11/04/2018 - 11ª - Comissão Temporária para Reforma do Código Comercial (Art. 374-RISF)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Havendo número regimental, declaro aberta a 11ª Reunião da Comissão Temporária destinada a examinar o Projeto de Lei nº 487, de 2013, que reforma o Código Comercial.
Conforme convocação, a presente audiência pública tem por objetivo discutir os temas "Processo Empresarial", "A função social da empresa no Projeto de Código Comercial" e "Operações societárias".
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Com muito prazer, convido para participar aqui da mesa os seguintes convidados: Drª Ana Frazão, Professora de Direito Civil e Comercial da Universidade de Brasília, com atuação na graduação e pós-graduação, ex-Conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Relatora da Comissão de Juristas do Projeto de Código Comercial instituída pela Câmara de Deputados. Seja bem-vinda!
Convido o Dr. Fernando Passos, membro do Conselho Superior de Direito do Fecomercio de São Paulo, professor de Direito Empresarial do Centro Universitário Araraquara, membro da Comissão de Juristas da Câmara Federal que analisa o projeto do Novo Código Comercial.
Convido o Dr. Flávio Yarshell, professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo, membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da Associação Internacional de Direito Processual, da Associação Internacional de Direito Processual, da Associação dos Advogados de São Paulo, membro benemérito da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. É advogado, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Processual, tutela antecipada, processo civil, responsabilidade civil e reforma do Código de Processo Civil.
O Dr. Gustavo Ramiro Costa é Presidente da Comissão Especial de Análise do Novo Código Comercial do Conselho Federal da OAB e leiloeiro oficial nomeado pela Junta Comercial do Estado de Pernambuco (Jucepe). Tem experiência na área jurídica, com ênfase em Direito Civil e Empresarial, atuando principalmente nos seguintes temas: empresas e empresários, títulos de créditos, contratos empresariais, Constituição, falência, recuperação, dissolução e liquidação de empresas, Direito Imobiliário e demais áreas afins.
O Dr. Maurício Moreira Mendonça de Menezes é advogado e professor de Direito Comercial e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem experiência em Direito Societário, fusões e aquisições, mercado de capitais, operações imobiliárias, direito bancário, contratos empresariais, recuperação do empresário, falências, arbitragem e anticorrupção da empresa. Foi membro da Comissão Especial de Juristas instituída pela Câmara dos Deputados para revisão do projeto do Código Comercial brasileiro.
Eu quero, mais uma vez, agradecer aos convidados aqui presentes, de altíssimo nível, juristas de excelência neste País, que realmente vão dar a sua efetiva contribuição para aperfeiçoamento do nosso Código Comercial. Agradeço muito a presença de vocês. Para nós, é motivo de honra e para o Senado Federal.
Os temas desta 11ª audiência pública de discussão do projeto do Código Comercial são de grande importância.
Em primeiro lugar, temos a discussão sobre a função social da empresa. Sabemos que as empresas não cumprem apenas uma mera função econômica de produção e circulação de bens e serviços. Para além dessa função econômica, a função social também decorre da existência e do desenvolvimento das empresas. Elas são importante fonte de receita tributária do Estado, geram emprego para os trabalhadores, atendem às necessidades dos consumidores, criam, enfim, riquezas para a sociedade.
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Não se pode confundir a função social com a responsabilidade social das empresas. São duas esferas totalmente distintas dessa dinâmica realidade social. Enquanto a função social é conceito jurídico decorrente da previsão constitucional da função social da propriedade, a responsabilidade social, representada por gesto de liberalidade, caridade ou apoio a causas nobres, diz respeito à administração interna da empresa.
Outro tema de suma importância, que será objeto de discussão hoje, é o processo empresarial. Verificando o projeto, parece-me que o espírito do livro do Direito Empresarial foi de aproveitar a experiência, muito proveitosa, por sinal, de alguns aspectos da arbitragem para transpô-la para o ambiente judicial. Note-se a importância dada pelo projeto, a prevalência do acordo entre as partes, no que diz respeito à tramitação da ação aos prazos, à produção de prova e a outros aspectos.
O terceiro tema é relativo às operações societárias, ou seja, fusão, cisão e incorporação de sociedades. Hoje o direito positivo divide a matéria em duas leis: a Lei 6.404 é aplicável quando pelo menos uma das sociedades envolvidas na operação é sociedade anônima, e o Código Civil se aplica quando não há nenhuma sociedade anônima envolvida. Claro, a discrepância entre as duas leis e até mesmo a existência dessa duplicidade dão ensejo à insegurança jurídica que o projeto do Código Comercial procura suprir.
Por fim, vamos discutir novamente, por sua real importância, o impacto que o futuro Código Comercial pode representar na posição do Brasil em ranking de ambiente de negócios, como o Doing Business, do Banco Mundial, por exemplo, melhorando a nossa classificação.
Eu estou bastante satisfeito e feliz com os resultados das audiências públicas realizadas até o momento. Todos os assessores parlamentares estão aqui presentes e muito contribuem para o esclarecimento das questões em discussão. E tenho certeza de que a audiência de hoje irá trazer também várias contribuições para o aperfeiçoamento do projeto.
Lembrando que esta reunião está sendo transmitida para o País todo através da TV Senado. Isso é bom! E nós recebemos sistematicamente, do e-Cidadania, questionamentos que passarei diretamente para os convidados. Isso dá uma abrangência nacional à nossa audiência pública.
Neste momento, com muito prazer, vamos ser gentis, vamos dar a palavra para a Drª. Ana Frazão. Pois não! Com a palavra.
A senhora teria 15 minutos, só que, quando estiver faltando um minuto, já sabe que vai tocar a campainha, mas terá mais um minuto. Se, eventualmente, ainda for insuficiente, daremos mais três minutos. Com a palavra.
A SRª ANA FRAZÃO - Muito obrigada, Senador! Gostaria de cumprimentá-lo, especialmente reiterar a honra que é estar aqui, no Senado, para debater esses temas, cumprimentar todos os meus colegas de Mesa, ilustres professores, muito amigos queridos aqui, e cumprimentar também todos que estão aqui conosco.
Eu acho que esse tema do princípio da função social da empresa é de extrema relevância e, como ele hoje está expressamente previsto no projeto de Código Comercial, é importante que possamos entender um pouco da necessidade, da pertinência e da importância desse tipo de previsão.
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Antes de abordar especificamente o assunto da função social em si, eu gostaria de reiterar que, a meu ver, uma das grandes vantagens, um dos pontos muito positivos desse projeto é exatamente ter uma parte principiológica, e aqui a função social da empresa é um dentre os inúmeros princípios que constam desse projeto. E isso se deve a uma série de razões. A primeira delas, por uma questão importante de técnica legislativa diante de uma sociedade plural e complexa que muda tão rapidamente, ou seja, é impossível hoje reger, do ponto de vista legislativo, os fatos apenas por meio de regras. Os princípios são extremamente importantes para que eles possam nos ajudar a esclarecer o sentido dessas regras, adaptá-las de acordo com as modificações, ajudar-nos nos processos de integração. Então, eu acho que esse é um aspecto por si só muito positivo e que precisa ser ressaltado.
Se isso já é importante, parece-me, em todas as áreas, o é especialmente no Direito Comercial, que é uma área do Direito que vem sendo muito esgarçada do ponto de vista do seu conteúdo e da sua principiologia, exatamente em razão da inexistência de uma reflexão mais aprofundada em torno das características da atividade empresarial e dos princípios de deveriam regê-la. Nós, que atuamos mais diretamente na matéria empresarial, percebemos hoje como é fácil que juízes muitas vezes apliquem às causas empresariais o Código de Defesa do Consumidor. Esse processo não foi revertido nem mesmo após o Código Civil, e vejam que o Código Civil não é adequado em uma série de aspectos para as relações empresariais. Primeiro, porque a suposta unificação das obrigações privadas se deu sob uma perspectiva das obrigações civis, que nem sempre levou em consideração as obrigações comerciais. Em segundo lugar, porque, de fato, embora por uma questão de tradição, tenhamos observado no Direito brasileiro, durante muito tempo, uma unificação ainda que informal dessas obrigações, isso, a meu ver, deixou de ser possível depois de uma série de modificações pelas quais o próprio Direito Civil passou.
Hoje nós temos um Direito Civil que se baseia essencialmente na proteção das situações existenciais. E é bom, e é natural que seja assim, mas, quando estamos no âmbito das relações empresariais, aqui nós estamos lidando com outros assuntos. Nós estamos falando de relações entre agentes profissionais, agentes que correm o risco, que assumem o risco, exatamente em busca de uma lucratividade. Então, uma intervenção excessiva, uma intervenção desastrada, uma ênfase, muitas vezes, excessiva nessas situações existenciais, que são tão naturais e tão importantes para o Direito Civil, no Direito Comercial podem gerar, sim, uma série de distorções.
Então, essa eu acho que é mais uma razão que justifica essa parte principiológica do atual Código. Isso sem contar que, especificamente, em relação à função social da empresa, nós estamos falando de um princípio que consta da nossa ordem econômica constitucional. Então, eu acho muito importante que o Código possa ser um caminho, uma ponte entre a Constituição e as relações empresariais. Esse processo que, muitas vezes, no Direito Civil se chama de constitucionalização... E eu não vou chegar aqui a ponto de sustentar uma constitucionalização do Direito Comercial, mas é fato que todas as áreas jurídicas e o Direito Comercial também pertencem a esse conjunto, e elas precisam dialogar minimamente com a Constituição. E é isso que o Código, o projeto de Código pretende fazer ao prever essa principiologia.
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É muito interessante, então, já passando especificamente para o projeto, que a função social da empresa esteja dentre os princípios do Direito Comercial, portanto, dentre os princípios mais gerais, no art. 5º, inciso III, em que se menciona a função econômica e social da empresa.
Também é muito interessante que esse código, até para evitar o que muitas vezes nós chamamos de abuso da utilização dos princípios, uma principiologia exacerbada, ele também tenha o cuidado de, ao lado de prever os princípios, procurar minimamente densificar o conteúdo desses princípios como importante vetor para a interpretação.
É o que acontece no projeto, no art. 8º, que diz:
A empresa cumpre sua função econômica e social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico da comunidade em que atua, ao adotar práticas empresariais com observância de toda a legislação aplicável à sua atividade, em especial aquela voltada à proteção do meio ambiente, do direito dos consumidores e da livre competição.
É uma redação um pouco diferente do referencial que nós temos, da Lei das Sociedades Anônimas, mas que é muito convergente, afinal de contas, a nossa Lei das S. A., no art. 116, diz:
O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
Vejam, então, que o projeto de Código já tem, a meu ver, uma grande vantagem inicial, que é a de prever a função social ao lado da função econômica, deixando muito claro que esses dois vetores precisam caminhar juntos. Ou seja, a empresa precisa estar atenta à sua função econômica relacionada à sua manutenção lucrativa a médio e a longo prazo. Se a função social for incompatível com isso, ela vai ser incompatível com a própria noção de empresa. Então, esses aspectos se interpenetram, se conciliam e precisam andar juntos.
Apesar das duas versões que eu acabei de apresentar para os senhores serem distintas, tanto a do projeto como a da Lei das S. A, é muito interessante que elas mencionam a comunidade, deixando claro, então, que um dos vetores da atividade empresarial, um dos objetivos a serem buscados, perseguidos deve também estar conectado com os interesses da comunidade, não apenas com os interesses dos empresários e dos eventuais sócios ou acionistas de sociedades empresárias.
Esse ponto me parece extremamente importante, tanto do ponto de vista valorativo como também do ponto de vista pragmático. Por quê? Em primeiro lugar, porque decorre, no caso específico brasileiro, da nossa ordem econômica constitucional. Basta lermos o caput do art. 170 que fica muito claro que a livre iniciativa não é um valor absoluto, ela precisa ser conciliada com o valor social do trabalho, ela tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social.
Vejam que hoje, independentemente dos contextos constitucionais específicos de cada país, essa discussão sobre qual o interesse social de sociedades empresárias continua sendo muito importante. Ou seja, é claro que, durante muito tempo, esses debates se travaram em uma dicotomia muitas vezes simplista: eram posturas contratualistas, então, a gente só protege os interesses dos sócios; ou posturas institucionalistas, que às vezes eram excessivamente amplas e acabavam transformando uma empresa privada numa empresa pública, quando, na verdade, a função social não tem esse objetivo. Há uma necessidade premente de se encontrar um equilíbrio ali entre a livre iniciativa e a função social.
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Mas eu menciono algumas discussões muito importantes que hoje acontecem no mundo. Uma delas é trazida por um professor de Harvard, Prof. Eugene Soltes, que publicou um livro recentemente cujo título é Why They Do It. Basicamente é um livro que tenta entender as razões das infrações corporativas. Por que, mesmo com tantas leis prevendo sanções às vezes até graves para esses ilícitos, mesmo assim, tantas sociedades, por meio dos seus administradores, dos seus CEOs, continuam praticando esses ilícitos? E o professor descobre que, na verdade, isso não decorre, como aprioristicamente poderíamos pensar, a partir de uma postura de análise política do Direito, isso não decorre de uma decisão racional desses agentes. Ou seja, eles não fazem aquela análise de custo e benefício: qual é o custo de delinquir, o risco de ser identificado, o risco de correr uma sanção. Muitos desses, que inclusive estão presos por esses crimes, estavam lá por entenderem que estavam agindo da melhor maneira para sua empresa. E por quê? Diante, muitas vezes, de uma prevalência irrefletida dessa preocupação com a maximização do valor do acionista a curto prazo e a qualquer preço, o que, no direito estrangeiro, a gente associa às teorias do shareholder value e também do short-termism.
Quais são os problemas disso? Por mais que essas teorias não admitam nem respaldem as práticas de ilícitos corporativos, de atos de corrupção, a partir do momento em que elas criam uma cultura de que a única coisa que importa é o lucro e a qualquer preço, elas acabam não criando um ambiente propício para formação de uma cultura corporativa que possa verificar que, ao lado do lucro, existe uma série de outras preocupações fundamentais.
Tanto é assim que, também em artigo recente dos Profs. Oliver Hart e Luigi Zingales, esses autores fazem uma crítica muito contundente a essa teoria de maximização do valor do acionista, mostrando como ela precisa ser repensada diante de alguns aspectos atuais da mais extrema relevância. Então, esses professores resgatam a obra do Friedman, segundo o qual a função social da empresa seria apenas a de gerar lucros para os acionistas, para mostrar que essa postura, embora possa estar correta em algumas aplicações, acaba sendo muito reducionista, porque segmenta de forma muito severa o interesse do empresário, o interesse do cidadão e o interesse dos governos.
E o argumento principal desses professores é de que, em várias situações, a gente não tem como separar essa atividade empresarial ligada, muitas vezes, ao que chamamos de fazer dinheiro, o money-making, de uma série de danos e externalidades que surgem para a sociedade, para a comunidade. Nesses momentos, quando não é possível fazer essa separação e quando não é possível que essas externalidades sejam internalizadas pelo governo ou mesmo pelos cidadãos, é o momento, então, em que a própria gestão empresarial tem que assumir também esse compromisso e poder se pautar por parâmetros que possam levar em consideração também os interesses da comunidade.
Então, trazendo todas essas discussões que eu expus aqui para mostrar que não se trata apenas de um problema específico do Brasil, estamos diante de uma discussão altamente importante, altamente pertinente, que é travada hoje em vários países, inclusive nos Estados Unidos, e que, no Brasil, tem que ser travada com maior razão, porque aqui nós temos uma ordem econômica constitucional que expressamente nos exige uma conciliação entre livre iniciativa e também todos os demais interesses que se projetam sobre a atividade empresarial. Então, eu acho extremamente importante que o Código Comercial possa conter, ao lado dos seus princípios importantes, especificamente este princípio
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Hoje vários estudos mostram, independentemente das funções tradicionais que o Direito assume na regulação jurídica dos mercados, que existe uma função de sinalização que é fundamental, exatamente aquela função que possibilita a divulgação de informações no mercado, para que os agentes possam saber orientar suas decisões, e, nesse sentido, isso é de fundamental importância.
Além disso, Senador, parece-me que a previsão desse princípio no projeto de Código, além de toda essa importância valorativa, teórica, também tem uma importância pragmática fundamental, porque todos nós sabemos que o interesse social acaba sendo um parâmetro de extrema importância para a compreensão de uma série de institutos empresariais. É um parâmetro extremamente importante para a solução de conflitos empresariais, para os parâmetros de identificação do que é o exercício regular do direito de voto, do que é o exercício abusivo, e mesmo para os parâmetros de uma boa gestão. Ou seja, o interesse social continua...
(Soa a campainha.)
A SRª ANA FRAZÃO - Já estou concluindo aqui, Senador.
O interesse social continua sendo fundamental até mesmo para que possamos entender o real conteúdo dos deveres fiduciários de administradores de sociedades empresárias. E não é sem razão que o art. 154 da Lei das S. A. expressamente condiciona a gestão dos administradores também ao princípio da função social da empresa.
Então, sem querer aqui demorar e me alargar excessivamente, eu concluo, Senador, dizendo que, a meu ver, como eu disse, a parte principiológica do Código Comercial certamente é um dos seus pontos mais fortes, e que é extremamente importante, nessa principiologia, que esteja previsto expressamente o princípio da função social da empresa.
Essa previsão tem inúmeras implicações, inclusive pragmáticas, porque, sem dúvida nenhuma, será um vetor de orientação para a compreensão e aplicação de diversos conflitos em institutos societários. Além de tudo, ao fim e ao cabo, a meu ver, ela chama a atenção para uma ideia extremamente importante, que decorre claramente da nossa ordem econômica institucional: é a ideia de que a atividade empresarial precisa encontrar pontos de equilíbrio entre todos esses princípios, entre os interesses dos empresários e também os interesses da comunidade. E não é sem razão que tanto a redação do projeto de Código Comercial quanto a redação que consta já da nossa Lei das S. A., ao tentarem minimamente densificar a função social da empresa, ressaltam a importância da comunidade.
Então, eu concluo aqui agradecendo, mais uma vez, a oportunidade, Senador, e obviamente me colocando à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Eu gostaria de agradecer muito à Drª Ana de Oliveira Frazão pela sua enorme contribuição em relação à função social da empresa e toda essa colocação que vai realmente contribuir muito para melhorar o nosso anteprojeto do Código.
Muito obrigado.
Convido agora o Dr. Fernando Passos para fazer uso da palavra.
O SR. FERNANDO PASSOS - Senador Pedro Chaves, eu queria agradecer muito este convite honroso. Estivemos juntos na Federação de Comércio um mês atrás, numa audiência muito produtiva, e queria ressaltar que a esperança do País, se viesse em V. Exª hoje, seria esse projeto, fundamental para o desenvolvimento do País.
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Eu participei, Senador, da Comissão de Juristas da Câmara. Nós fizemos duas missões internacionais e fizemos outra privada. Nessas missões internacionais, nós pudemos verificar o que o mundo pensa a respeito do Direito Empresarial brasileiro. Também fomos verificar o até então projeto mais exitoso de desenvolvimento econômico, com base na lei, simplesmente no incentivo da lei, que é o caso da Colômbia. Estivemos lá em todos os setores do Direito Comercial colombiano e vimos a pobreza em que nós ainda estamos no Brasil. E é isso que vou tentar demonstrar nos meus 15 minutos.
Sem combinar com a Drª Ana Frazão, que há muito tempo eu não via e a quem parabenizo evidentemente - dessa primeira missão internacional fez parte conosco o Prof. Flávio Yarshell, colaborando enormemente na questão processual. Nós estivemos inclusive no Banco Mundial discutindo o Doing Business, fomos a Nova York, fomos às universidades, às câmaras de comércio, e pudemos ver, Senador, com enorme tristeza - porque eu sou professor e advogado -, os advogados de grandes corporações americanas dizendo: "Nós não recomendamos o Brasil. Juridicamente, nós dizemos para os nossos empresários 'se quiserem ir para o Brasil podem ir'", porque, vegetativamente, também o Brasil é uma economia pujante, mas só vegetativa, porque não há segurança jurídica. Foi uma pena. Eles clamavam pelo Código Comercial. Foi uma coisa extraordinária aquela primeira missão -, eu vou tratar da importância da positivação dos princípios, porque, sem esses princípios codificados no código de defesa da empresa e do empresário, nós poderemos continuar no marasmo em que nos encontramos - perdoem-me a expressão duríssima.
Próximo.
O Brasil precisa garantir ao empreendedor cenário transparente e seguro no que diz respeito ao exercício da atividade empresarial. Aliás, enquanto esta tarefa não é cumprida, estamos ficando cada vez mais para trás, conforme eu vou verificar ao final, porque, infelizmente, saiu agora, foi divulgado o Doing Business 2018 e o Índice de Liberdade Econômica da Fundação Heritage de 2018, e nós tivemos um decréscimo, quando já era para termos melhorado.
Diante dessa insegurança jurídica com a qual depara o investidor no cenário brasileiro, onde há regras escritas, existe a limitação da responsabilidade dos sócios; existe, mas elas são descaracterizadas por interpretações as mais diversas e em geral contrárias à empresa. A proposta, então, para evitar isso, é positivar princípios que sejam indispensáveis ao empreendedorismo saudável, evidentemente, conforme dito pela Profª Ana Frazão, visando conquistar investidores e reconquistar os que por aqui não querem mais empreender.
Senador, eu me lembro do início das limitadas, das pequenas empresas limitadas. Isso ocorreu na Alemanha, no século XIX. A Alemanha assistiu ao maior boom desenvolvimentista da sua história até os nossos dias. Os economistas demonstram isso. Quando você dá segurança jurídica ao investidor, você traz o seu dinheiro para a atividade econômica, você vai gerar empregos, você vai gerar tributos, e nós vamos te proteger. Se você perder e não houver fraude, você vai perder somente esse investimento: limitação da responsabilidade. Quem contrata com a empresa já sabe que tem a limitação; também não vai outorgar mais créditos, porque existe a limitação. A Alemanha respeitou isso, e nós conhecemos a pungência econômica da Alemanha. O Brasil desrespeita a limitação da responsabilidade do sócio para qualquer coisa! Por quê? Porque nós não temos um código de defesa da empresa e do empresário. Então, evidentemente, os outros códigos, com seus princípios, vão se sobrepor ao da empresa, porque falta essa positivação.
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Nós podemos verificar no próximo eslaide que é urgente a tarefa de se instituir um código de defesa do empresário e da empresa.
O próximo, por favor.
Como o empresário não tem um código em sua defesa, outras normas se sobrepõem ao Direito Empresarial, ocasionando, por exemplo: a não aplicação da limitação da responsabilidade, conforme eu disse; a indevida responsabilização das UPIs (Unidade Produtiva Isolada) por obrigações de suas antigas controladoras nos processos de recuperação judicial e falência, que eu vou examinar; a extensão da interpretação de grupo econômico, que vem destruindo o País e agora, com a reforma trabalhista, solenemente aprovada por este Senado Federal, pelo Congresso Nacional, nós estamos conseguindo resolver algumas interpretações que afugentavam o capital; o desprezo à função social da empresa, a que eu não vou mais me referir, porque foi brilhantemente tratado; e o não reconhecimento efetivo no Brasil da importância da preservação da empresa.
Dois bons exemplos recentes - e eu quero louvar aqui o Congresso Nacional, porque foi graças ao Congresso Nacional que dois bons exemplos vieram interromper esse sistema maléfico da empresa: primeiro o da UPI (Unidade Produtiva Isolada), arts. 60 e 141 da Lei de Falências; e grupo econômico, nova redação dos artigos da CLT instituída pela reforma trabalhista.
Vamos à primeira, da UPI. Vários princípios essenciais à vida da empresa estão aqui contemplados nos arts. 60 e 141, especialmente a preservação da empresa e o incremento de liquidez à massa, minimizando perdas dos credores.
Eu vou explicar. A UPI foi uma criação do Congresso Nacional, com experiências internacionais, evidentemente. Na recuperação judicial, a empresa poderia vender algumas unidades internas, e essas unidades, se fossem compradas por outros empresários ou sociedades empresárias, não trariam o passivo daquela empresa recuperanda ou falida. Bom, isso foi muito debatido aqui no Congresso Nacional, em toda a sociedade, que isso seria uma fonte de fraudes, e era exatamente o contrário. A empresa já está em recuperação difícil, se ela não tiver uma UPI, não tem crédito suficiente para pagar ninguém, ela não vai recuperar, vai falir. Se ela falir, a massa é muito pequena. Se você der garantia de que uma unidade dela interna possa ser vendida sem essa solidariedade das obrigações, o que vai acontecer? Vai ter comprador, esse dinheiro vem para a massa, ajuda a pagar os credores, e os empregos estarão preservados, com novos investidores que não a comprariam, em hipótese alguma. Quem de nós daria um parecer para algum cliente comprar uma filial ou uma UPI se não tivesse essa garantia na lei?
Pois bem, Sr. Senador, V. Exª há de verificar diversas, centenas de decisões judiciais contrárias a essa não solidariedade e desrespeitando a lei, penhorando e considerando solidário e sucessor das obrigações aquele que comprou UPI. Estavam destruindo os artigos da lei, até que nós tivemos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - próximo, por favor - ADI 3.934-2, do Distrito Federal, em que o Supremo considerou os referidos artigos constitucionais. Quando o Supremo considera os artigos constitucionais, os juízes da recuperação judicial chamam para si todas essas constrições e passaram a anular as constrições de outros juízes. Imaginem, no arcabouço jurídico - o Prof. Flávio Yarshell pode dizer -, isso cria um problema incrível no País, mas acabou prevalecendo pela constitucionalidade. O que aconteceu, Sr. Senador? Nós passamos a ter novas unidades, novas empresas com geração de emprego, com investimento novo, e o dinheiro veio para a massa falida e ajudou a pagar aqueles trabalhadores.
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Portanto, foi uma coisa exitosa que só conseguimos porque a Lei de Falências positivou o princípio da preservação da empresa, e isso pesou no julgamento do Supremo Tribunal Federal. É ler o acórdão. O acórdão diz que é por causa do princípio positivado que estamos verificando que esses devem se sobrepor aos outros, conforme a expressão da Profª Ana Frazão.
Pois não, o próximo.
Antes disso, ninguém se aventurava a adquirir, eu já falei. Mesmo após a lei, diversas decisões inviabilizaram essas UPIs, mas atualmente o Poder Judiciário já está fazendo prevalecer esta visão correta do princípio positivado.
Pois não, o próximo.
Grupo econômico. A mesma questão aconteceu com o grupo econômico, e até hoje a Justiça do Trabalho principalmente, mas o Tributário também, concede uma extensão ao grupo econômico absurda. A mera probabilidade de sócios em várias sociedades já caracteriza um grupo econômico sem que elas nunca tivessem conversado. Isso afugenta. Ninguém quer ser sócio de uma outra sociedade e contribuir. Isso atrasa o desenvolvimento econômico e é falso, Sr. Senador, é falso, porque não há fraude nenhuma. É uma mera interpretação da lei.
Quando a reforma trabalhista, enfim - no próximo -, proibiu essa extensão e colocou os parâmetros definitivos, a Justiça agora já vem reavaliando. Os investimentos vão voltar paulatinamente. Nós temos vários acórdãos nesse sentido.
Pois não, o próximo.
Para o fim de evitar estes e outros percalços vivenciados pelo empresariado no cenário do negócio brasileiro, é que a explicitação desses princípios é essencial. O Prof. Fábio Ulhoa tem uma tese que, se não for para explicitar os princípios, é melhor não ter o Código Comercial então. É melhor não ter, porque o Código de Defesa do Consumidor tem princípio; o Código Ambiental tem princípio; o Código Florestal tem os princípios, e é assim que se definem as normas. Por que só o empresário e as empresas que carregam este País, que geram empregos e impostos, não têm um código para a sua própria proteção? Porque proteger a empresa é proteger o País, é proteger emprego, é proteger o trabalhador.
Essa é a visão que deve prevalecer dentro do Código Comercial, evidentemente acabando com todas as possibilidades de fraudes. O Direito nunca protegerá fraude. Nunca protegerá fraude. Desde que ela seja provada... Mas ela não pode ser presumida. O empresário é presumidamente alguém que frauda a sociedade? Onde já se viu! Por isso, ele não vem para o Brasil.
Pois não, o próximo.
Enquanto o Brasil não adotar um código que defenda a segurança do investimento privado - porque é isso que se está a debater - como essencial ao desenvolvimento do País, continuaremos assistindo no plano internacional o que se verá a seguir.
Muito rapidamente, Senador, eu procurei reduzir todas essas informações. São dois índices: Doing Business e o Índice de Liberdade Econômica. O Prof. Yarshell esteve comigo e com todos os membros daquela comitiva, tanto no Banco Mundial como também em The Heritage Foundation, em Washington. O Doing Business verifica toda a questão do empreendimento, a facilidade, o acesso à capital; é bem complexo, mas não é complexo ao ponto de fazer com que o Brasil...
A próxima, por favor.
Olhe, Senador, ali nós temos um ranking de 64 países. O Brasil não está entre os 64 países. A oitava economia do mundo não está. Onde está o Brasil?
Clique no próximo. Olhe lá, Senador. Vergonhosamente na posição 125, Senador. Olhe os nossos companheiros, Senador! Sem nenhum, evidentemente, preconceito com qualquer país. Estou falando do ponto de vista econômico, da natureza econômica, da importância econômica! Como nós vamos atrair investimento externo? Na Embaixada do Brasil em Washington ainda me disseram: "Não, mas o Brasil ainda atrai muito investimento externo." Atrai, mas é vegetativo, pela sua posição estratégica na América Latina. Se nós fizéssemos o que a Colômbia e o Chile fizeram, nós atrairíamos o dobro, o triplo, não sei. É inimaginável. Os economistas têm estudos pelos quais seria inimaginável o quanto nós alcançaríamos.
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Pois não, o próximo.
Onde estão os nossos vizinhos? O Chile, na posição 55; Peru, 58; Colômbia, 59, e nós, 125!
Aperte o próximo, por gentileza.
Olha onde estamos? Atrás até da Argentina, que é extremamente intervencionista. Da Bolívia e da Venezuela evidentemente, mas nós temos que nos distanciar da Bolívia e da Venezuela.
Eu quero dizer uma coisa muito interessante. Há dois anos, a Profª Ana Frazão e o Prof. Fábio Ulhoa me convidaram para um debate no seminário do Direito Comercial, em São Paulo. Lá, eu assisti a uma exposição da autoridade do registro de empresas do Chile, e ele fez uma exposição mostrando que, lá, no Chile, você consegue registrar empresa em menos de uma hora - menos de uma hora! E é declarativo. Você declara o seu RG. Se for fraude, você vai responder criminalmente.
E eu fiquei muito impressionado com aquela exposição. Estive com ele depois, através do Prof. Fábio Ulhoa, e o que aconteceu? O Chile já passou a Colômbia. Dois, três anos depois, já passou a Colômbia. O Chile estava um pouco mais atrás e vai atraindo os investimentos.
O próximo.
O Brasil cai, então, para 116ª, em 2016; em 2017, cai um pouco mais, e, em 2018, cai para 125ª posição, em 190 economias avaliadas.
O próximo, por favor. Obrigado pela assistência.
O próximo é realmente este da liberdade econômica, Senador.
Na liberdade econômica então, nós estamos muito piores. Os senhores podem verificar, no quadro, que o México está no número 63; Jordânia está acima de nós, onde não há liberdades, há liberdade econômica. Romênia, 37; Uruguai que é uma pujança, daquele tamaninho consegue ser uma pujança, atrair investimentos, e está na posição 38.
O próximo, por favor.
Onde está o Brasil? Não está aqui também, Senador. Não está entre os 127.
O próximo.
Onde está o Brasil?
O próximo.
Olhe lá, Senador: 153. Olhe os nossos vizinhos, Afeganistão, Irã - sem nenhuma, evidentemente, conotação ideológica. Estou dizendo do ponto de vista econômico. Estamos perto do Sudão.
O próximo.
Senador, olhe lá. Nós estamos realmente numa maioria não livre. Nós somos uma economia não livre, e somos um país de liberdades. Esse é o confronto para o qual eu estou chamando a atenção.
Pois não, o próximo.
Esses índices vão mostrar os nossos vizinhos. Olha, também se repete: Chile, Uruguai, Colômbia, Peru sempre muito bem colocados perto do Brasil, que está muito próximo da Bolívia, da Venezuela não, porque aí também seria demais.
O próximo.
Aqui é o mesmo quadro, Sr. Senador, só que demonstrando em cores aquilo que é livre, maioria não livre. Nós estamos na maioria não livre. O próximo. Ele esmiúça um pouquinho o Brasil, não vamos ficar nesse tema, porque as preocupações são aquelas que já foram aqui externadas. Se nós não tivermos um código de defesa da empresa, nós não vamos melhorar o ambiente de negócio nunca no Brasil. Podem fazer a microrreforma que quiserem, não vão conseguir. O que revelou então - estou terminando: as Américas do Sul e Central são as menos livres. O Chile continua a se despontar. A Bolívia, a Argentina e a Venezuela eram as piores economias no ranking de 2016, agora o Brasil está perto delas, caiu. E, em 2018, conquistou um lugar dentre as três piores economias da América do Sul, infelizmente. Infelizmente nós que amamos o nosso País - e por isso estamos aqui, por amor ao Brasil, defendendo uma modificação na legislação.
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O próximo.
Ele tem um excelente resumo. O Prof. Flávio se lembra desse resumo, que foi muito explanado lá. O primeiro mostra que, quanto mais liberdade econômica nós temos - o índice chega a 61% no mundo, aumentou em trilhões de dólares os investimentos...
(Soa a campainha.)
O SR. FERNANDO PASSOS - ... na atividade econômica -, mas a percentagem de pobreza diminui.
É uma coisa extraordinária, porque eles demonstram com muita relação.
O próximo.
É preciso agir, Sr. Senador! E por isso parabenizo V. Exª, o Senado, e estamos à disposição, esperando que o Código seja realmente aprovado, a bem do País.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Obrigado.
Eu quero agradecer ao Dr. Fernando Passos, pela sua exposição, suas colocações corajosas, mostrando, realmente, que o País precisa, urgentemente, do Código Comercial.
Eu acho que é uma grande lacuna que nós temos e convivemos tanto tempo sem isso! Nós estamos aqui com o nosso Código de 1850, depois de algumas modificações no Congresso Nacional, alguns projetos, algumas leis aprovadas no Congresso, e isso não foi suficiente. Quiseram aplicar o Código Civil. Realmente também foi uma lacuna muito grande, e, hoje, nós estamos aqui, felizmente, nas últimas audiências, porque eu pretendo entregar o relatório pronto no dia 20 de junho, para que a gente, realmente, se possível até antes da eleição, aprove, em caráter de urgência.
Então, eu quero, mais uma vez, agradecer ao Dr. Fernando Passos, pela exposição. Foi muito feliz.
Vou convidar agora o Dr. Flávio Yarshell para fazer uso da palavra.
O SR. FLÁVIO YARSHELL - Eminente Senador Pedro Chaves, que preside esta sessão, na pessoa de V. Exª peço licença para saudar os meus ilustres e queridos colegas que compõem esta mesa e também os colegas que compõem esta ilustrada audiência.
Eminente Senador, antes de tudo, quero registrar a minha honra e a minha alegria de estar aqui. Participar de uma reunião pública do Senado Federal é algo gratificante. Todos nós assistimos, neste contexto difícil pelo qual passa o País, aos ataques que, às vezes justamente, às vezes injustamente, são dirigidos a este pilar da democracia que é o Parlamento.
Então, eu fico muito contente quando nós podemos sentir que o nosso Parlamento trabalha pelo bem do País e que dá resposta à sociedade, porque, muitas vezes, nós esperamos do Poder Judiciário respostas que nós precisaríamos ter aqui, na nossa Casa Legislativa.
Então, meus parabéns pelo trabalho. Muito obrigado pelo convite.
V. Exª, ao introduzir o ponto que me cabe, fez uma lembrança muito feliz, e eu começo dela, dizendo: o projeto encampa muitas das técnicas ou do modo de ser da arbitragem, prestigiando a autonomia da vontade, uma intervenção mínima, a igualdade das partes e outros postulados. Em síntese, eminente Senador e prezados colegas, o que me parece é que a proposta de um processo empresarial não é absolutamente imprescindível. O País continuaria a viver sem ele, mas a proposta de uma disciplina do processo empresarial poderia trazer uma alternativa muito útil ao País e aos litígios entre empresas, que seria dar a alternativa entre a arbitragem para a qual estão migrando as soluções de controvérsias de muitos dos casos envolvendo empresas. Isso é inegável. Não é que o Judiciário esteja perdendo terreno para a arbitragem. Eu não colocaria dessa forma, mas é inegável que a arbitragem acaba se apresentando como uma solução mais adequada, porque mais rápida, mais célere, etc., do que o Poder Judiciário.
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Então dizia eu: o processo empresarial talvez pudesse se apresentar como uma alternativa, de um lado, entre a arbitragem e a solução jurisdicional, não apenas aquela da tutela de urgência, preparatória da arbitragem, mas uma solução jurisdicional confiável, uma solução jurisdicional adequada às peculiaridades de litígios próprios do meio empresarial.
Em São Paulo, para dar a experiência que tenho em São Paulo, nós tivemos, inicialmente, as câmaras reservadas, com desembargadores que julgam as questões empresariais. Hoje, temos os órgãos especializados em primeiro grau, aliás seguindo a expectativa do Banco Mundial. E eu sempre disse, orgulho-me de dizer e continuo a dizer que eu escolheria, dentre os membros das câmaras reservadas, praticamente qualquer um deles para ser árbitro num litígio empresarial.
Então, é preciso prestigiar o papel do Poder Judiciário. É preciso trazer, como foi dito e eu repito - não estou fazendo aqui nenhuma demagogia, mas estou ressaltando o que me parece correto -, a experiência da arbitragem para dentro do exercício do poder jurisdicional como uma alternativa às empresas, até porque é muito cedo, eu tenho dito isso também, para julgar o êxito da arbitragem no País.
Nós temos pouco tempo, quer dizer, uma década, uma década e meia de arbitragem, e ela também sofre as suas críticas. Embora ela esteja em expansão - ninguém tem a menor dúvida de que ela está em expansão -, ela também sofre lá suas críticas. Eventualmente há dificuldades de formação de painéis pelos conflitos, especialmente quando as controvérsias têm grande dimensão. Há lá uma crítica ou outra sobre um caráter salomônico de alguns painéis, o que, às vezes, normalmente vem de quem perdeu, mas salomônico é porque um perdeu e o outro também perdeu. Enfim, há críticas à arbitragem.
Então, eu inicio essas minhas considerações dizendo isto: vale a pena positivar a disciplina de um processo empresarial tanto mais no contexto de uma reforma de fôlego como esta que se propõe a fazer do Código Comercial.
Eu ouso dizer que, sem a parte do processo empresarial, o Código ficaria um tanto quanto capenga, não apenas pelos argumentos do Doing Business do Banco Mundial, mas é que o processo é um instrumento de atuação do Direito Material. Quer dizer, se nós não cuidamos desse instrumento, nós corremos o risco de dar com uma mão e tirar com outra, porque, na verdade, a regra que idealizamos, de forma geral e abstrata, acaba não se aplicando em concreto.
Eu estou convencido dessa conveniência também porque eu não vejo como nós termos ou como nós sustentarmos - e penso que todos nós sustentamos - que é conveniente termos órgãos especializados - isso também é um pleito. Aliás eles se preocupam, no Banco Mundial, mais com os órgãos de primeiro grau do que com o tribunal, o que é um paradoxo para nós, porque, para nós, quem manda é o tribunal e não é o órgão de primeiro grau. E, numa perspectiva talvez diversa, é mais importante o órgão de primeiro grau.
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Mas, para não perder o raciocínio, dizia eu: não faz muito sentido que nós tenhamos órgãos especializados e não tenhamos regras processuais claras que devem servir de parâmetro para esses órgãos especializados, porque aí a gente corre o risco de ter um órgão especializado que acaba se pautando pela generalidade, como já foi aqui destacado pelos eminentes colegas que me precederam. No fim, consciente ou inconscientemente, o juiz acaba aplicando postulados não digo do Código do Consumidor, mas eventualmente de preceitos que não se ajustam exatamente à realidade do processo empresarial.
Por isso, eu vi com surpresa quando, lá no projeto que tramitava perante a Câmara, num dado momento, foi simplesmente suprimido o livro do processo empresarial. E não digo isso por veleidade, até porque não é minha responsabilidade; digo apenas que lamentaria, porque, na verdade, boa parte da relevância desse papel modificador está no processo. Ou, por outro lado, pelo aspecto negativo, se nós não cuidarmos do processo, nós vamos acabar anulando o avanço que nós queremos trazer.
Outra observação que faço aqui é que a proposta é feliz quando procura positivar - eu posso usar a palavra princípios ou eu posso transigir e dizer que são regras para fugir de uma discussão importante, não digo acadêmica, mas que perderia sentido se nós a projetássemos aqui como um aspecto decisivo da distinção entre princípios, regras etc., porque até o projeto foi cuidadoso ao tentar distinguir uma coisa da outra, ao dizer que a regra não pode deixar de ser aplicada por conta de um princípio etc. Mas esses postulados de autonomia da vontade, de presunção de igualdade real das partes, de intervenção mínima mudam ou tendem a mudar a cara do processo. Uma coisa é você partir da premissa de que as partes são substancialmente iguais - é claro, premissa essa que pode ser desconsiderada no caso concreto para que o juiz, então, faça a justiça que o caso reclama -, no entanto isso seria ou será decisivo, porque talvez aí esteja um dos pontos mais importantes que impedem que o Judiciário - menos ou mais até talvez do que a legislação - não compreenda as necessidades e as especificidades dos litígios em matéria empresarial.
O que é que eu quero dizer? Vou pegar aqui, então, a autonomia da vontade, já passando aos desafios que o projeto apresenta, sempre observando aqui o meu tempo.
O desafio com relação à autonomia da vontade - e chamo a atenção de V. Exªs - é que, como primeiro argumento, o Código de Processo Civil já tem a regra do art. 190. Então, eventualmente, os detratores do projeto vão dizer: "Olha, não adianta, porque já está no Código de Processo Civil e não adianta estabelecer essa autonomia." Eu, respeitosamente, dou o argumento contrário: porque você inseriu uma regra de autonomia da vontade em matéria processual em um conceito tão absolutamente genérico, você corre o risco de esvaziá-lo. Então, na verdade, dando a autonomia da vontade no contexto específico empresarial, quiçá nós consigamos fazer com que os players - este dado é fundamental - apliquem a regra. Porque hoje, talvez, o problema não seja tanto... Nós termos a regra, mas falta diálogo entre quem faz contrato e quem opera no contencioso. Quer dizer, se eu não tiver essa passagem, nós vamos continuar a discutir isso academicamente.
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Então, eu tenho esse palpite de que, talvez, a ênfase à autonomia da vontade, num contexto específico de processo empresarial, possa sensibilizar, e o mercado, então, encontrar não aquela autonomia da vontade que o levou para a arbitragem, mas uma autonomia da vontade que permita que ele tenha também soluções jurisdicionais estatais satisfatórias.
Outro desafio que me parece que deve ser enfrentado: são, digamos, as restrições que o Poder Judiciário tem em relação à prevalência da autonomia da vontade sobre os poderes do juiz. Nesse ponto, o projeto é ousado, e eu acho que ele tem que ousar mesmo, mas fica aqui minha respeitosa advertência de que se preparem, porque, quando se diz, por exemplo, que a atuação de ofício de juiz não pode se sobrepor a ônus de alegação e prova convencionados pelas partes - e eu estou absolutamente de acordo com isso -, isso é, em princípio, comprar briga com uma perspectiva do Poder Judiciário.
E, olha, com toda franqueza e lealdade e, espero, elegância, digo que é uma discussão perversa, porque a ideia do juiz instrutor, que toma a iniciativa do processo, é muito mais um desiderato da doutrina do que da realidade. Na realidade, o juiz, salvo em casos de direitos indisponíveis ou de desigualdade manifesta, aplica o ônus da prova. É isso que ele faz, ele não toma o lugar da parte. No entanto - Freud explica -, você tem alguém que tem o poder e não o exerce porque eventualmente acha que não precisa exercê-lo; mas, se você disser que ele não tem mais o poder, então ele reclama: "Não; isso é absurdo, isso é inconstitucional, porque o poder de instrução do juiz decorre da garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional..." Então, isso precisará ser visto com cuidado. Eu não estou dizendo que isso aqui, eminente Senador, deva ser retirado, mas, ao mesmo tempo, é algo com que nós realisticamente devemos nos preocupar.
E a minha última observação dentro do tema. Há algo que me deixa em dúvida com relação aos princípios ou às regras gerais: esta ideia de preocupação com as externalidades. Isso me preocupa. Eu entendo perfeitamente que nós devemos dizer ao juiz que, especialmente em matéria empresarial, ele deve atentar para a repercussão das suas decisões, tal como, enfim, decorre da redação. Agora, é preciso tomar um pouco de cuidado, porque, se eu digo a um juiz "Olha, você tem que respeitar a autonomia das partes, tem que ter intervenção mínima, não pode se sobrepor ao ônus de alegação e prova das partes, mas tem que considerar a repercussão econômica da sua decisão", é quase como dar com uma mão e tirar com a outra. Ele vai dizer: "Bom, afinal de contas, se eu aqui devo preservar a autonomia, se eu tenho que intervir o mínimo possível, não me peça para considerar as externalidades; eu decido o caso concreto. Na verdade, aqui - vamos dizer, na recuperação judicial, para pegar uma imagem imperfeita -, a solução é ditada pelos credores e eu controlo a legalidade das decisões e das opções feitas pelos credores." Então, eu só chamo atenção para isso.
Finalizo dizendo que, sem dúvida, pensar a solução das controvérsias entre empresas à luz da teoria econômica do direito é absolutamente imprescindível e também é o processo para criar incentivos e desincentivos, para entender os custos de transação e saber como superá-los e para encontrar soluções processuais adequadas. Então, essa ideia de considerar externalidades, eu a vejo como uma boa intenção. Talvez valesse a pena refletir um pouco mais sobre isso para que não houvesse uma contradição interna do próprio projeto, que, amanhã ou depois, não o esvazie, justamente dando argumento a quem diga: "Viu? Pediram para eu não intervir, ou determinaram que eu não interviesse, e depois vieram dizer que eu deveria ter considerado uma dimensão transcendental da causa que eu julguei."
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Eram essas as considerações que eu tinha a fazer, mais uma vez agradecendo e dizendo da minha alegria de estar aqui.
Sr. Senador, agradeço mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Mais uma vez eu quero agradecer ao Dr. Flávio Yarshell pela sua contribuição.
Sempre enfatizo que as contribuições serão extremamente importantes, porque o anteprojeto não é um documento pronto. A ele precisam, na verdade, ser agregadas coisas novas, e as contribuições de vocês são muito importantes. Como eu falei, todos os assessores estão aqui, Parlamentares; e nós estamos vigilantes, os Senadores estão todos vigilantes - ou muitos deles - nos seus gabinetes, e isso é importante também, porque eles também podem oferecer um contraponto em relação a tudo isso.
Mais uma vez, muito obrigado.
Agora eu convido o Dr. Gustavo Ramiro Costa Neto.
O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - Muito boa tarde, Senador Pedro Chaves.
Eu renovo nosso agradecimento pelo convite feito ao Conselho Federal da OAB para participar deste importante encontro. Também renovo o meu cumprimento, que peço seja transmitido ao meu conterrâneo, Senador Fernando Bezerra Coelho, que preside esta Comissão.
Trago o cumprimento do nosso Presidente Nacional da OAB, Claudio Lamachia, que demonstra uma preocupação acentuada com esse projeto de lei ao constituir uma comissão no âmbito do Conselho Federal para discutir e analisar o projeto, comissão essa que eu tenho o prazer e a honra de presidir.
Bom, eu, na reunião passada, Senador, já trouxe aqui algumas preocupações. E gostaria de trazer algumas outras e também reforçar essas preocupações, que não são só minhas, mas são preocupações ora de caráter institucional, da própria Ordem, ora de caráter mais técnico, e que nós temos discutido no âmbito da nossa comissão.
Eu ouvi atentamente os pronunciamentos dos que me precederam - do Prof. Fernando, da Profª Ana Frazão, do Prof. Flávio - e acho que aqui temos meio que um consenso e um pensamento convergente a respeito da efetiva necessidade de uma nova codificação comercial. Eu sei que existem alguns setores da academia e, eventualmente, algumas instituições que ainda criticam a possível aprovação desse Código, mas acho que esses argumentos que são trazidos, alguns de caráter econômico... O Prof. Fernando e eu conversávamos ali, e existem números; dizem que vai causar uma despesa de bilhões e tal. Eu acho o contrário: eu acho que isso vai trazer um ambiente muito mais favorável aos negócios no Brasil e, com certeza, a consequência disso será uma maior prosperidade econômica em nosso País. Daí a nossa certeza: no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil, nós temos a convicção da necessidade de aprovação dessa nova codificação e, além disso, de que essa codificação respeita esse caráter principiológico que foi dado ao projeto.
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Eu conversei já bastante com o Prof. Fábio Ulhoa sobre essas questões e acho que aí reside, eu diria, o coração dessa legislação. O Prof. Fernando aqui dizia que precisou o Supremo Tribunal Federal decidir uma ação direta de inconstitucionalidade para que um dispositivo expresso da lei, que tem um propósito finalisticamente orientado, que é o de permitir a alienação segura de unidades produtivas isoladas... Precisou isso chegar ao Supremo para poder repercutir nos tribunais e isso poder ser colocado em prática. Então, é uma situação anômala, é algo preocupante isso. E talvez o caráter principiológico do código venha a... Não sei se vai resolver, mas certamente vai ajudar bastante na solução desse tipo de controvérsia.
Em relação ao que o Prof. Flávio Yarshell se propôs a tratar, sobre o processo empresarial, eu traria também uma preocupação que não diz respeito exatamente a processo empresarial, mas é algo que me remete a outra problemática vivenciada diuturnamente no âmbito da atividade empresarial - e principalmente para nós que cuidamos da parte jurídica da atividade empresarial - que diz respeito às soluções de conflitos empresariais, conflitos societários, no âmbito das juntas comerciais.
Hoje esses conflitos são regulados... As juntas têm uma atribuição muito limitada de análise de atos societários e se destina apenas a verificar a legalidade e aspectos formais desses atos. Mas, dentro dessa perspectiva de legalidade, de aspectos formais, muitos conflitos societários podem ser solucionados no âmbito das juntas comerciais. Então, eu já externei isto ao Senador Pedro Chaves na última reunião e gostaria de reforçar: eu acho que é uma grande oportunidade, quando discutimos essa legislação, de darmos um tratamento mais adequado, mais moderno a essas questões tratadas no âmbito das juntas comerciais. Hoje essas questões são tratadas pela Lei 8.934, pelo Decreto 1.800; são legislações que talvez não reflitam mais a atualidade dos problemas que são levados às juntas comerciais.
E, indo além - e aí trago uma preocupação institucional da Ordem, mas que eu considero uma preocupação que vai além da questão institucional, porque, se isso for contemplado, certamente deixaremos de levar muitos conflitos ao Poder Judiciário, e talvez as soluções sejam dadas num tempo reduzido -, é necessário que seja prevista a obrigatoriedade da representação das partes interessadas, no âmbito das juntas comerciais, através de advogados. Hoje, muitos conflitos societários não se encerram no âmbito das juntas porque eles não são tratados com a técnica jurídica adequada. Então, os próprios empresários, às vezes um funcionário ou alguém, redige um arrazoado qualquer e aquilo vai para a junta comercial, e a decisão administrativa, naturalmente, não se encerra ali, vai ao Judiciário.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - Os contadores fazem contratos sociais; eu não me atrevo a fazer balanço, mas os contadores gostam de fazer contratos e defesas. Enfim, acho que a gente precisa tratar dessa questão para que, no âmbito das juntas, a representação das empresas se dê exclusivamente através de advogados. É óbvio que a gente ainda precisa avançar muito. Eu sei que há juntas comerciais que têm um corpo técnico muito bom; algumas nem tanto, algumas têm um corpo técnico razoável.
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Eu ouvi aqui o Senador Pedro Chaves me convidar à Mesa, e ele se referiu à minha condição de leiloeiro. Eu não sou mais, eu já cancelei a minha inscrição de leiloeiro, mas há um fato curioso: eu pedi à junta comercial o cancelamento da minha matrícula como leiloeiro e foi indeferido. Ou seja, a junta disse que eu era obrigado a continuar como leiloeiro. Eu precisei recorrer ao plenário da junta. Foi pior do que casamento, porque no casamento você pode se divorciar, mas leiloeiro não pode, tem que ser para o resto da vida. Então, é uma curiosidade que mostra um pouco como a gente ainda precisa avançar e como, talvez, a atuação de profissionais da área jurídica no âmbito das juntas comerciais acabe empurrando para cima a qualidade técnica dos analistas que cuidam de analisar aquelas questões que são levadas àqueles órgãos.
Eu também tenho outras preocupações, que eu já externei aqui, Senador, em relação à lei de falência e recuperação de empresas. E, para manter a nossa discussão a respeito dos princípios, eu enxergo hoje uma grande crise na lei de recuperação de empresas e de falências. A jurisprudência, principalmente no Tribunal de São Paulo, tem variado bastante. E, chegando ao STJ, algumas questões também têm mudado. E eu enxergo um claro conflito entre o princípio da preservação da empresa - tratado lá no artigo que traz, digamos assim, a mais importante previsão daquela legislação, que é o princípio da preservação da empresa, no art. 47 - e outras previsões que contradizem essa previsão.
E eu traria como exemplo o art. 49, o famigerado 49, em seu §3º, que traz algumas exceções, alguns créditos que não se sujeitam à recuperação judicial. E o §4º, da mesma forma. Então, as alienações fiduciárias, as ACCs, tudo isso acaba ficando de fora quando, na verdade, boa parte dos processos de recuperação judicial trazem um percentual enorme do seu crédito, justamente vinculado a esse tipo de crédito. E isso traz muitas dificuldades para que os processos de recuperação se desenvolvam de maneira adequada, para que os planos sejam aprovados. Isso gera repercussões em várias questões do processo. Mas eu acho que, se esse princípio da preservação da empresa é o móvel principal da lei de recuperação, ele talvez deva prevalecer em relação aos interesses privados de instituições financeiras.
Eu dizia na última reunião que, na época das discussões sobre a lei de recuperação de empresas, dizia-se que isto era necessário, ou seja, retirar alguns créditos bancários do processo de recuperação, para impedir o aumento do spread bancário ou para fazê-lo se reduzir. Mas hoje, passados treze anos, isso não aconteceu. O spread bancário - eu trouxe, na outra reunião, os dados - se mantém exatamente o mesmo. Então, a premissa utilizada para excluir determinados créditos do processo de recuperação se mostrou não verdadeira.
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Então, hoje, diante dessa crise que a lei sofre e porque agora nós discutimos uma codificação comercial que altera diversos dispositivos da legislação recuperacional, certamente temos uma grande oportunidade de corrigir essas inconsistências que hoje são verificadas na legislação recuperacional.
Obviamente também, eu atentamente ouvi o Prof. Fernando Passos falar sobre as questões de desconsideração da personalidade jurídica. Hoje, para mim, é um dos grandes absurdos; e nós advogados temos até dificuldade de fazer os empresários compreenderem o porquê de o Código de Processo prever - acho que no art. 135, não é, professor? - o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. E, quando você vai para a Justiça do Trabalho, o juiz do trabalho diz que não se aplica à Justiça do Trabalho isso e desconsidera sem instaurar o incidente. A Justiça Federal, nas varas de execução fiscal, idem, a mesma coisa. Então, é uma letra morta.
Qual a empresa que não tem um passivo trabalhista e um passivo fiscal? Se ela não puder proteger o patrimônio pessoal dos seus sócios, ou pelo menos ter oportunidade de ter o contraditório para poder mostrar que não está caracterizada uma hipótese de desconsideração da personalidade jurídica... E hoje não existe isso; hoje simplesmente se desconsidera liminarmente, já se penhoram as contas, já se torna indisponível o patrimônio e depois que se discuta. Você, que é o sócio, o empresário, que vá correr atrás para reverter esse tipo de situação. Então, possivelmente esse seja um dos maiores problemas para os investidores. Dificilmente eles vão querer se sujeitar a uma responsabilidade que hoje, na prática, é uma responsabilidade ilimitada. E ninguém, em sã consciência, assume um investimento que vá lhe trazer um gravame, uma possibilidade de responsabilização ilimitada.
Então, também esse ponto é preciso que seja tratado de maneira muito específica, muito objetiva. E deve-se, inclusive, dizer que as previsões que tratam da desconsideração da personalidade jurídica se aplicam nas relações... Talvez no Código Comercial não dê para tratar disso, mas, aproveitando essa onda reformista da legislação comercial, a gente deve cuidar desse assunto também e dizer que lá, na desconsideração da personalidade jurídica, isso se aplica também aos créditos trabalhistas, aos créditos fiscais, absolutamente a todos os créditos que constituem o passivo daquela empresa.
Então, Senador, eu naturalmente quero, nas próximas reuniões, se tiver a oportunidade de comparecer, trazer mais algumas preocupações da nossa comissão - que são muitas, e a gente as tem discutido. Mas, hoje, eu reforço toda aquela temática que eu venho defendendo desde a reunião anterior e a trago à consideração da Comissão, para que sejam efetivamente apreciadas essas questões. Com isso, esperamos dar alguma mínima colaboração para a melhoria dessa importantíssima codificação.
Eu espero que V. Exª possa, em junho, trazer efetivamente esse relatório e a gente possa caminhar para, afinal, a aprovação e a sanção do Novo Código Comercial.
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Agradeço mais uma vez, Senador, e permaneço à disposição.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Mais uma vez quero agradecer ao Dr. Gustavo Ramiro, porque, na verdade, eu pretendo, antes de apresentar o Código para a Comissão, apresentá-lo para os especialistas que estiverem desejosos de vê-lo. Vou deixá-lo na Internet para que vocês façam mais críticas, pois nós temos muito interesse em que esgotemos tudo sobre o Código Comercial.
Como se sabe, nós estamos fazendo audiências públicas não somente aqui em Brasília. Vamos fazer em Campo Grande, em Brasília, fizemos na Fecomércio em São Paulo, vamos fazer em Recife. Isso vai ser bom, porque vai nos permitir analisar regionalmente os problemas maiores do polo comercial e a visão de cada jurista em relação a essas localidades.
É muito bom que o Dr. Gustavo faça o contraponto em coisas importantes do Código. Essa é uma contribuição de peso da OAB. Quero agradecer muito; isso, para nós, é muito bom.
Vou chamar agora o nosso último convidado, Maurício Moreira Mendonça de Menezes, para fazer uso da palavra.
O SR. MAURÍCIO MOREIRA DE MENEZES - Muito boa tarde a todos.
Eu gostaria, inicialmente, de cumprimentar o Senador Pedro Chaves agradecendo o convite. Como meus ilustres colegas aqui mencionaram, é uma alegria e uma satisfação estar presente na comissão revisora do Código Comercial aqui no Senado Federal, nós que fazemos da norma comercial objeto do nosso trabalho diuturno, tanto na advocacia quanto na academia.
Quero cumprimentar também meus ilustres colegas que estão aqui na mesa parabenizando-os pela apresentação, pelas respectivas apresentações, e gostaria de cumprimentar também os colegas que estão no auditório.
Senador, o tema que me foi atribuído é bastante desafiador. A uniformização das normas sobre operações societárias, a meu ver, envolve duas questões bastante importantes. A primeira delas é uma questão de política legislativa, e a segunda envolve questões técnicas, extremamente técnicas, que eu gostaria de comentar. Portanto, eu gostaria de brevemente aqui trazer alguma colaboração sobre o nosso histórico a propósito da política legislativa nessa matéria, que me parece bastante interessante para este momento que estamos vivendo, e também falar rapidamente sobre alguns aspectos gerais do projeto e, logo em seguida, aspectos específicos, trazendo algumas reflexões, algumas contribuições.
Indo para a primeira questão, que envolve a política legislativa, eminente Senador, eu gostaria de rememorar a todos que essa questão vem dos anos 70. Em 1971, o Governo Federal, por intermédio do seu Ministério do Planejamento, propôs uma reforma da lei das sociedades por ações por considerá-la insuficiente para os desafios que se colocavam naquela época, de melhoria principalmente do mercado de capitais brasileiro. Essa primeira iniciativa foi, digamos, recusada sob o argumento de que havia na época um trabalho exaustivo para a edição de um novo Código Civil.
Em 1974, a questão voltou à tona por meio do Ministério da Fazenda, que conseguiu convencer o Governo a destacar a matéria atinente às sociedades por ações do então projeto de Código Civil e, portanto, iniciou-se uma discussão sobre quais seriam as vantagens e desvantagens de termos uma lei e normas sobre sociedades por ações naquela época previstas no projeto de Código Civil, uma vez que, numa primeira redação, assim se propôs.
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Uma primeira discussão foi a seguinte. Precisamos, na verdade, estabelecer, a exemplo de outros países que foram bem-sucedidos, como França, Alemanha e, na América Latina, o México uma lei geral de sociedades - essa foi a primeira proposta. A doutrina especializada - Arnoldo Wald, Rubens Requião, Fábio Konder Comparato e uma série de autores especialistas - na época aconselhavam a edição de uma lei geral de sociedades. Essa ideia não foi para frente e, portanto, continuou-se a trabalhar em dois projetos: o projeto de lei de sociedades por ações e o projeto de Código Civil.
Em 1975, o Prof. Rubens Requião dirigiu-se à Câmara dos Deputados em uma audiência pública e mencionou o seguinte - entre vários outros pontos, e aí atinente a essa matéria de que estamos revendo aqui hoje. Muito bem, vamos prosseguir com duas leis, uma de sociedade por ações e uma geral, um Código Civil, porém as duas, os dois projetos, contemplam normas sobre operações societárias, normas que dizem respeito a diversos tipos societários. Portanto, uma primeira questão que o Poder Público precisa resolver, o Congresso Nacional precisa decidir, é o local - essas foram as palavras - o local onde deve constar a disciplina sobre operações societárias, sob pena de cairmos em situações de conflito normativo, uma vez que, numa mesma operação societária, pode haver uma sociedade anônima incorporando uma sociedade limitada. Enfim, há uma mescla de tipos societários e, nessa hipótese, haveria dúvidas sobre qual norma aplicar em detrimento da segurança jurídica.
O que aconteceu logo em seguida todos nós sabemos: o projeto de Código Civil ficou adormecido e foi aprovada, em 76, a Lei das Sociedades por Ações, que estabeleceu, com muita qualidade, normas sobre operações societárias. A Lei das Sociedades por Ações foi revisitada em 1997 e em 2001, com alterações em regras referentes a operações societárias. Em 2002, chegou o então Novo Código Civil.
Eu poderia dizer, eminente Senador, que nós, que trabalhamos com essa matéria, caímos no pior dos mundos. Até ensinar nas faculdades é difícil, ficou mais é difícil. As normas que constavam, e hoje constam, no Código Civil são insuficientes, estão desatualizadas e, em determinados pontos, divergem daquelas estabelecidas pela Lei 6.404, que é a Lei das Sociedade por Ações. Portanto, essa é uma oportunidade preciosíssima que temos de efetivamente uniformizar essa matéria e tirar proveito não só de um texto mais qualificado, que é o texto das sociedades por ações, como também de um aprendizado de sua aplicação.
Portanto, uma primeira sugestão, uma primeira reflexão, é no seguinte sentido. Ou o nosso Projeto de Código Comercial simplesmente nada trata a propósito das operações societárias ou - a meu ver esta é uma proposta mais benéfica, mais vantajosa - ele incorpora efetivamente a disciplina das operações societárias, revogando-se, portanto, a Lei 6.404 nesse ponto. É ousado? É. Mas, a meu ver, é benéfico para a segurança jurídica, e este é o momento, à luz de um aprendizado que nós tivemos desde os anos 70.
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Dito isso, eminente Senador, eu gostaria de tratar de alguns aspectos gerais que o projeto de Código Comercial contém à propósito dessa matéria.
Uma primeira questão, que me parece ser fruto de uma experiência, de um aprendizado que nós tivemos, diz respeito à proteção do minoritário, do acionista minoritário. Em que sentido? Gostaria de dizer, de esclarecer, que, quando tratamos aqui de operações societárias, operações de incorporação, fusão e cisão, nós estamos diante de dois planos de interesse: o das sociedades em si e o dos sócios e acionistas.
Com relação às sociedades em si, há regras que tratam da avaliação dos patrimônios. Essa avaliação de patrimônio serve, por exemplo, para que seja deliberado um aumento de capital, porque estamos falando de reestruturação societária, de modificação da estrutura societária. Portanto, o capital social de uma sociedade - a incorporadora por exemplo - é aumentado na medida do patrimônio líquido, que precisa ser avaliado, da incorporada - até aqui não há dúvidas.
Por outro lado, a mutação patrimonial com relação à esfera dos sócios - e aqui prevalece a autonomia privada. A chamada relação de troca de participação societária obedece a um procedimento negocial presidido pela autonomia da vontade. Então, quanto um sócio da sociedade "a" vai receber na sociedade "b"... Ele vai trocar, ele é sócio da sociedade "a", que vai ser incorporada pela "b". A "a" vai morrer. Portanto, ele tinha ações da sociedade "a" e vai receber ações da sociedade "b". Essa relação de troca é negociada. Quando há duas vontades negociando a relação de troca, não há muito problema, mas, por exemplo, com relação à incorporação de uma sociedade que é controlada: quem decide as bases da relação de troca é o controlador. E, quando isso ocorre, havendo acionistas minoritários na sociedade a ser incorporada, alguns excessos podem ser cometidos. Portanto, seria uma boa oportunidade de nós estabelecemos algumas regras de proteção aos acionistas minoritários com referência às bases da relação de troca.
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Outra questão diz respeito à vontade única, nessa hipótese do controlador, que estabelece benefícios próprios para ele, controlador. Existe aqui já uma evolução na jurisprudência da Comissão de Valores Mobiliários que entende que, nessa hipótese, havendo um benefício particular, o controlador está impedido de votar na deliberação que decidirá sobre a incorporação, as bases da incorporação. Então, por que não aproveitar essa oportunidade e introduzir na lei formal essa regrinha de proteção ao acionista minoritário, o que evidentemente propiciará, reduzirá talvez, o custo de discussão do direito?
Por fim, outra questão geral. Quando se tem a incorporação de uma companhia aberta, a Incorporadora deve se tornar aberta num prazo de 120 dias. Essa é uma regrinha que está prevista lá na Lei 6.404, no art. 223. Esse artigo foi modificado em 1997 para estabelecer que, nesse caso, não havendo o registro de companhia aberta... Porque, vejam, é extremamente importante que esse registro seja reativado, porque o acionista minoritário, caso ele não o faça, vai perder a liquidez das ações, ele não vai ter mais mercado para negociar. Portanto, é extremamente relevante para o interesse do minoritário e, não sendo realizado esse registro, ele teria o direito de retirada. Mas, na verdade, o direito de retirada diminui a proteção do minoritário. Essa foi uma regra introduzida em 1997, numa época em que uma série de transformações na lei foram feitas para preparar empresas estatais para o processo de privatização.
Logo, poderíamos aproveitar a oportunidade para estabelecer aquilo que me parece justo, que é a obrigatoriedade da realização de uma oferta pública de aquisição das ações do minoritário, dos minoritários. Nesse caso, os minoritários, segundo o próprio art. 4A da Lei nº 6.404, têm o direito de discutir o valor da oferta, e a tendência é que esse valor seja justo.
Bom, dito isso - o tempo é bastante reduzido -, eu vou rapidamente a alguns pontos muito específicos, Senador, uma tecnicalidade ou outra que me parece interessante registrar.
O art. 339, § 3º, do projeto traz uma menção a passivo descoberto - e faz muito bem, a ideia de se trazer essa questão é muito boa - permitindo que sociedades com patrimônio líquido negativo sejam incorporadas. Porém, a expressão "passivo a descoberto" era uma expressão que constava da regulação do Conselho Federal de Contabilidade, mas foi revogada. Então, o próprio Conselho Federal de Contabilidade recomenda que seja adotada como expressão técnica - e aqui estamos num ambiente puramente técnico - a expressão "patrimônio líquido negativo". Então, "passivo a descoberto" acaba trazendo uma incerteza aqui para essa situação.
Há outra questão, no art. 340, que trata do protocolo. O protocolo seria o documento, o instrumento jurídico firmado entre as sociedades, que estabelece as bases da incorporação, ou da cisão ou da fusão, as condições. Esse documento é firmado entre sociedades e, num momento posterior, ele é levado para a deliberação dos sócios.
Os sócios não o apreciam num primeiro momento. É claro que há a liderança do acionista controlador, ele pode influenciar a negociação desse protocolo, porém é necessário que se respeite uma assembleia, uma reunião de sócios na limitada, para que haja respeito ao processo decisório dos sócios - para que minoritários possam se colocar, por exemplo.
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O que o projeto estabelece no 340 é a possibilidade de os sócios firmarem o protocolo - ou a administração ou os sócios. Me parece não tão adequado abrir-se essa possibilidade para o sócio tomar a frente e firmar esse documento, porque, eventualmente, isso excluiria o direito dos demais sócios de participarem do processo decisório...
(Soa a campainha.)
O SR. MAURÍCIO MOREIRA DE MENEZES - ... e se colocarem como bem entenderem.
(Soa a campainha.)
O SR. MAURÍCIO MOREIRA DE MENEZES - Mais pouquíssimas observações.
No art. 343, também muito bem colocado, trata-se da possibilidade de a associação tomar parte no processo de operação societária - numa incorporação, numa cisão com incorporação, por exemplo. Porém, estabelece que, nessa hipótese, a unanimidade dos associados ativos - chamados associados ativos - deve aprovar. Eu poderia dizer, Senador, pela minha prática, que é desvantajoso para o direito exigir-se a unanimidade. A associação, tal como as sociedades, as entidades societárias, se rege pelo princípio majoritário. O que pode haver, evidentemente, é um quórum qualificado de dois terços, três quartos, mas a unanimidade acaba abrindo as portas para o abuso de direito, para o arbítrio, quando na verdade o que se pretende com esse artigo é exatamente evitar essa possibilidade.
E por fim, para terminar, com relação ao art. 349. O art. 349 - e aqui é uma observação muito pontual também - menciona que cada sociedade envolvida escolhe os peritos que avaliarão o patrimônio da outra - já estou terminando. A meu ver, esse artigo precisa ser excluído do projeto. E por quê? Porque ele está numa parte que trata da incorporação e, na incorporação, quem é avaliado, necessariamente avaliado, obrigatoriamente avaliado, que tem o seu patrimônio líquido avaliado, é a incorporada. Então, a incorporada é que é a única sociedade a ser avaliada, e só o é para que seja delimitado o montante do aumento de capital na incorporadora. Portanto, ter aqui um artigo que diga que uma vai avaliar a outra não me parece seguir o que se faz na prática e o que se tem já previsto na Lei 6.404, que é a lei que nós hoje utilizamos para essa finalidade.
Então, eu gostaria de terminar aqui, concluir as minhas brevíssimas reflexões, mais uma vez parabenizando o Senado, parabenizando S. Exª o Senador Pedro Chaves e o Senador Fernando Bezerra e desejando a todos um excelente trabalho.
Todas essas reflexões constam também de um trabalho escrito. Então, eu gostaria de colocá-las à disposição da assessoria parlamentar também, para contribuir com aquilo que V. Sªs e V. Exªs entendam pertinente.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Muito obrigado, Prof. Maurício Menezes, pelas suas colocações. Nós vamos pedir mesmo a V. Exª que deixe o material aqui; aliás, a todos os convidados que tiverem algum material escrito. Isso seria muito oportuno e ajudaria muito a nossa assessoria parlamentar.
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Antes de encerrar, é comum o Relator fazer alguns questionamentos aos convidados. É óbvio que eu vou dar liberdade: terão três minutos para responder aqueles que acharem que é pertinente à sua área o que ele falou aqui.
A primeira é a seguinte - questões sugeridas aqui. A proteção dos direitos privados, por meio de ação judicial, é regida pelo Código de Processo Civil, CPC. A atividade econômica realizada com estrutura empresarial, porém, tem suas especificidades. Pergunta-se: a proteção, por meio do Judiciário, de direitos decorrentes de atividade econômica empresarial, quando autor e réu forem empresários, deve ser feita mediante regras próprias? O projeto de código em análise normatiza corretamente a questão?
Eu tenho três perguntas. Para não nos perdermos, eu vou fazer uma por uma. Quem gostaria de responder?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Sr. Flávio Yarshell.
O SR. FLÁVIO YARSHELL - Eu acho que essa é minha.
Na verdade, o projeto já... Isto também constou do projeto da Câmara: procura estabelecer o campo de incidência do processo especial em função de um critério subjetivo, ou seja, se autor e réu forem empresários, porque, se você não tiver os dois, provavelmente haverá alguma relação de consumo; ou, então, se autor e réu forem empresários e outra parte exercer sua atividade no agronegócio. Enfim, são as disposições controversas a versar sobre a aplicação do código. Então, se tivesse aplicado a... Se tiver convencionado a aplicação... Então eu acho que sim, acho que o código procurou... Perdão, "código" é ato falho de um otimista. O projeto procura estabelecer o campo de incidência da lei específica, e acho que foi feliz nessa parte. Não vejo críticas que possam ser feitas nesse tópico, porque é um aspecto subjetivo, que envolve empresários, eventualmente autonomia da vontade, esse é o campo de atuação. Então, não vejo... Acho que está normatizado, e adequadamente normatizado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Muito obrigado, Sr. Flávio.
Segunda pergunta: o que V. Exª entende por função social da empresa? O próprio direito positivo em vigor determina, por exemplo, que sociedade anônima deva cumprir sua função social. Na Lei nº 11.101, de 2005, o legislador indica a função social da empresa com finalidade do instituto da recuperação judicial. Pergunta-se: o projeto em análise, ao tratar da função social da empresa, estaria inovando o direito, conferindo à empresa uma função que ela não teria? Ou estaria simplesmente disciplinando uma função que o direito positivo atualmente já prevê, inclusive em nível constitucional?
Essa é para a Drª Ana.
A SRª ANA FRAZÃO - Bom, Senador, eu não tenho a menor dúvida de que o projeto, nesse sentido, não inova. Na verdade, ele reproduz um princípio que decorre, já, da Constituição Federal. Poder-se-ia dizer: a Constituição não fala, lá no art. 70, expressamente em função social da empresa, mas ela fala em função social da propriedade e, ao dizer que a ordem econômica é fundada na livre iniciativa, na valorização social do trabalho e tem por objetivo assegurar a todos uma existência digna de acordo com os ditames da justiça social, ela claramente acaba acolhendo também a função social da empresa.
Então, o anteprojeto, nesse sentido, não inova. O que ele faz, na verdade, é procurar densificar um princípio que, por sua própria natureza, acaba sendo muito fluido, mostrando a necessidade, a meu ver, desse equilíbrio entre a dimensão individual e a dimensão social, que se traduz na preocupação também com os interesses da comunidade. Ou seja, não é dizer que a atividade empresarial agora vai ter como única preocupação atender a interesses outros que não os dos empresários; não é, de forma alguma, deslegitimar a busca do lucro, que é inerente à função empresarial e, obviamente, decorre também da livre iniciativa, mas é tentar encontrar esse ponto de equilíbrio. E me parece que a consideração dos interesses da comunidade e essa preocupação de não gerar danos desnecessários, inadequados ou desarrazoados aos interesses da comunidade durante a gestão empresarial, já são objetivos extremamente importantes e que, de certa forma, decorrem da própria densificação que o art. 8º do projeto de Código Comercial procura fazer ao delimitar minimamente esse princípio.
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O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Muito bom, gostei muito.
Alguém gostaria de comentar alguma coisa em relação a isso?
O SR. FLÁVIO YARSHELL (Fora do microfone.) - O art. 8º está perfeito nesse sentido.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Está ótimo.
A terceira pergunta.
O projeto de reforma do Código Comercial trata do tema "operações societárias" nos arts. 336 a 362. Esses dispositivos reproduzem literalmente as normas da lei das S.A. com o objetivo de eliminar as discrepâncias que existem hoje entre essas e as do Código Civil. Prevê, contudo, que continuaremos a ter duas leis diferentes para as operações societárias: a Lei das S.A., para operações que envolvem sociedades anônimas, e o futuro Código Comercial, para as que não envolvem esse tipo de sociedade. Na opinião de V. Exª, qual seria a melhor disciplina para essa matéria? Não se trata de assunto a ser tratado exclusivamente pelo Código Comercial, já que diz respeito a sociedade de qualquer tipo?
O SR. MAURÍCIO MOREIRA DE MENEZES - Bom, uma observação inicial é que, na verdade, o projeto não contempla exatamente o que já consta da Lei 6.404, ele é mais curto, mais breve. Essa matéria, por ser extremamente técnica, exige uma disciplina um pouco mais densa, diríamos assim. Então, é importante que seja expandida a disciplina prevista no projeto para que contemple aquilo que já existe na Lei 6.404, além de alguns acréscimos considerados importantes.
Já diziam os especialistas nos anos 70 que seria melhor que constasse de uma lei geral. Então, justamente para evitar eventual conflito normativo, e uma vez que se trata de vários tipos societários podendo estar envolvidos na mesma operação, é recomendável que seja prevista a matéria em uma lei geral. Não é novidade entre nós a reivindicação pela previsão dessa matéria em uma lei geral e não em uma lei especial. Por isso é que, a rigor, a recomendação seria mesmo revogar a Lei 6.404.
Se eu não me engano, o art. 1.102 do projeto trata das revogações, mas lá não consta a revogação desses artigos da Lei 6.404. Então, seria ousado, mas seria, ao ver da doutrina clássica e ao meu ver também, o mais adequado.
O SR. FERNANDO PASSOS - V. Exª me permite?
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Permito, lógico.
O SR. FERNANDO PASSOS - É só uma questão que eu acho importante.
Participei muito, como todos que estão aqui, lá no projeto na Câmara também. Uma das questões pela qual a sociedade mais clama, inclusive os especialistas, as universidades, é para que não se mexa na Lei das Sociedade por Ações.
Então, só do ponto de vista da estratégia - é importante ter estratégia também, não é? -, essa proposta do Prof. Maurício é impecável do ponto de vista jurídico, é impecável, seria a lei geral. Eu tenho a impressão de que, se nós revogarmos alguma coisa lá, nós vamos ganhar uma antipatia desnecessária para o projeto.
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Então, trazer de lá... Primeira proposta... Eu acho que o Maurício deixou muito claras duas propostas. Trazer de lá o que não trouxe para melhorar aqui é mais adequado, do ponto de vista estratégico...
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Aprovar isso aqui e depois...
O SR. FERNANDO PASSOS - E depois trazer de lá o que faltou. Essa é a primeira proposta dele.
E, segundo, só uma questãozinha. O Prof. Maurício falou com muita propriedade do 349 - de cada sociedade envolvida se escolhe o perito para a avaliação do patrimônio de outra -. mas eu fiquei com uma dúvida, porque, realmente, é sempre a que vai ser incorporada que é avaliada, mas quando, em um primeiro momento, o Prof. Maurício fala da importância negocial de verificar aquele que vai ser incorporado, quanto ele vai ter daquela sociedade, pode ser, sim, que ele precise da avaliação da outra. Então, talvez não suprimir o 349 - seria a minha proposta -, para compatibilizar com a proposta do senhor daquela questão negocial e, sim, dizer que escolherá os peritos quando necessário que se avalie a outra, a que vai incorporar, para verificar a posição negocial.
Só essa questão.
O SR. MAURÍCIO MOREIRA DE MENEZES - É que, na verdade, são duas avaliações que podem ser feitas.
A primeira avaliação é aquela baseada na contabilidade, no patrimônio líquido contábil, e serve para o aumento de capital. Essa é obrigatória.
A segunda avaliação é estabelecer, digamos, o valor econômico, o valor de cada entidade, para que haja uma correspondência na troca de participações. E essa avaliação é feita muito mais para um fim informativo, informacional, tanto para aqueles que estão negociando quanto, em determinadas hipóteses, na incorporação de sociedade controlada por exemplo... Existe um artigo específico na Lei 6.404 que trata disso - se não estou enganado, é o 264 -, que diz que deve ser feita uma avaliação específica. Só que a avaliação prevista lá é uma avaliação que muitas vezes é difícil de ser realizada, que é o valor do patrimônio real, o valor do patrimônio a mercado.
Por exemplo, a Petrobras, certa vez, se não me engano em 2000, tentou incorporar a BR Distribuidora. Esse artigo foi modificado - o 264, se eu não estou enganado, da Lei 6.404 - exatamente para estabelecer que, nas companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários pode aprovar outro critério que não o valor de patrimônio a mercado, porque seria impossível avaliar a Petrobras, todos os bens da Petrobras, a mercado. Ao final da avaliação teria que se avaliar novamente porque demoraria muito tempo para isso.
Então, uma das sugestões seria uma avaliação, uma regra um pouco mais clara sobre a avaliação das entidades para fins informacionais e com base em outro critério que não aquele que me parece ser o do 349, que é um critério patrimonial contábil, puramente formal. Nessa questão é importante estar claro que uma outra avaliação é possível. E qual seria a finalidade? Estabelecer elementos para a proteção de minoritários, inclusive trazer para cá uma regra que existe na Lei 6.404, que é a possibilidade da retirada do acionista que divergir da operação com base no valor da avaliação, dessa avaliação obrigatória, quando há uma incorporação de controlada, porque haveria uma vontade única decidindo as bases dessa incorporação.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Uma última pergunta.
Qual é a opinião dos senhores acerca do projeto relativamente ao ranqueamento do Brasil no Doing Business do Banco Mundial? Irá melhorar a percepção internacional sobre o ambiente de negócios brasileiro?
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O SR. FERNANDO PASSOS - Bom, eu acho que eu poderia falar sobre isso...
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Pode.
O SR. FERNANDO PASSOS - ...porque nós estivemos lá no Banco Mundial também. Isso não é automático. Não vai ser do dia para a noite, evidentemente. Mas as grandes normas que o e-business exige - exige não, na verdade ele mede, apenas mede - estão contempladas aqui em boa parte. A partir delas é que haverá outras modificações que são necessárias.
Se nós fizermos esse campo primeiro... A posição, por si só, não aumenta tanto, mas ela vai propiciar as outras mudanças. Por exemplo, o DREI vai modificar um monte de normas internas etc. que, aí sim, irão melhorar.
Eu soube que o Ministro da Fazenda, que deixou o cargo agora, instituiu um grupo de trabalho junto com o Banco Mundial. Mas isso não avançou, e não avançou porque não adianta ficar no âmbito do Executivo, no meu entender. Aprovando aqui, o Senador Pedro Chaves pode liderar esse movimento junto com o Banco Mundial de verificar regras mais concretas, depois de aprovar o princípio de que é nesse patamar que queremos chegar.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Agradeço muito, principalmente aos nossos queridos convidados, juristas realmente consagrados neste País.
Antes de encerrarmos os nossos trabalhos, eu proponho a dispensa da leitura e a aprovação das atas da 8ª, 9ª e 10ª reuniões da Comissão.
Os Parlamentares que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovadas.
Não havendo mais nada a tratar, agradeço a presença de todos e os convido para a próxima reunião, a realizar-se no dia 18 de abril, às 14h30min.
Declaro encerrada a presente reunião agradecendo muito mesmo a presença de vocês.
Muito obrigado.
(Iniciada às 14 horas e 36 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 23 minutos.)