente mesmo, que foi a alegria de compartilhar esse tempo todo com os colegas que fizeram parte do grupo. Por isso insisti tanto em compartilhar mesmo a responsabilidade, mas também a alegria de ter participado deste grupo, debatido com os colegas.
Em nenhum momento esse debate pesou. Enfim, foram momentos extremamente leves, alegres, construtivos - muito sérios, mas extremamente leves -, justamente porque todos os 19 colegas do grupo são extremamente comprometidos e detêm uma expertise única, que é a expertise do auditor-fiscal do trabalho, que eleva a inspeção do trabalho brasileira à qualidade que ela tem hoje. Então, na verdade, o que a gente observa é que temos uma inspeção que não se encaixa na qualidade do nível do debate político que se tem demonstrado na Nação. E é isto que está ficando cada vez mais claro: somos um corpo de profissionais, de colegas apolíticos, mas que, enfim, empenham todo o seu conhecimento técnico para garantir a melhoria constante, permanente e efetiva dos ambientes de trabalho. No entanto, por falta de meios materiais, humanos e, muitas vezes, até de conhecimento - daí a necessidade de haver a formação permanente -, os auditores realmente acabam, enfim, falhando na questão da quantidade das inspeções, o que muito bem foi colocado pelo colega da Anamatra.
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - Eu só queria aqui, para finalizar, lembrar que a gente está em um momento de extrema disputa. É um daqueles momentos que os historiadores dizem aí que é a tal da esquina da história. E é fundamental - isso já foi dito pelo Dr. Carlos, mas eu gostaria de reiterar - que as instituições de proteção ao trabalho, como magistratura do trabalho, Ministério Público do Trabalho, inspeção do trabalho, notadamente, que vêm participando desses debates nesse âmbito, estejam unidas, e não na verdade buscando reafirmar diferenças históricas. Nesse quesito, é fundamental também que haja recuos de cada uma dessas instituições. Então, é importante que compreendamos a questão.
Eu queria só fazer uma menção rápida à fala do Dr. Paulo.
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Não se trata de um estatuto da inspeção do trabalho, Dr. Paulo. Na verdade, o estatuto é do trabalho, é do trabalhador, sim.
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - Mas, em virtude da centralidade da inspeção do trabalho, da facilidade com que ela protege o trabalho, da celeridade com que, no âmbito administrativo, se conseguem resolver problemas graves do ambiente do trabalho, é que houve realmente a necessidade, enfim, de se varrer uma legislação no sentido de garantir não uma blindagem - nem gosto dessa palavra -, mas de garantir prerrogativas, garantir recursos, garantir meios para que os auditores-fiscais do trabalho possam realizar com tranquilidade o seu mister.
Então, eu digo isso com muita tranquilidade e com o carinho que eu tenho pela instituição do Ministério Público do Trabalho, que é essencial na Constituição, enfim, na proteção da ordem constitucional, tanto quanto a inspeção do trabalho.
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO BIGNAMI - Então, é fundamental que as instituições se harmonizem neste momento de disputa, senão, essa esquina da história vai passar, e nós não vamos ter a dimensão dela no horizonte.
Muito obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho e representante também do Sinait.
Por fim, concluindo, Drª Lucimary Santos Pinto, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
A SRª LUCIMARY SANTOS PINTO - Mais uma vez, Senador, em nome da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, agradeço o convite para poder participar na construção desse debate rumo ao Estatuto do Trabalho.
E, não perdendo esta oportunidade, considerando que neste momento milhares de trabalhadores e trabalhadoras nos assistem através da TV Senado, quero dizer que nós estamos no momento de construção de um estatuto, mas que, efetivamente, a aprovação desse novo estatuto vai depender muito de nós, de cada um de nós brasileiros e brasileiras, que estamos incomodados com o que aconteceu com o advento da Lei 13.467. É preciso pensar neste momento, neste ano, no exercício legal do voto, em eleger representantes que estejam comprometidos com o fim das desigualdades sociais no nosso País, porque só assim nós teremos aprovado um estatuto que para nós, para a sociedade brasileira, representa o equilíbrio dessas relações entre capital e trabalho. Então, há que se pensar este ano que todo trabalhador e trabalhadora, todo cidadão brasileiro pode contribuir para que efetivamente a gente tenha garantido o resgate dessa harmonia tão necessária para a nossa vida: capital e trabalho.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Lucimary Santos Pinto, que falou pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. V. Sª está coberta de razão.
Eu diria que, além da reforma trabalhista, há a reforma da previdência. Se você assistiu a todo este debate aqui, percebeu o esforço que estão fazendo todas as entidades e, eu diria, os representantes de trabalhadores do campo, da cidade, da área pública, da área privada, de empresários que têm responsabilidade social para construir o Estatuto do mundo do Trabalho. Sabemos que vai haver resistência, mas quem vai votar e quem vai sancionar serão aqueles que vão ser eleitos em 2018. O Congresso vota, e o Presidente eleito ou a Presidenta é que vai sancionar.
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Calculem a reforma da previdência, que eles tiveram que engolir, porque houve uma grande mobilização da sociedade, instalamos a CPI da Previdência - eu tive a alegria de ser o Presidente, e o Senador Hélio José foi o Relator - e mostramos que não há necessidade nenhuma dessa reforma. É só cobrar sonegador, aquele que desvia, aquele que se apropria indevidamente do dinheiro da previdência; é acabar com os Refis; é aquela tal de DRU, que é 1,5 trilhão que desapareceu da seguridade, desde que ela foi criada. Estou dando um resumo aqui. É aprovar a PEC 24, de 2003, ainda, de nossa autoria, que diz: o dinheiro da seguridade não pode ser desviado para outros fins.
E o que a reforma trabalhista tem a ver com isso? Tem a ver porque, como disse muito bem aqui o Dr. Paulo, e todos foram, eu diria - permita-me, Paulo -, na mesma linha, nós vamos entrar em um estado de miséria absoluta. Resultado: vai diminuir a receita também da previdência. Então, é fundamental que todos tratem disso com muito carinho.
Este aqui não é um discurso eleitoral nem partidário e muito menos personalizado neste ou naquele Parlamentar. Mas nós temos o compromisso com a nossa história, com a vida, como foi dito aqui, com a própria segurança no trabalho, de eleger homens e mulheres que tenham o compromisso de manter o direito de nós todos nos aposentarmos, para que os trabalhadores da área pública e da área privada tenham o direito de se aposentar e de ter um estatuto decente, porque essa lei que está aí, infelizmente, é indecente.
Muito obrigado a todos.
Está encerrada a nossa audiência pública. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 26 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 15 minutos.)