27/04/2018 - 14ª - Comissão Temporária para Reforma do Código Comercial (Art. 374-RISF)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Declaro aberta a 14ª Reunião da Comissão Temporária destinada a examinar o Projeto de Lei nº 487, de 2013, que reforma o Código Comercial.
A presente audiência pública realiza-se aqui na nossa capital, Recife, e tem por objetivo discutir o tema: atualização e sistematização das normas comerciais e empresariais brasileiras.
É com muita alegria que quero registrar a composição da nossa Mesa de trabalho: em primeiro lugar, o Dr. Fábio Ulhoa Coelho, Professor Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; o Dr. Eduardo Montenegro Serur, advogado, Especialista em Direito de Empresa e Mestre em Direito Comercial pela Universidade Federal de Pernambuco; o Prof. Ivanildo Figueiredo, Chefe do Departamento de Teoria Geral do Direito e Direito Privado da Universidade Federal de Pernambuco; o Dr. Hermann Dantas, representante da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco, advogado, Especialista em Direito Empresarial; e a Drª Fabiola Pasini, representante da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco, Gerente de Consultoria da Diretoria Jurídica da Confederação Nacional da Indústria.
A todos, muito obrigado pela presença.
Queria também registrar a presença da Desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco Drª Érika Ferraz - muito obrigado pela presença -, e do Deputado Federal Severino Ninho, a quem também agradecemos a presença; agradecer a presença honrosa do nosso amigo e Secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de Recife, Dr. Ricardo Correia; representando a nossa OAB Pernambuco, representando o Conselho Federal da OAB, o Dr. Gustavo Ramiro; e o Vice-Presidente da ABTC, o nosso amigo Newton Gibson Júnior.
Agradeço também a presença de diversos empresários, amigos que aqui se fazem presentes, profissionais do Direito. A todos, muito obrigado pelas honrosas presenças.
É com muita alegria que realizamos, nesta data, a audiência pública da Comissão Temporária do Senado Federal sobre o projeto de reforma do Código Comercial, o PLS nº 487, de 2013.
Convém rememorar que esse projeto foi fruto de extenso trabalho desenvolvido pela Comissão de Juristas incumbida de elaborar o anteprojeto do Código Comercial, no ano de 2013. Ela foi presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Dr. João Otávio de Noronha e foi composta por 19 dos maiores juristas no tema, juristas da envergadura de Arnoldo Wald, do Ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas Nascimento, do Prof. Márcio Souza Guimarães, de Paulo de Moraes Penalva Santos, de Newton De Lucca, de Eduardo Montenegro Serur e do Prof. Fábio Ulhoa Coelho, que é o Relator do anteprojeto.
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Esta é a décima audiência pública desde a criação da Comissão Temporária do Senado, em dezembro de 2017, que tem como Relator o Senador Pedro Chaves, que está ausente hoje, mas cuja assessoria está aqui presente - estão ali se identificando; vieram de Brasília. O Senador Pedro Chaves está numa missão no exterior e apresenta suas escusas por não estar presente nesta nossa audiência pública.
A cada nova audiência, com a valiosa contribuição dos inúmeros especialistas ouvidos, que com suas exposições densas e judiciosas lograram apontar com precisão os principais entraves do ambiente de negócios brasileiro, fica nítido que estamos caminhando seguros em direção ao aperfeiçoamento do projeto original e à apresentação de um relatório que reflita todo o trabalho desenvolvido.
Em sucinta recapitulação, esta Comissão debateu em audiência sobre pontos relevantes, como a ampliação da segurança jurídica por meio de princípios e regras próprias do Direito Comercial, comércio eletrônico e parasitismo, simplificação e desburocratização da empresa, duplicata eletrônica, títulos do agronegócio, uniformização das regras sobre operações societárias e redução dos prazos prescricionais, melhoria do ambiente de negócios no Brasil conforme convenções internacionais, processo empresarial, a função social da empresa no projeto de Código Comercial, operações societárias, fortalecimento das normas consuetudinárias e de autorregulação, soluções de conflitos empresariais e títulos de crédito.
Além de estudiosos, igualmente a sociedade civil encontrou amplo espaço e teve voz ativa nesta Comissão. Foram ouvidos o Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo, a Fiesp, a Fecomércio de São Paulo, a Confederação Nacional do Comércio, o Instituto Internacional de Ciências Sociais, a Associação Brasileira de Jurimetria, a Comissão Especial de Análise do Novo Código Comercial do Conselho Federal da OAB, o Comitê Marítimo Internacional, a Associação Brasileira de Direito Marítimo, a Confederação Nacional da Indústria, o Comitê Brasileiro de Arbitragem, o Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa, entre outras instituições.
Estou certo de que os convidados da audiência de hoje, pelo notório conhecimento crítico do assunto, igualmente enriquecerão o debate, o que inevitavelmente se refletirá no resultado final desta Comissão.
É com muita satisfação que saúdo o Professor Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Prof. Fábio Ulhoa Coelho, que desde o anteprojeto de Código labora incansavelmente na matéria, com sua presença - se eu estiver errado me corrija - em todas as dez audiências públicas - não perdeu nenhuma - com profícua participação nos debates. Renovo meu sincero reconhecimento pelo empenho de V. Sª. Estou convencido de que não só esta Comissão como também a sociedade brasileira tem uma dívida de gratidão com brasileiros de espírito público como o do Prof. Fábio Ulhoa.
Em seguida à palavra do Prof. Fábio, anunciaremos com satisfação o segundo convidado, o Sr. Eduardo Montenegro Serur, que está fazendo um esforço enorme para estar aqui presente. O falecimento do sogro de Eduardo praticamente o impedia de estar presente hoje aqui. Ele vai ter que ser tirar mais cedo, mas também é um outro apaixonado e compromissado com essa causa.
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Quero, desde logo, Dr. Eduardo, agradecer-lhe o esforço que está sendo feito da sua parte.
Eduardo é advogado militante, Especialista em Direito da Empresa e Mestre em Direito Comercial pela Universidade Federal de Pernambuco.
Na sequência, falará o Prof. Ivanildo Figueiredo, Chefe do Departamento de Teoria Geral do Direito e Direito Privado da Universidade Federal de Pernambuco.
Aqui gostaria de sugerir aos dois juristas pernambucanos que, dentro de suas exposições, procurassem ressaltar, na medida do possível, as questões técnicas também, sob o prisma da realidade do ambiente de negócios no nosso Estado.
Contaremos ainda com a fala do Sr. Hermann Dantas, representante da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco, a nossa Fecomércio, e com a contribuição da Srª Fabiola Pasini, que é Gerente de Consultoria da Confederação Nacional da Indústria e aqui representará a nossa querida Fiepe.
Considero absolutamente fundamental a manifestação não só dos estudiosos como também dos futuros destinatários do Código Comercial. Num breve relato que fiz sobre os trabalhos da Comissão ficou evidenciado que procuramos ouvir todos os setores envolvidos que vivenciam no dia a dia as dificuldades do ambiente de negócios e da legislação comercial vigente.
Por fim, procurei com a minha fala registrar brevemente o trabalho desenvolvido por esta Comissão, marcado pela pluralidade, seja de agentes econômicos, setores da sociedade, de ideias, de opiniões e de sotaques. Já estivemos em São Paulo, agora em Pernambuco, vamos ainda a Mato Grosso procurando fazer um balanço dessas audiências públicas também por todas as regiões do Brasil.
Mas há um elemento de convergência que une a todos, que é o desejo urgente de superar os desafios hoje impostos ao ambiente de negócios no País, a fim de que possamos prosseguir rumo ao fortalecimento da economia nacional com a geração de emprego e renda e aumentar nossa competitividade na economia globalizada que vivemos.
Uma palavra final. Ao longo dessas audiências, aqui e acolá, algumas vozes se levantaram sobre a oportunidade de aprovarmos essa nova legislação, esse novo marco legal, que é o nosso Código Comercial, falando que era preciso aguardar um pouco mais a consolidação de outras iniciativas no campo legislativo, sobretudo em função de um quadro econômico mais adverso que estamos enfrentando. Portanto, em algumas audiências algumas vozes se levantaram para discutir a oportunidade de avançarmos para a deliberação por parte do Congresso Nacional, tanto na Câmara - onde também existe uma Comissão Especial, que está já muito próxima também do anteprojeto e do esforço que está sendo feito no Senado... Inclusive, já existe um parecer do Deputado Paes Landim, que é o Relator na Câmara. Esse relatório está próximo de ser votado pela Comissão Especial e certamente poderá já ir a plenário da Câmara ainda neste primeiro semestre.
Nós, no Senado, estamos também ultimando esforços para termos a apreciação do relatório final ainda neste primeiro semestre e vamos fazer um esforço para que essa matéria possa ser votada no Congresso Nacional, na Câmara e no Senado, ainda neste ano.
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A nossa visão é de que, diferentemente dessas vozes que se levantaram, essa é a grande oportunidade de a gente contribuir para uma coisa que é muito reclamada, demandada no meio empresarial: previsibilidade e segurança jurídica.
Acho que o Código Comercial vem dar toda uma moldura que o ambiente de negócios está a exigir para que os empresários, os empreendedores se animem e se estimulem a tomar riscos. Eu acho que uma das coisas fundamentais que hoje é demandada no ambiente de negócios no Brasil é, sobretudo, segurança jurídica para a prática dos atos empresariais e negociais.
Portanto, eu estou convencido, e vamos fazer um esforço grande no sentido de não prevalecer esse tipo de manifestação e de termos a ousadia e a coragem de avançar com essa contribuição, que me parece que será fundamental e importante para que, neste momento em que a economia brasileira já começa a apontar o caminho da retomada, o caminho da recuperação do crescimento, da geração de emprego, possamos animar mais e mais o nosso empreendedor.
O dinheiro não vem de Brasília; Brasília é mera repassadora de impostos e de contribuições que são gerados por aqueles que se lançam ao risco de empreender e de gerar atividades produtivas que geram emprego e renda para o nosso País.
Portanto, quero finalizar as minhas palavras deixando aqui a posição que prevalece na Comissão e a posição que recolhemos no ambiente do Senado Federal, no sentido de fazer avançar para que o projeto possa ser deliberado e votado ainda neste primeiro semestre e, depois, levado ao plenário das duas Casas para, se possível, termos essa matéria consolidaria e votada ainda neste ano.
Eu quero registrar ainda a presença do nosso amigo Desembargador do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco Dr. Júlio Oliveira. Quero registrar também a presença do meu amigo Dr. Antônio Campos, que é militante no mundo jurídico e no mundo político - obrigado, Dr. Antônio, pela presença. E também registrar a presença do Secretário-Geral da OAB de Pernambuco, Dr. Fernando Ribeiro Lins - obrigado também pela presença.
Agora, sem mais delongas, com a palavra o Prof. Fábio Ulhoa.
O SR. FÁBIO ULHOA COELHO - Bom dia a todos!
Eu gostaria de inicialmente agradecer, Senador Fernando Bezerra, o convite que me foi formulado de vir a Recife, uma cidade que eu prezo muito, uma cidade em que eu tenho grandes amigos, para discutir o Código Comercial, esse projeto de Código Comercial que se encontra em tramitação nas duas Casas.
Especificamente vamos discutir o projeto do Senado, que está num trabalho de discussão no âmbito da Comissão Especial presidida por V. Exª, Senador Fernando Bezerra, e com a relatoria do Senador Pedro Chaves.
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Quero dizer da minha grande satisfação de dividir esta Mesa com grandes amigos, o Prof. Ivanildo Figueiredo, o Dr. Eduardo Serur, a Drª Fabiola Pasini, o Dr. Hermann Dantas, o Dr. Gustavo, o Deputado Ninho e muitos outros.
Gostaria de dizer, Senador Fernando Bezerra, que V. Exª tem nas mãos o que eu chamaria de uma missão histórica. A economia brasileira dá sinais consistentes de recuperação e, para que esses sinais realmente se traduzam no desenvolvimento econômico, sem dúvida nenhuma são necessárias algumas reformas no marco institucional. Precisamos tirar alguns entraves que o Direito brasileiro apresenta e que vão interferir, diminuir o impacto, enfim, reduzir a velocidade dessa retomada do desenvolvimento, se não forem retirados.
Muitas pessoas sempre lembram, quando toco nesse assunto, da reforma tributária, falam da reforma previdenciária, falam de macrorreformas, mas a microrreforma, a reforma da microeconomia, das relações entre os empresários é tão importante quanto essas outras reformas. Então, V. Exª, presidindo esta Comissão Especial que discute em todo o País com todos os setores interessados esse projeto comercial, tem a missão histórica de poder eliminar os entraves que nós encontramos nas relações microeconômicas, nas relações entre os empresários. E hoje é o momento para que a gente possa desfrutar amplamente desse processo que se avizinha, os sinais são esses, de retomada do desenvolvimento.
Essa microrreforma, a reforma da microeconomia, a reforma das leis que falam das relações entre os empresários, pode ser feita através de diversas leis, através de um pacote de seis, sete leis, ou pode ser feita através de uma única lei concentrada, o Código Comercial.
O Código Comercial é a solução entre essas duas, a solução melhor para a viabilização dessa reforma da microeconomia, por uma razão, eu diria, teórica e por uma razão prática.
A razão teórica é que o Código Comercial - vou aprofundar mais um pouco sobre isso logo em seguida - tem uma carga simbólica, tem um impacto cultural na comunidade jurídica que faz com que as mudanças veiculadas por um código sejam mais rapidamente assimiladas por juízes, advogados, profissionais, do que num pacote de cinco, seis, sete leis esparsas, uma lei para a sociedade, uma lei para contratos, uma lei para títulos de crédito.
Mas mesmo que não haja esse motivo teórico, mesmo que as pessoas não concordem com esse motivo teórico, nós temos uma questão prática. Já há sete anos o Poder Legislativo discute a elaboração de um Código Comercial, e o assunto já vem amadurecendo ao longo desses sete anos, enquanto que, do outro lado, nós não temos nem as minutas dos anteprojetos. Os que defendem diversas leis esparsas nem dizem quais seriam essas leis e muito menos trazem já uma minuta para começarmos a debater. Por essa razão prática, também hoje o projeto do Código Comercial de fazer a reforma da microeconomia num único código acaba também se mostrando a melhor alternativa.
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Senador Fernando Bezerra, eu costumo dizer para os meus alunos que todas as leis têm um número e algumas poucas leis, além do número, recebem um nome. Assim existe o Estatuto do Idoso, existe a Lei Orgânica do Ministério Público, existe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e existem os códigos. Eu sempre coloco para eles por que razão algumas leis ganham nomes. Eu diria que essa razão não é jurídica, tanto faz se a regra está numa lei só com número ou se está num código, ou numa outra lei que tem, além de um número, um nome. Falo para os meus alunos que a importância disso não é tanto jurídica, a importância disso é cultural, é uma importância política. Quando a sociedade precisa chamar a atenção para uma determinada questão, para um determinado problema que está sendo resolvido através da lei, é que essa lei ganha, além do número, um nome.
Então, ter um dispositivo qualquer que diga respeito às relações entre os empresários numa lei que tenha só um número, juridicamente falando, é a mesma coisa que ter essa mesma disposição legal num Código Comercial. Mas existe uma diferença muito grande no aspecto que extrapola o âmbito jurídico, no aspecto que diz respeito à relação cultural. Um código produz um impacto exatamente por comunicar que a matéria que está ali tratada tem uma importância, deve-se chamar a atenção da sociedade, deve-se chamar a atenção dos operadores jurídicos para aquilo que está ali disciplinado.
E qual é esse assunto que o Código Comercial trata e para o qual precisamos chamar a atenção da sociedade, precisamos chamar a atenção dos operadores do Direito, principalmente dos juízes? Diz respeito à importância que a atividade empresarial tem num sistema econômico como o desenhado na Constituição Federal, um sistema de economia de mercado. Tudo de que a gente precisa, tudo que a gente deseja a gente só tem porque alguém assumiu o risco de montar uma empresa e oferecer isso para nós. Então, o que a gente veste, o que a gente come, os remédios que a gente toma, as informações que a gente tem, enfim, tudo de que a gente precisa, tudo que a gente deseja depende de alguém ter assumido o risco de produzir e oferecer no mercado, nessa economia como está estruturada - e está estruturada de acordo com a Constituição.
Mesmo aqueles serviços públicos, se a gente for examinar, com um pouco mais de vagar, vamos ver que por trás do serviço público existe uma empresa privada. Por exemplo, no SUS, a roupa do médico, o estetoscópio, o medicamento, os móveis do consultório, tudo aquilo foi feito por uma empresa privada.
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Então, é importante que as relações entre os empresários estejam sujeitas a regras claras, a regras modernas, a regras que não criem custos, a regras que reduzam custos empresariais, porque, ao final, se houver distorções nas relações entre os empresários, isso acaba se refletindo nos preços dos produtos e dos serviços que os consumidores vão pagar para ter acesso a esses produtos ou serviços ou que o Estado vai pagar para ter acesso a esses produtos ou serviços.
Então, é necessário que a relação entre os empresários esteja tratada de uma forma moderna, atualizada, compatível com a relação econômica que nós estamos vendo e, como muito bem ressaltado pelo Senador Fernando Bezerra, previsível, que dê segurança jurídica.
E, aqui também - desculpem-me por fazer muitas referências ao que eu faço em sala de aula - costumo lembrar aos meus alunos, por meio de exemplos, três relações de direito privado que são muito diferentes: a relação de Direito Civil, a relação de Direito Comercial e a relação de Direito do Consumidor. Eu faço isso, enfim, focando um exemplo que me parece ajudar muito no aclaramento dessa questão para os alunos.
Imaginem que eu vá adquirir um automóvel em uma concessionária. Vou adquirir esse automóvel para o meu uso, para andar, para levar a família no final de semana a passeio, enfim, vou ao trabalho, etc. Esta é uma relação de consumo em que, de um lado, você tem um empresário que vende o automóvel, a concessionária onde fui comprá-lo; de outro lado, há alguém que está comprando o bem para uso próprio, não o está comprando para revender. Essa uma relação de consumo.
Essa concessionária, por sua vez, adquiriu esse mesmo veículo da fábrica de automóveis. E, aqui, nós temos uma relação contratual, um outro contrato de compra e venda sobre o mesmo bem, entre dois empresários: o fornecedor, o fabricante do automóvel, que é um empresário, e aquele que está comprando para revender na sua concessionária também é um empresário. É uma outra relação diferente da relação de consumo.
Agora, imaginem que eu use esse carro por três, quatro, cinco, seis anos e, depois, eu o revenda para um vizinho, para um familiar, para um conhecido. Essa é uma terceira relação de compra e venda do mesmo automóvel onde não há nenhum empresário: nem eu sou empresário do ramo automobilístico, nem a pessoa que está adquirindo, que está adquirindo o bem para uso próprio. Aqui nós temos uma relação de Direito Civil.
Então, nós temos três relações de direito privado muito distintas: entre dois empresários, uma relação empresarial; uma relação em que não há nenhum empresário, uma relação civil; e uma relação em que um é empresário e o outro é consumidor, uma relação de consumo.
Pois bem; cada uma dessas relações precisa estar sujeita a regras próprias, a princípios próprios, a um código próprio. Temos, hoje, um Código Civil, que pretende abarcar as duas relações, tanto a relação de Direito Empresarial quanto a de Direito Civil; e temos o Código de Defesa do Consumidor que trata da relação de consumo.
Por que precisamos ter um código próprio de Direito Comercial? Porque, de um lado, essa relação entre dois empresários se distingue - isso é fácil de ver - da relação entre o empresário e o consumidor. Entre o empresário e o consumidor nós temos uma relação que a gente chama de assimétrica. Não se comparam, enfim, a condição econômica, as informações que um dos lados tem sobre o objeto que está vendendo, como a concessionária de automóveis a respeito do automóvel, e as condições econômicas, as informações que o outro lado tem, ou seja, o consumidor. Então, existe uma assimetria, existe um desequilíbrio entre as partes, o que na relação empresarial não existe. Mesmo quando uma das partes é mais forte economicamente que a outra, as duas partes precisam conhecer do negócio na mesma extensão, na mesma medida - são empresários, são profissionais. Então, nós temos uma simetria na relação empresarial que não justifica a gente tratar com as mesmas regras com que tratamos a relação de consumo. Eu acho que quanto a isso todos concordam.
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Mas e as relações de Direito Civil? As relações de Direito Civil são diferentes das relações de Direito Comercial porque, enfim, temos duas partes iguais: de um lado, eu e meu cunhado, para quem eu vendi o meu automóvel, somos ambos ignorantes do objeto que estamos adquirindo, somos dois consumidores de automóvel, nenhum de nós é um engenheiro que conhece a mecânica, enfim; e, de outro lado, na relação empresarial, temos sempre dois empresários. Então, temos relações simétricas. Mas a relação empresarial tem um potencial de repercussão na economia que a relação de Direito Civil não tem.
Se eu, na minha negociação com o meu cunhado, vendi mal ou vendi bem, para economia isso não significa nada. Já numa relação entre dois empresários, se algum deles comete um erro, negocia mal e, depois, vem o Poder Judiciário e poupa esse empresário do erro que ele cometeu, isso cria uma distorção na economia que vai bater no bolso do consumidor.
Então, repetindo: o empresário é um profissional. Assim como a gente não dispensa de responsabilidade o médico que comete um erro na cirurgia, a gente não pode dispensar de responsabilidade aquele empresário que contrata mal, que exerce mal a sua profissão.
Quando a lei vem para tratar do empresário da mesma forma que trata, por exemplo, na relação civil... Digamos que o meu cunhado não teve todas as informações na hora de comprar e ele quer, então, pagar menos, rever o negócio, o.k.! Isso tudo não vai sair dessa relação. Mas, quando se trata de uma relação empresarial e aquele empresário que assumiu o risco é poupado das consequências do risco assumido, isso gera uma distorção na economia que vai, depois, rebater, vai chegar até o bolso dos consumidores.
Então, nós temos, de um lado, uma relação que é complexa e que gera o que os economistas chamam de externalidades - as relações de Direito Empresarial - e, de outro lado, temos uma relação que não é complexa, uma relação simples, como uma locação residencial, enfim, uma venda de um bem usado entre dois particulares, que, portanto, devem estar sujeitos a regras próprias, devem estar sujeitos a princípios próprios.
Essa é a questão para a qual o Código chama a atenção. Chama a atenção dos profissionais do Direito, chama a atenção da própria sociedade para a necessidade de se tratar das relações entre os empresários com regras compatíveis com a complexidade e com a natureza econômica, de potencial externalidade para toda a economia que essa relação embute, que essa relação tem.
Por isso, Senador Fernando Bezerra - e aqui eu encerro a minha breve participação -, que eu acho que esse projeto de lei, essa proposta de se veicular a reforma da microeconomia através de um único diploma sistematizado, concentrado e com esse impacto simbólico que o Código tem representa, hoje, a melhor alternativa.
Agradeço pela atenção. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - O Prof. Fábio ficou vendo aqui o cronômetro, porque a gente marcou 15 minutos, para não exceder a fala de cada um de nossos convidados.
Na sequência, eu ofereço a palavra ao Dr. Eduardo Montenegro Serur, por 15 minutos.
O SR. EDUARDO MONTENEGRO SERUR - Obrigado, Senador.
Bom dia a todos! Parabéns, Prof. Fábio, pela maravilhosa exposição e pelo seu poder de síntese.
Eu queria começar elogiando o Senador Fernando Bezerra, que eu conheci faz muito pouco tempo, por essa iniciativa que considero muito corajosa de levar adiante uma discussão absolutamente aberta e democrática sobre um projeto de lei num momento político tão delicado em que vive o País.
Nós, cidadãos, estamos mais acostumados aqui no Brasil a produções legislativas que não atendem a esses requisitos da capilaridade e da logicidade. E o Senador não se omitiu desta missão de discutir com a sociedade esse projeto que o Prof. Fábio já vem discutindo há anos. Essa é a décima audiência pública, o que revela um destemor pelo debate. Então, parabéns ao Senador por essa iniciativa! Isso é muito importante e é benfazejo no nosso momento.
O Senador também pede que eu e Ivanildo Figueiredo tentemos fazer algum tipo de conexão do tema que nós vamos abordar com a realidade econômica de Pernambuco. Esse é um desafio que foi posto aqui agora e não estava desenhado antes. Vamos ver como nos saímos. Já sei que Ivanildo vai ter mais tempo do eu; então, vai se sair melhor. Aliás, ele sempre se sai melhor, não é verdade?
Eu não acredito que a gente consiga levar adiante um debate profícuo acerca do projeto do Código Comercial sem que a gente enfrente algumas tecnicalidades, Senador, relativas a isso. Peço que todos dirijam as perguntas depois ao Prof. Fábio Ulhoa, porque ele tem todas as respostas. Eu vou lançar somente as dúvidas aqui, mas as respostas virão dele, que é o pai deste projeto. Então, essas tecnicalidades são inevitáveis, digamos assim.
E eu, dentro do poder de escolher o tema de que trataria hoje, resolvi pegar o tema dos contratos empresarias. Acho isso muito oportuno.
Antes, eu só pegaria pegar o mote da apresentação do Prof. Fábio para dizer o seguinte: este é um código que nós chamamos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO MONTENEGRO SERUR - principiológico, e o código principiológico pode até assustar... (Risos.)
Nos vimos vivendo uma farra principiológica neste País. Onde está o avanço do código principiológico em relação a essa farra principiológica do Brasil? Está na sua capacidade de anunciar e enunciar os princípios e, ao mesmo tempo, delimitá-los, delimitar o seu alcance. Isso é muito importante.
Nós vimos vivendo no Brasil, sobretudo depois da edição do Código de Defesa do Consumidor, isso a que o Prof. Fábio se referiu como a forte influência dos institutos do direito do consumidor nessas relações empresariais. Os princípios são invocados como panaceia para resolver tudo, e, no direito de empresa, isso não foi diferente. O direito comercial perdeu um pouco dessa sua autonomia ao longo dos anos, ainda mais depois da unificação com o Código de 2002. Acho muito importante dizer como o Código funciona, como este projeto foi estruturado. Os princípios estão lá, mas não para serem invocados como algo que resolverá todos os problemas, porque as regras também são postas nesse mesmo projeto.
Sobre a questão dos contratos, onde eu acho que o projeto avança muito. O projeto avança muito em relação aos contratos porque ele cuida de delimitar os princípios também relacionados ao direito comercial tais como eles vêm sendo consagrados pela experiência prática, pela experiência profissional do direito comercial ao longo dos anos. Ele reafirma o princípio da autonomia da vontade. E vocês vão dizer: "Poxa vida, mas qual é a importância disso? Isso não é quase que um pleonasmo ou algo desnecessário?" Não, claro que não é, porque o princípio da autonomia e da vontade tem sido absolutamente relativizados nas relações empresariais por força dessa tal influência a que eu me referi das relações de consumo e do tratamento que a jurisprudência e a lei conferem às relações consumeristas.
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Então, o princípio da autonomia e da vontade também nos contratos empresariais, por falta de uma norma clara e específica acerca da sua validade, tem sido absolutamente mitigado ao longo dos anos. Precisamos retomar isso aqui porque isso não só vai ao encontro da tradição da história contratual brasileira como também vai ao encontro daquilo a que o Prof. Fábio se referiu: do resultado prático que se espera de uma economia de mercado.
Se os contratos forem submetidos a pouco rigor, a uma lassidão, a uma frouxidão dos seus vínculos, temos muito pouco que sobre da atividade empresarial.
Entendendo os contratos como elemento estruturador da atividade econômica - e eu considero isso -, acho que a reiteração do princípio da autonomia e da vontade no Código é maravilhosa.
E ele vem com um segundo princípio: a plena vinculação dos contratantes ao contrato. Isso também é importante. "Poxa vida, mas isso está no Código Civil." Não, não está no Código Civil da maneira como está posto no Código; está na doutrina do Direito civil, está na doutrina do Direito comercial, mas isso não foi positivado de maneira tão clara em nenhum momento.
Também essa fragilidade ou essa omissão legislativa que vem permitindo esse mesmo fenômeno a que me referi ainda há pouco da consideração de que os contratos empresariais podem ter a mesma tutela dos contratos de consumo.
Mas esse não é um projeto de Código que defenda um capitalismo feroz; é um capitalismo ético e com regras. A proteção ao contratante em relações contratuais assimétricas também está posta no Código de maneira muito clara. Isso é muito importante, para que não se pense que isso é um "pega pra capar", num jargão absolutamente popular; não é de jeito nenhum.
Então, partindo da premissa de que não há hipossuficiência, mas há possibilidade de assimetria, como o Prof. Fábio falou, o Código traz regras próprias para cuidar dessa possibilidade e permitir a revisão dos contratos nessas determinadas situações.
Também, como quarto princípio, o Código consigna a revalorização e o reconhecimento dos usos e costumes do comércio. Isso é uma coisa que meio que se perdeu ao longo dos anos com a unificação do Código Civil de 2002. Se não estiver lá, não está em nenhum lugar, o que não é bem verdade. A atividade empresária no mundo inteiro se forma por meio de hábitos e costumes, e eles têm de ser preservados e valorizados para plena compreensão do fato econômico que essas relações empresariais consignam.
Dito isso, é evidente que a tomada de partido do projeto é de que haja uma mínima possibilidade de revisão judicial dos contratos, Senador. Isso é muito importante, porque, com o fortalecimento do princípio da autonomia e da vontade da plena vinculação dos contratantes ao contratado, é óbvio que sobra muito pouco espaço para essas revisões contratuais, sobretudo na forma como vimos vendo aqui no Brasil: essas revisões contratuais sem absolutamente nenhum critério. Isso não só vem superlotando o Judiciário como vem trazendo absoluta insegurança...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO MONTENEGRO SERUR - Ah! Pois não. (Pausa.)
Então, o Código Civil de 2002 foi também um pouco responsável, digamos, por essa abertura sistêmica dos contratos à revisão judicial, partindo dessa ideia de que a onerosidade excessiva, por si somente, é causa que autoriza a revisão. O projeto do Código Comercial diz que não é bem isso. Eu acho que criamos regras interessantíssimas na Comissão de Contratos do Código Comercial relacionadas à possibilidade de revisão contratual.
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São basicamente quatro elementos ou quatro condições cumulativas que precisam estar presentes para que a revisão contratual judicial se dê. A primeira delas é de que o contrato seja de execução continuada ou diferida. Isso é muito importante, isso é uma questão técnica, mas isso também coloca um ponto final nas revisões contratuais de contratos que já se encerraram, o que acontece o tempo inteiro, até em contratos de compra e venda mercantil em que já houve a tradição, já houve o pagamento, com revisão judicial de um contrato já encerrado. Pasmem, mas isso acontece! Os que advogam aqui na área empresarial devem ver muito isso aqui, porque nós vemos.
A segunda condição é de que tenha havido o fato superveniente imprevisível, extraordinário, que autorize a mudança do Estado de coisas. Não é simplesmente - e aí vem o quarto princípio - que tenha havido uma má escolha do contratante, por exemplo, na gestão do seu negócio. Então, se ficar detectado que a revisão contratual tem como causa o desejo do contratante de reparar uma má escolha que fez no passado, essa revisão contratual judicial não terá espaço.
E, por fim, tem que estar presente também a possibilidade de onerosidade excessiva para uma parte e a vantagem excepcional para a outra. Quer dizer, a gente vai acabar, a gente espera - e a aprovação do projeto sob essa perspectiva é muito importante -, a gente vai acabar com revisões contratuais pelo simples fato da existência da onerosidade excessiva. E, quanto à onerosidade excessiva basicamente, eu a entendo muitas vezes como característica ínsita numa relação contratual empresarial. A capacidade de determinação do resultado numa relação contratual é determinada pela possibilidade de precificação das condutas. Então, se o empresário que é técnico, como o professor falou, mas não é hipossuficiente, se o empresário é capaz de olhar para aquela relação contratual e vislumbrar onde estão os possíveis problemas, consegue precificar isso na sua relação.
Ora, se consegue precificar isso no seu contrato, onde estaria, então, a razão de ser de uma simples revisão contratual por onerosidade excessiva? A gente vem sendo absolutamente contaminado no Direito comercial por essa coisa louca de revisão de contratos por onerosidade excessiva, e isso é uma coisa que não pertence ao direito da empresa absolutamente. E aí o projeto de Código é alvissareiro ao deixar isso bem claro.
Quero encerrar essa apresentação também muito rápida para poder falar sobre duas ou três novidades, dizer quais são os tipos contratuais que fielmente terminam sendo previstos numa legislação: o contrato de factoring, o contrato de logística e finalmente o contrato fiduciário, que foi objeto de um artigo maravilhoso dos Jairo Saddi, no Valor Econômico, alguns dias atrás - o Jairo participou da Comissão do Senado.
E é inacreditável que, no decorrer desses anos todos - perdemos a oportunidade legislativa em 2002 -, não tenhamos ainda, como não temos efetivamente, o truste, o contrato fideicomisso previsto na legislação brasileira. É um contrato que é importante para poder estruturar operações empresariais e patrimoniais complexas, e a gente precisava disso. Também essa positivação do contrato fiduciário, do contato fideicomisso vem ao encontro dessa ideia de conferir contemporaneidade, digamos, à legislação comercial brasileira.
Vou me ater ao tempo, mas vou fazer uma pequena observação só, a pedido do Senador. Ele pediu para fazer uma conexão entre a realidade econômica de Pernambuco, o Estado a que pertencemos, e essas mudanças. Eu acho que esse problema, Prof. Fábio, relativo à interferência do Código de Defesa do Consumidor e das normas consumeristas nas relações empresariais é mais ainda notável aqui em Pernambuco e nos Estados do Nordeste. Ao longo dos anos, eu tenho percebido que as revisões judiciais de contrato com esse mote da hipossuficiência têm sido quase uma forma de redistribuição de renda por vias oblíquas no Judiciário.
Então, a gente vem tratando as relações empresariais com muita condescendência, sobretudo no Judiciário do Nordeste. Eu acho que isso se dá em razão de que o eixo econômico Rio-São Paulo determina a concentração de uma riqueza muito grande nesse capitalismo nosso periférico aqui em Pernambuco e no Nordeste em geral. E isso termina por obrigar a esse sentimento de que a parte precisa de um tratamento diferenciado. Então, isso é uma coisa que, digamos assim, é contra o crescimento, é contra o progresso, é contra a facilitação dos negócios e passa uma perspectiva de que nós temos uma ideia de economia de mercado lançada na Constituição, da livre iniciativa, mas ela esbarra sempre nesses pequenos obstáculos.
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Então, eu acho que, sob essa perspectiva, a positivação dessas normas, afastando o Direito do Consumidor das relações empresariais, ajudará muito a economia dos Estados do Nordeste a crescer. Isso é como eu penso também, aproveitando o mote pedido pelo Senador.
E é isso o que eu tinha a dizer a vocês.
Muito obrigado pela presença. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Dr. Eduardo.
E, na sequência, a gente oferece a palavra ao Prof. Ivanildo Figueiredo.
O SR. IVANILDO FIGUEIREDO - Bom dia a todos!
É um prazer e uma honra grande receber esse convite do Senador Fernando Bezerra Coelho.
Cumprimento todos os dos demais colegas na Mesa, na pessoa do nosso Prof. Fábio Ulhoa Coelho.
E demonstro inicialmente que para esse projeto de Código, quanto a sua oportunidade, não haveria um momento melhor. Coincidentemente sob esse aspecto histórico, o Senador Fernando Bezerra Coelho também tem essa participação neste momento. Ele, que tem origem e família de empresários, está no momento certo, no lugar certo para conduzir um processo do novo Código Comercial.
Então, tomo a liberdade de colocar alguns eslaides aqui só para fazer uma comparação sobre as questões não tão técnicas, nem acadêmicas, mas críticas que vêm sendo opostas ao projeto de Código Comercial.
O meu amigo Sady Torres, que está aqui presente, diz que o PowerPoint é a muleta dos incompetentes, mas, às vezes, eu uso para animar um pouco a apresentação dos assuntos com meus alunos. (Risos.)
A língua ferina de Sady é famosa aqui em Recife.
Mas o que são essas críticas opostas ao Código? A princípio, é necessário fazer esse contraponto: segundo a apresentação que a Prof. Paula Forgioni fez no último dia 18, ao qual o Senador Fernando Bezerra se referiu, a licença à oposição vem principalmente: dos grandes escritórios de advocacia empresarial de São Paulo; dos próprios professores de Direito Comercial da USP, que fazem um contraponto exatamente com os professores de Direito Comercial da PUC, e o Prof. Fábio Ulhoa é o principal representante dessa corrente; de algumas entidades representativas do empresariado nacional, como a própria CNI, a Fiesp, de São Paulo, e a Firjan, do Rio de Janeiro; e de algumas reportagens que vêm sendo veiculadas pela Globo.
E a minha missão aqui hoje: achei que seria interessante trazer a público essa discussão sobre por que o projeto de Código Comercial está sendo criticado e quais são os fundamentos dessas críticas opostas. Trago aí a presença histórica no Paraguai e a presença histórica do nosso Visconde de Mauá, que foi o maior empresário do Brasil de todos os tempos, colaborou na redação do Código de 1850. Então, nós estamos aqui vivenciando um outro momento histórico.
Sobre a crítica da Profª Paula Forgioni, por exemplo, ela diz que, como o Prof. Fábio colocou, não é o momento de um código, que existem novas leis, relativamente novas, que não podem ser modificadas, porque ainda não se consolidaram. E ela cita três exemplos que eu acho insuficientes para fundamentar essa discussão: o Código Civil de 2002, que já tem 16 anos - não é tão recente assim; o CPC de 2015, que é a norma processual; e ela cita também a Lei de Arbitragem, que tem mais de 30 anos. Então, se nós formos aguardar toda consolidação normativa ser devidamente pacificada pela jurisprudência, nós não teríamos um tempo necessário para revisão dessas normas.
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Ela fala também dos riscos, que o Prof. Fábio também destacou aqui, da insegurança jurídica que esse código poderia gerar em um momento econômico, digamos, de instabilidade para as relações no País. Ela diz uma questão interessante: o código é contraditório, pois, ao mesmo tempo, é intervencionista - ou seja, promove uma intervenção normativa legislativa na empresa, certo dirigismo contratual, especialmente em matéria contratual -, mas é também liberal. Por quê? Porque parte da defesa do princípio da liberdade de iniciativa, da autonomia da vontade e da livre concorrência, que é, obviamente, um sistema de mercado, capitalista, como regulado a partir do art. 1º, do art. 170 da nossa Constituição.
E ela destaca que a solução neste momento não é mudança legislativa: a solução seria dada por uma Justiça especializada. Ou seja, transferir um problema de prevenção de litígios para o Poder Judiciário, através de uma Justiça que tivesse maior capacidade técnica de lidar com problemas altamente especializados como são as questões empresariais.
Outra crítica que vem muito contundente da USP de São Paulo é do Prof. Erasmo Valladão. Ele fala que isso é um arremedo de projeto de lei, dizendo que a ideia de um código é algo deslocado no tempo, como se todo movimento atual fosse um movimento pela modificação e só se justificaria para exprimir um conjunto de regras jurídicas gerais que o projeto em questão não faz porque é um projeto muito abrangente, não é um projeto de regras gerais; é um projeto principiológico, mas que tem regras específicas, regras detalhadas para regular exatamente as relações interempresariais, que não existem de uma maneira sistematizada hoje no nosso sistema de Direito positivo.
Ele fala que o código é redundante, repetitivo porque repete os mesmos princípios da livre iniciativa, da livre empresa, da livre concorrência que estão na Constituição, e bastaria que a Constituição, no regime superior normativo, dispusesse sobre essa matéria.
A terceira crítica feita, também bastante contundente, é do Prof. Nelson Eizirik. Ele fala até que o projeto é a prática de "recorta e cola", de "control+c, control+v", tira de um canto e bota num outro, que vai aproveitando construções anteriores. Especialmente a crítica que ele faz é em relação a do código comparativamente com a Lei das S.A., que seria o nosso grande monumento jurídico do Direito Comercial. E ele faz essa crítica entendendo que o código poderia dificultar ainda mais - ou dificultar - a interpretação, a construção harmônica que a jurisprudência veio dando à Lei das S.A., que é uma lei que tem quase 40 anos de vigência e que é uma lei que tecnicamente foi muito bem elaborada.
Mas uma das críticas que se faz é que o projeto do Código Comercial é obra de uma única pessoa, que seria o Prof. Fábio Ulhoa, quando, na verdade, hoje, já não é mais: hoje já é uma construção coletiva que vem sendo discutida há sete anos, em vários e vários eventos e audiências públicas como esta.
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Mas a Lei nº 6.404, esse monumento jurídico do Direito Comercial, foi construída por duas pessoas, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, isso naquele momento não foi momento, não razão para nenhuma crítica.
A partir dessas críticas, a imprensa especializada e a imprensa em geral vem fazendo uma série de contestações ao projeto de código. São daí, eu acho, os fundamentos, as razões extra-acadêmicas que vêm sendo disseminadas no seio da opinião pública de modo geral.
Em outubro do ano passado houve um editorial do jornal O Globo falando dos riscos no projeto do Novo Código Comercial, apontando exatamente que o Brasil tem excesso de leis. Isso é uma repetição que se faz ao longo dos anos como se nós tivéssemos excesso de leis, e esse excesso de leis dificultaria a atividade, o funcionamento e as relações interempresariais. O editorial critica o código, mas traz uma estatística do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação que exatamente trata de normas tributárias, que não tem nenhuma relação direta com as normas que são reguladas ou que serão reguladas numa legislação comercial.
É sabido que num sistema, num regime tributário existem três esferas legislativas - a União, os Estados e os Municípios -, cada uma legislando com seus tributos, com seus impostos de uma maneira bastante profunda. E num sistema, num regime comercialista não: a única competência legislativa é da União federal. Então, não existem três esferas legislando nessa matéria. Isso se traduz em uma inverdade que é facilmente desmentida. Eu me dei ao trabalho de organizar um quadro com as principais normas legislativas no Brasil, para desmentir essa colocação que vem sem repetida à profusão.
Se nós juntarmos toda a legislação comercial hoje que há nos códigos, na legislação supletiva - tirando o Código do Consumidor, que é uma regulação de Direito Econômico mais específica -, nós vamos chegar a que no Brasil, hoje, nós temos quase 2 mil normas jurídicas regulando diretamente a microatividade empresarial. Se nós formos comparar essa regulação brasileira com a legislação norte-americana, que seria o modo comparativo - não vamos comparar a economia brasileira com a economia norte-americana, mas o modo de regulação -, o sistema capitalista é um sistema extremamente normatizado. Ou seja, é uma história normativa que vem ao longo de séculos regulando a atividade econômica nos Estados Unidos de uma maneira ultradetalhada - ultra! Então, nos Estados Unidos há hoje 47 mil normas comerciais, vários códigos federais e leis estaduais também regulando a atividade comercial, a atividade empresarial.
Então, isto é uma falácia absoluta dizer que o Brasil tem um excesso de leis comerciais. Ou seja, isso não cola na realidade porque a realidade do sistema capitalista norte-americano... Não sou eu que estou dizendo: se vocês forem fazer consulta a esse link, vão encontrar uma legislação muito mais detalhada ainda, do ponto de vista normativo. Então, cai por terra essa primeira argumentação de que o Brasil é um país que tem excesso de normas.
Outro editorial mais recente, agora de março, diz que o Novo Código Comercial é monumento à burocracia. Então, são chavões que se jogam, que se colocam. Ele aponta uma pesquisa do Insper que diz que, além de ser extremamente burocrático, o Código Comercial vai gerar um custo enorme para as empresas, e cita ali R$26 bilhões, num estudo feito por uma economista do Insper. E o economista Marcos Lisboa, que é o Presidente do Insper, diz que: "Não, nós não devemos ter uma modificação ampla no sistema normativo brasileiro, no código". Vamos fazendo pequenas mudanças passo a passo - esse passo a passo pode demorar mais de 10 anos, 15 anos, 20 anos -, e a situação de indefinição normativa da ausência de um marco regulatório consistente, coerente e sistemático como é o projeto vai esperar mais alguns anos.
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A economista do Insper Luciana Yeung, que fez esse cálculo - esse é o cálculo mínimo do impacto -, parte de um critério que é completamente despropositado, completamente incoerente. Ela pega o número de artigos do código, seiscentos e tantos artigos, e multiplica por um fator x, que é o fator de litigiosidade nos processos entre empresas, baseada na Lei de Recuperação e Falência, que é uma lei de litigiosidade porque é uma lei envolvendo credores que não recebem o seu crédito porque o devedor está em situação de insolvência. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O código é uma lei principiológica dirigida à solução de conflitos ou para prevenir conflitos de interesses nas relações interempresariais. Ou seja, parte-se de um pressuposto completamente equivocado para se chegar a uma outra conclusão ainda mais equivocada. Não tem como aceitar qualquer cientificidade nessa pesquisa do Insper.
E aí há lá um quadro que fala da função social da empresa. Toda vez que houver um conflito e que se disser que existe uma discussão sobre se a empresa tem função social ou não para aí quebrar uma regra contratual em favor do empresário devedor haverá um conflito, esse conflito irá para o Judiciário, e o Judiciário terá uma carga de trabalho maior para decidir. E aí ela faz um cálculo, e lá no final ela fala que não são apenas R$25 bilhões ou R$26 bilhões, mas R$182 bilhões de possível litigiosidade no País. Quer dizer, é uma conta a que não se chega nunca, uma conta completamente equivocada.
Então, essa argumentação que está sendo apresentada na imprensa como sendo a verdade absoluta em crítica ao Código Comercial é finalizada comparando o Brasil à Faixa de Gaza, que todo mundo sabe que nem país é; é uma faixa dentro de um território, um território palestino dentro de Israel que não tem minimamente economia -, falando que o relatório Doing Business coloca o Brasil no 125º lugar dos países que não têm estrutura normativa e não atendem satisfatoriamente à regulação das suas relações jurídicas, quando, na verdade, o Brasil não está na situação 125º, ele está na 176º (dificuldade para criação de empresas ou para regularização de empresas pelas contradições existentes no regime normativo do Código Civil). Essas questões é que estão sendo mal colocadas e muito mal discutidas no Brasil.
Para encerrar, Senador, o que eu aponto é que o código não está pronto. Nós estamos aqui discutindo ainda uma série de propostas de melhorias no código. Eu faço algumas críticas também ao código: ele tem de ter mais conexão com a nossa historicidade - é aí que eu puxo esse gancho que o senhor colocou no início para a nossa história, a história de Pernambuco, a história do Brasil. Nós precisamos trazer esses princípios para dentro das suas relações com os costumes mercantis.
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Mas, na verdade, o nosso Código Civil é absolutamente insuficiente para regular as regulações complexas da atividade econômica na nossa realidade de mercado, porque é um código, como dizia Pontes de Miranda, que tem uma data mental de 80 anos, ou seja, baseado no Código Civil da Itália, de Mussolini, de 1942. Ali sim foi recortar e colar. Na época não tinha ainda Word, mas recopiaram tudo que estava no código de Mussolini e trouxeram para o Código de 2002.
Existe uma absoluta desconexão do Código de 2002 com a construção histórica, com os usos, com os costumes, as práticas mercantis do direito comercial brasileiro, a começar por esse conceito esdrúxulo de sociedade empresária, que nunca ninguém sabe o que é e nem sabe como até hoje chegaram a essa definição, e outras aberrações jurídicas que vieram no Código de 2002.
Houve uma desmercantilização da empresa no Código Civil, ou seja, a tentativa de suprimir a natureza comercial da atividade econômica. Isso é um absurdo! Isso foi uma grande heresia cometida que vem corroendo, a cada dia mais, de contradições teóricas - contradições conceituais - a atividade dos empresários, que até os empresários ficam com a cabeça complicada para entender os conceitos trazidos pelo Código de 2002.
Por fim, nós temos, como o Prof. Fábio colocou, dentro da sua visão bastante didática, a necessidade urgente e absoluta da fixação de um regime próprio de direito empresarial separado da generalidade do direito civil e do sistema protetivo do consumidor.
O legislador alemão foi muito mais inteligente, obviamente, em termos da atualização tecnológica, ao jogar o direito do consumidor para dentro do Código Civil. Pronto! Porque a relação de consumo é uma relação de direito comum, mas a atividade empresarial jamais poderá ser uma relação de direito comum para ser regulada pelo Código Civil. Daí que há necessidade objetiva e absoluta da aprovação de um Código Comercial.
Muito obrigado pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Prof. Ivanildo.
Na sequência, eu ofereço a palavra ao Dr. Hermann Dantas.
O SR. HERMANN DANTAS - Bom dia a todos.
Agradeço primeiramente o convite recebido do gabinete do Senador Fernando Bezerra. Represento aqui a Fecomércio de Pernambuco e também a CNC, que participa desse projeto do Código Comercial desde sua gênese, porque a CNC é um órgão que está sempre apoiando esse projeto.
Eu tinha preparado um roteiro, mas os temas já foram abordados aqui. Então, para não cansar muito vocês com coisas repetitivas, eu separei alguns tópicos e queria fazer somente algumas complementações.
Sr. Senador da República, na minha visão, quando houve a unificação do Código Civil de 2002, conforme falou o Prof. Ivanildo, ocorreu um pecado legislativo: a unificação do direito civil com o direito empresarial. São ramos autônomos.
Eu falarei um pouco de mim, porque muito do que eu iria falar aqui já foi dito. Eu fiz Direito circunstancialmente. Eu era empreendedor. Sou pernambucano e morava no Paraná. Era empreendedor, tinha negócios lá, trabalhava com ramo de franquia e fui fazer um curso de direito comercial, noções de direito comercial, na Universidade Federal do Paraná. Eu comecei a gostar daquilo e achei interessante. Por quê? Porque, como falou o Prof. Eduardo, aquela exploração jurídica que existe hoje de princípios eu sentia como empreendedor, no momento.
Quando chegava numa relação de consumo, dignidade humana, princípio do coringa, que todo mundo usa para tudo hoje em dia, abarca aquilo ali. Chegava numa relação de trabalho, dignidade humana, abarca aquilo ali. Quando chegou numa relação empresarial com um fornecedor meu, por ele ser um pequeno fornecedor, quando chegou num litígio judicial, a dignidade humana do pequeno fornecedor abarca isso aí. Eu disse: olha, eu vou parar de ser empreendedor, porque deixei de ser o proprietário e estou sendo o próprio otário da história. Comecei a avaliar minha situação, porque eu estava perdendo a garra de ser empreendedor. Então, eu disse que iria estudar direito empresarial. Decidi estudar Direito, para depois aprender um pouco mais de direito empresarial. Pensei: já que eu tenho um pouco da noção prática, deixe-me transformar isso com conhecimento jurídico.
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Eu escuto comentários... Eu ia fazer algumas críticas, e o Prof. Ivanildo muito bem relatou. Eu escuto comentários de pessoas dizendo que o Código Comercial está acabando com o direito do consumidor, está acabando com o direito do trabalho. Minha gente, o Código tem um capítulo do fato jurídico empresarial. Eu preciso saber qual foi o suporte fático de uma relação jurídica para daí determinar qual regra do Direito eu vou aplicar.
O nosso código, o nosso projeto fala do fato jurídico empresarial. Então, ele regula as relações entre empresários. Isso que eu tenho escutado por aí, que para a relação de consumo vai ser aplicado, não tem como aplicá-lo! Essa aplicação me fez perder o meu espírito empreendedor. Quem me conhece sabe disso. Eu era empreendedor nato. Eu perdi o meu espírito empreendedor devido a essa insegurança jurídica que estamos vendo no País.
O código fala do princípio da boa-fé. É aquela boa-fé objetiva mesmo, que você deve analisar no caso concreto. Geralmente as pessoas entram de boa-fé nas coisas. Ninguém monta um empreendimento, como o Prof. Fábio muito bem falou... Eu não larguei minha família, não larguei meus amigos para ir empreender no Paraná? Eu arrisquei naquilo ali.
Então, quando eu faço uma relação jurídica, estou de boa-fé de que aquela pessoa vai cumprir os compromissos. Aí a pessoa não os cumpre e depois vem o Judiciário e flexibiliza tudo? Fica difícil para a gente, que é empreendedor, continuar com essa gana de querer tocar empreendimentos no País.
Eu brinco e digo que a aplicação dos princípios, hoje, parece o especial do Roberto Carlos, na Rede Globo: você espera o ano todo. É uma coisa pela que você espera. Se é uma coisa que passa uma vez no ano, é algo para você utilizar em último recurso. Aí chega o especial do Roberto Carlos, e ele vai cantar com uma cantora que canta funk! Quer dizer, meio que perde aquela expectativa! É o que eu tenho dos princípios hoje. Eu vejo os princípios, mas eles são usados de forma aleatória.
A gente fala do princípio da dignidade da pessoa humana, que está no inciso III, da Constituição, em seu art. 1º, fundamento da República. Mas é fundamento da República, no inciso IV, a livre iniciativa. Eu não vejo essa discussão quando o assunto é a livre iniciativa. A dignidade humana eu escuto para todo mundo, para tudo. Todo mundo fala em dignidade humana. O cara está no primeiro ano da faculdade de Direito, entrou no curso, qualquer negocinho que acontece com ele: "Olha, minha dignidade humana!" Mas vemos lá, como fundamento da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa. Eu não posso ter uma livre iniciativa onde eu tenho insegurança jurídica.
O código traz coisas muito interessantes, traz novidades. Como eu fui microempresário, fui microempreendedor, aqui no meu mestrado do FPE eu mostrei em números, na minha apresentação, que quase 99% dos empreendimentos no Brasil, hoje, ou são microempresas ou são empresas de pequeno porte. São quase 99%! É um número muito grande porque nós somos um povo empreendedor. Quem aqui, numa faculdade, num ambiente, alguém começa a... Uma colega de sala começa a vender um doce gostoso: "Rapaz, por que tu não montas um negócio com isso?" É isso que a gente escuta. Nós temos essa característica de sermos um povo empreendedor também.
O código trouxe algo muito interessante que se chama a empresa individual em regime fiduciário, o microempreendedor em regime fiduciário. O que seria isso?
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Eu separo um bem meu, eu afeto aquele meu bem ao meu negócio e aquele bem é vinculado como garantia do negócio que eu estou montando. Por que hoje? Porque hoje o empresário individual é uma pessoa física com CNPJ, hoje ele é isso. Agora, essa possibilidade do regime fiduciário é muito boa, porque ou eu vou montar uma sociedade de fachada, já que para você montar uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, uma Eireli, você tem que ter um capital de cem salários mínimos. Nem todo mundo consegue montar uma empresa com capital de cem salários mínimos. O que a pessoa faz? Coloca um parente, monta uma empresa de R$10 mil, aí pega lá uma namorada, uma mãe e um primo e coloca 99% das costas dele numa pessoa e 1% ele chama um amigo para quebrar o galho. Você tem uma sociedade de fachada, você não tem a sociedade de fato.
Então, esse tópico que o Código trouxe, do regime fiduciário, eu achei brilhante essa ideia, Prof. Fábio. Porque o que acontece? Hoje, o pequeno empreendedor separa lá um automóvel que ele tem, ele afeta aquele bem ao patrimônio dele e ele monta a empresa dele e o patrimônio pessoal dele não se confunde mais com o patrimônio da empresa, essa é uma coisa extraordinária.
O Código está trazendo aí o comércio marítimo, novamente trazendo aqui para o Código.
Inclusive, quero registrar a presença aqui da Drª Ingrid Zanella, que é Presidente da Comissão de Direito Marítimo Portuário da OAB de Pernambuco, pessoa que tem muito a colaborar aqui nesses projetos; o Prof. Ticiano Gadêlha está ali, que é o Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB-Pernambuco; a Profª Renata Oliveira, Professora de Direito Empresarial também, mais uma lutadora e entusiasta da matéria do Direito Empresarial; e a equipe aqui da Fecomércio-PE, o Dr. Almeida, o Dr. Jorge, o Dr. Luís Rodrigues e o Dr. Alessandro.
O comércio marítimo trouxe uma coisa interessante também, trouxe o agronegócio para o Código. A gente vê como o agronegócio movimenta a economia neste País. Trouxe regras claras para colocar no Código Empresarial, para dar segurança para as pessoas desse ramo tão importante para a economia. Afinal de contas: "Agro é pop, agro é tech, agro é tudo", não é? (Risos.)
É uma coisa interessante que isso venha para o Código.
Como falei, eu tenho um discurso pronto, mas muitos temas que eu iria falar aqui pela sequência foram ventilados. Não repetir no começo da fala, não falar o que já foi dito para vocês.
Eu só posso dizer a vocês o seguinte: é de crucial importância para o País o Código Empresarial, e eu lhes falo com ex-empreendedor, que espera um dia voltar a ser. Mas eu preciso de segurança jurídica. Se eu não tiver segurança jurídica - eu falei aqui, meus amigos são testemunhas do que eu digo -, eu viro flanelinha, porque ali sou eu sozinho, mas eu não monto nada, porque eu preciso de segurança jurídica. Espero que esse Código Comercial seja aprovado, porque ele visa à segurança jurídica.
Muitas crises, como o professor rebateu, não consigo entender, algumas até sem fundamento, ele provou aqui que algumas estão sem fundamento. Não sei se é a crítica pela crítica, não sei, não consigo entender.
Mas estamos aí firmes, contem com a Fecomércio-PE; contem com a CNC - está ali o Elielson, representando a CNC -; contem com minha humilde participação no que precisarem.
Obrigado por tudo a vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Dr. Hermann.
Agora, fechando o nosso painel, ofereço a palavra à Drª Fabiola Pasini.
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A SRª FABIOLA PASINI - Bom dia!
Bom dia, Presidente, Senador Fernando Bezerra!
Primeiramente, eu gostaria de cumprimentá-lo por esta iniciativa da Comissão Especial em franquear esse debate tão amplo que está sendo realizado não só em Brasília, mas por todos os rincões do nosso País. Já tive notícia de outras audiências públicas que foram realizadas em outros Estados da Federação, e o senhor mesmo noticiou que outros Estados ainda também serão contemplados com esse amplo debate que está sendo feito em todo o nosso País.
Quero cumprimentar também o Prof. Fábio Ulhoa e deixar aqui o nosso sincero reconhecimento por esse trabalho árduo, Professor, que o senhor vem desenvolvendo em prol de todos os comercialistas do Brasil. O trabalho frente a essa Comissão de Juristas que elaborou um anteprojeto no Senado e também o trabalho junto à Comissão de Juristas, na Comissão Especial da Câmara. É um trabalho, uma dedicação realmente ímpar que dificilmente se vê entre os juristas aqui no nosso Brasil. O senhor está de parabéns.
Em nome do senhor também quero cumprimentar todos os demais juristas que fizeram parte da Comissão Especial e quero cumprimentar também os expositores que estão aqui, o Dr. Eduardo Serur, que está aqui ao meu lado; o Prof. Ivanildo, com quem tive o prazer de conversar logo no início aqui, e também o Dr. Hermann Dantas.
E devo dizer que o maior desafio foi passado para uma mulher aqui à Mesa. Estou aqui falando em nome da Fiepe (Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco), que convidou a CNI para falar em nome de todo o setor produtivo da indústria do Brasil. Portanto, venho falando em nome do setor produtivo que ela representa.
A CNI, como todos vocês sabem, dentro do plano confederativo, é uma entidade sindical de grau superior, portanto, está no topo da pirâmide de representação sindical e aqui, no caso, da categoria econômica, da indústria. E viemos falando em nome da indústria. Não falamos em nome de nenhuma academia, não falamos em nome de nenhum escritório, não falamos em nome de nenhum órgão de imprensa; falamos em nome dos empresários industriais, que expressaram a sua vontade, expressaram o seu posicionamento com relação ao Código, ao anteprojeto, ao projeto de Código Comercial e, como já venho expressando, por meio de uma agenda legislativa que eu trago aqui para todos conhecerem - o senhor já com certeza sabe disso, já conhece.
A agenda legislativa é a expressão da manifestação do posicionamento transparente que é feito pela indústria para todo o Congresso Nacional e para toda a sociedade brasileira sobre os projetos que apoia e os projetos que não apoia. Fazem parte desse processo que escolhe esses projetos que são apoiados ou não 27 federações de indústrias e, nesse caso particular aqui, foram 60 associações industriais - 60 associações industriais! Portanto, nós estamos falando de representantes quer dentro do sistema sindical, quer de associações de indústrias que se posicionaram contrariamente ao Código.
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Falou-se muito aqui em oportunidade, Senador. Evidentemente que oportunidade não nos cabe definir. A legitimidade para definir oportunidade de votação de qualquer projeto de lei só cabe ao Congresso, quem define isso é o Congresso.
Agora, nós não podemos nos furtar de contribuir com esse processo legislativo. E, nesse aspecto, a indústria manifestou-se contrariamente - o pequeno industrial e o grande industrial -, porque nós temos ali grandes associações, Abimaq, como também temos associações que são formadas majoritariamente por microempresas e empresas de pequeno porte. Aliás, um dos conselhos temáticos que faz parte da CNI (Confederação Nacional da Indústria) é o conselho da microempresa e empresa de pequeno porte. E o posicionamento deles também referenda contrariamente, também é referendado nesse sentido, contrariamente ao projeto de Código Comercial. Por quê? Porque o empresário, pelo menos do setor que nós representamos, enxerga em mais um arcabouço jurídico do tamanho que é um código um grande desafio.
Como se não bastasse - o Prof. Ivanildo colocou ali - a relação de todas as leis que nós temos que poderiam ser sintetizadas num único instrumento, se trata de mais um instrumento consolidando uma legislação que trará uma série de novidades para esses industriais e que, portanto, os desafia, e também poderá ocasionar e ocasionará um possível temor no que diz respeito à jurisprudência que vai ser construída a partir daquilo.
Muito se falou aqui em clareza, em segurança jurídica, em clareza das decisões, clareza das leis e tudo mais, e a segurança jurídica é um dos fatores-chave que foi apresentado no mapa estratégico relacionado a 2013 até 2022, e definitivamente um ponto que define a falta de segurança jurídica, por exemplo, é sobreposição de leis, sobreposição de normativos. E, nesse projeto aqui, Senador, com todo respeito, nós enxergamos uma série de sobreposições de leis - eu vou citar daqui a pouco alguns exemplos aqui. Portanto, isso tudo contribui para um cenário não de segurança, mas de insegurança jurídica.
E, nesse aspecto, quero entrar especificamente na parte que trata do processo empresarial, assunto sobre o qual não se discutiu aqui. Mas, na parte do processo empresarial, nós temos um Código de Processo Civil que foi recentemente aprovado, que foi amplamente debatido também no Congresso e que primou pela celeridade jurídica. E nós enxergamos aqui, dentro desse projeto, a criação de um microprocesso empresarial.
Qual é o problema que nós enxergamos nessa criação de um microprocesso empresarial? O que nós vemos é a transposição, a transcrição, inclusive, algumas vezes de dispositivos que hoje estão constando no Código de Processo Civil, que tem pouquíssimo tempo de vigência, mas simplesmente a transcrição desses dispositivos para dentro de um Código Comercial que nasce com um conceito material, mas também processual. E aqui eu poderia citar alguns exemplos, como a questão do negócio jurídico, que no Código de Processo Civil vem disciplinado no art. 191, o novo Código de Processo Civil, e aqui ele também é disposto no art. 949 do projeto.
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Nós também temos a questão que também é reproduzida do Código de Processo Civil no que diz respeito às provas - os arts. 955, 719, 720, 957 - que são reproduções dos arts. 373 e 370 do Código de Processo Civil. Nós temos também o art. 960 e seguintes que reproduzem os arts. 439 e 441 do Código de Processo Civil. Nós temos na parte de exibição de documentos os arts. 962 e 964, que também são transcrições do Código de Processo Civil.
Enfim, temos uma série de dispositivos que estão atualmente previstos no Código de Processo Civil que são transcritos ou escritos muito à semelhança do que já está previsto hoje no nosso normativo processual. Isso é um exemplo claro de sobreposição de normas. E, portanto, é uma causa de insegurança jurídica a nosso ver.
Mas esse é um dos pontos sobre os quais nós nos manifestamos, a CNI se manifestou contrariamente. Aqui, na agenda legislativa, quando firmou o seu posicionamento contrário ao Código Comercial, também foram referendados outros dispositivos, como a questão do punitive damages, que também vem previsto no projeto de código. A aplicação do punitive damages se dá por desafiar a boa-fé unicamente. Enfim, há outros temas que também são trazidos aqui na nossa posição, que é de divergência. Portanto, nesse sentido, a CNI mantém o seu posicionamento contrário ao projeto de código.
Foi dito também pelo Dr. Ivanildo sobre outras leis, como o Código Civil, como a Lei de Arbitragem, que teria mais de 30 anos, mas sobre a qual se diz que passou por uma recente reforma em 2015 a Lei de Arbitragem. E já foi encaminhada uma alteração da Lei de Falências e Recuperação Judicial, que nós também sabemos que está no âmbito da Casa Civil. Portanto, Prof. Fábio, o que a CNI defende é que haja aprimoramentos pontuais na nossa legislação, de modo que não haja uma ruptura abrupta do sistema que atualmente nós já estamos vivendo. E já existe, sim, uma centena de projetos de lei no Congresso Nacional que objetiva aperfeiçoar o Código Civil, a Lei de Arbitragem, a Lei de Falências e tantas outras leis que digam respeito a essas relações empresariais.
Como foi dito, não se trata de um mero discurso de contrariedade, mas de um discurso institucional que é referendado por uma centena de empresas industriais, que é representado pelo sistema sindical e pelas associações industriais.
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Então, dentro do desafio que me foi imposto aqui de ser uma voz dissonante, quero, Senador, deixar consignado o nosso profundo respeito e dizer que somos contrários, sim, e esse é um posicionamento que não é da CNI como entidade, mas como entidade representativa de toda a categoria econômica. Isso está transparente, claro, foi referendado, consta aqui da nossa agenda legislativa, como já constava em anos anteriores - desde 2013, 2014, já consta esse posicionamento aqui na agenda.
Mas nem por isso, Senador, nós iremos nos furtar do dever de contribuir para essa construção. Não é porque temos um posicionamento contrário que simplesmente fecharemos os olhos e deixaremos que as coisas aconteçam.
A CNI é uma entidade sindical que trabalha diariamente para que este País seja economicamente viável, para atrair investimentos e para a manutenção também dos empregos, afinal de contas, sem isso, nós não podemos desenvolver um país.
Portanto, nós somos contrários, mas também iremos, naquilo que for possível, dentro do Congresso, contribuir para a construção desse instrumento. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Muito obrigado, Drª Fabíola.
Vamos entrar agora na parte da participação dos nossos convidados, com as perguntas de plenário.
Na realidade, para quem desejar dirigir perguntas, o microfone aqui está à disposição.
Peço que se apresentem, que se identifiquem e direcionem a sua pergunta aqui à Mesa.
Peço ainda que não demorem mais de dois minutos para fazê-lo... (Risos.)
Não; é que alguém pode querer fazer uma observação e acabar se estendendo. Então, já advirto para não se estenderem e nós teremos a oportunidade de ouvir o maior número possível de participantes.
Eu só queria fazer aqui um breve resumo de todas as falas que nós tivemos a alegria de poder aqui testemunhar.
O propósito da audiência pública é justamente esse, ou seja, suscitar o debate. Não temos a pretensão de que, nessas audiências, exista um amplo consenso sobre a oportunidade da iniciativa do Código Comercial brasileiro. Desse modo, é importante que eu traga aqui alguns testemunhos.
Nós já tivemos a oportunidade, lá em Brasília, de receber representantes também da CNI que, da mesma forma como a Drª Fabíola, colocaram a sua posição divergente. Contudo, diversos membros da Comissão, tanto na Câmara como no Senado, tiveram oportunidade de visitar instituições como o Banco Mundial, como o Banco Interamericano, e, nessas visitas sobre a questão da imprevisibilidade, sobre a insegurança jurídica, essas instituições recomendaram muito que as Comissões se debruçassem sobre a experiência que se verificou na Colômbia.
A Colômbia tomou a iniciativa fantástica de consolidar a sua legislação através da edição do código comercial colombiano, e todo o setor empresarial colombiano reputa como sendo dois momentos distintos: um antes e outro após a aprovação do código comercial colombiano, o que permitiu, hoje, àquele país vivenciar um momento de investimentos crescentes, de maior segurança por parte dos empresários para o risco. Então, eu acho que existe, sim, uma disposição, pelo menos das Comissões, na Câmara e no Senado, de avançar para uma deliberação até o final deste ano, mas é evidente que o Congresso é a caixa de ressonância de todos os interesses da sociedade brasileira, e todas essas posições, às vezes, contraditórias ou contrárias, terminam, em algum momento, chegando a algum consenso. Por isso que, na medida em que as nossas atividades forem ocorrendo, estaremos, cada vez mais, em contato com aqueles que se levantam contra a iniciativa do Código para que dúvidas sejam esclarecidas.
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Hoje, aqui, o Prof. Ivanildo foi muito objetivo em relação às principais críticas que são feitas e que elas terminam, pelo menos à luz do que ouvimos, sendo difícil de sustentar. Então, é importante que essas organizações possam não só se manifestar, mas também levar informações para dentro das suas associações, para dentro das suas entidades sobre a necessidade desse debate ser feito e refeito, para que nós possamos saber da conveniência ou não de avançarmos na produção de um marco legal que pode, realmente, significar um novo momento para aquilo que nós desejamos.
E o que nós desejamos? Nós queremos um país que se reencontre com a sua trajetória de crescimento e desenvolvimento, de geração de emprego; um país que está sofrido, doído, depois da mais grave recessão econômica da sua história. Então, o País deseja se reencontrar com os seus melhores momentos. E temos de apostar em um segmento que, ao longo desses últimos anos, sempre tem sido colocado muito na berlinda. As pessoas questionam muito a capacidade empresarial brasileira, a contribuição dos líderes empresariais para a construção de uma sociedade mais justa, mais igual, mais fraterna, mais solidária. Todavia, ao mesmo tempo, os empresários estão sujeitos à maior carga tributária, estão sujeitos a ambientes de mudanças frequentes e constantes do ponto de vista não só político e administrativo, mas também das decisões judiciais.
Então, como é que nós poderemos nos reencontrar com esse crescimento, com essa geração de empregos se a nós não tivermos a ousadia, a coragem de propor mudanças que, em princípio, vão enfrentar interesses? A ideia é que possamos ter novos paradigmas, que possamos construir uma nova base que enseje um novo ciclo para que o País possa virar a página de tantas dificuldades, de tantas divisões e apostar, cada vez mais, em consensos de todos os segmentos da nossa sociedade.
Portanto, feitas essas breves colocações, eu quero agradecer, mais uma vez, a participação de todos os nossos convidados, de todos os nossos palestrantes.
Vamos abrir aqui o nosso debate.
Eu te enxerguei primeiro aqui; depois, o Antônio Campos...
Quem é que vai?
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Você foi o primeiro a se levantar; em segundo, o Antônio. Vamos botar outro microfone aqui e mais um ali?
Por favor, pode se levantar, apresente-se e dirija a sua pergunta.
O SR. FRANCISCO MUNIZ - Bom dia, Senador Fernando Bezerra.
Meu nome é Francisco Muniz. Eu sou sócio do escritório da Fonte, Advogados, e professor na área de Direito Privado na UNINASSAU.
Queria agradecer o convite feito pelo Prof. Ivanildo e parabenizar todos os expositores da Mesa.
Sem mais delongas, tentando ser objetivo, eu queria tratar de um ponto - afinal, esta audiência não serve apenas para tratar sobre os pontos especificamente ministrados pelos palestrantes, mas sobre o projeto como um todo - que não foi especificamente abordado que é a questão da desconsideração da personalidade jurídica, nos arts. 196 e seguintes do projeto. A meu ver, ele traz inovações interessantes para tentar solucionar alguns problemas que nós temos hoje, como a questão da proporcionalidade na responsabilização dos sócios, mas eu ainda gostaria de saber sobre o âmbito de incidência principalmente do artigo que fala que não será desconsiderada a personalidade jurídica pela mera ausência de bens da empresa.
Tendo em vista aquele problema que vemos no §5º do art. 28 do CDC, principalmente, que diz que qualquer situação em que a personalidade jurídica for um óbice ao ressarcimento do consumidor vai ser desconsiderada. Ou seja, sabemos que aquele §5º deveria ter sido vetado; foi vetado o §1º, mas as razões de veto são as do §5º. Houve ali um problema no veto que ocasionou todo esse transtorno para as empresas. Eu queria ouvir um pouquinho sobre o âmbito de incidência desse artigo.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado.
Vamos fazer o seguinte: vamos ouvir três intervenções, para facilitar aqui os comentários por parte da Mesa, e aí nós dividimos. Na sequência, Antônio Campos, e, depois, mais um. (Pausa.)
O SR. ANTÔNIO CAMPOS - Bom dia, Senador Fernando Bezerra Coelho, Senador que honra as tradições pernambucanas, ex-Secretário de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco, que tem uma visão macroeconômica do Brasil e estratégica do que se passa nas mudanças mundiais. Quero parabenizar a iniciativa do Prof. Fábio Ulhoa; as intervenções do advogado Serur; da representante da Fiep; de Ivanildo Figueiredo, esse professor da tradicional e grande escola de Direito Comercial que é a Faculdade de Direito de Recife, de quem fui ali aluno de Roberto Magalhães e de meu padrinho em Direito Comercial também, Sileno Ribeiro de Paiva.
Pedirei permissão para fazer duas perguntas objetivas, mas antes fazendo uma breve colocação.
O Brasil vive um momento de grande tensão na economia e no direito, na prevalência da vontade do sistema financeiro nacional e internacional, que dita as regras do jogo e, com o seu grande poderio, impõe uma legislação que vai avançando em vários setores da legislação brasileira. Um cartel de poucos bancos num momento de juros baixos impõe juros altíssimos e consegue, com seu poderio, tirar esse debate dos jornais brasileiros e da grande imprensa.
Neste momento, por iniciativa do Senador Alvaro Dias, está no Tribunal de Contas da União uma importante auditoria da dívida pública brasileira não para dar calote, mas para reestruturar uma dívida que coloca todo um país, a máquina de um país para pagar uma dívida, quando se pode, de forma inteligente, fazer uma reestruturação dessa dívida sem os famosos calotes. Minha pergunta objetiva é... No Código de Defesa do Consumidor, que teve meu amigo Joaci Góes, Deputado Federal pela Bahia, como relator, e que, dentre outras iniciativas, colocou a inversão do ônus da prova naquele Código, houve um grande debate se ele se aplicava a alguns contratos entre consumidor e sistema financeiro. Embora o Código Comercial, evidentemente, disciplinará o fato empresarial comercial - e faço essa pergunta ao Prof. Fábio Ulhoa -, no que podemos avançar para ele caber no que puder nos contratos bancários?
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Vê-se, por exemplo, a alteração que está na Casa Civil, alteração que eu diria Meirelles, que tenta praticamente sufocar as recuperações judiciais que estão em curso, em que os bancos e seu grande poderio tentam alterar a Lei da Recuperação Judicial a seu favor.
Esta pergunta é ao Prof. Fábio Ulhoa: o que poderemos acrescentar neste Código para proteger o agronegócio brasileiro, para proteger a indústria nacional, que se encontra sem crédito, embora os bancos tenham noticiado bilionários lucros, para proteger o importante comércio? Vejam a tradição do comércio e da indústria pernambucana.
Ao Senador Fernando Bezerra Coelho, um dinâmico e importante Senador com assento na Câmara Alta: não seria o caso de uma audiência pública para convocar os bancos para explicarem, neste momento econômico brasileiro, o porquê desta escassez de crédito e desse spread desarrazoado em prejuízo do setor produtivo nacional?
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Vamos ouvir mais uma pergunta.
Dr. Sady.
O SR. SADY TORRES FILHO - Meu nome é Sady Torres Filho, sou professor de Direito Comercial ou Empresarial da Faculdade de Direito de Recife, e estou atualmente como Subprocurador-Geral da República, junto à Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça.
Eu queria dar um testemunho. Costumo dizer que a insegurança jurídica é o pote de ouro no fim do arco-íris. A gente não vai chegar lá nunca.
O STJ ainda está definindo competência na área de recuperação judicial: quem é competente para execução fiscal; quem é competente para execução trabalhista - isso ainda não foi resolvido -, quem é competente na questão dos créditos fiduciários; ou seja, uma série de questões de uma lei que já tem dez anos e que ainda está em aberto.
Portanto, o argumento de que este Código vai trazer maior ou menor segurança jurídica, para mim, não procede.
Lei boa para mim, Senador, é lei antiga sobre a qual a jurisprudência já se debruçou, as soluções já foram aventadas. A lei nova sempre vai trazer o custo da sua implantação. Não vou dizer que o custo seja de 20 ou 30 bilhões, mas custo haverá para a implantação de um novo Código.
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E que vai trazer insegurança jurídica, sem dúvida, vai, porque segurança não é algo que se compre no supermercado, nem que se ofereça pela mera mudança da lei. Pelo contrário, lei nova traz, por definição, insegurança, e são os tribunais, no final das contas, que vão interpretá-las.
E o que a gente vê no STJ, na minha experiência desses anos todos em que eu estou lá, é uma dificuldade que o Tribunal tem de formular a sua própria jurisprudência, eles têm uma dificuldade muito grande. E isso está se vendo agora no julgamento dos recursos repetitivos, em que há dificuldade até de formular as teses com a introdução no ordenamento brasileiro de duas grandes novidades a partir dessa visão, dessa solução jurisprudencial para a resolução dos conflitos, que é o distinguishing e o overruling. Então, agora todo dia está se discutindo isso. Os recursos chegam ao STJ, dizendo: "O meu fato não é igual àquele em que o Tribunal tem a tese adotada." Aí já vem um novo e repetitivo... Porque isso vai se repetindo, se reproduzido ao longo de muitos anos.
Então, nós não temos um tribunal eficiente na formatação da sua jurisprudência, até porque ele é grande demais. São 33 Ministros, cada um com um pensamento diferente, e é muito difícil uniformizar. E há uma mudança muito grande, novos Ministros se aposentam, mudam de turma. Eu sinto uma dificuldade muito grande na formulação da jurisprudência da Corte, da Corte superior.
Então, eu vejo que esse novo Código vai trazer mais um ponto de dificuldade. E serão anos e anos para que haja realmente um sinal, uma orientação jurisprudencial clara do Superior Tribunal Justiça. Eu só dou um exemplo, que é o exemplo do contrato de leasing. Chegou a ser sumulada a questão do pagamento do valor residual de garantia, se antecipado, se descaracteriza o leasing. Foi a questão para os tribunais estaduais, e terminou o seu Superior editando uma súmula, dizendo que o pagamento antecipado do valor residual de garantia descaracteriza o contrato de leasing quando tal, tratando-se de compra e venda a prazo.
Aí vem a Receita Federal e autua todas as empresas que fizeram isso, porque: "Não, se não é leasing, não se podem descontar do Imposto de Renda, com base no lucro real, aquelas prestações relativas ao leasing em que se pagou o valor residual de garantia antecipado." Aí isso vai ser discutido na Justiça Federal, e os tribunais federais dão soluções diametralmente opostas. Vai para o STJ e agora está na seção de Direito Público. E a seção de Direito Público julga de maneira diferente do que tinha julgado a seção de Direito Privado. E vai para a Corte Especial, e, por maioria, a Corte Especial revoga o enunciado, e fica a decisão contrária àquela inicialmente promovida pela Corte. Então, se esse é o ambiente de segurança jurídica, realmente o argumento de segurança jurídica não funciona principalmente em relação a uma lei tão complexa e nova como é o novo Código Comercial.
É só uma contribuição que eu gostaria de dar da minha experiência como membro do Ministério Público, atuando junto a uma Corte superior.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado.
Vamos agora aqui aos comentários da Mesa. Temos três intervenções. O Dr. Fábio quer fazer um comentário sobre essas intervenções?
O SR. FÁBIO ULHOA COELHO - Sim, Senador, obrigado.
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Eu queria falar a respeito da questão levantada pelo Prof. Francisco Muniz, pelo Prof. Sady Torres e pelo Dr. Antônio Campos. E teria alguma coisa a falar sobre o que a Drª Fabíola...
Não sei se... Posso? Eu tentarei ser o mais breve possível.
O Dr. Francisco Muniz levanta uma questão muito pertinente. A desconsideração da personalidade jurídica hoje é um problema muito sério no Direito brasileiro como fator de atração de investimentos. Só para se ter uma ideia, Senador, essa é uma teoria que surgiu nos anos 50, na Alemanha; em 1953, Rolf Serick a propôs como uma exceção. E a primeira vez em que essa teoria foi aplicada na Suécia foi em 2014. Em 2014, na Suécia, a gente tem um único julgado que desconsiderou a personalidade jurídica de uma empresa - um único julgado em 2014! Isso criou um alvoroço entre os teóricos suecos: "É o fim da..."
Aqui, no Brasil, seria impossível contar quantos bilhões de vezes o juiz desconsiderou. Aqui os juízes não a entenderam como exceção, não entenderam a teoria. Então, é necessário a gente ter novamente instrumentos que mostrem para o Poder Judiciário que isso é uma exceção, que não é assim: não tem mais bens a empresa, já se pode desconsiderar. Não é isso; isso afugenta investidores, isso é prejudicial para a economia. E a melhor forma de mostrar isso para o juiz - não adianta a gente fazer conferências, publicar livros, artigos - é pôr na lei.
Então, esse dispositivo que o Prof. Francisco Muniz citou tem quase um caráter pedagógico, Senador, para o juiz: "Não desconsidere só pela falta de bens da empresa." E o Prof. Francisco Muniz levanta bem: "Bom, mas isso vai ser só entre os empresários? Em que momento isso vai poder extrapolar para outros ramos em que a desconsideração também está sendo aplicada de forma distorcida, consumidor, trabalho, Direito Tributário?"
Aí, Senador Fernando Bezerra, eu acho que está o grande mérito de um código principiológico. O código principiológico muda os conceitos que os juízes passam a ter. Então, de tanto aplicar esse conceito no Direito Empresarial, ele começa a entender por que é assim, o próprio código vai dizer: "Isto é para defender a livre iniciativa, para atrair investimentos." Então, está na lei tudo o que ele precisa estudar. E nós vamos criar uma geração de juízes que também vão, depois de algum tempo, aplicar isso em outras áreas fora do Direito Comercial. Este é o grande desiderato no final: a gente começa a reforma no Direito Empresarial para depois ir para o Direito do Trabalho, Direito do Consumidor.
Dr. Antônio Campos, realmente, quanto à questão do sistema bancário aqui no Brasil, a gente precisa ter uma atenção, fazer um diagnóstico muito preciso da causa pela qual hoje a gente tem, por exemplo, poucas linhas de crédito a um custo muito grande. E o meu diagnóstico é de que nós temos aqui no Brasil uma concentração bancária muito grande, a gente tem cinco, seis bancos. E, evidentemente, nessa situação, qualquer consumidor de serviços de quase um oligopólio - cinco, seis bancos - vai estar em desvantagem.
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Entre diversas outras medidas, ocorre-me que o Código Comercial vai poder ajudar nesse quadro ampliando, melhorando as condições de negócios no Brasil e estará atraindo, com isso, outros bancos para competir aqui na nossa economia, disputando pelo consumidor e podendo oferecer aquilo que o consumidor demanda.
O colega lembra muito bem a questão da recuperação judicial, em que existe uma trava bancária. Então, dependendo do crédito, do tipo de garantia que é dado para o banco, ele está fora da recuperação judicial. Essa é uma questão que precisa ser revista. O projeto do Código Comercial não entra nesse aspecto, mas eventualmente pode ser alguma coisa que mereça a atenção do Senado.
Prof. Sady Torres, eu acho que realmente o senhor trouxe um quadro muito realista de como as coisas são. Agora, dizer que a lei boa é a lei antiga ou a lei nova... Eu vejo de uma forma um pouco diferente. Eu vejo que tanto as leis antigas quanto as leis novas precisam ser avaliadas em seu conteúdo para se verificar qual é a melhor. Então, se o legislador comete um erro, não vale a pena a gente insistir no erro. Ao contrário, a gente tem que rapidamente corrigir esse erro na lei. É assim que eu vejo.
A unificação do Direito Privado em 2002 foi um erro. Não existe nenhum, nenhum teórico que ache que aquilo foi um acerto, que a locação residencial de um apartamento pode seguir as mesmas regras de um acordo de acionista, de uma compra e venda de empresa, de um project finance. Não há esse consenso; o consenso é o contrário: que o Código Civil trouxe problemas e ele precisa ser corrigido.
E, por fim, Drª Fabíola, a agenda legislativa da CNI em 2012 foi favorável ao Código Comercial, a agenda legislativa da CNI em 2013 não tratou do Código Comercial.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FÁBIO ULHOA COELHO - Eu vou chegar à de 2014.
Em 2012 era favorável; em 2013 não tratou. Desde 2014, há esse mesmo texto que vem sendo reproduzido, e é preciso atualizar isso. Leve à CNI essa minha mensagem.
O nosso anteprojeto é de 2013, o Código de Processo Civil é de 2015. Quando nós fizemos o projeto, não estava em vigor ainda o Código de Processo Civil de 2015. Então, não dá para dizer que o anteprojeto colide com normas já existentes. Elas não existiam.
Aliás, o Ministro Bruno Dantas, do TCU, o grande processualista que estava na Comissão do Código do Processo Civil e estava também na Comissão do Código Comercial, é o grande responsável exatamente por trazer para o Código Comercial aquilo de mais moderno que havia sido colocado no anteprojeto de Código de Processo Civil, e não há inteira sobreposição.
Aqui existem algumas outras questões que a gente gostaria de mencionar.
Qual é o processo empresarial do Código Comercial? O que ele traz, qual é o núcleo, o conceito básico? Vamos trazer para o Poder Judiciário, para o processo judicial, as vantagens, as enormes vantagens que a gente já verifica no processo de arbitragem.
Só para dar um exemplo: hoje, no CPC - no CPC atual, de 2015 -, o perito é nomeado por um juiz, o juiz nomeia o perito. No Código Comercial se prevê uma outra sistemática: cada parte indica o seu técnico, e esses técnicos escolhem o terceiro técnico. É o conceito antigo, de que a prova é o juiz que faz, sendo substituído pelo conceito que veio com a arbitragem, de que a prova são as partes que levam ao juiz. Então, nós temos enormes diferenças entre o CPC e as normas do processo empresarial do Código Comercial. Existem algumas regras que se repetem, como, por exemplo, o negócio jurídico ser processual, mas isso se deve ao fato de que em 2013 ainda não havia o CPC como lei.
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Mas saúdo aqui, fiquei muito feliz com a menção de que estão abertos ao diálogo.
Senador, o meu depoimento pessoal - e já encerro aqui - é que a Fiesp já está pronta para anunciar o apoio ao projeto do Código Comercial que tramita na Câmara. Por quê? Porque houve uma série de negociações da Comissão Especial da Câmara com a Fiesp, e estão lá apenas esperando a formalização dessas negociações. Então, tenho certeza, Senador, de que o setor da indústria irá se somar ao setor do comércio, ao agronegócio, à Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e vai também trazer a sua colaboração aqui para este nosso projeto.
Obrigado e desculpe-me se me estendi um pouco.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Obrigado.
Drª Fabiola, vou lhe dar oportunidade de falar. Eu só quero avançar um pouquinho mais. Na próxima rodada...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Claro que pode.
A SRª FABIOLA PASINI - Vou só fazer um aparte. Não é posicionamento, é só para falar sobre a questão da desconsideração, que acho que é um assunto que toca muito profundamente o empresário nacional. E, nesse particular, quero lembrar um projeto do Deputado Bruno Araújo, aqui de Pernambuco, o PL 3.401, uma norma geral que vem trazendo toda...
Sobre essa parte de desconsideração, professor, o conceito que foi trazido para o Código realmente é perfeito - a questão de não se desconsiderar pela mera insuficiência de patrimônio e todos os outros dispositivos que lá estão -, porém a desconsideração do projeto se aplica unicamente às relações comerciais. É restrita essa aplicação, e isso é dito e repetido várias vezes ao longo do próprio projeto. Portanto, essa desconsideração nesse texto, que está perfeito, vai ser aplicada a essas relações unicamente.
Por outro lado, infelizmente, os requisitos do art. 50, por exemplo, para que haja a desconsideração não serão aplicados na Justiça do Trabalho e tampouco nas relações consumeristas, porque ali vão continuar aplicando esse §5º distorcido do Código de Defesa do Consumidor, que também socorre a Justiça do Trabalho, que o aplica analogicamente nas relações trabalhistas.
O CPC melhorou um pouco. Por quê? Porque pelo menos o Código de Processo Civil colocou o contraditório como obrigação a ser seguida, porém ele só disciplina a parte processual. E a reforma trabalhista também avança um pouco nessa questão da desconsideração, mas continua simplesmente tratando da parte processual; não avançou na questão dos requisitos materiais para que ocorra a desconsideração e tampouco há previsão sobre a impossibilidade da desconsideração pela mera insuficiência.
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Nesse ponto, Senador - eu insisti um pouco, fui um pouco deselegante, mas eu me permito porque sou a única mulher da Mesa -, esse projeto do Deputado Bruno Araújo é um projeto que é uma norma geral e que, portanto, será aplicada a todos os ramos do Direito - pelo menos ele nasce com esse desiderato -, e traz essa redação tão elogiada que mencionei e que consta aqui no projeto, mas que tem aplicação restrita. Ele nasceu como Projeto 3.401 e hoje ele é o PLC 69, que está no Senado, já com a redação do Dr. Armando - exatamente, a redação do Dr. Armando -, e vai voltar para a Câmara, infelizmente.
Então, queria só fazer esse aparte com relação à questão da desconsideração.
E, na parte da inversão do ônus da prova, há um dispositivo específico aqui que veda a inversão, que só possibilita a inversão quando haja expressa manifestação das partes.
Por fim, também queria falar sobre essa questão de o STJ ainda estar decidindo questões de competência, e ele vai continuar ainda a decidir questões de competência com mais um processo, um microprocesso empresarial.
Levarei as suas considerações, Prof. Fábio Ulhoa. O senhor sabe que nós trabalhamos juntos para o engrandecimento do nosso País.
Era só esse pequeno aparte.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - A ideia não é cercear aqui a manifestação dos nossos convidados. Fiquem à vontade. Estou querendo agilizar para ver se podemos ter mais uma rodada de intervenção do plenário.
Só para dar uma breve resposta ao Dr. Antônio Campos, essa semana foi instalada no Senado Federal uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a questão dos juros abusivos e extorsivos em relação a dois produtos financeiros, o cartão de crédito e o cheque especial. E aí diversas instituições financeiras estão sendo convidadas, vão ser quatro painéis de debates ao longo do mês de maio e do mês de junho, a fim de podermos endereçar essa questão do spread bancário, mais especificamente nessas duas linhas, nesses dois produtos.
De forma rápida: a concentração bancária não é uma coisa apenas do Brasil. Cinco bancos no Brasil possuem quase 90% dos empréstimos e 90% dos depósitos. Nos Estados Unidos, 50. No Canadá e na Austrália, quase 90. Agora, diferentemente do Brasil, lá no Canadá e na Austrália, o spread é menor, bem menor. A gente precisa, portanto, entender as razões que levam a um spread bancário tão alto no Brasil.
Certamente não vai ser por lei que nós vamos reduzir o spread bancário. A experiência que tivemos em 1988 foi colocar na Constituição que o juro não podia passar de 12%, e deu no que deu. Então, não é através de voluntarismo e tal que nós vamos resolver essa questão, mas compreendendo melhor como se dão essas questões dentro do nosso sistema financeiro.
Há a questão das garantias, a questão da inadimplência, a questão da execução das garantias, a questão, além da concentração, da verticalização do nosso sistema bancário. É um mesmo grupo econômico que atua em diversas fases do sistema financeiro. Então, talvez tenhamos que quebrar um pouco isso, o que vai exigir legislação.
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Agora mesmo avançamos no Senado a possibilidade de o Cade atuar no sistema financeiro. Isso era exclusivo do Banco Central. Aprovamos a lei no Senado, está indo para a Câmara, conseguimos propor, digamos assim, um entendimento entre Banco Central e Cade.
Eu sou otimista por natureza. Diferentemente do que muitos propalam, acho que o Congresso tem endereçado temas muito interessantes no sentido de atacar questões centrais que, de certa forma, limitam e impedem a ampliação da nossa produtividade e o crescimento da economia brasileira. Eu acho que essa questão do sistema financeiro vai começar a ser muito aprofundada.
E justiça se faça: há uma agenda que está sendo tocada pelo Presidente Ilan, do Banco Central, Agenda BC+, e essa agenda vem realmente produzindo resultados importantes do ponto de vista de ampliar a competição, abrindo espaço para a presença das fintechs, dessas empresas de tecnologias que estão cada vez mais crescendo em participação e atuação dentro do sistema financeiro.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Ainda é uma participação pequena. Vou dar aqui números: o mercado de crédito no Brasil é R$3,6 trilhões - no Brasil. O mercado só para pessoa física, de que nós estamos falando, que é cartão de crédito, cheque especial, pessoa física, consignado e tal, isso dá 1,6 trilhão. Onde os juros realmente estão muito, digamos, excessivos, abusivos é nesse mercado, é nesse setor, que representa quase 40%... Aliás, 11% de 3 bilhões. Corrijo: 3,6 trilhões, e 11%, que dão R$160 bilhões; é esse o número, digamos assim, extorsivo.
Os juros para as empresas jurídicas no Brasil, em média, no relatório do Banco Central, estão hoje abaixo já de 20%. São altos porque a nossa taxa básica está em 6,5%, vai cair mais ainda. Então é preciso trabalhar. E para pessoa física, a média dos juros está em 43. Então está muito alto. Nós temos que trabalhar para reduzir.
Sem mais delongas, vamos à segunda rodada, com o Deputado Severino Ninho, que pediu a palavra, e mais dois, nosso Desembargador Júlio Oliveira...
O SR. SEVERINO NINHO - Bom dia a todos! Quero cumprimentar o Senador Fernando Bezerra e parabenizá-lo por trazer esse debate a Pernambuco, cumprimentar o Prof. Fábio Ulhoa - já temos nos encontrado em outros debates -, o Prof. Ivanildo e, na sua pessoa, cumprimentar os demais palestrantes, agradecendo pela disponibilidade em debaterem aqui esse assunto.
Eu não estou mais no mandato de Deputado, saí agora, no dia 5 de abril, com a desincompatibilização. Numa data anterior, 2011 a 2014, eu fui da comissão especial, e a presença de Ivanildo aqui, meu colega de faculdade, foi iniciativa nossa por conhecê-lo como uma pessoa versada na área. A comissão de que eu fiz parte aprovou o convite para que ele participasse da reunião desta Comissão. Eu ouvi falarem muito em segurança jurídica. Eu sou advogado, não sou especialista nessa área de Direito Privado e, sim, de Direito Público. Eu tenho percebido... Eu acho que o que gera mais insegurança jurídica é a lacuna da lei, porque isso obriga o tribunal a socorrer-se dos princípios gerais do Direito, da equidade, da analogia, dos costumes. Isso, para mim, é que gera insegurança jurídica. Para mim, a lei, quando é bem elaborada e bem debatida, como está sendo este projeto, não vai gerar insegurança jurídica e, se a gerar de alguma forma, nós temos os tribunais para interpretá-la.
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Eu acho que hoje no Brasil quem mais gera insegurança jurídica são os tribunais. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo: hoje é a prisão em segunda instância. É um debate do dia a dia do País. Quem criou essa discussão? Não foi o Congresso Nacional. Aliás, não quero nem colocá-la, porque é um problema essa discussão que toma conta do País todo.
O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, criou uma espécie de aborto legal que não está na lei, que é o aborto do anencéfalo. Então, eu vejo...
O Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e o Senado, não legisla mais só entre nós ou entre eles. Para tratar de qualquer lei, por mais simples que seja, desde uma MP até leis de menor importância, nas comissões especiais se faz audiência pública, e não é uma só não. Mesmo com o prazo exíguo para se votar uma MP, as comissões especiais, as comissões mistas que tratam das MPs fazem várias e várias audiências públicas.
Então eu queria, para ser objetivo, fazer uma pergunta ao Prof. Ivanildo. O Prof. Sady Torres falou que o STJ tem dificuldade de interpretar, de criar uma jurisprudência, e ele colocou a culpa no próprio STJ e não na lei - pela composição, pela aposentadoria, pela forma como o STJ aprecia as normas. Eu perguntaria ao Prof. Ivanildo o seguinte. O que é que gerará mais insegurança jurídica: a lacuna na lei, a ausência dessa norma que trata das relações empresariais, ou a existência da lei? Se gera insegurança jurídica, qual dos dois gerará mais objetivamente?
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Deputado.
Agora vamos ouvir a intervenção do Dr. Júlio Oliveira.
O SR. JÚLIO OLIVEIRA - Eminente Senador Fernando Bezerra Coelho - aqui não vou falar de todas as suas qualidades, de todos os seus compromissos para com o Estado de Pernambuco, nossa região e o País -, ilustre Mesa, eu quero dar aqui um depoimento como advogado militante e, principalmente, aqui me fixar entre a vigência do novo Código Civil, de 2003, até a data de hoje.
Sou advogado militante, vivo unicamente da advocacia. Eu acho que, num país que pretende ser de Primeiro Mundo, não se ter um código comercial, por pior que seja, é ficar completamente fora da realidade do mundo globalizado. Para qualquer empresário que venha de fora, que venha investir no nosso País, quando pergunta se há um regramento próprio para a atividade comercial e ouve que não há, é uma distorção inconcebível na cabeça de qualquer um. Em segundo lugar, a grande vantagem para esse anteprojeto, que, com toda a certeza, será aperfeiçoado, para, consequentemente, termos um Código Comercial, é fazer a distinção para o julgador, para o juiz, para os tribunais de que há um regramento próprio. Hoje, a atividade empresarial é confundida com a atividade do cidadão porque é regida pelo Código Civil. Então, a partir do momento em que se dirigir a um juiz e a um tribunal, você dirá: "Não, há um regramento próprio." Isso já vai levar a uma reflexão.
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Em terceiro lugar, isso é imperioso principalmente para a pequena atividade empresarial, porque o grande empresário, todos nós sabemos, é fato público e notório, tem uma boa assessoria jurídica, uma boa assessoria econômica, uma boa assessoria contábil, mas o pequeno empresário hoje é que... Quantos e quantos casos recebo no meu escritório de pessoas que chegam à situação de insolvência em função de não ter uma proteção própria? Então, esse debate é importante.
Nesta semana, assisti à entrevista de Pedro Bial com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, homem que considero ilustre. Quero parabenizá-lo aqui e usar o que o Presidente Fernando Henrique disse: ter visão do Brasil. Então, é importante ter a visão do Nordeste, da necessidade do Código Comercial, a visão do Sul do País, a visão do Sudeste e a visão do Norte do País. Não podemos mais conviver com a atual situação.
Hoje já há um regramento para a Justiça do Trabalho. Com a despersonificação da pessoa jurídica, aquela pessoa que tem uma atividade econômica pequena perde tudo - essa é a grande realidade. O juiz federal - digo isto com todo o respeito ao juiz federal - passou a ser um cobrador de impostos, está fazendo as vezes da Receita Federal, porque começa hoje um processo com bloqueio. O cidadão, para ter sua defesa, já é bloqueado e, muitas vezes, não tem condição sequer de contratar um advogado para fazer uma petição, para oferecer um recurso próprio e conseguir desbloquear aquele dinheiro, que é essencial, como capital, para o funcionamento de sua atividade empresarial.
Então, eu queria aqui dar este depoimento.
E, falando de segurança jurídica, o novo Código de Processo Civil, chamado Código Fux, diz que os tribunais têm de ter uma jurisprudência sólida, estável, confiável, que não possa ser mudada no dia a dia. Estou tendo aqui uma experiência representando a advocacia, juntamente com a eminente Desembargadora Érika Ferraz, do TRE, de cobrar segurança jurídica. Você não pode, numa mesma sessão, julgar o mesmo fato de uma maneira para um e de outra maneira para o outro. Então, a questão da segurança jurídica passará a ser uma questão cultural do Judiciário como um todo, e aí incluo juízes, magistrados, advogados e membros do Ministério Público. Não tenho vida acadêmica, mas a acho essencial, fundamental para o nosso País, inclusive para sair da grave crise econômica. Hoje, chegamos a 13 milhões de desempregados, quase 14 milhões. Então, só sairemos da crise quando houver no País um regramento mínimo, por pior que seja, que nos permita saber que a atividade comercial necessita de um Código Comercial.
Então, quero parabenizá-los pela iniciativa e dizer que este projeto deve ser colocado em discussão e ser submetido à reflexão e também que a CNI, uma entidade tão representativa da atividade industrial, precisa despertar para isso. Posso aqui dizer, e permita-me a ilustre representante feminina à mesa, que isso chega a ser até uma utopia. Se essa agenda continuar como o Congresso Nacional tem funcionado, vamos cumpri-la daqui a 50 anos. Mas o País não aguenta ficar 50 anos vivendo como se estivéssemos em 1850, quando tivemos o nosso Código Comercial, para termos outro Código Comercial. Então, eu acho que é necessária, fundamental a implementação dele. Era essa a reflexão que eu gostaria de deixar para todos vocês.
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Muito obrigado.
Desculpe por me estender. (Palmas.)
O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado.
Vou oferecer a palavra ao Dr. Fernando Ribeiro. (Pausa.)
Pois não.
O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - Obrigado, Senador Fernando Bezerra Coelho.
Meu nome é Gustavo Ramiro, sou Conselheiro Federal da OAB e hoje tenho a honra de presidir uma Comissão na OAB Nacional que visa justamente a analisar esse projeto de lei que institui o novo Código Comercial. Com isso, tive a grata satisfação de já conversar inúmeras vezes com o Prof. Fábio Ulhoa e o Prof. Ivanildo e de trazer algumas preocupações inclusive em relação à atuação das juntas comerciais. O senhor foi Secretário de Desenvolvimento Econômico aqui em Pernambuco, secretaria à qual está ligada a junta comercial, e conhece bem essa realidade. O Prof. Fábio Ulhôa teve a gentileza de dar uma atenção especial a esse tema. E a gente tem discutido formas de dar um suporte melhor através dessa nova codificação.
Eu trago aqui, eminente Senador, além do posicionamento oficial que o Conselho Federal da OAB adotou em relação a essa importante legislação, o apoio integral e a associação dos nossos propósitos à aprovação dessa legislação, o que consideramos de essencial importância para que seja incrementado, seja melhorado o ambiente de negócios no Brasil. Sem dúvida, no Senado Federal, isso tem tramitado de maneira bastante notável e célere. Eu acho que isso é muito importante e nos deixa, pelo menos a mim, particularmente, muito mais entusiasmados do que eu já estava com esse projeto. Espero, sinceramente, que ele seja aprovado ainda neste ano.
Portanto, Senador, trago aqui uma nova preocupação, que já dividi com alguns amigos - sei que o Prof. Ivanildo Figueiredo tem essa mesma visão, porque já o ouvi falar sobre isso -, a respeito dos processos de recuperação judicial das empresas.
Existe hoje, na própria legislação recuperacional, certa contradição entre algumas normas que estão ali colocadas. A legislação traz como seu móvel principal, como seu coração, digamos assim, o princípio da preservação da empresa, que é nada mais do que oportunizar àquelas empresas que tenham um processo que lhes dê a chance de se recuperar, de manter sua atividade, de manter os empregos, de manter, enfim, a sua atividade econômica. Por outro lado, há também dispositivos na legislação que quase inviabilizam a recuperação da empresa. Estão lá algumas exceções de alguns créditos bancários. Na época da aprovação da lei de recuperação de empresas, dizia-se, obviamente por influência dos bancos, que essas exceções a determinados créditos bancários seriam necessárias para que o spread bancário no Brasil viesse a ser reduzido ou pelo menos não fosse aumentado. Isso ocorreu em 2005, quando a lei foi aprovada. Hoje, 13 anos depois, o spread bancário não se modificou; pelo contrário, teve um pequeno aumento nesse tempo. Então, o argumento não se mostrou verdadeiro. Esses créditos hoje, que são as cessões fiduciárias, as famosas ACCs, constituem boa parte dos créditos submetidos, dos créditos devidos pelas empresas em recuperação judicial, mas hoje não integram o processo de recuperação judicial. Então, há certa contradição entre estes dois dispositivos: o princípio da preservação da empresa, que, na minha visão, estaria acima, e essas exceções trazidas a determinados créditos bancários.
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Então, eu perguntaria à Mesa, ao Prof. Fábio Ulhoa e ao Prof. Evanildo, que tratam desse tema constantemente, se não seria esta uma oportunidade de equiparar os créditos bancários aos demais créditos, para, assim, dar uma chance real, maior e mais proveitosa às empresas, para que elas, de fato, possam se recuperar.
Agradeço a oportunidade, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado.
Tendo em vista o adiantado da hora, vamos ouvir mais uma intervenção. Estão ali me solicitando. E, na sequência, vamos passar a palavra para a Mesa, para que possa dar as respostas e fazer também suas considerações finais.
Então, passo para a última intervenção, por favor.
O SR. ELIELSON ALMEIDA - Senador, em primeiro lugar, parabéns pela iniciativa desta reunião!
Meu nome é Elielson Almeida. Sou da Confederação Nacional do Comércio.
Eu queria repisar o que o Hermann já colocou aqui. O Dr. Hermann colocou muito bem a posição do comércio.
A CNC realizou reuniões, em todo o Brasil, em todos os Estados, com as federações do comércio. Eu quero colocar aqui o posicionamento do empresariado do comércio, que é unânime em apoiar a reforma do Código Comercial, para termos um diploma que trate de forma específica as relações entre empresários.
Nem quero falar em segurança jurídica. Quero falar, em termos mais práticos, de custos jurídicos, que é um fator real que existe na planilha de contas. No registro contábil da empresa, hoje, está ali o custo jurídico. Isso representa um entrave muito grande ao desenvolvimento do País, principalmente ao comércio, que está no final da cadeia produtiva e acaba recebendo todo esse acúmulo de custos jurídicos que são colocados em cima de todos os produtos na cadeia produtiva.
O empresário tem sofrido isso, porque o produto hoje é caro também porque assume a questão do risco. Como foi bem colocado aqui pelo Prof. Eduardo, hoje os contratos são muito fáceis de serem revisados pela lógica do Código Civil. Então, hoje faço um contrato e não sei se amanhã ele vai permanecer ou vai ser revisado. Isso é algo que é colocado, é "custificado", é precificado nas relações empresariais.
Passando para a pergunta, acho que é importante analisarmos, do ponto de vista do Direito Comparado também, como o Código Comercial pode contribuir para o desenvolvimento do País. Eu queria colocar isso analisando a realidade da Itália, que foi o parâmetro no qual se promoveu a unicidade civil no nosso País, no Código de 2002. A Itália hoje está, no índice Doing Business do Banco Mundial, atrás do Cazaquistão, de Kosovo e de Ruanda. Então, eu queria perguntar à Mesa se há, no paradigma do Direito Comparado, algum país que adote a unicidade civil e que possa servir de parâmetro, de exemplo para o Brasil de onde nós queremos chegar em desenvolvimento, em facilidade de se fazer negócio.
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Há algum país que sirva de exemplo, que adotou a unicidade civil e que trata o empresário como meras relações civis ou como relações de consumo, como temos hoje? No meu entender, hoje, sim, vive-se numa sobreposição de leis, porque o julgador acaba se utilizando de princípios da área do trabalho, de princípios da área consumerista, de princípios da área tributária dentro da área empresarial.
Então, a minha pergunta é esta: há algum país que adote a visão única, unificada, do Direito Civil, que trate empresários como relações civis comuns, e não especificamente, e que possa servir de exemplo para o nosso País?
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Obrigado.
Vamos, agora, à parte final desta nossa audiência pública.
Vou oferecer a palavra aos nossos palestrantes, começando pelo Dr. Hermann.
O SR. HERMANN DANTAS - Ouvindo as considerações da plateia, concordo com o que se falou: não haver um código que regula as relações privadas é um verdadeiro absurdo, no meu entendimento também. Como posso captar o investimento estrangeiro, como posso atrair investimento para o Brasil - esta é a primeira pergunta - se não há essa regulamentação, se não há esse diploma legal? Há várias leis esparsas, e tenho de me inteirar de toda aquela legislação. Eu poderia, de repente, num diploma único, abarcar não tudo - isto seria uma utopia -, mas, pelo menos, grande parte disso, para tentar passar essa segurança jurídica.
Quanto à questão que o Elielson falou, se há algum país que se possa comparar com o Brasil, um estudo do Banco Mundial comprova que países onde há essa união, essa unificação entre Direito Civil e Direito Empresarial, estão bem atrás. Eles estão bem atrás mesmo. Por exemplo, aqui na América Latina, você vê - e eu falei da livre iniciativa na minha fala - que o Chile é o sétimo país hoje sob livre iniciativa e, por coincidência, é o país que mais cresce na América Latina. Então, não é à toa que as coisas vão surgindo.
Há outra coisa que comento. Até para quem defende um Estado intervencionista na área de políticas sociais, é sabido que o Estado tem a receita derivada e a receita original. A maior arrecadação do Estado hoje se dá através de tributos, e os tributos surgem através de fatos geradores. E quem mais gera fato gerador para a incidência de tributos são as empresas. Então, quanto mais empresas houver no cenário econômico, empresas pequenas, médias e grandes, mais fatos geradores surgirão, mais o Estado terá capital, e, de repente, até mais políticas sociais eu possa pensar em fazer. Por quê? Porque haverá esse fato gerador, esse montante financeiro entrando para os cofres públicos, para daí a gente se programar.
Eu reitero a palavra do Elielson. Eu agradeço a participação de todos.
Novamente, eu estou em nome da Fecomércio, mas também como um braço da CNC.
Contem com a gente! O apoio - como ele falou, ele trabalha na parte legislativa - é total das federações do comércio e da Confederação Nacional do Comércio para o projeto do novo Código Comercial.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Dr. Hermann.
Vou oferecer agora a palavra ao Prof. Ivanildo Figueiredo.
O SR. IVANILDO FIGUEIREDO - Muito obrigado, Senador Fernando Bezerra.
Agradeço, mais uma vez, a participação.
Este evento, hoje, foi muito produtivo. Os debates foram bastante profundos e trouxeram as questões mais relevantes desse cenário político que hoje estamos discutindo.
Quanto à questão levantada pelo nosso amigo Deputado Ninho sobre a insegurança jurídica, eu concordo plenamente com o Prof. Sady: a segurança jurídica é um pote de ouro a ser buscado, mas a questão é o nível da insegurança jurídica; esta nunca vai desaparecer.
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O Código não tem a pretensão de acabar com a insegurança jurídica. A pretensão dele, o objetivo é a redução progressiva dessa insegurança jurídica, porque a segurança jurídica estará nas mãos daqueles que julgam, que aplicam as leis. Quanto melhor for a Justiça especializada, e esta é uma questão que vem sendo trabalhada já há algum tempo, a formação de juízes e de magistrados com capacidade técnica suficiente, muito mais do que satisfatória para lidar com problemas complexos como os do empresariado - o ideal é que também a arbitragem, às vezes, tenha um papel fundamental nessa composição dos conflitos jurídicos -, mas quanto melhor for a lei... E aí eu vou discordar do meu amigo Júlio Oliveira: o Código, por pior que seja, é bom, o Código é estruturado, bem-estruturado, o Código é coerente. É preciso fazer alguns ajustes ainda, mas acho que, numa oportunidade como esta, estamos trazendo novas ideias.
E essa questão da melhoria do ambiente de negócios que vai se dar é em razão da fixação de um marco regulatório coerente com a realidade de mercado. O Código Civil não tem nada a ver com a realidade de mercado, é uma coisa feita em outro sistema, em outro momento histórico.
Hoje, não existe mais sistema unificado na Itália. Lá ele foi abandonado desde 1960. A Itália hoje está plenamente integrada à normatividade da Comunidade Europeia, que, em matéria comercial, também tem uma série de marcos regulatórios, societários e contratuais de comércio exterior muito próximos daquilo que está sendo proposto pelo nosso Código, para inserir o Brasil nessa esfera, no mundo globalizado, com uma legislação compatível com os tempos atuais.
Quanto à questão que o Dr. Gustavo Ramiro levantou, jamais deveria existir diferenciação ou distinção entre credores sujeitos e não sujeitos numa recuperação judicial. Todos deveriam estar sujeitos. Essa invenção de credores não sujeitos foi uma invenção que veio no meio de uma emenda, na Câmara dos Deputados, e que passou a prevalecer. A interpretação que se dá à questão da trava bancária hoje é ampliativa, e nisso discordo do nosso querido Prof. Fábio Ulhoa, nosso guru comercialista. Sou totalmente contrário à trava bancária. Acho que a interpretação que se dá ao §3º do art. 49 é uma interpretação ampliativa, quando não cabe interpretação ampliativa ali.
Então, essas questões de aperfeiçoamento da legislação estão vindo no bojo dessa discussão. E acho que o aperfeiçoamento desse marco regulatório não poderia caminhar em outro sentido senão com a aprovação do Código Comercial.
Muito obrigado, Senador. Eu agradeço, mais uma vez, a participação.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Prof. Ivanildo.
Na sequência, vamos ouvir a palavra da Drª Fabiola.
A SRª FABIOLA PASINI - Para finalizar, quero concluir com o art. 170 da Constituição. Quando se fala das decisões que são proferidas pela Justiça, que, muitas vezes, padece por não possuir magistrados preparados para aplicações específicas, para aplicações especializadas, no que se refere, por exemplo, às relações empresariais, por uma farra de princípios que vinha sendo utilizada, nós não podemos esquecer que a nossa Carta Maior já traz, no art. 170, a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Portanto, antes de uma previsão no Código, que é uma lei ordinária da livre iniciativa, nós temos uma previsão constitucional da aplicação da livre iniciativa.
O que se busca, quando se fala da segurança jurídica como um pote de ouro, é algo que se busca realmente e é um objetivo que deve ser alcançado.
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A clareza das leis, as decisões com regramento transitório, o excessivo número de ações... É evidente que uma alteração, por mais que se discorde daquele estudo do Insper - eu acho que há severas críticas a serem feitas ali; nós não simplesmente chancelamos o estudo e dizemos que ele é correto, professor -, sem dúvida, sempre um novo regramento impõe ou imporá dúvidas e o ajuizamento de novas ações. Isso é indubitável. Basta nós vermos agora o que está acontecendo com a reforma trabalhista, que foi um grande avanço e será um grande avanço para a atração de investimentos para o nosso País. Mas veja o número de ações que isso já vem ocasionando, não digo com relação a reclamações trabalhistas, porque houve uma diminuição significativa, mas à quantidade de ações que já foram ajuizadas por sindicatos, por exemplo, discutindo a questão da obrigatoriedade da contribuição sindical por todo o País. Só ADIs discutindo a questão da contribuição sindical parece-me que são 18. São 18!
Só para mencionar, a CNI apoiou a ruptura da contribuição sindical obrigatória, portanto, apoiou a contribuição facultativa, nos moldes em que ela foi aprovada na reforma.
Então, é indiscutível que um novo arcabouço jurídico ocasiona o início de novas demandas. E isso é um fator que contribui, sim, para um cenário de insegurança. Mas não quero acabar aqui o discurso simplesmente com essa palavra, e sim dizendo que esse é o atual posicionamento da CNI - e aqui nós estamos falando sobre o projeto que está no Senado, estamos discutindo o projeto do Senado, não o projeto da Câmara. O posicionamento da CNI tem sido, atualmente, esse de divergência, mas reitero, Senador, que nós continuamos abertos ao diálogo e à sugestão de aprimoramentos naquilo que nos é possível.
Por fim, quero dizer que a criação de varas especializadas é de fundamental importância ao nosso ver. Agora, lembrando que a competência para criação das varas especializadas é sempre privativa dos tribunais.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Obrigado, Drª Fabiola.
Agora, encerrando as considerações finais, o nosso querido Prof. Fábio Ulhoa.
O SR. FÁBIO ULHOA COELHO - Obrigado, Senador Fernando Bezerra.
Realmente, acho que a criação de varas especializadas é uma matéria de direito estadual, mas o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), quando foi criado, trouxe uma regra incentivando os Estados a criarem as varas especializadas, e isso aconteceu. É a mesma coisa que existe hoje no projeto do Código Comercial: uma regra federal incentivando a criação de varas especializadas. E acho que isso vai acontecer tanto quanto aconteceu em relação ao ECA.
Acho que há um mito também de que essa nova lei vai fazer os empresários todos no dia seguinte entrarem com ações judiciais para esclarecer dúvidas. O Poder Judiciário nem serve para isso! Então, o que cria maior litigiosidade são os conflitos. Se houver conflito de interesses, vai haver mais ações, qualquer que seja a lei; se não houver conflito de interesses, menor o número de ações. Os sindicatos estão brigando porque há um conflito de interesses, não porque a lei mudou. Então, é preciso verificar e, enfim, acabar com esse mito.
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Senador Fernando Bezerra, a minha última palavra, a minha palavra de encerramento é novamente de agradecimento pelo convite feito. Parabéns, Senador Fernando Bezerra, pela inciativa e por esta audiência pública! Todas têm sido produtivas, e esta está sendo ainda mais produtiva sem dúvida alguma.
Repito aquilo com que comecei a minha primeira intervenção: nas mãos de V. Exª, Senador Fernando Bezerra, está uma missão histórica, e eu tenho certeza de que essa missão está em excelentes mãos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Bezerra Coelho. Bloco Maioria/PMDB - PE) - Muito obrigado, Prof. Fábio.
Eu queria, para encerrar, agradecer mais uma vez aos nossos convidados e às convidadas pela presença aqui, nesta audiência pública, no meu Estado, na capital do meu Estado, em Recife; agradecer a presença de tantas autoridades, advogados, professores de direito, estudantes, consultores, empresários. Eu acho que realizamos aqui, sem dúvida nenhuma, como disse o Prof. Ivanildo Figueiredo, uma belíssima audiência pública, com contribuições muito positivas, respeitando o contraditório, o que é interessante até para refletirmos sobre essas posições divergentes.
Saio daqui mais animado ainda. Nós temos já um roteiro, que foi traçado no plano de trabalho apresentado pelo nosso Relator, Senador Pedro Chaves, e vamos levar essas audiências públicas até meados de junho, quando então o Senador Pedro Chaves vai ter a missão difícil de agasalhar as principais contribuições de aprimoramentos, de modificações, de adição ao projeto, ao anteprojeto que foi coordenado e relatado pelo Prof. Fábio Ulhoa.
Eu estou otimista. Acho que, da mesma forma com que nós temos notícias de que a Câmara avança para poder votar o relatório na comissão especial ainda no mês de maio, eu acredito que em junho o Senado também deve votar na comissão especial. E vamos aguardar o entendimento entre o Senador Eunício e o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para vermos a possibilidade de unificarmos as posições, os textos e termos uma deliberação pelas duas Casas ainda este ano.
Por falar em Rodrigo Maia, eu vou pedir a compreensão dos senhores. Ele se encontra aqui em Pernambuco, está participando de outro evento, e eu vou ter de me encontrar com ele daqui a instantes. Portanto, não vou alongar a minha presença aqui neste recinto.
Muito obrigado a todos. Agradeço de coração! (Palmas.)
(Iniciada às 10 horas e 18 minutos , a reunião é encerrada às 12 horas e 53 minutos.)