09/05/2018 - 3ª - Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Elcione Barbalho. PMDB - PA) - Boa tarde, senhoras e senhores.
Havendo número regimental, declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
A presente reunião destina-se à apreciação de requerimentos e à realização de audiência pública para debater sobre os desafios e possibilidade de guarda compartilhada frente à violência doméstica, em atendimento ao Requerimento nº 1, de 2018, de autoria da Deputado Luizianne Lins.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tiverem interesse em participar podem enviar comentários pelo senado.leg.br/ecidadania ou pelo 0800-612211.
De acordo com as normas regimentais, a Presidência adotará os seguintes procedimentos: a convidada fará a sua exposição, por 20 minutos, e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Parlamentares inscritas.
A palavra às Parlamentares será concedida na ordem de inscrição.
Eu convido para assento à mesa as seguintes convidadas: Ana Liési Thurler, doutora em Sociologia das Relações Sociais de Gênero pela Universidade de Brasília, pesquisadora e consultora em direitos humanos das mulheres; Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro; e Ana Maria Iencarelli, psicanalista clínica e representante das ONGs Vozes de Anjos, Todas Marias, Coletivo Mães na Luta, Lutai por Nós e Coletivo Voz Materna.
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Concedo a palavra à Drª Ana Liési Thurler, doutora em Sociologia das Relações Sociais de Gênero pela Universidade de Brasília, pesquisadora e consultora em direitos humanos das mulheres.
Com a palavra a Srª Ana Liési Thurler.
A SRª ANA LIÉSI THURLER - Boa tarde a todas e a todos.
Eu agradeço à Comissão pelo convite para participar desta audiência pública - eu me sinto muito honrada por isto - e quero destacar a relevância de se pautar essas questões diante da nossa realidade e da pouca atenção que essas questões de alienação parental e guarda compartilhada têm recebido.
Eu quero também afirmar a pertinência que tem esta Comissão, a Comissão de Combate à Violência contra a Mulher, trazer a questão da guarda compartilhada para este espaço. Eu acho que este é um espaço superadequado para se discutir alienação parental e a guarda compartilhada, porque, na verdade, a violência contra a mulher é, na grande maioria das vezes, presenciada pelas crianças e pelos adolescentes. Então, ela acaba sendo também uma violência contra a criança e o adolescente.
E também quero destacar a pertinência - não sei se foi fruto do acaso ou o quê - de nós estarmos trabalhando essa questão às vésperas do Dia das Mães, porque o Dia das Mães é um dia de enaltecimento contraditório relativamente às mães, e, se nós vamos olhar agora essa questão, nós vamos ver que a mãe é uma figura, na realidade brasileira, na realidade patriarcal, pouco valorizada, na verdade.
Então, vamos chamar a atenção para o fato de que, enfim, homenagens às mães, se não forem coerentes, com práticas coerentes, jurídicas e tudo mais, especialmente jurídicas, porque, em princípio, a culpa é sempre da mãe, a palavra da mãe, num contexto misógino, não é pertinente, não é veraz, tem a veracidade questionada geralmente, então acho da maior pertinência nós estarmos fazendo esta audiência pública às vésperas do Dia das Mães.
Bom, então, eu queria fazer uma linha de raciocínio reiterando que, depois de muitas lutas do movimento feminista, nós conseguimos chegar aos espaços governamentais, aos espaços institucionais e realmente ter a aceitação de que a admissão da violência contra a mulher existe, e não existe pontualmente, mas existe com grande expressão.
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Eu destacaria, na minha interpretação, a aprovação da Lei Maria da Penha, com as possibilidades de violência que ela apresenta - física, moral, sexual, patrimonial, psicológica -; uma das possibilidades de significação é a admissão da existência da violência contra a mulher. Quer dizer, o Estado só aprovou a Lei Maria da Penha, porque o Estado admitiu que há a violência contra a mulher. Da mesma forma, a lei do feminicídio, que foi aprovada agora, em 2015.
E aqui, no Distrito Federal, dia 4, há cinco dias, portanto, uma brasiliense foi assassinada pelo seu ex-companheiro. Então, quero registrar, Jéssica Lainara Silva, 25 anos. Presente! Nós, as feministas, queríamos que não houvesse nenhuma mulher a menos, mas continua, na capital do País, não é lá, nos confins, no Brasil profundo. E por quê? Porque ela não quis continuar um relacionamento. Então, continua, na verdade, a imposição da vontade masculina, mesmo ceifando a vida das mulheres. Isso aconteceu há cinco dias aqui, em Brasília, no Distrito Federal, em Ceilândia.
Então, pelo menos, a existência da violência contra a mulher não está mais sendo questionada nos âmbitos institucionais e governamentais. Temos que aceitar, porque ela tem tão grande expressão que não há mais como colocar véus em cima disso.
Nós temos o Instituto Patrícia Galvão, em São Paulo, que produz muitos dados confiáveis e ele fez esse cronômetro da violência, que é expressivo. Quer dizer, para confirmar a violência contra a mulher, nós temos uma quantidade enorme de dados. Atualmente, a gente tem uma produção significativa de dados.
Então, nós temos no Brasil um estupro a cada 11 minutos. Isso vocês podem ver lá, no site do Instituto Patrícia Galvão, porque eles produziram um dossiê sobre a violência contra a mulher. Isso aí está lá no dossiê, esse registro que eu estou trazendo aqui. Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, e o dramático é que grande parte desses assassinatos poderiam ser evitados se as instituições cumprissem as suas funções, se o Estado cumprisse também a sua função. São mortes, assassinatos anunciados, feminicídios anunciados.
Enfim, vocês podem encontrar isso tudo muito facilmente e não tem sido questionado. No Distrito Federal, os feminicídios de que eu falei, da Jéssica, há pouco, e me emociona demais, porque todo o pecado dela foi simplesmente não querer mais um relacionamento, e paga-se com a vida ainda por ocupar esse lugar que o machismo e o patriarcado ainda acreditam que é o lugar do homem. Ao homem caberia começar um relacionamento e também terminar um relacionamento. E quando os homens terminam um relacionamento sem nem dizer tchau? Saem de cena, simplesmente, muitas vezes quando a mulher anuncia uma gravidez.
Enfim, a gente vê, tornam-se visíveis os feminicídios, porque, aí, há uma publicidade e vai-se ver a causa por que houve aquela morte e vai-se ver que a moça não queria mais continuar com o relacionamento.
Então, eu trago aqui, dado da Secretaria de Segurança Pública do DF, para podermos comparar. Veja que isso aqui também é grave e é preocupante.
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No primeiro trimestre de 2017, nós tivemos sete feminicídios e, deste ano, 11, em que não entrou a Jéssica, porque foi só de janeiro a março. E tentativas de feminicídios, gente, feminicídios que não se consumaram por uma razão ou outra, 11 no primeiro trimestre de 2017 e 18 no primeiro semestre deste ano. Quer dizer, houve um aumento de mais de 50%.
Então, acho que nem vou falar isso, não vou falar mais esse ponto, porque ela disse que temos só 20 minutos, mas o Rio de Janeiro...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª ANA LIÉSI THURLER - Está certo, Deputada.
Eu até registrei, porque esse dossiê da mulher, que a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro produziu, foi lançado agora, dia 4 também. Enfim, mas eu nem vou falar sobre isso. Serve para demonstrar que têm sido produzidos dados, felizmente dados têm sido produzidos, que reiteram essa característica da nossa realidade, de que é duro ser mulher no Brasil. É difícil, se sofre muita violência e, muitas vezes, nossas filhas, nossas sobrinhas, nossas amigas e, quem sabe, nós mesmas, até pagamos com a vida simplesmente por sermos mulheres. Então, eu não vou falar.
Bom, houve esse processo de reconhecimento da violência contra a mulher, que não tem resultado num controle dessa situação, mas eu quero dar o crédito para as mobilizações feministas nessa questão da violência. As feministas, os grupos feministas têm, há décadas, trabalhado muito com a questão de "quebre o silêncio", "fale" e temos trabalhado com empoderar as mulheres para que usem a sua voz, façam-se ouvir. E o impacto grande nesse sentido para a formação de grupos, e fortalecimento de grupos, foi o assassinato de Ângela Diniz, em 1976, em Búzios.
Em torno dessa morte, que teve repercussão nacional muito forte, enfim, que teve muita visibilidade, houve muita organização de grupos. E, depois, nós tivemos aí, já no começo do século XXI, a criação do Disque 100, que foi ligada à Secretaria dos Direitos Humanos, que era para denunciar violências e abusos contra crianças e adolescentes; e a criação do 180, em 2005, ligada à Secretaria dos Direitos da Mulher da Presidência da República.
Esses dois, além de contribuírem para o encorajamento das mulheres para denunciarem as violências, também contribuíram muito para se mapear a violência no Brasil contra as crianças e adolescentes e contra as mulheres. Quer dizer, foi um manancial de informações, de dados também muito grande.
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Então, com essa mobilização toda, conseguir aprovar a Lei Maria da Penha, conseguir aprovar a Lei do Feminicídio, o que é que aconteceu? Resultou numa reação conservadora fortíssima, que é o que Susan Faludi, uma pesquisadora norte-americana, chamou de Backlash, que é tipo contragolpe. Nós estamos vivendo aí o contragolpe. Quer dizer, a questão dos direitos reprodutivos, do direito à interrupção, a autodeterminação da mulher à autonomia para interromper uma gravidez está voltando a 1940. Outras considerações de 1940 perdem para o que estão pretendendo fazer conosco.
Então, nós temos agora o que eu considero forma de esvaziar a palavra da mulher, a Lei da Alienação Parental e, mais grave ainda, um projeto de lei que a gente teria que ver como, minhas caras Parlamentares, como nós podemos evitar que esse projeto de lei, afinal de contas, vire lei, porque seria o silenciamento das mulheres, criminalizar as mulheres que vão acusar de violência, de abuso sexual, porque, em princípio, nós somos regidos, a nossa sociedade patriarcal, pela misoginia.
As mulheres, em princípio, mentem. As mulheres mentem quando indicam a paternidade de uma criança. E eu posso dizer isso, porque o meu doutoramento foi em torno da questão da paternidade, o não reconhecimento da paternidade no Brasil, que é uma coisa também alarmante. Quer dizer, o homem só reconhece a paternidade quando ele quer.
Há até um juiz, fantástico, aqui, no sul de Minas Gerais, que diz que, se é para a busca de um reconhecimento da paternidade demorar mais de dez anos, então, é melhor retirar da nossa legislação, porque a pessoa tem que se arrastar, se humilhar - se humilhar, se humilhar - para ter o reconhecimento, porque a palavra da mãe não vale nada. A palavra da mulher para dizer que o João é o pai do Pedrinho não vale nada. Nem com exame de DNA, agora, ela tem que ainda provar ter tido uma história com aquele homem.
Então, em que isso resulta? Isso aqui já é um parêntese, meu Deus do céu, que só mulheres têm filhos de relações eventuais. O homem tem relações eventuais, mas ele está abolido de ter um filho em uma relação eventual, mesmo que ele não tome nenhuma medida contraceptiva, de cuidado contraceptivo.
Então, esse PL 4.488 é o máximo do conservadorismo, é o máximo do contraponto a toda luta de décadas das mulheres para incentivar as mulheres a falarem, a denunciarem, porque isso aí dá um golpe fatal, tipo põe uma mordaça na boca das mulheres.
Eu tenho que ir adiante.
Eu queria dizer para vocês que a Lei da Alienação Parental, que está umbilicalmente ligada à questão da guarda compartilhada, faz vítimas e ela fez uma vítima mesmo antes de ser aprovada. Ela foi aprovada em 26 de agosto de 2010 e, em 13 de agosto de 2010, ela fez a primeira vítima, que é a Joanna Marcenal Marins, a menina Joanna.
Em maio de 2010, o pai acusou a mãe de alienação parental, não existia a lei ainda, e o juiz determinou que a menina fosse afastada durante 90 dias da mãe, que a mãe - esse caso me emociona também demais -, que a mãe não podia nem ver a menina, uma menina de cinco anos.
Os vizinhos dizem que essa menina ficou ao léu, ficava no pátio, suja, no meio de urina, de fezes, que não cuidavam dela. A mãe só foi reencontrar a menina já com morte cerebral, hospitalizada. E a menina morreu 13 dias antes de a lei ser aprovada.
Então, a lei nem estava aprovada, mas, como o pai tinha ligações no Judiciário, conseguiu que tirassem a menina da mãe, que a interditassem e que a mãe não pudesse mais ver essa menina. A Lei da Alienação Parental faz, sacrifica mortes no altar do patriarcado.
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Nós temos casos que mobilizaram o País, como o caso da Isabella Nardoni, que também foi sacrificada em São Paulo, e a Joanna Marcenal Marins, que foi no Rio, e tem o caso do menino Bernardo também, que foi no Rio Grande do Sul, que foi, enfim, sacrificado pela madrasta, mas foi com a cumplicidade do pai também.
Bom, o caso é que há um bordão entre os masculinistas, naturalmente que a gente não está falando de todos os homens, a gente está falando na masculinidade hegemônica, e esse bordão já está orientando os homens, tipo "não pague a pensão alimentícia" - a questão passa também pela pensão alimentícia, pela grana -, "acuse de alienação parental, que essa mãe não é uma boa mãe", e é lastimável, porque uma amiga minha, que tem uma filha da última geração, a menina tem 30 anos incompletos, aquelas meninas todas casaram, estão com um filhinho e estão, quase todas, a maioria, estão sós, com os seus filhinhos, casadas. E, aí, ela disse que, estava levantando as mãos para o céu, porque o genro dela era maravilhoso, porque apesar de ter dito, depois de dois anos, que aquela não era a trip dele, ele ainda pegava o menino no fim de semana, acompanhava, tinha um certo acompanhamento, mas que a amiga dela, o pai, simplesmente, de um menino de menos de dois anos, que não quer mais pagar pensão, acusou-a de ser uma má mãe.
Então, ela está sendo acusada de alienação parental. E esse, então, é o mote que eles estão usando. Eu estou dando esse exemplo para dizer que não são homens de outras gerações. Não, jovens homens dessa geração também estão pegando essa herança maldita.
Então, para se livrarem da pensão alimentícia, têm que dizer "ela é uma má mãe". Aí, pegam essa criança, dão para a avó paterna, nem consultam se a avó está podendo e está querendo, ou para uma irmã, e não pagam pensão para ninguém. Quer dizer, o jogo é muito machista, muito patriarcal e muito terrível, muito sujo.
Então, não adianta trazer alienação parental, como alguns pretendem, para um campo neutro, de neutralidade, porque alienação parental é um conceito engendrado, sexuado, masculinista, porque, eu vou destacar aí, existe uma hierarquia entre a palavra da mulher e a palavra do homem. As palavras feminina e masculina não têm o mesmo valor e o mesmo poder. A palavra de um homem vale não sei quantas vezes mais do que a palavra de uma mulher.
E também, bom, sobre esse eu nem vou me alongar aqui. Esse conceito de alienação parental, e foi tratado como uma síndrome, foi proposto por um americano que foi um militar também, Richard Gardner, que foi recusado em seu próprio país e que, na verdade, o NOW, que é o movimento, organização nacional de mulheres dos Estados Unidos, poderoso, uma organização das mais poderosas, que orientou que todo o profissional cujo trabalho envolva a proteção dos direitos das mulheres e das crianças deve denunciar a SAP (Síndrome da Alienação Parental) como contrária à ética.
A Síndrome, na verdade, não existe. Passa, então, por uma desqualificação completa da palavra da mulher, porque ela é acusada de implantar falsas memórias na cabeça da criança, que ela seria uma ressentida e uma rancorosa.
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E eu traria para vocês, gente, dados do IBGE também muito importantes.
Aqui nós temos uma desinstitucionalização do casamento, dados do IBGE, em 30 anos, de 1984, 1994, 2004 e 2014.Temos que considerar o aumento da nossa população e que nós passamos pelo divórcio, que foi aprovado em 1977. Em 1984, os divórcios significavam 3,3% dos casamentos; em 2014, eles representaram 31% dos casamentos. Isto é, um aumento de quase dez vezes, quase 1.000% de aumento. O que importa aqui é quem pede o divórcio. Em cada quatro pedidos de divórcio, três são das mulheres. Então, quem é ressentido, quem é magoado e rancoroso? Pensem nisso.
Bom, além de tudo, eu acredito que para falarmos em guarda compartilhada temos que falar e trazer à tona o exercício do cuidado, temos que trazer à tona a história daquele homem que está pretensamente compartilhando. Isso porque na verdade o que ele está querendo não é o compartilhamento. Ele pede num primeiro momento o compartilhamento da guarda para no momento seguinte pedir a reversão da guarda, para ele realmente se eximir de qualquer pensão alimentícia. Então, na verdade, isso passa por outro problema que o conservadorismo está puxando para trás, passa por uma educação não sexista. E está correndo aqui no Congresso Nacional a proposta horrível, terrível, masculinista da escola sem partido, que na verdade é uma escola sem gênero, é uma escola sem respeito às identidades sexuais e de gênero, é uma escola heteronormativa, é uma escola machista, é uma escola em que a palavra gênero é interditada, é proibido ser usada. Então, só se propõe a masculinidade hegemônica. Não se propõe nessa escola dita sem partido, mas que na verdade é sem tudo, homens cuidadores, educar para que tenhamos pessoas cuidadoras, homens e mulheres cuidadores.
A gente tem dados também de durante a vigência do casamento quanto se dedicam homens e mulheres aos cuidados das crianças e às atividades domésticas. Então, os homens se dedicam 11,7 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados com as crianças; e as mulheres dedicam três vezes mais horas. Então, os homens não são formados para o cuidado, não têm uma história de ser cuidadores. A história normal da nossa cultura é o homem ajudar, é o homem participar quando ele pode, quando ele quer, quando ele está disposto. E a mulher faz o que é necessário ser feito.
Na verdade, a mãe assume as atividades do care - o cuidado é uma palavra universal - em 90% dos casos. Acredito que deve haver a guarda compartilhada quando Judiciário nenhum se mete, quando aquela família já tem um histórico de cuidados compartilhados, de responsabilidades compartilhadas. Então, ninguém precisa interferir. As próprias pessoas querem isso. Qual é a mãe que não vai querer contribuição, participação? Eu tenho duas filhas, e um filho e uma filha, dois filhos realmente demandam muito, muito cuidado, muita energia, muito tempo.
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Se há um homem maravilhoso ali também cuidador, por que ela vai dizer não - isso não tem cabimento -, se ele tem um histórico no cotidiano de convivência, de participação?
Bom, então eu não vou falar aqui das construções de leis brasileiras nesse campo.
Nós temos que destacar a Lei da Paternidade, de 1992, que já fez 20 anos, em 2012, e que também não tem grande efetividade, porque na verdade quando um homem não quer reconhecer a paternidade ele não reconhece. Então, no âmbito formal, até que temos uma coisa ou outra, mas no âmbito real as coisas são muito mais difíceis.
A coordenadora do DNA Forense, do Distrito Federal, me falou, porque eu a entrevistei, o seguinte: "Quando eu tenho possibilidade de fazer 150 exames em DNA, e é a Justiça chamando, a Justiça, eu chamo 300 homens indicados como pais, porque a metade deles não atende ao chamado da Justiça. Eles são tão prepotentes e arrogantes que nem sequer à Justiça eles dão ouvidos."
Então, eu destacaria a Lei Menino Bernardo, que é de 2014, que foi proposta pela Deputada Erika Kokay, que tenta colocar uma barreira para castigos físicos para com as crianças. E da Deputada Maria do Rosário, a Lei da Escuta Protegida. Isso porque com essa questão da lei da alienação parental o que acontece é que fica lá o adolescente, a criança, indo dar depoimento duas vezes, três vezes, quatro vezes. Isso tudo é uma "revitimização" da criança.
Eu só queria destacar um ponto final que é uma das minhas propostas. O que nós constatamos é que há uma ausência de diálogo entre os juizados que tratam da violência contra as mulheres e as varas de família. Por exemplo, aqui no Distrito Federal, o Fórum e o Núcleo da Mulher, no TJDF, fizeram um mapeamento de cinco anos, de 2013 a 2017, porque esse núcleo foi criado em 2012. Eles apontam quase 70 mil medidas protetivas de urgência. A vara de família não tomou nenhum conhecimento da existência dessas medidas protetivas. É imprescindível que sejam notificadas as varas de família, seja para evitar feminicídio, seja para evitar violência contra a criança, abusos que trazem danos profundos para a criança, abusos sexuais, que, como diz o Prof. Vicente Faleiros, que trabalha há 30 anos com a questão de abusos contra crianças e adolescente, até hoje ele nunca viu um abusador admitir que ele abusou mesmo, até quando a menina aparece grávida. Aí o que acontece quando uma menina de 11, 12 anos aparece grávida, como aquela menina do Nordeste e que foi até a Arquidiocese participar daquele debate? Aí disseram que a mãe foi negligente, que a mãe não falou. Enfim, acaba que a culpa é da mãe. Se ela falasse, ela estaria mentindo, pois imaginem ela dizer que o pai abusava da menina. Então, eu acho que é imprescindível haver uma ponte forte entre os juizados de violência contra a mulher e as varas de família. Sem isso nós não podemos prevenir nenhum desses males.
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Eu trago um argumento final de autoridade, porque essa mulher é realmente maravilhosa: Maria Clara Sottomayor. Ela é ministra de uma corte como o nosso STF, ministra de um tribunal constitucional... Há outra palavra dela... (Pausa.)
Maria Clara Sottomayor diz: "Não aceitamos, sequer como possibilidade, entregar a guarda de uma criança a um indivíduo que poderá abusar dela. Mesmo que a gente não tenha certeza de que isso aconteceu".
Mesmo, na dúvida, aqui, pró-criança, e não pró-réu.
Obrigada, gente. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Elcione Barbalho. PMDB - PA) - Obrigada, Drª Ana.
Como segunda palestrante, chamo aqui a Drª Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Eu pediria à Deputada Luizianne, quem solicitou esta audiência pública, que tome assento aqui e presida esta reunião.
Muito obrigada. (Pausa.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Bom, gente, em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer à nossa Presidente, Deputada Elcione Barbalho, que iniciou esta reunião. Acho que é uma reunião de muito interesse para todas nós mulheres.
Quero agradecer também a presença das nossas palestrantes, porque é importante dizer que é sempre bom esta Casa estar em sintonia com o que está acontecendo na sociedade, até porque imagino que muitas leis que foram conquistadas pela nossa luta, a luta histórica das mulheres, precisam em algum momento ser reavaliadas para sabermos os reajustamentos necessários que precisam ser feitos.
A Deputada Ana Perugini é Presidente da Comissão da Mulher da nossa Câmara Federal e, vira e mexe, estamos discutindo sobre por exemplo aperfeiçoar a Lei Maria da Penha. De 2006 para cá, já temos mais de 10 anos da aplicação da lei, o que nós podemos rever? O que pode ser?
Então, primeiro, quero agradecê-las profundamente por terem aceito o convite, por terem se deslocado até aqui.
Quero parabenizar também a Ana Liési, que fez uma brilhante exposição, que nos faz pensar em coisas para as quais muitas vezes não estamos atentos no dia a dia, em relação à questão da guarda compartilhada.
E agora, como colocou a Deputada Elcione, eu gostaria de passar a palavra para a Drª Flávia Nascimento, que é coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
A SRª FLÁVIA NASCIMENTO - Obrigada, Deputada. Eu queria agradecer o convite, a oportunidade de compartilhar a experiência que nós temos na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, no atendimento às mulheres em situação de violência.
Vou cumprimentar aqui as minhas colegas de Mesa, na pessoa da Profª Ana Liési, que foi minha professora no Curso de Gênero e Direito, na Pós-Graduação de Gênero e Direito da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro.
Professora, eu gostaria de dizer que o Direito é uma construção de conhecimento sexista e predominantemente masculina. E os operadores do Direito ainda não conseguem se dissociar desses conceitos.
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Acho que daí em parte conseguimos entender um pouco os problemas com os quais lidamos quando atuamos em defesa da mulher. Só fazendo uma complementação, aproveitando o que a senhora falou.
Eu sou uma grande entusiasta da Lei Maria da Penha. Acho muito importante o seu aspecto protetivo, e é uma lei de 2006. Posteriormente, em 2014, tivemos a Lei da Guarda Compartilhada e depois...Eu não sei a ordem, só sei que ambas vieram depois da Lei Maria da Penha, de 2006.
Eu trouxe aqui uma pesquisa que a Defensoria fez acerca das medidas protetivas, aplicadas nos juizados de violência doméstica contra mulher no Rio de Janeiro, e queria ressaltar essa necessidade de fazer uma intersecção na análise das vulnerabilidades, do melhor interesse da criança e da mulher em situação de violência... (Pausa.)
A Lei Maria da Penha atribuiu uma competência híbrida aos juizados de violência doméstica. O que que significa isso?
Além de uma competência para as ações de natureza criminal, há uma competência para as ações de natureza cível. Infelizmente, ela ficou muito famosa pela sua competência criminal, que foi muito mais reconhecida em detrimento a sua competência cível. A possibilidade de proteção à mulher vem através dessa competência cível.
E quando a gente fala dessa competência híbrida, dessa competência cível, falamos da possibilidade de apreciação de institutos que são do Direito de Família no próprio juizado de violência doméstica, fazendo com que a mulher, ao acessar os seus direitos, não tenha que percorrer um longo caminho.
O objetivo da Lei Maria da Penha é concentrar, é diminuir a fala da mulher, a reprodução daquela situação de violência vivenciada para reduzir a revitimização que essa mulher sofre a cada vez que ela tem que contar história.
Então, quando obrigamos a mulher a contar na Delegacia de Polícia; a contar a história no centro de referência que a atende; a contar na Defensoria Pública que atende no juizado de violência doméstica e depois ainda a obriga a contar na Defensoria Pública ou para o seu advogado que vai propor uma ação de Direito de Família, estamos fazendo com que essa mulher perpetue essa situação de violência à qual ela é submetida.
O art. 22 da Lei Maria da Penha, que traz as medidas protetivas, ele elenca um rol de medidas protetivas e esse rol não é exaustivo.
Dentre essas medidas, eu gostaria de destacar:
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - a prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
§1º As medidas anteriores [previstas nos incisos] não impedem a aplicação de outras previstas [em todo ordenamento jurídico].
Então, a gente pode se socorrer de medidas que existem no Estatuto da Criança e do Adolescente e em outras legislações de caráter familiar.
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E a Defensoria realizou, acho que no ano de 2015, eu trouxe aqui essa revista da Defensoria Pública e a atuação na defesa da mulher. Ela foi lançada no ano passado. Aqui, temos esse folder que disponibiliza o link para acessar essa revista, e nessa revista há essa pesquisa da Defensoria na sua integralidade. Aqui, eu fiz um recorte por causa do tempo.
Essa pesquisa foi desenvolvida da seguinte forma: Na primeira etapa, a nossa pesquisadora, que é a Carolina Haber, reuniu, selecionou os processos de competência da violência doméstica; reduziu, retirou 294 desses processos de todas as comarcas do Rio de Janeiro do período de janeiro a agosto de 2015.
Aqui, ela analisou a quantidade de medias protetivas deferidas e indeferidas, os processos que foram extintos.
O que aconteceu? O que ela encontrou a partir da análise desses processos? O que ela concluiu? Que os casos de indeferimento e de deferimento parcial praticamente se equiparam às decisões de deferimento. E os juízes, em geral, concedem apenas as medidas previstas nos incisos II e III do art. 22.
Eu vou voltar um pouquinho para a gente poder ver quais são essas medidas, que são: o afastamento do lar, que também não é deferido amplamente, mas a gente ainda consegue o deferimento dessas medidas, e a proibição de determinadas condutas. Essas, de praxe, são deferidas.
A letra A, que é a aproximação da ofendida; a letra B, proibição de contato e a letra C, frequentação de determinados lugares.
Quanto às demais medidas, ela notou que houve um indeferimento. E diante da dificuldade em se identificar qual foi o pedido nessas medidas protetivas, ela partiu para uma segunda etapa nessa pesquisa.
Ela concluiu, ainda nessa primeira etapa:
Não há, por exemplo, registro de concessão de medidas como prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
A ausência de concessão de outras medidas que não as mencionadas acima [que são as de proibição de contato], acaba obrigando as mulheres vítimas de violência doméstica a ingressar com outras ações nas varas de família [é aquilo que eu falei, ela tem que buscar um novo serviço, um novo atendimento e mais uma vez contar a sua história], para alcançar a prestação jurisdicional desejada.
Então, no bojo da medida protetiva, a gente pode fazer um pedido de guarda provisória; a gente pode pedir alimentos provisórios para essa mulher que é obrigada muitas vezes e deixar o seu lar; que depende economicamente daquele sujeito que a agrediu, e a gente não tem a concessão dessas medidas. Então, de fato, é muito difícil para essas mulheres abandonar o ciclo de violência ao qual elas estão submetidas.
Aqui, a gente vai partir para a segunda etapa.
Ela analisou as ações que são propostas pelo Nudem, que é o Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher em situação de violência de gênero da Defensoria.
Em todas as ações propostas pelo Nudem, a mulher, necessariamente, está em situação de violência. A intenção foi analisar quais são as medidas protetivas de urgência concedidas com mais frequência pelo Judiciário.
Então, como não era possível saber o teor dos pedidos realizados pela Defensoria nas medidas protetivas naquelas ações propostas perante o juizado de violência doméstica, ela conseguia apenas analisar a decisão do juiz, ela partiu para essa segunda etapa.
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Aqui a gente tem a quantidade de pedidos realizados. Ações de alimentos; alimentos gravídicos; divórcio; divórcio com partilha de bens... Aqui, eu vou ressaltar mais a guarda e a guarda com regulamentação de visitas, que é o tema da nossa audiência.
Foram propostas 147 ações de guarda e 14 ações de guarda com regulamentação de visitas.
Na antecipação de tutela, a decisão do juiz. Em 79 daqueles casos, houve 83,15% de deferimentos de antecipação de tutela.
Se ele deferiu a antecipação de tutela, por que a dificuldade em analisar isso lá na medida protetiva num pedido de guarda provisória, facilitando o percurso dessa mulher, diminuindo o caminho dessa mulher para acessar esse direito que ela tem?
E das conclusões dessa pesquisa, a gente destacou esses seguintes pontos:
Foi possível demonstrar que há um grande prejuízo para as partes que precisam recorrer à vara de família para ter seu pleito atendido, pois os processos, com raras exceções, não são resolvidos antes de quatro meses [...].
Então, a gente tem que pensar que ela já passou pela situação de violência, registrou ocorrência, teve medida protetiva deferida, teve negado o pedido de guarda provisória no juizado da violência doméstica e teve que se socorrer de uma ação na vara de família que levou quatro meses para obter uma decisão.
[...] ainda mais considerando que no âmbito dos juizados de violência doméstica [...] poderiam ter sido resolvidos em 48 horas após o recebimento do expediente pelo juiz.
Cabe ainda ressaltar que os quatro meses mencionados referem-se às decisões e sentenças e não ao tempo de sua efetiva implementação. O que significa maior prejuízo às mulheres, que, no entanto, por ora, não foi matéria de pesquisa.
E aqui, em Considerações Finais - eu fiz a apresentação um pouco corrida porque me disseram que seriam 10 minutos -, o que a gente conclui, e isso não é uma conclusão da pesquisa, é uma conclusão da nossa prática, atuando em favor das mulheres, é que a Lei Maria da Penha mexe com aquela organização judiciária tradicional quando prevê uma competência híbrida para os juizados de violência doméstica contra a mulher, e há muita resistência entre os operadores do Direito em implementarem essa com essa competência híbrida.
Aqui eu não posso nem atribuir isso só aos magistrados, mas a todos os operadores do Direito, inclusive aos Defensores Públicos, ao Ministério Público. A gente encontra muita resistência nos pedidos e nas manifestações em favor desses pedidos que são de matéria familiar, de competência familiar.
É dada mais importância à competência criminal da Lei Maria da Penha em detrimento às medidas de natureza cível, principalmente nas que dizem respeito ao Direito de Família.
Aqui são as fontes.
Eu não consegui incluir na apresentação, mas antes de vir para cá, eu consegui imprimir algumas decisões de juizados de violência doméstica para mostrar para vocês qual é o padrão em que elas vêm sendo adotadas. E isso que mostra bem a dificuldade de implementação desse caráter híbrido. Aqui eu peguei decisões de mais um juizado.
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Então, o juiz defere aquelas medidas de proibição de contato e aproximação. E aí ele decide assim: "Em havendo filhos em comum, ficam ressalvados os direitos do autor do fato quanto à visitação, o que poderá ser feito através de terceira pessoa. Ressalte-se que eventuais questões relativas à guarda, visitação e pensão alimentícia do filho ou filha dos envolvidos, inclusive quanto aos alimentos provisórios, deverão ser regularizados junto ao Juízo de Família."
Então, ele não adentra essa questão que seria fundamental para o rompimento do ciclo de violência.
Aqui, um outro juizado também defere aquelas proibições de contato, aproximação e frequentação de determinados locais, e prossegue: "Destacando-se que a presente decisão não se estende aos eventuais filhos dos envolvidos, cuja questão deverá ser dirimida no juízo de família."
Aqui, um terceiro juizado. Ele deferiu e no mesmo padrão: "Destacando-se que a presente decisão não se estende aos eventuais filhos dos envolvidos, cuja questão deverá ser dirimida no juízo de família".
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª FLÁVIA NASCIMENTO - E aqui eu trouxe um caso em que o Nudem atuou de uma moça que viveu uma situação de violência muito grave.
Em uma noite, ela, não aguentando mais a situação de violência que ela vivenciava diariamente - ela foi agredida na cama, dormindo com o seu bebê acho que de um ano -, ela saiu de casa, deixou os filhos para trás, foi à delegacia, registrou a ocorrência e teve que ser abrigada. Ela não pôde voltar para casa, ela teve de sair e deixar os seus filhos com o seu agressor. Acredito que ela tenha sido atendida no Nudem, intermediada pelo centro de referência que promoveu o acolhimento, que a levou para o atendimento.
Aqui foram postuladas as medidas protetivas, foi requerida busca e apreensão das crianças, e o juiz do juizado de violência doméstica deferiu tudo, deferiu a busca e a apreensão das crianças.
Houve uma dificuldade em conseguir cumprir essa decisão de busca e apreensão, mas por fim ela conseguiu. E, diante dessa dificuldade de regularizar a guarda no juizado de violência doméstica, foi proposta a ação de guarda na vara de família também.
Isso tudo aconteceu em novembro de 2017. E qual foi a nossa surpresa, pesquisando ontem para saber qual foi o término dessa situação, como isso terminou na vara de família, tivemos a seguinte decisão: houve uma audiência de conciliação em abril. A mulher ficou abrigada por três meses, houve uma audiência de conciliação em abril, o que é totalmente contraindicado em casos de violência contra a mulher.
As varas de família têm que compreender que não podem designar uma audiência de conciliação. Não há conciliação onde há uma desigualdade entre as partes, e a mulher que está em situação de vulnerabilidade não tem condições de manifestar a sua vontade sem influência daquele medo que ela sente do seu agressor.
Ela vai estar de frente para o seu agressor em uma audiência de conciliação. Não há diálogo onde há uma situação desigual. E aí, a gente se deparou com a seguinte decisão:
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Proposta a conciliação, esta foi aceita nos seguintes termos:
A guarda é compartilhada entre a autora e réu, fixada a residência dos menores com a mãe e ficando a convivência livremente estabelecida, considerando que já tem sido assim nos últimos meses, não havendo necessidade de regulamentar detalhadamente o regime de visitas.
E, na prática, a gente sabe que os autores do fato usam a visitação para se aproximar dessas mulheres. A visitação tem sido um grande ponto de vulnerabilidade das mulheres em situação de violência.
A gente se pergunta: o interesse é realmente a criança? Ou o interesse é manter o vínculo com a mulher?
O casal vai ter aquele vínculo eterno, que é o filho, mas uma forma encontrada pelo agressor de manter a convivência com aquela mulher é a visitação dos seus filhos.
E esses são os casos que eu trouxe.
E aí eu pergunto, tenho aqui algumas provocações.
O STJ vem entendendo que as situações de conflito não impedem o compartilhamento da guarda quando analisa a situação de violência doméstica. A gente pode considerar que a violência contra a mulher é uma situação de conflito? Um conflito a gente entende que são partes que se opõem, quando a gente sabe que a mulher que está em situação de violência está sendo oprimida naquele relacionamento. Então, se a gente tratar isso como um conflito, a gente está minimizando a situação de violência, que é uma violação contra os direitos humanos da mulher.
E a Lei Maria da Penha veio justamente para valorizar essa situação, para dar transparência a essa situação, e a tratou com a devida importância.
A guarda compartilhada gera uma insegurança jurídica. Quando a gente tem uma medida protetiva que determina que aquele sujeito não pode se aproximar daquela mulher, não pode manter contato com ela, a guarda compartilhada exige que eles mantenham contato constante para tratar das questões dos seus filhos.
Como eles vão dialogar diante de uma medida protetiva?
(Soa a campainha.)
A SRª FLÁVIA NASCIMENTO - Como você dá eficácia ao sentido da guarda compartilhada como ela é prevista?
Aí, como a Profª Ana falou, a gente vai corrigir uma situação em que o homem nunca se entendeu como cuidador, através de uma legislação e através de uma decisão judicial? A gente vai transformar esse comportamento tipicamente atribuído ao gênero masculino e ao gênero feminino, a gente vai transformar através de uma legislação? Ou, antes de uma legislação como essa da guarda compartilhada, a gente deveria ter um trabalho que desconstruísse esses padrões de gênero que nos foram impostos ao longo da história?
Fica aqui esse meu ponto de vista para a gente pensar. E pensar: será que a guarda compartilhada tem de ser a regra? Por que a violência doméstica não está prevista na lei de guarda compartilhada como uma das exceções?
Enquanto a gente não tiver uma previsão expressa na lei, excepcionando os casos de violência doméstica, ela vai continuar sendo aplicada e vai ser uma forma de impedir que a mulher rompa com o ciclo de violência ao qual ela é submetida. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Eu gostaria de agradecer imensamente a exposição da Drª Flávia Nascimento, que é coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Acho que foi extremamente esclarecedora. Até porque traz também a questão do dia a dia, do que está acontecendo hoje no Brasil, a partir de um Estado muito significativo para o Brasil inteiro. Daí a gente tem uma mostra do que está acontecendo no resto do nosso País. Enfim, quiçá no mundo.
Primeiro, eu queria, rapidamente, citar aqui duas pessoas. Esse requerimento foi aprovado recentemente, mas foi apresentado já há algum tempo. Tem algumas pessoas que, naquele momento, não estavam presentes como convidadas, como estas que estão aqui. Queria citar e depois, queria também dar a palavra para se expressarem.
Primeiro a Drª Myllena Calasans, que é advogada, militante feminista e colaboradora do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e a Drª Marília Lobão, que é graduada em Psicologia pela UnB, mestre pelo Programa de Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília e que pesquisa exatamente o tema "Guarda Compartilhada: significado para as mulheres." Por isso, depois a gente vai passar a palavra.
Agora, tenho a alegria de ter, também, aqui como nossa colaboradora, em nosso debate, a Srª Denyse Cotê, que é chefe do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade de Quebec, no Canadá. Estamos tentando a videoconferência. Não sei se vai ser possível a imagem. A gente não está conseguindo conectar a imagem, mas ela está nos ouvindo e nos vendo também. Só que nós não a estamos vendo. Portanto, ela vai falar. A gente vai ter o áudio e, logo em seguida, a gente passa para a próxima convidada que é, exatamente, a Drª Ana Maria Iencarelli.
Então, vamos passar a palavra a Drª Denyse que nos ouve e nos vê. Estamos aqui atentos à sua fala. Muito obrigada pela participação.
A SRª DENYSE COTÊ - Yo entiendo. Me escuchan?
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Sim, sim.
A SRª DENYSE COTÊ - O.k. Perfecto.
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.) (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Essa foi a Profª Denyse Cotê, que é Chefe do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade de Quebec.
Muito obrigada pelas suas palavras, pelas suas reflexões, inclusive acadêmicas.
Nós temos aqui também à Mesa uma professora doutora em sociologia das relações sociais de gênero pela Universidade de Brasília, a Profª Ana Liési Thurler. Temos também aqui a Drª Flávia Nascimento, que é Coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Temos também aqui a nossa companheira Ana Maria Iencarelli, que é psicanalista clínica e representante das ONGs Vozes de Anjos, Todas Marias, Coletivo Mães na Luta, Lutai por Nós. Coletivo Voz Materna. Temos também Marília Lobão, que é também mestre em psicologia clínica e cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, que pesquisa exatamente o tema guarda compartilhada. E temos também a Myllena Calasans de Matos, advogada, militante feminista e colaboradora do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher.
Quero dizer, professora, que você está aqui justamente participando de uma audiência pública de uma comissão mista, que envolve a Câmara Federal e o Senado Federal da República Federativa do Brasil, e contamos aqui com a presença de dois Senadores da República, na verdade, uma Senadora da República, que vai dar uma palavrinha antes da nossa próxima convidada, ainda porque, daqui a pouco, vai começar a Ordem do Dia da sessão do Senado. Refiro-me à Senadora Marta Suplicy, de cujo trabalho acredito que a senhora já deve ter ouvido falar, ela que já foi prefeita da cidade de São Paulo, a maior cidade do Brasil. E temos também o nosso Senador Jorge Viana, que também foi governador do Estado Acre, um dos entes da Federação brasileira.
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Portanto, agora, eu vou passar a palavra aos dois Senadores antes de prosseguir, ainda porque, daqui a pouco, eles também estarão em votação no Senado. Federal.
Inicialmente concedo a palavra à Senadora Marta Suplicy,
Mas, por fim, quero dizer que todas estamos muito felizes com a sua participação e que queremos a sua presença aqui outras vezes. Agradecemos, mais uma vez, a sua disponibilidade, e, mesmo a gente não conseguindo ter a imagem, nós a ouvimos aqui perfeitamente. O seu espanhol é muito bom, de modo que conseguimos, inclusive, compreendê-la perfeitamente - pelo menos eu entendi a maioria das suas colocações.
Portanto, fica aqui a nossa gratidão. E vamos outras vezes provocá-la, no bom sentido brasileiro, para que você traga luzes sobre as nossas reflexões aqui no nosso País.
Muito obrigada.
Agora, com a palavra a Senadora Marta Suplicy.
A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) - Obrigada, Deputada Luizianne Lins.
Parabenizo esta Comissão por esta iniciativa de debater sobre a guarda compartilhada, que, embora pareça ser um assunto resolvido, nós vemos que se trata de um assunto extremamente complexo. É uma ideia fantástica, uma ideia para o bem, aparentemente, mas que está suscitando tantos problemas que nós não tínhamos ideia.
Acredito que a participação... Eu, infelizmente, não pude acompanhar as intervenções daqueles que se pronunciaram anteriormente - fui posta a par pela assessora que assistiu, mas muito rapidamente -, então não sei exatamente os detalhes. A intervenção que acompanhei por mais tempo foi a da Srª Denyse Cotê, e fiquei impressionada com algumas coisas sobre as quais eu ainda não havia pensado.
Tenho sido procurada por algumas ONGs para conversar sobre alienação parental e também sobre essa outra questão. A alienação é um tipo de problema também em que ou o pai ou a mãe são impedidos de ter contato com a criança, e daí decorre uma série de dificuldades, inclusive os lugares onde têm de se encontrar com a criança, que são lugares horrorosos, que traumatizam aquele momento único que a pessoa está aguardando. Ocorre muitas vezes que, chegando lá, o lugar é tão feio, tão esquisito que a criança se inibe e o pai ou a mãe ficam completamente sem graça. Isso não adianta nada e acaba sendo o contrário do que deveria ser.
A guarda compartilhada é um problema, a meu ver, até mais complexo, porque, quando foi feita, eu acho que a maioria das pessoas ficou até muito animada, porque é o que nós desejaríamos para a criança, ou seja, poder ter o pai e a mãe por perto e poder usufruir do bom de cada um. Só que não está sendo bem dessa forma.
O que a professora canadense colocou é algo que eu não havia pensado e que é muito sério, ou seja, que não há uma simetria na questão de gênero. É evidente que não! Então, o pai, provavelmente, quando pega a criança é para... Naquelas horas em que ele não está no escritório, ele pega a criança e mais para momentos de lazer. Mas e as responsabilidades de levar ao médico, de levar às diferentes atividades que uma criança tem? Eu não sei se são compartilhadas como deveriam ser.
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Eu não sei se dá para colocar isso na lei. É outra questão que eu estava pensando: o que a gente pode fazer? A gente está discutindo aqui para alguma finalidade. O que pode ser transformado em algo concreto, que ajude? Mas, ao mesmo tempo, são coisas que você não consegue mudar por lei. São muito difíceis... É muito difícil!
Eu lembrei agora, para ilustrar o que estou falando, que logo que Cuba teve a transformação, fizeram uma lei pela qual os homens eram obrigados a também fazer os trabalhos domésticos. Não adiantava. Eles fechavam as janelas e não conseguiam fazer nada nem mostrar nada, e era uma... É a cabeça que tem de mudar, não é a lei. A lei não muda, mas ela ajuda. Então, nós temos de pensar em alguma forma de essas questões, principalmente essas de gênero, poderem ser abordadas nesses processos.
A outra questão - e isso eu não ouvi muito - que me interessou bastante é o fato de que, quando entra em discussão a guarda é compartilhada - a professora canadense colocou isso -, a mulher geralmente é que não quer, mas essa situação acaba lhe sendo imposta. Aí é uma pergunta interessante que a gente tem que fazer: por que ela não quer? Deve haver "n" motivos, e nós temos de descobrir quais são esses motivos pelos quais as mulheres não querem esse tempo, diria, mais livre. Claro que pode ser ciúme, raiva, inveja, ódio; enfim, há mil coisas aí, mas podem ser outras coisas também. E, aí, eu acho que entramos na questão da violência.
Por exemplo, quando há uma situação de separação, geralmente, é o homem que fica proibido de ir ao lar, porque bateu na mulher etc. Mas e na guarda compartilhada? Como é que isso atua ou não atua? Quer dizer, talvez as palestrantes tenham alguma resposta ou saibam como é na lei. Porque, tudo bem, ele não pode se aproximar da mulher, então, ele não se aproxima, mas tem a guarda compartilhada. Ele vai lá e pega a criança. E se essa mulher se separou dele numa briga porque ele estava se portando mal com a criança de alguma forma, ou porque não tinha paciência, ou porque abusava sexualmente, ou, sei lá, por "n" motivos? Ele vai compartilhar a guarda daquela criança?
Então, até onde... Essa não é minha especialidade, mas, até onde eu sei, muitas vezes, essas coisas não têm... Aí temos de ter de uma lei, mas a lei, pelo que eu saiba, não existe. Como fazer com o desespero dessas mães para conseguir com que esses pais não tenham a guarda compartilhada das suas crianças?
Então, eu gostaria de ouvir um pouco a Mesa sobre se tem alguma reflexão sobre isso e se há algum tipo de encaminhamento, em forma de proposição legislativa, que a gente possa pensar para ajudar.
Eu acho que nós vamos ter de ter muitas outras audiências para entender um pouco mais essa problemática, inclusive com pessoas que talvez estejam nas varas de família, que ponham a mão na massa e que possam contar-nos os problemas reais do que está acontecendo. Nós ouvimos aqui muito da teoria e dos conceitos, que são bastante importantes, mas quem está lá vai trazer tantos problemas que nós não temos sequer ideia e talvez até a solução em que tenham pensado.
Era isso.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Muito obrigada, Senadora Marta Suplicy. Foi importante aqui a sua colocação. Eu até me associo a V. Exª.
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Quando a Profª Ana Liési estava fazendo a sua apresentação, ela citou o histórico da evolução da legislação em torno, mais ou menos, dessas questões. E eu achei interessante quando foi colocada aqui pela Drª Flavia, que é Defensora lá na Defensoria Pública do Rio de Janeiro nas questões relativas às mulheres, a prática do dia a dia, as decisões que estão sendo tomadas. Foi muito rico! E eu fiquei imaginando - já dei um toque na assessoria - que a gente já poderia ver - e, aí, eu me associo a V. Exª - como é que nesta lei da guarda compartilhada se poderia prever - porque não há a previsão, pelo que foi dito aqui - a questão da separação por violência doméstica ou da separação, no caso que V. Exª tratou agora, do abuso sexual.
Como a legislação sequer prevê, talvez fosse o caso de se propor uma emenda à própria lei em que a gente pudesse trabalhar já essas situações como situações especiais que precisam ter um outro olhar, não necessariamente o olhar da lei de uma forma geral, mas um olhar exigindo exatamente os cuidados necessários. Isso porque, ainda que ele seja um violador em relação à sua companheira - no caso da violência doméstica, enfim -, por outro lado, mesmo que ele não agrida o filho, estamos diante de alguém que está passando uma cultura extremamente machista para a formação das crianças - e, aí, é uma outra questão que se coloca.
Então, associo-me a V. Exª. Nós podemos até reunir as ideias, pela sua vivência como prefeita, Senadora, legisladora, Deputada Federal, e, talvez, nós possamos dar uma mexida para melhorar e, assim, prever esses casos, o que, de fato, é o objetivo dessas audiências públicas.
Agora, nós vamos passar a palavra ao nosso Senador Jorge Viana, que é Senador da República Federativa do Brasil e que também foi governador do Estado do Acre.
O SR. JORGE VIANA (PT - AC) - Obrigado, Deputada Luizianne Lins.
Senadora Marta, Senadora Regina, todos os convidados e convidadas, eu fiz questão de passar aqui porque, primeiramente, nós estamos às véspera do Dia das Mães, estamos perto do dia 18 de maio, que é um dia também importante, quando nós, certamente, vamos refletir, discutir e debater as violências que nós estamos tendo em decorrência desse embrutecimento da sociedade - eu prefiro ver assim - ou de uma falta de civilidade na nossa sociedade, o que exige mudanças na legislação e exige uma mudança no comportamento cultural nas relações. Não é possível que a gente não avance nesse sentido!
Eu sou autor de uma proposta de emenda à Constituição que torna o crime de estupro imprescritível. Ela foi votada aqui no Senado e está esperando votação na Câmara. Como agora está sob intervenção federal o Estado do Rio de Janeiro, estamos parados. Seria o terceiro crime que nós colocaríamos na Constituição como imprescritível, por conta das características dele.
Eu tenho duas filhas e uma neta. A minha filha mais velha fez curso de Direito, mas não gostou; então, fez psicologia e, hoje, trabalha no Núcleo de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência do Ministério Público do Estado do Acre. Ela, que lida diariamente com o tema, vê como é muito complicado até chegar perto das famílias que estão vivendo esse drama da violência. Se os profissionais correm riscos, se precisam ir com escolta, vocês imaginem as mulheres que são parte nesse processo.
Estou colocando isso porque é a pura verdade. Os profissionais que vão em socorro da família correm riscos. Estou dando um exemplo de casa. E é um trabalho muito bonito o que o Ministério Público do Acre faz.
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Fruto das minhas andanças por lá, eu também apresentei uma outra proposta, que tem a ver com o que estamos debatendo aqui, Senadora Marta - e a senhora que trabalha há tanto tempo com essas questões e é uma referência também no Brasil nesse tema, juntamente com outras colegas da Casa -, e essa proposta, que ainda está tramitando aqui no Senado, buscando fazer com que saiamos - e é uma consequência desse medo, dessas violências todas - da subnotificação, para todos esses tipos de violência contra a mulher, que são subnotificados.
A minha proposta é objetiva: as autoridades de saúde, quando identificarem a chegada de uma criança, de uma mulher, de alguém que entenderem que foi vítima de violência, ou que aparentem ser resultado de alguma violência, são obrigadas a comunicar à autoridade policial, sem necessariamente esperarem que a vítima comunique, para a gente fugir um pouco disso e talvez salvar vidas, porque com medo não denuncia. A mulher não denuncia por causa dos filhos, por causa do medo, por causa de uma série de coisas. Na segunda vez não mata, mas na terceira mata!
Esse projeto também está andando e eu espero que seja aprovado. Foi fruto de um diálogo, de uma sugestão do próprio Ministério Público do Acre, desse núcleo que trabalha.
Aí, mais especificamente sobre o tema que está sendo debatido aqui, eu também queria dar a minha colaboração. Veja, se a causa é violência, você compartilhar a guarda é muito complexo, é muito difícil! Porque o ideal, quando há violência, é afastar o agressor da vítima. Mas o mecanismo da guarda compartilhada aproxima o agressor da vítima de maneira sistemática, programada inclusive.
Ora, eu vi, com minha filha também... Ela fez um trabalho de conclusão do curso nessa área e eu, debatendo e conversando com ela, a Marian... Ela fez um trabalho sobre revitimização, no caso das crianças. Para uma criança vítima de violência é muito complicado o processo de busca de saber como se deu aquela violência, como aconteceu. Você faz a criança vítima novamente, porque você trará algo muito dolorido, porque a gente nem tem a dimensão do que passou aquele ser que ainda está se formando. A criança sofre a revitimização e tem uma série de estudos procurando evitar isso, buscando mecanismos de fazer o levantamento sem revitimizar.
Agora eu quero fazer um paralelo com o caso da mulher vítima de violência que vai compartilhar uma guarda. Isso pode ser mais do que revitimizar a mulher. Isso é quase uma tortura, porque você vai impor que a pessoa que está morrendo de medo, ou que está traumatizada tenha que estabelecer uma relação com o seu agressor, e de maneira sistemática, por causa dos filhos. Então é muito grave. Acho que isso, por mais que possa ser bom para as crianças, pode levar a mãe à desestabilização completa, a ponto de ela passar a ser um prejuízo para os filhos, para a criação dos filhos.
Então, talvez esse caminho que a Senadora Marta apontou... Eu peço licença por não ter ouvido, mas enquanto tiver essa situação de dúvida, sinceramente é melhor que se tenha uma guarda só, porque senão você pode agravar mais a situação da vítima. Eu estou preocupado mais, nesse caso, com a vítima que é a mãe, que é quem tem a guarda.
Para mim esse debate é fundamental, muito importante. Não é um tema fácil, mas tem horas que é preciso fazer escolha. E nesse caso, para mim a escolha deve ser a favor da vítima, a favor da mulher, a favor da mãe, para o bem inclusive das crianças, que depois vão obter alguma explicação. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Muito boa essa declaração, inclusive vindo de um homem que tem duas filhas e uma neta. Acho que...
O SR. JORGE VIANA (Bloco/PT - AC. Fora do microfone.) - La eu sou minoria. (Risos.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Pois é. É um processo de aprendizado sistemático.
Bom, gente, essa nossa reunião, dado o quórum, eu queria solicitar, para votarmos em bloco, em função que daqui a pouco teremos... Convidados, vocês não se impressionem muito não, porque aqui é tudo ao mesmo tempo agora. Imaginem quando junta Câmara e Senado! Então, a gente está aqui e acolá; e precisa estar em uma reunião... A Deputada Carmen Zanotto pediu para eu avisar que ela não ficou presente porque é palestrante na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Também tivemos aqui a grata participação - para quem eu já passo a palavra - da nossa Senadora Regina, que é Senadora pelo Estado do Piauí, que está presente e faz parte desta Comissão.
Eu só gostaria, Senadora, rapidinho, de fazer uma votação em bloco, de requerimentos, enquanto não começa as Ordens do Dia e nós temos quórum.
Então, vamos lá.
Há requerimentos sobre a mesa.
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 3, de 2018
- Não terminativo -
Requer a realização de um Seminário para discutir e avaliar a Lei Maria da Penha.
Autoria: Deputada Luizianne Lins.
ITEM 2
REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 4, de 2018
- Não terminativo -
Requer aditar o requerimento de 3/2017, incluir convidados pretendendo ampliar a discussão e análise de dados oriundos de pesquisas sobre a violência e resultados de políticas públicas de enfrentamento.
Autoria: Deputada Luizianne Lins.
ITEM 3
REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 5, de 2018
- Não terminativo -
Requer aditar o requerimento 17/2017, aprovado por esta Comissão, para incluir novos convidados com intuito de ampliar a discussão e retirar a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional como como participante para dar uma maior celeridade e colocar a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados como parceira na realização deste evento.
Autoria: Deputada Luana Maria da Silva Costa e outros.
EXTRAPAUTA
ITEM 4
REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Nº 6, de 2018
- Não terminativo -
Requer a realização do segundo concurso de vídeo por celular, curta metragem relacionado ao tema do feminicídio.
Autoria: Deputada Luizianne Lins.
O concurso foi extremamente exitoso no ano retrasado e nós queremos reeditá-lo.
Em discussão os requerimentos, em bloco. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, passamos à votação.
As Srªs e os Srs. Parlamentares da Câmara Federal e do Senado Federal que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovados os requerimentos.
Por fim, no que diz respeito à nossa Mesa, passamos imediatamente a palavra à Drª Ana Maria Iencarelli, Psicanalista Clínica e representante de diversas ONGs, das quais ela pode falar, mas, resumindo, são todas ONGs ligadas diretamente à luta em defesa das mulheres de uma forma geral e dos direitos das mulheres.
Drª Iencarelli, muito obrigada pela presença.
A SRª ANA MARIA IENCARELLI - Obrigada a vocês. Super obrigada por estar aqui.
Eu tenho um caminho, uma estrada bem longa. Há mais de 40 anos eu trabalho com proteção à criança e ao adolescente, e hoje isso se estendeu à maternidade, porque a maternidade tem sido bastante atacada. Eu diria mesmo atacada, a maternidade para a mulher.
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A lei da guarda compartilhada... Vocês vão me desculpar, eu não sabia que podia trazer Data Show, senão eu tinha trazido, porque é sempre mais animado. Então, será só falado.
Sobre a lei da guarda compartilhada, dentro do tema de hoje, como conciliá-la com a violência doméstica? Parece-me que isso é inconciliável. Uma criança não pode se sentir bem, não pode ter estabilidade emocional dentro do ambiente do agressor da mãe. Não se pode pensar que a criança não está vendo o olho roxo da mãe, ouvindo o choro da mãe, os gritos da mãe. Estou falando só de violência física. Mas é impossível essa conciliação que a Recomendação nº 25 de 2016 trouxe, ou seja, a obrigatoriedade da guarda compartilhada em situações de litígio, por mais severo que ele seja. Deixou-se apenas a possibilidade de um dos genitores se autodeclarar impossibilitado ou não interessado na guarda compartilhada.
Não é possível pensarmos que um casal que está em litígio severo, que seja por um copo de cristal, que seja por conta do olho roxo ou por conta do abuso sexual que o pai pratica com aquele filho, com os filhos ou com a filha... Você não pode pensar, romanticamente, que vai ser possível administrar isso. É como o Senador acabou de falar.
Como uma mãe que tem medida protetiva vai entregar o filho para o seu agressor? Ela tem medida protetiva; ele deve ficar a 200 metros, 300 metros dela, enfim. E ela deve entregar e pegar a criança, deve recebê-la, precisa conversar com essa pessoa, tem que falar, porque está entendido que a criança será dividida ao meio. Ou seja, guarda compartilhada fugiu da definição que a Drª Clara Souto Maior, que a Ana trouxe, deu: é a regulamentação das responsabilidades parentais. Isso é uma coisa que deve ser compartilhada. Outra coisa é você dividir o tempo da criança em dois tempos. Isto - falo como psicanalista de crianças e adolescentes - é adoecedor.
Uma criança precisa de uma contenção, de um mesmo ambiente, ela não pode ter duas casas. Não sei de onde tiraram uma ideia que anda sendo veiculada de que duas casas é melhor que uma. Não. É enlouquecedor! Porque nenhum de nós adultos, com todos os recursos que a gente já tem, aguentaria morar em duas casas: passar uma semana numa casa e outra semana na outra. Como você faz isso?
Os Parlamentares que vêm para cá e voltam para suas casas, para suas bases, sabem o quão difícil isso é.
O SR. JORGE VIANA (PT - AC) - Não está nem em uma, nem em outra.
A SRª ANA MARIA IENCARELLI - Nem em uma, nem em outra. Não tem casa nenhuma.
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A criança, para o seu desenvolvimento, precisa ter uma estabilidade, precisa ter uma mesmice de ambiente, de cheiro, gente! A criança estranha o cheiro; a roupa que é lavada com outro sabão em pó. Pode parecer muito doido isso, mas a roupa com outro cheiro, a roupa de cama com outro cheiro.
A gente recomenda, para as mães de criança pequena que precisam sair do ambiente de casa, que levem os paninhos dela, levem o cheirinho, os lençóis, o travesseiro dela, porque isso a acalma. A criança precisa ter o mesmo ambiente.
Não vamos esquecer que vínculo afetivo de pai é construído. É importante? É importantíssimo. Vínculo afetivo de mãe é vínculo visceral, é de outra ordem. Não é nem mais nem menos, nem melhor nem pior, mas é visceral. A criança necessita dessa proximidade com a mãe. Ela se sente muito solta, muito perdida, muito desamparada quando é separada dessa mãe.
Se temos a violência doméstica como um ingrediente, já se encontram alguns juristas escrevendo que quando não há diálogo, não há efetividade de guarda compartilhada. Já está escrito. Então, precisamos perceber isso. Se entramos para outra dificuldade, para outro tipo de violência que é a psicológica, também danosa, a violência psicológica praticada contra a mulher de alguma maneira ficará naquela permanência, será uma cultura que a criança viverá, porque se uma semana é com o pai e outra semana é com a mãe, quando está na semana do pai, ele estará chamando aquela mãe de burra, de idiota, que não sabe nem mexer no caixa eletrônico, que é vagabunda. Enfim, há vários adjetivos. E não tem como a lei entrar portas adentro. Janela fechada, porta fechada. Você não sabe o que se passa.
É completamente ilusório a justiça pensar que baixando uma lei, aquilo será obedecido. É completamente ilusório achar que a guarda compartilhada vai aproximar esses cônjuges que estão em litígio. Isso é igual a acreditar em Branca de Neve e os sete anões. Não é possível achar que aquilo será obedecido, que quando sair dali, da frente do juiz, todo mundo ficará muito educado, muito gentil e se tratará muito bem. Que eles vão parar de se xingar, de falar coisas que denigrem o outro, que desvalorizem o outro. Não é possível acharmos que uma lei, uma ordem como essa da obrigatoriedade vai consertar um conflito.
As emoções e os sentimentos não são governados por leis. A gente deve conter com ordenamento jurídico sim, porque senão todo mundo saía matando todo mundo quando tivesse com raiva um do outro. Mas você precisa saber que aquilo tem um limite e que você não entra na casa do outro, não entra na casa daquele casal - nas casas -, não entra.
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Então, eu queria voltar para a questão que me interessa mais, as questões psicológicas que são implicadas nessa obrigatoriedade.
Quanto ao desenvolvimento afetivo da criança, a gente tem alguns autores que se dedicaram a isso. A gente tem o Bowlby, a gente tem o Spitz. A privação materna é danosa. O Bowlby afirma que a privação materna está ligada à saúde mental no adulto. Então, quando você estabelece que é uma semana com um, uma semana com o outro; dois dias com um, dois dias com o outro, aquela criança mochileira, que vai para lá vem para cá, vai para lá e vem para cá... Isso estou falando sem ter implicação de violência contra a criança, está bem? E quando não há implicação de violência contra a mãe, porque se há violência contra mãe, já é desaconselhada a guarda compartilhada.
Agora, também me espanta muito essa Recomendação 25, de 2016, porque ela é contrária à recomendação da OEA. A gente está pensando em fazer lei, a OEA já recomendou, na Convenção de Belém do Pará, está lá escrito: quando houver violência doméstica ou abuso sexual - suspeita, não é condenação, é suspeita, é indício, está lá escrito - não pode haver conciliação, não pode haver mediação, não pode haver nada dessas coisas. Guarda compartilhada é uma superdivisão. Então, se você tem violência doméstica e indício de abuso sexual, não pode - não pode! A criança precisa ser protegida.
A gente tem no desenvolvimento cognitivo que a criança chega, por exemplo - falando da questão do abuso sexual, não, é Marta? -, que a criança chega e relata para a mãe o que o papai está fazendo quando ela passa os dias lá. Aí, a gente encontra os laudos psicossociais que desqualificam a mãe que foi fazer a queixa e descredenciam completamente a criança, a palavra da criança não tem o menor valor: criança agora mente, criança fantasia, mãe é louca, histérica, tudo isso está no Gardner, está lá no livro do Gardner que a Ana Liési trouxe, que foi quem cunhou o conceito de alienação parental, quem cunhou foi o Gardner. E ele cunhou para quê? Para defender pais abusadores/ofensores, ele se especializou nisso, ele passou a vida fazendo carreira e dinheiro com isso. Ele era médico, não era psiquiatra, mas se intitulava; ele era médico e pedófilo. Então, ele tinha interesse em fazer esse gatilho entre a acusação, a suspeita, a denúncia de abuso sexual, de violência doméstica também e alienação parental. Porque aí, você inverte, você tira o foco.
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O que a gente tem hoje é que as mães que denunciam violência doméstica e abuso sexual perdem a guarda dos seus filhos. Nós temos mais de 4 mil mães que pediram ajuda porque perderam a guarda ao denunciarem. Isto é um fato no Brasil: denunciou abuso sexual, perdeu o seu filho e perde de tudo quanto é maneira, perde com guarda compartilhada - é obrigada a levar, saber e não pode mais, fica proibido pelo promotor... Aliás, é muito interessante isto: os promotores proíbem as mães de falarem mais alguma vez do abuso sexual. Não pode falar, fica proibido, a repressão é gravíssima. A terapia da ameaça - que também está lá escrita no Gardner, ele recomendava a terapia da ameaça - é praticada nas nossas varas de família, é amplamente praticada. "Mãe, cala a boca. Se não calar, mando prender." E prende! "Se não parar de falar, vai perder a guarda. Se não fizer esse acordo infame aqui, dizendo que era tudo mentira, perde a guarda. Agora, assina, senão perde a guarda." É assim que têm sido feitas as audiências e têm sido feitas as sentenças, em cima laudos fraudulentos. Você tem laudos psicossociais que são feitos a distância, ou seja, a psicóloga nunca viu a mãe e escreve que a mãe é doente mental. Nunca viu, e a juíza, ou o juiz, acredita nela. Aquilo é um laudo sentencial, passou a ser um laudo sentencial. Isso é uma situação muito grave, mas muito grave!
E a guarda compartilhada dá cobertura exatamente para isso. Há muitos pais que, não por questão de abuso sexual, mas por questão que também já foi trazida, como a história da pensão alimentícia... Há um caso emblemático. O pai, quando a moça disse que estava grávida, foi embora, sumiu, foi para outro Estado, não deu notícia. Quando a menina estava com nove anos de idade, ele voltou a morar na cidade da mãe porque foi transferido por conta de trabalho. Entrou na Justiça com pedido de guarda da menina de nove anos de idade, alegando o quê? Alienação parental. Ele nunca pagou a pensão porque a mãe não deixava, era alienação que ela fazia - nove anos. Ele foi perdoado, não foi problema ele não ter pagado nove anos e a mãe ter criado aquela menina até os nove anos sozinha. Ele recebeu a guarda e a mãe passou a pagar pensão alimentícia para ele, porque quando um pai ganha a guarda, a mãe é obrigada a pagar pensão alimentícia. Ele nunca pagou, mas ela passou a ter que pagar. E nessas inversões de guarda, as mães são obrigadas a pagar laudos caríssimos. Estão extorquindo dinheiro dessas mães. Porque também está lá no Gardner que a mulher tem que ser atacada patrimonialmente. Nós temos mães que empobreceram, que estão praticamente na miséria porque o gasto que elas têm é muito grande.
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Então, essa é uma situação real hoje. Hoje a gente tem isso. Se vocês quiserem, eu tenho as provas de tudo que eu estou falando aqui.
Além disso, há também os pais negligentes, os pais que nunca cuidaram, que chamam a mãe de maluca e que acabam recebendo a guarda. Há hoje uma menina que foi entregue para o pai, que tem uma doença grave de pulmão, que corre risco de morrer, e o pai não dá remédio, o pai não cuida. Mas está lá, o juiz passou a guarda da menina para ele.
A gente tem mães que, no desespero de quando vão perder completamente seus filhos, se tornaram foragidas. A gente tem algumas mães que estão fugidas, escondidas, vivendo como criminosas com seus filhos, mudando de um lado para o outro para se esconderem, para não serem pegas. Porque passa a guarda para o pai e o juiz ainda emite uma ordem de prisão para a mãe, porque a mãe não está cumprindo. Mãe que tem ordem de prisão e que está foragida há meses.
Nós temos mães que fizeram uma denúncia de abuso sexual e que perderam a guarda e estão há dois anos sem ver o filho - dois anos sem ver -, sem saber onde ele mora, sem saber onde ele estuda. Porque isso a Justiça permite, que o pai que ganha a guarda porque a mãe é alienadora... Gente, esse conceito ganhou uma um peso! Porque mesmo aquela mãe que injustificadamente obstrui o convívio do pai com o filho...
(Soa a campainha.)
A SRª ANA MARIA IENCARELLI - ... é preciso que ela seja acompanhada, que ela seja ajudada, mas não que ela seja punida. E quando uma mãe sabe que ela é obrigada - e ela tem obrigação visceral de proteger o seu filho - e luta contra entregar ou luta na Justiça o tempo inteiro pedindo revisão, pedindo outra avaliação, pedindo isso, pedindo aquilo, na verdade, essa mãe por que vai ser punida? Se a gente passou a acreditar que o pai é indispensável para criança sobreviver - não sei onde está isso também, mas vamos admitir que o pai seja muito importante para criança sobreviver -, por que a mãe pode ser sumariamente cortada da vida de uma criança? Em que se baseia isso? Essas crianças estão sendo arrancadas da mãe pela polícia à noite, quando estão dormindo, saem de pijama, ou senão no meio da rua agarram e levam a criança gritando, chorando, pedindo socorro. A gente tem vários registros de crianças que são levadas nessas condições. É desumano! A gente está vivendo uma reedição da tortura à mulher, a violência à mulher pela tortura da privação da maternidade.
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Nos campos de concentração, a tortura específica, a tortura especial feminina era arrancar o filho do colo da mãe e separar. Levavam a criança para aqueles laboratórios de um monte de coisas que eram feitas, experiências, e quando a criança estava para morrer, ela era devolvida à mãe para que a mãe assistisse à morte dela. É isso que nós estamos vivendo, nós estamos vivendo um holocausto a céu aberto. E nós todos somos responsáveis por todas as nossas crianças.
O que está acontecendo com a guarda compartilhada? Quando um pai desses é contrariado... Existe uma cadeia alimentar aí, é preciso não sermos ingênuos, que vai desde o BO até lá em cima; cadeia alimentar que funciona todo tempo. Então, quando a gente tem um pai que é contrariado no seu desejo de guarda unilateral ou de guarda compartilhada, e o juiz não contempla o desejo dele, ele mata. A gente tem um aumento enorme de infanticídios.
A Joanna Marcenal foi a primeira vítima da Lei de Alienação Parental. Ela é vítima da Lei de Alienação Parental, porque a Lei de Alienação Parental é letal para a criança. Separar criança de mãe é letal para a mente da criança, e nós temos um aumento enorme de infanticídios, nós temos um aumento enorme de feminicídios e infanticídios seguidos de suicídios. São situações que são anunciadas, são situações em que você depois vê que aquela mãe já tinha feito várias tentativas e ninguém ouve. Não se ouve a mãe, não se ouve a criança.
A Lei da Escuta Protegida, Lei nº 13.431/17, foi votada em 4 de abril de 2017, entrou em vigor em 4 de abril de 2018. Não prepararam os operadores para essa lei, não deram competência para essas pessoas. Então, o que nós temos é que novamente é uma lei que nasce morta. Essa lei está nascendo morta porque não houve nenhuma preparação e a gente vê aqui e ali que estão fazendo cursos on-line, pegando dinheiro, e aí a pessoa vai fazer parte de uma lista de peritos na escuta protegida. Como assim?
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A gente tem lei! Na letra da lei nós temos tudo, é tudo bonito, é tudo certo, é tudo perfeito, mas existe uma paralela da perversão que não segue. E nós estamos criando toda uma geração que não vai ser capaz de ter cidadania, que não vai ser capaz de seguir uma regra que seja de um jogo esportivo. Porque essas crianças criadas na transgressão não vão obedecer lei nenhuma. Como assim? Como vai integrar uma lei? Não é possível.
Eu teria um monte de outras coisas, mas acho que já está super tarde, estou vendo que me empolgo, mas eu queria só lembrar que nós temos a guarda compartilhada. Nós temos 74% dos pais de crianças portadoras de microcefalia que abandonaram as crianças e as mães. Temos mães que criam sozinhas aquelas crianças que precisam de cuidado especial. Aí você tem pais que ficam dizendo: "Não, eu sou um pai bonzinho, eu quero a guarda compartilhada, eu quero dividir na metade", quando você tem essa cultura do abandono dos filhos. É uma cultura no Brasil, a gente tem muito filho sem pai.
É preciso a gente entender que não é forçando... Eu sou psicanalista. Aí chega uma pessoa - vou terminar aqui - com fobia de barata e eu digo: "Olha, chama alguém da família, junta centenas de baratas num quarto e prende ela lá dentro; vai passar." É isso que a guarda compartilhada está fazendo. É igual a pegar uma criança que está com medo da água, que tem dificuldade de entrar na água e você jogar a criança: "Se vira, vai sair dali boazinha, vai perder o medo."
Porque você colocar uma mãe que é vítima de violência, em qualquer de suas formas, por parte de um cara e ter que se aproximar e ficar ali junto com o seu agressor, obrigatoriamente e permanentemente, fazer isso virar um sistema, uma rotina, dessa maneira, você está massacrando, você está oprimindo, você está aniquilando essa mulher. Isso é mais do que uma violência, é aniquilação. É muito sério. A gente está achando que faz assim: enche de barata, tranca e deixa lá, por quinze minutos, e vai ficar bonzinho.
Eu vou continuar a lutar. Sou muito combatida, mas sou muito combativa. Essa situação vai ter que mudar. A gente está encontrando finalmente, aqui no Congresso, um eco, uma escuta, a escuta que as crianças não têm tido.
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Nós desses movimentos - ainda havia mais uma ONG chamada Arte e Vida - temos escutado as pessoas se movimentarem no sentido da proteção à criança e à maternidade. E eu me proponho a sempre que vocês quiserem, sempre que eu puder ajudar - eu tenho livro, tenho muitos artigos, tenho participação em livros, uns sete ou oito -, eu sou dedicada. Eu leio. O pessoal da Justiça tem preguiça de ler, né? Vamos combinar.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª ANA MARIA IENCARELLI - Você não, né? (Risos.)
Mas, olha, tem um monte que tem preguiça! O livro do Gardner ninguém leu. Porque eu duvido que alguém tenha lido e siga as instruções dele. Eu duvido, porque eu acredito na Justiça, eu acredito nos operadores de Justiça. Ninguém leu o que está fundamentando, o que está atrás, o que está dentro, o que foi o veículo desse cavalo de Troia. Ninguém leu.
Recomendo a leitura.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Quero agradecer aqui a brilhante fala da nossa companheira Ana Maria Iencarelli.
A Profª Ana me soprou aqui que a Drª Ana Maria é inclusive chamada, já foi chamada na OEA para poder prestar os seus depoimentos e os seus conhecimentos como consultora e fazer as denúncias, até porque ela clinica. Ela, inclusive, é uma pessoa que hoje, mundialmente, digamos assim, é considerada nas suas pesquisas, nos seus estudos.
Muito obrigada, é um privilégio ter você aqui conosco. (Palmas.)
Há uma plateia minha aqui que está vibrando, está alegrando a discussão.
Gabriel, muito obrigada pela sua presença aqui.
Para finalizar nossa audiência, passamos a palavra para a Drª Myllena Calasans, que é advogada, militante feminista e colaboradora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher.
Antes da Myllena, eu gostaria de dizer duas coisas que considero extremamente importantes.
A primeira é: esta audiência pública foi pensada por quê? E por que as do Rio de Janeiro também foram procuradas, no caso, vocês que trabalham com isso? Porque nós fomos procurados - a Comissão, o grupo de assessoras e Deputadas que conversam sobre isso, um grupo que ampara muitas discussões de mulheres - por muitas mães, em especial do Rio de Janeiro, o que nos chamou a atenção, solicitando esse debate. Elas procuravam denunciar, porque foram mães que perderam a guarda dos seus filhos após terem sofrido violência doméstica e também quando, por exemplo, denunciaram que os pais estavam abusando das crianças. E nos chamou a atenção porque foram muitas, especialmente do Rio de Janeiro. Isso não quer dizer que seja só lá, mas quero dizer que elas tiveram esse movimento proativo de busca. Então a gente achou que era muito pertinente essa discussão, daí também a presença tanto da Drª Flávia quanto da Drª Ana Maria.
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A segunda coisa que eu queria dizer, que me chocou - eu não estava na Câmara ainda, esse é o meu primeiro mandato de Deputada Federal, eu já fui prefeita de Fortaleza e, nessa época, eu estava como prefeita -, quando eu cheguei à Câmara, foi quando tomei conhecimento, logo no primeiro ano, em 2015, quando começou meu mandato, de uma mulher de Goiás que sofria violência doméstica sistematicamente. Ela apanhou do marido em várias circunstâncias e, na última circunstância, quando ela estava buscando a separação, ele furou os olhos dela. E o que é mais grave - quando eu cheguei aqui me contaram essa história; as Deputadas fizeram uma força-tarefa, porque estava prescrevendo o caso - e nos chamou muita a atenção é que, após ela ter ficado cega, por ter seus olhos vazados, furados nessa última agressão, quando ela exigia a separação, ele ganhou na Justiça o direito de ficar totalmente com o filho, alegando que, pelo fato de ela ser cega, ela não tinha condições de criar a criança.
Então, quando estava perto da prescrição, uma das Deputadas - não sei exatamente quem, eu não estava aqui - relatou que, quando ela viu que o prazo estava prescrevendo, era uma Deputada de Goiás, fez uma força-tarefa com as Deputadas para que elas fossem imediatamente à Justiça, juntas, para que isso não passasse impune, e o agressor finalmente perdeu a guarda. Foi quando se colocou um holofote grande do Congresso Nacional, da Câmara Federal, quando se conseguiu que fosse reparada pelo menos a questão da guarda. Não sei exatamente se ele foi preso ou não, mas eu sei que a questão foi muito grave.
Eu até vou retomar para isso servir até...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Exatamente.
Por isso eu acho que a gente precisa trazer essas discussões para cá.
Por fim, vamos ouvir a Drª Myllena Calasans, a quem concedo a palavra.
Muito obrigada pela presença.
Em seguida, a gente finaliza com a fala da Drª Marília Lobão.
A SRª MYLLENA CALASANS DE MATOS - Muito obrigada, Deputada Luizianne Lins. Em seu nome, agradeço o convite e a oportunidade de estar aqui colaborando com algumas palavras, que não serão muitas porque eu acho que a Mesa, com as competentíssimas contribuições, trouxe bastantes elementos para discussão, também para podermos tratar dessa questão que considero complexa, que é a guarda compartilhada no contexto de violência doméstica contra as mulheres e também quando se adentra a discussão da alienação parental, que vem agravar mais ainda o quadro, tornando uma questão complexa.
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Além de estar aqui representando o Cladem, eu abro espaço para poder falar também em nome do consórcio de ONGs feministas que trabalhou na elaboração da Lei Maria da Penha e vem acompanhando a implementação dessa lei até hoje e debatendo há dois anos o tema da guarda compartilhada e da alienação parental, justamente porque muitas denúncias começaram a chegar para as organizações que fazem parte desse grupo, que proporcionou a elaboração da Lei Maria da Penha.
Por a Lei Maria da Penha conter um mecanismo que foi pensado como um processo de acesso à Justiça para mulheres que não vem sendo implementado, o que foi tocado pela Ana Liési e pela Defensora Pública Flávia, é que há a necessidade premente de se colocar em prática o juízo híbrido, ou seja, o juizado de violência doméstica e familiar contra as mulheres, com competência cível e penal. Dessa forma, nós já teríamos uma diminuição nessa via-crúcis das mulheres que denunciam os casos de violência que vêm sofrendo e depois passam a ser rés em um processo.
Então, seria premente essa necessidade de estar apontando para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) voltar a essa discussão. Porque nós ainda não tivemos essa experiência de realmente um juizado funcionar plenamente com essa competência híbrida. Isso facilitaria e muito essas questões que não são conhecidas. O juizado não conhece das questões de família, encaminha para as varas de família, e, por sua vez, as varas de família não conhecem a complexidade ainda das questões da violência contra as mulheres, das questões de gênero.
Uma colega me pediu para pontuar - a Rubia Abs, que tem acompanhado essa discussão - que, na Lei de Alienação Parental, por exemplo, se prevê a presença, passar um conflito em que seja alegada a alienação parental pelo laudo de um perito em alienação parental. Mas como em muitos casos as mulheres são acusadas de alienação parental quando denunciam o abuso sexual por parte do genitor, por parte de quem compartilha a guarda ou a responsabilidade com a criança, você não tem esse perito especializado nos juizados de família. Você vai ter isso nas varas da criança e do adolescente, em alguns casos, ou mesmo nos juizados de violência, mas nas varas de família você não tem. Então, não há uma comunhão, um olhar geral para se tratar essa questão em sua totalidade. Essa é uma necessidade da própria comissão que foi criada como sugestão da CPMI da Violência contra a Mulher, de fazer esse monitoramento, de estar apontando essa necessidade de tratar o problema complexo, que tem implicações diretas com a implementação da Lei Maria da Penha.
Outro aspecto é que eu já tinha me assustado com uma leitura que tinha sido feita em relação à questão das novas alterações da Lei Maria da Penha, que ela poderia possibilitar, num descumprimento da medida protetiva de urgência, leitura que foi feita por algumas juristas, que a alienação parental já fosse considerada crime e poderia ter como forma de contenção a medida de prisão. E a avaliação era de que isso seria inconstitucional, porque para uma conduta ser crime ela tem de ter uma tipicidade, estar na lei, pelo princípio da legalidade, mas é pior, porque a Ana Maria já traz notícias de que isso está sendo utilizado sem mesmo vir ainda com essas mudanças da Lei Maria da Penha. Então, é preocupante.
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Eu me bati, na leitura do Projeto 4.488, de 2016, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que é muito preocupante; é totalmente o que a Ana Liési trouxe, o que é um backlash para as conquistas dos direitos das mulheres. Se nós conquistamos a Lei Maria da Penha, o feminicídio, mais de não sei quantas legislações em termos de proteção ao enfrentamento à violência contra as mulheres, no campo dos direitos civis, todo o rol de conquistas que foi obtido na Constituinte de 1987, com mais de 90% dos pleitos das mulheres incluídos, agora o que se tem é um desmantelamento no âmbito formal - não vou nem tratar do âmbito material porque aí a questão é de chorar. Mas até no âmbito formal está havendo um desmantelamento com esse viés de backlash mesmo, de uma coisa destrutiva, de destruição do que é colocado como sagrado, como a maternidade, mas, na hora do exercício, penalizam-se as mulheres e retira-se esse exercício para quem quer ser mãe, quer fazer uso do exercício da maternidade.
Então, a proposta do Deputado é:
Constitui crime contra a criança e o adolescente, quem, por ação ou omissão, cometa atos com o intuito de proibir, dificultar ou modificar a convivência com ascendente, descendente ou colaterais, bem como àqueles que a vítima mantenha vínculos de parentalidade de qualquer natureza.
Pena - detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos.
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É a mesma pena que está prevista na Lei Maria da Penha para o homem que comete agressão contra as mulheres.
§2º. O crime é agravado em 1/3 da pena:
I - se praticado por motivo torpe, por manejo irregular da Lei [Maria da Penha] 11.340/2006, por falsa denúncia de qualquer ordem, inclusive de abuso sexual aos filhos;
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Ou seja, é para as mulheres não buscarem a Justiça e para que não possam fazer qualquer denúncia, porque a Ana Maria trouxe relatos de que, ao denunciar, elas acabam sendo objeto de processo criminal ou mesmo no âmbito civil, com teor criminal. Então, é muito preocupante essa situação.
Parabenizo a Comissão por trazer esta discussão aqui. Acho que há necessidade de haver outras discussões para aprofundarmos. Talvez uma sugestão de criar um grupo de trabalho dentro da Comissão, ou uma subcomissão, na linha do que a Senadora Marta Suplicy sugeriu, não só para ver a questão da guarda compartilhada ou da alienação parental, mas de toda essa legislação que regula essa temática, principalmente levantando o número e o perfil dos projetos de lei que tramitam tanto na Câmara quanto no Senado que tratam desse assunto, porque têm surgido vários projetos de lei com perspectivas diferentes, e é preciso ter um olhar mais amplo para tratar desses projetos. Uma sugestão é a criação de um grupo.
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As organizações se colocam à disposição para compor o grupo e colaborar com conhecimentos práticos e teóricos em relação ao tema. Uma sugestão de legislação internacional a ter como parâmetro nesse âmbito do trabalho é a própria Recomendação 33, que trata do acesso à Justiça para as mulheres. Então, isso pode ser também uma forma de fundamentar o porquê da necessidade de um outro olhar para a questão da guarda compartilhada, quando envolve contexto de violência contra as mulheres e a discussão sobre a alienação parental.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada, Drª Myllena Calasans. Foi muito importante a sua contribuição.
Eu quero até já me comprometer, como Relatora da Comissão, entrar em entendimento com a Presidente da Comissão, a Deputada Elcione Barbalho, e com a nossa Vice-Presidente, que é a Senadora Rose, para que possamos constituir um grupo para aprofundar e acompanhar - fizemos isso com outras temáticas - um pouco esse debate, a legislação e algumas propostas que vocês puderem trazer, cada uma com a sua experiência prática, teórica. Enfim, eu acho que isto será muito rico para as mulheres brasileiras, que essas coisas sejam incorporadas na legislação, embora, como disse a Drª Ana Maria: "As leis não bastam - já dizia Drummond -. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra." Então, as leis precisam ser mais do que leis; precisam ser incorporadas.
Quero rapidamente dizer que a Drª Flávia... Eu queria que a senhora se despedisse e já sugerisse rapidamente... Ela tem um voo agora. Portanto, vamos passar a palavra a ela só para que ela faça uma proposta. Eu disse a ela que, quando fosse encerrar, ela poderia fazer essa proposta, porque ela vai sair para uma audiência. Nós estamos com o tempo...
Vamos passar, por fim, à Drª Marília, mas já nos avisaram que esta sala, daqui a pouco, vai ter de ser ocupada. Não podemos mais ficar, embora o debate esteja maravilhoso.
Pediram para eu avisar que os Senadores tiveram... Essa campainha que vocês estavam ouvindo é votação nominal na Ordem do Dia do Senado, e na Câmara também está havendo votação. Portanto, assim que terminarmos, terei de sair correndo para votar.
Então, eu gostaria de agradecer, passando à Drª Flávia imediatamente. Depois, você pode ser retirar. Fique à vontade. Está esclarecida a...
A SRª FLÁVIA NASCIMENTO - Eu quero agradecer. Saio com pesar porque eu queria muito ouvir a Drª Marília. Já tive acesso à tese dela. Ainda não tive oportunidade de lê-la por inteiro, mas, de vez em quando, vou lá folheá-la.
Eu percebi um pouco de confusão aqui com relação ao instituto da guarda, uma confusão com relação à visitação, guarda compartilhada e guarda alternada. Seria bacana se... Eu queria fazer uma sugestão de algum evento que esclarecesse o instituto da guarda e que tivesse esse viés de analisar a guarda, as intersecções da situação da criança, do melhor interesse da criança, que é o que fundamenta sempre o assunto nessa legislação, e o direito da mulher a uma vida livre de violência. São dois direitos, duas garantias fundamentais que devem ser analisadas de uma forma interseccional. A gente não pode analisar isso de forma dissociada, quando se trata de guarda de criança e relação de parentalidade.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada, Drª Flávia. Infelizmente, não posso acompanhá-la.
Há uma advogada também... Eu vou ler com muito carinho, e vamos entrar em contato com ela. Um jornal do Código de Processo Civil...
(Intervenção fora do microfone.)
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A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Está bom.
Eu gostaria só de citar um artigo que, de certa forma, vamos analisar na Comissão, e eu vou entrar em contato posteriormente para vermos a oportunidade. É este: "Mulher advogada amplia luta contra alienação parental." Fica aqui o registro.
E agradecemos a presença também.
Para finalizar, vamos passar a palavra à Drª Marília Lobão, que também é Mestra da UnB e pesquisa o tema "guarda compartilhada". Além de tudo, ela também é psicóloga judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios há 30 anos. Implantou e foi secretária da Secretaria Psicossocial Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, desde a sua criação em abril de 2007 até abril de 2016, com experiências sobre os temas guarda compartilhada, disputa de guardas, conflitos severos do divórcio e da separação, alienação parental, mediação, justiça restaurativa, violência contra a mulher, violência intrafamiliar, abuso sexual de crianças e adolescentes, entrevistas forenses de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual ou testemunhas de crime. É gestalterapeuta e terapeuta de casais com foco nas questões de gênero.
Drª Marília Lobão, com a palavra.
A SRª MARÍLIA LOBÃO RIBEIRO - Boa tarde a todas e a todos.
Muito obrigada pela oportunidade de colaborar, porque, como a Deputada colocou, eu trabalhei por 30 anos, dos quais 25 com violência contra a mulher e guarda compartilhada. E, nessas situações, claro que a gente trabalhava com abuso sexual de crianças. O TJDFT foi o segundo tribunal que fez escuta especial de crianças com a criança separada numa sala. Eu sou uma das formadoras, inclusive pelo CNJ, de outros profissionais do Brasil. Tive oportunidade de ir ao Rio de Janeiro e dar formação para a equipe de lá. Fiz, justamente por conta desses 30 anos de experiência, a minha pesquisa do mestrado, e agora estou entrando no doutorado na UnB com a Prof. Valeska Zanello, para trabalhar justamente essa questão da guarda compartilhada.
Eu vou ser muito breve por conta do horário, mas a minha dissertação de mestrado passa por uma revisão de literatura. Como disse a Denyse Cotê, que é uma das minhas autoras - tenho cinco artigos dela na minha dissertação e tive o prazer de conhecê-la em junho no Fazendo Gênero, em Santa Catarina -, existe apenas a pesquisa dela e a pesquisa de uma brasileira chamada Fabiane Simioni, que é uma advogada, trabalhando a questão do impacto da violência contra a mulher para mulheres que viveram situações de violência e guarda compartilhada. É um fato.
Nos meus 25 anos assessorando juízes em varas de família e chefiando uma equipe de 26 psicólogos e assistentes sociais, que só assessoravam os magistrados em casos de disputa de guarda - havia outra equipe de violência contra a mulher -, a realidade é que o homem é violento não porque ele tenha uma relação violenta com aquela mulher, mas ele construiu uma masculinidade adoecida. As nossas masculinidades estão adoecidas. Essa é a realidade. Esse homem, quando é violento com a mulher, subjetivou, construiu sua identidade através de uma comunicação violenta contra as mulheres. Então, não é porque se separou que ele vai deixar de ser violento, porque ele não sabe se relacionar de outra forma. Quando determinadas situações estão presentes, ele não vai deixar de ser violento.
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Às vezes, dizem: "Ah! Mas ele se casou de novo e, com essa nova mulher, ele não é violento", sim, alguém estudou qual é a forma de essa mulher viver a feminilidade dela para saber se a forma como ela foi subjetivada não é uma forma tão subordinada às necessidades dele e não surja aquela situação de ele demonstrar essa violência? Isso não quer dizer que a situação de violência, a forma de ele estar no mundo e de se relacionar com mulheres que se comportam de determinadas formas não é violenta. Ele não vai deixar de ser violento porque houve um divórcio. Ele se utiliza... E aí o que a gente ouvia: "Não, mas ele pode pedir para uma terceira pessoa entregar a criança." Se a guarda é compartilhada, assuntos terão de ser conversados. E nem que seja por e-mail, a violência vai continuar através dos e-mails: a ironia, o atraso em buscar as crianças...
Na minha dissertação, eu fiz pesquisas com mulheres, as minhas participantes eram mulheres que não concordavam com a guarda compartilhada. E a minha pergunta era a que a Senadora Marta Suplicy fez. Enquanto eu trabalhei, por 30 anos, no TJ, vi tantas mulheres não querendo a guarda compartilhada que tive a curiosidade de saber o que fazia com que essas mulheres não quisessem a guarda compartilhada, e a gente imagina que elas poderiam aproveitar aquele espaço para crescerem pessoalmente, para se cuidarem, essa foi a pergunta que eu fiz. Qual foi a resposta que obtive, que é o que a gente precisa aprofundar na discussão e que eu coloco na dissertação? Na verdade, a guarda compartilhada, se a gente não discutir a simetria de gênero e o patriarcado na nossa sociedade, a gente vai ficar patinando nesse assunto. Por quê? No meu segundo capítulo, eu vou mostrando como a gente começa numa sociedade em que o homem era o dono da mulher e da sua prole e que leis foram dando cada vez mais o lugar de sujeito para a mulher. E começou depois que ele não podia mais matar a mulher e não podia mais matar a sua prole.
Depois, nós tivemos uma Constituição - eu não consegui entrar na internet para pegar a minha dissertação - que dizia que, primeiro, no caso do divórcio, quem ficaria com a guarda com o divórcio seria quem não deu razão ao divórcio. Se os dois tivessem dado causa, ou nenhum, as crianças ficariam com a mãe até os seis anos de idade; depois de seis anos de idade, os meninos iram para o pai e as meninas ficariam com a mãe.
Depois, foi o Código Civil, que disse que a criança ficaria com a mãe quando não houvesse acordo. Ou seja, as mulheres foram caminhando, foi-se fazendo um caminho onde as mulheres foram enfrentando esse patriarcado, esse poder do pai. E aí veio a lei da guarda compartilhada. Que coisa incrível!
Depois da Constituição de 1988, quando você dá, de fato, um lugar de igualdade para as mulheres, vem a lei da guarda compartilhada e diz que, independentemente do que o cara esteja fazendo... Porque ninguém pode esquecer que violência contra a mulher é violência contra a criança. Não existe violência contra a mulher sem este homem ser nomeado violento contra a criança. Uma criança que percebe o medo... Ele pode nunca ter batido na mãe na frente da criança. Primeiro, é como disse a doutora: a criança ouve as coisas que acontecem na casa. E, se ele tem requinte de crueldade, ele vai ser violento com a mulher quando a criança não está dentro de casa. Ela vê o medo dessa mãe dentro de casa. Isso é violência contra a criança. Então, este homem não é só violento contra a mulher. Você está dando a guarda para um homem que é violento contra o seu filho. E é isto que a gente tem de discutir: as masculinidades, as construções das feminilidades, porque, por outro lado, nós, mulheres, somos subjetivadas em dois dispositivos.
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Há um livro fantástico da Profª Valeska Zanello - hoje eu estava, de manhã, na universidade, fazendo matéria com ela - em que ela fala do dispositivo amoroso e materno. Nós somos subjetivadas nesse dispositivo para cuidar do outro, para nos sacrificarmos pelo outro. E colocaram, enfiaram na nossa cabeça, a partir do século XVII, que nós éramos as responsáveis, única e exclusivamente, pelas crianças - pelos bebês, depois pelas crianças e depois pelos adultos -, esquecendo que há um conjunto enorme de sociedades em que a mulher dá à luz, mas outras pessoas cuidam das crianças. Colocaram esse lugar para a gente. E quem lê Elisabeth Badinter, Um Amor Conquistado - O Mito do Amor Materno, vai ver que isso foi um interesse do Estado para que aumentasse a quantidade súditos para a Coroa e, depois, de soldados para Napoleão.
Começou por aí, para convencer as mulheres a amamentar seus filhos, porque as mulheres tinham outros interesses na vida. As pobres tinham de trabalhar, e nem tinham outros interesses, não tinham opção. Então, elas amarravam os seus bebês, botavam num prego para poderem trabalhar; era desse jeito que acontecia na Idade Média. As mulheres ricas os entregavam para amas, que sumiam com essas crianças por três anos e, se elas sobrevivessem, voltavam. Porque as mulheres estavam interessadas em outras coisas, seja ler, seja dançar, o que for. E essas crianças começaram a morrer, a natalidade começou a baixar. Então, foi uma política de Estado colocar a mulher para amamentar suas crianças e a ser a única responsável, abrindo mão da sua vida, do seu tempo, dos seus interesses, para cuidar da criança. E é isso que a gente tem que discutir, porque o acordo poderia ter sido outro. O acordo poderia ter sido que toda família vai dividir, que um dia vai ser o pai e no outro dia vai ser a mãe. Mas o opressor sempre vai dar um jeito de se organizar para ficar bem para ele. Os homens se organizaram para nos colocar a serviço deles.
Nós temos nossos corpos ocupados por essa maternidade que hoje não tem mais fim, porque agora, aos 24 anos, ainda se é adolescente. Então, você tem que dar conta do seu filho por 24 anos, há esse aspecto. A gente cuida da casa, dá toda a estrutura para esse homem, e se subjetiva nesse lugar. Aí, depois, um dia, chegam para a mulher e dizem assim: "Olha, minha filha, tudo isso que a gente contou era mentirinha. A partir de agora, você vai ter que dividir metade desse tempo com o pai da criança, e sua criança vai ter que ficar com esse homem que nunca foi treinado e preparado para cuidar de criança."
Então, como o tempo é curto - bom, isso foi uma dissertação de mestrado e agora estou na tese de doutorado - e eu teria condições de falar aqui realmente pela noite afora, o que eu sugeri na minha dissertação? Primeiro, que nós temos que montar grupos, lugares, espaços de discussão sobre as nossas feminilidades, a construção das nossas feminilidades e das nossas masculinidades. Enquanto a gente não fizer isso vai continuar patinando. E, para isso, o caminho seria o serviço público oferecer...
Eu me aposentei do TJDFT em abril de 2016 para fazer um curso na Suíça. Eu tive a oportunidade também, lembro a fala da Drª Marta Suplicy, de fazer um estágio no que eles chamam de point de recontre, ponto de encontro, que o lugar onde as crianças são colocadas para conviver com pais que foram acusados de abuso sexual para que elas não percam o contato, mas estejam seguras. O lugar era maravilhoso, coordenado por psicólogos e assistentes sociais. Da mesma forma, lá eles têm escolas de pais. Quando os magistrados percebem que falta nos pais o cuidado, por exemplo, homem ou mulher, mas principalmente nos homens, porque o cuidado não é desenvolvido nesses homens, eles são obrigados, para que tenham direito à visita, para que a visita seja estendida, a participar de um trabalho em que se discutem com eles novas formas de paternidade.
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Aqui no Brasil a gente precisa de um trabalho também dessa maternidade para a gente desconstruir esse lugar, que a gente é responsável pela felicidade dos nossos filhos, que só a gente pode cuidar, que a gente não tem que sair de perto dos nossos filhos e que outras pessoas não têm o dever de participar para que a gente também possa ter uma vida. Essa é uma segunda questão, que é superimportante.
Outra questão é que, neste momento imediato, eu acho que, se não há uma equipe psicossocial para fazer um estudo aprofundado... Aqui no Distrito Federal, nós temos uma equipe extremamente capacitada. A equipe estuda muito, o Tribunal investiu muito na gente, muito dinheiro público para nos treinar, e a equipe é realmente muito boa. Deputada, se quiser qualquer assessoramento, a equipe do TJDFT é realmente excelente. Mas existem tribunais em que não há essa equipe. Há tribunais em que as equipes são muito mal treinadas, rezam na cartilha do Gardner, e a pesquisa do Gardner não é científica. A alienação parental não é reconhecida pela Psicologia como um fenômeno psicológico para ser estuado. E depois a lei nos obriga, a nós psicólogos, a dizer se há alienação parental ou não. E aí a nossa equipe do TJ sempre colocava: "Isso não é um termo reconhecido pela Psicologia, se existem ou não maus-tratos emocionais, se essa mãe tem condições de proteger ou não essa criança."
Então, qual é a sugestão que eu dou imediatamente? É que a lei realmente deixe claro que, se houve história de violência contra a mulher, a guarda não pode ser compartilhada enquanto não houver um trabalho de crescimento desse casal, para que esse homem possa exercer sua masculinidade de uma forma saudável, porque isso é doentio.
A segunda questão é que o magistrado deveria, quando ele não tem assessoramento... Porque eu tenho aqui listas e listas de pesquisadores que mostram que o que adoece a criança não é se é cuidada pela mãe ou pelo pai depois do divórcio; é que ela troque de cuidador. Existem n pesquisas estrangeiras - aqui no Brasil a nossa produção científica ainda tem muitas limitações inclusive de verba - em que os pesquisadores apontam que, se a criança foi, desde pequenininha, cuidada pelo pai e pela mãe, precisa manter esse padrão.
O que acontece é que a guarda compartilhada no Brasil, em 90% dos casos, rompe o padrão anterior, nos casos litigiosos, porque, se o pai e a mãe tinham uma boa parceria na parentalidade, eles fazem um acordo e não vão parar na Justiça, porque já chegam lá organizadinhos. Quem vai parar na Justiça são justamente aqueles que tinham uma parentalidade já disfuncional. Em 90% dos casos, o pai fazia bilu-bilu quando chegava, às 8h da noite, e ia jogar um futebolzinho com ela no domingo. Depois, é claro que essa criança vai se desorganizar se ela passou a vida inteira sendo criada por outro adulto que, às vezes, era até a avó, não era nem a mãe, porque a mãe trabalhava o dia inteiro. Ela ficava com a avó, e, de repente, decide-se que agora metade do tempo dela não é mais com o adulto de referência. Esses profissionais... Inclusive uma colega da Denyse Cotê, que eu estudei, a Francine Cyr, fala do adulto de referência. A criança, depois da guarda compartilhada, tem que ficar com o adulto de referência, que é a figura materna de Freud, que não precisa ser mulher, não precisa ser a mãe; figura materna é quem materna, e pode ser o avô, pode ser o tio, pode ser o irmão mais velho. A criança não pode ser separada da figura materna.
Então, hoje, com a falta de recursos que, às vezes, a gente tem, é só o magistrado perguntar: "Senhores, como era a rotina da vida da sua criança? Quem é que passava o dia com a criança? Quem é que colocava a criança para dormir? Quem é que fazia a criança comer? É com esta pessoa que a criança tem que ficar.
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Se dizem: "Olha, doutora, era dividido, era meio a meio. Eu trabalhava segundas, quartas e sextas" - como hoje muitos jovens, graças a Deus, já estão fazendo, novas parentalidades -, "e minha esposa terças, quintas e sábados. Então, cada um ficava com a criança nesses dias, e domingo ficávamos juntos." Guarda compartilhada para esse casal. Agora: "Ah, doutora, eu sou advogado...", como uma das mulheres da minha pesquisa, que eu, juro, quando a ouvi, fiquei com lágrimas nos olhos e, quando eu apresentei a minha dissertação, oito meses depois, fiquei com lágrimas nos olhos, porque ela era uma mulher do Estado de Goiás. Eu falo isso porque o pai dos meus filhos é goiano, então, conheço muito a cultura goiana. É uma educação tradicional. Ela foi educada para ser dona de casa e ser uma excelente mãe. E essa foi a escolha que ela fez da vida. E, como feminista, eu batalho para que a mulher faça o que ela quiser, inclusive cuidar dos seus filhos, cozinhar, lavar e passar, porque esta é a luta do feminismo: a mulher ficar no lugar a que ela pertence, no lugar em que ela se sente bem. E essa mulher escolheu isso e era muito feliz. E ela se divorciou. Outra coisa que a doutora colocou: o ex-marido dela era advogado de um grande escritório de advocacia. Cada vez que ela faz alguma coisa que ele não gosta, ele entra com um processo contra ela, pedindo a guarda da criança. Ele é advogado, aquilo não custa nada para ele. O sogro dela já estava pagando advogado para defendê-la, porque o marido atual, médico, tem família para sustentar. Ela tem dois filhos com esse advogado e um filho com o novo marido. Resumo da ópera: o que ela deu conta, o que conseguiu... Porque chegou uma hora em que ela disse assim: "Eu vou acabar perdendo esse meu marido de tanta despesa financeira que estou dando por conta de advogado para defender os meus filhos." Ficou uma guarda compartilhada dia sim, dia não, para as crianças. E aí o que acontece? Ele é advogado, sai de casa às 7h da manhã para o escritório, e as crianças ficam com a madrasta. Ela não trabalha fora, porque foi sua escolha de vida, que tem toda a lógica com a educação que recebeu. E ela me falou assim: "Marília, eu não tenho nada para fazer de manhã, porque eu escolhi ser mãe. Meus filhos estão com a madrasta e eu estou aqui lendo revista. Se eles estivessem com o pai, eu não me importaria, mas minha filha faz dever de casa com a madrasta e deixa de ir para o balé, porque a madrasta agora está com um bebê e não tem tempo de levá-la para o balé. Então, quando ela está com o pai, ela não vai para o balé, e eu estou aqui em casa sem fazer nada."
Então, esta mulher tinha uma dor, um sofrimento, porque aí entra a questão da discussão das nossas masculinidades e feminilidades. Ela foi subjetivada no que a gente chama de dispositivo materno, que é ser mãe. Ela estava confortável nesse lugar, e aí, por conta de um divórcio que, como conta, não foi escolha dela, a partir daí, ela é proibida de exercer a maternidade por essa subjetivação que a sociedade deu para ela.
Então, é uma discussão que precisa haver. A gente tem que pensar na nossa sociedade, em como a gente permite que o patriarcado tome conta do nosso tempo, dos nossos corpos, da nossa subjetividade e depois coloque nossas crianças nessa situação.
Então a minha sugestão, quanto ao que é possível fazer agora, como pesquisadora do tema, é que haja uma lei que diga: 1 - se houve violência contra a mulher, não pode haver guarda compartilhada; 2 - defina que a guarda compartilhada não pode ser para todos os casos. O magistrado tem que fazer um levantamento em audiência de como era a rotina da criança. Se os dois cuidavam, guarda compartilhada; se um cuidava, a mãe era médica, passava o dia inteiro, de manhã à noite, trabalhando, não tinha tempo de ir a casa, era o pai que ficava, guarda unilateral para o pai. A mãe ficava em casa ou a mãe trabalhava meio período e se desdobrava para dar conta da vida da criança, guarda unilateral para a mãe. É isso que os pesquisadores apontam que trará saúde emocional para a criança, porque o resumo do que eu estou dizendo é: a lei precisa apontar que criança permanecerá com quem é o adulto de referência dela, e o adulto de referência dela pode, sim... O ideal é que haja um estudo aprofundado, mas nem todos os nossos tribunais têm isso. O magistrado pode, sim, na audiência, fazer um levantamento de quem era o adulto de referência. É essa pessoa que tem que ficar com a guarda da criança. Eram os dois? Guarda compartilhada.
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Muito obrigada, Deputada. (Palmas.)
Desculpe a empolgação, mas o assunto me empolga. Perdão. (Risos.)
A SRª PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Eu quero dizer que estou realmente muito encantada com a qualidade do debate que nós tivemos aqui hoje. Não é à toa - acabei de ser informada aqui pela assessora da nossa Comissão, a Drª Gigliola, que também é advogada -, que nós tivemos audiência recorde, porque está tudo sendo transmitido ao vivo através do link do Senado. Nós tivemos, primeiro, audiência recorde do ponto de vista da visualização das pessoas que estão acompanhando. E outra coisa que ela me informou aqui é que também foi recorde quanto ao número de questionamentos, mais de 80 perguntas foram formuladas. Como era muita coisa chegando, a gente avaliou que a maioria das questões foi respondida, em função da qualidade técnica da Mesa. De qualquer maneira, a gente vai fazer uma triagem, trazer e eu me comprometo a, num momento posterior, ver se ficou alguma lacuna para perguntar, para entrar em comunicação com as nossas expositoras e ver se a gente consegue dirimir essas dúvidas que porventura chegaram.
Agradeço a presença de vocês, agradeço a presença das Deputadas que estiveram aqui, das Senadoras que ajudaram no quórum, das nossas assessoras da Comissão Mista. Eu acho que você só faz um negócio com tanta riqueza no debate quando tem pessoas comprometidas, como é o caso da nossa assessoria da Comissão Mista. Então, agradeço a vocês.
Enfim, como eu tenho que sair correndo para a Câmara senão vou ficar com falta, nada mais havendo a tratar, ficam encerrados os trabalhos.
Até a próxima reunião!
Muito obrigada a todos. (Palmas.)
(Iniciada às 15 horas, a reunião é encerrada às 17 horas e 56 minutos.)