09/05/2018 - 15ª - Comissão Temporária para Reforma do Código Comercial (Art. 374-RISF)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Minhas senhoras e meus senhores, boa tarde!
É com muito prazer que vamos dar início à nossa 15ª Reunião da Comissão Temporária destinada a examinar o Projeto de Lei do Senado nº 487, de 2013, que reforma o Código Comercial.
Antes de iniciar os trabalhos, proponho a dispensa da leitura e a aprovação das Atas das 13ª e 14ª Reuniões da Comissão.
Os Srs. Parlamentares que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
As atas estão aprovadas.
Conforme convocação, a presente audiência pública tem como objetivo discutir os temas "Desconsideração da Personalidade Jurídica", "Provas no PLS 487/2013 e sua compatibilidade com o Código de Processo Civil" e "Os Contratos do Agronegócio no Projeto de Código Comercial".
Como os senhores estão notando, são temas extremamente importantes. Discute-se muito hoje sobre a desconsideração da personalidade jurídica, inclusive há problemas graves - eu tenho notado - porque, às vezes, essa desconsideração conflita realmente com a própria empresa e com as pessoas em si. Às vezes a empresa é de pequeno porte e ela tem um débito que ela não consegue pagar ou é muito alto, e a pessoa faz desconsideração; o débito é alto, a pessoa é jurídica, e as coisas começam a se complicar. Então, eu acho que vai ser muito importante discutir esse tema.
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Outro tema importante é o problema do contrato do agronegócio, que não figura no Código Comercial anterior - é óbvio, pois ele é de 1850. Nem o Código Civil preenche esse quesito. Então, é muito importante a audiência pública de hoje.
Ela é muita esperada realmente, principalmente, por todos os telespectadores, pois temos recebido pelo e-Cidadania, o portal, muitas sugestões e perguntas. Lembro sempre que, às vezes, presencialmente, há um número reduzido, mas o País está todo vigilante em relação a estas audiências. Então, é importante saber que elas são nacionais.
Mais uma vez, eu quero agradecer a presença dos senhores aqui.
Chamo, imediatamente, o Dr. Alexandre Reis Siqueira Freire, professor de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. (Pausa.)
Seja bem-vindo.
O Dr. Alexandre Reis Siqueira Freire é doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professor de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo e da PUC do Rio de Janeiro; assessor da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, Subchefe Adjunto Substituto; e assessorou as comissões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal responsáveis pela elaboração do novo Código de Processo Civil.
Em seguida, nós chamamos, com muito prazer, o Dr. Sávio Rafael Pereira. (Pausa.)
Muito obrigado pela presença.
O Dr. Sávio é economista, com graduação e mestrado pela Universidade Federal de Minas Gerais; Coordenador-Geral de Fibras, Oleaginosas e Borracha do Departamento de Comercialização e Abastecimento da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e é Secretário Adjunto de Política, desde agosto de 2016.
Dr. Rafael Nichele, por favor. (Pausa.)
Obrigado pela presença.
O Dr. Rafael é advogado tributarista; mestre em Direito Tributário pela PUC do Rio Grande do Sul; Presidente do IET (Instituto de Estudos Tributários); e membro do Conselho de Assuntos Tributários, Legais e Cíveis da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul. Nesta audiência pública, ele está representando a Confederação Nacional da Indústria.
Convido, com prazer, o Dr. Gustavo Ramiro Costa Neto. (Pausa.)
É um prazer recebê-lo aqui.
O Dr. Gustavo Ramiro Costa Neto é advogado, graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Pernambuco; é pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela mesma universidade; e é Presidente da Comissão Especial de Análise do Novo Código Comercial do Conselho Federal da OAB
Finalmente, o Dr. Marcelo Barreto, a quem convido para participar da Mesa. (Pausa.)
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Muito obrigado pela presença.
O Dr. Marcelo é advogado e consultor jurídico da Presidência da Confederação Nacional do Comércio; e foi membro do Ministério Público da União de 1981 a 2012. Nesta audiência pública, ele está representando a CNC.
Agora, com muito prazer, vamos definir como vai ser a nossa sistemática. Nós vamos oferecer dez minutos para cada convidado, com mais três minutos de tolerância. Eventualmente, podem ultrapassar esse tempo, pois não somos tão rigorosos assim.
Inicialmente, vou convidar o Sr. Alexandre Reis Siqueira Freire para fazer uso da palavra.
O SR. ALEXANDRE REIS SIQUEIRA FREIRE - Boa tarde a todos.
Inicialmente, eu queria agradecer o honroso convite que me foi feito pelo Senador Dário Berger para prestar um contributo ao aperfeiçoamento do projeto de reforma do Código Comercial. Eu queria agradecer também o deferimento pelo Senador Pedro Chaves, ilustre Relator, e eu queria agradecer também o Senador Fernando Bezerra Coelho, Presidente desta Comissão.
Eu queria saudar todos, os consultores legislativos que estão aqui, na pessoa do Dr. Carlos Eduardo Elias de Oliveira, os colegas assessores parlamentares e os senhores e as senhoras que acompanham este trabalho desta Comissão pelas redes sociais, pela rede mundial de computadores.
Eu queria - eu não poderia deixar de fazê-lo - parabenizar o Prof. Fábio Ulhoa Coelho pelo trabalho notável que foi feito na elaboração do anteprojeto. Parte considerável do que eu estudei sobre Direito Comercial eu aprendi pelas suas lições. Para mim, é uma atividade muito honrosa poder estar aqui lendo um trabalho importantíssimo que foi elaborado, em regra, com base nas suas ideias, nos seus livros, nos seus artigos.
Com essas palavras, eu queria iniciar a minha exposição e prometo que seguirei o prazo regimental.
O tema da exposição diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica. A minha formação é na área de processo civil, e eu não irei me imiscuir em questões específicas do direito material, professor. O meu propósito, na verdade, é analisar os eventuais impactos da aprovação deste texto no Código de Processo Civil e nas próprias legislações correlatas, nas legislações extravagantes. Na medida do possível, obviamente, farei algumas observações em relação ao texto, mas, a princípio, eu entendo que é um excelente ponto de partida para que o Senado da República possa iniciar um excelente diálogo sobre este assunto.
Quando nós falamos de desconsideração da personalidade jurídica, é importante, primeiramente, saber o que vem a ser essa desconsideração da personalidade jurídica e por que ela incide. Se nós falamos de uma desconsideração, é importante também sabermos o que é a personalidade jurídica. A personalidade jurídica é justamente essa capacidade para ser titular de direitos e obrigações, preenchidos, obviamente, os requisitos legais. Quando nós falamos de pessoa jurídica, é importante destacar que a pessoa jurídica possui um conjunto patrimonial diverso do conjunto patrimonial dos seus sócios, e essa solução, do ponto de vista jurídico, foi criada justamente para estimular o ambiente de negócios, fomentar o ambiente de negócios, fazendo uma espécie de incitação ao ambiente econômico, para que as pessoas pudessem desse ambiente participar, sem as consequências de eventuais riscos no ambiente negocial que pudessem afetar seus próprios patrimônios.
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Só que, muitas vezes, o que se percebe é o mau uso da personalidade jurídica. E isso a própria legislação entendeu por bem disciplinar para evitar, por exemplo, que, a partir de violações a contratos sociais, de abuso de poder econômico, da própria violação da lei e de fraudes, possa-se, por exemplo, prejudicar a própria empresa como também terceiros. Então, nós tivemos aqui uma solução jurídica para tentar coibir esse tipo de prática. Uma das soluções é justamente a possibilidade de se suspender eventualmente a personalidade jurídica.
Na verdade, quando se fala de desconsideração, não significa invalidar, anular a personalidade. O que se fala é a possível suspensão episódica para se alcançar, naquele caso pontual, os bens dos sócios quando constatadas essas hipóteses devidamente previstas na legislação de direito material, no Código Civil, na Consolidação das Leis do Trabalho, no Código Tributário Nacional, no Código de Defesa do Consumidor.
Essas hipóteses de cabimento da desconsideração da personalidade jurídica não são disciplinadas pelo Código de Processo Civil. O que o Código de Processo Civil disciplina são os procedimentos e determinados tipos de incidentes que podem se desencadear, quando constatada essa violação a regras materiais que possam prejudicar a própria empresa, que possam prejudicar terceiros.
A ideia de desconsideração da personalidade jurídica não surge, Senador, na nossa experiência jurídica. Na verdade, ela surge de uma experiência internacional a partir de um caso famoso, Salomon versus Salomon, da experiência da tradição inglesa. Na sequência, ele passa a ser difundido nessa tradição, podemos dizer, anglo-saxônica e alcança também os ambientes da tradição ocidental mais vocacionada para o civil law. Mas, com essa expansão, nós possamos a ter o disciplinamento das hipóteses de cabimento, por exemplo, como mencionei antes, na Lei 10.406, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8.038. Nós tivemos também a Lei 5.452, que é a Consolidação das Leis do Trabalho; a Lei 5.172, que trata do Código Tributário Nacional. O Código de Processo Civil, aprovado recentemente, não trata de hipóteses de cabimento da desconsideração; trata do procedimento.
Essa é a visão geral a respeito dos fundamentos jurídicos, da previsão normativa da desconsideração da personalidade jurídica.
O meu contributo aqui é mais no sentido de tentar apresentar alguns subsídios para que se evite o que recentemente ocorreu no Senado Federal que foi a aprovação de um projeto de lei versando a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, tratando, inclusive, de temas que hoje são objeto de consideração do projeto de reforma do Código Comercial, e também a partir de alterações que impactam a própria Consolidação das Leis do Trabalho. O novo Código de Processo Civil surge com a necessidade de se conferir maior certeza, previsibilidade e segurança jurídica nas situações em que há, por exemplo, a constatação da violação de uma regra de direito material, do abuso do poder econômico, da violação de uma regra de direito contratual. Então, antes da própria existência do Código de Processo Civil, tal qual aprovado no Senado Federal e encaminhado para a sanção presidencial, nós tínhamos um ambiente de incerteza. Incerteza em relação a quê? Essa incerteza era em relação a como se deflagrava o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, qual era o momento/fase processual, quais eram os requisitos para a deflagração desse incidente, se a decisão deveria ser antecedida da citação dos sócios afetados, se era possível ou não, na fase de execução, se era possível ou não em fase recursal. Ou seja, nós vivíamos uma série de situações de extrema incerteza, Senador, que acarretavam uma grande insegurança jurídica. Por quê? Basta consultar, a exemplo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que nas câmaras de direito civil nós tínhamos mais de oito tipos de padrões decisórios diferentes. Então, para a estratégia do departamento jurídico de uma grande empresa, não se saberia, por exemplo, que tipo de defesa apresentar, de forma estratégica, porque isso dependeria de em qual câmara caísse o processo, a própria apelação ou um eventual recurso de agravo de instrumento. O mesmo acontecia em primeiro grau. A depender da vara a que o processo fosse distribuído, a ação fosse distribuída, nós teríamos um tipo específico de procedimento, justamente em razão da ausência de um procedimento previamente disposto.
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Então, a ideia é que o projeto de reforma do Código Comercial não impacte o próprio Código de Processo Civil, porque nós vamos experimentar uma situação muito parecida com o que nós tínhamos antes. Porque quando nós temos uma sobreposição de procedimentos, uma sobreposição de efeitos, uma sobreposição de incidentes, isso gera aquilo que se denomina de antinomia, isso gera uma inobservância, em regra, de matéria de garantias processuais, gera também uma certa instabilidade no ambiente de negócios, aumenta o custo Brasil. Então, a ideia é que o Código, ao longo da sua discussão no Senado Federal, possa alterar regras do próprio Código de Processo Civil.
Por que eu digo isso? Porque nós tivemos, recentemente, um problema grave, justamente com a própria aprovação do PLC 69, que em muitos temas coincidia com o que nós estamos conversando aqui. O PLC foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos; na sequência, na Comissão de Constituição e Justiça; e submetido ao Plenário. Ele tratava, professor, de temáticas relacionadas ao projeto do Código Comercial. Tratava de matérias relacionadas à própria CLT. Só que veja, tanto o projeto de reforma do Código Comercial quanto o próprio Código Civil atual versam sobre matérias semelhantes a que estava sendo tratada no projeto que foi aprovado. O próprio Tribunal Superior do Trabalho disciplinou a aplicação do novo Código de Processo Civil, através da Instrução Normativa nº 39, nas hipóteses de desconsideração.
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O que eu quero tentar mostrar? Que, a partir da evolução da discussão sobre a desconsideração da personalidade jurídica no Senado Federal, no âmbito desta Comissão, nós podemos deparar com uma situação semelhante. Nós vamos ter um procedimento já previsto na legislação processual civil; nós vamos ter um procedimento previsto no PLC 69, de 2014, que já foi aprovado na Câmara, foi aprovado no Senado Federal, e retornou para a Câmara dos Deputados com uma série de imperfeições que talvez o próprio texto do projeto de reforma do Código Comercial possa solucionar.
Então, a ideia é tentar preservar o máximo possível, evitar uma sobreposição de temas contemplados pelo projeto de reforma do Código Comercial, contemplados pelo PLC 69, e já previstos também no Código de Processo Civil, porque, do contrário, nós vamos gerar um ambiente de completa incerteza quanto às regras que devem ser aplicadas, e, com isso, nós teremos um ambiente muito fértil para esse tipo de ocorrência. Que ambiente fértil é esse? É um ambiente de uma crescente judicialização fomentado também por aquilo que se denomina de dispersão jurisprudencial.
Vejam: se o próprio Código de Processo Civil, que tentou evitar uma...
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE REIS SIQUEIRA FREIRE - ... incerteza jurídica, uma inobservância quanto às regras de processo infraconstitucionais e constitucionais, nós já temos hoje no STJ uma série de incertezas quanto à extensão de determinadas fases do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, imaginem a existência de três diplomas tratando do assunto quanto a aspectos processuais. Esse é um problema que, de fato, nos chama atenção.
Talvez, quanto aos aspectos relacionados ao procedimento, o Código poderia se valer de uma cláusula de remissão ao Código de Processo Civil e não disciplinar, de forma específica, questões procedimentais relacionadas à desconsideração da personalidade jurídica, justamente para evitar um ambiente de incerteza e de insegurança jurídica fomentada por uma dispersão jurisprudencial crescente no Brasil em primeiro grau...
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE REIS SIQUEIRA FREIRE - ... em segundo grau e, por incrível que pareça, no próprio Superior Tribunal de Justiça, que é o órgão competente para uniformizar o entendimento a respeito do direito infraconstitucional.
Então, a proposta que eu faço - se assim é possível - é de se tentar, quanto a aspectos procedimentais, se basear no Código de Processo Civil por regras de remissão, e não se imiscuir em questões específicas de natureza processual.
Como prometido a V. Exª, eu encerro a minha fala e me coloco à disposição, tentando observar o tempo regimental.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS. Fora do microfone.) - Eu agradeço muito a contribuição e tenho certeza de que todos os assessores parlamentares que estão aqui presentes e outros que estão nos gabinetes estamos, na verdade, fazendo com que todas as sugestões importantes como esta sejam agregadas ao texto e a sua compatibilidade com o que se colocou. Muito obrigado.
Com muito prazer agora, eu convido o Dr. Sávio Rafael Pereira para fazer uso da palavra. (Pausa.)
Deixe-me só alertar que, quando tocar a campainha, ainda temos mais alguns minutos. São nove minutos mais um, dez, e mais três minutos de tolerância, só para orientação dos convidados.
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O SR. SÁVIO RAFAEL PEREIRA - Boa tarde a todos.
Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer o convite da Comissão. É uma honra para nós que somos do Ministério da Agricultura estarmos presentes aqui. Quero agradecer ao Senador Pedro Chaves e cumprimentar os doutos membros da Mesa e toda a audiência.
Falando rapidamente da minha atividade, na verdade, eu sou economista, e as tecnicidades jurídicas não são o nosso ramo no Ministério da Agricultura na área em que estou.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. SÁVIO RAFAEL PEREIRA - Nós somos muito ligados... Eu sou Secretário-Adjunto de Política Agrícola, e o nosso trabalho é muito ligado ao financiamento agrícola, ao financiamento da produção agrícola e ao financiamento da estocagem e comercialização agrícola.
No que refere ao projeto de lei proposto, o agronegócio está definido no Livro III, que trata basicamente de definições do agronegócio. E há uma certa repetição de toda a definição dos títulos do agronegócio que foram desenvolvidos nos últimos anos, como o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), a CPR, enfim... Trata-se praticamente de definições que já estão nas próprias leis que definem esses títulos, esses contratos.
Na nossa análise do tema aqui, nós não temos reparo a fazer. Na verdade, eu diria que não há nada de impositivo ou de tocante para nós. Há essas definições.
Estamos aqui para dizer rapidamente que esses títulos do agronegócio, esses títulos de financiamentos, esses contratos tiveram um impulso muito extraordinário desde 2003, quando foram criados três títulos principais: a LCA; o CRA; o CDCA; e a própria CPR, que é de 1994.
Como os senhores sabem, boa parte do financiamento agrícola até meados dos anos 90 era feito com base no Tesouro Nacional, e hoje esses financiamentos que têm por base o Tesouro Nacional atingem apenas 30% do agronegócio. Então, esses títulos têm uma importância fundamental em se criar liquidez e se dar fundamentação ao agronegócio.
Os números são eloquentes no que eu posso levantar para vocês: com o CRA, nas primeiras emissões, nós tivemos, em 2015, R$476 milhões; no ano seguinte, R$4,8 bilhões; em 2017, atingiu-se o número de R$12 bilhões de emissões de CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio); a LCA, hoje, já é o segundo maior funding para financiamento da agricultura, depois da Caderneta de Poupança Rural: são mais de R$30 bilhões emitidos em Letras de Crédito do Agronegócio; são títulos emitidos pelo sistema financeiro com base em Recebíveis do agronegócio que já atingem R$30 bilhões; e a CPR, finalmente, hoje, talvez seja o principal instrumento que o produtor tem junto à agroindústria, junto aos traders, junto aos principais financiadores privados, como garantia para esses financiamentos.
Nós entendemos que isso tem funcionado, dada a evolução desses números que eu disse para vocês, de forma muito tranquila.
Uma grande mudança que houve nisso tudo era uma incerteza que havia com relação à CPR, mas uma decisão do STJ, da Ministra Nancy Andrighi, se não me engano, deu confiabilidade, deu a esse título uma característica de certeza muito grande.
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Hoje, temos mais de R$50 bilhões emitidos em CPR como garantia, eu diria subcontratos em garantia de financiamentos agrícolas.
Na verdade, o que eu tenho a dizer para vocês é só isso. É essa descrição. Nós estamos aqui para ouvir mais as tecnicidades da área jurídica.
Do ponto de vista dos contratos agropecuários, entendemos que não tem havido grandes problemas. E o que está aqui no texto, no Livro III, são praticamente definições que já estão presentes no dia a dia das leis que instituíram esses títulos.
É isso que eu tinha a dizer.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Quero agradecer, mais uma vez, Dr. Sávio Rafael, pela exposição.
Certamente, a equipe vai acolher... Praticamente está ratificando o que já existe na legislação. Então, acho que isso é bastante importante.
Com a palavra o Dr. Rafael Nichele, advogado tributarista.
O SR. RAFAEL NICHELE - Sr. Presidente, obrigado.
Primeiramente, quero agradecer a todos. Agradeço à CNI pelo convite que me foi formulado.
Prof. Fábio, lembrando aqui o que falou nosso primeiro ilustre componente da Mesa, Dr. Alexandre, todos nós fomos seus alunos. O senhor é mestre de todos nós, e a intenção aqui é contribuir para o debate, o aprimoramento do projeto.
Como um advogado tributarista, V. Exª e os colegas podem estar se perguntando, vai se meter a falar sobre questões de natureza do novo Código Comercial, que está sendo discutido? A questão é que na Fiergs, por convite da CNI e pela agenda legislativa que temos, participamos não só do conselho para ações tributárias, professor, mas também do conselho de agronegócio. É um conselho - assim como a Fiesp tem o Deagro - do agronegócio.
Também pela minha atividade profissional e por ser professor da disciplina de Tributação no Agronegócio na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, muitas vezes deparamos, ilustre Senador, com questões de natureza bastante prática relativamente à preocupação que esse texto está trazendo em alguns dispositivos específicos, sobre os quais vou tentar ser bastante objetivo e breve.
Então, eu pediria ao Diogo que colocasse no art. 26, por favor, que é o primeiro que eu gostaria de examinar.
Como disse o colega que me antecedeu, há uma parte principiológica do Livro III que trata dos princípios aplicáveis ao agronegócio.
A primeira referência que se pode fazer aqui do ponto de vista mais amplo é que estamos falando de um Código Comercial, evidentemente, em que 99% das relações são estabelecidas entre entes privados. Portanto, dentro do anseio de uma liberdade contratual, de uma liberdade negocial, em que as partes possam ter um ambiente em que se saiba antes as regras do jogo, em que haja uma ideia de previsibilidade, em que haja ideia do conhecimento da regra aplicável - problema de conhecimento não do texto, do vernáculo, mas saber o que aquilo significa.
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Isso me pareceu relevante nas discussões que nós tivemos. Eu queria apontar algumas questões que vou levantar, porque, de fato, parece-me que, como a gente não tem em nenhum paradigma de legislação anterior algo desse nível, é preciso que se discuta qual é a abrangência, o alcance e a densidade normativa disso, aonde isso, no fundo, pode parar, porque, na verdade, não há nenhuma conceituação prévia incorporada disso.
Temos em matérias de competências tributárias que a lei que institui o tributo pega um conceito já incorporado pela Constituição e ninguém tem alguma dúvida em relação a qual é o âmbito normativo de faturamento, mercadoria, etc. Aqui, nós temos uma amplitude, ilustre Senador, muito ampla, a meu ver, e que pode dificultar sobremaneira o ambiente dos negócios no que diz respeito a saber previamente quais são os direitos e obrigações que as partes se propuseram a estabelecer e se eventualmente esses contratos serão cumpridos em razão de normas que têm, a meu ver, uma redação bastante ampla no seu sentido de indeterminabilidade, seja o que se busca, imagino eu, diante de um ambiente de entes privados em que tenha, por princípio básico, a liberdade contratual, a liberdade no ambiente para que as pessoas possam dar efetividade àquilo que elas contrataram.
Diante disso, se pegarmos o inciso I, ele fala que um dos princípios aplicáveis o agronegócio é a sustentabilidade das atividades no agronegócio. Eu perguntaria: sustentabilidade em que sentido? No sentido ambiental? No sentido econômico? Em que sentido? Porque nós não temos paradigmas sobre isso. Então alguém poderá entender que, mesmo o negócio sendo sustentável... E sustentável para quem? Porque, dentro de um ambiente de contratado de integração, pode ser que seja muito sustentável para o integrador e alguém não achar que é sustentável do ponto de vista econômico para o integrado, e assim por diante. Então, temos o problema da ausência de paradigma legislativo que nos deixa, a meu ver, totalmente... E o setor, olhando para isso, fica sem saber quais são os limites dessa sustentabilidade, para quem se destina, etc.
O segundo ponto: integração e proteção das atividades da cadeia industrial.
Proteção para quem? Vejam, dentro de uma cadeia, podemos ter produtor, podemos ter quem faz a logística, podemos ter quem faz a distribuição e podemos, ainda, ter aquele que comercializa lá na ponta. E tudo dentro da cadeia. A quem vamos proteger aqui, considerando que estamos em um ambiente em que as regras são de tentativa de equilibrar as relações? E a gente precisa saber, se essa proteção é da cadeia, em que sentido é essa proteção. É uma proteção econômica? Uma proteção...
Veja, quando a gente fala em atividade, obviamente estamos aqui pensando sempre em atividade como atividade econômica, mas, como nós não temos paradigma prévio disso em nenhuma legislação que diz respeito especificamente a princípios aplicados ao agronegócio, há uma dúvida do setor de como isso poderá ser aplicado nos contratos que hoje estão vigentes.
O inciso IV fala em "parassuficiência dos que inserem sua atividade no agronegócio". Eu confesso aqui aos senhores e às senhoras e aos membros da Mesa que fui em busca do conceito, até do ponto de vista do vernáculo, do que seria parassuficiência, e a primeira coisa que o Google mostrou - no dicionário não consta essa palavra - foi o anteprojeto, art. 27, inciso IV.
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Ou seja, eu não consegui - talvez seja uma limitação minha - identificar o que significaria parassuficiência, para sabermos. Quando nós tivermos um problema relacionado... Vejam, por que isso é importante? Porque isso vai se aplicar aos contratos de integração, a todos os outros contratos que dizem respeito ao agronegócio que estão regulados por outras leis, mas agora serão regidos por princípios que não estão lá naquelas leis. Esse é o problema, ou a dúvida, que surge aqui. Os contratos, o contrato de integração inclusive, estão regidos por uma lei muito recente, que, pelo que me consta... Eu aqui, como alguém que milita dentro do agronegócio no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, posso lhes dizer que a legislação que foi aprovada e está em vigor há poucos anos na verdade sofre aqui uma série de alterações que chamam a atenção do setor.
O art. 31 - por favor, se puderem colocar aí - trata... De novo, aqui, é muito mais a ideia de termos qual é a compreensão exata do que está sendo colocado. "A cadeia do agronegócio é bem jurídico protegido em razão do interesse nacional." Interesse nacional em que sentido? Por que veja: estamos falando de uma atividade econômica, de uma cadeia que tem uma atividade econômica relevante para o País. Ela é um bem protegido em razão do interesse nacional. Isso significa exatamente, por exemplo, interesse nacional, alguém poderá ler isso como a possibilidade de uma intervenção estatal relativamente à cadeia do agronegócio em relação a determinada atividade não estar, digamos assim, servindo ao interesse da Nação, como bem juridicamente protegido. E, não querendo aqui fazer nenhum tipo de argumento ad terrorem, porque não é essa a função, mas veja, de novo: nós não temos, do ponto de vista constitucional, para contratos empresariais, o que significa um bem jurídico tutelado por interesse nacional, em razão de interesse nacional, em relação a contratos de natureza empresarial entre entes privados.
Nós precisamos, então, ver: bem, há alguns setores que são regulados e, portanto, têm as suas agências reguladoras, que tratam de estabelecer limitações em razão da atividade, mas não em que a cadeia em si será um bem jurídico de interesse nacional.
E aqui a crítica não é quanto à redação, que isso não pode coexistir ou não pode estar na redação, professor, não é disso que se trata, é mais no sentido de saber: se estamos num ambiente de atividade econômica, de liberdade econômica, de livre iniciativa, como um princípio fundamental das relações, que nós aprendemos com o senhor, dos contratos empresariais, nós precisamos ter uma relativa segurança quanto à previsibilidade de conhecimento das normas e sobretudo da sua extensão e alcance no que diz respeito a sua interpretação, porque paradigma não há em relação a isso. É o que nos parece, falando pelo setor do agronegócio.
Fiz um corte aqui, Senador, em relação àquilo que me parecia mais relevante. Indo para os contratos de integração, se puder ir para o art. 687.
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O art. 687 diz: "A obrigação integrante do agronegócio"... Veja, a obrigação é de uma pessoa com outra, então, entendi que está dentro da cadeia, enfim, é o contexto. "A obrigação integrante do agronegócio só pode ser revista se a parte interessada provar que a revisão não prejudicará o cumprimento da finalidade da rede de negócios."
O que preocupa aqui? Nós temos, por exemplo, nessa área, como eu disse, uma cadeia, e nessa cadeia, por exemplo, uma indústria pode, eventualmente, decidir, por razões de natureza inclusive fiscal, de forma de planejamento lícito, alterar o seu centro de distribuição para outro local. Nessa alteração, eventualmente aquele que tem o contrato logístico para o centro de distribuição da indústria integradora ou do produtor que entrega como integrado a sua produção, pode haver uma relação que se estabeleça de forma nova a partir de uma mudança simples do local que passa a ser a sede da distribuição onde vai ser entregue aquela produção rural.
E, por consequência disso, se nós pegarmos o artigo, diz mais ou menos assim: se não houver a prova de que ninguém sai prejudicado, não pode revisar. Mas veja, isso é talvez ferir de morte a liberdade que as pessoas têm de renegociar o contrato e poder estabelecer um novo paradigma do ponto de vista de base contratual. E, portanto, na visão das indústrias, da indústria, esse dispositivo acaba engessando uma forma de as pessoas, com a liberdade contratual que deveriam ter no ambiente de negócios empresariais, tratarem da melhor forma... Então, alguém vai sentar em cima de um contrato e não se vai poder revisar porque, se uma das partes não provar que foi prejudicada, nada será revisado, ainda que haja quebra da base total do negócio jurídico que foi estabelecido na cadeia.
Essa é uma outra preocupação que foi colocada, e eu estou aqui transmitindo porque me parece que é bastante relevante.
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL NICHELE - Em relação ao 695, que trata dos requisitos, há umas duas questões ali que eu gostaria de colocar. Primeiro, que o contrato de integração será nulo se a redação não for clara e precisa. Clara para quem? Precisa para quem? Para o sujeito que está reclamando nunca vai ser precisa. Nunca vai ser clara a redação, ele sempre vai achar que a redação tem uma certa ambiguidade. Portanto, todo contrato em que alguém entender que a redação não é clara e precisa poderá... Qual é o conceito de clara e precisa? Onde é que nós temos esse único sentido de claro e preciso, e para quem seria? Dentro do ambiente empresarial em que as partes contrataram aquilo, ninguém impôs aquele contrato, nem para um nem para outro, ou para todas as partes do agro.
Além disso, o que preocupa mais o setor...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL NICHELE - Já estou terminando, ilustre Senador.
O que preocupa mais o setor diz respeito ao inciso III e ao inciso... Principalmente ao inciso III. O inciso III diz o seguinte: olha, também haverá nulidade do contrato se as definições que dizem respeito ao contrato de integração não seguirem padrões mínimos e métodos de aferição quanto à qualidade de insumos fornecidos pelo integrador. Quais são os métodos de aferição que nós temos disponíveis? Quais são os métodos de aferição que nós temos? Nós não temos uma... Isso definido como método de aferição da qualidade de insumos. Qual é o método que existe? Que método existe para aferir qualidade e padrão mínimo da qualidade dos insumos?
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Por fim, em relação ainda ao inciso IV...
Se puder colocar um pouquinho mais para cima...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL NICHELE - Com relação ao inciso V, desculpem-me: "V - os valores, prazos e condições dos créditos ou insumos eventualmente fornecidos pelo contratante integrador ao contratante integrado, que devem respeitar os ciclos de produção."
E o inciso VI, se me permitem...
Estou terminando, se V. Exª me permitir mais trinta segundos.
Vejam, o inciso VI diz o seguinte: "VI - a definição de prazo para aviso prévio de interrupção do contrato [de integração], que deve levar em consideração os ciclos de produção [até aí acho que é razoável] e o montante dos investimentos realizados pelas partes."
Bem, mas o montante de investimentos realizados pelas partes... O integrador tem uma proporção de investimento; o integrado tem outra proporção de investimento. Então, se o integrado, por exemplo, passa um ano, passam dois anos, passam três anos, e não cumpre a meta, mas se o investimento dele foi de R$200 mil e, para receber R$200 mil, ele precisa de seis anos, alguém poderá dizer: "Olha, a interrupção do contrato e o aviso prévio vão ter de respeitar no mínimo esse investimento que ele recuperaria, de seis anos". Estou dando um exemplo aqui.
Com isso estou encerrando. Teria mais dois ou três artigos para comentar pontualmente, mas, para encerrar a minha fala, quero dizer que a tentativa aqui, senhores e senhoras, foi muito mais no sentido de ser um porta-voz daquilo que o setor enxerga, professor, como uma cadeia, uma cadeia muito complexa que envolve muitos atores e que, na verdade, hoje, pelo menos na Região Sul, detém o milagre de fazer com que as pessoas não venham para a cidade. Isso faz com que haja um equilíbrio nessas relações, porque o contrato de integração, no art. 696, estabelece como foro sempre o do integrado. No entanto, isso conflita com a própria ideia de que a rede tem que ser equilibrada, pois, na verdade, isso acaba desequilibrando novamente a ideia de equilíbrio numa liberdade contratual.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Eu quero agradecer mais uma vez ao Dr. Rafael por suas colocações. Eu acho que é muito importante nas audiências públicas o que chamamos de contraditório: as pessoas que veem, leem, se aprofundam realmente na análise do anteprojeto e, a partir daí, colocam o seu ponto de vista. Isso melhora muito o projeto. O anteprojeto não é um documento acabado, ele, na verdade... Nós ensejamos oportunidades nesse sentido através de audiências públicas não só em Brasília, mas também em São Paulo; fizemos na Fecomércio, fizemos agora em Recife, fizemos uma em Campo Grande. Isso é muito importante, porque vai agregando fatores novos e tornando o documento realmente algo que vai ao encontro do anseio da sociedade brasileira.
Eu agradeço muito por esse ponto de vista.
Passo a palavra imediatamente para o Dr. Gustavo Ramiro Costa Neto para fazer suas considerações.
O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - Muito boa tarde.
Cumprimento-o e agradeço mais uma vez pelo convite, Senador Pedro Chaves. Peço-lhe também que transmita nossos cumprimentos ao eminente Presidente desta Comissão, o meu conterrâneo Senador Fernando Bezerra Coelho, que também nos proporcionou uma grande discussão há aproximadamente dez ou quinze dias lá em Recife, quando se realizou uma audiência pública para discutir esse projeto de lei. Cumprimento também os demais integrantes da Mesa.
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Cumprimento a assistência, e quero fazê-lo na pessoa do eminente Prof. Fábio Ulhoa Coelho, que tem dado realmente uma colaboração decisiva e muito significativa para o andamento e o aperfeiçoamento desse projeto, que foi criado lá atrás, numa comissão.
Acredito que o projeto tem amadurecido, Senador, de uma maneira que, no nosso sentir, o aproxima muito do texto ideal e da condição de ser, finalmente, aprovado.
Eu trago também aqui, Senador, os cumprimentos do nosso Presidente Nacional da OAB, Claudio Lamachia, que tem demonstrado uma preocupação acentuada com esse projeto de lei, tanto é que criou, no âmbito do Conselho Federal da OAB, essa comissão de acompanhamento do projeto do novo Código Comercial, que eu tenho a honra de presidir. E, no âmbito dessa comissão, nós temos discutido alguns temas que consideramos relevantes nesse projeto.
Tenho dividido algumas preocupações sobre determinados temas, e o fiz já em outras audiências públicas aqui, juntamente com V. Exª. Já dividi algumas preocupações com o Prof. Fábio Ulhoa, e nós temos discutido alguns temas. Espero que, dentro de poucos dias, nós consigamos trazer à Comissão uma posição final a respeito desses temas específicos. No entanto, de maneira antecedente, eu posso expressar que o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil é de franco apoio a essa iniciativa legislativa e de incondicional apoio à aprovação do novo Código Comercial, porque entendemos que é uma legislação de grande importância e uma ferramenta que certamente trará uma grande melhoria para o ambiente de negócios no Brasil.
Tomei conhecimento de que uma das temáticas propostas para o dia seria a da desconsideração da personalidade jurídica. Esse é um dos temas que, de fato, nos preocupam. Recentemente tivemos uma notícia de certa forma alvissareira aqui no Senado. Foi aprovado um projeto de lei, sob a relatoria do Senador Armando Monteiro, e esse projeto, por ter sido alterado em relação ao que veio da Câmara, foi devolvido, mas acredito que, da maneira como ele está posto, a gente acaba avançando significativamente nessa temática que hoje preocupa de maneira bastante acentuada a comunidade jurídica, sobretudo a comunidade empresarial.
Não há sequer um empresário no Brasil, seja ele pequeno ou grande, que nunca tenha se deparado com uma situação de desconsideração da personalidade jurídica - aliás, uma situação de desconsideração da personalidade jurídica fora das hipóteses previstas legalmente.
Hoje é comum se deparar com a seguinte situação. A desconsideração da personalidade jurídica é um tema tratado de determinada maneira na Justiça do Trabalho, perante a Fazenda Pública o tratamento já é um pouco diferente e, nas relações comerciais entre empresas, que acho que é justamente isso que o Código aborda, já é uma coisa totalmente diferente. É normal, na Justiça do Trabalho sobretudo, que os magistrados desconsiderem a personalidade jurídica de ofício. E isso, na minha visão, é algo que viola as previsões legais, viola a previsão procedimental trazida pelo próprio Código de Processo Civil, que o eminente professor acaba de nos trazer, portanto, traz uma situação de injustiça e de desequilíbrio. Se por um lado a relação entre o empregado e o empregador é, por si só, uma relação de diferentes níveis e de hipossuficiência do empregado em relação ao empregador, por outro lado, a Justiça do Trabalho acaba invertendo isso e a empresa passa a estar numa situação de hipossuficiência.
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Hoje eu li um artigo muito interessante de um Juiz Federal lá de Ribeirão Preto, chamado Eduardo Fonseca Costa. Ele diz o seguinte - eu até tomei o cuidado de anotar aqui porque achei bastante interessante -: que o juiz demite-se da neutralidade funcional e perde a imparcialidade, prejudica uma parte não hipossuficiente que também tem direito a um juiz imparcial. E isso é visto todos os dias, e em praticamente todas as serventias judiciais da Justiça do Trabalho.
Eu espero, sinceramente, que esse projeto de lei que foi aprovado traga uma melhoria no trato dessa matéria, no trato legislativo dessa matéria, porque não é possível mais que, dada a natureza da relação que a empresa possui com determinada pessoa, se é uma relação trabalhista, se é uma relação tributária ou se é uma relação comercial, isso diga se é possível ou não avançar nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica previstas legalmente. Então, acho que esse tema teve, sim, um salto de qualidade.
Espero que, na Câmara, o projeto seja mantido da maneira como foi aprovado no Senado. Eu li recentemente, muito rapidamente, confesso, mas vi que ele contempla algumas dessas preocupações que nós temos. Espero que em breve esse projeto esteja sancionado e essa questão da desconsideração da personalidade jurídica deixe de ser um problema que nos preocupa tanto.
Um outro tema, Senador, que eu já abordei aqui em outra oportunidade, mas que nós temos evoluído nessa discussão tanto na Comissão como conversando com diversos setores da academia, advocacia, magistratura, conversei bastante com o Prof. Fábio Ulhoa e é algo que ainda nos traz preocupação, portanto, estamos amadurecendo, e esse será um ponto central que será tratado na nossa manifestação a respeito do Código Comercial, diz respeito à atuação das juntas comerciais. Eu até, em certa oportunidade, dizia que a atuação das juntas comerciais pode ser decisiva no contexto do processo empresarial que é tratado no Código Comercial, porque evitaria o ajuizamento de várias demandas que hoje são propostas e que, com a vigência do Código Comercial, certamente serão propostas, mas que poderiam ser resolvidas administrativamente no âmbito das juntas comerciais. A Lei nº 8.934 trata do registro de empresas e traz diversas hipóteses em que a Junta Comercial tem um poder decisório. Ela defere ou indefere arquivamento de atos, ela desarquiva atos, ela trata de questões administrativas de auxiliares de comércio, leiloeiros, tradutores. A junta tem esse poder decisório, tem instância recursal, depois há um recurso final até para o Ministério da Indústria e Comércio. Portanto, acho que se nós conseguíssemos criar uma estrutura legislativa que regulasse o processo no âmbito das juntas comerciais com mais profundidade, certamente estaríamos avançando para uma desjudicialização das questões empresariais. As juntas comerciais obviamente precisam ainda ser melhor estruturadas para isso, mas temos aí exemplos de situações exitosas; outras, nem tanto. As juntas infelizmente ainda carecem de um corpo técnico um pouco mais qualificado. Eu até dizia aqui recentemente, exemplificando um pouco dessa dificuldade que nós encontramos nas juntas comerciais, que eu era leiloeiro. Era matriculado como leiloeiro na Junta Comercial de Pernambuco, mas nunca me dediquei à atividade de leiloeiro. Fiquei matriculado alguns anos, mas nunca exerci especificamente a atividade. E certo dia disse: vou pedir o cancelamento para poder não ficar aqui como leiloeiro sem atividade. E um determinado servidor da junta comercial despachou o meu processo dizendo que indeferia o meu pedido de cancelamento da matrícula, ou seja, ele queria dizer que eu era obrigado a continuar como leiloeiro.
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(Risos.)
Até brinquei lá.
Então, precisei recorrer para o plenário da junta que, por unanimidade, acolheu meu pedido, fiz uma sustentação oral lá na junta e brinquei dizendo: olha, no Brasil é mais fácil acabar um casamento do que acabar a relação de inscrição como leiloeiro, porque aqui eu demorei quase um ano para conseguir que o plenário julgasse. Então, continuei como leiloeiro, contra a minha vontade, durante quase um ano.
É uma situação curiosa, mas que exemplifica um pouco as dificuldades que ainda existem que, por outro lado, havendo um colegiado em todas as juntas comerciais composto por vogais oriundos de diversos segmentos da sociedade, confederação das indústrias, do comércio, dos transportes, a própria Ordem dos Advogados também compõe, enfim, um colegiado bastante diversificado, eu tenho certeza de que teria condições de dar soluções para as questões societárias, que demandam menos complexidade e que muitas vezes...
(Soa a campainha.)
O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - ... desaguam no Poder Judiciário, assoberbando o Poder Judiciário, demoram anos para serem resolvidas, quando poderiam ser resolvidas no âmbito administrativo. Certamente uma decisão administrativa, segundo o que se entende hoje nos Tribunais superiores, não é, em regra, passível de decisão no Poder Judiciário, a não ser que haja uma nulidade flagrante ou alguma ilegalidade, mas o fato é que se poderia dar uma solução adequada, uma solução técnica e que poderia proporcionar uma melhoria no tempo de solução dessas questões.
Eu sempre tenho defendido que esse tipo de processo, se vier, e eu espero que seja contemplado no projeto do Código Comercial, se faça sempre mediante uma representação técnica da parte interessada, ou seja, de um profissional da advocacia, um profissional da área jurídica, que pode, com mais tecnicidade, com mais profundidade, defender os interesses daquela parte que pleiteia administrativamente...
(Soa a campainha.)
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O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - ... algum direito perante as juntas comerciais, para, portanto, dar uma solução definitiva adequada e técnica, que contribua para a celeridade na solução dessas questões, Senador.
Então, eu espero, em poucos dias, trazer a V. Exª a nossa manifestação formal, por escrito, daquilo com que pretendemos colaborar na feitura do Código. Espero também que essa proposta possa ser considerada, mas, obviamente, ficamos à disposição para aperfeiçoá-la e para debater todos os outros temas que ainda, porventura, precisem ser debatidos para a final aprovação do projeto. Tenho a certeza de que, com a celeridade com que ele está tramitando nesta Comissão - aqui preciso fazer este registro a V. Exª, pelo dinamismo que tem dado aos trabalhos desta Comissão -, num futuro muito breve, vamos concluir o trabalho de forma exitosa e teremos, finalmente, esse Código aprovado, respondendo ao anseio da sociedade brasileira, para que o ambiente de negócios possa se aperfeiçoar e melhorar, para que tenhamos uma legislação moderna que trate adequadamente as relações entre as empresas.
Então, agradeço, Senador, a oportunidade.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Quero agradecer ao Dr. Gustavo pela sua colocação, sempre muito inteligente, sempre agregando coisas novas.
Será muito bem recebido esse documento da OAB Nacional, porque, com certeza, vai agregar muita coisa ao próprio relatório que nós estamos elaborando. Esse relatório vai ser fundamental, como se falou, porque vai garantir segurança jurídica, desburocratização e melhoria no ambiente de negócios. Acho que esses pontos são substantivos. É óbvio que outros serão acrescentados.
Muito obrigado.
Passo a palavra agora ao Dr. Marcelo Barreto. Ele fará uso da palavra.
O SR. MARCELO BARRETO - Sr. Presidente, Senador Pedro Chaves, vou tratar aqui rapidamente do tema do processo judicial empresarial à luz dos princípios e características do direito comercial a partir de algumas anotações que eu passarei a ler e da matéria tratada no Livro V do Projeto de Lei 487, de 2013.
Faço uma saudação especial aos membros da Mesa, às senhoras e aos senhores, com um abraço fraternal ao mestre de todos nós, que é o Prof. Fábio Ulhoa Coelho.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Permita-me interrompê-lo rapidamente, para registrar, com muito prazer, a presença do nosso Senador Roberto Muniz, que já estava aqui. É uma das pessoas que prestigia muito as nossas reuniões e que tem muito interesse realmente pelo Código Comercial. Agradeço muito a sua presença e peço escusas por não ter feito esse registro anteriormente.
Obrigado.
O SR. MARCELO BARRETO - Estendo, então, a saudação ao ilustre Senador.
O propósito do Projeto de Lei 487, de 2013, se traduz numa clara intenção de que o futuro Código Comercial volte a ser o núcleo jurídico das atividades mercantis, tal como foi o papel do Código Comercial de 1850, no século XIX e em parte do século XX. Eu digo "núcleo", porque ele pretende enfeixar as bases fundamentais do direito comercial, tais como a organização e exploração da empresa e matérias conexas, incluindo o direito societário, o direito contratual empresarial, o direito cambial, o direito do agronegócio, o direito comercial marítimo e o direito processual empresarial, na forma prevista no art. 1º do projeto de lei.
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Ao me referir a núcleo jurídico, pretendo destacar que o Código vai agasalhar em seu texto a estrutura principal do direito empresarial, mas não vai se transformar num indesejável e entediante vade-mécum forense, absorvendo todas as normas que tratam da matéria empresarial no Brasil.
Incumbe ao Código regular os mais relevantes temas mercantis, mas, ao mesmo tempo, conviver em estreita harmonia com a extensa legislação extravagante que existe em nosso País em matéria comercial, ou seja, as leis especiais, os tratados e convenções, as regras prescritas por decretos e regulamentos e até mesmo as regras consuetudinárias, as regras costumeiras, como, aliás, literalmente previsto e estabelecido no art. 4º do referido projeto.
Se me permite o Presidente fazer aqui uma pequena alegoria, eu diria que podemos constituir uma espécie de sistema do direito comercial em raciocínio analógico ao sistema solar, onde o sol seria o Código Comercial e os planetas e satélites que ele ilumina seriam as leis especiais e demais normas vigentes que gravitam ou se interagem com o texto codificado. Assim deve ser, Sr. Presidente, porque não se pode absorver tudo num único diploma normativo, o que tornaria o Código enciclopédico, disfuncional e prolixo.
Nesse sentido, o que o direito comercial pretende é se distinguir de um ramo do direito que tanto veneramos, o Código Civil, jamais para dele se distanciar, mas apenas para que se possam contemplar, num futuro texto legislativo, ou seja, o Código Comercial, as características próprias do direito mercantil, as suas peculiaridades, seu dinamismo e praticidade, uma necessária plasticidade, para bem disciplinar a atividade empresarial.
Queremos dizer, neste particular, que não é possível aplicarmos devidamente preceitos típicos dessa atividade empresarial quando o direito das empresas ainda está inserido no texto do Código Civil, o que o faz sofrer inevitavelmente os reflexos do direito civil e interpretações jurisprudenciais que fogem inteiramente ao espírito do direito empresarial.
Daí por que o projeto de lei se inicia apresentando uma série de princípios empresariais, em primeiro lugar os princípios chamados comuns, ou seja, a liberdade de iniciativa empresarial, a liberdade de competição, a função econômica e social da empresa, a par de princípios específicos aplicáveis exclusivamente às sociedades, aos contratos empresariais, aos títulos de crédito, ao agronegócio e outros, inclusive ao processo empresarial, na forma do art. 44 e seguintes do projeto. São esses princípios que vão servir de parâmetro a uma futura jurisprudência de direito comercial, que tem vocação para regular negócios, enquanto o direito civil tem sua destinação mais voltada ao direito dos indivíduos. Ou, em outras palavras, os princípios vão inspirar uma hermenêutica pretoriana e uma futura doutrina nascida da vontade da lei, assim como acontece, por exemplo, com o novo Código de Processo Civil, com o Código de Defesa do Consumidor e seus respectivos princípios orientadores.
Eu acentuo a noção de peculiaridade do direito comercial e de seus fatores distintivos, bem como acentuo a peculiaridade específica dos seus vários ramos. Se o direito contratual empresarial, o direito cambial e o direito do agronegócio requerem interpretações diferenciadas, assim também acontece com o processo judicial empresarial, que merece o mesmo tratamento. Ou seja, é justo e adequado que esse processo tenha uma regulação especial, de forma a melhor normatizar o conflito empresa/empresa.
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Embora já prevista no Código de Processo Civil de 2015 a chamada autonomia procedimental, peço atenção aos arts. 45, 949 a 951 do projeto de lei, onde se assegura às partes escolher as normas que vão reger o processo judicial e que podem ser diferentes das regras legais, desde que autorizado pelo juiz.
E, quando as empresas estabelecerem essas novas regras, vão estabelecer na forma da praticidade que o comerciante tem, que o empresário tem. Vão criar regras simples, vão criar regras práticas, efetivas, como consequência da própria mentalidade empresarial que é regida pela praticidade.
Outra norma de extremo relevo está mencionada no art. 48 do projeto de lei, onde se diz que:
No processo empresarial, o juiz deve levar sempre em consideração não apenas o conteúdo do conflito entre as partes, mas também as externalidades econômicas de suas decisões, especialmente o impacto que tais deliberações possam produzir nos preços dos produtos e serviços na viabilidade das empresas e na solvência dos empresários.
Isto é, o juiz deve antever também as consequências que suas decisões podem gerar no mercado, atingindo terceiros.
Sem dúvida, é uma regra saudável e moderna, que agrega qualidade ao processo empresarial. Como se dizia antigamente, Sr. Presidente, o juiz tinha que ter um olho no padre e outro na missa; quer dizer, um olhar interno e um olhar externo.
Outro dispositivo que tanto interessa aos empresários é o art. 952 do projeto de lei, que dispõe que, no processo empresarial, o juiz deve dar solução compatível com a jurisprudência consolidada dos tribunais, garantindo a estabilidade e efetividade dos negócios empresariais.
Isso é tudo o que o empresário deseja: certeza e previsibilidade das decisões judiciais, para que possa tocar seu empreendimento já conhecendo as regras do jogo.
A seguir, prescreve-se que o recurso de apelação tem efeito apenas devolutivo; ou seja, transfere ao tribunal apenas a apreciação de toda matéria ventilada em primeira instância, mas não suspende o processo, permitindo, em consequência, que se realize, sem maiores delongas, a chamada execução provisória do julgado, sem esperar decisão final de segunda instância, salvo casos excepcionais e justificáveis, em que o efeito suspensivo pode ser concedido pelo juiz.
O projeto de lei regula outras questões de direito processual, tais como provas pericial, testemunhal, exibição de documento, depoimento das partes.
Chamo atenção para a introdução da mediação no processo de exibição judicial de documentos (art. 963 §§ 2º e 3º) e a possibilidade de que, na prova pericial, os próprios peritos das partes indiquem eles próprios um terceiro para desempatar os pontos de discordância de seus respectivos laudos.
Mas, do ponto de vista específico de interesse empresarial, o que mais chama a atenção na proposta legislativa é a disciplina de uma ação tipicamente societária, a ação de dissolução parcial da sociedade; a superação do impasse quando há graves desentendimentos entre os sócios; a ação de responsabilidade civil por danos causados à empresa por sócio, administrador ou acionista controlador; a tutela específica para o cumprimento de acordo de acionistas; a ação de invalidação de decisões de assembleias gerais; e ainda regras de processo empresarial marítimo, que são extremamente específicas para as atividades de navegação.
Então, Presidente, já concluindo, eu acredito que o tratamento unificado do Direito Comercial, associando-se o direito material, que é a própria essência da norma empresarial, com o direito instrumental; ou seja, o Direito que prescreve normas para o processamento de ações judiciais é plenamente válido, seja por facilitar a consulta a uma legislação empresarial consolidada, seja porque permite uma melhor interpretação e harmonia de normas empresariais reunidas num único diploma normativo.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Agradeço muito ao Dr. Marcelo Barreto pelo seu depoimento.
Agora, vamos passar ao setor de perguntas. Eu, como Relator, farei algumas aqui; depois, passarei ao Senador Roberto Muniz; depois, vou dar oportunidade ao Dr. Fábio Ulhoa para fazer o seu contraponto aqui, que acho importante.
Primeira pergunta, sobre a conveniência de regras processuais e empresariais.
Assim como há um processo trabalhista próprio na CLT, o projeto do Código Comercial disciplina um processo empresarial específico sob o pressuposto de que as relações de direito empresarial demandam tratamento processual próprio. O livro de processo empresarial do projeto inspirou-se fortemente na prática da arbitragem, transpondo para o processo judicial o resultado de um assentado procedimento que facilita o entendimento entre os litigantes.
Nesse contexto, como notáveis professores de processo civil, gostaria de ouvir o seguinte: na opinião de V. Sªs, é conveniente o Código Comercial conter um processo empresarial próprio?
Essa pergunta é ao Dr. Alexandre - o Dr. Ronaldo está ausente -, ao Dr. Gustavo e àqueles que quiserem responder à Mesa, da direita para a esquerda, de quem tiver interesse em responder.
O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO (Fora do microfone.) - Penso que cabe ao Dr. Alexandre, que é processualista...
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Então, pode ser.
Com a palavra V. Sª.
O SR. ALEXANDRE REIS SIQUEIRA FREIRE - Senador Pedro Chaves, essas questões são de fato importantíssimas. Entendo que aqui seja um ambiente de reflexão necessário para que a gente possa pensar em uma convergência ou não dessas regras de direito processual para um diploma apartado, que seria o Código de Direito Comercial.
Queria também registrar os meus respeitos ao Senador Roberto Muniz. Acompanho muito sua atividade parlamentar aqui no Senado. Queria parabenizá-lo e agradecer pela sua presença esta tarde nesta audiência interativa.
Senador, quando nós lemos a Exposição de Motivos do novo Código de Processo Civil, encontramos algumas matrizes: sintonia fina com a Constituição Federal; permitir esse código que o juiz profira decisões mais rentes à realidade; uma vocação para simplificação do processo; dar maior rendimento ao processo, afastando, por exemplo, a necessidade de observância de procedimentos desnecessários; e, por fim, conferir maior organicidade procedimental.
Na medida em que um novo diploma passa a disciplinar temas, a exemplo da desconsideração da personalidade jurídica... - não quanto, Professor, aos pressupostos, porque, em regra, esses pressupostos, de fato, possuem um melhor terreno para a sua previsão na legislação de direito material e não no Código de Processo Civil. Então, parece-me também que o inverso seja verdadeiro: não é necessária a previsão de procedimentos de efeitos de regras quanto, por exemplo, aos requisitos para citação, intimação, natureza jurídica da decisão que desconsidera ou não, questões relacionadas ao arbitramento de honorários advocatícios, porque eu acredito que o novo código, quando esse assunto é omisso, é um ambiente também para, a partir dessas discussões, propor uma atualização do diploma do novo CPC; não em relação ao projeto do novo Código Comercial.
Quanto a um aspecto destacado pelo Dr. Marcelo Barreto, a questão da prova pericial, nós temos no Código de Processo Civil um regramento minudente quanto a esse assunto. Parece-me desnecessário tratar uma vez mais desse assunto em um Código Comercial.
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"Alexandre, mas, então, o que se deveria fazer?"
Eu identifico esse problema porque ambos os códigos, Professor, tramitaram quase que paralelamente nas duas Casas, tanto que nós temos uma versão na Câmara de um novo Código Comercial; uma no Senado. O novo código tramitou nas duas Casas em razão de um número excessivo de propostas de codificação. Nós tínhamos à época, o Senador deve se recordar, propostas de atualização do Código Tributário, proposta de novo Código Eleitoral, proposta de atualização do Código Comercial, do Código Penal, do Código de Processo Penal, que hoje estão chegando ao Senado. Então, evidentemente, vários temas eram tratados paralelamente, mas, como o código saiu mais cedo, parece-me que agora a ideia seja a observância a esse diploma, justamente para evitar aquilo que conversamos antes, a dispersão legislativa. Nós temos regras quanto à perícia no Código Processual Civil, e regras de direito probatório em relação à perícia, apenas para ficar neste exemplo, no Código Comercial.
Então, imaginem como isso ocorreria num ambiente de dispersão jurisprudencial, não mais legislativa, mas jurisprudencial, que é o Judiciário brasileiro.
Não é necessário, Senador Pedro Chaves, que a gente utilize o exemplo de São Paulo, em que, de fato, o tribunal tem mais de 60 câmaras. Nós vamos utilizar, por exemplo, o juízo de primeiro grau lá em Campo Grande. Distribuídas quatro ações sobre o mesmo tema, cada uma foi distribuída para um juízo diferente. Se nós tivermos a necessidade de convivência de um Código Comercial tratando de regra processual e um Código Processual Civil, é possível que o primeiro juiz, da primeira vara cível, aplique um procedimento relacionado ao Código Comercial, e o segundo juiz, para quem aquele mesmo tema foi distribuído através de outra ação, aplique o Código de Processo Civil . E nós vamos ter, a depender do caso, uma decisão interlocutória agravada para o tribunal e outra interlocutória agravada para o tribunal, cada uma com um fundamento diferente. Perfeito?
Ou, então, eu dei um exemplo para o senhor de uma questão sobre redistribuição dinâmica do ônus da prova. Se o CPC dispõe de uma forma, e o Código Comercial apresentasse uma outra proposta - é uma hipótese de recurso de agravo -, nós teríamos duas soluções, dois regramentos e uma série de demandas que, a partir daí, se multiplicariam, porque quando nós temos essa divergência interpretativa, em regra decorrente de um cipoal normativo, ou seja, várias normas tratando o mesmo tema, o que nós vamos ter também é um conjunto de decisões diferentes, e isso gera um efeito pedagógico negativo terrível, Senador! Por quê? Porque os tribunais passam a sinalizar de forma equivocada para o primeiro grau. Imaginem: o novo Código de Processo Civil prevê que os magistrados devam guardar um dever de velar pela integridade, pela coerência e pela estabilidade das decisões. Se o próprio tribunal decidir de forma diferente, imaginem o juiz de primeiro grau! Ele não vai se sentir, por exemplo, obrigado a seguir o entendimento do tribunal, porque ele vai se questionar: "Qual entendimento seguirei?", já que o tribunal tem dois, um baseado no Código de Processo Civil e outro no Código Comercial. Então, esse, no meu modo de ver, é um aspecto que deve ser observado pela Comissão, com o devido respeito, quanto à sobreposição de temas em matéria processual.
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Eu acredito que aqui - vou utilizar uma figura de linguagem - nós podemos fazer uma lipoaspiração da matéria processual. Isso evitaria uma série de inconvenientes interpretativos e eventuais questionamentos quanto, por exemplo, a antinomias. Então, isso é um ponto importante.
Agora, a questão... Darei um exemplo de que já temos uma série de institutos que, hoje em vigência, atendem perfeitamente às questões relacionadas a relações empresariais.
Mediação. Temos provimentos do próprio CNJ, temos, por exemplo, um regramento específico no Código de Processo Civil. Então - imagine -, chega um terceiro. Nós vamos aplicar qual? Nós vamos aplicar seletivamente? Acho que nós não precisamos dar essa oportunidade ao Judiciário porque ele já o faz. Ele aplica, por exemplo, o direito processual civil de forma seletiva, embora, atualmente, só tenhamos o processo civil disciplinando o tema. Mas ele aplica na medida daquilo que é conveniente. Aplica nesse ponto o entendimento da sua jurisprudência consolidada antes do Código, em outro, porque é conveniente para o tribunal, aplica o entendimento do Código. Se dermos essa oportunidade para o Judiciário se deparar com três ou quatro diplomas tratando do mesmo assunto, aí, sim, nós vamos viver um ambiente de completa judicialização e dispersão jurisprudencial, o que só gerará insegurança jurídica e dá um mal sinal para os investidores, dá um mal sinal para os empresários, porque eles ficarão, por exemplo, temerosos sobre como se defender, como propor ações, porque o ambiente é inseguro do ponto de vista jurídico.
Então, a solução que eu apresento, modestamente, é bem simples: manter as regras quanto a esses assuntos que são especificamente processuais no diploma do Novo Código de Processo Civil. Eu acredito que a existência de uma série de regramentos processuais deu-se justamente em razão da tramitação conjunta desses temas no Congresso Nacional, o Senado tratando do Código de Processo Civil, a Câmara, do Código Comercial, projeto de modernização do Código do Consumidor.
Se formos analisar, no próprio Código do Consumidor vamos encontrar regras processuais até na parte da modernização conflitando do ponto de vista do conteúdo e da forma com o Novo Código de Processo Civil e também com o próprio diploma que a gente está examinando neste exato momento.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Muito obrigado ao Dr. Alexandre pela sua exposição, com bastante minudência, o que vai ser muito bom para a gente aprofundar mais o texto, e ele, de novo, nos convence cada vez mais da importância do Código Comercial.
A segunda pergunta é sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
O projeto de Código Comercial trata da questão da desconsideração da personalidade jurídica nos arts. 196 a 199, disciplinando seus aspectos de direito substancial.
Atualmente o Código de Processo Civil já estabelece que deve existir um procedimento para que a desconsideração da personalidade jurídica seja decretada.
Diante disto, pergunto: a disciplina do Código Comercial com normas de direito material está em consonância com o disciplinado em termos processuais no incidente de desconsideração da personalidade jurídica?
O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - Eu posso fazer um comentário bem rápido aqui, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Pois não.
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O SR. GUSTAVO RAMIRO COSTA NETO - Eu acredito que sim. Inclusive, acho que o Prof. Alexandre tratou disso em sua exposição inicial.
O Código Comercial traz critérios para que se realize a desconsideração da personalidade jurídica, enquanto que o Código de Processo Civil dita o rito em que se vai dar o processo para que se chegue a essa possível desconsideração da personalidade jurídica.
Entendemos que é bastante significativo que o Código Comercial trate dessas hipóteses justamente por conta de algumas inconsistências que temos verificado nos processos judiciais cotidianos.
Aqui, eu tratei anteriormente com mais ênfase dos processos trabalhistas, mas nos processos cíveis isso também se dá. É importante que fique claro que não se pretende proteger o empresário que quer utilizar a personalidade jurídica de uma empresa para praticar fraude, para prejudicar terceiros, prejudicar seus funcionários, prejudicar seus clientes. Não se trata disso. Trata-se apenas de indicar ao empresário, ao investidor, ao acionista qual o risco que ele está correndo ao assumir aquele determinado negócio.
Então, se o empresário quer investir em determinada empresa, ele vai consultar seu advogado, que vai dizer "olha, se você investir, pode acontecer isso assim e assim. Mas se você não fizer nada de errado, não praticar nenhuma fraude, se você não quiser sonegar impostos, se você não quiser prejudicar os consumidores ou seus funcionários, seu patrimônio está preservado, porque o risco da atividade empresarial é uma coisa inerente à própria atividade do empresário".
Então, é importante que esses critérios estejam tratados de uma maneira bastante clara, como, de fato, é trazido nesse projeto do Código Comercial, para que se permita à comunidade empresarial avaliar com precisão e com - uma expressão que a gente costuma utilizar muito aqui nessas reuniões - previsibilidade os riscos daquele negócio. E o Código de Processo Civil vai tratar, quando alguém quiser desconsiderar a personalidade jurídica e entender que está presente o requisito ou os requisitos trazidos na legislação substantiva, aí o Código de Processo Civil já trata, e trata de maneira muito adequada, do procedimento que deverá seguir.
Então, acho que há plena compatibilidade entre as duas regras, a processual e a de direito material.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Tá. Muito obrigado.
Agora, pergunto ao Dr. Marcelo e ao Dr. Rafael.
Um dos pilares do projeto do Código Comercial é garantir a ´autonomia privada nas relações empresariais, garantindo uma maior previsibilidade jurídica para a economia. O projeto de Código Comercial prevê a implicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações empresariais; por outro lado, assenta o princípio da proteção do contratante que seja empresário dependente.
Nesse contexto, eu gostaria de ouvir V. Sªs acerca dos seguintes pontos.
Em primeiro lugar, que benefícios V. Sªs consideram que advirão do Código Comercial para a economia brasileira?
Em segundo lugar, V. Sªs entendem que pequenos empresários estão adequadamente amparados pelo princípio da proteção do empresário dependente?
Marcelo.
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O SR. MARCELO BARRETO - Bom, o benefício do Código Comercial existe a partir da possibilidade de um clima de expansão dos negócios.
Eu acho que o Código Comercial revitaliza princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência e traz ânimo novo ao investidor na medida em que ele tiver justamente a tranquilidade de que esse negócio se realize.
Então, o espírito do Código, a partir dos seus princípios, vai nesse sentido e é um fomento, pode ser uma agenda positiva do Congresso Nacional.
A segunda pergunta diz respeito a...
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Se pequenos empresários serão adequadamente amparados pelo princípio da proteção do empresário dependente.
O SR. MARCELO BARRETO - Olha, Presidente, eu, certa vez, examinando o projeto lá da Câmara, fiz uma sugestão de que toda e qualquer assimetria, como se costuma dizer, nas relações econômicas fosse decidida a partir do princípio do abuso de direito. Ou seja, o abuso de direito, que é uma regra clássica do direito civil, poderia ser transplantada e adaptada ao direito comercial sempre que essa assimetria existisse.
Então, eu acho que é uma reflexão que se pode fazer e que abarcaria todas as relações de desequilíbrio econômico. Havendo abuso de direito, bem avaliado pelo prudente arbítrio do juiz, nós poderíamos inserir no Código Comercial, salvaguardando uma série de situações que possam ser consideradas desiguais.
O SR. RAFAEL NICHELE (Fora do microfone.) - Presidente, eu pediria que o senhor repetisse a pergunta, porque eu não...
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Está certo.
Quais os benefícios que V. Sª considera que advirão do Código Comercial para a economia brasileira?
O SR. RAFAEL NICHELE - Examinando do ponto de vista dos princípios, eu estou de acordo com o Dr. Marcelo no que diz respeito àqueles princípios que estão lá no preâmbulo do Código e acho que estabelecem aquilo que se quer em termos de ambiente de negócio. Mas, ao mesmo tempo - e aí faço uma ressalva novamente àquele capítulo que eu examinei de forma mais detida -, nas relações em que estão estabelecidas principalmente nos contratos do agronegócio, pelo menos ao ver dos setores da indústria, há uma série de restrições quanto a, por exemplo, o que se estabelece em termos de autonomia da vontade, em termos de segurança e previsibilidade dos acordos que foram celebrados e que serão cumpridos de acordo com a vontade declarada pelas partes, obviamente, aqui sempre lembrando que qualquer abuso de direito sempre será já tutelado por uma norma que existe há muito tempo, há 16 anos, no Código Civil e que, obviamente, não abarca apenas as hipóteses de relações de natureza de indivíduos, mas também aplicados dentro das naturezas das relações empresariais.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Obrigado.
Agora uma pergunta sobre agronegócio.
O projeto do Código Comercial dedicou espaço especial ao agronegócio, especialmente a partir do art. 681.
A dinâmica do agronegócio é formidável, e, como o Código Comercial admite a celebração de contratos atípicos como fruto da liberdade criativa das partes, os agentes econômicos podem criar contratos para modelarem seus negócios e para acompanharem os novos modelos de negócios.
Na leitura de V. Sª, o texto do proposto Código Comercial contribui para dar maior segurança jurídica ao agronegócio?
Segundo: além do mais, V. Sª entende que o Código Comercial está protegendo também as cooperativas como agentes importantes do agronegócio?
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O SR. RAFAEL NICHELE - Senador, V. Exª faz dois questionamentos. Vou tentar aqui, Professor, ser breve, até para dar espaço para que se possa debater.
Mas, no que diz respeito a se o capítulo do agronegócio, em relação às relações, aos contratos atípicos que são feitos, em que há vários atores dentro da cadeia - e o Código trata, o projeto trata como uma cadeia do agronegócio, Senador -, o que nos parece... E aí vou pinçar alguns elementos bastante interessantes.
Primeiro, o art. 700, que está dentro de uma daquelas relações que se estabelecem, por exemplo, dentro da cadeia do agronegócio, que trata da questão da prevenção e controle de pragas e doenças, estabelece que, por exemplo, será imputado à indústria eventual diagnóstico de propagação de doenças e pragas, enfim, que pode ser imputado ao integrado.
Veja que, se isso não for objeto de regulação dentro do contrato de integração, que já é objeto de uma lei específica que trata das responsabilidades de cada qual, pergunto: a indústria, mesmo fazendo um treinamento, mesmo dizendo como deve ser aplicada toda a questão do regime de integração, será responsabilizada pela propagação dessas pragas.
Aí vem a pergunta: bem, então, isso ela vai ter que colocar dentro do curso do contrato de integração como mais uma responsabilidade surgida pelo novo Código.
Então, vejam, só para lembrar, isso está dentro daquela ideia que foi questionada, do pequeno empresário dependente. Veja, de um lado, se tenta estabelecer que a cadeia tem que ter um equilíbrio, de outro lado, se imputa só ao integrador, à indústria a responsabilidade no caso de propagação de pragas, doenças, que deveriam ser imputadas ao integrado, exclusivamente, porque, veja, não há uma relação de subordinação, como haveria, no caso, entre um empregado, dando um exemplo da relação jurídica que se estabelece de dependência ou subordinação numa esfera de Código de Defesa do Consumidor ou numa esfera de relação de natureza trabalhista, como nós conhecemos.
Então, acho que há aqui uma certa, eu diria... Dentro do próprio Código, Professor Alexandre, acho que há uma certa dispersão legislativa, porque, isso olhado pelo ponto de vista, Professor, do setor, algumas regras estabelecem algo que não soa como equilíbrio dentro da cadeia.
E aí, só fazendo um parêntese dentro do artigo que me parece bastante relevante, que é o que diz respeito justamente aos requisitos que, se não presentes no contrato de integração, podem justificar uma nulidade do contrato, da cláusula, um deles é aquele a que me referi, quanto ao tempo do Aviso Prévio.
Ora, vai ter que se considerar o montante de investimento das partes. Mas o montante de investimento das partes é algo que, dentro de um ambiente de segurança jurídica, de previsibilidade, alguém vai ter que saber qual é o montante, para saber qual é o tempo do Aviso Prévio em relação àquela parte, porque o montante de investimentos do integrado não é o mesmo no montante de investimento do integrador.
Por fim, acho que é bastante relevante aquilo a que me referi, sobre o art. 687, que é aquele que engessa, de forma categórica, a revisão de qualquer base de contrato. Qualquer um que esteja dentro da rede de negócios da cadeia, se for, digamos assim, atingida a finalidade da rede de negócios - essa é a expressão do Código -, não pode haver nenhuma revisão.
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O que é... Aí a pergunta: dentro de uma ideia de previsibilidade e segurança jurídica e de saber de antemão quais são as regras do jogo, o que significa ter que provar que nenhuma das partes, dentro da rede, será afetada no descumprimento da finalidade da rede de negócios do agronegócio? O que significa isso? É finalidade econômica? É finalidade de sustentabilidade em que sentido? É finalidade de quê? Eventualmente, há aqui um conceito jurídico indeterminado, se a gente pudesse colocar, que terá que ser preenchido por quem vai aplicar.
E a gente não tem paradigma anterior para dizer "Isso já foi construído". Sinceramente, na hipótese do agronegócio, nem pela doutrina, muito menos pela jurisprudência, no que diz respeito a isso. Não estou dizendo que não há finalidades do ponto de vista de contratos e de relações contratuais obrigacionais que já não foram construídas e já positivadas. Mas, no que diz respeito a isso, quanto à finalidade de redes de negócio dentro do agronegócio, nós não temos paradigma prévio, de nenhuma forma, para estabelecer o que isso significa, na hora em que isso chegar para uma discussão no que diz respeito a um contrato de integração, por exemplo.
Não sei se respondi, mas fico à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Bem, vou passar agora a pergunta.
Pergunto ao Senador Roberto Muniz se gostaria de falar. (Pausa.)
Então, com a palavra o Dr. Fábio.
O SR. FÁBIO ULHOA COELHO - Gostaria, enfim, primeiro de agradecer, Senador Pedro Chaves, a oportunidade de me manifestar aqui, nesta audiência pública.
Quero cumprimentar V. Exª, também o Senador Roberto Muniz, que sempre traz grandes contribuições, acuradas reflexões, aqui, para esta Comissão.
Também quero fazer um cumprimento muito especial a todos os meus colegas que estão na Mesa e que trouxeram contribuições bastante valiosas, aqui, para discussão do Código.
Em especial, quero agradecer as referências que foram feitas à minha pessoa.
Na verdade, quero trazer uma informação e fazer depois certa reflexão bastante rápida. Nem é uma informação propriamente, é só relembrando que realmente esse projeto foi feito em 2013, quando não havia nem o Código de Processo Civil, nem a lei do contrato de integração.
Naquela época, havia uma incerteza sobre se o Código de Processo Civil iria ou não caminhar, e a reflexão que fizemos na Comissão de Juristas foi: vamos assegurar no Código Comercial alguns princípios básicos.
Estamos falando do negócio jurídico processual, da liberdade de as partes contratarem sobre procedimento. Vamos assegurar isso também no Código Comercial, porque, no final, não sabemos qual dos dois terá tramitação mais célere. E acabou que o Código de Processo Civil foi aprovado em 2015.
Realmente, Professor Freire, acho que é o caso de fazer, como a imagem muito precisa da sua parte, uma lipoaspiração. Enfim, é uma sugestão que acho que o Senador Pedro Chaves, no seu relatório, deve olhar com bastante atenção, até mesmo para evitar essas sobreposições, que têm esta explicação histórica, enfim, de que, quando foi elaborado o anteprojeto, ainda não havia um Código de Processo Civil.
E, Professor Rafael Michel Nichele, também queria agradecer, enfim, as contribuições que a Confederação Nacional das Indústrias, por sua pessoa, hoje traz ao aperfeiçoamento do Código.
Eu diria que concordo com todas as contribuições.
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Em relação à questão dos princípios, a Comissão de Juristas tinha 20 comercialistas do País todo. Enfim, acredito que estavam representados não os 20 melhores, mas 20 dos melhores comercialistas que o País possui.
E a gente redige a norma, discute a norma e depois... Essa é a grande importância de audiências públicas como as que estão sendo realizadas pelo Senador Pedro Chaves, pelo Senador Fernando Bezerra, enfim, por esta Comissão do Código Comercial do Senado.
Outros olhos vão olhar aquela norma e vão ver coisas que não foram pensadas, enxergadas por quem redigiu. E o Dr. Rafael Nichele traz aqui, realmente, interpretações que, olhando agora, à distância...
Eu estou olhando para lá, porque estava exposto.
Olhando agora, à distância, realmente elas podem comportar uma preocupação, podem comportar uma interpretação indevida. Acho que precisamos fazer uma lipoaspiração, de forma que fiquem no Código Comercial apenas regras de direito privado mesmo.
A sustentabilidade acho que é uma regra de direito ambiental - deixemos para o Direito Ambiental. Quanto à questão da parassuficiência, para nós era tudo muito claro, quando escrevemos, mas realmente não nos ocorreu olhar no Google como seria. O Código deve trazer certezas, e não dúvidas. Então, acho que também devemos pensar essa questão dos princípios. O Art. 31 nunca passou pela cabeça da gente que poderia haver uma leitura que autorizaria uma intervenção do Estado, uma intervenção estatal no agronegócio, mas realmente interesse nacional. Então, acho que é melhor suprimir esse dispositivo.
Em relação ao contrato de integração, quando foi feito o anteprojeto, não havia projeto de lei. Tenho a impressão até de que a reflexão que fizemos no âmbito desse projeto do Código Comercial acabou ajudando a reflexão da elaboração da lei específica sobre contrato de integração, que é uma lei que me parece muito boa, avaliada pelo setor como adequada, justa, equilibrada.
A minha sugestão como Presidente da Comissão de Juristas lá na Câmara, a sugestão que levei ao Relator do Código Comercial na Câmara, Deputado Paes Landim era que, diante da nova lei da integração, o Código Comercial não tratasse do contrato de integração.
Isso ele aceitou e, inclusive, até na publicação do voto do relatório que fez - o relatório foi publicado na semana passada ou retrasada, enfim -, pode ser conferido. Ele acolheu essa sugestão da Comissão de Juristas de lá e não está tratando do contrato de integração. Então, por essa razão também, eu me associo às suas preocupações e acho que o jeito de resolver todas aquelas questões daqueles dispositivos que foram falados é simplesmente subtrair do Código Comercial a disciplina do contrato de integração.
Eram essas, Senador Pedro Chaves, as observações que eu gostaria de apresentar. Por isso, solicitei a palavra. E a oportunidade de fazer essas observações agradeço mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Eu agradeço muito ao Dr. Fábio. Ele, sempre acolhedor, realmente mostra, mais uma vez, que o anteprojeto foi feito há algum tempo e que é necessário atualização.
São importantes essas contribuições, haja vista quantas contribuições tivemos hoje aqui. Acho que hoje a reunião está sendo extremamente rica.
Com a palavra o nosso querido Senador Roberto Muniz.
O SR. ROBERTO MUNIZ (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - BA) - Senador Pedro Chaves, queria primeiro parabenizar V. Exª por sua dedicação nesta Casa a esse tema e dizer que é um momento muito importante esse debate aqui no Senado, que V. Exª está pegando todo à unha. A gente fica feliz de poder aqui aprender. Tenho falado a alguns amigos, a alguns baianos sobre a oportunidade que estou tendo de aprender com vocês, com todos que por aqui passam, com o nosso Prof. Fábio Ulhoa, muito porque eu não tive a oportunidade de, sentado na cadeira de engenharia civil, ouvir tantos advogados. Então, fico muito feliz de poder estar aqui, neste instante, aprendendo algo que é tão importante e fundamental, principalmente para o momento que nós estamos vivendo no Brasil, em que a gente percebe que vamos ter que reinventar a nossa forma de crescer.
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O Código Comercial traz uma oportunidade para a gente revisitar a nossa matriz do crescimento. A gente sempre teve, no Estado, a maior mola propulsora. E nós fomos - acho - até displicentes com o crescimento empresarial no País. A gente percebe que o Estado tomou uma magnitude dentro de todos os setores que ele quase apinhou a força e a vontade do empreendedor de construir de criar, ele apinhou, ele restringiu essa capacidade no País.
Nós estamos até em um momento em que a gente precisa revisitar isso, porque quando a gente pega os jovens hoje no Brasil, uma parte dos jovens está buscando entrar no Estado, buscando fazer concursos públicos. Não que isso seja ruim, mas isso não pode ser um farol que ilumina o futuro de um país.
Outro dia estava debatendo a importância das empresas para a constituição dos serviços públicos. Não existe serviço público se não houver impostos pagos - não existe serviço público. Então, imposto é a base para a construção de um bom serviço público. Taxas, impostos servem para impulsionar e ampliar a possibilidade de o Estado criar um equilíbrio na atenção ao cidadão. Eu acho que esse é o papel do Estado: trazer para si a responsabilidade de fazer com que o serviço público chegue a quem precisa.
E o Código Comercial quando traz uma maior segurança para os investidores, ele constrói um futuro melhor para o País. É por isso que eu estou aqui. Eu gosto desta Comissão porque ela é o Brasil do futuro; o Código Comercial é o Brasil do futuro.
E aí eu quero aproveitar para dizer que eu concordo plenamente com o que o Dr. Rafael Nichele colocou. A gente também tem que imaginar se nós estamos tentando fazer com que a desconsideração da personalidade jurídica tenha algumas travas, não podemos nós fazer com que as responsabilidades jurídicas de cada empresa também se conectem de uma forma que alguém fique sempre tutelando um menor. Esse menor precisa assumir as suas responsabilidades, mesmo que seja nas questões - e aí posso falar um pouco sobre o agronegócio -, principalmente, nas questões referentes à defesa agropecuária, nas questões de sanidade. As responsabilidades são de quem opera. Quer dizer, não podemos deixar na mão da indústria algo que é uma responsabilidade da agricultura. Então, nós não podemos fazer com que a gente olhe uma cadeia de uma forma conjunta só; a gente precisa de uma forma conjunta, mas que as responsabilidades estejam - como podemos dizer - estabelecidas na atividade de cada empresa que faz parte daquela cadeia. Senão nós estaremos elevando muito o custo para que a indústria se responsabilize pelo o que é feito no campo, ou que o integrado seja tutelado pela empresa que é integradora. Então, a gente precisa ter um olhar para isso. E eu acho que você traz essa consideração que eu acho muito importante. Nós temos no agronegócio, talvez, a maior oportunidade de crescimento do País. A nossa capacidade de verticalizar o crescimento ainda foi muito baixa. A gente tem uma discussão sobre a questão da agroindústria, ela ainda não está bem alocada, se ela está alocada dentro do sistema da agricultura ou da indústria, nós vamos ter que encontrar uma melhor alocação para que a gente possa atrair mais investidores.
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Para vocês terem uma ideia, no Estado da Bahia, o qual estou tendo a oportunidade de representar, nós temos um dos algodões de melhor qualidade no Brasil e não temos sequer uma grande empresa que possa industrializar essa matéria-prima. Por quê? Porque as dificuldades são tão grandes de você colocar uma indústria no local e fazer toda essa operação de integração, que todas as vezes que você chega lá, os riscos inerentes à integração são muito altos, e estão sendo colocados e alocados esses riscos todos na indústria.
Então, nós vamos precisar do Código Comercial. Nesse Código Comercial, aproveitar essa oportunidade. E, sem sombra de dúvida, Senador Pedro, V. Exª vai ter um trabalho quase que de bisturi - gostei da ideia assim da lipoaspiração. Nós não podemos criar um código que traga mais insegurança. Quer dizer, se a gente tiver que visitar matérias que já estão assentadas em outros instrumentos legais, isso vai criar, em vez de um fortalecimento, dificuldades na aplicação dessas leis. Eu acho que nós vamos ter que partir, também, não só para lipoaspiração, talvez, fazer algumas amputações mesmo. Nós vamos ter que retirar alguns pedaços do código que já estejam contemplados em outros locais.
Então, vejo esta tarde como uma tarde muito importante. Acho que a questão que foi levantada aqui, também, sobre o abuso de direito é algo precisa ser visitado, realmente, para melhorar o nosso ambiente de negócio. E dizer, Senador Pedro, que a gente tem que acelerar essas discussões aqui na Casa sobre esse novo instrumento e tentar votar com mais brevidade possível. E digo isso porque eu acredito - sou um otimista - que nós podemos, logo mais, ter um outro ciclo de desenvolvimento. E a gente precisa que esse ambiente de negócio esteja motivador para que os empresários possam, de novo, retornar aos seus grandes investimentos. A chegada de novas empresas internacionais também cria uma motivação especial, é um momento em que nós vamos ter um grande debate. E esta Casa, quero aqui reafirmar, o papel do Congresso Nacional, muitas vezes vem sendo incompreendido no processo político, no processo de construção da sociedade. Mas eu não acredito que algo seria tão bom se não tivesse vocês aqui nesta Casa. Então, se nós tivéssemos um projeto que viesse através de uma medida provisória, tivéssemos um prazo de 180 dias e tivéssemos que, simplesmente, ser um avalista de uma ideia de um burocrata sentado, Marcelo, lá no Governo Federal, talvez a gente tivesse erros que vocês estão corrigindo. Acho que a forma da construção desse Código Comercial é um alento para este novo Brasil. Agora, não podemos perder essa noção do tempo. A tempestividade da chegada desse Código Comercial é importante para que a gente não traga, dentro de um ciclo novo... Espero que nós possamos visitar um novo ciclo de crescimento econômico e que esses instrumentos legais já estejam à disposição para esse novo ciclo econômico. Então, é o momento, sim, de debater, mas a gente precisa deixar isso rapidamente à disposição deste novo ambiente de negócio, um novo momento de um ciclo econômico positivo no País.
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Parabenizo todos vocês, o Dr. Marcelo, o Dr. Sávio, o Dr. Alexandre, o Dr. Rafael e o Dr. Gustavo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PRB - MS) - Agradeço muito as palavras do nosso querido Senador Roberto Muniz.
Na verdade, nós estamos dando celeridade aqui, no Senado. Eu pretendo, dia 20 de junho, quer dizer, dia 20 do mês que vem, já apresentar o relatório final para a discussão da Comissão, dos Senadores. Todos são convidados a participar. É uma Comissão que vai ser colocada, já convocada. E é uma discussão mais exaustiva até a aprovação, aprovando o projeto, certamente, quando eu apresentar vai se baixar diligência coletiva, a partir daí vou apresentar ao Plenário. E tenho certeza que o Plenário vai acolher e vai aprovar esse projeto. Então, nós pretendemos fazer isso tudo, se possível, neste primeiro semestre.
Então, mais uma vez, não havendo nada mais a tratar, agradeço a presença de todos, convidando para a próxima reunião que vai ser dia 11 de maio, depois de amanhã, 9h, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. Se todos os senhores puderem ir, seria muito prazerosa a presença de vocês.
Assim, declaro encerrada a reunião, agradecendo muito a presença de todos.
Obrigado.
(Iniciada às 14 horas e 39 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 32 minutos.)