Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Havendo número regimental, declaro aberta a 12ª Reunião da Comissão Temporária destinada a examinar o Projeto de Lei nº 487, de 2013, que reforma o Código Comercial. |
| R | Conforme convocação, a presente audiência pública tem por objetivo discutir os seguintes temas: Fortalecimento das Normas Consuetudinárias e de Autorregulação e Soluções de Conflitos Empresariais"; e tem ainda como tema "Os Títulos de Crédito". Nós temos hoje, como convidados, o Dr. Fernando Passos, o Dr. Arnoldo Wald, a Drª Flávia Bittar Neves, o Dr. Sérgio Campinho, o Dr. Newton de Lucca e a Drª Paula Andrea Forgioni. Nós vamos dividir a audiência em duas etapas. Nesta primeira etapa, eu gostaria de convidar para tomar assento à mesa o Dr. Fernando Passos, representante da Confederação Nacional do Comércio e membro do Conselho Superior de Direito da Fecomércio/SP. Dr. Fernando, por favor. Convido ainda o Prof. Dr. Arnoldo Wald, Professor Catedrático de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Prof. Arnoldo, por favor. Convido, encerrando esta primeira etapa, a Drª Flávia Bittar Neves, Presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem. Eu quero registrar ainda a presença do Prof. Dr. Fábio Ulhoa Coelho, que está sempre presente nas nossas reuniões e que é também um dos corresponsáveis pela apresentação do nosso anteprojeto que está sendo submetido ao debate de toda a sociedade civil brasileira e que está ajudando sobremodo o nosso Relator, Senador Pedro Chaves. O Senador Pedro Chaves tem um compromisso na tarde de hoje e me comunicou da impossibilidade de estar presente e me pediu, portanto, que desse sequência às nossas audiências. Eu gostaria de oferecer a palavra, iniciando a nossa audiência, ao Dr. Fernando Passos, representante da Confederação Nacional do Comércio e membro do Conselho Superior de Direito da Fecomércio/SP. Dr. Fernando, por favor, o prazo é de dez minutos. A gente poderá estender esse prazo um pouco mais para as conclusões, porque vamos ouvir hoje seis convidados. Então, vamos fixar, preliminarmente, o tempo de dez minutos, podendo esse tempo ser prorrogado até o fecho da fala. Dr. Fernando. O SR. FERNANDO PASSOS - Boa tarde a todos! Exmº Senador Fernando Bezerra, queria uma vez mais agradecer ao Senado da República o honroso convite, ainda mais para participar de uma Mesa tão prestigiosa como esta, com ilustres professores, juristas de todo o País e os que depois nos precederão. |
| R | Eu queria, desde já, Senador, agradecer a deferência de falar primeiro, embora isso seja uma tarefa - com a permissão do Prof. Wald - sempre muito difícil, ainda mais pelos oradores que se seguirão, que, se ficasse por último, eu teria quase nada a dizer; mas efetivamente quero pedir desculpa aos nossos palestrantes de hoje, aos nossos juristas de hoje, porque eu tenho uma audiência com o Ministério, no TST, e preciso sair muito voando; mas eu espero voltar para os debates ao final. Bom, a questão que me foi posta é do Direito Consuetudinário, especialmente o art. 4º do projeto do Código Comercial. São normas do Direito Comercial, os princípios e regras da Constituição aplicáveis às regras do Código, do próprio Código, os princípios expressamente enunciados nesse Código, as regras prescritas pelos decretos, autorregulamentação e as consuetudinárias. Houve uma série de críticas. Como eu participei muito desse projeto em debates nacionais e até no exterior... Nós fizemos duas comitivas já para visitar os Estados Unidos, fomos ao Banco Mundial, fomos a câmaras de comércio, depois fomos à Colômbia conhecer o seu sistema, o que eles mudaram na lei, por que eles tiveram aquela alteração tão grande nas posições, no Doing Business, e depois amealharam com isso um desenvolvimento econômico jamais visto em virtude da lei. Tudo isso nos interessou muito pesquisar, e eu verifiquei muita gente, muitos críticos, respeitosamente, do nosso Código, dizendo que não há mais sentido em uma codificação empresarial, porque o Direito Empresarial hoje é muito moderno, cheio de microssistemas, e ele não deveria ser codificado em um Código Comercial. E eu venho lutando há mais de ano contrariamente a essa posição, ao dizer que o Direito Empresarial é o único que prescinde do seu código de defesa. Nós não temos um código de defesa do empresário, um código de defesa da empresa. Isso clama no País, e, a partir do momento em que positivamos alguns institutos de Direito Comercial ou Empresarial que são indispensáveis à Nação, de uma forma ou de outra, o Judiciário vai fazer o embate com outros princípios expostos na própria Constituição Federal e poderão, diante da positivação, optar pela defesa da empresa. Essa é a grande luta que eu particularmente tenho levado. Na questão das regras consuetudinárias, também há uma crítica muito grande da desnecessidade de uma codificação, principalmente principiológica, porque essas regras já são de senso comum do comércio, da vida empresarial, e, portanto, seria desnecessária uma codificação nesse sentido. Ora, eu quero aqui lembrar, nos seis minutos que me restam, sete minutos, que as codificações comerciais - o Prof. Arnoldo Wald é o nosso mestre nesta lição - começaram como eminentemente privadas. Não havia nenhuma participação do Estado desde as leis ródias, depois os nossos estatutos das cidades. Esses estatutos das cidades eram como se fossem regulamentos dos comerciantes que tinham autoaplicabilidade. E aquilo foi chamando a atenção. Por que era necessário, então, codificar? Se nós pegarmos o Consulado do Mar, do mar da Espanha, que sintetizava todo o Direito Marítimo do Mediterrâneo, ele tinha 334 artigos! Em um direito eminentemente consuetudinário. |
| R | Para dar segurança jurídica é que os comerciantes, então, reuniam todos esses ementários, esses seus costumes, esse seu direito consuetudinário em codificações, porque essa codificação acabava trazendo segurança jurídica, tanto que os estatutos mais simples, os que mais apoiavam a atividade comercial, faziam com que os comerciantes optassem por essas cidades que aplicassem essas regras, mas não havia nem ainda a ideia do estado gestor ou estado legislativo, que nós viemos a conhecer somente nas ordenanças francesas de 1673, depois de 1681. E as ordenanças francesas deram certo em um determinado momento porque o rei... O que ele faz? Ele codifica o Direito Consuetudinário puro, até que isso tudo vem a se desencadear no Código de Napoleão. Esse Direito Consuetudinário, o Prof. Waldemar Ferreira nos mostra bem que os estatutos eram formados por notas emergentes do tráfico mercantil, mas que tinham que ser escritas, tinham que ser codificadas para dar a segurança jurídica. Só que o próprio Prof. Waldemar Ferreira faz uma crítica que eu achei estupenda, que eu gostaria de pedir licença para ler, dizendo que essas normas consuetudinárias foram agrupadas em repertórios orais de costumes gerais ou locais. Então, eram meros repertórios orais de costumes, e elas foram agrupadas, transmitidas no espaço e no tempo e por força da tradição, mas elas não constituíam um sistema disciplinado pelos princípios gerais de Direito. Como Waldemar Ferreira diz que se resolve essa questão desse consuetudinário, que não dialogava com os princípios gerais de Direito? É no Código de Napoleão, de 1807, quando esse Direito Consuetudinário se predispõe a conviver com princípios gerais de Direito e princípios gerais de Direito Comercial. Ele disse: "Ali que se resolveu a grande questão de um Direito Consuetudinário que não seria contrário às normas gerais de Direito." E é exatamente o que o projeto de Código Comercial está a fazer. O projeto de Código Comercial, no seu primeiro capítulo, segundo capítulo, trata exaustivamente de princípios, explicando cada princípio para evitar interpretações que acabem com a vida da empresa e do empresário, como este País vem fazendo há muitos anos. É preciso agir! É preciso agir em defesa da empresa! Nós estamos na mão do Senado da República, como quando fizeram a Lei de Recuperação Judicial, propuseram a UPI. Eu me lembro dos debates aqui, no Senado. Foram vigorosos os debates, que a UPI esvaziaria a massa, e foi exatamente o contrário. O Senado teve a ousadia de aprovar as Unidades Produtivas, e essas Unidades Produtivas hoje têm sido um grande sucesso, e o Judiciário, depois de dez anos, vem automaticamente prestigiando a norma, porque a norma está escrita e ela não contraria o princípio geral da conservação da empresa, que é um princípio que tem interesse nacional, porque sem preservação da empresa nacional, não tem empresa, não tem emprego, não tem tributos, não há desenvolvimento econômico. Portanto, o Código está assim a dispor, e quando no inciso IV, que eu acabei... Sexto, a que eu fiz referência, são normas de Direito Comercial as consuetudinárias? Eu vejo uma grande segurança jurídica para todos nós, nos termos da própria lição de Waldemar Ferreira, do acontecido no passado. Por que essas normas consuetudinárias? Porque o Direito Comercial é o que mais evolui, é o mais elástico de todos os ramos do Direito que conhecemos. Quando o juiz tiver que aplicar uma norma consuetudinária que não prevista - imaginemos a hipótese - o Código já prevê a sua existência. E ela só será aplicada se estiver em consonância com os princípios positivados. Esses princípios dão a harmonia necessária, que Valdemar Ferreira disse que só o Código Comercial francês conseguiu fazer, depois de 64 sessões do Conselho de Estado. Foram 64 sessões do Conselho de Estado Revolucionário para discutir se era para aprovar um código que garantia privilégios a uma categoria depois da Revolução Francesa. E chegam à conclusão de que os ideais da Revolução Francesa estariam presentes na proteção da empresa num código à parte, porque o Direito Civil não presta para o julgamento das questões comerciais. Essa lição, que vem de tanto tempo, é uma lição que está maravilhosamente, ao meu ver, acoplada, acolhida, perdão, aqui no nosso projeto. E é por isso que eu falo desse projeto com tanto entusiasmo... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. FERNANDO PASSOS - ...e desse tema mais especificamente. As regras consuetudinárias jamais entrarão em confronto com o projeto, porque elas só serão aceitas, como deve ser exatamente, se elas estiverem em consonância com os princípios aqui elencados. Era essa a minha primeira contribuição. E peço mesmo vênia por ter que sair. O dever profissional também me chama. Mas eu voltarei, se Deus permitir. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Obrigado, Dr. Fernando Passos, pela sua fala. Eu o dispenso, tendo em vista seu compromisso. Se houver oportunidade para um retorno, será uma alegria. Na sequência eu ofereço a palavra para o Prof. Arnoldo Wald, professor catedrático de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor, por favor. O SR. ARNOLDO WALD - Eminente Senador Fernando Bezerra; meus queridos colegas, especialmente os professores e advogados aqui presentes; meu querido Relator da matéria, Prof. Fábio; meu querido Prof. De Lucca; Profª Paula Forgioni; meu querido professor e amigo de segunda geração, Sérgio Campinho, cujo pai foi meu colega de faculdade, e essa amizade se transfere à nova geração! e é importante que a nova geração esteja aqui, porque ela vai aplicar por mais tempo do que nós o novo Código Comercial, que esperamos que possamos ter ainda este ano. O problema da arbitragem no Direito societário é um problema fundamental, e falar a respeito em quinze minutos é um desafio que eu aceito com restrições, para dizer apenas o que nós pensamos a respeito disso. A arbitragem foi, como todos nós sabemos, durante muito tempo, até trinta anos atrás, um instituto que não pegou no Direito brasileiro. Estava na lei, mas não pegou na prática. Até 1990, falar em arbitragem no Brasil era como ir à Lua naquela época. Hoje já se vai à Lua, e a arbitragem já está funcionando. De modo que houve um grande progresso nessa matéria. Mas esse progresso se deve, em primeiro lugar, ao Poder Legislativo, ao Senado Federal, que nos deu a primeira lei. E aí eu quero até lembrar o nome de Marco Maciel, que foi uma grande figura para a arbitragem, e ao qual nós devemos a possibilidade prática, porque na teoria todos nós da Faculdade de Direito de São Paulo, do Rio de Janeiro discutíamos a arbitragem. Mas era uma teoria. Era uma questão astronômica que se discutia, e não a realidade. Com Marco Maciel, com o Senado, e depois com a segunda lei, que também devemos, em grande parte, ao Senado, pudemos fazer da arbitragem um grande instrumento, que mereceu o apoio intenso, ativo do Poder Judiciário. Havia muita dúvida se o Poder Judiciário não ia ficar ciumento. Mas não; entendeu que na realidade a arbitragem é uma colaboração importante que se dá para a equação do Poder Judiciário e o seu bom funcionamento. |
| R | E finalmente também, para não nos deixar com excessiva modéstia, a doutrina. A doutrina brasileira em matéria de arbitragem é tão rica, que poderia ser considerada inflacionária. Em vinte anos nós publicamos 120 livros. Talvez haja algum excesso. Como aqui entre nós, talvez haja excesso nas faculdades de Direito que nós temos no Brasil. Não era preciso haver uma inflação. Nós não gostamos de inflação, nem monetária, nem de faculdades de Direito, nem de livros jurídicos. A gente precisa dos livros jurídicos e das faculdades, mas é preciso modular. Mas de qualquer modo mostra o interesse. Houve uma época no Brasil em que se dizia que havia mais livros sobre arbitragem do que arbitragens propriamente ditas. Mas hoje é o contrário. Já temos um movimento arbitral muito importante. O Brasil no exterior já tem hoje uma posição igual à dos grandes países em matéria de arbitragens internacionais, estando nos quatro ou cinco primeiros lugares na CCI, a Câmara de Comércio Internacional. Isso comprova que a arbitragem vingou, que a arbitragem é um instituto que cada vez mais se torna necessário, pela sua confidencialidade, pela sua expertise, pela complexidade crescente da vida moderna, com as novas tecnologias, com um mundo em mutação, em que o juiz nem sempre, com seus 100 milhões de processos, que também são inflacionários, não é? Poderíamos ter a metade, e o Brasil estaria satisfeito. E os juízes também, não é? Então na realidade isso representa um instrumento muito importante de pessoas especializadas na matéria. Quando se discute um contrato de concessão comercial, quando se discute um contrato societário, é preciso compreender todos os mecanismos, e esse microcosmo que é hoje a sociedade merece um tratamento próprio. Na realidade nós tivemos na sociedade anônima o grande instrumento que permitiu o desenvolvimento da industrialização, da Primeira Revolução Industrial. A Segunda Revolução Industrial está ligada à democratização da sociedade, à ideia de que a sociedade não é mais um bem que pertence a um dono, mas a empresa é um bem social que merece ser protegido. E o mercado de capitais é um valor que deve ser protegido. Então nós tivemos nisso, nesse campo, uma revolução. Acabamos com os donos do poder em matéria de Direito societário. O controlador não é mais o ditador absoluto. Nós estabelecemos um equilíbrio de poderes com os chamados participantes, os parceiros, os stakeholders, aqueles que têm um interesse na empresa, quer sejam empregados, diretores, administradores ou até consumidores e contratantes que com ela operam. Então essa grande revolução societária nós devemos na realidade à Lei das Sociedades Anônimas, que nos deu um novo horizonte e permitiu que nós tivéssemos um Direito societário em que a arbitragem passou a ter o seu papel. |
| R | E assim, no art. 109 da Lei 6.404, com a redação nova que lhe foi dada em 2001, nós temos a possibilidade específica de estabelecer que as divergências entre acionistas e a companhia ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários poderão ser solucionados mediante arbitragem, nos termos em que especifica. Então, saímos da penumbra. Vamos dizer, de 1990 a 2001, nós tivemos a ideia de que era possível a arbitragem societária, mas ela foi explicitada nessa lei, que foi uma conquista também importante, na qual houve uma relevante contribuição do Senado. Em seguida, nós continuamos discutindo algumas questões que são as seguintes: será que todas as questões, que todos os negócios societários podem ser resolvidos por arbitragem? Será que pode haver discussão do acordo de acionistas? Será que pode haver discussão da dissolução parcial? Pode haver discussão do recesso? Aqui já houve uma necessidade de restrição que está na Lei das Sociedades Anônimas, no art. 136-A. O "A" comprova que é um aditamento ao texto inicial no sentido de dizer que realmente, como toda cláusula contratual, como toda cláusula estatutária, a norma que determina a arbitragem se aplica a todos os acionistas, anteriores ou posteriores. Mas, na realidade, os anteriores teriam direito ao recesso em determinados casos e condições. Pode-se até discutir até que ponto essas condições eram as melhores ou as mais adequadas, mas na realidade foi uma espécie de transação entre aqueles que queriam dizer "o acionista não pode ficar surpreendido por uma cláusula de arbitragem" e aqueles que diziam "a cláusula de arbitragem é uma cláusula como qualquer outra". A arbitragem é uma operação normal no método de solucionar os conflitos. Na realidade, há vários métodos. O mais comum, o tradicional, é o Poder Judiciário, mas temos hoje a mediação, a conciliação, a arbitragem. Temos uma série de métodos que passaram a ser muito importantes e necessários em virtude da evolução do mundo. Não adianta manter ou conservar institutos na sua integridade, quando o conteúdo mudou. Se mudou o mundo, não pode o Direito dizer "não, mas em 1850 era assim", e nós ficamos com o Código Comercial de 1850 em vigor por mais de um século. Então, era preciso pensar realmente em uma nova legislação que refletisse uma sociedade flexível, uma sociedade em que o emprego muda, em que a sociedade muda, em que é preciso ter um diálogo para se adaptar constantemente à mudança. Então, nesse sentido é que o projeto de código comercial decidiu explicitar que todos os problemas decorrentes de negócios societários podem ser resolvidos por arbitragem. Então, é o art. 188, salvo melhor juízo, do projeto de Código Comercial, que estabelece essa norma atualmente, porque, na realidade, enquanto não se tinha esse artigo, havia uma série de disfunções. Nós queremos segurança jurídica, nós queremos explicitar que todos os negócios societários, inclusive cumprimento de deveres, liquidação de quota, apuração de haveres, dissolução podem ser decididos mediante recursos à arbitragem, nos termos da convenção firmada pelas partes. |
| R | Isso é muito abrangente. Todos os negócios eventualmente podem, em determinada situação, ter um caso, haver um conflito, uma interpretação. Mas a lei é feita para ser interpretada. Recentemente se discutiu se em uma outra lei, que foi elogiada aqui alguns minutos atrás, a Lei das Recuperações, em relação à recuperação se poderia haver o conflito entre o juiz que julga a recuperação e o árbitro. Quando se trata, por exemplo, de alguma coisa vinculada ao controle, cabe ao magistrado, na realidade, garantir a recuperação da empresa. Será que os árbitros podem interferir nessa função? Algumas dúvidas foram suscitadas e a Justiça acabou decidindo que quando se trata de controle, é uma primeira decisão. Mas, quando se trata de controle e a empresa está em fase de insolvência, os árbitros têm os seus poderes mais limitados e devem conciliá-los com os interesses da sociedade, e os interesses da sociedade aí são mais representados pelo Poder Judiciários, que tem uma amplitude maior de função. Então, nós temos essa generalização que acabou dando margem à recomendação da CVM sobre governança corporativa. Como foi bem lembrado por todos os autores que trataram da matéria - o Professor Fábio, a Professora Paula, entre outros como o Professor Campinho -, na realidade, hoje nós temos uma sociedade que deve ser democrática, uma sociedade que depende de uma governança corporativa. Ou seja, essa governança pressupõe que haja meios de solução quando há conflitos dentro da governança, e tem que ser a arbitragem. E por quê? Porque nenhuma sociedade sobrevive a um litígio que pode demorar cinco, dez, vinte, trinta anos. As sociedades necessitam de decisões rápidas e de decisões de pessoas que conheçam o ambiente societário, que conheçam a economia etc. Eu me lembro de uma discussão que tive em juízo em relação a uma concessão de estrada de ferro em que, em determinado momento, o juiz me deu uma sentença e, afinal de contas se discutia, em embargos de declaração, a dimensão das turbinas. O juiz me disse: "Professor, o senhor tem toda razão no seu pedido. Mas eu, juiz, tenho que saber que turbina a locomotiva deve ter? Isso não é matéria para o Poder Judiciário, é uma matéria altamente técnica. Se eu tiver que recorrer para isso a peritos, quem vai julgar o caso é o perito e não sou eu". Então, realmente, é o tipo de caso em que a arbitragem faz sentido. Por outro lado, não podemos continuar nessa cultura de litigiosidade na qual estamos vivendo... (Soa a campainha.) O SR. ARNOLDO WALD - Dois minutos, se V. Exª me permitir. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Com certeza. O SR. ARNOLDO WALD - Essa cultura de litigiosidade precisa ser ultrapassada e precisamos voltar aqui a uma cultura que é a da conciliação, que é a do espírito de parceria decorrente das condições de momento, que não permitem mais o luxo de brigas judiciais por longo tempo com custos duplos, custos do litígio e custos do tempo que o litígio representa para as partes. O tempo da economia não é mais o tempo da Justiça; o tempo da arbitragem deve ser o tempo da nossa economia, quando resolve problemas econômicos, problemas empresariais. |
| R | Então, a empresa precisa ter um status próprio neste setor. É verdade que já no Código Civil se falava na empresa, mas não se deram aos contratos empresariais e as suas soluções as dimensões cabíveis. Isso foi uma fase de transição. Hoje, com o projeto de Código Comercial, estamos na defesa não só do empresariado, mas na defesa da sociedade civil, porque o empresariado é o ramo produtivo dentro da nossa sociedade civil. Então, qualquer que sejam as empresas, comercial, industrial ou de agronegócios, são elas que permitem a produção. Sem produção, não há distribuição de riqueza. É preciso que haja simultaneamente produção e distribuição, mas se não houver produção, se não houver riqueza, não há o que o distribuir. Não adianta partilhar o que não se tem, porque é uma partilha meramente programática e, no fundo, é uma espécie de embuste, é uma espécie simulação e não uma realidade própria. O Presidente Kennedy disse uma vez que quando há litígios, o melhor é chegar a um acordo. Se não houver acordo, é preciso partir para a mediação. Se a mediação não funcionar, então vamos para a arbitragem. E se nada disso funcionar, quem sabe a Justiça poderá resolver. E eu digo isso com muito convencimento, pois, na realidade, não é a palavra de um teórico, mas a palavra de um homem que conheceu a realidade. E a realidade brasileira e a realidade americana, neste particular, não são muito diferentes. Tullio Ascarelli dizia que o Direito do século XX precisa mais de ideias novas do que de interpretações sutis. Não queremos mais interpretar o Código Comercial de 1850 com as suas analogias, os seus conflitos eventuais ou a sua manutenção em relação ao nosso atual Código Civil. Queremos um documento em que o empresário possa ter o seu regime bem definido no seu interesse e no interesse de todos os que trabalham e colaboram com ele. Do mesmo modo que nós criamos o Direito do Consumidor, que foi muito importante na vida brasileira, está na hora de criarmos o Direito Empresarial não só como ramo teórico, mas também como representado, além da jurisprudência, por um código adequado. Eu acho que se fala muito hoje na economia da colaboração. O século XXI seria o século da colaboração. É uma fase de parcerias. Então, nessa fase de colaboração e de parceria, certamente a arbitragem é um instrumento o mais adequado para encontrar a solução dos litígios dentro da equidade, dentro do respeito aos interesses das partes, ao direito de cada uma delas, no interesse da paz social e da segurança jurídica. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Prof. Arnoldo Wald. Na sequência, encerrando esta primeira etapa da audiência, eu ofereço a palavra à Presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem, Drª Flávia Bittar Neves. Com a palavra a Drª Flávia. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Muito obrigada. Boa tarde a todos. Exmº Sr. Senador Fernando Bezerra... O SR. ARNOLDO WALD (Fora do microfone.) - Não me leve a mal, mas o Senador estava na Presidência e eu não a tinha visto ainda. Desculpe a interrupção, que é pela ordem. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Imagine... Volta o meu tempo. Imagina, professor. Eu gostaria de agradecer a presença, saudar as senhoras e os senhores e agradecer também a assessoria do Relator, Senador Pedro Chaves, pelo convite que me foi feito para estar aqui hoje, nesta tarde, com V. Exªs. |
| R | Também teria algumas considerações gerais a fazer a respeito do Código Comercial, da reforma do Código Comercial, mas, tendo em vista a exiguidade do tempo, passarei diretamente aos pontos aos quais me dispus a tratar, que são referentes exclusivamente aos artigos do projeto de lei que cuidam da arbitragem. Parece-me muito louvável essa iniciativa desta audiência pública. Gostaria de, mais uma vez, parabenizar o Senador Fernando Bezerra, por abrir à sociedade a oportunidade dessa discussão. Parece-me que ainda precisamos discutir um pouco mais esse Código Comercial e a conveniência de fazer essa reforma em tão curto tempo, apesar de já estar tramitando há algum tempo, acredito que as discussões deveriam ainda se aprofundar um pouco mais em alguns aspectos. Com relação especificamente à arbitragem, como bem lembrado pelo Professor Arnoldo Wald, já temos uma normativa bastante consolidada no Brasil. Desde 1996, temos a Lei de Arbitragem em nosso País. Posteriormente, em 2001, houve a declaração da constitucionalidade da Lei pelo Supremo Tribunal Federal; logo depois, a ratificação pelo Brasil da convenção de Nova York sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, o que colocou o Brasil no cenário da arbitragem internacional de uma vez por todas, para que possa recepcionar sentenças arbitrais estrangeiras e exportar sentenças arbitrais domésticas, para que tenham validade, aí, em toda a comunidade internacional. Em 2015, tivemos uma reforma da Lei de Arbitragem. Na verdade, prefiro dizer que foi uma atualização da Lei de Arbitragem, para incorporar à normativa legal algumas práticas, entre as quais a arbitragem na área societária. Um atrás, por favor. O art. 1º da Lei de Arbitragem traz já disciplinada a natureza dos conflitos que podem ser submetidos à arbitragem. Quais são? Os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. É um conceito bastante amplo, que abrange as matérias tratadas pelo Código Comercial. Portanto, na visão do CBAr, não haveria necessidade de um tratamento legislativo da matéria, no âmbito do Código Comercial, para evitar riscos de interpretações divergentes e uma insegurança jurídica. Como bem lembrado também pelo Professor Wald, no ano de 2015, ao atualizar a Lei de Arbitragem, o legislador optou por incorporar na legislação das sociedades anônimas justamente a divergência que havia anteriormente sobre a validade da inserção da cláusula compromissória no Estatuto das Companhias, com a companhia já em andamento. Também não vou me alongar a esse respeito, porque tivemos aqui a lição do mestre, e não precisamos, então, retomar essa questão. Portanto, gostaria apenas de deixar aqui a preocupação do CBAr, com relação à manutenção da qualidade técnica da arbitragem que temos no Brasil hoje. A arbitragem, hoje, é considerada realmente um instrumento altamente importante para o desenvolvimento das relações societárias, das relações comerciais, das relações empresariais no Brasil, e o desenvolvimento da arbitragem no Brasil se deve eminentemente à qualidade da legislação que nós já temos: uma legislação técnica, mas muito simples, que abrange todas as matérias que envolvem os direitos comerciais, os direitos empresariais. Temos uma mínima interferência do Poder Judiciário e um posicionamento muito favorável da jurisprudência dos tribunais estaduais e do STJ, o que nos oferece um cenário extremamente vantajoso para o desenvolvimento da arbitragem com segurança jurídica e principalmente com previsibilidade. |
| R | Por isso, o tratamento esparso da matéria pode ser perigoso, como eu vou falar em relação a alguns artigos, não sem antes passar aos senhores rapidamente algumas estatísticas que demonstram como a arbitragem se desenvolveu no Brasil nos últimos anos. A Profª Selma Lemes faz um estudo anual. Este aqui é o de 2016, publicado em 2017 - o de 2017 ela publicará agora, possivelmente neste mês abril - que mostra justamente em números. Em 2016, foram R$24 bilhões em litígios resolvidos no âmbito da arbitragem. Portanto, isso mostra realmente que a arbitragem hoje é uma realidade no Brasil, é uma salvaguarda para o empresariado brasileiro, que tem um mecanismo eficaz e aceito pelos tribunais, pela jurisprudência e pela sociedade brasileira como válido. Dito isso, gostaria de entrar especificamente em alguns artigos do Projeto de Lei Senado 487, de 2013, que requerem alguma atenção. O primeiro deles é o art. 188, também já trazido pelo Prof. Arnoldo Wald, que traz a possibilidade de os litígios societários serem decididos, mediante arbitragem, porém ele traz uma certa limitação no caput. Pode passar, por favor, porque o outro eslaide está incompleto. Ele diz que: [...] inclusive o cumprimento de deveres ou de obrigações dos sócios, a liquidação de quota, apuração de haveres e dissolução, podem ser decididos mediante recurso à arbitragem, nos termos da convenção firmada pelas partes ou constante do contrato social, [...] abrangendo divergências entre: [...] E aí cita os casos. Na nossa visão, este dispositivo... Pode passar, por favor. Como eu disse, a arbitragem societária já está prevista numa lei específica, e estaria havendo uma dispersão do tratamento da questão que pode eventualmente criar alguns problemas de interpretação. Existe um risco de limitar o que se entende por matéria arbitrável, justamente em razão do aposto colocado após o "inclusive" e um risco também de se restringir a fonte da convenção de arbitragem, porque ele disse que deve estar presente, no contrato social ou no estatuto, porém não somente nesses instrumentos pode estar prevista a cláusula compromissória, como também em pactos parassociais intercruzados. Portanto, na nossa visão, pode haver um risco de limitação da abrangência tanto da matéria levada à arbitragem quanto da fonte da convenção arbitral. Na nossa visão, caso mantido o dispositivo, a nossa sugestão seria a exclusão desse aposto, que justamente faz a limitação das matérias arbitráveis, para que ele fique mais simples. Essa sugestão já foi acatada pelo Relator da Comissão Especial do Projeto de Lei 1.572, de 2011, conforme chegou ao nosso conhecimento na data de ontem. Um outro artigo que também nos causou uma certa preocupação é o art. 290, que diz que: Na presença de qualquer das causas mencionadas no artigo anterior, a dissolução pode operar-se por distrato assinado por todos os sócios, por deliberação em reunião ou assembleia de sócios ou por decisão judicial ou arbitral, exceto nos casos de insolvência, falência ou por anulação ou nulidade de seu contrato social, que dependem de decisão judicial ou arbitral. Nesse ponto, há uma preocupação de substituir a parte final do dispositivo, para, ao invés de dizer "decisão judicial ou arbitral", que seja colocado "decisão jurisdicional", para que não se dê margem ao entendimento de que a insolvência ou a falência possam ser reconhecidas no âmbito da arbitragem, coisa que nós sabemos ser impossível de acontecer, por serem direitos indisponíveis. |
| R | Portanto, essa redação pode gerar dúvida. A nossa sugestão é a alteração da expressão "judicial ou arbitral" por "jurisdicional", que engloba as duas ferramentas. No âmbito da Comissão do Projeto 1.572 da Câmara, a nossa sugestão foi acatada de modo equivocado a nosso ver. Nós gostaríamos que isso ocorresse nesta Casa, porque, ao invés de fazer essa substituição para constar "decisão jurisdicional", foi excluída a palavra "arbitral", de modo que pode levar ao entendimento de que a dissolução da sociedade em razão da nulidade do contrato social não poderia ser resolvida por arbitragem, o que não procede porque se trata de direitos patrimoniais disponíveis. Daí, Senador, a nossa preocupação da dispersão do tratamento legislativo, porque, por maior que seja a boa vontade ao tratar da matéria... (Soa a campainha.) A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - O senhor me concede mais alguns minutinhos? O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Claro. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Às vezes, o uso equivocado de uma palavra ou de uma expressão pode causar um prejuízo muito grande numa interpretação futura por um juiz que não tem ainda experiência na matéria ou mesmo uma divergência doutrinária, o que nós gostaríamos de evitar a todo custo para não perdermos toda a evolução que tivemos nas últimas décadas. Outro artigo que também nos causou uma certa preocupação é o 293, que diz que: § 2º. O liquidante pode ser destituído a todo tempo: .................................................................................................................................... II - em qualquer caso, por via judicial ou arbitral [...] Pareceu-nos adequado somente fazendo a mesma substituição que sugerimos para o artigo precedente de que se trate de decisão jurisdicional para guardar uma coerência com a sugestão que fizemos anteriormente. Essa sugestão também foi acatada pelo Relator da Comissão Especial do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. Em relação aos princípios aplicáveis ao comércio marítimo tratado no art. 40, existe, no final do dispositivo, uma previsão de conceder garantias para preservar o resultado útil da decisão jurisdicional. A nosso ver, não se faz necessária a existência desse dispositivo legal, justamente por trazer uma regra de direito procedimental no âmbito de um instrumento de direito material. A questão das garantias, tanto em matéria processual contenciosa do Judiciário quanto em matéria de arbitragem, também já está tratada no Código de Processo Civil e na própria Lei de Arbitragem, que dá o amparo legal à concessão de garantias sempre que for necessário para a manutenção do resultado final de procedimentos judiciais ou arbitrais. Também, a nosso ver, essa especificidade de tratar de garantias em se tratando de comércio marítimo vai de encontro à própria proposta do Código de Processo Civil, que deixou de prever processos cautelares específicos para determinadas situações. E essa sugestão que o CBAr também apresentou foi igualmente acatada na Comissão Especial do Projeto de Lei 1.572. Por fim, o último artigo que nos causou preocupação foi o 1.038, que trata do embargo de embarcação no âmbito do processo empresarial marítimo, que fala quando a ação principal se considera interposta em se tratando de medidas cautelares. E ele diz que será "cumprido o dever de ajuizamento da pretensão principal com a juntada aos autos da prova do ingresso da ação perante a autoridade judiciária estrangeira ou da instauração da arbitragem internacional." |
| R | O nosso legislador, por ocasião da edição da Lei de Arbitragem, optou por não diferenciar a arbitragem doméstica da arbitragem internacional. Portanto, essa é uma questão que deve ser tratada no âmbito... Se não houver a supressão do parágrafo único, conforme estamos sugerindo, porque a questão da tutela cautelar já está tratada no Código de Processo Civil, se for mantido, que seja feita essa adequação para tratar da arbitragem com sentença proferida fora do Território nacional, que é o que o nosso ordenamento jurídico considera como sentença estrangeira, e não arbitragem internacional. Bem, eu sei que meu tempo já se esgotou. Eu ultrapassei um pouco o prazo. Mas o que nós gostaríamos de trazer é que existem outros dispositivos que tratam da arbitragem no projeto que são os arts. 1.041, 1.042. Não vou abordar cada um porque alongaria demais a apresentação. O princípio é sempre o mesmo: está se dispersando o tratamento da matéria, causando um risco de interpretações divergentes e insegurança jurídica num cenário em que nós temos total segurança jurídica para aplicação da arbitragem no Brasil. O 320 trata da possibilidade de a sociedade em cota de participação prever a arbitragem. É certo que pode prever a arbitragem. Trata-se mais uma vez de direitos patrimoniais disponíveis. Então, não haveria nenhuma dúvida com relação a essa possibilidade. E o 1.007, que diz que: "A sociedade interveniente no acordo de acionistas [...] vincula-se à cláusula compromissória de arbitragem nele prevista" que também já é aceita pela prática da arbitragem no Brasil. Bem, a arbitragem no âmbito do Projeto de Lei 1.572. A maior parte dos dispositivos que trata do instituto da arbitragem em ambos os projetos se coincidem. A maioria das sugestões do CBAr foram aceitas. E a principal delas foi a que nos causou maior preocupação e que felizmente não existe nesta Casa, mas gostaríamos de deixar a nossa preocupação para que isso não venha... É a questão da possibilidade da realização da arbitragem pelos cartórios. Isso foi retirado do projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados felizmente. Mas nós gostaríamos somente de deixar manifestada a nossa preocupação para que essa questão não volte ao debate nesta Casa e que não seja jamais cogitada a possibilidade de inclusão dessa questão no nosso Código Comercial em discussão neste momento. Realmente seria uma prática nefasta para o uso da arbitragem no Brasil. Toda a comunidade arbitral é unânime em relação a isso, para que os notários não possam funcionar como delegatários do Poder Público ao fazerem arbitragens. Um notário que quiser ser árbitro fora do cartório dele, ele pode ser árbitro. Não há problema nenhum. O que não pode é utilizar os cartórios como instrumentos de realização de arbitragem. Isso realmente foi uma preocupação muito séria que tivemos. Já outros projetos de lei tentaram encampar essa matéria e nós felizmente conseguimos que isso não fosse adiante. Então, gostaríamos também de deixar manifestada a nossa preocupação com relação a essa questão. Mais uma vez agradeço o tempo que me foi concedido e fico à disposição para quaisquer esclarecimentos. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Drª Flávia. O Prof. Arnoldo quer usar da palavra? Pois não. |
| R | O SR. ARNOLDO WALD - Pode recolocar o 188 aqui no quadro? É possível? Eu diria o seguinte: estamos totalmente de acordo em relação a todas as matérias, especialmente em relação às fundamentais. O que eu apenas diria é que nós temos, em matéria de arbitragem, leis explicitantes. Por que isso? Porque havia uma aversão inicial à arbitragem. Então, houve a lei, pode a arbitragem, pode no Direito Societário... Não precisava, e, no modo seguinte, com aquela história toda... Agora, parece-me que aqui temos algumas coisas para explicitar, que são as seguintes: há na doutrina e na jurisprudência, em relação a uma série de matérias, dúvidas que não foram eliminadas, continuam em discussão. Então, na realidade, eu acho que seria bom dirimir isso de vez, em vez de deixar os tribunais levarem dez anos para realizarem jornadas, e, depois, nós realizamos as jornadas também e misturamos as jornadas e não sabemos o que esse coquetel mandado para a Câmara dos Deputados dará. Bom, a ideia aqui seria, eventualmente, dentro da sua ideia, todos os litígios societários, inclusive, mas não apenas os de... Se o CBAr achar que é uma fórmula viável. Por que explicitar? Não precisa, mas alguns juízes, alguns do Piauí, alguns do Rio Grande do Sul, alguns de Mato Grosso dizem: "Não, mas dissolução parcial é um negócio muito complicado, a ordem pública..." Então, eu acho que a explicitação é construtiva, como, na realidade, a lei de 2015 foi meramente explicitante, a não ser no recesso, que foi um acertamento válido, mas tudo bem. No fim, também, quando se diz: nos termos da convenção... É convenção de arbitragem firmada pelas partes ou constantes - firmadas pelas partes -, em qualquer lugar, ou do contrato social, estatuto... A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Entre outros. O SR. ARNOLDO WALD - Entre outros. Aí eu diria: entre outros ou entre outros documentos. A minha preocupação, a preocupação, na ocasião, da comissão que estudou, foi explicitar - isso é um. O segundo ponto também de explicitação é que no art. 109: o estatuto pode estabelecer divergências entre acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e minoritários, não com os administradores. Pode haver? Se o juiz amanhã disser: "Eu anulo, porque administrador tem uma função que a lei lhe atribui, e eu não sei se pode ser discutida arbitragem." Você acha que pode? Eu acho que pode. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Acho que pode. O SR. ARNOLDO WALD - Então, por que não acrescentamos o que acrescentamos aqui... Vamos voltar ao 188 um minutinho. Os sócios, entre si, ou com os administradores. Eu quero arbitragem, tenho uma arbitragem como administrador. Por que o juiz vai me dizer: "Não, você me desculpe, meu amigo." Mas quando um administrador da Lei das S.A. quis dizer quem pode arbitrar, ele explicitou, mas ele não disse: "Ou todos os casos análogos." Então, a ideia de todos os negócios, inclusive arbitragem de classe. Por que não? Eu acho que é ampliar, porque nós vínhamos de uma mentalidade em que tudo que não é permitido é proibido. Agora nós estamos num sistema em que, em Direito Privado, tudo que não proibido é permitido. Eu acho que é o espírito empresarial do novo Código. Tudo que as partes podem convencionar, desde que não seja contra a ordem pública, é válido. Mas eu acho que isso tem de ser dito porque as dúvidas permanecem, e há jurisprudência dizendo: não pode nisso, não pode naquilo. |
| R | O caso da Oi que eu citei, acho, é o caso limítrofe. Não vamos legislar para casos limítrofes, mas, em geral, eu acho que temos de estabelecer. É por isso que eu também acho que aquela sua ideia de jurisdicional em vez de arbitral é válida, porque, na realidade, o que nós queremos dizer? Pela autoridade competente, por qualquer motivo. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Sim. O SR. ARNOLDO WALD - Era só para, vamos dizer, ratificar e aditar, e dizer o seguinte: eu não a vi entrar e não a vi sentar aqui. Desculpe-me, eu preciso melhorar os meus óculos. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Sem problemas. O SR. ARNOLDO WALD - Até porque as moças simpáticas e inteligentes a gente sempre tem de ver. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Obrigada. O SR. ARNOLDO WALD - E você sabe da minha amizade e da minha admiração. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Agradeço as suas palavras e compartilho da sua preocupação. Obviamente que o senhor tem aí muito mais experiência, muito mais vivência do que todos nós aqui. O único receio é que, ao se explicitar, possa se limitar. Então, eu acho que a gente poderia fazer um ajuste... O SR. ARNOLDO WALD - Por favor. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Para colocar: inclusive, mas não se limitando a... E, no final, dizer: entre outros. O SR. ARNOLDO WALD - Outros documentos. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Entre outros documentos firmados pelas partes, justamente para... O SR. ARNOLDO WALD - Dr. Fábio está registrando aí. Como não temos o Relator, o Presidente e o Fábio estão aqui. Então... A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Com isso, conciliamos as posições... O SR. ARNOLDO WALD - Mas eu acho que esta reunião aqui é para, na medida do possível, vamos dizer, construir... A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Construir, sem dúvida. O SR. ARNOLDO WALD - ... e conciliar para uma sociedade que... O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Aliás, este é o objeto dessas reuniões e desses debates. O SR. ARNOLDO WALD - Exatamente, é por isso que nós tivemos a grata satisfação de sermos convocados... A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Igualmente. O SR. ARNOLDO WALD - Com muita honra, para vir em sua companhia. Obrigado. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Igualmente. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Então, quero agradecer ao Prof. Arnoldo Wald e à Drª Flávia Bittar, e agora vamos iniciar a segunda etapa da nossa audiência pública. Muito obrigado. O SR. ARNOLDO WALD - É uma alegria muito grande estar contigo... O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - A alegria é toda minha. O SR. ARNOLDO WALD - E muito obrigado por nos ter proporcionado este encontro tão simpático. Parabéns. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Professor. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Obrigada, Senador. O SR. ARNOLDO WALD - Eu acho que esse diálogo tem que funcionar em todos os lugares. Selamos a paz. A SRª FLÁVIA BITTAR NEVES - Com certeza, como sempre. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Eu gostaria de convidar o Professor de Direito Comercial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Sérgio Campinho, por favor; convido o Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Desembargador Newton de Lucca, e convido, ainda, a representante da Confederação Nacional da Indústria, Professora Titular da Universidade de São Paulo, Drª Paula Andrea Forgioni. Com a permissão do Dr. Sérgio e do Desembargador Newton, a Drª Paula pediu a preferência para ser a primeira... |
| R | (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Não? Então vamos seguir a ordem. Então, vamos dar início a essa segunda etapa oferecendo a palavra ao Dr. Sérgio Campinho, por favor. O SR. SÉRGIO CAMPINHO - Boa tarde a todos. Agradeço o Senador Fernando Bezerra pelo convite. Cumprimento todos aqui presentes, colegas de Mesa, colegas de audiência. E dentro dessa... O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Só um minuto. O SR. SÉRGIO CAMPINHO - Pois não. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Eu não registrei aqui a presença do nosso ilustre companheiro daqui do Senado Federal, Senador Roberto Muniz, que está prestigiando esta nossa reunião. Seja muito bem-vindo, Senador Roberto Muniz. Por favor, Dr. Sérgio. O SR. SÉRGIO CAMPINHO - Pois não. Então, dentro do tema proposto e da exiguidade do tempo, eu procurei pensar em alguma coisa que realmente tivesse um viés pragmático relevante para essas nossas discussões. E dentro da questão da autorregulação, que me parece fundamental e cada vez mais deve ser estimulada e sedimentada, gostaria de chamar atenção para a questão da autorregulação societária, ou seja, da relação da regulação das relações entre os sócios e entre eles e a sociedade, porque a tradição do nosso Direito, infelizmente, é muito interventiva, é muito tutelar. É o momento para discutirmos revisitando a matéria e, no meu modo de ver, avançando nessa questão. Academicamente, eu tenho refletido, estudado, a partir obviamente da minha experiência como advogado, a proposição de um tipo livre, porque nós temos os tipos já definidos em lei: companhia aberta, companhia fechada, sociedade limitada, sociedade simples, nome coletivo, comandita simples; em que, dependendo de um tipo ou de outro, há uma maior disponibilidade das questões, os sócios têm maior poder dispositivo; em outras, menos. E eu tenho sempre refletido na possibilidade de um tipo livre. Ou seja, respeitados aqueles clássicos pontos da ordem pública, da moral, dos bons costumes, da observância da boa-fé objetiva e dos princípios, fundamentalmente dos princípios gerais do Direito e do Direito Societário, por que não permitir que os sócios possam livremente dispor das suas relações? Relações entre si e deles com a sociedade? Ou seja, tendo total liberdade para dispor sobre quóruns, sobre retirada, exclusão, sucessão, transferência das participações societárias, apuração de haveres, dentre outras matérias. Então, fica aqui esse ponto de reflexão. |
| R | Mas como ele não está no projeto ora em debate, nada impedindo que pudesse estar, ou que possa vir a estar, vamos tentar trazer aqui algumas reflexões para enfatizar esse caráter de maior liberdade. Não tenho dúvida de que a questão relativamente a quórum, no que tange às sociedades contratuais, reguladas hoje pelo atual Código Civil, e notadamente no âmbito da sociedade limitada, melhora muito no PLS 487. Ou seja, resgata-se, para as sociedades por quotas, que terão especificamente, dentro dessa estrutura, a limitada, a sociedade em nome coletivo e a sociedade em conta de participação, resgata-se o princípio da maioria absoluta do capital para as deliberações. E convenientemente, o art. 242 do projeto nos diz que salvo exceções legais, contratuais ou em acordo de cotistas, pode haver a elevação desse quórum para uma maioria mais qualificada ou até mesmo para a unanimidade, prevendo dois terços, três quartos, etc. Trago aqui a lume a seguinte indagação: Por que não também permitir que o contrato possa, para todas as matérias ou para as matérias que ele definir, adotar um quórum da maioria dos presentes na assembleia ou reunião de sócios? Acho que isso é um efetivo combate ao eventual absenteísmo daqueles sócios que tenham participação relevante e que possam influenciar no sentido de impedir a aprovação de determinadas matérias por não se conseguir essa maioria do capital, ou seja, a maioria absoluta, mais da metade do capital. Hoje o Código Civil de 2002, tão criticado - e com razão, pela complexidade e engessamento dos quóruns -, para algumas matérias permite que o quórum seja da maioria dos presentes da reunião em assembleia. E, na prática, isso resolve alguns problemas. Vou dar um exemplo, para não ficar no campo teórico. É um exemplo em que tive oportunidade de verificar, na advocacia. Uma sociedade com seis sócios. Dois deles somam mais de 50% do capital. A sociedade de mais de trinta anos resolve sair do País, até mesmo voltar para a terrinha, e não comparece às assembleias nem se faz representar por procuradores. A assembleia é ordinária de sócios, com aprovação de quantos? É necessária a regularidade da sociedade. Pelo Código Civil, maioria dos presentes. Pelo menos nessa questão está resolvido. No âmbito do PLS, como nós não temos essa possibilidade de deixar ao alvedrio do contrato essa regulação, nós teríamos um sério problema, porque não teríamos a maioria do capital, a maioria absoluta, e precisaríamos recorrer a quê? Ao Poder Judiciário ou à arbitragem, se houver convenção de arbitragem, para suprir essa ausência de quórum necessário à perfectibilidade da vontade social. Então, fica aqui esse tópico para a reflexão. Ou seja, flexibilizar mais ainda, dentro daquela ideia de deixar que as parte realmente - porque são elas as que melhor vão saber - regulem seus direitos. |
| R | Dada a premência de tempo, trarei mais dois exemplos, se for possível: a questão da retirada e da exclusão. O projeto, no art. 269, melhora muito, principalmente no âmbito da limitada, a questão da retirada ou do recesso. Nas sociedades por prazo determinado, só retirada motivada, alteração no contrato social, algumas operações societárias e novas ligações societárias ensejariam a retirada. E nas sociedades contratadas por prazo indeterminado, respeitando aquele princípio de que o sócio não pode permanecer prisioneiro da sociedade, sociedades contratadas por prazo indeterminado, saída livre, saída imotivada mediante simples notificação da sociedade. O.k., melhora e muito o que se tem hoje, porque hoje na limitada se tem uma grande discussão: só se pode sair naquelas hipóteses do 1.077, ou o art. 1029 também se aplica às limitadas, ou vai depender da regência supletiva? Enfim, temos aí três correntes doutrinárias em discussão com reflexos na jurisprudência. Simplifica, mas dentro daquele princípio da liberdade, da autorregulação, por que não também permitir que nas sociedades com prazo indeterminado de vigência não possam os sócios restringir a saída? Porque podemos ter uma sociedade contratual que não seja puramente intuitu personae, que o elemento do capital seja o maior determinante para a reunião daqueles sócios em sociedade. Por que não permitir que eles naquela sociedade possam definir quais as situações que poderiam ensejar o recesso, ainda que contratada a sociedade com prazo indeterminado de vigência? Ou seja, alguma coisa semelhante ao que se tem, por exemplo, hoje na companhia fechada. E, para terminar, trago a questão da exclusão. A matéria vem lá prevista nos arts. 272 e 273 do projeto. Temos a possibilidade de exclusão do sócio remisso, do sócio por incapacidade superveniente, insolvência, falência ou por falta grave. O projeto evolui em relação ao atual Código Civil, porque define o que é falta grave. Então, falta grave seria atividade de concorrência com a sociedade sem a permissão da mesma, atos que obstem ou dificultem a regular administração, gestão da sociedade e apropriação ou uso indevido de recursos, bens ou serviços da sociedade. Essa exclusão pode se dar por via judicial ou extrajudicial. Também permite o projeto. Para se limitar a possibilidade da exclusão extrajudicial, nessas hipóteses de falta grave, o projeto exige cláusula vedando. O.k., porque podem os sócios entender que, mesmo no caso de falta grave, a retirada não se possa dar no plano extrajudicial. É conveniência, porque há uma diferença flagrante quando você tem a retirada no plano... Desculpem-me, na exclusão no plano extrajudicial só se sai para depois questionar a sua retirada, ou seja, a causa que motivou, se é legítima, não é legítima. Então, ele vai discutir fora. |
| R | Por sua vez, quando não se admite a exclusão extrajudicial, só por decisão judicial ou arbitral, dependendo de haver ou não a convenção arbitragem, o sócio, em princípio, permanece, até que venha essa decisão, a não ser que haja uma antecipação da tutela. O.k., perfeito nesse ponto. Mas também, por que não permitir que a exclusão extrajudicial, quando autorizada pelos sócios, não se dê estritamente naquelas situações pelos sócios delineados ou, além dessas, que são faltas graves, em outras que os sócios possam vir a delinear? Por exemplo, concorrência com a sociedade. Sim, concorrência com a sociedade porque o sócio está atuando no mesmo ramo de atividade. Mas, muitas vezes, aquela união em sociedade resulta da qualidade do sócio, por exemplo, como gestor, como administrador daquela sociedade e pode o contrato - por que não? - prever uma exclusão caso ele não venha a concorrer diretamente com a sociedade, mas se lançar a outras atividades que não sejam aquelas relativas à do objeto social naquela sociedade, porque aí ele estaria tirando o seu tempo de dedicação da sociedade para uma outra e aquilo, a sua qualidade pessoal fundamentalmente no desenvolvimento dos negócios sociais, foi condição premente, determinante para a sua admissão na sociedade. Estaria aí um exemplo que me parece bem razoável. Anotei alguns outros, como, por exemplo, um sócio que é admitido numa sociedade porque é titular de uma patente e vai permitir o uso dessa patente pela sociedade. Esse foi o ponto motivador da sua admissão na sociedade. Há a perda da patente, por que não permitir a sua exclusão? Veja, tudo isso está fora do que a lei qualifica, do que o projeto qualifica, melhor dizendo, como falta grave. E, até mesmo diante da liberdade plena, por que não permitir a exclusão ante a ruptura da simples affectio societatis quando a sociedade for rigidamente constituída intuitu personae? Lembro que antes do Código Civil de 2002 essa era a regra. A maioria, mediante simples alteração do contrato social, poderia expulsar o sócio. Enfim, deixar ao legislador que equilibre tudo isso é bom, mas sempre de forma - penso eu - supletiva. Acho que essas situações são situações - dentre outras que poderíamos aqui também trazer - que mereceriam ser repensadas no projeto para se garantir e deixar isso bem explícito, que essa regra valeria para a hipótese de silêncio do contrato, mas assegurar que o contrato pudesse dispor livremente... (Soa a campainha.) O SR. SÉRGIO CAMPINHO - ... sobre essas matérias e outras de conveniência dos sócios. Enfim, fica aqui a minha participação, agradecendo a todos pela oitiva. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Prof. Sérgio Campinho. Na sequência, ofereço a palavra à Drª Paula Andrea, representante da Confederação Nacional da Indústria e professora titular da Universidade de São Paulo. Drª Paula. A SRª PAULA ANDREA FORGIONI - Boa tarde, Senador Fernando Bezerra, é uma honra estar nesta Casa. Não digo isso por questão protocolar, sinto-me realmente honrada por poder trazer uma humilde contribuição de alguém que está ligada à prática da advocacia e à prática empresarial há mais de 30 anos. Muito obrigada por esta grande oportunidade. |
| R | Saúdo o meu colega de departamento, de vida, de tantas batalhas, Prof. Newton de Lucca; meu colega Sérgio Campinho; Prof. Fábio, sempre uma honra encontrá-lo; todos os nossos colegas; Flávia. Agradeço à CNI por todo o apoio que me tem dado. Confesso que eu estou bastante preocupada com o rumo das discussões. O que eu tenho percebido? Nós temos um projeto de Código Comercial para comentar. As discussões estão setorizadas. É óbvio que ninguém será contra a arbitragem, ninguém será contra a modificação das limitadas, ninguém será contra intervenções pontuais, o problema não é esse. O problema é mais estrutural. Eu peço para começar, se possível. E aqui eu não falo em meu nome, nem falo em nome da "academia" - entre muitas aspas -, porque isso aqui tem muito pouco de acadêmico, nós estamos falando de empresa, nós estamos falando de geração de riqueza. Uma das nossas grandes brigas é esta: empresa gera riqueza, empresa gera emprego. É preciso abandonar preconceitos estéreis. Então, eu falo, essa posição não é minha, apenas é de muitos colegas, e eu posso lhes assegurar de muitos advogados, de muitos escritórios de advocacia na cidade de São Paulo, é a posição da Fiesp, é a posição da CNI de que não é o momento para um novo Código Comercial. É preciso aprofundar as discussões. Por que não é o momento do novo Código Comercial? A primeira coisa, nós temos legislações novas, relativamente novas em vigor. Qual a nossa grande preocupação, senhores, como a de todos aqui? É segurança e previsibilidade. A lei precisa atribuir aos agentes econômicos, proporcionar segurança e previsibilidade. Isso diminui o risco, diminui custo de transação e aumenta a possibilidade de geração de riqueza. Essa é a grande questão, diminuição de custo, diminuição de risco. Uma coisa extremamente ligada. A insegurança aumenta o risco, parece-me que isso é um pouco indiscutível. Nós temos legislações novas em vigor, sem consolidação ainda. O Código Civil está em vigor há 10, 12 anos. A Lei de Arbitragem. Aqui nós tivemos uma grande discussão com a minha colega Flávia Bittar, também colega de outras lutas, com o Prof. Arnoldo Wald, etc., sobre a Lei de Arbitragem, sobre uma reforma da Lei de Arbitragem. O que nós estamos fazendo aqui, discutindo Código Comercial ou Lei de Arbitragem? O que me assusta... Ali na discussão deles há uma grande questão embutida, sigilo nas arbitragens de companhias abertas, que é a grande discussão do momento na arbitragem, e isso não vem à tona. Então, quando nós segmentamos as discussões e passamos tudo num rolo compressor da discussão do Código Civil, nós estamos passando por cima das grandes discussões de cada uma das dezenas de matérias que nós estamos discutindo. E aí a questão da arbitragem foi apenas um exemplo que eu colho aqui no calor do momento, Flávia. Todos nós ligados à arbitragem sabemos disso. Então, como fica o sigilo na arbitragem de companhia aberta? Eu tenho minhas dúvidas no campo da arbitragem se isso é conveniente ou não. |
| R | Vamos fazer essa reforma sem discutir isso? Vamos mudar a Lei de Arbitragem? Vamos mudar as limitadas de novo, na correria? Por isso que - Fiesp, CNI, eu posso dizer os nossos colegas também, o Prof. Newton assinou uma carta com o Prof. Calixto e comigo há algum tempo nesse sentido - é preciso discutir, e não num caldo, numa correria, num "emendão". É muito sério, isso impacta o dia a dia das empresas, isso impacta o dia a dia do cidadão. Vou dar alguns exemplos concretos de riscos, porque são centenas de artigos. O Código Civil, o Código de Processo Civil que acabou de entrar em vigor, dois anos; Lei de Arbitragem... A gente não está falando do código de 1850, senhores, isso aí sobrou direito marítimo, que é outra grande discussão. Isso já está revogado, a gente não está falando de uma legislação de 1850, nós estamos falando de leis que ainda estão se consolidando, inclusive o novo Código Civil, com todos os problemas que trouxe. O que eu vejo nesse projeto, o que vemos nesse projeto? Repetições do que já existe. Por exemplo, as regras consuetudinárias de que o nosso primeiro palestrante falou. Desculpem, isso já está no Código Civil. Quem vai ser contra usos e costumes no Direito Comercial? É impossível. Como disse o primeiro palestrante - eu sou, confesso, uma apaixonada pelo Direito Comercial na Idade Média -, não pode ser contra, não existe Direito Comercial sem usos e costumes. Só que tem um problema, isso já está no Código Civil agora. Fazermos uma revolução para introduzir o que já há? Realmente não se vê muito sentido. E não é só isso, é o tudo isso. Temos que subir o nível da discussão. Olhar a discussão de cima. Está no Código, eu garanto para vocês, está no Código. A questão da arbitragem, eu acabei de falar. É necessário, essa é uma posição forte de Fiesp, CNI, advocacia paulista, eu diria, na sua grande maioria, a advocacia empresarial, na sua grande maioria. Vai ser preciso trazer mais ao Congresso Nacional qual a posição do empresariado. Uma necessidade da maior discussão para evitar atropelamento. Por exemplo, falei, porque eu fui completando enquanto o Prof. Wald e a Flávia estavam debatendo, na arbitragem em companhias abertas, acionistas minoritárias, sigilo, etc... Por favor. Outras coisas. No momento tudo para... Não é momento de um novo Código Comercial na conjuntura econômica do País. Senhores, estamos começando a respirar. Ouvi hoje que vem uma nova crise por conta da política do Trump, daqui a dois anos. O custo de implementação e o impacto sobre as empresas agora desse Código, ainda que se possa contestar um estudo ou outro, senhores, mudar uma legislação... O que o Código Civil fez com as nossas limitadas? Imaginem mudar tudo, de novo, para o empresariado? A insegurança jurídica em grau inédito. Ao contrário do que se diz, com todo o respeito e acatamento, o Prof. Fábio Ulhoa, meu colega também de muitas batalhas, muitos anos, meu querido amigo, mas eu vou trazer alguns exemplos - eu só posso trabalhar com exemplos. O grau de insegurança jurídica é inédito na legislação. E olha que eu trabalho com lei de concorrência. Aliás, Fábio, fundamentos do antitruste faz 20 anos este ano da primeira edição. Nem a lei antitruste, que é uma lei que trabalha só com princípios praticamente, com conceitos abertos, traz esse grau de insegurança - vou trazer alguns exemplos. E no que eu preciso insistir? O problema do texto do projeto é estrutural, não é pontual. Se nós formos para os pontos específicos, todo mundo vai estar de acordo, ou nós vamos ficar brigando em cima de pontinhos que não são o real problema. Daí a preocupação da Fiesp; daí a preocupação da CNI. |
| R | Eu tenho outro problema macro - e chamarei todos de problemas macro: o texto proposto é contraditório em sua essência. Há alguns princípios que são extremamente intervencionistas e protecionistas e outros que são extremamente liberais. E isso porque foi ficando, com todo o respeito e acatamento, uma colcha de retalhos, porque foram sendo acolhidas, até agora... "Não, tragam as suas sugestões. Nós vamos acolher as sugestões". Óbvio; esse é um processo de composição política - e quem sou eu pata falar de política? -, mas que acabou tendo esse problema estrutural muito forte. Eu vou trazer alguns exemplos e, depois, desculpem, mas veremos que não há proteção à empresa aqui. (Soa a campainha.) A SRª PAULA ANDREA FORGIONI - Eu peço licença para continuar com os meus exemplos, por favor. Os princípios. Eu lembrei até de um verso dos Titãs: "Há flores em tudo que eu vejo". Aqui há princípios em tudo! Então, a ideia é de que se trata de um código principiológico. E quem, hoje, é contra os princípios? Ninguém. Qual a ideia no nível macro do código? "Ah, vamos falar em princípios gerais do Direito Comercial e princípios específicos para cada empresa". Perfeito, só que o problema dos princípios é o exagero que tem sido cometido; e, de novo, nós vamos ter contradições no próprio texto. Mas há princípios para todo lado: princípio que ninguém sabe o que é; princípio que não existe, que está sendo inventado agora; princípio que já está em outro lugar, que já está dando problema em outro lugar e está dando problema aqui. Há também tentativas de cristalização de princípios, que causam mais confusão ainda. Gente, esse problema nunca ninguém conseguiu resolver: o problema do positivismo, o problema da incerteza da linguagem. O meu problema aqui é que se colocam mais princípios ainda e se inventam princípios, ou seja, tudo fica princípio. Aí vai ficar muito complicado para se exercer a atividade empresarial no Brasil, porque o julgador, categoria na qual eu me incluo como árbitra, vai poder fazer o que quiser - e eu vou trazer alguns exemplos aqui. Os senhores desculpem a minha veemência, mas eu advogo e eu trabalho com empresários. Então, alguns exemplos aqui. Eu só gostaria de lembrar, antes disso, que, no Supremo Tribunal Federal, dois Ministros, com base no mesmo princípio, proferem decisões opostas. Todos nós do Direito Empresarial sabemos que o princípio é necessário para a adaptação da regra do direto ao caso concreto, mas que isso pode gerar insegurança. Todos nós sabemos disso! Todos nós sabemos do problema da imprecisão da linguagem. Todos nós sabemos do problema da "farra dos princípios" - e a expressão não é minha, é do meu querido amigo e também professor da Universidade de São Paulo, Prof. Ronaldo Porto Macedo Júnior. Podemos seguir, por favor. O aumento do campo da discricionariedade do julgador. Gente, ninguém pode ser contra os princípios. Ninguém pode ser contra! Aquilo para o que eu chamo a atenção dos senhores, nesta Casa, em nome da segurança e da previsibilidade para o empresariado, é a multiplicação e invenção impressionante de princípios jurídicos nesse projeto, o que aumenta o grau de insegurança e de imprevisibilidade e aumenta o custo para o empresário em segurança e em previsibilidade. Quer dizer: custo! Podemos passar, até porque eu não terei todo esse tempo. |
| R | Por exemplo, liberdade de iniciativa. Quem pode ser contra a liberdade de iniciativa? Está na Constituição! A liberdade de competição? Está na Constituição! A função econômica e social da empresa? Está na Constituição! Boa fé? Está no Código Civil! Ética... O Prof. Newton tem uma tese sobre isso. Mas será que nós precisamos trazer toda a discussão... O Prof. Newton fez um livro assim sobre ética empresarial - uma obra prima! Será que nós precisamos todos trazer essa discussão para dentro do Código Comercial? E se diz que esse Código traria segurança e previsibilidade para os agentes econômicos? Por favor. Princípios aplicáveis às sociedades. Vejam como falta discussão. Ali no final: proteção dos sócios não controladores. Senhores, não existe um princípio da proteção dos sócios não controladores. O princípio da Lei das S. A. (Lei nº 6.404, de 1976), talvez a melhor lei em vigor no País no campo do Direito Empresarial, seguramente diz o seguinte: "a maioria manda". Só que eu tenho os direitos essenciais dos acionistas no art. 109. Um princípio como esse... Quem é contra a proteção do minoritário? Ninguém! Agora, um princípio como este a ser aplicado no País inteiro simplesmente pode comprometer toda a Lei nº 6.404. Vejam a sutileza: não é que sejamos contra a proteção do minoritário. Sim, somos a favor do minoritário nos termos do art. 109 da Lei nº 6.404, que trata dos direitos essenciais dos acionistas, em termos de novo mercado e de uma série de coisas. Porém, agora, daí a se tirar um princípio de proteção dos sócios não controladores? Senhores, se joga um princípio... É muito... De novo: os senhores reparem que eu estou indo de sociedade, processo, arbitragem... Tudo junto, tudo misturado sem discussão e tudo correndo nesta Casa; tudo sendo discutido a galope. Com todo o respeito, Srs. Senadores, eu venho aqui, falando em nome da CNI e da Fiesp, pedir atenção para a proteção da empresa, para a proteção da geração de riqueza. (Soa a campainha.) A SRª PAULA ANDREA FORGIONI - Eu já vou terminar. Outros princípios... Eu estou dando exemplos, senhores, em pouco tempo. Proteção do contratante empresarialmente dependente nas relações contratuais assimétricas. Senhores, isso é um princípio. Eu tenho um livro sobre isso, em contratos de distribuição, em que eu defendo a repressão ao abuso de dependência econômica. Senhores, nem eu seria capaz, depois de 20 anos de estudo, de definir com certeza o que é dependência econômica. E mais: os senhores reparem que, nesse artigo, não está a repressão ao abuso do direito, que é o que o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, tem empregado para coibir abusos. Ou seja, não existe o princípio da repressão ao abuso do direito, mas existe o princípio da repressão ao abuso da dependência econômica. Não existe a consagração do que tem sido feito pela jurisprudência. Ou seja: vamos jogar todo o trabalho fora? A construção toda em cima do Código Civil de 2002? É para isso que eu quero, humildemente, chamar a atenção dos Srs. Senadores, dos membros desta Comissão, para o grau de insegurança e de imprevisibilidade. Ali, outro exemplo das normas consuetudinárias, enfim. Aqui, alguns outros. Inerência ao risco. É óbvio que há inerência ao risco! Agora, a falência e a recuperação... Inerência ao risco, sem sombra de dúvidas. Reparem que a preservação da empresa... O impacto social da crise da empresa não está aqui, mas ele estará na parte de processo. Provavelmente, alguém pediu para tirar daqui no projeto. Não sei. O fato é que, sistemicamente, isso pode comprometer a interpretação dessa lei para o País inteiro. E nós de São Paulo, principalmente, temos de entender que isso não é um código apenas para os grandes centros; isso é um código para o País inteiro. |
| R | Por favor. Outra coisa que preocupa extremamente é essa atenção às externalidades. Nem os economistas sabem. São princípios aplicáveis ao processo empresarial, sabemos, do novo Código de Processo. O novo Código de Processo já está tentando trabalhar com essa ideia. Por que nós vamos mexer em algo que o Código de Processo Civil está tentando consolidar? Uma coisa que preocupa no Código - por favor, o próximo eslaide. Podemos passar para o outro e depois voltarmos para este. Perdão, errei. Volte. Eu tirei o outro. Há um artigo aqui que talvez eu tenha posto mais para a frente falando que o juiz, na hora de julgar, tem de prestar atenção nos efeitos econômicos que a sua decisão pode causar. Sem sombra de dúvidas, essa é uma ideia que deve ser estudada, que deve ser debatida. Mas, senhores, com base nisso, o juiz pode dar qualquer decisão. Esse é o problema. Justifica-se qualquer coisa. Este é o problema: com base na atenção à externalidade, justifica-se qualquer coisa. E ninguém pode dificultar a recuperação de créditos, inclusive. Por favor, vamos passar. Só estou dando exemplos. Repressão a condutas parasitárias. O que são condutas parasitárias? Como um juiz de uma pequena cidade do interior interpretará isso? Não há definição. Condutas parasitárias têm a ver com algumas teorias norte-americanas de free riding, que são altamente discutidas no direito concorrencial. Senhores, é o momento de colocar tudo isso junto e ao mesmo tempo na vida das empresas brasileiras? Por favor. Aqui há alguns exemplos de leis que estão sendo impactadas: Lei Ferrari, Lei de Franquias, Lei de Falências... Eu poderia, de novo, trazer outras leis que estão em vigor e que serão impactadas. Há mais. Por favor. Vejam, por exemplo, na parte processual, eu tenho esse artigo solto, porque a parte de processo, uma solução de controvérsias era um dos temas de hoje. São reconhecidas a excepcionalidade e as limitações temporal e de escopo na intervenção judicial nas relações entre empresários. (Soa a campainha.) A SRª PAULA ANDREA FORGIONI - Já estou ultimando. Então, tenta-se restringir a intervenção judicial, mas, ao mesmo tempo, amplia-se o poder do juiz. Quando eu falei no começo... É intervencionista, mas, ao mesmo tempo, é liberal. É muito complicado para quem precisa produzir! As empresas precisam produzir. É muito complicado. Esse nível de insegurança e imprevisibilidade é muito complicado! Por favor, podemos passar. Aqui, olhem. Desculpem. Estava aqui o artigo da externalidade econômica. No processo empresarial, vejam, em um momento se diz que o juiz tem de intervir o menos possível. E, no outro, fala: "No processo empresarial, o juiz deve sempre levar em consideração as externalidades econômicas de suas decisões, em especial as referentes ao impacto que o entendimento nelas adotado pode ocasionar, se for generalizado, nos preços [nem o Cade... Bom, enfim] dos produtos, e serviços no mercado brasileiro, atacadista e varejista na viabilidade das empresas e solvência dos empresários." Senhores, ninguém mais cobra crédito no País. Ou, ao contrário, reparem o nível de intervenção que um artigo desse propicia, ao mesmo tempo em que diz que o juiz tem de intervir o mínimo possível. |
| R | Seguindo, por favor. Minha conclusão. Ao mesmo tempo, há um famoso artigo que o Prof. Newton seguramente vai comentar mais do que eu que tenta falar o seguinte: sabe-se que princípios e termos amplos causam insegurança. Então, nenhum princípio prevalecerá sobre a regra nesse Código. Em outras palavras, já modificado, diz: "Nenhum princípio, expresso ou implícito, pode ser invocado para afastar a aplicação de qualquer disposição deste Código ou da lei [...]." Eu gostaria de chamar a atenção humildemente dos Srs. Senadores que têm a paciência de me escutar para o fato de que o problema não é esse. Os princípios viraram regras expressas, normas expressas neste Código. Eles estão por toda parte, como as flores naquela música do Titãs. Para onde você olha, há princípios. Para onde V. Exªs olharem, haverá princípios. O problema aqui não é o conflito regras versus princípios, mas a proliferação de normas inseguras. Na realidade, o projeto traz insegurança para o mercado e aumenta os custos para os agentes econômicos. E, no entender dos agentes econômicos, que eu tenho a honra não de representar, porque não me arvoro a essa posição, não tenho procuração de ninguém, pelo que pude entender, a solução passa por outros caminhos. Aperfeiçoamento da legislação existente, com debates como aquele que a Drª Flávia acabou de ter com o Prof. Arnoldo Wald, utilizando-se da expertise desta Casa, com a criação de varas e câmaras especializadas, porque isso, sim, aumenta o posicionamento do Brasil no ranking de desenvolvimento e de classificação para investimentos. Então, o que nos eleva, o que melhora o desenvolvimento, o que gera riqueza para as empresas no País passa por outro caminho que não essa discussão de tudo que pode elevar os custos a serem assumidos pelos agentes econômicos. Muito obrigada, Sr. Presidente. Peço desculpas pelo tempo. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Obrigado, Drª Paula Andrea, que acho que botou fogo na nossa discussão com as suas colocações, mas esse é o propósito... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - O propósito é também fazer esse contraditório para discutirmos a oportunidade ou não dessa iniciativa legislativa. Para encerrar essa etapa da nossa audiência pública, eu ofereço a palavra ao Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Desembargador Newton de Lucca. Por favor. O SR. NEWTON DE LUCCA - Obrigado, eminente Senador Fernando Bezerra, queridíssima colega Profª Paula Andrea Forgioni, meu prezado amigo Prof. Sérgio Campinho, Srs. Senadores, senhores professores aqui presentes. É claro que minhas palavras iniciais são necessariamente, Senador, de agradecimento por este convite honroso para dissertar especificamente sobre os títulos de crédito no projeto que institui o novo Código Comercial no Brasil. |
| R | Realmente, se eu fosse expor tudo aquilo que preparei para dizer na tarde de hoje, o som da campainha iria causar um problema muito sério nos tímpanos de todos os presentes aqui, eu ocuparia mais de uma hora. E o que eu posso fazer, Senador Bezerra, é o resumo do resumo resumido, para tentar ficar dentro do tempo. E me proponho a, caso seja do interesse da Comissão, depois mandar por escrito o meu texto com todos os comentários. O comentário que a Profª Paula Forgioni acabou de fazer mostra que todo o trabalho, principalmente o de elaboração legislativa, deve necessariamente se fazer in fieri, ou seja, estar sempre em processo de desenvolvimento. Nós nunca podemos afirmar que, num determinado momento, chegamos a um produto final, como se fosse uma obra sub specie aeternitatis. Então, o câmbio é muito grande. Eu me surpreendi, porque tinha como propósito especificamente colocar uma matéria que é polêmica em relação à qual o projeto da Câmara optou por uma solução, e o projeto do Senado optou por outra, pela oposta. E eu, entre outras coisas, iria procurar mostrar ou vou muito de passagem fazer referência por que eu prefiro a redação do PLS 487, aqui do Senado. Mas curiosamente vejam: por que acabei de afirmar que o trabalho de elaboração legislativa se faz in fieri? Ontem, conversando com o Prof. Fábio Ulhoa Coelho, ele me disse na entrada... Na data de ontem, mal deu tempo, Fábio, de eu tentar imprimir aquelas 272 páginas e ler, já era noite; tentei ver alguma coisa no avião, para me atualizar. Houve um substitutivo para esse Projeto 1.572, da Câmara, que é do Deputado Vicente Candido, e o substitutivo agora é do Deputado Paes Landim. Bom, eu reparo... Se V. Exªs me permitirem, vou até ler, porque um dos tópicos deste meu trabalho era exatamente mostrar quais as soluções dadas pelo PLS 487, aqui do Senado, em relação ao da Câmara, porque eu acho que aqui está mais correto. Eu vou dar um exemplo só, antes de entrar especificamente nos títulos de créditos: existe a Lei Complementar 95, que teve outra redação da Lei Complementar 107, que tentou explicar como é que se fazem leis no País, coisa que nós nunca soubemos fazer, infelizmente, sempre com muitos defeitos. Essa lei complementar estabeleceu: "Olha, no art. 1º, precisa ser delimitado o campo de aplicação da norma, quem são os destinatários." O projeto da Câmara era absolutamente genérico a respeito; já o projeto aqui do Senado especificou exatamente cada uma das matérias. Entre outros aperfeiçoamentos, eu iria sublinhar este a título de exemplo, assim como vou mostrar, na parte referente aos títulos de crédito. |
| R | Mas aí, na p. 13 do relatório que foi publicado ontem, eu vejo escrito o seguinte: Neste particular, o Substitutivo incorporou o previsto no Projeto de Código Comercial do Senado (PLS 487/13), cujo anteprojeto foi elaborado por uma Comissão de Juristas presidida pelo Ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça. É neste PLS [portanto no que está agora em objeto de discussão] que acertadamente se inspirou o Substitutivo. De modo que não existe nenhuma "inovação", mas, sim, a proposta de incorporação, pelo direito brasileiro, da orientação mais moderna sobre o assunto, aqui e no exterior. Então, muitas das críticas... E eu preciso dizer publicamente que fui um crítico, mas não um crítico apaixonado, como alguns colegas que fizeram uma crítica de uma maneira com que nunca concordei, porque eu acho que, quando nós estamos diante de um trabalho de elaboração legislativa, a gente discute tentando contribuir. Toda a intervenção da Profª Paula Forgioni foi mostrar: "Olha, nós precisamos melhorar." Eu acho - o Prof. Fábio Ulhoa sabe disse - que há uma discordância fundamental com relação àquele §1º, porque, se o Código tem vários artigos estabelecendo princípios, dizer, num parágrafo único de um artigo, que é o art. 5º, se não me falha a memória, que nenhuma regra poderá deixar de ser aplicada invocando-se algum princípio, então, eu acho que nós chegaríamos à melancólica conclusão de que não precisa haver princípio nenhum. Este é o meu ponto. Eu estou bem a par dessa questão que a Profª Paula Forgioni colocou. Todos nós sabemos aqui qual foi o caso daqueles oito a três que foi a gota d'água para que o eminente Prof. Eros Grau mudasse o título do livro dele. Até a quinta edição, se chamava Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. Quando se chega à sexta edição, a gente leva um susto, parece que é o outro livro, e é mesmo; ele fala que é outro livro. O livro se chama Por que eu tenho medo dos juízes? E eu diria: eu estou irrestritamente de acordo com Prof. Eros na crítica que ele faz ao abuso que a jurisprudência... E eu estou à vontade para falar, porque sou magistrado, sou o primeiro a reconhecer que a jurisprudência aplicou, sim, Paula, aplicou muito mal. Esse exemplo que você deu, os oito a três no caso lá do Ellwanger, em que Marco Aurélio parte do princípio da razoabilidade, da proporcionalidade; Gilmar Mendes parte do mesmo princípio; e um chega a uma posição, e o outro chega a outra posição. Então, é claro que começaram a existir essas designações. A Profª Paula lembrou uma sobre a farra dos princípios, a outra fala no delírio dos princípios. Agora, a minha posição pessoal: eu acho que a teoria principiológica, desenvolvida por Alexy, Dworkin e por tantos outros autores, não deve ser perdida. Se a jurisprudência brasileira usou mal, vamos tentar ensiná-la como fazer certo. |
| R | Agora pura e simplesmente descartar toda a teoria principiológica, a meu ver, acho que seria uma grande perda, um grande desperdício. Mas, enfim, é claro, estamos diante de um terreno extremamente minado por discussões do mais alto calibre, e é muito difícil a gente querer afirmar peremptoriamente, categoricamente que seja melhor assim ou seja melhor assado. (Soa a campainha.) O SR. NEWTON DE LUCCA - É só mesmo o passar do tempo que vai mostrando para a gente o que a gente está acertando e o que a gente está errando. Já tocou uma vez, e eu não quero abusar. Em relação à parte que me foi confiada para dissertar hoje: os títulos de crédito. Qual era a divergência fundamental que eu tinha - o Prof. Fábio Ulhoa há de se lembrar disso? O projeto da Câmara estabelecia logo no início um artigo que dizia o seguinte: título de crédito é apenas aquele previsto em lei. Quando eu comecei a participar da Comissão de Juristas do Senado e fiquei de tentar colaborar com essa parte, eu disse: "Olha, a minha divergência aqui é fundamental. Eu sei que esse é um assunto difícil." Na verdade, até o advento da Código Civil, em 2002, somente dois grandes juristas no Brasil haviam se pronunciado sobre esse assunto: Carvalho de Mendonça, no Tratado de Direito Comercial Brasileiro, e Pontes Miranda, no seu Tratado de Direito Privado. Os dois eram totalmente favoráveis à livre criação de títulos à ordem e, inclusive, os civis. No meu trabalho escrito, estou mostrando qual é o trecho em que Carvalho de Mendonça defende isso e qual é o trecho do Volume 33 do Tratado de Direito Privado em que Pontes Miranda defende isso. Recordo-me de que, na ocasião, o Prof. Fábio falou: "Newton, isso tem de ser discutido. Vamos ver o que maioria acha." Enfim, prevaleceu, no âmbito do projeto do Senado, a posição de liberdade, que eu acho corretíssima, Senador, por uma razão muito simples. Não é uma questão jurídica essa; é uma questão de política legislativa. Quando se discutiu o projeto do Código Civil, surgiu a mesma questão, e tanto o saudoso Prof. Mauro Brandão Lopes, que foi também da nossa querida casa, quanto o Dr. Antonio Mercado Junior, dois expoentes em matéria de títulos de crédito, discutiram isso e chegaram à seguinte conclusão: quem inventou os títulos de crédito? Por acaso foi Tullio Ascarelli, Vivante ou Endemann? Não. Esses grandes gênios sistematizaram a doutrina, sistematizaram os princípios científicos, mas quem criou os títulos de crédito foram os comerciantes. Foram eles; foi uma inventiva dos comerciantes. Então, o Prof. Mauro Brandão Lopes dizia: "Olha, por que vamos optar? Vamos fechar a porta para livre inventiva dos comerciantes e vamos proibir ou vamos deixar em aberto, fundados nesta lição histórica de que quem criou os títulos de crédito foram os comerciantes?" Então, eu fiquei muito contente. |
| R | Agora, ontem, vendo o projeto, o que eu reparo? Que também isso foi acolhido pelo projeto da Câmara. Então, esse defeito foi também corrigido. Só mais um instante, Senador. Há um ponto que acho que é incontroverso. Acho que sou até suspeito para falar, porque, na década de 80 do século passado, fui estudar na França o título de crédito emitido pelo computador. Daí resultou a minha tese de doutoramento. Quando eu voltei, eu trabalhava na Federação de Bancos, reuni os bancos e disse: "Olha, o problema que a França enfrentava com a Lettre de Change-Réleve, que a Alemanha enfrentava com a Lastschriftverkerhr, o Brasil enfrenta com a nossa duplicata. Eu acho que é questão de tempo."Bom, dito e feito, Senador. Hoje, praticamente já não se vê mais a duplicata cartular; o que existe efetivamente hoje é a chamada duplicata virtual ou escritural. E foi interessante porque eu e o Prof. Fábio tivemos uma aparente divergência. O Prof. Fábio, no seu famoso Curso de Direito Comercial, dizia: "O Prof. Newton, que foi pioneiro nesse assunto, defende uma autorização legislativa para que não haja dúvida disso, mas eu acho não precisa da autorização legislativa, porque o Direito brasileiro já está suficientemente aparelhado para que seja admitida essa execução." Bom, Fábio, não sei o que você pensa hoje, mas veja que estávamos de acordo. Eu também achava isso, só que eu achava que o misoneísmo do meio jurídico, de que fala o Prof. Fábio Konder Comparato, tende a condenar às trevas exteriores tudo aquilo que não se enquadra no sistema. Qualquer novidade que aparece, a tendência é dizer: "Espere. O que é isso?" Isso o Prof. Fábio escreveu na década de 60 da centúria passada, quando escreveu um artigo chamado "O Indispensável Direito Econômico", em que ele dizia isso. Eu achava que seria mais fácil ter uma autorização legislativa, acho que se pouparia muita discussão, mas, como nós não fizemos nada a respeito, instalou-se uma enorme controvérsia no Brasil: o boleto bancário que acompanhava o comprovante de entrega e recebimento da mercadoria era instrumento hábil para que se fizesse o protesto da duplicata escritural? Sim ou não? Teses foram escritas a esse respeito. E a paixão, que costuma dominar as pessoas, fez com que realmente os adversários... O Prof. Fábio Ulhoa Coelho e eu fomos acusados de uma doutrina visionária. E, para que vocês tenham uma ideia desse assunto que pode parecer simples, mas não é simples... E por que não é simples? Vou lhes explicar rapidamente. (Soa a campainha.) O SR. NEWTON DE LUCCA - Veio uma lei, em 1997, a Lei nº 9.492, de 10 de setembro, que regulou o protesto dos títulos de crédito em suporte eletrônico. Alguns autores a partir daqui passaram a dizer, como o Prof. Ivanildo, por exemplo: "Olha, se havia alguma dúvida, agora não há mais, está na lei a possibilidade." |
| R | Muito bem, ainda assim, a nossa jurisprudência, inclusive a do Superior Tribunal de Justiça, em muitos casos, não admitia a execução de um título escritural. Somente em 2011, no REsp 1.024.691, originário do Paraná, de que foi Relatora a eminente Ministra Nancy Andrighi... (Soa a campainha.) O SR. NEWTON DE LUCCA - A Ministra Nancy Andrighi diz, na ementa: "As duplicatas virtuais emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica podem ser protestadas por mera indicação", etc., etc. Num dos congressos de direito brasileiro, de direito comercial, a que o Prof. Fábio Ulhoa me convidou, eu falei sobre esse assunto. Quando eu terminei a palestra, eu disse: "Olha, o Prof. Fábio fala isso desde 1980, eu também, mas o assunto continua sendo discutido; agora saiu esse acórdão do STJ, da Relatora Ministra Andrighi, acho que vai parar essa discussão, porque está ficando chato isso." Muito bem, todo mundo me aplaudiu, tal, mas houve alguém que da plateia disse: "Prof. Newton, o senhor não pode dizer isso aqui porque foram interpostos embargos de divergência desse acórdão, e quem garante que isso não vai ser mudado na Corte Especial do STJ?" Então, eu, sempre na minha maneira bem delicada de responder às provocações, disse assim: "Olha, o que a Corte Especial vai fazer eu não sei, não posso saber, mas não acredito que vá cometer um retrocesso dessa magnitude." Enfim, para concluir, Senador, esse acórdão foi julgado pela Corte Especial por unanimidade de 15 votos, sacramentou-se longamente que era possível a duplicata escritural. Então, o que eu acho? Quod abundat non nocet. O saudoso Nelson Rodrigues dizia: é melhor repetir o óbvio do que elaborar sobre o abstruso. Então, vamos insistir na tese, meu Deus, de que existe duplicada escritural e de que ela tem força executiva. E é isso que agora tanto o projeto da Câmara, com as alterações de ontem que saíram publicadas, quanto o do Senado faz. E isso, claro, parece-me extremamente positivo. Vamos tentar acabar de vez com uma polêmica que eu acho que nunca devia ter existido na dimensão em que ela existiu. Perdoe-me por ter extravasado o tempo, Senador. Muito obrigado. Obrigado a todos pela paciência. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Desembargado Newton de Lucca. Estou aqui diante de um problema. A Ordem do Dia do Senado já começou, está havendo votação nominal, e eu sou o único Senador presente aqui a esta reunião neste exato momento. Peço compreensão de todos. Para aqueles que queiram fazer algum comentário, vou abrir a palavra para o plenário, para os nossos convidados. Acho que tivemos hoje aqui uma audiência bastante instigante a partir das colocações da Drª Paula Andrea. Pelo que rememoro aqui do testemunho dos outros convidados, sempre houve uma percepção e uma compreensão de que essa iniciativa vinha no interesse de uma demanda que estava posta no sentido de termos mais segurança jurídica nas relações empresariais. E ela traz, mesmo fazendo uma ressalva de que não está aqui como representante da CNI, uma preocupação de que talvez este não seja o momento ou a oportunidade de avançarmos para a conclusão dos debates e a apresentação de uma proposta final pelo Senado Federal para - evidentemente que após votada aqui, se aqui for votada - ter e merecer a apreciação e deliberação da Câmara dos Deputados. |
| R | Então, acho que é preciso uma reflexão sobre as considerações que foram trazidas aqui. Nós estamos cumprindo um roteiro definido pelo nosso Relator no sentido de dar a possibilidade de ouvir todos os segmentos da sociedade para que possamos ter o melhor texto, um texto que possa, se possível, ter consenso, com a contribuição dos mais diversos especialistas, doutores e conhecedores desse tema. Eu, particularmente, digamos assim, fiquei muito convencido pelos argumentos iniciais aqui colocados de que o Código Civil não dá essa segurança que foi colocada pela Drª Paula Andrea nas relações empresariais e nas relações societárias. Acho que o instrumento do Código Comercial, na minha humilde leitura, poderia significar um avanço com o objetivo de termos uma segurança jurídica maior, de termos uma maior previsibilidade, mas, sobretudo, o reconhecimento do papel da empresa, da atividade empresarial, da atividade negocial do ponto de vista dos nossos julgados. Nós temos hoje uma Justiça do Trabalho que protege - e é natural que proteja - o interesse do trabalhador, nós temos um código do direito do consumidor que preserva o direito dos nossos consumidores, mas me parece que a proposta do nosso Código Comercial poderia atender e capturar para a cultura jurídica brasileira o papel central daquele que toma risco, que empreende, que investe, que gera emprego, que gera riqueza, o qual deveria merecer uma maior proteção do ponto de vista dos instrumentos legais para sua atividade e, sobretudo, essa percepção de valor pela própria sociedade. Mas acho que a audiência de hoje coloca como papel da Comissão, sobretudo para mim, como Presidente desta Comissão, trazermos aqui, de fato, os representantes da CNI para debater, para saber se estamos diante ou não de uma oportunidade ou de uma demanda que se coloca como sendo necessária. Eu apenas, para não dizer que não discordei de todas as palavras que a Drª Paula aqui colocou, quero dizer que acho que não é o fato de estarmos vivendo uma crise ou não que nos impulsiona a avançar ou não em determinados aperfeiçoamentos da nossa legislação; eu acho que é saber se de fato existe a necessidade de ampliarmos essa segurança jurídica que é reclamada e que é reconhecida como fundamental para podermos alavancar novos investimentos. Eu acho que, pelo fato de estarmos em crise, a iniciativa pode até ajudar a sairmos da crise com mais velocidade, atraindo mais investimentos. Então, acho que não é essa a questão. |
| R | Agora, a questão - e aí acho que ela tem razão - é que temos uma série de normas legais que estão ainda em fase de consolidação. A proposta do anteprojeto é ousada. Como foi colocado, ela abarca diversas áreas, poderá provocar mudanças e certamente poderá trazer, digamos assim, essa compreensão que, com muita propriedade, a Drª Paula aqui colocou. Então, acho que a audiência hoje cumpriu um papel importante para que possamos definir em que velocidade deveremos caminhar e debater essa questão, que me parece ser relevante, interessante, mas que precisamos aprofundar mais para sabermos os reais interesses, digamos assim, para a conclusão e a deliberação sobre essa questão. Feitas essas considerações, eu perguntaria se a Drª Paula ou alguém que já tenha aqui participado do debate... Pois não, Deputado. O SR. LAERCIO OLIVEIRA (Bloco/PP - SE) - Senador Fernando Bezerra, quero cumprimentá-lo com muita satisfação, quero cumprimentar todos os membros da Mesa, que vieram emprestar a sua contribuição, a sua experiência e a sua sabedoria para um tema que hoje, três anos depois, Senador, é muito familiar à minha rotina. Eu presido a Comissão da Câmara dos Deputados que discute o Código Comercial, Projeto 1.572. Eu já ouvi, em várias audiências públicas, pessoas as mais diversas, cabeças maravilhosas que emprestaram a sua contribuição ao projeto que tramita lá na Câmara dos Deputados. Eu tinha convocado para hoje uma reunião da Comissão para que a gente votasse o texto que foi entregue pelo Relator depois de muitos debates, de muita discussão, mas o texto chegou muito tarde à Comissão, e eu acho que não é justo fazer a discussão de um assunto quando dele não se dá amplo conhecimento - é nosso dever dar amplo conhecimento a todos. Como o Desembargador Newton acabou de falar, ele o recebeu ontem para ler e imprimiu aquilo tudo, aquele volume enorme de papel, para tirar um raciocínio lógico daquilo que foi posto. Então, eu não entendo isso como positivo, isso não soma. E é claro que... Então, em função disso, Presidente, eu resolvi cancelar a reunião de hoje, mas também porque recebi ontem a manifestação de vários colegas insatisfeitos com o texto que chegou às mãos de cada um deles. Eles externaram muita preocupação com aquilo que estava posto. Em três anos, Presidente, eu já viajei muito pelo Brasil ouvindo as academias, ouvindo os conselhos, enfim, e ouvindo principalmente os empresários. Às vezes, eu entro no clima de uma discussão, de ouvir tanta gente boa que vem trazer a sua contribuição, e fico me perguntando: alguém já chamou o empresário para perguntar a ele o que ele está achando disso? Então, essa é a sugestão que eu lhe dou, por já ter passado por seu lugar - claro, numa condição muito menor - na Câmara dos Deputados. E o senhor, pela sua competência, pelo trabalho brilhante que o senhor prestou, e presta, ao nosso País... |
| R | Eu tenho ouvido muitos empresários sobre isso, e os empresários querem um código comercial. O mundo todo espera que o Brasil escreva o seu código comercial. A gente foi ver experiências Brasil afora... E aqui eu quero cumprimentar o Prof. Fábio Ulhoa Coelho, que está aqui perto de mim, a quem eu tenho socorrido em tantas informações. A gente já viu muitas experiências Brasil afora, mundo afora aliás, de países que fizeram seu código comercial e promoveram uma verdadeira revolução: não vou muito para a Europa, não vou muito para os Estados Unidos, vou ficar na América do Sul, vou ficar na Colômbia. É muito bom você sentir isso. Uma das visitas que eu fiz foi ao Banco Mundial. E, no ranking, a posição em que o Brasil se encontra, e não é só por isso, mas também por isso, é uma posição lamentável. A Colômbia está entre os 50, o Brasil está entre os 150 - o Brasil, o nosso País! Então, é claro que é a soma de forças, e a gente precisa... Eu já ouvi também muitas apresentações nas quais aquilo que se discutiu se apresentou como ruim, como algo que não contribui com o Código Comercial, e já nem existe mais, pelo menos no texto que tramita lá na Câmara. A gente já tirou, porque a gente compreendeu, entendeu, e nas conversas com o Relator ficou claro que o texto que estava ali não ajudava em nada - "vamos tirar esse texto; a gente precisa de um código mais leve". A pergunta que eu me faço todos os dias nestes anos todos, Presidente, à medida que fui convivendo com o Código, é a seguinte - eu sou uma empresa; antes de ser Parlamentar, eu sou empresário, como o senhor também o é -: onde a gente discute os nossos litígios? Eu preciso ir ao Código Civil, que discute relações entre pessoas? Onde eu discuto as minhas questões? Diante de quem eu me sento para discutir os assuntos das empresas? E os litígios são muitos. Isso provoca uma insegurança jurídica enorme, e, dentro de outro viés - aí é uma conversa mais longa -, os investimentos também não chegam por vários fatores, e a gente fica à deriva nesse ranking, no qual a gente poderia estar numa posição muito melhor. Mas eu quero celebrar este momento aqui. Eu vim para comunicar... Eu sabia que a Comissão estava reunida e vim para comunicar ao senhor essa alteração da data da votação lá na Câmara. Não temos uma data definida, mas informarei o senhor. Sobre aquilo que for acontecendo lá na Câmara a partir de agora, eu o manterei informado para que a gente procure fazer uma corrida legal e positiva. Eu quero que o meu código, o da Câmara, seja aprovado primeiro do que o seu. Se o seu for aprovado primeiro, eu recepciono o seu. Se o meu for aprovado primeiro, o senhor recepciona o meu, e a gente mistura os dois e faz uma coisa boa. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Nós vamos ter o Código do Congresso Nacional. Eu quero agradecer o Deputado Laercio Oliveira por sua presença, pela manifestação. Esse espírito de colaboração entre Senado e Câmara deve prevalecer, e nós devemos chegar a um texto comum. Eu tenho que ir ao plenário. A Drª Paula pediu a palavra. Eu vou oferecer oportunidade para que ela possa se manifestar. Drª Paula. A SRª PAULA ANDREA FORGIONI - É muito rápido. Deputado Laercio Oliveira, é uma honra estar aqui na sua presença. Hoje eu represento aqui a CNI e a Fiesp e eu posso lhe garantir que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e a Confederação Nacional da Indústria entendem que, neste momento, o novo Código Comercial não é a melhor opção para o empresariado deste País; que a melhor estrada passa pelo aperfeiçoamento da legislação existente e pelo estabelecimento de varas empresariais e de câmaras especializadas, como já existem em alguns Estados deste País, e, seguramente, não por um novo Código Comercial. |
| R | Muito obrigada pela atenção de todos. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Bem, agora ela está sendo mais enfática; está dizendo que fala pela CNI. O SR. LAERCIO OLIVEIRA (Bloco/PP - SE) - Eu teria uma resposta, mas não vou responder em respeito não só à Paula, que traz uma contribuição importante para este debate, que é muito bom - sabe, Paula? Mas eu já fui várias vezes à Fiesp tratar do assunto. Só há um setor lá dentro que não concorda com o Código. De resto, todos concordam. E o problema da CNI está pontual, está na Firjan. No restante do Brasil, é consenso. Mas isso não é para agora. Desculpe, é só para acrescentar. (Intervenção fora do microfone.) O SR. LAERCIO OLIVEIRA (Bloco/PP - SE) - Eu adoro a discussão, mas os pontos estão aí. São esses dois lugares apenas. O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Quero pedir a compreensão de todos, mas terei de declarar encerrada a nossa reunião, convocando a próxima para dar sequência às nossas audiências. Muito obrigado a todos! (Iniciada às 14 horas e 35 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 45 minutos.) |

