06/06/2018 - 4ª - Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Elcione Barbalho. MDB - PA) - Boa tarde!
Havendo número regimental, declaro aberta a 4ª Reunião da Comissão Mista de Combate à Violência Contra a Mulher.
A presente reunião destina-se à apreciação de requerimentos e à realização de audiência pública, realizada em parceria com a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, para debater a aplicação da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças, em atendimento ao Requerimento nº 5, de 2018, de autoria da Deputada Luana Costa.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse de participar devem enviar comentários pelo www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo 0800-612211.
De acordo com as normas regimentais, a Presidência adotará os seguintes procedimentos: a convidada ou convidado fará a sua exposição por 10 minutos e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Srªs ou pelos Srs. Parlamentares inscritos.
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A palavra às Srªs e aos Srs. Parlamentares será concedida na ordem de inscrição.
Convido para assento à Mesa as seguintes pessoas, convidados e convidadas: Drª Fernanda Menezes Pereira, adjunta da Advogada-Geral da União.
Dr. André Veras Guimarães, Chefe da Divisão de Cooperação Jurídica Internacional do Itamaraty. Prazer em revê-lo.
Natália Camba Martins, Coordenadora-Geral de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça.
Drª Claudia Grabois, advogada; Drª Valéria Ghisi, mãe de criança com processo de repatriação. (Palmas.)
Quero dizer a todos que sejam bem-vindos. É uma honra, um prazer para todos nós, para a gente, poder discutir esse assunto de uma forma muito ampla. Eu acho que interessa a todos nós brasileiros e, quisera, ao mundo como um todo.
Eu concedo a palavra à Srª Parlamentar Deputada Luana, a quem eu passo a Presidência neste momento.
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Nós queremos agradecer a participação da nossa nobre colega Elcione Barbalho e agradecer a todos os presentes, para discutirmos e sabermos mais.
Eu sou Vice-Procuradora das mulheres na Câmara dos Deputados. É um tema em que, vamos dizer assim, se peca muito por falta de conhecimento. Então, nós estamos aqui para dirimir dúvidas e, principalmente, para sabermos, diante da importância do tema, mais sobre esse assunto. Nada mais correto neste instante do que chamarmos pessoas que tenham conhecimento e que possam esclarecer nossas dúvidas.
Para isso, queremos aqui chamar a Drª Fernanda Menezes Pereira, que é adjunta da Advocacia-Geral da União, para falar um pouco sobre o tema.
A SRª FERNANDA MENEZES PEREIRA - Boa tarde a todas e a todos. Queria primeiramente agradecer, em nome da Advocacia-Geral da União, por este convite.
Sem mais delongas, vamos à apresentação, que busca trazer os conceitos mais importantes dessa Convenção, que nós vamos debater hoje, e um pouco, claro, da atuação da AGU.
Começando pelo objetivo da Convenção, que é o retorno imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado contratante ou nele retidas indevidamente, a gente tem aqui o art. 1º, que começa com o objetivo e trata do direito de visitas também.
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O primeiro ponto a ser destacado é que o retorno ao país de residência é considerado pela Convenção o melhor interesse da criança. Então, é uma Convenção que buscou proteger os direitos das crianças nesse sentido.
Aqui é uma breve introdução. Houve participação dos Poderes da República nessa Convenção, que foi celebrada pelo Executivo, mas aprovada pelo Congresso, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, e o Judiciário é chamado a aplicá-la.
Os pressupostos de aplicação da Convenção são três. São simples: é a criança ter menos de 16 anos; a violação ao exercício efetivo do direito de guarda; e a residência habitual em um Estado contratante.
E há as exceções, que também são tão importantes quanto os pressupostos, quando é que não se aplica a regra chave, que é o retorno imediato ao país de residência habitual.
A primeira exceção é a adaptação ao Estado de refúgio, que ocorre quando há um período de um ano - um período superior a um ano - entre a data da transferência e o início do processo, perante a autoridade administrativa ou judicial. Além disso, a criança já se encontra integrada ao novo meio. São requisitos cumulativos. A segunda exceção é quando não havia o exercício efetivo do direito de guarda -nesse sentido, ela é semelhante ao pressuposto de aplicação - ou quando há o consentimento ou concordância posterior à transferência ou retenção. A terceira exceção é muito debatida e é um risco grave de a criança ficar sujeita a perigos, sejam perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar sujeita a uma situação intolerável. E por fim, a quarta exceção diz respeito à oposição da criança, quando a criança já atingiu tanto a idade como a maturidade suficientes para isso.
Após essa breve introdução das regras chaves dessa Convenção, passamos às fases de aplicação, no Brasil, da Convenção: nós temos a fase administrativa e a judicial. Nós temos a Autoridade Central, aqui representada pela Drª Natália. A Autoridade Central tem servidores qualificados nas mais diversas áreas - Psicologia, Direito -, e é especializada na aplicação da Convenção. Hoje em dia, há a tramitação eletrônica, com o objetivo de fornecer celeridade a esses casos.
Na fase judicial, nós já começamos a falar um pouco da atuação da Advocacia-Geral da União, porque a Advocacia-Geral da União ingressa em juízo em nome próprio. Isso decorre do fato de a Autoridade Central integrar o Ministério da Justiça e, portanto, ser desprovida de personalidade jurídica. Como a Advocacia-Geral da União, por mandamento constitucional, representa a União judicialmente, ela, por decorrência lógica, representa os ministérios e os órgãos integrantes desses ministérios. Então, esse é o motivo de a AGU atuar ingressando em juízo em nome da União.
A adoção da concentração da jurisdição é um aspecto muito importante, porque a especialização dos juízes permite uma maior eficiência, uma maior celeridade e também decisões de qualidade superior. Então, esse é um aspecto também relevante a ser destacado na fase judicial.
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E, por fim, um aspecto que é chave atualmente para a Advocacia-Geral da União, que é a promoção de soluções consensuais. Nós temos alguns dados que mostram a quantidade de acordos que já foram celebrados, e são muitos. Recentemente nós temos presenciado uma ampliação desse animus de cooperação e que, no fundo, reflete a percepção dos pais e também das instituições envolvidas de que o que se busca é o melhor interesse da criança. E o que é melhor para uma criança do que uma solução consensual entre os pais, não é?
Nós tivemos um caso recente muito interessante em que se acordou que a criança ficaria até uma certa idade no Brasil, mas que haveria o comprometimento do outro pai de inseri-lo na cultura do outro país. Ele passaria férias nesse outro país e, depois de uma certa idade, ele passaria a estudar no outro país, a partir dos 12 anos. Então, isso é possível e isso atende certamente ao melhor interesse da criança. E tem sido uma postura da AGU não só incentivar, mas viabilizar, através de uma assistência jurídica ativa, esses acordos, essas soluções consensuais.
Aqui é uma previsão mais formal de atuação da AGU: nós temos um Núcleo que integra a Procuradoria-Geral da União, que é o órgão de contencioso da AGU. Esse núcleo propõe as ações judiciais em conjunto com as Procuradorias Regionais e também a primeira instância da nossa Advocacia-Geral e atua junto da Acaf no sentido de receber os pedidos da Acaf e de se comunicar permanentemente com a Acaf.
Nós temos aqui uma portaria que estabelece a competência do Departamento Internacional, onde se encontra o nosso Núcleo de Controvérsias de Direito Internacional nas Cortes internas, em âmbito interno, e nós temos o Gatai. O Gatai é um grupo de atuação em todo o Brasil e é importante para uniformizar a tese a respeito da matéria. Então, nós percebemos que era importante que a Procuradoria-Geral da União, que é um órgão de orientação, é um órgão central, fizesse a orientação de todos os advogados no Brasil, para que houvesse uma atuação uniforme da AGU nesse tema. Esse é o Gatai.
Aqui é o trâmite, um resumo de tudo o que foi dito: nós temos a Autoridade Central Estrangeira enviando um pedido de cooperação; a Acaf faz a primeira análise dos requisitos e pode pedir informações complementares à Autoridade Estrangeira se verificar que os requisitos não estão atendidos; se a Acaf verifica que os requisitos foram atendidos, então ela envia para a AGU, depois - só depois - de tentar um acordo. Então, a própria Acaf tenta buscar viabilizar essa solução consensual, que é uma prioridade não só da Advocacia-Geral da União no âmbito da fase judicial, mas, mesmo antes de existir qualquer ação judicial, é uma tentativa que é feita também pela Autoridade Central. Se não é possível essa solução amigável, então, sim, há o envio ao Departamento de Assuntos Internacionais - mudou o nome - da PGU, que é quem vai fazer um novo juízo de admissibilidade, podendo pedir, para isso, informações complementares à Acaf.
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Nós temos uma cartilha com mais detalhes. O tempo é curto, então eu não queria me estender muito, mas, antes de encerrar, eu queria falar um pouco também, pelo próprio tema que é discutido nesta Comissão, do compromisso da Advocacia-Geral da União com a proteção à mulher e com o combate à violência à mulher.
(Soa a campainha.)
A SRª FERNANDA MENEZES PEREIRA - Tenho mais um minuto?
Então, de forma bastante concreta, nós celebramos recentemente acordo com o CNMP, enviamos ofício ao CNJ, temos celebrado diversas parcerias, com o objetivo, por exemplo, de evitar o pagamento de pensão a pessoas que cometem assassinatos; também o ressarcimento do INSS, nos casos em que ocorre feminicídio. Além disso, nós atuamos no caso Maria da Penha. Apesar de haver, por enquanto, uma fase de recomendações da comissão, a AGU recentemente proferiu um parecer recomendando o cumprimento, pela importância; é um caso emblemático, não só no Brasil, mas na América, que mudou a visão do tema...
(Soa a campainha.)
A SRª FERNANDA MENEZES PEREIRA - Então, eu queria só ratificar e dizer que nós entendemos que a Convenção busca o melhor interesse da criança e que é nesse sentido a atuação da Advocacia-Geral da União.
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Obrigada, Drª Fernanda.
Nós gostaríamos de passar logo a palavra ao Dr. André Veras Guimarães, Chefe da Divisão de Cooperação Jurídica Internacional do Itamaraty.
O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES - Boa tarde a todos e a todas.
À Deputada Luana Costa eu agradeço o convite de participar dessa audiência pública.
É uma satisfação poder estar novamente no Congresso Nacional, que é a caixa de ressonância da nossa sociedade. Eu sempre converso com todos os meus interlocutores, colegas de outros órgãos, que os debates devem ser feitos e devem ser impulsionados justamente para que o Brasil possa chegar àquela situação que é o desejo da maioria da sua população, e por isso eu parabenizo a Comissão pela iniciativa. Em seu nome, eu cumprimento também a todas Deputadas, Senadoras, mulheres e ao público em geral desta audiência.
O tema da Convenção sobre sequestro é um tema que, pela natureza e pelo envolvimento, sobretudo das crianças, acarreta paixões, e são paixões legítimas, porque sempre trará um lado que se sentirá vencedor e o outro que se sentirá o perdedor. O objetivo da Convenção é buscar, como a Drª Fernanda disse, o que seria o melhor interesse da criança. Eu não vou entrar na discussão da Convenção em si, porque a Drª Fernanda já explicou e a Drª Natália vai entrar em maiores detalhes. Eu só queria trazer para a discussão um pouco do entendimento do que é a Conferência da Haia e o que são as Convenções da Conferência da Haia.
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A Conferência da Haia nada mais é do que um organismo internacional. O nome conferência engana muito, e todo mundo pensa que é uma reunião de pessoas que vão debater; não, é um organismo internacional. A conferência melhor seria se fosse chamada de organização internacional do direito internacional privado, porque é ali que se discutem as formas de conciliar vários ordenamentos jurídicos.
Eu sempre digo aos meus interlocutores e à minha chefia que eu penso que, em termos gerais, a Conferência da Haia hoje é, talvez, um dos organismos mais importantes para o cidadão comum, porque ali, naquele organismo, que se decidem questões que vão tocar diretamente a vida das pessoas; e são questões que decorrem daquilo que a gente vê no dia a dia, que é a globalização. E ali que se vê com maior concretude o que acontece quando as pessoas têm a facilidade de sair de um país para o outro, de ligar para um país, se relacionar via internet, comprar via internet, fazer turismo. Na Conferência da Haia discutem-se as formas como dirimir os conflitos, como chegar a soluções daqueles conflitos que surgem da globalização.
Então, nós estamos agora, por exemplo, discutindo na Conferência - da qual participam 85 países como membros e mais um número expressivo de países que não são membros, mas podem aderir às convenções que lá são acordadas - o que fazer com as sentenças judiciais. Para o Brasil, a coisa parece ser muito simples, porque, aqui, o nosso sistema judiciário aceita qualquer decisão judicial se ela não ultrapassar aqueles pressupostos que nós colocamos de não ofensa à ordem pública, citação válida, autoridade competente, mas os outros países não. Então, uma sentença dada por um juiz brasileiro para ser aplicada, por exemplo, na Argentina ou no Paraguai não necessariamente será cumprida. Esse tema é um tema de discussão hoje na Conferência da Haia, que resultará numa convenção proximamente.
Há outras convenções como acesso à justiça e a alimentos, por exemplo. Como se cobra alimentos de um pai que foi para o Japão? Ou como se cobra alimentos de um pai brasileiro que teve um filho na Itália? Ou seja, a Conferência discute esses temas.
Discute, por exemplo, um tema muito prosaico, a Apostila, que é essa legalização, essa chancela cartorial para que um documento emitido no Brasil possa ser utilizado em qualquer país do mundo. Eu posso levantar outros temas, como questões de adoção. E são todos temas, se vocês perceberem, que tocam diretamente a vida das pessoas.
Eu tenho certeza de que, se nós pararmos aqui, cada um de nós vai conseguir facilmente indicar três, quatro, cinco pessoas do seu relacionamento que estão no exterior, que foram para morar, para trabalhar, casados, solteiros. Enfim, nós vemos essa globalização permanentemente, e a Conferência da Haia procura resolver esses conflitos que surgirão das várias legislações existentes: como ultrapassar as barreiras nacionais para que se consiga harmonização e dirimir os conflitos?
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A convenção do sequestro é uma das Convenções da Haia. É uma convenção que foi discutida nos anos 80, e o seu objetivo, como já foi explicado pela Drª Fernanda, é buscar o melhor interesse da criança, no sentido de que a criança não pode ser retirada do seu local de residência habitual e ser levada, sem autorização do outro pai, para um outro país, valendo-se a pessoa da proteção que ela poderia ter da sua própria jurisdição. O objetivo fundamental é este: preservar a criança.
Os países chegaram à conclusão de que esta convenção é importante. Ela prevê a exceção, a violência, seja contra crianças, seja contra a mãe. Como toda convenção, como todo organismo internacional, a Conferência da Haia está permanentemente estudando, reavaliando a própria convenção, porque a sociedade evolui e os temas também evoluem. Num primeiro momento, o sequestro de crianças estava voltado para a figura do pai, era o pai que levava a criança. Então, não havia previsão da violência contra a mulher; havia contra a criança. Mas como, desde 1980, o tema evoluiu, houve um entendimento, através das discussões, através do Guia de Boas Práticas, de que era necessário também prever a violência contra a mulher.
Eu acho que a Convenção é, como eu disse, um organismo que precisa ser a todo momento melhorado, discutido e debatido. O Brasil tem representação na Conferência, participa dos trabalhos, participa dos grupos, e o Executivo, sobretudo o Itamaraty - aí entraria a minha função - procura trabalhar como uma caixa de ressonância da sociedade. Ou seja, aquilo que é consensual da sociedade e que chega ao Executivo será levado à Conferência.
Eu posso assegurar que a nossa atuação tem sido sempre na direção de buscar os interesses nacionais, refletir aquilo que pensa a sociedade brasileira. A nossa atuação, em casos específicos, é muito limitada. Nós prestamos, sim, ajuda, acabamos de ajudar a Acaf a emitir um documento no exterior. Quer dizer, nós temos uma atuação limitada, mas bastante responsável, sobretudo quanto à importância do tema, que, como eu disse, é um tema que realmente vai causar muitas fortes emoções porque envolve crianças. Todos que temos filhos sabemos como é tocante qualquer tema envolvendo criança, tendo ou não razão uma das partes.
Eu fico por aqui, eu queria só trazer essas explicações iniciais, mas estou aberto e à disposição para qualquer pergunta.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Nós queremos agradecer pelas exposição ao Dr. André e à Drª Fernanda. E, ao mesmo tempo, já passar para a Drª Natália Camba Martins, Coordenadora-Geral de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça. (Palmas.)
A SRª NATÁLIA CAMBA MARTINS - Boa tarde, quero, em primeiro lugar, agradecer à Deputada Elcione e à Deputada Luana o convite. Realmente, lendo o seu requerimento, Deputada, a gente percebe a precisão da identificação do problema. A gente está tratando de falta de informação. A gente precisa discutir mais, a gente precisa conversar mais sobre essa convenção. Então, eu lhe agradeço por nos tirar, todos, de nossos afazeres rotineiros para virmos tratar de um problema tão importante que é a aplicação da Convenção da Haia no Brasil.
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Eu vou passar bastante rapidamente estes eslaides, mas não se preocupem, porque eles ficarão disponíveis na página desta audiência. A ideia, então, é conversarmos um pouco sobre como está sendo a realidade da aplicação da Convenção tanto no Brasil quanto no exterior.
Como já ficou bastante claro, a Convenção da Haia vai servir como um instrumento de uniformização das relações e vai servir tanto para identificar situações de sequestro de crianças que são trazidas para o Brasil quanto crianças que são retiradas do Brasil - na maioria das vezes brasileiros que são retirados no Brasil e levados para outros países.
Algumas questões importantes que aqui eu gostaria de pontuar neste primeiro momento: a Convenção da Haia, apesar de ser uma Convenção que foi finalizada em 1980, foi discutida em conjunto com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças. A própria Convenção da ONU vai dizer para os países ... A Convenção da ONU é concluída depois, uma convenção muito mais robusta, muito maior, com um escopo muito maior, mas elas só começam a ser discutidas todas juntas.
Então, a gente tem muito ou tudo da Convenção da Haia conversando com a Convenção da ONU e vice-versa. A gente termina... A própria Convenção da ONU vai dizer que os países devem combater a subtração de crianças e garantir, então, o retorno dessas crianças ao país de residência habitual. A gente vai ver daqui a pouco - e isso já foi adiantado - que o próprio texto da Convenção sempre vai dizer que esse retorno não é a qualquer custo, que esse retorno não é de qualquer forma. Existem circunstâncias lícitas que podem permitir com que a criança fique no país de refúgio, porque a gente precisa reconhecer que existem circunstâncias lícitas que fazem com que a criança possa ficar: a adaptação da criança no novo ambiente é um deles; a oposição da criança, a Fernanda adiantou isso também; e o que acho que mais interessa aqui à nossa Comissão é a exceção de grave risco. Só que a questão é que todas essas exceções, todas essas circunstâncias previstas no texto do tratado são de competência exclusiva das autoridades judiciais.
Quando a Fernanda muito bem falou que a Autoridade Central Brasileira recebe o pedido de cooperação e analisa os requisitos, a gente tem de tomar muito cuidado com isso. Para a Convenção, requisito é um termo muito específico. Requisito é a documentação que está prevista no art. 8º e que foi ou não foi juntada, porque, a gente vai ver mais para frente que as Autoridades Centrais... Então, em 1980 você termina de preparar o tratado e, a cada cinco anos, você tem encontros dos países - hoje a gente conta com 98 países que são parte desta Convenção - que vão rediscutir essa Convenção. Eles olham para trás, para o que aconteceu nos últimos cinco anos para projetar para a frente, o que a gente pode fazer para melhorar a aplicação. A gente tem uma Convenção que, apesar de ser de 1980, é uma Convenção que continua sendo revisitada. Ela é revisitada por todos os países a cada, pelo menos, cinco anos.
A gente também tem compatibilidade desta Convenção com os instrumentos de proteção de regionais e multilaterais de direitos humanos. A gente tem comentários do Comitê de Direitos da Criança da ONU, que diz, reitera que os países devem ser concitados ou sugeridos a aderir à Convenção da Haia. Então, o Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas reconhece a Convenção da Haia como um tratado de direitos humanos e um tratado adequado. A gente já tem mais de 80 decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos discutindo a aplicação dessa Convenção nos países, e nenhuma dessas decisões disse que a Convenção da Haia seria incompatível com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. No âmbito regional, a gente tem um número muito reduzido de casos, mas, também, em nenhum deles a gente teve qualquer dúvida sobre a compatibilidade da Convenção da Haia.
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Então, a Convenção da Haia é um instrumento que vem sendo revisitado, vem se submetendo também ao princípio de direitos humanos de interpretação progressiva, porque os países vêm conversando sobre ele desde a sua criação.
Objetivos, a gente já conversou.
Outra dúvida também que às vezes surge, Deputada Luana, é: mas, então, nós vamos devolver crianças para qualquer país? Nós vamos devolver crianças para países que estão em guerra? Nós vamos devolver crianças para países que estão passando por turbulências políticas, turbulências sociais?
São 98 países-membros hoje. Eles estão em azul ou em azul claro. A gente vê que os árabes, principalmente, e muitos dos africanos ainda não são parte da Convenção. Isso pode, em um primeiro momento, nos dar um alívio. Nós nunca vamos devolver uma criança para um país como este, mas, ao contrário, a gente tem de pensar isso com alguma responsabilidade. Se uma das nossas crianças for para esse país, a gente também não vai conseguir trazê-la de volta.
A gente tem um caso muito famoso, infelizmente, de uma brasileira que há anos luta pelo retorno da filha do Líbano. Infelizmente, o Estado brasileiro, a Autoridade Central Brasileira pouco pode ajudá-la, porque Autoridades Centrais só conversam quando existe um tratado.
É importante que o Brasil, que as instâncias públicas, a sociedade privada, a academia discuta a difusão da Convenção da Haia para todos os países, pelo menos para a gente ter o máximo de previsibilidade, especialmente quando a gente tiver crianças que foram retiradas do Brasil e porque a gente precisa trazê-las de volta.
Eu queria falar sobre as estatísticas e conversar - o eslaide ficou um pouquinho errado ali no final - sobre o que a gente vem notando desde 2016. Desde, pelo menos, 2016, quando a gente tomou a frente da Autoridade Central, a gente percebeu um maior número de casos ativos do que casos passivos. Casos ativos são... Isso quer dizer, em breves linhas, que hoje a gente tem mais crianças brasileiras no exterior, cuja restituição a gente está pedindo, do que o inverso. A diferença ainda é pequena, mas a gente tem mais crianças que estão por lá.
Eu vou passar um pouco mais rápido, mas uma outra crítica que a gente... Crítica... Na verdade, é talvez outra falta de informação é que o Estado brasileiro se utiliza da Advocacia-Geral da União para fazer a representação desses casos ou apresentação ao Judiciário, enquanto nos outros países isso não acontece. Nos cinco maiores países para os quais a gente tem enviado esses casos, 60% dos nossos casos, a representação no exterior também é feita por um órgão público. Então, também é a advocacia pública da Argentina, da Itália e da Espanha que leva esses casos ao Judiciário; e, em Portugal, é o Ministério Público. A gente tem um exemplo importante que é os Estados Unidos com advogados privados, e, cada vez mais, está sendo possível conseguir advogados pro bono.
O que é importante a gente conversar... Ficou bem bagunçado, mas, enfim, desculpem. O que é importante, então, a gente reiterar? Os poderes de todas as Autoridades Centrais são absolutamente delimitados pelo tratado e documentos posteriores, naquela linha da interpretação progressiva. As Autoridades Centrais todas podem olhar a documentação que é recebida e se ela está de acordo ou não com os documentos que são obrigatórios e os documentos que podem ser juntados. É vedada às Autoridades Centrais, desde pelo menos 2003, qualquer análise sobre risco de perigo, qualquer uma daquelas exceções. Então, em 2003, o guia de boas práticas começa vedando isso. Conclusões e recomendações são essas reuniões a cada cinco anos. Desde pelo menos 2001, a gente tem a recomendação de que é vedada às Autoridades Centrais a análise de qualquer uma das circunstâncias. Por quê? Porque isso é competência exclusiva da autoridade judicial. A autoridade judicial é que vai poder produzir prova, que vai poder usar contraditório e ampla defesa. Uma grande fonte de desinformação - e, de novo, Deputada Luana, obrigada pela oportunidade de poder esclarecer que nenhuma das 98 autoridades centrais de que a gente tenha notícia, e principalmente com as quais a gente trabalha com mais frequência, encerra casos com base em algumas das exceções. Isso é competência exclusiva da autoridade judicial.
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É importante que todas as alegações de violência contra a criança, de violência contra outros membros da família e a grave questão da violência contra a mulher sejam levadas ao conhecimento do Poder Judiciário.
Nessa linha da interpretação progressiva ainda, desde 2012, há um grupo de trabalho no âmbito da Conferência da Haia para estabelecer um guia de boas práticas. Essa é a nossa grande aposta. O Brasil está participando dessas discussões desde 2012.
(Soa a campainha.)
A SRª NATÁLIA CAMBA MARTINS - Essa é a nossa grande aposta de um documento consensuado, que vai ser aprovado pelos países e que vai poder ajudar as autoridades a melhor interpretarem esses casos.
Eu fico por aqui por enquanto.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Ainda bem que essa campainha é bem discreta, não é?
Então, nós gostaríamos de agradecer à Drª Natália e passar a palavra para a Drª Claudia Grabois.
A SRª CLAUDIA GRABOIS - O que acontece, na verdade, no meu entendimento, em relação à Convenção? Existe, de fato, uma grande falta de informação e de material, na verdade, porque o Brasil ainda não tem elaborado, no meu entendimento, o Estado brasileiro ainda não elaborou um material adequado e na linguagem que a população possa entender.
Toda mulher deve saber e todo homem deve saber sobre seus direitos e deveres, e, quando falamos em convenção, nós estamos falando em relações familiares, estamos falando em afetos, em arranjos familiares também e em culturas distintas. É muito importante a gente considerar nesse âmbito, porque a própria Conferência é multicultural. Na verdade, as relações humanas são multiculturais também, porque, mesmo dentro de uma própria cultura, você tem interpretações diversas, que podem ser diferentes.
O que nós temos de considerar, nesse âmbito, é como seria a implementação adequada da convenção? De que recursos o Estado brasileiro poderia fazer uso, na verdade, até para diminuir a animosidade que existe, muitas vezes, entre as partes quando um Estado-parte vem à Acaf brasileira e quando, na verdade, muitas mulheres reclamam de falta de receptividade, de que não são ouvidas? Isso é algo importante de pontuar, porque, no meu entendimento, é algo possível de sanear. Nós temos possibilidades aqui de poder sanear várias questões relacionadas à Convenção. Por exemplo, se a Acaf não vai arquivar os processos e vai mandá-los ao Judiciário, e se nós temos uma advocacia muito forte, que é a AGU, uma advocacia de altíssimo nível, que eu parabenizo, nós também temos de saber que nem todos os países oferecem isso para as mulheres, e muitas mulheres, na verdade, ficam em desamparo em determinados países.
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Então, a reciprocidade deveria se dar de todas as formas e não só na repatriação, no ato da repatriação. Visa-se, sim, conforme está no site do STF, ao melhor interesse da criança. Busca-se, a todas as luzes, atender ao melhor interesse da criança. Dificilmente se atende ao melhor interesse da criança escalonando litígios. Nós devemos trabalhar no sentido de diminuir esses litígios e de encontrar caminhos. A mediação é um grande instituto, muito utilizado na Europa já há muito tempo, com grandes mediadores, com ótimas soluções. O Brasil também vem utilizando esse instituto. O que eu acho que nos falta, na verdade, é uma escuta para as mulheres vítimas de violência fora do Brasil.
Esse acolhimento é algo importante. Para uma mulher que sofre violência, nós temos, por exemplo, na Cartilha do MRE - deixem-me ver se consigo colocar aqui; eu não vou conseguir colocar -, as orientações para a mulher vítima de violência doméstica que vai sair do país; ou seja, já existe esse apontamento, o que ela deve fazer, que documentos ela deve trazer ao Brasil para que possa enfrentar um processo. Isso está na Cartilha.
Mas também nós não podemos deixar de colocar que a Convenção é fundamental e, muito embora eu possa fazer críticas à forma como ela é implementada eventualmente, muito embora eu faça críticas por conta de haver atuado em processos e haver deparado com casos, por exemplo, um parecer da AGU que atropela um parecer da Acaf, acompanhando um parecer da Acaf. São coisas, na verdade, que podem ser saneadas, mas elas devem ser saneadas. Como uma mulher vai se sentir segura num país da Maria da Penha em que, na verdade, a SPM não está atuando de forma intensa nos processos de Convenção de Haia? E essa atuação deveria ser de fato intensa. Muito embora esteja colocado na orientação que ela deva se dirigir à Ouvidoria, o parecer da SPM, antes de qualquer parecer final da Acaf, é fundamental. Se o parecer da Acaf não evita o processo judicial, ele pode apontar o que essa mulher relatou. Ele não tem de, necessariamente, ser um parecer contra a pessoa vítima de violência doméstica. Não tem de ser assim.
Eu falo em relação às queixas que recebemos. Como advogada, o que nós recebemos, na verdade, são as queixas. É lógico que existe um lado de implementação que eu considero muito valoroso e que realmente é de altíssimo nível. Eu trabalho, na verdade, com outro nicho de pessoas que se sentem realmente desvalorizadas pelo Estado brasileiro, porque não foram consideradas no âmbito da Convenção; ou seja, para elas, os artigos de exceção não existem. Nós temos o caso... Eu quero também citar um exemplo que nós tivemos, quer dizer, não vou mencionar aqui do que se trata, mas nós ficamos durante três anos pleiteando que fosse feita uma perícia em juízo. Quando essa perícia pôde ser feita, foi feito um acordo entre as partes. Se essa perícia não fosse feita, nós não sabemos se sequer teria terminado e como poderia acontecer. E eu não vejo justificativa, inclusive, para a AGU negar que perícias sejam feitas em processos judiciais, porque isso é um facilitador de término de um conflito.
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Por exemplo, também acho que uma das soluções seria a mediação poder acontecer em qualquer tempo. Nós já tivemos casos no Brasil de crianças que foram repatriadas 40 dias depois sem que os documentos do país da residência habitual fossem sequer traduzidos, que é o caso de Eliana März e de sua filha, que se encontra na Alemanha. É uma vítima da falta de assistência e da falta de informação, porque, até que ela chegasse à DPU, a criança já havia saído do Brasil.
Outra coisa.. E eu falo agora de algo mais preventivo que os Estados deveriam trabalhar. Por exemplo, no meu entendimento, se no País da residência habitual tivessem feito uma advocacia preventiva, se essa mãe tivesse sido ouvida e considerados os seus argumentos, até para que numa perícia se constatasse sim ou não e ela pudesse também exercer o contraditório através de um perito assistente técnico, talvez isso jamais tivesse acontecido, mas a gente não trabalha com "se"; a gente trabalha com o que aconteceu.
Então, eu acho, sim, que nós temos um grande caminho de colaboração. Preciso citar mais um exemplo, porque essa mãe entrou em contato comigo ontem, é uma mãe que ficou desassistida no Estado da Flórida. De fato, a Acaf enviou uma relação de advogados, e nenhum pôde atendê-la. É uma mãe que trabalha como faxineira. Os Estados Unidos se manifestaram pelo retorno da criança, e ela não pôde fazer nada por falta de advogado.
Acho que o Brasil também tem de se empenhar neste sentido: como o Brasil vai atender as mulheres que estão fora, que são vítimas de violência e estão desassistidas? Como o Brasil pode aumentar esse apoio a essas mulheres para que elas não saiam do País? Como o Brasil, o Estado brasileiro pode colaborar para que essa mulher se sinta segura naquele país? Porque, sim, existem os tratados, existem convenções, e tudo pode ser feito nesses tratados. No Brasil, nós só temos um tratado, que é norma constitucional, que é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Não por acaso, nós conseguimos fazer a perícia e a oitiva de uma criança em novembro, colocando a Constituição Federal como a Lei Maior, a nossa Carta Magna, num processo judicial em que a criança não havia sido ouvida, em que a perícia não havia acontecido.
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E, daí, não importa o resultado, porque, quando você tem um processo saneado, mesmo que você afaste uma Súmula - e tiveram de afastar a Súmula 7, o que foi excepcionalíssimo na Primeira Seção do STJ -, você possibilita que as partes, na verdade, possam até acordar.
Eu defendo que a conciliação possa acontecer a qualquer tempo, que a Acaf trabalhe neste sentido de mediação ao longo de todo o processo, que ela possa, sim, fazer esse papel...
(Soa a campainha.)
A SRª CLAUDIA GRABOIS - ... de uma forma mais profunda, efetiva, mesmo que seja necessário mais pessoal, que seja destinado mais pessoal, porque, muitas vezes, a falta de pessoal faz com que as coisas sejam muito apressadas, e, muitas vezes, o processo administrativo demorando um pouco mais pode, na realidade, já ser conclusivo no sentido de chegar ao Judiciário.
Por fim - eu teria mais coisas para falar, mas tocou a campainha -, que os acordos possam ser homologados no país da residência habitual, que é onde eles serão reconhecidos; que as salvaguardas, todas, realmente sejam válidas; que não sejam apresentados documentos que não sejam conferidos pelas Autoridades Centrais de que são documentos que tenham validade e que, no retorno, vai ser feito o que está naquele documento.
Nós temos a grande questão em relação à prisão em determinados países. É algo que também precisa ser aprofundado. Como isso vai ser resolvido? Eu vi que na Holanda existe uma experiência, não é tão recente também, de se tentar um retorno imediato. Lógico que esse retorno imediato amenizaria as punições, porque, se você tenta um retorno imediato, se você consegue fazer uma mediação rápida e garante a essa mãe que ela vai estar protegida naquele país, na verdade, a vida, de certa forma, vai voltando ao normal. A gente não pode desconsiderar as relações de afeto.
Nós temos também de trabalhar com mais segurança em relação aos acordos espelhados, porque a criança pode viajar, mas há uma ordem, dentro, já constando a data de retorno. Isso, na verdade, é uma garantia para a pessoa que assina aquela autorização de viagem. Vai coibir totalmente? Não acho que vá coibir totalmente, mas diminui a retenção ilícita.
Fato é que nós temos que usar de mecanismos, isso já é usado, claro, o que eu estou falando já existe, faz-se o acordo, homologa-se no país para onde a criança vai, ou, então, a autoridade estatal também pode fazer esse reconhecimento. A Austrália também tem uma boa experiência nesse sentido. Ela firmou um pacto com mais ou menos oito Estados contratantes. Posso estar enganada em relação ao número, mas vale a pena ver a experiência da Austrália.
Então, o que eu quero dizer é que é uma área que, embora não seja direito de família, trata de relações familiares, afetos e vínculos. O mais importante, na verdade, é que a criança tenha os seus melhores interesses assegurados no Brasil, em conformidade com a Constituição Federal, que não bate de frente com a Convenção - e é importante que a gente tenha essa visão -, mas, para isso, é preciso que o processo judicial seja um processo que aconteça da forma que deve ser, numa linguagem que as pessoas entendam, em que tudo aconteça; que haja instrução probatória; que a mulher seja ouvida; que a perícia, na verdade, aconteça; que conte com assistentes técnicos, até se chegar ao final.
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Existe também uma demanda muito grande - eu vou terminar, porque eu sei que o meu tempo acabou - para que nenhuma criança saia do Brasil antes da decisão do STJ. Por quê? Porque, se sai, retornar é realmente algo hercúleo. Como fazer com que essa criança retorne? Na verdade, muitas vezes, o pai já tem a guarda. A mãe chega e pode ser punida. Nós temos casos de mulheres que aceitaram retornar e ficaram presas. Uma delas ficou presa por dois anos. São casos dramáticos, e a vida humana não é para ser assim.
Nós, que somos advogados, temos de falar mais em relação à Convenção; nós temos de orientar mais para acordos; e nós temos também de informar mais em relação aos artigos de exceção. Não falamos aqui em banalização, mas nós falamos em cumprir a convenção da forma que deve ser, em conformidade com a Constituição Federal, com a Convenção sobre os Direitos da Criança, que deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
E é preciso que o País, a Maria da Penha proteja as suas mulheres. Então, nós precisamos de fato aprofundar esses assuntos, falar mais sobre esses temas e encontrar mecanismos de proteção adequada no Brasil e também fora. O Brasil é um Estado forte, o Brasil pode fazer isso; pode, sim, proteger as suas mulheres vítimas de violência. Eu tenho uma certa certeza - poderia dizer isso - de que, se as mulheres não se sentissem tão vulneráveis, as retenções também diminuiriam muito, porque muito acontece pela vulnerabilidade.
Agora, finalizando, de fato, toda informação é relevante. Eu defendi dois anos atrás que as informações chegassem às universidades, porque é muito normal que as pessoas estudem juntas e se casem, então que as cartilhas chegassem. E que toda cartilha tenha, sim, uma linguagem acessível, porque a população, que é leiga - e ninguém é obrigado a entender termos jurídicos -, possa entender. Porque, daí sim, a gente pode falar: você foi advertida, você sabia que não podia sair do Brasil, porque, se acontecesse alguma coisa, você não poderia retornar. Ninguém se casa para ser vítima de violência, mas acontece.
É importante reconhecer a validade, a importância dessa Convenção, que tem valor fundamental, e, ao mesmo tempo, proteger a mulher, fazer com que os artigos de exceção não sejam banalizados no sentido oposto, de que na verdade eles sejam desconsiderados e que as crianças possam ser ouvidas.
Desculpe pelo alongar do tempo, Deputada.
Eu agradeço a todos e todas. Obrigada pelo convite.
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Quero agradecer a fala Dra Claudia Grabois e registrar a presença da Deputada Flávia Morais, que está aqui conosco.
Vou passar a palavra para a mãe de uma criança com processo de repatriação, a Deputada Valéria Ghisi.
A SRª VALÉRIA GHISI - Obrigada pela oportunidade de estar aqui fazendo um contraponto a tudo isso que está sendo dito. Realmente, a teoria é muito bonita e a Convenção de Haia é extremamente importante, mas a forma como a Convenção de Haia vem sendo aplicada no Brasil é bastante questionável. A minha fala...
(Interrupção do som.)
A SRª VALÉRIA GHISI - ...e eu falo do meu caso e do caso de inúmeras outras mães, o grupo Mães de Haia. Nós somos dezenas de mães que passam por situações semelhantes às que eu vou relatar aqui.
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Em primeiro lugar, eu gostaria de deixar clara a absoluta necessidade da Convenção de Haia. As minhas críticas não se dirigem à Convenção em si, mas à forma pela qual a Convenção vem sendo aplicada, principalmente no que se refere ao combate à violência contra a mulher, que aliás é tema de outras convenções internacionais. Ou seja, a Convenção de Haia não é a única convenção internacional que existe e da qual o Brasil é signatário.
Minha principal crítica, então: a Convenção de Haia no Brasil não toma como prioridade o principal interesse da criança e muito menos protege mulheres vítimas de violência doméstica; ao contrário, os operadores de Justiça, representantes do Estado brasileiro, agem em apoio aos agressores, fazendo com que a violência sofrida por mulheres e crianças adquira consequências ainda mais graves. A ameaça que todas nós ouvimos dos nossos agressores - se você tentar alguma coisa, você vai acabar na rua, sem o seu filho - é levada a cabo pela atuação brasileira da Convenção de Haia.
Pela brevidade do tempo, eu vou apenas demonstrar, a partir do meu caso, o quanto a prática dos operadores de Justiça envolvidos nessa questão, principalmente a Acaf e a AGU, se distancia dos preceitos apresentados pelo Conselho da Justiça Federal, que estabeleceu toda uma normativa sobre a aplicação da Convenção de Haia no Brasil; pelo próprio Itamaraty, que tem uma cartilha que fala exclusivamente sobre a violência doméstica; e pela própria Convenção de Haia.
Ora, a situação é tão grave que, após uma séria de erros, que serão aqui demonstrados de forma bastante resumida, a AGU foi condenada pela Justiça Federal por litigância de má-fé com base nos arts. 77, 80 e 81 do Código de Processo Civil. Por quê? Ela foi condenada por não expor os fatos em juízo conforme a verdade e não cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais de natureza provisória ou final, criando embaraços à sua efetivação.
Mais grave ainda, a AGU foi condenada por alterar a verdade dos fatos e proceder de modo temerário em incidente ou ato do processo. E, finalizando, a AGU e o genitor, no meu caso, foram condenados solidariamente, porque se reconheceu que ambos se coligaram para lesar a parte contrária.
Convido, então, a todos os presentes a me acompanharem na sequência de fatos que deu origem a essa condenação. Os problemas se iniciam ainda na fase administrativa, quando a Acaf, por e-mail, informa do recebimento de um pedido da Autoridade Central estrangeira. Nesse momento, inicia-se toda a parcialidade que irá caracterizar toda a sequência do processo de Haia no Brasil.
Existe, em tese, uma parceria com a SPM, que não acontece. O meu caso é um caso característico de violência doméstica, em que a SPM não foi sequer informada da existência da violência doméstica. A Acaf, quando questionada posteriormente, disse que não teve acesso aos documentos sobre a violência.
Entretanto, eu me permito ler um trecho da inicial da AGU, que é informada pela Acaf. A AGU entra com o processo a partir das informações que recebe da Acaf. Cito a AGU:
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Quanto às exceções da aplicação da Convenção, a genitora alegou, conforme informado anteriormente [ou seja, desapareceram todas essas informações da minha parte], que fora vítima de violência doméstica, supostamente praticada pelo left behind parent. Há disposição literal da Convenção de Haia, de 1980, no sentido de que o Estado requerido poderia negar o encaminhamento da criança ao país requerente na hipótese de o caso se enquadrar em uma das exceções previstas, conforme o art. 13 da Convenção de Haia. Contudo, há nos autos do processo administrativo somente indícios da citada violência. O genitor varão foi inocentado das acusações de violência em processo que tramitou perante a Justiça francesa em virtude de ausência de provas.
E aí, eu lanço a minha primeira questão: onde está esse documento que diz que o processo foi extinto em virtude da ausência de provas? Ele nunca foi anexado pela AGU ao processo. E não foi anexado por um único fato: ele não existe. Essa suposta violência, que não foi provada, é demonstrada no processo por nada menos que três boletins de ocorrência, uma prisão em flagrante, cinquenta páginas de inquérito policial feito pela França, uma condenação por violência contra a companheira, três relatos de diferentes instituições de saúde pública francesa informando a situação.
Ora, a AGU insiste nessa tese de que não há violência doméstica, não há violência doméstica. Nas suas alegações finais, ela inclusive apresenta a alegação de violência doméstica. Cito novamente a AGU: "Mostram-se, em geral, como uma tentativa desesperada da sequestradora [vejam que eu já fui condenada], buscando desmoralizar o genitor abandonado e obter uma chancela legitimadora de seu comportamento pelo Poder Judiciário brasileiro".
Bom, encerro o capítulo violência doméstica, mas há coisa pior. A Justiça Federal do Paraná decide pelo repatriamento, mas impõe salvaguardas, que são previstas inclusive pela Convenção de Haia, como condicionantes ao retorno; ou seja, se as salvaguardas não forem cumpridas, o retorno não pode acontecer. E, mais uma vez, a gente encontra a atuação da AGU em conluio com a parte estrangeira.
Caso a AGU agisse de forma idônea, ela deveria zelar pela correta aplicação da Convenção de Haia, das normativas nacionais e da decisão federal que determinou o retorno de forma segura, ou seja, está sendo aplicada a Convenção de Haia. Surpreendentemente ou não, porque nós acompanhamos vários casos, os casos das Mães de Haia, em que a gente vê esse padrão se repetindo infinitas vezes, a AGU se coloca contrária às salvaguardas. E com uma série de manobras altamente questionáveis, utilizando-se de juízes substitutos que não possuíam conhecimento da causa, ignora um dos princípios básicos do Direito Internacional: a necessidade de homologação de sentença. A AGU ignora e deliberadamente omite os mecanismos previstos pela própria Convenção de Haia, como a rede de juízes de Haia, de cuja existência eu só fui saber muito mais tarde. Insiste que a palavra do genitor agressor é suficiente para que as salvaguardas sejam atendidas. Então, é apresentado em juízo um documento do genitor agressor dizendo que se comprometeria com as salvaguardas e é feito o repatriamento.
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E como é feito esse repatriamento? São expedidos mandados de busca e apreensão e condução coercitiva às 8 horas da noite, em véspera de feriado. Acusa a genitora, eu, de tentativa de obstrução da Justiça e sonegação de incapaz. É aberto um processo sigiloso, no qual são determinadas a quebra de sigilo bancário e a quebra de escuta telefônica; a invasão com o uso de força policial da residência de três familiares da mãe. Mãe e criança são, então, embarcados com o uso ostensivo e constrangedor de força policial.
O Ministério Público Federal, ao analisar o caso, imediatamente arquiva o processo, pois as acusações feitas pela AGU se mostram novamente mentirosas. Só que o mal está feito. A ação persecutória precipitada e irregular da AGU em me caracterizar como uma criminosa em fuga teve desdobramentos catastróficos na França, que, informada em tempo real do que acontece no Brasil, me aguardava no desembarque do avião com um mandado de prisão.
Então, eu fui supostamente para decidir a questão da guarda. A França, sendo o fórum competente, com uma série de salvaguardas que garantiriam o retorno seguro. O repatriamento foi feito rapidamente, e o que aconteceu de fato? Extradição de nacional. Eu só não fui presa, porque eu carrego toda essa documentação comigo na bolsa e sozinha, de improviso, em um outro país, em uma outra língua, faço a minha própria defesa e convenço a juíza de que não é um sequestro. Entretanto, eu não posso mais ficar junto da minha filha. Minha filha é afastada bruscamente de mim. Eu tenho dois minutos para me despedir dela e entregar a minha filha para o pai.
Obviamente, o genitor agressor descumpriu todas as salvaguardas. E, até agora, mais de dois anos, não existe qualquer decisão definitiva acerca de guarda e de visita. O que aconteceu, então, a partir da aplicação da Convenção de Haia? Aquela ameaça que nós ouvimos: "Se você tentar alguma coisa, você vai acabar na rua sem sua filha." Pois bem, é isso que acontece.
Quando eu informo, então, via advogado, ao juízo tudo isso que aconteceu na França, qual é a resposta da AGU? "A União não possui interesse jurídico processual no presente incidente, uma vez que já exaurido seu objetivo." E, nesse contexto, ressalto, de uma execução provisória em primeira instância, não houve até agora julgamento do recurso de apelação pelo TRF.
Vou encurtar mais um pouquinho. Há muita coisa, e eu posso inclusive disponibilizar todo um documento que foi entregue à OAB, para a Anac, a partir da minha denúncia e da denúncia de outras mães, constituir uma comissão para analisar a Convenção de Haia, da qual fazem parte advogados especialistas em direito da criança, Direito Internacional e o núcleo de estudo de violência de gênero.
Em vários momentos, a AGU e o TRF afirmam que, caso as salvaguardas não sejam atendidas, é fácil pedir o retorno da criança ao Brasil. Isso quando eu pedi o efeito suspensivo e quando eu dizia que a palavra do meu agressor não era suficiente para que fosse considerada atendida a exigência das salvaguardas. Pois bem, não se cumpriu a decisão. A violência doméstica é mais do que comprovada. E espera-se o que para pedir o repatriamento da minha filha? Por que a minha filha não está comigo agora se é tão fácil pedir o repatriamento?
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Ainda existem outras questões, por exemplo, de traduções fraudulentas feitas pela Acaf, em que são omitidas partes do documento francês, curiosamente todas as partes nas quais a genitora brasileira é citada, ou seja, eu sou excluída desse documento, só se fala do pai. E a conclusão é traduzida também de uma forma errada. Eu falo, obviamente, não de uma tradução feita por mim, mas de uma tradução feita por tradutora juramentada, que, apresentada nos autos do processo, a Acaf ignora.
Infelizmente, meu caso não é o único. Muitos outros existem, muitas mães já foram separadas dos seus filhos, muitas mães passam agora por tudo aquilo que eu já passei, e eu falo por mim e por todas elas. Falo por elas, porque elas não podem estar aqui, porque uma das coisas que acontecem é que, antes de qualquer decisão por medida cautelar, nós somos impedidas de sair das nossas cidades. Então, nenhuma delas está aqui presente, em Brasília, porque elas estão presas nas cidades delas.
Falo também por aquelas que têm medo das retaliações dos operadores de Justiça. A "postura belicosa da ré", porque eu sou uma ré que fala, que abre a boca, que denuncia, que abre processos. Falo por aquelas que esperam ser ouvidas, mas que não tiveram a oportunidade que eu estou tendo neste momento. Falo por mães que tentam proteger a si e a seus filhos.
E são justamente as crianças, que deveriam ser protegidas, os instrumentos encontrados para que seus agressores, os agressores dessas mulheres mantenham seu domínio e controle sobre elas. E agora é possível fazer isso com o apoio irrestrito do Estado brasileiro.
Quem fala desse uso da Convenção de Haia inclusive não sou eu, mas é a própria... Existe um grupo de estudos permanente, de estudos da Convenção da Haia, que é responsável pela verificação e aplicação da Convenção em todo o mundo. Curiosamente, o documento que eu vou citar agora não é divulgado, e estrategicamente ele não tem sequer tradução para o português.
Eu me permito, então, fazer minha própria tradução do documento original, em francês, que está disponível para consulta na internet, na página oficial da Organização Mundial para Cooperação Internacional em Matéria de Direito Civil e Comercial. Cito o relatório da própria Convenção de Haia.
Estudiosos do Direito notaram igualmente que os parceiros violentos podem utilizar procedimentos jurídicos como outro meio de ameaça, buscando a dominação e a fragilização do companheiro, iniciando e dando continuidade, por exemplo, a procedimentos que objetivam a retirada da guarda, procedimentos acerca do direito de visita e outros, principalmente eventuais pedidos de retorno baseados na Convenção de Haia.
Essa dinâmica, que poderíamos chamar de processos intimidatórios, pode ser particularmente nefasta para o parceiro, e também, direta ou indiretamente, para a criança, se existe uma diferença importante entre as duas partes no que se refere aos recursos jurídicos e financeiros, ou se a parte ré não pode contar com o apoio familiar e social.
Ora, é exatamente essa a situação das mães de Haia, principalmente quando elas são repatriadas junto de seus filhos.
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Naturalmente, o interesse do agressor é deixar aquele que ousou sair da relação abusiva na pior situação possível, e nada é mais desesperador para uma mãe do que o distanciamento de seus filhos pequenos. É importante ressaltar que a maior parte dos casos de Convenção de Haia ocorre com crianças com menos de cinco anos. Tal agressão extrema, associada à perda de todos os recursos financeiros, afetivos e sociais, é levada a cabo pela atuação da Justiça brasileira em processos baseados na Convenção de Haia.
Para encerrar, deixo às senhoras e senhores quatro perguntas. O que mais é necessário acontecer para que providências quanto à aplicação da Convenção de Haia no Brasil sejam tomadas? Quantas crianças mais deverão ser afastadas de suas mães e entregues aos agressores dessas? O que as senhoras e senhores pretendem fazer para evitar que isso se repita? E o que as senhoras e os senhores pretendem fazer para trazer a minha filha de volta e reparar esses erros?
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Nós gostaríamos aqui de dizer que a Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados tem de ouvir esse tipo de depoimento, Valéria. E nós acreditamos que é a partir daí que nós funcionamos como mediadores da sociedade e das angústias que acontecem por parte das mulheres junto às instituições que podem dar resultados. O que ouvimos aqui não é uma briga por um carro, por uma casa, por um bem material, e, sim, pela coisa mais nobre que existe no mundo, que é o amor de uma mãe pelo seu filho.
Então, eu acredito que esta audiência tem, a partir do seu depoimento, uma outra configuração, que deixa de ser apenas um momento para nós ouvirmos e falarmos sobre a mediação de conflitos internacionais sobre a questão de sequestro de crianças, mas, a partir do seu depoimento, percebemos que existem muito mais questões que devem ser resolvidas e dirimidas.
Por conta disso, nós vamos ouvir depois a Drª Claudia, a Drª Natália, aliás, a Drª Fernanda, para que cada um possa se manifestar, mas antes eu gostaria de ler aqui, porque nós temos aqui, no Senado, um portal que é chamado de Portal da Cidadania, e existem algumas pessoas que estão se manifestando. Por isso, nós vamos ler as diversas manifestações, e depois nós gostaríamos de ouvir a representante da Acaf, da AGU, do Itamaraty e a nossa advogada, que também não podem se estender muito nas respostas, porque estamos tendo sessão agora.
Isto aqui é de Flavia Torres, daqui, do Distrito Federal: "O Brasil devolve 25% menos [crianças do] que [...] outros países integrantes da [Convenção de Haia], onde se leva em consideração a passagem de tempo quando o menor já esta habituado no país. Por que o [Brasil] vai em uma direção contrária à dos outros países?"
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Eu gostaria de que, a partir do momento em que houvesse questionamentos, vocês se manifestassem. Quem poderia responder?
(Intervenções fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Então, eu vou lhe dar.
Viviane Leite, de Minas Gerais: "Passei por um processo muito doloroso, [pois] tive meus dois filhos sequestrados, foram 2 anos de sofrimento, não só pra mim, mas principalmente [para meus] filhos, tanto pelo sequestro, quanto pela alienação parental [praticada pela] família do pai! O processo em si já é muito complicado e difícil [para nós que somos vítimas]. Sofri violência doméstica por muito tempo, e depois veio o sequestro dos meus filhos! Esse processo é essencial para nós que estamos fora do País, pois sem isso eu nunca teria conseguido meus filhos [de volta], mesmo provando que tudo o que [aconteceu] era verdade. Qual a finalidade [de complicar ainda mais esse processo, para que nós, vítimas, tenhamos nossos filhos de volta?]"
Fabiano Rabaneda, de Mato Grosso: "Qual o motivo de a Acaf desprezar os pareceres da SPM nos processos administrativos que [lhe] são submetidos? A ACAF reconhece que [os] estados membros da [Convenção de] Haia não conseguem oferecer a proteção necessária às mulheres vítimas de violência doméstica?"
Marina de Menezes, do Rio de Janeiro: "[É um] absurdo que uma mãe, sofrendo violência doméstica, seja tida como sequestradora por salvar sua vida e do(a) seu filho(a) escapando de onde é massacrada. O interesse superior das crianças é mais importante que o direito de visita de um pai violento."
Bianca Cristina, de São Paulo: "Por que estrangeiros possuem auxílio gratuito de órgãos como a Advocacia-Geral da União, enquanto no exterior [os brasileiros não possuem suporte gratuito algum em casos de sequestro internacional?"]
Flavia Serpa, de São Paulo: "Caso o menor saia por vias ilegais do brasil [pela] Convenção de Haia [com um ano no exterior, o menor] já é considerado adaptado ao novo país, como fortalecer nossas fronteiras para evitar sequestro internacional principalmente nos casos em que o menor possui dupla nacionalidade? Alguns países permitem obtenção de novo passaporte apenas com a presença de um dos genitores, inclusive nas embaixadas. Como proteger o menor com dupla nacionalidade nesses casos?"
Rosa Maria, do Rio de Janeiro: "A Acaf, em seus pareceres, apenas leva em consideração o que os genitores [do exterior] escrevem, ignorando totalmente [as provas que] as mães colocam no processo" Foi você que escreveu isso aqui, não é, Valéria? "[A AGU tem atitude semelhante. Por que esses órgãos agem dessa forma]?"
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Marcelli Silva, de Minas Gerais: "Não entendo alguns comentários, pois, se a análise do mérito de questões relacionadas à esse tema cabe ao [Poder] Judiciário, por que os questionamentos quanto à boa ou má aplicação da Convenção recaem [única e exclusivamente] aos órgãos do Executivo, no caso a Acaf e a AGU?"
Lucas Carvalho, do Ceará: "Muito importante esse tema! Minha irmã está sofrendo violência doméstica do marido nos [Estados Unidos] e tem medo de vir para o Brasil com o filho sem autorização e estar violando as leis de lá. Como ela deve proceder para chegar com o filho no Brasil em segurança, inclusive jurídica?"
"Há um [ano] recorro à ACAF e fui orientada com [muita] competência e generosidade. Sem esse serviço fundamental estaríamos completamente perdidos nesta luta tão difícil que, às vezes, não consegue vencer o mal. Mas [eles] tentam."
Então, nós iniciaríamos pela AGU?
A SRª FERNANDA MENEZES PEREIRA - Começando com essas perguntas pontuais.
Quanto a essa afirmação de que a Acaf leva em consideração apenas as provas da pessoa, do genitor que está no exterior e que a AGU teria uma atitude semelhante: "Por que esses órgãos agem dessa forma?" Não é verdade, a AGU não leva em consideração apenas as provas dos genitores no exterior. Na verdade, quem leva em consideração as provas não é nem a AGU, é o Judiciário, e a AGU é sempre favorável à produção probatória, o mais amplamente possível.
A segunda pergunta: "Não entendo alguns comentários, pois, se a análise do mérito de questões relacionadas a esse tema cabe ao Poder Judiciário, por que os questionamentos quanto à boa ou má aplicação da convenção recaem unicamente aos órgãos executivos, a Acaf e a AGU?" Realmente essa eu não posso explicar, porque eu também não entendo. Na verdade, é o que está escrito ali: a aplicação, a decisão cabe ao Judiciário.
E já nessa linha eu queria me permitir também fazer alguns comentários às questões que foram colocadas em relação à atuação da AGU. A primeira coisa é que existem, sim, exceções - a Claudia colocou esse ponto -, e elas geram a não interposição de recurso. Então, a grande questão em que talvez haja uma incompreensão das pessoas - isso é muito importante reiterar e reafirmar - é que quem reconhece a existência das exceções da convenção é o Poder Judiciário brasileiro, mas, se o Poder Judiciário brasileiro reconhecer essas exceções, nós deixamos de recorrer. São vários e vários e vários e vários casos de não interposição de recurso. Esses casos não aparecem, até porque é feita uma nota interna, mas são muitos. O interesse da AGU, eu queria deixar isso muito claro, é o cumprimento da convenção, do acordo como um todo, e, como na apresentação foi colocado, há pressupostos e exceções.
Foi dito também que a AGU não permite que perícia seja realizada; ao contrário, a AGU solicita perícia, porque isso é que dá segurança ao processo. Então, quando é realizada uma perícia, e, a partir da produção probatória o juiz reconhece uma das exceções, nós temos a tranquilidade de ter uma decisão baseada em provas, que, muitas vezes, são necessárias, porque se trata de criança e de alegações muito sérias, como de violência doméstica.
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A cartilha em linguagem leiga. Temos uma cartilha que buscou ter uma linguagem acessível, mas, se houver qualquer sugestão de alteração de linguagem, estamos à disposição, inclusive para distribuir também, da forma mais ampla possível, inclusive nas embaixadas brasileiras em todo o mundo. A nossa intenção é de que o acesso à informação seja amplo, porque acreditamos que o melhor interesse da criança também é atendido com a prevenção, porque inegavelmente esses casos não são casos de famílias, mas semelhantemente a casos de família eles têm uma conotação emocional naturalmente muito forte, inclusive para crianças. Então, a prevenção é algo importante, na nossa perspectiva.
Foi dito também que as instituições apoiam o agressor. A AGU jamais apoia o agressor, ao contrário. A AGU age, sempre que pode, para combater qualquer atitude agressiva, em todas as perspectivas possíveis, isso no âmbito nacional, internacional.
Sim, a violência doméstica não foi considerada provada, no caso. Queria até pedir licença aqui, porque a gente não costuma comentar de casos em andamento no Judiciário, porque existe uma proteção, o sigilo judicial. Mas, tendo em vista que foi colocado aqui que, na verdade, alguns fatos, que teoricamente teriam acontecido nesse caso, me sinto obrigada a relatar minimamente o que realmente ocorreu. O Judiciário, o Desembargador - vou evitar dizer o nome - do TRF da 4ª Região entendeu que havia autorização paterna para que a menor permanecesse no Brasil, não restou configurada violação aos direitos humanos, nem qualquer exceção ao retorno, não restou configurado risco à integridade da criança, mesmo diante da alegação de violência doméstica, e houve o devido cumprimento das salvaguardas, determinado na sentença.
Além disso, no que diz respeito à assistência jurídica e também aos elementos provisórios, foram pagos até a decisão do juízo francês. Então, na verdade, temos uma decisão de um tribunal que não acatou os argumentos que foram colocados lá e aqui. Diante disso, temos que dizer que, no Brasil, há instituições independentes. Quanto ao Judiciário, na AGU, não temos nenhuma ascendência sobre o Judiciário; ao contrário, temos total, na verdade, autonomia, somos instituições diferentes e independentes, e quem decide é o Judiciário. Isso tem que ficar muito claro.
Inclusive, sobre a rede de juízes, que foi colocado aqui, não é a AGU que se vale da rede de juízes. A rede de juízes deve ser acionada pelo próprio Judiciário, é uma rede de juízes. Temos também uma rede da Advocacia Pública. Foi celebrada - queria só terminar de fazer as considerações sobre os pontos que foram colocados - uma associação latino-americana de Advocacias Públicas, temos total interesse em debater esse tema, como qualquer outro tema, com a Advocacia Pública de qualquer país, para fortalecer a atuação deles, passar nossa experiência no tema.
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E um ponto que já foi colocado, mas é muito importante, é que, no seu pedido, a AGU pede a aplicação da convenção. Quem determina a produção de provas que solicitamos e quem decide é o Judiciário, inclusive se os pressupostos estão presentes ou as exceções foram configuradas.
Então, para responder de forma bastante objetiva, foi perguntado aqui: por que a criança não voltou em um determinado caso concreto? A criança não voltou, porque o Judiciário brasileiro não acabou as alegações, que eram no sentido do retorno - é simples assim. E quem pode trazer a criança de volta é o Judiciário.
Então, é simples no sentido de quem decide. É complexo, e muito difícil, na perspectiva global. Não deixamos de reconhecer a sensibilidade que todos esses casos envolvem, por envolver o interesse de uma criança, por si só. Quando há uma alegação de violência doméstica, então, aí a coisa fica realmente muito sensível, porque é uma das alegações de crimes mais graves, pois são situações que envolvem vulneráveis, vamos dizer assim.
Mas queria deixar bem clara também a nossa posição muito firme de proteção à mulher, em qualquer instância e em qualquer momento. Temos uma Advogada-Geral que é mulher, temos um momento, na verdade, histórico no país no País em que as chefes das instituições jurídicas são mulheres. Temos a Ministra Cármen Lúcia, como Presidente do Supremo; temos a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, chefiando o Ministério Público. Ficamos muito, muito felizes, alegres de ver isso, é uma mudança histórica no País.
E isso não é só no Brasil que está acontecendo; na Inglaterra temos uma situação semelhante, que é a Rainha, a Rainha naturalmente, mas também a Primeira-Ministra, a Presidente do Supremo. E isso é uma mudança que está acontecendo em todo o mundo e em relação à qual somos mais do que favoráveis, fazemos o que podemos para apoiar o empoderamento feminino, o combate à violência contra a mulher. Uma prova disso... E isso não é só discurso vazio, faço questão de deixar isso bem claro, porque a gente pode provar com atuações práticas. Então, a gente tem, como falei, o caso Maria da Penha, em que não há uma condenação da Corte; o que existem são recomendações da comissão. E, ainda assim, pelo caráter emblemático e pela necessidade de proteção à mulher e direitos humanos, a posição da AGU é firme no sentido de cumprimento dessas recomendações e enviou a todos os Ministérios, isso é público e notório.
Então, peço até desculpas por me estender, mas é porque a forma que foi colocada não reflete, de verdade, a posição da AGU. Então, acho que há uma falta de entendimento dos papéis das instituições. Talvez isso seja emblemático pela ausência de um representante do Judiciário aqui; não temos um representante do Poder Judiciário nesta Mesa, e talvez ele pudesse corroborar o que estou dizendo. A AGU pede a aplicação da convenção, a AGU pede produção probatória e a AGU deixa de recorrer, se as exceções forem configuradas. E quem pode decidir sobre isso é o Judiciário.
A SRª VALÉRIA GHISI - Drª Fernanda,...
A SRª PRESIDENTE (Luana Costa. PSC - MA) - Valéria, só gostaria de fazer uma colocação. É porque vou ter que me retirar, porque tenho marcada uma reunião às 16h30, lá no meu Partido, então, é algo de 20 minutos. Mas o que acho? Acho que a gente teria que concluir essas falas.
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Então, a Deputada Flávia vai ocupar aqui, só queria que tivéssemos a clareza de que, neste momento, estamos aqui, todos nós, unidos, com exceção do Judiciário - foi muito bem colocado -, mas o nosso objetivo principal é que possamos estar dando uma luz para as mães, como a Valéria, na angústia de ter sofrido, vamos dizer, violência doméstica e que a gente sabe que é uma realidade no País e em todo o mundo, e, de repente, a gente tem uma mãe desesperada que quer ter a sua filha. E o que temos que fazer? Enquanto, no Brasil, independentemente da forma como a Valéria colocou, onde, numa hora, ela disse, acata-se, na outra hora, como ela disse, a AGU... Mas qual é o desespero dela? É que ela quer uma luz, por parte dos órgãos que teoricamente devem proteger a família brasileira, de como ela pode conseguir o repatriamento da sua filha e se isso é possível.
Então, a gente queria que as falas, muito mais do que justificar o papel de cada órgão - porque sabemos que cada órgão tem feito seu papel e tem tentado resolver as questões internacionais e da família -, pudessem nos levar a resolver questões como essa, discutindo-se qual seria a forma com que poderíamos, por meio desse exemplo, reparar os erros e os problemas que aparecem dentro da execução da Convenção da Haia.
Então, vou sair. A Deputada Flávia vai assumir e depois a gente vai ver o que vamos fazer.
Obrigada.
Que Deus nos abençoe! (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Boa tarde a todos e a todas!
Estamos aqui acompanhando esta importante audiência pública, uma audiência que traz consigo um tema que mexe com as emoções de qualquer mãe, pois pensar e imaginar a possibilidade de ter seu filho afastado é realmente muito doloroso para qualquer mãe. E aqui é um encontro muito oportuno dos órgãos responsáveis, que podem estar, nessa discussão, abrindo uma reflexão sobre a atual execução, aplicação da Convenção da Haia, aqui no Brasil, em relação a outros países, e, com certeza, trazendo uma resposta a essa angústia que hoje nos move, mediante o depoimento da Valéria e, pela participação que observamos numa democracia, de outras mães que também têm esse sentimento.
Passo a palavra, então, agora, à Drª Claudia Grabois, Advogada, que já fez a sua exposição e agora vai responder algumas perguntas do e-Democracia.
A SRª CLAUDIA GRABOIS - Então, aqui temos: "A Acaf, em seus pareceres, apenas leva em consideração o que os genitores do exterior escrevem [isso já havia sido lido antes], e a AGU tem atitude semelhante. Por que esses órgãos agem dessa forma?" Bom, a atribuição da Acaf está no âmbito da convenção. Então, uma coisa que é preciso entender, primeiro - vou tentar ser rápida, porque a Natália vai falar - é que o objetivo-fim é que essa criança volte ao país de origem, à residência habitual.
Então, existe, na verdade, essa ideia, mas também existe, sim, uma desconsideração, em boa parte das vezes, das alegações das mulheres. Existe, na verdade, uma desconsideração da violência que a mulher sofre, e nós, como disse, estamos num país da Lei Maria da Penha. A AGU também não é um órgão acusador. In dubio pro reo, in dubio pro criança, porque, muitas vezes, num processo longo, quem se torna réu é a própria criança, porque o pai e a mãe são pessoas adultas e vão se recuperar.
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Então, é muito importante, na verdade eu já havia falado isso, que se buscassem mecanismos para acabar com esse conflito de achar que, na verdade, a Acaf não considera as mulheres, que a Acaf não faz um processo administrativo que seja correto. E as pessoas podem, na verdade, inclusive sugerir à Acaf como acham que deveria ser. Por que, na medida do possível, isso pode mudar. Agora, há alguns limites. É preciso, sim, que a AGU e a Acaf reconheçam a violência que a mulher sofre.
Temos que considerar as diferenças culturais. Por exemplo, um país estrangeiro lida com a violência contra a mulher diferentemente da forma com que o Brasil lida. Aqui, é ação penal incondicionada e, em outro país, você pode fazer uma transação financeira e acabar com isso. E acaba o processo e pronto, a pessoa já não responde mais.
Então, quando a mulher busca essa escuta no Brasil e ela chega aqui, ela busca essa proteção, porque ela está chegando no País da Lei Maria da Penha. E ela não atende como a AGU pode ser tão empenhada em executar a Lei Maria da Penha - e a AGU tem feito muitas coisas nesse sentido -, e em processos judiciais não levar em consideração as provas acostadas.
Por fim, em relação a isso, quero dizer que a interação dos advogados com a Acaf e com a AGU é muito importante, as coisas devem estar num processo no tempo certo, de preferência, existe um momento processual. E é importante, até nessa busca de mediação, que o advogado, que tem um caso, que ele busque a Acaf, que ele não desconsidere esse órgão, achando que não vai resolver e ajudar em nada, até porque subsídios ele vai ter, de uma forma ou de outra.
E, em relação à AGU, também, você pode colocar dentro de um processo judicial os erros que a AGU está cometendo. E é preciso, na verdade, que o advogado esteja despachando com juízes, desembargadores, com ministros, quando tem que fazê-lo, porque é papel do advogado. Então, o advogado tem que cumprir com sua missão constitucional de justiça, o advogado deve cumprir com a missão constitucional de justiça, fazer justiça.
Agora, quero dizer, sim, que, em alguns processos desconsideram. Eu acho inadmissível que se aja dessa forma, e que, muitas vezes, sim, a perícia judicial seja negada; muitas vezes, é negada em primeira instância, é negada em segunda instância, e essa escuta só vai acontecer em RESP (Recurso Especial), porque o exemplo que dei antes, na verdade, já foi um exemplo de uma exceção, mas essa criança vai ser ouvida em RESP pelo Ministro. Eu falei de um precedente anteriormente. Então, é importante que a AGU, sim, concorde com que as perícias sejam realizadas; as perícias devem ser feitas.
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Sobre a outra pergunta, aqui gente tem um caso que eu acho bem importante, porque tem a ver com uma brasileira que mora no Estados Unidos, onde está sofrendo violência. Lógico que eu acho que ela tem que buscar apoio do Governo brasileiro. Agora, nós temos também... Eu acho que o Estado brasileiro é forte a ponto de cobrar dos Estados Unidos a proteção à mulher brasileira. Agora, nós temos também que pensar em nossas escolhas. Que escolhas nós fazemos para nossa vida?
Quando nos mudamos para um país, temos que estar cientes de que nós estamos aceitando uma outra a cultura, que pode ser diferente da nossa em vários aspectos. Eu não posso deixar de lembrar aqui que eu ouvi uma fala em uma conferência, no ano passado, quando uma das juízas de Haia disse que, mesmo em casos de violência doméstica, a mulher deve retornar. Essa é uma das orientações: que a criança retorne. Desculpem, que em casos de violência contra a mulher, a criança retorne e ela vai ser protegida - isso, na verdade, mais de uma, duas, três ou quatro vezes -, que ela vai ser protegida no país de origem, porque é o Estado contratante e não vai deixar de seguir essas regras.
A única questão é que isso não acontece dessa forma. Então, acho que é preciso um efetivo maior, mais pessoas trabalhando nesse sentido, um contingente maior de funcionários públicos que possam atuar fora do Brasil e também no Brasil. A própria Acaf, na verdade, trabalhando com poucos funcionários... A gente pode questionar, inclusive, como são feitos esses pareceres, porque a pessoa vai trabalhar 24 horas por dia para dar conta de fazer um parecer, quando na verdade ela deveria contar com uma equipe muito grande, que pudesse, inclusive, estar vendo o material que chega, juntando o material que chega até para poder orientar. Eu tenho certeza de que os Estados Unidos não trabalham com poucas pessoas dessa forma; de que há um contingente, pessoas se empenhando. A mesma coisa em relação aos consulados. Quando a mulher busca o Consulado, muitas vezes, vem a resposta de que o Brasil não pode ajudá-la, porque não tem pessoal, porque está sem pessoal, que não há quem forneça essa ajuda.
Então, nós temos que saber que é uma questão grave. Nesse caso, no meu entendimento de Advogada, os Estados Unidos têm leis que protegem a mulher. Lógico que nada impede que o Brasil atue nesse sentido num caso em que uma mulher brasileira é vítima de violência. É a mesma coisa, por exemplo, de uma mulher vítima de violência aqui, uma mulher estrangeira casada com um brasileiro, que, na verdade, por ela não se considerar protegida - e a gente sabe que a Lei Maria da Penha ainda tem muito a avançar, ainda tem muito a melhorar e muito até que seja efetivada -, ela possa sair do Brasil, porque, na verdade, não se sente protegida.
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Então, vai ser um leque muito maior, a gente vai ter que abranger um leque muito maior de pessoas e de casos nesse sentido. Quando a mulher está no estrangeiro, ela tem que contar com as leis locais. Se as leis locais não são suficientes, se ela busca assim o Consulado, busca a Embaixada, daí, sim, ela pode exigir o seu país. Agora, conseguir sair do país, apenas com autorização judicial ou autorização do pai, porque, senão, na verdade, essa mulher pode estar com grandes problemas. De fato, eu quero repetir: a orientação que eu ouvi foi de que, mesmo quando a mulher é vítima de violência doméstica, a criança deve ser retornada, porque a mulher será protegida no país.
Eu concordo com isso? Não concordo, porque a mulher não é protegida naquele país. Se a mulher, de fato, fosse protegida, a minha visão seria diferente. A questão é o Estado brasileiro se esforçar nesse sentido, empreender esforços para que as mulheres sejam protegidas, de fato, em todos os Estados contratantes da Convenção da Haia, porque a gente vai diminuir esses conflitos, e se trata aqui de diminuir conflitos.
Então, quanto mais, na verdade, Drª Natália - desculpe falar isso -, a carta for receptiva; quanto mais mecanismos, na verdade, de soluções de conflito tivermos com uso, inclusive, de novas soluções... Hoje, nós temos, na verdade, em mediação várias técnicas distintas, não há só uma. Às vezes, uma não é adequada para certa a família, mas é adequada para outra família.
Eu acho que nós temos que trabalhar no sentido de proteção da mulher; divulgar a Convenção da Haia; deixar claro, na verdade, que o Brasil como Estado contratante tem os seus deveres, tem as suas obrigações, tem que cumprir também - o Brasil não pode se eximir desse cumprimento...
A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Para concluir, Claudia.
A SRª CLAUDIA GRABOIS - O Brasil vem sendo um Estado proativo, mas o mais relevante é que as Deputadas e Deputados se empenhem na proteção da mulher vítima de violência fora do Brasil e que se empenhem também junto à autoridade central, ao Judiciário, para que considerem a violência contra a mulher algo de gravidade tamanha, como é na Lei Maria da Penha, onde é uma ação penal incondicionada.
Muito obrigada.
Desculpe.
A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Claudia. Nada a desculpar, eu é que peço perdão pela minha obrigação difícil de conter o tempo. Nós temos alguns expositores que vão ter que viajar, já estão com voo com horário marcado e por isso, como vamos ter que ouvir os outros, a gente precisa ter um pouco mais de pressa na fala.
Então, eu passo agora para a Natália, que deve fazer as considerações sobre as perguntas que ficaram com ela.
Eu queria registrar presença da nossa Deputada Dâmina, nossa querida colega que já foi Coordenadora da Bancada Feminina e que hoje nos prestigia também com a sua presença.
A SRª NATÁLIA CAMBA MARTINS - Obrigada, Deputada Flávia; obrigada, Deputada Dâmina pela deferência.
Bom, aproveitando o gancho do que a Dr. Glaucia falou e na linha do Fabiano Rabaneda, que também tem alguma dúvida sobre a interação entre o que a Acaf faz com as informações que recebe e pareceres da Secretaria de Políticas para Mulheres, de fato, desde 2009, existe um termo de cooperação entre a Advocacia-Geral, a autoridade central e a Secretaria de Políticas para Mulheres no sentido de manutenção de todos esses órgãos informados do que acontece nesses casos. Então, entre 2016 a 2018, quando a Acaf recebeu, durante o período em que o pedido estava em tramitação na Acaf... Quer dizer, a Acaf recebe a documentação do exterior, utiliza-se do modelo que tem no guia de boas práticas para informar a pessoa que está no Brasil de que estamos à disposição para tentar uma solução mediada, a pessoa responde que sim ou que não. Se sim, a gente entra em contato com outro genitor, sempre por intermédio de autoridades centrais.
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Então, a Coordenadora do Núcleo de Subtração, Drª Lalisa, é uma mediadora de família transnacional formada por um instituto alemão, que concentra um cadastro de mediadores de família transnacionais. Ainda tem sido muito pouca a adesão que a gente tem a essa mediação.
E eu agradeço à Claudia de sugestão de incentivo à mediação, exatamente porque a gente precisa tentar ampliar. Só que as autoridades centrais, como eu disse, têm atribuições limitadas. A gente tem que conversar com a outra autoridade central, e não mandar um e-mail diretamente para a pessoa que mandou o pedido. Então, para nós é muito difícil conseguir a mediação, exatamente porque estamos dentro dessa estrutura que nos impediria de conversar diretamente. Quando nesse período a pessoa disse que quer tentar uma mediação ou que não quer tentar uma mediação e apresenta a documentação, nesse momento, enquanto o caso ainda não foi encaminhado para a análise jurídica da AGU, a gente recebe essa informação, encaminhamos isso para conhecimento da Secretaria de Políticas para Mulheres. Isso continua sendo feito.
Eu não posso responder pela Secretaria de Políticas para Mulheres, a única coisa que a gente tem notícia é de que, em um mandado de segurança no Distrito Federal, a Secretaria de Políticas para Mulheres foi intimada para retirar a manifestação que ela costumava fazer dos autos de um processo, sob o argumento de que não estaria entre o rol de competências da Secretaria de Políticas para Mulheres fazer relatos unilaterais, sem intimação judicial. Então, se o juiz fizer uma intimação judicial, ela poderia se manifestar; sem intimação judicial, ela não poderia.
Eu não sei qual é o desfecho desse mandado de segurança, a autoridade central não participa desse mandado de segurança...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª NATÁLIA CAMBA MARTINS - Foi o único caso.
Eu não sei... Mas, a partir disso, a Secretaria de Políticas para Mulheres nunca mais nos encaminhou nenhum parecer.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª NATÁLIA CAMBA MARTINS - Eu tenho o registro de seis pedidos entre 2006... Seis ofícios comunicando denúncia de violência doméstica em casos de subtração que aconteceram.
O que aconteceu no caso da Valéria, se não me engano, é que as informações de violência doméstica chegaram à autoridade central quando o caso não estava mais na autoridade central. Ele já tinha sido remetido para a AGU, já estava judicializado. Foi de outubro de 2015, se não me engano, embora o início do procedimento tenha sido em junho de 2015. Então, por isso é que a gente não...
E isso tem acontecido com alguma frequência, por isso a informação é essencial. A pessoa que sabe, que quer manifestar ou apresentar essa informação, ela precisa apresentar no tempo correto, senão a gente não consegue fazer chegar essa informação na SPM.
Eu tenho um caso recente, agora, por exemplo, com um outro país em que, só quando o caso foi judiciado, é que se noticiou a existência de violência doméstica, e aí está fora do escopo do termo de cooperação. Então, aí a pessoa pode diretamente... Vai rediscutir isso diretamente com o Judiciário.
Então, primeiro, a Acaf desprezar os pareceres da SPM... Então, desde 2016, salvo engano... Certamente, em 2017, a gente não recebeu nenhum parecer mais da SPM na Acaf sobre isso.
Talvez eles estejam acontecendo e tenham sido entregue diretamente para as mães...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª NATÁLIA CAMBA MARTINS - Sim, a Acaf mandou seis pedidos.
Quando a informação ou a notícia de violência acontece enquanto o pedido está tramitando na autoridade central, enquanto está tramitando na autoridade central, sim. Esse é o contido no termo de cooperação. Se ele já está em outro órgão, já está fora do escopo do termo de cooperação. Então, isso tem acontecido.
O que é esse parecer da Acaf? E aí é uma coisa que chama atenção na fala da Drª Claudia. A Acaf considerar ou desconsiderar violência doméstica. Como ficou... Espero que tenha ficado bastante claro, não é possível a autoridade central nenhuma dos 98 países fazer avaliação sobre a ocorrência ou não de violência doméstica.
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O Brasil já tem uma posição pioneira, porque a maioria das autoridades centrais sequer recebe essas informações. O Brasil já recebe essas informações. Quando elas são apresentadas, dentro do período de tramitação... Então, de novo, de 2016, que é quando eu posso responder pela autoridade central - de junho de 2016 até agora -, dos seis pedidos que já foram encaminhados de informação para a SPM. Então, a gente tem esse tipo.
Bom, eu agradeço à D. Glaucia, que escreveu aqui para gente. A D. Glaucia é uma avó que mora no Brasil. A neta dela está morando na Suíça e ela estava tendo dificuldades, porque a mãe da criança não estava permitindo que a avó visitasse essa criança.
A Convenção da Haia... A gente tem falado muito de subtração e violência doméstica, que é o termo específico, mas eu aproveito, então, o alto grau informativo dessa oportunidade para dizer que a Convenção da Haia, de 1980, também é um instrumento para garantia de visitas transnacionais. São casos em que a gente não está discutindo a ocorrência de sequestro, mas um dos genitores, ou um avô, ou uma avó quer visitar o neto, quer visitar o filho, e está tendo alguma dificuldade.
Então, eu agradeço o carinho da D. Glaucia, em lembrar que sem a Convenção da Haia... E a neta dela, como eu disse está na Suíça, e a gente está tentando uma solução mediada, por intermédio de um mediador da rede de mediadores transnacional, para encontrar a possibilidade dessa avó voltar a visitar essa neta com regularidade.
Vamos, lá. Flavia: "O Brasil devolve 25% menos crianças que os outros países integrantes da convenção, em que se leva em consideração a passagem de tempo quando o menor já está habituado no País. Por que o Judiciário [no Brasil] vai em uma direção contraria a dos outros países?" Bom, se eu entendi bem, então, a Flavia identificou um padrão de um número de decisões de retorno brasileiros menor do que o número de decisões de retorno de outros países. De fato, a consideração é correta, e não nos cabe fazer juízo de valor como autoridade central, mas o fato é que as decisões judiciais brasileiras ocorrem em um menor número de casos do que as decisões judiciais estrangeiras. A média global de retorno de crianças... Todos os países somados, uma média global que foi estabelecida no ano de 2015, fala em 45% de retornos, entre ordens judiciais e acordos.
No período que eu acho que a Fernanda apresentou no eslaide dela, 2003 a 2012, salvo engano, eu fiz a conta rapidamente, o Brasil restituiu crianças em 10% dos casos. Então, a média global é de 45%, incluindo acordos. Nos casos brasileiros, então, nesse período de 2003 a 2012, 90% das crianças que estavam envolvidas nesse processo foram mantidas no Brasil. Só 10% dessas crianças teriam sido restituídas para outro país por ordem judicial.
Realmente, é um número diferente do número dos outros países. Os outros países têm uma taxa de restituição maior do que a nossa. Mas, como eu já disse, o Judiciário brasileiro é soberano para tomar essa decisão, para decidir pelo retorno ou para decidir pela manutenção da criança. Mas, sim, a Flavia identificou bem que o Judiciário brasileiro tem ordenado o retorno em muito menos casos do que as autoridades judiciais dos outros países da convenção.
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Por fim, eu queria, por favor, pedir para colocar aquela foto.
A Viviane, junto com a Cintia e a Fabiane. É bem rápido, na verdade. Essas são mães de Haia também, mães que tiveram os filhos ao Brasil. A Cintia teve o filho subtraído pelo marido e esse filho foi levado para os Estados Unidos. Às vezes, a gente também leu em alguns desses comentários publicados que o Brasil não pede aos Estados Unidos a devolução de crianças, mas a gente viu pelos números que hoje o maior país para o qual a gente requer o retorno das nossas crianças são os Estados Unidos. Entre 2016 e 2018, a gente enviou 34 pedidos para os Estados Unidos. O caso da Cintia e do JJ é um caso desses. Então, a Cintia hoje patrocina ou dirige uma ONG de defesa da restituição das crianças ao seu país de residência habitual.
Essa moça que vocês estão vendo com dois meninos e outra moça é a Viviane, que mandou esse recado aqui. Ela sofreu violência doméstica nos Estados Unidos, era uma imigrante em processo de regularização migratória, o marido foi detido pelas autoridades dos Estados Unidos, assim que ela fez a denúncia, foi acompanhado junto com um policial oficial para buscar a documentação dele e ser detido diretamente. Quando ele fez isso, pegou os passaportes dos meninos. Ela só percebeu algum tempo depois. Ele pediu a ela para visitar as crianças num final de semana, ela desconfiou, discutiu com ele sobre os passaportes, disse que ele estava com os documentos, ele disse: "Não estou!" Assim, ela deixou o ex-marido visitar as crianças. No mesmo final de semana, ele trouxe as crianças para o Brasil. Aqui chegando, ele voltou para os Estados Unidos, deixou as crianças com a avó paterna, a mãe lá não podia sair, porque estava em processo de regularização migratória. Ele voltou para os Estados Unidos. Quando voltou para os Estados Unidos, foi preso por sequestro de crianças. E as crianças ficaram aqui com a avó materna.
Então, quando a Viviane conta: "Passei por um processo muito doloroso, pois tive meus dois filhos sequestrados. Foram dois anos de sofrimento não só para mim, mas principalmente para os meus filhos, tanto pelo sequestro como pela alienação parental praticada pela família do pai. O processo em si já é muito complicado e difícil para nós que somos vítimas. Sofri violência doméstica por muito tempo e depois veio o sequestro dos meus filhos. Esse processo é essencial para nós que estamos fora do País, pois sem isso eu nunca teria conseguido os meus filhos de volta, mesmo provando que tudo que aconteceu era verdade. Qual a finalidade de complicar ainda mais esse processo para que nós vítimas tenhamos os nossos filhos de volta?" A Viviane é essa moça que vocês estão vendo aqui. Felizmente, a compreensão do juiz brasileiro no caso dela fez com que as crianças retornassem ao convívio dela.
A Fabiane, então, a nossa última mãe de Haia, também é uma mãe brasileira que teve um filho no Brasil. A família toda viajou a Portugal por um período específico. Lá chegando, ela relata - todas essas informações estão em entrevistas feitas para um programa que está no YouTube.
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No eslaide anterior, se não me engano... No anterior, desculpa. Há os endereços, a entrevista. Então, na página da Acaf, a gente tem essas três cartilhas publicadas, na linha de divulgar o máximo de informação possível para que as pessoas, antes de tomar qualquer decisão, passando por um momento de aflição e dificuldade, possam ser instruídas. Se você colocar "subtração de criança", "Brasil", é possível chegar à página da autoridade central, na qual a gente tem as três cartilhas publicadas: a cartilha da Advocacia-Geral da União, a cartilha do Itamaraty e a cartilha do Conselho da Justiça Federal também, que é um manual sobre a aplicação da convenção.
O segundo vídeo conta um pouco da história da Viviane e esse último da Fabiane.
A Fabiane, então, viajou com a família. Eles estavam fazendo um passeio náutico, um veleiro, eles passavam muitos meses num veleiro. Ela diz: "Eu estava sofrendo um relacionamento abusivo, eu precisava ir embora e eu sabia que não podia sair sem a documentação. Eu não tinha autorização para sair, eu não tinha documentação do meu filho, mas eu vim para o Brasil, porque eu tinha certeza de que o Estado brasileiro, que a Convenção, que eu conseguiria ter o meu filho de volta. Demorou um pouco, porque o marido dela ainda ficou pulando de ilha em ilha no Caribe. Só que ele parou em Portugal. Quando ele parou em Portugal, por intermédio da Interpol, que nos ajuda, que é a Polícia Federal, a gente conseguiu identificar que a criança estava em Portugal. Aí a gente mandou um pedido de cooperação jurídica em nome da Fabiane para Portugal, esse pedido foi encaminhado para o Ministério Público português.
Então, alguma outra pergunta que falava sobre ausência de tratamento equânime para os casos no exterior, eu expliquei, em algum momento da apresentação, que aqui quem atua ingressando com os processos judiciais é a Advocacia-Geral da União. Então, quando nós temos as nossas crianças brasileiras que a gente precisa trazer de volta com os nossos cinco maiores países, a gente também tem Advocacias Públicas fazendo essa solicitação e o Ministério Público. Este momento é importante também para informar isso, a ideia de que aqui é Advocacia-Geral da União, lá fora ninguém tem proteção. A gente tem tido uma experiência muito positiva com os países com os quais a gente coopera, a gente tem tido também experiências de Advocacia Pública ou de Ministério Público nesse sentido.
Enfim, a gente conseguiu mandar isso para a autoridade central portuguesa, que encaminhou para o Ministério Público, e o Otto também votou ao Brasil num processo judicial que durou seis meses. Para a gente refletir que vários países consideram que, quanto mais rápida a restituição, melhor. Isso é inclusive uma recomendação da própria Conferência da Haia. Não é uma recomendação da conferência em si, mas uma recomendação da reunião dos países da Comissão Especial. De cinco em cinco anos eles se reúnem e soltam uma série de recomendações. Uma dessas recomendações - não vou recordar o ano agora, mas isso não é difícil de encontrar - é que esses processos judiciais sejam resolvidos da forma mais rápida possível.
Então, a Viviane também é uma mãe da Haia, também uma mãe que foi protegida pela Convenção da Haia, junto com a Fabiane e a Cintia.
Acho que consegui responder todas as perguntas.
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A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Drª Natália.
Vou passar a palavra agora para o Itamaraty. O Dr. André tem uma pergunta.
Depois eu já passo para a Valéria, que tem um voo, para a gente concluir.
Dr. André Veras Guimarães.
O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES - Obrigada, Deputada. Eu vou tentar ser o mais breve possível.
A pergunta é de uma senhora chamada Flavia Serpa, de São Paulo. Ela fala basicamente sobre o prazo para que se possa acionar as autoridades centrais. Existe de fato um prazo estabelecido. Se a pessoa não se manifesta, acho que em um ano, não é, Natália?
A SRª NATÁLIA CAMBA MARTINS - Na verdade, não é um prazo peremptório. Eu não vou usar a linguagem jurídica. Não existe um impedimento para ingressar com a ação, o que existe é que, após um ano, a análise da adaptação passa a ser possível pela autoridade judicial.
O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES - Obrigado, Natália.
E ela entra na questão das proteções das fronteiras para que se evite o sequestro. Esse é um tema importante, porque é um tema de atuação do Itamaraty, que é a discussão da própria Conferência da Haia. Na última Comissão Especial, que é essa comissão que a Drª explicou que se reúne a cada cinco anos, um dos temas centrais da nossa defesa foi justamente a questão da prevenção. Nós achamos que lutar pela prevenção é tão importante quanto lutar pela devolução de crianças. Nós tivemos uma atuação bastante forte, porque temos países que têm resistência em fazer o controle que nós fazemos, por exemplo, como o controle de passaportes.
A Flavia também fala sobre a questão de países que emitem passaporte independentemente da autorização dos pais. O Brasil é talvez um dos poucos países que fortemente controla não só as fronteiras, os aeroportos, como também a emissão de documento. Nenhum documento é dado... E falo isso com bastante certeza, porque fui cônsul em Nova York durante quatro anos, que talvez seja o consulado mais movimentado que possa existir, e nós não concedemos passaporte para qualquer menor que não tenha autorização de ambos os pais. Mesmo quando há uma autorização de juiz de custódia que seja estrangeiro, nós não damos o documento de viagem; nós temos que nos certificar que há uma guarda única ou uma autorização expressa de um juiz para que essa criança possa ter um passaporte.
A nossa atuação nos consulados tem muita preocupação na correta aplicação da convenção. Evidentemente, a convenção traz a violência como exceção, mas em nenhuma situação um consulado vai incentivar que haja sequestro. Muito pelo contrário, nós temos muito cuidado em qualquer tratamento de casos envolvendo crianças, envolvendo acusações de violência, para que a gente possa corretamente instruir essa mãe.
E eu tenho certeza de uma coisa: os consulados são bastante ocupados e bastante cheios, mas essa parte de assistência, sobretudo nos casos envolvendo mães, envolvendo violência, é sempre tratada com prioridade. Nós nunca teremos um consulado que receba instruções de Brasília que digam: "Alegue trabalho demasiado!" Ou: "Não dê atenção!" É o contrário. Essa é uma área prioritária, porque nós sabemos que é importante não só atender, dar assistência a uma brasileira, como também evitar um caso de sequestro, porque nós sabemos da consequência.
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Só para terminar, quero dizer uma coisa que, na minha percepção de Chefe da Área de Cooperação Jurídica, a convenção tem muito o que avançar. Nós precisamos debater, nós precisamos conhecer todas as facetas da convenção e, ser for o caso, trabalhar para a sua melhoria. Mas, sem a convenção, é pior.
Sempre mando para a Natália, para conhecimento, os casos que acontecem com países onde não há convenção. É muito mais complicado. A demora, a luta de um pai ou de uma mãe que tem de recuperar um filho que foi para um país não parte da convenção é muito mais difícil do que quando há convenção.
Tenho certeza de que a convenção precisa ser debatida, de que a sociedade brasileira precisa mobilizar-se em torno do tema para que a gente possa melhorar não só a nossa compreensão... A convenção tem várias condições e vários artigos que precisam ser corretamente entendidos para que ela seja mais bem aplicada, mas, sem a convenção, realmente, é pior.
Com isso, termino a minha fala. Coloco-me à disposição para quem quiser, posteriormente, fazer algum questionamento.
Obrigado, Deputada.
A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, André.
Eu queria, então, passar mais uma vez a palavra à Valéria. Quero pedir que seja bem breve, Valéria, para que a gente possa concluir os trabalhos.
A SRª VALÉRIA GHISI - Claro.
Então, vou já, na linha do Dr. André. Concordo absolutamente com o senhor e com toda a Mesa sobre a necessidade da Convenção da Haia. É absolutamente necessário que exista a Convenção da Haia, que ela seja célere e que as decisões possam ser rápidas. Entretanto, isso não quer dizer que possa ser feito qualquer coisa.
Em sua fala, a Drª Fernanda mencionou o não recurso da AGU, que a AGU apoia a perícia. Às vezes, o que eu observo - e tenho vários exemplos nesse sentido - é que isso não acontece. Então, talvez seja necessário que nós possamos unir esforços para que a aplicação da Convenção da Haia possa ser feita da melhor maneira possível para todos e, principalmente, para as crianças.
Passei um bilhetinho, assim, por baixo da mesa, convidando, pedindo, para que a Drª Fernanda, então, acolha, com mais tempo para a gente discutir, esses exemplos que a gente tem em que a AGU nega perícia, em que a AGU recorre, mesmo já tendo sido decidido pela permanência. Acredito que esses casos, apesar de serem vários, pelo que a senhora mesmo expôs, não estão de acordo com as orientações da própria AGU. Então, é necessário que seja feita alguma coisa nesse sentido. Acho que essas discussões, essas exposições, são úteis, muito úteis, por isso. A Convenção da Haia é boa. Funciona? A gente tem três exemplos de como ela funcionou e há vários outros de como ela não funcionou e que não vêm à tona pelo próprio sigilo de justiça. Então, vamos trabalhar juntos?
A SRª PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós queremos agradecer muito a presença de todos os expositores.
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Acredito muito - e sempre falo isso - que essas audiências públicas que nós realizamos não devem ficar só na fala, sem nenhum encaminhamento efetivo, prático. Acho que essa discussão que se faz aqui hoje é extremamente importante, e nós temos, aqui, claramente uma divergência de afirmações, principalmente entre a mãe e a AGU, uma colocando de uma forma, outra colocando de outra, por isso nós precisamos acompanhar de perto. Eu acho que a Câmara Federal, o Congresso Nacional tem obrigação de estar acompanhando de perto a aplicação da Convenção de Haia aqui, no Brasil.
Eu queria, então, pedir à Secretaria da Mesa, que está acompanhando, para que pudéssemos receber da Valéria esses casos que ela menciona aqui, que não tiveram encaminhamento, como ela falou, e que nós pudéssemos, junto à AGU, acompanhar de perto este caso específico da Valéria, para que possamos identificar qual a dificuldade que ela tem; talvez seja a informação; talvez ela não tenha ido no tempo certo; talvez ela não esteja buscando no órgão certo, mas talvez possa, sim, haver alguma dificuldade da AGU, por algum profissional que não esteja cumprindo as diretrizes da AGU e, de alguma forma, não conseguiu dar uma resposta ao que ela necessita.
O fato é que nós temos aqui alguns casos concluídos com êxito, nós temos alguns casos no meio do caminho, e é preciso que identifiquemos, com muito desprendimento, sem vaidades, onde estão os gargalos; se é falta de funcionários; se é falta de recursos; se é falta de representação nos outros países signatários.
Eu fui Relatora da CPI do Tráfico de Pessoas, e uma das modalidades é justamente a adoção clandestina. Nós sabemos da dificuldade da adidância em algumas embaixadas; da dificuldade, às vezes, de haver uma cooperação mais efetiva; às vezes, de haver o pessoal especializado na área de assistência para atender; às vezes, temos outros servidores no consulado, mas não temos ali o pessoal preparado para atuar em determinadas áreas, por dificuldades financeiras mesmo do nosso País de manter essa estrutura de todos os países parceiros, signatários.
Enfim, eu acredito que nós precisamos fazer uma reflexão séria, totalmente desprendida de querer dizer que nós estamos fazendo a nossa parte, então está tudo certo. Não. Devemos reconhecer que nós precisamos avançar, que nós temos alguns gargalos e que o Congresso está para ajudar. Nós, Parlamentares, queremos estar justamente intermediando e cobrando de onde for preciso para que tenhamos mais recursos, para que tenhamos uma estrutura que realmente funcione e atenda a essas demandas.
Sabemos que, para além da legislação, das normas, da aplicação efetiva, nós temos aí sentimentos envolvidos, circunstâncias emocionais que são variáveis, e daí sabemos que nós podemos ter desdobramentos diferentes de cada caso, mas nós precisamos ter um procedimento padrão que seja divulgado, que seja de conhecimento da vítima; se a vítima está denunciando na hora errada ou se está apresentando a documentação, ou falando da violência, não fala no momento de procurar a CAD, depois que ela vai se manifestar dessa presença, do acontecimento da violência, ou se ela está se reportando à AGU quando devia estar se reportando ao Judiciário...
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Então, de alguma forma, existe uma falha de comunicação, de divulgação sobre o que pode ser feito nesses casos. É uma área muito específica e, por isso, precisa de ter uma divulgação maior. Por isso, queremos nos colocar à disposição e pedir à Mesa que possamos acompanhar o desdobramento desta audiência que acontece aqui, hoje.
Quero agradecer a todos os presentes. A presença de cada um de vocês, com certeza, enriquece o debate e nos dá condições de nós avançarmos nesta questão,
Muito obrigada.
Nada havendo mais a tratar, eu encerro a presente reunião. (Palmas.)
(Iniciada às 15 horas e 04 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 18 minutos.)