Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRª PRESIDENTE (Elcione Barbalho. PMDB - PA) - Boa tarde, senhoras e senhores. Havendo número regimental, declaro aberta a 2ª Reunião da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher. A presente reunião destina-se à realização de duas audiências públicas. A primeira, em atendimento ao Requerimento nº 15, de 2017, de autoria da Deputada Luizianne Lins, que tem por tema a discussão da aplicabilidade da Lei nº 13.104/2015, que é a Lei do Feminicídio, A segunda audiência é em atendimento ao Requerimento nº 2, de 2018, de autoria da Deputada Flávia Morais, e destina-se a avaliar os resultados das políticas públicas do Governo Federal no combate à violência doméstica. |
| R | Estas audiências públicas serão realizadas em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que têm interesse em participar podem enviar comentários pelo link www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo 0800-612211. De acordo com as normas regimentais, a Presidência adotará os seguintes procedimentos: o(a) convidado(a) fará a sua exposição por dez minutos e, em seguida, abriremos a fase de interpelação por Parlamentares inscritos. A palavra às Parlamentares será concedida na ordem de inscrição. Para a primeira audiência, eu convido para tomar assento à mesa os seguintes convidados: • Cheila Marina de Lima, Consultora Técnica de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde; • Rafael Raeff Rocha, Coordenador da Previdência Social da Secretaria Nacional de Segurança Pública; • Jackeline Aparecida Ferreira Romio, pesquisadora e autora da tese Feminicídio no Brasil, uma proposta de análise com dados do setor de saúde; e • Roberta Astolfi, representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (Pausa.) Eu passo a palavra agora à Cheila Marina de Lima, que é Consultora Técnica de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde, que terá 20 minutos para fazer a sua exposição. A SRª CHEILA MARINA DE LIMA - Boa tarde a todos e a todas. Boa tarde, Deputada. O Ministério da Saúde agradece o convite feito. O Ministério da Saúde, já há alguns anos, vem trabalhando e colocando o tema do enfrentamento da violência contra a mulher também como uma das pautas prioritárias na agenda do setor saúde, desde 2001, quando publicou a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Então, uma das pautas e uma das articulações que a gente faz é o cuidado, a vigilância e a prevenção de todas as formas de violência, e prioritariamente a violência contra a mulher. Como a gente trabalha na área de vigilância, acaba trazendo um pouco de estudos e um pouco de informações. Eu acho que isso é até um pouco para subsidiar depois os debates que vão ocorrer ao longo desta tarde. Especificamente a coordenação em que eu trabalho, ela coordena três bancos de dados que tratam também um pouco das questões de violências. Ela coordena o Sistema de Informações sobre Mortalidade, em que há o registro de todas as formas de homicídios, incluído o feminicídio; coordena o SINASC, que é o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos, em que há informações também - às vezes, uma gravidez, em consequência de uma violência e várias outras. Podem nos convidar que a gente apresenta também essas questões em outras oportunidades. |
| R | O Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes, que a gente chama popularmente de Viva/Sinan, é onde o setor saúde e outros setores notificam as violências interpessoais e autoprovocadas, especialmente contra a mulher. Então, nós temos esses três sistemas de informações que, de alguma maneira, versam sobre esse tema. Então, eu vou trazer um pouco de alguns estudos que a gente tem feito quando são cruzados esses diferentes bancos de dados para complementar essas informações. Esse estudo que a gente fez já tem publicações específicas em livros, livros específicos de informações do Ministério da Saúde, e é denominado de Saúde Brasil. Esse é o estudo que já está disponível para qualquer pessoa no site da Secretaria de Vigilância e Saúde. Além dele, há outros estudos que a gente tem feito e publicado ao longo desses anos. Então, o tema vai ser violência contra a mulher, o desafio da articulação entre a rede de vigilância e atenção e a rede de proteção, um pouco disso. Nós fizemos um estudo que foi publicado este ano sobre homicídios, fazendo comparação dos homicídios que estão registrados no sistema de informação, de mortalidade, com outros estudos. Eu fiz só um recorte do primeiro momento, porque eu acho que outras discussões vão ser mais importantes. A gente trata de todos os registros de violência contra a mulher, de homicídios, de agressão, a gente trata como feminicídio para estabelecer e fortalecer a nossa rede de atenção e de cuidados. Fazendo uma comparação de feminicídios, entre os anos de 2000 e 2015, a gente percebe que houve um aumento de feminicídio em mulheres negras. As mulheres negras estão morrendo mais. Então, nós passamos de 1.713 mortes violentas contra mulheres negras, em 2000, para 2.944, em 2015. Ao passo que em mulheres brancas houve uma redução ou então a gente fala em estabilização, comparando os dois anos. Então, em mulheres brancas houve uma redução de 1809, em 2000, para 1509, em 2015, em números absolutos. As taxas de mortalidade por cem mil habitantes também em que a gente avalia o risco de morte contra as mulheres negras aumentaram, e em mulheres brancas estabilizaram. Então, isso mostra que pode estar havendo uma queda. Mas, de qualquer maneira, são riscos que a mulher tem de morrer em consequência de uma agressão, principalmente por arma de fogo. Isso preocupa porque a gente não tem observado uma redução longo dos anos. Outro aspecto que a gente trouxe aqui é que o número de notificações de violências interpessoais e autoprovocadas, só fazendo um recorte, no sexo feminino, entre os anos de 2000 e 2017... Por que a gente está trazendo o ano de 2011? Porque no ano de 2011 foi universalizada, por portaria expressa do Ministério da Saúde, a notificação de violência contra a mulher. Em resposta à lei que foi estabelecida em 2003, o Ministério da Saúde cria o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes em 2006, mas efetivamente para registro no sistema de informação ele foi universalizado em 2011 junto com a portaria de notificação. Assim como se tem que notificar a dengue, a malária, a tuberculose e a febre amarela, também tem que se notificar a violência interpessoal e autoprovocada contra as mulheres. |
| R | A partir de 2014, a violência sexual e a tentativa de suicídio passam a ser de notificação imediata, ou seja, o profissional de saúde - ou a profissional - tem que notificar e, no prazo máximo de 24 horas, fazer com que essas pessoas entrem na rede para sofrer as intervenções e os cuidados de que precisam. Então, em 2011, nós tivemos registrados 75.033 violências contra mulher. Em 2017, com dados preliminares - esses dados notadamente devem sofrer aumento -, de 75 mil em 2011, a gente passa para 211 mil registros de violência contra a mulher. Com isso a gente pode afirmar que violência aumentado? Não sabemos, porque a gente precisa de avaliar. O que a gente tem observado é que, primeiro, com as capacitações que a gente tem feito, aumenta a sensibilidade do profissional de saúde para olhar e para captar essas formas de violência e também aumenta a informação e o empoderamento das mulheres para elas estarem falando sobre isso nos espaços que são dados de oportunidades. E aí já começa esse estudo que a gente fez: por que vigiar a violência contra a mulher? Por que todos nós temos que ter um olhar diferenciado para a violência contra a mulher? No mundo - isto aqui foi o último relatório da Organização Mundial da Saúde -, 35% das mulheres são vítimas de violência física e/ou sexual. Se a gente pensar que essas causas são preveníveis, previsíveis e evitáveis, é assustador esse número. A maioria dessas violências acontecem pelos parceiros íntimos dessas mulheres. São pessoas que deveriam estar ali na convivência diária em pelo menos algumas possibilidades de redução de conflitos, sem precisar de ter violência. E o feminicídio traz e fortalece este conceito junto com a legislação, que é criado para o estudo e melhor compreensão da relação de gênero versus homicídios em relação às mulheres. E a gente sabe também que as determinações sociais de saúde têm um impacto fundamental nessas situações. Então, para a gente reduzir essa situação, essa epidemia de morte e violência contra mulher, a gente vai ter que enfrentar muito essa questão das desigualdades sociais, das determinações sociais de saúde. O estudo fez uma comparação de 2000 a 2015, por isso a gente trouxe e fez esse recorte desses dados. Então, em 2011, nós tivemos 75 mil por uma quantidade de 107 mil notificações - 69% dessas notificações foram notificação de violência contra mulher; em 2015, de 242 mil notificações, 162 mil notificações foram de violências contra mulher. Então quase que 70% das nossas notificações de violências interpessoais e autoprovocadas são notificações de violência contra as mulheres. Esse aí é baseado na questão do grupo etário. Nós temos que 60% são adultas, de 20 a 59 anos. Do total de 162 mil, nós tivemos que 98 mil estão nessa faixa etária. Quando a gente soma também adolescentes e crianças menores de 12 anos, a gente computa que 71% dessa faixa etária, no grupo etário dessa idade especificamente, comporta um grande número de violências, especificamente de violências sexuais. |
| R | A violência contra a mulher, então, causa danos à saúde tanto física quanto psíquica, leva à morte, leva a incapacidades, leva à invalidez e às mortes por quaisquer tipos de causas violentas, e chamamos um pouco a atenção aos casos do estupro, que é a maior causa hoje do estresse pós-traumático em mulheres. Em estudos e em pesquisas já se tem publicado que esses estresses pós-traumáticos em mulheres comparam-se e têm impacto similar às guerras e aos desastres naturais. Isso aqui começamos a implementar, porque, nesse estudo que nós fizemos, nós pegamos os bancos das notificações de violências interpessoais de 2011 a 2015 e cruzamos com o banco do sistema de mortalidade de 2011 a 2015 também. Então, nós cruzamos todas as mulheres que foram notificadas com todas as mulheres que morreram de mortes violentas nesses anos. E aí identificamos esses pares verdadeiros e fomos analisar essas situações. Então, nós temos hoje que as violências contra as mulheres... Eu, assim, cada vez que faço essa apresentação e essa discussão, mesmo que seja diariamente, todas as vezes eu fico perplexa, chocada e indignada, porque 29% dessas violências contra crianças são violências crônicas, violências de repetição. Não é o primeiro evento que sofrem. Vinte e nove por cento das violências contra o adolescente são violências de repetição, violências crônicas. Trinta e sete, quase trinta e oito por cento das adultas, violências de repetição crônicas, e nas idosas, 45% das violências são violências de repetição. Quando fazemos isso em todas as faixas etárias, verifica que 35% dessas violências contra as mulheres foram violências de repetição, e o que é mais grave: 63% de todas essas violências ocorreram na residência. Então, elas vão para a residência, estão na residência e nem a saúde, nem os órgãos de proteção, nem os órgãos de responsabilização estão conseguindo reduzir e tirar essa mulher do ambiente onde ela sofre violência. E aí, de 2011 a 2015, nós identificamos 5.733 óbitos de mulheres. Desses, 20% tiveram históricos de repetição. As mulheres foram notificadas, não tiveram proteção e morreram. E aí mostra que, então, a violência contra a mulher é um grave problema de saúde pública, e não só de segurança, e não só de educação, e não só de política para as mulheres, mas envolve todos os setores governamentais, não governamentais, a sociedade de uma maneira geral. A violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos das mulheres, das meninas e das adolescentes; é um instrumento de dominação masculina, determinante das desigualdades e iniquidades de gênero. Com esse estudo, o que percebemos? Se eu tenho uma rede de atenção e proteção fortalecida, que dá resposta nos Municípios e nos Estados, conseguimos quebrar essa cadeia, identificando as vulnerabilidades no território, identificando quem são as mulheres, que horário essas violências estão acontecendo, que fatores de risco são associados, e aí podemos fazer as intervenções necessárias. Veja bem, se eu notifico e a notificação é um instrumento de cuidado, é um instrumento de proteção e é um instrumento de gestão, porque aponta onde precisam ser mais fortalecidas as políticas, ela tem mostrado o seguinte: quando a mulher sofre notificação e se não se fizer nada, o que acontece? Na população em geral, hoje, o risco de a mulher morrer por morte... Na população do sexo feminino, o risco de a mulher morrer é de 28,7 por 100 mil habitantes. Se essa mulher sofre algum tipo de violência é não é feito nada, o risco de 28 passa a ser de 202 por 100 mil habitantes. Então, é assustador! |
| R | Quando eu trato de feminicídio na população em geral, na população em geral feminina, o risco de morrer por feminicídio é de 4,5 por 100 mil habitantes. Se essa mulher sofre algum tipo de violência na residência ou em qualquer lugar e não é feito nada, esse risco de 4,5 passa a ser de 91,6 por 100 mil habitantes. No caso do suicídio, o risco de a população feminina morrer de suicídio hoje no Brasil é de 2,1 por 100 mil habitantes. Se essa mulher sofre algum tipo de violência, o risco de 2,1 passa a ser de 64,4. Então, a mulher que sofre qualquer tipo de violência tem sete vezes mais o risco de morte violenta, tem 30 vezes mais o risco de se matar e 20 vezes mais o risco de ser assassinada. E um dado curioso: as mulheres que sofreram violências domésticas foram mais atropeladas no trânsito, morreram. As mortes de mulheres atropeladas foram mais comuns em mulheres que sofreram violências. É preciso aproveitar e analisar mais essas situações. As taxas médias de mortalidades por causas violentas, comparando na população geral do sexo feminino e fazendo um link do risco quando ela é notificada. Então, na população em geral, as causas violentas, qualquer causa violenta, o risco da mulher é de 28,7 de morrer; por feminicídio 4,5, tudo por 100 mil habitantes; suicídio, 2,1; quaisquer traumatismos acidentais, 8,3, e intensão indeterminada, que sabemos que é uma causa de morte violenta, mas não sabemos de que, é de 2,2. Agora, se essas vítimas, se essas mulheres sofreram algum tipo de violência, o risco sobe, em todas essas situações. Sobe nas causas violentas, de 28 passa para 202; o feminicídio passa para 91, o suicídio, para 64, os traumatismos acidentais passam para 19 e as intenções indeterminadas, 14. Se as vítimas, se essas mulheres sofreram violências físicas, aumenta também o risco de morte por causas violentas, que de 28 passa para 233; se for vítima de estupro, para 63; e se for notificação autoprovocada, o risco de 28 passa a ser 368 por 100 mil habitantes. E aí a mesma coisa: no caso do feminicídio, se for notificação de violência física, o risco de feminicídio passa a ser de 130 por 100 mil; se for notificação por estupro, de 4,5 por 100 mil passa para 41 por 100 mil e outras violências autoprovocadas, 10,9. Então, todas essas situações têm um aumento exponencial. Olha, no caso de notificações de suicídio, se sofre algum tipo de notificação de violência, de 2,1 passa para 64; notificações de violência física, para 61; estupro, 51, e a tentativa de suicídio ou o suicídio passa de 2,1 para 293,6. E o mesmo nas outras situações. Isso mostra que a gente tem que ter ações bem mais contundentes. |
| R | Vigiar para quê? Por que a gente tem que vigiar a violência contra a mulher? Vigiar para agir, para intervir, para tirar principalmente essas mulheres da situação de violências crônicas, para cuidar e proteger, para promover a saúde, para cumprir os marcos legais, a legislação vigente hoje, para respeitar os acordos internacionais assinados pelo Estado brasileiro. Nesse estudo que a gente fez, quando cruzou os dados das notificações com a mortalidade, a gente pegou algumas situações e pediu para os Estados e Municípios investigarem aquela situação de óbito, porque eu acho que, quando a gente traz os casos, as violências vivas, a gente não fica tão amortecido, porque você traduz os números em pessoas e sofrimento. Então, uma dessas situações que estava lá, um desses números que estava lá foi a Tânia - um nome fictício -, que a gente foi investigar e foi atrás, que aconteceu no Rio Grande do Norte. As rotas da violência de gênero. Quando viver torna-se insuportável, e, para essas mulheres que sofrem violências crônicas, viver torna-se realmente insuportável. O adoecimento, a dor cotidiana faz com que elas ou sejam assassinadas ou morram de alguma maneira. Então, a Tânia procurou um serviço de saúde em 2012. A Tânia era uma adolescente que tenta o suicídio em 2012 e é levada a um centro de saúde. No centro de saúde, ela é atendida e a família orientada a procurar um Centro de Atenção Psicossocial, levá-la a um serviço especializado em atenção à saúde mental para poder intervir nessa situação. A gente sabe que, em tentativa de suicídio, cada vez que tenta, a possibilidade de morrer é maior. Isso aconteceu em 2012. Mais de um ano depois, em junho de 2013, a Tânia, essa adolescente, foi trazida por desconhecidos e atendida em uma unidade de pronto atendimento. A suspeita foi de violência sexual e foi feito todo o protocolo de atendimento. Em abril de 2015, a Tânia é encontrada morta, enforcada com uma mangueira no terraço de casa. Esse é um tipo de morte que vem sendo anunciada. Nem a saúde, nem a assistência social, nem os órgãos de proteção, nem os órgãos de responsabilização conseguiram tirar a Tânia dessa rota de violência. Olha a dor dessa menina. Que dor que ela deve ter sentido, porque, quando ela tentou o suicídio em 2012, provavelmente ela tentou por conta das violências - e ela estava sofrendo violências crônicas em sua casa. Daí as perguntas: foi feita busca ativa? Foi feito algum trabalho junto à família para tentar esclarecer se a tentativa de suicídio e o que estava atrás disso? Foi investigada a situação de violência crônica à qual a Tânia estava exposta? A Tânia entrou na rede de atenção ou de proteção? Os órgãos de proteção acompanharam isso? Nenhum acompanhou. A gente fez esse levantamento, essa investigação. Então, para a Tânia, viver não foi possível, a dor dela não permitiu que ela conseguisse seguir a vida. |
| R | A gente chama a atenção - aqui e no Fórum Intersetorial - para o fato de que a gente não ode desprezar que os serviços de saúde são portas importantes ou principais para a entrada de mulheres que sofrem violências. Muitas delas procuram o serviço saúde por uma ansiedade, por uma depressão, por uma dor crônica, e a gente tem que ampliar esse olhar para identificar isso, porque, quando a gente analisa, ouve, aprende a ter uma escuta qualificada, consegue identificar que essas mulheres estão sofrendo violências. E que respostas que estamos dando para essas mulheres? E, aí, em virtude disso, também no início, a Secretaria de Atenção à Saúde da Mulher, em articulação com outras secretarias, instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que tem eixos específicos que perpassam desde a saúde sexual, a atenção à saúde de segmentos específicos da população, o câncer de colo de útero, a atenção à parte ginecológica e ao climatério, atenção obstétrica; e tem um eixo dessa política também que trata especificamente da atenção às mulheres em situação de violência. Esse é um dos eixos dentro da dentro da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, e, a partir desse eixo, foram estabelecidas algumas ações e alguns programas específicos para enfrentar isso. Além disso, o setor saúde, o Ministério da Saúde também faz o advoque-se junto a outros setores e junto ao Legislativo para aperfeiçoar a legislação para trazer proteção ás mulheres. Daí há o Decreto nº 7.958, de 2013, que trata das diretrizes do atendimento pelos profissionais da segurança pública e profissionais de saúde do SUS, que norteia esse atendimento; que fala do atendimento multiprofissional para atenção integral às pessoas em situação de violência sexual; e que fala também da coleta de vestígios, no caso de violência sexual, pelos profissionais de saúde não só por peritos da segurança. Ao longo desses anos, foram feitos vários cursos de capacitação junto ao Instituto Médico Legal, à Secretaria Nacional de Segurança Pública, junto às secretarias municipais e estaduais de saúde, junto aos serviços para aperfeiçoar e estabelecer nos serviços de referência. Há ainda a Lei nº 12.845, de 2013, que dispõe sobre atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. E isso tudo para a gente minimizar, reduzir e enfrentar a violência contra a mulher. Já temos, até 2016, 13.901 registros de atendimento multiprofissional para atenção integral às pessoas em situação de violência sexual, um aumento de 180% em relação... (Soa a campainha.) A SRª CHEILA MARINA DE LIMA - ... a 2016 - já estou terminando -; seis serviços habilitados para coleta de vestígios de violência sexual; 785 serviços de atenção às pessoas em situação de violência sexual que estão cadastradas no sistema nacional de Cadastros de Estabelecimentos de Saúde. Esses serviços, ao serem cadastrados, se habilitam a fazer e a prestar esse tipo de atendimento. Desses serviços, 204 são de atendimento de referência exclusiva para violência sexual; e 85 desses serviços são de referência para a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei. Vários cursos para elas de atenção integral à saúde da mulher com olhar para a prevenção de violências. No ano passado, houve a 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres, onde vários temas e várias ações foram propostas. A população negra trouxe a questão do racismo, das desigualdades raciais e racismo institucional; a população LGBT também, sobre a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero; bem como a população em situação de rua, a população do campo, da floresta e das águas, que são populações que, às vezes, a gente não consegue alcançar, mas que estão sofrendo violências também. |
| R | Algumas ações de atenção a vítimas de violência sexual: há o projeto de atenção humanizada ao abortamento; o projeto Superando Barreiras; um curso de EAD de formação para capacitar e sensibilizar os profissionais em atenção a homens e mulheres em situação de violência por parceiros íntimos; o financiamento e a realização dos cursos dos quais a gente está falando, de preparação para o registro de coleta; projetos junto aos hospitais universitários para a implementação de 30 novos serviços de referência para a violência contra a mulher; o Projeto Para Ela, Por Elas, Por Eles, Por Nós, que são seminários regionais para preparar as pessoas; e curso de extensão preparando para atender e acolher as vítimas de violência sexual. Então, a violência contra a mulher também é um desafio para o Sistema Único de Saúde. O serviço de saúde, como já falei anteriormente, pode ser o primeiro lugar ou a porta de entrada repetida, para essas mulheres que sofrem violência. Os profissionais têm de estar sensibilizados para captar, para identificar essa violência, para prestar atenção humanizada qualificada, para encaminhar para os outros pontos da rede e, mais do que tudo, para ter uma rede de atenção e de proteção articulada em que todos os atores intervenham nesse processo. Há várias publicações que o Ministério tem disponíveis, que estão disponíveis nas páginas do Ministério da Saúde, para que qualquer pessoa possa acessar. Algumas publicações são específicas para direcionar o atendimento, o acolhimento. São grandes os desafios. Como é que a gente vai fazer para interromper esse ciclo de violência crônica, tanto no setor de saúde quanto em outros setores? Fortalecendo as articulações intersetoriais; expandindo a notificação de violência para ela seja um instrumento de proteção, um instrumento de gestão para aperfeiçoar as políticas públicas - o que ainda acontece em somente 62% dos Municípios -; fortalecendo e estabelecendo a rede de atenção às mulheres, sobre o que já falei muito, com um atendimento humanizado e qualificado; implementando a Lei Maria da Penha e a do feminicídio, dando respostas para a expectativa que a lei tem. Tirei só um trecho de um prefácio que o Nelson Mandela fez no 1º Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, em 2002, da Organização Mundial da Saúde. O que Nelson Mandela diz: O século XX será lembrado como um século marcado pela violência, deixando um legado de tecnologias de destruição em massa a serviço de ideologias do ódio, que elevaram a destruição a níveis sem precedentes. Mandela também destaca que: Menos visível é o legado do dia a dia, o sofrimento individual. É a dor de crianças que são abusadas por pessoas que deveriam protegê-las, das mulheres feridas ou humilhadas por parceiros violentos, idosos e pessoas maltratadas por seus cuidadores, jovens que são maltratados por outros jovens e pessoas de todas as idades que auto infligem violência. Este sofrimento - e há muitos mais exemplos que eu poderia dar - é um legado que se reproduz, assim como as novas gerações aprendem com a violência de gerações passadas, como vítimas aprendem com seus algozes, e como as condições sociais e econômicas que geram a violência continuam a reproduzir-se. Nenhum país, nenhuma cidade, nenhuma comunidade está imune. Mas, também, não estamos impotentes contra ele". |
| R | É nessa não impotência que a gente tem de agir e enfrentar a violência contra a mulher. Acho que somente juntos, fortalecendo o Governo, o Legislativo, o Judiciário e a sociedade de uma maneira geral, é que a gente vai dar uma resposta para nós, mulheres, que tanto sofremos com as violências em nossos lares e em todos os espaços em que a gente vive. Obrigada. Desculpe-me por ter passado do horário. A SRª ELCIONE BARBALHO (PMDB - PA) - Muito obrigada, Drª Cheila. Passamos, agora, a palavra ao Dr. Rafael Raeff Rocha, Coordenador da Prevenção Social da Secretaria Nacional de Segurança Pública. O SR. RAFAEL RAEFF ROCHA - Boa tarde, Deputada! A SRª PRESIDENTE (Elcione Barbalho. PMDB - PA) - Dez minutos, por favor. O SR. RAFAEL RAEFF ROCHA - Tudo bem. Queria também externar os meus agradecimentos pela apresentação da Cheila, uma grande parceira. O Ministério da Saúde está sempre demonstrando um belíssimo trabalho no enfrentamento à violência de gênero. É um grande parceiro da Senasp, como sempre. Boa tarde a todos, a todas! Quero apresentar-me, primeiramente. Sou Rafael Rocha, trabalho na Senasp há quatro anos. Sou formado em Ciências Sociais, em Antropologia. A gente trabalha nessa coordenação de prevenção social exatamente com um público em situação de vulnerabilidade. O público das mulheres não pode fugir ao escopo da nossa ação. A Senasp, assim como o Ministério da Saúde, vem, durante anos, investindo bastante nessa política. Queria começar, primeiro, falando sobre o motivo de a gente estar aqui, sobre a questão da lei do feminicídio. A lei do feminicídio é extremamente inovadora, uma lei extremamente moderna que traz para o escopo jurídico uma evolução social necessária para a sociedade brasileira como um todo. A Senasp não se furta a entender essa lei como muito importante no ordenamento jurídico, especialmente na questão de ter transformado a tipificação da violência de gênero num aspecto mais duro da pena no Código Penal. Dentro do escopo da Senasp é sempre bom ser precedido pelo Ministério da Saúde trazendo esses dados porque é onde a gente consegue sair um pouco do lado técnico mesmo da questão e passas a encarar que o trabalho que a gente tem feito faz sentido, que a política que a gente toca, como corpo técnico, faz sentido. Esses números são reais. Os números de expectativa de violência, de expectativa de morte depois de uma violência, são reais. A gente não pode ignorá-los, como a Senasp não os tem ignorado. Dentro do nosso escopo de atuação, a Senasp vem investindo em três grandes frentes: na questão da prevenção; na questão da repressão e na questão da responsabilização. Vou começar pela questão da repressão que é um lado em que, infelizmente, ainda se acaba tendo um enfoque...principalmente quando se fala de segurança pública. É justamente para tirar um pouco esse enfoque que vou passar mais rapidamente sobre esse aspecto. A Senasp tem um histórico grande de investimentos em delegacias especializadas na mulher, em delegacias de atendimento especializado à mulher. Durante o ano de 2015, a gente também fez um grande esforço para instituir as delegacias dentro da casa da mulher brasileira. Também é uma parceria que a gente tem com a Secretaria de Polícias para as Mulheres, que também é uma grande parceira nossa. |
| R | E, quando à questão da capacitação dos nossos profissionais, muito mais do que o Governo chegar e tentar equipar uma delegacia especializada da mulher ou equipar uma delegacia especializada em Homicídios, a gente precisa capacitar o profissional de segurança pública e sensibilizá-lo para que ele consiga enxergar a aplicabilidade da lei. No ano passado, a gente fez um seminário sobre perícia, e uma perita do Rio Grande do Sul fez uma explanação belíssima, e, no final, ela demonstrou alguns eslaides sobre local de crime, em que demonstrava claramente alguns aspectos de feminicídio, ou seja, como classificar claramente como um feminicídio. Infelizmente, eram imagens bem gráficas - eu não sou muito afeto a isso -, mas ela, explicando para a gente como que a Senasp pode entrar numa capacitação de local de crime, por exemplo, indicando alguns aspectos que definem claramente um crime de feminicídio, em classificá-lo como um crime de feminicídio, para que isso possa seguir para o sistema judiciário de uma forma mais clara. Ela demonstrou algumas mulheres mortas com facadas que eram destinadas exclusivamente aos seios e às nádegas, demonstrando claramente a intenção de matar a mulher por uma condição feminina, afinal de contas estava atacando sinais claros de feminilidade. E é nesse papel que a Senasp também tem entrado bastante: a questão de capacitação e sensibilização dos atores de segurança pública. A gente se orgulha muito de uma plataforma EAD que a gente tem e na qual a gente tem, atualmente, por vota de 30 mil agentes de segurança pública inscritos, sendo constantemente capacitados nesses assuntos, e há especificamente algumas matérias, algumas disciplinas para a sensibilização da violência de gênero, da Lei Maria da Penha, inclusive da Lei do Feminicídio. Para além disso, a Senasp também tem diversas publicações, algumas um pouco mais genéricas, que a gente não conseguiu fazer o recorte específico de gênero, mas que a gente sempre coloca na pauta quando a gente vem para esses ambientes: um Protocolo Operacional Padrão - e a Polícia atua muito com esses POPs (Protocolos Operacionais Padrão). Existe um Protocolo Operacional Padrão de 2013 - está precisando ser revisitado, ser atualizado, especificamente na questão da lei de 2015, da Lei do Feminicídio -, que é um protocolo extenso, que fala, inclusive, sobre perícia de violência sexual, perícia em pessoas vítimas de violência sexual ou outros tipos de violência. Em parceria com o Ministério da Saúde e com a SPM, a gente também fez a Norma Técnica para a Atenção Humanizada às Pessoas - não é às mulheres, mas às pessoas - em Situação de Violência Sexual -, que procura atuar justamente nisso: na capacitação e na sensibilização dos atores, seja da segurança, seja da saúde, seja do Judiciário, especificamente na parte de coleta de vestígios. E, nessa mesma toada, a gente tem trazido nos últimos três anos um fortalecimento da Rede Integrada de Perfis Genéticos, de banco de perfis genéticos. Isso já atua um pouco mais na parte da responsabilização. Esse RIBPG, como a gente chama, - Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos - nada mais é do que um banco de dados que a Senasp vem fomentando ao longo desses anos em todos os Estados, fomentando não só o banco de dados central, aqui, mas fomentando também a institucionalização de bancos de dados nas pontas, com laboratórios, com Institutos Médicos Legais, para que colham o perfil genético, para que colham o material genético de possíveis autores, de pessoas investigadas, para que se crie um perfil de banco genético. |
| R | Esse perfil de banco genético vai atuar em duas frentes: uma, a frente mais óbvia, que é a responsabilização. Como foi muito bem apontado aqui, uma mulher que acaba sofrendo algum tipo de violência, antes mesmo de morrer - quando ela vai morrer, na verdade -, ela já sofreu alguns tipos de violência anteriores. E esse banco de perfis genéticos pode auxiliar a gente na responsabilização do autor. Mas, antes disso, a gente precisa tocar num assunto que é mais relacionado à minha coordenação, à nossa coordenação lá na Senasp, que é a questão da prevenção: como que a gente pode agir, como que o Governo Federal pode agir para antecipar isso, para prevenir isso. Os governos estaduais, especificamente Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul, têm um grande exemplo de prevenção do feminicídio, a chamada Patrulha Maria da Penha - inclusive é objeto de legislação, de peça legislativa aqui do Senado. A Senasp, durante o ano de 2016, conversou com esses três Estados e trouxe para dentro do seu escopo a nacionalização dessa patrulha - é a gente tentando trazer um bom exemplo desses três Estados para os outros Estados que não têm. A Senasp agiu durante um tempo fazendo um levantamento estatístico mesmo, um levantamento, um estudo de diagnóstico, para saber quais são as ações destinadas em cada Estado pelas Polícias Militares ou Civis, direcionadas para as mulheres. A gente recebeu isso, e a gente está num momento de... A gente criou mais um curso, um curso de capacitação para a implementação dessa Patrulha Maria da Penha - da patrulha mesmo, propriamente dita -, para que, quando a Senasp chegar com a implementação do projeto, a gente possa capacitar os agentes e sensibilizá-los antes de colocá-los nas ruas, e essa patrulha age justamente onde a gente não tem conseguido agir nos últimos anos. A Lei Maria da Penha pressupõe um critério muito básico, que é manter as medidas protetivas de urgência em caráter de vigilância - você monitorar essas medidas protetivas de urgência; porque, infelizmente, ainda acontece, e é muito comum, a mulher sofrer algum tipo de violência, ter a medida protetiva de urgência nas mãos, e infelizmente virar óbito, e infelizmente falecer de uma outra violência do mesmo autor, como já foi muito bem apontado e como é bem apontado em todos os espaços em que a gente está: geralmente o autor é o próprio companheiro, marido, cônjuge, e ela acaba falecendo com a medida protetiva de urgência nas mãos. E esse bom exemplo desses três Estados vem justamente nessa toada: a tentativa de a gente trazer um controle, para evitar, para prevenir o feminicídio. A gente não conseguiu ainda evitar que a mulher fosse violentada no primeiro caso, no primeiro aspecto, mas pelo menos nesses três Estados a gente tem recebido dados: nesses três Estados, nos territórios onde a Patrulha Maria da Penha é instituída, o óbito dessas mulheres com medida protetiva de urgência nas mãos veio a zero. Isso já é um grande avanço. A gente conseguir implementar essa Patrulha Maria da Penha em âmbito nacional, conseguir implementar nas grandes cidades, em grandes territórios vulneráveis... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. RAFAEL RAEFF ROCHA - Opa; desculpa! Conseguindo implementar nesses territórios vulneráveis, a gente já consegue dar um passo fundamental na tentativa de mitigar esse problema que, como os dados mesmo apontam, é um problema sério, é um problema que não pode ser ignorado pelo Governo Federal, e não está sendo ignorado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. É isso! A prevenção é o caminho. Se a gente não agir preventivamente, nem que seja preventivamente em uma segunda instância, se a gente não conseguir agir preventivamente, a gente vai continuar fazendo as mesmas ações que temos feito nos últimos anos e que não têm conseguido surtir os efeitos que a gente quer. Então, a gente tem que começar a investir mais nessa área de prevenção e é o que a gente tem tentado fazer na parte da Senasp. Obrigado. A SRª PRESIDENTE (Elcione Barbalho. PMDB - PA) - Muito obrigada, Dr. Rafael. Eu, antes de passar para a Jackeline, pediria à Deputada Flávia que assumisse aqui, ela que é uma das solicitantes da realização deste nosso evento, tomando aqui o meu lugar. (Pausa.) A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Boa tarde a todos e a todas. Eu sou a Deputada Flávia Morais, do PDT de Goiás, vou dar continuidade aos trabalhos desta audiência pública, este tema tão importante que foi iniciado pela nossa querida companheira Procuradora Deputada Elcione Barbalho, passando a palavra para os próximos expositores. Nós temos, agora, a Jackeline Aparecida Ferreira Romio, pesquisadora e autora da tese "Feminicídios no Brasil, uma proposta de análise com dados do setor de saúde". Com a palavra Jackeline, por dez minutos. A SRª JACKELINE APARECIDA FERREIRA ROMIO - Bom, primeiramente, obrigada à Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, a todas vocês que estão aqui pelo convite para discutir esse tema tão importante, que é a aplicabilidade da Lei do Feminicídio. Eu acabei agora o meu doutorado em demografia na Unicamp e a minha área de concentração é a mortalidade feminina. Então, o objetivo da tese foi descobrir aonde ali eu conseguiria identificar, na mortalidade feminina, a mortalidade específica por feminicídio, que eu simplifiquei para tentar entender onde é a mortalidade específica por gênero da mulher. Mais ou menos isso. Utilizei de vários conceitos, principalmente uma revisão da literatura sobre feminicídio, usei a Lagarde, a Segato, a Manjoo, a própria Wânia Pasinato e também as teorias da mortalidade feminina. Então, as questões sobre mortalidade materna, as questões específicas sobre as idades, principalmente a idade reprodutiva da mulher e o alto impacto das violências nessa fase da vida, questionei alguns termos como guerra, que geralmente é masculinizado na sua epistemologia; e, aí, uma tentativa mais de gênero para interpretação de mortes violentas deve também passar pelo questionamento de termos como guerra, dominação, violência. |
| R | E, aí, eu utilizei bastante uma teórica que se chama Paola Tabet, que utiliza uma terminologia que se chama amálgama conjugal, em que ela analisa a dominação feminina através da exploração de quatro tipos de trabalho: o trabalho sexual, o trabalho doméstico, o trabalho reprodutivo e o trabalho emocional. Baseada nela e na leitura do feminicídio como um conceito, eu cheguei na tipologia que eu vou oferecer para vocês agora. Então, pensar na dominação, os três eixos da dominação masculina, no caso, como a opressão, a exploração e a supressão. Todas elas são formas de violência. A violência passa por uma questão que é a percepção tanto das leis que vocês utilizam, quanto da própria vítima, que deve perceber a violência que sofre; do sofrimento, porque, independentemente de se perceber ou não, a violência gera adoecimento e sofrimento e, nos casos mais graves, leva ao óbito e ao desaparecimento também, pensando nos casos das vítimas de ditadura, vítimas de outros tipos de violência em que a gente não tem a materialidade do corpo morto. Então, ali, onde estão os óbitos e o desaparecimento é que a gente concentra a abordagem do feminicídio. E, aí, baseada nesse entendimento das opressões estruturais da mulher, eu cheguei nessas três categorias: o feminicídio reprodutivo, que, no nosso caso brasileiro, um tipo seria o aborto, mas também há outras mulheres que podem colocar a questão das mutilações genitais, tem todo um outro questionamento, mas, para mim, foi o aborto; o feminicídio doméstico, que seria o caso que é mais usual, que é o feminicídio íntimo, que é o conjugal, que é o ambiente residencial, que são as relações conjugais que caracterizam esse feminicídio; e o feminicídio sexual, que seria a morte por agressão física por meio sexual. Então, aí, eu utilizei basicamente todas as análises demográficas mesmo. Então, são a mortalidade proporcional, principalmente, e as taxas específicas de mortalidade e, no final, fiz um modelo, que eu vou mostrar para vocês para o caso do feminicídio doméstico e para o sexual. Eu utilizei três bases da saúde, que são a base do Sinan, que é o Viva que ela demonstrou ali, que notifica agressões físicas, domésticas e sexuais contra mulheres, adolescentes e crianças; o SIH, que é o Sistema de Internação Hospitalar, então, eu peguei os óbitos por agressão física no hospital que gerou esse dado; e também o próprio SIM, que é o Sistema de Informação de Mortalidade, em que eu analisei todos os tipos de mortalidade. Então, aí, eu vou passar isso. Depois, vocês vão ver direitinho na tese. Então, no foco de análise, eu utilizei bastante variáveis que já são questionadas na teoria dos feminicídios, como a questão da conjugalidade, então, situação conjugal. Se é solteira ou foi alguma vez unida, eu criei uma categoria. |
| R | Ali, vocês, na verdade, vão ter que olhar na tese, porque eu não vou ter tempo para explicar, mas a principal para mim foi a variável idade, para o que eu construí três faixas etárias, porque o estudo do feminicídio, como as mulheres morrem em uma quantidade muito menor do que os homens, acaba sendo complexo analisar muitas faixas etárias, porque aí a gente perde a estatística. Então, eu utilizei três faixas etárias, a de zero a 14 anos, considerando crianças e adolescentes e também o Marco Legal do ECA; de cinco a 15, ali, eu errei, de 15 a 49 anos, que são as adultas no período reprodutivo, que é onde a teoria geralmente demonstra que há o maior nível de assassinatos de mulheres; e a de 50 anos e mais, que são as mulheres que já estão fora do período reprodutivo oficialmente, porque também temos ali, e as mulheres idosas. Então, essa foi a principal, mas todas as outras variáveis, como raça, escolaridade, eu também testei. E testei algumas questões geográficas, como a questão de pertencer a alguma Capital, porque o índice de homicídio é maior, e aos Municípios de fronteira internacional, o que também é um fator que tem sido demonstrado como agravante, como o caso do México. Então, isso eu já expliquei. Agora, eu já vou diretamente para os dados. Um indício de que é importante a gente analisar a faixa de 15 a 49 anos para o diferencial de sexo na mortalidade de homens e mulheres é analisar a proporção de óbitos mal definidos. Então, você vê aquela diferença maior, aquelas duas linhas, a azul claro representa a mulher de 15 a 49 anos e a vermelha, os homens. Então, você vê que caíram muito mais rapidamente os óbitos mal definidos para os homens do que para as mulheres e, ali, eu me aportei para falar "sim, é muito importante analisar essa faixa de 15 a 49 anos", porque há muitos óbitos não identificados para as mulheres. Aí, aqui, eu vou passar duas vezes. Isso daí é o homem, essa mortalidade proporcional para todas as causas do homem de 15 a 49 anos, que foi um dos focos da análise. Então, essa faixa laranja são só os óbitos por causas externas. Então, representa, já está representando mais de 50% dos óbitos masculinos nessa faixa etária, que é superprodutiva. Aqui, o da mulher. Não chega ao mesmo patamar dos homens, porque a mortalidade feminina, como a gente pode ver nos outros estudos de mortalidade, tem um outro comportamento. Então, entram, por exemplo, as causas maternas de gravidez, parto e puerpério, que para o homem não são uma causa de morte. É exclusiva das mulheres. Mas a gente pode ver que as causas externas são a terceira causa, já, de morte para as mulheres e já vai ultrapassar, vai ser a segunda. É a laranja. A verde são doenças do aparelho circulatório e a vermelha são neoplasias, que são os tumores, mas você já veja que está substituindo, vai superar as causas externas para mulher também. Vai ser o segundo tipo para 15 a 49 anos. Aí, aqui, já fui diretamente para as agressões, que são o óbito por homicídios, com que se fazem as estatísticas de violência, tal. É, de novo, de 15 a 49 anos. Então, para o homem, 60% ali, em 1996, já vai chegar a 80%, passando de 2014, o óbito por armas de fogo. Então, é ali o vermelho. |
| R | Para a mulher, o óbito por armas de fogo também é o primeiro caso. Mas ele é estável. Ele não tem grande oscilação. Agora, aumenta no caso de objetos penetrantes, contundentes e também a agressão física por meio de enforcamento. A ali entra o caso para o qual eu chamo a atenção, que é o indicador mínimo do feminicídio, que são os óbitos por agressão física por meio sexual, porque se não tem nenhum dado, no mínimo, nós temos esse dado através da saúde, que é a agressão física por meio sexual. Ela se concentra mais nos óbitos femininos do que nos masculinos. Vou mostrar que há também meninos, adolescentes que morreram, mas é maior para as mulheres. Então, aí, de 96 para 2014. Essa concentração: vermelho é a mulher; azul, o homem. Então, os óbitos por agressão física por meio sexual. Eles são bastante presentes nas mulheres, menos do que para os homens. Esse é um total absoluto. E ali se demonstra um perfil um pouco diferente, porque se concentra mais nas meninas de 0 a 14 anos, meninos e adolescentes, do que nas outras faixas, mas também é bastante alto, de 15 a 49 anos. Vou para a frente. Ali, a gente vê o dado da violência, da morte por violência sexual. Ali, a morte por gravidez, de meninas de 14 anos ou menos. Essas meninas já estão seguras pela lei. Se elas engravidaram, tiveram ato sexual, e isso poderia ser considerado estupro de vulnerável. Então, essas meninas poderiam ter acesso ao aborto legal. Mas, por acaso não tiveram e morreram. Aqui é a percentagem das que morreram porque elas próprias... É aquele não identificado. O aborto legal não causou nenhuma morte nessa idade... (Soa a campainha.) A SRª JACKELINE APARECIDA FERREIRA ROMIO - ...Agora, todas as outras formas de aborto, sim. Posso ir mais um minutinho? A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Pode. A SRª JACKELINE APARECIDA FERREIRA ROMIO - Vou pular essa... Esse aqui são as mortes por aborto no território nacional. É generalizado. Essa são mortes dentro do domicílio. A agressão física dentro do domicílio. Então, é uma epidemia. Essa são as mortes por agressão sexual. Então, são algumas cidades específicas, que poderiam ser controladas até com a sua tecnologia de linkagem. Essa é a super-representação das mulheres negras e indígenas nessas modalidades. Então, a gente vê que em relação à mulher negra, chega a seis óbitos a cada 100 mil; e a indígenas, onde houve um salto de 2011 para 2012, que já estão com sete óbitos por agressão física. Então, atenção para a mulher negra e indígena para analisar o feminicídio. E aqui, quero só falar que eu fiz um modelo com os dados no Sinan, e foi representativa a questão do Município de fronteira, principalmente para agressão dos feminicídios domésticos. A capital foi representativa para os feminicídios sexuais. A idade fértil de 15 a 49 anos foi mais representativa para o feminicídio doméstico. A raça/cor indígena foi representativa para os dois, mas a morte por agressão sexual superou a escolaridade e também foi muito significativa para o feminicídio sexual. |
| R | A "se foi uma vez unida" foi muito significativo para o feminicídio doméstico. O "se foi gestante" foi significativo para o feminicídio doméstico. A "autoria masculina" amplifica em 400% o óbito feminino, em relação ao doméstico, mais do que o sexual, porque o sexual também tem a questão dos familiares e a parceria. Já vou terminar. O uso de álcool foi muito representativo para o feminicídio sexual, mas também foi representativo para explicar o feminicídio doméstico. A reincidência explica em quase 500% as ocorrências do feminicídio doméstico, mas não tanto para o sexual, e foi esse o modelo que eu apresentei. Muito obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós é que agradecemos a Jackeline. Passamos agora a palavra agora à Roberta Astolfi, Representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A SRª ROBERTA ASTOLFI - Olá, boa tarde a todos. Obrigada pelo convite para fazer parte... Sinto muito, ainda bem que eu conversei com você antes, Jackeline, para saber mais da sua pesquisa. É uma pena interromper a sua fala, porque ela é muito importante. Espero fazer o convite para que vá apresentá-la. Vou trazer aqui mais uma visão mais do sistema da Justiça, e não da saúde, como o Rafael trouxe também. Eu sou do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, vim representando o fórum - a Samira Bueno pede desculpas por não ter podido agradecer. Eu quero dividir um pouco com vocês a experiência de coletar estatísticas de feminicídio. Como todo os setores estão sendo demandados, o nosso também está sendo demandado a respeito. Uma coisa que é bastante importante - e vou um pouco na direção do que o Rafael estava dizendo -, mais do que deixar a lei mais rígida e aumentar o tempo de prisão para os casos dessa qualificadora, o feminicídio, que veio com a ei de 2015... Isso porque muitos desses casos já estavam sendo tratados como uma qualificadora, seja por meio cruel ou degradante, impossibilidade de defesa das vítimas. A gente não tem certeza, mas é possível que esses anos de pena já estivessem sendo correspondentes ao que o feminicídio atribui. Mais do que essa visão de aumentar a punibilidade, o que a Lei do Feminicídio nos traz é a compreensão do fenômeno. Assim como a saúde está buscando entender o perfil desses casos, com os registros criminais, que são a principal base com que a gente trabalha no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, vocês devem ter ouvido falar. Todo ano isso a gente gera bastante discussão nos meios de comunicação, quando traz esses dados consolidados dos Estados para falar sobre a criminalidade no País. Existe o Sinesp, mas ainda a gente tenta compor junto, buscar uma consolidação contra acordados para ter uma visão mais sólida dos fenômenos que a gente está tratando. Então, de fato, para nós o que mais importa em relação ao feminicídio é pensar a questão de gênero, explicando parte dos homicídios de mulheres - e isso é importante. É a mudança, a mudança cultural. Por isso ele é tão importante e dá visibilidade do fenômeno. Aqui, no ano passado, em 2017, quando a gente coletou pela primeira vez dados de feminicídio, fizemos uma comparação com dados de crimes violentos letais intencionais - aqui estamos falando de homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Esse é o total para mulheres, 2015/2016. Dados coletados junto às secretarias estaduais de segurança pública e defesa social. Portanto, são dados oficiais que vêm dos boletins de ocorrência. |
| R | Daquele ano, entre 2015... Sempre publicamos duplas de anos. Então, entre 2015 e 2016, houve uma pequena variação para menos no número de homicídios de mulheres. Infelizmente, sabemos que, em 2017, esse número já cresceu. De qualquer modo, quando olhamos a proporção, também comparamos com o número, entre esses homicídios, de quais eram feminicídios. Para o Brasil, em um total, 449, em 2015, foram tratados como feminicídio; em 2016, 621. Houve um aumento proporcional ali, indicando que os Estados estão começando já a trabalhar com a qualificadora do feminicídio, estão pensando nessa chave, embora o processo seja lento, mesmo porque isso também já estamos falando... Depois do registro, há várias fases em que o crime pode ser reclassificado. Estamos falando de uma fase em que cada Estado vai trabalhar a sua estatística de forma diferente. Alguns Estados têm a leitura dos boletins, a reclassificação para consolidar a estatística. Esse foi o retrato que tivemos, um retrato dos Estados que em... Quando nós solicitamos os dados em 2017 - é anuário, sempre temos que falar do ano anterior, o ano fechado -, todos esses dez Estados daqui, da esquerda, não puderam, não tinham os dados de feminicídio para informar. Eles não informaram: "Não temos dados de feminicídio para informar." Do lado direito, 17 Estados, em 2016, já tinham dados. Alguns deles não para 2015; para 2016, sim. A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO. Fora do microfone.) - São números absolutos? A SRª ROBERTA ASTOLFI - Números absolutos. Sim, não é percentual; números absolutos. Nós estamos falando de uma parte dos homens, se diz, de mulheres, que vão ser classificados como feminicídios. Agora, em 2018, em uma parceria que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública está fazendo com o G1 e o Núcleo de Estados da Violência da USP - eu não sei se vocês conhecem o Monitor da Violência -, eles voltaram aos Estados e pediram de novo os dados, usando a mesma metodologia que usamos, e pediram novamente: "Bom, queremos dados de feminicídio para 2015, 2016 e já incluindo 2017". E agora, no começo de 2018, foi publicado. Eu não peguei todos; peguei só alguns para mostrar que vários Estados já conseguiram, mesmo para os anos anteriores, voltar lá, fazer a reclassificação dos boletins, fazer a releitura e trazer uma estatística diferente. O Acre já conseguiu, o Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso. E, ali, também há uma diferença. Por exemplo, a Paraíba tinha oito casos. Depois desse processo, passou para 25, ou seja, um tempo depois... É natural que as estatísticas mudem no consolidado, porque, a partir da investigação, uma pessoa que não havia morrido acaba morrendo... Então, o que estava inicialmente no boletim pode ser reclassificado. Então, isso não é exatamente um defeito, mas demonstra um esforço, sim, de que os Estados, as secretarias estaduais estão tentando lidar com essa nova tipificação para trazer um dado importante sobre isso que, para nós, revela muito e é motivo de... É com base nisso que precisamos desenhar a política pública. Sobre isso aqui já começamos a pedir os dados agora, em 2018. Só para alguns que já responderam... O Acre, por exemplo, já mandou dados; o Ceará... Ainda estamos em processo de coleta. Esperamos que a maioria dos Estados venham a entregar esses dados. Só para contar para vocês alguns dilemas, algumas dificuldades que vemos que os Estados têm, a questão da natureza e a qualificadora. Em um primeiro momento, você tem que a natureza do crime é homicídio com a qualificadora de feminicídio. Nós não podemos perder o crime de homicídio - o total dos homicídios -, nós queremos que os Estados contem. |
| R | Há sempre os dilemas de que a gente sempre fala: casos de morte decorrentes de intervenção policial. A gente precisa contar isso dentro do homicídio. Há um grande debate em relação a isso. Bom, o feminicídio precisa estar contado dentro do homicídio, mas ele também precisar estar desagregado para que a gente possa lidar com esse tema. Aqui no Distrito Federal, fez-se uma opção por classificar automaticamente todos os BOs de homicídio de mulheres como feminicídio. Será que - eu quero ouvir de vocês; nós do fórum temos uma dificuldade -, se a gente ampliar tanto o conceito, isso vai, talvez... Aqui eu estou vendo que talvez a área da saúde tenha uma visão mais parecida. Mas será que a gente parte do BO de feminicídio para depois rebaixar a classificação, se for necessário? Em princípio, será que a gente não deveria deixar isso para a revisão dos boletins e, na hora de consolidar a estatística, fazer essa classificação definitiva do caso ou a partir da investigação? Para a gente o que é muito importante... E aqui a gente dialoga bastante com a Jaqueline sobre a relação entre a vítima, quando vem nos bancos de dados, porque a gente tem pedido aos Estados para fazer as análises para dar um sentido, porque estatística é uma coisa muito bruta... Ela simplifica muito a realidade. Então, o máximo que a gente puder refinar, trazer informações para orientar uma política pública consistente. Seria irresponsável da nossa parte só gritar que a violência explode. Nós temos que dizer que tipo de violência é a mais problemática, onde ela está ocorrendo. E uma questão muito importante dessa produção de informação estatística é que haja as informações sobre a relação entre a vítima e o suspeito, a pessoa suspeita do homicídio, do feminicídio, no caso, para a gente, inclusive, entender o fenômeno. O que é feminicídio íntimo? Relacionado à violência doméstica... (Soa a campainha.) A SRª ROBERTA ASTOLFI - Eu vou conseguir falar no tempo. Vou ser a única. O que é o feminicídio íntimo, que exige uma política pública de prevenção específica? E o que é o feminicídio não íntimo? Outros casos, como o Rafael estava dizendo, que podem ser identificados como uma agressão no corpo da pessoa depois de um estupro, por exemplo. Então, a gente pede isso. E é um reforço de uma política pública da transparência dos Estados. A gente pede, inclusive, os microdados para poder produzir as estatísticas, que são os dados individuais de caso. É claro que a gente não pede o nome da vítima nem da pessoa suspeita, nem o endereço de onde a pessoa mora, mas qual era o tipo de local - era ou não era uma residência? -, a relação entre a vítima e o autor, a provável motivação. Tudo isso é possível, já é falado há muito tempo. Então, não é difícil para a maior parte dos Estados produzir esse tipo de dado. E o Fórum Brasileiro de Segurança Pública se compromete a isso. Em relação aos Parlamentares, aos assessores, que façam pressão nos seus Estados para que os Estados sejam cada vez mais transparentes em produzir e eficazes. E, de fato, há um esforço bastante grande. Não se pode dizer que nada mudou; mudou muito. A Senasp tem um papel muito importante na indução dessa política nos Estados. A gente tem trabalhado muito nesse sentido. E cada vez mais a gente firma que não pode retroceder. A gente tem que avançar. A gente não pode deixar de entender, de classificar o feminicídio. Pelo contrário, a gente tem que abrir o feminicídio, entender cada vez mais esse fenômeno, como ele se dá nas suas diferentes formas, entender esse fenômeno de forma cada vez mais profunda e não voltar atrás como se todos os homicídios fossem iguais. Era isso o que eu tinha para dizer para vocês. Obrigada. (Palmas.) |
| R | A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Eu queria agradecer, consideravelmente, a presença dos expositores que compõem esta primeira Mesa. Nós vamos renovar a Mesa. Eu vou convidar os próximos expositores para participarem conosco. A Cheila continua conosco. Para a segunda Mesa, nós vamos convidar a consultora para a Área de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da ONU Mulheres, Aline Yamamoto; a professora da Universidade de Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher, Lia Zanotta Machado; e a Joseanes Santos, ativista e representante da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal. Todas podem compor a Mesa junto conosco. Eu queria compartilhar um momento na hora da votação do feminicídio, de ele ser incluído como crime hediondo, quando nós votamos em 2015, um colega Deputado do meu Partido, uma pessoa muito íntegra, digna, que tem posicionamentos muito coerentes e bem pontuados, chegou pertinho de mim e me perguntou: "Mas por que o assassinato de mulher tem de ter uma pena maior que o assassinato de homem?" Ele estava sem entender por que aquele agravamento da pena. E logo eu falei para ele: a diferença é porque, muitas vezes, a maioria dos assassinatos dos homens é feita por um assaltante, por uma pessoa desconhecida; e, quando a mulher é assassinada, na maioria das vezes, é pelo cônjuge, pela pessoa em quem ela confia, que devia estar zelando pela vida dela. É essa crueldade que agrava o crime de feminicídio. E ele se convenceu, votou. É interessante como essa questão é invisível para muitas pessoas. É incrível como é difícil, principalmente para os homens, principalmente para aqueles mais abertos, que não têm esse pensamento, entender o que é a vida de uma mulher que é vítima de ameaça, de violência, que chega até a morrer por causa da violência doméstica. Nós vamos, então, repassar o tema da segunda audiência, que é a Avaliação de Políticas Públicas do Governo Federal no Combate à Violência Doméstica. Eu falo que hoje as mulheres têm dois grandes desafios. Nós temos avançado em muitas áreas. Somos maioria hoje nos bancos das universidades. Temos ocupado cargos de chefia com grande competência. Mas eu falo que nós temos dois grandes desafios: um deles é a participação na política. Nós ainda somos sub-representadas, principalmente nos Parlamentos brasileiros. E aí eu falo do Brasil no ranking mundial, ficando atrás de países onde as mulheres ainda usam burca. Então, esse é um grande desafio. A outra questão é o enfrentamento justamente da violência contra a mulher. Hoje eu falo que esse aumento da violência é muito por causa da Lei Maria da Penha, que abre oportunidade, que incentiva a denúncia diante dessa pena mais grave que nós temos com a Lei Maria da Penha, mas, com certeza, ela é crescente, é diretamente proporcional ao aumento da independência da mulher. Quanto mais ela se torna autossuficiente, independente, começa a fazer as suas próprias escolhas, mais há dificuldade no caso de alguns homens de conviverem com essa mulher moderna. Muitos já aceitam, já convivem, vivem bem com isso, mas nós temos ainda uma grande parte que tem, na sua cultura, na sua formação, na sua criação, o entendimento de que a mulher tem de se submeter, de que ela tem de aceitar. Para eles, é muito difícil quando a mulher toma uma decisão diferente da que ele queria, quando ela assume mudar de vida, de relacionamento. A maioria dos casos são por essa motivação. |
| R | Acho importante essa luta, mas é, com certeza, uma luta que exige muito de todos nós. Nós sabemos que penalizar, aumentar as penas só não resolve. Para além disso, é importantíssimo o trabalho a longo prazo, principalmente na orientação das mães, das mulheres na criação dos seus filhos. Talvez seja um resultado que demore a chegar, mas essa mudança cultural que precisamos ter passa por isso, para que possamos ter uma mudança significativa nesses números de feminicídio. Então, retomando para a segunda Mesa, eu queria passar inicialmente a palavra para a Aline Yamamoto. Ela é consultora para a Área de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da ONU Mulheres. Com a palavra, Aline. A SRª ALINE YAMAMOTO - Muito obrigada, Deputada Flávia. Cumprimento minhas colegas que estiveram no debate anterior: a Profª Lia e a Cheila, que se mantêm; a Joseanes. Quero felicitar mesmo o tema desta audiência pública, que é discutirmos as políticas públicas para o enfrentamento à violência contra todas as mulheres e meninas. Eu queria focar a minha fala em relação a uma contextualização da avaliação das políticas públicas na América Latina a partir de um estudo que foi apresentado, foi feito pela ONU Mulheres em parceria com o PNUD. É uma publicação do ano passado, situando, a partir dessa avaliação e desses pontos de encontro de outros países da América Latina, o Brasil nesse contexto. Pelos dados que não precisamos repetir, temos que a América Latina é uma região que apresenta os maiores índices de violência. Só para citar o feminicídio: dos 25 países que têm as mais altas taxas de mortes violentas de mulheres, 19 estão na América Latina. E também é a região que apresenta a maior taxa de violência sexual fora de relações íntimas de afeto e a segunda maior taxa de violência sexual dentro de relações íntimas de afeto. Então, a gente persegue, apesar... Aí a nossa análise é que houve, sim, muitos avanços, mas esses avanços ainda não têm sido suficientes para nós alcançarmos uma situação melhor para as nossas mulheres, as nossas meninas com relação a essa questão da violência. |
| R | Nós vimos que temos grandes referências de tratados internacionais. Só para mencionar dois, que são as grandes referências: em 1979, a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, no âmbito das Nações Unidas; e, em 1994, já em âmbito regional, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres, que é conhecida como Convenção Belém do Pará. Isso para lembrarmos, então, que temos esses primeiros marcos internacionais muito recentes ainda. Portanto, mais ou menos 40 anos. Então, toda essa análise precisa considerar que ainda temos... Os avanços são consideráveis, mas em um tempo muito curto ainda. Precisamos seguir avançando. Vimos seguindo, então, na década de 90, nos anos 90, na América Latina, a aprovação de várias leis de violência doméstica e familiar, que são consideradas leis de primeira geração - leis de primeira geração porque tratam ainda da questão da violência no âmbito privado. No caso, a nossa lei, no Brasil, é de 2006. Então, o Brasil, em relação aos outros países, foi um dos últimos países a ter uma lei a respeito da violência doméstica e familiar, e é considerada uma lei que é positiva, por tratar de forma integral a questão da violência nos eixos de prevenção, proteção, assistência e responsabilização, mas temos de lembrar e situar essa lei como uma lei que ainda se restringe à questão da violência doméstica e familiar. Nos anos 2000, passaram aqui, no âmbito da região - sempre estou falando de América Latina - a ser editadas leis integrais, que são consideradas leis de segunda geração, que tratam de diversas expressões de violência contra as mulheres, perpetradas tanto no âmbito privado como no âmbito público. Além disso, consideram a diversidade, enfatizam a questão também da atenção integral, a importância da interinstitucionalidade e de um trabalho conjunto de diversos atores sociais e do Poder Público para enfrentar a violência contra as mulheres e garantir a transversalidade na formulação e execução de políticas públicas. Isso em termos de marcos normativos. Desde 2007, então, vem acontecendo a tipificação do feminicídio, que, na região já são 16 países que tipificaram o feminicídio na América Latina, portanto, inclusive o Brasil. Então, o cenário geral da parte normativa é de que ainda a maioria dos países, 73% dos países da região contêm leis exclusivamente de primeira geração, que protegem apenas direitos de mulheres em relação à violência doméstica e familiar. O Brasil está nesse conjunto de países. São nove países de 33, portanto, que têm leis integrais apenas. Essas leis também vêm formando e vêm correndo em paralelo com a formulação de políticas públicas, e nos anos 90 vemos um crescente de criação de mecanismos de política para as mulheres, que aqui no Brasil nós chamamos de organismos de políticas para as mulheres, que são os responsáveis por coordenar a política voltada para a diminuição da desigualdade de gênero e transversalizar, então, todas as garantias de direitos das mulheres nas políticas públicas. No Brasil, em 1985, foi criado, então, o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres. Em 2003 foi criada a Secretaria Nacional de Política para Mulheres que, em 2010, foi elevada ao status de ministério, mas na atual gestão perdeu esse status de ministério. |
| R | O cenário em geral da América Latina é que todos os países contêm esses mecanismos nacionais de políticas para as mulheres, que têm então como missão administrar essas políticas de igualdade de oportunidades, de desenvolver planos nacionais de enfrentamento à violência. E, apesar de todos os países da região terem esses mecanismos, eles funcionam de forma muito diferente. E é muito relevante a hierarquia, o nível de hierarquia que esses mecanismos possuem em cada estrutura nos 33 países. O estudo levantou com dados até de 2016 que, em 13 dos 33 países, os mecanismos de política para as mulheres tinham status ministerial. O Brasil estava então nessa categoria. Havia dois países em que o nível de hierarquia era médio, e, em 18 países, ou seja, mais da metade dos países da região, os mecanismos de política para as mulheres têm baixo nível de hierarquia institucional, uma vez que estão na segunda ou terceira linha de um ministério. E o Brasil atualmente saiu de um mecanismo com alto nível de hierarquia e passou a ser um mecanismo de baixo nível de hierarquia. A boa prática desses mecanismos que têm hierarquia de status de ministério foi terem criado também formas de articular a política interinstitucional com a apresentação de todos os ministérios, todas as pastas do Governo, para formular e implementar as políticas públicas nacionais. E o Brasil era um exemplo também desses nove países, por ter criado um mecanismo interministerial para monitorar a implementação das políticas públicas. E é importante reforçar que o status de ministério faz toda a diferença nessa articulação. Para coordenar as políticas em âmbito interministerial, o organismo possuir status de ministério faz toda a diferença na coordenação dessa política. Em relação ao mecanismo, foi esse o panorama do mecanismo de política para as mulheres. Também nos anos 2000, vêm sendo criados diversos planos de enfrentamento, planos e políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Em 2004, foi criado o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres; em 2007 foi lançado o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com uma estratégia de gestão e descentralização da política; em 2013, foi lançado então o programa Mulher, Viver Sem Violência. O estudo apontou que 94%, quase todos os países da região possuem... (Soa a campainha.) A SRª ALINE YAMAMOTO - ... um plano nacional para a eliminação da violência contra as mulheres. Todos implementam ações referentes aos eixos de prevenção, atenção e sanção da violência contra as mulheres, e muito em menor grau, existem ações vinculadas à questão da reparação da violência. Esse é um grande desafio para a região, inclusive para o Brasil. Outra questão bastante preocupante é que ainda há uma cultura incipiente nos países da região, de monitorar e avaliar o impacto dessas políticas. E acho que é um pouco o tema desta audiência pública. Poucos países possuem mecanismos de monitoramento e avaliação das políticas. O Brasil - dados de 2016 - está entre os 16 países que possuíam um mecanismo para monitorar políticas públicas. |
| R | Avalia-se que existe algum descompasso entre a lei e a política pública, já que a maioria das leis olham apenas para a violência doméstica familiar e as políticas buscam ser mais abrangentes e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. Também é o caso do Brasil. Temos a Lei Maria da Penha, outras formas de criminalização que estão no Código Penal, e uma política que se propõe a ser mais ampla, para além da questão da violência doméstica familiar. Sei que meu tempo esgotou, mas eu queria apenas situar quais são os desafios apontados nesse estudo e falar um pouco onde o Brasil se encontra. Uma das primeiras necessidades é fortalecer a liderança política dos mecanismos de política para as mulheres para que tenham alto nível de hierarquia, como eu acabei de mencionar. Os dados apontam que, quando existe alto nível de hierarquia, é possível haver aliados estratégicos para aprovar leis e políticas e planos nacionais de forma mais eficiente, fortalecer a estrutura institucional de gênero e abrir canais de diálogo com a sociedade civil. O segundo nó crítico são os recursos orçamentários insuficientes para a implementação das políticas e os planos nacionais de enfrentamento à violência contra as mulheres. As fontes de financiamento para a implementação dessas políticas ou planos continuam escassas e geralmente são alocadas somente nos órgãos diretivos. Não existe, então, uma rubrica em termos de alocação de recurso público vinculada à questão do enfrentamento à violência contra as mulheres em todos os órgãos do governo e nas políticas setoriais que são implementadas. A perda de status do organismo de política para as mulheres no Brasil também tem implicado a diminuição do orçamento. Uma pesquisa, uma consultoria, realizada em parceria com a ONU Mulheres... (Soa a campainha.) A SRª ALINE YAMAMOTO - ... identificou que já está havendo, pela primeira vez, uma redução no número de serviços da rede de atendimento à violência contra as mulheres no Brasil. Então, a gente tem visto, com bastante preocupação, a questão da redução também do orçamento. Quanto à questão da fraqueza na continuidade das políticas, a gente vê a oscilação nas eleições em que esses mecanismos de mulheres são extintos, fundidos. Não se transformaram numa política pública de Estado, porque ainda estão vinculados a políticas de governo. Portanto, há necessidade de se fortalecer essa política de criar a secretaria de política para as mulheres em âmbito municipal, estadual e federal, consequentemente. Outro nó crítico - só tenho mais dois para mencionar - é a questão do sistema de informação e medição de violência contra as mulheres, o que eu acho que foi, em grande parte, abordado pelos nossos palestrantes anteriores, que é a dificuldade de haver uma mensuração confiável, sistemática, periódica de prevalência e incidência de violência contra as mulheres na região e no Brasil. A gente não tem uma pesquisa de prevalência de violência em âmbito nacional. Houve, no ano passado, uma pesquisa que foi feita nas capitais do Nordeste; foi a primeira pesquisa de prevalência, em parceria com a Universidade Federal do Ceará, o Instituto Maria da Penha e a Secretaria de Políticas para Mulheres. É uma pesquisa importante a ser ampliada para todo o Brasil. E o último nó crítico tem a ver com a persistência de padrões culturais, patriarcais que naturalizam a violência contra as mulheres. Há a constatação de que permanece um sentimento de indiferença por parte de líderes políticos, que minimizam as demandas de gênero ao não incorporá-las às agendas políticas. |
| R | Essa invisibilização do fenômeno da violência tem apenas um efeito indesejado que é naturalizar a violência contra as mulheres. E um indicador claro disso é a baixa alocação de recursos orçamentais para financiar o mandato dos mecanismos de política para as mulheres. Eu já passei aqui do tempo. Queria pedir desculpas por isso. Mas fico aqui à disposição para a gente participar desse debate. Obrigada. A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Muito obrigada, Aline. Passo agora a palavra à Lia Zanotta Machado, que é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Pesquisa sobre a Mulher. Dez minutos, Lia. A SRª LIA ZANOTTA MACHADO - Boa tarde a todas e a todos. Boa tarde aos integrantes da Mesa. Deputada Flávia Morais, colegas aqui na Mesa e os que estiveram aqui, na Mesa anterior, é uma honra estar aqui e sobre um tema tão importante. Eu sou antropóloga. Faço minhas pesquisas sobre violência no lado da etnografia qualitativa. E o que eu queria fazer aqui um pouco era trazer algumas referências a dados que saíram pelo Conselho Nacional de Justiça, que talvez seja o primeiro dado que realmente dá um quadro do que ocorre a partir da Lei Maria da Penha sobre quais são os processos, onde eles ocorrem, quais são os tribunais. Enfim, é basicamente sobre o lado judiciário. Evidentemente, se se pensarem políticas públicas, como a colega Aline falou, a Lei Maria da Penha tem não só o lado judiciário: é o judiciário, um lado de prevenção, um lado de proteção, que combina um procedimento judiciário com procedimentos que são da rede pública, que, portanto, pode ser federal, estadual, municipal. Quer dizer, há uma implicação do dever do Estado executivo e judiciário. Nessa linha, vou querer mostrar um pouco para vocês algumas questões que me parecem importantes. Foi colocado na Mesa passada que nenhum feminicídio quer ser punitivo, ou somente punitivo. O problema todo não é ser punitivo. O problema todo é fazer uma modificação cultural no Brasil - a Lei do Feminicídio é uma; a Lei Maria da Penha é outra - e, ao mesmo tempo, dar prevenção, proteção e punição também. Ou seja, no limite, quando me dizem: "Por que não se faz um grande serviço social exclusivamente da rede do Estado, das ORGs e da sociedade civil?" Porque isso nós já tivemos, há muito tempo. Antes da Lei Maria da Penha, supostamente os CRAS, os CREAS, e a assistência social deveriam estar fazendo isso, além das inúmeras outras atividades de atendimento à família, às crianças, às mulheres, enfim, de todos os crimes, etc. Então, é a capacitação de trabalhar com a questão específica da violência contra a mulher, seja ela uma violência íntima ou doméstica e família - que não é só do casal, mas de todo o ciclo familiar -, seja ela pública. Ela necessita de um olhar especial, porque é uma violência de que estamos aqui falando, mas é a violência mais invisível. |
| R | Eu gosto de lembrar que, nas Ordenações Filipinas, o homem podia matar a mulher adúltera - não precisava nem de provar que era adúltera. Bastava, de alguma forma, desconfiar, podendo, inclusive, na questão da desigualdade, matar o amante, se de status inferior fosse. Então, estou querendo dizer que, como antropóloga, a questão é uma modificação. Costumamos dizer que, em se tratando de homicídio, somos todos contra, mas a invisibilidade do homicídio contra as mulheres é enorme. A Lei Maria da Penha tem esse lado de prevenção, proteção, assistência. Portanto, não é exclusivamente judiciário. No entanto, acho que essa combinação com o lado judiciário é que dá limite, porque, podermos acolher, temos de dar limite. Se não fosse dentro do escopo de uma lei, não haveria limite. Então, é um pouco disso que queria colocar. Não é nem por isso que nos chamam feministas, punitivistas, mas disse que nós queremos prevenir. O fundamental à lei é o enfrentamento à violência. Eu queria mostrar aqui, nesses dados mais gerais, saídos do Conselho Nacional de Justiça, que, em 2016... Vou praticamente ler o resumo que aparece - a conclusão, o resumo, a introdução, não me lembro mais se era a introdução da conclusão, mas dá no mesmo. É um resumo. Em 2016, foram registrados 2.904 casos novos de feminicídios nas justiças estaduais do País. Ao longo do ano, tramitaram 13.498 casos, considerando processos baixados e pendentes e proferidas 3.573 sentenças. O número de varas e juizados especializados com violência doméstica e familiar aumentou de 66, em 2012, para 134 unidades em 2017. Em 2016, foram registrados 290.423 inquéritos policiais novos sobre violência doméstica e familiar contra a mulher nas justiças estaduais do Brasil. Indicador elevado, mas provavelmente subestimado. Em 2016, tramitaram nas justiças estaduais brasileiras - isso é importante que se retenha - 1.199.116 processos referentes à violência doméstica e familiar contra as mulheres, o que corresponde à existência de um processo a cada cem mulheres. Neste ano, ingressaram 334.088 casos novos. Os casos pendentes representam 2.5 vezes a quantidade de casos novos no tema. No mesmo ano, foram expedidas 195.038 medidas protetivas de urgência. Queria dizer que esse dado, para mim, revela que - 300 neste ano, porque isso aqui é neste ano -, se há 334 mil casos novos, eu suporia que deveria haver mais medidas protetivas. Então, existem 195 mil medidas protetivas, ou seja, medida protetiva, como vários desses processos são arquivados, como vocês sabem, outros chegam à sentença, e, mesmo chegando à sentença, ou sendo arquivados, é fundamental que haja uma proteção durante o processo. E duas coisas são fundamentais para a mulher ter proteção no processo: as medidas protetivas que obrigam o autor e as medidas protetivas que protegem as mulheres. |
| R | Mas, além disso, do meu ponto de vista, como é que tem funcionado, como é que estão sendo criadas as varas especializadas da mulher e como é que estão sendo criados ou não os setores psicossociais junto ao sistema judiciário? Esse é o dado que tenho aqui, mas também há um sistema de proteção psicossocial para as mulheres e para os agressores pelo Ministério Público, cujos dados... Há agora a proposta de um Cadastro Nacional da Violência pelo Ministério Público, mas os dados não foram suficientemente alimentados. Ou seja, é um banco que dará resultados, mas que ainda está incipiente. Depois dessas questões mais gerais, eu vou mostrar qualitativamente quais são os desafios que a Lei Maria da Penha, no seu sentido de enfrentamento à violência, de proteção e de assistência, tem no Brasil. Para falar disso, eu vou falar do Distrito Federal, onde eu faço pesquisa em vários juizados. Mas, antes, eu vou fazer uma referência aos dados mais gerais para situar o Distrito Federal nessa questão. O número de varas e juizados especializados em violência doméstica, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, era de dez varas, em 2012; passou para 16, em 2016; em 2017, 19. É o número mais alto de varas o do Distrito Federal, e pensando que Distrito Federal não é um Estado da dimensão dos outros Estados para se fazer uma comparação. Então, vejam que se tem um efeito de produção de varas que é, por exemplo, superior a outros que vêm em sequência que são, por exemplo, o Tribunal Regional do Rio de Janeiro, que tinha, em 2012, sete varas, passa para 11, em 2016, e continua com 11, em 2017. O Tribunal de Justiça de Pernambuco tinha duas, em 2013; dez, em 2016; e continua com dez, em 2017. E o Tribunal de São Paulo, que tem dez. Se vocês imaginarem que a população de São Paulo é absolutamente maior, vocês poderão ver que não há uma preferência para as varas especializadas. Mas eles têm uma quantidade de várias outras, que são 1.914. Só há dez de varas especializadas da mulher, enquanto que, em Brasília, temos 210 varas, das quais 19 são de violência contra a mulher. Outras questões. Eu estive, por exemplo, no Estado da Bahia, em determinadas conferências para o pessoal do Ministério Público. E aí se percebe que alguns dados mostram qual era a dificuldade maior. Eles têm seis varas, em 2016, e continuam com esse número em 2017. E depois nós temos de fazer uma relação com os setores psicossociais. Os setores psicossociais, por exemplo, da Bahia, não têm nada. É zero, zero. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, nós temos quatro setores psicossociais - desigualmente divididos por varas, mas nós temos quatro. Em Pernambuco, temos dez. No Rio de Janeiro, 12; em São Paulo, também nenhuma. Ou seja, do ponto de vista dos tribunais de justiça, você pode fazer alguma relação, que eu faço com outros dados, que é: a menor demanda das mulheres à Justiça, ou que chega lá, é na Bahia e no Ceará. A maior demanda de mulheres, por número de mulheres residentes do Distrito Federal, é em Brasília. Ou seja, levando em conta a população diferenciada, você percebe que há um efeito, sim, da estrutura ofertada de setores psicossociais de varas para as mulheres irem ou não irem fazer as denúncias. É equivocado dizer que elas não querem. As mulheres têm medo, é difícil, mas há um efeito real do atendimento que elas têm. Então, o número das que demandam depende de como elas são atendidas ou não. |
| R | Isso é absolutamente importante para a gente pensar políticas públicas. Nós precisamos de muito mais, porque as denúncias estão aí. Se o Distrito Federal cresce dessa forma, é porque ele tem mais varas. Não sei se a violência é maior aqui ou lá. Eu duvido, porque aqui e na Bahia, nos casos que tinham, nas conversas que eu tive, era tudo parado, não havia medida protetiva, não se conseguia setor psicossocial, ou seja, era uma paralisação, eu diria, brutal. (Soa a campainha.) A SRª LIA ZANOTTA MACHADO - Então, o Distrito Federal é o que apresenta maior demanda nesse assunto. Feito isso, eu vou entrar um pouco, se eu tiver um pouco de tempo... A maior incidência de processos de violência, quando considerado o contingente populacional, é Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul também. Ou seja, se vocês olharem Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, vocês têm uma demanda que cresce - aí eu tenho que mostrar o outro lado - às vezes independentemente da oferta. Então, você tem essa combinação: a demanda tem um crescimento próprio, e ela, em parte, também depende da oferta de serviços. Você vê que, dos três Estados que estão à frente de processos de violência, um tem boas condições e os outros dois têm condições muito restritas. Eu vou dizer o seguinte... O que acontece, no que eu vejo... Eu vou entrar pelos meus dados qualitativos. (Soa a campainha.) A SRª LIA ZANOTTA MACHADO - Há uma pesquisa feita no Distrito Federal, pela Debora Diniz, em que ela mostra que, quando havia suspensão condicional do processo, naqueles grupos onde havia suspensão condicional do processo, mais pessoas - agressores e agredidas - eram enviadas para os setores psicossociais. Então, o dilema é esse. Nós - eu mesma - somos contra a suspensão condicional do processo, porque, quando a suspensão condicional produz o encaminhamento ao setor psicossocial, eu acho importante; mas ela, na maior parte dos casos, não produz nada. Simplesmente a pessoa entra por uma porta e sai pela outra. Nesse sentido, a minha pergunta qualitativa era como é que nós podemos aumentar esse número de encaminhamentos sem precisar da suspensão condicional do processo. É um pouco essa questão. |
| R | Aí, eu passei a fazer pesquisas em Ministérios Públicos com suspensão condicional do processo e fiz também em juizados sem suspensão condicional do processo. Então, eu queria dizer basicamente que você tem... Qual é a diferença? Como é possível fazer? Em Brasília, houve, de fato, uma diminuição de encaminhamento de agressores ao NAFAVD depois da súmula do STJ, mas agora ele começa a aumentar de novo. Por que ele começa a aumentar de novo? Em grande parte, bastou um Ministério Público, uma região de Brasília, que foi Sobradinho, fazer uma nova forma de encaminhamento. Qual é a nova forma de encaminhamento? Na acusação, ela propõe um atenuante se ele for encaminhado, quando ela quer a coerção dele, quer que seja obrigatório. Como é que faz? (Soa a campainha.) A SRª LIA ZANOTTA MACHADO - Coloca como atenuante dentro da acusação. Antes disso, o que ela faz? A tentativa de adesão. Com isso, Sobradinho tem uma demanda enorme que não tem condições de atender - cadê meus dados aqui? - não tem condições de atender porque... Eu tenho os dados aqui do NAFAVD. O NAFAVD tem - eu queria até mostrar isso, mas deixa terminar o raciocínio. A espera do NAFAVD, o núcleo de... Esse é o Executivo, política pública. O que acontece? O que aconteceu na área federal? Você retira o ministério, tem efeitos em quase todos os Estados, e as secretarias juntos. Aqui é trabalho, desenvolvimento social, discriminação racial - tudo junto. Perde poder, perde recursos, perde lugar de fala e aí você tem que o NAFAVD, que poderia estar aumentando, diminuiu... De qualquer forma, ele atendeu 7.150 casos em 2017; na lista de espera, há 1.008. E vários serviços sequer pedem o NAFAVD. Então, uma questão, uma forma é: o Ministério Público encaminhar os agressores. Também há um serviço psicossocial em todo o Ministério Público; em geral, ele está atendendo especialmente mulheres, mas são sempre os casos mais graves. O que eu estou querendo dizer é que, mesmo em Brasília, que tem condições comparativamente boas, está absolutamente abaixo do que seria enfrentamento à violência contra a mulher. De outra forma, quais são os procedimentos novos? Essa forma, a adesão, o mito de que homem nenhum não quer - ele é mito no sentido de que ninguém quer... Eu digo sempre: Quem senta aqui tranquilamente num divã de uma psicologia ou de uma psicanálise? Não. Você vai porque você quer, e, ao mesmo tempo, você tem de afrontar tantas questões e rever e refletir tanto sobre si que nunca é fácil, seja obrigado, seja voluntário. Para mim, isso é fundamental, porque, se nós não tivermos o setor psicossocial, nós não temos condições de prevenção da agressão desses homens. E eles continuam, continuam mesmo! E as mulheres também precisam ser empoderadas. Essa é uma forma possível. A outra forma é a gente ir aos juizados. Eu fico impressionada com o tempo que se levou para se mostrar que estava escrito na lei que a medida protetiva não precisava estar naquela lista, ela podia ser dada de ofício pelo juiz. Então, ela pode ser dada de ofício, e uma forma de se fazer isso é encaminhar para um grupo de reflexão psicossocial. |
| R | Nós temos aqui juíza que faz isso num local a que ela vai e encaminha diretamente como medida protetiva - isso acontece no Riacho Fundo. Mas para quem ela vai encaminhar? Não há conta no NAFAVD, ela encaminha para o setor Serav, que agora se chama Nerav, do Tribunal de Justiça, que permite um acompanhamento muito rápido, há um relatório, e aí ela encaminha para quem? Uma outra forma é conseguir convênios com universidades, que também são precários. Então tanto o Serav, que é o Nerav, do Tribunal de Justiça, quanto o SETPS, que é o Setor de Análise Psicossocial, ora um ora outro pode funcionar. Da mesma forma, eu diria que infelizmente, em todas as pesquisas que eu faço, não encontrei - acho que em lugar nenhum - um convencimento, naquele mesmo juizado, de juiz e de Ministério Público. Ou o juiz e a juíza são a favor da lei, e o Ministério Público faz corpo mole, ou é o contrário: o Ministério Público é a favor da lei, e o juizado faz corpo mole. O que eu digo é o seguinte: está crescendo a infraestrutura, mas ela ainda está dependendo profundamente do convencimento do operador de Justiça ou do operador do Ministério Público. Isso é uma coisa que nós precisamos adiantar. Mas eu diria que, quanto mais você institucionaliza o setor psicossocial, no Ministério Público e no Tribunal de Justiça, mais positiva se torna a relação entre assistente social, psicólogo, advogado e juiz e Ministério Público. Então, eu acho que nós temos de pensar nesses novos procedimentos porque tudo o que se diz da Lei Maria da Penha, saindo daqui ou de poucos lugares daqueles convencidos - "O homem não é agressor...", "Agressor não adianta...", "Imagine, ele vai mudar?", "Ele vai passar de classe popular para classe média, outros serão os valores..."-, não é fato, porque, pelo que tenho visto nas pesquisas que faço com agressores e com agredidas, eu vou dizer que ninguém muda o mundo, mas acaba mudando muitíssimo de alguma maneira, pois é impressionante como essa é uma forma de se enfrentar, levando-se em conta os altos índices de violência crônica, psicológica, de tudo o que acontece, no dia a dia. A violência de gênero de homens contra mulheres, é controle; a violência de homens contra homens é desafio. Então, às vezes, não é só numa rua, não; às vezes, é entre pessoas conhecidas, mas é o desafio. Aqui é o controle. Então, ela é constante etc e pode chegar a taxas altíssimas, para falar com as taxas altíssimas de feminicídio, de homicídio contra mulheres, que é de 4,8%, quando, na Europa, é de 0,9%, vejamos isso. Os homicídios também contra homens são mais baixos na Europa em relação às mulheres. Para finalizar, eu acho que nós temos, sim, de melhorar o setor de serviço social, e essa montagem entre os dados que nós temos, quantitativos e etnográficos, é fundamental porque revela questões que são mitos para nós. |
| R | Obrigada. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Lia. Desculpe-me pelo aperto do horário. Passamos a palavra, neste momento, por dez minutos, para Joseanes Santos, ativista e representante da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno. A SRª JOSEANES SANTOS - Boa tarde a todas e a todos. Eu gostaria de agradecer o convite da Deputada Flávia Morais à Frente de Mulheres Negras e também de cumprimentar as companheiras que me antecederam na análise desse fenômeno tão perverso, que é a violência contra as mulheres. Estamos todas envolvidas em como debater e resolver esse grande problema que atinge a nós mulheres diferentemente. É isso que vou abordar aqui. A Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno surge a partir da realização da Marcha Nacional de Mulheres Negras, que realizamos, em 2015. Nós do Movimento de Mulheres Negras trouxemos a Brasília 50 mil mulheres, mas foi um processo organizativo de dois anos de marcha. Quero informar também que, em dezembro, nós do Mulheres Negras vamos fazer um Encontro Nacional de Mulheres Negras, como marco dos 30 anos do I Encontro Nacional de Mulheres Negras realizado no Brasil. Ao que nós iniciamos na Marcha Nacional de Mulheres Negras, nós estamos dando continuidade, e um dos marcos vai ser a realização desse encontro, em dezembro, em Goiás. A primeira questão que eu trago para debater nesta Mesa é: a violência contra as mulheres negras é uma questão de gênero? E aí eu apresento alguns dados estatísticos já conhecidos pela maioria das pessoas presentes aqui. Eu trago dados do dossiê das Mulheres Negras, retrato das condições de vida das mulheres negras, organizado pelo Ipea, em 2003, do Atlas da Violência, do Mapa da Violência. E vou precisar trazer mais uma vez, nesta audiência, dados estatísticos porque são dados que falam de 23% das mulheres brasileiras. Nós mulheres negras representamos 23% do contingente feminino deste País. Algumas falas tocaram nessa estatística de morte das mulheres negras, mas eu também percebi que esses dados não aparecem quando são esmiuçados na prática; eles não são tocados. Traz-se apenas o dado de registro de morte, mas é ausente, totalmente ausente como isso perpassa pela política dos órgãos. Aí, eu vou precisar trazer... Eu até pensei que eu poderia abrir mão desses dados, quando vi que algumas expositoras e alguns expositores estavam apresentando dados, mas eu percebi que eu vou ter de trazê-los pela necessidade da ausência mesmo. Segundo o Dossiê Mulheres Negras, organizado pelo Ipea, as mulheres negras se sentem menos seguras no domicílio do que mulheres brancas no mesmo ambiente: respectivamente 78,7% das mulheres brancas e 75,7%. |
| R | O segundo lugar mais seguro, segundo a percepção das mulheres, é o bairro, onde diminui a diferença percentual entre mulheres negras (64%) e brancas (63%). Esse dado mostra que mulheres brancas se sentem mais seguras num ambiente externo. Quando o ambiente em que a vitimização de mulheres por agressão física segundo raça/cor ocorreu foi na casa de terceiros, o principal agressor de brancas e negras foi o conhecido: 39,7% para as negras e (36,1%) para as brancas; seguido pelo ex-cônjuge, que representou 31% e 27,2 % dos agressores, respectivamente. Essa diferença pode sugerir que a mulher negra seja agredida pelo ex-companheiro independentemente do local, pois também nota-se que elas foram agredidas por conjugues em local público, em maior proporção do que as mulheres brancas: 3,7% das mulheres brancas; em contrapartida, o dobro das mulheres negras (7,6%) sofrem, no mesmo ambiente, o mesmo tipo de agressão. As mulheres brancas, num ambiente público, têm como autor da agressão o desconhecido (57%). Isso significa que a raça/cor tem impacto no perfil do agressor e no local da agressão no espaço público. Então, você percebe que, no fenômeno da violência, existem outros marcadores, senão a questão do sexo para essa questão. No caso, se você avalia a questão raça/cor para as mulheres negras e para as mulheres brancas, o ambiente onde elas se encontram é demarcado, e isso num ambiente público e num ambiente privado. Verifica-se que das mulheres que se declaram vítimas de agressão física, cerca de 50% procuram a família, sendo o percentual de mulheres brancas maior com relação às mulheres negras, chegando a uma diferença de 10% quando o agressor é ex-cônjuge. Então, mais uma vez, destaca-se uma movimentação diferente quando se trata da questão raça/cor. É interessante notar que, em comparação com o total que sofre agressão física, aproximadamente 54% das mulheres brancas procuram a polícia, contra 50% das mulheres negras. E, na hora do registro da queixa, essa diferença diminui, assim como o número de mulheres brancas e negras que chegam, realmente, a registrar queixa, sendo que 47% das mulheres brancas e 44% a efetivam. Das mulheres que procuram a polícia, 82% das brancas e 89,4% das negras registram queixa, o que demonstra maior disposição da mulher negra em registrar a queixa, embora seja mais difícil ir à polícia. A mulher branca não procurou a polícia principalmente quando o seu agressor era pessoa conhecida (50,6%). No entanto, a mulher negra não procurou a polícia principalmente quando o agressor era desconhecido (50,3%). Trago esses dados para demonstrar que a mulher negra (89,4%) registra a queixa, mesmo tendo essa dificuldade de se dirigir à polícia. Quando falo dificuldade trago outras questões ou me lembro de outras questões que dizem respeito à jornada de trabalho, às condições econômicas que essas mulheres têm para deixar seus domicílios e se locomoverem para fazer essa queixa. Mesmo com todas essas dificuldades, essas mulheres fazem esse percurso do registro da violência. |
| R | Nesse dossiê, que é extremamente interessante para discutir a diferenciação dessa violência com relação às mulheres negras e às mulheres brancas, apresenta-se a dificuldade nas relações com o Estado. Eu acho superimportante destacarmos isso aqui, especialmente pelos dados assustadores que nós temos de violência contra as mulheres negras, de homicídio contra as mulheres negras. Para as mulheres brancas, as maiores dificuldades foram observadas no interior de instituições do Estado, uma vez que o contato com as autoridades havia sido feito. Os principais obstáculos para essas mulheres foram, na seguinte ordem de concentração: a polícia não quis fazer o registro; resolveu sozinha; e falta de provas. Para a mulher negra, os motivos foram: a polícia não quis fazer o registro; resolveu sozinha; medo de represália; e não era importante. Ou seja, para as mulheres negras, as questões estão ligadas ao acesso à polícia, a elas se reconhecerem como vítimas e superarem o medo, o isolamento e suas questões com o Estado. Aí lembro-me da fala da Profª Lia quando trouxe a importância do setor de atendimento psicossocial, em como o fenômeno da violência contra a mulher negra tem uma relação direta com esse constrangimento que o racismo nos coloca. Esse olhar apurado que o Ministério da Saúde trouxe aqui, qualificado, de atendimento, precisa, sim, ter o recorte racial porque, entre 2005 e 2015, houve um aumento de 22% na taxa de homicídio das mulheres negras, enquanto que, na das mulheres brancas, diminuiu. Esses são dados do mapa da violência. Não vou repetir aqui mais esses dados porque está posto que existe uma nítida diferença entre o percurso da violência contra as mulheres no Brasil. Venho aqui fazer algumas propostas também com relação à necessidade da interseccionalidade de gênero e raça como uma proposta de abordagem para o enfrentamento à violência contra as mulheres. O grave quadro que apresentamos sobre a violência contra as mulheres negras nos leva ao desafio de entendermos como as experiências das mulheres, racialmente identificadas, são por vezes negadas ou marginalizadas no discurso sobre direitos onde os contornos específicos da discriminação de gênero não são bem compreendidos e nem as intervenções para tratar de abusos. Assim, a importância de desenvolver uma perspectiva que revele e analise a discriminação interseccional reside não apenas no valor das descrições mais precisas sobre as violências vividas por mulheres negras, mas também do fato de que intervenções baseadas em compreensões parciais e por vezes distorcidas das condições das mulheres negras e são, muito provavelmente, ineficientes e talvez atos contraproducentes. |
| R | Acreditamos que "somente através de um exame mais detalhado das dinâmicas variáveis que formam a subordinação de mulheres racialmente marcadas pode-se desenvolver intervenções e proteções mais eficazes" aos direitos humanos das mulheres negras. Propomos a interseccionalidade de gênero, raça e etnia no enfrentamento à violência contra as mulheres. A interseccionalidade adota a associação de sistemas múltiplos de subordinação e tem sido descrita de vários modos: discriminação composta; cargas múltiplas ou como dupla ou tripla discriminação. A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. Ela trata, especificamente, da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos de desempoderamento. O racismo, por exemplo, é distinto do patriarcalismo que, por sua vez, é diferente da opressão de classes. Na verdade, tais sistemas, frequentemente, se sobrepõem e se cruzam, criando intersecções complexas nas quais dois, três ou quatro eixos se intercruzam. As mulheres negras, frequentemente, estão posicionadas em um espaço onde o racismo, a classe e o gênero se encontram. Portanto, o racismo estrutural presente na sociedade brasileira está nas relações sociais, no cotidiano da sociedade. Para enfrentá-lo, é necessário reconhecer a sua atuação na vida das mulheres negras, quanto ao seu poder de vulnerabilidade e de subordinação. A imagem da mulher negra é inferiorizada. O racismo se faz presente na mídia, no mercado de trabalho e na política. Não há possibilidade de alterar os dados apresentados se não reconhecermos as mazelas do racismo sobre a população negra. O racismo está nos matando. Trouxemos essa avalanche de dados e fontes para mostrar que não é retórica, é fato. As instituições devem compreender que 350 anos de escravidão e 130 anos de abolição incompleta pesam sobre os nossos ombros, de nós mulheres negras. Esse é um fardo que não podemos carregar sozinhas. Aí eu me lembro da presença da Angela Davis. Ela disse o seguinte, no Brasil: "Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela". Então, essa é a compreensão de nós, mulheres negras, sobre o fenômeno da violência. É uma coisa cruel a violência sob o aspecto do sexo. Aí, sim, se a gente fosse pegar todos os aspectos da violência no mercado do trabalho, o extermínio da juventude negra... |
| R | Essa é a nossa compreensão, é a fala que a gente traz para a Comissão para aprofundar o que significa a interseccionalidade, não é, professora? O que significa isso como modo de abordagem das pesquisas? O que significa a redução de orçamento? O que significa não ter um mecanismo de avaliação das políticas de enfrentamento contra a violência? Então, essa é a contribuição da Frente. Tentei ser rápida, em virtude do tempo. Sei que há sessão do Congresso. Para finalizar, gostaria de dizer: Marielle, Presente! (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Bom, agradecemos, então, a presença de todos os convidados. Hoje, pelo horário... Tínhamos sessão na Câmara, agora vai se iniciar o Congresso. Os Parlamentares estão todos envolvidos também com os trabalhos das comissões. Por isso, a gente não tem nenhum Parlamentar aqui para fazer o debate. De qualquer forma, a gente quer agradecer muito a presença de todos e dizer que foi muito importante o que vocês trouxeram para nós em forma de dados. Esta CMCVM, esta Comissão Permanente vem da CPMI que foi criada e que conseguiu apresentar um trabalho muito importante, que foi o Mapa da Violência, em 2015, que nos traz dados importantíssimos sobre a estrutura de enfrentamento à violência em todo o País. É um trabalho feito com um empenho significativo das Parlamentares envolvidas, viajando pelo País. Hoje, a gente entende a necessidade de termos esses dados de forma mais sistematizada, consistente e permanente, oferecendo condições para a consolidação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher. Quero ressaltar a importância do trabalho de cada uma de vocês, pesquisadoras, atoras de frente na área da segurança, na área da saúde, à ativista, porque há, na violência contra a mulher, um aspecto mais relevante ainda que é a questão da raça, que se cruza, realmente, que traz um fator que agrava ainda mais a relação da violência com a mulher, quando existe o componente raça. A gente sabe que nós temos aqui trabalhos muito significativos que muitas vezes ficam invisíveis. Nesta oportunidade, nós estamos justamente dando visibilidade para o trabalho de vocês e a tudo o que foi dito aqui. Por mais que a gente não tenha tido uma presença significativa de Parlamentares, nós temos aqui várias assessorias que estão nos acompanhando, nós temos as imagens que vão ficar gravadas, desta audiência pública, e que, com certeza, vão servir muito para fortalecer, para subsidiar os nossos trabalhos como legisladores. Então, quero muito agradecer a presença de vocês e motivá-las para que continuem trabalhando, pesquisando, levando mensagens para que a gente possa fazer com que essa luta tenha, cada vez mais, visibilidade. Como eu disse, para além dos desafios de infraestrutura, do cumprimento das leis e de vários outros, nós temos o desafio da mudança cultural, que é uma mudança a longo prazo, que é uma mudança que exige muito de todos nós. Mas nós precisamos persistir. Falo que a violência contra a mulher é uma mancha que nós carregamos em pleno século XXI. A nossa sociedade já podia ter deixado isso para trás, mas, infelizmente, isso está muito presente ainda. |
| R | Então, vamos avançando e confiando que nós vamos mudar o nosso Brasil para melhor. Muito obrigada a todas. Que Deus nos abençoe! (Iniciada às 14 horas e 50 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 07 minutos.) |

